uma análise fenomenológica das histórias em

Transcrição

uma análise fenomenológica das histórias em
i
Ana Carolina Cunha
A LUTA PELA JUSTIÇA:
uma análise fenomenológica das histórias em
quadrinhos do Batman
Belo Horizonte
2006
ii
M686q
Cunha, Ana Carolina
A Luta pela Justiça: uma análise fenomenológica das histórias em
quadrinhos do Batman / Ana Carolina Cunha – Belo Horizonte:
FAFICH/UFMG, 2006.
Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas,
UFMG, 2006.
1. História em Quadrinhos 2. Justiça 3. Psicologia e Cultura. I. Título
CDU 157
COPYRIGTHS:
Todas as referências ao Batman e demais personagens citados neste estudo, incluindo
imagens e características, têm os seus direitos reservados: DC Comics, divisão Warner
Brothers, companhia do grupo norte-americano AOL Time-Warner.
iii
Ana Carolina Cunha
A LUTA PELA JUSTIÇA:
uma análise fenomenológica das histórias em
quadrinhos do Batman
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-graduação em Psicologia da Faculdade
de Filosofia e Ciências Humanas da
Universidade Federal de Minas Gerais, como
requisito parcial à obtenção do título de
Mestre em Psicologia.
Área de concentração: Psicologia Social
Linha de pesquisa: Cultura: Modernidade,
Construção de Identidades e Processos de
Subjetivação.
Orientador: Prof. Dr. Miguel Mahfoud
Universidade Federal de Minas Gerais
Belo Horizonte
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG
2006
iv
À minha família: meus pais, meus irmãos: Cris, João, Erika,
a meus tios, primos e afilhado, por todo apoio, ajuda e
paciência. Por me lembraram muitas vezes que "nós caímos
para nos levantar".
À minha "família virtual", amigos de longe e de perto, que
também estiveram comigo, sendo meus "sidekicks" nos
momentos de maior embate.
À minha manya, Regina, que muitas vezes me ajudou a
enfrentar sem medo "o mais feroz sobrevivente, o mais puro
guerreiro".
v
Agradecimentos
Muitas e muitas pessoas ajudaram a tornar esse trabalho uma realidade...
Ao Miguel, meu orientador, que me ensinou que a vida se faz na troca de experiências e
que cada um de nós tem muito a ensinar, mas também muito a aprender.
A minha mãe e a minha irmãzinha, Cris, que cuidaram de mim com muito amor, carinho e
paciência, ajudando nas pequenas e grandes coisas do dia a dia e me fazendo ter forças
para seguir sempre em frente.
A meu pai, Luiz, que mesmo quando estava geograficamente distante, sempre tinha uma
palavra de apoio.
Às minhas tias Li e Sil, por ajudarem na transposição do texto para a tela e pixels desta
escritora de caderno e caneta.
Ao meu irmão João, que além de ajudar também nessa transposição, muitas e muitas
vezes foi meus braços, olhos e pernas, buscando livros, entregando textos, quando a
labuta de escrever não me permitiu fazer por mim mesma. E pelas palavras certas na
hora certa.
A Erika, minha irmã de coração, com quem compartilhei os primeiros e tímidos passos no
estudo da fenomenologia, pela força que sempre me deu.
A dona Graça e meu cunhado Lauro, pelo cuidado.
Aos queridos amigos do LAPS, que me ajudaram a crescer como pesquisadora e como
pessoa, e aos meus alunos da disciplina Psicologia e Cultura que muito me ensinaram
em nossos meses de convivência.
A professora Ana Lúcia Andrade, que me ensinou a enxergar além, e a descortinar os
significados por trás das imagens.
Ao professor Waldomiro Vergueiro, que, paciente e prestativamente, me ajudou,
indicando livros fundamentais para este trabalho.
A manya Regina por ajudar na revisão do texto. A Luzinha, minha "imouto"; Sammy e
Dani, minhas amigas queridas, pelas aulas de Photoshop que me ajudaram imensamente
na hora de transpor os recortes das imagens necessárias à analise.
A minha maninha Luci, minha grande amiga Ju; minha prima Letícia e também a Sabrina,
Joacélio, Heitor, Alexandre, Silvio Ribas e muitos outros amigos aficcionados pela nona
arte, como eu. Graças à boa vontade de vocês, seja através de indicações, seja através
de empréstimos, consegui os livros, as revistas e textos necessários para concretizar
esta dissertação.
A Sel e Raphinha, membros remanescentes da minha "família virtual", pela torcida e
apoio.
E a muitos outros amigos que estiveram comigo direta ou indiretamente durante todo
esse caminhar.
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Resumo
As histórias em quadrinhos são produções culturais amplamente difundidas em todo o
mundo e lidas por pessoas de todas as idades e diferentes nacionalidades. O objetivo
desta pesquisa é apreender os aspectos referentes às mudanças de elaboração da
justiça no decorrer do século XX contidas nas histórias em quadrinhos do Batman.
Tomamos as produções culturais como material de estudo da Psicologia Social, não
apenas porque são ricas de elaborações, mas também porque a Psicologia pode
contribuir de forma significativa para a compreensão da cultura. O nosso enfoque está na
produção de sentidos presentes naquela manifestação cultural enquanto elaboração da
vivência de justiça. Batman, além de ser um personagem emblemático desse meio de
comunicação, não possui superpoderes, mas decidiu tornar-se herói, propiciando uma
vinculação específica com o homem comum. Analisamos as histórias em quadrinhos do
Batman como uma expressão do vivido, conforme é entendida à luz da fenomenologia. A
seleção do material analisado foi feita após a leitura de pesquisas de especialistas do
gênero. Foram analisadas 8 histórias e de épocas distintas, indicadas pelos especialistas
como marcantes na trajetória do herói. Buscou-se explicitar a estrutura do objeto de
pesquisa, examinando a interação entre imagem e texto nas histórias para apreender o
sentido comunicado por elas. Nas análises observou-se que, embora o fator que levou à
transformação do Batman em super-herói tenha sido a morte dos pais do personagem
quando criança, não é essa motivação que o leva à busca pela justiça. Sua motivação é a
proteção dos inocentes que habitam a cidade do personagem. A justiça é entendida em
toda a trajetória do herói como direito de todos. A justiça demandaria um ganho social,
não um ganho pessoal. A justiça também é compreendida como um combate à
criminalidade. Nas primeiras histórias, dos anos 30 e 40, o destino dos criminosos era
usualmente cadeia ou morte. Eram compreendidos como seres à margem da sociedade
e incapazes de serem reintegrados a ela. Posteriormente, os criminosos são divididos em
normais, destinados à cadeia, e loucos psiquiátricos, e algumas vezes com possibilidade
de recuperação. A relação do Batman com as autoridades também muda com o tempo:
no princípio, ele combate o crime sem se envolver com a polícia, era até perseguido por
ela; aos poucos, passa a ajudar diretamente as autoridades.
Palavras-chave: Psicologia da Cultura, Fenomenologia Social, História em Quadrinhos,
Justiça.
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Abstract
Comics are cultural productions intensive diffused in the whole world and read by people
of all ages and different nationalities. The objective of this research is to apprehend the
referring aspects to the changes of elaboration of justice in the course of 20th century
contained in comics of Batman. We also see the cultural productions as study material of
Social Psychology, not only because they are rich in elaborations, but because
Psychology can contribute with significant forms for the understanding of culture too. Our
approach is in the production of meanings present in that cultural manifestation while
elaboration of the justice experience. Batman, besides being an emblematic character of
this media, don't have super-powers, but decided to be a hero, propitiating a specific
entailing with the common man. We analyzed Batman's Comics as a life experience, as
it's understood by the light of phenomenology. The selection of the analyzed material was
made after the reading of specialists' research of the genre. Eight histories of distinct
times had been analyzed, indicated by the specialists as marking in the trajectory of the
hero. We searched to make explicit the structure of the research object, examining the
interaction between image and text in histories to apprehend the direction communicated
for them. The final results indicate that, even so the factor that led to the transformation of
Batman in super-hero has been the death of his parents when he is a child; this isn't the
motivation that takes him to search for justice. His motivation is the protection of the
innocents who inhabit the city of the personage. The justice is understood in all the
trajectory of the hero as right of all. It demands a social profit, not a personal profit. Justice
also is comprehended as a combat to crime. In first histories, of years 30 and 40, the
criminal's destiny is usually chain or death. They were understood as creatures at the
edge of society and incapable to be reintegrated to it. Later, the criminals are divided in
normal, destined to the chain, and mad psychiatric, and, sometimes, with recovery
possibility. The relation of Batman with the authorities also changed with the time: in the
principle, he combats the crime without involving with the police, was until pursued for
they; too little it starts to help the authorities directly.
Key-words: Cultural Psychology, Social Phenomenology, Comics, Justice.
Sumário
Introdução.......................................................................................................... 2
Apresentação..................................................................................................... 2
Objetivos........................................................................................................... 5
1- Marco Teórico....................................................................................................7
1.1- Justiça.........................................................................................................7
1.2 -Cultura..................................................................................................... 10
1.21 – O que é cultura?............................................................................... 10
1. 22 – Cultura como mundo-da-vida...........................................................13
1.3- Psicologia da Cultura e Estudos Culturais............................................ ..16
1.4 – Histórias em Quadrinhos....................................................................... 20
1.41 – Quadrinhos como manifestação cultural do séc. XX........................ 20
1.42- A Linguagem das Histórias em Quadrinhos....................................... 20
1.43 – Quadrinhos de super-heróis............................................................. 23
1.44- A escolha do Batman como objeto de pesquisa.................................24
1.45 – Quadrinhos como Literatura.............................................................27
1.46 – Quadrinhos, Leitores e História.........................................................34
2- Metodologia................................................................................................... 43
2.1- Referencial teórico para a interpretação dos dados...............................43
2.2- Procedimentos metodológicos................................................................47
2.21- A escolha do material a ser analisado...............................................47
2.22 - O percurso trilhado...........................................................................51
3- A análise das histórias...................................................................................54
3.1- The Case of the Chemical Syndicate.……………………………………...55
3.2- Introducing Robin, The Boy Wonder……………………….……………….71
3.3-The Batwoman.…………………….………………………………………….89
3.4- The Million Dollar Debut of Batgirl………………………………………...109
3.5-One Bullet too many!..............................................................................131
3.6- Dark Knight returns…………………………………………………………155
3.7-A Death in the Family………………………………………………….……199
3.8 - A Lonely Place of Dying……………………………………………………244
3.9 - Conclusões...........................................................................................281
4- Referências bibliográficas ............................................................................297
2
Introdução
Apresentação
Esta dissertação nasceu de um desejo. Desejo de tentar compreender as produções
culturais sob a luz da Psicologia Social. Eu, autora deste trabalho, em paralelo à minha
formação acadêmica, sempre estive envolvida em trabalhos relacionados com
manifestações culturais, em especial com histórias em quadrinhos.
Os quadrinhos sempre fizeram parte de minha vida, desde muito pequena, quando me
deparava, ainda sem nem ao menos saber ler, com as figuras de revistas como Turma
da Mônica ou Pato Donald, Mickey e Margarida. Inventava, em minha cabeça, história
e diálogos para completar a falta que o reconhecer das letras me fazia. À medida que
fui crescendo, a alfabetização descortinou o mistério que no começo existia para mim.
A barreira fora quebrada e o mundo daquelas revistas se tornou completo e
reconhecível, e ainda mais fascinante.
Com o passar dos anos, meus gostos por tipos de histórias em quadrinhos foram se
diversificando. As histórias protagonizadas pela menina de vestido vermelho que
levava seu coelhinho à tira colo, a sempre famosa Mônica, não mais prendiam a minha
atenção. E, por um breve momento, cogitei abrir mão desse mundo quadriculado que
foi meu companheiro nos primeiros anos de vida. Foi então que eu li, pela primeira
vez, graças a um amigo, uma minissérie em quatro edições estrelada pelo Batman.
Chamava-se Batman – Cavaleiro das Trevas, escrita e desenhada por Frank Miller em
1986. A história se passava em um futuro alternativo, em que a personagem, semiaposentada, retornava à vida de combatente do crime. A história era carregada de um
teor denso e tenso, de uma temática adulta e forte, criticando em suas páginas a
sociedade de consumo, os meios de comunicação em massa e a política mundial, na
época, regida pela Guerra Fria.
Tal texto trouxe um impacto enorme para mim. Tinha 15 anos na época e me lembro
de me perguntar, ainda estupefata e parcialmente confusa: era aquilo uma história em
quadrinhos? Onde estavam as aventuras leves e divertidas? E a separação nítida
entre bandidos e mocinhos? E, afinal, onde estaria exatamente a verdadeira justiça:
em seguir fielmente as leis instituídas como o Superman fazia na série, ou em
questionar aquilo com que não concordava, como fazia Batman? E ainda, aquele que
eu via nas páginas daquelas revistas era o Batman? Mas ele não era aquele herói que
3
costumava lutar com um monte de vilões malucos e engraçados como eu vira nos
desenhos e na série de TV? E que mundo era aquele, tão próximo do meu, em que as
pessoas sofriam, mas persistiam? Em que um homem decide voltar a usar uma
fantasia de morcego em parte para fazer alguma coisa diante daquele mundo caótico
e desordenado que o cercava? O que era tudo aquilo, enfim, que aquela história me
mostrava, que era maior que a minha compreensão e ainda assim totalmente
compreensível para mim?
Passei a ler livros diversos sobre o tema. Sobre sua origem, história, gêneros,
construção de história, estilo de escrita e desenho... Mas isso também começou a se
mostrar pouco diante dos meus anseios e, graças ao convite de um outro amigo,
responsável por uma revista eletrônica sem fins lucrativos chamada Abacaxi Atômico,
e posteriormente, também para o site A Galáxia, passei não só a ler, mas também a
escrever sobre o assunto.
Comecei a notar, através de minha escrita, que aquelas histórias continham em si algo
inerente não apenas ao enredo e às personagens propriamente ditas, mas também
relativo ao período histórico em que foram escritas, à sociedade da época, e ao
mesmo tempo a cada um de nós, no momento presente. Algo que captava a nossa
atenção e paixão a ponto de muitos dos heróis que estrelam várias dessas
publicações perdurarem por mais de 60 anos.
Havia naquele meio algo que dizia tanto do sujeito humano, não apenas de seus
autores e leitores, quanto da sociedade em que fora concebido. Assim sendo, quanto
mais me envolvia com os quadrinhos, mais percebia que havia ali algo de significativo,
que merecia ser estudado e compreendido. E não apenas ao que dizia respeito aos
quadrinhos.
Como disse anteriormente, sempre estive envolvida em trabalhos relacionados a
produções culturais, e, além dos quadrinhos, a literatura, o cinema e a música também
se constituíram em objeto de estudo e interesse de minha parte. O enfoque sobre as
histórias em quadrinhos, no presente texto, se deve, principalmente, ao fato de que foi
exatamente essa manifestação cultural que primeiramente me despertou para um
questionamento das possibilidades que o estudo de uma produção cultural poderia
trazer de enriquecedor para o campo da Psicologia.
Mostrava-se óbvio, para mim, em contato com todas essas manifestações, em
especial os quadrinhos, que as produções culturais são um material riquíssimo de
4
estudo e que expressam a inter-relação entre os sujeitos e a sociedade. Elas nos
permitiriam não apenas nos aproximarmos dos modos de agir, sentir e pensar dos
indivíduos de uma sociedade, mas também nos possibilitariam refletir sobre nosso
próprio posicionamento diante dessas expressões culturais.
Movida por um anseio a princípio pessoal, nascido a partir de minhas experiências e
questionamentos enquanto membro de uma sociedade e de uma cultura, deparei-me
com a necessidade de transformar tais indagações não mais em perguntas de uma
pessoa comum, mas em interrogações de um pesquisador, já que acredito que tal
temática merece ser tratada de forma metódica e sistemática, com um forte
embasamento metodológico e teórico, alavancando-as para um nível acima daquele
em que reina a mera especulação, e que possa, assim, contribuir também para sanar
não apenas essas especificas questões de pesquisador, mas também àquelas que
dizem respeito a todos nós.
Em meu processo de tentar compreender as produções culturais sob o prisma da
Psicologia, deparei-me com os trabalhos de autores como Monique Augras (1995) e
sua proposta de Psicologia da Cultura, os de Neusa Guareschi (2002), apoiada na
proposta dos Estudos Culturais, e os de Miguel Mahfoud (2003), embasados em uma
perspectiva fenomenológica. Percebendo, então, que tal inquietação sobre a
contribuição da Psicologia Social para a compreensão das produções culturais não era
apenas minha e já ressoava em outros pesquisadores, senti-me encorajada a
empreender minha jornada por essa vertente.
Com esse respaldo, tratei de delinear o meu objeto de pesquisa, conforme será
mostrado no decorrer deste trabalho, levando em consideração o que minha pesquisa
poderia trazer de significativo e original para o campo. Na elaboração deste trabalho,
então, retomei uma pergunta que havia me ocorrido nos primeiros passos dessa
caminhada. A intencionalidade se fez valer nesse momento, ao perceber que a
pergunta de pesquisa já se fazia presente em mim desde que comecei a adentrar o
universo dos quadrinhos de super-heróis: a questão da justiça.
A temática da justiça sempre se mostrou marcantemente presente nas publicações do
gênero. Apesar dos métodos de atuação e motivações dos heróis variarem de revista
para revista, a busca pela justiça parecia uni-los e aproximá-los em um objetivo em
comum. Mas, o que exatamente seria essa justiça propagada por eles? Esta pergunta
se fazia forte para mim desde a leitura de Dark Knigth returns, quando percebi as
diferenças de abordagem do tema dentro da mesma história. Comecei, então, a
5
questionar-me acerca do que era exatamente tomado por justiça. Ela seria
compreendida apenas na sua relação com a extinção do crime ou abrangeria um
significado mais amplo? Existiria uma variação da concepção de justiça através dos
anos? Como isso refletia a vivência de cada época? Enfim, com esses
questionamentos em mente, propus-me a realizar o presente trabalho.
Decidi escolher as histórias do herói mascarado Batman como meu material de
análise, primeiramente por essa personagem ser um símbolo emblemático do tipo de
produção cultural que me interessa, as histórias em quadrinhos (BEAUTY, 2001;
BOICHEL, 1996; Brooker, 2001; maroto, alboreca, 1999; PEARSON; UriCchio, 1996;
RIBAS, 2004). Mas, especialmente, pelo fato peculiar de a personagem Batman ser
um homem comum que decidiu se tornar herói. Ele se mostra mais próximo tanto de
seus criadores quanto de seus leitores que a maioria dos super-heróis, suscitando
uma provocação diferenciada nos sujeitos que o tomam. Detalharei esses aspectos
específicos da personagem em tópico posterior do trabalho.
Para a realização desta pesquisa, foram levados em conta os seguintes pontos,
conforme detalharei em tópicos subseqüentes: (1) definições de justiça, (2) a definição
de cultura e sua importância dentro da Psicologia Social, (2) como vêm sendo
realizados os estudos das produções culturais dentro da Psicologia Social, (3) as
especificidades dos quadrinhos enquanto produção cultural, (4) os procedimentos
adotados para a seleção e a análise do material, (5) discussão dos dados obtidos, (6)
considerações finais.
Objetivos
A partir da proposta de trabalhar o tema da justiça, tendo como ponto de partida o
modo como ela se apresenta nas histórias do Batman desde 1939 até o começo dos
anos 901, podemos dizer que o objetivo geral deste trabalho se configura da seguinte
forma:
Objetivo Geral
Compreender os aspectos referentes às mudanças de elaboração da concepção de
justiça na cultura ocidental através da análise das histórias em quadrinhos do Batman
desde 1939 ao começo dos anos 90.
1
A justificativa para a escolha deste período encontra-se na seção 2.21 desta dissertação.
6
Objetivos específicos
d
Identificar como se dá a relação do Batman com outros heróis e como essas
relações se conectam com as transformações da concepção de justiça.
d
Identificar como se dá a relação do Batman com as instituições ligadas ao
cumprimento das leis e seus representantes (polícia, governantes, juízes,
advogados, entre outros) e como isso se liga às transformações da concepção de
justiça nas obras.
d
Identificar quais os tipos de criminosos e de crimes combatidos pelo Batman e
como isso se relaciona às transformações da concepção de justiça nas obras.
d
Identificar a relação do Batman com os criminosos, qual o tipo de tratamento
e destino que se reserva a esses infratores nas histórias, e a relação disto com as
transformações da concepção de justiça nas obras.
d
Identificar as relações do Batman com as vítimas dos crimes que ele
combate e como elas se relacionam com as transformações da concepção de
justiça nas obras.
Consideramos imprescindível tomar as produções culturais como material de estudo
da Psicologia Social, não apenas porque estas são um material rico de sentidos e
elaborações, mas também, e principalmente, porque a Psicologia pode contribuir de
forma significativa para a compreensão desse material e da Cultura em geral através
de uma perspectiva diversa daquela adotada em outras ciências humanas, como a
Antropologia, a Sociologia ou a Comunicação Social. O nosso enfoque está na
produção de sentidos presentes em uma manifestação cultural enquanto elaboração
de experiência e vivência de sujeitos pertencentes a uma cultura (AUGRAS, 1995).
É a partir desse prisma que pretendemos analisar a questão da justiça.
Propomos, portanto, analisar as histórias em quadrinhos do Batman como uma
expressão do vivido, conceito que detalharemos em tópicos subseqüentes deste
trabalho.
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1- Marco Teórico
1.1- Justiça
Inúmeros são os estudos e tratados sobre esse tema dentro da Filosofia, do Direito, da
Antropologia ou da Sociologia. A concepção de justiça variou no decorrer da História,
sendo compreendida, pelos gregos, em uma tradição oral mais antiga, como uma
virtude divina (thémis), algo estabelecido pelos deuses em nossa alma, cuja
responsabilidade ficava em última instância a cargo dessas divindades (ESPÍRITO
SANTO, 2003). Com Platão, passa-se a considerar a justiça como uma virtude central
que coordena todas as demais virtudes humanas e distribui cargos e encargos sociais
de acordo com o mérito e a aptidão individual de cada indivíduo; enfim, ela serve para
proporcionar a manutenção da ordem das coisas. Essa idéia de Platão de justiça como
“virtude coordenadora” das demais virtudes humanas demonstra que, com ele, os
gregos evoluíram o pensamento do aspecto puramente divino da justiça para uma
mescla entre o divino e o humano (MORA, 2001).
Aristóteles toma o conceito de justiça ainda como virtude, mas uma virtude social de
caráter humano (diké). Para este filósofo, é a justiça, tomada enquanto um hábito
moral, que leva as pessoas a fazerem e desejarem aquilo que é justo, aquilo que é
moralmente aceito dentro de uma sociedade especifica. (SILVA, 2000).
