Anisio Teixeira na direção do Inep.pmd

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Anisio Teixeira na direção do Inep.pmd
ANÍSIO TEIXEIRA NA DIREÇÃO DO INEP
1
2
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
ANÍSIO TEIXEIRA NA DIREÇÃO DO INEP
PROGRAMA PARA A RECONSTRUÇÃO DA NAÇÃO
BRASILEIRA (1952-1964)
Marta Maria de Araújo
Iria Brzezinski
(Organizadoras)
Brasília - DF
Inep 2006
3
COORDENADORA-GERAL DE LINHA EDITORIAL E PUBLICAÇÕES (CGLEP)
Lia Scholze
REVISÃO
Omar dos Santos
CAPA
Marcos Hartwich
DIAGRAMAÇÃO E ARTE FINAL
Bárbara Bela Editora Gráfica
TIRAGEM
1.000 exemplares
EDITORIA
Inep/MEC – Intituito Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
Esplanada dos Ministérios, Bloco L, Anexo 1, 4° Andar, Sala 418
CEP 70047-900 – Brasília-DF-Brasil
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DISTRIBUIÇÃO
Inep/MEC - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Texeira
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A exatidão das informações e os conceitos e opiniões
emitidos são de exclusiva responsabilidade dos autores
Anísio Teixeira na Direção do Inep: Programa para a Reconstrução da Nação Brasileira
(1952-1964) / Marta Maria de Araújo, Iria Brzezinski (Organizadora). – Brasília:
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2006.
288 p.: il.
ISBN: 85-86260-32-0
1. Planejamento do sistema educacional – Brasil. 2. Teixeira, Anísio, 3. Moreira,
João Roberto. 4. Melo, Orlando Ferreira de Melo. 5. Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. 6. Centro de Pesquisas e Orientações Educacionais
– Rio Grande do Sul. 7. Centro Regional de Pesquisas Educacionais – Rio Grande do Sul.
8. Escola Guatemala – Rio de Janeiro. 9. Escola-Parque. 10. Instituto de Educação de
Goiás. 11. Centro Integrado de Educação de Colinas – Maranhão. 12. Reforma da
Educação – Rio Grande do Norte. I. Araújo, Marta Maria de. II. Brzezinski, Iria.
CDU - 37.015.6(81)-057.87
4
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
SUMÁRIO
Apresentação .........................................................................................7
Prefácio ..................................................................................................11
Luzes e Sombras de um Projeto. O Programa de Reconstrução
Educacional de Anísio Teixeira no Rio Grande do Sul (1952-1964) ............13
Maria Helena Câmara Bastos, Claudemir de Quadros, Rosimar Serena Siqueira Esquinsani
O Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (Inep) e o Centro de Estudos
e Pesquisas Educacionais (Cepe): a experiência de um laboratório de
ensino primário no Paraná (1952-1964) ................................................... 51
Marcus Levy Albino Bencostta
Centro Educacional Guaíra: um laboratório de reconstrução
educacional do Inep no Paraná ............................................................. 59
Bento Mossorunga
Santa Catarina e o Programa Nacional de Reconstrução Educacional de
Anísio Teixeira: a colaboração dos intelectuais catarinenses ...................75
Leda Scheibe, Maria das Dores Darós, Leziany Silveira Daniel
Educação como reconstituição e reorganização da experiência:
Guatemala, a escola-laboratório do Inep (1955-1964) ..............................95
Yolanda Lima Lobo, Miriam Waidenfeld Chaves
O ensino baseado em pesquisas e estudos como diretriz do Centro
Regional de Pesquisas Educacionais de Minas Gerais ............................. 113
José Carlos Souza Araújo, Décio Gatti Júnior
Escolas-Parque: legado do educador Anísio Teixeira, patrimônio da
educação brasileira ............................................................................... 143
Alice Fátima Martins
5
Anísio Teixeira e o Instituto de Educação de Goiás: Política educacional?
Formação de profissionais da educação? Construção escolar? ............... 159
Iria Brzezinski
Programa de Reconstrução Educacional na Bahia:
Anísio Teixeira (1952-1964) ................................................................... 179
Stela Borges de Almeida, Joseania Miranda Feitas
Anísio Teixeira e as construções escolares como estratégia para a
difusão de modelos pedagógicos ........................................................... 209
Anamaria Gonçalves Bueno de Freitas e Jorge Carvalho do Nascimento
O Maranhão e a reconstrução educacional (1952 – 1964) ...................... 227
Diomar das Graças Motta e Raimunda Nonata da Silva Machado
Uma ousada reforma educacional do governo Dinarte Mariz no Rio
Grande do Norte (1956-1961) e o apoio institucional de Anísio Teixeira
como diretor do Inep .............................................................................. 251
Marta Maria de Araújo
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Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
APRESENTANDO A OBRA
Em março de 2002, enviamos uma correspondência para colegas
historiadores da educação de quase todos os estados, informando que
estávamos organizando uma publicação, objetivando explicitar as políticas
projetadas em articulação com o Programa de Reconstrução Educacional,
pensado e executado por Anísio Teixeira, como Diretor-Geral do Instituto
Nacional de Estudos Pedagógicos – Inep (1952 a 1964). A principal intenção
era “mapear” em cada estado da federação, os vínculos dos projetos, planos,
experiências educacionais e reformas de ensino com o Programa de
Reconstrução Educacional.
Passados quarenta anos do afastamento de Anísio Teixeira do Inep (19642004), a presente obra reúne textos de pesquisadores e pesquisadoras da
história da educação no Brasil, que aceitaram o nosso convite para trazer a
lume a materialização das idéias intelectuais do Diretor do Inep e de
colaboradores no solo dos seus estados. Tais textos foram elaborados com a
investidura do referido Programa de Reconstrução Educacional, em bases
cientificas e democráticas, já esboçadas no célebre Manifesto dos Pioneiros
da Educação Nova, lançado em março de 1932. Por isso, a relevância conferida
por Anísio Teixeira à criação dos Centros de Pesquisas Educacionais do Inep,
as quais tinham finalidades em múltiplas direções, como a de pesquisar as
condições culturais e as tendências de desenvolvimento de cada região
brasileira, para efeito de elaboração de uma política educacional nacional de
essência científica.
O texto de Maria Helena Câmara Bastos (PUC/RS), Claudemir Quadros
(Unifra/RS) e Rosemir Serena S. Esquinsani (UCS/RS), acerca do Programa de
Reconstrução Educacional no Rio Grande do Sul (1952-1964), veicula que nesse
estado, o período de 1945 a 1964 foi profícuo em termos de políticas
educacionais capitaneadas tanto pelo Centro de Pesquisas e Orientações
Educacionais (CPOE), quanto pelo Centro Regional de Pesquisas Educacionais
(CRPE). Cursos, estágios e seminários para professores, além de pesquisas
empíricas foram as linhas mestras do trabalho do CRPE/RS. Em 1957, o Centro
inaugurou uma escola experimental de nível primário na capital gaúcha, para
servir como campo experimental de estudos pedagógicos. Da mesma forma,
o Colégio de Aplicação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS),
fundado em 1954, funcionou como escola laboratório por meio das classes
Apresentando a Obra
7
experimentais e atuou juntamente com o CRPE/RS na realização de pesquisas
educacionais. Ainda mais. O Centro se articulou com o Programa de Cidadelaboratório para desenvolver estudos de várias comunidades gaúchas e
estendeu as suas atividades pedagógicas para outros estados da federação,
com cursos para professores no Rio Grande do Norte e em Santa Catarina.
Ademais, o CRPE/RS teve um papel primordial na constituição da Faculdade
de Educação (1970) e do Programa de Pós-graduação em Educação (1972)
da UFRGS.
A instalação oficial, em 1952, do Centro de Estudos e Pesquisas Educacionais
(Cepe), subordinado à Secretaria de Educação e Cultura do Estado do Paraná,
indiscutivelmente passou a ter a cooperação do Inep para o desenvolvimento
de suas atividades meio e fim, com destaque para a capacitação do corpo
docente das escolas primárias paranaenses. O texto de Marcus Levy Albino
Bencostta (UFPR), basicamente, procura responder às seguintes indagações:
quais as repercussões das ações do Inep durante a gestão de Anísio Teixeira
nos programas oferecidos pelo Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais –
CBPE, na realidade dos professores primários do Paraná? Em que sentido a
concepção de uma nova política educacional para o país repercutiu entre as
autoridades de ensino desse estado? Quais experiências que podem ser
identificadas como resultantes desse investimento do Inep?
O capítulo de autoria de Leda Scheibe, Maria das Dores Daros e Leziany
Silveira Daniel (UFSC) resulta do trabalho investigativo que o Grupo de Pesquisa,
Ensino e Formação de Educadores de Santa Catarina desenvolveu, levando
em consideração a década de 50. Em primeiro lugar, as autoras fazem uma
reflexão sobre as tendências que predominaram na pesquisa educacional
brasileira e catarinense, no período em que as Ciências Sociais emergiram
como principal referência teórica. Em seguida, se detêm no papel dos
intelectuais catarinenses João Roberto Moreira e Orlando Ferreira de Melo,
que se destacaram como interlocutores privilegiados no processo reformista,
instaurado por Anísio Teixeira no âmbito do Programa de Reconstrução
Educacional.
O escrito de Yolanda Lima Lobo (UENF) e de Miriam Waidenfeld Chaves
(UFRJ) tem como foco principal as experimentações pedagógicas realizadas
na primeira escola experimental do Inep, a Escola Guatemala, inaugurada em
1954, pertencente à Secretaria de Educação do Distrito Federal. O cotidiano
dessa Escola, de seus professores e alunos e da sua comunidade são objetos
de discussão das autoras. Sucintamente, reconstituíram o percurso intelectual
do Inep, destacando alguns marcos teóricos.
Delinear, ainda que introdutoriamente, a gênese, os propósitos e as
realizações do Centro Regional de Pesquisas Educacionais de Minas Gerais
(CRPE/MG), constitue o trabalho de José Carlos de Araújo e Décio Gatti Júnior
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Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
(UFU). Instalado em 1957, o CRPE/MG, compromissado com o Programa de
Reconstrução Educacional do Inep, direciona-se, acima de tudo, para a
formação continuada do professorado mineiro e brasileiro. Para os autores,
Anísio Teixeira, como diretor do Inep e do CBPE, definiu como meta prioritária
a formação do professor. Para isso, a pesquisa se constituía como um
instrumento a subsidiar a construção de uma política para o país. E o CRPE
mineiro trilha por essas sendas.
Em seu texto, Alice Fátima Martins (UnB) apresenta a recomendação do
Fórum Escolas-Parque: Patrimônio da Educação Brasileira, realizado em Brasília,
em agosto de 2003, que diz respeito ao registro de patrimônio cultural, no
Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, das escolas parques de
Salvador e Brasília e os planos arquitetônicos e urbanísticos do complexo
educacional em que essas escolas estão inseridas. Face à recomendação, a
autora discute o conceito de patrimônio cultural imaterial, para poder tratar
do projeto pedagógico das escolas parques de Salvador e Brasília, pensadas
por Anísio Teixeira.
A política da reconstrução nacional, orientada pelos pressupostos de
que tal reconstrução se faria pela educação e de que a escola deve ser
considerada um centro de vida onde a matéria social se condensa e se inova,
foi o objeto de estudo de Iria Brzezinski (UCG), realizado por meio de uma
análise documental em fontes primárias, (muitas manuscritas), fazendo
também, no campo empírico, reconstituições com o uso da História oral.
Para Anísio Teixeira, a política de reconstrução da nação precisava ser
implantada, como de fato ocorreu, nas esferas políticas do estado, do município
e da cidade, com particularidade local.
Nesse aspecto, as realizações das políticas locais de Anísio Teixeira, na
condição de diretor do Inep, com foco especial na análise de uma dessas
particularidades no estado de Goiás merecem destaque. O caso do Instituto
de Educação (IEG) consiste no objetivo do estudo aqui apresentado pela autora
e parceira de organização desta obra.
Apresentar o legado de Anísio Teixeira na Bahia, no que se refere ao
Programa de Reconstrução Educacional, é o que cabe às professoras
pesquisadoras Stela Borges de Almeida e Joseânia Miranda Freitas (UFBa).
Consideram as autoras, que mesmo diante dos resultados preliminares e
provisórios das ações educacionais, no período de 1920 a 1930, somente
nos anos de 1952 a 1964, é que ganham maior visibilidade na Bahia, a
criação de escolas experimentais e de demonstração para a formação de
professores, fundamentadas no princípio da relação entre ensino e pesquisa,
bem como, o extenso programa de construções escolares rurais e urbanas,
a instalação da biblioteca infantil e do Centro Regional de Pesquisas
Educacionais da Bahia (CRPEBa).
Apresentando a Obra
9
Ana Maria Gonçalves Bueno de Freitas e Jorge Carvalho do Nascimento
(UFS) analisam, tanto os desdobramentos do Programa de Cooperação Técnica
e Financeira das Unidades Federadas no estado de Sergipe, quanto a
participação do professor José Antônio Nunes Mendonça em estágios no CBPE,
seminários promovidos pelo Inep, estudos e observações em escolas
experimentais e demonstrativas do Rio de Janeiro e Salvador e em realização
de inquéritos com relação à educação escolar em Sergipe, no período em
que Anísio Teixeira esteve à frente do Inep.
A professora Diomar das Graças Motta e a graduanda em Pedagogia,
Raimunda Nonata da Silva Machado (UFMa) discorrem sobre o Programa de
Reconstrução Educacional no Maranhão e sobre a experiência do Centro
Integrado de Educação da cidade maranhense de Colinas, como parte das
ações educacionais da Igreja Católica local.
Fechando a obra, tem-se o texto de Marta Maria de Araújo (UFRN),
abordando as intersecções dos programas e projetos do Inep com a Secretaria
de Educação e Cultura do Rio Grande do Norte, durante o Governo Dinarte de
Medeiros Mariz (1956-1961), quando foi aprovada e implementada uma
reforma da Educação Escolar Primária e Normal, em dezembro de 1957. A
autora considera que essa reforma representa um marco na história da
educação escolar regida pela Carta de Lei n. 405, de 29 de novembro de
1916, no sentido de expressar o Plano de Reconstrução Educacional do Inep
e, por extensão, também o pensamento intelectual de Anísio Teixeira.
Nesse exercício de mapear projetos, planos, experiências educacionais
e reformas de ensino em nove estados e no Distrito Federal, recompomos
ângulos da história da educação pública de uma época brasileira. De igual
maneira, abordamos aspectos da história intelectual de um órgão educacional
nascido em 1936 com o nome de Instituto Nacional de Pedagogia. Na base
de tudo, o plano que levava a denominação ⎯ Plano de Reconstrução
Educacional ⎯ sobressaía-se o pensamento intelectual e estratégico do
educador brasileiro Anísio Teixeira.
Marta Maria de Araújo
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)
Iria Brzezinski
Universidade Católica de Goiás (UCG)
Organizadoras
10
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
PREFÁCIO
Fundado em 1937, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
Anísio Teixeira (Inep), sob distintos ângulos, permanece como objeto
inesgotável de pesquisas científicas. Criado originalmente com a denominação
de Instituto Nacional de Pedagogia, concebido em plena efervescência do
Movimento de Renovação Educacional, levado a cabo pelos integrantes da
Associação Brasileira de Educação (ABE), teria atribuições de promover
inquéritos, cursos de aperfeiçoamento do magistério, demonstrações,
assistência técnico-pedagógica, levantamento da bibliografia educacional
brasileira e de intercâmbios internacionais, além de fazer publicar
conhecimentos relativos à ciência pedagógica na Revista Brasileira de Estudos
Pedagógicos (RBEP, 1944). Todo esse programa voltava-se para os fins de
assessorar as políticas educacionais destinadas às unidades da federação,
na proporção de suas necessidades imediatas.
Eis, portanto, que o Inep, sob a direção de Anísio Spíndola Teixeira
(1952-1964), alçou uma autonomia inigualável e se tornou um órgão
prestigioso de execução de campanhas educacionais, a exemplo da
Campanha de Erradicação do Analfabetismo, a de Inquéritos e Levantamentos
do Ensino Médio e Elementar (Cileme) e a Campanha do Livro Didático e
Manuais de Ensino (Caldeme). A compreensão de possibilitar que a
educação, a escola e o magistério tivessem uma base cientifica, a partir
dos fundamentos das ciências sociais, levou Anísio Teixeira a criar, em
1955, o Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE) e os Centros
Regionais de Pesquisas Educacionais (CRPE). Pelos quadros intelectuais e
técnicos de que dispunham, os centros passaram a pensar e a praticar com
plasticidade e pragmatismo uma política nacional de educação progressista,
orientada, pelo menos, por quatro diretrizes modernas da época: o progresso
das ciências sociais, a revolução industrial, o planejamento estratégico e o
intercâmbio de conhecimentos e recursos humanos.
O pensamento e a obra de Anísio Teixeira, como explicam Carlos
Monarcha e Carlos Guilherme Mota (Anísio Teixeira: a obra de uma vida,
2001), outrora projeto de uma modernidade, presentemente se tornaram
legados de estudos e de investigações do que era então chamado de “tradição
pedagógica liberal brasileira”.
Prefácio
11
O presente livro, cuja autoria é assumida por renomados historiadores
da educação, em sua maioria partícipes do GT História da Educação da
Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped),
sem dúvida, atende plenamente as intenções de sua construção. O trabalho
busca “mapear,” em cada estado da federação, os vínculos dos projetos,
planos, experiências educacionais e reformas de ensino com o Programa de
Reconstrução Educacional. Mais especificamente, os “pesquisadores autores”
deste trabalho intelectual trazem a público o campo de conhecimento em
que se explicitam as políticas estaduais projetadas em articulação com o
Programa de Reconstrução Educacional, pensado e executado por Anísio
Teixeira e colaboradores, em um tempo histórico em que a educação nacional
possuía uma relevância estratégica para a reconstrução da nação por meio
da reconstrução educacional. Por outro lado, esta obra abre inúmeras
possibilidades de estudos para história da educação no Brasil, além de
pesquisas no domínio da história comparada da educação brasileira.
É importante ressaltar que a presente publicação revela mais uma das
articulações interinstitucionais celebradas entre o Inep e a Anped, que
permitem a essa última, disseminar o seu potencial acadêmico científico e
sua competência instalada no âmbito dos seus grupos de trabalhos (GT) e
grupos de estudos (GE), com vistas ao desenvolvimento de estudos, divulgação
de pesquisas e ao fortalecimento das políticas educacionais do país.
Betânia Leite Ramalho
Presidente da ANPEd
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)
Oroslinda Maria Taranto Goulart
Diretora de Tratamento e Disseminação de Informações
Educacionais do Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (DTDIE/Inep)
12
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
LUZES E SOMBRAS DE UM PROJETO: O PROGRAMA DE
RECONSTRUÇÃO EDUCACIONAL DE ANÍSIO TEIXEIRA NO RIO
GRANDE DO SUL (1952-1964)
Maria Helena Câmara Bastos – PUC/RS1
Claudemir de Quadros – UNIFRA/RS2
Rosimar Serena Siqueira Esquinsani –UCS/RS3
Introdução
O período de 1945 a 1964 foi profícuo de realizações na área de educação
no Rio Grande do Sul4, capitaneadas pela ação político-pedagógica do Centro
de Pesquisas e Orientações Educacionais – CPOE (1943-1971)5 e pelo Centro
Regional de Pesquisas Educacionais – CRPE (1956), instituto de pesquisa
vinculado ao Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais – CBPE (1955)6, criado
por Anísio Teixeira durante sua gestão no Instituto Nacional de Pesquisas
Educacionais (Inep). Para Xavier (1999), esse período representou a “retomada
do projeto dos pioneiros”, agora com preocupações mais democráticas e
1
Doutora em História e Filosofia da Educação; Professora no Programa de Pós-Graduação em Educação da
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul; Pesquisadora do CNPq.
Mestre em Educação pela Universidade de Passo Fundo / UPF; doutorando na Universidade Federal do Rio
Grande do Sul/UFRGS; professor no Centro Universitário Franciscano /UNIFRA.
3
Mestre em Educação pela Universidade de Passo Fundo / UPF; doutoranda em Educação Básica pela
Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS; professora da Universidade Estadual do Rio Grande do
Sul / UERGS e da Universidade de Caxias do Sul / UCS.
4
Com o término do período ditatorial de Getúlio Vargas, ocupam o poder no RS: o interventor Cilon Rosa
(1945-1947), o Dr. Walter Só Jobim (1947-1950), o Gen. Ernesto Dornelles (1951-1955), o Eng. Ildo
Meneghetti (1955-1959), o Eng. Leonel de Moura Brizola (1953-1963), o Eng. Ildo Meneghetti (19631967). Durante esse período a Secretaria de Educação teve treze titulares na pasta.
5
“O CPOE terá a seu cargo, diretamente e através das superintendências de ensino e das delegacias
regionais, a direção, orientação técnica e execução das experimentações necessárias ao aperfeiçoamento
dos sistemas e métodos de ensino e das mensurações objetivas do seu rendimento, e se articulará de um
lado diretamente ao Secretário de Educação e, de outro, ao Conselho Estadual de Educação, aos quais
comunicará os resultados das pesquisas e mensurações realizadas, propondo as medidas que a respeito,
se fizerem necessárias” (Decreto-Lei n. 1.394, de 25 de março de 1947, art. 20). Centro de pesquisa e
órgão técnico-normativo, consultivo, diretivo e orientador das atividades didático-pedagógicas. Epicentro
das decisões educacionais e órgão que estabelecia formas de controle sofisticadas da profissão docente,
da vida dos alunos, da escola e da comunidade escolar, com vistas a produzir e consolidar uma determinada
expertise educacional (PERES, 2000, p.136). Sobre o CPOE, ver PERES, Eliane T. Aprendendo formas de
pensar, de sentir e de agir. A escola como oficina da vida: discursos pedagógicos e práticas escolares da
escola pública primária gaúcha (1909-1959).
6
Sobre o CBPE, ver XAVIER, Libânea. O Brasil como laboratório: educação e ciências sociais no projeto dos
Centros Brasileiros de Pesquisas Educacionais CBPE/Inep/MEC (1950-1960).
2
Luzes e Sombras de um Projeto
13
culturais7, na perspectiva de pensar a educação articulada com a sociedade,
fruto de um planejamento técnico com vistas ao desenvolvimento.
Para analisar os reflexos no Rio Grande do Sul da política educacional
implementada por Anísio Teixeira junto ao Inep e ao CBPE, pretende-se avaliar
o papel desempenhado pelo CRPE na efetivação dessa ação políticopedagógica, a política de construção de prédios escolares no estado nesse
período, o episódio conhecido como o “caso Anísio Teixeira”, protagonizado
pelo arcebispo de Porto Alegre, Dom Vicente Scherer, que se lançou em
campanha contra as idéias do educador baiano, levantando a questão do
público e do privado em termos educacionais e colocando o Rio Grande do Sul
em uma posição de proeminência nas discussões nacionais.
Com essa aproximação não se pretende abarcar toda a gama de influências e
da ação política educacional de Anísio Teixeira no Rio Grande do Sul, mas analisar
a participação do estado em uma fase significativa e profícua da educação nacional.
Espelho Multifacetado. O Centro Regional de Pesquisas
Educacionais /RS (1956-1974)8
Inicialmente funcionando como Centro de Estudos Pedagógicos,
reorganizou-se como CRPE/RS em 1956, dirigido pela professora Eloah Ribeiro
Kunz9, no período que antecede ao convênio firmado com a Universidade
Federal do Rio Grande do Sul e o Inep (1959)10. A escolha de uma técnica e
diretora do Centro de Pesquisas e Orientações Educacionais da Secretaria de
Educação e Cultura, no período de 1946 a 1954, professora de Medidas
Educacionais do Departamento de Estudos Especializados do Instituto de
7
Sobre a educação no RS no período de 1930 a 1945, ver BASTOS, M.H.C. O Novo e o Nacional em (re)vista:
A Revista do Ensino do Rio Grande do Sul (1939-1942).
Esse texto contou com a colaboração da bolsista de iniciação científica Fernanda Busnello (FAPERGS/2003)
9
Durante a gestão da professora Eloah Ribeiro Kunz, colaboraram no CRPE as seguintes professoras: Adda
Drügg de Freitas (bibliotecária), Amneris Fortini Albano, Antonieta Barone (responsável pela direção), Célia
Travassos Alves, Eleutéria Biehl (auxiliar de pesquisa), Elfa Freda (auxiliar de pesquisa), Emília Flores,
Gladis Barth Torelly (assistente de direção), Ivone Van Der Perre, Lia Campos, Lucy Merlotti, Luiza Albuquerque,
Margarida S. Sirângelo, Maria Fernandes de Oliveira, Maria de Lourdes Furtado Rahde (assistente de
direção), Maria Lígia Santos Chaves, Marianina Freda (auxiliar de pesquisa), Odila Barros Xavier, Ruth
Mendes Prates (coordenadora de estágios), Selma Brodt Ribeiro (assistente da direção), Suely Krieger
(auxiliar de pesquisa), Jessé Marques Teixeira da Silva (serviços contábeis). O nome desses professores
consta na capa do Boletim do Centro Regional de Pesquisas Educacionais/RS, número 1, de 1956, e no
Boletim do CBPE, número 1, de agosto de 1957.
10
Para Eloah Ribeiro Kunz seu afastamento do Centro foi motivado pelo seguinte fato: “o prestígio
alcançado pelo CRPE junto ao Inep nos meios educacionais do estado e naqueles de onde vinham os
bolsistas, levou dois professores da URGS a pleitearem junto ao Instituto a incorporação do órgão à
universidade. Tendo alcançado seu desiderato e conferido autonomia administrativa e técnica a URGS, os
dois professores foram designados diretores, um do CRPE e o outro de uma de suas seções”. Após esse
incidente, a professora recebeu uma carta de Anísio Teixeira, na qual manifestava sua surpresa pela forma
como se processou a incorporação, pois, segunda sua vontade, ela só se processaria com a sua participação
direta e colaboração. Depoimento de Eloah B. Ribeiro Kunz, fornecido à pesquisadora Beatriz Daudt
Fischer, para sua tese de doutorado em educação, em janeiro de 1998.
8
14
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
Educação General Flores da Cunha, expressa o reconhecimento do profícuo
trabalho que vinha sendo realizado no estado. O prestígio estadual e nacional
dessa instituição parece ter sido um importante fator para a escolha de um
técnico desse centro para instalar e dirigir o CRPE/RS.
De 1956 a 1959, o CRPE/RS edita um Boletim Anual, em que registra as
atividades desenvolvidas. No primeiro número, há dados sobre a criação do
centro e as expectativas quanto ao papel a desempenhar. “Poderá exercer
salutar influência na modificação do clima espiritual que envolve a obra
educativa e contribuir para desfazer dúvidas e confusões, pela realização de
pesquisas e cursos, pela elaboração e lançamento de livros e de material
didático, verdadeiros guias de ensino, em perfeita harmonia com os princípios
e técnicas da Escola Nova” (Boletim CRPE/RS, 1956, p.14).
A formação do professor por meio de cursos, estágios e seminários, a
elaboração de pesquisa, levantamentos e estudos são as linhas mestras do
CRPE/RS (Anexos 1 e 2) seguindo a proposta definida por Anísio Teixeira para
o CBPE11. Com essa estratégia, o centro pretendia elaborar e oferecer aos
professores, instrumentos de trabalho que lhes poupassem tempo e esforço12.
Em fevereiro de 1957, é inaugurada em Porto Alegre, pelo CRPE/RS, uma
Escola Experimental, de nível primário, como campo experimental de estudos
pedagógicos13. Também o Colégio de Aplicação da UFRGS, criado em 1954,
funciona como escola laboratório, com a implantação de classes experimentais
e atua conjuntamente na realização de pesquisas, através da participação
efetiva da professora Graciema Pacheco e de vários professores e
pesquisadores14. Dentro do Programa de Cidade laboratório15, o CRPE/RS realiza
levantamento e estudo de vários comunidades/municípios do estado16.
11
Sobre o CBPE, ver XAVIER, Libânea. O Brasil como laboratório (1999).
De 1955 a 1958, o centro teve 102 professores bolsistas de diferentes estados brasileiros: Maranhão,
Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia, Minas gerais, Espírito
Santo, Goiás, Paraná, Santa Catarina. Também os professores gaúchos foram freqüentar cursos em São
Paulo, Rio de Janeiro e no exterior do estado. Foram bolsistas as professoras: Norma Zerwes, de Porto
Alegre, no Rio de Janeiro e na Escola Parque na Bahia, em 1959; Diva Machado, de Santa Maria (1959);
13
Entre as iniciativas promovidas por Anísio Teixeira durante sua gestão como diretor do Inep, destacamse o “treinamento e a reciclagem de professores, mediante cursos intensivos” e a “criação de escolas de
demonstração e experimentação pedagógicas” que deveriam formar os futuros professores, vivenciando
as múltiplas realidades da prática de ensino (FÁVERO, 2002, p. 67).
14
Sobre o Colégio de Aplicação, ver SCHÜTZ, Liane Saenger. Sótãos e porões: sacudindo a poeira do
Colégio de Aplicação (1994).
15
Esse programa, associado à Campanha Nacional de Erradicação do Analfabetismo, se constitui em um
“campo permanente de estudos e experimentação educacional dos cientistas sociais e educadores,
priorizando o referencial teórico-metodológico de estudos de comunidade, cuja ênfase de pesquisa recaía
em estudos de linguagem, processos de alfabetização, formas de organização social, valores e crenças,
condições de vida, ideologia de poetas populares, mobilidade social, rendimento social” (ARAÚJO, MOTA;
BRITTO, 2002, p31).
16
Júlio de Castilhos Tapes, Viamão, Santa Cruz do Sul, Antônio Prado, São Leopoldo, Ijuí, Estância Velha,
Caçapava do Sul, Pelotas, Alegrete, Santa Maria, Passo Fundo, Cachoeira do Sul, Caxias do Sul, Rio Pardo,
Santo Ângelo, Camaqua, São José do Norte, Barra do Ribeiro, São Luis Gonzaga, Três de Maio, Rio
Grande, Taquari, Alecrim, Alpestre, Campina das Missões, Rodeio Bonito, Roque Gonzáles, Santa Rosa,
Santo Cristo, Tucunduva, Tuparendi.
12
Luzes e Sombras de um Projeto
15
Em 17 de novembro de 1959, é celebrado um acordo especial entre o
Inep e a Universidade do Rio Grande do Sul/URGS para a manutenção do
centro de pesquisas, integrado ao Departamento de Educação da Faculdade
de Filosofia e Ciências Humanas e ao Colégio de Aplicação17, viabilizando a
intenção de Anísio Teixeira “que a universidade incorporasse a problemática
educacional” (HENRIQUES, 1997, p. 63)18. A partir desse convênio, o centro é
dirigido pelo professor Dr. Álvaro Magalhães19 até sua extinção em 1974.
Para Anísio Teixeira, os centros “deveriam trabalhar estreitamente
articulados com as universidades locais e com as secretarias de educação e
cultura de cada estado” (FÁVERO, 2002, p. 65). As atividades realizadas pelo
CRPE/RS atestam o trabalho conjunto com outros órgãos governamentais. No
relatório das atividades empreendidas em 1959, consta que “os esforços
convergiram para que houvesse maior irradiação do Centro na vida educacional
do estado. Em colaboração com a secretaria de educação e seus vários
departamentos, com a Universidade do Rio Grande do Sul/URGS e entidades
culturais e educativas, a entidade promoveu o estudo de nossa realidade
educacional” (RBEP, n. 78, p.118). Essa ação compreendeu o levantamento
da documentação constante de leis, decretos, planos e instruções referentes
ao Ensino Primário, com a participação de técnicos do CPOE e do CRPE; o
estudo sobre idéias e sugestões em torno da criação de um Instituto Superior
de Ensino Normal; contatos com escolas normais e primárias, por meio de
visitas e estágios; visitas às delegacias regionais de ensino e a entidades
culturais e educativas da capital e do interior e o levantamento do professor
municipal leigo20.
Além do estreito vínculo com a universidade, o centro manteve contato
permanente e inúmeras parcerias com o CPOE/RS, com o objetivo de assessorar
ações político-educacionais em cursos de aperfeiçoamento do magistério e
17
O CRPE/RS teve vários endereços: Praça Dom Feliciano, nº. 14, Av. João Pessoa, nº. 535. Posteriormente,
se estabelece no prédio, especialmente construído, com recursos do Inep, para abrigar o Centro e o Colégio
de Aplicação da UFRGS – “A Universidade assinou convênio de cooperação com o CRPE do Inep. Por esse
convênio, haverá relação daquele órgão com o Colégio de Aplicação, ficando localizado o mesmo na sede
construída para o referido colégio, que recebeu a colaboração financeira do Inep, para atendimento parcial
das despesas de construção. Agora o colégio e o Inep passarão a ocupar a nova sede, concorrendo ambos,
reciprocamente, para a pesquisa e o treinamento dos alunos da Faculdade de Filosofia, duas atividades que
se completam e se harmonizam mutuamente no importante setor de ensino” (UFRGS, 1965, p. 111).
18
Essa parceria estava prevista no decreto nº. 38.460, de 28 de dezembro de 1955, que institui o Centro
Brasileiro de Estudos Pedagógicos e os centros regionais de Recife, Salvador, Belo Horizonte, São Paulo e
Porto Alegre, quando determina que esses centros regionais poderão funcionar em regime de convênios com
os governos ou entidades públicas ou privadas ou serem diretamente mantidos e administrados pelo Inep.
19
Sobre sua biografia, ver: FÁVERO, M.de L. de A.; BRITTO, J. de M. (Org) Dicionário de Educadores no
Brasil. P. 57-61
20
Por exemplo, dentro da Reforma do Ensino Normal, o CRPE/Inep, o Instituto de Educação General Flores
da Cunha, o CPOE/RS e a Superintendência do Ensino Normal/SECRS estabeleceram um programa conjunto
de atividades que permitissem a visão geral das conseqüências da reforma na vida educativa do estado.
16
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
em pesquisas21. Nos cursos de treinamento ministrados por ele, cabia ao
CPOE e às delegacias regionais de ensino a seleção dos candidatos bolsistas.
Além disso, tinham a incumbência de mostrar aos professores bolsistas,
oriundos de vários estados da federação, a realidade educacional riograndense-do-sul e de lhes proporcionar cursos de preparação para as
atividades didáticas em seus estados22.
O centro também participa de atividades em outros estados brasileiros,
ministrando cursos, recebendo e enviando bolsistas23, realizando pesquisas.
Participa da campanha pró-biblioteca pública municipal no Rio Grande do Sul
e em Santa Catarina; ministra cursos de treinamento de professores leigos
no Rio Grande do Norte (1963)24 e ministra cursos em Santa Catarina25.
O CRPE/RS, como uma sucursal do CBPE no estado, tem sua estrutura
organizada seguindo a determinação do artigo 3º, do Decreto n. 38.460/1955,
que a partir do modelo do Centro de Documentação Pedagógica da França26,
recomenda a organização de uma biblioteca educacional, um serviço de
documentação, um museu pedagógico e de serviços de pesquisa e inquérito,
de cursos e estágios e aperfeiçoamento do magistério e, quando possível,
dos serviços de educação audiovisual, distribuição de livros e material didático
e de outros que se fizerem necessários ao cumprimento de suas finalidades.
Na gestão do Dr. Álvaro Magalhães, o centro contou com os seguintes
departamentos: Divisão de Estudos e Pesquisas Sociais (Deps)27, sob a direção
do Dr. Laudelino Medeiros (até 1963); Divisão de Estudos e Pesquisas
Educacionais (Depe), sob a direção da professora Graciema Pacheco (19601974); Divisão de documentação e informação pedagógica (DDIP)28, sob a
direção do Dr. Edmundo Casado Marques (1960-1974); Divisão de
21
O CRPE/RS, em colaboração com as Delegacias Regionais de Ensino/SECRS, promove uma série de
conferências a cargo do professor Oscar Machado, diretor da DDAM, sobre “Educação para a Democracia”.
22
Depoimento de Eloah B. Ribeiro Kunz, fornecido à pesquisadora Beatriz Daudt Fischer, para sua tese de
doutorado em educação, em janeiro de 1998.
23
Sobre ver: KONRATH, Dorothy Costa. Bolsas de estudo e vida social. Boletim do CRPE/RS.
24
Sete professores do RS integraram essa missão pedagógica: Jorge Belfort Coelho de Moraes, Leda
Falcão de Freitas, Mathilde Zatar, Dilma Macedo Machado, Nadir Saldanha da Rocha, Carmem Schediak,
João Baptista Coelho Aguiar. Esses professores foram escolhidos pelo CRPE/RS. A iniciativa do curso de
aperfeiçoamento é do MEC, Sudene e Usaid, com a colaboração da SEC/RS.
25
Em agosto de 1964, ministra curso intensivo em Teoria e Prática de Currículo e Administração Escolar, sob
a direção de Dalilla Sperb.
26
O Centro de Documentação Pedagógica da França compreendia: Museu Pedagógico; Biblioteca Central
de Ensino Público; Bureau de documentação, informação e aparelhamento pedagógico; Serviços audiovisuais;
Serviço de edição e venda de publicações.
27
Durante o período de 1956 a 1960, o Deps desenvolveu o projeto de pesquisa “A criança sul-riograndense”.
28
Essa divisão é responsável pelo arquivamento de biografias de personalidades significativas do Rio
Grande do Sul. São enviados 82 questionários biográficos às personalidades. O periódico Correio publica
vários perfis de educadores rio-grandenses, que se constituem em uma preciosa fonte de pesquisa.
Também organiza um Fichário de Estabelecimentos de Ensino, publicando no boletim Correio do CRPE
sempre uma notícia com foto de uma escola.
Luzes e Sombras de um Projeto
17
Aperfeiçoamento do Magistério (DAM)29, dirigida pelo professor Oscar Machado
(1962 a 1965)30 Em janeiro de 1964 é publicada a organização do Centro,
composta dos seguintes setores:
-
-
-
Direção Geral assistida de um Conselho Técnico Administrativo;
Serviços Administrativos, a cargo de uma secretaria executiva,
compreendendo: secretaria (expediente, protocolo, arquivo e pessoal);
contabilidade, tesouraria e compras; almoxarifado e patrimônio;
portaria;
Divisão de Documentação e Informação Pedagógica (DDIP),
compreendendo: seção de informação e intercâmbio; seção de
publicações; seção de audiovisuais; biblioteca, arquivo; serviço de
distribuição de livros;
Divisão de Planos, Organização e Reformas Educacionais (DPORE);
Divisão de Estudos e Pesquisas Educacionais (Depe);
Divisão de Estudos e Pesquisas Sociais (Deps).
Também tinha uma secretária-executiva – Professora Dalilla Sperb (até 1965),
Luizaura Cauduro Dipp Föking (1965 –1974). Uma seção de publicações, sob a
chefia da professora Nelly Cunha, que entre suas funções era responsável pela
biblioteca e pelo museu pedagógico31. Em agosto de 1963, o Centro de Audiovisual
de Porto Alegre é incorporado ao Centro-DDIP, sob a chefia da Professora Maria
Helena de Oliveira32. Havia, também, um conselho técnico-administrativo, integrado
pelos professores: Desembargador Balthazar Barbosa; Ministro Eurico Trindade;
Dr. Salvador Petrucci; Alda Cardoso Kremer; e, Ida Silveira.
A denominação do CRPE/RS sofre uma pequena alteração entre 1972 e
1974, decorrente das medidas de reformulação dos centros regionais de todo o
país, passando a se denominar Centro Regional de Pesquisas Educacionais do
Sul (Cerpes). A estrutura e as pessoas responsáveis mantêm-se praticamente
29
O DAM é responsável pelos cursos ministrados pelo Centro; pela seleção, preparação e divulgação de
material informativo de interesse didático; planeja a realização anual de cursos de Administração Escolar
e de Supervisão Escolar para professores primários; coordena a concessão de bolsas de estudo oferecidas
pelo Inep a professores rio-grandenses; de 1956 a 1962 atuaram nessa divisão os professores: Antonieta
Barone, Ilka de Guittes Neves - Divisão de Aperfeiçoamento do Magistério (DAM).
30
Nessa organização, é criada uma nova seção, DPORE, que nos parece não existiu na prática. Até o
momento não localizamos nenhuma referência sobre a mesma.
31
Consta que em 1961, o museu pedagógico contava com 572 obras de caráter didático, onze cartazes
para o ensino da leitura, coletânea de jogos, histórias e gravuras. No período de 1956 a 1960, realizou as
seguintes atividades: apreciação de fichas de literatura infantil, adaptação de histórias infantis; apreciação
de fichas relativas à leitura de obras sobre geografia; estudo sobre a geografia do Brasil. Atuaram nessa
divisão as professoras: Adda Drügg de Freitas, Sara S. de Freitas, Dirce B. Carrion, Itália Aronne de Leão.
32
A DDIP realiza vários cursos de Recursos Audiovisuais para o magistério primário, em convênio com a
SEC/RS e CPOE/RS.
18
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
inalteradas, fato que pode ser creditado à direção do professor Álvaro
Magalhães, homem identificado com a política educacional do regime militar.
O CBPE/Inep firmou vários acordos de parcerias com organismos
internacionais, notadamente a Unesco (Organização das Nações Unidas para
a Educação, a Ciência e a Cultura), a OEI (Oficina de Educação Iberoamericana
organismo intergovernamental de cooperação educativa e cultural), a Unicef
(Fundo das Nações Unidas para a Infância). Integrado a esses convênios, o
CRPE/RS acolheu inúmeros visitantes, conferencistas, pesquisadores33.
O CRPE/RS realiza, a partir de agosto de 1961, na Rádio da Universidade, dois
programas semanais, aos sábados às 19h e às terças-feiras às13h, como veículo
de divulgação de notícias e assuntos de interesse do magistério, aproximando os
municípios do interior com o centro. Eram realizadas palestras sobre o Ensino Primário,
visando ao aperfeiçoamento do Magistério via radiofonia. A Divisão de Documentação
e Informação Pedagógica mantinha uma seção semanal no periódico Correio de
Povo, em que publicava uma bibliografia classificada.
Com publicações periódicas e sistemáticas, o CRPE/RS procura manter o
magistério a par das mais recentes iniciativas e realizações no campo da
educação e oferecer-lhe oportunidades de participar desse movimento e com
isso possibilita-lhe tornar conhecidos os resultados de suas experiências e
técnicas de trabalho (KUNZ, 1958, p.195). Nessa perspectiva, inicialmente,
edita um Boletim do CRPE/RS, 1956 a 1959, e 1961 a 1974, e o periódico
Correio do CRPE do Rio Grande do Sul, com sessenta e seis números
publicados34. Na fala do professor Álvaro Magalhães (1963, p. 3): “Como o
próprio nome indica, a nossa publicação tem uma finalidade modesta: fazer
circular notícias e informações, especialmente as de caráter educacional,
entre nossos amigos”. O objetivo era dar destaque às iniciativas regionais,
isto é: às ações promovidas pelo centro regional, às iniciativas e aos
movimentos culturais do estado. O periódico teve um ciclo de vida bastante
intermitente, oscilando entre publicação mensal, bimensal, trimestral e
semestral, com um número de páginas, variando entre 30 e 120 páginas.
Identificado com o Boletim Informativo do CBPE/Inep, o Correio do CRPE/
RS registra as atividades, as pesquisas e os cursos realizados pelo centro, os
sujeitos envolvidos, os eventos da universidade, da SECRS e da cidade de
Porto Alegre. Em todos os números é apresentada uma biografia de uma
33
Hilda Taba, Henry Clay Lindgren, Clément Férraud, Robert Brackenbury, Jacqueline Cambon, Robert
Havighurst, James C. Page, Angel Oliveros, Helmuth Schelsky, Hans Albert Steger, Stanley Ainslie Applegate,
Roland Sanchez Araya, Angel Diego Márquez, Geneviève Latreille, Heinz H. K. E. Wackerritt, e outros.
34
Não foi possível localizar os dezesseis primeiros números do Correio do CRPE/RS. Notícia publicada sobre
as atividades do ano de 1959, comunica que CRPE/RS expediu boletins informativos, planos e comunicados,
o que permite estabelecer provisoriamente como data de início da publicação.
Luzes e Sombras de um Projeto
19
personalidade ilustre do estado, resultado da pesquisa empreendida pelo
centro. Mantém com o periódico nacional a similaridade de publicar as doações
e aquisições da biblioteca, comentários de livros e bibliografias temáticas35.
O CRPE/RS também publica suplementos didáticos e uma série intitulada
“Pesquisas e Monografias”36, coordenada pela professora Graciema Pacheco
e resultado das atividades promovidas, editando 16 títulos com ênfase no
RS37. Essas publicações são remetidas às secretarias de educação de todos
estados brasileiros e aos institutos de pesquisas.
O CRPE/RS teve um papel significativo na configuração do campo educacional
rio-grandense, especialmente na constituição da faculdade de educação (1970)
e do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFRGS (1972)38, integrado por
professores e pesquisadores que se formaram e atuaram no centro.
Lendo os estudos de Xavier (1999), sobre o CBPE/Inep, e de Ferreira (2001),
sobre o CRPE/SP, se percebe que a concretização do projeto de reconstrução
educacional de Anísio Teixeira no Rio Grande do Sul esteve em sintonia com
o plano nacional, como um dos tentáculos envolvidos no processo de
valorização da pesquisa e da formação de recursos humanos para a Ciência
da Educação. No entanto, em uma análise mais atenta, constata-se que o
estado é um espelho multifacetado, com algumas singularidades significativas
35
Na revista Educação e Ciência Sociais do CBPE/Inep, constata-se a ausência de artigos publicados por
membros do CRPE/RS, frente à massiva participação de pesquisadores de São Paulo e Rio de Janeiro. Sobre
isso, ver: Xavier, Libânea – A Pesquisa do CBPE em Revista.
36
O CBPE/Inep edita a revista “Educação e Ciências Sociais” e também publica a série “Pesquisas e Monografias”.
37
Série “Pesquisas e Monografias”: MEDEIROS, Laudelino. Educação na área rural de Santa Cruz do Sul. Porto
Alegre: CRPE/RS, 1962. 56p; BAQUERO, Godeardo SJ; FRANTZ, Theobaldo SJ. Assim falam eles e elas:
pesquisa dos problemas do adolescente brasileiro. Porto Alegre: CRPE/RS, 1962. 187p; SILVA, Ruth Ivoty Torres.
Aproveitamento de alunos no Curso Ginasial. Porto Alegre: CRPE/RS, 1964; PEREIRA, Odiles Fonseca. Sistema
Educacional de Viamão. Porto Alegre: CRPE/RS, 1965; PACHECO, Graciema; SANTOS, Olga Machado. As
classes de alfabetização através do parecer dos professores. Porto Alegre: CRPE/RS, 1965. 45p; SALDANHA,
Louremi E. Uma nova dimensão do ensino de Filosofia na Escola Secundária. Porto Alegre: CRPE/RS, 1966/67;
SUBSÍDIOS para o planejamento educacional no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: CRPE/RS, 1967; AZAMBUJA,
Darcy. Aula sobre sociologia. Porto Alegre: CRPE/RS, 1967; OTT, Margot Bertolucci. Avaliação e Operações
Mentais. Porto Alegre: CRPE/RS, 1971; MELLO, Luzia Garcia de. Desempenhos do professor em situação de
estágio de prática de ensino. Porto Alegre: CRPE/RS, 1971; MARTINS, José Salgado. Breve história das idéias
no Rio Grande do Sul (século XIX e princípios do atual). Porto Alegre: CRPE/RS, 1972.
38
A Faculdade de Educação é criada em 01 de setembro de 1970, a partir da implantação da Reforma
Universitária (Lei nº 540/68). Suas raízes se situam no Departamento de Educação e, anteriormente, na Cátedra
de Didática Geral e Especial da antiga Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, fundada em 1943, a Faced/
UFRGS se estrutura em três departamentos: Estudos Básicos (Debas), Ensino e Currículo (DEC), e Estudos
Especializados (DEE); um órgão Auxiliar - Colégio de Aplicação. Em 1971, começa a se estruturar o curso de pósgraduação em educação - mestrado, que é implantado em 1972, com três áreas de concentração: Ensino,
Planejamento Educacional e Psicologia Educacional. Em 1976, o curso é reconhecido, sendo o primeiro a obter
o credenciamento do MEC em todo o Brasil. Esse fato possibilitou a ampliação do programa, com doutorado
em Ciências Humanas - Educação, com área de concentração: Processo ensino-aprendizagem (1977).
Tanto o ensino de graduação como o de pós-graduação, a pesquisa e a extensão, na década de 70 e início
dos anos 80, tinham por objetivo básico “o treinamento de recursos humanos para a área de educação, de
tal sorte, a formar especialistas e lideranças”. Essa formação se vincula à tendência técnico-psicologista,
a preocupação com o estudo do processo ensino-aprendizagem, a crença na inovação metodológica e o
planejamento educacional, como instrumento de mudança no interior das escolas e dos sistemas educacionais
(BORDAS, 1988, p.16-17).
20
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
em relação ao todo: o estreito vínculo – de pessoas e de ações – com o CPOE/
RS da Secretaria de Educação e Cultura.
A edificação de um projeto. A política de construção de
prédios escolares39
No Rio Grande do Sul, a contribuição do Estado para a expansão das
oportunidades educacionais foi marcante. Os dados apresentados por
Fernandes (1966) permitem traçar um perfil dessa contribuição. Das 9.925
unidades escolares instaladas no estado em 1957, 8.814, 88,80%, tinham
caráter público. Dos 21.972 professores, 18.668, 84,66%, estavam vinculados
às escolas públicas, bem como 468.320, 82,82% dos alunos, estavam
matriculados nessas escolas, estaduais ou municipais. O ensino privado, por
sua vez, mantinha 1.111, 11,20% das unidades escolares, 3.304, 15,34%
dos professores e 17,18% das matrículas, o que representa 96.077 alunos.
Notadamente a partir dos meados do período republicano, cabe destacar que
os sucessivos governos estaduais, cada um a seu modo e de acordo com as suas
diretrizes político-partidárias, em que pese às limitações econômico-financeiras
dos cofres públicos, se esforçaram em prover algumas condições materiais mínimas
para a consecução das finalidades educativas. É pertinente referir que, no período
que vai da implantação da República até os anos 20, nos marcos dos governos de
inspiração positivista do Rio Grande do Sul40, foram lançadas as bases de um
sistema de ensino público. A partir de 1930, a tendência foi de aumento significativo
da rede estadual e do corpo docente a ela ligado. Segundo Peres (2000), o principal
móvel desse crescimento foi a implantação, a partir de 1909, dos Colégios
Elementares, mais tarde denominados grupos escolares.
Obviamente que os esforços governamentais não eram suficientes para
a superação da precariedade que assolava o sistema educacional do estado,
marcado pelo número insuficiente de prédios escolares, dos altos índices de
evasão e repetência, da parca qualificação do corpo docente, dos baixos
salários e da obsolescência dos serviços administrativos.
Especialmente a partir dos anos 50, a situação de precariedade das
instalações escolares públicas no Rio Grande do Sul tende a assumir uma
posição de destaque nos relatórios governamentais. No geral, a discussão sobre
as condições das instalações prediais está diretamente relacionada com a
discussão da ampliação das oportunidades de acesso à educação.
39
Essa discussão se encontra na dissertação de mestrado intitulada A educação pública no Rio Grande do
Sul durante o governo de Leonel Brizola (1959-1963): Nenhuma criança sem escola no Rio Grande do Sul
(PPGEdu/UPF, 1999).
40
Ver, em especial, TAMBARA, Elomar. Positivismo e educação: a educação no Rio Grande do Sul sob o
castilhismo (1995).
Luzes e Sombras de um Projeto
21
A título de exemplo, o relatório Construindo Escolas para o Rio Grande do
Sul, elaborado e publicado pelo Serviço de Prédios Escolares da SEC em 1954,
como prestação de contas do governo de Ernesto Dornelles, do Partido
Trabalhista Brasileiro “PTB” 1950 a 1954, apresenta dados estatísticos sobre
a situação do ensino no estado, com destaque para a evasão, as precárias
condições dos prédios escolares e a urgência na instalação ou na construção
de escolas em decorrência da falta de vagas, especialmente no meio rural.
Segundo o relatório, em 1954, havia no Rio Grande do Sul, 694.800 crianças
em idade escolar, das quais 152.234 eram atendidas pelo estado e 244.328,
pelas prefeituras municipais. As 298.238 restantes não recebiam o Ensino
Primário obrigatório e gratuito que reza a constituição. (Construindo Escolas,
1954, p. 18). Constata-se ainda, que o estado precisaria construir cerca de
novecentas escolas, nomear dez mil professores e atender a trezentas mil
crianças. O documento não faz referência ao ensino privado.
Na opinião do governo, a solução do problema seria a de construir
centenas de escolas em zonas rurais, com residência para os professores
que ali fossem trabalhar e, em virtude desse grande número de escolas
necessárias e da urgência em ser adotada uma solução, resolveu-se, no Rio
Grande do Sul, construir escolas de madeira (Construindo Escolas, 1954, p. 67). Segundo o relatório do governo, o custo da construção de um prédio de
alvenaria equivalia à construção de três prédios de madeira. Em termos de
tempo, enquanto se construía um prédio de alvenaria, oito de madeira poderiam
ser construídas. Ainda segundo dados do mesmo relatório, durante o governo
de Ernesto Dornelles, 56 escolas teriam sido construídas nessas condições.
Embora no relatório do CRPE/RS de 1958 conste que o estado construiu 117
prédios de escolas primárias com o auxílio do Inep, não foram localizados nos
documentos governamentais (relatórios e mensagens enviadas para a assembléia
legislativa) referências ao auxílio recebido do Inep. Isso se repete nos documentos
expedidos pelo governo Brizola (1959-1963) que, eventualmente, referem-se a
recursos recebidos do Fundo Nacional do Ensino Primário (FNEP) 41.
41
O Fundo Nacional do Ensino Primário – FNEP – foi criado em 14 de novembro de 1942 pelo Decreto
Federal nº. 4 958, e regulamentado em 25 de agosto de 1945, pelo Decreto n°. 19 513. Destinava-se à
ampliação e melhoria do sistema escolar primário em todo o país. O FNEP, que era gerenciado pelo Inep,
estabelecia a cooperação financeira da União com os estados, por meio da concessão de auxílio financeiro
para o desenvolvimento do Ensino Primário. Estabelecia ainda, que a União prestaria assistência técnica
para organização do sistema elementar nos estados; os estados se comprometiam a aplicar, em 1944,
pelos menos 15% de sua renda proveniente de impostos, na Educação Primária, elevando esse índice para
20% até 1949. Os estados deveriam assinar convênios com os municípios para que as prefeituras
aplicassem, em 1944, 10% da sua receita no Ensino Primário, elevando esse índice para 15% até 1949. Os
recursos para o fundo, originavam-se de uma taxa sobre o consumo de bebidas, de doações da Usaid e,
mais tarde, do Salário-Educação. A aplicação dos recursos seguia o seguinte critério: 70% destinado a
construções escolares; 5%, para bolsas de estudo e 25%, para Educação Primária de adolescentes e
adultos. Para mais detalhes (PAIVA, 1987, p. 139) e seguintes.
22
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
A expansão das oportunidades de acesso à educação,
normalmente dependente da expansão das instalações físicas dos
prédios escolares, tomou um ímpeto muito forte no Rio Grande do Sul
a partir de 1959, quando Leonel de Moura Brizola assumiu o governo
do estado.
Durante o governo de Leonel Brizola, 31 de janeiro de 1959 a 31 de
janeiro de 1963, foi desenvolvido no Rio Grande do Sul, um importante
programa de expansão das redes públicas de ensino, estadual e
municipal, no âmbito de um programa denominado “Nenhuma criança
sem escola no Rio Grande do Sul”. Esse programa tinha como metas a
escolarização de todas as crianças em idade escolar dos 7 aos 14 anos
e a erradicação do analfabetismo.
Para atingir tais metas e levar a escola aos subúrbios e aos campos,
[...] o critério observado pelas autoridades educacionais do estado foi
o de levar a escola até os recantos mais longínquos, de modo que as
populações residentes nas zonas interioranas não continuassem
privadas dos benefícios da instrução primária. E não há dúvida que um
plano racional de alfabetização, para produzir resultados realmente
positivos, deve começar pela eliminação do deficit escolar no seio das
pequenas coletividades rurícolas, orientando-se a ação
governamental, da periferia para o centro, uma vez que nas cidades, o
problema apresenta sempre características mais atenuadas (BRIZOLA,
em entrevista à Revista do Ensino, v. 10, n. 76, p. 8).
Para atingir os seus objetivos - a escolarização e a erradicação do
analfabetismo - o governo partiu para a implementação do programa
“Nenhuma criança sem escola no Rio Grande do Sul” que, num primeiro
momento, ficou conhecido como o Plano das Duas Mil, em razão da
meta governamental de construir duas mil escolas em dois anos.
O projeto arquitetônico das escolas, que mais tarde se
popularizaram como ‘Brizoletas’, ou ‘Escolinhas do Brizola’, era
padronizado, variando apenas a quantidade de salas de aula, conforme
cada plano de construção. As escolas eram construídas em madeira e,
no geral, tinham uma ou duas salas de aula, com capacidade para 35
alunos. Nos quatro anos do governo Brizola, foram construídos 1.045
prédios escolares, com 3.360 salas de aula e capacidade para 235.200
alunos; foram iniciados 113 prédios, com 483 salas e capacidade para
33.810 alunos e, planejados 258 prédios, com 866 salas de aula e
capacidade para 60.620 alunos.
Luzes e Sombras de um Projeto
23
Figura 1 – “Brizoleta” Vila Operária.
A opção pela construção de prédios de madeira no interior do estado
decorreu de, pelos menos, quatro fatores: primeiro, a relativa abundância de
madeira; segundo, o seu menor custo em relação às construções em alvenaria,
as quais foram realizadas apenas nas cidades de maior porte; terceiro, a
disponibilidade de mão-de-obra especializada em carpintaria ou marcenaria
e, quarto, a dificuldade de transporte para o interior, dos materiais necessários
para a construção de prédios de alvenaria.
As escolas se constituíram num símbolo do governo e do próprio
governador. Tais escolas não eram prédios quaisquer, mas a sua presença
representa um mundo novo que se abria:
A Picada Feijão, a Picada Schneider, Vila Nova e outras picadas e vilas têm
agora a sua escola. Vê-se nas faces, o sorriso de novas esperanças, a
escola representa o mundo de lá – da cidade – que vem até eles, na picada,
trazer para a suavidade bucólica e para a grandeza serena da paisagem,
a mensagem de valorização do homem em sua própria terra. O despertar
da consciência do homem da picada para seu valor, para sua importância
no todo da nação, para a valorização dos recursos naturais que a natureza
pródiga lhe oferta e renova cada dia, o despertar mesmo para a beleza
que o rodeia, é trabalho da escola em sua missão civilizadora. Os cidadãos
de amanhã nas picadas e vilas, saberão ler. O jornal penetrará nos vales e
ele se integrará na grande comunhão de pensamentos de sua pátria.
(Revista do Ensino, 1961, p. 67).
24
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
Os prédios escolares eram construídos às margens das estradas, ou
voltados para a rua, característica da arquitetura que tanto pode servir
para “facilitar o acesso”, quanto pode indicar que a escola está aberta
para receber o “mundo de lá – da cidade”.
A escola representa a ação do Estado que se faz sentir nos subúrbios
e ao longo dos campos:
rapidamente surgiram elas, construídas pelo estado ou em convênio com
os municípios, para dar ao homem, o que o homem procura – sua formação
integral. Modernas, amplas e confortáveis, escondem-se pequeninas entre
arranha-céus ou destacam-se significativas na imensidão dos pampas. São
marcos assinalando na paisagem e no tempo a nova mentalidade do gaúcho
(Revista do Ensino, 1961, p. 15).
As escolas, projeção do urbano sobre o rural - missionárias da civilização
urbana -, vinham imbuídas de um sentido modernizador e traziam consigo,
uma missão civilizadora e integradora. As edificações escolares, plantadas
nas picadas e nos vales, na sua simplicidade, deveriam se constituir em
referência para as pessoas e para toda a comunidade: “É uma alegria vê-las
em sua construção simples e sugestiva a enfeitar as paisagens. São uma
inspiração para o centro da comunidade onde todos hão de crescer, para as
novas construções que serão influenciadas pelo prédio da escola” (Revista do
Ensino, 1961, p. 67).
Assim, a escola se tornava a expressão simbólica da ação estatal,
da civilização e da modernização, ao projetar o seu exemplo e
influência geral sobre toda a sociedade, como um edifício
estrategicamente situado e dotado de uma inteligência invisível que
informaria culturalmente o meio humano social que o rodeia (FRAGO;
ESCOLANO, 1998, p. 33). Logo, a ação educacional do Estado assumiu
um caráter eminentemente político, porque se baseava no princípio
de que a intervenção estatal se constitui numa ação necessária e
imprescindível para civilizar e preparar o povo para colaborar com o
progresso desse próprio Estado.
Essa visão pressupõe que é tarefa estatal preparar o povo, civilizálo, para integrá-lo na moderna sociedade industrial. Como decorrência
dessa ação, o povo civilizado pela escola alcançaria um alto nível de
desenvolvimento, condição para a soberania e para a autonomia em
relação a todas as formas de imperialismo.
Nesse contexto, a questão da arquitetura escolar das ‘brizoletas’
certamente adquire um conteúdo educador, pois parece inegável que:
Luzes e Sombras de um Projeto
25
[...] a arquitetura escolar pode ser vista como um programa educador, ou
seja, como um elemento do currículo invisível ou silencioso, ainda que ela
seja, por si mesma, bem explícita ou manifesta. A localização da escola e
suas relações com a ordem urbana das populações, o traçado arquitetônico
do edifício, seu elementos simbólicos próprios ou incorporados e a decoração
exterior e interior respondem a padrões culturais e pedagógicos que a
criança internaliza e aprende (FRAGO; ESCOLANO, 1998, p. 54).
As “brizoletas” se constituem num espaço planejado que educa. Não têm
fachadas imponentes ou majestosas. Muitas, tampouco, são sólidas, já que
foram construídas em ritmo de emergência. Pelo contrário, são edifícios simples
e modestos, mas que trazem na sua concepção, uma missão civilizadora e
modernizadora. Além disso, uma “brizoleta” é o local onde a criança encontra o
seu feliz e segundo lar, quer nas situações de aprendizagem em classe, ou no
desenvolvimento de atitudes e hábitos sadios no refeitório, quer nas relações de
amizade pessoal com a professora e colegas (Revista do Ensino, 1961, p. 14).
O caso Anísio Teixeira e a Igreja Católica no Rio Grande do Sul.
Discutindo a relação entre o público e o privado na educação42
O “caso” Anísio Teixeira, deu-se no calor das discussões sobre a primeira
LDB nacional. Em 1948, o Ministério da Educação e Cultura apresentou a sua
proposta para a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – o anteprojeto
de Clemente Mariani – acirrando as discussões entre os defensores da escola
pública e os contrários à maior intervenção do Estado no campo educacional,
liderados pela Igreja Católica.
A intervenção de Anísio Teixeira no debate, determinando a explicitação
veemente da posição da igreja, que o identificou como o elemento a ser
combatido, aconteceu quando ele apresentou uma conferência intitulada “A
Escola Pública, Universal e Gratuita”, no I Congresso Estadual de Educação
Primária, ocorrido em Ribeirão Preto, de 16 a 23 de setembro de 195643.
Nessa conferência, Anísio advogou em favor da escola pública, colocando
que somente os que assim quisessem é que deveriam procurar a educação
privada (ROCHA, 1989, p. 49).
42
O presente texto é parte da dissertação de mestrado denominada O Público e o Privado em Educação:
o caso Anísio Teixeira e a Igreja Católica no Rio Grande do Sul, publicada com o título de Educação e
Ideologia – o caso Anísio Teixeira, pela Editora da Universidade de Passo Fundo, em 2002.
43
A citada conferência, aliada a outra proferida em 1953, na Escola Brasileira de Administração Pública,
da Fundação Getúlio Vargas, deu origem ao livro Educação não é Privilégio, cuja primeira edição data de
março 1957 e foi lançada pela Editora José Olympio.
26
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
Obrigatória, gratuita e universal, a educação só poderia ser ministrada pelo
Estado. Impossível deixá-la confiada a particulares, pois estes somente podiam
oferecê-la aos que tivessem posses ou a “protegidos”, e daí operar, antes
para perpetuar as desigualdades sociais, que para removê-las. A escola
pública, comum a todos, não seria assim, o instrumento de benevolência de
uma classe dominante, tomada de generosidade ou de medo, mas um direito
do povo (TEIXEIRA, 1956, p. 4).
Anísio ainda firmou posição sobre o que entendia como um dos problemas
da descaracterização de políticas educacionais voltadas para a educação
pública nos seguintes termos: “tais problemas estariam na relativa ausência
de vigor de nossa atual concepção de escola pública e na aceitação “semiindiferente” da escola particular, fatores que foram e são, ao meu ver, um
dos aspectos dessa desfiguração generalizada de que sofre a política
educacional brasileira” (TEIXEIRA, 1956, p. 4).
A reação católica veio em novembro do mesmo ano, quando o deputado
Pe. Fonseca da Silva pronunciou um discurso no plenário da Câmara Federal,
alertando o ministro da educação contra a influência de Anísio Teixeira,
insinuando estar esse, vinculado ao comunismo e ir de encontro aos interesses
das escolas confessionais. Seguiram-se a isso uma resposta do ministro,
favorável ao educador baiano e um novo discurso do deputado Pe. Fonseca da
Silva, enfatizando, em 14 de dezembro de 1956: “o Prof. Anísio Teixeira é um
autêntico intelectual marxista, visto que a sua adesão à linha marxista de
educação foi enunciada na famosa conferência lida no corrente ano em
congresso de educação realizado em Ribeirão Preto” (apud ROCHA, 1989,
p. 49). Em novo pronunciamento, Anísio se situou contra o comunismo, mas
reiterou sua convicção em relação à responsabilidade do Estado perante a
educação pública. A polêmica seguiu no decorrer de 1957.
Em 23 de fevereiro de 1958, o arcebispo metropolitano de Porto Alegre,
Dom Vicente Scherer, fez um discurso que se caracterizou por ser um manifesto
em defesa das concepções educacionais da Igreja Católica e um ataque aberto
à pessoa de Anísio Teixeira. Em março do mesmo ano, Dom Vicente lançou
com seus pares, o Memorial dos Bispos Gaúchos ao Presidente da República
sobre a Escola Pública Única, promovendo novo ataque a Anísio Teixeira. O
assunto ganhou a imprensa e o debate público.
Nessa situação, Dom Vicente, como um dos mais ferrenhos contendores
das idéias de Anísio Teixeira em nível nacional, juntamente com o então Frei
Paulo Evaristo Arns e Dom Helder Câmara Scherer, expressavam-se
abertamente, defendendo as posições da Igreja como guardiã da “liberdade
de ensino” e da “escola livre” (ou escola privada), lançando contra Anísio
Teixeira uma série de acusações, que iam desde o fato de, supostamente, o
Luzes e Sombras de um Projeto
27
educador baiano estar ameaçando o direito de a família escolher a educação
dos filhos, até abraçar livremente posições marxistas (comunistas), contrárias
à fé e à Igreja Católica.
Em meio a esses fatos, a imprensa nacional e a sul-rio-grandense, em
especial, “deliciou-se” com dezenas de artigos, noticiando o andamento dos
debates, expondo opiniões dos envolvidos e abrindo espaço para
pronunciamentos sobre o assunto.
Quem não está comigo, está contra mim
A participação do Rio Grande do Sul no debate em torno do público e do
privado em educação, na voz de Scherer44, tinha uma conotação de pioneirismo.
Segundo Henrique Nielsen Neto (1988, p.352), “o primeiro bispo a se
manifestar foi Dom Vicente Scherer45, de Porto Alegre, num sermão contra
Anísio Teixeira”, em 23 de fevereiro de 1958.
No dia 27 do mesmo mês, Anísio Teixeira respondeu às críticas de dom
Vicente no artigo “Escola pública não é invenção do socialismo nem do
comunismo”46, no qual contrapunha, direta e nominalmente, as acusações
do arcebispo de Porto Alegre.
Durante todo o mês de março de 1958, avolumaram-se na imprensa
artigos de ambos os lados, fossem pronunciamentos de Scherer, fossem de
Anísio ou seus amigos, falando sobre o assunto. A essa altura, a imprensa
gaúcha já denominava o evento de “Caso Anísio Teixeira” ou, mesmo, “affaire
Anísio Teixeira”.
Em 29 de março de 1958, Dom Vicente Scherer lançou um memorial
assinado por todos os bispos do Estado do Rio Grande do Sul, intitulado
Memorial dos Bispos Gaúchos ao Presidente da República sobre a Escola
Pública Única47. O documento foi o precursor de outras manifestações da
Igreja. Em abril, os bispos da província de Belo Horizonte publicaram a Carta
Pastoral contra o monopólio estatal e pela liberdade de ensino e, em julho do
mesmo ano, três cardeais e 83 bispos, reunidos em Goiânia, lançaram a
Declaração dos Cardeais, Arcebispos e Bispos do Brasil, na qual
44
Alfredo Vicente Scherer, gaúcho de Bom Princípio, foi empossado em 23 de fevereiro de 1947, arcebispo
metropolitano.
45
No dia 23 de julho de 1957, Dom Augusto da Silva, cardeal da Bahia, se pronunciou em defesa do amigo
Anísio pelas críticas sofridas por esse no artigo “A bolchevisação do ensino”, escrito por Dom Vicente
Scherer no mesmo mês. (SILVA, D. Augusto da. Carta a Anísio Teixeira. Bahia, 23 de julho de 1957 –
www.prossiga.br.anisioteixeira).
46
Publicado, inicialmente, no jornal O Globo, Rio de Janeiro, 27 fev. 1958.
47
Em entrevista ao Correio da Manhã de 18 de abril de 1958, o ministro Clóvis Salgado afirmou que tomara
conhecimento pela imprensa do manifesto dos bispos gaúchos, mas que nada havia, no âmbito do MEC,
contra Anísio Teixeira.
28
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
“diplomaticamente revelavam que a igreja sempre colaborara com o governo nas
questões educacionais” (NIELSEN, 1988, p. 353).
As manifestações contrárias a Anísio Teixeira reiteravam, em sua maioria, o
arcabouço de denúncias feitas contra o diretor do Inep e solicitavam providências
ao Presidente Juscelino e ao ministro da educação Clóvis Salgado. Ora, afastandose Anísio do cargo, afastava-se de uma legítima esfera de influência junto ao
governo e aos que discutiam os rumos da educação no Brasil através da redação
da futura Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
Ainda em abril de 1958, Anísio se pronunciou novamente contra esse
documento, em um artigo publicado em diversos jornais, denominado “Nenhuma
hostilidade do Inep contra escolas particulares”.
Em 26 de abril de 1958, Dom Vicente discursa novamente sobre o “caso”, na
inauguração da Escola Normal Santa Terezinha, em Taquara48, e, em 16 de maio,
o tema volta à pauta no discurso do arcebispo na inauguração da escola primária
Nossa Senhora de Fátima, em Encantado. Ambos os discursos, foram manifestações
de Scherer (1958) “contra a filosofia educacional agnóstica e materialista difundida
por Anísio Teixeira”49.
Um dos primeiros postulados de Dom Vicente dizia respeito à laicização da
escola, entendida como um primeiro passo para a laicização e materialização da
vida, passo principal do ateísmo, pois “(...) o ateísmo também entre nós conta
com apóstolos e evangelistas, que espalham o joio (da falsa doutrina) em meio ao
trigo (católico), querendo assim se referir a um grupo poderoso que, instalado no
Ministério da Educação e Cultura no Rio de Janeiro, está promovendo não só o
laicismo do ensino, mas também a laicização e o materialismo da vida” (SCHERER,
1958b, p. 65).
O segundo problema, na visão de Dom Vicente, era a campanha que esses
graduados funcionários do Ministério da Educação e Cultura desencadeavam contra
a escola particular. Uma campanha ardilosa contra as escolas particulares e em
favor do monopólio estatal do ensino, embasada numa mentalidade hostil ao
ensino particular, cuja inspiração estaria, segundo Scherer, nas teorias de Marx, no
materialismo histórico e em sua teoria econômica, viga-mestra do comunismo
(SCHERER, 1958b, 65).
Assim, estabeleceu-se uma campanha entre a “escola livre”, o “ensino livre” e
o monopólio estatal do ensino, ponto de partida para a realização daquilo que Scherer
chamava de revolução comunista a partir da escola. Dom Vicente argumentava que,
se a escola única triunfasse, derrotando a escola livre (ou particular), estaria seriamente
comprometida a “liberdade de ensino”, pois não haveria a possibilidade de os pais
escolherem a educação que desejassem para os seus filhos.
48
49
Jornal Diário de Notícias, Porto Alegre, 29 de abril de 1958, artigo “O Estado e o ensino”.
Jornal Correio do Povo, Porto Alegre, 18 maio 1958, artigo “Nova manifestação de Dom Vicente Scherer”.
Luzes e Sombras de um Projeto
29
Assim, o argumento em favor da escola livre, era usado por Dom Vicente,
clamando pelo direito inalienável dos pais sobre os filhos, argumentando que
“a educação dos filhos é um dever natural de quem lhes deu a vida. O direito
de educar decorre da própria geração dos filhos. [...] A escola deve ser [...]
considerada um prolongamento e um aperfeiçoamento da família” (SCHERER,
1958b, p. 66 e 68).
A escola, sendo um prolongamento da família, deveria, pois, vir ao
encontro do bem dos filhos prescrito por essa. Nessa perspectiva, a escola e
os professores seriam a continuidade do lar e dos pais. Ainda segundo Scherer:
[...] se a educação dos filhos é um direito natural e intangível da família, as
pessoas associadas a esta obra educativa, mestres e dirigentes dos institutos
escolares, são mandatários e representantes dos pais. E como a escola tem
essencialmente uma função educativa, escolher uma determinada escola
significa preferir uma certa forma de educação escolar, informada de especiais
princípios pedagógicos, morais e religiosos. Decorre daí um primeiro e
fundamental aspecto da liberdade escolar: a livre escolha da escola por
parte dos pais (SCHERER, 1958b, p. 66).
Referindo-se a argumentos de Anísio Teixeira sobre as falhas das escolas
particulares, sobretudo das católicas, Scherer destacava um jogo de palavras
no qual a melhor defesa parecia ser o propalado chavão: o ataque.
Não tem fundamento a campanha de descrédito que alguns funcionários do
Ministério da Educação movem contra a escola livre ou particular. Haverá
certamente deficiências e abusos. Mas, porventura não existem eles nos
estabelecimentos oficiais? (SCHERER, 1958b, p. 67).
Por força das questões levantadas contra a escola privada, na visão de
Dom Vicente, o Estado tendia a cometer dupla injustiça: uma contra as escolas
particulares ou “livres” e outra contra os pais, na medida em que ele “obrigava
os pais, que desejavam uma escola informada de determinados princípios
educativos, a pagar duas vezes a taxa escolar, uma vez contribuindo para os
impostos comuns, com que são mantidos os estabelecimentos públicos de
ensino, e outra vez atendendo as justas exigências da escola particular em
que os filhos estudam” (SCHERER, 1958b, p. 68).
O arcebispo de Porto Alegre parecia chegar ai, indiretamente, à questão
fulcral do debate. Defendendo os pais que optavam por escolas privadas e que,
por isso, sofriam duplo encargo, devendo pagar impostos para o Estado e taxas
da escola, Dom Vicente encontrava uma forma polida de, em defesa de tais pais,
30
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
justificar a necessidade de o Estado subsidiar de alguma forma a escola privada,
pois admitir a questão do financiamento da educação como pano de fundo para
essa problemática, era admitir o caráter privado da escola confessional.
As acusações mais pesadas contra Anísio Teixeira, entretanto, vieram do
Memorial dos Bispos Gaúchos ao Presidente da República sobre a Escola Pública
Única, o que encarnava um caráter de denúncia, alertando o presidente da
República sobre o perigo que o Estado brasileiro corria por ter em seus quadros
funcionários como Anísio Teixeira. Inicialmente, Scherer (representando todo o
bispado sul-rio-grandense) mencionava o fato de Anísio estar hostilizando a
iniciativa particular no campo da educação, o que feriria a Constituição Federal
em vigor no país (1946), que previa ser a educação livre à iniciativa particular.
Tal hostilização, segundo os prelados gaúchos, favorecia a revolução
social, possivelmente institucionalizada pela pretendida “escola única”
(SCHERER, 1958a), visto que, acabando-se com a iniciativa privada na educação
e se abrindo espaço para o monopólio da educação pelo Estado, se chegaria
à revolução social através da escola, o que, seguramente, viria de encontro à
“tradição brasileira”.
Outro problema da chamada “escola única” seria, segundo o Memorial,
“nivelar” a todos “violentamente”. Seria “improfícuo se tentar a acessibilidade
da escola por toda a população” (SCHERER, 1958a), como resposta direta a
uma afirmativa anterior de Anísio, veiculada no jornal O Globo, quando o
educador baiano afirmara que “exatamente porque a sociedade é de classes,
é que se faz ainda mais necessário que as mesmas se encontrem, em algum
lugar comum, onde os preconceitos e as diferenças não sejam levados em
conta” (TEIXEIRA, 1958a, p. 1).
Ora, essa história de lugar-comum, de encontro de classes, soava aos
ouvidos de Dom Vicente como um pensamento socialista de quem desejava
“a escola única como preparatória e executora da revolução social” o que a
“tradição cristã do povo brasileiro, frontalmente repele e repudia, como o faz
com os mesmos fundamentos do socialismo” (SCHERER, 1958a, p. 69).
O Memorial concluía solicitando, genericamente, em nome do “povo
brasileiro”, providências a fim de cessar esse “estado de coisas, tão nefasto
[...] aos mais legítimos e excelsos interesses nacionais”, reiterando o fato de
a Igreja se dedicar à tentativa da solução do grave problema da educação no
país. Assim, fechava-se a mandala de acusações do bispado sul-rio-grandense,
somando vozes à Igreja Católica como um todo, representante que era dos
interesses privados. Ao pregar o monopólio estatal da educação e a escola
única, Anísio queria “roubar” à família, o direito a escolher a educação que
melhor convinha aos filhos, pois queria fazer a revolução social através da
escola, dentro de suas supostas concepções socialistas. É preciso reconhecer
que os meandros argumentativos dos bispos eram por demais convincentes.
Luzes e Sombras de um Projeto
31
O “caso” apenas deixou as páginas dos jornais em fins de 1958, quando
entrou em cena outro sujeito nessa história, o deputado Carlos Lacerda, com
seu substitutivo favorável às escolas privadas. Os clérigos saíram do debate,
porém haviam deixado sua contribuição aos rumos que tomaria a futura Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. O recado estava dado: era preciso
garantir espaços legais para a escola privada, a fim de garantir aos pais, a
liberdade de escolha da escola para seus filhos, o que vinha ao encontro da
“tradição cristã do povo brasileiro” (SCHERER, 1958a).
Com a palavra: Anísio Teixeira
O baiano Anísio Teixeira foi o nome mais recorrente no período. Os ataques
da Igreja e de seus aliados eram pessoais e nominais.
As acusações que se faziam a Anísio Teixeira praticamente se reduziam
a duas: a de que ele pregava o monopólio estatal da educação, como forma
de revolução social através da escola e a outra que em que se afirmava, que
em conseqüência disso, Anísio seria inimigo da educação privada e, portanto,
também das instituições religiosas por ela responsáveis, o que redundaria no
laicismo do ensino.