Ainda nesse contexto aristotélico, a justiça não é um conceito pertinente à Ciência do
Direito, mas sim à Ética; por essa razão, considerava-se justiça como virtude daquele
que deve praticar o ato de justiça, observada pelo ponto de vista da moral e praticada
de forma espontânea. E é essa virtude da justiça que possibilita o homem se organizar
politicamente. (MORA, 2001)
Para o romano, independentemente do caso apresentado, a aplicação da lei
pressupõe invariavelmente a eqüidade, que constitui na consideração da justiça
concreta no momento da aplicação da lei. Justiça não é apenas um conceito abstrato;
a lei é o modo concreto através do qual a justiça pode ser concedida. Entretanto,
ressalte-se que a lei é justa enquanto formulação abstrata, podendo, todavia, não sê-lo
quando observada pelo ponto de vista do caso concreto onde será aplicada. Por
aplicação da lei entende-se o cumprimento espontâneo desta mesma lei. O indivíduo é
o destinatário final do ato de justiça, e justiça é a entrega do Direito ao indivíduo. Mas,
segundo os romanos, justamente por tratar-se de uma formulação abstrata, a lei,
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quando de sua aplicação pura, pode trazer conseqüências injustas; daí a necessidade
de aliar-se a ela a eqüidade e a justiça concreta. (MORA, 2001)
Na Idade Média, calcada nas idéias de Santo Agostinho, a justiça, anteriormente
concebida como elemento fundamental na organização da sociedade, é superada
pelas idéias de caridade e misericórdia, que seriam maiores que a justiça por estarem
embasadas no amor. Contudo, isso não significa que o tema da justiça tenha sido
abandonado. São Tomás considerava a justiça como um importante modo de
regulação das relações humanas (MORA, 2001).
A partir da Idade Moderna, autores como Hobbes elaboraram teorias de contrato
social e defenderam uma idéia de justiça baseada no poder absoluto dos soberanos.
As pessoas outorgariam parte de sua liberdade de escolhas e decisões a um líder
para que, assim, este elabore regras que possibilitem o convívio social. “Pode-se
pensar que essas leis são necessariamente justas, mas Hobbes não tem essa opinião
[...] é possível que as leis estabelecidas pelo soberano não sejam justas” (MORA,
2001, p. 1618). Mas, presos a esse contrato, os súditos se vêem obrigados a aceitar
as decisões do soberano. Contudo, nessa época, tal concepção se justificava na
crença de que jamais o governante utilizaria o poder para prejudicar o bem público ou
o bem comum.
Existe também uma visão formal (ou positiva) da justiça, em que esta se vê
completamente atrelada ao Direito, que é a formalização das leis que regem a
sociedade (leis positivas). A justiça seria, portanto, um ingrediente dentro desse
caráter formalizado de leis (ESPÍRITO SANTO, 2003; MORA, 2001; SILVA, 2000).
A justiça é ainda compreendida por alguns filósofos, dentre os quais Hume, como
regras de acordo com o interesse de todos os membros de uma sociedade, que
convergem para o bem da maioria. A justiça é, portanto, concebida enquanto utilidade
pública (visão material), pois se funda na realidade concreta e visa o maior bem
possível para o maior número possível de pessoas (MORA, 2001).
Johw Rawls, teórico contemporâneo do tema, contrariando essa idéia materialista,
afirma que a justiça não é resultado de interesses públicos; envolve princípios morais
que devem estar de acordo com uma sociedade democrática, entendida como “um
sistema eqüitativo de cooperação entre cidadãos” (BORGES; DALL’AGNOL; DUTRA,
2002, p. 81).
9
Dentro do Direito tem-se também a discussão da indissociação entre o Estado e a
justiça (ESPIRITO SANTO, 2003).
O cerne de nossa questão está em como se dá a elaboração da concepção de justiça.
Diversos também são os questionamentos que emergem da necessidade de
compreensão da construção dessa concepção. A justiça se resume, para nós, apenas
à punição dos criminosos ou envolve a sua reabilitação? A justiça é vista apenas em
contraponto com a criminalidade ou se aplica a outras situações cotidianas? Quais
seriam essas situações? A quem a justiça serviria efetivamente? A todos os membros
de uma sociedade ou a alguns poucos? Se a concepção de justiça para nós extrapola
a mera relação com a criminalidade, quais seriam os elementos que nos levam à sua
elaboração? Enfim, o que viria a ser, para nós, uma sociedade justa?
Atualmente, a maior discussão acerca do tema da justiça diz respeito ao que é justo
para um indivíduo dentro de uma sociedade, e envolve tanto a questão da ética quanto
o conceito do que é ser cidadão. Ou seja, implica em um posicionamento do sujeito
dentro da sociedade e em relação aos demais membros da mesma (BORGES;
DALL’AGNOL; DUTRA, 2002). Tal idéia entra em consonância com a nossa proposta.
A ética pode ser concebida como
a disciplina que procura responder às seguintes questões: como
e por que julgamos que uma ação é moralmente errada ou
correta? E que critérios devem orientar esse julgamento? Hoje
várias respostas atendem a essas perguntas: é possível afirmar
que a ação correta é aquela que (i) maximiza a felicidade de
todos, (ii) é praticada por um agente virtuoso, (iii) está de
acordo com regras determinadas, ou ainda, (iv) pode ser
justificada aos outros de forma razoável. (BORGES,
DALL’AGNOL, DUTRA, 2002).
A correlação entre ética e justiça não é uma novidade; já entre os gregos, Platão
apontava a justiça como a única possibilidade de felicidade para o homem. Aristóteles
também fazia essa ponte entre ética e justiça, tomando a última enquanto um costume
moral (MORA, 2001).
A mudança atual do conceito está justamente no enfoque social, que privilegia tanto a
relação dos sujeitos que compõem a sociedade, quanto a própria tomada de atitude do
sujeito frente a essas questões.
10
Sob essa perspectiva, temos a proposta de Levinas (cf. FABRI, 2003), que nos atenta
para a importância de se compreender a justiça como um fenômeno:
O fenômeno da justiça permite compreender em que medida o problema ético é a
categoria em torno da qual a própria linguagem filosófica se constrói. De um lado,
temos o aparecer da justiça como uma espécie de vivido intencional com seu correlato
específico. De outro, a questão da condição de possibilidade de um discurso teórico
capaz de fundamentar o agir humano, pois aquilo que aparece à consciência como
fenômeno moral clama pela universalização do deve ser, válido para todos os seres
racionais, capazes de livre decisão (FABRI, 2003, p. 187).
A contribuição deste trabalho está calcada, portanto, na nossa proposta de trabalhar a
justiça enquanto elaboração de uma vivência, de uma experiência concreta dos
sujeitos. A forma como a elaboração da concepção de justiça se modifica ou não no
decorrer dos anos pode nos indicar o posicionamento do sujeito frente a si mesmo, a
seus pares e ao modo como ele percebe o mundo que o circunda.
1.2-Cultura
Neste tópico abordaremos, em um primeiro momento, os diferentes conceitos de
Cultura apresentados nas Ciências Humanas. Em um segundo momento, interessanos tratar a Cultura como mundo-da-vida.
1.21 - O que é cultura?
Um dos primeiros a cunhar uma definição para Cultura foi Tylor, no livro Primitive
Culture, em 1871. Segundo esse autor, a Cultura deveria ser reconhecida como todo o
conjunto de conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer
capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade
(LARAIA, 1997).
Conforme Laraia (1997), tal conceito era por demais abrangente, o que levou os
teóricos do campo a buscar alternativas para melhor definir e especificar o conceito.
Tal busca, segundo o autor, resultou em três concepções mais freqüentemente aceitas
do termo Cultura.
A primeira diz respeito à definição da Cultura como um sistema cognitivo, no qual ela é
percebida como “um conjunto de práticas e dos comportamentos sociais inventados e
transmitidos no grupo: a língua, os ritos e os cultos, a tradição mitológica, mas também
11
o vestuário, o habitat e o artesanato” (FAVROD2, apud AUGRAS, 1995, p. 18). Ou
seja, a cultura seria composta por tudo aquilo que um sujeito aprenderia para poder
agir de forma mais ou menos admissível dentro da qual está inserido; enfim, seria ela
uma “herança social” adquirida através do convívio com um grupo específico. (BEALS,
1971; LARAIA, 1997)
O segundo modo de conceber a Cultura é defini-la como sistemas estruturais. LéviStrauss (1976) concebe a cultura como um grande sistema simbólico resultante da
criação acumulativa da mente humana. O antropólogo (e, por conseguinte, qualquer
pesquisador interessado em estudar o tema) teria, então, o encargo de descobrir na
estrutura das esferas culturais quais seriam os princípios da mente que originam as
elaborações culturais.
Desta perspectiva, todo modo de realizar o mundo é estruturado. Os autores dessa
vertente estruturalista, cujo maior representante é Lévi-Strauss (1976), buscam
entender a cultura através de princípios de estruturação que permeariam de forma
mais ou menos similar todas as organizações culturais, desde uma pequena aldeia até
sociedades mais complexas como o mundo pós-moderno contemporâneo. Seriam as
estruturas da mente do sujeito que levam à ordenação do mundo cultural.
Já a terceira definição de Cultura é de caráter semiótico, considerando-a como um
sistema de símbolos. Busca-se definir o homem através da definição de cultura. O
homem seria “um animal amarrado a teias de significação que ele mesmo teceu” e a
cultura se definiria “como sendo suas teias e sua análise” (GEERTZ,1989). Enfim, a
cultura não é vista como um conjunto de comportamentos concretos. A ênfase dessa
vertente está na plasticidade desses comportamentos, vistos como um conjunto de
códigos e símbolos compartilhados socialmente, rejeitando o modelo clássico do
homem iluminista, tido como universal e racional. Os dois principais representantes
dessa vertente são os antropólogos americanos Clifford Geertz e David Shneider
(LARAIA, 1997).
Em seu livro A Interpretação das Culturas, Geertz (1989) nos atenta para o caráter
dinâmico da Cultura e do papel fundamental dos sujeitos nesse processo. De acordo
com esse teórico, a Cultura não é algo particular, mas sim público, sendo criada pelos
componentes de uma determinada sociedade. Como estamos imersos nessa
sociedade, muitas vezes não estamos atentos às transformações ocorridas, mas estas
2
FAVROD, CH. A antropologia. Lisboa: Dom Quixote, 1977, p. 70.
12
ocorrem de maneira contínua e espontânea e, mesmo sem percebermos, somos
responsáveis por elas.
O autor também reforça a idéia de que a Cultura, entendida como um sistema de
símbolos passíveis de interpretação, não é algo a que podem ser conferidos
aleatoriamente os acontecimentos sociais. A Cultura é sempre um contexto dentro do
qual existe sempre a possibilidade de descreverem-se os símbolos de modo inteligível
(GEERTZ,1989). Assim sendo, a Cultura passa a ser compreendida como um
fenômeno social dinâmico cujas origens, manutenção e transformação se devem aos
atores sociais pertencentes a ela.
A Cultura, segundo essa perspectiva semiótica, seria o modo como os indivíduos
percebem o mundo, e, portanto, dependeria da sociedade na qual estariam inseridos.
Em suma, a visão de mundo do sujeito, suas apreciações de ordem moral e valorativa,
os diferentes comportamentos sociais e mesmo as posturas corporais seriam produtos
de herança cultural. (LARAIA, 1997).
Entendendo-se essas diferenças culturais é que podemos explicar o fato de que,
embora dotados do mesmo equipamento anatômico, os seres humanos apresentem
tantas variações distintas no seu modo de agir diante do mundo. (LARAIA, 1999).
Sendo assim, não podemos deixar de concordar também com Augras (1995, p. 19), ao
afirmar:
Cultura e sociedade não são quadros externos dentro
dos quais a pessoa vai se desenvolver. São aspectos
constitutivos da própria personalidade. O homem
concreto é produto, além de produtor, de todo o aparato
sócio-cultural, tanto nos aspectos simbólicos como
estritamente técnicos.
Retomando Geertz (1989), tal autor concebe o ser humano como um animal
inacabado e incompleto que só se completaria através da Cultura. Tal afirmação é, de
certo modo, compartilhada por Ales Bello (2001; 2004), que nos lembra que é através
da atividade humana que saímos da natureza e passamos para a cultura. A atividade
humana produz cultura e é a cultura que nos torna humanos.
Tal afirmação de Ales Bello está relacionada com os conceitos de corporeidade,
psique e espírito, explanados por Husserl (cf. ALLES BELLO, 2004). Esses três níveis
constituem a estrutura do ser humano. A corporeidade diz respeito ao nível do corpo
13
propriamente dito, em que recebemos e reconhecemos os estímulos do mundo
externo. O nível psíquico está associado aos impulsos e sensações como dor/prazer,
bem-estar/mal-estar, ou, seja, os dados da sensibilidade e o modo como reagimos em
um primeiro momento aos estímulos tomados pela corporeidade. Esses dois níveis
são compartilhados pelo homem com os demais animais. Já o espírito é o que nos
torna humanos e se constitui na esfera que abrange os atos de vontade, de
inteligência, de decisão e de pensar. Em outras palavras, é através do nível espiritual
que o ser humano se posiciona no mundo.
Portanto, “o ser humano é um ser cultural, porque é um ser espiritual, ou seja, é um
ser que sabe produzir, que se expressa no nível que chamamos espiritual” (ALES
BELLO, 2004, p. 56). Ela não quer dizer que os níveis da corporeidade e da pisque
não sejam importantes na produção cultural; afinal, as três esferas que constituem o
ser humano são indissolúveis. Deseja apenas deixar explicito que é o nível espiritual
que nos distingue dos demais seres da natureza e nos permite produzir cultura.
1. 22- Cultura como mundo-da-vida
Como Ales Bello (2001) aponta em Culturas e Religiões, o termo Welt (mundo) pode
ser tomado de formas distintas: Welt é entendido não apenas como o mundo material
ou o mundo das coisas físicas, mas também como a bagagem de experiências e
vivências que cada ser humano possui e compartilha com o grupo ao qual pertence.
Welt seria a conjunção do mundo físico, intelectual e cultural no qual estamos imersos
e que tomamos como natural.
Husserl diferencia os termos Unwelt e Lebenswelt. Unwelt seria o mundo circunstante,
o mundo em que vivemos. Lebenswelt é o termo que nos interessa aqui: ele é o
mundo-da-vida. Vida compreendida como conjunto “de atos, momentos e aspectos de
nossa existência que é ao mesmo tempo pessoal e coletivo, trata-se do mundo em
que vivemos e que é o mundo para nós” (ALES BELLO, 2004, p.38).
Ser humano, portanto, significa viver em um mundo, em uma realidade que está
ordenada e dá sentido à vida. Tal mundo é o mundo-da-vida, caracterizado como um
mundo essencialmente social, tanto nas suas origens quanto na sua manutenção, pois
os sentidos são estabelecidos coletivamente e se mantêm ou se transformam através
de um consentimento coletivo (Berger, 1979; ALES Bello, 2001):
O mundo-da-vida da vida 'cotidiana’ significará o mundo
intersubjetivo que existia muito antes do nosso nascimento,
14
vivenciado e interpretado por outros, nossos predecessores,
como um mundo organizado. Ele agora se dá à nossa
experiência e interpretação. Toda interpretação desse mundo
se baseia num estoque de experiências anteriores dele, as
nossas próprias experiências e aquelas que nos são
transmitidas por nossos pais e professores, as quais, na forma
de ‘conhecimento à mão’ funcionam como código de referência
(Schutz cf. WAGNER, 1979, p. 72).
Cada indivíduo possui um modo único de se relacionar com o mundo que o cerca, mas
o faz de forma compartilhada através de formas socialmente estabelecidas, pois existe
algo essencial e estrutural que possibilita que os membros de uma mesma sociedade
compartilhem os mesmos credos e valores, apesar do posicionamento pessoal de
cada um diante da realidade. E é esse compartilhamento que se constitui em Cultura.
O conceito de Cultura, na realidade, liga-se com a vida humana na sua totalidade,
tanto nos seus aspectos individuais como também nos aspectos comunitários. E é no
interior do social que se desenvolveria aquilo que é individual (ALES BELLO, 2001).
É verdade que autores, como o já apontado Geertz, também ressaltaram a visão da
Cultura como algo simultaneamente individual e coletivo; contudo, tomar o conceito de
Cultura como mundo-da-vida se mostra diferente na ênfase de que esse
compartilhamento social de valores e crenças só se faz possível através da
intersubjetividade.
A Cultura é uma produção humana compartilhada e mantida coletivamente, tal qual é
o mundo-da-vida, que também se faz através das vivências dos sujeitos humanos.
Desse modo, podemos, portanto, tomar cultura e mundo-da-vida como termos
coincidentes.
Assim
sendo,
a
Cultura,
entendida
como
mundo-da-vida,
é
compreendida como uma conjunção de intersubjetividades que se influenciam
mutuamente. Isso não quer dizer que as idéias dos sujeitos sobre a realidade são
aleatórias; elas levam sim em consideração as características físicas do mundo que
circunda esses sujeitos, mas os significados derivados daí são construídos desse
encontro intersubjetivo. As vivências e experiências compartilhadas demandam um
posicionamento do sujeito frente à realidade, mesmo que isso nem sempre ocorra de
forma reflexiva pelos sujeitos (ALES BELLO, 2001).
A constituição dessa intersubjetividade se deve em parte a um fenômeno chamado
empatia ou entropatia, entendida como a compreensão de um outro alguém como meu
alter-ego, como também humano e meu semelhante, pois possui as mesmas
capacidades cognitivas, afetivas e reflexivas que eu. É esse reconhecimento do outro
15
como humano que nos possibilita deslocarmo-nos da nossa posição e nos colocarmos
não exatamente no lugar do outro, mas o mais próximo possível para
compreendermos seus valores, comportamentos, escolhas, entre outros. Através da
entropatia nos é possível estabelecer relacionamentos com outrem, e, assim, construir
um mundo social e cultural.
Husserl (cf. MASSIMI, 2000) também nos lembra a importância dos atos psíquicos
nesse processo. Os atos psíquicos são o “movimento da consciência” (p.15). Ou seja,
são atos que possuem certa intencionalidade. Dentro da fenomenologia, a consciência
é compreendida como intencional. O sujeito está sempre voltado para algo.
Na vida estamos sempre ocupados com algo, ora isso, ora com
aquilo e num nível mais baixo com aquilo que não é psíquico.
Por exemplo, percebendo, nós estamos ocupados em olhar o
moinho percebido, voltados para ele e somente para ele; na
lembrança, nós estamos ocupados com o lembrado; no pensar,
com o pensamento; na vida sensitiva e avaliativa com aquilo
que é bonito. [...] Tudo aquilo que é através da reflexão nos é
acessível e tem um caráter comum, notável. Aquilo da
consciência de algo, de ser consciente de algo [...] estamos
falando de ‘intencionalidade’. E o caráter é o caráter
fundamental da vida psíquica no seu significado pleno e,
3
portanto, indivisível dela (HUSSERL apud MASSIMI, 2000).
Portanto, os atos psíquicos indicam um posicionamento do sujeito frente à realidade.
E, sendo algo comum a todos, nos possibilita ficarmos atentos às valorações,
comportamentos, escolhas, entre outras coisas, daqueles sujeitos com os quais
convivemos. Estes podem ser diversos dos nossos, mas ainda assim compreensíveis
enquanto próprios daqueles sujeitos.
As produções culturais expressam de forma quase palpável a inter-relação entre os
sujeitos e a sociedade em um determinado contexto social. Elas nos permitem não
apenas nos aproximarmos dos modos de agir, sentir e pensar dos sujeitos de um
mundo-da-vida específico, mas nos permitem também refletir sobre nosso próprio
posicionamento diante dessas expressões.
Desse modo, as manifestações culturais podem ser tomadas como expressão de
vivências, como expressões do mundo-da-vida, contendo em si significados (sentidos)
intersubjetivos, o que nos permite compreender de modo simultâneo tanto as
elaborações dos sujeitos que compõem uma sociedade, como a estrutura da
sociedade propriamente dita.
3
HUSSERL, E. Conferenze di Amsterdam. Psicologia fenomenologica. (org. P. Polizzi). Roma: Pietro
Vittorietti Editore, sd. (tradução da autora).
16
Em suma, existe uma estrutura comum de significação que é compartilhada e que nos
permite tomar uma expressão cultural única de um povo específico - ou mesmo de um
indivíduo - como vivência, compreendê-la e falar dela de modo que faça sentido não
apenas para aquela pessoa ou povo em questão.
1.3- Psicologia da Cultura e Estudos Culturais
Como referendamos rapidamente na introdução deste trabalho, recentes autores de
renome no âmbito da Psicologia, como os citados Mahfoud, Guareschi e Augras, têmse dedicado ao estudo do tema da Cultura. Isso não significa que anteriormente não
existiam pesquisas psicológicas relacionadas com temas culturais. Nos primórdios da
Psicologia, Wundt já elaborava teorias para explicar as Culturas dos Povos com o seu
Völkerpsychologie (ALVARO; GARRIDO, 2003), e, dentro da Psicanálise, as
publicações de Freud sobre essa temática, como Totem e Tabu e O Mal-estar na
Civilização, são amplamente conhecidas.
O que os autores recentes trazem de novo é uma proposta enfocada principalmente
na questão da inter-relação entre os sujeitos e a sociedade (AUGRAS, 1995).
Os sujeitos refletem a estrutura social ao mesmo tempo em que reagem sobre ela,
conservando-a ou transformando-a. Somos também reflexos do momento histórico em
que vivemos, sem que esqueçamos que também somos produtores desse momento.
À medida que a História, a sociedade e o indivíduo se modificam, novos valores e
comportamentos são tomados como parâmetros de convivência social. Tais mudanças
freqüentemente são expressas através de uma produção que é fundamentalmente
humana: a produção cultural.
Portanto, nessa nova perspectiva, tais produções são acolhidas como expressões
dessa relação dialética entre o sujeito e a sociedade e nos possibilitam compreender a
pessoa enquanto membro participante de uma cultura e o significado deste
pertencimento para ela.
Dentro da Psicologia Social brasileira, existem duas abordagens distintas dos estudos
de produções culturais. A primeira, cuja principal representante no país é Neusa
Guareschi, é inspirada nos Estudos Culturais britânicos. A outra é conhecida por
Psicologia da Cultura, cujos representantes de destaque são Monique Augras e Miguel
Mahfoud.
17
Neusa Guareschi defende a necessidade de a Psicologia Social estar atenta às
grandes questões que se fazem presentes na sociedade contemporânea. Para isso,
torna-se imperativa a busca de novas perspectivas teórico-metodológicas, cuja
principal proposta é a utilização de uma metodologia conhecida como bricolagem ou
bricolage de métodos com as compatibilidades epistemológicas, que encontrem sua
categoria no estudo da produção de sentidos na perspectiva lingüística (SPINK, 2003).
E também de novas formas de se analisar e compreender o complexo mundo atual,
procurando uma fundamentação teórica que vai além do âmbito de uma única
disciplina, conforme veremos nos parágrafos que se seguem. É a partir dessas
questões que a autora defende a aproximação da Psicologia Social com os Estudos
Culturais. (HENNIGEN; GUARESCHI, 2002).
Os Estudos Culturais britânicos, utilizados como base da proposta de pesquisa de
Neusa Guareschi sobre cultura dentro da Psicologia Social, nasceram na Inglaterra no
final dos anos 50, sendo adotados em diversos países nos últimos tempos. Dois
pontos se destacam como características centrais na concepção dessa linha: a
perspectiva interdisciplinar e o posicionamento político (SPINK, 2003).
No que diz respeito à interdisciplinaridade, os teóricos dos Estudos Culturais
apregoam que, dada a complexidade dos aspectos culturais da sociedade
contemporânea, não é possível limitar-se a apenas uma disciplina específica (como,
por exemplo, Psicologia, Comunicação, Ciências Sociais, Antropologia, Filosofia, entre
outras); para compreendê-los, faz-se necessária uma interseção entre essas diversas
disciplinas. Desse modo, os Estudos Culturais abrigam como marcos teóricos idéias
advindas do marxismo e do neomarxismo, das teorias feministas, do estruturalismo e
pós-estruturalismo, da psicanálise, do pós-modernismo, da análise do discurso e dos
trabalhos de Focault e de Bourdieu (BRUSCHI, GUARESCHI, MEDEIROS, 2003;
GUARESCHI, HENNIGEN, 2002; ESCOSTEGUY, 2003; HALL, 2003).
O sentido de Cultura adotado enfatiza os aspectos históricos e sociais da mesma. A
Cultura é vista, por esses teóricos, como prática social; mas, simultaneamente, temos
um questionamento da universalidade do termo, buscando-se uma contextualização
histórica e social (BRUSCHI; GUARESCHI; MEDEIROS, 2003).
A Cultura passa a ser encarada pelos teóricos dos Estudos Culturais tanto como forma
de vida, (um conjunto de idéias, atitudes, línguas, práticas, instituições, estruturas de
poder), quanto como práticas sociais (formas, textos, cânones, arquitetura,
mercadorias). A Cultura é o lugar social no qual são estabelecidas as divisões que
18
levam às desigualdades existentes nas sociedades. É no locus cultural que ocorrem
os embates políticos: o espaço privilegiado e a luta pela significação (GUARESCHI,
HENNIGEN, 2002).
Assim como no caso dos Estudos Culturais, a Psicologia da Cultura tenta dialogar com
outras disciplinas das Ciências Humanas, tais como a História e a Antropologia,
procurando apreender conceitos e métodos que possam enriquecer sua atuação e
simultaneamente contribuir para o enriquecimento dessas disciplinas através de uma
nova visão das relações psicossocias expressas nas produções culturais. A Psicologia
da Cultura pretende uma relativa autonomia e um reconhecimento como disciplina
independente (AUGRAS, 1995). A Psicologia da Cultura busca essa troca de
experiências e diálogo com outras disciplinas, mas seu ponto primordial está
assentado na idéia de que não se pode perder o foco de qual seria a contribuição
específica da Psicologia para o estudo dos processos culturais: “[...] o enfoque do
psicólogo é diferente. O que me interessa, são as pessoas concretas" (AUGRAS,
1995, p. 20, grifo nosso).
A premissa básica da Psicologia da Cultura é considerar cada um dos sujeitos
humanos como “artefatos culturais”. Tal expressão foi cunhada pelo antropólogo
americano Clifford Geertz (1989) e diz respeito à sua já citada idéia de que os homens
são animais incompletos que se fazem plenos através da cultura específica em que
estão inseridos (AUGRAS, 1995).
A proposta da Psicologia da Cultura estaria assentada numa tentativa de se observar
e descrever:
as modalidades pelas quais se constrói e se expressa a
pessoa dentro de determinada cultura e, a partir dessa
observação, tentar compreender os aspectos fundamentais da
realidade humana, este é o propósito da Psicologia da Cultura
(AUGRAS, 1995, p.19, grifo nosso).
Esse enfoque na pessoa e no modo como a realidade subjetiva de cada sujeito se faz
através de sua relação dialética com a sociedade nos faz perceber a Psicologia da
Cultura conforme proposta por Monique Augras como mais atrativa, e nos levou a
adotá-la como fonte de inspiração para o nosso trabalho. Tal proposta traz em si a
importância de como as pessoas se “constroem e expressam” dentro da cultura, ou
seja, a importância das elaborações dos sujeitos dentro da cultura. E é a compreensão
dessas elaborações enquanto vivências, conforme detalharemos posteriormente, que
nos interessa na análise do nosso objeto de pesquisa.
19
Segundo Augras, dentre os métodos nas pesquisas envolvendo fenômenos culturais,
o que mais lhe parece útil para a perspectiva proposta por ela é o método
fenomenológico. Em momento algum ela nega a possibilidade de outros métodos,
mas aponta dois motivos importantes que levaram-na a preferir a fenomenologia. O
primeiro se deve à afirmação de que:
quer nos preocupemos com universos de significados, quer
pretendamos compreender a visão do mundo de pessoas reais
e concretas, a fenomenologia garante um acesso mais objetivo,
mais respeitoso da realidade alheia. Incorporando a evidência
do envolvimento do observador no campo que observa,
relativiza a abrangência do conhecimento que elabora a partir
da observação. [...] Conjuga realidade e estranheza.
Reconhece que o único modo de aproximar-se da realidade do
outro é construir pelo diálogo, conjuntamente com esse outro, o
testemunho do encontro (AUGRAS, 1995, p.19).
O segundo motivo diz respeito ao modo como outras disciplinas, em especial a
Antropologia e a Sociologia, já se utilizaram desse método de pesquisa.
Na medida em que a psicologia da cultura incorpora conceitos
de antropologia e pode até mesmo permutar procedimentos
metodológicos, a fenomenologia parece oferecer suporte
seguro [...] tanto a antropologia, como a sociologia e a
psicologia podem legitimamente recorrer a métodos de
investigação que – sustentados por um referencial filosófico
comum – não pertencem com exclusividade a nenhuma delas
(AUGRAS, 1995, p.23-24).
Em outras palavras, a fenomenologia possibilita e facilita um duplo diálogo: (1) tanto
do pesquisador com o meio que lhe serve de objeto de pesquisa, uma vez que ele
compreende a impossibilidade de ir completamente isento para campo, necessitando
estar atento aos seus próprios conceitos ao entrar em contato com o seu objeto de
pesquisa, o que o leva também a estar mais atento às peculiaridades do fenômeno
que se mostra a ele, quanto (2) o diálogo da psicologia e de outras disciplinas
interessadas nos estudos da cultura, uma vez que, por não ser uma metodologia
exclusiva de nenhum dos campos citados, possibilita uma rica troca de experiências
entre elas sem abrir mão das especificidades de cada disciplina. Talvez outros
métodos possam também possibilitar tais trocas, mas a fenomenologia já traz em si o
caráter do diálogo, conforme ressalta a autora em seu texto.
1.4- Histórias em Quadrinhos
20
1.41 - Quadrinhos como manifestação cultural do séc. XX
As histórias em quadrinhos são uma produção cultural bastante recente. Embora
muitos autores considerem as manifestações pictográficas ocorridas no decorrer da
história da humanidade, tais como as pinturas rupestres, os túmulos egípcios ou
mesmo tapeçarias da Idade Média como precursores das histórias em quadrinhos, tal
meio de expressão só se configurou como atualmente o conhecemos nos últimos anos
do séc. XIX e início do séc. XX, consolidando-se efetivamente na década de 30
(GUBERN, 1980; 1981). Não apenas em termos de estrutura narrativa, mas também
na sua função como entretenimento popular.
Se as histórias em quadrinhos (infantis, sentimentais,
fantásticas) são sucedâneo do folhetim do século XIX, estão,
contudo, estruturadas segundo a sintaxe ótica dos mass media
do século XX (BOSI, 1981, p. 75).
Dessa forma, as histórias em quadrinhos são um meio de expressão cultural típico do
século XX, e como tal são manifestações dos valores e preceitos que vigoraram no
decorrer desse período histórico, assim como das mudanças que também ocorreram
nessa época.
Este [o estudioso] sabe que com o variar do período histórico,
ou do público, também a fisionomia da obra de arte poderá
mudar, adquirindo o objeto, um novo sentido. Mas é seu dever,
também, assumir uma responsabilidade: a de comensurar ao
período histórico, ao âmbito cultural em que trabalha, o
fenômeno obra de arte, e decidir conferir certo sentido, para
com base nele, elaborar suas definições, as suas verificações,
as suas análises, as suas reconstruções. É isso, enfim, o que
ocorre com os produtos dos meios de massa (ECO, 1977, p.
171, grifo do autor).
Mas, antes de adentrarmos as possibilidades de contribuição dos quadrinhos para o
esclarecimento de nossos questionamentos, explicitaremos algumas especificidades
dessa produção artística.
1.42- A Linguagem dos Quadrinhos
O que vêm a ser as histórias em quadrinhos?
Para alguns, elas são histórias
engraçadas publicadas nas seções de entretenimento e cultura dos jornais. Para
outros, são histórias cheias de figuras e balões que liam quando crianças; outros
afirmam que quadrinhos são as histórias de super-heróis lidas pelos adolescentes.
Realmente todos esses aspectos são aplicados às histórias em quadrinhos, mas não
21
apenas estes; existem, por exemplo, diversos outros gêneros de histórias em
quadrinhos além das histórias de super-heróis. Os quadrinhos também não se
resumem a publicações infanto-juvenis, existem centenas de enredos concebidos
especialmente para a apreciação de adultos.
Pensando em todas essas peculiaridades, é necessária uma definição que abarque
todas as definições acima e, ao mesmo tempo, possibilite-nos compreender
estruturalmente esse tipo de produção.
Scott McCloud (1993) fez um estudo detalhado das peculiaridades das histórias em
quadrinhos enquanto produção, explicitando seus aspectos, revelando a gramática
dessa manifestação. Segundo McCloud (1993, p. 9), os quadrinhos são “juxtaposed
pictorial and other images in deliberate sequence, intended to convey information
and/or to produce an aesthetic response in the viewer4”.
Formado por dois códigos distintos: imagem (usualmente desenhos ou pinturas) e
escrita (descrições e diálogos), os quadrinhos se fazem na conjunção dessas duas
expressões, sendo difícil enfocar individualmente cada um dos códigos (CARDOSO,
2002; CIRNE, 2000; ECO, 1977; GUBERN, 1980, 1981; McCLOUD, 1993;
VERGUEIRO; 1985).
Os sentidos das histórias se apresentam através dessa união entre imagem e texto,
apesar de ocasionalmente o texto escrito poder ser abolido do processo narrativo. O
texto usualmente se refere aos diálogos das personagens, podendo também trazer
informações adicionais à trama. Algumas vezes eles reforçam o sentido da imagem ao
qual estão associados, outras vezes expressam o contrário do que se vê, denotando
uma nova acepção à cena que não é possível sem a junção de texto e imagem. Nos
quadrinhos, os textos, em geral, estão restritos às áreas dos balões, legendas ou
recordatários, ou ainda se mostram sob a forma de onomatopéias.
As imagens nos quadrinhos não se limitam apenas aos desenhos que compõem a
história em quadrinhos, mas também a outros elementos que são típicos dessa
produção e auxiliam no desenvolvimento da história e na compreensão do enredo por
parte dos leitores: os “balões”, legendas, títulos e onomatopéias. Embora cada um
desses elementos esteja aparentemente relacionado apenas com a parte textual das
histórias em quadrinhos, o modo como graficamente se apresentam (por exemplo, o
4
“imagens pictóricas justapostas em uma seqüência deliberada com a intenção de fornecer
informação e/ou produzir uma resposta estética no observador” (tradução nossa).
22
formato e as cores dos balões ou das legendas, o estilo / tamanho / inclinação das
letras do título ou das onomatopéias) se liga ao código de imagens e também denotam
um sentido que reforça, complementa ou nega o significado expresso na parte textual.
[...] nos quadrinhos, tudo sem exceção, é imagem, é
desenhado, desde as figuras que representam seres (pessoas,
animais, coisas) até os próprios signos lingüísticos que ocorrem
dentro dos balões, nas legendas ou nas onomatopéias
representativas dos diversos sons (VERGUEIRO, 1985, p. 98).
Os desenhos propriamente ditos são utilizados para representar as personagens, suas
ações no decorrer da história e a ambientação da mesma. A representação gráfica da
personagem e a ambientação variam de desenhista para desenhista, mas ainda assim
buscam uma similaridade com a realidade, para que haja um reconhecimento daquilo
que é visto (McCLOUD, 1993; VERGUEIRO, 1985). Contudo, a própria caracterização
física da personagem pode trazer em si sentidos e idéias sobre a personalidade da
mesma, como demonstrou Umberto Eco (1977) na análise da historieta Steven
Canyon. Também Gubern (1980; 1981) e Vergueiro (1985) nos lembram da
importância da caracterização das personagens, especialmente nas histórias de
aventura, nas quais o herói é representado de forma simpática, enquanto os vilões se
apresentam de forma repulsiva e desagradável.
Existem também alguns desenhos que são produzidos como “suplementação às
imagens fixas” (VERGUEIRO, 1985, p. 99), como sinais de movimentação,
sentimentos, afetos e de outras situações que não podem efetivamente ser expressas
graficamente. São o que podemos chamar de “metáforas visuais”, uma vez que não
representam a coisa em si, dada a impossibilidade de fazê-lo, mas tentam se
aproximar da realidade através de uma aproximação de sentidos. Por exemplo,
corações para demonstrar sentimentos amorosos, uma lâmpada para indicar uma
idéia, linhas paralelas como sinal de velocidade (GUBERN, 1980; McCLOUD, 1993;
VERGUEIRO, 1985).
Também temos as onomatopéias, usadas nos quadrinhos para suprir a necessidade
de transmitir ao leitor a sonoridade dos acontecimentos da história; embora
constituídas de letras, são usualmente desenhadas no meio de uma cena. Dependo
de seu tamanho, sua inclinação e sua cor, elas podem indicar a altura do som e a
quantidade de barulho do ambiente (GUBERN, 1980; VERGUEIRO, 1985).
23
Os balões (utilizados para conterem os textos que se referem às falas e pensamentos
das personagens) também possuem uma característica gráfica relevante, denotando
os sentimentos das personagens e/ou o tom da conversa. Balões em formatos de
linhas pontilhadas indicando cochichos. Balões com pontas viradas para cima
indicando berro, balões com a parte inferior lembrando uma pedra de gelo indicando a
indiferença da personagem são alguns exemplos (GUBERN, 1980; VERGUEIRO,
1985).
Na imagem dos quadrinhos, tudo vai funcionar como elemento
significante, trazendo novas informações: os pontos de vista ou
enquadramento das personagens [...]; os diversos planos pictóricos
(...); as perspectivas; os diversos tipos de linhas [...]; as massas, tudo
funciona de modo a transmitir informação tanto denotativa quanto
conotativa (VERGUEIRO, 1985, p. 102).
Outro elemento importante é o uso de cortes ou cortes gráficos, conforme definido por
Cirne (2000, p. 23): estes determinam um “corte espaço-temporal a ser preenchido
pelo imaginário do leitor” e levam a uma continuidade de imagens que determinam o
fluir e o sentido da narrativa.
1.43- Os Quadrinhos de super-heróis
Diversos são os gêneros de histórias em quadrinhos publicados desde seus
primórdios. Embora tenham se iniciado basicamente como um gênero cômico (daí,
por exemplo, a razão de nos Estados Unidos os quadrinhos serem conhecidos como
comics), as temáticas das histórias em quadrinhos se expandiram gradativamente,
passando por enredos cujo enfoque principal eram temas familiares (family strips),
histórias protagonizadas por crianças (kids strips), protagonizadas por garotas (girls
strips) e histórias dedicadas à aventura e ação, que englobavam histórias de guerra,
ficção científica, capa e espada e de detetives (GUBERN, 1980; 1981; VERGUEIRO,
2002).
Até 1938, quando se deu a publicação da Action Comics nº 01, em que surge pela
primeira vez a personagem Super-Homem, criada por Jerry Siegel e Joe Shuster, as
histórias de aventuras eram protagonizadas por detetives e aventureiros comuns.
O surgimento desta personagem revolucionou a produção de quadrinhos. Antes
restrito principalmente aos jornais, se torna mais popular através das revistas em
quadrinhos.
Em 1938, com o Superman, de Jerry Siegel e Joe Shuster, os superheróis, representando o gênero mais característico com que a
24
linguagem quadrinhística brindou a sociedade contemporânea,
tomaram praticamente conta dos gibis e eles nunca mais foram os
mesmos. Essas criaturas fantásticas passaram a dominar o meio,
tornando-se quase sinônimo dele. Para o bem ou para o mal
5
(VERGUEIRO, 2002).
Os quadrinhos de super-heróis tornaram-se quase sinônimos da produção de
quadrinhos, e muitas de suas personagens são publicadas de forma contínua até os
dias atuais.
Conforme apontam Kulsar (2001) e Pustz (1999), os super-heróis são detentores de
algumas características únicas que possibilitam identificá-los como tal, tais como
possuírem superpoderes (havendo, é claro, algumas exceções), usarem uma
identidade secreta para poderem proteger aqueles que amam dos criminosos que
combatem e também poderem levar, em paralelo com sua vida de herói, a de cidadão
comum, o uso de uniformes, que contém seus símbolos, levando-os a serem
facilmente identificados pela população que protegem (e também pelos leitores).
Mas, sem dúvida, a característica mais importante em um super-herói é a “vontade de
fazer justiça com as próprias mãos, evitando ao máximo vitimar inocentes ou causar a
morte de qualquer ser humano” (KULSAR, 2001, grifo do autor)6.
Os motivos que levam esses heróis a combaterem o crime são os mais diversos,
desde o trauma pela morte de um parente próximo até pelo sentimento de patriotismo.
Mas a busca pela justiça os une todos como super-heróis.
1. 44 - A Escolha do Batman como objeto de pesquisa
Dentre os diversos heróis existentes no universo das publicações de quadrinhos,
escolhemos o Batman e suas histórias como nosso objeto de pesquisa.
O Batman foi criado em 1939, por Bob Kane, e surgiu pela primeira vez na revista
Detective Comics nº 27. Nesta primeira história, apenas tomamos conhecimento que o
playboy e milionário Bruce Wayne se traveste de morcego para combater o crime na
calada da noite. As motivações da personagem são mostradas em histórias
posteriores (BEAUTY, 2001; BROOKER, 2001; MAROTO, ALBORECA, 1999;
PEARSON; URICCHIO, 1996; RIBAS, 2004).
5
6
http://www.omelete.com.br/quadrinhos/artigos/base_para_artigos.asp?artigo=675
www.eca.usp.br/agaque/agaque/ ano3/numero3/agaquev3n3_edit.htm
25
Antes dele já havia surgido o Super-Homem, em 1938, o herói alienígena, único
sobrevivente vindo do Planeta Kripton. E em 1942, período em que os Estados Unidos
entram na Segunda Guerra, aparece a princesa amazona, Diana, a Mulher-Maravilha.
Por mais de 60 anos, os três vêm sendo publicados de forma ininterrupta, e já foram
adaptados para outras mídias, como rádio, cinema e TV (DIXON, 2001).
Embora vários outros tenham surgido na década de trinta ou mesmo antes, o Batman,
o Super-Homem e a Mulher-Maravilha formam a tríplice representação máxima dos
super-heróis dos quadrinhos. Status que eles mantém até hoje.
Sua luta pela justiça e pela verdade ecoa nas pessoas dos mais diversos países, a
ponto de, como afirmam diversos autores, entre eles Eco (1977), Brooker (2000),
Boichel (1996), Pearson e Uricchio (1991), estes heróis se tornarem, no decorrer de
mais de 60 anos de publicação, personagens mitológicas e parte do imaginário da
cultura ocidental.
Mesmo quem nunca leu alguma história em quadrinhos do Batman conhece o herói e
sabe o que ele representa. De acordo com Ribas (2004), pesquisas apontam que
Batman está entre as personagens de ficção mais conhecidas em todo o mundo. "A
exposição de Batman na mídia, ampla e perene, fez com que ele se tornasse uma
referência cultural bem democrática, até no Brasil" (RIBAS, 2004, p. 13).
Em certos aspectos, o Batman, assim como o Super-Homem e a Mulher-Maravilha,
são os substitutos de heróis como Hércules, Teseu, Jasão ou Perseu (BROOKER,
2000).
Porém, pensando sob o aspecto da característica emblemática do Batman dentro do
universo das histórias em quadrinhos, tanto o Super-Homem quanto a MulherMaravilha poderiam ser utilizados por nós como objeto de análise. Contudo, existe
uma característica específica do Batman que o torna muito mais interessante para o
nosso estudo.
O Super-Homem é um alienígena que possui superpoderes graças ao sol amarelo da
Terra, pois ele afeta a sua fisiologia de forma diferente do sol vermelho de seu planeta
natal. Ele tem superforça, visão de calor, visão de raios-X, supervelocidade. Ele possui
poderes especiais e os usa para fazer o bem.
26
A Mulher-Maravilha é uma princesa amazona, cujos poderes lhe foram dados pelos
deuses para que ela se tornasse diplomata da Ilha Paraíso (lar das Amazonas) no
mundo dos homens. Ela pode flutuar, tem força sobre-humana e resistência maior que
as pessoas comuns. Como o Super-Homem, ela possui superpoderes e os usa para
fazer o bem.
Já o Batman não é como nenhum deles: não tem superpoderes, nem foi escolhido
pelos deuses para fazer o bem. O Batman é um homem comum, sem poderes, sem
capacidades especiais sobre-humanas. Uma pessoa como qualquer um de nós que
decidiu, por escolha própria, se tornar um herói, um combatente do crime.
Existem, é claro, características básicas de quem seja o Batman: Bruce Wayne, um
milionário que perdeu os pais quando criança e resolveu dedicar sua vida ao combate
ao crime, para isso se aprimorando física e intelectualmente, já que não possui
nenhum superpoder (BEAUTY, 2001; Brooker, 2001; maroto, alboreca, 1999;
PEARSON; UriCchio, 1996; RIBAS, 2004).
Mas, mesmo essas características não estão na essência de quem seja o Batman: ele
é um herói que usa uma roupa de/ou tem a forma de um morcego, geralmente está
associado a características sombrias e trágicas, é devotado a aterrorizar criminosos e
proteger inocentes. Mas antes de tudo ele é o homem comum que decidiu combater o
crime.
Como Dick Giordano (1989), ex-escritor e ex-editor das histórias do Batman, afirma na
edição comemorativa dos 50 anos de publicação da personagem:
Eu sabia que
poderia ser o
iguais aos do
como o jovem
(p. 7).
podia ter a pretensão de ser o Batman, mas nunca
Super-Homem. Não havia jeito de conseguir poderes
Super-Homem [...], mas nada me impedia de treinar
Bruce Wayne e, talvez, algum dia ser igual ao Batman
E esse é um dos principais motivos que nos fez escolher Batman como nosso objeto
de pesquisa. O fato de ele ser uma pessoa comum e não alguém possuidor de
poderes especiais - quase um semideus – o torna, de certo modo, muito mais próximo
de seus leitores e seus criadores.