Parece claro, contudo, que Anísio sabia que os discursos e os ataques
nominais contra sua pessoa encobriam um debate maior, uma disputa de
projetos antagônicos que se desvelou através do debate entre a escola pública
e a escola privada, quando foram buscadas garantias legais para a manutenção
de ambos os projetos, (leia-se, projeto de democratização da escola pública
e projeto de privatização da educação), assim como se ressentia do fato de
que os ataques que sofria, deformavam “tendenciosamente” o seu
pensamento (TEIXEIRA, 1958c, p.2).
Dizia o educador baiano: “Devo declarar que não sou eu o combatido. Os
grandes problemas sociais acabam por se refletir nos domínios da cultura e
da educação, que se constituem, assim, campos de batalha dos conflitos em
curso na sociedade. [...] Não sou eu que sou combatido, senão certas posições
ante tais conjunturas” (TEIXEIRA, 1958b, p.3).
Um dos principais argumentos contra Anísio, contudo, era o fato de ele,
supostamente, estar pregando o monopólio estatal do ensino. Contudo, ao
se falar em educação para todos, isso não significava, necessariamente,
monopólio estatal da educação, mas assegurar a educação para todos, fosse
via Estado, esse, aliás, obrigado constitucionalmente a fazê-lo, ou através da
iniciativa privada. Anísio desconsiderava que a escolarização de todos os
cidadãos fosse uma utopia, mas entendia-a como dever legal: “O problema
da educação para todos é um problema legal, isto é, de singelo cumprimento
do preceito constitucional. Desde que estabelecemos que a educação é um
32
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
direito – e foi o que fizemos em nossa Constituição – a expansão da educação
para todos se fez um dever do Estado no Brasil” (TEIXEIRA, 1958b, p. 7).
Nesse sentido, há um equívoco em se confundir administração de diretrizes
para a escola única primária, seja ela pública ou privada, com a exclusão de
uma ou de outra, pela suposta escola única em sistema (pública, no caso): “a
escola primária seria uma só, administrada na ordem municipal e organizada
pelo Estado, dentro das bases e diretrizes federais” (TEIXEIRA, 1958d, p. 1).
Assim, parece claro que escola única, pública ou privada, em seus princípios,
difere radicalmente da aceitação de uma única escola como sistema.
Sobre este assunto, Anísio dizia não poder compreender como alguém
pudesse julgar estar o ensino privado brasileiro sob ameaça, quando pessoas
como ele, apenas se batiam “(...) pela obrigação do Estado de manter escolas
para todos” (TEIXEIRA, 1958b, p. 2).
E como estivesse o monopólio estatal de qualquer que fosse o setor da
vida do país, estreitamente atrelado ao senso comum sobre o comunismo, o
qual rondava os lares brasileiros, com todo o seu arcabouço de símbolos
pejorativos, oriundos, muitas vezes, do imaginário gerado e alimentado pela
própria Igreja Católica, o educador baiano foi diversas vezes acusado de
comunista e de tentar realizar uma revolução social, através da escola “única”
(pública), que seria antagonista à escola livre (particular). Dizia Anísio, que a
escola jamais fora, em tempo algum, a instituição que gerou revoluções,
antes, foi o veículo para que os homens compreendessem e se adaptassem
às transformações sociais em curso.
Várias foram as manifestações do educador a esse respeito, sobretudo,
na tentativa de clarear suas reais posições e de combater conceitos recorrentes
sobre palavras consideradas “chavões” do comunismo e facilmente vinculadas
a discursos de caráter mais progressista. “Educação significa socialização.
As crianças se educam por um processo de socialização. Não tem o termo,
nenhum sentido socialista [...]. O homem é um ser social, e socializá-lo é
integrá-lo em sua sociedade. É habilitá-lo a viver com os outros, a conviver,
isto é, a viver, pois não se vive senão com os outros” (TEIXEIRA, 1958b, p. 2).
Entretanto, dizer que a escola pública faria a revolução socialista ou
perverteria a mente dos jovens brasileiros para o abandono de Deus e à
dedicação ao comunismo ateu era, no mínimo, uma interpretação incorreta
da temática educação. “Em uma sociedade como a nossa, a escola pública é
naturalmente, um instrumento quase revolucionário de expansão educacional
[...]. Temos grande possibilidade de instituir uma escola pública mais livre de
preconceitos, rotina e dogmas, do que a escola particular (TEIXEIRA, 1959a,
p. 292), já que nessa sociedade, a educação se apresenta, ainda, como
“processo exclusivo de formação da elite, mantendo a grande maioria da
população em estado de analfabetismo e ignorância” (TEIXEIRA, 1958c, p. 2).
Luzes e Sombras de um Projeto
33
Para Anísio, no entanto, a questão era mais ampla. Era ir de encontro à
tradicional divisão da sociedade brasileira, entre os “letrados”, destinados a
exercer os cargos de comando, e à imensa massa de “ignorantes”. Educação
para todos era, pois, ameaçar a tradicional divisão social.
A estrutura da sociedade, a nossa antiga e tradicional estrutura, era dual,
bifurcava a sociedade em uma grande massa de ignorantes e uma elite
letrada e ilustre, destinada essa às funções de governo. Enquanto a situação
conservou a estabilidade indispensável para esse mínimo de educação
assegurar a sua sobrevivência, não houve pregação que acordasse o País de
sua estagnação educacional (TEIXEIRA, 1958b, p.1).
Nesse aspecto, chocava Anísio, ver que poucos tinham acesso à escola,
e ainda que, mais escassos eram os que concluíam a quarta série, sendo que
todos os demais ficariam “mentalmente frustrados e incapacitados para se
integrarem em uma civilização industrial e alcançarem um padrão de vida de
simples decência humana” (TEIXEIRA, 1958c, p. 3).
Outro dado interessante é o fato de Anísio julgar que a educação não
podia ser um privilégio, pois assim, não colaborava no desenho do novo país,
que a nova sociedade necessitava. Sendo um privilégio, a educação se torna
estética, servindo apenas para diferenciar os “educados”, dentro de uma
massa de “deseducados”.
A gravidade não está, porém, somente na escassez de educação. Está,
sobretudo, na sua qualidade. Continua, a despeito de tudo, a ser uma educação
seletiva, não melhorando propriamente o nível geral da vida brasileira, mas
preparando alguns para o gozo dos privilégios de ser educados, dentro de
uma massa de deseducados (...) (TEIXEIRA, 1958b, p. 2).
A escola, na visão de Anísio Teixeira, era a mais abandonada e cobrada
dentre as instituições, justamente por sobre ela pesar o ônus de ser a
responsável pela formação nacional. Quanto mais ampla, tanto mais amplo
seria o conceito de democracia, pois viria na amplitude da escola, a amplitude
das condições de participação na sociedade democrática.
E a prioridade número um é a da Educação Primária para todos, de
qualidade tão boa e de extensão tão grande, quanto possíveis. [...] seria
a escola primária para todos os brasileiros, capaz de lhes dar a educação
básica, sem a qual lhes estamos a negar a própria condição para
participar na aventura da construção de sua vida e da vida do Brasil
(TEIXEIRA, 1958b, p. 291-292).
34
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
Ao contrário do que alegavam seus debatedores, o educador baiano não
se pronunciava contra a escola de iniciativa privada, tampouco pregava que
essa fosse retirada do sistema educacional brasileiro. O que compunha a
pauta das intervenções de Anísio a respeito da escola privada era o fato de
que, em sua concepção, a escola primária deveria ser pública, pois seria a
escola para todo o povo, a escola mínima necessária para que cada brasileiro
colaborasse com o seu país e com a democracia.
O maior equívoco das escolas de iniciativa privada seria, entretanto, o de
essas não quererem, de fato, serem privadas, pois se a escola privada era
privada quanto ao seu gerenciamento e a sua destinação, na opinião de
Anísio, era justo que privado também fosse o seu financiamento. Ao contrário
disso, se teria o paradoxo de escolas gerenciadas e controladas por instituições
privadas, destinadas a quem pudesse arcar com o ônus de suas mensalidades,
mas que queriam ser estatais em seu financiamento e assim, receber como
escolas públicas, recursos públicos.
Anísio não contestava o direito da família à educação, quando chegava
ao debate sobre esse assunto, pois não via incompatibilidade entre a família
e o Estado.
A direção do ensino formal cabe à sociedade em geral, pelos órgãos por
ela constituídos para esse fim. Isto não quer dizer educação em geral. A
educação em geral se faz pela família, pela igreja, pela rua, pelo clube,
pelo trabalho, pela vida, enfim [...]. Há qualquer intenção de equívoco em
se pôr família, igreja e Estado, como coisas antagônicas. [...] O Estado
democrático não se funda nem na família, nem na igreja, mas lhes assegura
a liberdade (TEIXEIRA, 1959a, p. 294).
Há, em suas manifestações, o questionamento da própria competência
da família em cuidar do ensino formal. Nem todas as famílias teriam condições
de, por si mesmas, dirigir o estudo dos filhos, devendo, por isso, tal tarefa
ficar a cargo de um terceiro elemento, já que, na visão da Igreja, em sua
perspectiva maniqueísta de separar a família do Estado, esse não servia para
gerenciar tal tarefa. Assim, ratifica-se o papel da primeira como o elemento
“conciliador” que, substituindo o Estado laico, gerenciaria a educação que as
famílias cristãs desejassem para seus filhos.
O debate presente em torno da competência da família para dirigir o ensino
formal é um caso específico de discriminação. Que família pode fazê-lo? A
dos ricos? [...] É evidente que haverá um intermediário entre as famílias e a
escola. Que intermediário será esse? Tudo leva a crer que se cogita da igreja.
Luzes e Sombras de um Projeto
35
E por que não se põe francamente o problema entre a igreja e o Estado? Por
que surge essa entidade no caso, nominal – a Família Brasileira – para
obscurecer o problema? (TEIXEIRA, 1959a, p. 294).
Nesse caso, a família brasileira foi utilizada como desculpa para o
favorecimento da privatização. Mas que família estava sendo ameaçada com
a ascensão da escolarização pública? Havia, seguramente, um grupo
interessado em subvenções à escola privada. Resta saber até que ponto a
Igreja Católica foi usada no processo de discussão da LDB e usou a família
para a garantia de seus preceitos.
O problema é que, dos pais, nunca foi pretendido retirar o direito de escolha
da educação e da escola dos filhos, vindo no bojo daquela, também a escolha de
princípios pedagógicos. A questão era, na verdade, a não subvenção dessa escolha
pelos cofres públicos, quando a opção era feita por escolas privadas.
Se a escola privada fora, desde sempre, mantida com características
elitistas e norteada a partir da pedagogia da manutenção de privilégios, de
status, de classe social, mesmo que os pais das classes menos abastadas
“escolhessem” a escola privada, estariam optando por princípios pedagógicos
não condizentes com a sua realidade social, os seus anseios de ascensão e
ou a reformulação da sociedade. Pois, se a questão era “apenas” a liberdade
de escolha das famílias, as da elite sempre haviam tido essa liberdade, até
porque, teriam tido condições de pagar por sua escolha. Por sua vez, as
famílias de classes menos favorecidas, de quem a liberdade de escolha estaria
sendo roubada, talvez nem quisessem optar pela escola privada, tamanha a
diferença entre a realidade dessa e a sua realidade social.
Supondo-se, entretanto, que a escolha pela escola privada fosse unânime,
nem todos poderiam freqüentá-la por mais fartos que fossem os benefícios
estatais concedidos às mesmas, os quais geralmente eram feitos em forma
de bolsas de estudos para alunos “carentes”. Eis aqui, a primeira de muitas
discriminações. Há o aluno que paga a mensalidade e o aluno carente, eleitos
ambos por um critério “clientelista” e paternalista, que gera a falsa idéia de
favorecimento ao “carente” em detrimento do outro.
Seguramente, as escolas privadas não substituiriam toda sua clientela
de classe abastada por alunos bolsistas, ampliando, assim, o número de
vagas e as possibilidades de escolha da família brasileira.
Tecendo a trama de um projeto de educação
Analisar os reflexos, no Rio Grande do Sul, da política educacional
engendrada por Anísio Teixeira junto ao Inep e ao CBPE, a partir da
36
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
atuação do CRPE/RS, da política de construção de prédios escolares no
estado e do episódio conhecido como o “caso Anísio Teixeira”, permite
uma primeira aproximação com esse significativo projeto, marco na
história da educação nacional.
A circulação de discursos e de propostas de renovação da educação
possibilita múltiplos olhares. A análise dos processos de difusão de
um projeto de educação não pode estar dissociada das formas de
tradução e dos mecanismos de recepção e implantação 50. Isto é, como
cada célula se fundiu com o todo maior.
A semântica da reforma, capitaneada por Anísio Teixeira, teve ampla
circulação, no entanto, sua implementação esteve marcada por
desenvolvimentos político-educacionais específicos, decorrentes das
realidades locais/regionais e das pessoaschaves que lideraram o
processo. No Rio Grande do Sul, é importante um estudo detalhado da
atuação e das filiações ideológicas dos diretores do CRPE/RS – Eloah
Ribeiro Kunz e Álvaro Magalhães – e dos professores e pesquisadores
que integraram o projeto, com o objetivo de constituir uma prosopografia
do campo educacional nos últimos cinqüenta anos.
Os mecanismos de coordenação, controle e execução, em nível
nacional e local, parecem conduzir a um processo de homogeneização
da educação, com um “corpus” de saberes e de “saber-fazeres”
pedagógicos com dimensão científica, técnica e instrumental, mas que
revela diferenças de tradução e aplicação decorrentes da relação
nacional/local, as quais devem ser mais explicitadas, para permitir
analisar as marcas de singularidade na cristalização dos discursos sobre
a escola nova no Brasil e o alcance e extensão do projeto dos pioneiros.
Luzes e sombras se misturam quando tentamos refletir sobre a
educação nacional/local, nas décadas de 1950 e 1960. Tecemos a nossa
história da educação em conexão com a história nacional/global,
buscando identificar os sinais que ainda hoje marcam o fazer
pedagógico. Nessa perspectiva, o estudo realizado é uma possibilidade
de leitura e interpretação.
50
Sobre ver: BASTOS, M. H. C. As revistas pedagógicas e a atualização do professor: a Revista do Ensino
do Rio Grande do Sul (1951-1992)
Luzes e Sombras de um Projeto
37
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40
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Rio de Janeiro: Ravil, 1997.
Luzes e Sombras de um Projeto
41
PERIÓDICOS
BOLETIM do Centro Regional de Pesquisas Educacionais do Rio Grande do Sul.
Porto Alegre/RS, 1956-1959 (quatro números).
BOLETIM Informativo do Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais. Rio de
Janeiro, n. 1, ago. 1957 a n. 178, dez. 1978.
JORNAL Correio do Povo, Porto Alegre/ RS, 1958.
JORNAL Diário de Notícias, Porto Alegre/ RS, 1958.
REVISTA Brasileira de Estudos Pedagógicos, 1955 a 1960.
REVISTA DO ENSINO, Porto Alegre: n. 44, maio 1957; n. 76, maio, 1961.
SITE: http://www.prossiga.br/anisioteixeira/, organizado pelo Cnpq.
UNITAS – Boletim da Arquidiocese de Porto Alegre – Anos 46-47. Porto Alegre:
Cúria Metropolitana, 1957 e 1958.
VERITAS – Revista – Porto Alegre: Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande
do Sul, 1957, 1958 e 1959.
CORREIO – Revista do Centro Regional de Pesquisas Educacionais do Rio Grande
do Sul. Inep. Porto Alegre, 1960 a 1974 (sessenta e seis números).
42
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
ANEXO 1
PESQUISAS E ESTUDOS REALIZADOS PELO CRPE/RS (1956-1974)
1956
- síntese histórica da educação do Rio Grande do Sul;
- estudos, adaptação e elaboração de testes de inteligência e aptidões
- estudo sobre conhecimentos, habilidades e atitudes que a criança
deve ter para poder identificar e reconhecer símbolos impressos: teste
de pré-leitura;
- programa de preparação para o início da aprendizagem da leitura;
- organização de um pré-livro;
- plano de atividades a serem desenvolvidas na primeira série escolar;
- pesquisa sobre o ensino de Matemática;
- estudo e elaboração de manuais de ensino e material didático;
- plano de diagnose educacional aplicado à ortografia; e
- organização de bibliografia.
1957
- o rural e o urbano: Júlio de Castilhos/RS, professor Rudolf Lenhard;
- síntese histórica da Educação no Rio Grande do Sul;
- análise de livros de leitura;
- estudos e adaptação de testes de inteligência e aptidões;
- pesquisa sobre Matemática;
- revisão de guias de ensino;
- plano de diagnose educacional aplicada à ortografia;
- biografias de personalidades ilustres no Rio Grande do Sul;
- classificação de escolas do Rio Grande do Sul; e
- curso de língua inglesa. Maria Zita Englert.
1958
- a educação artística no Rio Grande do Sul. Oportunidades oferecidas
às crianças;
- pesquisa sobre livros de textos de leitura – Luísa Resende de
Albuquerque e Suelly Krüger;
- estudo e adaptação de Testes de Inteligência e de Aptidões;
- pesquisa sobre Matemática: A matemática na indústria, no comércio,
na agricultura e em outros setores da atividade humana;
- revisão de Guias de Ensino;
- plano de diagnose educacional aplicado à ortografia; e
- freqüência nas escolas primárias: nova organização das classes.
Luzes e Sombras de um Projeto
43
1959
- a educação artística no Rio Grande do Sul. Oportunidades oferecidas
às crianças. Eloáh Ribeiro Kunz e Yvonne Van der Perre;
- testes de Pré-leitura. Eloáh Ribeiro Kunz;
- a direção da aprendizagem na 1ª série escolar primária. Eloáh Ribeiro
Kunz;
- classificação dos prédios em que funcionam estabelecimentos de
ensino público em Porto Alegre. Florisbela Machado e Lady Godiva
Grossetti;
- pesquisa sobre Matemática (parte relativa ao vestuário). Margarida
Sirângelo;
- relações entre o sistema educacional brasileiro, as escolas de formação
de professores primários e os serviços de aperfeiçoamento do
magistério em exercício. Eloá Ribeiro Kunz (publicado no Boletim n. 3
do CRPE/RS);
- organização de unidades didáticas de Geografia. Eleutéria Biehl e
Isabella Kertész;
- psicologia educacional: psicologia da criança. Tradução e adaptação
do livro Mesuring Intelligence, de Terman e Merril. Professoras Elfa
Freda e Marianina Freda;
- desenho: Maria Beatriz Furtado Rahde;
- seleção e divulgação de trechos de leitura, com base nas conclusões
da pesquisa sobre “Análise de livros didáticos”. Luiza Rezende de
Albuquerque e Suelly Krüger;
- ortografia. Ruth Mendes Prates; e
- trabalhos em andamento: levantamento do vocabulário ortográfico
de palavras cuja grafia apresenta dificuldades; organização de uma
coletânea de trechos de leitura, para escolas primárias e secundárias;
pesquisa em vários gêneros de livros, de trechos, de gravura, mapas
e gráficos, em geral, sobre temas da atualidade, para posterior
organização de unidades didáticas; levantamento de professores
municipais sem título; seleção, adaptação e preparação de assuntos
de interesse geral pedagógico para fins de remessa periódica, sob a
forma de folhetos aos professores sem título e levantamento de dados
relativos aos prédios escolares do Estado, solicitado pelo Inep;
196051
- evolução histórica da educação do Rio Grande do Sul;
- extensão e qualidade dos serviços educativos do Rio Grande do Sul;
51
Essa listagem refere-se ao período de 1956-1960, publicada na RBEP, v. XXXV, nº 81, jan-mar. 1961, p. 130.
44
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
-
levantamento sobre as oportunidades de educação artística oferecidas
à criança e ao adolescente sul-rio-grandense;
levantamento sobre o vocabulário ativo de cultura média na linguagem
comum de adultos e de crianças de 12 a 15 anos;
levantamento do vocabulário de palavras que apresentam dificuldades
ortográficas;
levantamento de professores municipais sem título;
conteúdo dos livros didáticos de nível primário;
estudo dos exames de admissão ao ginásio;
ensino de ciências naturais na escola primária;
papel da Matemática nas atividades humanas;
psicologia da criança;
guias de ensino;
preparação do teste-diagnóstico;
condições de ensino ministrado nas escolas;
estudo da reforma de ensino primário;
critério de classificação das escolas primárias;
a criança sul-rio-grandense;
quadro Educacional do Rio Grande do Sul. Iracema Machado; e
pesquisa em Santa Cruz do Sul;
1961
- o ensino nos municípios rio-grandenses: São Leopoldo;
- pesquisa sobre os níveis e hábitos de leitura. CRPE/Unesco;
- formação dos professores primários no Brasil-RS: aplicação dos
instrumentos, codificação e tabulação;
- exames de seleção. A dinâmica dos exames vestibulares no RGS.
Estudo Piloto. Iracema A. Z. Machado;
- exames de Admissão e causas de reprovação; e
- sondagem dos aspectos qualitativos do rendimento nas classes de
alfabetização. Alzira Fernandes de Oliveira, Dalila Mayer Alvim, Yedda
Schmidt.
1962
- mapa educacional dos municípios do Rio Grande do Sul;
- o ensino primário no Rio Grande do Sul na década de 1950-1960;
- estudo sobre as universidades no Rio Grande do Sul e de Santa Catarina
– causas de reprovação;
- estudo da comunidade de Santa Cruz do Sul, especialmente do ponto
de vista educacional;
- descentralização do ensino primário municipal do Rio Grande do Sul;
Luzes e Sombras de um Projeto
45
-
-
-
monografias descritivas dos municípios do Estado;
condições das classes de aprendizagem inicial da leitura e avaliação
do rendimento dessas classes;
levantamento das condições do ensino primário e pré-primário de
Santa Catarina;
estudo sobre o currículo para um Instituto Pedagógico (Formação de
professores de cursos normais em Institutos de Educação);
biografias de rio-grandenses ilustres52;
Plano de pesquisa sobre fatores relacionados ao insucesso na
aritmética na escola primária. Iná Silva, Itália Z. Faraco, Nadir Saldanha
da Rocha;
pesquisa em ação: formação especializada e didática do professor;
o ensino nos municípios rio-grandenses: Tapes;
caracterização de como se processa a projeção da personalidade de
nossa criança na faixa etária de 7 a 9 anos na técnica do “Desenho
da figura Humana de Karen Machover. Olga Machado dos Santos; e
o ensino primário e pré-primário municipal;
1963
- cadastro de escolas do ensino primário e do ensino médio de todos
os municípios rio-grandenses;
- levantamento do corpo docente e discente nas escolas de nível médio
de diferentes tipos. Professor responsável Ivan Dal’Igna Osório
(pesquisa coordenada pelo Inep e pelo Departamento de Educação
Comparada da Universidade de Chicago);
52
Essa pesquisa tem o objetivo de organizar um arquivo de biografias de personalidades significativas do
Rio Grande do Sul. Foram distribuídos oitenta e dois (82) questionários biográficos. Foi encarregada a
professora Itália Aronne de Leão. O Dr. Antonio Augusto Borges de Medeiros preencheu o seu em agosto
de 1956. O periódico Correio publica essas biografias, na seção “Em Destaque”, constituindo uma
importante fonte de pesquisa: Padre Balduíno Rambo, Ernesto Alves, Natho Henn, Padre José Mors,
Alcydes Maia, João Luderitz, Apeles Porto Alegre, Virgília Taurino de Rezende, Ildefonso Gomes, Germano
Hasslocher, Souza Lobo, José Coelho Parreira, Tomé Luis de Souza, Hilário Ribeiro, João Neves da Fontoura,
Edgar Luiz Schneider, Dorival Silva Schimitt, Henri Wallon, Monsenhor Nicolau Marx, Padre Luiz Gonzaga
Jaeger, Henrique Emílio Meyer, Dr. Francisco de Paula Amarante, José de Araújo Viana, professor Luiz
Englert, Plínio Casado, Dr. Edmundo Berchon Dês Essarts, José Loureiro da Silva, Ernani Fornari, Arlindo
Pasqualini, professor Henrique Pereira Neto, Zamira do Amaral Lisboa, Dr. Sebastião Leão, J. Simões Lopes
NetoÁlvaro Moreira, Pedro Weingartner, S Dr. João José Pereira Parobé, professor Fernando Gomes, Luiz
Cosme, Alfredo Ferreira Rodrigues, Cândido José Godói, professor Afonso Marques, professora pepita
Leão, Aureliano de Figueiredo Pinto, Joaquim Caetano da Silva, professor Lelis Espartel, professor Alcides
Cunha, Padre Leonel Franca, Ernesto Pelanda, Leopoldo Tietböhl, Manoel Faria Correa, Olímpio Olinto de
Oliveira,Alfredo Ferreira Rodrigues, professora Olinta Braga, Alfredo Clemente Pinto, Leopolda Barnewitz,
Rodolfo Saenger, Ubaldino Assunção Moura, Mario da Silva Brasil, Alfredo Georg Jaroslaw Wieck, Jorge
Godofredo Felizardo, Padre Balduíno Rambo, Dorival Silva Schmidt, Elita Teresinha Pinos Copstein, Gaspar
Dilermando Ochôa, professor Antônio da Rocha Almeida, Dr. David Mesquita da Cunha, Dr. Elpídio Pereira
Paes, professor Guerra Blesmann, professor Eugênio Oscar de Brito, professor Raul Pilla, professor José
Salgado Martins, Dr. Olyntho Sanmartin.
46
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
-
aspectos característicos de classes de alfabetização; e
levantamento de dados sobre a formação do professor primário. Norma
Zerwes e Adriano Mathias Schmitz (pesquisa coordenada pelo Inep)
1964
- o ensino nos municípios rio-grandenses: Viamão;
- estudo do Grupo com Diagnóstico negativo quanto à Alfabetização
(DEPE)
- as Classes de Alfabetização através do parecer dos professores (Depe)
- avaliação do atual currículo da escola primária (Depe); e
- evolução das estruturas do pensamento e capacidades mentais em
correspondência com os conteúdos de aprendizagem. Colégio da
Aplicação e CRPE;
1966
- estudo sobre o Adolescente Brasileiro (Depe – Irene Flores da Cunha,
Rebeca Poyastro, Olga Fedosseyeva); e
- levantamento de dados de quinze estabelecimentos do Ensino Público
Estadual de Porto Alegre. (DDIP – Odiles Fonseca Pereira);
1967
- experiência com regime de professor único em classe de 1ª série da
escola secundária – 1º ciclo (Depe - Colégio de Aplicação UFRGS); e
- caracterização sócio-econômica do estudante universitário de Porto
Alegre (Odiles Fonseca Pereira).
1968
- estudo sobre a classificação sócio-ocupacional de acordo com prestígio
no Rio Grande do Sul. Jurema Alcides Cunha, Luiza Werba, Maria I. B.
de Moraes, Maria Spader, Nadir S. da Rocha, Regina R. do Vale.
1970
- dificuldades de aprendizagem no primeiro grau do Ciclo Básico;
- situação funcional dos supervisores formados pelos cursos de Formação
de Professores Supervisores no CRPE/RS, a partir de 1963;
- instrumentalização do novo modelo de curso para licenciatura de
professores não titulados do Estado do Rio Grande do Sul (UFRGS CRPE/RS);
- avaliação e operações mentais; e
- desempenho do professor em situação de estágio de Prática de Ensino;
Luzes e Sombras de um Projeto
47
1971
- situação funcional do professor supervisor egresso dos Cursos de
Formação de Professores Supervisores, realizados pelo CRPE/RS de
1963 a 1970;
1972
- implantação da Reforma de 2º Grau - pesquisa-piloto. Centro de estudos
de testes e pesquisas psicométricas do ISOP, FGV, Inep, CRPE/RS;
1973
- testagem do currículo e de recursos para o aperfeiçoamento do
professor, com emprego de classes paralelas de 6ª e 7ª séries. Colégio
de Aplicação – Cerpes;
48
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
ANEXO 2
CURSOS DE APERFEIÇOAMENTO DE PROFESSORES (1956-1974)
1956/1960
- aperfeiçoamento do professores primários;
- prática de ensino;
- direção de escola;
- direção de aprendizagem em Ciências Naturais;
- metodologia da linguagem;
- metodologia de Estudos Sociais;
- inglês, professora Maria Zita Englert;
- administração escolar e orientação da educação primária (20 alunos);
- supervisão Educacional (20 alunos);
- prática de ensino: recreação e jogos;
- formação de diretores e professores para escolas de demonstração e
experimentais; e
- cadeiras do Currículo da Escola Normal.
1958
- seminário sobre Ensino Normal, juntamente com o CPOE/RS.
1959
- administração escolar e orientação do ensino primário (Rio Grande do
Sul, Amapá, Espírito Santo, Goiás, Paraíba, Paraná, Pernambuco e Rio
Grande do Norte); e
- curso de Administração Escolar e Supervisão.
1960
- administração de escolas primárias;
- problemas da formação do professor primário; e
- técnicas de pesquisa.
1961
- técnicas de Pesquisa, com a professora Drª Hilda Taba; e
- curso de estatística para a pesquisa em educação, professora Ligia
Morandi dos Santos.
1962
- curso de Administração Escolar;
- técnicas de pesquisa educacional;
- estatística;
Luzes e Sombras de um Projeto
49
-
preparação de um curso de administração escolar para gravação; e
colaboração do Seminário sobre meios de comunicação, organizado
pelo Ponto IV e a URGS.
1963
- curso de Administração e Supervisão Escolar: Porto Alegre (38
bolsistas), Pelotas (28 bolsistas), Santa Maria (43 bolsistas);
- curso sobre Recursos Audiovisuais (Porto Alegre, Rio Grande, Osório); e
- curso de treinamento de professores leigos.
1964
- IV Curso de Supervisores (INEP). (26 professores primários: 7 do Rio
Grande do Sul e 19 de Santa Catarina)53; e
- curso de Iniciação aos Recursos Audiovisuais (26 professores).
1965
- III Curso de Formação de Supervisores (DAM-CRPE/RS, Inep, Unesco
Fisi: Porto Alegre, Caxias do Sul e Pelotas – 95 alunos).
1966
- curso de Formação de Supervisores (Porto Alegre/33 alunos; Pelotas/
29 alunos); e
- curso de aperfeiçoamento para professores municipais (Santo Ângelo).
1967
- curso de formação de professores supervisores (Porto Alegre/31 alunos;
Pelotas/19 alunos).
1970
- curso de formação de supervisores (38 alunos);
- curso de recursos audiovisuais de baixo custo (144 alunos);
- curso sobre Recursos Audiovisuais (20 alunos);
- curso sobre fundamentação psicopedagógica dos recursos audiovisuais
e técnicas de visualização (52 alunos); e
- curso de técnicas audiovisuais (17 alunos).
53
Foram professores: João Baptista Aguiar, Suelly Aveline, Notburga Rosa Reckziegel, Lucinda Maria
Lorenzoni, Ilse Kraemer, Dalilla Sperb, Nair Marques Pereira de Almeida, Ruth Cabral, Glacira Amaral de
Barros, Margarida Sirângelo, Leda Falcão de Freitas, Elvira Saibro, Maria Luiza Baptisti Yang, Clodilte
César, Helen Porto Pereira.
50
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
O INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS PEDAGÓGICOS (INEP) E
O CENTRO DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS (CEPE):
A EXPERIÊNCIA DE UM LABORATÓRIO DE ENSINO PRIMÁRIO
NO PARANÁ (1952-1964)
Marcus Levy Albino Bencostta – UFPR
Desde a época em que Murilo Braga esteve na direção do Instituto Nacional
de Estudos Pedagógicos – Inep, foi comum o envio de professores do Estado
do Paraná para freqüentarem os raros programas de aperfeiçoamento,
promovidos por este órgão na capital da República. Portanto, desde 1947,
ano que marca o início da oferta dos cursos oferecidos pelo Instituto, estiveram
presentes no Rio de Janeiro, como bolsistas, professoras primárias da rede
pública paranaense a fim de lá obterem especialização. Foi a partir da
experiência destas professoras ‘inepianas’ que surgiu a idéia de organizar,
em Curitiba, um centro de estudos capaz de transmitir às demais colegas as
inovações pedagógicas ali adquiridas.
Iniciativas que propunham modificações no novo processo de medidas para
verificação da aprendizagem foram testadas pela equipe de alunos e ex-alunos
do Inep, em Curitiba. Um exemplo de sucesso registrado por professores e diretores
foi a organização e a aplicação, em 1951, de provas objetivas para os exames
finais de alguns grupos escolares da cidade (PARANÁ, 1952a, p. 1)1.
Contudo, a necessidade de institucionalizar esta experiência na atualização
do sistema de ensino nas escolas primárias se intensificou, quando foi
publicado o Decreto n. 4.387, de fevereiro de 1952, que aprovou o regulamento
do Centro de Estudos e Pesquisas Educacionais Cepe, o qual já havia sido
criado pela Lei n. 170, de 14 de dezembro de 1948 (PARANÁ, 1952d).
Esse novo órgão técnico consultivo estaria subordinado à Secretaria de
Educação e Cultura do estado e, desde o início, contou com a cooperação do
Inep para o desenvolvimento de suas atividades, que possuíam objetivos
similares àqueles adotados pelo órgão federal, destacando-se a especialização
do corpo docente das escolas públicas primárias paranaenses2.
1
O resultado desta experiência levou o Secretário de Educação, Dr. Newton Carneiro, a recomendar que
paulatinamente esse tipo de teste fosse aplicado em todas as escolas publicas do Paraná (ATUALIZAÇÃO,
1952, p. 45).
2
No Regulamento do Cepe, em seu capítulo II, artigo 4º, estava prevista a articulação deste órgão com o
Inep para a realização de trabalhos, estudos e cursos em regime de cooperação (PARANÁ, 1952d).
O Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP)
51
Instalou-se hoje na Secretaria de Educação e Cultura, o Cepe e estará sob a
sua responsabilidade a sistematização e a atualização do Ensino Primário no
Paraná. Estiveram presentes os Srs. Capitão Jaime Maria Sobrinho,
representando o governador Munhoz da Rocha, Dr. Newton Carneiro Soares,
Secretário de Educação, Dr. Murilo Braga, Diretor do Instituto Nacional de
Pesquisas Educacionais, professores e outras pessoas (DIÁRIO DA TARDE, 1952).
Além de fazer cumprir o propósito de por em execução cursos e reuniões
para o contínuo aperfeiçoamento técnico pedagógico dos professores, cabia
doravante ao Cepe: elaborar estudos e investigações psicopedagógicas com
o fim de manter o trabalho escolar em bases rigorosas e objetivas; produzir
medidas para a organização das classes, como a verificação de matrícula,
freqüência e repetência; fornecer programas de ensino e sistemas de avaliação
escolar; ordenar o levantamento dos prédios escolares públicos e de seus
equipamentos; constituir o cadastro de professores públicos do Paraná;
organizar e manter os serviços de orientação educacional; e, por fim, fazer
conhecer por meio dos cursos de aperfeiçoamento e de publicações, em
especial, de uma revista da própria Secretaria de Educação e Cultura, os
resultados dos trabalhos e pesquisas desenvolvidos no Cepe.
Em artigo publicado na revista A Divulgação, encontra-se publicada entrevista
da primeira diretora do Cepe, professora Pórcia Guimarães Alves, que sustenta
o objetivo da nova instituição, qual seja, construir critérios de valor das chamadas
pesquisas psicopedagógicas, destinadas a manter o trabalho escolar em
plataformas aceitáveis pela ciência. Questionada sobre os passos que deveria
tomar apara alcançar tais resultados, a professora responde:
inicialmente temos feito o estudo dos programas de ensino, bem assim como a
aplicação de testes ABC. De acordo com os resultados obtidos, está se
processando a formação de classes homogêneas. As que se compõem de
repetentes e de crianças-problema receberão atenção especial do Serviço de
Orientação. Para apreciação do progresso das classes haverá uma prova parcial
em junho, prova essa que medirá, objetivamente o aproveitamento escolar.
Depois, então, serão feitos o trabalho estatístico e o conseqüente lançamento
de notas (ALVES, 1952, p. 55)3.
Dando prosseguimento às atividades de pesquisa iniciadas em 1951, o
Cepe fez aplicar, no mês de junho de 1952, provas objetivas para verificação
3
Este procedimento previa a aplicação de testes de maturidade nas primeiras séries e os de verificação de
aprendizagem nas demais. Uma vez conhecida a classe, fazia-se a orientação dos alunos de rendimentos
aceitáveis e a recuperação dos alunos abaixo da média por meio de trabalhos especiais.
52
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
de aprendizagem em grupos escolares da capital, num total de 7.311 alunos,
pertencentes às 2ª, 3ª, 4ª e 5ª séries. A seção de programas interessada em
pesquisar o rendimento escolar do interior do estado escolheu três cidades
para aplicar experimentalmente a prova objetiva. Assim o total de 1.191 provas
aplicadas no grupo escolar ‘Hugo Simas’, de Londrina, ‘Faria Sobrinho’, de
Paranaguá e ‘Bartolomeu Mitre’, de Foz do Iguaçu, juntamente com as
aplicadas na capital, serviram de base para a organização da escala de
dificuldades das matérias do Curso Primário” (PARANÁ, 1952b, p. 255).
O Regulamento do Cepe, em seu Parágrafo III (Das Provas Objetivas),
Capítulo I (Da secção de programas e medidas), Título III (Da organização e
das finalidades das secções), determinava que para a organização das provas
objetivas deveriam ser aproveitadas as questões graduadas já existentes no
fichário do serviço de programas e medidas, da Secretaria de Educação e
Cultura. Essas deveriam ser inicialmente aplicadas nos grupos escolares de
Curitiba e se estender, progressivamente, às demais escolas do estado. O
que se pretendia alcançar com esse tipo de prova era fornecer elementos
para um estudo mais seguro e científico do rendimento escolar, a fim de
estabelecer critérios de promoção dos alunos (PARANÁ, 1952d).
Sabe-se que o ano de instalação do Cepe é o mesmo em que Anísio
Teixeira foi convidado para dirigir o Inep, 1952. Portanto, é objetivo deste
estudo demonstrar que para a consolidação das atividades do Cepe, foi de
fundamental importância o apoio do professor Teixeira, tendo em vista que
esse intelectual, além de profundo conhecedor das questões da realidade
educacional brasileira, também foi um articulador de iniciativas que
contribuíram para o desenvolvimento da missão do educador em ambiente
escolar. Pode-se ter um pequeno estrato desse seu compromisso em seu
famoso discurso de posse no Inep: “O Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos
tem de tentar uma tomada de consciência na marcha da expansão educacional
brasileira, examinar o que foi feito e como foi feito, proceder a inquéritos
esclarecedores e experimentar medir a eficiência ou ineficiência do nosso
ensino” (TEIXEIRA, 1952, p. 76).
Sendo assim, uma de suas primeiras medidas, que pode ser entendida
como um reconhecimento das atividades em Curitiba, foi a autorização para
transferência, de modo legal e gratuito, de um pequeno acervo para aquela
que seria a biblioteca especializada do Cepe. Contudo, para a consolidação e
a articulação deste centro de estudos com o Inep foram necessários outros
investimentos, como o apoio que o órgão federal deu ao enviar especialistas
à capital paranaense para a realização de cursos de aperfeiçoamento e o
curso de metodologia oferecido aos professores primários do estado em 1952,
amplamente noticiado pela imprensa da época.
O Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP)
53
Em outubro foi realizado o curso de “Metodologia para professores primários”
que contou com a presença de professores do Rio e de São Paulo, como
informamos acima, e que se realizou sob o patrocínio do Instituto Nacional
de Estudos Pedagógicos. Vale salientar que o interesse foi enorme, tendo
sido inscritos, 291 professores primários (GAZETA DO POVO, 1952).
Além dos programas de aprimoramento, este mesmo veículo de
comunicação iria destacar para o grande público a importância de uma
organização oficial como o Cepe, que teria despertado a atenção e o interesse
por parte dos técnicos e autoridades educativas do país a ponto de apoiar no
Paraná um serviço com tais características, sendo o 4º estado da União a
receber verbas para tal (GAZETA DO POVO, 1952). Ressalte-se aqui, que o
local de aplicação das propostas do Cepe deveria residir em um espaço
institucional adequado à obtenção de conhecimentos teóricos e práticos,
visando o aprimoramento e o conhecimento da realidade regional.
Após seu primeiro ano de funcionamento, começou a ser posta em prática
a idéia de um local onde pudessem ser desenvolvidas as atividades de estágio
de aperfeiçoamento para professores no Paraná e, ciente desta necessidade,
a professora Pórcia Guimarães Alves solicitou à Secretaria de Educação e
Cultura um prédio onde deveria funcionar o Cepe. Em atendimento, o então
Secretário, Sr. João Xavier Viana, fez a doação de um edifício escolar em
construção, cuja obra estava paralisada já há algum tempo. Não satisfeita e
aproveitando a ocasião de uma viagem ao Inep, para resolver assuntos da
Secretaria de Educação e Cultura do Paraná, a diretora do Cepe solicitou
verbas complementares ao professor Anísio Teixeira para concluir o edifício.
Seu pedido foi prontamente atendido e isto a deixou surpresa: “pensava em
cinqüenta mil cruzeiros e recebi quinhentos mil!” (ALVES, [19–])
Finalmente, durante os trabalhos da XI Conferência Nacional de Educação,
realizada em Curitiba, em janeiro de 1954, sob o patrocínio da Associação
Brasileira de Educação (ABE), foi o ambiente escolhido pelas autoridades de
ensino do estado para encetar o Centro Educacional Guaíra, também conhecido
como Centro de Demonstrações do Ensino Primário do Cepe4.
Centro de Demonstrações do Ensino Primário. Na tarde de ontem, com a presença
dos Drs. Lauro Portugal Tavares, Aramis Athayde, Rivadavia Vargas,
respectivamente Secretários de Educação e Cultura, Saúde Pública e Viação e
Obras Públicas, Prof. Flávio Suplicy, Reitor da Universidade do Paraná; Dr. Celso
4
Em algumas fontes, em especial a imprensa, também se encontra a denominação Centro de Demonstração
Pedagógica, assim como Centro Regional de Estudos Pedagógicos e, até mesmo, ‘Inepinho’, para este
mesmo órgão.
54
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
Kelly, Presidente da ABE; Major Ney Braga, Chefe de Polícia; e, outras autoridades
civis e militares, além dos congressistas da XI Conferência Nacional de Educação
se realizou a inauguração solene, ocasião em que as portas daquele
estabelecimento do ensino foram abertas para a infância estudantil do Paraná.
Falando na oportunidade, a professora. Pórcia Guimarães após tecer rápidas
considerações sobre a importância daquele Centro, convidou o Prof. Anísio
Teixeira para que fizesse a abertura simbólica do edifício. O Prof. Anísio Teixeira,
a seguir se congratulou com a iniciativa dos homens públicos de nossa terra,
dizendo de sua satisfação em poder presidir aquela solenidade (GAZETA DO
POVO, 1954, grifo do autor).
Os demais presentes, dentre eles inúmeros diretores e professores
congressistas da XI Conferência Nacional de Educação, juntamente com as
autoridades de ensino, visitaram demoradamente as dependências, já
completamente equipadas e prontas para entrar em funcionamento. Na ocasião,
chamou a atenção do Professor Anísio Teixeira o mobiliário escolar do Centro
Educacional Guaíra, a ponto de solicitar à Diretora Pórcia Guimarães Alves
cópias dos projetos para lhe serem enviados ao Inep (COLÉGIO ESTADUAL
GUAÍRA, 1954, p. 2).
Para o Centro Educacional Guaíra, a Professora Pórcia Guimarães abandonou
o padrão de carteira fixa e acoplada. Após intensa pesquisa junto às indústrias
de móveis escolares, aceitou o projeto de carteira de um arquiteto escocês
que se encontrava no Rio de Janeiro.
Figura 1 – Sala de aula
Fonte: Arquivo do Centro Educacional Guaíra, 1961.
O Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP)
55
Segundo descrição da diretora do Cepe, o modelo de pouco peso e
dinâmico deveria estar condizente com a sua finalidade. A inovação da tampa
lisa e completamente horizontal na parte superior favorecia, pela sua
justaposição, a formação de grandes mesas para trabalhos em grupo (figura
1). Dentro da caixa carteira foi abolido o tradicional buraco para colocação do
tinteiro, em substituição uma reentrância na madeira para colocação do lápis
e da caneta. A mesa era sustentada por armação de ferro escuro. Já a cadeira,
por ser móvel e leve, poderia ser facilmente conduzida para qualquer local da
sala de aula, facilitando a formação de equipes para atividades coletivas
(ALVES, [19–]). Convém lembrar que anos depois o Inep aproveitou a sugestão
do mobiliário do Centro Educacional Guaíra e mandou fabricar em escala
comercial para todo o Brasil, o mesmo modelo de carteira escolar, desta vez
adaptada para duas crianças com cadeiras individuas (ALVES, [19–]).
A parceria do Cepe com o Inep na questão do aperfeiçoamento dos
professores primários logo se fez notar pela continuidade dos cursos oferecidos
em Curitiba. Foi assim em julho de 1954, quando foi posto em prática o Curso
de Metodologia do Ensino Primário.
O curso de Metodologia do Ensino primário organizado pelo Centro Regional
de Estudos Pedagógicos e patrocinado pelo Inep foi iniciado ontem com a aula
prelecionada pela ilustre educadora Juraci Silveira. Inicialmente a Professora
Pórcia Guimarães Alves, faz uma exposição sucinta da organização do referido
curso; o qual em face do número elevado de inscrições, ultrapassando 2 centenas
deverá ser dividido em turmas com aulas em dois períodos. Na aula inaugural,
realizada na sede do Centro Regional de Estudos Pedagógicos, compareceram,
além das personalidades citadas, a Professora Hilda de Matos que lecionará a
cadeira de Estudos Sociais do curso, a Professora Eny Caldeira, diretora do
Instituto de Educação e grande número de professoras da capital e do interior
de estado (GAZETA DO POVO, 1954).
Em setembro do ano seguinte, foram oferecidos os cursos de Metodologia
da Linguagem e fatores emocionais que interferem na aprendizagem,
ministrados pela Professora Ofélia Boissom Cardoso (Instituto de Educação
do Rio de Janeiro) e Medidas Educacionais, ministrado por Nair Dutra Prata
(Inep), contando com a participação e devida certificação de 151 professores
(DIÁRIO DA TARDE, 1955).
Quase dois anos após a inauguração do Cepe no Paraná, que propunha
ser campo de estágio de aperfeiçoamento para professores do ensino primário
e, após intensa discussão com cientistas sociais e educadores, Anísio Teixeira
enviou ao Ministro da Educação e Cultura, projeto de criação do Centro Brasileiro
e Centros Regionais de Pesquisas Educacionais. Com o Decreto n. 38.460, de
56
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
28 de dezembro de 1955 estava oficialmente instituído o CBPE, tomando como
localização da sede, a capital da república e a dos centros regionais nas cidades
de Recife, Salvador, Belo Horizonte, São Paulo e Porto Alegre (TEIXEIRA, 1956).
Com a criação desta nova unidade do Inep, suas divisões e centros regionais,
se intensifica não só a continuidade dos projetos de melhoria das propostas para
o ensino e a educação, mas também uma melhor sistematização da cooperação
entre o Cepe do Paraná e o CBPE, intermediado sempre que possível pelo Centro
Regional de Pesquisas Educacionais de São Paulo (CRPE-SP)5.
Contudo, foi a partir das ações da Divisão de Aperfeiçoamento de
Magistério (DAM) do Cepe, que realmente se cumpriu a melhoria das políticas
direcionadas ao aprimoramento do corpo docente paranaense, em especial,
para o primário. A DAM, que foi uma das quatro divisões da Direção de
Programas do Cebe, as demais foram: a Divisão de Estudos e Pesquisas
Educacionais, a Divisão de Estudos e Pesquisas Sociais e a Divisão de
Documentação e Informação Pedagógica, tinha como meta, além de estruturar
programas de estudos e investigações a serem efetivados nos Centros
Regionais para a formação de administradores escolares e professores, como
também organizar e manter escolas experimentais; realizar uma educação
eficiente e adequada ao nível e necessidades dos alunos e às condições e
necessidades sociais; experimentar métodos e procedimentos de ensino
primário; e, funcionar como laboratório para estudos e pesquisas sobre
avaliação escolar, programas de ensino, preparo de métodos e recursos de
educação (OS ESTUDOS ..., 1956).
Nesse sentido, quando a DAM aprovou a proposta apresentada pelo
CRPE-SP para a realização do I Seminário para Professores Primários, em janeiro
de 1957, alguns docentes paranaenses se fizeram presentes. A elaboração
desse tipo de atividade tinha como preocupação discutir com os professores
alguns problemas costumeiramente encontrados em sala de aula, e com isto
despertar a uma possível consciência da pesquisa e inquietação científica
necessárias ao trabalho docente. Para tanto, foi organizado um programa de
palestras sobre assuntos que abordavam a educação a partir da ótica da
sociologia, passando pela filosofia da educação, antropologia e a própria
pedagogia, a fim de suscitar a reflexão sobre a redefinição ou ampliação dos
conceitos da educação e seus processos (RELATÓRIO, 1957, p. 87). Intelectuais
como Antônio Cândido, Fernando de Azevedo, Wilson Martins, Laerte Ramos
de Carvalho, Egon Schaden e próprio diretor geral do Inep, Anísio Teixeira,
foram os responsáveis por apresentarem as conferências.
5
O primeiro Centro Regional de Pesquisas Educacionais a ser criado foi o de São Paulo, em março de 1957,
mediante um convênio entre o Ministério da Educação e Cultura e a Universidade de São Paulo. A este
caberia atender os estados de São Paulo, Paraná, Mato Grosso e Goiás (FERREIRA, 2001, p. 27).
O Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP)
57
Naquela ocasião, Anísio Teixeira manifestou em sua conferência, Ciência
e arte de educar, o que tinha em mente quando propôs a fundação dos
centros regionais. Para ele, estes deveriam cooperar na elaboração de uma
nova política educacional para o Brasil, fundamentada por uma
racionalidade científica que contaria com a colaboração, não só de
educadores, mas de cientistas sociais que proporcionariam o contato entre
professores e mestres que trabalham nas escolas e, técnicos e intelectuais
dos centros, como aquele que estava ocorrendo durante o I Seminário
para Professores Primários, procurando assim, associar a realidade do
professor à pesquisa e tornar, portanto, mais rica, lúcida e eficaz a ação
educativa (TEIXEIRA, 1957).
Quais as repercussões das ações do Inep nos programas oferecidos
pelo CBPE na realidade dos professores primários do Paraná? Em que
sentido a concepção de uma nova política educacional para o país
repercutiu entre as autoridades de ensino desse Estado? Quais experiências
podem ser identificadas como resultantes deste investimento do Inep?
Este trabalho não tem a pretensão de aprofundar todas as
problematizações, mas apenas tocá-las na medida em que as fontes
disponíveis sinalizem condições de análises e interpretações acerca do papel
que o Inep, durante a gestão do Professor Anísio Teixeira (1952-1964), no
momento em foram tomados novos rumos para o ensino primário no Paraná.
Nesse sentido, optou-se por investigar parte da história do Centro Educacional
Guaíra, entendido neste estudo como laboratório do Inep no Paraná, onde
foram experienciadas medidas para uma nova forma de educar.
58
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
CENTRO EDUCACIONAL GUAÍRA: UM LABORATÓRIO DE
RECONSTRUÇÃO EDUCACIONAL DO INEP NO PARANÁ
Nossa vontade é estudar, pra aprender mais depressa,
Embora encante brincar, saber muito é o que interessa1.
Bento Mossorunga
Após solicitação da diretora do Cepe à Secretaria de Educação do
Estado, pedindo a instalação de um centro de aperfeiçoamento de
professores paranaenses em Curitiba e com o apoio do Inep, foi criado,
em 1954, o Centro Educacional Guaíra, que deveria funcionar como centro
de demonstração do ensino primário.
Muitas das sugestões para a organização do novo Centro Educacional
foram resultados dos cursos e encontros promovidos pelo Inep no Paraná
e no Rio de Janeiro. Fruto desse investimento, a ‘inepiana’ Pórcia Guimarães
Alves procurou tomar todas as cautelas didáticas possíveis para a época,
como forma de efetivar aquele laboratório de ensino, tais como:
[...] construção especial de mobiliário escolar moderno e em função de
métodos ativos de ensino; material didático confeccionado para servir de
motivação e fixação das matérias do currículo; seleção de professores para
compor o corpo docente inicial, [foi considerado bom elemento, a professora
que havia apresentado, de acordo com critério então vigente, alto nível de
aprovações como regente de classe]; e, organização das classes de 1ª série
pelo Teste ABC e classes com matrícula limitada, com máximo de 25 alunos
(ALVES, 1961, p. 8).
Contudo, a sua localização na região do Campo da Cruz pode ser explicada
muito mais como uma contingência, do que necessariamente uma decisão
antecipada, quanto à escolha do bairro em que seria construído um
estabelecimento daquele porte.
Na década de 1950, o bairro Campo da Cruz ou Rebouças, como é atualmente
denominado – referência que homenageia Antônio Pereira Rebouças Filho, o
1
Estrofe do Hino ao Centro Educacional Guaíra.
Centro Educacional Guaíra: um laboratório de reconstrução educacional
do Inep no Paraná
59
engenheiro responsável pelo início da construção da estrada de ferro que liga
Curitiba ao porto de Paranaguá, estava incrustado entre seus vizinhos, Iguaçu,
Prado e Nossa Senhora da Luz, todos bairros de franco crescimento populacional,
que presenciavam a cada ano, a chegada de levas de novos habitantes.
Apesar de suas características residenciais, o Centro Educacional Guaíra
estava localizado naquele que seria o principal, mas ainda pacato pólo industrial
curitibano, da segunda metade do século XX. A proximidade da estação
ferroviária atraiu a instalação de importantes moinhos, fábricas, cervejarias,
madeireiras e armazéns, desde a segunda metade do século XIX. Isso acentuou
seu índice de desenvolvimento urbano, fazendo-o diferenciar-se dos demais
bairros vizinhos, ainda fortemente marcados pela existência de chácaras. Essa
realidade leva a compreender a conveniência de seus habitantes
desempenharem atividades tipicamente urbanas, tais como as profissões
ligadas à burocracia, ao comércio, ao transporte ferroviário e à prestação de
serviços. Tinha-se, portanto, uma camada social que não estava sujeita à
produção de gêneros alimentícios, ou criação de animais, como sua principal
fonte de recursos financeiros (CASA ROMÁRIO MARTINS, 2000).
Por conta de sua densidade populacional, é preciso considerar que nessa
mesma região, já estavam instaladas instituições que se tornariam importantes
para a história da educação do estado, como o Grupo Escolar Dr. Xavier da
Silva, o primeiro do Paraná2, a Escola Técnica de Curitiba3, o Centro de Formação
Profissional do Senai, além de uma pequena escola isolada, que funcionou até
o início dos anos da década de 1950. Contudo, a demanda não correspondia,
como era de se esperar, à oferta de escolarização primária, resultando que, na
primeira matrícula do Centro Educacional Guaíra, havia um número considerável
de alunos com problemas de alfabetização e aprendizagem (ALVES, 1961).
Ainda que esse novo centro de demonstrações do Ensino Primário não
atendesse exclusivamente às famílias de alunos que residiam no Rebouças,
visto que essas não tinham a obrigação de morarem próximas a ele e
considerando as características urbanas daquela região da cidade, o
desenvolvimento dos transportes urbanos era por demais precário, dificultando
em demasia os deslocamentos intra e extrabairro dos seus habitantes, inclusos
nessa demanda, os estudantes. Embora o aumento do número de ônibus em
circulação que substituíra as autolotações tenha sido uma inovação para o
transporte público curitibano na segunda na metade do século XX, ainda era
2
Para saber mais a respeito da origem dos grupos escolares de Curitiba, consultar BENCOSTTA, 2001.
A Escola de Artífices do Paraná, criada desde 1910, foi transferida da Praça Carlos Gomes para o
Rebouças, na década de 1930. De prédio novo (1936), essa escola foi transformada no Liceu Industrial de
Curitiba e, posteriormente, em Escola Técnica de Curitiba (1942), para finalmente, após a unificação do
Ensino Técnico no Brasil, em 1959, ser denominada de Escola Técnica Federal do Paraná, (QUELUZ, 1996).
A partir de 1978, foi transformado no Centro Federal de Educação Tecnológica do Paraná (Cefet-PR).
3
60
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
uma dificuldade depender de meios públicos de transporte no Rebouças. Naquela
região que, abrangia a Avenida Marechal Floriano até o rio Belém, existia, nos
anos de 1950, uma única linha de ônibus, Linha Durival de Britto, que percorria
a Rua Engenheiro Rebouças até o estádio (CASA ROMÁRIO MARTINS, 2000).
Sendo assim, o tempo que as crianças levavam para percorrer de suas casas
até a escola foi a principal dificuldade enfrentada pelos escolares do Rebouças.
O edifício escola destinado ao Cepe necessitou de modificações que o
adequassem aos objetivos de um centro experimental de ensino daquele porte.
As principais características da planta original foram mantidas, sendo
acrescentadas pequenas alterações, sugeridas pela Professora Pórcia Guimarães.
Figura 1 – Fachada transversal do Centro Educacional Guaíra
Fonte: arquivo do Centro Educacional Guaíra, 1961.
A disposição dos vidros das janelas mereceu atenção especial. A diretora
solicitou que os basculantes das salas de aula deveriam ser de vidro
transparente, para que a visibilidade e a imaginação dos alunos não ficassem
limitadas à sala de aula, que eles pudessem olhar para fora, para longe, ver
o verde que rodeava a escola. Contudo, no canto superior dos basculantes
foram postos vidros estriados, em total desacordo com o hábito da época,
que era de se colocar vidro martelado.
Centro Educacional Guaíra: um laboratório de reconstrução educacional
do Inep no Paraná
61
Também precisei explicar a escolha do novo tipo de vidro – é que não havia na
praça, o martelado, que reflete os raios do sol em diferentes sentidos,
provocando luminosidade excessiva e prejudicial ao trabalho escolar. O vidro
estriado reorienta os raios de sol num só sentido, diminuindo a luminosidade.
Nos janelões abertos sobre a escada, nas portas e janelas do salão, fiz colocar
vidros transparentes, para que não só o sol pudesse correr livremente para
dentro das dependências escolares, mas também aumentar a visão das
dependências externas (ALVES, [19–], p. 2).
O prédio escolar, assim como todas as suas instalações, já era objeto de
preocupação do próprio Anísio Teixeira desde os tempos que atuou na
Inspetoria Geral do Ensino da Bahia (1924-1928), passando pela Diretoria da
Instrução Pública do Distrito Federal (1931-1935), e a Secretaria de Educação
e Saúde do Estado da Bahia (1947-1951), ocasiões que teve a oportunidade
para experimentar suas políticas educacionais. Entendia ele, que o edifício e
o ambiente escolar deveriam observar atentamente sua função como partícipes
da missão de desenvolver a inteligência e formar o caráter.
[...] que o prédio escolar e as suas instalações atendam, pelo menos, aos
padrões médios da vida civilizada e que o magistério tenha a educação, a
visão e o preparo necessários a quem não vai apenas ser a máquina de
ensinar intensivamente a ler, a escrever e a contar, mas vai ser o mestre da
arte difícil de bem viver (TEIXEIRA, 1935, p. 39).
A construção do Centro Educacional Guaíra se deu em dois pavimentos
em formato de M, tendo um generoso terreno de 3.500 m2 ao redor do seu
edifício onde os alunos poderiam, em dias de clima apropriado, usufruir o
tempo destinado aos intervalos de recreação (figura 2). Defronte ao prédio, a
Professora Pórcia Guimarães mandou colocar dois mastros para o hasteamento
das bandeiras do Brasil e do Paraná, contrariando o modo usual de até então,
colocá-las na fachada da escola e com a bandeira brasileira inclinada, como
nos demais prédios públicos. A zelosa diretora entendia que o estandarte
nacional jamais deveria se inclinar nas solenidades cívicas e, nesse sentido,
garantiria que em sua escola os pendões do Estado do Paraná e da Federação
sempre seriam erguidos de modo vertical (ALVES, [19–]).
62
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
Figura 2 – Planta baixa do pavimento inferior do Centro Educacional Guaíra
Fonte: Arquivo do Centro Educacional Guaíra, 1954.
Descrição dos ambientes: 1) sala de aula; 2) secretaria I; 3) sala de espera; 4) sala do Diretor;
5) mapoteca; 6) sanitários; 7) circulação; 8) circulação; 9) auditório [Teatro]; 10) palco [Teatro];
11) mimeógrafo; 12) hall de entrada; 13) secretaria II; e, 14) lavabo.
O programa arquitetônico desta edificação (figuras 3 e 4) foi
projetado com dependências minimamente necessárias para o seu
funcionamento como laboratório de aperfeiçoamento de professores
primários, dando importância a diferentes espaços de trabalho.
Potencialmente, poderia abrigar em média 1.500 alunos nos três turnos,
acomodando em suas salas de aula, o máximo de 25 alunos. O prédio
era composto por salas de aula, salas especiais (audiovisual, mapoteca,
biblioteca infantil), salas administrativas (orientação educacional,
supervisão escolar, coordenação, direção, 2 secretarias, almoxarifado,
cozinha e sala de mimeógrafo), teatro e demais dependências
(sanitários, lavabos, sala de espera e hall de entrada).
Centro Educacional Guaíra: um laboratório de reconstrução educacional
do Inep no Paraná
63
Figura 3 – Planta baixa do pavimento superior do Centro
Educacional Guaíra
Fonte: Arquivo do Centro Educacional Guaíra, 1954.
Descrição dos ambientes: 1) sala de aula; 2) sala de professores; 3) sala de orientação
educacional; 4) sala de supervisão escolar; 5) sala de aula especial; 6) sanitários; 7) almoxarifado
geral; 8) circulação; 9) sala de audiovisual; 10) sala da coordenação; e, 11) lavabo.
Entendido o espaço escolar como uma das colunas que sustentaria sua
proposta educacional, foi que não passou despercebido pelo Cepe, assim
como pelo próprio Inep, a importância da funcionalidade desses espaços na
realidade escolar do Centro Educacional Guaíra. Funcionalidade esta defendida
por Anísio Teixeira4 em diferentes momentos de sua atuação nos órgãos da
administração escolar por onde passou. Entendia que esta deveria ser priorizada
em detrimento da monumentalidade, pois não desejava palácios luxuosos,
mas edificações econômicas e com bastante luminosidade, que serviriam de
base para a reconstrução da própria vida, pela escola (TEIXEIRA, 1935).
Reconheçamos, entretanto, que nenhum outro elemento é tão fundamental,
no complexo da situação educacional, depois do professor, como o prédio e
suas instalações. Reconheçamos, também com Pascal que o homem é feito
de tal modo que embora o sentimento anteceda o gesto, na sua ordem
natural, o gesto pode gerar o sentimento. No Brasil, estamos a procurar este
efeito. Façamos o gesto da fé para ver se o adquirirmos. A arquitetura moderna
é esse gesto. Possam estes prédios escolares, concebidos em juventude,
4
Para uma melhor compreensão das políticas de edificações escolares adotadas por Anísio Teixeira,
consultar DÓREA, 2003.
64
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
árdegos e elegantes como potros de raça, impacientes de dinamismo e de
amor à vida, comunicar a educação e, pela educação, a existência
brasileira, as suas finas e altas qualidades de inteligência, coragem e
desprendida confiança no futuro. O Brasil precisa, para se realizar, de
lirismo – que é a capacidade de esquecer – e de virtude – que é a
capacidade de se superar. A sua arquitetura moderna é uma lição
magnífica dessas duas atitudes redentoras (TEIXEIRA, 1951, p. 75).
Pode-se afirmar, portanto, que o Centro Educacional Guaíra, assim
como os Grupos Escolares de Curitiba (BENCOSTTA, 2001), foi planejado
para ser um espaço laboratorial que ordenava e propagava práticas
higiênicas e moralizantes, cujos profissionais envolvidos seguiam uma
ótica de disciplinarização da educação, que deveria contribuir na
organização do próprio espaço escolar. Desse modo, pode-se compreender
na explicação do professor Anísio Teixeira acerca das transformações a
serem inseridas nos programas arquitetônicos das edificações escolares
que estas não deveriam ficar resumidas a um aglomerado de salas de
aula, mas em todo um conjunto de espaços “em que as crianças se
distribuem, entregues às atividades de estudo, de trabalho, de recreação,
de reunião, de administração, de decisão e de vida e convívio no mais
amplo sentido desse termo” (TEIXEIRA, 1961, p. 195).
Ao diagnosticar a situação da educação brasileira nos primeiros
anos da década de 1950, o diretor do Inep pontuou a necessidade de
uma reconstrução educacional com o propósito de uma vez por todas
integrar os cidadãos brasileiros a uma sociedade verdadeiramente
democrática. Contudo, para que este plano obtivesse sucesso era
absolutamente preciso, por um lado, solucionar os entraves decorrentes
da falta de recursos, que dificultavam a efetivação do compromisso de
financiamento da educação e, por outro, a preocupação com a
qualificação continuada e progressiva do ensino. É sobre este segundo
aspecto que se destacam algumas considerações, tomando como
exemplo o Centro Educacional Guaíra, por entender ter sido ele parte
do plano de desenvolvimento da educação nacional elaborado pelo Inep,
na gestão de Anísio Teixeira.
Foi neste movimento de reorganização que o Inep procurou atuar
como articulador e incentivador de espaços que procurassem garantir a
liberdade para investigar, experimentar e analisar novas fórmulas,
capazes de desencadear a renovação da escola. Cabia, portanto, às
autoridades de ensino que representavam o Estado, a responsabilidade
por planejar esta liberdade de reconstrução.
Centro Educacional Guaíra: um laboratório de reconstrução educacional
do Inep no Paraná
65
A lei deve estabelecer as condições e os mecanismos pelos quais se irá promover
o progresso escolar, isto é, prover a administração e a direção da educação
de órgãos capazes de elaborar as soluções ou de promover o aparecimento
dessas soluções e de acompanhar-lhes a execução, verificar-lhes a eficácia e
aprová-las ou modificá-las (TEIXEIRA, 1953, p. 8).
O propósito, neste capítulo, é argumentar que no Paraná o Cepe foi um
mecanismo criado pela administração, atuando como órgão que teve a
liberdade de planejar novos procedimentos para a realidade do ensino primário
no estado e, assim, cooperar na inovação do campo escolar desse ensino,
presente no programa de reconstrução educacional sugerido por Anísio Teixeira.
No ano de 1957, o Inep, por meio do CBPE, iniciou um levantamento
estatístico sobre o universo do Ensino Primário, com o objetivo de perceber
quais as medidas de aprendizagem que interferiam diretamente no problema
das matrículas do Brasil. A idéia dos técnicos era experimentar métodos de
aprendizagem que proporcionassem rendimentos didáticos mais eficientes,
que diminuíssem o elevado índice de reprovação e que, conseqüentemente,
amenizassem o prejuízo das escolas que, por sua vez, condenavam os alunos
repetentes por ocuparem as vagas. O jornal curitibano, Diário da Tarde, ao
discutir a matéria, apresentou alguns resultados parciais dessa pesquisa
que afirmava serem quatro as realidades que interferiam no processo de
aprovação dos alunos do Curso Primário:
1) as aspirações e esperanças dos pais;
2) a situação da criança com relação à sociedade que a cerca;
3) a qualidade do ensino, também essencial para o bom rendimento
do educando; e
4) a consciência profissional dos professores que devem ter o máximo
de preparo didático, de modo a poderem oferecer aos seus alunos
aulas atraentes à base de uma motivação segura e objetiva,
procurando obter dos mesmos o maior rendimento possível no
aprendizado (DIÁRIO DA TARDE, 1958).
Um pouco anterior à realização da pesquisa do CBPE, a Professora Pórcia
Guimarães Alves utilizou dessa mesma preocupação do Inep para aplicar no Centro
de Demonstração do Ensino Primário do Paraná um tipo de renovação escolar que
diminuísse exatamente as causas da repetência escolar. Para isto, o Centro
Educacional Guaíra, nos anos de 1957 e 1961 (o universo de pesquisa foram os
alunos de 1956 e 1960), frente a uma população estudantil pedagogicamente
atrasada, observou os alunos que possuíam alguns conteúdos fundamentais, mas
que eram crianças repetentes com diferentes níveis de escolaridade.
66
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
Com o aproveitamento de grandes técnicos especializados nos grandes centros
do país e do estrangeiro, foi possível iniciar em nossa capital, com grande
êxito, centros de pesquisas educacionais onde se procura perquirir e racionalizar
o ensino primário. [...] Presentemente, processa estudos sobre a repetência,
evasão escolar e rendimento do ensino (GAZETA DO POVO, 1956).
A experiência dessa prática de pesquisa levou a equipe do Cepe a entender
que as causas do baixo rendimento escolar, além de variadas, eram também
complexas. Os problemas administrativos e pedagógicos, que eram por demais
conhecidos, deveriam ser resolvidos pela Seção de Orientação Educacional do Cepe,
a quem competia, dentre outras funções, estudar a população escolar para poder
melhor conduzi-la e promover a atualização de métodos e técnicas pedagógicas,
por meio de constante orientação didática do ensino, (PARANÁ, 1952).
A identificação do ambiente socioeconômico dos alunos se fez necessária
para que se obtivesse maiores informações acerca das dificuldades escolares que
acarretavam a repetência e, para tanto, tomou-se a decisão de elaborar uma ficha
que identificasse o aluno e sua família. A metodologia adotada utilizava 20% do
total de alunos reprovados nas séries que tinham suas famílias selecionadas de
modo aleatório, para receberem as visitas dos técnicos do Cepe e responderem a
um roteiro elaborado pela Seção de Orientação Educacional do centro5.
Os resultados dessa pesquisa estão presentes na tese do concurso da
Professora Pórcia Guimarães Alves à cátedra de Psicologia Educacional dos cursos
de Pedagogia e Didática, da antiga Faculdade de Filosofia da Universidade Federal
do Paraná, no ano de 1961, na qual foram apresentadas as principais causas
do problema da repetência escolar no Ensino Primário, classificadas com:
administrativas, metodológicas, sociais, psicológicas e biológicas.
Dentre as causas administrativas que esse estudo considerava como
responsáveis pelo baixo rendimento da escolaridade, temos as seguintes:
a) nomeação de professoras incapacitadas profissionalmente.
A nomeação implica não apenas na lotação, mas também na especialização
da professora, seus títulos e sua formação pedagógica. Características estas,
da mais alta importância para o trabalho de regência de classes (ALVES,
1961, p. 20);
5
O roteiro da entrevista social era o seguinte. 1 - Nome do aluno; 2 - Data de nascimento; 3 - Como estuda
o aluno [tem horário?/local/precisa mandar?]; 4 - Instrução dos pais [primária/secundária/superior]; 5 Profissão dos pais [a mãe trabalha fora de casa?]; 6 - Nacionalidade dos pais; 7 - Casa – organização
[material/madeira/quantas peças/limpa/suja/número de pessoas/quantas no mesmo quarto/aspecto do
mobiliário] – posse [própria/alugada]; 8 - Atividades lúdicas [rádio, ouve muito ou pouco/vai ao futebol/lê
revistas/livros/vai ao cinema/outras] (ALVES, 1961).
Centro Educacional Guaíra: um laboratório de reconstrução educacional
do Inep no Paraná
67
b) nomeação de professoras em número insuficiente e remoção de
professoras em época inoportuna.
Não basta a nomeação e a remoção de professoras regentes, dentro das
normas pedagógicas, para que a escola possa bem cumprir as suas finalidades.
O número de profissionais também é decisivo, porque deste número é que
irão depender todas as atividades ‘extraclasses’, atividades estas que tornam
a escola não apenas o lugar de instrução limitada e formal, mas o ambiente
de verdadeira educação (ALVES, 1961, p. 20);
c) designação de diretoras desatualizadas pedagogicamente.
Cabe à Direção, não só atenuar ou remover quando possível os efeitos dos
atos oficiais negativos, mas isso também é decisivo para o trabalho docente,
o saber escolar e designar os elementos da sua escola para as atividades
que a mesma desenvolve (ALVES, 1961, p. 21);
d) falta de professoras especializadas para as primeiras séries do Curso
Primário.
O rendimento de classe depende em grande parte do professor e é preciso
então, que este professor esteja ajustado à sua função e que a classe que
lhe é entregue esteja de acordo com o seu temperamento e a sua
especialização (ALVES, 1961, p. 21).
Em parte, as deficiências apresentadas nas causas administrativas sucediam
as causas metodológicas, que esbarravam na necessidade de melhoria na
formação do professor primário, que cada vez mais não correspondia à realidade
da escola do início da segunda metade do século XX.
A formação do professor primário, era pois, o principal entrave metodológico
que dificultava a solução da repetência escolar, sendo indispensável a urgente
qualificação desses profissionais em cursos de capacitação oferecidos pelo
Estado. Em seu relatório de pesquisa, a Professora Pórcia Guimarães Alves fez
questão de destacar o resultado de uma classe da 2ª série do Centro Educacional
Guaíra, composta por 33 alunos, onde se aplicou experimentalmente uma nova
metodologia de ensino e avaliação, cujo resultado foi 100% de aprovação.
“Esta experiência foi possível, porque a professora regente, bolsista do Inep em
1956, trouxe do estágio de especialização no Rio, elementos que a capacitavam
para aplicar com eficiência o método” (ALVES, 1961, p. 22).
Contudo, além da matéria da formação qualificada do docente, outros
motivos que explicam como a questão metodológica pode interferir na repetência
68
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
são arrolados. São eles: material didático deficiente, ano letivo insuficiente,
horário escolar impróprio, matrículas tardias e organização irregular das classes.
Pode-se perceber juntamente com os educadores do Paraná, envolvidos
com a questão da reconstrução educacional, que essa não seria uma tarefa de
fácil solução. O próprio Anísio Teixeira entendia a escola como uma instituição
movida pela difícil arte de educar e ensinar, que suportava permanentemente,
progressos e revisões que acarretavam ao professor a liberdade para adaptar
sua ação docente, sem, contudo ter plena autonomia para ensinar o que
quisesse, mas ensinar por métodos aprovados pela concordância dos profissionais
envolvidos e autorizados pela educação (TEIXEIRA, 1953).
Ao longo da experiência do Centro Educacional Guaíra, a pesquisa
compreendia que mesmo que fossem resolvidas todas as questões
administrativas e metodológicas, ainda assim, por decorrência dos aspectos
sociais dos alunos, algum índice de repetência seria registrado.
A análise a partir das observações colhidas nas visitas feitas às famílias
dos educandos, demonstrava que o nível socioeconômico das famílias era
deficiente, possuindo os pais, quando muito, algum tipo de educação
escolarizada de nível elementar.
Quanto ao nível cultural, registramos em 1957, 5 casos de mães
analfabetas, sendo as demais com Curso Primário e ainda um pai
analfabeto, aliás, o único em toda a pesquisa. Em 1960, vamos encontrar
duas mães analfabetas e um caso de mãe com instrução secundária
[professora] (ALVES, 1961, p. 23-24).
A instabilidade financeira das famílias também foi entendida como um
dos fatores que interviam no rendimento dos alunos. Um exemplo incisivo é o
daquelas famílias que viviam em casas de aluguel, expressão de um dos
fenômenos que desarranjava as atividades escolares, pois a transferência de
educandos, por motivo de mudança de residência ao longo do ano letivo,
somente contribuía para intensificar a inadaptação dos conteúdos pedagógicos.
A pesquisa também procurou observar nos alunos em situação de
repetência, quais os aspectos de sua personalidade e de sua saúde física
que poderiam influir na reprovação escolar. Para a identificação das causas
psicológicas da repetência foram utilizados testes de QI nos alunos6, e o
resultado a que esses chegam, é que, em parte, ela também é resultado da
realidade socioeconômica. Contudo, para os alunos que ficaram muito abaixo
do padrão, foram organizadas salas especiais.
6
Foi utilizada a metodologia de TERMAN, L. M.; MERRILL, M. Medida de la inteligência, por ser a mais
difundida no Brasil dos anos de 1950 (ALVES, 1961).
Centro Educacional Guaíra: um laboratório de reconstrução educacional
do Inep no Paraná
69
Cabe ressaltar aqui que, desde 1956, o Centro Educacional Guaíra tinha
instalado uma clínica psicológica que atendia casos de difícil resolução da
repetência escolar. Esse gabinete não examinava somente crianças daquela
escola, mas de outros grupos escolares de Curitiba e até de estabelecimentos
particulares. Foi com a iniciativa desse gabinete, juntamente com as
preocupações em construir possibilidades de solução para o problema das
reprovações, que foi fundada uma classe especial para atender crianças
excepcionais, sendo, portanto, a primeira instituição do estado, e uma das
primeiras no Brasil, a ter uma classe específica para crianças portadoras de
necessidades especiais (ALVES, [19–]).
Em 1958 organizamos uma classe especial para atender os excepcionais
com QI abaixo de 50 e onde são utilizadas técnicas pedagógicas
adequadas sob a orientação do serviço de psicologia. Tem esta classe,
horário escolar de 3 horas diárias e uma professora especializada em
técnicas de recuperação para cada 5 crianças. Estas crianças participam
do recreio diário e das atividades de recreação comuns às demais crianças
da escola, às quais, imitam nas atitudes e, principalmente, nos folguedos
(ALVES, 1961, p. 28-29).
Ainda fazem parte da análise os fatores biológicos que prejudicavam a
aprendizagem, como as epidemias e doenças contagiosas.
As epidemias que temporariamente afastam os alunos da escola,
afetando sua freqüência, como foi o caso do sarampo que em maio de
1961 espalhou-se na população escolar de tal forma, que em apenas
uma classe de 34 alunos havia 26 casos de crianças doentes. As
doenças contagiosas também prejudicam a escolaridade através da
interdição das mães professoras que se ausentam da classe durante o
período do contágio. Durante maio e junho de 1961, tivemos 6
professoras regentes interditadas com casos de sarampo, varicela e
catapora (ALVES, 1961, p. 30).
Diante da experiência de pesquisa que levou a identificação de todos
esses fatores, coube ao Centro Educacional Guaíra propor à Secretaria de
Educação do Estado do Paraná a quebra da seriação escolar e a aplicação
de provas fora do tempo determinado pelo regimento escolar, sendo
necessário o funcionamento ininterrupto das atividades escolares. Assim,
propunha-se que as turmas iniciassem ou encerrassem suas atividades
conforme o rendimento escolar, sendo as férias coletivas agendadas para a
época das festas natalinas (10 dias) e da páscoa (10 dias).
70
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
Não tem esta quebra de seriação apenas a preocupação de retardar o ano
letivo, mas também o de poder antecipá-lo. Por exemplo, no caso de uma
classe forte em matemática, não será necessário prendê-la ao ritmo das demais
classes. Desde que os itens do programa vão sendo aprendidos, poderemos ir
para frente, vencendo o programa de acordo com as possibilidades dos alunos.
E se em outubro, o mínimo previsto no programa foi perfeitamente dominado,
passamos para a matéria do ano seguinte (ALVES, 1961, p. 34).
Ao compreender o Centro Educacional Guaíra como um laboratório que
experimentava inovações e que procuravam contribuir na melhoria do Ensino
Primário no Paraná, entende-se que sua iniciativa não se deu de modo isolado,
muito pelo contrário. A relação que manteve com o Inep, por meio dos
cursos de capacitação do corpo docente primário do estado e, principalmente
a absorção das idéias e teorias defendidas por seu diretor que lutava para
reconduzir a educação escolar, confirma esse convívio e intercâmbio. Nesse
sentido, pode-se concluir que o Cepe no Paraná e seu laboratório, Centro de
Demonstração do Ensino Primário/Centro Educacional Guairá, não foram
apenas órgãos executores das determinações elaboradas pelo estado, mas
espaços onde foi possível praticar aquilo que Anísio Teixeira sustentava
como necessário para a reconstrução educacional brasileira, qual seja, o
planejamento e o experimento, de acordo com a realidade da escola, de
tudo que fosse admitido e recomendado nos moldes da prática e da ciência.