Muitas são as histórias protagonizadas por ele em que as ameaças que o Batman
enfrenta são as mesmas que afetam a maioria de nós: assaltantes, traficantes,
seqüestradores, policiais corruptos...
27
Ele combate o crime nas ruas de uma grande cidade, Gotham City, inspirada
claramente na cidade de Nova York (BEAUTY, 2001; BROOKER, 2000; PEARSON;
URICCHIO, 1991), mas que sem esforço algum poderia ser substituída por qualquer
um dos grandes centros urbanos ocidentais.
Os meios de comunicação se sofisticaram, a esfera urbana se
expandiu ainda mais e a economia tratou de colocar mais
consumidores de fé capitalista abaixo do Equador e no lado
oriental do mapa-múndi. Batman acompanhou a consolidação
desse novo cenário e sua mitologia se forjou além do simples
modo de vida norte-americano e do esforço para vender
brinquedos, roupas e outros produtos sob sua marca.
O motivo disso é que a sedução do mito do Homem-Morcego
está enraizada nas contradições de sua condição humana.
Mortal e falível, ele recebeu dos artistas envolvidos na sua
reprodução industrial o heroísmo e a capacidade de dar
reviravoltas nas tramas que protagoniza, sem perder de vista a
condição humana, condenada à imperfeição (RIBAS, 2004, p.
24).
A falibilidade e imperfeição da condição humana do herói, apontada por Ribas,
associada à sua capacidade de dar reviravoltas, apesar de suas imperfeições, são
características que Batman compartilha com seus escritores e leitores, e levam a um
posicionamento diferenciado das pessoas frente à personagem.
Em outras palavras, mais do que as histórias dos heróis mencionados, Superman e
Mulher-Maravilha, as histórias e a própria personagem do Batman evocam uma
proximidade maior com a nossa realidade, a despeito dos elementos fantasiosos que
ainda mantém.
1.35 - Quadrinhos como Literatura
Existe, já há um bom tempo, um amplo debate sobre o caráter literário dos quadrinhos.
Tratou-se desde a dificuldade de se definir o gênero até sobre o valor do conteúdo
apresentado por essas produções (CARDOSO, 2002; ECO, 1977).
Em termos de discussão sobre o valor ou a qualidade das histórias em quadrinhos, os
estudiosos não se restringem à banda desenhada (outra denominação para esse tipo
de produção), mas também partem para outras publicações cujo caráter destoa da
chamada literatura de elite, em que o requinte e o experimentalismo são enfatizados
(CARDOSO, 2002; SODRÉ, 1978).
Os níveis da periferia são relativos à literatura secundária ou
menor (uma literatura menor ainda integrada no termo) e a
28
paraliteratura (literatura periférica, marginal, em posição inferior
numa comunidade), a infraliteratura e a subliteratura (textos
desprestigiados sem valor reconhecido), a literatura de
consumo (textos de entretenimento trivial, ligeiros, desprovidos
de grandes juízos estéticos), a literatura de massa (dirigida a
um grande público unido por características sócio-culturais
semelhantes e sem grande formação específica), a literatura
popular (que pode ser entendida no sentido romântico da
mitificação do povo ou num sentido mais restrito de um público
sem formação significativa, que procurava um texto lúdico, ou
de informação sem preocupações de rigor ou avaliação
estético-literária), a literatura marginal (que se afasta
nitidamente do núcleo central e sagrado das grandes obras) e a
literatura "kitsch" (hábeis textos de temática variada mas leve,
frívola e vazia) (CARDOSO, 2002).
Cardoso (2002) aponta que, mesmo dentro dessa classificação periférica, ainda é
difícil definir a posição da banda desenhada, ora chamada de paraliteratura, ora de
literatura de entretenimento, ora definida como literatura de massa.
Em síntese, todas essas definições nos levam a crer que as histórias em quadrinhos
seriam uma literatura de segundo escalão, menor, por ser voltada essencialmente
para o entretenimento, atingindo grandes audiências em tempo relativamente curto e,
portanto, destituída de valor.
Cirne (2000) questiona essa classificação:
[...] sobretudo a partir dos anos 60, os quadrinhos se multiplicaram
em obras criativas, instigantes, questionadoras. [...] os quadrinhos,
mesmo pelos intelectuais mais sérios, passaram a ser vistos,
equivocadamente, como uma simples ‘para-literatura’ [...] Mais uma
vez, neste caso específico (e uma suposta ‘para-literatura’), o
preconceito falava mais alto (p. 16-17).
Opinião compartilhada tanto por Cardoso (2002) quanto pela presente autora.
Infelizmente tal tipo de discussão encontra-se sem uma solução definitiva. Isso nos
leva a questionar se apenas obras de caráter reconhecidamente acadêmico e de elite
devem ser consideradas como literatura.
Tal questionamento é compartilhado pelo autor polonês Roman Ingarden (1979), que
apregoa a necessidade de se ampliar o conceito de literatura não apenas para obras
reconhecidamente clássicas, como, por exemplo, o Fausto de Goethe, mas também
para um poema escrito por um adolescente apaixonado.
Não queremos, porém, considerar obras literárias apenas obras que
têm elevado valor literário ou cultural. Seria absolutamente errado.
De momento nem sabemos o que distingue as obras de valor
29
daquelas que não o tem, nem o significado próprio de valor de
determinada obra, e em particular, literário. [...] é precisamente
nossa intenção pôr em relevo uma estrutura fundamental comum a
todas as obras literárias, independentemente do valor que possam
ter (p.23).
Portanto, quando afirmamos tomar os quadrinhos por literatura, estamos adotando a
proposta teórica de Ingarden (1979), deixando de lado discussões que envolvem os
aspectos valorativos e estilísticos do gênero, que em nada acrescentariam à discussão
que nos importa aqui. O que nos interessa são os aspectos estruturais e vivências das
histórias em quadrinhos.
Em seu livro, A Obra de Arte Literária (1979), o autor polonês compreende o texto
verbal artístico como uma representação plástica da realidade.
A obra literária, segundo Ingarden, pode não ter a pretensão de explicar o
funcionamento da vida real tal como se propõem as afirmações encontradas nas obras
científicas, “cujas frases são juízos com pretensão de verdade” e a “relação objetiva
intencional é transportada para a esfera real do ser e nela posta como existente”
(BORDINI, 1990, p. 100), mas estabelece com esta mesma realidade uma relação de
semelhança e espelhamento.
Tal posicionamento frente à relação obra de arte e obra científica é compartilhado
também por Umberto Eco (1986, p. 54), em seu livro A Obra Aberta:
O conhecimento do mundo tem na ciência seu canal autorizado
[...] A arte, mais do que conhecer o mundo produz
complementos do mundo, formas autônomas que se
acrescentam às existentes, exibindo leis próprias e vida
pessoal. Entretanto, toda forma artística pode perfeitamente ser
encarada, se não como substituto do conhecimento, como
metáfora epistemológica: isso significa que, em cada século, o
modo pelo qual as formas de arte se estruturam refletem – à
guisa de similitude, de metaforização, resolução, justamente,
do conceito em figura – o modo pelo qual a ciência ou, seja
como for, a cultura da época vêem a realidade.
Assim, ambos os autores apontam a possibilidade de se tomar a obra de arte literária
como um portal para se acessar os sentidos da realidade.
Para definir o que é uma obra literária, Ingarden parte do princípio daquilo que não se
encontra na obra (1) “o próprio autor com todos os seus destinos, vivências e estados
psíquicos”; (2) “o leitor” (p. 39), (3) “nem a esfera dos objetos e das situações que
porventura constituem o modelo das situações que ‘aparecem’ na obra” (p. 42). Em
outras palavras, uma obra sobre Roma não é a própria cidade.
30
A obra literária seria um objeto intencional criado pelo escritor com o intuito de se
tornar um objeto de apreciação estética para o leitor, que, por sua vez, possui também
um importante papel nesse processo, o qual trataremos detalhadamente um pouco
adiante (BORDINI, 1990; INGARDEN, 1979; 1985; RUDNICK, 1976).
O que Ingarden (1979; 1985) propõe é a concepção da obra literária como um ente
autônomo. Ele é contra o uso de um psicologismo para a interpretação da obra.
Entenda-se que, para o autor, psicologismo e Psicologia não são termos coincidentes.
Psicologia é a ciência que investiga o fenômeno mental e os
seus objetos, e tem seu próprio campo de investigação, com
seus métodos próprios mais ou menos definidos; isso significa
que ela é uma ciência que tem a autoridade não apenas em
seu próprio campo, mas também se configura como um dos
mais importantes e fundamentais ramos da ciência sobre a
realidade. [...] Entretanto, quando a pesquisa psicológica
começa a ir além do seu próprio campo [...] a competência da
psicologia termina. [...] Neste ponto [...] começamos a lidar com
o “psicologismo” [...], um certo ponto de vista cuja essência
reside no fato de que se acrescentam características
psicológicas a certos objetos (INGARDEN, 1985, p 82, grifos do
autor, tradução nossa).
Certos estudiosos adeptos desse psicologismo observam a obra literária com o intuito
de encontrar a “personalidade” do autor naquela obra, ou seja, buscam a estrutura
mental do autor presente em sua criação. Não há como negar, é claro, que existem
nas obras literárias certas marcas características vindas daquele que a escreveu. Mas
reduzir a obra apenas a esses aspectos é empobrecê-la e, por conseguinte, também
simplificar demasiadamente seu próprio criador. Ainda nessa vertente “psicologista”,
existem também aqueles que procuram reduzir a obra literária às vivências individuais
dos leitores, considerando não apenas o modo como esses leitores se encontram
emocional e afetivamente no momento da leitura, mas também seus valores pessoais,
morais, religiosos, etc. Como se a obra se constituísse única e exclusivamente nessa
sua relação com leitores (INGARDEN, 1979; 1985).
Contudo, para ele, a obra literária não se reduz nem ao conjunto de multiplicidades de
vivências psíquicas do autor nem à multiplicidade de vivências experimentadas pelos
leitores no decorrer do processo de leitura.
As vivências dos autores deixam de existir no momento em que a
obra criada por ele começa a existir, pois não há processo algum de
tornar essas vivências, por essências transitórias, de qualquer modo
tão duradouras que elas próprias pudessem perdurar depois de
serem vividas (INGARDEN, 1979, p.30).
31
No caso dos leitores, caso as obras estivessem vinculadas exclusivamente às
vivências deles, seria, a cada nova leitura, uma nova obra completamente diferente
daquela primeira lida pelo sujeito, recriando-se continuamente. Teríamos, por
exemplo, uma infinidade quase incontável de Hamlets - provavelmente incompatíveis
entre si.
Ao mesmo tempo, Ingarden afirma que não é possível retirar da obra nem as vivências
dos autores nem as vivências dos leitores (BORDINI, 1990; INGARDEN, 1979;
RUDNICK, 1976). O texto literário origina-se nos atos de consciência de seu autor,
tornando-se depósito dos mesmos. Posteriormente, o leitor reativa e reinterpreta esses
atos, tomando-os em sua consciência. Destarte, a obra de arte literária não fica
reduzida nem à “psicologia” do autor nem à do leitor. Ela constitui-se nesse espaço de
encontro entre autor-leitor, transcendendo a ambos.
Não apenas isso: a obra literária é idêntica em si mesma (1979, p. 32), ela é o que ele
chama de objeto de imaginação. Ela realmente veicula uma vivência, que não é nem
apenas a vivência do autor, nem apenas a vivência do leitor, e sim o reflexo da
vivência de uma época.
Partindo dessas afirmações, ele concebe a idéia de que um texto nos permite quatro
níveis de análise.
O primeiro diz respeito à dimensão física que está no nível das palavras, ou melhor,
dos sons ou letras no papel. No caso específico das histórias em quadrinhos
poderíamos também incluir as imagens, considerando-se os traços e as cores. Esta é
a parte verdadeiramente física (concreta) da obra.
O segundo nível é aquele da dimensão referencial, das unidades de significação. É a
dimensão do texto que se refere a objetos, eventos e relações estabelecidas entre
esses eventos. Ou seja, é a dimensão dos sentidos.
A próxima dimensão é a associativa ou de aspectos esquemáticos, que se refere à
correlação e à ordenação de uma seqüência de palavras, ou, no caso de quadrinhos,
de imagens e palavras. Esse nível de associação deve ter certo sentido e coerência
dentro da comunidade para a qual é dirigida ou na qual ela foi criada.
A última dimensão é a temática ou intencional e se refere ao contexto no qual a obra
foi criada ou no qual ela foi exibida. Exemplo disso são as histórias do Batman - não
32
apenas histórias em quadrinhos de super-heróis, mas referências concretas aos
próprios conceitos e ideais do mundo ocidental contemporâneo na qual foi concebida.
Essas quatro dimensões estão interligadas. A junção delas é que leva ao sentido da
obra. O contato do leitor com esse sentido suscita nele uma provocação. Ele não fica
impassível diante desse contato. É a partir dessa provocação que Ingarden toma a
obra literária enquanto vida. Para ele vida se define como:
a totalidade dos acontecimentos de um ser vivo do
princípio até a sua morte e, em segundo lugar, o
processo do devir destes mesmos acontecimentos. [...]
A vida, neste sentido, é um modo especial do ser de
indivíduos de determinada natureza (INGARDEN,
1979. p. 327).
Vida seria, então, esse processo de devir dos acontecimentos: a capacidade de
nascer, transformar e morrer. E, da perspectiva de Ingarden, a obra literária tem um
ciclo de existência semelhante ao de um ser vivo. A obra literária é concebida pelo
escritor, mas só se torna viva através de um processo chamado concretização. Essa
concretização é o contato da obra com o leitor, e é através desse encontro que ela se
transforma, evolui e se torna viva.
Mas a concretização só é possível devido ao fato de que existe algo na obra literária
que possui um significado para aqueles leitores. Se o leitor tomar aquela obra como
algo completamente descolado de sua realidade, ele não apreende a obra, pois surge
um distanciamento entre eles, e a obra não se torna viva. Por isso, uma produção
literária enquanto viva reflete algo próprio do sujeito. Mesmo em obras de cunho
meramente fantasioso, como as histórias de super-heróis, podemos encontrar
qualquer resquício de realidade, pois, de outro modo, elas não ressoariam nos sujeitos
que as lêem e não teriam sobrevivido a décadas de publicação ininterrupta.
A partir do momento em que a obra perde o sentido, se torna estranha aos leitores, ela
morre, terminando seu processo de vida. Existe, é claro, a possibilidade de a obra ser
retomada, anos depois, pois uma nova leva de leitores pode redescobrir o significado
da obra ou outros significados que não eram conhecidos pelos primeiros leitores.
Sendo assim, o contexto histórico não influi apenas na construção da obra pelo próprio
autor, mas também pelo significado e importância dela pelos seus leitores em seus
processos de concretização, e, conseqüentemente, do estabelecimento da obra como
um processo de vida.
33
Como também nos lembra Alfonso Quintás (1997), uma obra literária é independente
de seu autor, ela é fruto de “un encuentro [...] entre el autor y un aspecto de la
realidad, [...] puede abrirse a los lectores, ofrecerles possibilidades para compreender
algún aspecto importante de la vida”7 (p. 11).
O que Ingarden vem fazer é ressaltar um dado importante no processo de
compreensão da obra: o papel do leitor. Assim, ele, de certo modo, antecipa teorias
posteriores que defendem o papel ativo do leitor na produção da obra.
Eco (1986) também ressalta a questão do leitor implícito e participativo na construção
da obra. Segundo o autor italiano, toda obra permite variadas interpretações ou
fruições, sendo, assim, uma obra aberta. Ingarden já aventava essa possibilidade ao
enumerar as várias probabilidades de concretização que o leitor poderia realizar ao
entrar em contato com a obra. Desde tomá-la destituída de qualquer envolvimento
pessoal – o que Eco, por sua vez, denomina como posicionamento de um leitormodelo ou ideal – até uma tentativa de sobrepor uma interpretação sua sobre a
intenção original do autor.
Essas fruições, segundo o italiano, dependeriam da correlação entre a função
referencial ou denotativa (o aspecto “univocamente definido e – se for preciso –
verificável” – p. 74) e a função emotiva (o modo como a mensagem suscita reações no
leitor que vão para além do “simples reconhecimento da coisa indicada” – p. 74).
A função referencial seria a mesma para todos os leitores, mas o modo como alguém
toma uma determinada sentença estaria na alçada da função emotiva e se relacionaria
com as experiências pregressas do receptor em questão. Eco (1986) cita como
amostra a frase: Aquele homem veio de Milão (p. 75). Tal frase, aparentemente
simples, provocaria denotações diferenciadas em, por exemplo, uma pessoa nascida
em Milão e outra que nunca visitou a cidade.
Conforme já apontamos aqui, Ingarden também considera esses aspectos no
processo de concretização da obra, ressaltando o fato de que é essa apreensão do
leitor, que identifica na obra algo próprio dele, mesmo com diferentes graus de
envolvimento, que possibilita a obra se tornar e permanecer viva.
7
“fruto de um encontro [...] entre o autor e um aspecto da realidade, [...] podendo abrir-se aos
leitores e oferecer-lhes possibilidades para compreender algum aspecto importante da vida”
(tradução nossa).
34
Entretanto, no dizer de Eco, esse caráter indeterminado e formalmente multifacetado
da obra não faz com que ela deixe de ser única e individual. Isso porque essa
variedade de possibilidades combinatórias já tem sua previsibilidade dentro da
estrutura da própria obra que se apresenta como aberta.
Assim, conforme também já mencionamos sob a ótica da teoria Ingardiana, a obra
possui uma vivência que vai além do autor e além do leitor; ela só se faz plena de
sentido através dessa inter-relação entre a visão do autor, a obra propriamente dita e o
leitor que a recebe.
Seria esta entidade particular [o leitor] a participar no processo de
caracterização e identificação literária de um texto, o que exige um
leitor com capacidades específicas e que produz juízos uniformes, algo
difícil face à multiplicidade de leitores e leituras, mas que não afasta
uma essência do texto que permanecerá inalterável (CARDOSO,
8
2002).
Em relação às histórias em quadrinhos, o papel do leitor na construção dos sentidos
da narrativa é ainda mais importante. Lembrando novamente que as histórias em
quadrinhos se constroem através da justaposição de imagens fixas, divididas por um
pequeno espaço entre os quadros, é pela associação entre esses quadros,
intencionadas pelo autor, mas efetivamente conectadas pelo leitor, que a história se
faz e o sentido emerge.
“Closure [between pictures] in comics fosters an intimacy surpassed
only by the written word, a silent, secret contract between creator
9
and audience” (McCLOUD, 1993, p. 69, grifo do autor).
1.36 - Quadrinhos, Leitores e História
Segundo Pustz (1999), existem vários modos de compreender o fenômeno das
histórias em quadrinhos. Podemos enfocar a cultura dos comics através dos diversos
gêneros que surgiram no decorrer de seus mais de cem anos de existência, ou
jogando luz sobre seus escritores e desenhistas, ou focalizando as personagens mais
emblemáticas do meio, ou, como ele se propôs, através dos leitores de quadrinhos.
Complementando
essa
afirmação,
pode-se
também
pensar
os
quadrinhos
considerando-se os períodos históricos em que as histórias foram concebidas.
Lembrando Dutra (2001):
8
9
www.eca.usp.br/agaque/agaque/ ano3/numero3/agaquev3n3_edit.htm
“A proximidade (dos quadros) nos quadrinhos leva a uma intimidade que ultrapassa a
linguagem escrita, a um silencioso e secreto contrato entre criador e audiência” (tradução
nossa).
35
As Histórias em Quadrinhos, como todas as formas de arte,
fazem parte do contexto histórico e social que as cercam. Elas
não surgem isoladas e isentas de influências. Na verdade, as
ideologias e o momento político moldam, de maneira decisiva,
10
até mesmo o mais descompromissado dos gibis.
Tendo essa questão em vista, pretendemos, neste tópico, explanar essa relação entre
os quadrinhos, seus leitores e as mudanças históricas.
Como já mencionado em tópico anterior, o formato moderno das histórias em
quadrinhos, compreendidas como entretenimento popular e literatura de massa
produzida em série, se deu efetivamente no começo do séc. XX, dentro da indústria
jornalística norte-americana. Os jornais New York World e Morning Journal, em meio a
uma acirrada disputa de vendagem, usavam as pequenas tiras publicadas nos
cadernos de entretenimento ou nos suplementos dominicais como um forte chamariz
para seus leitores (GUBERN, 1980, 1981; VERGUEIRO, 1985).
Compostas de tiras curtas e com a temática, a princípio, predominantemente cômica,
esses quadrinhos, mais conhecidos como comic strips, foram o primeiro formato usado
nos quadrinhos.
O período iniciado a partir de 1929 é considerado pelos especialistas como o apogeu
da indústria dos quadrinhos em seu formato jornalístico, tanto em questão de
variabilidade de temas quanto em termos de qualidades. O predomínio das tiras
cômicas foi ultrapassado pela crescente publicação de novos gêneros, passando por
enredos cujo enfoque principal eram temas familiares (family strips), histórias
protagonizadas por crianças (kids strips), protagonizadas por garotas (girls strips),
protagonizadas por animais (animal strips) e histórias dedicadas à aventura e ação,
que englobavam histórias de guerra, ficção científica, capa e espada e de detetives
(adventure strips) (GUBERN, 1980, 1981; VERGUEIRO, 2004), acarretando uma
considerável ampliação da esfera de leitores. Devemos lembrar que esse período
coincide com o início da Grande Depressão Econômica, após a quebra da bolsa de
valores de Nova York. E, assim como o cinema do período, as tiras publicadas nos
jornais mostravam-se como um entretenimento barato e acessível. As aventuras
fantásticas vividas pelos personagens dessas publicações, em terras exóticas e/ou
tempos antigos, eram sedutoras para os leitores. Um contraste para a amarga
realidade que os circundava (GUBERN, 1980).
10
http://www.omelete.com.br/quadrinhos/artigos/base_para_artigos.asp?artigo=507
36
O apogeu das histórias de aventuras nos quadrinhos caminhou para o surgimento de
um novo gênero: os quadrinhos de super-heróis. O gênero é oficialmente inaugurado
em 1938 com a publicação do Superman, por Jerry Siegel e Joe Shuster. O
personagem, um alienígena que possui superpoderes graças ao sol amarelo da Terra,
que afeta a sua fisiologia de forma diferente do sol vermelho de seu planeta natal.
Diferente da maioria das personagens dos quadrinhos da época, ele fez sua estréia
em uma revista e não nas costumeiras páginas de um jornal. Em suma, o Superman
praticamente inaugurou tanto o gênero de super-heróis quanto um novo modo de se
publicar quadrinhos: através de revistas com histórias especificamente escritas para
esse fim (GUBERN, 1980, 1981; VERGUEIRO, 1985).
Ao surgimento do Superman, centenas de heróis com poderes fantásticos e sobrehumanos se seguiram. O sucesso desse tipo de gênero foi tamanho durante as
décadas de 30 e 40 que, até hoje, histórias de super-heróis é praticamente um
sinônimo para o termo quadrinhos.
Aproveitando o sucesso do Superman, a Detetive Comics, na época ainda adotando a
alcunha de National Periodics, lança uma série de super-heróis, sendo Batman o mais
bem-sucedido até aquele momento. Criado em 1939 por Bob Kane e Bill Finger,
Batman é o milionário Bruce Wayne, que, após assistir ao assassinato dos pais por um
assaltante, jura combater crime, se tornando, depois de adulto, protetor de sua cidade
natal, posteriormente batizada de Gotham City. Para realizar tal intuito, adotou um
uniforme e uma máscara que se assemelhasse a um morcego gigante para, assim,
aterrorizar os criminosos da cidade (BEAUTY, 2001; BROOKER, 2001; MAROTO,
ALBORECA, 1999; PEARSON; URICCHIO, 1996; RIBAS, 2004). As histórias iniciais
do Batman eram sombrias e relativamente assustadoras quando comparadas, por
exemplo, com as protagonizadas pelo Superman:
O herói [Batman] surgiu no final do período da longa depressão
econômica, fértil para a literatura barata de romances policiais
e para o crime na vida real. Os chefões mafiosos, a corrupção
política e as ideologias totalitárias da Europa serviam de
contexto para a criação dos justiceiros das revistas e do cinema
daquela época (RIBAS, 2004, p. 25).
Embora a personagem se mostrasse um sucesso, visando amenizar o clima das
histórias foi criado, em 1940, Robin, o Menino Prodígio (BEAUTY, 2001; BROOKER,
2001; MAROTO, ALBORECA, 1999; PEARSON; URICCHIO, 1996; RIBAS, 2004).
37
A criação de Robin visava atrair uma nova leva de leitores, uma vez que, durante esse
período, grande parte da audiência dos quadrinhos era composta principalmente por
crianças, a quem Robin poderia se tornar ponto de identificação (PUSTZ, 1999).
Com o início da Segunda Guerra Mundial em 1939 e a conseqüente entrada dos
Estados Unidos no conflito em 1942, após o ataque japonês a Pearl Harbour no ano
anterior, a transposição do conflito para as páginas das revistas em quadrinhos foi
quase imediata. Praticamente todos os super-heróis publicados no período
participaram do conflito, seja nas revistas, seja nas tirinhas de jornais (GUBERN,
1980).
Os quadrinhos se tornaram um modo desse contingente infantil de leitores se sentirem
envolvidos nos esforços da Guerra. Eles poderiam se imaginar tal qual os heróis de
suas revistas favoritas, lutando contra nazistas e japoneses assim como seus vizinhos,
irmãos mais velhos, tios e pais, empenhados diretamente no conflito (PUSTZ, 1999).
Essas publicações identificavam quem eram os inimigos e o que eles faziam:
Esta relação de personagens militarizados (...) inaugurou uma
tradição bélica nos comics que se estenderia à duração das
guerras da Coréia e do Vietnã. Nestas tiras, evidentemente,
mais que a uma exposição política articulada e profunda,
assistiu-se a uma troca de malvados de outrora - malfeitores de
toda espécie - por soldados alemães ou japoneses, o que,
devido ao esquematismo inerente a narrativas épicas, coloriu
as histórias com um sensível acento racista. Outro tanto
poderia dizer-se da apresentação de personagens soviéticos
durante os anos da Guerra Fria (GUBERN, 1980, p.32).
Entretanto, segundo Brooker (2001), embora as capas das revistas do Batman no
período mostrassem o herói e Robin lutando contra nazistas ou estimulando o
alistamento ou ainda incentivando os soldados norte-americanos, seu conteúdo
interno pouco tinha a ver com a temática da guerra, e Batman e Robin continuavam a
combater o crime que assolava a cidade de Gotham, sejam aqueles cometidos por
gangsters, sejam aqueles cometidos por bandidos fantasiados. Uma hipótese
provável, mas não completamente corroborada, é que, dado o caráter urbano e
detetivesco da personagem, apesar do conflito externo, seus roteiristas optaram por
manter a personagem na América, combatendo os problemas domésticos ainda
existentes nas grandes cidades norte-americanas desde os tempos da lei seca na
década de 30, como o gangsterismo (BROOKER, 2001).
38
A Segunda Guerra não trouxe apenas o acréscimo de uma forte temática militar para
os quadrinhos, mas acabou, também, por resultar em uma mudança no perfil de seus
leitores. Segundo Pustz (1999), nas bases militares, durante o período do conflito, os
comics eram as publicações mais lidas, superando outras de renome, como as
revistas Life e Reader's Digest. Quando esses soltados retornaram da Europa, houve
uma tentativa por parte das editoras de tentar manter essa audiência madura. Com
esse intuito, em alguns títulos, começou-se a introduzir insinuações sexuais mais
fortes em suas tramas, e alguns heróis ganharam novas e curvilíneas parceiras
femininas em substituição a seus usuais parceiros mirins.
O início da Guerra Fria trouxe um clima de paranóia e perseguição com
conseqüências importantes para as histórias em quadrinhos. Como reflexo do
marcartismo político, resultado de uma campanha moralizante e anticomunista
deflagrada pelo Senador McCarthy, as histórias em quadrinhos passaram a ser
perseguidas por influentes parcelas conservadoras da sociedade, por associações de
psicoterapeutas e psiquiatras que viam os comics como elemento desagregador da
infância e da juventude e por anticomunistas que as viam como propagadoras de
ideais antiamericanos. Acuadas, as editoras decidiram estabelecer um sistema
autocontrolador chamado Comics Code Authority, impondo uma série de restrições à
própria criatividade (GUBERN, 1980; PUSTZ, 1999; VERGUEIRO, 1985).
A representação física das personagens passa a ser destituída de qualquer
característica sensual, e são excluídas das histórias quaisquer situações que levem à
mínima conotação de sexo ou violência. Desse modo, a audiência adulta acaba sendo
afastada pelo Comics Code Authority, uma vez que essa censura acabou por relegar
todas as histórias em quadrinhos ao status de literatura infantil (PUSTZ, 1999).
O maior propagador das idéias antiquadrinhos foi o psiquiatra Frederic Wertham, que
iniciou, ainda no fim dos anos 40, uma campanha contra esse tipo de publicação,
culminando com a publicação de seu livro The Seduction of Innocent, em 1954
(GUBERN, 1980; MAROTO, ALBORECA, 1999; PARSONS, 1996; PUSTZ, 1999;
VERGUEIRO, 1985).
Uma das personagens mais prejudicadas pelo livro de Wertham foi o Batman, pois o
psiquiatra enxergava a relação estabelecida entre o herói e o seu pupilo, Robin, como
uma relação homoerótica, e, portanto, do ponto de vista de Wertham, um exemplo
capaz de corromper a juventude adepta da leitura daquele material. Para amenizar as
acusações do psiquiatra, surgiu em 1956, na revista Detective Comics nº 253, a
39
Batwoman, que ocasionalmente era utilizada como objeto de interesse romântico de
Batman. Pouco depois, surgiu também a primeira personagem a usar o codinome BatGirl, Betty Kane, sobrinha de Kathy Kane, e usada, por sua vez, como interesse
romântico de Robin. A partir de meados dos anos 70 e em seu decorrer, ambas as
personagens praticamente desaparecem das revistas, e estão agora praticamente
relegadas ao limbo, sendo pouco conhecidas dos fãs mais recentes (BROOKER,
2001; MAROTO, ALBORECA, 1999; PARSONS, 1996; RIBAS, 2004).
Nas décadas de 60 e 70, quando as lutas pelos direitos civis, o feminismo, a revolução
sexual e os movimentos estudantis estouraram em todo o mundo, isso também se
refletiu nos quadrinhos.
Durante esse período, a editora Marvel Comics (que acabou por se consolidar como a
maior concorrente da DC Comics - a responsável pela publicação do Batman) surgiu
com uma proposta de trazer para as páginas de suas revistas heróis cheios de
dúvidas e angústias que, apesar de seus problemas pessoais, mantinham-se
empenhados em lutar para sanar as mazelas do mundo (PUSTZ, 1999; RIBAS, 2004).
A filosofia da Marvel era buscar uma humanização das personagens, um realismo, ou,
pelo menos, segundo Pustz (1999, p. 51), o que "his writers and artists saw as
realism".11
Como reflexo dessa busca por realismo, muitos heróis dessa editora
tiveram a origem de seus poderes vinculada a acidentes radioativos, uma vez que os
anos 60 foram o auge da corrida de armamento nuclear durante a Guerra Fria. A
Marvel proclamava trazer para as suas páginas um reflexo do mundo em que os
criadores e leitores de fato viviam (PUSTZ, 1999).
Mas essa não foi a única inovação que a Marvel apresentou para o meio. As seções
de cartas de suas revistas passaram a ser designadas como um espaço mais amplo
de discussão e troca de opiniões entre os leitores e criadores das revistas. A
preocupação com a opinião dos leitores, obviamente, sempre existiu. O que de novo a
Marvel Comics trouxe para essa relação entre a equipe criativa e os leitores foi fazer
com que os últimos se sentissem efetivamente parte do processo criativo, e que sua
opinião era considerada fator importante para o encaminhamento das histórias
(PARSONS, 1996; PUSTZ, 1999).
A despeito dessa editora fomentar ou não um sentimento de superioridade em seus
leitores, designando-os como uma audiência mais madura em relação aos
11
"seus escritores e artistas viam como realismo" (tradução nossa).
40
supostamente débeis leitores da concorrência, conforme critica duramente Pustz
(1999), é inegável o fato de que este posicionamento da Marvel Comics criou um
estreitamento na relação entre criadores e leitores. Os leitores não hesitam mais em
dividir suas frustrações com os criadores. E, com a evolução dos meios de
comunicação, especialmente após o advento da internet, essa aproximação entre
criadores e leitores evoluiu, não se restringindo apenas às seções de cartas, mas
abrangendo publicações eletrônicas, fóruns, chats, algumas vezes sendo uma relação
em tempo real, graças a essas facilidades.
As mudanças propagadas na Marvel refletiram também na DC Comics. O ápice das
mudanças das histórias do Batman, que começavam a se tornar novamente mais
sombrias e realísticas, deu-se com a saída de Robin (Dick Grayson):
Nos anos 70, com o afrouxamento da censura e a descoberta
de que alguém que se veste de morcego por causa de um
trauma psicológico não pode ter uma mente tranqüila, Batman
é antes de tudo um ser humano urbano e problemático. Ele
sangra, tem pesadelos e se mete em relacionamentos afetivos
conturbados (RIBAS,2004, p. 27).
Com a entrada da dupla de artistas Neal Adams e Dennis
O´Neil, responsáveis, respectivamente, pelos desenhos e
roteiros das revistas do Batman, essa humanização da
personagem se intensifica ainda mais. Os textos de O´Neil
enfatizavam principalmente os aspectos humanos e
psicológicos da personagem, assim como suas habilidades
detetivescas. O´Neil e Adams foram os responsáveis por
sedimentar o caminho que levou à elaboração, na década de
80, daquela que é considerada por muitos críticos como a
mais emblemática história de Batman: Cavaleiro das
Trevas ou Dark Knigth returns (BROOKER, 2001;
MAROTO, ALBORECA, 1999; RIBAS, 2004).
A minissérie Dark Knigth returns, escrita por Frank Miller, é tomada como uma
verdadeira revolução do gênero, sendo destaque na mídia norte-americana nãoespecializada em quadrinhos. Dark Knigth returns é uma obra significativa não apenas
pela qualidade e teor de seu texto, mas também por estar relacionada a um dos mais
importantes personagens da editora DC Comics. O tipo de narrativa de teor mais
adulto e aprofundado já vinha sendo feito experimentalmente em revistas de segunda
linha tanto da DC Comics quanto da Marvel, mas era a primeira vez que um
personagem icônico do porte de Batman protagonizava uma publicação considerada
adulta (BROOKER, 2001; MAROTO, ALBORECA, 1999; RIBAS, 2004).
Retratando um futuro alternativo, mostrava a personagem, semi-aposentada,
retomando sua missão de combatente do crime, trazendo antigos personagens e
41
apresentando outros novos, como a carismática Robin / Carrie Kelley, Dark Knigth
returns se mostrou como uma intrigante e por vezes brutal reinterpretação do Batman
e de suas motivações. Tal caracterização mostrou-se tão marcante que influenciou
todas as outras composições da personagem na década seguinte, seja nos
quadrinhos, no cinema ou na TV (BROOKER, 2001; MAROTO, ALBORECA, 1999;
PEARSON; URICCHIO, 1996; RIBAS, 2004).
A história, através de uma temática adulta e forte, criticava em suas páginas a
sociedade de consumo, os meios de comunicação em massa e a política mundial, no
caso, a Guerra Fria. A narrativa era pontuada por comentários de telejornais, o
presidente norte-americano era caracterizado como Ronald Reagan, presidente na
época do lançamento, e até mesmo uma guerra nuclear servia como pano de fundo
para a construção da minissérie.
Com a censura ostensiva deixada para trás e o pessimismo da era
Reagan reinando sobre o Batman (...) Os anos 80 deram novo impulso
às revistas de super-heróis, trazendo-os de vez para a temática adulta
e colocando dúvidas existenciais na condição de símbolos poderosos
da Justiça desses personagens uniformizados (RIBAS, 2004, p. 28).
Dessa forma, Dark Knigth returns, juntamente com a maxissérie Watchmen, escrita
pelo inglês Alan Moore, com discussão similar à da obra de Miller, revolucionaram a
própria visão dos quadrinhos como entretenimento capaz de proporcionar reflexão
(RIBAS, 2004).
A partir dos anos 90 e do início do século XX, os quadrinhos comerciais passaram a
utilizar um estilo de narrativa mais próximo daquele que era anteriormente
exclusividade das HQs adultas da década de 80, nem sempre com o mesmo padrão
de aprofundamento e qualidade. As histórias se mostraram cada vez mais críticas e
irônicas. Alguns temas considerados tabus, como a sexualidade, caíram quase que
por completo. E as mudanças políticas no cenário mundial continuaram a se refletir em
suas páginas. Batman chegou até mesmo a enfrentar terroristas libaneses na saga A
Death in Family (1989), em um momento em que as relações conflituosas entre os
Estados Unidos começavam a encaminhar para a situação de trágico alarde mundial
atual.
No que diz respeito ao foco principal de nossa pesquisa, o Batman, Dixon (2001 p. 6)
explicita como a passagem do tempo se refletiu nas mudanças de representação da
personagem:
42
In fact, each decade seems to bring us a new Batman; never changing
but adapted for the times. He was borning of the Great Depression and
his early tales are dark and brooding. In the 1940s he became more
upbeat, more patriotic with emphasis on detective work with his
sidekick, Robin, the boy Wonder. The 1950s saw him traveling to outer
space or dealing with strange scientific anomalies created by Atomic
Age. In the tragically hip 1960s his adventures bordered on parody. The
1970s saw a return to his dark side with more hardboiled approach to
crime. In the 1980s we saw his darkest transformation into a haunted
loner obsessed with the vow to his long dead parents. The 1990s saw
more emphasis on stories on a grander, apocalyptic scale. Through all
12
this Batman and company remained essentially the same.
Ao passo que Ribas (2004, p 38) enfatiza não se tratar apenas de mudanças de
passagem
de
tempo,
mas
principalmente
de
transformações
sociais
e
comportamentais, que, levando em consideração tudo o que foi até aqui discutido, são
reflexos dessa rica confluência entre momento histórico, leitores e criadores.
O caos do Cavaleiro das Trevas é um reflexo da Guerra Fria dos anos
80. O caos do final dos anos 30 era o do gangsterismo e a recessão.
(...) Com uma cronologia dos personagens avançando em ritmo mais
lento que o real, o que aconteceu efetivamente é um permanente
ajuste do personagem aos costumes, valores e temas de cada época.
Toda a paisagem vai mudando em função da realidade e os dramas
psicológicos também vão sendo percebidos conforme o contexto.
Batman tratou da Guerra do Vietnã, das drogas, de novas tecnologias,
de catástrofes naturais, do terrorismo internacional, do sadismo na
violência urbana, das tramóias políticas, das negociatas com
congressistas, das questões familiares, sociais e sexuais, até os
meninos de rua do Rio de Janeiro. É uma encenação da vida (RIBAS,
2004, p. 38).
12
"De fato, cada década parece nos trazer um novo Batman; nunca modificado, mas adaptado para a
época. Ele nasceu na Grande Depressão e seus primeiros contos eram sombrios e tensos. Nos anos 40, ele
tornou-se mais otimista, mais patriótico com ênfase no trabalho de detetive ao lado de seu parceiro,
Robin, o Menino Prodígio. Nos anos 50 vimos ele viajando para o espaço ou lidando com estranhas
anomalias científicas da Era Atômica. No trágico "hip" anos 60 suas aventuras se aproximaram das
paródias. Nos anos 70, vimos um retorno de seu lado sombrio com uma aproximação mais rígida em
relação ao crime. Nos anos 80, vemos seu lado sombrio ser transformado em uma fantasmagórica e
solitária obsessão por seu voto aos falecidos pais. Nos anos 90, vemos uma ênfase maior nas histórias de
escalas grandiosas e apocalípticas. E, apesar disso, Batman e companhia permanecem essencialmente os
mesmos (tradução nossa).
43
2- Metodologia
2.1- Referencial teórico para a interpretação dos dados
A Fenomenologia, base metodológica do presente trabalho, é compreendida como:
o estudo do vivido, ou da experiência imediata préreflexiva, visando descrever o seu significado; ou qualquer
estudo que tome o vivido como pista ou método. Em suma,
é a pesquisa que lida com o significado da vivência
(AMATUZZI, 1996, p. 5, grifo do autor).
A Fenomenologia, enquanto corrente metodológica, preocupa-se em revelar e
descrever as estruturas internas de significado da experiência vivida (VAN DER
LEEUW, 1964; VAN MANEM, 1990). Busca trazer para o nível da consciência (e
conseqüentemente da consideração direta e da reflexão) o que era vivido de forma
pré-reflexiva (AMATUZZI, 1996).
O vivido é a nossa reação imediata àquilo que nos acontece,
antes mesmo que tenhamos refletido ou elaborado conceitos
[...], trata-se, portanto, de uma reação imediata, referindo-se à
forma como avaliamos, diretamente, antes de qualquer
elaboração ou associação com escalas de valor (AMATUZZI,
2001, p. 53-54).
Como corrente metodológica, a fenomenologia é o estudo dos fenômenos. Conforme
van der Leeuw:
O fenômeno é aquilo que se mostra. Isso comporta uma
afirmação tríplice. 1º - existe uma coisa; 2º - esta coisa se
mostra; 3º - isto é um fenômeno pelo próprio fato de se
mostrar. Acontece que o fato de se mostrar interessa tanto
àquilo que se mostra, como àquele a quem é mostrado (1964,
p. 642).
De acordo com Ales Bello (2001), a fenomenologia preocupa-se em explicitar a
essência desses fenômenos. O fenômeno surge a partir da interação entre sujeito e
objeto, pois não é nem o objeto propriamente dito, nem uma idéia aleatória que o
sujeito poderia impor ao seu bel prazer àquele objeto. O novo objeto é dado através da
interação entre o sujeito e o objeto. Isso é o fenômeno. Sem essa relação dialética o
fenômeno não existiria. A realidade não pode ser conhecida sem que exista uma
pessoa para conhecê-la. Ela é sempre uma “realidade apreendida por alguém” (VAN
DER LEEUW, 1964).
44
A realidade também consiste em uma “consciência de alguma coisa” (AMATUZZI,
2001). Esta consciência possui uma importante característica que nos possibilita
conhecer essa realidade: a intencionalidade. Segundo Husserl, o homem, por ser
consciente, é sempre intencional. Essa intencionalidade consiste na capacidade do
sujeito de se direcionar a um objeto. É impossível não nos relacionarmos com a
realidade, com as coisas que se mostram, sem nos voltarmos para ela (AMATUZZI,
2003; VAN DER LEEUW, 1964).
Sob essa perspectiva, é o sujeito quem doa sentido à experiência vivenciada por ele,
conforme sua “visão-de-mundo”, entendida aqui como significados socialmente
compartilhados, ou, conforme Amatuzzi (2001) e Ales Bello (2001) nos lembram, são
significados pertencentes ao “mundo-da-vida”.
Em outras palavras, a fenomenologia é uma tentativa sistemática de revelar e
descrever as estruturas de significado da experiência vivida e do mundo-da-vida (VAN
MANEN, 1990).
Entende-se estrutura como o "plano dentro da desordem de linhas que chamamos de
realidade" (VAN DER LEEUW, 1964, p.643). A estrutura não pode ser contemplada
através de uma via lógica ou causal; para termos acesso a ela é necessário
compreendê-la. Através de um recorte saímos de uma vivência original ampla e
inapreensível, e nos é permitido chegar à estrutura de significados que se busca
compreender.
A estrutura é a realidade significamente ordenada. Mas a
significação pertence em parte à própria realidade, e em
parte ao ‘alguém’ que procura compreendê-la. É sempre
tanto compreensão quanto compreensibilidade (VAN DER
LEEUW, 1964, p.644 - grifo nosso).
A estrutura é convertida em experiência vivida através de sua compreensão imediata.
O sentido mostra-se ao sujeito, mas não é compreendido plenamente naquele
momento, porque é pré-reflexivo. A compreensão da experiência não se limita apenas
à experiência vivida instantânea, é preciso retomá-la, reconstruí-la (VAN DER LEEUW,
1964).
Ales Bello (2004) aponta para o caráter universal das estruturas das vivências. A
nossa vida é constituída de uma estrutura em comum dentro da qual se apresentam
experiências com conteúdos diversos, o que leva à superação de um relativismo.
[...] nós não possuímos os mesmos conteúdos de experiência; porém
há um aspecto de universalidade presente em todos os seres
45
humanos: as vivências, ou seja, operações, atos que todos os seres
humanos podem realizar, pois compõem suas estruturas, pertencem
à estrutura transcendental do ser humano (ALES BELLO, 2004, p.
51).
O vivido nos permite apreender não apenas os sentidos particulares de cada sujeito,
mas também os significados coletivos (compartilhados), nos revelando tanto as
experiências pessoais quanto os padrões culturais. Desse modo é que podemos nos
voltar para um conjunto de publicações como as protagonizadas pelo Batman, e tentar
encontrar ali uma estrutura que possa nos revelar a concepção de justiça que permeia
as histórias da personagem, apesar das diferenças individuais dos autores e dos
leitores das revistas do Batman.
Portanto, o que buscamos é explicitar a estrutura de significados do nosso objeto de
pesquisa, examinando a interação entre imagem e texto das histórias em quadrinhos
de modo que possamos apreender o sentido comunicado por elas.