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5, p. 5-22, ago. 1957.
Plano de construções escolares de Brasília. Revista Brasileira de Estudos
Pedagógicos, Rio de Janeiro, v. 35, n. 81, p. 195-199, jan./mar. 1961.
Centro Educacional Guaíra: um laboratório de reconstrução educacional
do Inep no Paraná
73
74
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
SANTA CATARINA E O PROGRAMA NACIONAL DE
RECONSTRUÇÃO EDUCACIONAL DE ANÍSIO TEIXEIRA:
A COLABORAÇÃO DOS INTELECTUAIS CATARINENSES1
Leda Scheibe – UFSC / UNOESC
Maria das Dores Daros – UFSC
Leziany Silveira Daniel – UFSC
Introdução
Anísio Teixeira, ao assumir, em 1952, a direção do Instituto Nacional de
Estudos Pedagógicos (Inep), preocupou-se em retomar as atividades vinculadas
ao diagnóstico das necessidades educativas do país, finalidade maior daquela
instituição. Influenciado pela crescente valorização das Ciências Sociais como
referência para as pesquisas educacionais, projetou um levantamento de dados
relativos à situação educacional em todo o território nacional, pretendendo
atender à crescente complexidade imposta pela expansão dos serviços de
ensino, necessária para a implantação de um sistema de educação para
todos. O Inep, apesar de ter sido criado com esta finalidade técnica educativa,
encontrava-se, naquele momento, muito mais voltado a funções cartoriais,
administrando, por exemplo, o Fundo Nacional de Desenvolvimento do Ensino
Primário, responsável pela distribuição de recursos destinados à construção
de escolas, objeto de intensas disputas entre os políticos das várias facções
partidárias (PAIXÃO, 2002).
Procurando enfaticamente revigorar esse Instituto, Anísio organizou
um considerável conjunto de ações com o objetivo de estudar a sociedade
brasileira e diagnosticar suas necessidades educativas, envolvendo
acordos, contratos e convênios com organizações e com especialistas
externos aos quadros do Inep e aos quadros da burocracia do MEC. Com
essas características, já no primeiro semestre de 1953, lançou a
Campanha do Livro Didático e dos Manuais de Ensino (Caldeme), cujo
objetivo era estabelecer as bases para a elaboração de manuais que
serviriam como guias para os professores do Ensino Médio, e a Campanha
1
Artigo produzido a partir das pesquisas realizadas pelo Grupo de Pesquisa “Ensino e Formação de
Educadores em Santa Catarina” (Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq), do Centro de Ciências da
Educação, da Universidade Federal de Santa Catarina. Homepage: http:/www.ced.ufsc.br/gpefesc.
Santa Catarina e o Programa Nacional de Reconstrução Educacional
75
de Levantamento e Inquéritos para o Ensino Médio-Elementar (Cileme), que
objetivava montar um quadro numérico, ao mesmo tempo descritivo e
interpretativo destes níveis de ensino, com abrangência nacional.
Pretendia-se, com a Cileme, fornecer panoramas e interpretações da
escola brasileira aos estudiosos da educação e aos administradores. A
sistemática de trabalho adotada para estas finalidades foi a elaboração de
estudos investigativos independentes entre si, mas coordenados, para que
respondessem a aspectos gerais da educação média e elementar em todos
os estados, tais como a organização administrativa dos seus sistemas, dados
sobre alunos, professores e escolas, e informações sobre os currículos em
andamento, entre outros aspectos. Posteriormente, o papel da Campanha
foi assimilado, de certa forma, pelo Centro Brasileiro de Pesquisas
Educacionais (CBPE) e seus congêneres, os Centros Regionais de Pesquisa
(PAIXÃO, 2002).
O presente trabalho resulta dos estudos que o Grupo de Pesquisa Ensino
e Formação de Educadores em Santa Catarina desenvolveu sobre a década
de 50. Inicialmente, apresenta algumas reflexões sobre as tendências que
predominaram na pesquisa educacional brasileira e catarinense nesse
período em que as Ciências Sociais emergiram como referência importante.
Focaliza, em seguida, o papel dos intelectuais, João Roberto Moreira e
Orlando Ferreira de Melo, pesquisadores educacionais que se destacaram
como interlocutores privilegiados no processo reformista instaurado por Anísio
Teixeira, no âmbito do Programa Nacional de Reconstrução Educacional. O
primeiro, inclusive, foi coordenador em âmbito nacional da Campanha de
Levantamento e Inquéritos para o Ensino Médio Elementar (Cileme).
1. A importância da década de 50 para a pesquisa educacional
brasileira e catarinense: As Ciências Sociais como referência para
as pesquisas educacionais.
A política desenvolvimentista, o acelerado processo de crescimento e
a diversificação do sistema produtivo que marcaram a década de 50,
aliados à crescente valorização das Ciências Sociais como referência para
as pesquisas na área foram fatores que contribuíram fortemente para a
ampla problematização do fenômeno educacional no país. Essas pesquisas,
propostas particularmente com o objetivo central de estudar a sociedade
brasileira e diagnosticar suas necessidades frente à demanda pela
educação escolarizada, foram ampliadas significativamente com a presença
do CBPE, criado durante a administração de Anísio Teixeira e vinculado ao
Inep. Segundo Silva:
76
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
[...] as Ciências Sociais deram respaldo e formaram um (ou alguns) dos grupos
que disputavam a definição do projeto nacional e do sistema educacional
necessário a sua constituição. Essa perspectiva surge com os reformadores e
pioneiros da década de 1920, e atinge seu auge na década de 1950, com o
projeto do CBPE (SILVA, 2002, p. 26).
Também Gouveia (1989) indica a forte presença não só dos conceitos,
mas também dos métodos das Ciências Sociais aplicados à educação na década
de 50. O Brasil crescia e as universidades brasileiras forjavam uma geração de
intelectuais que buscava novas interpretações para o seu desenvolvimento
histórico. Nesse ambiente, tornou-se marcante a presença das Ciências Sociais
na academia nacional, ao mesmo tempo em que crescia sua associação aos
estudos educacionais. Sociólogos e antropólogos de já conhecida reputação
intelectual como Florestan Fernandes, Antônio Cândido, Roger Bastide, Egon
Schaden e Darcy Ribeiro, entre outros, denunciavam enfaticamente em suas
análises a seletividade da escola brasileira, passando a se preocupar
decisivamente com a demanda educacional no país. Tal fato é significativo e
fundamental para que se possam considerar os anos de 19502 como de grande
vigor na formação dos intelectuais da educação no Brasil.
Vários estudos como os de Cunha (1992), Nunes (1994), Freitas (1999), e
Xavier (1999) indicam que esse período representou um grande avanço na
pesquisa científica relacionada à área educacional, chamando a atenção,
também, para o importante papel de especialistas estrangeiros como Jacques
Lambert, Charles Wagley, Bertram Hutchinson e outros, ligados a Unesco, no
desenvolvimento dos estudos educacionais no país nessa década. Esses
intelectuais que passaram a visitar o Inep, a partir de 1952, colaboraram na
reformulação das Ciências Sociais e no crescimento dos estudos sociais no
Brasil, impactados pelo conceito antropológico de cultura e pela influência
metodológica da produção de “surveys”. As transformações conceituais que
ocorriam nesse período foram apontadas por Forquin (1995), que identificou,
nos anos 1950 e 1960, influências culturalistas para explicar as desigualdades
educacionais, em sua opinião, ainda pouco fundamentadas e teorizadas. O
conceito antropológico de cultura e sua aplicação entraram então em cena,
passando a educação a ser concebida como um processo de assimilação e
socialização. Emílio Willems (1945), em artigo publicado na Revista Brasileira
de Estudos Pedagógicos, chamou a atenção para este conceito que, segundo
2
Um período anterior (anos de 1920 e 1930) é indicado como o primeiro momento de reconhecimento dos
intelectuais da educação no Brasil, quando dominam as discussões sobre o papel da educação no projeto
nacional de desenvolvimento (FREITAS, 2000).
Santa Catarina e o Programa Nacional de Reconstrução Educacional
77
o autor, poderia substituir a concepção biológica da vida coletiva como
organismo social, até então predominante nos meios intelectuais brasileiros.
Sendo o processo de assimilação de caráter eminentemente sócio psicológico
e não biológico, uma mudança conceitual desta natureza poderia ajudar na
convivência com as populações de imigrantes no país.
Darcy Ribeiro, que se aproximara de Anísio Teixeira na luta em defesa da
escola pública, passou a colaborar diretamente com esse educador no projeto
e na criação do Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais e da rede de
Centros Regionais, implantados no Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais,
Pernambuco, Bahia, Paraná e Rio Grande do Sul. Com esses Centros,
pretendiam prover recursos para que as universidades brasileiras assumissem
responsabilidades no campo educacional, em proporção idêntica ao que já
faziam com as áreas de Medicina e Engenharia (RIBEIRO, 1994). Coordenador
do Departamento de Pesquisas Sociais do CBPE, Darcy, que fora aluno de
Pierson na Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo, foi um dos
grandes responsáveis pela implementação das metodologias já então
desenvolvidas pela Escola de Chicago – estudos de comunidade e “surveys”3.
Os catarinenses, João Roberto Moreira4 e Orlando Ferreira de Melo,
fizeram parte dos intelectuais mobilizados pelas novas tendências teóricas
metodológicas em ebulição. Ambos participaram das atividades científicas
que o CBPE realizou na década de 50. Moreira (1956), enfatizou
particularmente, a importância da antropologia cultural nos estudos
educacionais, argumentando ser a educação, em última instância, um processo
de transmissão da cultura. Destacou, também, a centralidade dos estudos de
comunidade e de culturas localizadas para o planejamento educacional. No
artigo “Aspectos culturais da área do Recife”, publicado na Revista Educação
e Ciências Sociais em 1956, destacou a necessidade de se considerar duas
variáveis na cultura nacional, o regionalismo e a subcultura (variação de cultura
nacional e regional), indicando que seguia orientações teóricas de Charles
Wagley. Esse autor trabalhou com a noção antropológica de cultura que,
segundo Xavier (1999), foi uma noção chave para o desenvolvimento de uma
série de estudos nos quais era observada a relação entre os padrões de
cultura local e a organização do sistema formal de ensino.
Orlando Ferreira de Melo, professor da Escola Normal Pedro II de Blumenau,
Santa Catarina, e responsável pela coordenação da pesquisa Práticas escolares
nas escolas primárias de Santa Catarina, utilizou o método “normative survey”,
3
Para mais informações sobre a Escola de Chicago consultar o artigo de Vilela (2003).
Segundo Paixão (1999), os temas e as posições teórico-metodológicas presentes na obra de Moreira
estão em sintonia com os eixos de atuação do INEP naquele momento.
4
78
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
o qual considerou como o mais indicado para um trabalho de documentação
sistemática da situação educacional (um resumo dessa pesquisa foi publicado
na Revista Educação e Ciências Sociais, ago. 1956).
Tanto Moreira como Melo, situam-se na tradição de pesquisa incentivada e
publicada inicialmente no interior da Campanha de Inquéritos e Levantamento do
Ensino Médio Elementar – Cileme, fazendo parte da política institucional do Inep,
que visava “elaborar planos, recomendações e sugestões para a reconstituição
educacional de cada região do país, nos níveis primário rural e urbano, secundário
e normal superior e de educação de adultos” (TEIXEIRA, 1954).
2. João Roberto Moreira: Um catarinense no Inep
A partir de 1952, João Roberto Moreira coordenou a Cileme e, já no mesmo
ano, dando início aos estudos analíticos sobre a educação nos estados, publicou
a monografia A educação em Santa Catarina: Sinopse apreciativa sobre a
administração, as origens e a difusão de sistema estadual de ensino (MOREIRA,
1954). Essa monografia foi considerada por Anísio Teixeira, na sua apresentação,
como um modelo de pesquisa para orientar os trabalhos nos demais estados.
Catarinense da cidade de Mafra, João Roberto Moreira, depois de se
formar na Escola Normal do Paraná e atuar como professor por diversos anos,
foi diretor do Curso Normal do Instituto de Educação de Florianópolis (1941 a
1943), momento no qual encontrou a oportunidade privilegiada para ensaiar
seus primeiros estudos acerca da educação, principalmente os relacionados
à constituição científica do campo pedagógico.
Contando com o apoio do governo catarinense de Nereu Ramos, Moreira,
durante sua gestão como diretor do Instituto de Educação, foi responsável por
uma liderança cultural estimulante. Criou a revista Estudos Educacionais, periódico
publicado por alunos e professores do Curso Normal. Do total de seis números
publicados, cinco foram produzidos durante sua permanência no Instituto. Foi
também durante esse período que Moreira intermediou diretamente a vinda de
intelectuais de projeção nacional e internacional à Santa Catarina. Estiveram no
estado e no Instituto de Educação intelectuais como Fernando de Azevedo,
Roger Bastide e Donald Pierson5.Todos eles pronunciaram palestras e tiveram
seus discursos publicados na revista Estudos Educacionais (DANIEL, 2003).
Com Fernando de Azevedo, Moreira constituiu vínculos intelectuais e
pessoais fundamentais para sua projeção como intelectual da educação,
tornando-se essa relação, crucial para a continuidade de sua trajetória
5
Lourenço Filho, em 1943, foi convidado para paraninfar a turma de normalistas do Curso Normal do
Instituto de Educação de Florianópolis. Não podendo comparecer à solenidade, enviou seu discurso que foi
proferido por Moreira e, posteriormente, publicado na Revista Estudos Educacionais.
Santa Catarina e o Programa Nacional de Reconstrução Educacional
79
profissional após sua saída do Instituto, em 1943. O primeiro contato de
Moreira e Fernando de Azevedo ocorreu em 1935, quando este fora proferir
uma palestra no Curso Normal do Paraná. Em 1937, Moreira enviou sua primeira
carta ao intelectual, iniciando uma relação que resultou, por exemplo, na
publicação do primeiro livro de Moreira, Os sistemas ideais de educação, em
1945, pela Biblioteca Pedagógica Brasileira, dirigida por Azevedo. Nessa obra,
dedica uma parte à figura de educador e de cientista de Azevedo.
Azevedo destacou o espírito científico e estudioso de Moreira no estudo
das questões educacionais. Quando Moreira foi trabalhar no Dasp
(Departamento de Administração e Serviço Público), em 1944, permanecendo
lá até 1946, Azevedo enviou-lhe uma carta expressando pesar por Moreira
estar trabalhando em um serviço alheio às suas qualificações e aos seus
interesses profissionais, reiterando a crença na vocação de Moreira para os
estudos na área educacional. Em 1947, após realizar concurso de ingresso,
Moreira foi trabalhar no Inep. Foi chefe de Seção de Documentação e
Intercâmbio no período de 1949-1951. Nessa oportunidade, colaborou na
publicação do livro Organização do ensino primário e normal. Estado de
Santa Catarina (1950), em que descreve a organização do ensino catarinense,
explicitando temas como administração da educação, Ensino Normal, carreira
do professor primário, entre outros. Pode-se cogitar que esse estudo serviu
de preparação para o livro que Moreira publicou posteriormente, no ano de
1954, intitulado A educação em Santa Catarina.
Em 1952, Moreira foi convidado por Anísio Teixeira, que assumia a direção
do Inep, para coordenar a Campanha de Levantamento e Inquéritos para o
Ensino Médio-Elementar – Cileme. No interior dessa campanha, Moreira,
sintonizado com as linhas de atuação do Instituto, expressou na monografia
A educação em Santa Catarina, aquilo que havia sido proposto como tarefa
da Cileme, e, posteriormente, transferido para os Centros de Pesquisa, realizou
levantamentos, inquéritos e estudos de educação.
2.1 A Educação em Santa Catarina – Uma pesquisa antropossocial.
A monografia A educação em Santa Catarina; sinopse apreciativa sobre
a administração, as origens e a difusão do sistema estadual de ensino,
publicada em 1954, discute o Ensino Fundamental, sua filosofia, seu
desenvolvimento, seu funcionamento, a organização administrativa da
educação e o problema da formação de professores, apresentando, ainda,
uma síntese e sugestões finais.
Colocando como ponto de partida a visão ‘antropossocial’ e o caráter
interdisciplinar das pesquisas, Moreira realizou o estudo sobre a educação
no Estado de Santa Catarina com o intuito de que esse se constituísse em um
80
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
roteiro para a elaboração de outros trabalhos semelhantes. Posteriormente,
Moreira foi responsável pela realização de diagnósticos educacionais em outros
estados, destacando-se as publicações: A escola elementar e a formação do
professor primário no Rio Grande do Sul, (1954), e Aspectos atuais da situação
educacional e cultural em Pernambuco (1956).
No estudo sobre a educação em Santa Catarina, Moreira apontou para
problemas a serem discutidos e melhor direcionados, destacando questões
tais como, as características rurais predominantes no estado, a assimilação
dos imigrantes, a questão do analfabetismo e a situação da formação dos
professores catarinenses.
A preocupação com a população esparsa e basicamente rural
predominante no estado adquire relevo num momento em que o sistema
educacional fundamental começava a se estruturar predominantemente em
grupos escolares, em detrimento das escolas isoladas (NUNES, 2000). No
capítulo II – O ensino fundamental comum em suas condições iniciais, Moreira
justifica a predominância, na época, década de 1950, das escolas isoladas
em todo o estado, período no qual a população urbana não passava de
270.000, de um total de 1.560.000 habitantes. Enfatiza, no entanto, que
muito já havia sido feito para diminuir o problema da educação na área rural.
Em relação às outras regiões do Brasil, Santa Catarina contava então com
17% da população com Curso Primário, enquanto no país, o índice era de
somente 10%. Lembrava também, que esses resultados eram recentes e
vinculados ao período republicano. Anteriormente, afirmava o autor, o que
havia em matéria de educação era resultante da iniciativa privada,
particularmente em comunidades de origem germânica, exceção feita,
naturalmente, à capital (MOREIRA, 1954).
A questão da assimilação dos imigrantes europeus foi alvo de um capítulo
na referida obra, denominado O desenvolvimento da escola elementar de
nacionalização. Como marco inicial da organização do sistema educacional
catarinense, referiu-se o mesmo, às reformas de 1911, as quais visaram, na
opinião do autor, a resolver o problema do analfabetismo e da assimilação
pelas populações estrangeiras, sobretudo a alemã, da aprendizagem da língua
nacional. Manifestou, no entanto, uma visão crítica a respeito desse esforço
de nacionalização empreendido no período entre os anos de 1930 e 1940, no
qual, visando dar conteúdo nacional à educação escolar, toda ênfase era
colocada no domínio da Língua Portuguesa.
Para Moreira (1954, p. 84), não bastaria à aprendizagem da língua
portuguesa como critério de nacionalização, pois “os líderes coloniais
nazifacistas eram todos indivíduos bilíngües [...], falavam e escreviam
perfeitamente o Português”. Entendia, portanto, que a tese da nacionalização
com ênfase na aprendizagem da língua nacional era insuficiente, senão
Santa Catarina e o Programa Nacional de Reconstrução Educacional
81
equivocada. Afirmava, no entanto, que a escola que o governo catarinense
plantara nas colônias estrangeiras sempre fora ali bem recebida. Há evidências,
em estudos mais recentes, de que esta afirmação pode ser contestada. Neste
sentido, Schwartzman et alli (2000), indicam que, no contexto da época, após
a implantação do Estado Novo, a política de nacionalização se deu pela
associação entre as secretarias de educação e as forças policiais repressivas.
Segundo os autores, um relatório do Inep, de 1940, com resultados da
implementação de medidas de nacionalização, mostra ser o estado de Santa
Catarina o que mais fechou escolas estrangeiras. Foram 298 escolas durante
o período de nacionalização.
Em contrapartida, foram abertas 472 escolas, já que o fechamento de
escolas particulares deveria ser compensado com a abertura de escolas oficiais
(Schwartzman et alli, 2000). Lembra Schwartzman et alli, que existem evidências
documentadas sobre a perseguição aos alemães, interceptação de
correspondência particular de jornais e revistas e de programas de rádio etc.,
que mostram um processo menos pacífico do que o que foi retratado por Moreira.
Também Klug (2002; 2003), indica a existência, à época, de “um certo
clima de animosidade” entre as autoridades públicas brasileiras e as lideranças
teutas em Santa Catarina. Esses estudos indicam, diferentemente do que
acreditava Moreira, que não só a língua de origem dos imigrantes, mas todo
o processo de nacionalização do ensino era expressivo foco de tensão em
Santa Catarina. No capítulo VII, o autor trata da formação dos professores,
referindo-se, em especial, à sua preparação para a zona rural. Na década de
1950, esses professores eram formados nos chamados cursos normais
regionais, modelo implantado a partir de 1946, com a promulgação das Leis
Orgânicas do Ensino Normal.
Para analisar a formação que estava sendo realizada para o professor
rural, Moreira tomou, primeiramente, dados estatísticos dos EUA com relação
ao Ensino Primário e à formação do professorado primário naquele país. Relatou
que nos EUA, no ano de 1934, existiam 213.484 escolas de interior, das
quais, 138.542 eram escolas isoladas que se mantinham com apenas um
professor, com as seguintes características na maioria das vezes:
era mulher, jovem, solteira, mais ou menos 24 anos, cuja origem social era
uma fazenda, vila ou pequena cidade do interior. Sua formação, geralmente,
consistia em quatro anos de curso secundário e de um ou dois de preparação
profissional, orientada para as atividades rurais e escolares. Com esse tipo
de professor, pretendiam os americanos, realizar uma escola que preenchesse
suas funções primordiais, não apenas em face da criança, mas também da
comunidade (MOREIRA, 1954, p. 74).
82
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
Mediante esta constatação, o autor julgava que as orientações e as reformas
ocorridas em Santa Catarina quando, à formação do professorado catarinense,
estavam corretas e condizentes com as necessidades do estado, embora ainda
deficientes em alguns aspectos quantitativos e de organização curricular.
Com relação aos aspectos quantitativos, apesar de um destacado
crescimento, o número de professores formados ainda era insuficiente. Destaca
que, até 1930, tínhamos no estado de Santa Catarina apenas uma escola
normal pública e outra particular. No ano de 1953, no entanto, as instituições
destinadas à formação dos professores já somavam um total de 79 (entre
particulares e oficiais), compreendendo cursos normais regionais, escolas
normais e o Instituto de Educação da capital, apontando para um crescimento
significativo, porém, não suficiente.
Com relação aos aspectos de organização curricular, analisando a
formação de professores em Santa Catarina, o autor lembra:
[...] ser professor normalista, em Santa Catarina, antes de 1935, era possuir um
título não muito comum. Com exceção dos que residiam em Florianópolis, raros
jovens do interior do estado tinham possibilidade de obtê-lo. Era, entretanto,
o velho Curso Normal, de 4 anos, que se sobrepunha à Escola Complementar,
pela qual se era obrigado a passar, para poder realizá-la (sic). O jovem professor,
tinha pois, antes de se formar, que perfazer 4 anos de Escola Primária, 3 anos
de Escola Complementar, 4 anos de escola normal, num total de 11 anos de
estudos escolares. Não tinha direito legal a outra profissão, que a de ser
professor. Pelas duas escolas normais que funcionavam na capital, uma oficial
e outra particular, passaram gerações de moços que, se não puderam satisfazer
a todas as necessidades da escola catarinense, ocuparam os postos ‘chaves’
do sistema educacional: inspetorias, diretorias de grupos, classes das maiores
e mais importantes unidades escolares. Em 1935, no Departamento de
Educação, quer o Diretor, quer os Sub-Diretores, tinham sido formados por tal
escola. Justamente nessa época, o sistema educacional passou por um
benfazejo sopro renovador, a que nos referimos no capítulo anterior. Os
professores que vi trabalhando em Joinville, no grupo de que fui diretor, também
tinham passado por ela. Eram eficientes, faziam a escola funcionar, tinham
capacidade renovadora, se interessavam vivamente pelas questões
educacionais (MOREIRA, 1954, p. 75).
Moreira entendia que a reforma “Trindade”, implementada pelo governo
catarinense em 1935, também havia sido, de certo modo, bem sucedida.
Essa reforma criou os institutos de educação e transformou as escolas
complementares em escolas normais primárias, com curso de 3 anos de
duração, destinados a formar professores para o interior do estado. Os
Santa Catarina e o Programa Nacional de Reconstrução Educacional
83
Institutos de Educação, o de Florianópolis e o de Lages, apesar do número
reduzido de alunos matriculados, seriam locais privilegiados para formação
docente. Nesse sentido, destaca que nesses Institutos de Educação oficiais
se formavam de 40 a 60 professores por ano, enquanto que as escolas
particulares formavam apenas 30 professores. Desse total, 60 se
dedicavam à vida profissional nos grupos escolares. Para atender às
escolas isoladas, iam, no entanto, os professores complementários ,
aqueles formados nas escolas normais primárias.
Embora considerando que com essa reforma houvesse um aumento
significativo no número de professores formados, Moreira apresenta-lhe
algumas restrições, conforme esta consideração:
[...] embora as intenções do Departamento de Educação tenham sido as
melhores possíveis, a reforma apresentava não poucos inconvenientes.
Um dos maiores, a nosso ver, foi a preocupação de ter os olhos voltados
para o Rio de Janeiro. Desejava-se uma sintonização perfeita com o
órgão central do governo da república, sintonização que se exagerou
no período estadonovista, a tal ponto que quando, já no período de
transição para a restauração democrática, foi sancionado o Decreto Lei
n. 8530, de 02 de janeiro de 1946, que pretendia ser a Lei Orgânica do
Ensino Normal e da qual, porém, a maioria dos estados não tomou
conhecimento, Santa Catarina foi dos primeiros a cumpri-la (MOREIRA,
1954, p. 75).
Com a Lei Orgânica de 1946, as escolas normais primárias se
transformaram em escolas normais regionais, formando regentes para o
Ensino Primário em 4 anos. Além dessas escolas, havia a escola normal
que formava professores primários em 3 anos, escola destinada à alunos
egressos do curso ginasial de 4 anos. Com essa Lei, Moreira considerou
que a formação de educadores passara para um modelo complexo e
deficiente, exigindo, no caso dos professores rurais, mais da sua formação
do que, por exemplo, nos Estados Unidos. Além disso, aqui em Santa
Catarina, continuariam os problemas da quantidade de professores
formados, pois o deficit escolar primário continuava. A ponto de, em
1950, a população apresentar ainda, um contingente de perto de 25%
de analfabetos, embora, esse contingente fosse dos menores do Brasil
(MOREIRA, 1954, p. 79).
Segundo sua análise, a Lei Orgânica de 1946, além de complexa e
centralizada, apresentava outros problemas: os espaços anteriormente
destinados somente à formação de professores, os Institutos de Educação,
84
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
agora, tinham que agregar cursos secundários, havendo um crescimento
exagerado no número de matrículas para esse nível de ensino.
O Instituto de Educação de Florianópolis que, enquanto eu fui seu diretor,
nunca tivera mais de 500 alunos, de acordo, aliás, com sua capacidade,
passou a receber cerca de 2.000, excesso que correspondeu aos mesmos
problemas que hoje se verificam no Instituto do Distrito Federal:
supressão de atividades extra curriculares, desalojamento de instituições
escolares, transformação da escola em simples lugar de Ensino
Secundário, anárquico e deficiente, tal qual os nossos técnicos o vêem
[...] – Com que objetivo? Formar professores? – Não, porque o curso normal
desse Instituto não consegue formar mais professores que no meu tempo.
Simples e puro atendimento ao desejo de uma população que,
desorientada, ainda vê no ensino oficial, reconhecido pelo Governo
Federal, um meio de mobilidade vertical, esquecida de que Santa
Catarina não oferece cursos superiores capazes de atender aos que
concluem o curso secundário e de que os próprios cursos superiores
devem ter o objetivo de formação de uma elite de técnicos e de
intelectuais. Esquecida também de que, uma elite é sempre minoria
(MOREIRA, 1954, p. 80).
Além de criticar a reforma de 1946, no que a mesma representou
para os Institutos de Educação, Moreira criticou os cursos normais
regionais, mas, apesar da sua proposta, eles não tinham nada de
regionais. Segundo ele, esses cursos se localizavam, na maioria das
vezes, em centros urbanos, possuindo programas centralizados e
abrangentes. Também, por esses cursos possuírem currículos abrangendo
matérias variadas, não haveria disponibilidade de professores em Santa
Catarina, em número suficiente para ministrarem todas as disciplinas,
vista a falta de professores secundários para os colégios brasileiros
naquele momento.
Apesar dessas restrições, Moreira salientava alguns aspectos positivos
nos cursos normais regionais. Considerou que, embora com deficiências
em relação à formação pedagógica e a não adaptação às peculiaridades
regionais, os cursos normais regionais possuíam um certo caráter
intelectualista, fornecendo ao professor alguma bagagem cultural. Para
Moreira (1954, p. 82), “se os cursos regionais não resolviam um problema
– o da formação do professor rural em condições funcionais – permitiam
pelo menos, melhorar ‘um pouco’ o nível intelectual e os conhecimentos
pedagógicos do magistério primário do interior, que opera, não em uma
escola de Educação Fundamental, mas de primeiras letras”.
Santa Catarina e o Programa Nacional de Reconstrução Educacional
85
Após realizar uma extensa e minuciosa sinopse apreciativa da situação
da educação em Santa Catarina, ao final do seu trabalho, Moreira sugeriu
alternativas para a superação de alguns problemas apontados. Havendo
detectado que persistiam sérios problemas quantitativos e qualitativos no
oferecimento da educação popular no estado. Salientou a necessidade de
maior investimento do poder público, estadual, municipal e federal, na
área da educação, aumentando de 50% para 60% os recursos para a
mesma. Sugeriu também, que garantidos os recursos, os esforços deveriam
se concentrar em torno do planejamento. Por considerar que o estado
possuía condições geográficas, populacionais e de distribuição econômica
favoráveis, propôs nesse sentido, que houvesse um planejamento local e
municipalizado, numa visão autônoma e descentralizada dos serviços
educacionais. A criação de um Fundo Estadual de Educação e Cultura e de
Fundos Municipais, além da organização de um Departamento Estadual
de Educação e Cultura, sob controle de um Conselho Estadual de Educação,
também foram propostos como formas de melhor atender às damandas
educacionais do estado.
Quanto aos limites apontados em relação aos cursos normais regionais
na formação dos professores, Moreira sugeriu a criação de um programa
regional de formação e aperfeiçoamento, que fosse independente das
unidades específicas de formação pedagógica e, ainda, missões culturais
de caráter contínuo, visando, por exemplo, à organização de seminários
regionais de pedagogia, de pelo menos dois meses, em cada região, que
englobassem cursos, conferências, trabalhos de campo, bem como, a
preparação de novos professores formados na própria comunidade. Para
Moreira (1954, p. 102), com esse modelo, o professor primário exerceria
sua ação no próprio ambiente social, satisfazendo-se com vencimentos
que lhe permitissem ter o padrão de vida local, e a não se preocupar com
postos ou situações em outras cidades ou pontos do estado.
As análises realizadas por Moreira nesse estudo, possivelmente, se
tornaram base para a elaboração do “Projeto de Reforma do Sistema de
Ensino no Estado de Santa Catarina”, elaborado no Inep pelos professores
Anísio Teixeira, Elza Nascimento Alves, Hamilton Valente e Sálvio Oliveira,
que foi entregue à Secretaria da Educação e Cultura de Santa Catarina em
1954, mas que, infelizmente, não foi localizado até o momento pelas
autoras do presente artigo.
A publicação do estudo de Moreira sobre a educação em Santa
Catarina significou não só a realização de um inventário sobre a situação
do ensino catarinense, realizado por um intelectual familiarizado com
as questões do seu estado, mas também um importante trabalho na
86
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
área das Ciências Sociais, que no Estado de Santa Catarina só iriam
ganhar força posteriormente com o Centro de Estudos e Pesquisas
Educacionais Cepe, da Universidade do Estado de Santa Catarina – Udesc,
na década de 60 6 .
Contudo, ainda na década de 50, Orlando Ferreira de Melo, ex-aluno de
João Roberto Moreira no Curso Normal do Instituto de Educação de Florianópolis,
exerceu o papel de interlocutor local com o Inep e seu Programa Nacional de
Reconstrução Educacional, realizando apreciações, críticas e sugestões sobre
os estudos e propostas realizados pelo Instituto para a educação de Santa
Catarina na década de 50.
3. Orlando Ferreira de Melo – Um interlocutor local para o Inep
Como já referido, Orlando Ferreira de Melo foi um importante interlocutor
catarinense no processo reformista instaurado por Anísio Teixeira, no âmbito
do Programa Nacional de Reconstrução Educacional, com contribuições que
expressariam, inicialmente, a constituição incipiente de um intelectual
preocupado com a articulação das pesquisas educacionais às preocupações
políticas e didático-pedagógicas locais7.
As primeiras contribuições de Melo para o Programa Nacional de
Reconstrução Educacional constam das reflexões que realizou tomando como
base a Monografia A Educação em Santa Catarina, de João Roberto Moreira.
O trabalho de Melo tem como título A educação em Santa Catarina –
Comentários sobre a Monografia – A Educação em Santa Catarina, publicado
em 1955. Essas contribuições, assim como a obra de Moreira, foram
publicadas no interior da Campanha de Inquéritos e Levantamentos do Ensino
Médio e Elementar (Cileme).
6
Em 1963, a Assembléia Legislativa do Estado de Santa Catarina converteu em Lei (n. 3.191/63) um
anteprojeto do CEE que criava o Sistema Estadual de Ensino, e no seu interior, a Faculdade de Educação,
concebida como instituição destinada a inovar no campo educacional, colocando no mesmo nível de importância
o ensino (curso de Pedagogia), a pesquisa educacional (CEPE) e a extensão (através da orientação pedagógica
ao magistério das escolas públicas). Este sistema representou, na época, uma inovação no país, tendo
inclusive servido de modelo para outros estados. O Centro de Estudos e Pesquisas Educacionais, criado junto
à Faculdade de Educação, segundo Lins (1988), estava voltado para o aperfeiçoamento do magistério
primário e médio, bem como para a melhoria dos métodos e condições do ensino (SCHEIBE e DANIEL, 2002).
7
Orlando Ferreira de Melo coordenou um amplo estudo sobre “Práticas escolares nas escolas primárias de
Santa Catarina”, realizada de setembro a dezembro de 1955, quando era Professor de Didática e Prática
Pedagógica da Escola Normal “Pedro II”, de Blumenau, dirigindo uma equipe de alunos-mestres concluintes
do curso normal, como pesquisadores associados. Constatou, entre outras questões, o predomínio então, no
Estado, de uma escola intelectualista mais ou menos modificada (vitalizada) pelos ideais da Escola Nova.
Santa Catarina e o Programa Nacional de Reconstrução Educacional
87
Contrapondo-se, muitas vezes, às idéias de Moreira, Melo apresentava
uma concepção menos intelectualista de escola. Considerava como desejável
os elementos de transformação dessa escola intelectualista ou
tradicionalista, até então dominante nas práticas escolares das escolas
catarinenses. Via com bons olhos os vagos elementos que começavam a
emergir de uma escola nova ou renovada. Por exemplo, a incorporação
das “Unidades de trabalho” no currículo escolar, já representava, no seu
entendimento, uma tentativa de globalizar o ensino, subordinando os
conteúdos diários ou semanais a um tema comum. Ao ensino tradicionalista
se mesclavam já então, com elementos de uma pedagogia na qual,
segundo Melo, o aluno deveria ser tratado como agente ativo, e o mestre,
como um estimulador no processo de ensino e aprendizagem, no qual, a
disciplina ocorreria de forma natural e espontânea, respeitando a
individualidade do aluno.
A transformação desejada, no entanto, ou seja, a passagem do
intelectualismo para o escolanovismo necessitaria, para Melo, ir além das
mudanças no aparelho administrativo, desejadas pelo Programa Nacional
de Reconstrução Educacional. Seriam necessárias também, modificações
no campo das condições materiais e formais da escola e do sistema
educacional e, modificações também, no campo doutrinário filosófico. O
alcance dos novos ideais educativos exigiria amplas transformações no
terreno das condições escolares, tais como: cuidadosa seleção de alunos,
em todas as séries escolares, com redução do número de alunos nas salas
de aula; aparelhamento e mobiliário escolar propícios à realização de oficinas;
e, horário e programas adaptáveis às condições locais de ambiência e à
situações imprevistas, entre outras.
Segundo Melo (1955), o processo de transição de uma pedagogia
tradicional para uma pedagogia renovada, deveria acontecer, no entanto,
de forma cautelosa. Ao avaliar os procedimentos do Departamento de
Educação do Estado no sentido de difundir, estimular ou obstar a implantação
de uma escola renovada, o autor mostrou-se favorável aos procedimentos
que vinham sendo adotados, afirmando que:
[...] era o que se podia fazer no momento [...], se nada fizéssemos,
continuaríamos no mesmo marasmo intelectualista, [pois], se fosse dada
ampla e incondicional liberdade, correríamos o risco de cair num
verdadeiro caos, com uma orientação ponderada e relativamente
pormenorizada, rica de sugestões e com algumas fórmulas para os mais
tímidos e inexperientes, teríamos uma escola de transição. É o que temos
(MELO, 1955, p. 18).
88
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
Melo questionou as críticas apontadas por Moreira ao Departamento de
Educação do Estado. Moreira criticou este departamento pela rigidez das suas
instruções em setores onde, pedagogicamente, deveria imperar um espírito de
livre criação e autonomia; e, também, como apontado anteriormente neste
artigo, pela centralização de controle e fiscalização dos programas e currículos
(MELO, 1955). Ele colocou-se em defesa das decisões que vinham sendo tomadas
pelo Departamento de Educação do Estado, por considerar que este órgão não
teria tomado atitudes rígidas e severas nas suas instruções de mudança, tal
como afirmara Moreira.
Para Melo, a maior dificuldade para as transformações se encontrava na
incompreensão por parte dos professores, que, segundo ele, não tinham
possibilidade e capacidade de apreender o sentido e o alcance das novas idéias
de renovação. Defendia, portanto, a atitude de prudência do Departamento de
Educação, que, cautelosamente, inseriria inovações tais como: a criação de
Associações Auxiliares da Escola; a flexibilização do horário escolar; a adoção
de novos programas para o curso primário e, mesmo a implantação do novo
Regulamento para os Estabelecimentos de Ensino Primário.
Melo apontava ainda como uma forte razão que dificultava a compreensão
dos professores a respeito das idéias renovadoras, a distância que guardavam os
cursos de formação, da capacitação necessária ao mestre-escola. Nesse sentido,
o autor sugeria uma formação mais voltada para aspectos da prática pedagógica:
alheios, na sua organização, dos problemas correntes e objetivos da escola
elementar catarinense e, na sua ampliação, mantendo o professorando em
reduzidíssimo contacto com esta escola, visam, os atuais programas, mais a
formação do “cientista”, do “erudito”, que do verdadeiro “mestre-escola”,
do professor primário como desejaríamos que realmente fosse: um
conhecedor, na prática, dos complexos problemas bio-psicopedagógicos de
uma sala de aula (MELO, 1955, p. 30).
Em suas reflexões, apresentadas no estudo e na análise, Melo fez questão
de indicar que, a sua posição frente à formação que então era oferecida pelo
Curso Normal do estado, baseava-se na concordância com determinada
afirmação feita por Anísio Teixeira em palestra proferida em outubro de 1954,
na qual assim se referia ao Ensino Normal no país:
[...] os atuais cursos normais são ‘pseudocursos’ de formação ou preparação
funcional, pois ao lado de pequena cultura profissional, continuam a dar
intensa cultura geral. Dever-se-ia perguntar: o que é que a profissão faz?
Baseados na resposta é que se deveria (sic) estabelecer as práticas de um
curso de preparação profissional (TEIXEIRA apud MELO,1955, p. 31).
Santa Catarina e o Programa Nacional de Reconstrução Educacional
89
Duas ordens de problemas deveriam, pois, ser consideradas como cruciais
pelas ações reformadoras previstas para o Programa Nacional de Reconstrução
Educacional coordenado por Anísio Teixeira: o ensino excessivamente teórico e
disfuncional e o deficiente treinamento de professores (MELO, 1960). Quanto à
reforma das estruturas educacionais, Melo entendia como necessária a vitalização
dessas estruturas. Considerava, portanto, que o estado não carecia tanto de
reformas estruturais no que dizia respeito ao Ensino Primário, mas sim, de nova
filosofia, de fortalecimento daquilo que compunha a estrutura já existente.
Assim, recomendava meticulosa revisão dos programas de ensino, onde
a moderna recomendação oriunda dos órgãos técnicos de Ministério da
Educação e Cultura atrita com subprodutos de uma didática arcaica (MELO,
1960, p. 2). Com o objetivo de exercitar, no aluno, as capacidades de
autodeterminação e iniciativa, o autor apontava a necessidade de dar maior
ênfase às experiências de situações vividas, em detrimento, de um ensino
verbal, na sua opinião, deficiente e improdutivo.
Com relação ao treinamento do professorado, Melo enfatizou de forma
semelhante, ao já indicado por Moreira, a necessidade de instituir “missões
pedagógicas itinerantes”, procedimento já previsto no Regulamento para os
Estabelecimentos de Ensino Primário da época, mas não colocado em ação.
Reforçou a indicação do técnico americano em assuntos de educação, Sólon
T. Kimball que, ao estudar a situação do sistema escolar brasileiro, teria
sugerido a aplicação do que se denominava Teachers‘s Training Institute, e
que consistia basicamente num programa municipal de formação do
professorado, no qual, antes do início do período escolar, professores das
escolas municipais ou rurais seriam reunidos na sede do município, para um
período de instrução, organizado pela Secretaria Estadual de Educação com a
colaboração do Ministério de Educação.
Para além da reestruturação administrativa, Melo (1960, p. 9), propunha
então, a renovação do que ele denominava de “dinâmica educacional”. Para tanto,
recomendava, como método de trabalho, três procedimentos essenciais, a saber:
a) organização de uma equipe de técnicos para planejar os estudos; b) exame dos
relatórios, pareceres e estudos já existentes no Departamento de Educação; e c)
investigação junto ao professorado, para auscultar a opinião da maioria.
Preocupado com a reforma pretendida por Anísio Teixeira, cujos passos
iniciais visavam a estabelecer mudanças no aparelho administrativo da
educação nos diversos estados, Melo focalizou, particularmente, nos seus
estudos e análises, os aspectos de natureza pedagógica, por considerar que:
“a reestruturação dos órgãos administrativos da educação pode ser feita em
curto prazo; e, a reforma da dinâmica escolar, por abranger o problema nas
suas bases mais profundas, exige prazo mais longo” (MELO, 1960, p. 9).
90
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A tentativa de situar o Estado de Santa Catarina no interior das propostas
do Programa Nacional de Reconstrução Educacional realizadas pelo Inep foi o
desafio primeiro deste artigo. Contudo, em virtude da falta de material e de
documentos oficiais que permitissem uma acariação mais aprofundada entre
as propostas do Instituto e as políticas implementadas pelo estado, buscamos
cercar a temática, a partir das discussões e contribuições realizadas por
intelectuais importantes dessa interlocução na década de 1950.
Destacou-se assim, principalmente, as contribuições de João Roberto
Moreira, intelectual catarinense de projeção nacional, que realizou um
primeiro estudo sobre a situação do ensino de Santa Catarina, publicado
em 1954 e que se projetou nacionalmente como modelo para outros
diagnósticos estaduais necessários ao desenvolvimento do Programa Nacional
de Reconstrução Educacional previsto para a década. Também a presença
de Orlando Ferreira de Melo, considerado um interlocutor local do Inep, foi
destacada como uma contribuição para a caracterização das inovações
pretendidas pelo órgão para as políticas educacionais catarinenses.
Esses dois intelectuais contribuíram com seus estudos e publicações,
para o desenvolvimento de um aspecto importante que marcou a década
de 50 no campo educacional, sob a liderança de Anísio Teixeira: o ethos
da pesquisa e da ciência nesse campo do conhecimento. Mostraram,
principalmente, a necessidade cada vez maior de articulação entre as
Ciências Sociais e a prática educativa, pautada na racionalidade científica,
para propor medidas de mudança na realidade, mediante as políticas
públicas estatais.
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94
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
EDUCAÇÃO COMO RECONSTITUIÇÃO E REORGANIZAÇÃO DA
EXPERIÊNCIA: GUATEMALA, A ESCOLA-LABORATÓRIO DO
INEP (1955-1964)
Yolanda Lima Lobo – UENF
Miriam Waidenfeld Chaves – UFRJ
Constituído de quatro partes, o nosso trabalho tem como foco privilegiado
a 1ª Escola Experimental do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos: a
Escola-laboratório Guatemala. Na primeira parte, tentamos resgatar
sucintamente o percurso institucional do Inep, destacando seus principais
marcos teóricos. Em seguida, examinamos as ações empreendidas pelo
educador Anísio Teixeira no interior do Instituto, em sua tentativa de
reconstrução educacional do Brasil. Os princípios teóricos norteadores das
práticas pedagógicas da Escola-laboratório são abordados na terceira parte.
Algumas considerações finais, na última parte.
1. O entrecho de uma gestação
As primeiras tentativas para se fundar um órgão encarregado de avaliar
os resultados do ensino brasileiro remontam a 1823, por ocasião da
Assembléia Constituinte. Treze anos depois, em 1846, a idéia assume novos
contornos no projeto elaborado pela Comissão de Instrução Pública para
criar um conselho, cuja finalidade seria a de controlar e examinar questões
gerais de ensino. Ainda no decorrer do Segundo Império, ensaia-se, por
duas vezes, a instituição de um Conselho Superior de Instrução Pública, em
1870, projeto do Ministro Paulino de Souza e, em 1877, projeto do Ministro
José Bento da Cunha Figueiredo. Em 1882, o então deputado Rui Barbosa
sugere a criação do Conselho Superior de Instrução Nacional e, ligado ao
Conselho, o Museu Pedagógico, órgão específico de estudos educacionais.
Entusiasmado com a experiência francesa do “Musée Pédagógique”, Rui
Barbosa idealiza o “grande laboratório experimental das instituições
educadoras no país”, órgão capaz de desenvolver a pesquisa educacional,
o aperfeiçoamento dos métodos de ensino e concorrer para o
aperfeiçoamento da cultura de professores e mestres. Um ano depois, em
1883, Franklin Dória apresenta um projeto para criar o “Museu Nacional
Educação Como Reconstituição e Reorganização da Experiência
95
Escolar”. Contudo, somente em 1890, a idéia é institucionalizada com o
“Pedagogium”, centro impulsor das reformas e melhoramentos de que carece
a instrução nacional (Decreto n. 667, de 16 de agosto de 1890), criado pelo
titular do Ministério de Instrução Pública, Correios e Telégrafo, Benjamin
Constant. Em 1896, transfere-se o “Pedagogium” para a alçada restrita do
Distrito Federal e, em 1919, decreta-se sua extinção.
A idéia de organizar um órgão com a finalidade de realizar estudos
sistematizados dos problemas educacionais perpassa a década de trinta.
Após a Revolução, o Governo Provisório de Getúlio Vargas criou o Ministério
da Educação e Saúde em cuja estrutura se destaca a Diretoria Nacional de
Educação que, além de cuidar das tarefas administrativas da organização
escolar brasileira, a partir de 1934, ocupa-se também, de estudos dos
problemas brasileiros de educação.
Na gestão do ministro Gustavo Capanema, essa diretoria foi
transformada em Departamento Nacional de Educação e os trabalhos de
estudos e pesquisas passariam para um órgão que seria criado em 1936,
o Instituto Nacional de Pedagogia, cuja oficialização, entretanto, só se
deu através da Lei n. 378, de 13 de janeiro de 1937, com a finalidade de
realizar pesquisas sobre os problemas do ensino, nos seus diferentes
aspectos. Em 30 de julho de 1938, com o Decreto-Lei n. 580, esse Instituto
passa a se denominar Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (Inep),
tendo as seguintes atribuições: organizar documentação relativa à história
e ao estudo das doutrinas e das técnicas pedagógicas; promover inquéritos
e pesquisas sobre todos os problemas atinentes à organização do ensino,
bem como sobre os vários métodos e processos pedagógicos; promover
investigações no terreno da psicologia aplicada à educação, bem como
relativamente ao problema da orientação e seleção profissional; e, prestar
assistência técnica aos serviços estaduais, municipais e particulares de
educação.
Constituía ainda função do Inep, cooperar com o recém criado
Departamento Administrativo do Serviço Público (Dasp), por meio dos
trabalhos de seleção, aperfeiçoamento, especialização e readaptação do
funcionalismo público da União. Ligado diretamente ao Ministro da Educação
e Saúde, o Instituto foi organizado em seções técnicas e sua estrutura
comportava um Serviço de Biometria Médica, uma Biblioteca Pedagógica e
um Museu Pedagógico1.
1
Essa breve síntese foi elaborada tendo como fontes principais o histórico do INEP: Retrospectiva Analítica dos
Primeiros sete anos do INEP e Os Estudos e As Pesquisas Educacionais no Ministério da Educação e Cultura,
publicados respectivamente, na Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Rio de Janeiro, v. 7, n. 16, outubro
1945 e na Revista Educação e Ciências Sociais, e Boletim do CBPE, Rio de Janeiro, v. 1, n. 1 agosto 1956.
96
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
Na qualidade de seu primeiro Diretor, coube ao professor Lourenço Filho
a tarefa de organizar e instalar o Inep. Sob a perspectiva teórica da psicologia
educacional, Lourenço Filho desenvolveu um programa de ação que permitiu
consolidar os trabalhos das seções técnicas. Data de então, o plano de
sistematização da documentação pedagógica do país, nos seus diferentes
aspectos de legislação, federal e estadual, movimento escolar, bem como, o
plano para o levantamento da Bibliografia Pedagógica Brasileira2, desde os
tempos colônias. A Seção de Inquéritos e Pesquisas coletou e sistematizou
dados sobre o movimento escolar em todo o país, a partir de 1932, fazendo
estimativas da população escolarizada e da possível futura escolarização.
Foi na gestão Lourenço Filho que o Inep iniciou o processo de documentação
da vida educacional brasileira, de intercâmbio e da publicação dos resultados
de suas atividades com a criação da Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos.
No que se refere aos trabalhos de pesquisa, pode-se observar que sua prioridade
recai nos estudos sobre os processos de ensino – linguagem infantil, vocabulário
corrente, literatura infantil – e no levantamento de dados estatísticos para, com
eles, caracterizar o aspecto quantitativo da educação brasileira, suas deficiências
e o ritmo de desenvolvimento. Ainda na sua gestão, se procedeu aos estudos
preliminares para criação do Fundo Nacional do Ensino Primário, os meios de
assegurar recursos para esse fundo, definição de critérios de aplicação desses
recursos que, em 1942, resultariam na instituição do Fundo Nacional de Ensino
Primário (Decreto-Lei n. 4.958, de 14 de novembro de 1942).
O segundo diretor do Inep, Murilo Braga de Carvalho, assumiu o cargo
em 1946, no momento em que são transferidas para esse órgão as atribuições
da antiga Diretoria do Ensino Primário e Normal, passando o Instituto a
administrar os recursos do Fundo Nacional do Ensino Primário. Duas prioridades
de política educacional foram estabelecidas no plano de aplicação do Fundo:
a construção de prédios para grupos escolares, escolas isoladas, escolas
normais e o aperfeiçoamento de professores.
No que se refere ao aperfeiçoamento de professores, tratou-se de criar
no próprio Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos, um sistema de cursos
para professores do interior, com um programa de bolsas de estudos, por
meio do Decreto-Lei n. 8.583, de 08 de novembro de 1946, cujos objetivos
seriam: habilitar e aperfeiçoar pessoal para as funções de administração de
serviços educacionais, documentação e pesquisa pedagógica, da União, dos
estados, territórios e municípios; aperfeiçoar pessoal dos serviços de inspeção
e orientação do Ensino Primário; divulgar conhecimentos especializados sobre
2
Era idéia de Lourenço Filho construir um acervo bibliográfico e arquivístico com o objetivo de organizar e
socializar as informações coletadas pelos estudos e pesquisas. No entanto, somente na gestão de Anísio
Teixeira esse acervo seria criado através do Centro de Documentação Pedagógica.
Educação Como Reconstituição e Reorganização da Experiência
97
assuntos de educação; e, incentivar o interesse pelo estudo objetivo da
educação nacional. Os seis anos da administração de Murilo Braga de Carvalho,
basicamente cuidaram de duas prioridades: desenvolver um plano destinado
a expandir a rede escolar primária e normal e promover cursos de
aperfeiçoamento para professores do magistério primário.
A função de administrar do Fundo Nacional de Ensino Primário trouxe
para o Inep, novas atribuições que, sem dúvida, o fortaleceram politicamente.
Porém, não se pode deixar de assinalar que essas atribuições inviabilizaram,
naquele momento, o prosseguimento das atividades de estudo e pesquisa,
iniciadas na gestão Lourenço Filho. Esse desvio de rota merecerá especial
atenção na administração Anísio Teixeira.
2. O sentido pedagógico do Inep durante a gestão de Anísio Teixeira
Chamado para dirigir o Inep em 1952, em conseqüência da morte
acidental de seu antecessor, Anísio Teixeira, Diretor da Capes, desde o ano
anterior, passa a exercer simultaneamente a função de Secretário Geral da
Capes e de Diretor do Instituto, situação que persiste até 1964.
Sua preocupação central, como diretor do Inep, é a de trazer para o
primeiro plano, as atividades de estudos e pesquisas necessárias para definir
“com realismo operante de meios e a uma inteligência esclarecida de fins e
propósitos”, a política educacional do MEC (TEIXEIRA, 1952, p. 76). Para
tanto, fazia-se imprescindível corrigir o desvio de rota, de modo a permitir o
alcance de novos horizontes para a instituição. Em suas palavras:
[...] as funções do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos deverão ganhar
[...] amplitude maior, buscando tornar-se, tanto quanto possível, o centro de
inspirações do magistério nacional para a formação daquela consciência
educacional comum que, mais do que qualquer outra força, deverá dirigir e
orientar a escola brasileira [...]. Os estudos do Inep deverão ajudar a eclosão
desse movimento de consciência nacional indispensável à reconstrução
escolar (TEIXEIRA, 1952, p. 76 e 77).
Desse modo, cria-se de imediato, a Campanha de Inquérito e Levantamento
do Ensino Médio Elementar (Cileme) e a Campanha do Livro Didático e Material
de Ensino (Caldeme), que sintetizarão alguns de seus ideais no Inep. Enquanto
a primeira concretizava os objetivos de estudos e pesquisas, realizando um
amplo levantamento da situação do Ensino Médio Elementar do país, a segunda
se ocupara, fundamentalmente, em produzir material didático de boa qualidade,
que pudesse servir de guia para os professores em sala de aula, cumprindo a
função de assistência técnica ao professorado.
98
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
Sob a perspectiva “antropossocial”, se institucionaliza uma cultura
pedagógica sólida para o país, capaz de elaborar, com base na apuração dos
fatos sociais, livros didáticos, novas propostas curriculares e programas de
aperfeiçoamento de professores de todas as regiões do Brasil. Para isso,
inaugura-se em 1953, o Centro de Documentação Pedagógica, que deveria
sistematizar os trabalhos desenvolvidos pelas campanhas acima citadas e
pelas diversas seções do Inep, com a intenção de formar um acervo literário
e pedagógico no antigo Distrito Federal e de divulgar entre os professores
brasileiros, os resultados de pesquisas importantes, em Ciências Sociais. Além
disso, ainda naquele ano, se começa a gestar o Centro de Altos Estudos
Educacionais que vai dar origem ao Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais
(CBPE), iniciativa viabilizada com o apoio da Unesco3.
A criação do CBPE em 1954, na cidade do Rio de Janeiro e dos demais
Centros Regionais de Pesquisas de Porto Alegre, Recife, Salvador, Belo
Horizonte e São Paulo, estabelece as bases para a política que Anísio Teixeira
já vinha implementando no Inep. Segundo Mendonça (2002, p. 12), é através
do “CBPE que Anísio Teixeira transforma o Inep no cérebro pensante do
Ministério”, tornando-o um verdadeiro centro de produção e formulação de
políticas educacionais que, calcadas em grandes pesquisas sobre a realidade
escolar brasileira, procura intervir nos sistemas de ensino, modernizando-os
e adaptando-os às novas necessidades de uma nação que cada vez mais
exigia uma escola formadora de quadros especializados.
Cabe ressaltar que a administração de Anísio Teixeira no Inep – instância do
poder federal – dá continuidade ao trabalho que ele próprio já havia tentado
desenvolver nas esferas municipal e estadual, na Bahia, nas décadas de 20 e 40,
e no Distrito Federal, em 1931. Pode-se afirmar que nos anos 50 e 60, por meio
de toda uma maquinaria de âmbito nacional, Anísio Teixeira tem a possibilidade
de espraiar para a nação, de modo mais organizado e sistemático, as bases
científicas de seu projeto de reconstrução educacional do Brasil, fundamentado
nos princípios de experimentação e descentralização administrativa.
É importante salientar que os programas de pesquisas
“socioantropológicas” desenvolvidos pelo CBPE, além de proporcionarem o
estabelecimento de base científica para uma compreensão mais profunda
3
Consultar o Documento Klineberg, no qual se encontra o plano de organização do Centro Brasileiro de
Pesquisas Educacionais e Centros Regionais, publicado na Revista Educação e Ciências Sociais sob o título:
Os estudos e as pesquisas educacionais no Ministério da Educação e Cultura, Boletim do CBPE, v. 1, n. 1,
p. 5-6, 1956. Participaram de reunião realizada em 18 de agosto de 1955, que aprovou o documento final
de criação do Centro os seguintes educadores e cientistas sociais: Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo,
Almeida Júnior, J. Roberto Moreira, Charles Wagley, Mário de Brito, Jaime Abreu, L. de Castro Faria,
Antonio Cândido de Melo e Souza, José Bonifácio Rodrigues, Lourival Machado, o sociólogo britânico
Bertram Hutchinson, Florestan Fernandes, Egon Schaden, L. Costa Pinto e o representante no Brasil da
Assistência Técnica da ONU, Henri Laurentie.
Educação Como Reconstituição e Reorganização da Experiência
99
dos nossos problemas educacionais, tornando assim, a arte de educar uma
arte mais científica, possibilitaram o desenvolvimento das próprias Ciências
Sociais no Brasil, acarretando, naquele momento, um diálogo único entre a
Educação e as Ciências Sociais, uma vez que o diagnóstico das pesquisas
oriundas deste campo deveria ser a base para o planejamento educacional4.
A estrutura organizacional do CBPE compreendia quatro Divisões: a) Divisão
de Estudos e Pesquisas Sociais – Deps, encarregada da realização de estudos
e pesquisas que conduzissem ao conhecimento da cultura e da sociedade
brasileira e de seu desenvolvimento em conjunto, e em cada região do país,
a fim de permitir uma compreensão mais ampla e profunda possível, dos
fatos educacionais em suas relações com a vida social; b) Divisão de Estudos
e Pesquisas Educacionais – DEPE, que tinha a seu encargo, o levantamento de
um quadro completo e satisfatório do estado atual da educação brasileira,
em todos os níveis e ramos e em todas as regiões do país; c) Divisão de
Documentação e Informação Pedagógica – DDIP; e, d) Divisão de
Aperfeiçoamento do Magistério – DAM. Uma das atribuições dessa última
era a de organizar e manter escolas experimentais, destinadas a servir de
campo experimental para os diversos cursos de aperfeiçoamento por ela
oferecidos. Essas funcionariam como laboratórios para estudos e pesquisas
sobre o escolar, programas de ensino, preparo do professor, métodos e
recursos de educação e outros problemas correlatos.
A oportunidade para criar a Escola Experimental nº. 1, ocorreu em 1955 na
cidade do Rio de Janeiro. Em maio de 1954, a Secretaria de Educação da Prefeitura
do Distrito Federal, inaugurou a Escola Guatemala e a Direção do Inep escolheua para desenvolver suas atividades de pesquisa sobre problemas de organização
do ensino e estudo dos métodos e processos pedagógicos no âmbito da
Educação Primária. Assim, instituiu-se a Escola-Laboratório5 do Inep, campo de
aplicação das investigações de psicologia aplicada à educação, experimentação
de métodos pedagógicos e programa de aperfeiçoamento do magistério primário
do Distrito Federal, bem como de bolsistas de todo o país.
Além do aperfeiçoamento dos professores em exercício na Escola
Guatemala e de bolsistas dos estados, cabia-lhe desenvolver o seguinte
4
Sobre as relações entre Educação e Ciências Sociais no Brasil consultar os trabalhos de Vera Henriques,
e Libânea Xavier, respectivamente, Educação e ciências sociais no Brasil: Possíveis Relações. Caderno de
Pesquisas da Fundação Carlos Chagas, Rio de Janeiro, n. 103, p. 81-99, mar, 1988. O Brasil como
laboratório-educação e ciências sociais no projeto dos centros brasileiros de pesquisas educacionais. São
Paulo: Editora São Francisco, 1999.
5
A idéia de Escola-Laboratório guarda semelhança com a escola experimental “Laboratory School ou Dewey
School”, criada em 1896 pelo filósofo americano John Dewey em Chicago. A esse respeito, consultar o
excelente trabalho do Professor Carlos Otávio Fiúza Moreira: Entre o Indivíduo e a sociedade, Um estudo da
Filosofia da Educação de John Dewey, especialmente o capítulo 2 – Pensando na prática: a escola laboratório
da universidade de Chicago.
100
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
programa de trabalho: formar as bases para o aperfeiçoamento do professor
primário: investigar os interesses das crianças em idade escolar; atualizar
programas do Ensino Primário; desenvolver alternativas para a seriação escolar;
examinar a formação e apreciação de atitudes na Escola Primária; criar
instrumentos para diagnosticar as dificuldades dos alunos; criar métodos e
recursos mais adequados à Educação Primária; criar medidas de rendimento
da Educação Primária em seus vários aspectos; e, criar recursos para atender
às crianças com dificuldades especiais ou em condições de atraso escolar.
Especificamente, seria por intermédio da Divisão de Aperfeiçoamento do
Magistério, que o CBPE concentraria os seus esforços no sentido de fazer a
Guatemala sua escola experimental n. 1, objetivando a construção de um novo
currículo escolar em suas salas de aula. Faria isso com a intenção de ligar a
atividade pedagógica à vida dos alunos, por meio da formulação de atividades
racionais orientadas para a ação e, desse modo, sistematizar uma nova cultura
pedagógica que se adequasse às novas exigências de uma sociedade urbana
em desenvolvimento. Era objetivo do CBPE que as pesquisas sociais e o
conhecimento científico estivessem a serviço da melhoria de qualidade da escola
brasileira, possibilitando não somente a construção de novos currículos, como
também, tornando os seus professores agentes pensantes de sua própria prática.
A investigação científica da realidade educacional brasileira produziu o retrato
de uma escola que precisava ser transformada.
2.1. Um retrato da escola brasileira
A percepção bastante clara sobre o que deveria ser transformado na escola
brasileira, não apenas no que diz respeito aos métodos e no cotidiano escolar,
mas, sobretudo, acerca de suas intenções e finalidades, pode ser evidenciada
em estudos que retratam a escola brasileira. Observe-se que os anos 50,
introduzem a nação em um novo patamar de desenvolvimento, e a escola deveria
cumprir um papel de grande destaque em todo esse processo de mudança social.
Um desses estudos, publicado em 1957, expõe as Bases para uma
programação da educação primária no Brasil, cujo autor, Anísio Teixeira, aponta
as principais dificuldades enfrentadas pela escola brasileira. Ainda na segunda
metade da década de cinqüenta, dois trabalhos produzidos por cientistas
sociais do CBPE, José Roberto Moreira (1957) e Josildeth Gomes Consorte
(1959), respectivamente, a escola primária brasileira e A criança favelada e a
escola pública, mostram os entraves que a escola enfrentava no seu cotidiano,
para superar seus preconceitos, estereótipos, comodismos, desleixos e falta
de interesse daqueles que se encontravam diretamente ligados à educação.
Uma primeira consideração feita por Anísio Teixeira se refere ao
descompasso existente entre a pouca quantidade de educação que o Brasil
Educação Como Reconstituição e Reorganização da Experiência
101
oferecia aos seus alunos e às necessidades que deveriam ser atendidas para seu
desenvolvimento. Nesse caso, estaria implícita uma nova exigência educacional,
a qual a escola deveria cumprir. Ela deveria ampliar, pelo menos nas cidades, a
escolaridade obrigatória para 12 anos, estendendo o Ensino Primário para seis
anos (TEIXEIRA, 1957). O novo crescimento tecnológico, as novas exigências do
mundo do trabalho, a passagem de uma sociedade predominantemente rural
para uma situação de predomínio industrial e um correspondente progresso
cultural, exigiam o prolongamento da escolaridade comum e a sua diversificação,
de modo a oferecer a todos os brasileiros, a educação de base. Era preciso, pois,
fixar o tempo necessário, em número de anos e horas diárias, para essa formação
básica indispensável ao homem comum.
O segundo ponto abordado por Anísio Teixeira diz respeito à concepção
filosófica formadora da escola brasileira, herança da escola intelectualista
francesa que, opondo o conhecimento superior ou racional ao conhecimento
empírico, privilegiava em salas de aula, apenas a inteligência de tipo dedutivo,
isto é, aquela que destaca a palavra e o raciocínio abstrato, esquecendo-se de
outros tipos de inteligência que seriam imprescindíveis para a nossa civilização.
Assim, propunha que a escola brasileira fomentasse, em seu interior,
aquilo que ele chamaria de inteligência de caráter prático, a qual concebe a
ação, um papel de destaque no processo de desenvolvimento do pensamento,
na medida em que a experiência seria um elemento constitutivo do próprio
ato de pensar. É preciso sublinhar que não se tratava de uma simples
substituição, mas de renovar o racionalismo tradicional, naquilo em que ele
se mostrava insuficiente6.
Um outro aspecto por ele levantado se refere ao fato de a escola adotar
um sistema draconiano de exames e uma rigidez na seriação escolar.
Embasado nas pesquisas de Moysés Kessel, que faz uma radiografia da evasão
escolar no Ensino Primário, afirma que o sistema escolar brasileiro não chega
ainda a existir (TEIXEIRA, 1957), uma vez que a criança brasileira possuía
uma educação média de dois anos e meio no máximo e que, assim, apenas
15% cumpriam quatro anos de escolaridade, o mínimo necessário para se
considerar com o domínio pleno das habilidades cobradas pelas novas
exigências sociais.
Tal contabilidade, segundo Anísio Teixeira (1957), demonstrava que, se
o aluno brasileiro não tivesse oportunidade de desenvolver o pensamento
articulado, racional e reflexivo, estaria impossibilitado de dirigir, de forma
6
As reflexões de Anísio Teixeira apontam na direção do Pragmatismo como paradigma filosófico, com
enfoque no Utilitarismo Lógico, cujo principal representante foi John Dewey, para Anísio Teixeira o “restaurador
da unidade e o filósofo da democracia”. Ao traduzir Democracia e Educação, Anísio apresenta tal obra como
uma “Summa” moderna dos conhecimentos pedagógicos que daria sentido e direção às perplexidades da
época e orientaria o pensamento e a ação dos educadores brasileiros, na primeira metade dos anos trinta.
102
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
autônoma e independente, o seu futuro e o da nação. Daí, a contradição
básica que o país enfrentava: o descompasso entre um razoável progresso
técnico já atingido e a situação educacional vigente que estaria impedindo
o pleno exercício da democracia, visto que ela exige a participação coletiva
dos indivíduos nas decisões de certos problemas nacionais.
Um outro problema apontado por Anísio Teixeira se refere ao sistema
de matrículas, que segundo ele, se transformava em algo completamente
anárquico, conduzido pelo sentimentalismo e não por um planejamento
racional. A falta de planejamento inviabilizava a projeção da expansão da
matrícula, impedindo assim, o seu fluxo contínuo, uma vez que as vagas
existentes privilegiavam os alunos mais velhos, deixando fora da escola,
os de sete anos, que teriam de retardar seu ingresso no sistema. Após
tecer críticas aos rígidos padrões da organização seriada da escola brasileira
e ao seu anárquico sistema de matrícula, Anísio Teixeira (1957) oferece
uma solução que se liga às duas problemáticas: a promoção automática
ou flexível, que substituiria o rígido sistema vigente por um critério de
classificação dos alunos nos grupos a que melhor se adaptassem. A
promoção flexível impediria a existência de uma escola seletiva e, também,
faria com que o aluno não fosse obrigado a se adaptar a padrões escolares
inadequados ao seu tipo de inteligência. A escola estaria, assim, cumprindo
a sua função pública de educar a todos, respeitando as singularidades
intelectuais, culturais e sociais de cada um dos seus alunos.
A execução desse sistema exigiria preparo especial do professor
para compreender o novo trabalho que lhe cabia. Sem a compreensão
das finalidades e do sentido da mudança, da necessidade de atenção
às diferenças individuais, bem como do emprego de técnicas e
materiais apropriados, se teria um arremedo de sistema, que perderia
toda sua eficácia.
A implantação do sistema de promoção flexível exigiria, ainda, a
reorganização do currículo, considerando-se a dosagem e a distribuição
das atividades curriculares, no sentido de garantir ao processo educativo,
a continuidade que deve caracterizá-lo, a fim de que ele possa preencher
as suas finalidades. Anísio Teixeira defendia a autonomia das escolas
para experimentar currículos diferenciados, viabilizada por meio de um
sistema administrativo descentralizado que, entre outras coisas, garantiria
uma escola pública marcada pela diversidade e heterogeneidade social e
cultural. Sendo preenchidas essas condições, se teria um fluxo natural
das crianças através dos anos escolares, graças à diferenciação de
programas, à adequação da avaliação, à capacidade do professor de
atender às diferenças individuais.
Educação Como Reconstituição e Reorganização da Experiência
103
Entretanto, instituir tal reforma, somente seria possível se antecedida
por um período de preparo necessário, acompanhado de estudos científicos
dos programas, tarefa que cabia ao CBPE. Assim é que, em 1954, iniciam-se
vários estudos. Entre eles, vale destacar, aquele sobre relações de uma escola
primária com seu bairro e vizinhança na cidade do Rio de Janeiro, realizado
pelo cientista social britânico Andrew Pearse7, com a colaboração da cientista
social Josildeth Gomes Consorte, cujos resultados foram publicados no artigo
a criança favelada e a escola pública8, de autoria do referido pesquisador.
A referida autora examina o problema de ajustamento da criança favelada
a uma escola pública primária localizada no bairro de Vila Isabel, zona urbana
da cidade do Rio de Janeiro. A amostra de sua pesquisa era constituída de
crianças residentes em favelas que apresentavam os maiores índices de
repetência, evasão e ingresso tardio na escola. A pesquisadora se preocupa
em investigar as causas responsáveis por essa situação e a identificar as
medidas necessárias a serem tomadas para modificá-la. Através de um
confronto entre os ideais educacionais que constituíam as bases em que se
assentava a organização da escola e as características peculiares ao grupo
de estudo, a estudiosa procurou desvendar as raízes desse desencontro.
Com relação às crianças, a escola tinha quatro aspirações principais: a)
que elas ingressassem na escola aos sete anos de idade; b) que superassem
em cada ano letivo, as dificuldades próprias de cada série; c) que permanecessem
na escola durante cinco anos, tempo necessário para a conclusão do curso; e, d)
que ingressassem no Ensino Médio, após a sua conclusão. Ora, a criança favelada
estava longe de alcançar esses ideais. Assim sendo, a escola pública não conseguia
integrar esses alunos aos seus padrões escolares. Eram eles os que mais sofriam
pela falta de vagas devido à discriminação a que estavam sujeitos no ato da
matrícula e os que também mais estavam fadados à repetência, posto que sua
socialização familiar não ocorria segundo os ideais da escola.
A partir disso, a pesquisadora conclui que:
[...] por razões decorrentes de sua origem, a escola primária que aí está tem
exigências que nem todas as crianças que hoje a procuram podem cumprir.
Tendo surgido como uma instituição de uma sociedade urbana incipiente,
pré-industrial, para servir a certas camadas da população, não se encontra
aparelhada para atender à grande massa que hoje a freqüenta. Apesar disso,
7
Consultar o trabalho publicado por Andrew Pearse sob o título “Notas sobre a organização social de uma
favela do Rio de Janeiro”, Educação e Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v. 3, n. 7, abril 1958.
8
A referida autora publica na Revista Educação e Ciências Sociais, uma série de artigos (3) sobre a
pesquisa que realizou na Escola Argentina; além desse artigo publicado em 1959, publicou no ano anterior
o primeiro deles sob o título “Sobre os objetivos da Escola Primária – Opinião de um grupo de professores
do Distrito Federal”. Educação e Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v. 3, n. 7, abril 1958.
104
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
insiste em permanecer como está, exigindo que a ela, se adaptem todos
quantos dela necessitam. Quando reconhece a heterogeneidade do
elemento com que está lidando e a diversidade de suas necessidades é
apenas para proceder a uma impiedosa seleção em favor dos mais aptos,
em total prejuízo dos que não se encontram em condições de corresponderlhes às expectativas (CONSORTE, 1959, p. 59-60).
Propõe a autora que a escola se submeta a uma revisão profunda no
que se refere a seus objetivos, estrutura, organização curricular, programas
e processos de ensino e, sobretudo, que capacite os seus professores
para atender às novas exigências.
O problema da seletividade da escola brasileira é abordado por José
Roberto Moreira em A escola primária brasileira (1957). Moreira chama a
atenção para o fato de a mesma, em plena década de 50, continuar
pedagogicamente pobre, reduzida em suas atividades, dotada de um
sistema de avaliação bastante rígido e de caráter seletivo e segregacionista.
O autor descreve minuciosamente o cotidiano de várias escolas, situadas
em algumas das mais importantes cidades do país, focando, de modo
especial, a forma pela qual os professores se relacionam com os conteúdos
curriculares e com os seus alunos, bem como as conseqüências disso
para aprendizagem.
Assim, ele demonstra como no espaço de tempo em que estão
fisicamente próximos, os professores e os alunos vivem vidas separadas.
Em sala de aula, os alunos são agrupados por critérios de inteligência,
poder aquisitivo e preferência da professora, o que produz um ambiente
segregacionista. As lições são ensinadas mecanicamente e os conteúdos
não se ligam uns com os outros, parecendo ao aluno, uma colcha de retalhos
sem sentido nenhum. A ameaça da quebra do silêncio em sala de aula é
resolvida por meio sanções como a perda do recreio ou a permanência na
escola depois do sinal. A aprendizagem se pauta pela memorização, não
havendo nenhuma preocupação com a aplicabilidade do que é ensinado.
Os professores discriminam os alunos que não cumprem com as exigências
escolares. Nesse cenário, Roberto Moreira conclui o seguinte:
[...] a preocupação da escola brasileira não era nem com a criança, nem
com a comunidade ou sociedade. A sua preocupação é com o cumprimento
de um horário e de um programa, segundo processos formais, dentro de
uma rotina pré-estabelecida e invariável. Isto é o que lhe caracteriza: a
segregação, o isolamento da vida, o caráter de clube fechado, sem relação
com as outras instituições sociais (MOREIRA, 1957, p. 168).
Educação Como Reconstituição e Reorganização da Experiência
105
Alguns pontos em comum podem ser depreendidos dos textos desses
autores. Para Anísio Teixeira, Roberto Moreira e Josildeth Consorte, da maneira
como estava organizada a escola primária brasileira, essa se apresentava
altamente seletiva, uma vez que estabelecia padrões extremamente elevados
para ascensão da criança a cada etapa de sua seriação. Apresentava número
insuficiente de anos e de tempo necessários para a formação básica
indispensável ao homem comum. Uma tal organização era fator inibidor da
extensão da educação de base, da educação para todos.
O quadro desolador revelado por esses estudos precisava ser enfrentado.
Tarefa que o Inep assume em seu programa de ação, através de sua Divisão
de Aperfeiçoamento do Magistério. Cabia-lhe, pois, a responsabilidade de
coordenar uma ação eficiente para resolução desses problemas, de modo a
reorganizar o sistema de ensino em termos de realidade brasileira.
3. A Escola-Laboratório Guatemala
Antes de iniciar a exposição acerca das experimentações pedagógicas
ocorridas na Escola Guatemala, nos anos cinqüenta, é importante salientar que
Anísio Teixeira, nos anos 30, enquanto Diretor do Departamento de Educação
do antigo Distrito Federal, já havia utilizado o procedimento de criação de escolas
experimentais, com o objetivo de gestar novos métodos pedagógicos, nas Escolas
Argentina, Bárbara Ottoni, México, Estados Unidos e Manuel Bonfim.
Mas, como era a Escola Guatemala?9 Quais as características sociais e
escolares dos seus atores: os professores, os alunos e a comunidade? Quais as
questões obrigatórias discutidas e estudadas pelos professores naquela época?
A Escola Guatemala é uma escola pública singular do Município do Rio
de Janeiro e como tal, enfrentava as mesmas dificuldades das outras escolas.
Situada em prédio próprio na Praça Aguirre Cerda nº. 55, no bairro de Fátima,
área central do município do Rio de Janeiro, possui três pavimentos, cujo
acesso se faz por meio de uma rampa que desemboca em um pátio de onde
se desenha uma escada que conduz ao primeiro andar e ao auditório, salas
de aula e salas para as atividades práticas. O espaço livre é bastante pequeno,
devido ao terreno íngreme. Administrativamente pertencia à rede pública de
ensino da Secretaria de Educação do Distrito Federal, que se ocupava do
registro escolar dos seus alunos e, pedagogicamente, era dirigida pelo Inep
que, por meio de sua Divisão de Aperfeiçoamento do Magistério, definia os
rumos da experimentação na escola.
9
A escola Guatemala é o objeto de estudo da excelente Tese de Doutorado da professora Cléo de Oliveira
Passos (FE/UFRJ), na qual podem-se encontrar elementos reveladores do cotidiano dessa Escola.
106
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
Além desse controle pedagógico, ao Instituto cabia ainda, escolher a
diretora da escola, cujo processo de seleção somente foi concluído após
duas tentativas mal sucedidas em 1958, em uma terceira quando foi indicada
para o cargo Dona Almira Sampaio Brasil, técnica do Inep e orientadora da
escola, que permaneceu na direção por todo o período em que vigorou o
convênio entre a Secretaria Municipal de Educação do Distrito Federal e a
Divisão de Aperfeiçoamento do Magistério do Inep. O corpo docente,
inicialmente formado por vinte e cinco professoras, dezoito regentes de turma
e sete que se revezavam nas atividades complementares, passou a ser formado
por um grupo que se encontrava na escola desde a sua inauguração e, um
outro, de professores da rede pública, que voluntariamente se apresentaram
para participar do projeto.
No entanto, a árdua jornada de trabalho era um desafio a ser vencido
pelos professores. O horário era integral, das 7:30 às 15:00 horas, para os
alunos e das 7:30 às 16:00 horas, para os professores. Fazer face a esse
desafio, era tarefa que nem todos conseguiam. A rotatividade de docentes na
primeira fase de implantação do projeto alcançou cerca de 50%. Dez professores
foram substituídos nessa fase. O que levou a supervisora do Inep a solicitar
indicações de dez novos docentes à direção do Instituto de Educação do Rio de
Janeiro. Recomposta a equipe, mais ou menos em meados de 1957, o método
de projetos pôde ser mais adequadamente colocado em prática.
Essa estrutura administrativa pedagógica montada na Escola Guatemala
deveria cumprir uma função bastante importante: uma de promover o
desenvolvimento de uma nova cultura pedagógica no país, através da
transformação da escola em um campo de experimentação de iniciativas que
dessem maior eficiência ao sistema educacional brasileiro, nos níveis préelementar e elementar e, a outra, de criar um campo permanente de
demonstração e treinamento para pesquisadores e docentes da capital e de
outros estados do país.