Busca-se o acesso ao vivido através de suas manifestações, que se dão por meio de
pensamentos, ações e expressões culturais. As manifestações do vivido são
denominadas de depoimentos, quando são utilizadas como apoio para as pesquisas.
Usualmente, tais depoimentos são relatos verbais, especialmente colhidos para uma
pesquisa específica. Contudo, Amatuzzi (2001, p. 59) aponta que não é necessário
que o depoimento seja especificamente um relato verbal, de modo tal que:
qualquer forma de expressão humana pode se
constituir em depoimento. Pois o que importa é a luz
sobre a qual lemos essa expressão. [...] pode ser
qualquer expressão humana: uma dança, um desenho,
uma obra de arte, etc.
Portanto, o nosso objeto e material de estudo se enquadram dentro do que foi
explanado por Amatuzzi (2001).
Devemos, também, levar em consideração o fato de que uma história, enquanto
produção literária, é um meio artístico que nos possibilita olhar para aspectos da vida
cotidiana como expressões do vivido, seja essa história ficcional ou real. Uma história
evoca a qualidade do vivido de um modo particular e único. As produções artísticas
são, de certo modo, experiências do vivido transformadas em configurações
transcendentes (VAN MANEM, 1990). E desta forma podem se constituir, portanto,
como material para se acessar o mundo do vivido e seus significados.
46
A
essência
de
um
fenômeno
nunca
é
simples
e
unidimensional.
Para
compreendermos uma estruturação de significados é útil pensarmos no fenômeno
como um conjunto de unidades de significados ou temas. A análise preliminar dos
dados consiste em revelar os temas de cada revista em quadrinhos a ser analisada.
Na literatura, tema se refere a algum elemento que ocorreu com freqüência no texto
(VAN MANEN, 1990). Na análise fenomenológica, tema é a experiência em foco, a
idéia principal, a forma de capturar o fenômeno que estamos tentando compreender.
Nessa perspectiva, o tema descreve um aspecto importante da estrutura da
experiência vivida. Assim, identificar os temas nos permite alcançar o núcleo do
fenômeno.
Para compreendermos uma estrutura de significado é necessário fazermos uma
reconstrução, já que nos é impossível apreendê-lo no ato da experiência vivida
instantânea. Como aponta van der Leeuw (1964), só é possível acessar o fenômeno
indiretamente, através de uma segunda experiência vivida que é a já referida
reconstrução. Para que ela possa ser feita de forma metódica e cuidadosa, o autor
aponta que é preciso levar em conta sete importantes elementos:
(1) Nomeação: damos nomes com o intuito de separar e reagrupar os fenômenos. Ao
nomearmos, delimitamos o objeto e o tomamos segundo essa delimitação (recorte). É
preciso nomear o vivido a partir dele mesmo e não a partir de categorias estabelecidas
a priori. O objeto é delimitado a partir do modo como se apresenta. O nome carrega a
essência do objeto, denominá-lo chama a atenção para determinados elementos
essenciais. Só é possível fazer isso através de uma categorização e classificação.
(2) Inserção: não se pode evitar inserir o fenômeno na nossa própria vida. Tal inserção
não é um empecilho para a compreensão do objeto; ao contrário, ao permitirmos que o
objeto seja conhecido por nós tal qual ele se mostra, evitamos que o objeto se torne
uma abstração e começamos a nos encaminhar para a compreensão do sentido
apresentado por ele.
(3) Suspensão ou epoché é o que chamamos de colocar entre parêntesis. Não se
perder nem nas coisas nem no ego, pois o sentido do fenômeno pertence em parte à
realidade, mas também a quem ele se mostra. Portanto, para realmente conseguir
perceber o significado do fenômeno abordado, o pesquisador precisa colocar em
suspensão os conhecimentos anteriores e teóricos sobre o objeto a ser pesquisado,
para que o fenômeno seja apreendido de modo experiencial, revelando, assim, seu
47
sentido para ele. É a suspensão que permite ao pesquisador apreender o fenômeno
tal como ele se apresenta.
(4) Elucidação: é necessário clarificar o que se olha. Para se alcançar o sentido do
fenômeno estudado, é preciso captar as conexões de sentido. Não são conexões
causais, mas sim conexões que nos levam a uma estrutura do que a experiência
significa para o sujeito. Procuramos a conexão típica ideal, para posteriormente
incorporá-la em um conjunto ainda mais vasto.
(5) Compreensão: todos esses atos, captados juntos e simultaneamente, constituem o
ato de compreender. Assim, a realidade caótica mostra possuir uma estrutura. Tal
estrutura já está lá, e se mostra a nós através desses passos apontados.
(6) Retificação contínua: estar pronto a enfrentar os documentos e os fatos, pois a
confrontação da compreensão que tivemos do objeto só pode ser feita ao nos
voltarmos para os dados e não para a teoria. Para confirmar ou refutar o sentido
apreendido por nós de determinado fenômeno, precisamos nos voltar novamente para
o mesmo.
(7) Reconstrução: é falar do que nos foi dito. O que queremos falar é da estrutura da
experiência. Queremos falar da experiência e não de algo externo a ela. E, como já
afirmamos anteriormente, só é possível alcançar um fenômeno a partir do processo de
reconstrução, ou seja, de uma segunda experiência vivida.
Por meio desses procedimentos, podemos chegar àquilo que van der Leeuw (1964)
chama de experiência-tipo. O tipo é uma conexão compreensível. Ela não é a média
daquilo que as concepções de justiça encontradas nas histórias analisadas nos
apresenta, mas sim aquilo que se mostra como fundamental, essencial em todas elas.
Enfim, é a conexão de sentido global que abrange todas as histórias analisadas.
Assim, ao chegarmos a essa experiência-tipo é que poderemos apreender tanto aquilo
que se manteve invariável no decorrer das mudanças históricas e sociais, quanto
aquilo que se modificou nessa passagem de tempo.
2.2- Procedimentos Metodológicos
2.2.1- A escolha do material a ser analisado
Com 67 anos de existência e ininterrupta publicação desde 1939, Batman acumula um
número de revistas publicadas que beira a centenas. Às originais Detective Comics e
48
Batman, vários outros títulos vieram se somar, como Batman Adventures, Batman &
Robin Adventures, Batman Family, Batman: Legends of the Dark Knights, The Batman
Chronicles, entre tantos outros exemplos. Além destas há outras dezenas de
minisséries, edições especiais e revistas dedicadas a trabalhar com o herói em
universos alternativos, conhecidos no Estados Unidos como Elseworlds, e no Brasil
como Túnel do Tempo (BEAUTY, 2001; RIBAS, 2004). Assim, dada essa enorme
variabilidade de histórias, nos vimos diante de um problema de ordem prática e
metodológica.
Mostrou-se, portanto, necessária uma triagem desse imenso acervo de publicações. A
busca de uma amostragem intencional que pudesse revelar a estrutura da
personagem e, conseqüentemente, a estrutura da concepção de justiça. Amostragem
intencional é aquela não probabilística e subordinada a objetivos específicos do
investigador.
A suposição básica de uma amostragem intencional é que, com
bom julgamento e estratégia adequada, possamos escolher os
casos que devem ser incluídos na amostra, e assim, chegar a
amostras que sejam satisfatórias para as nossas
necessidades" (SELLITZ et al., 1965, p.584).
Nosso ponto de partida para essa busca foram os livros The Many Lives of the Batman
(1991) e Batman Unmasked (2000), ambos obras acadêmicas dedicadas a
compreender o fenômeno do herói nas mais diversas mídias em que ele já foi
personificado. A eles, posteriormente, somaram-se novos textos: os livros Batman: de
Bob Kane a Joel Schumacher (1999) e Dicionário do Morcego (2004).
Após a leitura e comparação desses textos, mostrou-se interessante selecionar as
obras que refletissem momentos apontados pelos autores como importantes pontos de
transição entre as diferentes fases da trajetória do herói nos quadrinhos. A maior parte
dessas histórias corresponde à introdução ou saída de uma personagem, tanto
coadjuvante, quanto o próprio Batman, que exercia ou exercerá um papel importante
nas histórias da personagem.
Tais transições não apenas referem-se à saída ou entrada de uma personagem, mas
como demonstram Pearson e Uricchio (1991), Maroto e Alboreca (1999), Brooker
(2000) e Ribas (2004), também trazem em si uma nova concepção do Batman, a
ponto de mudar, inclusive, o teor e a temática dos enredos. Portanto, para fins de
realização deste estudo, optou-se por adotar um recorte temporal que vai desde 1939
a 1990, correspondendo tanto ao período de publicação das histórias apreendidas
49
como significativas, quanto ao recorte temporal que abarca essa diferenciação de
fases na trajetória do Batman, conforme Ribas (2004), inclusive, explicita:
A primeira (fase), curtíssima, refere-se ao surgimento da
personagem com julgamentos inflexíveis e ações implacáveis
contra os criminosos, próprias de um filme noir. O desejo de
aumentar as vendas da revista conquistando o público infantojuvenil levou à criação do parceiro Robin, iniciando uma
segunda fase que afasta Batman do lado sombrio e permite ao
herói sorrir e fazer rir. Esse período foi marcado pela
substituição de roteiros policiais por temas exóticos, como
seres mágicos e de outros mundos e eras. (...) Na terceira fase
de vida do Batman ele retorna ao seu figurino detetivesco e
solitário (...) A parceria de Batman e Robin é desfeita, com o
menino-prodígio seguindo seu caminho próprio. O visual das
revistas fica mais límpido e realista e, o melhor, a temática das
histórias se aproxima da realidade. (...) Os anos 80 deram novo
impulso às revistas de super-heróis, trazendo-os de vez para a
temática adulta e colocando dúvidas existenciais na condição
de símbolos poderosos da Justiça desses personagens
uniformizados. O Cavaleiro das Trevas (1986), de Frank Miller,
seria a síntese do que o personagem representa para o
restante do universo dos quadrinhos ao demarcar os
fundamentos de sua trajetória (p. 27-28).
Assim, confrontando as nossas fontes de informação, levando-se também em
consideração a representatividade das fases da trajetória da personagem,
selecionamos as seguintes histórias como objeto a serem submetidas à analise
fenomenológica a que nos propomos:
*1
The Case of the Chemical Syndicate (O Caso da Quadrilha de
Químicos13), escrita por Bill Finger, desenhada por Bob Kane; publicada
originalmente em Detective Comics, nº 27, 1939: primeira aparição do Batman
nos quadrinhos.
*2
Introducing Robin, The Boy Wonder (Robin, o menino prodígio), escrita
por Bill Finger, desenhada por Bob Kane; publicada originalmente em Detective
Comics, nº 38, 1940: surge o primeiro parceiro do Batman no combate ao
crime, Robin (Dick Grayson).
13
Os títulos em português em parênteses correspondem aos nomes que essas histórias
receberam ao serem publicadas no Brasil.
50
*3
The Batwoman (Mulher-Morcego), escrita por
Edmond Hamilton,
desenhada por Sheldon Moldoff; publicada originalmente em Detective Comics,
nº 233, 1956: primeira aparição da Batwoman (Kathy Kane), primeira heroína a
usar o emblema do morcego.
*4
The Million Dollar Debut of Batgirl (A Estréia da Batmoça), escrita por
Gardner F. Fox, desenhada por Carmine Infantino; publicada originalmente em
Detective Comics, nº 359, 1966: primeira aparição da Batmoça ou Batgirl
(Bárbara Gordon).
*5
One Bullet too many! (Três Balas e um mistério), escrita por Frank Robbins,
desenhada por Irv Novick; publicada originalmente em Batman, nº 217, 1969:
saída do primeiro Robin, Batman volta a atuar sozinho.
*6
Dark Knight returns (Batman – Cavaleiro das Trevas), minissérie em quatro
partes, escrita e desenhada por Frank Miller; publicada originalmente em 1986:
retrata um futuro alternativo, apontada pelos autores como ponto de partida
para a reformulação da personagem nos anos 80.
*7
A Death in the Family (Morte em Família), escrita por Jim Starlin e
desenhada por Jim Amparo; e A Lonely Place of Dying (Um Lugar para Morrer),
escrita por Marv Wolfman e George Pérez, desenhada por Jim Amparo e Mike
DeCarlo;
publicadas,
respectivamente,
em
1988
e
1989/90:
histórias
complementares que trazem, respectivamente, a morte do segundo Robin
(Jason Todd) e o surgimento do terceiro Robin (Timothy Drake).
Inicialmente, o material a ser utilizado seriam as publicações dessas histórias
devidamente traduzidas para o português. Contudo, optamos por analisar as edições
originais para evitar variações, ainda que mínimas, de sentido entre as versões
originais e brasileiras. Variações decorrentes não da mera transposição lingüística,
mas, principalmente, devido a fatores externos durante a adaptação, dentre os quais
poderíamos citar possíveis censuras tanto ao texto escrito quanto ao texto icônico,
conforme já ocorreram com algumas publicações de destaque, não necessariamente
estreladas por Batman, sendo os exemplos mais conhecidos as minisséries Camelot
3000 e A Queda de Murdock, que tiveram quadros redesenhados no Brasil.
(CODESPOTI, 2001).
51
Existem também questões técnicas, tais como o formato das revistas utilizado durante
longos anos no Brasil, bem menores que as norte-americanas, obrigando à exclusão
ou simplificação de parte dos textos originais, assim como a colorização das revistas
que, durante um bom tempo, era completamente refeita no Brasil. Portanto, era
bastante
comum
que,
por
exemplo,
uma
personagem
ruiva
aparecesse
ocasionalmente com os cabelos castanhos em edições nacionais. O caso mais notório
é do personagem Fantasma, de Lee Falk, cujo uniforme original é roxo, mas foi
repintado em tons de vermelho no Brasil (PAVANI, 1996).
Como a transmissão de um sentido nas histórias em quadrinhos passa também por
sua forte interação imagem-texto, incluindo uso de cores, luzes e sombras, optamos
por utilizar as versões norte-americanas das histórias selecionadas.
Para facilitar a compreensão do leitor deste trabalho, optamos por disponibilizar as
traduções feitas por nós, em parêntesis, ao lado do texto original, dos recortes dos
textos analisados.
2.2.2 - O percurso trilhado
Os passos adotados para a análise das histórias foram os seguintes:
(1) Em um primeiro momento, cada uma das histórias foi lida, cronologicamente, do
começo ao fim. Cada quadro e diálogo compondo a história foi lido como um todo (em
conjunto), sempre com a nossa pergunta de pesquisa em mente, já nos questionando
quais diálogos e cenas particularmente pareciam poder nos revelar algo sobre a
experiência da elaboração da concepção de justiça.
(2) Uma segunda leitura de cada história foi feita, agora assinalando efetivamente as
cenas e diálogos observados como relevantes (recortes) para nossa pergunta. Tais
recortes foram devidamente anotados e descritos em detalhes, considerando-se não
apenas os diálogos propriamente ditos, mas também os elementos de composição da
seqüência observada (cor, enquadramento, luz, sombra, etc.) que auxiliaram na
construção de um sentido.
(3) Em seguida, em uma abordagem seletiva, os transcritos foram lidos diversas
vezes, assim como foram revistos os trechos dos quais foram extraídos. Essa etapa
consistiu na busca de temas que se mostraram recorrentes e comuns nos vários
trechos transcritos de cada história abordada. O passo seguinte consistiu em agrupar
52
esses temas sob frases, trechos e cenas que encerrassem em si o significado principal
de cada tema (categorias de análise). Uma vez feito esse processo, elaboramos uma
síntese, articulando todos os elementos da experiência vivida em linguagem
psicológica e levando em conta o sentido do todo.
(4) Como trabalhamos com um amplo material, envolvendo várias histórias
pertencentes a diferentes blocos temporais, nós as comparamos em suas sínteses,
buscando invariantes, isto é, o que existe de comum, e variantes, o que existe de
particular em cada uma. Dessa forma, pretendemos ir para além das particularidades
de cada uma delas, formulando uma estrutura do vivido pesquisado (AMATUZZI,
1996). Em outras palavras, tentar, ao mesmo tempo, mostrar a estrutura comum da
concepção de justiça que se apresentaria em todas as histórias e, simultaneamente,
apontar as peculiaridades desta em cada período específico. Pois apenas assim,
enfocando todos esses aspectos constituintes da produção de quadrinhos, foi possível
apreender o significado da elaboração da concepção de justiça conforme visto no
conjunto das obras.
Partindo da leitura dessas revistas, nos foi possível perceber as seguintes categorias
de análise, que nos possibilitaram a explicitação da estrutura de "quem é o Batman" e,
conseqüentemente, a apreensão da estrutura da concepção de justiça contida no
material analisado.
Categoria 1: Função
Nessa categoria apreendemos qual é o tipo de trabalho ou função a que Batman e
seus aliados, quando estes aparecem, se propõem, bem como se há mais de uma
função e qual a relação entre elas.
Categoria 2: Características
Procuramos explicitar aqui as características físicas, intelectuais e emocionais
apontadas como necessárias para Batman e seus aliados, quando estes aparecem,
realizarem o trabalho a que se propõem.
Observamos também o fato de que, ao se propor a um determinado tipo de trabalho,
Batman e seus aliados podem ou não ser vistos como a representação, tanto para as
demais personagens ao seu redor, quanto para os leitores, de algum ideal específico.
Mostramos aqui essa possibilidade de representação, tentando simultaneamente
53
correlacionar e diferenciar Batman e aliados enquanto "pessoas" e Batman e aliados
enquanto "símbolo".
Categoria 3: Batman na relação com outrem
Mesmo quando apontado como um solitário, Batman se mostra em um universo de
relações, seja com a polícia, seja com os criminosos que enfrenta, seja com seus
colaboradores mais próximos (aliados) não ligados às autoridades legitimadas, seja
também com as vítimas dos criminosos. O modo como Batman age em relação a
todos eles, o modo como eles reagem ao Batman, e também quem são essas
pessoas, refletem sobre quem é o Batman e sobre seu modo de agir.
Para uma discussão mais clara dessa categoria, ela foi subdividida em quatro
subcategorias: (1) Batman na relação com as autoridades legitimadas, (2) Batman na
relação com colaboradores, (3) Batman na relação com as vítimas e (4) Batman na
relação com os criminosos.
Categoria 4: Tematizações sobre justiça, vingança e lei.
Essa categoria refere-se a aspectos de reflexão mais abstratas nas histórias, mesmo
quando não nomeadas, sobre as relações e limites entre três conceitos que se
mostraram como sustentação da luta do Batman contra o crime, e que não puderam
ser abarcados completamente nas categorias anteriores: lei, vingança e justiça.
A análise das revistas que levaram à elaboração das categorias de análise acima
citadas será apresentada detalhadamente na próxima seção.
54
3 - A análise das histórias
Nesta parte do trabalho, apresentaremos a análise de cada uma das histórias
incluídas em nossa amostragem intencional, considerando e discutindo as categorias
de análise apresentadas anteriormente.
Optamos inicialmente por demonstrar como e se cada uma dessas categorias
aparecem em cada uma das histórias analisadas e, em seguida, apresentar a
correlação dos significados encontrados, buscando variáveis e invariáveis. Por fim,
uma discussão com o objetivo de explicitar as estruturas básicas de significado. Tal
escolha se deve a uma tentativa de se explicitar cronologicamente as semelhanças e
diferenças presentes em cada categoria apontada.
55
3.1- The Case of the Chemical Syndicate
Conforme já mencionamos, esta história foi publicada originalmente em 1939 na
revista Detective Comics nº 27, e constitui a primeira aparição do Batman nos
quadrinhos. A trama traz como mote principal uma série de assassinatos envolvendo
altos empresários, todos sócios de uma indústria química. Para solucionar os crimes,
além da polícia, surge um misterioso homem mascarado, conhecido como The BatMan - grafia inicialmente usada para designar a personagem. Junto a ele, duas outras
personagens merecem destaque: o comissário Gordon, chefe de polícia local (não nos
é revelado o nome da cidade), e seu jovem amigo socialite, Bruce Wayne, que é
revelado ao fim da história como sendo o alter-ego de The Bat-Man.
Categoria 1: Função: Batman
Figura 1
Quando somos apresentados ao Bat-Man no primeiro quadro da história, ele é definido
como: "a misterious and adventurous figure, figthing for rigthenousness and
apprehending the wrong doer, in his lone battle against the evil forces of society" (uma
misteriosa e aventureira figura, lutando pelo que é certo e capturando os
transgressores em sua solitária batalha contra as forças do mal na sociedade). A
figura escura e indefinida, pois não nos é possível ver suas feições ou expressões, ou
perceber em detalhes suas características físicas, é mostrada no canto do quadro, em
cima de um prédio, em contraponto com a lua e o fundo claro.
Nesta apresentação, já temos definido a que veio Bat-Man, qual seria a sua função
principal no decorrer desta história.
Ele é, antes de tudo, um lutador, alguém que combate solitariamente as forças do mal
existentes na sociedade.
56
O modo como ele se apresenta no quadro, indefinido, com as asas abertas sobre a
cidade no alto do edifício, além da indefinição de quem exatamente seria ele (uma
figura misteriosa), também reforça esse sentido de combatente. As "asas" abertas
lembram o movimento de um predador prestes a entrar em ação, em combate, à caça
de suas presas. Como não é possível ver os braços da personagem, a impressão de
que essas "asas" pertencem a ela, e que a intenção de um vôo é iminente, torna-se
maior.
A própria capa da revista, conforme vista abaixo (figura 2), já ressalta essa
funcionalidade de Bat-Man como alguém que captura os vilões. Ele é observado
segurando alguém, sendo observado por duas outras figuras que não sabemos definir
se são outros criminosos ou policiais. Mas, a figura apreendida por Bat-Man é
seguramente um antagonista da personagem. Ele o segura de forma agressiva,
comprimindo-lhe o pescoço.
Figura 2
Antes de se ler a história, apenas pela observação da capa, não há como definir BatMan como o herói ou o vilão, mas sua definição através do recordatário inicial
esclarece parcialmente as dúvidas sobre suas intenções, uma vez que o designa
como alguém que combate àqueles que propagam o mal.
No decorrer de toda a história são recorrentes as cenas em que ele aparece lutando
contra os bandidos, sempre em combate franco, atacando-os física e diretamente.
57
Figura 3
Uma série de assassinatos envolvendo industriais químicos acontece no decorrer da
história. Conforme detalharemos posteriormente, após entrar em contato com a
primeira vítima, ainda como Bruce Wayne, Bat-Man entra em ação.
Na seqüência da história, logo após o segundo assassinato, ele, o Bat-Man, aparece
na cena do crime enfrentando os assaltantes em cima do telhado da mansão da
vítima. Na seqüência acima mostrada (figura 3), os ladrões acabaram de sair da casa
da vítima com um papel em uma das mãos, um documento que acabaram de roubar,
inclusive matando o dono anterior do objeto para obtê-lo. A luta de Bat-Man não se
restringe ao mero combate aos assassinos, mas visa principalmente a recuperação do
objeto, que posteriormente se revela o ponto chave para a resolução do crime.
Subseqüentemente, ele também aparece lutando contra o mandante do crime e seu
assistente, quando ambos tentam matar a vítima restante da armação que
desenvolveram.
58
Figura 4
No caso acima, Bat-Man, escondido nas sombras, aparece quando Stryker, o chefe
criminoso da história, ameaça a outra vítima com uma faca, deixando claro que iria
matá-la e jogá-la em um tanque de ácido. É essa ameaça efetiva que faz Bat-Man sair
das sombras em direção ao criminoso.
Em outras palavras, essas lutas possuem não apenas a função de prender ou
combater, mas também de salvaguardar as vítimas (como no caso acima mostrado)
ou recuperar algo que lhes havia sido roubado (no caso, o documento).
Figura 5
59
A proteção das vítimas é também colocada acima da própria proteção do herói. BatMan desce pelo teto e adentra a cúpula de vidro. Com um lenço, ele tapa o orifício
pelo qual o veneno sairia para matar o homem, preso. Usando uma ferramenta que
pegara no meio do caminho, quebra a cúpula, salvando o homem e impedindo que ele
fosse morto.
Assim, vemos no decorrer da história esse duplo movimento do Bat-Man, que luta
contra os criminosos, mas também salva ou repara os danos causados àqueles que
foram vítimas desses infratores.
Categoria 2: Características: Batman
Enquanto luta contra os criminosos, Bat-Man é apresentado figurativamente como
alguém forte e imponente. Os traços do desenhista o representam com uma tonicidade
rija, e fisicamente exuberante. A cena em que aparece para os dois ladrões, braços
postados sobre o peito, mostra toda essa grandiosidade física e imponência (figura 6).
Batman toma metade do quadro, se sobressaindo em relação aos ladrões.
Figura 6
Conforme vemos também nas figuras 2, 3, 4, 5, e na figura 7, abaixo, as habilidades
físicas são reiteradas diversas vezes no decorrer da trama.
60
Figura 7
Bat-Man ataca os criminosos diretamente, mesmo quando armados; se atira contra
eles (figuras 3, 4, 7). Soca os bandidos, arremessa-os por cima do telhado (figura 3),
mesmo que alguns deles sejam muito maiores e aparentemente mais fortes que ele,
como no caso da figura 7. Para adentrar a indústria onde está o bandido, Bat-Man
entra pelo telhado de vidro, corre, pula, salta (figura 5). Em todos esses quadros se
reforçam, portanto, essas características físicas do herói como parte importante da luta
a que ele se propôs, contra as "forças do mal na sociedade".
Não apenas as características físicas são destacadas, mas também o fato de Bat-Man
se mostrar destemido frente ao perigo. Embora os bandidos sejam em maior número
(figura 3) e estejam armados (figuras 3, 4, 7), Bat-Man se joga sempre frente a eles,
não se importando com esse perigo. Ele é alguém que não teme.
Além da tonicidade, da agilidade física e do destemor, outro fator mostra-se
importante. Quando Bat-Man recupera o documento roubado pelos ladrões, ele lê o
que está escrito ali. Um sorriso discreto é visto em seu rosto e reforçado pelo texto (a
grim smile comes to his lips), mostrando que ele compreendeu perfeitamente, apenas
pela leitura do conteúdo do documento, as razões que motivaram os crimes ocorridos
na história, indicando, assim, a inteligência e o raciocínio também como características
da personagem.
61
Figura 8
A inteligência é, portanto, um fator importante, que a personagem mostra em várias
ocasiões, seja para desvendar o crime, seja para salvar uma das vítimas dos
criminosos; pois, ao pular dentro da redoma de vidro (figura 5), foi seu raciocínio
rápido em pegar antes a chave inglesa em cima da mesa, e de usar um lenço para
tapar a saída do veneno, que salvaram tanto a vítima indefesa quanto ele próprio.
A importância desse fator inteligência é destacada na seqüência em que se explicita a
resolução do caso. Após capturar o mandante do crime, é o Bat-Man quem revela à
vítima o plano do sócio, que em verdade mostrou-se o verdadeiro criminoso por trás
de tudo.
Vitima (Rogers): What's the idea? Why did he try to kill me? (Qual é a
idéia? Por que ele tentou me matar?).
Bat-Man: [segurando o criminoso, que se mantém mudo durante o
discurso]: This rat was behind the murders! You see, I learned that you,
Lambert, Crane [as outras vítimas mortas] and Stryker [o assassino]
were once partners in the Apex Chemical Corporation. Stryker, who
wished to be sole owner, but have no ready cash, made secrets
contracts with you, to pay a certain sum of money each year, until he
owned the business. He figured by killing you and stealing the contracts
[o documento que Batman recuperou conforme vimos na figura 3], He
wouldn’t have to pay this money (Esse rato estava por trás dos
assassinatos! Veja, eu descobri que você, Lambert, Crane e Stryker
eram sócios na Corporação Química Apex. Stryker, que desejava ser o
único dono, mas não tinha todo o dinheiro, fez contratos secretos com
vocês, para pagar uma certa soma de dinheiro todo ano, até que se
tornasse o dono do negócio. Ele percebeu que matando vocês e
roubando o contrato, não teria que pagar esse dinheiro).
O modo como Bat-Man explicita o plano engenhoso sem que o criminoso sequer diga
uma palavra demonstra essa capacidade intelectual superior frente ao inimigo.
62
Bat-Man também não parece buscar um reconhecimento pessoal pelos seus atos.
Após revelar os planos malignos do vilão da história e salvar sua última e derradeira
vítima, Bat-Man sai, clarabóia afora, sem esperar um agradecimento. Quando o
homem salvo vira-se e pergunta: "How can I ever thank yo... Why - Gone", ele olha
para cima e vê a silhueta de Bat-Man já ao longe.
Há também uma diferenciação notável entre Bruce e Bat-Man. Quando representado
através de seu alter-ego Bruce Wayne, em sua identidade civil, ou seja, quando não
está usando o uniforme de Bat-Man para combater o crime, ele apresenta um ar
tranqüilo e despojado, quase como se não se importasse realmente com as coisas que
acontecem ao seu redor. Essa diferenciação drástica é pontuada já na transposição
entre os dois primeiros quadros. Depois de Bat-Man nos ser apontado como uma
figura
misteriosa,
cuja
identidade
não
é
conhecida,
somos
imediatamente
apresentados a Wayne, mostrado sentado relaxadamente em sua poltrona,
aproveitando descontraidamente seu cachimbo, com uma expressão enfadonha. Um
contraponto forte à figura rígida e imponente de Bat-Man no primeiro quadro e nos
quadros subseqüentes no decorrer da história.
Figura 9
Assim como Bat-Man é apresentado como um mistério, também o é Bruce, porque sua
presença não é clara, mesmo sendo identificado como amigo do comissário de polícia.
Quando o comissário é colocado a par de que um crime ocorreu, mostrando tensão ao
escutar o relato, ele acaba decidindo chamar o amigo para acompanhá-lo. Bruce não
demonstra empolgação ou interesse, mantendo uma postura relaxada semelhante à
vista na figura 9, respondendo que acompanha Gordon à cena do crime por não ter
nada melhor para fazer (Well, nothing else to do, might as well).
63
Após resolver o crime, no dia seguinte, Bruce visita o Comissário, mostrando
desinteresse pelo caso que ele mesmo, agindo como Bat-Man, resolveu. Atitude que
leva o Comissário a pensar: Bruce Wayne is a nice young chap... but he certainly must
lead a boring life... he seems desinstered of everything... (Bruce Wayne é um bom
camarada... mas ele certamente deve levar uma vida entediante... ele parece
desinteressado de tudo...).
Apenas ao fim da história é que temos a revelação de que Bruce e Bat-Man são a
mesma pessoa. Uma revelação surpreendente, pois deixaria o Comissário amazed to
learn that he [Bruce] is the 'Bat-Man' (espantado ao saber que ele é o Bat-Man), uma
vez que nada, até aquele ponto da história, levaria à dedução de que Batman e Bruce,
representados de modo diferenciado, opostos em seus comportamentos, seriam a
mesma pessoa.
Figura 10
Contudo, apesar desta revelação, ambos constituem um mistério insolúvel, pois as
motivações que levaram um socialite a lutar "contra as forças do mal na sociedade"
permanecem não clarificadas. Estruturalmente, a única função de Bruce é fazer um
contraponto com seu alter-ego combatente do crime, e é exatamente esse contraponto
e essa diferença de comportamento e personalidade que iriam "espantar" o
comissário.
64
Categoria 3: Batman na relação com outrem
Batman na relação com as autoridades legitimadas
Em relação às autoridades legitimadas, temos uma dualidade no que diz respeito à
personagem. Enquanto Bat-Man está como cidadão comum, travestido de Bruce
Wayne, mostra uma relação próxima e cordial com a polícia. É amigo pessoal do
comissário Gordon, autoridade máxima na história em questão, a ponto de visitá-lo em
casa (figura 9) e ser-lhe permitido acompanhar Gordon à cena de um crime (o
primeiro assassinato desta história - figura 11, abaixo).
Figura 11
Enquanto travestido de Bruce, ele fica em segundo plano em relação aos policiais.
Mesmo nos quadros em que aparece, é apresentado ao fundo da cena, quase
insignificante. Ele é apenas um observador, não ajuda nem atrapalha os policiais.
Mas, ainda assim, parece ter um papel. É essa observação que faz com ele recolha as
primeiras informações que o possibilitarão, no decorrer da história, desvendar o crime.
Quando chega a hora do embate propriamente dito, Bruce dá lugar ao Bat-Man. É a
figura que se esconde por trás da máscara que parte para o combate. Travestido de
Bat-Man, sua relação com os policiais é dúbia. Ele não colabora diretamente com o
trabalho destes, mas também não compete com eles na resolução do caso; ele é,
conforme o texto inicial da história indica (figura 1), alguém que está em uma lone
battle (batalha solitária). Portanto, é um solitário, não estabelece nem cooperação,
nem competição com a polícia em sua luta. Enfim, trabalha em paralelo.
65
Figura 12
Quando os policiais confrontam o Bat-Man no alto de uma mansão, a primeira reação
do Comissário é gritar: It´s the Bat-Man. Get him! (É o Bat-Man. Peguem-no!). Os
policiais são mostrados em prontidão, armas em punho, apontando para ele, pois não
sabem definir se Bat-Man é ameaça ou não. (figura 12)
Ou, como o comissário se refere a ele no segundo quadro (figura 9), quando conversa
com Bruce: this fellow they call "The Bat-Man", he pluzzes me (esse sujeito que eles
chamam de Bat-Man, ele me intriga); ou seja, há uma indefinição do próprio Gordon
sobre a conclusão a qual chegar em relação às intenções do Bat-Man, sobre como
defini-lo.
Batman na relação com colaboradores
Tal aspecto não se apresenta nesta história, uma vez que Bat-Man aqui trabalha
sozinho.
Batman na relação com as vítimas
Em relação às vítimas dos crimes, ele se mostra preocupado em protegê-las,
colocando o bem estar delas à frente do próprio, conforme já apontamos na cena em
que ele adentra a redoma de vidro para impedir um homem de ser assassinado.
(figura 5).
Bat-Man é sempre o salvador, e a vítima em questão é mostrada como indefesa e
desprotegida. (figuras 4 e 5) Todas as vezes que sua vida foi ameaçada, foi o BatMan quem se interpôs entre ele e a morte. Foi o Bat-Man quem o libertou da cúpula
com o gás venenoso, foi o Bat-Man quem segurou a mão do assassino com o punhal,
66
foi o Bat-Man quem atacou o vilão quando este tentou fugir e sacou uma arma para
tentar desvencilhar-se do herói.
Figura 13
Quando não é mostrada sendo diretamente ameaçada (figuras 4 e 5), a vítima
aparece, como no recorte abaixo, em um plano de fundo, quase insignificante em
relação ao Bat-Man e ao Stryker. O olhar da vítima, a posição estática, dura, indica
medo e paralisia. A vítima é mostrada sempre de forma passiva perante o herói.
Batman na relação com os criminosos
Bat-Man se mostra inclemente com os criminosos, não se importa em golpeá-los ou
feri-los. Luta com eles (figuras 3, 7, 13), arremessa-os do alto do telhado sem se
preocupar se vão ou não se machucar mais seriamente (figura 3).
Conforme mostra o texto do recordatário da figura 6, novamente reproduzida abaixo,
Bat-Man é a menacing figure (uma figura ameaçadora).
67
"Ameaçadora para quem?", podemos nos perguntar. A própria imagem já responde:
para os bandidos. O bandido “grita”, ao mesmo tempo em que saca uma arma: a letra
em negrito, o balão tremido, passam e reforçam a idéia de Bat-Man como ameaça,
pois retratam o pavor que foi incutido no bandido ao vê-lo, também manifesto em sua
expressão facial. A representação do Bat-Man (capa negra, roupas escuras) reforça a
idéia de figura ameaçadora.
Em relação ao Bat-Man, os bandidos mostram um contraponto físico notável,
especialmente no que diz respeito aos mandantes do crime. Eles são grandes, gordos
e fisicamente aversivos (figuras 4, 7, 13). Os bandidos de escalões mais baixos são
magros e ágeis como Bat-Man, mas não possuem o mesmo vigor físico do HomemMorcego. (figura 3 e 6)
Em comum todos eles têm o desprezo pela vida humana, colocando a ganância em
primeiro lugar. Os assassinos que roubam e matam agem desta forma porque foram
pagos para isso. Os mandantes fazem isso para colocarem as mãos em um dinheiro
maior, na propriedade das indústrias químicas dos sócios, conforme pudemos
comprovar na explicação de Bat-Man ao desvendar o crime (He figured by killing you
and stealing the contracts, he wouldn´t have to pay this money - Ele percebeu que
matando vocês e roubando o contrato, não teria que pagar esse dinheiro). Tudo o que
importa é o lucro, o valor do dinheiro se sobressai sobre o valor da vida humana.
Assim, entre os bandidos existe uma desvalorização da vida; o crime mor, o
assassinato, é cometido sem nenhuma ponta de remorso aparente.
Um deles chega a comparar a vida de sua vítima à das cobaias (guinea pigs) que usa
em experimentos (now you are my guinea pig - agora você é minha cobaia),
explicitando que para ele tudo o que importa é o lucro e o poder que a morte dessa
pessoa irá trazer: Soon, I will control everything (logo, eu controlarei tudo [na indústria
química]).
68
Figura 14
O bandido (Jennings) revela até mesmo certa satisfação ao cometer o assassinato. O
sorriso no rosto ao se dirigir à sua vítima, as falas entremeadas de risadas (hehe),
insinuam um sentimento de satisfação do vilão em relação ao destino de sua vítima.
Este seria, portanto, o tipo de crime que Bat-Man combate, um crime cujo foco
principal é a valorização do lucro em detrimento da vida humana.
Contudo, neste ponto, a atitude do Bat-Man pode parecer paradoxal: afinal, do mesmo
modo que ele combate assassinos, na seqüência em que um bandido o ataca, BatMan o soca, deixando-o cair em um tanque de ácido. O mesmo tanque de ácido em
que o criminoso pretendia jogar sua vítima. (figura 15).
69
Figura 15
Bat-Man não impede a queda do criminoso, chegando até mesmo a afirmar: A fitting
ending for his kind (Um fim merecido para alguém como ele). Embora não tenha
jogado o bandido no tanque, conforme visto na figura, a queda e conseqüente morte
do infrator foi decorrente da luta com Bat-Man. O que, então, diferenciaria Bat-Man,
que chega a exprimir certa satisfação com a morte do criminoso, dos assassinos que
ele combate? Duas coisas: as vítimas mortas e os motivos que induziram a essas
mortes.
As vítimas dos assassinos são supostamente inocentes e nada fizeram para merecer
o término abrupto de suas vidas via assassinato. Já os criminosos cometeram
homicídio com o intuito de obterem um ganho pessoal, lucro e poder, e o fizeram para
usurpar algo que não lhes pertencia. Bat-Man, por sua vez, deixa claro em sua fala
que o homem que ele permitiu que caísse no ácido merecia aquele fim. A morte do
criminoso, da perspectiva de Bat-Man, não é gratuita; é uma compensação pelos
crimes que cometera.
70
Assim, as mortes causadas pelos criminosos seriam valorativamente diferentes da
morte causada por Bat-Man. As primeiras seriam mortes injustas, pois as vítimas não
eram merecedoras daquele destino, e foram ocasionadas por motivações escusas. Já
o criminoso que morreu, do ponto de vista de Bat-Man, possuía uma conduta que
clamava por aquele tipo de fim, e seu extermínio seria uma punição adequada aos
seus atos.
Categoria 4: Tematizações sobre justiça, vingança e lei.
Quando Bat-Man deixa o bandido cair no tanque de ácido e morrer (figura 14), em um
primeiro momento poderíamos pensar que o destino sofrido pelo criminoso poderia
estar em oposição à lei, assim entendida como as regras formais no trato dos
criminosos. Contudo, apesar da violência e frieza diante daquele ato, expressos na
fala da personagem (A fitting ending for his kind - Um fim merecido para alguém como
ele), seus atos não contradizem completamente o que a lei da época apregoava. O
bandido deixa bem claro que, se fosse preso, ele iria para "a cadeira" (chair) (figura
13), seria executado com a pena capital. Assim, a punição máxima pelo crime máximo
ocorreria seja pelas mãos do Bat-Man, como de fato foi, seja pelas mãos das
autoridades instituídas. O que Bat-Man faz, e que pode ser tomado como um ato de
ilegalidade, é o fato de tomar para si uma resolução, ainda que possivelmente não
proposital, que, do ponto de vista socialmente instituído, caberia apenas aos
responsáveis pela execução da lei.
71
3.2 -Introducing Robin, The Boy Wonder
Publicada originalmente em Detective Comics nº 38, em 1940, esta história traz a
introdução de Dick Grayson, o primeiro Robin, nas histórias de Batman. Dick cresceu
no circo Haly, formando com seus pais a trupe acrobata Os Grayson Voadores. No
que aparenta ser um acidente, Dick testemunha a morte de seus pais, que despencam
do trapézio durante uma apresentação. O acidente em questão revela-se um
assassinato, a mando do gangster Zucco, que domina o submundo da cidade
extorquindo os cidadãos locais. O dono do circo se recusou a pagar pela proteção o
preço requisitado pelos capangas de Zucco, o que levou à morte do casal Grayson.
Após essa descoberta, Dick é tomado sob a proteção do Batman, que o treina para se
tornar seu aliado, e, assim, poderem juntos derrubar o império de Zucco no submundo
local.
Categoria 1: Função: Batman e Robin
No texto de abertura da história, apresentando Robin aos leitores, já temos um
indicativo da função de Batman ao mencionar sua luta sem descanso contra o crime
(his relentess fight against crime), função que será compartilhada por Robin, uma vez
que no mesmo texto já é denominado como aliado (ally) do personagem nessa
missão.
O combate ao crime é mostrado, na história em questão, através do ataque de Batman
aos bandidos de Zucco para acabar com o domínio do gangster sobre a cidade. Ele
ataca continuamente todos os locais nos quais Zucco atua, sejam cassinos, açougues,
alfaiatarias; em cada um desses estabelecimentos ele cerca os bandidos e os
espanca.
72
Figura 1
Figura 2 (seqüência direta da figura 1)
73
Figura 3
No decorrer de toda história é mostrada a ênfase no ataque sistemático de Batman
aos empreendimentos de Zucco. Em cada um dos casos, as vítimas são relegadas ao
segundo plano. Na alfaiataria e no açougue, ele salva seus respectivos donos de
serem espancados e ameaçados, mas deixa os bandidos livres para que possam levar
um recado a Zucco. Na alfaiataria (figura 1): If you see Boss Zucco, tell him the
Batman was here (Se virem o Chefe Zucco, digam que Batman esteve aqui). No
açougue: Tell Zucco I just dropped in to say Hello! (Digam a Zucco que eu passei
apenas para dizer Olá!) Na lavanderia: And tells Zucco he needs a little cleaning
himself (E diga a Zucco que ele próprio precisa se lavar). Proteger essas pessoas fez
parte do trabalho, mas o objetivo principal ali era lutar contra os bandidos e arruinar os
negócios do gangster. Mais que isso, deixar o chefe saber que Batman estava
interferindo e atrapalhando seus negócios.
Figura 4
74
No cassino (figura 4), um homem acaba recuperando o que perdeu graças ao Batman
(Here´s my chance to get back what I lost - Esta é minha chance de recuperar o que
eu perdi); todavia, esse não é o mote principal. Inclusive, nesta cena, a fala desse
senhor é mostrada em um canto da página, em meio a vários outros comentários,
inclusive ao de dois empregados de Zucco. O quadro em questão é a conclusão da
seqüência do ataque ao cassino, que ocupa quase duas páginas, e foca,
principalmente, a luta de Batman com os associados do gangster.
Cada uma das vítimas acaba ganhando um lucro subseqüente nos ataques do
Batman, talvez apenas à exceção do homem responsável pelos caça-níqueis (figura
3), que exclama: but, what I'll tell to Zucco's men (mas, o que vou dizer aos homens de
Zucco?). Mas o alfaiate deixa de ser espancado, o sorriso de satisfação no rosto do
açougueiro indica o mesmo, assim como a felicidade do senhor do cassino ao
recuperar seu dinheiro. Assim, os ganhos imediatos de proteção das vítimas, embora
ocorram, são conseqüências secundárias dos combates de Batman com os bandidos.
Uma vez que a intenção dele é atingir um alvo maior, Zucco, e desestruturar o poder
dele na cidade.
Mesmo no que diz respeito a Dick Grayson, futuro Robin, as funções de proteção e
captura dos bandidos se mesclam. Após o assassinato de seus pais, o garoto
descobre que Zucco foi o responsável pelo ocorrido e decide chamar a polícia. É
impedido por Batman, que diz:
I want to help you get those murderers! They put acid on the trapeze
ropes! But you can't go to the police (…) this whole town is run by Boss
Zucco. If you told what you knew you'd be dead in an hour. I'm going to
hide you at my home for a while. (Eu quero ajudar você a pegar esses
assassinos! Eles colocaram ácido nas cordas do trapézio! Mas você
não pode ir até a policia (...) A cidade inteira é controlada por Zucco. Se
você contar o que sabe, estará morto em uma hora. Vou escondê-lo
em minha casa por algum tempo).
Assim, Batman esconde o garoto para protegê-lo e impedir que seja morto pelos
homens de Zucco, mas, simultaneamente, promete pegar os assassinos dos pais do
menino.
Essa dualidade entre a proteção e o afastamento do bandido também está presente
na seqüência em que Batman manda um bilhete para Zucco:
Get out of town, Zucco. I know you are also trying to get protection
money from the company that is putting up the Canin Building. Stay
way. I’m protecting that building from your protection mob (Saia da
75
cidade, Zucco. Eu sei que você está tentando pegar dinheiro de
proteção da companhia que está erguendo o Edifício Canin. Fique
longe. Estou protegendo o prédio de sua proteção mafiosa).