A escola recebia professores de outros estados, bolsistas do Inep, os
quais cumpriam uma jornada diária de oito horas. Pela manhã, esses
acompanhavam o trabalho dos professores em sala de aulas e, à tarde,
freqüentavam os cursos ministrados por especialistas do CBPE. No final da
tarde, participavam das reuniões conjuntas entre especialistas do Instituto e
professoras regentes, nas quais eram discutidos os rumos das atividades
pedagógicas para o dia seguinte.
Com um contingente de 800 alunos, oriundos do Bairro de Fátima e de
alguns morros do bairro de Santa Teresa, distribuídos em quatro turmas de
alfabetização, três de segunda e terceira séries e duas de quarta e quinta
séries, agrupadas a partir da idade, a população escolar da Guatemala não
se diferenciava daquela de outras escolas da rede municipal, uma vez que
Educação Como Reconstituição e Reorganização da Experiência
107
não havia seleção prévia para ingresso na escola. O material escolar era
gratuitamente distribuído entre os alunos que não dispunham de recursos para
comprá-lo, sendo adquirido com recursos da Caixa Escolar. Nele se incluía não
somente lápis e caderno, mas também o uniforme completo. Os alunos que
residiam próximo à escola almoçavam em suas casas, retornando à tarde.
As atividades da escola eram organizadas, tendo como fundamento o método
de projeto que opera o pensamento reflexivo a partir de uma visão prática do
próprio conhecimento10. De acordo com essa metodologia, o ensinoaprendizagem
seria constituído a partir de atividades que estivessem ligadas à própria vida, o
que exigiria que se levasse em conta três princípios básicos: a) o princípio da
situação problema que despertaria o interesse do aluno, a fim de que nele surgisse
vontade de resolver a referida situação problema. Nesse caso, os programas
eram bastante flexíveis, uma vez que os alunos, freqüentemente, escolhiam o
tema do projeto, cabendo ao professor, extrair deles o que deveria ser ensinado
em sala de aula; b) o princípio da experiência real, que concebe a realidade
como uma construção do pensamento e, assim sendo, o conhecimento somente
formaria hábito se estivesse ligado a uma experiência ou atividade concreta,
efetuada com êxito; e, c) o princípio da eficácia social, que entendia o projeto
como a função de ensinar o aluno a viver em sociedade.
Esses princípios organizam a teoria do desenvolvimento orgânico, orientadora
do projeto pedagógico da escola e para quem, o aluno que está a adquirir
experiência participa intimamente das atividades do mundo a que pertence. O
conhecimento é um modo de participar dessas atividades, na proporção em
que se mostre operante, uma vez que não pode ser a contemplação ociosa de
um espectador desinteressado. Daí, a denominação “método experimental”
ou de “projetos” que apresenta dois aspectos. Por um lado, significa que não
se pode chamar alguma coisa de conhecimento exato, exceto quando a atividade
nela produzir, de fato, certas mudanças físicas. Na falta dessas mudanças
especiais, as idéias são unicamente hipóteses, conjeturas.
Por outro lado, o método experimental de pensar significa que o
pensamento tem utilidade, ele é útil exatamente no grau em que a previsão
de conseqüências futuras é feita baseada na observação completa das
condições presentes. O método é, pois, uma experimentação de idéias. A
função do conhecimento é tornar uma experiência livremente aproveitável em
outras experiências. A palavra livremente assinala a diferença entre o princípio
10
Para uma definição do ato de pensar reflexivo, consultar a obra Como pensamos, de John Dewey. São
Paulo: Editora Ltda, 1933. Para Dewey, o pensamento reflexivo faz um ativo, prolongado e cuidadoso
exame de toda crença ou espécie hipotética de conhecimento. Exame realizado à luz dos argumentos que
a apóiam e das conclusões a que chegam. Para firmar uma crença em uma sólida base de argumento é
necessário um esforço consciente e voluntário.
108
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
do conhecimento e o princípio do hábito. Isso significa que o indivíduo sofre
uma modificação por meio da experiência, modificação essa que cria uma
predisposição para a ação mais fácil e eficaz, no futuro e na mesma direção.
Isto é, o hábito presume a semelhança essencial de uma situação nova com
outra antiga, tornando uma experiência aproveitável em outras subseqüentes.
O hábito exige que se faça associações, se estabeleça conexões e se use
recursos de invenção do engenho.
Nesta perspectiva, a escola concebe o seu trabalho a partir do que ocorre
na própria vida social e, assim sendo, rompe com uma realidade bastante
presente nas escolas brasileiras, descrita por Roberto Moreira, que é a
separação entre vida escolar e a vida concreta dos alunos. Através do método
de projetos, estaria se buscando eliminar das salas de aulas, as atividades
marcadas pela memorização, a apresentação desconexa do conteúdo e o
silêncio que impedia toda e qualquer manifestação espontânea dos alunos.
Além disso, é característica do método de projetos a divisão de trabalho
através do desenvolvimento do espírito de grupo que, nesse caso, transforma
a aula em um momento de descoberta, possibilitando assim, que a criança
ao aprender, esteja conjuntamente solucionando os problemas que lhe
suscitam curiosidade.
Sob esse ponto de vista, os projetos desenvolvidos na escola norteavam
os estudos das matérias, devendo assim unificar o ensino em torno de uma
série de atividades que objetivavam reforçar o que era aprendido em sala de
aula11. O esquema de projetos organiza as atividades por meio de uma
provocação que produzisse um estado de perplexidade, hesitação ou dúvida
(incerteza) nos alunos, um estado de inquietação intelectual que conduzisse
os atos de investigação, tendo em vista como fim imediato o de descobrir
outros fatos que pudessem corroborar ou destruir a convicção sugerida –
descobrir provas. Isso exigia o exame cuidadoso da evidência por meio de
análise relacional de fatores semelhantes/dessemelhantes. Assim sendo, a
tarefa principal da educação não é a acumulação de conhecimentos, mas a
de ativar as flamas já existentes no educando, cultivando assim o espírito de
curiosidade, libertando-o da fossilização da rotina.
Para desenvolver essa metodologia do “aprender fazendo” a escola recria
aspectos de espaços comunitários em seu interior. Especificamente, a segunda
série elaborou o projeto “As sementinhas nascem, crescem, crescem” para
trabalhar o item “Vegetais”, tanto na horta da escola como no interior da sala
11
Por exemplo, o projeto da Lojinha de Doces, gerenciada por alunos, possibilitava que os mesmos fizessem
compras, cálculos e troco, resultando na efetuação de problemas desenvolvidos na aula de matemática. Uma
outra atividade era o jornal da escola, cujas matérias eram definidas e escolhidas pelos alunos, o que os
obrigava a praticar a escrita através de reportagens, entrevistas e poesias elaboradas nas aulas de português.
Educação Como Reconstituição e Reorganização da Experiência
109
de aula. Na quarta série, a turma criou os seguintes projetos: “Televisão”, “Correio”
e “Banco”, instituições que permitiam aos alunos, ao mesmo tempo, vivenciar
experiências da vida social, por meio da criação de réplicas das existentes na
comunidade, e aprender o conteúdo das matérias de um modo mais lúdico e ativo.
Entendendo que o conhecimento não é mera apropriação de matéria
armazenada em livros, pode-se dizer que o trabalho educativo desenvolvido
pela Escola Guatemala procurava ampliar o sentido da aula, passando a
entendê-la como algo que vai além de quatro paredes, se estendendo para
todos os espaços da escola. As atividades realizadas fora da sala de aula
passam a ter um sentido pedagógico, uma vez que delas também emana um
aprendizado, desde que conduzidas pelo professor.
Essa maneira de proceder exigia uma avaliação contínua do
desenvolvimento do aluno e do próprio trabalho do professor. Segundo
depoimentos de professores, a avaliação do aluno era feita por meio de um
“balanço” composto de observações diárias e de um teste ao fim de cada
projeto. Essa operação complexa demandava do professor não somente o
domínio da teoria do método de conhecimento experimental, mas, também,
o acompanhamento e a orientação diária dos especialistas do Inep:
[...] das 15 às 17 horas, fazíamos avaliação de nossa atuação com Dona Lúcia
Pinheiro e as coordenadoras de área, Dona Juracy Silveira, Dona Risoleta e
Dona Clotilde. Então, foi um enriquecimento incalculável! Não só na minha
vida profissional de professora. [...] nós tivemos a chance de ter aquele
aperfeiçoamento, aquele acompanhamento! (Depoimento de uma exprofessora da Guatemala, apud LÔBO, 1994).
A biblioteca da escola guarda resíduos que testemunham o período de
estudo das professoras, visíveis nas anotações feitas por leitores professores
nas beiradas das páginas dos livros Como Pensamos Educação e Democracia,
de John Dewey, entre outros. A reação dos pais à nova proposta curricular foi
um problema que a escola teve que enfrentar.
[...] os pais, em princípio, relutavam muito; [...] os pais reclamavam muito. Eles
diziam assim: ‘mas como a senhora acha que meu filho depois vai fazer um
exame de admissão? Não tem livro para ele estudar; como ele vai fixar a
tabuada? Ele não vai estar preparado para isso’. Então nós tivemos que fazer
uma reformulação e começamos a acertar mais isso.
[...] nos dois primeiros anos. Depois, não. Nós fomos procurando acertar através
da experiência (Depoimento de uma ex-professora da Guatemala, apud LÔBO,
1994).
110
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
E, no momento em que a experiência ia sendo sistematiza, na da
década de sessenta, ventos desfavoráveis sopram fortemente em sua
direção. Com as mudanças políticas ocorridas em 1964, os Centros
Brasileiros de Pesquisas Educacionais foram extintos, o Inep foi
transferido para Brasília, com outras funções, e o educador Anísio
Teixeira foi afastado do serviço público. A Escola Guatemala perde seu
“status” de Escola Experimental n. 1. “Aí, já não havia mais condição,
já não havia mais Inep, já não havia mais apoio, aquele respaldo que a
gente tinha já não havia mais” (Depoimento de uma ex-professora da
Guatemala, apud LÔBO, 1994).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O projeto de reconstrução educacional idealizado por Anísio Teixeira
alcançaria na década de cinqüenta, seu momento mais promissor, com a
criação dos Centros Brasileiros de Pesquisas Educacionais. Para realizálo, ampliou as funções do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos que
se tornaria o centro de inspirações do magistério nacional, capaz de formar
uma nova consciência educacional comum que deveria dirigir e orientar a
educação brasileira. Essa nova consciência educacional deveria formar uma
nova geração de professores com talentos para modificar as bases sobre
as quais se erguia a escola brasileira, altamente seletiva, inibidora da
extensão da educação de base para todos, e, ao mesmo tempo, formar
uma nova organização escolar competente, para promover o
aperfeiçoamento progressivo da escola brasileira. Para isso, se estimulou
a criação de escolas experimentais que foram o palco onde se ensaiaram
e se concretizaram as idéias pedagógicas fundamentadas no pensamento
reflexivo. O pragmatismo como paradigma pedagógico, expresso na Filosofia
e na Lingüística com Charles Sanders Pierce, na Psicologia, com William
James, e na Política e Educação, com John Dewey, constituiu-se em
fundamento da formação e da prática docente.
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Educação Como Reconstituição e Reorganização da Experiência
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112
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
O ENSINO BASEADO EM PESQUISAS E ESTUDOS COMO
DIRETRIZ DO CENTRO REGIONAL DE PESQUISAS
EDUCACIONAIS DE MINAS GERAIS
José Carlos Souza Araujo*
Décio Gatti Júnior**
O objeto deste estudo é o de delinear, ainda que introdutoriamente, a
significação que teve o Centro Regional de Pesquisas Educacionais de Minas
Gerais (CRPE/MG), cuja instalação se deu em 1957, o que o mesmo logrou
em termos de realizações, sobretudo em relação aos propósitos vinculados
ao que expressa o seu título.
Contextualização do mesmo: trata-se do artigo 65 do Código de Ensino
Primário de 08 de janeiro de 1962, de Minas Gerais, reconhecido pela Lei
n. 2.610 de 08 de janeiro de 1962, que explicita em seu Capítulo III – “Da
Orientação e das Finalidades do Ensino”, treze artigos, do 56 ao 68,
devotados a compor os princípios e as diretrizes para o Ensino Pré-primário
e Primário. Dentre eles, assim reza o artigo 65: “O ensino obedecerá a
orientação e a programa baseados em pesquisas e estudos de caráter
objetivo, processados por órgãos técnicos”.
Como será divisado por esse texto, o ensino baseado em pesquisa e
em estudos, é um aspecto fundacional do CRPE/MG e o conteúdo dessa
investigação buscará desvendar os meandros da educação escolar mineira
sob a inspiração desse Centro. Sua ressonância na legislação educacional
mineira, especificamente expressa pelo artigo 65 é apenas um mote, ao
qual se retornará nas considerações finais. Porém, o conteúdo dessa
investigação deixa manifesto em suas várias dimensões (gênese, propósitos
e realizações), que o norteamento pela pesquisa, voltada para o campo
pedagógico escolar, em nível operacional, ou mesmo para a reflexão, é um
“estruturante” do CRPE/MG em seu processo instituidor.
*
Professor Colaborador do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Uberlândia;
atualmente vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Educação do Centro Universitário do Triângulo, e
membro do Núcleo de Estudos e Pesquisas em História e Historiografia da Educação (para contatos:
[email protected]).
**
Doutor em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Professor de História da
Educação da Universidade Federal de Uberlândia, Sócio-fundador da Sociedade Brasileira de História da
Educação (para contatos: [email protected]).
O Ensino Baseado em Pesquisas e Estudos
113
Em vista da compreensão dessa diretriz legislativa educacional mineira e
de suas implicações, é necessário investigar sobre a atmosfera cultural,
buscando focalizar a década de 50, época em que em nível nacional, se
esboçavam novos contornos para a educação brasileira. Contornos esses,
destinados a se configurar como resposta à turbulência que as expectativas e
as realizações provocavam em torno da modernização da sociedade brasileira.
Tal fenômeno se expressava pelas expectativas paulatinas e crescentes com
a industrialização, com a “tecnificação”, com a urbanização, com o êxodo
rural, com o crescimento demográfico, com o investimento estrangeiro, com
a política de substituição de importações e com a integração nacional atenta
ao desenvolvimento e às diferenças regionais.
Um novo Brasil se desenhava, com manifestações conjunturais expressivas
para as gerações que viveram aquelas circunstâncias. É na esteira dessa conjuntura
que deve ser compreendido como ressonância o artigo 65, mencionado
anteriormente e expresso no título deste estudo. O exercício por tornar científicas
as ações vinculadas ao ensino escolar impele que busquemos os vínculos com o
CRPE/MG na busca de situá-lo em sua gênese e em seus propósitos, oficialmente
constituído em 11 de fevereiro de 1956, bem como em seu processo instituidor,
através do qual se explicitaram suas realizações a partir de sua instalação em 4
de fevereiro de 1957. Tais intuitos constituem o objeto deste estudo.
Inicialmente, cabe estabelecer que o CRPE/MG é uma das agremiações
consorciadas ao Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE), instituído
em 28 de dezembro de 1955, pêra que já é intencionado pelo discurso de
posse de Anísio Teixeira como diretor geral do Instituto Nacional de Estudos
Pedagógicos – Inep, em 1952, ao qual aquele está subordinado. Portanto, à
frente de tal instituição de onde nasce o CBPE, permanece Anísio Teixeira até
o início de abril de 1964.
Aliás, estas datas marcam as fronteiras cronológicas deste estudo. Em
termos de periodização, elas situam a trajetória do referido educador à frente
de tais instituições. A respeito do empreendimento em torno do CBPE, há estudos
de alguns autores a serem citados em função do seu objeto: Luiz Pereira (1976),
Maria Clara Mariani (1982), Florestan Fernandes (1966), Ana Waleska
Mendonça e Zaia Brandão (1997), Libânia Nacif Xavier (1999), Clarice Nunes
(2000), Marta Maria de Araujo et al (2001), Luiz Carlos Barreira (2001), Maria
de Lourdes de A. Fávero (2001) e Márcia dos Santos Ferreira (2001).
Vínculos entre o Inep, o CBPE e o CRPE/MG
Introdutoriamente, um esclarecimento. O Inep está vinculado ao Ministério
da Educação e Cultura e em suas origens se denominava Instituto Nacional
de Pedagogia, instituído pela Lei n. 378, em 13 de janeiro de 1937.
114
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
Posteriormente, foi renomeado Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos,
pelo Decreto-Lei n. 580 de 30 de julho de1938, passando a ser designado por
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais em 1972.
No entanto, anteriormente à proclamação da República, os ideais em torno
da inserção brasileira na modernidade já se exerciam e uma das realizações
significativas é o “Pedagogium”, definido pelo Decreto n. 980, de 08 de novembro
de 1890 como “um centro impulsor de reformas e melhoramentos de que
carece a instrução nacional, oferecendo aos professores públicos e particulares
os meios de instrução profissional de que possam carecer, a exposição dos
melhores métodos e do material de ensino mais aperfeiçoado”. Em que pese o
“Pedagogium” ter sido extinto em 1919, a idéia não morreu. Em 1937, é criado
o Instituto Nacional de Pedagogia [...] que retoma parte das funções do
“Pedagogium” (BASTOS, 2002, p. 314). Para maiores detalhes veja o capítulo 7
dessa obra, intitulado Pedagogium: templo da modernidade educacional
republicana brasileira (1890-1919), p. 251-315).
Dado os vínculos do Inep com o CBPE e com os CRPE - Belo Horizonte,
Porto Alegre, São Paulo, Recife e Salvador - retomam-se aqui, as origens do
Inep, manifestas pela legislação federal:
Decreto-Lei n. 580, de 30 de julho de 1938 – Dispõe sobre a organização
do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos;
O Presidente da República, usando da atribuição que lhe confere o art.
180 da Constituição, decreta:
Art. 1º. O Instituto Nacional de Pedagogia, criado pela Lei n. 378, de 13 de
janeiro de 1937, passa a se denominar Instituto Nacional de Estudos
Pedagógicos, e funcionará como o centro de estudos de todas as questões
educacionais relacionadas com os trabalhos do Ministério da Educação e
Saúde.
Art. 2º. Compete ao Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos:
a) organizar documentação relativa à história e ao estudo atual das
doutrinas e das técnicas pedagógicas, bem como das diferentes espécies
de instituições educativas;
b) manter intercâmbio, em matéria de pedagogia, com as instituições
educacionais do país e do estrangeiro;
c) promover inquéritos e pesquisas sobre todos os problemas atinentes à
organização do ensino, bem como sobre os vários métodos e processos
pedagógicos;
d) promover investigações no terreno da psicologia aplicada à educação,
bem como relativamente ao problema da orientação e seleção
profissional;
O Ensino Baseado em Pesquisas e Estudos
115
e) prestar assistência técnica aos serviços estaduais, municipais e
particulares de educação, ministrando-lhes, mediante consulta ou
independentemente desta, esclarecimentos e soluções sobre os
problemas pedagógicos;
f ) divulgar, pelos diferentes processos de difusão, os conhecimentos
relativos à teoria e à prática pedagógicas (OS ESTUDOS E AS PESQUISAS
EDUCACIONAIS [...], p. 7-8, 1956).
Transcritos apenas os artigos 1° e 2° entre os oito que compõem esse
decreto, cabe destacar alguns aspectos expressos em 1938, quando da
organização do Inep, e que guardam relação com o decreto que instaura o
CBPE e os CRPE em 28 de dezembro de 1955. Diz o decreto acima, que o
Instituto funcionará como centro de estudos, artigo 1°, cabendo-lhe a
competência para se constituir como instância de documentação, artigo 2°,
alínea a, de intercâmbio, artigo 2°, alínea b, e, como instância promotora de
“inquéritos e pesquisas sobre todos os problemas atinentes à organização
do ensino, bem como sobre os vários métodos e processos pedagógicos”,
alínea c. A alínea f do artigo 2° destaca o papel que cabe ao órgão em pauta,
na difusão dos “conhecimentos relativos à teoria e à prática pedagógicas”.
Esclarecidas tais diretrizes jurídicas institucionais de 1938, sobre o perfil
que cabia ao Inep incorporar, voltemos ao objeto deste, procurando inicialmente
a caracterização contextual e institucional em que se insere o CBPE e os CRPE.
As observações presentes no parágrafo anterior objetivaram afirmar as
aproximações entre as competências do Inep e as dos CRPE. Tal
posicionamento será retomado quando da análise do decreto que os institui
em fins de 1955.
Panoramicamente se faz mister evidenciar o clima histórico-cultural em
que emerge o CBPE, bem como os CRPE, seus desdobramentos consorciados,
sediados em Porto Alegre, São Paulo, Salvador, Recife e Belo Horizonte. Como
a concepção do CBPE resulta em uma institucionalização que aspira nortear a
política educacional e se empenha, em termos operacionais, em atingir
concretamente as instituições escolares, suas expressões regionais, os CRPE
se vinculam ao sentido que se buscava captar em vista de uma política
educacional condizente com o novo desenho que se esboçava no Brasil na
década de 1950.
Nesse sentido, o posicionamento de Maria Hermínia Tavares de Almeida
é esclarecedor:
[...] cabe lembrar que no período considerado meados de meados 50 a
meados de 60 – o universo intelectual e acadêmico no qual se
desenvolvem as ciências sociais se condensa em alguns eixos, definidos
116
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
por grupos reunidos em torno de revistas e ou instituições. O eixo cardeal
é, sem sombra de dúvida, o grupo Ibesp-Iseb pela influência que exerce
na definição do campo e das ênfases do debate “intelectual-político”
(ALMEIDA apud ARRUDA, 1989, p. 277).
Cabe aqui uma informação complementar. O Instituto Brasileiro de
Economia, Sociologia e Política – Ibesp surgiu voltado para o estudo dos
problemas da sociedade brasileira de então, bem como para formular
respostas aos mesmos. Em 1952, um grupo de intelectuais passou a se
reunir no último fim de semana de cada mês no Parque Nacional de Itatiaia,
tais encontros levaram o “grupo Itatiaia” a se organizar formalmente,
criando a entidade privada denominada Instituto Brasileiro de Economia,
Sociologia e Política – Ibesp (DICIONÁRIO HISTÓRICO-BIOGRÁFICO
BRASILEIRO, 1930-1983, p. 1617, 1984). Por sua vez, o Instituto Superior
de Estudos Brasileiros – Iseb, instituído pelo Decreto n. 57.068, de 14 de
julho de 1955, e anterior, um pouco mais de cinco meses, à
institucionalização dos CBPE e CRPE, é vinculado ao Ministério da Educação
e Cultura (MEC).
Portanto, se o eixo cardeal passa por essas instituições, sua
intencionalidade era o desenvolvimento nacional. Tratava-se, sob diversos
ângulos do conhecimento (História, Filosofia, Economia, Sociologia e Ciência
Política), e com intelectuais de diversificadas tendências, de compreender
e de dar direções à política nacional. O Iseb não se detinha somente em
elaborar ciência, mas a configurar diretrizes efetivas para a realização do
desenvolvimento nacional. Ele se expressava por pesquisas, estudos,
conferências e cursos destinados a vários segmentos sociais. Além do
Diretor do ISEB, havia um Conselho Curador, composto por oito pessoas,
do qual Anísio Teixeira era membro.
A menção a esse pensador radical (ARAUJO, MOTA e BRITTO, 2001),
nos traz de volta ao objeto deste, no sentido de situar, mais do que a esse
intelectual, o projeto e as expectativas em torno do CBPE. A citação abaixo
é muito pertinente a propósito de uma rede institucional que implicava em
exercício de poder político, rede essa em que Anísio Teixeira ocupava
posição privilegiada e, através da qual costurava seus projetos, bem como
o exercício de operacionalização dos mesmos:
Anísio Teixeira usou o poder de que dispunha na direção do Inep para criar o
CBPE, que nasceu com o apoio entusiástico e grande envolvimento da Unesco.
Da mesma forma, foi Anísio na presidência da Coordenação de Aperfeiçoamento
de Pessoal de Ensino Superior (Capes), quem proporcionou os recursos
O Ensino Baseado em Pesquisas e Estudos
117
necessários à decolagem do Ibesp, cujo grupo fundador possuía laços estreitos
com os técnicos de assessoria econômica de Vargas e que desempenharam
papel de relevo no governo Kubitschek. Foram contatos dessa natureza
que permitiram que o Iseb pudesse, posteriormente, ser “encampado”
pelo Ministério da Educação (ALMEIDA, 1989, p. 207).
Estas afirmações aqui condensadas descortinam uma paisagem muito
ampla para a compreensão seja do CBPE ou dos CRPE. O primeiro como
concepção e como instituição, veio sendo gestado anteriormente, de um
ponto de vista imediato, desde a assunção por parte de Anísio Teixeira
como secretário-geral da Comissão de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior, posteriormente conhecida como Capes, criada em 11de julho de
1951 e logo em seguida, com a sua nomeação em julho de 1952, como
diretor-geral do Inep. É à frente da Capes e do Inep, que ele permanece até
o início de abril de 1964, sendo que sob o manto do Instituto, nasce o CBPE.
Em tempo: 1952 e 1964 são as datas fronteiriças deste estudo sobre o
CRPE/MG. Embora este se realize a partir de 1957, o CBPE, em termos de
concepção, já está posto nas entrelinhas do discurso de posse de Anísio
Teixeira como diretor-geral do Inep. Assim sendo,
[...] pensar o CBPE no projeto de Anísio Teixeira é pensar a organização de
um centro de ciência aplicada, criado para operar como núcleo de
organização e de orientação da pesquisa científica, tendo em vista fins
práticos, essencialmente voltados para a recondução das políticas
educacionais perante o estudo e a formulação de propostas para a solução
de seus problemas (XAVIER, 1999, p. 178).
Projeto e delimitações do CBPE e dos CRPE
Feitas essas caracterizações iniciais em torno de um panorama que
minimamente estabelecesse os horizontes em torno dos quais se explica a gênese
do CRPE/MG, bem como os seus propósitos enquanto agremiação institucional
do CBPE, cabe ainda informar que a idéia de criação deste se inicia em “1954,
por um grupo de intelectuais ligados a Anísio Teixeira, sob a assessoria de
representantes da Unesco aqui no Brasil” (XAVIER, 1999, p. 178)¹.
1
Para detalhamento, cf. a propósito o capítulo V da obra de Xavier (1999). Outro texto importante, inclusive do
ponto de sua constituição como fonte que participa do processo fundador do CBPE, é o capítulo 4 da Parte IV,
intitulado O Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais, da obra de Florestan Fernandes, Educação e sociedade
no Brasil, 1966, p. 565-578. O conteúdo desse capítulo traz na íntegra o parecer deste intelectual, cujo teor
discute o projeto do CBPE numa reunião em 18 de agosto de 1955. Destaque-se aqui a expressividade deste
intelectual como interlocutor quando de um convite para assessorar sobre as análises planejadas para o CBPE.
118
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
Em 28 de dezembro de 1955, sob o Decreto n. 38.460, são instituídos
o CBPE, sediado no Rio de Janeiro, e os CRPE, sediados em Belo Horizonte,
Porto Alegre, São Paulo, Salvador e Recife. Sua gestação passa pela
concepção de um centro de pesquisa educacional, com propósitos
sociológico e pedagógico, mas destinado a orientar praticamente a
pedagogia escolar. Estabelecer relações entre esses aspectos foi a
dificuldade enfrentada durante esse período de gestação. Afinal, fundar
um centro destinado à pesquisa que reunisse levantamentos sociológicos
e pedagógicos escolares, e que superasse a barreira subjacente aos
subsídios teóricos que a pesquisa fornece, tendo em vista produzir
ressonâncias pedagógicas no interior da sala de aula – e o professor
ocupava centralidade nesse processo, daí o propósito em formá-lo – era
uma tarefa ímpar.
A propósito do CBPE, o próprio Florestan Fernandes, em capítulo há pouco
citado, ao introduzir comentários ao seu parecer de 18 de agosto de 1955,
afirmava: “a idéia de encetar-se a elaboração de uma ‘filosofia de trabalho’,
que presidisse ao anseio de combinar educadores e cientistas sociais em
projetos comuns, com alvos empíricos, teóricos e práticos, ganhou corpo e
inspirou as conclusões gerais. É pena que depois ela tivesse sido abandonada,
não conseguindo impor-se” (FERNANDES, 1966, p. 566). Essa avaliação, na
verdade, já fora feita pelo mesmo autor em 1959, conforme consta em nota
de rodapé à p. 566 da referida obra. O autor, em páginas subseqüentes,
relativas ao conteúdo do parecer referido acima, apontava para a existência
de uma compartimentagem entre educadores e cientistas sociais em nível de
princípios e de diretrizes, o que implicava a própria concepção em torno do
CBPE, quando ainda ele estava em processo de gestação.
Ainda para Florestan Fernandes, se mantendo no conteúdo expresso
pelo parecer de 18 de agosto de 1955 sobre a criação do CBPE. Observese a atualidade em vários aspectos do conteúdo deste trecho:
[...] o verdadeiro dilema do presente e para a segurança futura do Brasil
se coloca no plano do desenvolvimento. Formação de capitais, criação
de mercado interno e de indústrias básicas, equilíbrio da industrialização
e nas relações desta com a agricultura, transformação dos procedimentos
agrícolas e das formas de trabalho, valorização da terra e do homem,
criação de condições de conforto e de segurança social na vida rural e
urbana, etc., são tendências que operam dramaticamente e que exigem
técnicas dinâmicas de consciência e de interpretação da situação
brasileira (FERNANDES, 1966, p. 570).
O Ensino Baseado em Pesquisas e Estudos
119
Levando-se em conta o dilema posto em torno do desenvolvimento, as
expectativas que se construíam em torno da possibilidade do CBPE se
configuravam como um timoneiro na condução da educação brasileira, em
nível teórico e prático. Em torno dessa possibilidade se construía uma
consciência compartilhada por vários intelectuais que estiveram participando,
seja do projeto de construção do CBPE, seja das realizações propiciadas pelo
mesmo, em suas articulações com os CRPE. Desse papel de timoneiro da
educação brasileira, destinada a promover e a impulsionar a mudança e o
progresso, também compartilhava o autor, há pouco citado:
[...] o principal interesse do Centro nasce das possibilidades iniciais de explorar
estrategicamente a educação como fator dinâmico de mudança e de progresso
na sociedade brasileira [...]. Mas, teoricamente, as questões que aqui emergem
não dependem dos resultados das investigações a serem feitas [pelo CBPE],
mas de uma política educacional com base no pensamento planificado e no
espírito científico (FERNANDES, 1966, p. 578).
Seguindo o pensamento desse autor, pode-se afirmar que o esvaecimento
do CBPE se deve à colisão com a ausência de uma política educacional, ou
seja, postulava-se que os princípios e as diretrizes fundadores da política
fossem estabelecidos “[...] antes mesmo de o Centro começar suas atividades,
pois são estes princípios que irão regular e dirigir as atividades do CBPE. Os
princípios inconsistentes poderiam ser revistos à luz da experiência. Esta,
porém, é que não poderá ser refeita, no caso de carecer de orientação”
(FERNANDES, 1966, p. 578).
As considerações iniciais em torno da repercussão das intencionalidades
do CRPE/MG na legislação educacional mineira, configurada no Código do
Ensino Primário de 1962, expressas no início deste, bem como o clima históricocultural em que é semeado e germinado o CBPE com as suas cinco
agremiações, permitem agora se empenhar em delinear a gênese, os
propósitos e as realizações do CRPE/MG.
Desde a sua posse como diretor-geral do Inep em julho de 1952, já
estava desenhado o horizonte contemplado por Anísio Teixeira com relação
ao papel daquele Centro, posto que em sua visão assim expressa ele diz:
[...] ele tem de tentar uma tomada de consciência na marcha da expansão
educacional brasileira, examinar o que foi feito e como foi feito, proceder a
inquéritos esclarecedores e experimentar medir a eficiência ou ineficiência
de nosso ensino. [...] As funções do Instituto Nacional de Estudos
Pedagógicos deverão ganhar, em a nova fase, amplitude ainda maior,
buscando se tornar, tanto quanto possível, o centro de inspirações do
120
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
magistério nacional para a formação daquela consciência educacional
comum que, mais do que qualquer outra força, deverá dirigir e orientar a
escola brasileira (DISCURSO DE POSSE DO PROFESSOR ANÍSIO TEIXEIRA...,
1952, p. 76 e 77).
Esta definida preocupação em torno do papel do Inep irá dar norte ao
projeto do CBPE, bem como dos CRPE, seus afiliados: proceder à instauração
de inquéritos, mensurar a atividade de ensino e orientar as experimentações
tinham como pretensão redirecionar a educação escolar brasileira, mas cabia
centralmente ao Instituto o magistério nacional, tornando-se um “centro de
inspirações” para o mesmo. O teor do mesmo discurso de posse permite
destacar o seguinte trecho:
[...] até o momento, não temos passado, de modo geral, do simples censo
estatístico da educação. É necessário levar o inquérito às práticas
educacionais. Procurar medir a educação, não somente em seus aspectos
externos, mas em seus processos, métodos, práticas, conteúdos e
resultados reais obtidos. Tomados os objetivos da educação em forma
analítica, verificar, por meio de amostras bem planejadas, como e até que
ponto vem a educação, conseguindo atingi-los. [...] Este trabalho pois,
não será nenhum trabalho remoto e distante, mas parte integrante e
preliminar do programa de reconstrução de nossas escolas e de revisão
dos seus métodos. Não será por leis, mas por tais estudos, que daremos
início à reforma do ensino (DISCURSO DE POSSE DO PROFESSOR ANÍSIO
TEIXEIRA..., 1952, p. 78).
Embora o discurso de posse anteceda em mais de três anos à
institucionalização do CBPE e dos CRPE, ou seja, entre julho de 1952 e dezembro
de 1955, a concepção de um centro de pesquisa nacional que se manifestasse
também pelos CRPE tinha preocupação umbilicalmente vinculada à idéia de
que os inquéritos fossem direcionados às práticas educacionais.
Tal consonância entre a pesquisa e a atividade educativa escolar, aqui
orquestrada no discurso de posse de 1952, terá ressonância conceptual e
diretiva, ou seja, se buscava os vínculos entre a teoria e a prática não somente
nas diretivas do CRPE/MG, instalado em 04 de fevereiro de 1957, mas também
na legislação educacional mineira de 1962, anunciada pelo título deste e
comentada inicialmente. Trata-se, como se observa, de uma orquestração
que ressoa pela década de 1950, concebida através da leitura e da
interpretação do movimento da modernização brasileira, particularmente
aqui em relação ao campo da educação escolar.
O Ensino Baseado em Pesquisas e Estudos
121
A institucionalização dos CRPEs, bem como do CBPE, resultam de um
único Decreto, o de n. 38460, de 28 de dezembro de 1955, o qual se apresenta
aqui na íntegra:
o Vice-presidente do Senado Federal, no exercício do cargo de Presidente
da República, usando da atribuição que lhe confere o art. 87, inciso I, da
constituição e considerando o que expôs o Ministro de Estado da
Educação e Cultura sobre a necessidade de dotar o Instituto Nacional de
Estudos Pedagógicos de meios adequados à pesquisa educacional em
toda a extensão do território brasileiro, para melhor cumprimento de
seus objetivos fundamentais de estudo e aperfeiçoamento do magistério
brasileiro, Primário e Normal, nos termos dos Decretos-Leis n. 580, de 30
de julho de 1938; e, n. 4.958, de 14 de novembro de 1942, e da Lei n. 59,
de 11 de agosto de 1947, decreta:
Art. 1º. Ficam instituídos o Centro Brasileiro de Pesquisa Educacionais
CBPE e Centro Regionais de Pesquisa Educacionais, o primeiro com sede
no Rio de Janeiro e os demais nas cidades de Recife, Salvador, Belo
Horizonte, São Paulo e Porto Alegre e posteriormente, onde vieram a ser
julgados necessários, todos subordinados ao Instituto Nacional de Estudos
Pedagógicos, do Ministério da Educação e Cultura.
Art. 2º. Os Centros de Pesquisa a que alude o artigo anterior têm os
seguintes objetivos:
I – pesquisa das condições culturais e escolares e das tendências de
desenvolvimento de cada região e da sociedade brasileira como um todo, o
efeito de se conseguir a elaboração gradual de uma política educacional
para o país;
II – elaboração de planos, recomendações e sugestões para a revisão e a
reconstrução educacional do país – em cada região – nos níveis Primário,
Médio e Superior e no setor de Educação de Adultos;
III – elaboração de livros de fontes e de textos, preparo de material de ensino,
estudos especiais sobre administração escolar, currículos, psicologia
educacional, filosofia da educação, medidas escolares, formação de mestres
e sobre quaisquer outros temas que concorram para o aperfeiçoamento do
magistério nacional; e,
IV – treinamento e aperfeiçoamento de administradores escolares,
orientadores educacionais, especialistas de educação e professores de
escolas normais e primárias.
Art. 3º. O Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais e os Centros Regionais
compreenderão sempre uma biblioteca de educação, um serviço de
documentação e informação pedagógica, um museu pedagógico e os serviços
122
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
de pesquisa e inquérito, de cursos, estágios e aperfeiçoamento do magistério,
e quando possível, dentre outros, serviços de educação audiovisual, de
distribuição de livros e material didático e outros que se fizerem necessários
ao cumprimento de suas finalidades.
Art. 4º. Os Centros serão organizados segundo planos elaborados pelo Inep
e aprovados pelo Ministro de Estado, sob regime de financiamento especial
e gozando de todas as condições de flexibilidade e independência das
campanhas nacionais de educação.
Parágrafo único. Os Centros Regionais poderão funcionar em regime de
convênios com os governos ou entidades públicas ou privadas ou ser
diretamente mantidos e administrados pelo Inep.
Art. 5º. Todas as repartições federais, autárquicas e parestatais deverão
prestar aos centros de pesquisas educacionais a cooperação de suas
atribuições.
Art. 6º Este decreto entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas
as disposições em contrário.
Rio de Janeiro, em 28 de dezembro de 1955, 134º da Independência e 67º
da República. – Nereu Ramos – Abgar Renault (OS ESTUDOS E AS PESQUISAS
EDUCACIONAIS..., p. 47- 49, 1956).
Alguns comentários a este decreto se fazem necessários em vista da
instalação do CRPE/MG, de seus propósitos e de suas realizações. Tratava-se,
como está expresso na introdução ao decreto, de configurar uma estruturação
mais adequada ao Inep que permitisse “o estudo e o aperfeiçoamento do
Magistério Primário e Normal brasileiros”. Esta mesma preocupação com o
aperfeiçoamento do magistério nacional também se manifesta no Art. 2°, inciso
III, que apresenta várias mediações para a sua realização, bem como os recursos
de ensino e os estudos sobre as mediações que delineiam a formação do
professor, tais como currículo, Psicologia Educacional, Administração Escolar,
Filosofia da Educação, medidas educacionais, dentre outras.
Com relação aos objetivos, os centros de pesquisa devem se apoderar
de uma preocupação regional, sem desconsiderar a dimensão nacional, posto
que devem, os centros, estar dedicados à pesquisa das condições culturais e
escolares, em vista da elaboração gradual de uma política educacional para o
país. Este está no horizonte desde que as realizações regionais estejam com
uma preocupação orquestral em torno de um concerto que deverá ser nacional
e expresso pela construção paulatina de uma política educacional.
Desde o discurso de posse como diretor-geral do Inep, Anísio Teixeira já
salientava o que está expresso no inciso II do Art. 2° com relação à necessidade
de uma “reconstrução educacional do país”, para a qual estava sendo
convocado o CBPE. Em 1952, com relação ao papel do Inep em tal reconstrução,
O Ensino Baseado em Pesquisas e Estudos
123
suas considerações são múltiplas: por várias vezes afirmava em seu discurso
de posse, a respeito de tal necessidade com relação ao papel dessa
instituição: em um dado momento de tal discurso, sua referência à
reconstrução é canalizada para a perspectiva do ‘que os novos tempos estão
a exigir’, para logo em seguida, expressar uma autocrítica com relação às
décadas de 20 e 30 do século XX, por ocasião da emergência da Escola
Nova no Brasil, quando se julgava que naquele momento o país estaria
preparado para a reconstrução das escolas. Depois de se referir
implicitamente ao fato de que o impulso pela reconstrução educacional se
tornara malogrado no período “estadonovista”, afirma que “estudos do Inep
deverão ajudar a eclosão desse movimento de consciência nacional
indispensável à reconstrução escolar” (DISCURSO DE POSSE DO PROFESSOR
ANÍSIO TEIXEIRA..., 1952, p. 77).
E a tarefa que o Inep dispensará em tal direção é afirmada como “parte
integrante e preliminar do programa de reconstrução de nossas escolas e
da revisão de seus métodos” (DISCURSO DE POSSE DO PROFESSOR ANÍSIO
TEIXEIRA..., 1952, p. 78).
E quase ao final do referido discurso, assume que a reconstrução se
dará por uma tonalidade fundada no método e no espírito científico. Tratase, portanto, de conduzir a reconstrução pela ciência, enquanto ela traça o
itinerário a ser seguido:
[...] esforçar-nos-emos por aplicar métodos objetivos e, quando possível,
experimentais, mas tudo conduziremos com o sedimento profundo do
caráter provisório do conhecimento, mesmo quando ou, talvez, sobretudo,
quando científico. A ciência não nos vai fornecer receitas para as soluções
dos nossos problemas, mas o itinerário de um caminho penoso e difícil, com
idas e voltas, ensaios e verificações e revisões, em constante reconstrução,
a que não faltará, contudo, a unidade de essência, de fins e objetivos, que
estará contida não só na lei de bases e diretrizes, como na consciência
profissional, que pouco a pouco se irá formando entre os educadores. Será
por este modo que o Instituto pensa se deixar conduzir pelo método e
espírito científico (DISCURSO DE POSSE DO PROFESSOR ANÍSIO TEIXEIRA...,
1952, p. 79).
Ainda com relação aos objetivos dos CRPE e do CBPE, o inciso IV do Art.
2° traz uma outra dimensão, sem dúvida também inquieta e empenhada
com a formação continuada do professor, posto que estão previstos cursos
de treinamento e de aperfeiçoamento de administradores, orientadores,
especialistas de educação e professores de escolas normais e primárias.
124
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
O Art. 3° do decreto de criação do CBPE e dos CRPE trata da infra-estrutura
necessária. Biblioteca, documentação e informação pedagógica, um museu
pedagógico, além dos setores dedicados à pesquisa, bem como de cursos e
estágios destinados à formação do professor. Acrescente-se ainda, o serviço
de distribuição de livros e de material didático, além daquele dedicado aos
recursos audiovisuais.
Com relação ao aspecto organizativo, a perspectiva que se abria com a
criação dos CRPE era de descentralização, dada a liberdade que era concedida
para o estabelecimento de convênios com os governos ou entidades públicas
ou privadas [...]”, bem como o regime de cooperação para com os CRPE
previsto para as repartições federais, autárquicas e paraestatais.
O percurso até aqui feito em vista da compreensão do CRPE/MG em sua
gênese e em seus propósitos e realizações se orientou no sentido de permitir
a compreensão de que o objeto deste capítulo não pode ser compreendido
isoladamente de uma interpretação conjuntural de caráter nacional a respeito
dos destinos da educação brasileira. Levando-se em conta uma educacional
da nação brasileira impulsionado pelo movimento “escolanovista” brasileiro,
o qual por sua vez, compartilha contextualização que fuja da fronteira dos
anos 50 do século XX, pode-se afirmar que o projeto de reconstrução do
andamento “escolanovista” europeu e norte-americano, tem continuidade
através da criação desses centros regionais de pesquisa, coordenados pelo
CBPE, sob a tutela do Inep.
Se atento ao posicionamento de Anísio Teixeira em seu discurso de posse,
o impulso pela reconstrução educacional sofreu reveses durante a era Vargas,
quando se manifestaram posturas tradicionais que vieram enevoar o esforço
renovador. Se isso é verdade, e o é, posto que o movimento de restauração
católica (AZZI, 1977a, 1977b, 1979, 1994) se fazia presente desde os anos 20 do
século XX. Alguns exemplos: fundação da revista A Ordem, em 1921, do Centro
Dom Vital, em 1922, a configuração constitucional do Ensino Religioso, em 1934,
a fundação da Ação Católica, em 1935, o projeto de universidade católica
emergente já na década de 1930 (CASALI, 1995 e SALEM, 1982) são algumas
instâncias por onde se externava o movimento restaurador do catolicismo brasileiro,
inspirado desde o início do papado de Pio XI a partir de 1922.
Interpretando dessa forma, na verdade, os centros de pesquisas nacionais
e regionais, enquanto revelam um redimensionamento do papel do Inep,
traduzem mais do que uma continuidade do processo de reconstrução
educacional do país. A continuidade fora interrompida. Por conseguinte, tratase de um resgate de tal projeto. As esperanças se renovam na medida em que
a reconstrução educacional é reassumida. O projeto dos anos 1920 e 1930 é
reconquistado, é reacendido, é novamente revigorado com o CBPE e seus CRPE.
O Ensino Baseado em Pesquisas e Estudos
125
Se, por um lado o CRPE/MG não pode ser compreendido isoladamente,
dada a dimensão nacional de que ele compartilha, por outro, sua gênese,
propósitos e realizações guardam especificidades regionais e locais, desde o
fato de Belo Horizonte, MG, se configurar como sede de um CRPE, o que
permitiu e apoiou pesquisas, cursos, publicações, bem como articulou
intercâmbios com a Secretaria Estadual da Educação do estado, com a
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura –
Unesco, o Instituto Superior de Educação Rural (Iser), a então Universidade de
Minas Gerais (UMG) e com o Programa de Assistência Brasileiro-Americano
ao Ensino Elementar (Pabaee).
É no governo do Estado de Minas Gerais, exercido por José Francisco Bias
Fortes, entre 31 de janeiro de 1956 e 31 de janeiro de 1961, que se criou o
CRPE/MG a 11 de agosto de 1956, portanto, quase oito meses posteriormente
ao decreto federal que criara o CBPE e os CRPE. Na mesma data, foi designado
Mário Casasanta para a direção do CRPE/MG. Oficialmente, sua instalação se
daria somente em 04 de fevereiro de 1957. No entanto, a 24 de agosto de
1956, se dera a primeira reunião do CRPE/MG, (O CENTRO REGIONAL DE
PESQUISAS EDUCACIONAIS DE MINAS GERAIS, 1958).
Em editorial localizado na seção Educação e Ensino, o jornal O Diário, de
18 de agosto de1956, alude à significação do CRPE/MG evocando a contribuição
mineira para a reconstrução educacional representada por Francisco Campos
e Mário Casasanta no final dos anos 20 do século XX:
Minas Gerais já deu a pauta e as diretrizes, em matéria de renovação
pedagógica. A esse tempo, aqui se levou a bom termo a reforma do ensino
que, em razão de elementar justiça, deve passar à história da Administração
Pública e à das idéias pedagógicas, com a designação de Francisco Campos –
Mário Casasanta, tão significativa se revelou na colaboração desse último. As
múltiplas atividades em que, de então para cá, se lhe tem desdobrado o
espírito fecundo, centralizam-se, afinal, na constante atuação de educador.
Nunca deixou de o ser Mário Casasanta, lecionando, administrando,
advogando, escrevendo. Estava na lógica de sua evolução cultural o retorno à
direta ação pedagógica (O CENTRO REGIONAL DE PESQUISAS EDUCACIONAIS
DE MINAS GERAIS, p. 5, 1958).
Para além desse trecho evocativo, as promessas de que o CRPE/MG tem
compromissos com a reconstrução educacional. Direcionando-se pela formação
continuada do professor, o mesmo artigo, sem a designação de autor que
inaugura o Boletim do Centro Regional de Pesquisas Educacionais de Minas
Gerais afirma:
126
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
O Centro Regional de Pesquisas Educacionais deve tornar-se, em Minas,
animador da renovação pedagógica e do aperfeiçoamento do
professorado. Um dos meios conducentes a esse objetivo será a
comunicação com os professores. Tanto o conteúdo das matérias do
currículo, como os métodos e processos de ensino constituirão objeto de
correspondência, já deliberada, já provocada por consultas. A esse fim,
além de outros, servirá a biblioteca especializada, em organização, a
qual conta perto de 1.000 volumes (O CENTRO REGIONAL DE PESQUISAS
EDUCACIONAIS DE MINAS GERAIS, p. 11, 1958).
Em 4 de fevereiro de 1957, em sessão de instalação do CRPE/MG, Mário
Casasanta assim se expressava a respeito da modernização brasileira:
[...] O Brasil cresce espantosamente, e a cada hora se observa que as
suas instituições e os seus serviços não acompanham o seu crescimento.
Como o adolescente, que mal se avém com a roupa, sente a inquietação
e o desconforto das estreitezas, nutrindo ideais de uma situação melhor,
experimentamos, neste momento, o travo dos desajustes e a agitação de
quem quer reajustar-se. Aventam-se soluções, criam-se serviços, buscamse novos caminhos. Que vantagem, porém, acarretarão tais iniciativas,
por mais aconselháveis que sejam, se não dispusermos do material humano
necessário? Que valem mais uma instituição, mais um colégio, mais uma
faculdade ou uma universidade, se não tivermos professores que lhes
imprimam a essência de uma escola? (DISCURSO DO PROF. MÁRIO
CASASANTA, p. 17-18, 1958).
Nessa citação, primeiramente deve ser ressaltada a sintonia das leituras
sobre o Brasil expressas anteriormente, seja por parte de Anísio Teixeira
ou de Florestan Fernandes. Em segundo lugar, essa citação privilegia a
afirmação do crescimento brasileiro, bem como os desajustes daqueles
que buscam se realizar nesses tempos novos, além de confessar o
acanhamento das instituições que buscam atender a esse crescimento.
Entretanto, a possibilidade de fugir das turbulências e dos descaminhos
provocados pela modernização estava na formação do professor, em cujas
mãos estava a possibilidade de desvendar a “essência de uma escola”. E
o professor é contemplado como anterior à implantação de instituições
escolares.
Embora o olhar anterior, expresso na última citação, tenha um foco
voltado para o nacional, se observe no mesmo discurso, suas preocupações
com a dimensão regional do Centro mineiro:
O Ensino Baseado em Pesquisas e Estudos
127
estudando o nosso meio, examinando as nossas necessidades, buscando
elaborar uma escola simples e eficiente, através de investigações de toda
sorte, num trabalho de ciência desinteressada, não deixaremos de atentar
para as exigências imediatas, e, assim, achamos que estamos
interpretando habilmente o adjetivo regional que qualifica o nosso
Centro. Por ser regional, o Centro de Minas diferenciar-se-á
necessariamente do Centro da Bahia ou de São Paulo, colorindo-se
propositadamente das cores dos gênios do lugar, Genii loci. Ao Centro
Nacional, que trabalha sob a notável inspeção de Anísio Teixeira, é que
competirá naturalmente a consideração do conjunto (DISCURSO DO
PROF. MÁRIO CASASANTA, p. 29, 1958).
Esta seção – “Projeto e Delimitações do CBPE e dos CRPE” – permite
visualizar que o atestado de nascimento do CBPE é inseparável dos CRPE.
As concepções projetivas de Anísio Teixeira em seu discurso de posse
na direção do Inep em 1952 são uma referência para as direções que
tomarão os centros brasileiro e regionais de pesquisa educacional. Seu
discurso se erige como um diapasão a estabelecer a tonalidade da
reconstrução educacional brasileira nos anos em que esteve à frente do
Inep e do CBPE. Seu foco era a formação do professor.
Para isso, a pesquisa se constituía como um instrumento a subsidiar a
construção de uma política educacional para o país e o CRPE mineiro trilha por
essas sendas. Evoca o trabalho renovador em Minas na década de 1920 e o
envolvimento de Mário Casasanta nesse período em que assessora Francisco
Campos. É o mesmo Casasanta a ocupar a direção do CRPE/MG em 1957 e 1958.
A renovação pedagógica abria as portas à formação continuada do professor,
agora sob as diretivas do Centro Regional de Pesquisa Educacional. O
regionalismo do CRPE/MG é buscado em seus propósitos diretores, mas a
regência das orquestras regionais cabe a Anísio Teixeira. As particularidades
regionais não podem perder de vista a dimensão nacional.
Realizações do CRPE/MG
a) As publicações como estratégias de comunicação pública
Entre as atividades que exprimiam o CRPE/MG e o fazia propagar-se,
estavam duas publicações homônimas, através das quais seus dirigentes se
expressavam, seja para divulgar acontecimentos e ações relevantes, o que
demonstrava o cuidado com a formulação de estratégias de contato coesas e
eficientes, de um lado, com os poderes públicos e, do outro, com os
professores e dirigentes dos estabelecimentos de ensino da época.
128
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
Uma das publicações de caráter periódico é o Boletim do CRPE/MG, cujo
primeiro número é de abril de 1958. Trata-se de uma revista com um número
médio de 20 páginas – à qual se teve acesso, em vista dessa investigação,
apesar da não completitude, até os números 45-46, referentes aos dois últimos
meses de 1963. Seu conteúdo se expressa através da divulgação de notícias
referentes às atividades desenvolvidas pelo próprio centro, a saber: distribuição
de livros, cursos e atividades promovidas em vista da formação de professores,
pesquisas em andamento, homenagens e obituários, acordos e convênios
estabelecidos, correspondências relevantes, participação de membros em
eventos, dentre outros. Além disso, este Boletim fazia também circular noticias
de eventos e seminários, bem como de publicações do CBPE. Sua circulação
era ampla, posto que garantida pelo intenso e duradouro processo de distribuição
de livros pelo CRPE/MG.
Posteriormente, a mesma publicação é assumida pelo Boletim do Centro
Regional de Pesquisas Educacionais João Pinheiro, o que aconteceu em vista de
esse centro substituir o CRPE/MG, pela Portaria n. 51, de 15 de fevereiro de
1966, do Ministério da Educação e Cultura. Esse veículo de divulgação sofreu,
apesar da continuidade de função e até de pauta, mudanças de conteúdo, com
ênfase na divulgação de notícias sobre as ações do governo, de seus projetos,
além de enfocar mais explicitamente, o binômio educação e desenvolvimento.
A outra publicação, de natureza diversa, denominada também por Boletim do
Centro Regional de Pesquisas Educacionais de Minas Gerais, se destinava à divulgação
das “primeiras realizações do centro na área das pesquisas educacionais” (RENAULT,
p. 3, 1960), somando seis volumes publicados entre 1958 e 1965 (cf. www.ct.ibict.br).
Na verdade, essa publicação se revela como uma coletânea, cujo conteúdo traduz
pesquisas empreendidas no interior do CRPE/MG, alcançando um formato de livro,
e chegando um dos números, a ultrapassar trezentas páginas. Sua estrutura
contempla sempre uma introdução, com o duplo intuito: dar notícia sobre as
atividades do CRPE/MG e apresentar os artigos que compõem o volume em tela. O
conjunto de tais artigos sempre traz resultados de pesquisas, bem como pode
trazer também, textos de autores estrangeiros traduzidos.
b) Acordos, convênios e intercâmbios
Como foi salientado anteriormente, os CRPE foram instituídos com um
intento descentralizador e é nesse sentido que se deve compreender as
iniciativas do CRPE/MG no tocante às articulações expressas através de acordos,
convênios e mesmo intercâmbios com diferentes instituições e órgãos,
buscando viabilizar as diretrizes estabelecidas. Tais articulações
operacionalizavam as referidas diretrizes por ocasião da institucionalização
do CBPE e dos CRPE em fins de 1955.
O Ensino Baseado em Pesquisas e Estudos
129
Dentre elas, cabe destacar o artigo de Abgar Renault, datado de 1959,
revelador de uma sintonia orquestrada com a orientação de Anísio Teixeira:
os Centros de Pesquisas Educacionais, criados em nosso país [...], têm por
mira dotar a administração da educação de instrumentos de precisão,
capazes de estudar minudenciosamente a nossa realidade e dela
oferecer, mediante a junção de elementos colhidos em todo o país, uma
figura de corpo inteiro, criar uma consciência pública de necessidades
essenciais e alterar o presente estado de coisas, medindo o sistema
educacional na qualidade das suas escolas e na sua eficácia. [...] Esse
conhecimento exato da realidade social e pedagógica é imprescindível a
qualquer obra de planejamento, que pretenda abranger um problema
por inteiro e alcançar o futuro CRPE/MG (RENAULT, p. 5, 1960).
Para tanto, o CRPE/MG procurou, desde sua criação, vincular-se aos
órgãos públicos de educação, em nível estadual e municipal, bem como
às instituições a eles vinculadas. Exemplo disso é o acordo estabelecido
com Instituto Superior de Educação Rural - Iser2, que desde 1958, integrava
o CRPE/MG, com a realização de programa intenso de cursos e atividades,
muitas delas em colaboração direta com o Centro.
Abgar Renault representou o CRPE/MG em duas conferências
internacionais da Unesco realizadas no Chile em 1962, durante a qual
obteve aprovação por aclamação para a proposta de criação de quarenta
Centros de Formação de Professores Primários no Brasil, empreendimento
que se inseria entre outros contatos e ações do CRPE/MG com a Unesco (O
CENTRO REGIONAL DE PESQUISAS EDUCACIONAIS DE MINAS GERAIS, 1962).
Nesse sentido, a proposta propugnava pela formação dos professores
primários em tempo integral, em centros com 300 a 400 alunos e a formação
de 120 a 160 mil professores em 10 anos (XII CONFERÊNCIA GERAL DA
UNESCO, 1962).
Nesse mesmo ano, com o objetivo de realizar “[...] um amplo programa
na área do Ensino Elementar, bem como na do Ensino de Grau Médio,
especialmente a preparação de professores primários e secundários em
regime de internato, [com a execução] de largo programa de pesquisas que
abrangerá as duas áreas citadas” (ENTENDIMENTO ENTRE A UNIVERSIDADE
DE MINAS GERAIS E O INEP POR INTERMÉDIO DO CRPE/MG, p. 4, 1962).
2
Instituto criado na gestão de Abgar Renault na Secretaria Estadual de Educação e Saúde Pública de Minas
Gerais, do Governo Milton Campos (1947-50).
130
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
No Boletim do CRPE/MG, referente aos meses de setembro e outubro de
1963, há uma notícia que demonstra intercâmbio que esse centro encetava
em relação ao governo cubano, o qual solicitava informações sobre a estrutura
e a dinâmica das ações empreendidas pelo mesmo. O intercâmbio com Cuba
foi reiterado com a publicação noticiosa nos números referentes aos meses
de novembro e dezembro de 1963 do Boletim do CRPE/MG, sobre o Centro de
Documentación Pedagogica de Havana.
c) A pesquisa educacional e a sua divulgação a serviço da
reconstrução nacional
O esforço empreendido pelo Inep/MEC para a criação do CBPE e dos
cinco CRPE em meados da década de 1950, segundo Libânia Xavier,
[...] expressou a preocupação com o registro e a sistematização de dados
levantados nos grandes inquéritos e diagnósticos, ao lado do estímulo ao
desenvolvimento de pesquisas sociais e educacionais. Criavam-se assim, os
meios materiais para a fundação de um nicho de estudos sobre a educação,
com a organizaçao de vasto acervo bibliográfico e documental. Além disso,
a preocupação em levar ao magistério as inovações pedagógicas, assim
como os resultados de pesquisas e estudos recentes sobre temas pertinentes
ao ensino, orientou boa parte das atividades do centro. Essa estrutura se
reproduziu no Centros Regionais [...], criando condições para a regionalização
da pesquisa (XAVIER, 1999, p. 7, grifos nossos).
De fato, a estrutura dos centros regionais era modelada pelo CBPE, mas
a vontade de influenciar, por meio das pesquisas desenvolvidas pelo CRPE/
MG as ações do Estado em Minas Gerais, era marcante em toda a
documentação consultada nessa investigação. Abgar Renault, em 1960,
manifestava que:
[...] uma das evidências do nosso atraso em matéria de educação são a
incompreensão e a desconfiança com que pessoas cuja área de trabalho
tem sido, anos a fio, a educação, seja na cátedra, seja na administração,
encaram as pesquisas educacionais e se recusam a apreender a necessidade
elementar de conhecermos com segurança a nossa realidade social e os
fatos que nela se desenrolam, entre os quais o fato educacional, para o
efeito de podermos tentar soluções adequadas aos problemas de nossa
penosa realidade. [...] Os Centros de Pesquisas Educacionais, criados em
O Ensino Baseado em Pesquisas e Estudos
131
nosso país. [...], têm por mira dotar a administração da educação de
instrumentos de precisão, capazes de estudar minudenciosamente a
nossa realidade e dela oferecer, mediante a junção de elementos
colhidos em todo o país, uma figura de corpo inteiro, criar uma
consciências pública de necessidades essenciais e alterar o presente
estado de coisas, medindo o sistema educacional na qualidade das
suas escolas e na sua eficácia. [...] Esse conhecimento exato da realidade
social e pedagógica é imprescindível a qualquer obra de planejamento,
que pretenda abranger um problema por inteiro e alcançar o futuro
(RENAULT, p. 3-5, 1960, grifos nossos).
Nesse sentido, Abgar Renault assinalava que a administração pública
em relação a educação, era “dominada, em geral, pela adivinhação,
pela observação empírica, pelo regime do mais ou menos” (RENAULT, p.
4, 1960). Ana Maria Casasanta assinalou que a “educação foi para Abgar
Renault um problema técnico e como tal, deveria ser considerado segundo
parâmetros científico, o que segundo a autora, traduzia a preocupação
de Abgar Renault com a qualidade do ensino e com a colocação da
escola acima dos interesses políticos partidários, a salvo do clientelismo”
(CASASANTA, 2002, p. 33).
No entanto, para alcançar os objetivos, a pesquisa educacional
empreendida pelo CRPE/MG idealizava iniciar-se pela seleção do pessoal
pesquisador e sua preparação inicial, por meio do treinamento em serviço
(INTRODUÇÃO, p. 7, 1962). Em entrevista concedida ao periódico O Diário,
de 23 de agosto de 1956, o Professor Mário Casasanta, “depois de
mencionar as investigações pedagógicas a que se entregou o grupo de
educadores da antiga Escola de Aperfeiçoamento, declarou: – Algumas
dessas pesquisas foram destruídas pelo incêndio verificado no Instituto
de Educação em 1954 e devem ser renovadas” (O CENTRO REGIONAL DE
PESQUISAS EDUCACIONAIS DE MINAS GERAIS, p. 6, 1958).
Na análise dos documentos levantados nessa primeira abordagem a
respeito do CRPE/MG, foi possível levantar as seguintes pesquisas
empreendidas entre 1958 e 1963 3:
3
Nesse arrolamento foram incluídas informações sobre o ano de 1963, dado que as pesquisas estavam
projetadas anteriormente.
132
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
Quadro 1 – Pesquisas em andamento ou realizadas pelo CRPE/MG
entre 1958 e 1962.
Fonte: Boletim do CRPE/MG de 1958 a 1963, compreendendo-se aqui ambas as publicações
mencionadas anteriormente.
Depreende-se do elenco de pesquisas empreendidas aqui arrolado, ainda
que outras possam ter se realizado, que o espírito do empreendimento
mantinha a linha geral de ação do CRPE/MG, posto que as pesquisas
educacionais em desenvolvimento evidenciavam a finalidade de dar
racionalidade às ações do Estado. Nesse sentido, afigura-se importante dar
visibilidade aos resultados de pesquisa publicados pelo CRPE/MG.
O Ensino Baseado em Pesquisas e Estudos
133
Quadro 2 – Artigos Veiculados pelo Boletim do CRPE/MG
entre 1960 e 19654
continuação ⇒
4
Infelizmente, não foi possível ter acesso ao primeiro volume do Boletim do CRPE/MG.
134
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
Quadro 2 – Artigos Veiculados pelo Boletim do CRPE/MG
entre 1960 e 1965
continuação
Fonte: Boletim do CRPE/MG, n°. 2 a 6, publicados entre 1960 e 1965.
Dentre esses quarenta artigos, apenas o dedicado à memória do Professor
Mário Casasanta, obviamente, não está diretamente relacionado ao ideário
que norteava a publicação desse Boletim do CRPE, qual seja, o de divulgar
para o público interessado, leia-se autoridades do ensino, administradores,
supervisores e professores, os resultados das pesquisas com vista à melhoria
do ensino. Além disso, o próprio CRPE/MG fez publicar e circular os livros
“Como Brincam as Crianças Mineiras, de Maria Amorim Ferrara; O Ensino em
Minas Gerais no Tempo do Império (I Parte: Ensino Primário e Normal) e O
Ensino em Minas Gerais no Tempo da República”, ambos de Paulo Krüger
Corrêa Mourão (INTRODUÇÃO, p. 7, 1962 e CENTRO REGIONAL DE PESQUISAS
EDUCACIONAIS DE MINAS GERAIS, p.133, 1962).
O Ensino Baseado em Pesquisas e Estudos
135
d) A Formação Técnico-pedagógica dos Educadores Mineiros
Entre as funções precípuas do CRPE/MG, estava a de oferecer cursos
destinados à formação aos administradores, supervisores e professores
sobretudo do nível primário de escolarização. Nesse sentido, foram oferecidos
cursos diversificados, envolvendo, ora cursistas provenientes apenas de Minas
Gerais, ora de todo país. Ora cursos realizados em Minas Gerais, ora em São
Paulo ou no Rio de Janeiro e etc. Outrossim, completava-se, com esses cursos,
a estratégia de proposição e construção de uma escola nova, ativa e racional,
no país e em Minas Gerais, com a conjunção da pesquisa educacional e de
sua divulgação pelo texto impresso e pelos cursos.
De início, entre 1957 e 1958, teve lugar um curso para supervisores de
todo o estado e outro, de igual âmbito, destinado aos professores secundários
de Português e de Matemática de estabelecimentos oficiais. Além disso, houve
a colaboração do CRPE/MG com o PABAEE através de um curso que visava ao
aperfeiçoamento pedagógico das professoras primárias de Belo Horizonte.
Uma outra atividade chama a atenção pela aproximação com a formação
do professor de instituição confessional. Obedeclendo ao programa cuja
organização contou com a colaboração dos próprios cursistas, houve o Curso
de Aperfeiçoamento para Religiosas Educadoras da Capital e do Interior, curso
esse que se constituiu em uma oportunidade para a troca de idéias entre os
professores leigos e os religiosos, mas também entre esses dois grupos e os
professores norte-americanos, sendo que trinta religiosas educadoras tomaram
parte nas atividades do referido curso.
Ainda em 1958, há notícia do desenvolvimento no Iser, em parceria com
o CRPE/MG, do Terceiro Estágio Latino-americano de Meios de Comunicação
Áudivisuais, realizado na Fazenda do Rosário, em Belo Horizonte, MG. Essa
parceria resultaria em muitos cursos, os quais visavam atingir as professoras
primárias, orientadoras técnicas, diretoras de grupos escolares, professores
de grau médio, das escolas normais, ginásios e colégios e que abordavam as
seguintes temáticas, entre as principais: Metodologia e Prática do Ensino,
Orientação e Supervisão, Administração Escolar; e , em parceria com o IBECC,
de São Paulo, os cursos de Português, Francês, Inglês, Matemática e Ciências
Físicas e Naturais. Muitos outros cursos se sucederam com exclusiva promoção
ou em parceria com o CRPE/MG, relativamente à formação de professores.
e) A Distribuição de Livros pelo CRPE/MG
Trata-se de uma constante atividade exercida pelo CRPE/MG, a partir de
fundos do Inep/MEC, e em colaboração direta sobretudo com CBPE e o Pabaee.
Por meio dessa ação se montou bibliotecas destinadas aos educadores em
136
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
todo o Estado de Minas Gerais, uma vez que milhares de livros foram
distribuídos. Quanto às temáticas dos textos distribuídos, se pode afirmar
que eram bastante diversificadas, porém marcadas pela disseminação de
concepções pedagógicas afinadas com o ideário da tríade Inep/CBPE/CRPE,
através da qual, se conjugavam pedagogia ativa e racionalização da ação do
Estado via pesquisa sócio educacional. Além disso, a logística utilizada para
a distribuição de livros dava sustentação à divulgação dos boletins e das
publicações desses mesmos órgãos.
O volume de livros distribuídos era enorme, aproximadamente 15.000
mil volumes ao ano, pelo menos de 1957 a 1970, e atingia estabelecimentos
de ensino e órgãos de educação, especialmente do setor público, com
preferência para aqueles que à época, eram dedicados à formação de
professores primários.
A título de exemplo, em 1961, o Boletim do CRPE/MG, referente aos
meses de março a junho, noticia a distribuição de 1.390 exemplares apenas
no mês de abril, destinados aos seguintes lugares: bibliotecas de
estabelecimentos de Ensino Superior, de centros acadêmicos, de escolas
normais oficiais, de colégios estaduais, de ginásios estaduais, de escolas
normais reconhecidas, de ginásios reconhecidos, de escolas técnicas de
comércio, de secretarias de estado, de prefeituras municipais, de seminários,
de associações culturais, de grupos escolares, de escolas reunidas, do instituto
de educação, de agrupamentos de inspetorias regionais, de inspetorias
regionais do ensino, de faculdades da universidade de Minas Gerais.
Concluindo
Retomando os primeiros parágrafos deste, é compreensível que o
delineamento desse estudo seja titulado pelo ensino baseado em estudos e
pesquisas, expresso pelo Código do Ensino Primário de Minas Gerais de 1962.
O ideário republicano veio se instituindo: primeiramente pelo “Pedagogium”,
em fins do século XIX, em seguida, pelo Inep na segunda metade da década
de 1930, redimensionado e fortalecido pela criação do CBPE e dos CRPE nos
anos 50. O ideário em torno desses expressava como objetivos a pesquisa
das condições culturais e escolares, levando-se em conta o desenvolvimento
de cada região, tendo em vista a elaboração gradual de uma política
educacional para o país. Tal preocupação se explicitava em torno da formação
do professor dos Cursos Primário e Normal.
Avaliar a cultura construída e constituída em torno do cientificismo da
dimensão teórica e prática vinculada à educação escolar, promovida pelas
ações do CBPE e dos CRPE, é um desafio, posto que o exercício de tal
cientificismo é relativamente anterior, inclusive ao movimento “escolanovista”.
O Ensino Baseado em Pesquisas e Estudos
137
No Brasil, a reconstrução nacional através da educação escolar já havia
recebido nítidos impulsos desde a emergência do movimento da Escola
Nova na década de 1920. Dessa forma, para além do que aqui se investigou,
fica o desafio de compreender a cultura científica sob as hostes do CBPE
dos CRPE.
Por outro aspecto, se a Psicologia Educacional já reinara em décadas
anteriores, os anos 50 do século XX revelam um traço característico de
um movimento que impele a “sociologizar” a pedagogia brasileira. E em
que pese as oscilações em torno de tal “sociologização”, conferindo à
escola maior ou menor papel, concebendo-a, em seus extremos, como
alavanca ou como atada e a reboque da dinâmica econômica, a marca
dos anos 1950, sob o impulso dos centros nacional e regionais de pesquisa,
pretendeu reunir a pedagogia à sociologia, a cultura brasileira à escola,
em nível teórico e prático.
Tratava-se, como se observou no decorrer desse estudo, de uma
intervenção estatal que visava a reconstrução nacional, situando a escola
como capaz de potencializar tal reconstrução. Tal concepção deixa se revelar
atenta ao binômio educação escolar e sociedade, promovendo assim, uma
mudança de concepção entre aqueles que se situam no âmbito da educação
escolar, no sentido de estar atentos à dinâmica da sociedade.
Nesse sentido, é necessário confessar a fertilidade que os centros
nacional e regionais de pesquisa educacional, instituídos na década de
1950, trazem não só para a investigação histórico-educacional, mas
também para a compreensão dos rumos que a teoria e a prática
pedagógicas tomaram em décadas posteriores e nas contemporâneas.
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140
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
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em: 7 de janeiro de 2004.
O Ensino Baseado em Pesquisas e Estudos
141
142
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
ESCOLAS-PARQUE: LEGADO DO EDUCADOR ANÍSIO TEIXEIRA,
PATRIMÔNIO DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA
Alice Fátima Martins1
É notória a alegria com que, em geral, alunos da rede pública de Brasília
vão, uma vez por semana, a uma das ‘escolas-parque’, participar das oficinas
das diversas linguagens artísticas, de jogos, recreação e modalidades
desportivas, podendo freqüentar, também, a biblioteca e participar de tantas
outras atividades indubitavelmente enriquecedoras para sua formação. O
encantamento com que ex-alunos relatam suas experiências nas ‘escolasparque’ é tocante, particularmente aqueles que, no início dos anos 60,
freqüentavam diariamente a primeira ‘escola-parque’ de Brasília, localizada
na EQS 307/308.
Contudo, também é digno de nota o fato de que, desde a inauguração
da capital, poucas foram as ‘escolas-parque’ construídas. Cinco no total. E
essas têm capacidade para atender apenas aos alunos de parte das ‘escolasclasse’ localizadas no Plano Piloto. Todo o universo dos alunos matriculados
nas outras unidades de ensino da rede pública de Brasília não tem acesso a
esse espaço privilegiado de construção de aprendizagens significativas,
embora seu projeto original fosse orientado pelo princípio de educação de
qualidade para todos. Ressalta-se, ainda, o desconhecimento, por parte da
comunidade escolar e da sociedade, no sentido mais abrangente, da
importância histórica dessa experiência, fruto do ideário educacional
revolucionário do emérito educador, o mestre Anísio Teixeira.
A Associação de Arte Educadores do Distrito Federal (ASAE/DF), em
2002, deu início a uma série de atividades com vistas a discutir a necessidade
de preservação das ‘escolas-parque’ na rede pública de ensino do Distrito
Federal, considerando a importância histórica e cultural desse projeto
pedagógico não apenas para Brasília, mas no contexto da Educação Brasileira,
em razão das constantes mudanças nas políticas públicas e nos
direcionamentos da gestão da educação que, a cada passo, consideram
possibilidades de (re)destinação dos espaços das ‘escolas-parque’ para o
desenvolvimento de projetos de outras naturezas.
1
Doutora em Sociologia (UnB), mestre em educação (UnB), arte educadora. E-mail: [email protected]
Escolas-parque: Legado do Educador Anísio Teixeira, Patrimônio da Educação Brasileira
143
O Fórum Escolas-Parque: Patrimônio da Educação Brasileira, realizado em
agosto de 2003, em Brasília, no Teatro da ‘Escola-Parque’ da EQS 307/308, contou,
dentre outros, com o apoio e a participação efetiva da Professora Babi Teixeira2,
filha e defensora da obra do Professor Anísio Teixeira, bem como com a presença
valiosa de um grupo de professores da Escola-Parque de Salvador. Dentre os
desdobramentos resultantes do evento, foram iniciados os procedimentos para o
registro do projeto das ‘escolas-parque’ como patrimônio cultural, junto ao Instituto
de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Minc/Iphan), conforme o que
recomenda a legislação, no que tange à preservação do patrimônio histórico e
cultural brasileiro, por meio dos organismos públicos competentes.
Tal solicitação refere-se tanto às ‘escolas-parque’ de Brasília, quanto à
Escola-Parque de Salvador, a primeira a ser criada, cuja experiência forneceu
as bases referenciais para a proposição do projeto implantado na nova capital.
Isso posto, faz-se necessária à explicitação conceitual dos critérios que traçam
o perfil do que seja considerado, atualmente, patrimônio histórico e cultural,
bem como a devida qualificação, nesses termos, tanto do projeto pedagógico
das ‘escolas-parque’ quanto dos planos arquitetônicos e urbanísticos do
complexo educacional no qual elas estão inseridas.
Conceito de patrimônio cultural imaterial
Os bens culturais de valor histórico e artístico se tornaram objeto de atenção
das políticas públicas no Brasil, no século XX, inicialmente, por meio do Serviço
do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Sphan)3 que, posteriormente, passou
a constituir o atual Iphan. Até recentemente, o único instrumento legal disponível
para a preservação desses bens era o tombamento. Contudo, desde cedo, as
características de diversidade, complexidade e abrangência do patrimônio cultural
brasileiro forçaram técnicos e governantes a reconhecer que as políticas de
preservação deveriam ocupar-se, também, daqueles bens que, sendo relevantes
no contexto da cultura brasileira, não constituem monumentos e ou obras de
arte, e, por sua natureza, não teriam lugar na relação numérica do livro de
tombo. Somente nos anos 70 é que os critérios de definição dos bens a serem
preservados passaram a ser objeto de reavaliação, a partir das evidências de
que, do patrimônio cultural brasileiro, também fazem parte significativa, as
manifestações culturais das mais diversas naturezas “fundantes” da identidade
do povo brasileiro, em seus quantos estamentos.
2
A Professora Babi Teixeira é Presidente da Fundação Anísio Teixeira/FAT.
O Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Sphan foi fundado em 1937, por iniciativa do
Ministro da Educação e Cultura, Gustavo Capanema, assessorado por Carlos Drummond de Andrade. Seu
primeiro presidente foi Rodrigo Mello Franco de Andrade.
3
144
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
Do ponto de vista das políticas públicas de preservação, de todo esse
processo de discussão ainda em curso, conquista relevante foi a
institucionalização do registro do patrimônio imaterial, cujo objetivo é a
valorização das manifestações vivas da cultura brasileira, por meio do seu
registro em um dos quatro livros assim denominados: “Livro dos Saberes –
para o registro de conhecimentos e modos de fazer enraizados no cotidiano
das comunidades; Livro das Celebrações – para as festas, rituais e folguedos
que marcam a vivência coletiva do trabalho, da religiosidade, do
entretenimento e outras práticas da vida social; Livro das Formas de Expressão
– para a inscrição de manifestações literárias, musicais, plásticas, cênicas
e lúdicas; e, o Livro dos Lugares – destinado à inscrição de espaços como
mercados, feiras, praças e santuários onde se concentram e reproduzem
práticas culturais coletivas” (Iphan, 2000).
Nesse sentido, não apenas o conjunto de construções escolares, no
qual estão inseridas as ‘escolas-parque’, constituem patrimônio irrefutável
da cultura brasileira, como seu projeto pedagógico, enquanto referência
constituinte de espaços diferenciados na formação educacional para a
cidadania, o que tem resultado na participação efetiva na formação de
identidade cultural junto às comunidades onde se encontrem inseridas.
O projeto das ‘Escolas-Parque’ no contexto da educação brasileira
A solicitação de reconhecimento do projeto das ‘escolas-parque’ como
patrimônio cultural, deve ser fundamentada na relevância de seu referencial histórico
e de sua inserção efetiva na cultura brasileira. Em seu discurso, na abertura do
“Fórum Escolas Parque: Patrimônio da Educação Brasileira”, Babi Teixeira afirmava:
[...] se tivéssemos de eleger uma obra emblemática da rica trajetória do
educador Anísio Teixeira, talvez devêssemos escolher a sua “pequenina
universidade infantil”, forma carinhosa por ele usada para referir-se ao
Centro Educacional Carneiro Ribeiro (CECR), mas conhecido como EscolaParque da Bahia (BARROS, 2002).
Efetivamente, as escolas-parque são parte do precioso legado deixado
pelo professor Anísio Teixeira, mestre de todos nós. Nascido em Caetité, alto
sertão da Bahia, na aurora do século XX, teve brilhante formação educacional
inicial, com bases jesuíticas, que se estendeu para além das fronteiras
brasileiras. Promoveu e participou de projetos e reformas educacionais, as
mais importantes do nosso país, formulando, ainda, o ideário de instituições
educacionais de relevância indiscutível, que mantém sua atualidade ainda
hoje, adentrando o século XXI.
Escolas-parque: Legado do Educador Anísio Teixeira, Patrimônio da Educação Brasileira
145
Ao analisar a experiência da educação brasileira, particularmente da
escola primária, o professor Anísio Teixeira ressalta que “mesmo que
acalentasse a aspiração de ser uma educação para todos, não logrou atingir
senão uma parcela maior ou menor das crianças em idade escolar” (TEIXEIRA,
1962, p. 21 e 22), mantendo sua condição de escola para poucos, freqüentada
pela classe média. Essa escola restrita, com padrões bastante razoáveis na
qualidade do ensino que promovia, se manteve assim até as décadas 20 e
30 do século XX, quando foram deflagradas reformas educacionais que
buscavam democratizar a Educação Primária, buscando sua universalização,
com o propósito de alfabetizar o povo brasileiro.
Uma das estratégias adotadas foi à redução da duração do Curso Primário,
que passou a constituir uma escola popular de alfabetização, sem articulação
com as escolas vocacionais, tampouco com as escolas acadêmicas. Assim,
manifestava-se Anísio Teixeira:
[...] a Escola Primária, reduzida na sua duração e no seu programa, e isolada
das demais escolas do segundo nível, entrou em um processo de simplificação
e de expansão de qualquer modo. Como já não era a escola da classe média,
mas verdadeiramente do povo, que passou a buscá-la em uma verdadeira
explosão da matrícula, logo se fez de dois turnos, com matrículas
independentes pela manhã e pela tarde e, nas cidades maiores, chegou aos
três turnos e até, em alguns casos, a quatro (TEIXEIRA, 1962, p.22).
Dentre as distorções que decorreram desse processo, podem ser citadas,
de um lado, a perda, por parte da Escola Primária, de sua identidade e
função, de outro, o crescimento dos índices de reprovação e evasão da
população que supostamente, tenha passado a fazer parte da população
escolar. O educador Anísio Teixeira argumenta que o processo de
democratização da escola primária não deveria prescindir de um currículo
em que fossem preservados os anos letivos praticados até então, do dia
letivo extenso, preferencialmente desdobrado nos dois turnos, do programa
enriquecido com atividades educativas, além das atividades intelectuais, e
da formação de qualidade dos professores, para que pudessem assumir
funções mais amplas na escola, e mais, ante as demandas sociais e
tecnológicas impostas pelo século XX, a instrução já não poderia prevalecer
na educação escolar. Ao contrário, era preciso trabalhar em função de um
novo currículo, um novo programa e um novo professor, de modo a oferecer
às crianças aprendizagens que envolvessem atividades de estudo, de
trabalho, de vida social e de recreação e jogos, voltadas para as múltiplas
dimensões da vida.
146
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
Esse pensamento orientou a concepção do projeto do Centro Popular de
Educação, designado como Centro Educacional Carneiro Ribeiro, que abrigou
a primeira ‘escola-parque’ construída. O educador Anísio Teixeira é veemente
na defesa desse ideário, no discurso de inauguração do complexo escolar:
[...] é contra essa tendência à simplificação destrutiva que se levanta este
Centro Popular de Educação. Desejamos dar, de novo, à Escola Primária, o
seu dia letivo completo. Desejamos dar-lhe os seus cinco anos de curso. E
desejamos dar-lhe seu programa completo de leitura, aritmética e escrita, e
mais ciências físicas e sociais, e mais artes industriais, desenho, música,
dança e educação física. Além disso, desejamos que a escola eduque, forme
hábitos, forme atitudes, cultive aspirações, prepare, realmente, a criança
para a sua civilização – esta civilização tão difícil por ser uma civilização
técnica e industrial e ainda mais difícil e complexa por estar em mutação
permanente. E, além disso, desejamos que a escola dê saúde e alimento à
criança, visto não ser possível educá-la no grau de desnutrição e abandono
em que vive (TEIXEIRA, 1959, p. 79).
O projeto do centro previa um conjunto de unidades escolares, que envolvia
quatro ‘escolas-classe’ e uma ‘escola-parque’, com capacidade para atender
um total de quatro mil alunos, em dias escolares divididos em dois períodos.
Diariamente, os cerca de quinhentos alunos de cada ‘escola-classe’
freqüentariam, em um turno, aulas convencionais, de instrução, na própria
‘escola-classe’ e no turno inverso, desenvolveriam atividades de trabalho, de
Educação Física, de artes e de socialização na ‘escola-parque’.
Em 1962, o educador Anísio Teixeira costumava comparar o complexo de
‘escolas-classe’ e ‘escola-parque’, com seus diversos pavilhões, construídos
e organizados de acordo com as atividades que ali seriam desenvolvidas, a
uma “universidade infantil”, por atender à diversidade de aspectos relevantes
para a formação dos alunos, que teriam acesso a um ensino preparatório de
qualidade para a continuidade dos estudos em nível médio e superior, ao
mesmo tempo em que poderiam desenvolver o senso de responsabilidade e
de ação prática nas atividades que envolveriam o trabalho, os jogos, a vida
social, o teatro, a música e a dança, dentre quantas outras possibilidades.
A questão da formação de professores fazia parte do universo de
preocupações de Anísio Teixeira que atribuiu também, a esses complexos, o
papel de centros de treinamento para o magistério. Dentre os quantos projetos
voltados para a docência, vale registrar que o grupo de professores lotados
na primeira ‘escola-parque’ de Brasília, antes de sua inauguração, foi preparado
para o desempenho de seus papéis na Escola-Parque de Salvador.
Escolas-parque: Legado do Educador Anísio Teixeira, Patrimônio da Educação Brasileira
147
Embora tenha sido inaugurado em 1950, somente em 1962, com o auxílio
do Instituto Nacional de Educação e Pesquisa – Inep4, é que foram concluídas
todas as projeções do Centro Carneiro Ribeiro, incluindo a biblioteca, o teatro
e o pavilhão de atividades sociais da ‘escola-parque’, além dos pavilhões de
atividades de trabalho, de Educação Física e de teatro ao ar livre, que já
estavam em funcionamento desde sua inauguração, juntamente com as
‘escolas-classe’. Contudo, ainda ao final dos anos 60, por volta de 1967, o
educador Anísio Teixeira se ressentia do fato de não ter sido construído um
pavilhão de residência nas instalações da ‘escola-parque’, previsto no projeto
original, destinado a oferecer abrigo a duzentas crianças órfãs ou abandonadas,
que necessitassem de educação em regime de internato.
As atividades educacionais desenvolvidas na ‘escola parque’ estavam
distribuídas, de acordo com sua natureza, nas diversas unidades da construção:
o pavilhão de trabalho, o setor recreativo e de educação física, o setor artístico
com suas atividades de teatro, música e dança, a biblioteca e o setor de
socialização, conforme registra a Professora Maria Terezinha de Melo Éboli,
no livro Uma Experiência de Educação Integral (1969).
No Pavilhão de Trabalho, destinado às artes aplicadas, artes industriais e
artes plásticas, os alunos trabalhavam com cartonagem, encadernação e
recuperação de livros, artefatos de couro, de metal, de madeira, modelagem,
cerâmica, cestaria, alfaiataria, corte e costura, bordados diversos, confecção
de bonecas e bichos, tapeçaria e tecelagem, dentre outras possibilidades. A
ênfase não estava no ensino de determinado trabalho ou técnica, mas na
oportunidade assegurada aos alunos de aprender a trabalhar.
O setor recreativo ou de Educação Física contava com campo gramado de
esporte, pavilhão de ginástica, campo de basquete, voleibol, banheiros com
ducha, além de salas e outros ambientes. As atividades recreativas e de
Educação Física tinham por objetivo a saúde dos alunos, a promoção de
atividades de lazer, a formação do caráter e a preparação pré-vocacional dos
maiores para o campo dos esportes.
O setor artístico, um dos últimos a ser inaugurado, oferecia à comunidade,
instalações modernas destinados ao teatro, à música e à dança. Entre as
instalações, o teatro contava com cerca de cinco mil lugares e com um palco
semicircular giratório de grandes proporções. As aulas de teatro envolviam a
pesquisa e o preparo de peças, a elaboração e execução de projeto cenográfico
4
O Inep, denominado inicialmente de Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos, foi criado em 1937, Lei
Federal n. 378. Em 1972 o Instituto passou a ser denominado Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais. Atualmente, tem a denominação de Instituto de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira, em reconhecimento à importância da obra desse educador no período em que ocupou a direção
desse órgão, entre os anos de 1952 e 1964.
148
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
e de figurinos, exercícios de dicção, improvisação, canto e dança. O ensino
de música estava voltado para a aprendizagem musical propriamente dita,
por meio da prática vocal e de instrumentos, da percepção rítmica, da audição
e do exercício de criação. Visava, também, à formação de público sensível às
músicas de diversos estilos e naturezas. As aulas de dança eram divididas
em dança moderna e danças folclóricas que compreendiam a capoeira, o
samba de roda, a escola de passos de samba, dentre outras, da cultura
popular brasileira.
A Biblioteca estava voltada para a formação do hábito de leitura dos
alunos, e as atividades ali promovidas envolviam leitura, estudo livre ou dirigido,
pesquisa, hora do conto, jornal mural, exposições, teatro de sombras e
fantoches, dentre outras. Os relatos apontam para o fato de que o espaço
físico da biblioteca, ao longo do tempo, se tornou pequeno, ante o número
de alunos que buscavam suas dependências, fora das atividades destinadas
às turmas regulares.
No setor de socialização, os alunos desenvolviam atividades relacionadas
ao funcionamento de banco, jornal, rádio, grêmio estudantil e comércio em
geral, cujo objetivo era a formação social para o exercício efetivo da cidadania.
Além do atendimento à Educação Fundamental na Bahia, a Escola-Parque
representou um espaço privilegiado para o desenvolvimento de atividades
culturais por parte da comunidade do entorno. O que significa dizer que ela
abrigou o desenvolvimento de projetos de dança, teatro, dentre outros, em
horários alternativos aos destinados ao atendimento dos alunos regularmente
matriculados. Nesse sentido, além de educação formal, a Escola-Parque abrigava
e estimulava as atividades culturais locais e de outros bairros e subúrbios
mais distantes.
Quando da construção de Brasília, além do projeto da Universidade de
Brasília, o educador Anísio Teixeira assumiu a regência da concepção do
projeto da rede pública de ensino que atenderia às crianças e aos jovens que
se instalariam, com suas famílias, na terra vermelha do Planalto Central. O
ideário dos centros de educação, que incluíam as ‘escolas-parque’, foi por
ele trazido para o Distrito Federal.
É importante ressaltar que se tratava de formular um projeto arrojado de
educação a ser implantado na nova capital, cuja construção foi algo inédito
na história brasileira. Tendo sido o resultado de uma política de industrialização
e interiorização agressivas, seu traçado representou um momento de criação
no âmbito do urbanismo e da arquitetura, que teve relevância não apenas
para o Brasil, mas também no panorama internacional.
O educador Anísio Teixeira compreendia a importância desse momento
histórico para a implantação de um projeto de educação para todos e
organizado nesses termos, que pudesse ter o caráter de projeto piloto para,
Escolas-parque: Legado do Educador Anísio Teixeira, Patrimônio da Educação Brasileira
149
posteriormente, ser estendido, multiplicado em todo o país. Argumentava
que tal empreitada dependia da compreensão de que a justiça social somente
seria efetiva num regime livre, com igualdade de oportunidades educativas.
Para tanto, a principal ferramenta seria uma escola múltipla, um complexo
escolar, que oferecesse aos seus alunos, oriundos de todas as camadas
sociais, uma educação de qualidade que os colocasse em igualdade de
condições ante as perspectivas e caminhos da vida:
[...] só existirá uma democracia no Brasil, no dia em que se montar a
máquina que prepara as democracias. Essa máquina é a escola pública.
Mas, não a escola pública sem prédios, sem asseio, sem higiene e sem
mestres devidamente preparados, e, por conseguinte, sem eficiência e
sem resultados – e sim, a escola pública rica e eficiente, destinada a
preparar o brasileiro para vencer e servir com eficiência dentro do país
(TEIXEIRA, 1936, p. 10).
No entanto, ele próprio reconhecia as quantas dificuldades com que esse
projeto se defrontaria. E apontava, logo nos primeiros anos da capital recéminaugurada, o fato de que o crescimento da matrícula acima do previsto
começaria, já àquela época, a trazer riscos para o programa, forçando a
instauração de escolas em tempo parcial ou de três turnos (TEIXEIRA, 1962).
As “Escolas-Parque” em Brasília
Em 1957, o Presidente Juscelino Kubitscheck solicitou ao Inep, então sob
a direção do professor Anísio Teixeira, a elaboração do Plano de Sistema
Escolar Público de Brasília. Assim, com base na experiência do Centro
Educacional Carneiro Ribeiro, em Salvador, a Educação Primária foi organizada
para ser oferecida em Centros de Educação Elementar, que eram formados
por uma “rede” de escolas, interligadas entre si, organizadas, do ponto de
vista espacial, de acordo com o planejamento urbanístico da cidade.
No Plano Piloto, cada Centro de Educação Elementar abrangeria quatro
quadras residenciais, as superquadras, compreendendo uma “escola-classe”
e um jardim de infância para cada quadra residencial, e uma “escola-parque”
para cada conjunto de quatro quadras residenciais. Os jardins de infância
eram destinados à educação de crianças com idades de quatro a seis anos,
as “escolas-classe” deveriam promover a educação intelectual sistemática
de alunos entre sete e quatorze anos. As “escolas-parque” promoveriam o
desenvolvimento artístico, físico e recreativo dos alunos, bem como sua
iniciação ao trabalho, por meio de bibliotecas, museus, oficinas de artes
industriais, espaços para recreação, salas para atividades de música, teatro,
dança, artes plásticas, dentre outras (TEIXEIRA, 1961).
150
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
Conforme relata o Doutor Ernesto Silva, defensor incansável da educação
e da saúde em Brasília, desde a sua fundação, esse plano não se restringiria
ao Plano Piloto, mas deveria ser estendido a toda a área do Distrito Federal,
que compreendia também as cidades-satélites, observando os mesmos critérios
de democratização da educação de qualidade. Nas cidades satélites, para
cada grupo populacional de três mil habitantes, deveriam ser construídos um
jardim de infância e uma ‘escola-classe’, e para cada quatro ‘escolas-classe’,
seria construída uma ‘escola-parque’ (SILVA, 1985).
Esse registro é esclarecedor quanto ao fato de que, efetivamente, as
‘escolas-parque’ não foram concebidas de acordo com uma concepção elitista
de educação, que as teria restringido ao ambiente do Plano Piloto, onde a
classe média se instalou na nova capital. Ao contrário, sua presença estava
prevista em toda a rede pública de ensino, estendendo a qualidade do ensino
público oferecido à população.
Na verdade, no decurso dos anos que se seguiram à inauguração de
Brasília, ante as profundas mudanças políticas ocorridas, não só as ‘escolasparque’ não foram construídas, conforme o plano original, como também foi
esquecida a concepção filosófica dos centros de educação elementar enquanto
projeto educacional que, por seu caráter orgânico e sua complexidade,
articularia as várias dimensões da formação integral do aluno.
Por essa razão, a primeira ‘escola-parque’, a Escola-Parque da EQS 307/
308, inaugurada oficialmente em 20 de novembro de 1960, permaneceu
solitária durante quase duas décadas, período em que o crescimento
populacional do Distrito Federal superou todas as projeções, aumentando,
nas mesmas proporções, as demandas por vagas na Educação Básica. Embora
tenha sido a única em funcionamento durante decurso de tempo tão longo, é
importante ressaltar que, particularmente nos seus primeiros anos, ela não
só cumpriu papel fundamental na educação dos alunos pioneiros da capital,
como participou, de modo efetivo, na formação da identidade da cidade em
construção e de seus habitantes que, do ponto de vista histórico, social e
cultural, constituíam-se.
A esse respeito, o Doutor Ernesto Silva relata que, durante cerca de cinco
anos, o único auditório existente em Brasília era o da Escola-Parque, onde a
população podia assistir apresentações teatrais, concertos, projeções de filmes,
dentre outras programações culturais. De fato, ela se tornou um centro
catalisador de artistas, intelectuais e educadores, irradiador de atividades
culturais da maior importância.
O teatro fez parte da primeira etapa das construções da Escola-Parque,
juntamente com o pavilhão maior, que abrigava o refeitório, a parte
administrativa da escola, a biblioteca, as salas destinadas às aulas de dança,
teatro, música, dentre outras, bem como, um amplo espaço interno destinado
Escolas-parque: Legado do Educador Anísio Teixeira, Patrimônio da Educação Brasileira
151
às exposições e os espaços destinados às atividades de socialização. Numa
segunda etapa, imediatamente posterior, foram construídos o campo de
esportes, a piscina e o pavilhão de artes industriais. Essa estrutura física
permanece em funcionamento ainda hoje, naquela Escola-Parque. Nessas
instalações, eram desenvolvidas as atividades de artes plásticas, artes
industriais, educação musical e técnica instrumental, educação física, teatro
e cinema, além das atividades de leitura, na biblioteca.
Confirmamos a riqueza e a qualidade das aprendizagens propiciadas no
ambiente das “escolas-parque”, principalmente nos termos de seu projeto
original, quando funcionava no âmbito de uma educação integral e em tempo
integral, ao constatarmos o grande número de artistas, atletas, cineastas,
intelectuais, educadores, “arte-educadores” e pessoas de destaque na
sociedade em outros campos de atuação profissional, ex-alunos das ‘escolasparque’, que, em seus depoimentos, ressaltam a importância dessa experiência
em sua formação e múltipla estimulação.
As relações entre o projeto pedagógico e o projeto arquitetônico
Ao abordar as questões relativas ao projeto arquitetônico do Centro
Educacional Carneiro Ribeiro, em Salvador, o educador Anísio Teixeira observava:
[...] pode-se bem compreender que modificações não deverão ser introduzidas
na arquitetura escolar para atender a programa dessa natureza. Já não se
trata de escolas e salas de aula, mas de todo um conjunto de locais em que as
crianças se distribuem, entregues às atividades de “estudo”, de “trabalho”,
de “recreação”, de “reunião”, de “administração”, de “decisão” e de vida
e convívio no mais amplo sentido desse termo. A arquitetura escolar deve
assim combinar aspectos da “escola tradicional” com os da “oficina”, do
“clube” de esportes e de recreio, da “casa”, do “comércio”, do “restaurante”,
do “teatro”, compreendendo, talvez, o programa mais complexo e mais
diversificado de todas as arquiteturas especiais (TEIXEIRA, 1962, p. 30).
Nessa direção, desde a concepção e a construção do Centro Educacional
Carneiro Ribeiro, em Salvador, até a implantação dos centros de educação
elementar, em Brasília, ressalta-se o vínculo estreito entre os projetos
arquitetônico e pedagógico, num conceito de educação em que não se pensa
em “prédio da escola” nos termos tradicionais, mas em “complexo de escolas”,
que envolvem várias unidades, diferenciadas de acordo com suas especificidades
quanto ao segmento do ensino ou atividades a serem desenvolvidas, mas
interligadas de modo a assegurar o trânsito de alunos e profissionais entre
eles. A esse respeito, se estabelecia-se que a distância entre as ‘escolasclasse’ e a ‘escola-parque’ deveria estar entre um e dois quilômetros.
152
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
Para a concepção espacial do projeto pedagógico dos centros populares
de educação, dos quais o Centro Educacional Carneiro Ribeiro foi o primeiro (e,
em Salvador, infelizmente, o único), o educador e planejador Anísio Teixeira
contou com o talento do arquiteto baiano Diógenes Rebouças, com quem discutiu
todas as etapas, do programa à execução. Em Brasília o processo não foi
diferente, sobre o qual o Doutor Ernesto Silva se refere com grande alegria:
[...] quantas vezes fomos ao gabinete de Anísio Teixeira e de lá, ao de Lúcio
Costa! Quanta troca de idéias, quanto idealismo, quanto entusiasmo! Do
cérebro de Anísio e da pena de Lúcio, íamos localizando no mapa de Brasília
os jardins de infância, as escolas-classe, as escolas-parque, os centros de
educação média (SILVA, 1985, p. 228).
Decorre, portanto, que a ‘escola-parque’ não fez parte apenas do projeto
educacional da nova capital, mas da concepção urbanística propriamente dita.
No Plano Piloto, cada conjunto de quatro quadras residenciais é chamado de
unidade de vizinhança. Toda unidade de vizinhança, nos termos do projeto
original, deveria contar com clube, cinema, teatro, igreja, comércio, biblioteca,
ou seja, uma ampla rede de suporte local para o encaminhamento da vida
quotidiana de seus moradores. Nesse sentido, o projeto urbanístico da cidade
privilegiaria os laços comunitários e a qualidade de vida de seus habitantes.
A rede de escolas já referida, que inclui um jardim de infância e uma ‘escolaclasse’ para cada quadra e uma ‘escola-parque’ para cada conjunto de quatro
quadras, compõe esse perfil.
Nesse sentido é que, irrefutavelmente, as ‘escolas-parque’, em Brasília
e em Salvador, constituem um bem cultural a ser preservado, dado suas
dimensões histórica e cultural, além da relevância dos princípios arquitetônicos
e urbanísticos que orientam seu projeto.
Desvios de percurso
Em 1964, o educador Anísio Teixeira foi deposto da direção do Inep e
também da reitoria da Universidade de Brasília, cargo que ocupava desde o
ano anterior. Após o seu afastamento, os projetos nos quais estavam inseridas
as ‘escolas-parque’, tanto em Salvador como em Brasília, passaram a sofrer
modificações de diversas naturezas, além de deformações e perseguições.
Em Salvador, no início dos anos 70, as instalações físicas da escolaparque se encontravam em sérias condições de abandono e depredação.
Algumas iniciativas de restauração iniciadas nessa década, que se alongaram
pelas duas décadas subseqüentes, acabaram por promover alterações em
aspectos relevantes do projeto arquitetônico e por modificar painéis e outras
Escolas-parque: Legado do Educador Anísio Teixeira, Patrimônio da Educação Brasileira
153
obras de arte de valor artístico e histórico reconhecidos, os quais faziam
parte da ambientação das oficinas. À revelia do descaso e de tantos
equívocos, a escola resistiu bravamente durante longo período.
Depois de cinco anos totalmente desativado, o Centro Educacional
Carneiro Ribeiro foi (re)inaugurado em 28 de fevereiro de 2002, como
resultado da ação conjunta, por meio de convênio firmado entre a Secretaria
de Educação do Estado da Bahia e a Fundação Anísio Teixeira. A
revitalização da Escola-Parque faz parte do esforço para recuperar o caráter
inovador de sua proposta pedagógica, voltando a atender, em tempo
integral, os alunos das ‘escolas-classe’ a ela ligadas. Contudo, o conjunto
de atividades oferecido nesta nova etapa passou a ter o caráter facultativo,
não mais constituindo parte obrigatória do currículo de formação. Do mesmo
modo, foi redimensionada a natureza das oficinas oferecidas, em
atendimento às novas demandas impostas pelos novos tempos. Assim,
foram incluídos, em sua programação, cursos de idiomas e informática,
atividades de preparação para a vida e o trabalho, ações de saúde, produção
de materiais de comunicação, além das atividades esportivas e artísticas.
Em Brasília, ainda nos anos 60, ante o aumento da demanda escolar,
foi mudada a sistemática de atendimento da ‘escola-parque’. Os alunos
deixaram de participar de suas atividades diariamente, o que possibilitou
a expansão do atendimento da escola. Se, por um lado, tal mudança
respondeu ao aumento do número de alunos nas ‘escolas-classe’, por
outro, evidenciou o descaso das políticas públicas educacionais para com
a concepção filosófica original do projeto e de sua inserção no projeto da
própria cidade.
No início dos anos 70, em cumprimento ao propugnado pela Lei de
Diretrizes e Bases da Educação n. 5.692/71, foi atribuída à ‘escola-parque’
a oferta das disciplinas Educação Física, Educação Artística, Educação
Religiosa e Programas de Saúde, que passaram a fazer parte do núcleo de
estudos obrigatórios do Ensino Fundamental, além das Artes Industriais,
Técnicas Integradas do Lar e Técnicas de Serviço, disciplinas da parte
diversificada do currículo (GDF, s.d.). A programação das atividades deveria
ter em vista, a integração da área de Comunicação e Expressão às áreas
de Educação Artística, Educação Física, centro cívico, dentre outras.
Além disso, as atividades de teatro deveriam ganhar ênfase especial,
ante o interesse demonstrado pelos jovens, e as demais disciplinas do
currículo seriam organizadas na forma de clubes, oferecidos de acordo
com os interesses e motivações dos alunos. Estavam previstos, por exemplo,
os clubes de fotografia e cinema, de música, de línguas, do livro, de
cientistas e inventores, de esportes, de danças, entre outros.
154
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
Ressalte-se, ainda, que todos esses redimensionamentos se referiam
à única escola-parque construída até então e, portanto, a um universo bem
reduzido de alunos que a ela tinha acesso. Apenas em 21 de abril de 1977,
foram inauguradas duas novas ‘escolas-parque’, organizadas para funcionar
já dentro da nova sistemática: a Escola-Parque da EQN 303/304 e a Escolaparque da EQS 313/314. Em 1980 e em 1992, foram inauguradas,
respectivamente, as Escolas-Parque da EQN 210/211 e da EQS 210/211.
O documento “Orientação pedagógica: Escolas-Parque” registra ainda,
que atualmente, as ‘escolas-parque’ ampliaram sua clientela, extrapolando
o limite geográfico de atendimento, definido pelo plano original de educação
para o Distrito Federal (GDF, 2002a, p.11). Nessa perspectiva, o número de
‘escolas-classe’ atendidas por apenas uma ‘escola-parque’ varia,
atualmente, entre seis e oito. O que significa dizer que, há muito, foi perdido
o conceito de unidade de vizinhança como fundamento da inserção da
‘escola-parque’ na rede de ensino e na vida comunitária.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de n. 9.394,
promulgada em 1996, juntamente com os Parâmetros Curriculares Nacionais/
PCN (MEC), reafirmou a importância das áreas de Arte e de Educação Física
na formação dos nossos alunos na Educação Básica. Em Brasília, ainda uma
vez, foi enfatizado o ambiente pedagógico de excelência das ‘escolas-parque’
para o desenvolvimento dessas áreas de conhecimento, bem como para a
formação integral dos nossos alunos.
Assim, de acordo com os referenciais estabelecidos pelo Currículo
de Educação Básica das Escolas Públicas do Distrito Federal (GDF, 2002b
e 2002c) as ‘escolas-parque’, atualmente “recebem alunos da 1ª a 8ª
série do Ensino Fundamental, trabalhando com eles o fazer e o pensar,
de acordo com o previsto nos componentes curriculares da Base Nacional
Comum: Educação Física e Arte (Visual, Teatro, Música, Dança e
Literatura)” (GDF, 2002a, p.12).
A freqüência dos alunos nas ‘escolas-parque’ está organizada da
seguinte forma:
• da 1ª à 4ª série, no mesmo turno em que freqüentam a escola
tributária5, em um dia letivo de 5 ‘horas-relógio’;
• da 5ª à 8ª série, em turno contrário ao que freqüentam na escola
tributária, em dois dias semanais, atendendo à carga horária
estabelecida em legislação específica; e
5
Escola tributária é a denominação dada às escolas vinculadas às ‘escolas-parque’, considerando-se que
estas passaram a atender não apenas a alunos matriculados em ‘escolas-classe’, mas também a alunos
matriculados em centros de ensino fundamental e na Escola de Aplicação da Escola Normal de Brasília.
Escolas-parque: Legado do Educador Anísio Teixeira, Patrimônio da Educação Brasileira
155
• da 5ª à 8ª série, no horário noturno, os que, comprovadamente estejam
impossibilitados de freqüentarem a escola no diurno (GDF, 2002a, p.14).
Vale ressaltar, contudo, que algumas “escolas-parque” optaram por
concentrar seu atendimento aos alunos da primeira à quarta séries do Ensino
Fundamental. Outro aspecto importante do projeto pedagógico que vem sendo
desenvolvido está no fato de que as “escolas-parque” recebem, em suas
turmas regulares, alunos com necessidades educacionais especiais,
integrantes do programa de educação inclusiva da rede pública de ensino.
Todos, indiferenciadamente, participam de aulas que tratam das diversas
linguagens artísticas e modalidades esportivas, de literatura e de quantas
outras, de acordo com as disponibilidades de cada unidade escolar.
As dinâmicas de atendimento estabelecidas têm assegurado que as cinco
“escolas-parque” existentes atendam à quase totalidade do universo das
“escolas-classe” do Plano Piloto, onde estão matriculados tanto alunos
residentes no Plano Piloto quanto oriundos das cidades satélites.
“Escolas-parque”: patrimônio cultural brasileiro
As “escolas-parque”, em Brasília e em Salvador, neste início de terceiro
milênio, continuam representando uma experiência inovadora no panorama da
Educação Brasileira, que ainda transpira o ideário educacional do nosso mestre,
educador Anísio Teixeira. A despeito de, em Brasília, não terem sido construídas
todas as “escolas-parque” previstas nos termos propostos no projeto original,
de acordo com os percentuais populacionais estabelecidos e as concepções
pedagógicas e urbanísticas. Apesar de todas as mudanças de percurso ao
longo dessas pouco mais que quatro décadas de sua existência, do mesmo
modo de que em Salvador, ter havido décadas de descaso para com o patrimônio
físico e o projeto pedagógico, tudo isso não foi capaz de inviabilizar a idéia das
“escolas-parque” que, hoje, retomadas suas atividades, retoma também seu
vigor, brilho e entusiasmo. Sobretudo, recupera o lugar que sempre foi seu, de
centro gerador de cultura junto à comunidade em que está inserida.
Sobretudo, as “escolas-parque” continuam, por meio da educação dos
alunos do Ensino Fundamental, participando na formação cultural nessas duas
cidades, deixando marcas profundas em quantas gerações que por elas tenham
passado e nelas tenham experimentado aprendizagens múltiplas nas oficinas,
bibliotecas, quadras de esporte, teatros, e quantos outros espaços e atividades.
As dimensões de seu projeto, no que tange ao seu valor histórico, cultural
e educacional, inscrito numa concepção arquitetônica e urbanística de inegável
valor humanístico e estético, apontam para sua relevância como patrimônio
cultural brasileiro. A idéia de patrimônio, aqui, evoca o sentimento daquilo
156
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
que nos pertence, que é parte constitutiva da nossa identidade cultural e
social, que nos é caro, porque valoroso.
A mais, é preciso lembrar que Brasília, em dezembro de 1987, foi
reconhecida como patrimônio cultural da humanidade pela Organização das
Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura/Unesco. Seu tombamento,
no âmbito federal, foi efetivado em março de 1990, o que se fundamentou nos
conceitos de seu plano urbanístico, concebido por Lúcio Costa, além dos
monumentos projetados por Oscar Niemeyer (ROLEMBERG, s.d.).
Ou seja, a concepção do viver no espaço urbano projetado para Brasília
é que fundamentou o seu registro como patrimônio cultural, nacional e
internacionalmente. As “escolas-parque” são parte constitutiva dessa
concepção. Por essa razão, na abertura do Fórum Escolas-Parque: Patrimônio
da Educação Brasileira, o Procurador da República, Doutor Antônio Carlos
Bigonha foi enfático ao ressaltar que alterar seu projeto ou subtraí-lo da
cidade de Brasília, não é apenas um problema de gestão educacional do
governo local, é ferir gravemente um dos mais caros conceitos do Plano
Piloto (BIGONHA, 2002), que integra a área tombada.
É preciso, portanto, que envidemos todos os nossos esforços no sentido
de preservar nossa memória, nosso patrimônio, sobretudo aqueles que estão
intimamente ligados à história da educação brasileira e da formação de nossa
identidade cultural. Afinal, homens e mulheres que não reconheçam e não
preservem os legados socioculturais que constituem seu patrimônio histórico
não são capazes de reconhecerem a si próprios.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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patrimônio da educação brasileira, 2002, (Discurso).
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158
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
ANÍSIO TEIXEIRA E O INSTITUTO DE EDUCAÇÃO DE GOIÁS:
POLÍTICA EDUCACIONAL? FORMAÇÃO DE PROFISSIONAIS DA
EDUCAÇÃO? CONSTRUÇÃO ESCOLAR?
Iria Brzezinski*
Por que tantas interrogações no título de um artigo? Foram elas respondidas
em algum momento da história brasileira? Podem elas ser aclaradas com
menções aos feitos programados e realizados por educadores que participaram
do mundo do sistema nacional?
Caso se recorra ao legado de Anísio Teixeira à educação brasileira,
sobretudo como diretor do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos – Inep,
é possível afirmar que as indagações podem ser respondidas pelas grandes
realizações desse denodado integrante do mundo oficial1. Na tentativa de
suprir as necessidades básicas da educação nacional na fase da “Reconstrução
Educacional” (década de 1930), Anísio Teixeira se empenhou em desenvolver
uma política fundamentada no ideário democrático em defesa da escola pública,
laica e gratuita, cuja premissa mais evidente era a de que a “Educação não é
privilégio, é direito de todos2”.
A respeito da reconstrução educacional brasileira, o educador baiano
assim se pronuncia:
*
Professora titular de Políticas Educacionais e Gestão Escolar da UCG Universidade Católica de Goiás,
coordenadora da Linha de Pesquisa do Mestrado em Educação “Instituições e Políticas Educacionais”.
[email protected]
1
Sinto-me à vontade para “encaixar” Anísio Teixeira entre os “pertencentes ao mundo oficial” pelo fato
de ele ter estado à frente de órgãos vinculados ao Ministério da Educação (MEC). Suas bases teóricas
e ações políticas como administrador educacional, todavia, obrigam-me a reconhecê-lo como legítimo
representante do mundo vivido, com o qual se identificam os que conhecem, vivem e transformam a
escola e as instituições formadoras de professores. Em Teixeira (1962 ) fui buscar as explicações sobre
o “mundo oficial” – do sistema – e o “mundo vivido” – o real. O autor, ao fazer a análise histórica do
que foi proclamado e realizado pelo mundo oficial em relação às instituições escolares, mostra que as
sociedades modernas pressupõem, no jogo de interações em que elas se apresentam, a existência
desses dois mundos polarizados e antagônicos.
2
Premissa norteadora da Conferência feita no Centro de Estudos e Treinamento de Recursos Humanos
da Fundação Getúlio Vargas e do livro de Anísio Teixeira (1957). Este educador recebeu inúmeras críticas
dos bispos católicos gaúchos. Em “Memorial” os bispos solicitaram a sua exoneração do INEP, fato que
ocasionou, mais uma vez, o acirramento da luta que impregnou toda a tramitação da primeira Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n. 4.024/1961) durante treze anos no Congresso Nacional:
defesa, pelos liberais, da escola pública, laica e gratuita, contrária à escola particular, confessional e
paga, assumida pelos católicos.
Anísio Teixeira e o Instituto de Educação de Goiás
159
[...] nenhum outro dever é maior do que o da reconstrução educacional e
nenhuma necessidade é mais urgente do que a de traçar rumos dessa reconstrução
e a de estudar os meios de promovê-la com a segurança indispensável para que
a escola brasileira atinja seus objetivos.
Os problemas que suscita essa reconstrução são de duas ordens. O primeiro
político e financeiro [...]. O segundo é um problema profissional [...] (TEIXEIRA,
1953, p.7-8).
Como solução para os problemas políticos financeiros, Teixeira (1953)
apontava a necessidade de o mundo oficial, de modo obrigatório, prover
recursos a fim de garantir a realização do previsto em um plano de
desenvolvimento da educação nacional, com o objetivo de assegurar a oferta
pública de uma Educação Fundamental sistemática, que democraticamente
permitisse o acesso a toda a população brasileira escolarizável. O problema
de ordem profissional – técnico pedagógico – deveria ser equacionado com o
desenvolvimento de uma proposta de criação de uma escola brasileira voltada
para o permanente e progressivo aprimoramento do ensino e das instituições
escolares e o preparo adequado dos profissionais do magistério.
Em síntese, Teixeira explicita sua concepção de política educacional com
base em princípios democráticos, com a finalidade de alçar a educação à condição
de salvadora da sociedade nacional. Norteado pelo pressuposto de que a
reconstrução social se faria pela educação, o autor considera a escola como um
centro de vida em que a matéria social se condensa e se inova. Esse pressuposto
traduzia a função transformadora da escola na visão de Anísio Teixeira e de seus
companheiros renovadores, defensores da tendência educacional denominada
por muitos de Escola Nova e por outros de Escola Progressivista.
O pensamento dos renovadores tomou corpo e sua unidade se expressou
no “Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova” em 1932. Esse documento,
entretanto, não apresenta um conteúdo homogêneo, uma vez que seus
signatários não formavam um grupo ideologicamente uniforme, embora se
unissem em torno de uma referência comum – a liberal.
De forma utópica ou ingênua, porém com verdadeira intenção de buscar
acertos, o que traçou os caminhos dos Pioneiros foi uma concepção de uma
política nacional para educação. Essa concepção foi conduzida com a
sabedoria de Anísio Teixeira e o Inep, e as propostas, programas, planos e
projetos educacionais desse instituto de pesquisa passaram a se sustentar
notadamente em dois pilares: a) a formação de profissionais da educação
com qualidade e aguçado espírito investigativo para “[...] experimentar, tentar,
ensaiar, verificar e progredir [...]” (TEIXEIRA, 1953, p. 8); e, b) as construções
escolares como estratégia para abrigar a maioria da população escolarizável,
favorecendo a democratização do ensino público, laico, gratuito e universal.
160
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
No pensamento e nas práticas de Teixeira, esses dois sustentáculos,
formação de pessoal e construção de instituições escolares, articulavam-se
de tal forma, que já em 1935, quando ocupava a Diretoria Geral da Instrução
Pública, o educador enfatizou que os mestres deveriam ser preparados não
só para se transformarem em máquinas de ensinar, mas para dominar a arte
de educar para o bem viver. Já quanto ao prédio escolar e às instalações,
essas deveriam, no mínimo, atender os padrões de vida civilizada.
A política da reconstrução nacional orientada por esses pressupostos e
sustentada pelos referidos pilares era de caráter nacional e visava à
reconstrução da Nação. Segundo seu principal idealizador e executor, Anísio
Teixeira, essa política precisava ser implantada, como de fato ocorreu3, nas
esferas políticas do estado, do município e da cidade.
Tratar da particularidade local é o objetivo do presente artigo, que se
apóia em uma pesquisa acerca das realizações de Anísio Teixeira como diretor
do Inep, tendo como foco especial, a análise de uma dessas particularidades
no estado de Goiás. O caso do Instituto de Educação de Goiás (IEG).
O desenvolvimento da pesquisa, no primeiro momento, exigiu a realização
de uma pesquisa bibliográfica e de análise documental em fontes primárias,
grande parte manuscrita. No segundo, ante a ausência de documentação escrita,
optei pela História Oral, por meio de entrevistas4, com roteiros elaborados,
mediante as quais, foi possível explicar determinados pontos significativos.
Nos itens que se seguem, abordarei de modo sintético, os resultados da
investigação.
1. Raízes descobertas
Realizar um estudo sobre a influência do ideário e práticas de Anísio
Teixeira no Instituto de Educação de Goiás, requer uma inserção na agitada
década de 1920. Essa década foi marcada, entre tantos acontecimentos, por
grandes reformas educacionais em diversos estados da nação; por um
movimento cultural revolucionário, a Semana de Arte Moderna de 1922 e
pela criação da Associação Brasileira da Educação em 1924, que exerceu
papel fundamental na realização das Conferências Brasileira de Educação e
nos inquéritos sobre a criação da universidade pública em nosso país.
3
Os artigos que compõem o presente livro tratam das realizações locais dessa política do INEP, sob a
direção de Anísio Teixeira, no período de 1952-1964, no Distrito Federal e nos seguintes estados da
Federação: RS, PR, SC, RJ, MG,GO, BA, SE, MA, RN.
4
Essas entrevistas forma realizadas em período anterior ao desenvolvimento da presente pesquisa. A
riqueza e diversidade das informações colhidas à época (anos 1980), analisadas sob novo referencial
teórico e contextualizadas no momento histórico do século XXI, serviram também como campo empírico
do presente estudo.
Anísio Teixeira e o Instituto de Educação de Goiás
161
A Primeira Grande Guerra Mundial foi o marco histórico para equacionar
problemas educacionais advindos da influência dos novos ideais pedagógicos
assentados no ideário liberal. A busca das soluções estava, evidentemente,
refletindo as transformações que se operavam nos setores econômicos, social
e político do Brasil. Configurou-se uma nova situação educacional, pressionada
pelo acentuado desenvolvimento do processo de industrialização e
urbanização, que aos poucos conduziu a sociedade brasileira à mudança do
modelo agrário/comercial/exportador dependente para a estrutura baseada
no modelo capitalista/urbano/industrial.
As transformações econômicas e culturais vieram provocar mudanças
nas componentes sociais, alterando as condições de vida e de trabalho que
se refletiram na composição das classes sociais. Com a ascensão da burguesia
industrial, começaram a se delinear nos principais centros urbanos, duas
novas classes sociais: de um lado, o setor médio da população, composto
pela “pequena burguesia das cidades, [formada] por uma grande massa de
funcionários públicos e empregados do comércio, as chamadas classes liberais
e intelectuais e, por fim, os militares, cuja origem social era agora a própria
classe média” (BASBAUM, 1962, p. 428), de outro lado, o proletariado urbano,
composto pelo operariado que crescia.
As mudanças econômicas e sociais também tiveram repercussão na
ordem política, pois a burguesia emergente passou a disputar o poder com
as tradicionais oligarquias rurais, abalando a estrutura até então vigente.
Fernando de Azevedo descreve essas mudanças, como jamais verificadas
na evolução econômica da nação, pois:
[...] a intensidade das trocas econômicas e culturais, o desenvolvimento da
imaginação dos povos de origens diversas e o crescimento das
aglomerações urbanas, pelos quais se exprimia vigorosamente o impulso
tomado pela indústria nacional, depois do conflito europeu, criavam o
ambiente mais favorável à fermentação de idéias novas que irradiavam dos
principais centros de cultura, tanto da Europa como dos Estados Unidos
(AZEVEDO, 1975, p. 152).
No vaivém de influências dos novos ideais pedagógicos sobre a nova estrutura
social, e desta sobre aqueles, passou-se a acreditar na educação como fator de
reconstrução social para acompanhar o desenvolvimento urbano industrial e a
exigência de uma reforma educacional se tornou evidente. As décadas de 1920
e 1930 presenciaram o movimento reformista que emergiu nos estados mais
populosos, apoiado nos princípios liberais da pedagogia nova e na defesa do
indivíduo, da liberdade, da iniciativa e da igualdade perante a lei.
162
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
O marco histórico desse movimento é o ano de 1917, com Afrânio Peixoto,
que ocupava o cargo de Diretor da Instrução no Distrito Federal. Outras reformas
aconteceram: em São Paulo, com Sampaio Dória e depois com Fernando de
Azevedo; na Bahia, com Anísio Teixeira; em Pernambuco, com Carneiro Leão;
outra no Distrito Federal, com Fernando de Azevedo; em Minas Gerais, com
Francisco de Campos e Mário Casassanta; em Santa Catarina, com Luís
Trindade; no Paraná, com Lysímaco da Costa; no Rio Grande do Sul, com
Coelho de Souza e em Goiás, com José Gumercindo Marques Otéro.
Inspirados nos princípios da Escola Nova, os reformistas passaram a
interpretar a escolarização como o mais decisivo instrumento de aceleração
histórica. O objetivo da escola, como fator de reconstrução social, era edificar
“[..] uma sociedade aberta no país, definida como sendo aquela onde
inexistam barreiras objetivas para impedir que qualquer indivíduo realize suas
potencialidades pessoais” (CUNHA, 1980, p. 51).
De acordo com os estudos de Saviani (1983), “pedagogia nova” e
“pedagogia da existência” são expressões, que no sentido amplo se equivalem,
pois ambas são tributárias da concepção humanista moderna de filosofia da
educação. Tal concepção se concentrou na existência, na vida e na atividade,
opondo-se à tradicional, que se centrava no intelecto. Abarcou as mais
contraditórias tendências pedagógicas, desde o behaviorismo até a
fenomenologia existencial.
À luz desse ideário, o sistema de ensino sofreu a ação de fatores de
ordem política, cultural, econômica e ideológica, provocando alguma
adequação desse sistema às novas necessidades sociais. O movimento em
defesa do regime democrático, com a adoção do voto secreto e a garantia do
direito de voto a todo cidadão alfabetizado, fez crescer a luta em favor da
educação das massas populares. À escola foi atribuído o papel mais amplo
de desenvolver a consciência nacional, para o enfrentamento das novas
condições de vida, de mudanças nas relações de trabalho nos centros
urbanizados e das forças produtivas, o que veio, indiretamente, atuar sobre a
política de formação do magistério.
Traçar e desenvolver uma política de formação do magistério foi um dos objetivos
do movimento reformista que congregou os maiores educadores brasileiros,
apoiados nas concepções assumidas por Anísio Teixeira e seus companheiros.
Assim, veio a ser constituído “[...] em conjunto, um dos mais belos movimentos de
que há notícia em nossa história escolar” (CHAGAS, 1984, p. 35).
Os reformistas tinham a convicção de que a escola primária, para
desempenhar suas funções, requeria pessoal docente qualificado. Com o
propósito de atender a tal necessidade, procedeu-se à reforma do Ensino
Normal, cujo regulamento foi instituído pelo Decreto n. 8.162, de 20 de
janeiro de 1928. De acordo com Francisco Campos, ministro na época, a
Anísio Teixeira e o Instituto de Educação de Goiás
163
educação exigia emprego racional dos métodos, o que era um problema
exclusivo do professor. Para responder a essa exigência, esse profissional
deveria ser formado na área específica, em instituição própria e de caráter
profissionalizante. Dessa forma, instituiu-se o Ensino Normal. Hoje esse ensino
é chamado Modalidade Normal, nível de Ensino Médio da Educação Básica,
segundo a LDB n. 9.394/96.
Constava do decreto da reforma de 1928, em seu Art. 1º, que “A Escola
Normal tem por fim especial preparar cientificamente professores para as
escolas primárias”. Também estava prescrito que o magistério passava a
constituir uma carreira regular, sendo previstas formas de acesso e promoção,
artigos 384 a 507, e que o professor atuante teria oportunidade de constante
aperfeiçoamento em cursos realizados pela Inspetoria Geral de Instrução,
Art. 437, alínea a, e em reuniões mensais de estudos, Art. 49.
Tais dispositivos mostram o propósito dos definidores das políticas
nacionais de dar maior atenção à Escola Normal. De igual modo, em Goiás, o
Presidente do estado, Brasil Ramos Caiado, e os Secretários de Interior e
Justiça, Lincoln Caiado de Castro, César da Cunha Bastos e José Gumercindo
Marques Otero, elegeram o Ensino Primário e a Escola Normal, como políticas
educacionais prioritárias de sua administração.
Em 1929, o estado de Goiás recebeu os membros da Missão Pedagógica
Paulista, que assessoraram a reforma da Escola Normal. Essa reforma
encaminhou a independência da mesma do Liceu de Goiás, ao qual se
subordinava desde a sua criação, em 1882. Era um curso anexo, tratado com
certa discriminação como “curso menos nobre”, destinado às moças, já o
ensino propedêutico secundário era ministrado para os rapazes. Em 1929, a
Escola Normal Oficial foi instalada no Palácio da Instrução. Esse prédio foi
adaptado para abrigar o jardim da infância, o grupo escolar modelo, a escola
complementar e a escola normal, facilitando a continuidade de estudos para
o estudante, desde a escola pré-primária até a escola normal. As adaptações
prenunciavam a estruturação do Instituto de Educação de Goiás como um
pré-projeto de escola única de formação de professores, idealizada por Anísio
Teixeira, o que veio a ocorrer legalmente só em 1946.
É interessante mencionar que o Secretário do Interior e Justiça, Gumercindo
Otero, atribuiu à atuação dos reformadores paulistas e à aplicação de 16%
da receita estadual5 no setor da educação, a diferença no coeficiente de
analfabetismo, que baixou de 98% em 1920, para 86% em julho de 1930.
Daqueles 16%, empregaram-se na alfabetização, 70,5%, custeando 1 jardim
de infância, 16 grupos escolares, 86 “escolas singulares” de um dos dois
5
Os dados estatísticos foram extraídos do relatório de José Gumercindo Marques Otéro, enviado ao
Presidente do Estado. Informação Goyana (1930).
164
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
sexos e 104 escolas mistas. Os 29,5% restantes foram investidos nas escolas
normais: 1 oficial e 6 particulares subvencionadas pelos estado, 1 Liceu
equiparado ao Colégio Pedro II e 2 escolas de Ensino Superior ministrando
cursos de Direito, Farmácia e Odontologia. Todas essas escolas abrigavam
uma matrícula de 15.754 alunos, deixando fora da escola, aproximadamente
90% das crianças em idade escolar.
2. De Escola Normal a Instituto de Educação de Goiás: política
educacional de Anísio Teixeira
Os movimentos isolados em prol da reforma da educação, ocorridos
nos estados e no Distrito Federal, formaram a base para a consolidação da
Escola Nova Brasileira. Essa foi-se concretizando com sucessivas reformas e
coesão de idéias, mesmo em um clima de agitações sociais e políticas que
refletiam a crise econômica por que o país passava, culminando com a
Revolução de 1930.
Em Goiás, por essa época, apenas 1,9% da população, 680.000
habitantes, freqüentava a escola elementar. No final da década de 30, foi
registrado um índice de 21% da população escolarizável matriculado na escola
primária6. A falta de atendimento a população era atribuída à inexistência de
construções escolares e de cursos profissionalizantes de formação de
professores. Essa formação feita no Palácio da Instrução na cidade de Goiás
foi desestruturada com a transferência da capital para Goiânia, em 1937,
como efeito da “Marcha para o Oeste”. Em virtude da precariedade das
instalações da Escola Normal Oficial e da falta de professores em Goiânia, no
primeiro ano após a transferência da capital, a demanda escolar sofreu uma
redução da ordem de 49,5%7. Quatro anos depois, o índice de redução foi de
63,2%, o que demonstra uma visível desvalorização da única escola pública
formadora de professores.
Não só a estrutura física da Escola Norma Oficial se desmantelou,
dissolvendo a estrutura de base que inevitavelmente se transformaria em
instituto de educação, como também as mudanças atingiram a prática
administrativa e pedagógica adotada pelos gestores da escola e seus
professores. Houve um retrocesso, e as idéias conservadoras passaram a
suplantar o ideário progressivista da Escola Nova, talvez como reflexo da forma
de governo ditatorial de Vargas, o Estado Novo.
6
Expressão da época. Atualmente esse nível de ensino denomina-se Ensino Fundamental (de 1ª a 4ª séries).
Em 1937, último ano de funcionamento da Escola Normal na antiga capital, a matrícula foi de 95 alunos,
enquanto em 1938 se matricularam 48 e em 1942 a matrícula se reduziu para 35 alunos. Cf. dados
apresentados por França (1961, p.2).
7
Anísio Teixeira e o Instituto de Educação de Goiás
165
A trajetória da Escola Normal Oficial foi marcada, ora por momentos de
avanços nas lutas em defesa da Escola Nova, ora por momentos de
conservadorismo e de restauração da tendência tradicional, levando-a até mesmo
a episódios pitorescos. Cita-se, por exemplo, a polêmica entre a direção8 da
escola e a professora Amália Hermano Teixeira, registrada em “O curioso caso
da Escola Normal Oficial; história de uma injustiça”. Como informante no
presente estudo, a professora afirmou: “[...] o subtítulo do livro poderia ser A
luta da Escola Nova contra a Escola Antiga” (TEIXEIRA, 1984, p. 4).
O professor Genesco Ferreira Bretas, também entrevistado neste estudo, ao
ser solicitado para emitir sua impressão sobre a influência do ideário pedagógico
renovador no ensino goiano, fez de imediato, a ligação entre o “caso” da escola
normal com a penetração da Escola Nova em Goiás, assim se expressando:
[...] ali pelos anos quarenta, as idéias da Escola Nova penetraram na Escola
Normal. Algumas professoras, mais novas no magistério, se imbuíram com tal
entusiasmo desses princípios de renovação que chegaram, na prática, até
ao exagero. Logo de começo entraram em choque com a direção da Escola.
Muitas alunas aderiram ao grupo de professoras renovadoras, fazendo
crescer o movimento renovador, mas de maneira inquietante. Os professores
e as professoras mais moderados tentaram aplacar os ânimos, mas sem êxito.
Daí por diante, brigas e mais brigas (BRETAS, 1983, p. 7).
Na tentativa de uma avaliação do movimento, Bretas, ponderadamente,
concluiu: “[...] foi uma guerra, da qual não houve nem ganhadores, nem
perdedores. O movimento serviu pelo menos, para despertar a atenção dos
educadores goianos para o estudo da Escola Nova” (BRETAS, 1983, p. 8).
No período em que a Escola Normal Oficial estava em guerra declarada,
em âmbito nacional, vivenciava-se uma onda de euforia democrática ocasionada
pelo final da II Guerra Mundial e pela queda da ditadura. Tal contexto sociopolítico
e econômico veio propiciar uma nova política educacional influenciada pelos
educadores liberais, agora reintegrados no contexto brasileiro. Essa influência
foi evidenciada nos princípios norteadores da Constituição de 1946 e na reforma
educacional, marcada pela aprovação das leis orgânicas do ensino, entre essas,
a da escola normal. Nessa Lei Orgânica de 1946, foi prevista a versão ampliada
da escola normal para instituto de educação.
Em Goiás, a ampliação da escola normal foi prescrita pelo Decreto-Lei n.
870 de 28 de maio de 1947, que representou o instrumento da lenta
metamorfose da Escola Normal Oficial em instituto de educação, metamorfose
8
Nesta ocasião ocupava o cargo de diretora a professora Ofélia Sócrates do Nascimento Monteiro.
166
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
que se estendeu por 9 longos anos, portanto, concretizada somente em 1956.
Fato curioso é que o caráter provisório atribuído às instalações do instituto de
educação, quando da transferência da Escola Normal Oficial para Goiânia,
em 1937, prolongou-se por vinte anos. Sua instalação foi prevista, inicialmente
no prédio do Liceu de Goiás, proposta que não vingou.
No governo de Pedro Ludovico Teixeira, o fundador de Goiânia, foi planejada
e iniciada a construção de um prédio para abrigar a IEG com recursos do Inep,
na gestão de Murilo Braga, recursos que foram conseguidos por iniciativa do
professor Genesco Bretas. No entanto, a obra foi paralisada nos alicerces, por
desinteresse do sucessor de Pedro Ludovico, seu adversário político. Sobre
esse fato, o professor Bretas assim se pronuncia:
[...] a política daquele tempo, e ainda hoje acontece o mesmo, era isso:
uma obra iniciada por um governo anterior, se de oposição, não merecia
ser continuada nem concluída. Até quando vai ser assim? Nesse ínterim,
Murilo Braga embarca para os Estado Unidos, o avião cai. Com ele foi
enterrado o convênio. A obra parou, ficando ao relento por vários anos
(BRETAS,1983, p. 2-3).
Outra vez se desviou a trajetória do instituto de educação por interferência
de interesses políticos. A construção abandonada no bairro periférico – Vila
Nova – era convidativa a um processo de invasão. Assim aconteceu. Em pouco
tempo, alojaram-se lá, 100 famílias e todas as dependências foram ocupadas.
As salas de aula abrigavam cada uma, de 8 a 10 famílias e “[...] no terreno
vasto surgiam casebres da noite para o dia, como cogumelos e ervas daninhas”
(FRANÇA, 1961, p. 94).
Apesar disso, desde 1947, estava lançada a semente do futuro complexo
escolar que se transformaria na Escola Modelo de Formação de Professores
do Estado de Goiás, que só foi germinar, com os recursos financeiros e
pedagógicos advindos do Inep e sob a dedicação especial de Anísio Teixeira.
O processo de estagnação da obra do instituto de educação acompanhava
o moroso ritmo de desenvolvimento dos sistemas econômico e político do
estado, atrelados, o primeiro, ao modelo agropastoril dependente, e o segundo,
ao sistema oligárquico, embora a expansão capitalista já houvesse se iniciado,
atingindo o setor industrial goiano e possibilitando um incipiente
desenvolvimento dos centros urbanos. Na realidade, a expansão da economia
goiana nesse período, fez-se à base de alterações da estrutura agrária, que
provocaram pouco reflexo na expansão da estrutura urbana. Por essa razão, a
construção de uma escola urbana, que serviria como centro de referência de
formação de professores para todo o extenso território goiano, só teve impulso
e foi concluída em 1956. Essa conclusão só ocorreu com o estímulo vindo de
Anísio Teixeira e o Instituto de Educação de Goiás
167
fora do estado, por meio do educador Anísio Teixeira, que firmou convênio
entre o Inep e o estado de Goiás. Com tal ação, o grande educador e
protagonista de tantas reformas educacionais em outros estados e no Distrito
Federal, passou a ser ator e autor da história da educação goiana. Deu grande
impulso à implantação do projeto de uma nova instituição escolar que pudesse
acolher com dignidade a proposta de formar professores em uma escola
pública urbana de qualidade em Goiás.
Anísio Teixeira, o mais autêntico defensor da escola pública gratuita para
todos, conhecedor dos obstáculos que se interpunham à concretização de
um instituto de educação, tomou para si a responsabilidade de orientar
pedagogicamente o Instituto de Educação de Goiás – IEG e a de destinar, ao
mesmo tempo, recursos para a construção do prédio escola. Com o apoio
desse educador brasileiro, que sem dúvida reunia todos os requisitos para
assessorar a instalação de um instituto de educação, o de Goiás teve a
felicidade de retomar com vigor, a sua trajetória por tantas vezes interrompida.
Após acertos técnicos de arquitetura e engenharia, optou-se por uma
adaptação das plantas originais aos recursos financeiros disponíveis. Eliminouse, de início, a construção do segundo pavimento originalmente planejado.
Ainda, para maior aproveitamento de recursos, foi utilizada a mão-de-obra
barata de 30 presidiários, deslocados para a construção pelo Secretário de
Segurança Pública.
O maior desafio foi a retirada das 100 famílias invasoras. Por decisão do
governador, todos foram assentados no Setor Pedro Ludovico, a sudoestes de
Goiânia, exceto Dona Maria Albana Mesquita, que viveu até 1985 na área do
Curso Primário de Aplicação do IEG.
O depoimento de Dona Maria, dado ao professor José Luís Domingues,
demonstrou as condições de isolamento do local onde foi construído o IEG,
assim como o processo de retirada de seus companheiros:
tudo era muito mato; só mais pra baixo existia a igrejinha, o mercado e
grandes trieiros para ir a Goiânia [...]. Muita gente morava aqui. Quando
começou a construção, que era feita por presos da penitenciária, o homem
que acompanhou os presos, muito jeitoso, bem vestido, com anelão de
doutor na mão, começou a tirar o pessoal prometendo uma casa boa, no
Setor Pedro Ludovico, e assim todos se foram [...]. Ele falou comigo também,
marcou o dia de vir me buscar, mas não veio e estou aqui até hoje [...]
(DOMINGUES, 1985, p. 66).
Embora existissem tantos obstáculos, em seis meses o prédio foi
construído. Suas características arquitetônicas e pedagógicas serão descritas
no item seguinte.
168
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
3. IEG: concretização, projeção e declínio
O Instituto de Educação de Goiás foi instalado em seu prédio próprio no
início de 1956. Finalmente em local apropriado, depois de transcorridos 74
anos da criação da Escola Normal!
Como a obra estava inacabada, os presidiários ainda ficaram lá. Na ocasião,
esse fato foi muito explorado pela imprensa e exposto pelo professor Basileu
Toledo França, diretor do IEG, na época da inauguração do prédio próprio:
foi uma gritaria tremenda: - nós – eu e as autoridades estaduais – estávamos
levando moças para conviver com presidiários. Elas iam para a poeira, pois não
havia calçamento. Onde se viu, numa distância daquelas! Tirar as meninas do
centro da cidade [...]. O bairro era considerado distante e não contava com
linha de ônibus. No início íamos e voltávamos a pé [...] (FRANÇA, 1983, p. 6).
Aos poucos, com paciência e coragem, tudo foi sendo resolvido. Segundo
o primeiro diretor do IEG, a área onde o mesmo foi construído, abrangia
83.000m2, (França, 1961, p. 94). Foi edificado um complexo de ensino integrado
por jardim da infância, grupo escolar de aplicação, Instituto Pestalozzi (de
excepcionais9), pensionato para bolsistas do interior e auditório. Esse, no
mesmo bloco do IEG, com capacidade para 700 pessoas.
Emergiu então, o centro de gravidade de formação de professores do estado
de Goiás – o Instituto de Educação de Goiás – que passou a exercer paulatinamente
a função de centro irradiador de cultura. A instituição, aos poucos, transformavase em foro de debates. Os profissionais de outras escolas de menor porte levavam
suas experiências para lá, ao mesmo tempo em que procuravam atualização,
aperfeiçoamento e subsídios para solucionar problemas educacionais.
Inserido na nova realidade goianiense, o IEG, com estrutura física adequada
e com assessoramento pedagógico do Inep, feito nos primeiros momentos,
pessoalmente por Anísio Teixeira, transformou-se em escola modelo de formação
de professores primários, participando da evolução cultural, social e econômica
do estado, que por sua vez era impulsionado pela corrida desenvolvimentista
do governo federal. Fato elucidativo da participação do IEG no desenvolvimento
educacional de Goiás era o elevado número de professores qualificados que a
escola modelo colocava no mercado de trabalho. Transcorridos três anos de
sua instalação em prédio próprio, o número de 37 concluintes significava um
crescimento da ordem de 516% em relação aos 6 concluintes de 1955.
9
O instituto de excepcionais não havia sido previsto, inicialmente, como instituição integrante do IEG. Na
época, porém, este estabelecimento enfrentava dificuldades, sendo até despejado de suas instalações no
Horto Florestal. Como solução foi incorporado ao complexo de ensino. Cf. Depoimento do professor
Basileu Toledo França em 11/05/1983.
Anísio Teixeira e o Instituto de Educação de Goiás
169
Dos determinantes externos e internos que promoveram o crescimento
do IEG, dois deles, restritos ao aspecto pedagógico, revelaram-se bastante
significativos. O primeiro foi o aperfeiçoamento do corpo docente, mediante
concessão de bolsas de estudos pelo Inep. Os professores, principalmente
das disciplinas pedagógicas, puderam se aperfeiçoar em cursos promovidos
por esse órgão, tanto no Rio de Janeiro, como em Belo Horizonte.
Para o professor Basileu Toledo França, o estágio realizado pelos
professores do IEG na Escola Guatemala – 1º Centro Experimental de Educação
Primária do Estado da Guanabara – possibilitou uma verdadeira integração
entre a teoria estudada nos cursos e a prática vivenciada na escola primária,
dotando os professores do IEG da mais adequada atualização que se poderia
desejar para aquele momento (FRANÇA, 1983, p. 8).
O retorno desses professores provocou a total renovação nas propostas
didáticas pedagógicas e novos métodos e técnicas passaram a ser utilizadas
para desenvolver o processo ensino aprendizagem. Nessa época, introduziu-se
no IEG, a dinamização dos grupos de adolescentes, inicialmente nas aulas de
Sociologia Educacional ministradas pelo professor Basileu Toledo França, depois,
generalizaram-se as técnicas de dinâmica de grupo, mais enfatizadas no final
dos anos 1960 (FRANÇA, 1983, p. 4). O uso abusivo dessas técnicas transformouse em uma dessas panacéias que periodicamente invadem a escola.
A segunda determinante do crescimento do IEG foi o assessoramento
pedagógico feito pela professora Eny Caldeira, ex-diretora e organizadora do
Instituto de Educação do Paraná, que na ocasião representava o Inep. As
orientações dadas pela professora se assentavam, por um lado, nos princípios
contidos nas Recomendações n. 36 e 37 da XVI Conferência Internacional da
Instrução Pública, realizada em Genebra em 1953, e por outro, na crença da
professora de que com base no ato educativo realizado na escola, essa teria
condições de formular seus próprios princípios educacionais. Tal crença é
revelada em sua afirmação de que,
[...] da participação de professores e alunos-mestres, dos estudos e projetos
de ação, da presença da criança, da solenidade das relações humanas, da
transparência de convicções pedagógicas, a escola poderá ser a vertente
de seus próprios princípios pedagógicos (CALDEIRA, 1956, p. 41).
As mudanças ocorridas no plano administrativo e no plano pedagógico
foram sem dúvida, reflexo do aperfeiçoamento dos professores e do
assessoramento pedagógico do Inep ao IEG.
A organização dessa escola foi crescendo em complexidade para cumprir
finalidades de estabelecer um padrão ao Ensino Normal no estado e de ser
um centro de cultura pedagógica. Essas finalidades foram ampliadas ainda
170
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
mais, pela pretensão implícita de formar professores para a futura capital
federal, Brasília, que passou a atrair as pessoas qualificadas em face da
oferta de melhores condições de trabalho.
As alterações pedagógicas e administrativas foram se processando a fim
de atender às necessidades emergentes, antes mesmo de atos oficiais que
ocorreriam mais tarde, com a Lei n. 2.580 de 17 de setembro de 1959 – Lei
Orgânica do Ensino Normal de Goiás – e com o Decreto n. 2 de 11 de janeiro
de 1960, que regulamentava o Ensino Normal.
A elaboração do regimento interno do IEG possibilitou a criação de setores
pedagógicos administrativos que se auxiliavam reciprocamente pela estreita
interdependência do seu funcionamento. Foram classificados em “órgãos
escolares, de divulgação pedagógica e órgão técnico e auxiliar”. Com a função
de executar tarefas exclusivamente administrativas, foram mantidas a Vicediretoria, a Secretaria e a Tesouraria.
Dos chamados “órgãos escolares”, faziam parte os cursos de:
-
Formação de Professores;
Administradores Escolares;
Normal Rural10;
Especialização e Aperfeiçoamento;
Ginasial;
Primário de Aplicação;
Jardim de Infância;
Excepcionais (Instituto Pestalozzi);
Os órgãos de divulgação pedagógica eram:
- o Seminário Pedagógico para Professores, Diretores, Inspetores e
Técnicos de Ensino em Geral, que funcionava como foro de debates;
- a Biblioteca;
- o Museu, dividido em dois departamentos: pedagógico e “eclético”;
- o Serviço Social de Educação, que compreendia a orientação
educacional;
- os serviços de teatro, cinema educativo, excursões, assistência médica
e dentária, a caixa escolar e clubes literários;
- o Boletim de Educação, de edição trimestral.
10
Diversos obstáculos impediram o funcionamento do curso Normal Rural. Numa tentativa de substituição
instituiu-se no curso de formação de professores uma área de especialização, optativa para os alunos: o
Extensionismo Rural (FRANÇA, 1983, p. 10).
Anísio Teixeira e o Instituto de Educação de Goiás
171
O Centro de Orientação Pedagógica foi o primeiro órgão técnico instituído,
seguido pelo Departamento de Didática. Surgiram mais tarde, o Conselho
Técnico Administrativo e a Congregação, com funções técnicas administrativas.
Esses auxiliavam a diretoria na administração, de acordo com o artigo 109 do
regulamento do Ensino Normal.
O Pensionato para Bolsistas foi classificado como órgão auxiliar e tinha
como função abrigar os professores leigos do interior, que atuavam no sistema
e buscavam no IEG, atualização, aperfeiçoamento ou especialização.
Os diferentes órgãos se vinculavam administrativa e pedagogicamente
ao diretor do Instituto de Educação de Goiás, a quem cabia também a indicação
de seus diretores. A designação dos diretores do jardim da infância, do grupo
escolar de aplicação e do instituto de excepcionais era feita pela Secretaria
de Estado da Educação. Essa, no entanto, respeitava a indicação feita pelo
diretor do IEG, que por sua vez, consultava previamente a Congregação e o
Conselho Técnico Administrativo. Essa prática democrática foi, todavia,
abandonada já no início dos anos 1960, pois acima das questões educacionais,
relegadas ao segundo plano, estavam os interesses políticos partidários, o
que lamentavelmente, não se modificou até nossos dias.
O interesse dos políticos da época e o movimento renovador do IEG
funcionaram como mola propulsora da elaboração da Lei Orgânica do Ensino
Normal de Goiás e do regulamento desse ensino. A influência dos interesses
políticos foi notória quando o governador do estado, objetivando uma realização
marcante de seu governo, resolveu propor a reforma do Ensino Normal. Segundo
o professor Bretas, essa reforma era inoportuna, pois estavam em curso no
Congresso Nacional, acirrados debates sobre a LDB Lei 4.024/61, o que indicava
sua breve homologação. Conseqüentemente a reforma em Goiás seria
efêmera. A esse respeito o professor Bretas se pronunciou:
[...] de início, ponderei que essa reforma devia esperar a aprovação da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que transitava no Congresso, mas
Feliciano tinha pressa, era compromisso que tinha consigo mesmo: reformar
o Ensino Normal” (BRETAS, 1983, p. 4).
A Comissão Especial de Estudos e Programação da Reforma do Ensino
Normal de Goiás11, nomeada pelo governador Dr. José Feliciano Ferreira, foi
composta pelos professores Basileu Toledo França, Genesco Ferreira Bretas e
José Sizenando Jaime, sob a coordenação do primeiro.
11
Cf. Exposição de motivos e anteprojeto de lei. In. Goiás. Comissão especial de estudos e programação.
Reforma do ensino normal, Goiânia, Dep. Estadual de Imprensa, 1960, p. 5.
172
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
A comissão passou à elaboração do anteprojeto de lei em regime de
trabalho intensivo, assim narrado pelo professor França: “[...] trabalhávamos
sábados, domingos e feriados porque o assunto foi nos entusiasmando. Nós
três éramos idealistas, então trabalhamos naquele projeto com grande amor.
Como sofridos mestres escola” (FRANÇA, 1983, p. 10).
Nessas circunstâncias, em menos de 5 meses, “[...] o anteprojeto12 foi
elaborado, aprovado, sancionado, publicado e imediatamente posto em vigor”
(BRETAS, 1983, p. 4).
Com a Lei Orgânica do Ensino Normal de Goiás foi instaurada uma
concepção de ‘escola-curso’, por força da qual, cada curso era identificado
como uma instituição de ensino. Por essa época, instalaram-se três tipos de
estabelecimentos:
a) Ginásio Normal ou Escola Normal Elementar;
b) Colégio Normal ou Escola Normal Secundária;
c) Instituto de Educação e Escola Normal Superior (art. 2º, alíneas a, b e c).
Esses três tipos de estabelecimento proporcionavam diferentes níveis de
formação de professores primários e possibilitavam formação:
a) Ginasial, ministrada nas escolas normais elementares, com 4 série anuais,
formando professores “primários” de 1º grau (art. 2º, alínea a);
b) Normal, ministrada no Instituto de Educação e nas escolas normais
secundárias, com 3 séries anuais, após o Curso Ginasial, formando
professores primários de 1º e 2º graus (art. 2º, aliena b);
c) Pós-normal, ministrada no Instituto de Educação e nas escolas normais
secundárias, compreendendo cursos de especialização nas seguintes
modalidades: Ensino Rural, Intensivo de Administração Escolar,
Educação Pré-primária, Educação de Crianças Excepcionais, Ensino
Primário Complementar, Ensino de Desenho e Artes Plásticas, Ensino
de Músicas e Canto Orfeônico, Educação Física, Recreação e Jogos
(art. 4º, alíneas b, c. d e art. 21);
d) Superior, ministrada no Instituto de Educação, em Curso Normal
Superior, com duas séries anuais, formando professores primários
em nível superior (art. 2º, aliena c); e
e) Superior, ministrada no Instituto de Educação, em Curso de
Especialização de Administradores Escolares (art. 23). Essa formação
não deve ser confundida com a feita no curso da alínea anterior.
12
O anteprojeto foi relatado pelo Deputado Waldir Castro Quinta. Segundo o prof. Bretas, o relator “[...]
apresentou várias emendas que não alteravam o conteúdo, mas melhoravam a redação e a técnica
legislativa” (BRETAS, 1983, n. 7, p. 4).
Anísio Teixeira e o Instituto de Educação de Goiás
173
Além dos diversos níveis de formação que procuravam atender às
peculiaridades e possibilidades de cada região de acordo com o seu
desenvolvimento socioeconômico, foi amparada pela lei, a qualificação dos
professores leigos atuantes nas escolas primárias mediante o Curso de
Integração Profissional (art. 10). O caráter intensivo dado ao curso facilitava a
participação dos professores leigos, sem contudo, os afastar de suas funções.
Ministrado no período de férias escolares, o curso intensivo se apresentava
como a alternativa viável para a qualificação desses professores, sem impedir
a oferta do Curso de Integração Profissional com um ano de duração, também
para professores leigos.
A instituição do Curso Normal Superior no IEG, com o objetivo de formar
professores primários, talvez tenha sido a decisão mais idealista dos
professores legisladores, sendo que a mesma se apresentava ainda como
ambiciosa naquele momento, para uma sociedade que se mantinha em
diferentes estágios de subdesenvolvimento. Essa postura quase visionária
sofreu forte resistência dos mais conservadores que, no entanto, não
enfraqueceram as posições assumidas pelos progressistas. Esses acreditavam
na possibilidade de progresso acelerado, especialmente de Goiânia, pela
influência da nova capital federal, o que requeria níveis mais elevados de
formação. O movimento de resistência foi sintetizado pelo professor França,
que assim se expressou:
[...] nesta ocasião, por sugestão do Professor Bretas, introduziu-se o Curso
Normal Superior. Essa inovação, de início, causou certa espécie, porque os
antigos professores não atinavam com o alcance da formação de professores
em melhor nível. Nós sabíamos por experiência própria que os currículos
desse nível exigiam muita qualidade, levando em conta o desenvolvimento
do estado e a chegada de Brasília (FRANÇA, 1983, p. 10).
A experiência de formar professores no IEG em nível superior teve duração
muito curta. O Curso Normal Superior foi instituído em 1959 e extinto em
1962. Formaram-se nele apenas duas turmas. O seu fechamento,
contraditoriamente, não se deveu à escassez de alunos. A excessiva demanda
inquietava os dirigentes da Faculdade de Filosofia da Universidade Católica de
Goiás, temerosos da possível concorrência da escola pública que se apresentava
em condições de oferecer um curso de igual ou de melhor qualidade, atraindo
pessoas de menor poder aquisitivo. É importante ressaltar que a Escola Normal,
então Instituto de Educação, era tradicionalmente considerada uma “escola
de elite”. A ampliação das oportunidades educacionais, todavia, democratizou
o ingresso no IEG para as camadas de classe média inferior, que ainda não
tinham sido excluídas da escola pelo determinante econômico.
174
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
O interesse das classes privatistas da educação, apoiadas pela classe
política do estado, predominou sobre os interesses da escola pública, quando
o movimento deflagrado por dirigentes e alunos da Faculdade de Filosofia
se consagrou vitorioso. O discurso levado a público pelos acadêmicos da
faculdade, movidos pela ideologia da classe dominante, declarava a
inconstitucionalidade da Lei Orgânica do Ensino Normal de Goiás, valendose de um argumento não verdadeiro à época, de que a Lei Federal não
atribuía competência para os estados legislarem sobre o Ensino Superior.
Afirmavam também que era de exclusiva competência das Faculdades de
Filosofia a formação de professores em nível superior e que os egressos do
curso pós-normal seriam concorrentes no reduzido mercado de trabalho
oferecido pelo estado (BRETAS, 1983, p. 5).
A argumentação em defesa do Curso Normal Superior, comprovando
que a Faculdade de Filosofia formava profissionais para o Ensino Secundário
e que o Curso Normal formava profissionais para o Ensino Primário, embora
coerente, não teve ressonância na classe política, nem entre os dirigentes
da Secretaria de Educação e Cultura do governo Mauro Borges Teixeira, que
acabava de se instalar.
A Secretaria de Educação e Cultura não conseguiu provar a
inconstitucionalidade da lei estadual. Negou-se, entretanto, a diplomar os
concluintes do Curso Normal Superior e, aproveitando-se da aprovação da
LDB 4.024 de 20 de dezembro de 1961, considerou derrogada a referida Lei.
A Faculdade de Filosofia da Universidade Católica de Goiás se ofereceu
como alternativa de solução, recebendo os concluintes do curso pós-normal
para prosseguirem seus estudos (BRETAS, 1983, p. 7). Por concessão do
Conselho Federal de Educação à luz do Parecer n. 340/63 do CFE, de autoria
do conselheiro Valnir Chagas, os alunos foram matriculados no Curso de
Pedagogia mediante aproveitamento de estudos. O reconhecimento da
equivalência entre as duas séries do Curso Normal Superior e das duas série
iniciais do Curso de Pedagogia da Faculdade de Filosofia foi embasado
especialmente nas prudentes afirmações que se seguem:
[...] não viemos a inferir que “pós-secundário” é necessariamente
“superior”; limitamo-nos a acenar com a possibilidade de uma
“equivalência” a ser apurada nos casos onde esta existe de fato (grifo do
autor). Mas – sublinhamos então – sempre e unicamente onde ela existe,
significando isto que não poderá jamais ser decidida a priori, pelo que a
este Conselho caberá tão somente declarar a sua viabilidade, e às escolas
decidir sobre a própria aceitação desse tipo de aproveitamento de estudos
(CHAGAS, 1963, p. 71).
Anísio Teixeira e o Instituto de Educação de Goiás
175
Como se vê,
[...] não nos faltou a necessária prudência para falar em termos de
aproveitamento de estudos comprovadamente idênticos ou equivalentes, e
não de uma universal e obrigatória equiparação dos cursos de administradores
escolares à primeira metade do curso de Pedagogia (CHAGAS, 1964, p. 71).
As vicissitudes do Curso Normal Superior, que culminaram com a sua
eliminação, mereceram de seu idealizador e incansável defensor, estas
desiludidas palavras:
[...] é isto aí: uma província (província, sim), viciada em andar sempre atrelada,
como lanterninha, à cauda formada pelas demais províncias, não pode ter
iniciativa própria, não pode andar à frente da cabeça. A palavra nossa não
tem valor; só vale a que vem de cima (BRETAS, 1983, p. 7).
Ainda que o fechamento da Escola Normal Superior consistisse em uma
mutilação do IEG, a escola modelo de referência de formação de professores,
inspirada nas idéias revolucionárias de Anísio Teixeira, continuou sua trajetória
ascendente sob a égide da Lei 4.024/61.
4. Para concluir
No IEG, não só o preparo pedagógico teve grande significado na formação
de professores, como também a formação política coexistia com as práticas
pedagógicas. Exemplo disso é que nessa escola, por ocasião da instalação do
governo militar, após o golpe de estado de 1964, emergiu um núcleo de
resistência, particularmente formado por um grupo coeso de alunos críticos e
defensores incontestes da democracia brasileira.
A obra denominada Instituto de Educação de Goiás, em sua plenitude,
expressou um dos maiores êxitos das políticas educacionais empreendidas por
Anísio Teixeira no Inep. Lamentavelmente teve sua trajetória interrompida com
o advento da Lei n. 5.692/71. A implantação dessa lei descaracterizou totalmente
a escola de formação de professores, transformando-a em um complexo de
ensino de 1º grau. O Curso Normal com seu corpo docente e discente, por um
ato arbitrário da secretaria da educação, muito próprio da ditadura militar, foi
transportado para o Liceu de Goiânia, que com outras escolas, passou a compor
o Complexo de Ensino de 2º Grau. Em decorrência de uma política educacional
equivocada, o curso normal se transformou em Habilitação para Magistério de
2º Grau. Assim, a Escola Normal voltou às origens. Desestruturada, retornou à
condição de apêndice do Liceu de Goiás, perdendo sua autonomia e vigor. Sua
decadência foi decretada por essa Lei n. 5.692/71.
176
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
Nos dias atuais, reinstalada em seu prédio próprio no Bairro Vila Nova, a
modalidade normal começa uma outra trajetória no IEG, impulsionada pela
LDB 9.394/96.
Enfim, se os questionamentos introdutórios deste trabalho foram
equacionados com a demonstração das grandes realizações de Anísio Teixeira,
outra indagação ainda resta: o Instituto de Educação de Goiás poderá ressurgir
das poucas cinzas e brasas que sobraram, recuperando o seu audacioso projeto
como centro de referência de formação de professores para a Educação Infantil e
as séries iniciais do Ensino Fundamental com qualidade, em uma escola pública
gratuita e democrática, inserida na sociedade do conhecimento de nossos dias?
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178
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
PROGRAMA DE RECONSTRUÇÃO EDUCACIONAL NA BAHIA:
ANÍSIO TEIXEIRA (1952-1964)
Stela Borges de Almeida – UFBA
Joseania Miranda Freitas – UFBA
Introdução
Carlo Ginzburg (1989), traduzido no Brasil nos anos oitenta, oferece em
Mitos, emblemas e sinais: morfologia e história, um conjunto de pistas e
reflexões para a construção de um paradigma indiciário que muito vale ao
propósito de apresentar o programa de reconstrução educacional na Bahia,
executado sob a direção de Anísio Teixeira, de 1952-1964.
A metáfora do caçador em perseguições para reconstruir as formas e os
movimentos das presas invisíveis e de suas pegadas e trilhas, impondo-lhe as
ações de farejar, registrar, interpretar, classificar e fazer operações mentais
complexas para aproximá-lo dos processos que foram, muitas vezes, apagados
e destruídos, tem-nos instigado na busca de caminhos para reconstruir tal
programa que, pela sua magnitude e importância, deveria ter deixado com
certa visibilidade, suas pistas e marcas.
Pareceu-nos procedente iniciarmos consultando arquivos institucionais em
que pudéssemos obter registros da guarda da memória da educação no período,
complementando com depoimentos e entrevistas dos professores e participantes
das experiências educativas, uma vez que não dispúnhamos de estudos ou
pesquisas, diretamente voltados para a reconstrução do programa na Bahia.
A consulta aos arquivos institucionais e aos sites na Internet e a realização
de entrevistas no percurso do levantamento exploratório, realizado
exclusivamente para a elaboração deste trabalho, enfrentou a falta de
disponibilidade dos recursos existentes para tal empreendimento, de modo
que o que se segue é resultante do esforço de encontrar pistas e apontar
possibilidades para a importância de reconstruir o legado de Anísio Teixeira,
no período que se refere ao programa de reconstrução educacional. A despeito
disso, este trabalho apresentará relevantes resultados, embora que
preliminares e provisórios, do levantamento das principais ações educativas
que vinham sendo gestadas desde os anos 1920-1930 no Brasil, e que nos
anos 1952-1964, ganham maior visibilidade na Bahia, através da criação de
escolas experimentais e de demonstração para a formação de professores,
Programa de Reconstrução Educacional na Bahia
179
fundamentadas no princípio da relação entre o ensino e a pesquisa, através
do extenso programa de construções escolares rurais e urbanas e da
instalação da Biblioteca Infantil e do Centro Regional de Pesquisas
Educacionais da Bahia (CRPEBa).
Para a realização deste levantamento foram consultados os seguintes
arquivos1:
Arquivo e Biblioteca da Secretaria de Educação do Estado da Bahia: não
foram encontrados documentos relativos ao período. Na Biblioteca encontramse obras de Anísio Teixeira e de seus intérpretes e o livro do professor Luís
Henrique Dias Tavares, Duas reformas de educação na Bahia, 1895-1925,
produzido pelo CRPEBa.
Arquivo da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas: único arquivo que
dispõe de uma pasta do Inep, sob o n. 56, com documentos referentes,
principalmente, ao período de 1968 a 1973, quando a Faculdade de Filosofia
e Ciências Humanas ocupou as instalações do CRPEBa.
Arquivo Público do Estado da Bahia (Apeba): Seção do Arquivo Republicano/
Fundo da Secretaria da Educação e Saúde: foram encontrados os seguintes
documentos do período 1950-1964: relatório do Centro Educacional Carneiro
Ribeiro de 1951; resumo mensal do movimento escolar do Centro Educacional
Carneiro Ribeiro; um texto mimeografado sobre o Centro Experimental Alípio
Franca, de 1962, de Hermano Gouveia; a portaria que aprova os regimentos
das escolas rurais (1953); duas cartas recebidas pelo Secretário de Educação
e Saúde, acompanhadas de abaixo-assinado solicitando um curso pedagógico
noturno em Feira de Santana (1954); Lei n. 737 que dispõe sobre a instalação
de escolas normais oficiais e escolas técnicas profissionais. Essas informações
requerem cruzamento dos dados com outras fontes, uma vez que muitos
deles são cópias e segunda via com rasuras e sem especificações que permitam
contextualizar com maior detalhamento2.
Biblioteca Anísio Teixeira da Faculdade de Educação da UFBA: encontramse obras de Anísio Teixeira e de seus intérpretes, dissertações e publicações
diversas sobre o autor, coleção da Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos
(RBEP) e o Boletim Informativo do CRPEBa, de 1965 a 1972.
1
Foram contatados e concederam informações: Arquivo da Secretaria de Educação do Estado da Bahia:
Vanda Boaventura Moreira; Arquivo Público do Estado da Bahia - Seção Republicana: Marlene A. D.
Moreira; Biblioteca Anísio Teixeira: Ângela Deiró; Biblioteca da Faculdade de Educação da UFBA: Sonia
Vieira; Centro Educacional Carneiro Ribeiro: Isabel Souza; Projeto Memória de São Lázaro/Faculdade de
Filosofia e Ciências Humanas da UFBA: Heloísa Helena F. G. Costa; Fundação Anísio Teixeira: Anna
Christina Teixeira Monteiro de Barros; Instituto Anísio Teixeira - IAT: Iara Vieira Lima Soares; Instituto
Geográfico e Histórico do Estado da Bahia: Esmeralda Maria de Aragão e Arquivo da Faculdade de Filosofia
e Ciências Humanas da UFBA: Luís Alberto de Assis Borges Filho.
2
Levantamento realizado no APEBA na Seção Arquivo Republicano por Hermínia Glória dos Santos Cunha,
em março de 2003.
180
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
Biblioteca Anísio Teixeira (BAT): encontram-se obras de Anísio Teixeira e
de seus intérpretes, além das obras recém editadas sobre o autor, além obra
do professor Luís Henrique Dias Tavares, já citada.
Centro Educacional Carneiro Ribeiro: não foram encontrados documentos
tais como: atas, relatórios, cadernetas escolares, diários dos professores,
trabalhos dos alunos, entre outros registros referentes às atividades escolares.
A biblioteca dispõe de obras de Anísio Teixeira e de seus intérpretes, recortes
de jornais e revistas. O acervo iconográfico se encontrava disponibilizado
apenas para a consulta de uma pesquisadora da UFBA, em coleta de dados
para tese de doutoramento.
Fundação Anísio Teixeira: foi feito contato com a diretora Anna Christina
Teixeira Monteiro de Barros que viabilizou o acesso às instituições e aos
arquivos necessários ao levantamento.
Instituto Anísio Teixeira (IAT): encontram-se obras de Anísio Teixeira e
de seus intérpretes e números avulsos da Revista Brasileira de Pesquisas
Educacionais – RBPE.
Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (IGHBa): além das obras de Anísio
Teixeira, encontra-se o exemplar do Diário Oficial do Estado da Bahia de 17 de
dezembro de 1950, que consta a publicação da Lei n. 347 de 13 de dezembro
de 1950, que criou a Fundação para o Desenvolvimento da Ciência na Bahia,
garantindo recursos para a sua manutenção.
O Centro Educacional Carneiro Ribeiro – “Escola-Parque”
Essa foi a obra educacional que mais se destacou no período, e a que
se mantém até hoje. Dada a sua importância no Programa de Reconstrução
Educacional, consideramos relevante apresentar sua concepção, aspectos
do seu funcionamento e informações sobre o seu momento atual, quando
possível, pelo discurso do seu criador. A história do Centro Educacional
Carneiro Ribeiro através dos depoimentos dos professores, alunos e
funcionários, ainda está por fazer.
Em 21 de setembro de 1950, foi inaugurado em Salvador, o Centro Popular
de Educação, designado pelo governador Otávio Mangabeira de Centro
Educacional Carneiro Ribeiro (CECR), comumente referido como ‘Escola-Parque’.
Foram construídos, inicialmente, três pavilhões. O projeto de construção
constava de quatro “escolas-classe” de nível primário, para atender 1.000
alunos em cada escola, prevendo-se o funcionamento em dois turnos e de
uma “escola-parque” com sete pavilhões destinados às chamadas práticas
educativas. O projeto de construção foi encomendado ao escritório de
arquitetura de Paulo de Assis Ribeiro e contou com a colaboração dos arquitetos
Diógenes Rebouças e Hélio Duarte (ÉBOLI, 1969b).
Programa de Reconstrução Educacional na Bahia
181
O CECR, localizado em Salvador, instalou-se na Liberdade, na Caixa D’Água,
em Pero Vaz e em Pau Miúdo, bairros onde moravam segmentos pobres da
população baiana, em sua maioria negra e com pouca escolaridade. A finalidade
do centro era reconstruir a escola primária pública, conforme diz o seu criador:
“A construção desses grupos obedece a um plano de educação para a cidade
da Bahia, que visa restaurar a escola primária, cuja estrutura e cujos objetivos
se perderam nas idas e vindas da nossa evolução nacional” (TEIXEIRA, 1959, p.
78). A construção deste Centro de Educação Primária representava:
[...] o começo de um esforço pela recuperação da Escola Primária pública e um
ensaio de solução para a sociedade moderna: foi com o objetivo de oferecer um
modelo para esse tipo de escola primária que se projetaram, na Bahia, os Centros
de Educação Primária, de que o Centro Educacional Carneiro Ribeiro em Salvador,
constituiu a primeira demonstração” (TEIXEIRA, 1962, p. 25).
A crítica ao processo simplificador e improvisado da escola primária
brasileira estava presente no discurso de Anísio Teixeira e representava o
desejo do educador de construir uma escola integral que educasse o aluno:
[...] e contra essa tendência à simplificação destrutiva que se levanta este
Centro Popular de Educação. Desejamos dar, de novo, à escola primária, o
seu dia letivo completo. E desejamos dar-lhe os seus cinco anos de curso. E
desejamos dar-lhe seu programa completo de leitura, aritmética e escrita, e
mais ciências físicas e sociais, e mais artes industriais, desenho, música,
dança e educação física. Além disso, desejamos que a escola eduque, forme
hábitos, forme atitudes, cultive aspirações, prepare, realmente, a criança
para a sua civilização – esta civilização tão difícil por ser uma civilização
técnica e industrial e ainda mais difícil e complexa por estar em mutação
permanente. E, além disso, desejamos que a escola dê saúde e alimento à
criança, visto não ser possível educá-la no grau de desnutrição e abandono
em que vive (TEIXEIRA, 1959, p. 79).
A realização do desejo do educador era modesta no seu entender, embora
houvesse argumentos contrários por considerarem o projeto de natureza
grandiosa e visionária.
O começo que hoje inauguramos é modestíssimo: representa apenas um
terço do que virá a ser o Centro completo. Custará, não apenas os sete mil
contos que custaram estes três grupos escolares, mas alguns quinze mil
mais. Além disto, será um centro apenas para 4.000 das 40.000 crianças que
182
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
teremos, no mínimo, de abrigar nas escolas públicas desta nossa cidade.
Deveremos possuir, e já não só este, como mais 9 centros iguais a este
(TEIXEIRA, 1959, p. 82).
O desenho arquitetônico do centro de educação permite observar a
dimensão do projeto, concebido para atender 4.000 alunos, sendo 1.000
alunos matriculados em cada escola-classe.
A escola primária seria dividida em dois setores, o da instrução,
propriamente dita, ou seja, da antiga escola de letras, e o da educação,
propriamente dita, ou seja, da escola ativa. No setor da instrução, manterse-ia o trabalho convencional da classe, o ensino da leitura, escrita e
aritmética e mais ciências físicas e sociais e no setor educação – as
atividades socializantes, a educação artística, o trabalho manual e as
artes industriais e a educação física (TEIXEIRA, 1959, p. 82).
A construção do Centro Educacional Carneiro Ribeiro se fez por
etapas. Inicialmente, se inaugurou três pavilhões, sendo que todo o
conjunto se concluiu em 1963, com a seguinte disposição: quatro ‘escolasclasse’, com capacidade para 480 alunos por turno e uma ‘escola-parque’
com capacidade para 1.960 alunos. A “escola-parque” compreendia o
pavilhão de atividades de trabalho; um ginásio de esportes; duas quadras
de esportes ao ar livre com arquibancadas; uma pequena concha acústica,
também designada de teatro ao ar livre; um cine teatro para 540
espectadores, possuindo dependências para aulas de canto, música,
dança e local para preparação dos cenários; uma biblioteca; um pavilhão
para as atividades consideradas de socialização (banco, lojas, correio);
a secretaria; uma cozinha com capacidade para atender 4.000 almoços
em duas horas; uma padaria; e, uma lavanderia. Segundo Hildérico
Oliveira, o centro educacional “funcionou de modo magistral durante
vinte anos, até 1974, quando começou o seu declínio material e funcional”
(OLIVEIRA, 1988, p. 38) 3.
A complexidade do funcionamento do centro era previsível, uma vez
que funcionaria em tempo integral, em sistema de turnos, sendo comparado
a uma universidade infantil. A população escolar seria atendida nas
‘escolas-classe’, isto é, escolas de ensino de letras e ciências e num
conjunto de edifícios centrais designado de “escola-parque”.
3
Hildérico Pinheiro Oliveira foi diretor do Serviço de Obras da Secretaria de Educação e Saúde do Estado
da Bahia, de março de 1948 a janeiro de 1951.
Programa de Reconstrução Educacional na Bahia
183
A “escola-classe” aqui está: é um conjunto de 12 salas de aula, planejadas
para o funcionamento melhor que for possível do ensino de letras e ciências,
com disposições para administração e áreas de estar. É uma escola parcial e
para funcionar em turnos. Mas virá integrá-la a escola-parque. A criança
fará um turno na escola-classe e um segundo turno na escola-parque. Nesta
escola, além dos locais para suas funções específicas temos mais a biblioteca
infantil, os dormitórios para 200 das 4.000 crianças atendidas pelo Centro e
os serviços de gerais e de alimentação (TEIXEIRA, 1959, p. 83).
Quanto ao corpo de professores para atuar no centro, previa-se a sua
formação através de cursos de aperfeiçoamento e treinamento do magistério,
com apoio do Inep. Assim, refere-se Anísio Teixeira, em relato sobre Uma
experiência de educação primária integral no Brasil, publicado em 1962.
Os conjuntos escolares assim organizados deverão ser utilizados como
centros de treinamento do magistério, pelo método de aprendizado. Deste
modo, justifica-se o seu custo elevado, bem como o caráter experimental do
projeto, destinado a servir de modelo para a reconstrução da educação
primária e à formação do novo magistério requerido pela escola assim
ampliada. [...] O magistério para as novas atividades desse Centro recrutouse entre os professores normalistas do Estado para as escolas-classe de
ensino convencional, recebendo os destinados às demais atividades
treinamento especial, nos cursos especiais de formação organizados pelo
Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (TEIXEIRA, 1962, p. 26-27).
Estava previsto, no plano inicial, o atendimento das crianças órfãs ou
abandonadas num sistema de internato, intenção que nunca se concretizou.
Existe a intenção de completar o plano do Centro Carneiro Ribeiro com a
construção de residência para 200 alunos, ou seja, cinco por cento da matrícula
total. Este pavilhão de residência abrigará as crianças órfãs ou abandonadas,
que exijam educação com internamento. [...] Serão as crianças chamadas
propriamente de abandonadas, sem pai nem mãe, que passarão a ser não as
hóspedes infelizes de tristes orfanatos, mas as residentes da escola-parque,
às quais competirá a honra de hospedar as suas colegas, bem como a alegria
de freqüentar, com elas, as “escolas-classe” (TEIXEIRA, 1959, p.27 e 83).
Era o começo de um esforço de recuperação da escola primária pública.
Representava a construção de um modelo de escola primária que constituísse
a primeira demonstração, um ensaio de solução, para a integração da
população pobre na sociedade moderna.
184
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
Em 1967, dezessete anos após a criação do centro educacional, Anísio
Teixeira fala sobre A Escola-Parque da Bahia, e diz:
[...] em todo esse período, registro ter contado com certa liberdade, duas
vezes: quando imaginei e projetei a Universidade do Distrito Federal e quando
imaginei e projetei este Centro. A Universidade foi tragada pela reação de
37, este Centro está sobrevivendo, apesar de não faltarem ameaças. O longo
convívio com as escolas deu-me uma experiência profunda da extraordinária
imobilidade da sociedade brasileira. [...] Hoje, o Centro ainda não está
completo. Faltam as residências para as crianças chamadas abandonadas,
que aqui deveriam estar como os habitantes do Centro, que iriam durante o
dia, hospedar os alunos do regime de semi-internato em que funciona. A
despeito de todas aquelas dificuldades, já referidas, o plano executou e
estas escolas se fizeram o exemplo de algo de novo no campo da educação.
A experiência correu mundo. Seus visitantes, em muitos casos, encheram-se
de entusiasmo. As Nações Unidas, em um documentário de escolas de todo
o mundo, escolheram este Centro para um dos seus filmes e exibiram por
toda a parte. Tudo isto se fez com a prata da casa. Não houve para essa
experiência nem auxílio nem assistência técnica estrangeira de qualquer
natureza. Os professores são todos nossos e os que tiveram a oportunidade
de aperfeiçoamento, aperfeiçoaram-se aqui, no Brasil, em cursos do Inep
(TEIXEIRA, 1967a, p. 246 e 252).
Sobre a direção do centro e o corpo de professores ele diz4:
[...] a diretora, que se devotou à experiência com toda alma, é uma professora
formada em uma das escolas normais, a de Caetité, no Estado da Bahia e
sua grande experiência de educadora foi adquirida no ensino em escolas
normais, na direção de escolas, aqui entre nós e no estudo e convívio com
as crianças brasileiras de todas as classes. O ofício de educador exige o
melhor conhecimento possível da vida e de suas exigências, no sentido da
capacidade de pensar e agir inteligentemente dentro da sociedade e
cultura ambiente. A diretora do Centro possui esses dois conhecimentos
por cultura pessoal e por vivência educativa. Por isso é que a experiência
deste Centro pôde ter, dentro de nossas limitações, o sucesso que teve. A
seu lado, um corpo de professores admiráveis realizou, em silêncio, uma
4
Segundo Relatório do Centro Educacional Carneiro Ribeiro de 1951, localizado no APEBA, a matrícula era
de 1.048 alunos na Escola Classe 1; 1.109 alunos na Escola Classe 2; 1.057 alunos na Escola Classe 3. Os
mapas de freqüência diária e os gráficos com as notas mensais dos alunos indicam o processo de aferição
de notas, com destaque e a freqüência do mês de novembro de 1950 é apresentada por curso e sexo. O
relatório contém a relação dos nomes dos professores e estagiários.
Programa de Reconstrução Educacional na Bahia
185
experiência nova, que mereceu o respeito de quantos dela puderam tomar
conhecimento, e que aí está sob a vista de todos nós, para mostrar que
podemos reconstruir a escola primária, por nós mesmos, desde que nos dêem
as condições para isto (TEIXEIRA, 1967a, p. 253).
Nas lembranças de Vera Lúcia Lopes dos Reis, aluna da Escola-classe 2,
Dona Carmem conhecia todos os alunos:
[...] eu me lembro dela, magrinha, baixinha, cabelinho preto (sorri), de óculos,
me lembro dela. Ela conhecia a gente, nós éramos pobres, como a música
canta, né... pobre dó, ré, mi, de, si, nós éramos assim. Nós éramos conhecidas
por Dona Carmem porque éramos as cinco irmãs da Escola Classe 2. O que
uma fazia de errado, as cinco apanhavam (risos). A nossa vida foi de escola
pública. Minha mãe, ela era costureira e fazia as nossas roupas e ajudava na
manutenção. Nós fomos matriculadas na escola classe 2 e para entrar na
escola foi muito difícil, eu tinha sete anos. Eu me lembro de ficar no portão,
chegávamos muito cedo... a farda era uma camisa branquinha e tinha uma
saia plissada azul. Agora o que eu me lembro mais era a farda de Educação
Física, que era um tipo de anarruga listadinha, a minha era lilás. Nós tínhamos
lilás, azul e verde que era lavada e passada na escola. A gente já trazia a
roupa limpa, já passada para vestir no dia seguinte. Porque nós fazíamos a
fila para entrar em sala e eram revistadas as fardas... Então nossa mãe tinha
a preocupação de botar goma e anil, uma pedra azul na farda, isso para a
Escola-classe 2, a farda da Escola Parque já limpava lá5.
As lembranças são muitas e variadas, na emocionada fala de Vera e de
sua irmã, que em sua companhia lembrava do centro educacional em que
estudara no início dos anos sessenta. Ao folhear o conjunto de fotografias,
evoca a memória do passado no presente e a sua fala vai diminuindo,
diminuindo e faz-se silêncio: Aqui, olha aqui, isso aqui... o setor de trabalho...
as mesinhas... as pinturas... os trabalhos... ( emociona-se e sorri muito).
O único conjunto de documentos do arquivo do Centro Educacional Carneiro
Ribeiro – ‘Escola-parque’ – disponibilizado para consulta, em agosto de 2001,
o acervo iconográfico da instituição, encontrava-se em processo de organização,
classificação, catalogação e acondicionamento em pastas, por equipe de
professores.
5
Entrevista concedida por Vera Lúcia Lopes dos Reis, para atividades de ensino e pesquisa desenvolvida na
disciplina Tópicos Especiais de Ensino, no Núcleo de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal
de Sergipe. Cf. Notas de aula. Stela Borges de Almeida, NPGED/UFS, agosto de 2001.
186
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
O acervo iconográfico se encontrava disposto em dois álbuns de madeira,
numa dimensão de 80 x 50 cm, envolto em papel pardo, quatro pastas
transparentes, quatro pastas vermelhas, três pastas fumês, quatro pastas azuis,
uma pasta preta, três envelopes pardos e cartazes diversos. Conforme
informações dos professores que participaram da sua organização, as fotografias
foram agrupadas, na medida do possível, por atividades desenvolvidas e por
setores, contando com a colaboração de professores mais antigos que se
dispuseram a identificar personagens, cenários e, quando possível, nome de
alunos, professores e funcionários. A maioria das fotografias não dispunha de
identificações do período em que foram produzidas, dos nomes dos personagens
que foram retratados, dos cenários escolhidos para as representações, nem do
fotógrafo que as capturou. As temáticas encontradas eram as mais diversas,
dentre elas: grupos de alunos, grupos de professores, atividades do setor artístico
(teatro, canto, música), do setor de trabalho e de educação física, exposições
do setor de trabalho, dependências internas da escola, áreas externas da escola,
visitantes e pais de alunos, dentre outras. Em fevereiro de 2003, em coleta de
dados para a elaboração deste artigo, a informação obtida é a de que as
fotografias salvas tinham sido encaminhadas para estudo.
Os professores se referem à perda das atas, dos relatórios, das cadernetas,
dos livros de matrícula, dos registros das rotinas e do cotidiano da vida escolar.
Muitos professores e funcionários falam do Centro Educacional Carneiro Ribeiro
com saudade, recordam os colegas, os trabalhos realizados, mencionam a
diretora Dona Carmem, e muitos, também, falam dele com grandes queixas e
mágoas daquela experiência.
Hoje, o futuro do Centro é incerto. As instâncias governamentais, os
pesquisadores vinculados às diferentes instituições educativas, o corpo
administrativo e o de professores, permanecem em busca de soluções, as
mais diversas e contraditórias e, em muitas vezes, tensão. Para muitos, o sonho
não acabou, para outros, o Centro se transformou em um pesadelo.
Há controvérsias e diferentes posições e percepções sobre o significado da
sua proposta pedagógica hoje. Recolhemos o depoimento de dois professores
pesquisadores com participação e larga contribuição na vida educacional de
Salvador, que assim se pronunciaram, sobre as ações educativas, no período:
[...] os governos da Bahia nunca privilegiaram a questão educacional, mesmo
o Mangabeira, desde a época de Anísio. Tanto é que a Escola Parque foi
inaugurada em 50 ainda muito incompleta. E se Anísio não vai em 52 dirigir
o Inep e se não consegue no governo federal que o Instituto seja a instituição
de política de Ensino Fundamental, Ensino Primário na época, não consegue.
É por isso que ele fez aqueles centros regionais e centro nacional e aí o
Programa de Reconstrução Educacional na Bahia
187
governo federal financia o Inep e financia a Escola Parque. Se não fosse
isso essa escola não estaria concluída. A escola ficou ligada ao governo
federal, tanto isso é verdade que o grande corpo de professores que
existia lá, era de funcionários federais, os antigos. [...] Os funcionários
eram da universidade, o estado nunca mostrou nenhum interesse
educacional profícuo, conseqüentemente, com o afastamento da irmã
dele e depois a morte dele, inclusive com a incapacidade das gestões
educacionais estaduais, eles não conseguem entender o significado do
Centro. Entenderiam se fosse uma Febem. O menosprezo que a burguesia
e a elite do nordeste têm pelo povo é um negócio violento, a indiferença.
Esse movimento da Escola Parque hoje, obras etc., tem muito a ver com o
centenário de Anísio, porque o governo baiano ficou envergonhado. Como
um estado, que é pioneiro no processo educativo, tem indicadores
educacionais os mais comprometedores do Estado brasileiro. Eles estão
com vergonha e achando que é preciso fazer alguma coisa e aí foram
fazer o que eles mais sabem fazer, obras. A faculdade de educação esteve
em contato, porque desde reitor, eu queria que o estado passasse a
Escola Parque como comodato à universidade, eu acho que a faculdade
de educação deveria estar lá. É ali que deveria se formar os novos
pedagogos hoje, mas nunca consegui. Além do estado não fazer
absolutamente nada lá, não deixa os outros fazerem. E agora, a
interpretação eu acho dramática, a dinâmica pedagógica da proposta
de Anísio é interpretada como trabalho profissional. Não é esse o caso. É
uma deturpação do conceito de trabalho em Anísio 6.
Sobre as ações educacionais desenvolvidas na Bahia, sob a influência do
Inep, isso teria que ser objeto de uma pesquisa, porque a rigor, o que foi o
Crinep 7 em cada estado, onde ele se instalava teve um desenvolvimento
diferenciado no campo da pesquisa e do ensino. E aqui, o Centro
Educacional Carneiro Ribeiro antecede a ida de Anísio para o Inep e o
CECR já existia. Se de um lado significou uma possibilidade de Anísio colocar
em prática toda uma perspectiva que ele tinha da ação no campo da
educação, isso foi favorecido por um momento singular na Bahia, a
redemocratização, o governo Mangabeira e a especificidade que significou
seu governo no Estado da Bahia [...]. A pesquisa, a formação continuada de
professores e a experiência educacional inovadora são ações distintas.
Porque o Crinep não era a mesma coisa que o CECR, e é necessário conhecer
o que os distinguiam [...]. A impressão que eu tenho é a de que aqui era o
6
Entrevista concedida pelo Prof. Luiz Felippe Perret Serpa, em maio de 2001, para a disciplina Tópicos
Especiais de Ensino, NPGED/UFS, 2001.
CRINEP, esta é a denominação usual encontrada para os Centros Regionais do INEP.
7
188
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
espaço onde Anísio pôde implementar, via Dona Carmem, o que ele
considerava melhor para a educação. Com o governo militar houve um
desmonte de uma forma extraordinária, da experiência do CECR. Lotam-se os
professores na UFBA, liquida-se de uma forma dolorosa o Crinep, literalmente.
Desmontam também o CECR, lotam-se os professores na UFBA, ao mesmo
tempo em que a UFBA absorve o pessoal de uma instituição que não tem
nada a ver com ela. Vai desfalcando e jogando para a universidade, liquidam
com a formação continuada de professor. Hoje o CECR não poderia ser o que
foi no passado, ainda que os princípios sejam válidos, as condições históricosociais são outras. Além das mudanças do mundo hoje, o CECR nasce naquele
espaço da cidade de Salvador, que poucos conhecem. [...]8.
A Escola de Aplicação ou Escola da Alegria
Seis anos após a inauguração do Centro Educacional Carneiro Ribeiro, a
Escola de Aplicação foi criada em Salvador. O registro desse projeto educativo
se encontra no livro de Terezinha Éboli, Uma escola diferente, que apresenta
na sua introdução, uma epígrafe de Anísio Teixeira e outra de Rachel de
Queiroz. Diz Anísio:
[...] a Escola de Aplicação é a cousa mais próxima que conheço de uma
escola que adquiriu tanto quanto possível as condições iguais às da vida nos
seus atributos educativos. Viver é educar-se. Ou damos à atividade intencional
de educação as condições da chamada educação ‘inintencional’ ou não se
faz a educação que se pretende. A escola experimental do CRPE é uma
experiência em teoria e método de educação, é uma experiência em
qualidade. Reputou-a, a cousa melhor que se está fazendo no Brasil. Quando
se publicarem aqueles diários, vão fazer literatura de educação para ficar.
Serão algo como Pestallozi no século XVIII. Não é possível fechá-la (TEIXEIRA
apud ÉBOLI, 1969a).
O objetivo da escola era a demonstração de métodos de educação e ensino,
servindo de campo de observação e experimentação de professores estagiários
que participavam dos cursos de aperfeiçoamento promovidos pelo Inep. Estava
localizada num prédio construído em terreno do CRPEBa, onde atualmente
funciona a Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal
da Bahia, na Estrada de São Lázaro, no bairro da Federação.
8
Entrevista concedida pela Profa. Iracy Picanço, em 22 de outubro de 2003, responsável pela pesquisa: O
Centro Educacional Carneiro Ribeiro: resgate de uma experiência educacional. UFBA, FAPESB, FAT, 2002-2003.
Programa de Reconstrução Educacional na Bahia
189
Era uma escola diferente das demais, na medida em que não tinha uma
finalidade seletiva e preparatória para fases posteriores do ensino. Sem graus
e séries estabelecidos, usou-se o critério de organização das turmas sem levar
em conta a graduação escolar. As turmas foram constituídas por critérios de
interesse comuns, próprios de cada idade. Buscava-se atender as diferenças
individuais e se promovia a formação de cada um, de acordo com suas aptidões.
Tendo a criança como o centro de seu projeto pedagógico, as atividades eram
consideradas predominantemente lúdicas e que evoluiriam para um trabalho,
que por sua vez, daria lugar ao estudo. As atividades se adequavam às crianças,
atendendo os seguintes princípios: considerar a criança como centro; promover
um currículo baseado em atividades e não em matérias de ensino; escolher
atividades de acordo com os interesses e objetivos da criança; integrar as crianças
na vida comunitária; e, promover a educação integral (ÉBOLI, 1969a).
A escola era chamada Cidade da Alegria, com seus bairros (salas), suas
instituições, serviços públicos, casas comerciais e fábricas. Havia inclusive,
uma loja para venda de brinquedos, mercado onde se encontravam os produtos
da horta e plantas ornamentais, armazém para a venda dos produtos
industrializados, livraria com livros de histórias escritos e cartões e cadernos,
todo este material confeccionado pelas crianças.
Dentre as várias atividades da Cidade da Alegria, selecionamos um dos
exemplos apresentado pela autora, o de atividades com Ciências Naturais
através do museu, do jardim zoológico e das coleções de botânica:
[...] era de apreciar a atitude de ‘pesquisadores’ demonstrada ao encontrar
girinos, grilos, gafanhotos, lagartas, borboletas, ou quando recolhiam folhas,
flores, plantas diversas, ou ainda uma pedra diferente, um pouco de areia ou
terra, tudo isso trazido à classe com o objetivo de examinar-lhes as
características e propriedades ou acompanhar a metamorfose, descobrir a
utilidade ou nocividade dos pequenos animais e de como mantê-los vivos,
na sala, para uma observação mais minuciosa e conseqüentes redescobertas
de como vivem, de que se alimentam, de como se reproduzem, etc. E o registro
em ficha de todas as observações eram um hábito (ÉBOLI, 1969a, p. 30).
Esse mesmo procedimento era observado em relação às várias atividades que
eram desenvolvidas na escola, tais como: de jornalismo, de serviços de correios e
telégrafos, de serviço de biblioteca, de cartórios, de limpeza pública, de cinema,
entre outras. No livro, há uma documentação detalhada sobre as atividades educativas
realizadas na escola durante os anos de seu funcionamento: relatórios, diários,
relatos de professoras, relatos de excursões realizadas, programas de ensino, assim
como uma documentação fotográfica com 16 imagens de diferentes atividades
190
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
que se referem ao trabalho dos alunos em sala de aula, na horta, em experiências
de Ciências Naturais e no momento da merenda escolar.
Com base nesses princípios, as crianças seriam levadas a desenvolver
atividades numa ação inteligente e na continuidade de propósitos,
respondendo com responsabilidade os atos no trabalho de colaboração em
grupo, na percepção das capacidades e deficiências próprias e alheias, no
sentimento de solidariedade, na aquisição do sentido de objetividade, na
capacidade de autonomia, liderança e autocontrole.
A escola funcionou de 1956 a 1961 como uma experiência pedagógica,
oferecida para crianças pobres do bairro da Federação e de outros bairros da
cidade, sendo considerado, o seu fechamento, uma nota triste no relato de
ex-alunos:9
[...] neste colégio tive os melhores momentos de minha vida, lembranças
inesquecíveis. Aprendi a viver socialmente. Um aprendizado valioso (O.
A., 6 anos na escola).
Tudo que vemos não é surpresa, porque a Escola de Aplicação já nos
ensinava (A., 4 anos na escola).
Tudo que aprendi me é útil atualmente na vida prática (T., 3 anos na escola).
Anísio Teixeira atribui o fechamento da escola a pouca renovação da
sociedade:
[...] vê-se aí com clareza meridiana a trágica ironia da renovação educacional sem
a renovação da sociedade. A experiência escolar termina. A sociedade não acolhe
as crianças que deixam a escola com nenhum quadro organizado de trabalho e
emprego, ou de continuação da educação (TEIXEIRA apud ÉBOLI, 1969a, p. 19).
Por onde andam os ex-alunos da Escola da Alegria? Que lições aprenderam
e guardaram dos seus dedicados professores? Encontramos apenas fragmentos.
Suas breves falas nos dizem da satisfação de ter convivido e participado daquela
experiência, e suas fotografias, que escaparam do desaparecimento, reafirmam
as reflexões de Moura (1983) sobre os retratos quase inocentes, quando diz:
“os povos privados de sua imagem estão condenados a morrer duas vezes”. E
também, aproxima-nos das reflexões de Benjamin (1994) que acrescentam:
“[...] as fotos se transformam em autos no processo da história. Nisso está a
sua significação política latente, [...] elas inquietam o observador, que pressente
que deve seguir um caminho definido para se aproximar delas”.
9
Os ex-alunos se encontram nominadas por suas iniciais e número de anos passados na Escola.
Programa de Reconstrução Educacional na Bahia
191
Selecionamos para este artigo, por limites de espaço, seis imagens dentre
as centenas e centenas do volumoso e rico acervo da escola. São resultantes
do processo foto da foto, realizado pelo fotógrafo Edson Porto e as legendas,
ainda sem identificação dos personagens, foi possível pela consulta ao acervo
e aos seus organizadores, em agosto de 2001. 10
Foto 1 - Aluno da Escola Parque em atividade no
setor de trabalho. CECR, 1950/60.
Foto 2 - Aluna da Escola Parque em atividade no
setor de trabalho. CECR, 1950/60.
10
A documentação iconográfica da Escola de Aplicação encontra-se no mesmo conjunto de registros
fotográficos que as da Escola Parque. O tratamento deste acervo requer uma pesquisa de natureza
histórica que reconstrua juntamente ao acervo, a identificação dos personagens e de suas diferentes e
múltiplas histórias de vida, através dos depoimentos de ex-alunos, professores e funcionários.
192
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
Foto 3 - Professoras na horta. CECR, 1950/60.
Foto 4 - Alunos da Escola de Aplicação em atividades,
Estrada de São Lázaro. CECR, 1950/60.
Programa de Reconstrução Educacional na Bahia
193
Foto 5 - Alunos da Escola de Aplicação em atividades em sala de
aula, Estrada de São Lázaro. CECR, 1950/60.
Foto 6 - Anísio Teixeira, professoras e alunos em
exposição de trabalhos. CECR, 1950/60
194
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
A Biblioteca Infantil Monteiro Lobato
A presença de Anísio Teixeira na direção do Inep, entre 1952 e 1964, foi
importante para outra instituição educacional não escolar, na Bahia, a Biblioteca
Infantil Monteiro Lobato (BIML), primeira na Bahia e segunda no Brasil, destinada
exclusivamente ao público infanto-juvenil. Institucionalmente, a BIML foi criada
como órgão da Secretaria de Educação do Estado da Bahia a partir do interesse
da Profª. Denise Fernandes Tavares e de um grupo de amigos de Monteiro Lobato.
O cenário político e econômico vivenciado naquele momento foi marcado pelo
fim da Segunda Guerra Mundial, sendo governador da Bahia Otávio Mangabeira
(1947-1951), que havia retornado do exílio político. Prevendo grandes reformas
nos setores de educação, cultura e saúde, o governador convidou Anísio Teixeira
para a secretaria a que competiam essas áreas. Sobre esse convite, Anísio Teixeira
assim comentou, mais tarde, na nota explicativa do livro Educação é um direito:
[...] a atmosfera de ‘redespertar’ democrático em que se encontrava o país
comunicava a todos nós, reunidos em volta de Octávio Mangabeira, um espírito
de tranqüila confiança na renovação nacional. [...] Era a oportunidade para a
constituição do Estado formular fundamentos novos para o sistema estadual
de educação, estabelecido pela Constituição Federal (TEIXEIRA, 1967b, p. 9).
O educador Anísio Teixeira pensava o sistema educacional e cultural de
forma integrada, onde se articulavam bibliotecas, museus e escolas:
[...] ao invés de sistemas paralelos e duplicados de escolas, auxiliaria o Governo
Federal, as instituições básicas - bibliotecas e museus - que iriam servir, em cada
estado, de focos permanentes para a vitalidade e a riqueza das próprias escolas.
Precisamos sair das pequeninas e estreitas reivindicações unificantes de currículos
e programas e sentir que a unidade e a vitalidade das culturas se promovem
pela difusão, fertilização mútua de suas variedades, entre si [...], daí serem os
museus e bibliotecas as instituições básicas da educação. Não seria absurdo
dizer que, em verdade, antecedem à escola. Pois esta só pode realmente educar,
se tiver a nação um sistema de bibliotecas e museus (TEIXEIRA, 1956a).
A concepção de educação ‘anisiana’ não se limitava à instituição escolar
como se vê acima, por isso, em muitos momentos, a história dessa biblioteca
se entrelaçou ao CRPEBa, principalmente através de auxílios para a reconstrução
do seu prédio. Para a compreensão dessas relações é preciso considerar as
diversas forças sociais e políticas que configuraram os diversos tempos e
espaços em que elas se dão, verificando-se, entre essas forças, como chama
atenção Milton Santos, uma efetiva interdependência entre os dados
Programa de Reconstrução Educacional na Bahia
195
institucional, econômico, cultural e individual que se interdependem e
interagem (SANTOS, 1993, p. 8).
No entendimento de Denise Tavares, era preciso oferecer às crianças
mais que ler, escrever e contar, era preciso estimular a criatividade e a fantasia,
permitindo que elas se expressassem livremente, nisto se inspirava em
Monteiro Lobato, que vislumbrava a possibilidade de uma educação que
respeitasse a criança como diferente do adulto e não como uma miniatura ou
um futuro adulto.
A instalação e a manutenção da BIML foram marcadas por uma seqüência
de lutas e conflitos. Sustentando a persistência e a determinação de Denise
Tavares em criar uma biblioteca infantil, havia o apoio incondicional de Anísio
Teixeira, que via na proposta da educadora a possibilidade do estado contar
com um equipamento sociocultural que atendesse o público infanto-juvenil.
O ideário de Denise Tavares afinava-se ao de Anísio Teixeira, com a proposta
de defesa de uma rede de equipamentos culturais, essenciais à existência do
sistema escolar.
Após a administração do Governador Otávio Mangabeira e a ida do
Secretário Anísio Teixeira para o Rio de Janeiro, a BIML passou por um período
de dificuldades, pois existia uma política de não continuidade das obras dos
governos passados, como se essas não fossem bens públicos, mas
pertencentes àqueles que as criavam ou as construíam.
Foram muitas as dificuldades para o recebimento das verbas necessárias
à ampliação da biblioteca. Denise Tavares as solicitou, a princípio, ao
Governador do estado Régis Pacheco, que não a atendeu de imediato. Por
isso solicitou ao Ministério da Educação e também a Anísio Teixeira, que
dirigia o Inep, a colaboração com parte dos recursos. Mesmo trabalhando
especificamente com construções escolares, o CRPEBa colaborou com o projeto
de construção do segundo prédio da biblioteca. Como não houve a participação
direta da Secretaria da Educação, ao ato inaugural, não compareceu nenhum
membro dessa instituição, já com o novo Secretário, Renato Vaz Sampaio (11
agosto de 1954 a 09 de abril de 1955), como chamou atenção a imprensa:
[...] causou reparo o não comparecimento de sequer um representante da
Secretaria de Educação. [...] O ato inaugural propriamente dito, constituiu
originalidade porque não foram chamadas as autoridades presentes, sim,
um representante dos donos da festa (ABREM-SE..., 1954).
A fita inaugural desse novo prédio foi cortada pelo representante dos donos
da festa, o leitor Luiz Antônio da Silva. As autoridades baianas ainda não haviam
compreendido a dimensão do projeto pedagógico da biblioteca infantil.
196
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
O Centro Regional de Pesquisas Educacionais da Bahia (CRPEBa)
Em 28 de setembro de 1955, foi criado o Centro Brasileiro de Pesquisas
Educacionais (CBPE), no Rio de Janeiro, então capital do país, e os Centros
Regionais em cinco estados: Bahia, Pernambuco, Minas Gerais, São Paulo e
Rio Grande do Sul, que deveriam iniciar o seu funcionamento no ano seguinte.
Ainda em 1955, começou a funcionar em caráter experimental os Centros
Regionais da Bahia, de Minas, de São Paulo e do Rio Grande do Sul11. (Teixeira,
1956b). O Centro Regional da Bahia, diferente do Centro de São Paulo, esteve
articulado à Secretaria de Educação e Saúde, conforme afirma Fávero:
[...] para Anísio, tais centros deveriam trabalhar estreitamente articulados
com as universidades locais e com as secretarias de educação e cultura de
cada estado. A articulação com as secretarias ocorre de modo especial no
caso da Bahia, com a realização conjunta de trabalhos. Em relação às
universidades, essa integração se efetivou de forma mais intensa em São
Paulo, onde desde o início, o Centro Regional passa a funcionar sob a direção
de Fernando de Azevedo, na USP (FÁVERO, 2001, p. 65).
Anísio Teixeira pensava os Centros Regionais como instâncias de pesquisa
e prática educacionais, não como repartições burocráticas, mas com a:
[...] necessária liberdade de organização e movimentos para se fazerem os
núcleos de pesquisa, de estudos e de ensino que visa a sua criação, devem
os mesmos ser organizados, por meio de acordos, com autarquias, fundações,
ou agências especiais de caráter público (TEIXEIRA, 1954).
Os Centros Regionais tinham, portanto, como objetivos fundamentais:
1 - recolher, elaborar e divulgar documentação pedagógica;
2 - realizar e estimular estudos e pesquisas pedagógicas; e
3 - realizar o aperfeiçoamento e a especialização de professor primário e
de curso normal, bem como de administradores e orientadores
educacionais e pessoal dos órgãos de estudo dos problemas da
educação (TEIXEIRA, 1954, p.).
No caso da Bahia, parece existir uma estranha amnésia12 sobre as ações
que estiveram relacionadas ao CBPE e o CRPEBa, no período de 1952-1964. O
itinerário de indagações sobre esse órgão na Bahia, buscando reconstruir os
11
12
Decreto N. 38.460 de 28 de dezembro de 1955.
Cf. Mendonça (1997) sobre a década de 1950.
Programa de Reconstrução Educacional na Bahia
197
elos e articulações dessas ações, levou-nos a retomar a metáfora do caçador,
no sentido de encontrar na caminhada, as pistas possíveis. No momento, os
resultados encontrados representam “uma síntese imperfeita, lacunar, logo
provisória” (DUBY, 1993, p. 73-74) da memória dessa instituição educacional.
Como já foi referido, o único arquivo que dispõe de informações sobre o
CRPEBa encontra-se na Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, com dados
referentes ao envio do acervo institucional (alguns móveis e material de
escritório) para as seguintes unidades da Universidade Federal da Bahia: Escola
de Medicina Veterinária e da Escola de Agronomia. Esses documentos estão
arquivados na pasta n. 56. Quanto à documentação sobre o CRPEBa e sua
produção de pesquisas e cursos, segundo informações do professor Luís
Henrique Dias Tavares13, essa foi enviada para a antiga Faculdade de Medicina
do Terreiro de Jesus, onde antes funcionou a Faculdade de Filosofia e Ciências
Humanas, sendo que esse acervo foi destruído em 1974, devido às fortes
chuvas que atingiram o local. Em palestra na Faculdade de Educação da UFBA,
em 1988, o professor Hildérico Pinheiro Oliveira assim relata esse fato:
[...] difícil, hoje, reconstruir todas as atividades do Inep na Bahia e,
conseqüentemente, chegar a detalhes quanto à obra de Anísio Teixeira, pelo
órgão, realizou aqui no período de 1952 a 1964. A dificuldade decorre da extinção
do Centro Regional de Pesquisas Educacionais da Bahia, em 1974, quando não
houve qualquer medida para assegurar a conservação dos arquivos do Centro, do
Setor de Construções e também do CEREB, [...] (OLIVEIRA, 1988, p. 35).
O Centro Regional de Pesquisas Educacionais da Bahia, durante o período de
1952 a 1964, foi dirigido por Luiz Ribeiro de Sena, Carmem Teixeira, Luís Henrique
Dias Tavares e Hildérico Pinheiro de Oliveira. Nesse período, organizou-se e
desenvolveu-se pesquisas, cursos e estágios de aperfeiçoamento, pesquisa de
caráter social, com um importante papel de intervenção na realidade educacional
da região, visando conhecer as condições culturais do estado, suas características
socioeconômicas e os aspectos qualitativos e quantitativos da Escola Primária. O
desenvolvimento dessas pesquisas foi importante contribuição para a formação do
chamado espírito científico e das ações desenvolvidas no campo educativo.
O espírito científico era entendido como experimentação, capacidade de
realizar registros que permitissem aos professores levantar problemas para
compreender a sua prática educativa, aproximando os que trabalhavam nas
salas de aula, daqueles que trabalhavam nos centros de pesquisa. As atividades
de divulgação e de treinamento ocupavam lugar relevante nas atividades de
pesquisa, concebidas como dimensão formativa (MENDONÇA, 1997).
13
Entrevista concedida por Luís Henrique Dias Tavares, em 12 de março de 2003.
198
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
O ideário do CBPE representou um desdobramento de uma ação política
que inspirava Anísio Teixeira desde os anos 1920-1930, era uma idéia original
de fundar em bases científicas a reconstrução educacional do Brasil. Suas
idéias, nos anos 1930, apontavam para a importância de se reorganizar a
escola com base científica para que esta fosse um instrumento de
reorganização da sociedade e que o conhecimento científico fosse aplicado
em três níveis da atividade educativa: na organização dos serviços escolares,
na formação dos professores e no nível da escola. Os resultados dos estudos
e pesquisas deveriam, inclusive, voltar-se para a elaboração de livros de fontes
e de textos didáticos. Na estrutura dos centros regionais era pensada também
a existência de bibliotecas de educação, serviço de documentação e informação
pedagógica e de um museu pedagógico, além dos cursos, estágios de
aperfeiçoamento do magistério e, quando possível, de serviços de educação
audiovisual, de distribuição de livros e material didático (MENDONÇA, 1997).
Seguindo os princípios dos Centros Regionais de Pesquisas Educacionais
dos demais estados, o CRPEBa teve como objetivo a caracterização do Ensino
Primário, através de levantamentos de dados sobre a estrutura e o
funcionamento das diversas instituições de ensino, tendo em vista que a
formação de professores desse ensino era a preocupação básica. Os relatórios
das atividades do Inep e dos Centros Regionais de Pesquisas Educacionais
publicados na Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos (RBEP), apresentam
os seguintes dados referentes às pesquisas realizadas pelo CRPEBa:
a) Levantamento do ensino primário estadual em Salvador. Visava
caracterizar os aspectos positivos e as deficiências do Ensino Elementar
das escolas públicas, suburbanas mantidas pelo estado. Esse
levantamento permitia levar em consideração vários problemas como
o da evasão escolar e o da deficiência do aparelho escolar oficial de
Salvador.
b) Levantamento da origem social e das aspirações ocupacionais de
ginasianos e colegiais. Foram entrevistados 226 alunos do Curso
Secundário, escolhidos pelo sistema de sorteio em sete educandários,
dos quais, 3 de ensino remunerado e quatro oficiais gratuitos. O
relatório dessa pesquisa foi discutido no Seminário de Antropologia,
na Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas em 1958. Esses estudos
permitiram ter-se conhecimento do processo de ascensão às novas
profissões, como a de geólogo, devido às possibilidades surgidas com
a exploração petrolífera do Recôncavo e com a criação da Escola de
Geologia da Universidade da Bahia.
Programa de Reconstrução Educacional na Bahia
199
c) A educação nos jornais baianos do Século XIX. Prosseguimento da
pesquisa das fontes bibliográficas para a história da educação na
Bahia. Em 1958, foram pesquisadas as coleções dos seguintes jornais:
O Mercantil, Correio Mercantil, O Comércio, Jornal da Bahia, Gazeta
de Notícias, Jornal de Notícias e Diário de Notícias, acervo pertencente
ao Instituto Geográfico e Histórico da Bahia.
d) Elaboração de um livro de textos “Compêndio de História da Bahia”,
sob a responsabilidade do Professor Luís Henrique Dias Tavares,
destinado ao Curso Pedagógico, publicado pela Companhia Editora
Nacional, com tiragem de dez mil exemplares.
e) Fontes bibliográficas de educação baiana. Levantamento volumoso
de material de estudo nos Anais da Assembléia Legislativa, de 1897
a 1956. Constava nesse material, um relatório inédito de Abílio César
Borges e cópias de cem cartas do mesmo educador ao Presidente da
Província, considerado um subsídio esclarecedor para a biografia do
Barão de Macaúbas.
f) Cadastro dos educandários e dos educadores baianos. Levantamento
de dados relativos a nove colégios de Ensino Médio da capital e do
interior, ainda em caráter inicial.
g) Edições mimeografadas no campo da documentação:
1. reformas do ensino na Bahia;
2. memória histórica da faculdade de medicina;
3. autonomia educacional baiana;
4. psicologia educacional em quatro bibliotecas baianas; e
5. sociologia educacional em quatro bibliotecas baianas.
200
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
Hildérico Pinheiro Oliveira (1988) apresenta as seguintes pesquisas no
período.14
A realização das pesquisas servia de fundamentação para os cursos
destinados aos professores e tinha como objetivo oferecer bases teóricas e
práticas para o bom desempenho do ensino. Partindo dos dados das pesquisas
e estudos científicos sobre a realidade educacional da região, buscava-se
solucionar a problemática do analfabetismo, da dinâmica e da aplicação de
conteúdos na sala de aula, entre outros temas, na perspectiva do planejamento
da Educação Primária.
Foram realizados estágios de aperfeiçoamento, com a participação de
bolsistas do Rio de Janeiro e de outros estados, que vieram observar a prática
de ensino em setores de sua especialidade e estudar a organização
administrativa do Centro Educacional Carneiro Ribeiro. Realizou-se cursos de
aperfeiçoamento de professores de jardim de infância, tendo as bolsistas
aulas teóricas e práticas, com estágio no Jardim de Infância Baronesa de
Sauípe. As ações do CRPEBa voltavam-se, como uma das suas maiores
preocupações, para a formação dos professores, o que revela a expressiva
quantidade de estágios realizados.
14
Informações sobre estas pesquisas encontram-se também na contracapa do livro Duas reformas de
educação na Bahia 1895-1925, único exemplar encontrado de uma série de 14 livros publicados pelo
CRPEBa. Além das pesquisas grifadas com (*), foi publicada: Apreciação de um teste experimental para
medida do motivo de realização em escolares coordenada por Regina Espinheira.
Programa de Reconstrução Educacional na Bahia
201
Dentre os cursos realizados foram oferecidos: Linguagem; Recreação e
Jogos; Estágio de Aperfeiçoamento de Artes Industriais para Professores da
’Escola-parque’; Estágio de Preparação para a Escola de Demonstração; e,
Estágio de Aperfeiçoamento de Professores de Jardim de Infância.
Neste levantamento exploratório, ainda não foi possível apresentar os
depoimentos dos professores e alunos que participaram dos cursos de
aperfeiçoamento e estágios, o que demandaria uma pesquisa mais ampla,
como já sinalizamos. Neste sentido, confirmamos a necessidade de projetos
de pesquisas para criação de bancos de dados referentes ao acervo documental
do CRPEBa e de suas experiências pedagógicas nas escolas de demonstração,
agregando os depoimentos daqueles que delas participaram.
Escolas Rurais e Urbanas – As construções escolares
Em relação às atividades gerais do Inep, nos relatórios das atividades
apresentadas na RBEP, observa-se o registro da Campanha de Construções
Escolares, que vinha sendo desenvolvida desde 1946, com a criação do Fundo
Nacional do Ensino Primário, um programa de assistência financeira às unidades
federadas, visando à ampliação e melhoria das redes escolares primárias, de
modo que a união, os estados e municípios, conjugassem esforços para amenizar
a carência de escolas primárias destinadas à Educação Elementar Básica. Foi
construído um total de 954 escolas e 2.375 salas de aulas, na Bahia, foram
construídos 114 prédios e 240 salas de aula de escolas primárias (RBPE, 1959).
Fazia parte do Programa Campanha de Construções Escolares a assistência
financeira para a construção e a melhoria de escolas normais. Em 1954, o
Setor de Construções foi instalado nas dependências da atual Faculdade de
Filosofia e Ciências Humanas “onde, inclusive, já se achava instalado o Centro
Regional de Pesquisas Educacionais que, porém, só em 1955, foi oficialmente
criado pelo Decreto n. 38.460 de 28 de dezembro” (OLIVEIRA, 1988, p. 35).
Fernando Santana, que trabalhou no setor de construções, assim relata:
Anísio Teixeira organizou um plano de construções escolares em todo o Estado
da Bahia na época em que foi Secretário de Educação, 1947-1951. Na época
nós tínhamos 150 municípios e ele queria construir escolas rurais em todos os
municípios. Então nós fizemos o projeto da escola rural, que era um salão de
aula e ao mesmo tempo uma casa com dois quartos, sanitário, para moradia
da professora, porque se já era difícil ela ir para o interior, muito mais se não
tivesse onde morar. Esse projeto se realizou com muita intensidade e com
muita economia. Essas escolas continuam existindo, elas continuam nos
municípios, quando viajo ainda vejo muitas delas, não sei se estão funcionado
202
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
como na época. Eram escolas rurais. Foram destinadas a melhorar não só a
presença, como o nível de ensino em todo o país. Não foi só na Bahia, isso foi
um plano nacional, no governo Dutra. Essa documentação devia estar na
Secretaria de Educação. Toda essa documentação de cada escola, cada uma
tinha uma pasta própria, onde a documentação era ali arquivada. Eram pastas
imensas, de escola por escola, de região por região15.
A atuação do Inep na Bahia se iniciou antes de Anísio Teixeira se tornar seu
diretor, mas desde a sua atuação na Secretaria de Educação e Saúde, os laços
com essa secretaria já estavam estreitados, principalmente com a campanha de
construções escolares, com ênfase nas escolas rurais, como relatam Hildérico
Pinheiro de Oliveira (1988) e o depoimento de Fernando Santana.
A obra principal foi o término do Centro Educacional Carneiro Ribeiro,
conjunto formado por quatro ‘escolas-classe’ e uma ‘escola-parque’, conforme
já assinalamos. Segundo Oliveira (1988), não existem dados exatos sobre o
número de escolas e salas de aulas construídas, assim como das cidades
que foram incorporadas à campanha de construções escolares nesse período.
Num levantamento realizado pelo autor em 1961, ele pôde listar: “registramos
a construção de 1.435 salas de aula em 995 localidades, correspondendo a
1.013 escolas. É possível que em tal registro, estejam escolas rurais construídas
no período de 1947 a 1955, não concluídas até o início do governo Antônio
Balbino” (OLIVEIRA, 1988, p. 39).
Com base nas pesquisas sobre a população escolar, chegou-se à
conclusão de que:
[...] considerando a disponibilidade dos recursos financeiros ano a ano (à luz da
evolução desses recursos nos anos passados), considerando a ação da inflação e o
crescimento do deficit escolar, até 1969, por conseqüência do crescimento vegetativo
da população, comprovou-se que seria possível, construindo 70 (setenta) salas de
aula a cada ano, não apenas substituir todos os prédios impróprios para o ensino
como, no fim de 1969, levar a capacidade da rede escolar estadual e se igualar à
demanda determinada pela população infantil de 7 a 11 anos na cidade do Salvador.
Para tal planejamento, foi considerado, segundo levantamento da época, que a
rede municipal atendia a 3,8 da população, a rede particular a 42%, cabendo à
rede estadual 52,2% (OLIVEIRA, 1988, p. 40).
Esse plano não foi cumprido. Em 1962, a Comissão Executiva da Rede
Escolar da Bahia (CEREB) foi extinta e não havia terrenos disponíveis para
construção, pois a verba do Inep não se destinava à compra.
15
Entrevista concedida por Fernando Santana, responsável pelo Setor de Construções Escolares da Secretaria
de Educação do Estado da Bahia (até 1948), em 11 de setembro de 2003.
Programa de Reconstrução Educacional na Bahia
203
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A obra de reconstrução escolar, viabilizada na Bahia nos anos 19521964, resultante de um programa desenvolvido para concretizar ações
educativas que vinham sendo gestadas desde os anos 1920-1930, ganhou
expressão naquele período, demonstrando o empenho e o compromisso
de Anísio Teixeira com a esfera educativa. Dessas ações, encontramos
fragmentos que testemunham o valor e a importância dada à formação
do professor, às experiências de demonstração do ensino, o
desenvolvimento de um vasto e fértil campo de estudos e investigações
educacionais que visavam fortalecer o campo. Das fontes consultadas –
arquivos institucionais e depoimentos – emergiram várias pistas que
viabilizam futuras pesquisas e estudos sobre o significado dessas ações
para a construção de uma educação voltada para a formação do educador
e para o fortalecimento da pesquisa.
Há uma caminhada a ser percorrida, ainda não explorada, de estudos
e pesquisas sobre o significado de uma Escola Diferente que não
conseguiu sobreviver; das repercussões de um volumoso e farto conjunto
de pesquisas realizado pelo Centro de Pesquisas Educacionais da Bahia
que foi destruído; da existência das escolas rurais em abandono; da
revitalização de uma obra, como a do Centro Educacional Carneiro Ribeiro
e seus impasses no mundo contemporâneo; além da memória viva de
depoentes que participaram dessas experiências e que se encontram
submersos em silêncios enigmáticos. O fechamento da Escola Diferente
e o desmantelamento do CRPEBa silenciaram vozes que poderiam trazer
ao presente o significado de um passado de realizações e esforços para
reconstruir a educação na Bahia.
O desmonte em que encontramos as ações educativas do período,
levou-nos a refletir, que embora a perda dos documentos inviabilizasse a
reconstrução do programa educacional na Bahia, afirmamos, conforme
nos lembra Darcy Ribeiro, que ainda é possível amanhecer:
Nestes trabalhos estavam, Anísio, exercendo a reitoria, quando estoura o golpe
militar de 1964, que se assanha, furioso, contra a universidade nascente e
destrói a rede nacional de centros educacionais do Inep. Anísio foi, mais uma
vez, proscrito; eu, exilado. O corpo de sábios que leváramos para Brasília,
como professores e pesquisadores, acossado pela brutalidade da ditadura, se
demite, numa diáspora dolorosa. Morria outro sonho anisiano de universidade.
Eu, lá longe, jurava: havemos de amanhecer [...] (RIBEIRO, 1995).
204
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABREM-SE outra vez as portas do mundo encantado das crianças baianas.
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de Estudos Pedagógicos, Rio de Janeiro, v. 33, n. 78, p. 98-125, 1960.
ALMEIDA, Stela Borges de (Org.). Chaves para ler Anísio Teixeira. Salvador:
OEA/UFBA/EGBA, 1990.
ALMEIDA, Stela Borges de. Escola Parque: paradigma escolar. 1988. 156f.
Dissertação (Mestrado em Educação). — Faculdade de Educação, Universidade
Federal da Bahia, Salvador, 1988.
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Medeiros. Anísio Teixeira, pensador radical. In: MONARCHA, Carlos. (Org.).
Anísio Teixeira: a obra de uma vida. Rio de Janeiro: DP&A, 2001.
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Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Rio de Janeiro, v. 30, n. 73, p. 29 78, jan./mar. 1959.
BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e
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BIBLIOTECA Virtual Anísio Teixeira http://www.prossiga.br/anisioteixeira
DUBY, Georges. A história continua. Tradução Clóvis Marques. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar; UFRJ, 1993.
ÉBOLI, Terezinha. Uma escola diferente. São Paulo: Companhia Editora
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Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
ANÍSIO TEIXEIRA E AS CONSTRUÇÕES ESCOLARES COMO
ESTRATÉGIA PARA A DIFUSÃO DE MODELOS PEDAGÓGICOS
Anamaria Gonçalves Bueno de Freitas – UFS
Jorge Carvalho do Nascimento – UFS
Ao assumir a direção do Inep, em 19521, Anísio Teixeira buscou
reorganizar as funções daquela instituição de modo a transformá-la em
um “centro de inspiração do magistério nacional para a formação daquela
consciência educacional comum que, mais do que qualquer outra força,
deverá dirigir e orientar a escola brasileira”2. O projeto de reorganização
do Inep fez com que esse Instituto, sob a direção de Teixeira, atuasse não
apenas como um centro difusor da pesquisa educacional. De fato, a
pesquisa educacional era o fundamento sobre o qual se assentava a ação
do professor Anísio. Contudo, os estudos e inquéritos concebidos por ele,
como ferramentas necessárias à produção do conhecimento a respeito do
sistema educacional, reveladoras da quantidade e qualidade das escolas,
foram o ponto de partida para uma vigorosa política de intervenção nos
estados e municípios brasileiros. Essa política buscava dar conseqüência
ao conjunto de críticas que Anísio formulara ao ser empossado na direção
do Inep, opondo restrições ao trabalho desenvolvido pelos ministros
Francisco Campos e Gustavo Capanema que, segundo ele, promoveram
marcadas reformas burocráticas e centralizadoras:
[...] pelo arcaísmo, quanto ao ato educativo, em que a escola primária funcionava
às voltas com métodos obsoletos de memorização, improvisação de professores,
e perda sensível de prestígio por não mais satisfazer às necessidades mínimas
de preparo para a vida [...], enquanto a escola secundária tornava-se um
passar de classe social para outra (ARAUJO, 2000, p. 2).
1
Anísio Teixeira foi empossado no cargo de diretor geral do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos no
dia 04 de julho de 1952, após haver sido designado pelo ministro Ernesto Simões Filho.
TEIXEIRA apud TOLEDO (2002). Nesse trabalho, Maria Rita de Almeida Toledo analisa o Boletim
“Educação e Ciências Sociais”, publicado pelo Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais, do período de
1956 a 1962. No levantamento que faz flagra a reorganização do Inep promovida por Anísio Teixeira.
2
Anísio Teixeira e as Construções Escolares como Estratégia
para a Difusão de Modelos Pedagógicos
209
O sistema implantado por Anísio Teixeira se fez eficaz não apenas pela
organização do Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais e dos Centros
Regionais de Pesquisas Educacionais3, mas também, além dessa estrutura
de produção do conhecimento4, foi possível dispor de instrumentos de
intervenção eficazes como a Campanha do Livro Didático e Manuais de
Ensino (Caldeme), a publicação de periódicos e monografias, a organização
de cursos para professores dos diversos estados e, daquilo que pareceu a
esse trabalho, ser um elemento extremamente atraente aos dirigentes da
política educacional dos estados, uma significativa distribuição de recursos
financeiros destinados à construção e à reforma das edificações escolares,
adaptando-as ao modelo que Teixeira buscou difundir a partir do Inep. Ou
seja, o fato de o Ministério da Educação manter a delegação ao Inep quanto
às suas responsabilidades pelos Ensinos Primário e Normal e a desenvoltura
com a qual Anísio exerceu a Coordenação do Programa de Cooperação
Técnica e Financeira das unidades federativas5, foram trunfos eficientes dos
quais, Anísio Teixeira dispôs para a sua campanha de ampliação e melhoria
da rede escolar e para a instalação das escolas de experimentação,
aplicação e demonstrativas.
Este texto analisa os desdobramentos dessa política no estado de
Sergipe, considerando que o território sergipano não sediou CRPE, estando
ligado à estrutura do Centro Regional de Pesquisas Educacionais que Anísio
Teixeira instalou do estado da Bahia.
1. Sergipe e o Inep
Rico em possibilidades pouco investigadas, o período durante o qual
Anísio Teixeira exerceu a direção do Inep “oferece um repertório considerável
de idéias, propostas e instituições, as quais tomaram o tema da educação
como crucial ao futuro do país” (FREITAS, 2002, p. 55). No Brasil da década
de 1950, a possibilidade de ampliação do acesso à escola continuava a ser
uma bandeira importante. Em Sergipe, o ginásio ainda era um privilégio para
poucos, e mesmo o acesso ao Ensino Primário ainda era reduzido. No estado
de Sergipe, conviviam em 1950:
3
Nos termos do Decreto 38.460, de 28 de dezembro de 1955, foram estabelecidos Centros de Pesquisa
nas cidades de São Paulo, Recife, Salvador, Belo Horizonte e Porto Alegre.
4
Foi tomando tal estrutura como base, que Anísio Teixeira gerenciou a Campanha de Inquéritos e
Levantamentos do Ensino Médio e Elementar.
5
Desde a sua criação, em 1937, o Inep teve como responsabilidade a difusão do ensino elementar através
da distribuição de verbas para a construção de prédios escolares nas zonas urbana e rural. O Fundo
Nacional de Ensino Primário (FNEP) foi regulamentado em agosto de 1945, marcando assim o início
institucional de um programa destinado a transferir recursos do governo federal para os estados, com o
objetivo de difundir o ensino elementar.
210
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
[...] 644.000 pessoas, das quais 293.025 com mais de 10 anos não sabiam
ler e escrever. Esses números indicavam para Sergipe a astronômica
taxa de analfabetismo de 66,37%, [...] 77% estavam fora da escola. E,
dentre os que tinham acesso a ela, o quadro de seletividade não era
dos mais favoráveis. De 45.613 alunos matriculados em 1950, somente
5.578 (12,2%) haviam concluído o Curso Primário até o final de 1953
(NASCIMENTO, 1991, p. 97).
Esse quadro favoreceu a grande repercussão que tiveram no estado, as
práticas do Movimento de Educação de Base (MEB), do Movimento de Cultura
Popular (MCP), do Centro Popular de Cultura (CPC) e as práticas do professor
Paulo Freire. O acesso ao ambiente escolar “se constituía objeto de desejo das
camadas médias e populares que nele vislumbravam a possibilidade de exercer
profissões bem mais remuneradas” (SANTOS, 2003, p. 41). Por sua vez:
[...] o debate sobre a relação entre educação e sociedade recompunha-se
em meio a um número expressivo de questões que os próprios atores daquele
momento identificavam como importantes à (re)definição da nacionalidade
brasileira; debate este marcado pelos parâmetros ideológicos da guerra fria
e, ao mesmo tempo, pelas alternativas terceiro-mundista, às quais se dirigiam
significativos movimentos de engajamento popular (FREITAS, 2002, p. 56).
Ao longo da década de 1950, havia em Sergipe um ambiente de otimismo,
uma vez que:
[...] o estado passou a experimentar um período rico de mudanças, sobretudo
a partir da criação da Sudene, que sinalizou caminhos para sua industrialização
e sua modernização. Datam ainda desse período, a preocupação com a
exploração do salgema, do petróleo e a adoção de medidas para desenvolver
o estado, a exemplo [...] da criação do Conselho de Desenvolvimento Econômico
do Estado de Sergipe (SANTOS, 2003, p 42-43).
Em 1955, existiam em Sergipe quarenta e quatro instituições de Ensino
Médio, sete do Ensino Comercial, sete do Ensino Normal, sete do Ensino
Industrial e duas do Ensino Agrícola (MENDONÇA, 1958). O governo de Sergipe
teve a possibilidade de contar com os dispositivos acionados pela política de
Anísio Teixeira no Inep, uma vez que, segundo Vanilda Paiva, nesse período a
política da administração federal assumia, dentre outras, as despesas com a
construção de escolas e a qualificação do pessoal técnico. Essa ação política
contribuiu para com o crescimento quantitativo da oferta de oportunidades no
Anísio Teixeira e as Construções Escolares como Estratégia
para a Difusão de Modelos Pedagógicos
211
Ensino Primário, mas continuou a enfrentar problemas no que diz
respeito, tanto à insuficiência dessa ampliação “vis-a-vis” à demanda,
quanto às dificuldades provocadas pela localização das unidades
escolares construídas, que nem sempre era definida com base em
critérios técnicos, mas considerando o prestígio das lideranças políticas
que buscavam junto ao Inep, os recursos financeiros necessários à
execução das obras (PAIVA, 1987).
A política nacional aliada aos esforços locais fez com que o estado
experimentasse um crescimento significativo dos seus indicadores
educacionais no período. Entre 1950 e 1958, a oferta de vagas na rede
escolar foi quase duplicada. Em 1950, existiam 30.588 alunos matriculados
nas escolas sergipanas. Oito anos depois, esse número era de 60.637
estudantes. “Efetivada majoritariamente pelo setor público, essa ampliação
[...] foi favorecida pela política nacional” (GRAÇA; SOUZA e SANTOS, 1996,
p. 47). Do total da matrícula existente em 1958, 51.539 alunos estavam
na rede pública (IBGE, 1960).
Um outro problema que Sergipe enfrentava nesse período era o da
existência de um número elevado de professores leigos, com aponta Santos:
[...] essa situação não se diferenciava muito do cenário nacional. O reduzido
número de professores graduados em todo o país acabou contribuindo
para proliferação de professores leigos, fato que levou o Ministério da
Educação a encontrar como saída a instituição dos Exames de Suficiência
e dos cursos promovidos pela Campanha de Aperfeiçoamento e Difusão
do Ensino Secundário (Cades) (SANTOS, 2003, p. 51).
2. A Política de Bolsas
O Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE), criado pelo Inep
em 1955, no Rio de Janeiro, absorveu toda a área de estudos, documentação,
aperfeiçoamento e experimentação do Instituto Nacional de Estudos
Pedagógicos. Na mesma oportunidade, foram criados os Centros Regionais
de Pesquisas Educacionais dos Estados do Rio Grande do Sul, São Paulo,
Minas Gerais, Bahia e Pernambuco. O CRPE da Bahia estendia suas atividades
ao território do estado de Sergipe e teve como diretores Luís Ribeiro de
Sena e Carmen Spínola Teixeira. Cada centro regional compreendia cinco
divisões: Estudos e Pesquisas Educacionais, Estudos e Pesquisas Sociais,
Documentação e Informação Pedagógica, Aperfeiçoamento do Magistério,
Serviços Administrativos e Biblioteca. Dentre as atividades sob a
responsabilidade dos centros, duas eram fundamentais: a) pesquisar as
condições culturais e escolares e as tendências de desenvolvimento de
212
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
cada região e da sociedade brasileira como um todo, para efeito de
elaboração de uma política educacional para o país; e, b) elaboração do
material pedagógico e estudos especiais sobre Administração Escolar,
Currículo, Psicologia, Sociologia e Filosofia da Educação, além de treinamento
e aperfeiçoamento de professores, especialistas e administradores que
concorram para o aperfeiçoamento do magistério nacional, ao lado de outras
finalidades (ARAUJO; MOTA e BRITTO, 2001, p. 30-31).
Dessas atividades, uma das que mais entusiasmou o professor Anísio
Teixeira e as equipes do sistema CBPE/CRPE foi a de treinamento e
aperfeiçoamento de professores, especialistas e administradores. As
deficiências de formação tiveram assim, na política de formação
permanente executada por Anísio Teixeira, um instrumento da maior
importância. Foram muitas as bolsas de estudos concedidas pelo Inep a
professores, para que eles realizassem estudos em outros estados.
Em Sergipe, somente o professor José Antônio Nunes Mendonça,
responsável pela cadeira de Pedagogia do Instituto de Educação Rui
Barbosa, realizou cinco viagens em três anos, entre 1956 e 1958. No mês
de janeiro do primeiro ano, estagiou no CBPE, ao qual retornou em novembro
do mesmo ano para novo período de estágio. Em 1957, regressou ao Rio
de Janeiro, durante os meses de agosto e setembro, para participar do
Seminário de Sociologia Educacional promovido pelo Inep. No final do mês
de outubro do mesmo ano, regressou outra vez ao Rio, para novas
atividades no Instituto. No ano de 1958, voltou à capital da República para
realizar estudos e observações no Instituto de Educação no Colégio Benett
e na Escola Experimental Guatemala, indo em seguida à cidade de Salvador,
onde desenvolveu idênticas atividades no Centro Educacional Carneiro
Ribeiro e na Escola Experimental mantida pelo CRPE. A respeito desse tipo
de atividade, Nunes Mendonça afirmou:
[...] considerava indispensáveis os cursos de aperfeiçoamento,
instrumentos de aprimoramento profissional e intelectual,
enriquecedores constantes das experiências e oportunidades de contato
com as novas idéias e métodos. Nesse sentido, destaca a atuação do
Inep que através da distribuição de bolsas oferecia essa oportunidade
aos profissionais do estado. No entanto denunciava que nem todos os
professores que recebiam bolsas se dedicavam ao aperfeiçoamento.
Ao retornar, muitos deles eram desprestigiados e humilhados,
chegando inclusive a provocar atitudes de agressividade destes
profissionais que, desajustados, projetavam nos alunos os seus
conflitos (SOUZA, 1998, p. 141).
Anísio Teixeira e as Construções Escolares como Estratégia
para a Difusão de Modelos Pedagógicos
213
Foram identificados registros referentes a 33 bolsas de estudos concedidas
a professores e gerentes do ensino publico em Sergipe no período de 1953 a
19586. Uma das grandes dificuldades enfrentadas pelo programa de bolsas
para que pudesse cumprir eficazmente a sua destinação, prendia-se ao fato
de que, após regressarem dos cursos, os bolsistas, dificilmente retornavam
ao efetivo exercício das funções profissionais das quais se incumbiam
anteriormente e em função das quais foram treinados.
Segundo o professor José Antônio Nunes Mendonça, em 1958, do total
de bolsistas capacitados até então, apenas três se encontravam no efetivo
exercício da profissão, enquanto nove haviam abandonado o magistério público
(SOUZA, 1998). Os demais se encontravam em outras atividades do serviço
público, mesmo que no magistério. A maioria dos bolsistas, portanto, não
chegava a desenvolver as experiências para as quais estavam preparados. Os
bolsistas de Sergipe estudaram no Rio de Janeiro, São Paulo e em Salvador.
A ex-bolsista Gilda Vasconcelos Gama da Silva (2003) revelou que no ano
de 1958 atuava como professora do Jardim de Infância Augusto Maynard.
Recebeu uma bolsa para permanecer durante um ano no Rio de Janeiro para
participar do projeto de implantação de uma ‘escola-parque’ no estado de
Sergipe, juntamente com duas colegas. Após o regresso, nenhuma delas foi
cuidar dos projetos para os quais foram capacitadas. No seu caso específico,
foi contratada pela Escola Agro Técnica Benjamin Constant e pelo projeto das
escolas radiofônicas do Movimento de Educação de Base, onde trabalhou a
partir de então. A ‘escola-parque’ de Sergipe nunca foi implantada.
3. Os Estudos e Inquéritos
A política de realização de estudos e inquéritos nos estados, promovida
pelo CBPE, teve também em Nunes Mendonça a sua principal expressão em
Sergipe. “Se a história intelectual do século XX brasileiro mantém colados
intelectuais e educação, naqueles anos, a pesquisa educacional era a
substância com a qual se configuravam e se diferenciavam projetos intelectuais
individuais e coletivos” (FREITAS, 2002, p. 55). Essa política valorizava a idéia
de regional, reveladora do projeto organizador dos Centros Regionais de
Pesquisa Educacional.
6
A esse respeito, consultar os registros do Diário Oficial do Estado de Sergipe (principalmente as edições
dos dias 17 de junho de 1955 e 27 de abril de 1957) e a correspondência expedida e recebida pela
Secretaria da Educação. Arquivo Público do Estado de Sergipe – Apes, Fundo Educação. Não foram
localizados registros quanto a bolsas concedidas no período de 1959 a 1962, não obstante, algumas
pessoas que exerceram funções na gestão da política educacional em Sergipe naquele momento afirmarem
que o estado continuou enviando bolsistas para o Rio de Janeiro, estado de São Paulo e estado da Bahia.
214
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
O livro A educação em sergipe (MENDONÇA, 1958) é fruto dos estudos
realizados pelo autor no CBPE, que lhe encomendara uma pesquisa sobre as
condições do ensino no estado7. Foi através dele que os intelectuais da
educação, que viviam em Sergipe durante a década de 1950, tiveram maior
clareza do debate que Anísio Teixeira comandava a partir do Inep, configurando
um campo próprio para a pesquisa educacional e interferindo nos estudos
locais que cada vez com maior vigor adquiriam as características de serem
dimensões singulares da cultura brasileira, conformando um novo perfil para
as ciências sociais e a para a sua condição de “ciência fonte” do debate
educacional. A pesquisa do professor sergipano foi acompanhada
pessoalmente por Anísio Teixeira8. O trabalho fora parte das atividades do
Curso de Aperfeiçoamento de Pesquisadores Sociais, que buscou “estudar
as condições culturais do Brasil em suas diferentes regiões, para efeito de
elaboração de um plano nacional de educação de base experimental e de
uma ação educacional de erradicação do analfabetismo no país” (ARAUJO;
MOTA; BRITTO, 2001, p. 31).
O trabalho de Nunes Mendonça foi apresentado inicialmente como tese
de concurso à Congregação do Instituto de Educação Rui Barbosa, em 1956,
para concorrer ao cargo de Assistente Técnico daquela escola normal, onde
já era responsável pela cadeira de Pedagogia (SOUZA, 1998). O projeto
inicialmente solicitado pelo Inep ao autor, foi ampliado, mesmo com a
dificuldade existente para a obtenção de dados estatísticos sobre Sergipe,
dificuldade reiterada com insistência pelo pesquisador: “O projeto, cuja
execução o Inep nos confiou, resumia-se a princípio, ao estudo da escola, do
professor primário, do escolar e da organização administrativa da educação
em Sergipe” (Inep, 1956, p. 67). Antônio Nunes Mendonça dedicou-se durante
oito meses, à realização do estudo e contou com o auxílio da professora
Benedita Araújo dos Santos no processo de levantamento de dados. A
pretensão do Inep ao encomendar-lhe o trabalho e recomendar a metodologia,
é sublinhada com muita clareza pelo autor9:
7
“O presente estudo, com o qual concorremos ao concurso para provimento, em caráter efetivo, do
cargo de Professor Catedrático de Pedagogia do Instituto de Educação Rui Barbosa constituiu o relatório
que apresentamos, em 1956, ao Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais, órgão do Instituto Nacional
de Estudos Pedagógicos, após os trabalhos de pesquisa de que fomos, pelo mesmo, incumbido”
(MENDONÇA, 1958, p. 13).
8
“Tive grande satisfação em tomar conhecimento do adiantamento em que se encontram os trabalhos
de levantamento da situação educacional do Estado de Sergipe. Cordiais saudações. Anísio Teixeira,
Diretor do Inep” (Cf. Carta de Anísio Teixeira a Nunes Mendonça, em 25 de junho de 1956 apud SOUZA,
1998, p. 189).
9
Segundo Josefa Eliana Souza (1988, p. 98) para construir o texto de A educação em sergipe, Nunes
Mendonça “amparou-se na interlocução com diversos intelectuais (...). Entre os mais de cinqüenta com
quem dialogou aparecem os nomes de Sebrão Sobrinho, Carvalho Lima Júnior, Mário Cabral, Fernando
Porto, Jorge de Oliveira Neto, José Cruz, Felte Bezerra (...), John Dewey, William Kilpatrick, Durkheim,
Claparède, Ferriére, Anísio Teixeira, Lourenço Filho e Fernando de Azevedo”.
Anísio Teixeira e as Construções Escolares como Estratégia
para a Difusão de Modelos Pedagógicos
215
[...] dentro de sua programação de pesquisas, visando ao conhecimento das
tendências, dos recursos e das práticas educacionais de diversas regiões do
país, o Inep incumbiu-nos de realizar o levantamento da situação sergipana
tornando-nos responsáveis pela execução do Projeto Capes 448/CBPE 2456. Procuramos seguir, na realização da empresa, as técnicas do método
histórico e do denominado “normative survey”, indicados para a consecução
dos objetivos do trabalho. Desdobramos, assim, as nossas atividades em
coleta, interpretação e crítica do material considerado necessário e suscetível
de ser encontrado, e em realização de entrevistas. [...] efetuamos observações
não sistemáticas, nos meios ligados, direta ou indiretamente, à educação.
Visitamos grande número de estabelecimentos de ensino públicos e
particulares, ouvimo-lhes os corpos docente e discente, os administradores
escolares e funcionários, e assistimos a aulas e recreios. Entrevistamos pais
de alunos e pessoas outras da comunidade. Na área abrangida pelas nossas
pesquisas, estão incluídos os municípios representativos das diversas zonas
ecológicas do estado (MENDONÇA, 1958, p. 15).
Com o livro, Nunes Mendonça teve a possibilidade de se integrar
plenamente à trajetória de produção intelectual demarcada a partir do Centro
Brasileiro de Pesquisas Educacionais nas suas articulações com os Centros
Regionais de Pesquisas Educacionais. “Esforço intelectual amplo e
multifacetado com o qual a aproximação entre os temas: planejamento e
questões regionais; conhecimento local e questão nacional; e, procedimento
científico e estudos de caso estiveram imbricados” (FREITAS, 2002, p. 57).
O texto produziu um duro conjunto de críticas às instituições escolares
existentes no estado de Sergipe.
Nunes Mendonça se referiu ao uso da disciplina e criticou a escola
sergipana, acusando-a de autoritária. Enfatizou que a disciplina nascia do
professor e não ‘da dinâmica social da escola’, pois esta se utilizava da
violência, aplicando às crianças castigos corporais e humilhantes.
Evidenciou que, em visita a duas escolas, encontrou palmatórias expostas
nas salas de aula, o que acreditava ser uma forma constante de lembrar ao
aluno as suas possibilidades: aprender ou ser castigado. Para este
estudioso, a escola sergipana não havia tomado conhecimento das novas
idéias da psicologia educacional, especificamente do capítulo referente
aos desajustamentos das crianças (causas e terapêuticas). Acreditava que
a repressão, além de não ajustar o aluno (salvo algumas exceções),
contribuía ainda mais para agravar a situação e comprometer o seu futuro
(SOUZA, 1998, p. 111).
216
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
Com o estudo de Mendonça, os problemas locais foram contrastados
com o debate nacional comandado por figuras como Anísio Teixeira,
ganhando novo sentido e amplitude. A força intelectual do seu trabalho
estava respaldada pela disponibilidade de elementos analíticos que
inauguravam novas perspectivas do campo pedagógico. A crítica que ele
produzira, buscava evidenciar a exacerbação no exercício da autoridade
pedagógica que pudera observar nas escolas de Sergipe:
[...] autocráticas por excelência, organizadas nos moldes das estruturas
de dominação, constituem as escolas sergipenses verdadeiras ditaduras,
onde o papel do aluno é simplesmente o de obedecer, sem a mínima
noção do significado ou das vantagens de sua submissão. Não procuram
desenvolver a autoridade interior do aluno, através de bem orientada
autonomia escolar, a fim de prepará-lo convenientemente para uma ativa
participação social. Pretendem dirigir os impulsos e as tendências da
criança de modo direto e pessoal, sem apelar para o exercício de suas
disposições sociais mediante fecundas experiências de vida moderna
(MENDONÇA, 1958, p. 145).
Em alguns momentos, a crítica de Nunes Mendonça apresentava-se de
modo tão exacerbado que chegava quase a denunciar uma certa inutilidade
da escola existente, afirmando que:
[...] as escolas de Sergipe lançavam todos os anos na sociedade, que
considerava deformada pelos antecedentes históricos, ‘contingentes
de indivíduos ou de conformistas’ e que nenhuma dessas atitudes
favoreciam à democracia, como observara Anísio Teixeira. Defendia
que a criança sergipana adequava-se a escola se o professor fosse
brando e simpático, ainda que os alunos, para fugir dos trabalhos
pesados, preferissem ao que ele denominava escola suportada
(SOUZA, 1998, p. 112).
O conjunto de críticas estava assentado sobre as concepções de
educação que Nunes Mendonça consolidara a partir de seus contatos com
o CBPE e nas leituras dos textos de Anísio Teixeira e de outros
‘escolanovistas’. Essas concepções seriam melhor explicitadas em obras
que o professor de Pedagogia iria publicar nos anos seguintes. Entendia ser
a educação “função incontestavelmente social e pública. Conseqüentemente,
obrigação fundamental do Estado, o qual perfeito e legítimo, representa a
Nação – realidade histórico-cultural – na sua inteireza política, social e
Anísio Teixeira e as Construções Escolares como Estratégia
para a Difusão de Modelos Pedagógicos
217
espiritual” (MENDONÇA, 1963, p. 133). Assim, ao afirmar os valores locais,
afirmava-se também a brasilidade10. Esse entendimento o permitia fizer a
defesa da escola pública:
somente a escola pública, resguardada de influências deformadoras e
dilatada nas suas atividades e na sua ação educativa, pode desempenhar,
na comunidade, a missão democrática da educação. Só ela pode abrir amplas
perspectivas à unidade nacional, à elevação das condições de vida do povo,
ao aproveitamento das vocações e dos valores humanos e ao preparo do
cidadão para a eficiência social (MENDONÇA, 1963, p. 134).
No seu diagnóstico, o Professor José Antônio Nunes Mendonça criticava
o que chamou de “sentido intelectualista da Escola Primária, uma vez que os
pais, mesmo sem consciência nítida dos fins e das funções da educação de
base” (MENDONÇA, 1958, p. 119 e 123) exigiam dessa escola espírito utilitário,
objetivo e articulado com as necessidades da vida social:
[...] é o próprio homem do povo, o sergipano de todas as condições sociais
que exige escolas para seus filhos; escolas que o estado não pode dar em
número suficiente e não as tem dado de qualidade satisfatória. Ontem,
parafraseando o Professor Anísio Teixeira, queríamos educar o Sergipe, e
hoje é o Sergipe que exige ser educado (MENDONÇA, 1958, p. 105).
As páginas finais do trabalho A educação em Sergipe são dedicadas a
propor uma reforma da educação do estado, assentada sobre 11 pontos:
a) a estruturação orgânica do sistema estadual de educação e a
organização científica da administração educacional;
b) a revisão dos planos de estudo e dos programas de ensino;
c) o ajustamento do ensino às diversas áreas ecológicas do estado,
para que atenda aos objetivos de ordem sociológica da educação;
d) o preparo e o aperfeiçoamento do professor primário e a defesa e
valorização da profissão docente;
e) as instalações materiais e o aparelhamento didático da escola;
f) a ampliação da escola primária, com a instalação de cursos
complementares;
10
A respeito desse tipo de preocupação, Nunes Mendonça recebeu, em novembro de 1960, uma
correspondência de Anísio Teixeira que é bastante esclarecedora: “venho acompanhando, com o interesse
natural, os seus estudos e os seus trabalhos sobre a educação em Sergipe. Batendo-me, como sabe, pela
regionalização e, mais, pelo localismo de toda verdadeira obra educacional, não posso deixar de sublinhar
o que significa o seu esforço, a sua experiência e a sua crescente competência nos problemas da educação
do seu estado. Cordial abraço, A. Teixeira APUD SOUZA, 1998, anexo 3).
218
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
g) a transformação do trabalho escolar e da estrutura interna da escola,
mediante o ensaio e a aplicação das modernas técnicas de ensino, e
a implantação de atividades e instituições sociais e de situações
democráticas na escola;
h) a organização das classes;
i) a renovação dos métodos de administração escolar;
j) a inspeção escolar, transformada em orientação pedagógica;
k) o afastamento das influências perniciosas da politicagem e dos
partidarismos de qualquer espécie, da administração educacional
(MENDONÇA, 1958, p. 199).
Essas reformas deveriam possibilitar a adoção de um conjunto de novas
práticas no interior das instituições escolares de Sergipe, dentre as quais,
Nunes Mendonça sublinhava os processos de avaliação. Invocava Anísio Teixeira
para fazer a defesa da promoção automática dos alunos de uma para outra
série, afirmando que o professor continuaria a ter seus padrões e seria julgado
em seu esforço e em sua eficiência, na medida em que conseguisse melhores
resultados com o aluno. Assim, esse poderia sair da escola sem reprovação
e com a classificação de conhecimentos, habilidades e aptidão que houvesse
alcançado (MENDONÇA, 1958).
Preocupado com a perspectiva da reforma do ensino que propunha, Nunes
Mendonça afirmava que essa deveria ocorrer de forma gradual e responsável,
de acordo com as limitações da realidade local:
[...] tenhamos presente que a reforma de um sistema educacional não pode
e não deve ser efetuada por transformações bruscas, violentas ou por
implantação do aparelho escolar de outros centros mais adiantados. Tem
que ser atingida através de sucessivas etapas, progressivamente, mediante
soluções graduais. E não deve ser processada senão em perfeita adequação
com as condições materiais e culturais do meio, tendo em vista as mudanças
sociais em curso e as necessidades coletivas. [...] A reforma de que precisamos,
a revisão educacional que se impõe no Estado, é uma renovação de fato e
não de rótulo. O seu escopo será dar nova direção e nova substância às
organizações existentes, ultrapassando-as. Será obra objetiva, de ação, de
realização, e não meros planos abstratos de gabinete. E não pode constituir
tarefa individual, senão trabalho em equipe, devidamente coordenado
(MENDONÇA, 1958, p. 200).
Os propósitos reformistas de Nunes Mendonça encontraram eco no ano
de 1960, quando “o governador [...] o designou para dirigir o Centro de Estudos
e Pesquisas Educacionais (Cepe)” (SOUZA, 1998, p. 61). O Centro fora criado
Anísio Teixeira e as Construções Escolares como Estratégia
para a Difusão de Modelos Pedagógicos
219
pelo governo do estado de Sergipe, sob a inspiração do seu Secretário da
Educação, Cultura e Saúde, Antônio Garcia Filho, claramente inspirado pelo
modelo CBPE/CRPE, “com a finalidade de dotar a administração educacional
de um órgão especializado em investigação científica, cujos estudos pudessem
‘esteiar’ um planejamento adequado ao aperfeiçoamento do sistema estadual
de educação” (SOUZA, 1998, p. 62). A partir da direção do Centro de Estudos
e Pesquisas Educacionais, Mendonça alterou o seu projeto de reforma do
ensino do estado de Sergipe, de modo a torná-lo mais sintético e reduzido a
apenas sete pontos:
a) organização científica da administração educacional, a fim de que
possa presidir o desenvolvimento do sistema escolar;
b) reforma do Ensino Primário e Normal, de acordo com as necessidades
do Estado e as exigências da nossa época;
c) adoção de planos de emergência para a formação do professor rural,
com aproveitamento do prédio, onde atualmente, funciona a ineficiente
Escola Normal Rural Murilo Braga em Itabaiana;
d) extinção progressiva dos terceiros turnos na capital, mediante inclusão
no plano de construções escolares, nos próximos cinco anos, de cinco
unidades agrupadas, sendo duas para instalação dos Grupos Escolares
General Siqueira e Barão de Maruim, que funcionam ambos no mesmo
prédio, em local inadequado, com insignificantes matrículas;
e) defesa e valorização do magistério, mediante a fixação de melhores
níveis de salário para o professor primário e ampliação dos direitos e
vantagens do pessoal docente, tendo em vista o propósito de estimular
o esforço e a dedicação dos profissionais;
f) conclusão das obras do IERB, com a construção dos pavilhões da
escola de aplicação e do jardim de infância;
g) instalação de uma escola experimental, de Ensino Primário, em Aracaju
(SOUZA, 1998, p.146-147).
Pesquisadores como Nunes Mendonça, que atuavam nos Centros
Regionais mantidos pelo Inep e nos Centros Estaduais de Pesquisa,
estimulados pela ação do Instituto, buscavam “uma ou mais faces desse
intrincado debate sobre as relações escola e comunidade através das quais
os temas do conhecimento local e do reconhecimento da diversidade eram
permanentemente repostos e reconsiderados” (FREITAS, 2002, p. 69). Na
condição de diretor do Cepe, Mendonça também integrou a Comissão
Regional Bahia/Sergipe, incumbida pelo CBPE de estudar preliminarmente
uma proposta regional para os temas a serem debatidos durante a XIII
Conferência Nacional de Educação.
220
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
4. As construções escolares
Este estudo opera com a hipótese de que a pedra de toque da ação de
Anísio Teixeira e da eficácia da sua política educacional a partir do Inep era o
controle do Programa de Cooperação Técnica e Financeira das Unidades
Federativas. O seu Coordenador era o ordenador de despesas do Fundo Nacional
do Ensino Primário (FNEP), no qual dispunha de uma significativa soma de recursos
e do poder de transferi-los aos estados e municípios, para que esses executassem
obras de construção, ampliação, reforma, manutenção e aquisição de
equipamento para escolas primárias rurais e urbanas, grupos escolares e escolas
normais. Era também com os recursos do Fundo que se custeava o programa
de bolsas. Mas as verbas destinadas à construção, ampliação, reforma,
manutenção e aquisição de equipamentos, despertavam o interesse dos
governadores, prefeitos, senadores e deputados, que cortejavam o coordenador
do FNEP, função exercida pelo professor Anísio Teixeira, ao longo de 12 anos11,
o que lhe adicionou uma enorme quantidade de prestígio e poder político, além
daquilo que já possuía como respeitado intelectual da educação, que era.
Ao longo desse período, os governadores do estado de Sergipe solicitaram
ao professor Anísio Teixeira recursos para as obras de conclusão e ampliação
do edifício do Instituto de Educação Ruy Barbosa, a escola normal do estado, a
construção de 16 escolas rurais em diferentes municípios e a construção de 20
grupos escolares12. Além dos governadores, também foram localizados registros
referentes a solicitações feitas por um prefeito de Aracaju.
Ao tomar posse como prefeito da capital do estado de Sergipe, em 1959,
José Conrado de Araújo organizou um simpósio destinado a discutir os problemas
da cidade de Aracaju. Dentre os temas elencados estava o da Educação. O
objetivo era o de traçar metas para a nova gestão. O professor Manoel Franco
Freire, que presidiu a comissão encarregada de discutir o problema do Ensino
Primário propôs “que a prefeitura de Aracaju, a partir de convênios com o Inep
(Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos), construísse escolas rurais nos
povoados de Jabotiana, Robalo, São José, Mosqueiro e Porto Dantas” (GRAÇA;
SOUZA e SANTOS, 1996, p. 66), uma em cada um desses povoados.
O município de Aracaju reivindicou também ao Inep uma maior
cooperação financeira e técnica em outros campos: a construção de um
instituto de educação com uma escola primária em anexo; a melhoria do
11
Anísio Teixeira dirigiu o Inep durante as gestões seguintes presidentes: Getúlio Vargas, (19511954), Café Filho, (1954-1956), Juscelino Kubitscheck, (1956-1961), Jânio Quadros, (1961) e João
Goulart, (1961-1964).
12
A esse respeito consultar a correspondência expedida pelo governo do Estado de Sergipe. Arquivo Público
do Estado de Sergipe – Apes. Fundo Educação.
Anísio Teixeira e as Construções Escolares como Estratégia
para a Difusão de Modelos Pedagógicos
221
nível de qualificação do corpo docente e administrativo; e, a orientação
para que o município pudesse manter o Ensino Secundário, sem prejuízo ao
Ensino Primário.
Do seu conjunto de pedidos, os governadores de Sergipe obtiveram os
recursos necessários à execução das obras de acabamento e ampliação
do Instituto de Educação Ruy Barbosa, que foram concluídas no ano de
1960. Além disso, também foi possível construir 15 escolas e cinco grupos
escolares13. Proporcionalmente, o prefeito de Aracaju, Conrado de Araújo,
obteve melhores resultados que os governadores.
Do entendimento entre a administração da cidade de Aracaju e a
direção do Inep, resultaram 11 instituições escolares rurais e urbanas: as
escolas Maria da Glória Macedo, Santa Maria, Manoel Eugênio Nascimento,
Joaquim Cardoso de Araújo, Otília de Araújo Macedo, General Henrique
Teixeira Lott, Poeta Garcia Rosa, Santa Isabel, Santa Joana D’Arc, Santos
Dumont e a Leonel Brizola. Todas essas foram erguidas de acordo com o
padrão de escola rural que o Inep havia concebido no final da década de
1940. “Esse modelo previa uma escola padrão, onde se combinava uma
sala de aula (de 8m x 20m, mais ou menos) e a residência da professora”
(GRAÇA; SOUZA e SANTOS, 1996, p. 68).
O modelo da escola rural fora o mais acessível ao governo da cidade
de Aracaju, em face à política de expansão das oportunidades educacionais
do governo federal. Mas, o resultado desse convênio que mais impressionou
a população da cidade de Aracaju foi a construção dos Grupos Escolares
Anísio Teixeira e Getúlio Vargas, veja:
[...] o prefeito Conrado, em entrevista à Gazeta de Sergipe, em agosto de
1959, informava da obtenção de verba junto ao Governo Federal para a
construção de três grupos escolares. [...] a construção do Grupo Escolar
Anísio Teixeira teve o acompanhamento sistemático do Governo Federal,
sendo enviado ao Inep relatório de conclusão das obras, informando
inclusive sobre a complementação de verbas efetuadas com recursos do
Município. [...] Assim como o Grupo Escolar “Anísio Teixeira”, a construção
do Grupo Escolar “Getúlio Vargas” foi rigorosamente acompanhada pelo
Inep, contando, inclusive, com a constituição de uma comissão
fiscalizadora composta de professores e um juiz de direito (GRAÇA; SOUZA
e SANTOS, 1996, p. 71).
13
A esse respeito consultar a correspondência expedida pelo governo do Estado de Sergipe. Arquivo Público
do Estado de Sergipe – Apes. Fundo Educação.
222
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
A ação do professor Anísio Teixeira à frente do Inep possibilitou que o
estado de Sergipe14 obtivesse do Instituto num período de 12 anos, os recursos
suficientes para a construção de 26 escolas primárias rurais e urbanas15 e
nove grupos escolares. Além disso, o estado pode contar com os meios
necessários às obras de conclusão e ampliação do edifício do Instituto de
Educação Ruy Barbosa.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Durante a gestão de Anísio Teixeira, o Instituo Nacional de Estudos
Pedagógicos – Inep não foi apenas um centro difusor de pesquisa educacional.
A partir do seu cargo de diretor-geral, Anísio Teixeira executou uma bem
planejada política de intervenção na ação educativa dos estados e municípios
brasileiros, principalmente no que diz respeito à condução das decisões a
respeito dos Ensinos Primário e Normal. Em verdade, intervir nas decisões dos
estados e municípios era o objetivo buscado por Teixeira. A pesquisa
educacional ofertava os instrumentos científicos necessários à formulação da
sua política. O trabalho de capacitação dos profissionais do ensino, através
da oferta de bolsas de estudo para os cursos ministrados no CBPE e nos CRPE,
era um dos meios de execução do seu plano. Para a execução do mesmo,
Anísio também contou com outros instrumentos: a Campanha Nacional do
Livro Didático e Manuais de Ensino (Caldeme) e a publicação de periódicos e
monografias.
Para este trabalho, prece fundamental que seja objeto de novos estudos
sobre a significativa distribuição de recursos financeiros destinados à
construção, ampliação, reformação e aquisição de equipamentos escolares
que Teixeira teve condições de coordenar a partir do Inep, nos diversos estados
brasileiros.
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Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de História da
Educação, 2000. (CD ROOM).
14
Considerando-se conjuntamente os recursos que chegaram através do governo estadual e da prefeitura
de Aracaju.
15
Algumas dessas escolas eram dotadas de oficinas de artes industriais.
Anísio Teixeira e as Construções Escolares como Estratégia
para a Difusão de Modelos Pedagógicos
223
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Anísio Teixeira e as Construções Escolares como Estratégia
para a Difusão de Modelos Pedagógicos
225
226
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
O MARANHÃO E A RECONSTRUÇÃO EDUCACIONAL (1952 – 1964)
Diomar das Graças Motta1
Raimunda Nonata da Silva Machado2
1. A instrução pública maranhense
Reconstrução pressupõe reedificação do que foi total ou parcialmente
destruído. O legado político educacional maranhense, marcado pela falta de
compromisso e pelo descaso dos seus gestores, foi tão pouco edificado que o
Programa de Reconstrução Educacional pensado e executado por Anísio Teixeira,
então Diretor Geral do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos Inep de 1952
a 1964, soa um tanto contraditório. Todavia vejamos alguns fatos:
As unidades escolares existentes no estado, tanto na capital São Luís,
como no interior, eram insuficientes para o atendimento da demanda de
aluno em idade escolar, que era de aproximadamente 20% dessa população.
De acordo com dados publicados no Diário Oficial n. 101 de maio 1957,
provenientes do recenseamento, havia nos perímetros urbano e suburbano
da capital, mais de vinte mil crianças na faixa etária de sete a doze anos,
portanto, em idade escolar. Os estabelecimentos escolares da cidade
abrigavam cerca de onze mil alunos e era considerável o número de recusa
de matrículas pelos mesmos, por falta de espaço.
Até meados da década de 1950, quase não se percebia iniciativas do
governo estadual e eram tímidas as decorrentes do setor privado, para a
construção de estabelecimentos escolares, seja na capital ou no interior. Em
todo o estado do Maranhão, em 1956, existiam 99 grupos escolares, 29 escolas
reunidas, 254 escolas isoladas, 4 jardins de infância e um prédio que abrigava
2 cursos secundários, o colégio do estado, “Liceu Maranhense”, e a Escola
Normal do Instituto de Educação. O quadro de professores estava assim
constituído: o então Curso Primário tinha 964 professoras, sendo 738 normalistas,
das quais 70 exerciam a função de diretora, 76 eram regentes e 150 leigas.
1
Profª. Drª do Departamento de Educação II e do Programa de Mestrado em Educação; Coordenadora do
Grupo de Pesquisa e Estudos sobre: Educação, Mulheres e Relações de Gênero (GEMGe) e membro do
Núcleo de História e Memória da Educação Maranhense (NUMHE) da Universidade Federal do Maranhão.
2
Licencianda do 7º período do curso de Pedagogia e membro dos Grupos de Pesquisa e Estudos sobre:
Educação, Mulheres e Relações de Gênero (GEMGe) e História e Memória da Educação Maranhense
(NUMHE) da Universidade Federal do Maranhão.
O Maranhão e a Reconstrução Educacional (1952 – 1964)
227
Ao lado desse quadro, outro fator que prejudicava a concretização da instrução
pública local, segundo declaração do governador do estado Dr. José de Matos
Carvalho em mensagem publicada no Diário Oficial de 3 de maio de 1957, era o
acentuado número de licenças para tratamento de saúde e maternidade, expedidas
no início dos anos 1950. Como conseqüência, os alunos ficavam privados de
assistirem aulas por períodos bastante longos, porque o estado não dispunha de
recursos para providenciar a substituição das professoras licenciadas.
É notório que o incentivo à construção e aparelhamento de prédios escolares,
bem como à formação e à contratação de professores para a demanda populacional
no Maranhão, poderia amenizar o índice assolador de analfabetismo do seu
povo, que de acordo com o Censo de 1950, enquanto o índice médio no Brasil
era de 50,69%, nesse estado chegara ao extremo de 78,28%, o contingente de
analfabetos. Esse fato ensejou mais tarde, em 31 de julho de 1953, a criação da
Secretaria de Estado dos Negócios de Educação e Cultura (Senecem), em lugar
da Diretoria de Instrução Pública, que tinha atribuições mais restritas.
Convém registrar que os dados sobre educação no estado, relativos ao início
da gestão de Anísio Teixeira no Inep, foram parcialmente destruídos. Precisamente
os de 1949 a 1956, quando parte da documentação do órgão responsável pela
educação maranhense foi deteriorada, em virtude de estar mal acondicionada
em um casarão que desmoronou no então Beco do Teatro. Essa constatação
limitou, em parte, o aprofundamento dos fatos sobre a instrução pública
maranhense daquele período.
Esse episódio, de certa forma, fez com que, para elaboração deste texto,
detivéssemos nas fontes disponíveis, como as mensagens governamentais e
exemplares do Diário Oficial, tornando-se esses, o possível nessa empreitada.
Possibilidade que não apaga a memória, a qual não se afasta dos mortos,
“porque retém do seu passado as confirmações da sua unidade presente”
(BOURDIEU, 1965, p. 53).
Eis o que nos levou a reconstruir esse período, que se inicia com o contexto
da instrução maranhense daquela época, destaca a seguir o Programa Estadual
de Reconstrução Educacional através dos ramos de ensino beneficiados e de
uma experiência de âmbito privado.
2. Programa Estadual de Reconstrução Educacional em destaque
Esse programa fazia parte do primeiro Plano Global de Administração,
previamente traçado para execução em longo prazo, com vistas ao
desenvolvimento econômico do estado. A elaboração do plano esteve a cargo
da então instituída Comissão de Planejamento Econômico do Estado (Copema)
no governo do Dr. José de Matos Carvalho (9-7-57 a 31-01-61), conforme
registro do Prof. Mário Meireles (2001).
228
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
Nesse sentido, na gestão governamental do Dr. Matos, a Senec foi dotada
de técnicos para participar na viabilização da execução de um programa de
desenvolvimento da educação, instituído através do Decreto n. 1.257 de 31
de julho de 1957, o qual criava o Plano de Desenvolvimento de Educação e
Cultura do Estado do Maranhão, apresentando os seguintes objetivos:
I – melhor organização do quadro de funcionários de todos os serviços
para que se processe um reajustamento de cada um na sua respectiva
função;
II – elaborar estudos positivos sobre a situação do estado no setor de
educação e cultura;
III – elaborar, com assistência dos órgãos técnicos da Secretaria de
Educação e Cultura e da Assembléia Legislativa do estado, a Lei Orgânica
do Ensino Pré-primário e Primário;
IV – assistir os municípios, promovendo e apoiando toda iniciativa do
poder público ou da iniciativa particular;
V – desenvolver e estimular na capital e no interior, o Ensino Ginasial,
Normal e Técnico;
VI – buscar a aproximação do governador do estado e da Secretaria de Educação
e Cultura, com ministérios e órgãos do governo federal que apresentem
condições de auxiliar o Maranhão na execução do presente plano;
VII – apoiar e estimular o Ensino Superior através da Fundação Paulo Ramos; e,
VIII – fomentar a cultura, melhorando e zelando pelo patrimônio do estado
nesse setor e promover a aproximação das nossas elites intelectuais
com a Secretaria de Educação e Cultura e em especial com a Academia
Maranhense de Letras, o Instituto Histórico e Geográfico do Estado e
outras instituições culturais (Coleção de Leis e Decretos do Estado do
Maranhão, 1957, p. 35 e 37).
Para atender a essas finalidades, que buscavam reconstruir o sistema de
ensino maranhense, a Senec elaborou um programa o que continha:
a) promoção de assinatura de convênio com o Instituto Nacional de Estudos
Pedagógicos – Inep, promovendo ajuda do governo federal através do
Fundo Nacional do Ensino Primário para construção e reestruturação e
aparelhamento dos grupos escolares e de outras escolas;
b) promoção do aumento crescente do quadro de professores até que se
complete um número razoável que possa atender a população infantil
em idade escolar;
c) implantação de cursos, seminários e bolsas para desenvolvimento do
pessoal; e,
O Maranhão e a Reconstrução Educacional (1952 – 1964)
229
d) elaboração de planejamento visando ao aumento contínuo de
professores alfabetizadores a fim de que se diminua o índice de
analfabetismo do estado que é de mais de 70% (MENSAGEM
APRESENTADA..., 1958, p. 69).
De acordo com esse programa, a mensagem de 1960 registrou três
convênios do Inep com o governo do estado no ano de 1959 para aplicação
das seguintes verbas:
• Cr$ 14.959.800,00 para construção de escolas isoladas e grupos
escolares do Ensino Primário, reduzidos posteriormente para Cr$
7.697.160,00;
• Cr$ 18.460.000,00 para construção de oficinas de artes industriais,
reduzidos para Cr$ 10.117.942,00;
• Cr$ 300.000,00 para o prosseguimento da construção da Escola Normal
de Codó.
Diante disso, a rede escolar maranhense que funcionava no início de
1958 com 100 grupos escolares, 31 escolas reunidas, 246 escolas isoladas e
4 jardins de infância, foi assim, incrementada com o auxílio do Inep:
Fonte: Diário Oficial do Estado do Maranhão n. 99, maio/1958, p. 24
Em 1959, dos grupos escolares concluídos, 3 se localizavam na capital e
13 no interior do estado, além de 22 que se encontravam, na época, em fase
de construção (MENSAGEM APRESENTADA..., 1959).
O Maranhão, nesse período, já vislumbrava modificações positivas no
setor educacional, no que diz respeito à instalação de novas unidades escolares,
ao aumento do corpo docente e à utilização de novos métodos pedagógicos,
embora continuasse assustadoramente desproporcional a relação entre o
contingente populacional e a oferta de educação escolar.
230
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
A ênfase dada ao Ensino Primário e a ausência de um prognóstico que visasse
ao atendimento dos alunos no Ensino Secundário culminou com um descompasso
entre o Curso Primário e o Curso Secundário, sobretudo, em virtude da prioridade
estabelecida para o primeiro ramo de ensino. Diferente do que Anísio Teixeira
proferira no XI Congresso Brasileiro de Educação, em janeiro de 1954:
[...] e não já somente a obrigação de manter todas as crianças na Escola
Primária. Há também, depois de dar a instrução que é obrigatória, a
necessidade de proporcionar a Secundária e a conveniência, também
socialmente indiscutível, de ministrar a superior a número considerável de
habitantes brasileiros (TEIXEIRA, 1956, p. 165).
Logo, crescia o número de estabelecimentos destinados a instrução primária,
enquanto que a instrução secundária se mantinha insuficiente para acolher o
crescente quantitativo de adolescentes que solicitavam matrícula nos Cursos
Ginasial e Colegial. Esse descompasso não se acentuou mais devido à participação
do setor privado, que em todo estado procurava suprir a essa lacuna.
2.1. Ensino Rural
O Ensino Rural mereceu os melhores cuidados do governo e recebeu
auxílio valioso do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos desde 1947, através
da distribuição aos municípios, para construções de escolas rurais, do
conveniente equipamento material e da imprescindível formação de
professores. Com isso, o Inep planejou o funcionamento de aproximadamente
trezentos estabelecimentos de Ensino Rural Primário no Maranhão.
Então, no período de 1953 a 1956, foram realizados quatro cursos para
formação de professoras rurais com resultado satisfatório. A primeira turma dessas
professoras, que era integrada por trinta normalistas, concluiu o curso no final de
1953 e passaram logo a ter exercício nas escolas rurais do interior do estado.
Como incentivo à especialização de professores rurais, coube também
ao Inep oferecer bolsas de estudos para melhorar a formação dos docentes
capacitados das unidades de ensino. Assim, foram contempladas nesse
programa, de acordo com a mensagem do governador Eugênio Barros (1954),
as seguintes normalistas:
• Edith Belfort Campos do Grupo Escolar “Imaculada Conceição” e Filomena
Machado Teixeira do Grupo Escolar “João Lisboa” em Caxias, ambas
estagiaram na Fazenda Rosário em Belo Horizonte, realizando um trabalho
considerado muito bom pelo professor Anísio Teixeira.
O Maranhão e a Reconstrução Educacional (1952 – 1964)
231
• Maximiana Rodrigues Pires da Escola Isolada “Sinhá Nina” na
Maioba de Mocajutuba em São Luís e Benedita Silva Barbosa da
Escola Isolada do município de Pindaré-Mirim, ambas estagiaram
em Pernambuco.
Convém ressaltar que a mensagem do 1º Vice-presidente da Assembléia
Legislativa, no exercício do cargo de Governador do Estado do Maranhão,
Deputado Eurico Bartolomeu Ribeiro (26-3-56 a 9-7-57), publicada no Diário
Oficial do estado em 3 de maio de 1956, registra que era relevante dedicar
especial cuidado ao ramo de Ensino Rural, porque esse era considerado
como um instrumento capaz de promover a recuperação econômica da
sociedade maranhense.
Assim, em 1957, esse ensino se manteve privilegiado nas ações
governamentais com o intuito de amenizar o analfabetismo que assolava as
populações municipais. O governador Eurico Bartolomeu Ribeiro retoma, na
mensagem de 1957, a situação da educação nas comunidades rurais,
afirmando:
[...] conhecimentos úteis, objetivos de aplicação imediata no meio em que
vivem, será em vão que se esperaria pelos resultados daquela recuperação,
que em última análise, tem que apoiar-se, obviamente na valorização do
elemento humano, fator primordial, que é da criação da riqueza
(MENSAGEM APRESENTADA..., 1957, p 69).
Dessa forma, para a implementação do programa, foi imprescindível
direcionar o olhar para a formação de pessoal especializado, seja através
da fundação à época, de escolas normais do 1º grau, destinadas a regentes
de ensino (professores das séries iniciais do então Ensino Primário) ou
mediante cursos especiais, ministrados todos os anos na capital.
Nesse sentido, o Inep e a Campanha Nacional de Alfabetização de
Adultos ofereceram significativa colaboração para a melhoria do Ensino Rural
maranhense. Isso foi possível porque Anísio Teixeira tinha instituído em
1952, a Campanha Nacional de Educação Rural, que tinha a “tarefa de
melhoria das condições socioculturais das áreas rurais, mediante cursos de
treinamento de cooperativismo, centros sociais de comunidade, centros de
orientação de líderes locais, centros de educadores de base” (O INEP E OS
ÓRGÃOS EXECUTORES DE PLANOS ESPECIAIS..., 1957, p. 159).
No Maranhão, o Inep manteve um inspetor encarregado da superintendência
e da fiscalização das obras por ele financiadas, como a construção de grupos
escolares e escolas rurais. No ano de 1957, o município de São Luís inaugurou a
232
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
Escola Agrotécnica, construída e instalada a partir do convênio efetivado entre
estado e União, para ofertar moderna instrução técnico agrícola.
Diante disso, o Ensino Rural foi adquirindo regular desenvolvimento,
havendo três escolas rurais regionais localizadas nos municípios de Carolina,
Cururupu e Turiaçu, as quais funcionavam em prédios próprios, construídos e
equipados pela União, através do Inep, destinadas à formação de professores
rurais. O governador em exercício, Eurico Bartolomeu Ribeiro, afirma que o
estado mantinha esses cursos objetivando:
• o desenvolvimento de conhecimentos dos professores, no qual curso
lhes são ministradas, além de matérias essenciais ao campo do
ruralismo, outras disciplinas, que lhes revigorem a ilustração do
espírito, proporcionando-lhes, ao mesmo tempo, mais estímulo, para
o desempenho de suas funções (DIÁRIO OFICIAL, 1957, p. 31).
Assim, entre 1959 e 1960, o Maranhão possuía as seguintes edificações
escolares para as comunidades rurais:
continua
O Maranhão e a Reconstrução Educacional (1952 – 1964)
233
continuação
234
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
conclusão
Fonte: Mensagem do Governador Dr. José de Matos Carvalho (1959 e 1960).
Apesar do Inep vislumbrar a construção de aproximadamente 300 unidades
rurais para o estado, tem-se notícia de que se conseguiu edificar apenas 20% dessas.
2.2. O Ensino Primário
A população maranhense do período estudado, esteve sujeita a uma
grave precariedade no funcionamento da rede escolar, pois eram poucas as
unidades de ensino para atender as crianças em idade escolar, e as que
existiam, necessitavam de reparos e equipamentos.
Em 1953, foi tímido o movimento de ampliação das unidades de ensino
em nosso estado com vistas a retificar essa fragilidade, isto porque o governo
não privilegiava a construção, restauração e reestruturação do aparelhamento
das unidades escolares, mas tentava melhorar esse quadro dramático,
utilizando como paliativo a transformação das escolas existentes em grupos
escolares. Assim, de 1953 a 1963, nosso sistema de ensino foi acrescido de
53 novos grupos escolares, resultantes do convênio com o Inep, sendo 14
escolas transformadas em grupos escolares.
Diante desse quadro, o Ensino Primário apresentou uma relativa melhoria, o
que levou o governo local a despender mais recursos a fim de reestruturar e aparelhar
as unidades de ensino existentes, rever as condições de trabalho dos docentes e
discentes e contratar mais professoras para atendimento dessas novas salas.
Dessa forma, através do Departamento de Educação, órgão centralizador
das atividades pedagógicas da Senec, o então governo do Dr. José de Matos
Carvalho programou para a Educação Primária a promoção de melhorias, levando
em conta a conjuntura social do país, para satisfazer as seguintes finalidades:
O Maranhão e a Reconstrução Educacional (1952 – 1964)
235
a) proporcionar conhecimentos primários necessários à vida prática;
b) promover formação e desenvolvimento à personalidade das crianças,
criando condições de vida em família e na comunidade;
c) oferecer iniciação ao trabalho, tendo esse como um dever social imposto a
cada cidadão como contribuição a melhoria de vida e progresso do Brasil; e,
d) criar condições para o exercício das atividades morais e cívicas no
sentido de formar homens dentro dos princípios e no respeito às
instituições que caracterizam a social democracia (MENSAGEM
APRESENTADA..., 1958, p. 68-69).
2.3. O Ensino Normal
Na execução do programa elaborado pela Senec, o Ensino Normal foi
privilegiado, mas através das ações em parceria com o Inep.
Para isso, as medidas implementadas a fim de melhorar esse ramo de
ensino foram adaptadas aos princípios da pedagogia moderna, conforme o
Decreto Estadual n. 1.280 de 31 de outubro de 1957, que organizou a estrutura
do Ensino Normal, dispondo-o com as seguintes finalidades: a) promover a
formação do pessoal docente necessário às escolas primárias; b) habilitar
administradores escolares destinados às mesmas escolas; e, c) desenvolver e
propagar os conhecimentos e técnicas relativas à educação da infância.
Com base nos princípios pedagógicos defendidos por Anísio Teixeira, a
nova regulamentação do Ensino Normal abordava uma concepção de educação
centrada no método ativo, no qual o educando é motivado a vivenciar
concretamente o processo ensino aprendizagem. Sobre isso, o art. 13 do referido
regulamento dispunha os seguintes critérios:
a) adoção de processos pedagógicos ativos;
b) a Educação Moral e Cívica não deverá constar de programa específico,
mas resultará do espírito e da execução de todo o ensino;
c) a prática de ensino será feita em exercício de observação e de
participação real no trabalho docente, de tal modo que nela se integrem
os conhecimentos técnicos de todo o curso.
No Maranhão, já em 1959, existiam seis cursos normais de nível
pedagógico e dez cursos de nível ginasial, sendo que na capital, o governo
mantinha apenas a Escola Normal do Instituto de Educação. Essa instituição
fazia parte do núcleo educacional constituído pelo Ginásio Feminino, Jardim
de Infância “Decroly”, Grupo Escolar “Gilberto Costa” e Curso de Aplicação,
que pela Lei n. 1.530 de 26 de abril de 1957, passou a se denominar “Curso
de Aplicação do Ginásio Estadual do Instituto de Educação”. Isto porque,
236
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
também estava disposto no Art. 70 do Decreto n. 1.280 de 31 de outubro de
1957, que o Instituto de Educação do Maranhão deveria compreender:
• curso Secundário Ginasial – 1º ciclo;
• curso Normal – 2º ciclo;
• cursos de Especialização do Magistério e de Habilitação para
Administradores Escolares do Grau Primário; e,
• grupo escolar com os cursos primários elementar e complementar e
com jardim de infância.
No sentido de valorizar a formação dos professores, foram promovidos
cursos e seminários e concedidas bolsas de estudo para proporcionar aos
docentes, uma orientação que lhes garantisse a promoção e a renovação dos
métodos pedagógicos. Assim, com a colaboração do Inep, foram concedidas
bolsas de estudo conforme discriminação a seguir:
• duas bolsas para trabalhos manuais: Benedita da Silva e Maria de
Lourdes Azevedo Silva;
• três bolsas para o primeiro curso de aperfeiçoamento do professorado
primário realizado no Crinep da Bahia: Rosário de Maria Dias Nina,
Laura Oliveira e Carmelita Martins Leite;
• uma bolsa de Jardim de Infância: Maria de Lourdes Silva Azevedo;
• duas bolsas de trabalho de classe: Alíria Pereira Reis e Helena
Conceição Gomes;
• sete bolsas de artes aplicadas: Aída Silvia Carvalho da Silva, Maria
Ferreira da Cruz, Irene Amorim, Dagmar Rocha Sales, Marizete Barbosa
Moreira e Elcy Bandeira;
• uma bolsa de Seminário de Sociologia Educacional: Dr. Carlos Carvalho;
• uma bolsa de Metodologia da Linguagem: Maria Guilhermina
Pinheiro Dias; e,
• uma bolsa de Prática de Ensino: Rosário de Maria Dias Nina.
É oportuno registrar que parte dessas bolsistas ao retornarem, foi
desenvolver suas atividades nos vários cursos do Instituto de Educação.
Por outro lado, o Programa de Reconstrução Educacional no estado viabilizou
o aumento do quadro de professores para suprir as necessidades da ampliação
do Ensino Primário não só em função das novas salas, constituídas como
estratégia de redução do professorado leigo. A nomeação desses, só ocorria
para as localidades que não contavam com a professora normalista.
A regulamentação para criação de cargos de professores e outros servidores
nos permite visualizar melhor essa etapa do programa. Com isso, no período
O Maranhão e a Reconstrução Educacional (1952 – 1964)
237
ora estudado, temos por exemplo, os seguintes registros legais que demonstram
as iniciativas concernentes ao aumento de pessoal do quadro estadual:
a) Lei n. 823 de 15 de dezembro de 1952. Cria 83 cargos de professor
normalista padrão H, 3 funções de professor auxiliar leigo e
extranumerário mensalista referência I;
b) Lei n. 880 de 27 de abril de 1953. Cria no quadro único do estado, 2
cargos de professoras normalistas padrão H. É elevado para 8, o número
de cargos de professoras normalistas padrão H das escolas sediadas no
município de Colinas, de que trata o art. 5º da Lei n. 823 de 15-12-52;
c) Lei n. 1.219 de 15 de julho de 1954. Cria 14 cargos de regente de
Ensino Primário padrão A, 5 cargos de diretores de Ensino Primário
padrão E, 69 cargos de professora normalista classe C, um cargo de
orientador educacional padrão P, 2 cargos de inspetor de aluno padrão
A e 6 funções de serviçal com a diária de CR$ 25,00.
d) Lei n. 1.594 de 4 de janeiro de 1958. Cria 32 cargos de professoras normalistas
padrão G para o interior, 11 padrão G, para a capital, 71 padrão A, regente de
ensino, 3 cargos de diretoras para o interior e 2 cargos de zeladoras.
3. O pensamento de Anísio Teixeira no Cinec, em Colinas,
Maranhão
A estrutura administrativa do Maranhão no período de 1945 a 1965,
estava alicerçada em um modelo político administrativo coronelista, advindo
da República Velha, denominado ‘vitorinismo’, o qual era caracterizado pela
prática do mandonismo local, apoiado na figura do senador pernambucano
Vitorino de Brito Freire.
O município de Colinas, região Centro-leste do estado do Maranhão,
tinha seu quadro político formado de acordo com o prestígio familiar, dotando
de poder os que gozavam de melhor situação econômica. Os dirigentes de
Colinas se preocupavam mais com os seus interesses particulares e com a
manutenção do poder, relegando a segundo plano, suas responsabilidades
com os serviços de atendimento à população como saúde, educação,
transporte, abastecimento, comunicação, dentre outros.
Esse quadro de necessidades gerado pela dominação política oligárquica,
favoreceu o surgimento de uma atuação individual na implementação de idéias
inovadoras que objetivavam a transformação desse estado de atraso e pobreza,
tendo na educação, o seu instrumento de reconstrução social.
Nesse contexto, inicia-se em 1955, a experiência do Centro Integrado de
Educação de Colinas (Cinec), a partir de um trabalho inovador naquele
município, surgido com a chegada de um novo sacerdote recém ordenado
238
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
para assumir a direção da Paróquia Nossa Senhora da Consolação. O trabalho
reformador desenvolvido pela igreja local, estava pautado nas idéias de renovação
cristã, caracterizado pela sua participação política na sociedade, conforme
registros da Prefeitura Municipal de Colinas:
[...] inovando os métodos da condução da paróquia, extrapolando
definitivamente os limites da sacristia, antecipando propostas de atuação
eclesial que nasceriam do Concílio Vaticano II, Medelline Puebla, eis que a
paróquia de Colinas conheceu uma nova fase em sua história, caracterizada
por um esforço de evangelização centrado no homem real, integral, inserido e
comprometido espiritual, social, econômica e culturalmente. Nada de Salvar
almas ‘habitando’ corpos débeis e estruturas humanas doentias. Salvar, sim,
mas o homem todo, situado no contexto de sua comunidade, mediante os
critérios do Evangelho, a norma da Igreja autêntica (COSTA, 1993, p. 27).
Diante disso, a paróquia de Colinas foi assumindo funções no campo
educacional, que pertenciam à administração municipal. Assim foram criados
pela Igreja Católica o Grupo Escolar “São Pio X” (1957), uma escola de
alfabetização que funcionava num galpão ao lado da casa paroquial; o Ginásio
Colinense (1959) e a Escola Normal Regional Governador “Mattos Carvalho”
(1960), transformada em 1963, em Escola Normal Pedagógica, conjunto que
passou a constituir o complexo integrado de Colinas (Cinec).
O trabalho de reconstrução educacional desenvolvido a partir da iniciativa
da paróquia de Colinas, conseguiu ser concretizado em virtude da flexibilidade
do disciplinamento legislativo, bastante defendido por Teixeira (1956, p. 136),
pois de acordo com ele, o sucesso da educação escolar também dependia da
descentralização administrativa pelos estados e quando possível pelos
municípios. Dependia também da “liberdade do ensino particular para competir
com o público e manter cursos diversificados e ensaios renovados”.
Para a implementação das idéias no sistema escolar preconizado pela
paróquia de Colinas, percebemos a influência predominante da pedagogia
‘escolanovista’, reflexo das transformações que se processavam no cenário
educacional brasileiro. Nesse período, apesar de ainda existir a polêmica entre
os defensores da escola laica e os da escola confessional, algumas escolas
religiosas abandonam a concepção humanista tradicional e passam a aderir a
humanista moderna, ’escolanovismo’.
Nesse sentindo, Costa (1993) diz que o nascimento do complexo integrado
de Colinas se dá mediante o contato de seus idealizadores e realizadores, Pe.
José Manuel de Macedo Costa e Antônio Luiz de Macedo Costa, com cursos
de aperfeiçoamento e literatura, que o fizeram absorver e assimilar elementos
modernizadores e transformadores de influências diversas, sem renegar os
fundamentos da formação cristã.
O Maranhão e a Reconstrução Educacional (1952 – 1964)
239
Além disso, a Igreja Católica adotou no período de 1930 a 1964, uma
tendência populista, passando a atuar nos diversos setores da sociedade,
através da Liga Eleitoral Católica (LEC), da Ação Católica (AC); das organizações
juvenis como: Juventude Agrária Católica (JAC), Juventude Universitária Católica
(JUC), Juventude Operária Católica (JOC), Juventude Estudantil Católica (JEC),
Juventude Independente Católica (JIC) e da criação da Conferência Nacional
dos Bispos do Brasil – CNBB e do Movimento de Educação de Base (MEB),
entre outros. A Igreja Católica tradicional se encontrava permeada por uma
nova ideologia cristã, mas mantendo “boas relações” com o Estado.
Desse modo, o trabalho iniciado pela paróquia de Colinas conseguiu
receber apoio do poder público estadual, através da contratação de professores
de seu quadro para lecionarem no Grupo Escolar “São Pio X”, o qual foi
equiparado às escolas primárias estaduais pelo Decreto n. 1.376 de 26 de
setembro de 1958 e pela Fundação Educacional Governador Newton Bello,
entidade mantenedora das escolas, criada em agosto de 1962.
3.1. Estrutura e organização do Cinec
De acordo com o regimento interno, era finalidade do Cinec “promover a
educação de qualidade e democrática, em função do desenvolvimento regional,
pela aplicação de métodos e técnicas da Escola Nova, inspirados nos princípios
da pedagogia cristã” (COSTA, 1993, p. 70).
A reforma da escola em Colinas caminhava de certa forma em consonância
com os princípios de Anísio Teixeira, visando à formação integral do cidadão,
desenvolvendo-lhe as virtudes da personalidade (conjunto de hábitos e atitudes)
e do trabalho.
O Cinec se constituiu também como uma escola laboratório de
aprendizagem e de fixação e aplicação dos conteúdos, favorecendo aos seus
alunos e alunas com oportunidades de comparar as teorias recebidas em
sala de aula com as situações reais vivenciadas na prática. Para tanto, o
Cinec funcionava de acordo com Costa (1993), com a seguinte estrutura:
a) Grupo Escolar Pio X: Escola de Aplicação e Escola de Estágio;
b) Centros de Estudos Pedagógicos: laboratório de pesquisas pedagógicas;
c) Grêmio Pio XII: representação dos estudantes do Cinec para vivência
da liderança e da responsabilidade;
d) Cooperativa escolar: laboratório de iniciação profissional;
e) Instituto de Pesquisas Científicas: experiências e demonstrações no
campo das ciências químicas, físicas e biológicas para professores e
alunos do Cinec;
240
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
f) Centro de Pesquisas ‘Humano-sociais’: experiências e demonstrações
no campo das ciências humanas e sociais;
g) Centro de Audiovisuais: laboratório para cursos, palestras e seminários;
exposições e demonstrações de materiais e técnicas; confecção,
aquisição, conservação e controle de materiais; criação e animação
de clubes de cinema, sala de projeções e clube de fotografias.
A configuração do Cinec assemelhava-se à idéia que Anísio Teixeira tinha
sobre os centros educacionais, pois para ele, a escola deveria compreender
um centro de educação integral com atividades de instrução e educação. As
atividades de instrução estariam voltadas para o curso básico de leitura, escrita,
aritmética e rudimentos de história e ciências, já a educação, compreendia
uma formação de caráter e de trabalhadores especializados. Sobre esse tipo
de escola, Anísio Teixeira dizia:
[...] é uma formação prática, destinada a dar, ao cidadão, em uma sociedade
complexa e com o trabalho extremamente dividido, aquele conjunto de
hábitos e atitudes indispensáveis à vida em comum. A escola, neste nível,
[...] deve buscar os seus moldes na própria vida em comunidade, fazendose ela própria, uma comunidade em miniatura, onde o aluno viva e aprenda
as artes e relações da sociedade compósita e difícil que vai utilmente
participar (TEIXEIRA, 1956, p. 26).
Outro aspecto a ser destacado no funcionamento do Cinec foi a experiência
de autonomia investida na estrutura organizacional dessa instituição. O
princípio da autonomia proporcionava aos alunos oportunidades de vivenciarem
a formação política, e aos professores, a possibilidade de ampliação do seu
papel no comando deliberativo co-responsável com a ação administrativa do
Diretor, bem como acentuava as relações entre a escola e a comunidade.
Essa construção acontecia através de uma gestão participativa em sentido
de colegialidade, apresentando a seguinte constituição:
Fonte: COSTA, 1993.
O Maranhão e a Reconstrução Educacional (1952 – 1964)
241
A estrutura do Cinec, que abrangia à época, os três ciclos de ensino, o
Primário, o Ginasial e o Colegial e a diversificação das atividades profissionais,
exigia uma sistematização administrativa e pedagógica flexível, sendo sua
finalidade educativa a de assegurar aos alunos, uma progressiva conquista
da autonomia em suas ações como cidadãos. Nesse sentido, sobre os ideais
de autonomia da escola, a gestão municipal e a descentralização dos poderes
públicos, Anísio Teixeira considerava que:
[...] o público e as formas pelas quais, o Estado se representa, são coisas
relativas e plurais, dotadas as formas do Estado de extrema flexibilidade de
organização. Nenhum outro interesse público exigirá forma tão especial do
Estado quanto o da Educação. As escolas deverão ser, assim, organizações
locais, administradas por conselhos leigos e locais, com o máximo de
proximidade das instituições que venham a dirigir e com o máximo de
autonomia que lhes for possível dar. Essa relativa independência local
permitirá torná-las, tanto quanto possível, representativas do meio local e
indenes aos aspectos impessoais das grandes organizações centrais. Serão
públicas, mas nem por isso perderão o contato com o meio ou a saudável
diversidade que lhes irão dar a variedade e multiplicidade dos órgãos locais
de controle (TEIXEIRA, 1976, p. 319).
3.2. A Escola Normal de Colinas e o Grupo Escolar São Pio X
Em 1960, foi criada a Escola Normal Regional Governador Mattos Carvalho,
destinada à formação de profissionais da educação, com a finalidade de
habilitar em um período de quatro anos, professores e professoras regentes
para atuarem nas classes iniciais do Ensino Primário.
Essa instituição apesar de conferir uma profissionalização, limitava se
porém à modalidade de ensino do ciclo ginasial, contemplando os seus
conhecimentos de cultura geral e do estudo mínimo das disciplinas
pedagógicas. Esses aspectos acabavam por proporcionar uma formação
profissional fragilizada, porque destituía o futuro professor regente dos
conhecimentos gerais mais aprofundados e dos fundamentos psicológicos,
biológicos e sociológicos, além das teorias e técnicas pedagógicas.
Entretanto, já em 1963, a Escola Normal Regional Governador Mattos
Carvalho é transformada na Escola Normal de Colinas, possibilitando a inclusão
do segundo ciclo do Ensino Normal, o qual correspondera ao nível colegial,
com duração de três anos para formação de professores primários.
Nessa modalidade de Ensino Normal, o Cinec oferecia uma adequada
formação pedagógica através do Centro de Estudos Pedagógicos – CEP, o
qual se constituía em laboratório da escola normal, para realização de
242
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
observações e pesquisas pedagógicas. Segundo Costa (1993, p. 75), esse
centro de pesquisa funcionava “visando ao aperfeiçoamento dos alunos e ao
fornecimento de subsídios técnicos às unidades escolares do Cinec”, incluindo
as seguintes metodologias de trabalho:
[...] círculos de estudos, palestras, debates e cursos, pesquisas e
levantamentos sobre problemas e assuntos educacionais, experiências coma
a aplicação de métodos e técnicas pedagógicas, publicação de revista/
boletim para divulgação de estudos e resultados de pesquisas, realização
dos seminários de aperfeiçoamento dos professores do Cinec e, ainda, defesa
pública dos trabalhos de conclusão de cursos pelos alunos da 3ª série da
Escola Normal de Colinas (COSTA, 1993, p. 75).
Dessa forma, o Ensino Normal de Colinas apresentava uma estrutura
organizacional em consonância com o Decreto Estadual n. 1.280 de 31 de
outubro de 1957 que dizia:
Art. 2º – O Ensino Normal será ministrado em dois ciclos. O primeiro dará o
curso de regentes de Ensino Primário em quatro anos e o segundo o curso de
formação de professores primários, em três anos.
Art. 4º – Haverá três tipos de estabelecimentos de Ensino Normal: o Curso
Normal Regional, a Escola Normal e o Instituto de Educação.
Parágrafo 1º – Curso Normal Regional será o estabelecimento destinado a
ministrar tão somente o primeiro ciclo do Ensino Normal.
Parágrafo 2º – Escola Normal será o estabelecimento destinado a dar o curso
do segundo ciclo e o ciclo ginasial do Ensino Secundário.
Parágrafo 3º – Instituto de Educação será o estabelecimento que, além dos
cursos próprios da Escola Normal, ministre ensino de especialização do
magistério e de habilitação para administradores escolares de grau primário
(COLEÇÃO DE LEIS E DECRETOS, 1957, p. 48).
O Cinec, como centro integrado, mantinha o funcionamento da Escola
Normal de Colinas em parceria com o Grupo Escolar São Pio X, devendo esse
estabelecimento de instrução primária ser utilizado para atender a sustentação
prática da formação do professor em Colinas através da aplicação dos
conhecimentos técnicos adquiridos na participação concreta do trabalho docente.
Por isso, o grupo escolar funcionava também como laboratório, sendo
uma Escola de Aplicação destinada ao exercício da observação crítica dos
alunos da escola normal e uma escola de estágio que servia como campo de
treinamento profissional daqueles alunos. Essa orientação de ensino era
respaldada pelo já citado Decreto n. 1.280/56 no capítulo que tratava dos
O Maranhão e a Reconstrução Educacional (1952 – 1964)
243
programas e da orientação geral do ensino, Art. 13, alínea d. O capítulo
registrava as exigências que cada aluno deveria satisfazer, como: submeterse, semanalmente, no grupo escolar, a dois dias de observação e um dia de
participação real no trabalho docente e apresentar no período letivo, o mínimo
de trinta e seis observações e dez participações no trabalho docente. Desse
modo, as instituições de Ensino Normal também tinham a finalidade de manter
escolas primárias anexas para demonstração e prática de ensino.
Em relação à orientação pedagógica, o trabalho desenvolvido pelo Cinec,
que era fundamentado na Escola Nova, também encontrava sustentação no
Regulamento do Ensino Normal, o qual definia a composição e execução dos
programas curriculares vinculados a processos pedagógicos ativos, devendo,
professores e alunos, desempenharem suas atividades em constante
colaboração. Nesse aspecto, o professor deveria estar consciente de que o
ofício do magistério exige trabalho cooperativo com autocrítica e compreensão
humana, sobre o qual orientará suas tarefas. Os alunos não deverão ser
limitados ao ensino livresco, mas estimulados à realização de técnicas de
trabalho que lhes garantam uma formação profissional útil na sociedade.
3.3. Princípios Norteadores do Ensino no Cinec
A ação educacional pretendida pelo Cinec consistia na busca de uma
educação para o desenvolvimento integral do homem na sociedade, levando
em conta a integração do indivíduo em seu meio através do realismo
pedagógico, da formação política e da educação para o trabalho, constituindose assim em uma proposta de ensino que priorizava os interesses e as
necessidades dos alunos, as condições e o meio, dando ênfase às atividades
de experimentação, treinamento e vivência prática, proporcionadas pela
participação desses em atividades dos laboratórios.
O realismo pedagógico integrava a idéia central do projeto ‘cinecista’,
tratava-se de uma orientação educativa baseada na inter-relação entre
experiência e aprendizagem, os conhecimentos se transformavam em
conteúdos vitais, servindo como hipóteses de ação. Nesse sistema de ensino,
o aluno aprendia a fazer fazendo e vivenciando ações concretas.
Assim, a educação no Cinec se processava visando à construção da
autonomia, com a finalidade de oferecer ao educando o exercício da iniciativa
e da independência e de possibilitando-lhe exercer o controle de sua própria
vida e o domínio da auto-aprendizagem.
Na formação política, a organização estudantil no Grêmio Pio XII
representava um exemplo de aplicação dos conteúdos iniciados em sala de
aula. Os alunos se faziam presentes no corpo docente com direito de voz e
voto no foro deliberativo do Cinec, para assegurar a representação de sua
244
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
categoria e um espaço de participação efetiva. Diante disso, o exercício da
democracia se mesclava com a ação educacional ‘cinecista’, através das
categorias de participação, descentralização, poder distribuído, autonomia e
justiça social.
No campo prático do grêmio, os alunos eram estimulados a simular o
máximo possível a real organização social, principalmente o exercício da
cidadania em atividades relacionadas com a justiça estudantil, possibilitandolhes o desenvolvimento sóciopolítico e a reprodução da estrutura republicana,
tais como “votar ou disputar mandatos nas eleições, debater e apreciar projetos
em congresso estudantil, administrar os interesses dos estudantes nos
ministérios e órgãos do governo do grêmio, aplicar as leis da república estudantil
no judiciário”. Um processo que se desenvolvia bastante coerente com os
fundamentos democráticos de Anísio Teixeira quando este menciona que:
[...] uma política de força impede o funcionamento da democracia. Porque
a forma democrática, como procuramos acentuar, é a confiança na razão
humana devidamente cultivada, a participação de todos na formação da
sociedade, com o desenvolvimento de cada um até o máximo de suas
potencialidades e o enriquecimento do pensamento individual de cada
ser humano, com todos os recursos possíveis da informação livre e exata.
Para que isto seja possível, é indispensável à completa integração entre o
espírito propriamente democrático, que é o da confiança no homem, e o
espírito científico, que é o da busca imparcial da verdade. Assim integrados,
poderiam eles conduzir a sociedade em sua reconstrução gradual e pacífica
(TEIXEIRA, 1968. p. 23).
A organização de ensino adotada pelo Cinec, pautada na ação democrática
no que concerne a seu funcionamento na forma de colegiado, com a
participação dos seus alunos em seu sistema formativo, propiciava a eles
(alunos) a formação de cidadãos preocupados com as transformações da
sociedade, envolvidos em situações conflituosas que os faziam refletir e decidir
caminhos e posturas, conscientes de seus direitos e deveres para aquisição
de uma intencionalidade responsável na atividade política.
O sistema de ensino ‘cinecista’ também visava à formação para o trabalho,
haja vista a necessidade de proporcionar uma educação voltada para o
desenvolvimento socioeconômico, valorizando com isso, a qualificação do ser
humano para assegurar geração de riqueza e a sustentação do seu bemestar social. Por isso, o Cinec se constituía em uma organização escolar
integrada que permitia aos alunos simular as vivências práticas do cotidiano,
bastante coerente com o que propunha Anísio Teixeira:
O Maranhão e a Reconstrução Educacional (1952 – 1964)
245
[...] exatamente porque a educação será o processo pelo qual o indivíduo se
formará para a sociedade plural e múltipla a que irá pertencer, temos de
fazer as instituições educativas exemplos de instituições integradas, humanas
e pessoais, nas quais iniciemos o educando na experiência de integração,
graças a um meio que guarde as qualidades do meio ainda pequeno, mais
simples e mais puro, em oposição ao grande meio complexo, tumultuoso e
divergente em que ele irá viver e no qual ingressará com o viático de sua
formação escolar (TEIXEIRA, 1968, p. 35)
A experiência do Cinec se estendeu até a década de 1970, com seus
gestores. A partir deste período foi influenciada pelas mutações das décadas
seguintes, entretanto a sua semente germinou em várias localidades do
estado. Haja vista o sistema de televisão educativa maranhense, cuja estrutura
pedagógica buscou apoio no seu ideário.
CONSIDERAÇÕES GERAIS
O descaso com a instrução pública maranhense desde a época da província
e que assinalamos no início deste estudo, teve em Anísio Teixeira um motivador
da sua parcial reversão.
O Programa de Reconstrução Nacional da Educação chamou à participação,
os governantes maranhenses da época, que imbuídos dessa responsabilidade
se envolveram, dando respostas, ainda que a nosso ver, pouco ousadas, face
às necessidades educacionais do estado. Todavia, as orientações do Inep
naquele momento, incentivaram a formulação de políticas, sem omitir as
peculiaridades de cada unidade federativa.
É o que deixa claro, a presença do ideário de Anísio Teixeira no processo
educacional maranhense, seja pela qualificação do professorado, pela
preocupação com o Ensino Rural Primário e Normal, pelos prédios escolares
existentes ou pelas sementes da iniciativa privada, a exemplo do Cinec, no
município de Colinas.
As representações sobre o seu pensamento na sociedade maranhense
demonstram, como afirma Clarice Nunes (2000), a luz na qual contém “as
iniciativas e realizações de Anísio Teixeira, o seu compromisso com a educação
como serviço, a concepção teórica e imaginação pedagógica que lhe dão
suporte, a vontade do poder como arte”.
E esta luz no espaço educacional maranhense insiste em não se apagar.
246
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
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Nacional, 1956.
O INEP e os Órgãos Executivos de Planos Especiais: realizações em 1956
novos planos de trabalho. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Rio
de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 146-161, jan./mar. 1957.
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BARROS, Eugênio (governador). Mensagem apresentada à Assembléia
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BARROS, Eugênio (governador). Mensagem apresentada à Assembléia
Legislativa do Maranhão. São Luís: Imprensa oficial, 1955.
RIBEIRO, Eurico Bartolomeu (governador em exercício). Mensagem
apresentada à Assembléia Legislativa do Maranhão. Diário Oficial Estado
do Maranhão. São Luís, nº. 94, 3 maio de 1956.
RIBEIRO, Eurico Bartolomeu (governador em exercício). Mensagem
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O Maranhão e a Reconstrução Educacional (1952 – 1964)
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CARVALHO, José de Matos (governador). Mensagem apresentada à Assembléia
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Legislativa do Maranhão. São Luís: Imprensa oficial, 1960.
BELLO, Newton de Barros (governador). Mensagem apresentada à Assembléia
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BELLO, Newton de Barros (governador). Mensagem apresentada à Assembléia
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BELLO, Newton de Barros (governador). Mensagem apresentada à Assembléia
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O Maranhão e a Reconstrução Educacional (1952 – 1964)
249
250
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
UMA OUSADA REFORMA EDUCACIONAL DO GOVERNO
DINARTE MARIZ NO RIO GRANDE DO NORTE (1956-1961) E
O APOIO INSTITUCIONAL DE ANÍSIO TEIXEIRA COMO
DIRETOR DO INEP
Marta Maria de Araújo
Profª do Depto de Educação da UFRN
No dia 04 julho de 1952, por designação do Ministro da Educação e
Saúde Pública, Ernesto Simões da Silva Filho, o educador e pensador Anísio
Spínola Teixeira (1900 – 1971) era empossado como Diretor-Geral do Instituto
Nacional de Estudos Pedagógicos (1938-1964), órgão do Ministério da Educação
e Cultura (MEC), posteriormente Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais (Inep). No discurso de posse, Anísio Teixeira anunciou a linha
mestra do Plano de Reconstrução Educacional a ser executado pelo Inep: “a
imposição ao sistema de educação nacional de novos deveres, novos zelos,
novas condições, novos métodos [...] e espírito científico que os novos tempos
estão a exigir” (DISCURSO DE POSSE DO PROFESSOR..., 1952, p. 71 e 79).
Este trabalho, que tem como tema geral o Plano de Reconstrução
Educacional pensado e executado por Anísio Teixeira e colaboradores no
período em que dirigiu o Inep, entre 1952 e 1963, permite-nos conhecer as
intersecções dos programas e projetos desse órgão com os da Secretaria de
Educação e Cultura do Rio Grande do Norte (SEC-RN), durante o Governo Dinarte
de Medeiros Mariz (1956 a 1961), quando foi aprovada e implementada a
Reforma da Educação Escolar Primária e Normal, em dezembro de 1957.
Anísio Teixeira tornou-se um crítico radical das reformas educacionais
promovidas pelo Ministro Francisco Campos (1930-1932) no Ministério da
Educação e Saúde Pública (MES)1 e levadas adiante pelo Ministro Gustavo
Capanema, “seu discípulo” no MES (1934-1944). Tais reformas primavam
por uma crescente centralização e uniformização do material e procedimentos
escolares impostos a priori (e a distância) por um único centro dirigente.
1
A Criação do Ministério da Educação e Saúde Pública (MES), pelo Decreto n. 19.402, de 14 de novembro
de 1930, correspondeu a uma das primeiras medidas do Governo Provisório, que escolheu o educador
mineiro Francisco Campos, o primeiro titular dessa pasta, cuja posse foi no dia 18 de novembro daquele
mesmo ano.
Uma Ousada Reforma Educacional do Governo Dinarte Mariz
no Rio Grande do Norte (1956-1961)
251
Naqueles anos 50, o Brasil se via envolto com o primado da técnica, da
ciência, enfim, de uma nova mentalidade científica e de mudanças sociais.
Na visão de Anísio Teixeira, a educação escolar, tal qual orientada pelo MES,
não instruía, não habilitava, não educava e, absolutamente em nada preparava
para a fase de intensivo desenvolvimento industrial, científico e tecnológico
que se vinha pautando no Brasil, sob a égide globalizante da ordem capitalista.
Tendo o Ministério da Educação e Cultura setores específicos voltados
para o Ensino Superior, o Secundário, o Industrial e o Comercial, ao Inep
caberia a condução da política de Ensino Primário, Normal e, algumas vezes,
do Ensino Secundário, além de coordenar o Programa de Cooperação Financeira
às Unidades Federativas, como cumprimento da campanha de ampliação e
melhoria da rede escolar primária do país e de instalação de escolas
experimentais, de aplicação e demonstrativas.
Através de convênios com as secretarias e departamentos de educação dos
estados brasileiros, o Inep sob sua direção, oferecia-lhes auxílio financeiro
sob pretexto de orientação pedagógica. [...] Nesse sentido, valia-se da Lei n.
59 de 11/08/1947, sancionada pelo Congresso Nacional e que autorizava a
união a entrar em acordo com os estados para a melhoria do sistema escolar
primário, secundário e normal (NUNES, 2000, p. 19).
Anísio Teixeira, ao demarcar a melhoria do Sistema Escolar Primário,
Normal (incluindo, por vezes, o Secundário, como área de atuação do Inep),
remarcava como sendo a sua principal função, tornar-se um “centro de
inspirações do magistério nacional” [...] como parte “integrante e preliminar
do programa de reconstrução de nossas escolas e da revisão dos seus
métodos de ensino.” [...] O que requeria era “modificar profundamente as
próprias escolas normais e laçar as bases de um tipo novo de formação do
magistério” (DISCURSO DE POSSE DO PROFESSOR... 1952, p. 77 e 78; TEIXEIRA,
1968a, p. 122).
No Brasil da década de 50, sob o impacto da extrema difusão do
conhecimento científico e tecnológico e das mudanças sociais planejadas,
uma das primeiras medidas do Plano de Reconstrução Educacional do Inep,
lançado por Anísio Teixeira em abril de 1953, foi a Campanha de Inquérito e
Levantamento do Ensino Médio e Elementar (Cileme) e a Campanha do Livro
Didático e Manuais de Ensino (Caldeme). A primeira pretendia dotar o então
Ministério da Educação e Cultura (MEC), por meio de estudos e pesquisas, de
informações gerais e específicas referentes aos programas e materiais do
Ensino Primário e Médio de cada estado da federação. A segunda campanha
se voltou à elaboração de manuais escolares para o professorado do Curso
252
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
Secundário, os quais se destinavam à renovação de métodos e procedimentos
de ensino e aprendizagem.
A reconstrução educacional pretendida, dependia naquele meado do
século XX, da pesquisa sócio educacional. Talvez, por essa razão, a Cileme
e a Caldeme cederam lugar ao Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais
(CBPE), instalado em 28 de dezembro de 19552 no Rio de Janeiro, resultante
de um projeto de cooperação realizado entre o Inep e a Organização das
Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).
Conjuntamente com o Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais criaramse os Centros Regionais de Pesquisas Educacionais (CRPE) do Rio Grande do
Sul, São Paulo, Minas Gerais, Bahia e Pernambuco, cujas finalidades tinham
múltiplas direções: i) pesquisar as condições culturais, escolares e tendências
do desenvolvimento regional para efeito de definição de uma política
educacional diversificada; ii) elaborar material pedagógico, incluindo o livro
didático; iii) realizar estudos especiais nas áreas de Currículo, Psicologia,
Sociologia, Arte Infantil, Orientação Educacional, Supervisão e Administração
escolar; e, iv) promover cursos e treinamentos intensivos para professores,
especialistas e administradores que concorressem para um magistério menos
empírico e mais científico pela adoção de procedimentos metodológicos,
experimentais, investigativos e técnicos no ato de ensinar, dentre outras.
Mediante essas diversas finalidades, o aperfeiçoamento pedagógico do
professor seria a chave principal da reorganização pretendida em vista do ato
de planejar, ensinar e educar por meio de procedimentos técnicos científicos.
Nas palavras do próprio Diretor do Instituto “a chave de todo o plano de
reforma – do Inep – estará no programa de preparo dos professores e dos
quadros técnicos.” A educação escolar regionalmente diversificada e ajustada
às condições locais estava compreendida como princípio pedagógico essencial,
menos por sua uniformidade e mais, em virtude de sua equivalência cultural
(TEIXEIRA, 1968a, p. 120).
Para efeito de um campo experimental de pesquisa interdisciplinar dos
cientistas sociais e educadores vinculados aos Centros de Pesquisas
Educacionais, instalou-se o Programa de Pesquisas em Cidades Laboratório –
Leopoldina e Cataguazes (MG), Catalão (GO), Timbaúba (PE) e Santarém (PA),
sob a direção do professor Darcy Ribeiro, assessorado por Oracy Nogueira,
para “mapear as particularidades de regiões do Brasil, valendo-se do estudo
de comunidades típicas e entendendo que seria possível mapear as tendências
2
Quando da criação do Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE) e dos Centros Regionais de
Pesquisas Educacionais (CRPE), o Ministro da Educação e Cultura era o mineiro Abgar Renault, que ali
permaneceu de novembro de 1955 a janeiro de 1956.
Uma Ousada Reforma Educacional do Governo Dinarte Mariz
no Rio Grande do Norte (1956-1961)
253
universais, características regionais e as particularidades locais que
conformavam o país” (XAVIER, 1999, p. 156). Articulada ao Programa de
Pesquisas em “Cidades Laboratório”, promoveu-se a Campanha Nacional
de Erradicação do Analfabetismo dirigida à elaboração de cartilhas e
materiais de alfabetização, cursos e treinamentos de professores da
Campanha, segundo o entendimento de que a educação é um componente
da cultural local, regional e nacional.
Em última instância, materializava aquela proposição de Anísio Teixeira
de uma aproximação entre o campo da educação e o campo das ciências
sociais e entre planejamento e mudança social. Isso para se ensaiar e se
exercitar no interior dos Centros, uma aproximação entre os cientistas das
ciências fontes da educação – o antropólogo, o psicólogo, o sociólogo – e
os educadores “científicos” – professores, administradores e especialistas.
Aos cientistas cabia estudar os problemas originários da prática relativa
ao ato de educar, e aos educadores, o registro do cotidiano da escola,
dos interesses dos alunos e do processo de ensino e aprendizagem,
observando uns e outros, as regras do método científico provenientes da
pesquisa sócio educacional.
No parecer de Medonça, Brandão e Xavier (1996), a partir desses
estudos investigativos, formou-se um clima institucional favorável à ruptura
com a tradição psicopedagógica do Inep, instalada desde seu primeiro
diretor3 – o Pioneiro da Educação Nova, Manuel Bergstrõm Lourenço Filho
– para circunscrever a educação escolar no campo das ciências sociais,
bem como de seus métodos e técnicas de tratamento científico, mais
propriamente de cunho experimental.
Pela íntima colaboração das ciências sociais e das ciências
educacionais, caberia aos cientistas sociais vinculados aos Centros de
Pesquisas Educacionais priorizar um referencial teórico metodológico com
base em dois conjuntos temáticos tríplices, educação; comunidade,
experiência e educação; região e arte tradicional, tornando-os pertinentes
aos estudos investigativos das áreas da linguagem, currículo e metodologia
do ensino, rendimento escolar, Ciência e História, ao lado de outras
disciplinas que serviriam de base à elaboração de material didático
regionalizado, a exemplo das cartilhas de alfabetização.
Tal conjunção comporia desse modo, o instrumental efetivo e dinâmico
do ponto de vista de um magistério científico e planejado regionalmente.
Por sua vez, esse instrumental disponível potencializaria os experimentos
3
O então Instituto de Estudos e Pesquisas Educacionais foi criado com a denominação de Instituto Nacional
de Pedagogia, através da Lei nº. 378, de 13. 01.1937. Em 30.07. 1938, se expediu, porém, o Decreto-lei
n. 580, que lhe alterou a denominação para Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos, sendo Ministro da
Educação Gustavo Capanema, (LOURENÇO FILHO, 1964).
254
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
das pesquisas educacionais, bem como subsidiaria o planejamento das
secretarias de educação e cultura no tocante a uma escolarização proveitosa
e rendosa na esfera urbana e na zona rural. Também se pretendia instituir,
no ato de ensinar e aprender, uma correlação entre vida social, cultural e as
novas maneiras de sociabilidades.
Anísio Teixeira não parecia ter dúvidas de que o êxito do Plano de
Reconstrução Educacional estava intimamente relacionado ao aumento e à
melhoria dos prédios escolares no meio urbano e rural, além de ser um fator
de ampliação das oportunidades educacionais para todos e uma prova da
eficácia dos padrões técnicos e racionais do ensino aprendizado. Em 1946, o
Ministério da Educação e Cultura, por intermédio do Inep, iniciou o Programa
de Cooperação Financeira às Unidades Federativas com recursos provenientes
do Fundo Nacional de Ensino Primário (FNEP), instituído em 1942, mas somente
regulamentado no ano de 1945 pelo Decreto-Lei n. 19.513 de 25 de agosto
de 1945 e Decreto-Lei n. 8.349 de 11 de dezembro de 1945.
No ano de 1947, o Governo Eurico Gaspar Dutra foi autorizado pela Lei n.
59 de 11 de agosto de 1947, a estender o Programa de Cooperação Financeira
às Unidades Federativas às escolas normais e secundárias públicas e
particulares do país (O INEP E OS ÓRGÃOS EXECUTORES DE PLANOS
ESPACIAIS..., 1957). Sendo o financiamento da Educação Primária e Média
da responsabilidade de cada estado da federação, o auxílio federal para a
construção de prédios escolares era apenas de caráter supletivo, concedido
mediante convênio firmado entre o estado e o MEC, por intermédio do Inep.
À época em que Anísio Teixeira dirigiu o Instituto, 1952 a 1964, vivia-se
um tempo em que cada vez mais se firmaria o consenso teórico e prático do
dever do poder público com a ampliação do número de estabelecimentos de
ensino em face do atendimento a toda a população em idade escolar e em
razão da interação entre ampliação das oportunidades educacionais e o
aperfeiçoamento do magistério nacional.
Realmente, não se pode planejar qualquer melhoria no Ensino Primário sem
incluir nesse planejamento, uma atenção especial ao Ensino Normal, de
cuja eficiência na formação do professorado primário vai depender a
qualidade do ensino que se processará nas escolas às quais se destinam
estes professores (AS ATIVIDADES DO INEP E DOS CENTROS DE PESQUISAS
EDUCACIONAIS..., 1959, p. 32).
Com Anísio Teixeira diretor do Inep, os critérios de distribuição de recursos
provenientes do Programa de Cooperação Financeira às Unidades Federativas
foram revistos para além do déficit de matrícula da população em idade escolar.
Pelo respaldo do dispositivo legal, Decreto n. 37.082 de 24 de março de 1955,
Uma Ousada Reforma Educacional do Governo Dinarte Mariz
no Rio Grande do Norte (1956-1961)
255
novos critérios foram acrescidos, diretamente relacionados com os progressos
nos índice da escolarização primária e média, com as verbas destinadas
também à Educação Primária e Média e com o empenho da unidade federada
no cumprimento integral dos convênios assinados com o governo federal
(O INEP E OS ÓRGÃOS EXECUTORES DE PLANOS ESPECIAIS..., 1957).
Os anos 50, promovendo “a transição de uma política empírica de
educação para uma política científica, realista e racional” (AZEVEDO, 1956,
p. 8), motivaram outrossim o Inep a formalizar o Programa Missão Pedagógica,
presumindo a presença de especialistas desse próprio órgão, ou por ele
indicados, visando acompanhar as reformas estaduais de ensino.
Inquestionavelmente, o Programa Missão Pedagógica, devido à presença de
especialistas no âmbito estadual, objetivava assegurar o máximo de
convergência entre as reformas estaduais do ensino – quanto à pedagogia,
diretrizes, pressupostos e atividades – e as formulações do Plano de
Reconstrução Educacional do Inep, além de impulsionar a transição da educação
do seu estado empírico para um estado progressivamente científico, com
índices mais elevados de rendimento escolar.
A premissa nuclear do Programa Missão Pedagógica consistia na prestação
de uma assistência técnica continuada às secretarias de educação e a órgãos
afins, na implantação criteriosa das reformas estaduais de Ensino Primário,
Normal e por vezes, Secundário, além da presença de especialistas indicados
pelo Inep para ministrar cursos de aperfeiçoamento, treinamentos e ciclos de
estudos, visando à melhoria do rendimento de professores e alunos em nível
primário e médio.
Compreendia Anísio Teixeira e colaboradores, que o ato de reformar a
educação escolar nesses anos 50, implicava que o Estado brasileiro assumisse
efetivamente a reconstrução educacional equivalente à reconstrução nacional
procedida, conforme a seguinte diretriz:
[...] não se trata de mais uma reforma por ato legislativo, tão do gosto do
país, mas de longe e difícil processo de estudo, revisão e reformulação do
conteúdo dos cursos, de elaboração de novos livros de texto, de novos
tipos de currículos e de descoberta dos métodos novos exigidos para a
eficiência dos novos e variados programas, que a expansão desordenada e
acidental do sistema escolar, hoje integrado, criou e se está tentando
executar sem os instrumentos necessários e sem a formação adequada dos
novos professores para a escola primária, reduzida ao nível elementar, e
para a escola média compreensiva e complexa, com os seus cursos
diversificados de educação comum, educação vocacional e educação
preparatória à universidade (TEIXEIRA, 1968a, p. 102).
256
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
1. A dimensão técnica educacional da Reforma da Educação
Primária no Rio Grande do Norte
Consoante a diretriz ‘anisiana’, o Governo Dinarte de Medeiros Mariz e
José Augusto Varela (fevereiro de 1956 a janeiro de 1961) empreendeu uma
reforma educacional ordenada pela Lei n. 2.171 de 06 de dezembro de 1957,
preconizando organizar e fixar as bases da Educação Primária e da formação
do magistério do estado.
Considera-se que essa Reforma da Educação Primária e Normal representa
um marco na história da educação escolar do Rio Grande do Norte, tanto no
sentido de encerrar uma etapa da educação escolar regida pela Carta de Lei
n. 405 de 29 de novembro de 1916, quanto no sentido de expressar o Plano
de Reconstrução Educacional do Inep e por extensão, também o pensamento
intelectual de Anísio Teixeira. Os educadores que vivenciaram a implantação
da Reforma Educacional de 1957 e dela compartilharam, a exemplo da profª
Zilda Lopes Rego (2000), a consideram uma revolução na educação do estado.
Da mesma maneira julgaram os jornais da época:
[...] é um fato de suma importância, pois não se trata de executar uma ligeira
modificação nos métodos pedagógicos, mas de cumprir um programa
inteiramente novo e em certo sentido revolucionário se considerarmos que,
em muitos dos seus aspectos, assume caráter de absoluto ineditismo (ENSINO
DINÂMICO, 1959, p. 3, grifo nosso).
A Reforma Educacional de 1957 ou “A Reforma Tarcísio Maia”, assim
denominada em homenagem ao seu principal idealizador, o Secretário de
Estado de Educação e Cultura, Tarcísio de Vasconcelos Maia, seria
gradativamente implantada a partir da educação escolar primária para depois
e com mais intensidade, expandir-se ao Ensino Normal.
No ano de 1956, o titular da Secretaria de Estado Educação e Cultura (SECRN), o médico Tarcísio de Vasconcelos Maia, e o Diretor do Departamento de
Educação, o cirurgião-dentista e prof. da Cadeira de Ciências Naturais da Escola
Normal de Mossoró, Carlos Borges de Medeiros4, concentraram em grande parte,
o trabalho da SEC-RN no levantamento e estudo da legislação estadual normativa
da educação escolar do estado. Além disso, a Divisão de Documentação e
Informação Pedagógica do CBPE e o Serviço de Estatística do MEC procediam a
um inquérito sobre o Ensino Normal nos estados (número de estabelecimentos,
ano de criação, entidades mantenedoras, matrícula e legislação).
4
Agradeço ao prof. Carlos Borges de Medeiros e familiares a maneira elegante e prestativa como me
receberam em sua residência. Por outro lado, agradeço ao prof. Carlos Borges o gesto carinhoso com que
me presenteou o seu livro O tempo como testemunha (1980).
Uma Ousada Reforma Educacional do Governo Dinarte Mariz
no Rio Grande do Norte (1956-1961)
257
Com base nesses inquéritos, constataram que as diretrizes da educação
escolar eram ainda provenientes dos “postulados obsoletos constantes na
Lei de n. 405 de 29 de novembro de 1916 [...] e cuidaram da elaboração de
uma reforma que melhor conviesse aos interesses do ensino no estado e
melhor atendesse as suas necessidades” (MENSAGEM DO EXMO SENHOR
GOVERNADOR..., 1956, p. 1). As autoridades educacionais estaduais também
tomaram conhecimento por meio da documentação produzida pela profª Eny
Caldeira, responsável pelo inquérito sobre o Ensino Normal do estado de 1955
a 1957, na qual constava que:
[...] a maioria das unidades da federação não possue leis estaduais de formação
de magistério – exceto São Paulo, Bahia, Rio Grande do Sul, Rio Grande do
Norte e Ceará. E os regulamentos existentes desse grau de ensino, baseados
na perempta lei orgânica federal do Ensino Normal n. 8530 de 02 de janeiro
de 1946, são desatualizados em seus princípios e bases e vêm merecendo por
parte das autoridades e especialistas da educação, estudos, debates e revisões
(ESTUDOS E LEVANTAMENTOS DE ENSINO NORMAL, 1959, p. 2).
Numa sociedade cada vez mais circunscrita aos ditames dos progressos
da ciência e da técnica, as diretrizes da educação escolar no Rio Grande do
Norte se afastavam da orientação da pedagogia ‘escolanovista’, de caráter
político pedagógico, para outra orientação também autorizada por essa
pedagogia, mas de cunho eminentemente técnico educacional.
Reformar a educação escolar pela interlocução com a obra de Anísio Teixeira
(GRIMALDI RIBEIRO apud POSSE DO PROFESSOR LUCIANO NÓBREGA... 1959, p.
4), segundo as formulações do Plano de Reconstrução Educacional do Inep,
levou de imediato o secretário Tarcísio Maia, a agendar uma reunião com
Anísio Teixeira no próprio Instituto, para apresentar-lhe os primeiros contornos
do anteprojeto da reforma da educação escolar do Rio Grande do Norte.
Nessa reunião, já ficou acertada a permanência por um mês, do Secretário
Tarcísio Maia e, em alguns momentos, do prof. Raimundo Nonato da Silva,
coordenador do Ensino Comercial da SEC-RN, “para em companhia dos
melhores especialistas do Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais e
técnicos do país, receberem sugestões diárias ao anteprojeto” (A REFORMA
TARCÍSIO MAIA, 1958, p. 3).
No período de tempo compreendido entre a elaboração final do
anteprojeto e a tramitação e aprovação do texto propriamente dito da Reforma
Educacional pela Assembléia Legislativa, que se deu a 06 de dezembro de
1957, um Plano de Reformulação da Educação Escolar Primária e Normal do
estado, contendo objetivos, metas, estratégias e avaliação, seria elaborado
258
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
pelos técnicos da SEC-RN, sob a supervisão do secretário Tarcísio Maia e do
Diretor-geral do Departamento de Educação, Carlos Borges de Medeiros. A
parte referente à educação escolar primária “era aprovada inteiramente por
Anísio Teixeira e autoridades do Inep, objetivando modular a reestruturação
do nosso ensino, nas bases em que foram feitas” (A REFORMA DO ENSINO
PRIMÁRIO, 1958, p. 1).
No cumprimento das primeiras metas do Plano de Reformulação da
Educação Escolar Primária e Normal do Estado, especialmente as relacionadas
com a educação escolar primária, durante quinze dias de janeiro e quinze
dias de fevereiro do ano de 1957, a SEC-RN ofereceu um Curso de Férias para
150 professores diplomados dos grupos escolares da capital e alguns do
interior do estado, com uma programação constando de Metodologia da
Linguagem, Didática da Matemática, Didática de Estudos Naturais, Medidas
Educacionais e Recreação.
Nesse Curso de Férias, a coordenação coube à profª Lia Campos do Centro
Regional de Pesquisa Educacional de Porto Alegre, oficialmente indicada pelo
Inep. Ministraram aulas, além da própria Lia Campos, as professoras Lucila
Jordão e Maria do Carmo Vieira da Secretaria de Educação de Pernambuco, e
ainda, as educadoras Maria Alexandrino Sampaio, René Pinheiro Borges e
Carmem Pinheiro, todas do quadro da Escola Normal de Natal da SEC-RN. No
que diz respeito à Didática da Matemática, os professores cariocas Evanildo
Bechara, João de Souza Ferraz e Júlio César de Mello e Souza, o Malba Tahan,
por estarem em Natal dando aulas para 50 professores secundaristas num
curso de Exame de Suficiência, prestaram grande colaboração nesse assunto.
O Curso de Férias era destinado aos professores primários da 1ª à 6ª
série dos grupos escolares da capital, em cujas salas de aulas seriam
experimentadas pela primeira vez, a “homogeneização das classes por faixa
de escolaridade, conforme previsto na Lei da Reforma” (CAMPOS apud
REFORMA TARCÍSIO MAIA..., 1958, p. 1). Nesse curso, os 150 professores
foram então certificados das diretrizes que deveriam orientar a educação
escolar do estado. A partir da programação ali desenvolvida, a coordenadora
Lia Campos (OBSERVA O ENSINO PRIMÁRIO..., 1957, p. 7) “esperava que o
professor de volta à classe, estivesse capacitado a olhar a criança sob o
aspecto integral da educação e de trabalhar em equipe, o que favoreceria a
formação de uma unidade social em cada espírito”. Ao término do curso, os
professores participantes distribuídos em várias equipes montaram uma
exposição intitulada “Exposição de Motivos Infantis”.
No intervalo de tempo entre a vinda, pela primeira vez, da Profª Lia Campos
ao Rio Grande do Norte e o período que antecedeu a aprovação do Projeto da
Reforma Educacional, em dezembro de 1957, o Dr. Tarcísio Maia requereu a
Uma Ousada Reforma Educacional do Governo Dinarte Mariz
no Rio Grande do Norte (1956-1961)
259
Anísio Teixeira a disponibilidade dessa professora do Centro Regional de
Pesquisa Educacional de Porto Alegre para a SEC-RN, com o respaldo
institucional do Programa Missão Pedagógica.
Em nome da “reforma da educação escolar primária e normal, que
colocaria o Rio Grande do Norte na vanguarda da organização técnico
educacional do país” (EDUCAÇÃO: NOVOS MÉTODOS NAS ESCOLAS DO
ESTADO, 1958, p. 3), Anísio Teixeira mediou o entendimento oficial junto à
Profª Eloah Ribeiro Kunz, então Diretora do Centro Regional de Pesquisa
Educacional de Porto Alegre, para a vinda da profª Lia Campos daquele Centro
de Pesquisa para a SEC-RN, justificada em face de sua experiência pedagógica
na Divisão de Aperfeiçoamento do Magistério. Na ambiência da reforma da
educação escolar do estado, cabia-lhe imprimir uma uniformidade teórica,
articuladamente com uma unidade de métodos, técnicas de ensino e de
rendimento do processo de ensino aprendizado.
A 6 de dezembro de 1957, o projeto da Lei da Reforma Educacional, Lei
n. 2.17, seria aprovado sem emendas pela Assembléia Legislativa Estadual
“totalmente moldado nas diretrizes modernas das ciências educacionais”
(ELEVAÇÃO DO NÍVEL EDUCACIONAL DO ESTADO..., 1959, p. 5). As matérias
jornalísticas da época noticiaram que o Rio Grande do Norte “era um dos
primeiros estados, o primeiro do Nordeste, a cuidar da racionalização do
Ensino Fundamental com a Lei n. 2.171 de 6 de dezembro de 1957” (A LEI DA
REFORMA, 1958, p. 3).
Em consonância com o pensamento de Anísio Teixeira, à Escola Primária
inserida nas condições históricas, geográficas e sociais da região e do país,
caberia pois, “proporcionar um estado de continuidade entre a experiência
da criança fora da escola e a sua nova experiência no meio escolar” (TEIXEIRA,
1968, p. 54). De acordo com o texto da Reforma Educacional, a essa escola
caberia “ministrar sempre que possível, a educação integral, considerando o
aluno não só em função da estrutura escolar, como também do lar e de toda
a vida social, tendo em vista os ideais e as tendências democráticas da
sociedade moderna” (LEI n. 2.171 de 1957..., p. 1).
A dinâmica escolar de uma sociedade científica, industrial, tecnológica e
democrática rege-se, como é sabido, por um “corpus” teórico e instrumental
de uma pedagogia moderna. A Pedagogia da Escola Nova por exemplo,
alicerçaria como um conjunto de saberes, métodos, repertórios, ambiências
e valores, um sem número de reformas educacionais no primeiro quartel do
século XX no Brasil, a exemplo da Reforma do Rio Grande do Norte. Aos
professores primários estaduais, sujeitos da então Reforma Educacional,
caberia “estar devidamente entrosados com os princípios que regem a
pedagogia nova” (REFORMA DE ENSINO, 1958, p. 3).
260
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
Num contexto de maior apreensão científica da atividade educacional e
de uma “ordem em mudança constante e de permanente revisão”, [...]
interpunha-se a Anísio Teixeira a proposição de uma “escola progressiva de
educação integral” (TEIXEIRA, 2000, p. 29 e 37). Tencionava o educador firmar
um novo consenso teórico e prático acerca da ação escolar em termos de
suas funções educativas, técnicas e culturais. A irradiação desse consenso
transparece nas linhas do texto da Reforma Educacional de 1957, quando
designa a escola a “ser uma instituição de aprendizagem prática, a utilizar os
métodos mais recomendáveis de educação ativa e progressiva e a oferecer
aos alunos meios hábeis ao preparo para a vida do trabalho e da cooperação
social e política” (LEI n. 2.171 de 1957..., p. 2, grifo nosso).
Destinada a oferecer uma educação ativa e integral condizente com a
idade da criança, aluno de 7 a 13 anos, a Escola Primária deveria abranger
quatro degraus de ensino, pré-primário, primário, complementar e supletivo.
Nos termos da Lei da Reforma de 1957, as classes escolares seriam
preferencialmente ordenadas por faixa de escolaridade, de modo a matricular
na primeira série primária crianças de sete e oito anos de idade e na segunda
série, crianças de oito e nove anos de idade, assim sucessivamente, até a
sexta série primária então introduzida.
Aos professores primários, o secretário Tarcísio Maia (1958, p. 1)
esclareceu que a “homogeneização das classes dentro da faixa da
escolarização era sem dúvida, uma das conquistas mais modernas da
pedagogia de nossos dias [...], com fins progressivos de produtividade e
rendimento escolar”. Por sua vez, a profª Lia Campos complementou dizendo:
“a organização das mesmas atende a idade ‘pré-fixada’, em vista de um
mesmo nível de capacidade para apreensão dos conteúdos ensinados”
(CAMPOS apud A REFORMA TARCÍSIO MAIA..., 1958, p. 1).
Especialmente em relação ao degrau complementar que ampliava em
dois anos a escolarização primária pela introdução da 5ª e 6ª séries, presumiase “permitir ao mesmo tempo ao educando, o mínimo desejável de cultura
geral e de educação prática em artes industriais” (AS ATIVIDADES DO INEP E
DOS CENTROS DE PESQUISAS... 1959, p. 40). A título de campo experimental
desse degrau complementar, coube ao Inep selecionar e acompanhar os
estados do Rio Grande do Sul e Rio Grande do Norte, por serem os primeiros
no país, a implantá-los. A esse respeito, a súmula do Inep explicitava:
[...] em dois estados – Rio Grande do Sul e o Rio Grande do Norte – que
promoveram a partir de 1958, a reforma do ensino primário, o plano vem
sendo cumprido com ajuda financeira do Inep, tendo sido escolhidos 33
grupos escolares em Porto Alegre e 53 unidades do Rio Grande do Norte
como campo experimental. Na execução desse programa, o Inep vem
Uma Ousada Reforma Educacional do Governo Dinarte Mariz
no Rio Grande do Norte (1956-1961)
261
prestando aos estados, ampla assistência, fornecendo recursos para
construção e equipamentos das unidades de ensino, despesas de instalação
e manutenção, bem como suplementação de salários de professores que
trabalham em tempo integral (AÇÃO DO INEP E CENTROS DE PESQUISAS NO
QUINQÜÊNIO 1956-60, 1961, p. 99).
A educação escolar primária preconizada não deixava de ser compatível
com a orientação ‘anisiana’ de corresponder à “educação para o trabalho, à
educação para produzir [...], ajustada às condições culturais brasileiras”
(TEIXEIRA, 1958, p. 32).
Nesses anos do governo do Presidente Juscelino Kubitschek (1956-1961)
e do mesmo modo, do governo de Dinarte de Medeiros Mariz e José Augusto
Varela (1956-1961) no Rio Grande do Norte, algumas especializações na
área da educação ganhariam relevância, enquanto outras seriam
desqualificadas. A par dessa realidade global, a Reforma Educacional de
1957 introduziu o serviço de Orientação Educacional, primeiramente nos
grupos escolares e extinguiu o serviço de Inspeção Escolar, então aliado
como “uma simples visita protocolar do inspetor escolar que regra geral, dá
como resultado positivo, pouco mais que um maçudo relatório da situação
constatada” (MISSÕES PEDAGÓGICAS, 1959, p. 3). Não obstante à
capacitação do professor primário, do administrador, do supervisor e do
orientador educacional, a rigor se obedeceria às diretrizes “dos planos gerais
de estudos elaborados pelo Centro de Estudos e Pesquisas da Secretaria da
Educação” (LEI n. 2.171, de 1957..., p. 6).
A implantação do serviço de orientação educacional em algumas escolas
primárias, normais e secundárias do Rio Grande do Norte correspondeu a
uma série de ações concomitantes e articuladas no período de 1958 a 1960,
englobando inquéritos e estudos desenvolvidos pelo Centro de Estudos e
Pesquisas da SEC-RN, seguido da capacitação de orientadores educacionais
em cursos de aperfeiçoamento organizados pelo Centro Regional de Pesquisa
Educacional de Porto Alegre, além de um curso de aperfeiçoamento destinado
a futuros orientadores educacionais, promovido pela SEC-RN em convênio com
o Inep. Esse teve a duração de seis meses e foi realizado no Instituto de
Educação de Natal, como veremos logo adiante.
A Reforma Educacional de 1957 viria para avaliar com critérios objetivos
a eficiência do trabalho educativo do professor. Muito provavelmente o
rendimento qualitativo e quantitativo do processo de ensino aprendizagem
era a face oculta dessa Reforma Educacional. Nas entrelinhas da fala do
secretário da educação e cultura, Tarcísio Vasconcelos Maia, tal premissa
não deixa de estar subsumida:
262
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
[...] espera-se que os beneficiados se compenetrem da importância da
missão a cumprir e possam estar, devidamente entrosados nos princípios
que regem a educação moderna, tirar proveito do material humano que
cumpre modelar, incutindo-lhe ensinamentos e despertando o interesse
para o aprendizado que é a base para o futuro promissor da nossa terra
(MAIA apud PROGRAMAS DE ENSINO, 1958, p. 3).
Em sua dimensão técnica educacional, a organicidade e a unicidade
da Reforma Educacional dependiam de outras variáveis, mais propriamente
do plano administrativo. Assim, três dias após a apreciação positiva da
Reforma Educacional de dezembro de 1957 pela Assembléia Legislativa
do estado, um outro dispositivo legal era também aprovado por essa mesma
Assembléia – a Carta de Lei n. 2. 225 de 9 de dezembro de 1957, que
autorizava o desdobramento da Secretaria de Estado de Educação em
Secretaria de Estado de Educação e Cultura, contemplando um
Departamento de Educação e seis divisões: Divisão de Cultura (recursos
audiovisuais, museus, bibliotecas, teatros, radiodifusão educativa,
documentação); Centro de Estudos e Pesquisas Educacionais (estatística
educacional, documentação pedagógica, cadastro dos professores, currículo
e livro didático, orientação educacional, planos de preparação e
aperfeiçoamento do magistério, experimentação e demonstração
pedagógica e eficiência escolar); Divisão de Ensino Pré-Primário, Primário
e Normal (organização, orientação e assistência escolar, música, recreação
e jogos, serviços extra classe, artes e artesanato, Ensino ‘Emendativo’ ou
Especial, Ensino Supletivo, jardim de infância, ensino particular, merenda
escolar); Divisão de Ensino Médio (rede de Ensino Médio Secundário,
Comercial, Normal, Industrial, Agrícola do estado e outros, cadastro dos
professores, assistência técnica, Educação Física, recreação e desportos,
subvenções e bolsas de estudos); e Divisão de Prédios e Aparelhamento
Escolar (projetos, construção e conservação de prédios escolares, material
e aparelhamento escolar).
Cada Divisão da SEC-RN possuía um coordenador com tarefas
específicas, e acima de tudo, condizentes com a implementação do Plano
de Reformulação da Educação Primária e Normal do Estado. A observância
igualmente das diretrizes propostas pelo referido Plano dizia respeito:
[...] à elevação do nível cultural do professorado, à atualização dos
métodos de ensino, à unificação da orientação didática nas escolas
públicas do governo [...], à criação de uma mentalidade no professorado
capaz de impulsionar o ensino pelos caminhos dos métodos e técnicas
Uma Ousada Reforma Educacional do Governo Dinarte Mariz
no Rio Grande do Norte (1956-1961)
263
modernos, a fim de melhor preparar as futuras gerações e despertar o
interesse para as novas diretrizes que a educação e o ensino
forçosamente terão que seguir (MISSÕES PEDAGÓGICAS, 1959, p. 3).
Por seu turno, a desenvolução de uma mentalidade no professorado capaz
de impulsionar o processo de ensino e de aprendizagem pelos labirintos dos
métodos e técnicas modernos correspondeu, à luz do Plano de Reformulação
da Educação Primária e Normal, mormente do ano de 1958, à execução de
uma vasta e intensa programação composta de cursos de aperfeiçoamento
intensivos, treinamentos, estágios demonstrativos, obrigatoriamente
destinados à totalidade dos professores primários estaduais, sendo tal
programação o ponto de partida dessa Reforma Educacional.
Em virtude dessa programação oficial, o Secretário de Educação e Cultura,
Dr.Tarcísio Maia, no período de 03 a 07 de março de 1958, utilizou o horário
de 17 às 18 horas, reservado ao Governo do Estado na Rádio Nordeste de
Natal para expor a pais e alunos, enfim, à população do Rio Grande do Norte,
as diretrizes da Reforma Educacional, sob a alegação de “que da sua
concretização desaparecerão os mestres improvisados que não estão em
condições de orientar a infância de nossas escolas de acordo com os modernos
métodos educacionais” (AMANHÃ, NA RÁDIO NORDESTE..., 1958; EM TORNO
DA REFORMA, 1958, p. 3). Ainda nessa oportunidade, prestou esclarecimento
a respeito dos cursos de aperfeiçoamento, treinamentos e estágios intensivos,
os quais eram obrigatórios para o professorado primário.
O primeiro desses cursos intensivos oferecidos foi o Curso de
Aperfeiçoamento em Administração Escolar e Orientação Educacional,
destinado a todos os diretores e futuros orientadores educacionais dos grupos
escolares da capital e do interior do estado, com início em 08 de março e
término a 08 de junho de 1958, sob a direção da profª Lia Campos,
coordenadora dos cursos da SEC-RN e do Centro de Estudos e Pesquisas
Educacionais. Conjuntamente, administradores e futuros orientadores
educacionais tiveram nesse Curso de Aperfeiçoamento, as seguintes matérias:
Metodologia da Linguagem, Metodologia da Matemática, Metodologia dos
Estudos Naturais e Sociais, Administração e Supervisão Escolar, Psicologia da
Criança e Arte de Contar Histórias.
Mediante convênio firmado entre o Inep e a SEC-RN, norteado pelo
pressuposto de “prosseguimento da reforma de ensino em execução [...] em
prol do soerguimento do nosso nível educacional” (MAIA apud PROGRAMAS
DE ENSINO, 1958, p. 3), o Curso de Aperfeiçoamento em Administração Escolar
e Orientação Educacional foi ministrado por professores e especialistas do
quadro do próprio Inep, a exemplo de Juraci Silveira, Eni Caldeira e Júlio César
264
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
de Mello e Souza, o Malba Tahan, e professores do Rio Grande do Norte,
como Maria Alexandrina Sampaio, Carmem Pedroza, Ezilda Elita do
Nascimento e René Pinheiro Borges.
Especialmente destinado aos diretores escolares freqüentadores do
Curso de Administração Escolar foi planejado um Seminário a cargo da
profª Lia Campos, ancorado nas seguintes temáticas i) Da Reforma e
Organização do Ensino em Geral; ii) Do Magistério da Educação Primária
– A Maneira de se Organizar as Classes Primárias e iii) Faixa de
Escolaridade.
Por outro lado, para os orientadores educacionais, as professoras
Eni Caldeira, especialista do Inep, Antonieta Barone, do Centro Regional
de Pesquisa Educacional de Porto Alegre e Lia Campos da SEC-RN,
exploraram dentre outros tópicos, a função da orientação educacional e
da orientação vocacional; diferenças individuais; procedimentos utilizados
pelo serviço de orientação educacional (questionário sobre interesse, ficha
de caracterização individual e social, entrevista com alunos e pais etc.) e
ajustamento do aluno à vida escolar (AS ATIVIDADES DO INEP E DOS
CENTROS DE PESQUISAS... 1959).
Era pela órbita do serviço de orientação educacional que se
empreendia a verificação do rendimento escolar do aluno da Escola
Primária, Secundária e do Curso Normal. Segundo as autoridades
educacionais responsáveis pela Reforma Educacional do Rio Grande do
Norte, a tarefa precípua da orientação educacional estava na primazia
do “estabelecimento de critérios de avaliação do ensino, tendentes à
apreciação integral do desenvolvimento do educando, mediante técnicas
modernas, qualitativa e quantitativa” (CURSO DE APERFEIÇOAMENTO PARA
ORIENTADORES EDUCACIONAIS, 1958, p. 1).
A premissa técnica educacional da Reforma Educacional de 1957
dizia respeito ao trabalho do orientador educacional 5, cuja especificidade
era primar pela elevação dos índices do rendimento do processo de ensino
aprendizagem escolar. Daí, a introdução da matéria Medidas Educacionais
5
A 27 de agosto de 1959, o Governador Dinarte de Medeiros Mariz e o Vice-Governador José Augusto
Varela assinaram a aprovação de um novo Regimento Interno do Colégio Estadual do Ateneu Norte-riograndense (Decreto n. 3.364/1959) que destinava um capítulo à Orientação Educacional. Competia ao
orientador educacional as seguintes atribuições: i) pesquisar as causas de insucesso escolar do aluno
secundarista; ii) auxiliar o aluno na consecução de seus objetivos sócio educacionais; iii) levar o aluno a
compre ender a natureza do trabalho e a vida em sociedade; iv) cooperar com os professores no sentido
de uma boa eficiência na execução do trabalho escolar; v) zelar para que o estudo, a recreação e o
descanso dos alunos decorressem em condições de maior conveniência pedagógica; vi) colaborar para o
preparo das comemorações cívicas e solenidades da comunidade escolar como parte integrante do
processo educativo geral (REGIMENTO INTERNOS DO COLÉGIO ESTADUAL ATENEU NORTE-RIOGRANDENSE, 1959).
Uma Ousada Reforma Educacional do Governo Dinarte Mariz
no Rio Grande do Norte (1956-1961)
265
no Curso de Férias de 1957 para professores de grupos escolares. Anísio
Teixeira, ao chamar atenção em seu discurso de posse no Inep, para a
urgência da elaboração de instrumentos de avaliação da educação escolar
brasileira, ressaltava a prevalência da dimensão técnico educacional do Plano
de Reconstrução Educacional:
é necessário levar o inquérito às práticas educacionais. Procurar medir a
educação, não somente em seus aspectos externos, mas em seus processos,
métodos, práticas, conteúdos e resultados reais obtidos. Tomados os objetivos
da educação, em forma analítica, verificar, por meio de amostras bem
planejadas, como e até que ponto vem a educação conseguindo atingi-los.
[...] Tais inquéritos devem estender-se aos diferentes ramos e níveis de ensino
e medir ou procurar medir as aquisições dos escolares nas técnicas,
conhecimentos e atitudes, considerados necessários ou visados pela escola
(DISCURSO DE POSSE DO PROFESSOR..., 1952, p. 78).
Vencida a parte teórica geral e específica de cada área do Curso de
Aperfeiçoamento em Administração Escolar e Orientação Educacional,
imediatamente foi iniciado o “módulo” referente às demonstrações práticas
no recinto das classes de aula já estruturadas por faixa de escolaridade nos
grupos escolares da capital, que já funcionavam em consonância com as
diretrizes da Reforma Educacional, cujos professores haviam sido habilitados
no primeiro Curso de Férias realizado no início do ano de 1956.
A verificação da correspondência entre a teoria e a prática educacional
por parte dos administradores e orientadores educacionais, coube ser
comprovada no ambiente das “classes de demonstrações” dos grupos
escolares da capital, onde primeiro “funcionaram como verdadeiros laboratórios
de experiência e constatação de princípios teóricos da Reforma” (SECRETÁRIO
DE EDUCAÇÃO AO PROFESSORADO, 1958, p. 1). Segundo Lia Campos, as
“classes de demonstraçõe se tornaram laboratórios onde se realizam
experiências e pesquisas, levando-se em consideração a criança com suas
aptidões e desenvolvimento sócio educacional” (A REFORMA TARCISIO
MAIA…, 1958, p. 1).
A implantação gradativa do serviço de orientação educacional nas escolas
primárias da capital Natal, fez com que técnicos da Secretaria da Educação
do Estado da Paraíba e diretores de grupos escolares viessem conhecer essa
experiência escolar inovadora.
No ano de 1958, a capacitação pedagógica do professor primário aparecia
associada às recomendações nacionais do Inep, cabendo à SEC-RN,
implementar para o conjunto do professorado, cursos, treinamentos, reuniões,
266
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
“com a finalidade de aperfeiçoamento do sistema de ensino em nosso
estado, a começar pelo ponto básico – o professor primário” (ELEVAÇÃO
DO NÍVEL EDUCACIONAL DO ESTADO..., 1959, p. 8).
Em agosto de 1958, o Centro de Estudos e Pesquisas Educacionais
da SEC-RN, no “cumprimento de uma de suas funções precípuas, qual
seja, a de proporcionar oportunidade para renovar processos didáticos e
elevar o nível cultural e pedagógico dos professores e diretores das escolas
do estado” (CURSO INTENSIVO PARA PROFESSORES DE ESCOLAS REUNIDAS
E ISOLADAS, 1958, p. 3) convocaria por meio da sua coordenadora Lia
Campos, todos os diretores e professores das escolas reunidas e isoladas
da capital a se fazerem presentes num Curso Intensivo, realizado de 25
de agosto a 9 de setembro de 1958. Esse Curso Intensivo destinado,
agora, aos diretores e professores primários daquelas escolas, consistiu
das seguintes disciplinas: Metodologia da Linguagem, Metodologia da
Matemática, Metodologia dos Estudos Naturais e Sociais e Noções Sobre
o Estudo da Criança. As professoras responsáveis pela elaboração e
execução do plano do curso foram Elza Sena, Carmen Fernandes Pedroza,
Maria Alexandrina Sampaio e Lia Campos.
Em virtude do afastamento do Dr. Tarcísio Vasconcelos e do Dr.
Carlos Borges de Medeiros para concorrem a uma vaga na Câmara
Federal e na Assembléia Legislativa Estadual, o Governador Dinarte Mariz
empossava, a 29 de agosto de 1958, os advogados e intelectuais
Grimaldi Ribeiro de Paiva e Luciano Alves da Nóbrega, como Secretário
de Estado da Educação e Cultura e Diretor do Departamento de Educação,
respectivamente.
Antes de se eleger deputado estadual, o Diretor do Departamento
de Educação, Dr. Carlos Borges e os professores Acrísio Freire e
Raimundo Nonato da Silva, representaram o Rio Grande do Norte no II
Congresso de Educação de Adultos, realizado de 9 a 16 de julho de
1958, na capital federal, Rio de Janeiro e presidido pelo então Ministro
da Educação e Cultura, Clóvis Salgado e encerrado pelo Presidente
Juscelino Kubitscheck.
Nesse Congresso, o número de participantes chegou a 320
(trezentos e vinte). Foi nesse evento que os professores Acrísio Freire e
Raimundo Nonato da Silva apresentaram conjuntamente a tese: A
Educação de Adultos e a Democracia. Por sua vez, o Dr. Carlos Borges
expôs as seguintes teses: A Educação de Adultos e seus problemas de
organização e administração; Os problemas de freqüência e do
rendimento escolar na Educação de Adultos. Naquele ano de 1958,
quando da realização desse certame, a sociedade brasileira, nas
palavras do Dr. Carlos Borges,
Uma Ousada Reforma Educacional do Governo Dinarte Mariz
no Rio Grande do Norte (1956-1961)
267
[...] já sentia que o papel da educação, no desempenho da vida nacional,
dava uma maior relevância ao seu desenvolvimento econômico, propiciava
maiores condições ao progresso tecnológico e assegurava mais estruturas e
mais garantias à vida administrativa (MEDEIROS, 1980, p. 319).
Nesse ano de 1958, o Secretário de Educação e Cultura, Grimaldi Ribeiro,
instalava em Caicó, o primeiro curso de Alfabetização de Adultos, associado
à Campanha Nacional de Erradicação do Analfabetismo, cujo material escolar
(lápis, borracha, caderno e livros) seria distribuído gratuitamente.
A partir das diretrizes da Reforma Educacional de 1957, uma orientação
de cunho técnico educacional, como antes frisado, começou a tomar corpo
numa visão eminentemente afinada com o “como saber ensinar” e o “que
ensinar”. O “professor científico” correspondia àquele que dominava a didática
do ensino, o conteúdo das matérias ensinadas e os procedimentos didáticos
pedagógicos da avaliação do rendimento escolar dos alunos. Para as
autoridades educacionais do Rio Grande do Norte, como óbice de um mundo
em constante mutação, o currículo escolar,
[...] deve, impreterivelmente, procurar se adaptar às exigências da evolução
do mundo, proporcionando condições que possibilitem uma maior preparação
técnica do aluno, ao mesmo tempo em que deve evitar, o mais possível, a
influência da memorização nos métodos de avaliação do rendimento escolar
(EM TORNO DO ENSINO, 1959, p. 2, grifo nosso).
O projeto de atualizar os professores primários não diplomados do
interior do estado para as novas funções do magistério escolar, relativas
aos procedimentos e métodos didáticos, saberes, conteúdo, enfim, um
currículo escolar condizente com um aprendizado escolar “rentável” do
aluno, levaria o novo titular da SEC-RN, Grimaldi Ribeiro, assessorado pela
coordenadora da Divisão do Centro de Estudos e Pesquisas Educacionais,
Lia Campos, a elaborar um Plano Emergencial denominado “Missões
Pedagógicas”, com o apoio institucional do Inep, “com a finalidade de levar
os ensinamentos da Nova Reforma do Ensino ao professorado de todo o
estado e prestar assistência técnica educacional aos professores do interior”
(MISSÕES PEDAGÓGICAS, 1959, p. 5).
As “Missões Pedagógicas” no plano estadual, iniciaram-se por Caicó e
prosseguiram pelas cidades de Mossoró, Assu, Pau de Ferros, dentre outras
cidades interioranas, durante o período de 05 de setembro de 1958 a fevereiro
de 1960, reunindo mais de 1.000 educadores em cursos de aperfeiçoamento,
treinamentos, seminários, conferências, estágios e ciclos de estudos.
268
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
Nessas missões, os professores tiveram aulas de disciplinas como
Português (língua pátria, redação de carta, telegrama, ofício, relatórios; leitura
oral, levando em consideração altura da voz, expressão e pronúncia e
interpretação de textos escritos); Matemática (cálculo mental, problemas
envolvendo conhecimento de fração, decimais e sistema métrico);
Conhecimentos Gerais (descobrimento do Brasil, jesuítas e a catequese,
independência, abolição e República); Geografia (estado do Rio Grande do
Norte, cidades, rios, limites, zonas e riquezas; o mundo, a América, a Europa
e o Brasil); Ciências Físicas e Naturais (estado físico dos corpos, corpo humano
e plantas, animais).
Teve-se ainda como parte da programação de estudos, Didática da
Linguagem (orientação metodológica de como iniciar a leitura, leitura nas
diferentes séries, ditado, cópia, composição); Didática da Matemática
(orientação metodológica de como iniciar o ensino da Matemática, ensino e
aprendizagem das operações fundamentais); e, Didática dos Estudos Naturais
e Sociais (orientação metodológica de como iniciar o ensino dos estudos
naturais e sociais. Concomitantemente às aulas, aconteceram “sessões de
estudos, inquéritos, debates sobre a direção da aprendizagem das disciplinas
do currículo primário” (MISSÕES PEDAGÓGICAS, 1959, p. 5), geralmente sob
a direção de Lia Campos, Zilda Lopes do Rego, Maria das Neves Queiroz,
Maria Amparo e do Cônego José Celestino Galvão, o responsável pelas
“Missões Pedagógicas” na região do Seridó.
Essa mesma programação de estudos seria utilizada no Curso de
Habilitação para professores não diplomados da capital, no período de 16 de
fevereiro a 07 de março de 1959, “com a finalidade de ajustar o professorado
primário do estado às novas técnicas educacionais adotadas pela Reforma
Educacional” (SECRETARIA DE EDUCAÇÃO PROMOVERÁ CURSO DE
HABILITAÇÃO... 1959, p. 1). As aulas ficaram a cargo das professoras da
Escola Normal de Natal, Iracema Brandão, Zilda Lopes do Rego, Josefa Lopes
de Oliveira de Andrade, Maria Arilda de Menezes, Isabel Bessa e Djanira Van
Der Linden. Os professores ainda não diplomados pela escola normal,
participantes desse curso de habilitação, submeteram-se a uma prova de
avaliação do rendimento, requisito para recebimento do certificado de
habilitação para docência primária.
Destinado a diretores e futuros orientadores educacionais dos grupos
escolares de cinqüenta e um municípios do Rio Grande do Norte, além de
professores de prática de ensino das escolas normais regionais, foi planejado
pela Divisão de Estudos e Pesquisas Educacionais, O Ciclo Técnicas
Pedagógicas, ocorrido em Natal durante as duas últimas semanas do mês de
fevereiro, com uma programação constando de aulas, conferências e debates,
“com fins de promover o estudo de problemas pedagógicos e de técnicas de
Uma Ousada Reforma Educacional do Governo Dinarte Mariz
no Rio Grande do Norte (1956-1961)
269
ensino” (ENCERRADO, ONTEM, O CICLO DE TÉCNICAS PEDAGÓGICAS, 1959,
p. 3). Os professores responsáveis por esse Ciclo de Técnicas Pedagógicas
foram Lia Campos, Maria Alexandrino Sampaio, Zilda Lopes Rego, o Cônego
José Celestino Galvão e Nilda Menezes do quadro técnico do Inep. Em torno
de 200 docentes participaram desse ciclo, realizado sob a coordenação do
diretor do Departamento de Educação, Luciano Nóbrega.
Os anos do Governo Dinarte de Medeiros Mariz e José Augusto Varela –
especialmente de 1957 a 1960 – assistiram a uma priorização da política de
capacitação de professores primários no contexto da política educacional e
cultural, como ilustram os exemplos a seguir. Em 1957, as professoras Maria
Pompéia de Castro Parceles, Grupo Escolar Moreira Dias, de Mossoró e Evani
Queiroz Lima, Jardim de Infância Modelo de Mossoró, por três meses, fizeram
o Curso de Artes Aplicadas no CBPE do Rio de Janeiro. As professoras Zilda
Lopes Rego, Dagmar Filgueira e Terezinha Fernandes de Souza, por três meses,
também participaram no CBPE, Rio de Janeiro, dos Cursos de Metodologia da
Matemática, Metodologia da Linguagem e Regência de Classe.
Nos meses de maio a novembro de 1958, 1959 e 1960, a SEC-RN autorizou
a saída de mais um grupo de professoras para realizar o Curso de Artes
Industrias no CBPE do Rio de Janeiro. Faziam parte desse grupo, as professoras
Maria Gilda de Souza, Escola Profissional Feminina de Natal, Arminda Franco
da Silveira, Grupo Escolar 30 de Setembro de Mossoró, Irany de Arruda Câmara,
Grupo Escolar Isabel Gondim de Natal, Naide Isabel Tinoco, Grupo Escolar
Auta de Souza de Macaíba, Arlene Araújo, Grupo Escolar Mascarenhas Homem
de Natal, Ivete Andrade de Menezes, Grupo Escolar Mascarenhas Homem de
Natal, Maria da Conceição Balbino Guimarães, Grupo Escolar Cel. Estevam
Dantas de Mossoró, Maria Bernadete de Souza, Grupo Escolar Rural Governador
Dix-Sept Rosado de Mossoró, Francisco Alves de Oliveira, Escola Reunida Antonio
Gomes de Mossoró, Ivete Barros de Almeida, Grupo Escolar Senador Guerra
de Caicó, Iracema Medeiros de Araújo, Grupo Escolar Senador Guerra de
Caicó, Ivone Medeiros, Grupo Escolar Senador Guerra de Caicó, dentre outras.
Destinaram-se as professoras Dalva Maria da Silva, Grupo Escolar
Mascarenhas Homem de Natal, Salete Pires, Grupo Escolar 30 de Setembro
de Mossoró e Gilda do Nascimento, Grupo Escolar Isabel Gondim de Natal, a
freqüentarem, de julho a dezembro de 1958, um Estágio de Aperfeiçoamento
do Ensino na Escola Modelo Guatemala do Inep no Rio de Janeiro. Nos meses
de julho a dezembro de 1960, as professoras Corina Gomes de Lima, Grupo
Escolar Frei Miguelinho de Natal e Vilma Francisca da Fonseca Tinoco, Grupo
Escolar Auta de Souza de Macaíba, também freqüentaram o Curso de Regente
de Classe na Escola Modelo Guatemala do Rio de Janeiro. Nessa mesma
Escola Modelo, Jacira dos Santos Góis realizou um Estágio de Arte Infantil, no
período de maio a novembro de 1959.
270
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
Naquele meado do século XX, a eficácia do rendimento escolar estava
fundamentalmente atrelada ao exercício profissional competente dos
especialistas da supervisão, da administração e da orientação educacional.
Sob essa convicção, selecionaram-se no mês de julho de 1959, as professoras
Miriam Lessa, Grupo Escolar João Tibúrcio de Natal e Djanira Van Der Linder,
Grupo Escolar Isabel Gondim de Natal, para um Curso de Supervisão, no Centro
Regional de Pesquisa de Porto Alegre. A profª Olindina Lima Gomes, Colégio
Estadual do Ateneu Norte-Rio-Grandense, seria designada para um Estágio
de Orientação Educacional, no Colégio Nova Friburgo do Rio de Janeiro. A
profª Zilah Soares, Grupo Escolar Áurea Barros de Natal, seria indicada para
no ano de 1960, representar o Rio Grande do Norte no III Curso de Formação
de Especialista em Educação, oferecido pelo CBPE do Rio de Janeiro.
Próximo à saída do Secretário de Educação e Cultura, Grimaldi Ribeiro, a
1º de fevereiro de 1960, o Governo Dinarte de Medeiros aprovou o Regulamento
do Ensino Primário e Normal do Rio Grande do Norte, Decreto n. 3.590. Nesse
regulamento de 1960, atribuía-se ao estado absoluta prioridade pela
escolarização primária para todas as crianças de 7 a 13 anos de idade, oferecida
nos grupos escolares, nas escolas reunidas e isoladas. A escolarização primária
com seis anos de duração objetivava: a) a formação moral e desenvolvimento
das aptidões intelectuais, da sensibilidade e da imaginação; b) o conhecimento
do meio, estimulando o hábito de observação e da pesquisa pessoal e o
interesse pelos assuntos mais ligados à experiência do aluno, à sua região e
ao país; e, c) o estímulo ao gosto pelo trabalho e pelas atividades úteis [...],
inclusive pela iniciação às técnicas mais correntes de trabalho (REGULAMENTO
DO ENSINO PRIMÁRIO..., 1960, p. 1).
As atividades de ensino e aprendizagem ancoravam-se nos estudos da
Linguagem, da Matemática, dos Estudos Sociais, das Ciências Naturais, da
Recreação e Jogos, da Cultura Artística e da Iniciação ao Trabalho,
“adaptando-se ao tempo da escolarização dos alunos, das diferenças
individuais e das peculiaridades do meio” (REGULAMENTO DO ENSINO
PRIMÁRIO..., 1960, p. 1). A aquisição dos conhecimentos intelectuais,
morais, artísticos e daqueles inerentes ao trabalho útil, está legitimada pelo
repertório teórico e metodológico da pedagogia da Escola Nova de natureza
técnica educacional e obedeceria:
a) à mais completa integração entre as suas várias formas de atividade,
articulando convenientemente o conhecimento teórico e a experiência
prática; b) à compreensão prática das coisas, fatos e técnicas ligadas à vida
corrente em vista da integração social do aluno; e c) à aplicação de métodos
baseados convenientemente nos interesses e atividades espontâneas da
criança (REGULAMENTO DO ENSINO PRIMÁRIO..., 1960, p. 1).
Uma Ousada Reforma Educacional do Governo Dinarte Mariz
no Rio Grande do Norte (1956-1961)
271
Para homens da política como o Governador Dinarte de Medeiros Mariz e
o Vice-governador José Augusto Varela, a educação escolar primária
estruturada como outrora estava no início do ano de 1956, absolutamente
não era mais em nada compatível com o “mundo atual em que o indivíduo há
que se entrosar com um processo científico e tecnológico galopante” (EM
TORNO DO ENSINO, 1959, p. 2). Nos termos desse processo científico e
tecnológico, a elevação dos índices de rendimento educacional era
inquestionavelmente indispensável.
Ao término do seu mandato de cinco anos (1956 a 1961), o Governador
Dinarte Mariz apreciava que a Reforma da Educação Escolar Primária no Rio
Grande do Norte, como uma política de governo, estava alicerçada nos preceitos
atuais da pedagogia da educação nova. A Reforma da Educação Escolar
Primária já era então matéria de estudo de organismos internacionais, como
mostra a afirmação:
[...] a Reforma do Ensino Primário, identificada com os princípios da Educação
Nova, se ampliou à vasta área do interior do estado, atingindo 32 municípios.
Vale ressaltar que as obras de educação ora levadas a efeito no Rio Grande
do Norte nos vieram situar em posição de pioneirismo no panorama do país,
havendo merecido destaque singular de ser recomendado como exemplo
no último relatório anual da Unesco, submetido à Assembléia Geral das
Nações Unidas (MARIZ apud RESUME O CHEFE DO EXECUTIVO SEU TRABALHO
DE QUATRO ANOS..., 1960, p. 1, grifos nossos).
2. A dimensão técnica educacional da Reforma do Ensino Normal
No dia 29 de maio de 1958, a Escola Normal de Natal festejou, assim
como durante todo o ano de 1958, os seus cinqüenta anos em prol da
difusão da educação e da cultura no Rio Grande do Norte. Com meio século
de vida, a Escola avaliava que o momento exigia atualizar a missão do
professor primário diplomado. E desde o início da Reforma do Ensino Normal,
em 1958, essa instituição “vinha procurando incutir conhecimentos e
aprimorar as vocações daqueles que poderiam chamar-se também de
abnegados” (ESCOLA NORMAL, 1958, p. 3).
Para Anísio Teixeira, não haveria um magistério renovado sem uma teoria
geral da educação de base psicológica, científica e social e muito menos
uma reconstrução educacional sem o preparo qualificado didático, científico
e conteudístico do professor. Logo, a excelência da educação primária
dependeria soberanamente do rendimento pedagógico do curso magistério
público e do aperfeiçoamento continuado do professorado.
272
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
A Reforma Educacional do Rio Grande do Norte, em correspondência com
as formulações do Inep e evidentemente as teorizações ‘anisianas’, estabelece
como diretriz “que a formação do magistério elementar através das escolas
normais e de seus cursos, visará à preparação do professor, de acordo com as
necessidades e mudanças sociais da vida do estado e do país” naqueles anos
50 (LEI n. 2171 de 1957..., p. 2). As autoridades educacionais idealizadoras
dessa Reforma Educacional tinham o entendimento de que o aperfeiçoamento
e o rendimento educacional do professorado primário e normal decorreriam da
materialização eficaz dos objetivos, metas, estratégias e avaliação do rendimento
do Plano de Reformulação da Educação Primária e Normal do Estado.
Nessa direção, a formação renovada e uniforme do professor primário a
cargo do Instituto de Educação de Natal, dos Centros Educacionais de Formação
do Magistério Primário de Caicó e Mossoró e dos cursos normais regionais,
indiscutivelmente estaria ancorada na combinação da teoria com a aprendizagem
de uma rede de práticas escolares e de competências diversas no ambiente
das escolas “primária e pré-primária destinadas ao campo de demonstração,
experimentação pedagógica, bem como serviços de assistência e orientação
educacional” (LEI n. 2171 de 1957..., p. 7).
Conforme menção anterior, o Plano de Reformulação da Educação Escolar
Primária e Normal do estado priorizou estrategicamente os anos de 1957 a
1959 para o aperfeiçoamento de nosso de sistema de ensino, a começar pelo
ponto básico, a capacitação do professor primário. Do ano de 1958 até o início
de 1961, as autoridades educacionais responsáveis pela Reforma Educacional
vislumbraram “adentrar com profundidade no setor da educação pedagógica,
donde se formam os professores, de cuja eficiência e capacidade intelectual
depende todo o êxito do Plano, em referência à orientação técnica educacional”
(EDUCAÇÃO: NOVOS MÉTODOS NAS ESCOLAS DO ESTADO, 1958, p. 3). A
Reforma do Ensino Normal do estado, nos marcos de uma orientação técnica
educacional, ateve-se à diretriz ‘anisiana’ “do Normal ser um curso vocacional,
prático e de cultura aplicada” (TEIXEIRA, 1966, p. 286).
A Reforma Educacional, agora centralizada no Ensino Normal do estado,
ao lado das comemorações dos cinqüenta anos da Escola Normal de Natal,
motivou o Secretário de Educação e Cultura, Grimaldi Ribeiro, quando de um
encontro de trabalho com Anísio Teixeira, a solicitar a vinda ao Rio Grande do
Norte, da Mme. Hélène Brulé, inspetora do Departamento das Escolas Normais
de Paris, técnica da Unesco para a educação, então, consultora do CBPE,
notadamente na Divisão de Aperfeiçoamento do Magistério.
Autorizada por Anísio Teixeira para colaborar nos primeiros momentos
da execução da Reforma do Ensino Normal do Estado, a Missão Pedagógica
em que a Mme. Hélène Brulé atuou foi dividida em duas etapas. Na primeira,
coube-lhe proferir uma conferência em Natal, aberta aos professores em
Uma Ousada Reforma Educacional do Governo Dinarte Mariz
no Rio Grande do Norte (1956-1961)
273
geral e intitulada A Nova Concepção de Ensino Normal. Em seguida, pronunciou
uma palestra destinada a alunos e professores da Escola Normal de Natal
sobre A Organização do Ensino Normal na França. E, finalmente, organizou
círculos de estudos com as Congregações das Escolas Normais de Natal de
Caicó e Mossoró, norteados pela temática A Preparação do Magistério Primário
na França e no Brasil (ESPECIALISTA FRANCESA EM EDUCAÇÃO COLABORÁ
NA APLICAÇÃO DA REFORMA....1959).
A segunda etapa dessa Missão Pedagógica constou de uma reunião de
estudos, encerrando três seminários sobre A Reforma do Ensino Normal no Rio
Grande do Norte, os quais se realizaram em Caicó, Jardim do Seridó e Mossoró,
promovidos pelo Centro de Estudos e Pesquisas Educacionais da SEC-RN e
supervisionados pela profª Lia Campos e a própria Mme. Helène Brulé. Os
seminários acerca da Reforma do Ensino Normal no Rio Grande do Norte,
englobando conferências, debates e reuniões de estudos, estiveram sob a direção
dos professores Cônego José Celestino Galvão, Diretor da Escola Normal Regional
de Caicó e responsável pelas Missões Pedagógicas no Seridó e do Padre Jalmir
de Albuquerque, Diretor da Escola Normal Regional de Jardim de Seridó.
“Formar uma elite para o nosso magistério primário”, era a tarefa maior da
Reforma do Ensino da Escola Normal, como enfaticamente assinalou o exsecretário Tarcísio Maia (MAIA apud PROGRAMAS DE ENSINO, 1958, p. 3), já
que a tarefa especial da Escola Normal, nas palavras de Anísio Teixeira, “era a de
‘como’ ensinar e treinar, ‘como’ tratar de organizar o saber para a tarefa de
ensino em diferentes níveis e com diferentes objetivos” (TEIXEIRA, 1969, p. 242).
Evidentemente que uma Reforma Educacional orientada por critérios
teóricos, metodológicos, técnicos e científicos, consubstanciados no Plano de
Reformulação da Educação Primária e Normal do Estado, requeria o
estabelecimento de intersecções entre a Secretaria de Educação e o Inep,
entre os Centros de Pesquisas Educacionais e instituições nacionais e
internacionais, bem como, entre a Secretaria de Educação e Cultura e as
escolas normais, a Associação dos Professores do Rio Grande do Norte e os
professores, diretores e especialistas educacionais.
Em vista desses possíveis intercâmbios, articulações e conexões, a Carta
de Lei que aprovou a Reforma Educacional de 1957 designava o Instituto de
Educação de Natal, norteado pelo objetivo da melhoria do magistério primário,
a oferecer “na medida de suas possibilidades, cursos de especialização e
aperfeiçoamento, para o que, poderia procurar a cooperação de técnicos
nacionais ou estrangeiros” (LEI n. 2.171 de 1957..., p. 7). Mais ou menos
um decênio antes, Anísio Teixeira chamava a atenção para o fato de que a
“unidade planetária, apenas esboçada, havia de refletir profundamente na
mentalidade do homem moderno, que tem que pensar em termos muito
274
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
mais largos do que os de seu esplêndido isolamento local ou nacional de
outros tempos” (TEIXEIRA, 2000, p. 33).
Com a finalidade de aperfeiçoamento do trabalho pedagógico do
professor da escola normal pelas balizas conceituais, valorativas, gerais e
específicas das ciências da educação, as autoridades educacionais norterio-grandenses firmaram convênios entre a SEC-RN e o CBPE do Rio de Janeiro
e com os Centros Regionais de Pesquisas Educacionais de São Paulo, Porto
Alegre, Belo Horizonte, Salvador e Recife, dentre outras instituições, com
“referendum” do Inep, que concedia bolsa de estudo ao professor do ensino
normal estadual.
No Rio Grande do Norte, o programa de capacitação do professor do
Ensino Normal nos Centros de Pesquisas Educacionais já começou a ser
implementando no final do governo Sylvio Piza Pedroza (1951-1956), quando
um número reduzido de professores não diplomados freqüentou, no mês de
janeiro de 1956, um Curso de Férias no Centro Regional de Pesquisa
Educacional de Porto Alegre, cuja ênfase fora dada no processo de ensino e
aprendizagem pelo recurso da atividade.
O aperfeiçoamento do trabalho pedagógico do professor da escola normal
e também da escola primária, tornou-se uma meta ambiciosa e estratégica
para as autoridades políticas e para os promotores da Reforma Educacional
de 1957. Nos anos 1950, a educação escolar de qualidade estava assimilada
como fator político estratégico para a prosperidade econômica e progresso
social. Nas palavras do Governador Dinarte Mariz, “a educação e a cultura
constituem para todo governo democrático, o mais legítimo programa de
seu roteiro administrativo, porque são elementos integrantes de progresso
social e formação política” (MARIZ apud RESUME O CHEFE DO EXECUTIVO
SEU TRABALHO DE QUATRO ANOS..., 1960, p. 1).
Posta dessa forma, a política de capacitação dos professores dos níveis
primário e médio se colocou, para o Governo Dinarte Mariz, como sendo uma
estratégia para atingir o progresso social e a prosperidade econômica. Por
essa estratégia, era primordial para os governantes locais investir na política
de capacitação do professorado da rede de ensino estadual, pelo menos.
A par dessa política de governo, no ano de 1958, três professoras das
escolas normais de Natal, Caicó e Mossoró estiveram, juntamente com os
professores de mais sete estados, no 1º Congresso Brasileiro de Reforma
do Ensino Normal, realizado em abril de 1958 em Porto Alegre, com o
propósito de trazerem contribuições à Reforma do Ensino Normal, “como
parte de um programa de ensino orientado no sentido de preparar melhor
as novas gerações e abrir novos caminhos à sua cultura e ao seu progresso”
(ENSINO NORMAL, 1958, p. 3). Após o congresso, a profª Elza Sena, Diretora
da Escola Normal de Natal e o Cônego José Celestino Galvão, Diretor da
Uma Ousada Reforma Educacional do Governo Dinarte Mariz
no Rio Grande do Norte (1956-1961)
275
Escola Normal Regional de Caicó, participaram de um curso de dois meses
no Centro Regional de Pesquisa Educacional sobre O Novo Sistema de
Ensino Pedagógico.
Ao regressarem, a profª Elza Sena criou o Serviço de Orientação
Educacional na Escola Normal de Natal e o Cônego José Celestino Galvão
estruturou o Curso Pedagógico de Caicó para ser oficialmente instalado a
23 de abril de 1958. Durante o ano de 1959, a profª Elza Sena freqüentou
um Curso de Especialização em Ensino Normal, na Pontifícia Universidade
de São Paulo.
Ainda no ano de 1958, a profª René Pinheiro Borges da Escola Normal
de Natal, era autorizada a realizar por seis meses o Curso Recreação e
Atividades Artísticas no CBPE do Rio de Janeiro. A profª Stela Rodrigues
Ferreira da Escola Normal de Mossoró, conseguiu autorização para fazer,
por seis meses, o Curso de Aperfeiçoamento em Música, no Conservatório
de João Pessoa. As professoras Concessa Cunha de Figueredo e Ivaneide
Pereira dos Santos do Grupo Escolar Antonio de Azevedo e Escola Normal
Regional de Jardim do Seridó, respectivamente, freqüentaram o Curso de
Prática de Ensino no Centro Regional de Pesquisa Educacional de Porto Alegre,
durante seis meses.
O médico Raimundo Nonato Cavalcanti Nunes, professor da cadeira de
Higiene e Puericultura da Escola Normal de Natal realizou um Curso de
Aperfeiçoamento em Buenos Aires, pelo prazo permitido de quatro meses.
A profª de Inglês, Maria Núbia da Câmara Borges do Colégio Estadual do
Ateneu Norte-rio-grandense foi designada para cumprir o Curso de Língua e
Literatura Espanhola, em Madrid, no primeiro semestre do ano de 1960. E a
profª Igara Wanderley de Almeida Rocha da Escola Profissional Feminina de
Natal, foi autorizada a freqüentar, no segundo semestre do ano de 1960,
um curso de música, no Conservatório de Canto Orfeônico no Rio de Janeiro.
No ano de 1959, o prof. Acrísio Freire foi contemplado com uma bolsa
do Inep para, nas férias de julho, conhecer a organização do Ensino Normal
e Primário Artesanal em Porto Alegre. Entre julho a dezembro dos anos
1959 e de 1960, as professoras Concessa Cunha Figueredo do Curso Normal
Regional de Jardim do Seridó, Anaíde Dantas do Curso Normal Regional de
Macau, Maria das Neves Dantas do Grupo Escolar Caetano Dantas de
Carnaúba dos Dantas, Carmem Fernandes Pedroza e Alda Aldira de Araújo
se especializaram, respectivamente, em Estudos Sociais, Metodologia da
Língua Pátria, Metodologia da Matemática, Currículo e Supervisão no Instituto
de Educação de Belo Horizonte, pelo Programa de Assistência BrasileiroAmericano ao Ensino Elementar (PABAEE), funcionando nessa capital
desde 1958, como resultado de um convênio feito entre os governos dos
276
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
Estados Unidos, (Ponto IV6), do Brasil e de Minas Gerais. Na capital mineira,
as referidas professoras portadoras de bolsa de estudos do próprio PABAEE,
tiveram um bom aproveitamento nas aulas teóricas e práticas e realizaram
pesquisas sob a orientação de professores brasileiros e americanos.
Em setembro de 1959, o Secretário de Educação e Cultura, Grimaldi
Ribeiro, foi especialmente convidado, e confirmado por Anísio Teixeira, pelo
Instituto of Inter American Affairs dos Estados Unidos a integrar a comitiva de
dez educadores brasileiros, dentre eles, Jaime Abreu (Inep), Ovídio de Andrade
e Eduardo de Carvalho (Capes), Raimundo José da Mata (UFBA) e Luiz Henrique
Tavares (Centro Regional de Pesquisa Educacional de Salvador) para realizar
um curso de especialização por três meses (setembro a dezembro), sobre
“métodos pedagógicos adotados naquele país, além do currículo dos níveis
primário, secundário e normal, que estão passando, atualmente, [naquele
momento] por um movimento de ampla renovação.” Após esse curso de
especialização, os nossos educadores visitaram as Universidades de Chicago,
de Michigan e de Illiois (SECRETÁRIO DE EDUCAÇÃO REALIZARÁ CURSO
INTENSIVO NOS ESTADOS UNIDOS, 1959, p. 1).
O Plano de Reformulação da Educação Primária e Normal havia estabelecido
que os professores e técnicos beneficiados com bolsas de estudo do Inep e
salário integral para participação em cursos de especialização, aperfeiçoamento
ou mesmo estágio em estabelecimentos de ensino modelos, tipo Escola
Guatemala do Rio de Janeiro e Escola Carneiro Ribeiro ou Escola-Parque de Salvador,
ficavam obrigados a prestar cinco anos de serviço ao magistério do Rio Grande do
Norte, dentre outras atribuições, participando das equipes docentes das “Semanas
Pedagógicas” e dos “Ciclos de Técnicas Pedagógicas” organizados pela SEC-RN.
Tais semanas e ciclos eram geralmente dirigidos aos professores primários das
escolas de Natal e das cidades de porte médio, englobando os das cidades
circunvizinhas, exceto os professores da zona rural, que foram pedagogicamente
assistidos pelo Programa de Aperfeiçoamento do Magistério Primário (Pamp).
Essa estratégia seria fundamentalmente voltada à multiplicação dos saberes
eleitos da linguagem, das Ciências Naturais, da Matemática, da História, da
Geografia e das respectivas metodologias de ensino. Nas “Semanas Pedagógicas”
e nos “Ciclos de Técnicas Pedagógicas”, a ênfase era substancialmente posta
no “como” ensinar e no “como organizar o saber”, sempre objetivando o melhor
aproveitamento do processo escolar de ensino e aprendizado.
6
O Ponto IV dizia respeito ao Programa de Cooperação Técnica Internacional, criado em 1949 pelo
Presidente dos Estados Unidos, Herry Tuman, destinados aos países da América Latina. Compreendia
acordos de cooperação técnica e o intercâmbio nas áreas de economia, administração pública, saúde,
educação, alimentação e assistência técnica. Na área de educação escolar, privilegiou a formação de
professores em geral (XAVIER, 1999).
Uma Ousada Reforma Educacional do Governo Dinarte Mariz
no Rio Grande do Norte (1956-1961)
277
Os professores de Prendas Domésticas e de Trabalhos Manuais da Capital
foram convocados, em agosto de 1960, pelo Centro de Estudos e Pesquisas
Educacionais da SEC-RN, para se fazerem presentes num Curso Intensivo de
Artes Industriais, constando esse, das seguintes matérias: Metodologia dos
Trabalhos Manuais e Técnicas de Trabalho em Cerâmica, Encadernação,
Tapeçaria, Mosaico, Vitral, Azulejos, Monotipias, Madeira e Fantoche (NOTA
DA SECRETARIA DE ESTADO..., 1960). Um número expressivo de professores
das escolas isoladas e das escolas reunidas das cidades interioranas foi
convocado a participar por um mês, de Curso de Aperfeiçoamento em Artes
Industriais na Escola Profissional Feminina de Natal, cujo programa desenvolvido
compreendia também Metodologia dos Trabalhos Manuais e Técnicas de
Trabalho em Cerâmica, Encadernação, Tapeçaria, Mosaico, Madeira e Fantoche.
As aulas foram ministradas por professores que freqüentaram cursos nos Centros
de Pesquisas Educacionais ou em instituições vinculadas aos referidos Centros.
Note-se que como observado, a Reforma Educacional de 1957 sobre
elevaria e dobraria a oferta da disciplina Artes Industriais, por se destinar à
iniciação do aluno e futuro trabalhador na atividade fabril e destreza muscular.
Era o começo de um novo tempo industrial e tecnológico, em que o
desenvolvimento das vocações individuais, pressupunha-se, seria alcançado.
Por essa razão, a SEC-RN investiu maciçamente na capacitação dos professores
de grande parte das escolas primárias e normais do Rio Grande do Norte.
Também investiu em atividades extras escolares como Exposições de Artes
Industriais e Material Audiovisual, organizadas no início do ano letivo de 1960.
O propósito de uma homogeneidade de saberes, metodologias e técnicas
de ensino no plano estadual motivou a SEC-RN a convidar professores do MEC
e de outros estados, para ministrar, com a colaboração dos docentes locais,
um curso de Psicologia Aplicada ao Ensino com oficinas de artes industriais,
recreação e audiovisual. A efetivação plena das diretrizes da Reforma
Educacional de 1957 no tocante à capacitação do conjunto do professorado
demandou ainda, já no terceiro ano do Governo Dinarte Mariz, outras
estratégias, novos acordos e imediatas decisões políticas educacionais.
Nesse sentido, um entendimento foi acertado pela SEC-RN com a
Associação dos Professores do Rio Grande do Norte (APRN), criada em
dezembro de 1920, para que os seus associados colaborassem com a Reforma
Educacional por meio da oferta de palestras, seminários, cursos e ateliês. De
16 a 26 de outubro de 1958, a SEC-RN e a Divisão de Educação Física do MEC,
com o apoio da APRN, ministraram em Natal, um Curso de Educação Física,
com a presença de mais de 200 inscritos. Nesse mesmo período, ainda com
apoio da APRN, por meio de seus associados, mais de 150 professores se
inscreveram em seminários sobre Metodologia da Linguagem, Didática da
Matemática e dos Estudos Naturais e Recreação.
278
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
As ações entrelaçadas entre o Inep, a Secretaria de Educação e Cultura,
os Centros de Pesquisas Educacionais, as instituições nacionais e
internacionais, bem como entre a Secretaria de Educação do estado com as
escolas normais, com a Associação dos Professores do Rio Grande do Norte,
professores, diretores e especialistas educacionais permitiram, de alguma
maneira, a materialização da dimensão formativa do educador científico,
tão cara a Anísio Teixeira e que consistia em:
[...] aplicar o conhecimento científico nos três níveis da atividade educativa:
na organização e gestão dos serviços escolares, na formação dos
professores e , por fim, no interior mesmo da escola, onde era preciso
introduzir o que Anísio chamava de espírito científico, percebido quase
como sinônimo de espírito experimentalista, de investigação e de pesquisa
(MEDONÇA, 1997, p. 4).
Seja como for, o entendimento de um “educador científico” perpassaria
a carta de Lei n. 2.889 de 11 de janeiro de 1961, aprovada pela Assembléia
Legislativa do Rio Grande do Norte, dispondo a organização do Ensino Normal
no estado, que compreendia o Curso Pedagógico de Nível Médio, com duração
de três anos, e do Ensino Normal Regional de Nível Ginasial, com duração
de quatro anos. Ao primeiro cabia oferecer uniformemente, Linguagem,
Matemática, Estudos Sociais, Ciências Naturais, Recreação e Jogos, Música
e Artes Industriais para a Escola Primária, além de Fundamentos da Educação
e Prática de Ensino. Ao segundo cabia difundir homogeneamente, Português,
Matemática, História Geral e do Brasil, Ciências Físicas e Naturais, Artes
Aplicadas, Atividades Econômicas da Região, Música, Jogos e Recreação
para a Escola Primária, além de noções de Pedagogia, Prática de Ensino,
Metodologia das Matérias do Ensino Primário e Fundamentos da Educação
(LEI N. 2.889, 11 DE JANEIRO DE 1961).
O alcance da dimensão formativa do educador científico passava
inexoravelmente pelo aprofundamento do conhecimento teórico,
metodológico e didático, ministrado no âmbito da escolarização primária.
Ser um educador científico naqueles anos de 1950 e início de 1960, em
tese, resumia-se em dominar a didática e o conteúdo das disciplinas
ensinadas na escola primária e possuir os atributos de criatividade,
disciplina, organização e o entusiasmo pela atividade de investigar
concomitante a de ensinar, além de uma adesão plena aos princípios,
repertórios, métodos e técnicas da pedagogia da Escola Nova de cunho
técnico educacional. Para tanto, precisou-se incentivar mais e mais hábitos
de leitura e escrita entre as novas gerações.
Uma Ousada Reforma Educacional do Governo Dinarte Mariz
no Rio Grande do Norte (1956-1961)
279
O incentivo à cultura do ler e do escrever foi mais uma política adotada
no governo Dinarte Mariz a partir do ano de 1959. Ora, se o governo Dinarte
Mariz tinha o objetivo de impulsionar novos padrões de sociabilidade, a
começar pela escola pública, as feiras de livros se tornaram extremamente
estratégicas em vista a esse intento e em que pese as suas ocorrências
somente na capital Natal. Na Feira do Livro de 1959, seriam premiadas
obras científicas e didáticas referentes: i) à literatura geral e regional; ii)
às lendas, mitos e folclore; iii) à geografia, corografia, etnografia e
antropologia nordestinas; iv) à sociologia da região nordestina; v) à
mineralogia, geologia, paleontologia do Nordeste; vi) e a fatos econômicos
da região Nordeste e do Rio Grande do Norte.
3. As diretrizes técnicas educacionais das construções escolares
Para o diretor do Inep, “nenhum outro dever é maior do que o da
reconstrução educacional, e nenhuma necessidade é mais urgente que a
de traçar os rumos dessa reconstrução e a de estudar os meios de promovêla” (TEIXEIRA, 1953, p. 7). A esse respeito, sobre elevava-se a planificação
dos edifícios e dos equipamentos escolares em todo país.
No Governo Sylvio Piza Pedroza (1951-1956), no dia 11 de março de
1954, o prédio monumental do Instituto de Educação de Natal, equipado
com auditório, gabinete dentário e laboratórios – edifício de alto porte –
nas palavras de Aderbal de França (1954, p, 3), foi inaugurado com a
presença do vice-presidente da República, o norte-rio-grandense João Café
Filho e do diretor-geral do Inep, Anísio Teixeira. A vinda de Anísio Teixeira
para a inauguração do Instituto de Educação de Natal, que à época também
sediou o Colégio Estadual do Ateneu Norte-rio-grandense, assim
denominado, deveu-se ao fato de que recursos financeiros para construção
dessa obra monumental serem, em parte, provenientes do Programa de
Cooperação Financeira às Unidades Federativas e em parte, recursos do
tesouro do próprio estado.
Foi pelos novos critérios legais, Decreto n. 3.7082 de 24 de março de
1955, tangentes aos progressos nos índices da escolarização primária e
média e aos recursos estaduais destinados à Educação Primária e Média,
além do cumprimento integral dos convênios acordados com o plano
federal, que o governador Dinarte Mariz celebrou novos convênios com o
Inep, com o compromisso institucional de aplicar os recursos provenientes
do Programa de Cooperação Financeira às Unidades Federativas na
“construção de grupos escolares a serem distribuídos com prioridade nos
lugares onde mais prementes se fizessem sentir as necessidades do
ensino. Inclui-se também nessas cogitações, a melhoria da nossa rede
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Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
escolar” (MENSAGEM DO EXMO SENHOR GOVERNADOR..., 1956, p. 1).
Além disso, propunha-se ainda, distribuir merenda escolar a 34 mil alunos
da rede primária pública, adquirida com recursos dos acordos assinados
entre o estado e a Divisão de Merenda Escolar do MEC.
Entre 1956 e 1961, no cumprimento dos convênios firmados com o
Inep, um número razoável de grupos escolares foram construídos e
inaugurados nas diversas regiões do Rio Grande do Norte. Na região do
Seridó, por exemplo, foram edificados os Grupos Escolares Rotary e
Villagran Cabritta, esse último, nas dependências do Batalhão de
Engenharia da cidade de Caicó e o Capitão Mor-Galvão, em Currais Novos.
Percebe-se que os grupos escolares projetados e inaugurados obedeciam
às diretrizes técnicas educacionais da Reforma Educacional de 1957,
conferindo-lhes articulação entre o plano espacial e o organizacional, entre
o ensino por atividade e práticas artísticas e entre pedagogia e psicologia
escolar. Progresso educacional e progresso intelectual apareciam lado a
lado na discussão, envolvendo a destinação social das construções
escolares no estado.
A construção das obras escolares vem repercutindo favoravelmente e
chamando a atenção das maiores autoridades em educação do país, que
se mostram, sobretudo, surpresos com o arrojo da iniciativa de um estado
do polígono das secas que, enfrentando toda a sorte de percalços, não
descura da instrução de sua gente. Cabe, também, salientar a colaboração
patriótica e inestimável do Inep, que suprimindo a maior parte da nossa
deficiência material, possibilitou à administração estadual alcançar mais
um dos seus objetivos no plano das realizações em que se traçou, visando
ao progresso intelectual de nossa gente que merece melhores
oportunidades (PELA INSTRUÇÃO PÚBLICA, 1959, p. 3).
A Faculdade de Filosofia da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte também foi beneficiada com um auxílio financeiro do Inep, para
aquisição de poltronas anatômicas para o auditório, com 290 (duzentos e
noventa) lugares. O jornal “A República” fez referência ao ocorrido, assim
notificando:
[...] é lícito afirmar que essa doação do Inep se deve a uma solicitação da
direção da escola, ao empenho do Secretário de Educação, Grimaldi
Ribeiro, e aos bons ofícios do Dr. Péricles Madureira de Pinho, que não
mediu esforços para que a UFRN recebesse do Inep essa cooperação
oportuna e valiosa (DOAÇÃO A UMA FACULDADE, 1959, p. 5).
Uma Ousada Reforma Educacional do Governo Dinarte Mariz
no Rio Grande do Norte (1956-1961)
281
Em 26 de março de 1960, o Governador Dinarte Mariz inaugurou o Instituto
de Educação de Caicó, erigido com recursos do Programa de Cooperação
Financeira às Unidades Federativas, administrado pelo Inep, sendo o seu
primeiro diretor, o Conêgo José Celestino Galvão, que também dirigiu o Curso
Pedagógico por ele estruturado. O Instituto de Educação de Caicó7, criado
pelo Decreto n. 2.639 de 22 de janeiro de 1960, assim como o de Mossoró,
espécies de complexos educativos, reuniam o jardim de infância, a escola de
aplicação, o curso secundário e o curso pedagógico, além de quadra de esporte
e espaços para recreação e artes industriais. O mobiliário escolar de um e
outro complexo foi comprado no Paraná, em fábricas especializadas na
confecção desse tipo de mobília.
Para orientar e acompanhar a implantação da Reforma Educacional em
Caicó, o Secretário de Educação e Cultura, Grimaldi Ribeiro, solicitou a Anísio
Teixeira um especialista do próprio Inep. Prontamente, o Diretor do Instituto
designou a profª Eny Caldeira, que em Caicó, permaneceu por mais ou menos
dois anos. Durante a sua permanência na cidade, orientou a implantação da
Reforma Educacional no âmbito local, coordenou cursos e treinamentos para
professores da região do Seridó, notadamente sobre metodologia do ensino
do Português, Matemática e Estudos Sociais. Para Mossoró, o Secretário
Grimaldi Ribeiro designou a profª Dalvani Rosado, da própria cidade.
Em novembro de 1960, a profª Lia Campos, pelo eficiente trabalho
desenvolvido na Diretoria de Estudos e Pesquisas Educacionais da SEC-RN, foi
indicada pelo governador Dinarte Mariz para compor o Conselho Estadual de
Educação e Cultura, ao lado de autoridades educacionais e culturais, como
Luis da Câmara Cascudo, Max Cunha de Azevedo, Olidina Lima Gomes da
Costa, Luciano Alves da Nóbrega e o atual Secretário de Estado de Educação
e Cultura, Romildo Fernandes e Gurgel, também presidente do Conselho
Estadual de Educação e Cultura (DIÁRIO OFICIAL, 1960).
O governo seguinte, de Aluísio Alves (1961-1964), deu continuidade à
política de capacitação docente, sob a regência da diretora de Estudos e
Pesquisas Educacionais da SEC-RN, a Profª Lia Campos. Além disso, renovou
convênios firmados com o Inep durante o governo Dinarte Mariz, assinou
convênios com a Aliança Para o Progresso e convidou o intelectual Grimaldi
Ribeiro de Paiva para reassumir a Secretaria de Estado de Educação e Cultura.
7
Em 1976, após a morte do político caicoense José Augusto Bezerra de Medeiros, o Instituto de Educação
de Caicó passou a se chamar Centro Educacional José Augusto.
282
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
da Nação Brasileira (1952-1964)
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Uma Ousada Reforma Educacional do Governo Dinarte Mariz
no Rio Grande do Norte (1956-1961)
287
288
Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstrução
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