Nesse trecho, há um jogo de sentidos com a palavra protection: a proteção de Batman
e a proteção mafiosa de Zucco. A primeira diz respeito ao empenho de Batman em
afastar o gangster de Gotham City (Get out of town. Stay way), a segunda às propinas
que Zucco exige dos cidadãos (no caso do bilhete à companhia construtora) para que
seus homens não ameacem os empreendimentos dessas pessoas. Assim, para
Batman, tentar afastar Zucco é seu modo de proteger.
Figura 5
Embora esses dois fatores proteção e eliminação dos bandidos co-existam no trabalho
da personagem, no recorte acima mostrado o próprio Batman deixa claro para Dick
qual o ponto central de sua missão.
Batman: My parents too were killed by a criminal, that's why I've
devoted my life to exterminate them. (Meus pais também foram
mortos por um criminoso, é por isso que eu devoto a minha vida a
exterminá-los).
Em outras palavras, a principal função do herói está em lutar e exterminar os
criminosos, foras da lei como aqueles que mataram os seus pais, inocentes vítimas de
um criminoso. (his parents, too, were innocent victims of a criminal).
76
Figura 7
Essa explicitação e o destaque no fator de combate está presente no juramento a que
Batman submete Dick quando o aceita como aliado:
Batman: -- and swear that we two will figth together against crime and
corruption and never to swerve from the path of rigthteousness (e jura
que nós dois vamos lutar juntos contra o crime e a corrupção e nunca
nos desviar do caminho daquilo que é correto).
A cena do juramento, à luz de velas, mão direita erguida, remete à solenidade e
importância do compromisso de Dick naquela empreitada.
Categoria 2: Características: Batman e Robin
Já no primeiro recordatário Batman é apresentado como uma fantástica e estranha
figura (amazing weird figure), apontando ainda que este possui características
especiais que o diferenciam das demais pessoas. Em paralelo a isso, reforçando esse
caráter excepcional do Batman, temos a própria figura do herói, parado, imponente, ao
lado de Robin. Batman sempre é desenhado com esse aspecto físico imponente e rijo.
77
Figura 6
Suas capacidades físicas são ressaltadas no decorrer da narrativa. Ele luta contra
bandidos armados se jogando destemidamente contra eles (figuras 1, 2, 3). Domina
dois ao mesmo tempo, completamente desarmado. (figura 1).
Figura 7
Nocauteia três bandidos armados com um único soco. Levanta sozinho uma mesa de
roleta de um cassino, que aparenta ser muito pesada, em um único impulso, e a
arremessa sobre os demais vilões. É quase sobre-humano em suas habilidades.
Mas, ao mesmo tempo, essas habilidades não são adquiridas ao acaso. É preciso se
preparar para combater o crime, como mostra a seqüência em que ele e Robin treinam
as mais diversas lutas e acrobacias (boxe, jiu-jitsu, trapézio).
78
Figura 8
É preciso treino e preparo físico para lutar contra o crime. Robin só entra em ação
muitos meses depois, após trabalho e estudos extenuantes (many months later... after
strenuous work and study).
Contudo, apenas o físico não é o suficiente; também a inteligência e as artimanhas
são necessárias para combater o crime. Batman vence Zucco porque pensa a longo
prazo, concebendo um plano.
Ele usa de inteligência, fazendo com que Robin se infiltre entre os jornaleiros e
descubra novas informações sobre as artimanhas de Zucco. Como os demais
trabalhadores da cidade, os jornaleiros também precisam pagar uma taxa a Zucco.
Fingindo-se de assustado e ameaçado, Robin consegue seguir os bandidos e obter
informações que levam Batman a atacar sistematicamente os negócios do gangster
(figuras 1, 2, 3 e 7). Quem protege a cidade é Batman e não Zucco, conforme o herói
deixa claro no bilhete enviado ao gangster. Assim, Batman atinge o chefe em seu
ponto fraco, o orgulho:
Zucco: Oh Yeah! I’m boss of this town, see! No one can talk to me like
that and get away with it. C'mon, boys, were going to the Canin
building. I’m still boss Zucco, see! (Oh, sim! Eu sou o chefe dessa
cidade, falou! Ninguém pode falar comigo desse jeito e se safar. Vamos
rapazes, vamos para o Edifício Canin. Eu ainda sou o chefe Zucco,
falou!)
Batman faz, assim, com que o gangster caia na armadilha preparada para finalmente
derrotá-lo. E quando confronta Zucco no Edifício Canin, o gangster acaba por matar
um de seus comparsas, que decidira traí-lo. Aproveitando a oportunidade, Batman tira
fotos do bandido matando seu comparsa para ter provas contra ele e, assim, derrotálo.
79
Figura 9
Conforme mostra a figura 9, ambas as qualidades de Batman se complementam. Com
a força física consegue render o chefe Zucco, mas o planejamento e a inteligência é
que providenciaram as evidências (o filme de Zucco pushing off Blade - empurrando
Blade, um de seus assistentes), que serão enviadas ao governador para que Zucco
receba a punição por seus crimes (eletric chair - a cadeira elétrica).
Robin, como Batman, é apontado como extremante habilidoso e corajoso. Tanto nas
descrições do recordatário inicial: an exciting new figure whose incredible gymnastic
and athletic feats will astound you (…) young daredevil who scoffs at danger (uma
excitante nova figura cujas habilidades ginásticas e atléticas vão impressionar vocês
(...) um jovem audacioso que se lança ao perigo), quanto nas cenas subseqüentes de
treinamento (figura 8), a ponto de o próprio Batman elogiá-lo no quesito das
habilidades acrobáticas, em um reconhecimento do valor do rapaz: As far as swinging
ropes go, you could probably teach me a trick or two (No que diz respeito a balançar
nas cordas, você poderia provavelmente me ensinar um truque ou dois).
Assim como as habilidades físicas de Robin são reforçadas nas cenas de treinamento,
estas, associadas à sua coragem, também são enfatizadas nas cenas em que luta
contra os bandidos. Mesmo em desvantagem física, numérica e sem armas de fogo,
ele combate e ganha, usando as habilidades físicas extraordinárias que possui.
80
Figura 10
Recordatário: Like David fighting Goliath Robin fights the gangsters
(como Davi enfrentou Golias, Robin combate os gangsters).
A imagem de Robin com a pederneira, arma do personagem bíblico mencionado,
reforça a possibilidade de vitória do garoto. Ou seja, mesmo pequeno, mesmo sendo
uma criança, Robin tem capacidade para a missão a que se propôs.
Assim, Robin já é apresentado como um aliado de Batman desde o recordatário de
abertura da história, como alguém que possui habilidades similares (o garoto prodígio,
com incríveis habilidades atléticas) e também divide um ideal similar, pois adota a
alcunha de Robin, inspirado pelo nome e espírito de Robin Hood (like the legendary
Robin Hood, whose name and spirit he has adopted), alguém conhecido por seu ideal
de fazer justiça por si próprio, tal qual Batman. Função e similaridades que vão se
reforçando no decorrer da narrativa.
As separações entre Bruce (identidade civil) e Batman (identidade de herói), no
ambiente público, são bastante delimitadas. Quando precisa agir, o homem civil dá
lugar ao herói mascarado. Na primeira aparição da personagem, na platéia do circo,
ele é denominado simultaneamente como Bruce Wayne, o Batman. Está travestido em
sua identidade civil, aproveitando o espetáculo, mas, após a morte dos Grayson
Voadores (Flying Graysons), quando vai se aproximar de Dick, está usando o uniforme
e apresenta-se apenas como The Batman.
Em casa, essa separação entre as duas identidades (Bruce/Batman) é menos
delimitada. Mesmo sem o uniforme, ele, após revelar quem é para Dick, age e pensa
sempre como um combatente do crime.
81
A duplicidade Batman-Bruce, posteriormente compartilhada por Dick quando assume a
alcunha de Robin, é rememorada na seqüência em que conversam sobre seus planos
de enganar os comparsas de Zucco. As sombras de Bruce e Dick se projetam sobre o
fundo, apresentadas maiores que os próprios personagens, reforçando que suas
sombras heróicas são maiores que suas identidades civis. Como se eles servissem a
algo maior que eles próprios. Esse significado só é possível de ser inferido quando
colocado em relação com o quadro em que Robin faz o juramento (figura 7), e com
esse sentido de duplas identidades existentes nas duas personagens.
Figura 11
Mas, apesar dessa duplicidade de identidades, de seu esconder sob uma máscara,
Batman não é misterioso ou indefinido ao leitor (ou a Robin). Ele deixa claro não
apenas a que veio (combater o crime), mas também aquilo que o motivou (a morte dos
pais) (figura 5).
Categoria 3: Batman na relação com outrem
Batman na relação com as autoridades legitimadas
Batman não deseja ocupar o lugar das autoridades legitimadas. Apesar de não
aparecem policiais durante a história, sendo apenas mencionados, Batman não
permite Dick chamá-los, porque Zucco controla a cidade e a polícia não possui
ferramentas ou evidências para se aproximar e incriminar Zucco.
Batman: But you can't go to the police (…) this whole town is run by
Boss Zucco. If you told what you knew you'd be dead in an hour. (Mas
você não pode ir até a polícia (...) A cidade inteira é controlada por
Zucco. Se você contar o que sabe, estará morto em uma hora).
É Batman quem proporciona essas ferramentas ao conseguir evidências de Zucco
82
como criminoso e assassino, possibilitando à polícia e à lei oficial finalmente agirem.
(figura 9). Ele vem complementar o trabalho dessas autoridades. Ele age quando e
onde a polícia não pode agir. Mas, na medida que Zucco é retirado de seu poder no
submundo, Batman sai de cena, e a autoridade oficial (o governador) vai intervir na
cidade (governor to clean up city politics).
Figura 12
Portanto, a intenção do Batman é abrir caminho para que a lei oficial seja feita, para
que a autoridade oficialmente reconhecida (governador) assuma seu lugar de direito,
usurpado pela ditadura mafiosa de Zucco sobre a cidade.
Batman na relação com colaboradores
Em relação a Robin, o garoto vem em complementação à figura de Batman. Batman é
aquele que introduz o garoto na história (literalmente, Robin é apresentado na capa e
na primeira página atravessando um arco - como um personagem de circo ou teatro figura 6).
É Batman quem autoriza e legitima a entrada de Robin naquele mundo de luta contra
o crime, seja nessa cena que abre a história, seja quando Dick pergunta se pode lutar
e Batman permite, embora avise que é perigoso. Batman também é o professor,
aquele que treina, ensina (figura 8) e diz como agir. (figura 11 - Good! Continue to act
frightened so that they don't suspects you. Now listen... - Bom! Continue fingindo
medo, então eles não suspeitarão de você. Agora ouça...)
Mas, apesar de tantas habilidades, apesar das ferramentas que Batman proporciona a
ele, Robin ainda é indefeso e desprotegido, ainda uma criança. Quando enfrenta os
83
bandidos de Zucco, é encurralado. Batman, então, surge voando em um cabo para
salvá-lo.
É interessante notar que a entrada de Batman na construção para salvar Robin é
visualmente idêntica à entrada que Robin utiliza quando se propõe a atacar os homens
de Zucco antes da chegada de Batman.
Figura 13
Figura 14
A lua cheia ao fundo, os dois balançando pela corrente e acertando um chute em seus
inimigos: a similaridade dessas imagens reforça visualmente a relação de identificação
Batman-Robin e a aproximação existente entre os dois, mas simultaneamente
84
apresenta uma hierarquia entre eles. Robin, o auxiliar de Batman, ataca os auxiliares
de Zucco, enquanto o Batman chega atacando o próprio chefão.
Contudo, Robin, apesar de trabalhar sob as ordens de Batman, não é uma
personagem isenta de vontade própria. Quando Zucco chega no Edifício Canin, ele
não espera Batman e ataca os homens do gangster sozinho (figura 10, figura 14), por
iniciativa própria, sem esperar a chegada do herói mais velho, mesmo que
posteriormente precisasse ser salvo por ele.
Batman na relação com vítimas dos crimes
A vítima dos bandidos nesta história é a cidade como um todo, a cidade que Batman
tenta libertar da influência de Zucco; mas a vítima destacada em meio às atrocidades
do gangster é Dick Grayson, que assistiu à morte de seus pais.
Aqui temos uma relação de identificação entre Batman e o menino, que revela ter
também os pais mortos por criminosos (figura 5). Quando Dick se propõe a combater
o crime, Batman se apresenta relutante, mas o rosto perturbado do menino o toca
profundamente (The Batman is reluctant but the troubled face of the boy moves him
deeply).
É Batman quem dá ferramentas para que Dick, a vítima, possa se tornar um
combatente. Ele o ensina a lutar, a se infiltrar, para que possa, assim, ir, por seus
próprios meios, atrás do assassino de seus pais. (figura 8).
Em relação às demais vítimas, Batman aparece como o salvador (figura 1 - alfaiate e
açougueiro) ou pelo menos restituidor (no caso do senhor do cassino - figura 4). As
vítimas são mostradas sempre de forma passiva perante o herói. Aparecem
geralmente no fundo da cena, estáticas, olhar amedrontado. O foco principal está em
Batman lutando contra os bandidos, enquanto essas vítimas o observam. Diferente do
caso de Dick, Batman não dá ferramentas para elas agirem; age por elas.
Contudo, talvez a restituição do poder legítimo (o governador) para a cidade seja um
modo de Batman dar a essas pessoas ferramentas de que elas necessitam para viver
suas vidas com tranqüilidade.
Batman na relação com criminosos
Batman é inclemente com os criminosos. Esmurra, bate, chuta Zucco e seus
85
comparsas sem pena (figuras 1, 2, 3, 7, 9, 14). Chega a ameaçar a vida do assassino
dos pais de Dick, que acabou escorregando na construção, ficando preso a uma
corda, usando o mesmo método que o criminoso usou para matar os trapezistas, a
menos que ele confesse seus crimes e os de seu chefe.
Figura 15
Há também um certo desdém e jocosidade no modo como Batman trata os bandidos,
como na seqüência da figura 1, quando bate a cabeça dos bandidos uma contra a
outra e comenta: Hollow... Just as I thought (Vazias... Exatamente como eu pensei), ou
nos recados que manda para o Chefe Zucco
Figura 1: Na alfaiataria: If you see Boss Zucco, tell him the Batman
was here (Se virem o Chefe Zucco, digam que Batman esteve aqui).
No açougue: Tell Zucco I just dropped in to say Hello! (Digam a Zucco
que eu passei apenas para dizer Olá!).
Na lavanderia: And tells Zucco he needs a little cleaning himself (E
diga a Zucco que ele próprio precisa se lavar).
Ou quando manda o bilhete para Zucco dizendo que ele, o Batman, é o verdadeiro
protetor. Ou ainda na fala do Batman quando chega à construção e chuta Zucco pelas
costas:
Batman: Mind if I join the party, Zucco? So sorry to drop in so
unexpectedly this way! (Importa-se se eu participar da festa, Zucco?
Desculpe-me por aparecer desse modo tão inesperado!).
Para os criminosos, Batman é visto como uma ameaça; eles o temem:
86
Figura 16
O nome do Batman em negrito, o indicativo do movimento de fuga na imagem, o balão
levemente tremido, somado à fala: The Batman! I´m getting out of here! (O Batman!
Vou cair fora daqui!), denotam esse sentido de Batman como uma ameaça concreta
aos criminosos, que preferem fugir a enfrentá-lo.
O principal antagonista de Batman nesta história é o Chefe Zucco. Grande,
carrancudo, feio, gordo, careca, nervoso (sempre com muita fumaça ao redor dele
mesmo, fumando continuamente seu charuto).
Figura 17
Ele faz contraponto com a figura atlética, imponente e racional que Batman apresenta
no decorrer da narrativa.
Sempre cercado de auxiliares (figuras 10, 13, 14 e 17), sua figura grande se destaca
entre seus capangas, todos franzinos se comparados a ele, reforçando a autoridade
87
de Zucco não apenas através da nomenclatura boss (chefe), com a qual é chamado
por seus subordinados, mas também visualmente.
O gangster é ambicioso (It isn't enough! See! You've got to get more money out of our
customers - Não é o bastante! Vejam! Vocês precisam pegar mais dinheiro de nossos
clientes), o ganho nunca é o suficiente, nunca o satisfaz. Mesmo essa representação
obesa da personagem pode ser associada a uma idéia de gula, voracidade, como se
nada a saciasse (tanto em termos de alimento, quanto em termos de dinheiro).
Desvaloriza a vida humana em relação ao dinheiro, não se preocupando em ferir o
próximo ou mesmo em matar (no caso dos Flying Graysons), e também coloca o bemestar próprio frente ao dos demais, mesmo que para isso precise matar também
aqueles que podem prejudicá-lo, como Blade, seu comparsa, quando este o trai. O
destino do vilão por matar o comparsa é a cadeira elétrica: a pena máxima para o
crime máximo.(figura 9)
Categoria 4: Tematizações sobre justiça, vingança e lei.
Na história em questão, abre-se uma relação entre os conceitos de vingança e justiça.
Figura 18
Após prenderem Zucco, o mandante da morte dos pais de Dick, Bruce aproxima-se do
garoto perguntando-lhe se now that your parents' deaths have been avenged, are you
going back to circus life? (agora que a morte de seus pais foi vingada, você vai voltar
para a vida circense?).
Bruce introduz abertamente aqui a questão da vingança, colocando-a como algo
pessoal. Os bandidos que mataram os pais de Dick foram punidos, ambos estão
88
mortos, Blade pela mão de Zucco, e Zucco pelas mãos das autoridades que o
enviaram para a cadeira elétrica. Se a intenção de Dick era apenas vingar os pais,
resolver uma questão que dizia apenas respeito a ele, já poderia voltar para a sua
antiga vida.
Porém, Dick responde: No, I think Mother and Dad would like me to go on fighting
crime.
Na história em questão, justiça e vingança não são mutuamente excludentes; contudo,
justiça não é vingança. A vingança pode ser um fato motivacional para adentrar essa
empreitada, mas a justiça vai além a vingança. Enquanto a última diz de um ganho
pessoal, a primeira ultrapassa esse caráter, e diz respeito ao bem-estar de outrem.
Assim, Robin continua lutando contra o crime mesmo depois de vingar a morte dos
pais, do mesmo modo como Batman também continua lutando todos esses anos após
a morte dos próprios pais.
89
3.3- The Batwoman
Escrita em 1956, The Batwoman (ou Mulher-Morcego) introduz Kathy Kane nas
histórias do Batman. Ex-trapezista de circo, Kathy sempre sonhou em usar suas
habilidades para algo mais que o mero espetáculo circense. Ao herdar a fortuna de um
parente distante, ela decide abandonar a vida de artista e empregar seu dinheiro para
realizar seu sonho de se tornar uma campeã da lei como Batman. Em Gotham City,
ela assume a identidade de Batwoman e passa a rivalizar com Batman e Robin no
combate aos criminosos da cidade.
Categoria 1: Função: Batman, Robin e Batwoman
No recordatário inicial, Batman é apontando como a champion of law (um campeão da
lei), título que é compartilhado por Batwoman. Em cena subseqüente, quando ela
chega ao novo terminal aéreo antes de Batman e Robin para impedir alguns
criminosos, é designada como another champion of law (outra campeã da lei - já que
Batman é o primeiro a ser apontando como tal). Assim, tanto Batman quanto
Batwoman são definidos em sua função de campeões da lei, pessoas que defendem e
protegem as leis estabelecidas.
Figura 1
Figura 1 (detalhe)
A primeira cena da história mostra Batwoman prestes a enfrentar um grande perigo
(figura 1): Robin foi capturado por um robô, enquanto Batman está a ponto de ser
pisoteado pelo mesmo. Independentemente do perigo iminente, a atitude da
90
Batwoman frente a ele é intrépida e já deixa clara sua função na trama através da
afirmação: Don´t worry Batman and Robin -- I’ll save you!
(Não se preocupem,
Batman e Robin -- eu vou salvar vocês!) (figura 1 - detalhe).
Esse caráter de salvar aqueles que estão em perigo, ou pelo menos evitar que a
pessoa entre em perigo desnecessariamente é recorrente em toda a história.
Batwoman salva a vida de Batman duas vezes. Primeiro, ela ofusca um bandido que ia
atirar no Batman usando um espelhinho (figura 2); depois, usando seu perfume (Tear
Gas n° 51 , em uma referência a perfumes de marcas famosas como o Chanel Nº 5),
ela impede dois bandidos de atropelar Batman e Robin (figura 3). Posteriormente
Batman também salva sua vida, afastando-a do golpe de um gigantesco robô (figura
4) enquanto procuram os criminosos que atacaram o futurístico Tomorrow Club,
colocando seu próprio bem-estar à frente do dela e, conseqüentemente, perdendo
momentaneamente os sentidos em decorrência do golpe.
Figura 2
91
Figura 3
Figura 4
O caráter de proteção é destacado inclusive na própria relação entre Batman e
Batwoman. A heroína coloca-se como rival do Batman, conforme discutiremos mais
adiante, sendo que diversas vezes Robin aborda o incômodo dessa rivalidade;
contudo, Batman afirma que a questão não está na competição entre eles, mas no
perigo a que Batwoman se expõe.
Robin: Batman, she’s making you looking bad. (Batman, ela está fazendo você
parecer mal).
Batman: I don’t care about that but I do worry about the risks she’s taking! She
doesn’t realize that she's been successful thus far because of good luck! And
she's so reckless that some criminal is bound to find out her identity. Then,
when that happens, she'll be in bad danger. (Eu não me importo com isso, mas
realmente me preocupo com os riscos que ela está correndo! Ela não percebe
que está tendo tanto sucesso por sorte! E ela é tão descuidada que algum
criminoso está próximo de descobrir a sua identidade. Então, quando isso
acontecer, ela vai estar em sério perigo).
Robin: Yet she said that if we exposed her, it would expose you too! (Mas, ela
disse que se você a expuser, ela exporá você também).
Batman: I’ve got to risk that, and reveal her identity - to prove to her she can’t
keep this up! (Eu vou correr o risco e revelar a identidade dela - para provar
que ela não pode continuar com isso).
Assim, proteger a vida de Batwoman, afastando-a de sua perigosa carreira, é mais
importante para o Batman que parecer melhor ou pior que Batwoman, e até mesmo
que a própria carreira do herói de combatente do crime.
92
Proteger uma vida parece ser mais importante que combater o crime. Fato que é
reiterado no seguinte diálogo entre Kathy Kane e Bruce Wayne, logo após ele revelar
a ela que sabe sua identidade secreta:
Batman: Listen, Kathy - if I found you out, crooks do so, too
eventually! Once they learned your real identity, you'd be in mortal
danger! (Escute, Kathy - se eu descobri você, os bandidos também
podem [fazê-lo]. Assim que descobrirem sua verdadeira identidade,
você estará em perigo mortal).
Kathy Kane (Batwoman): I've never thought of that! I guess you're
right! I´ll quit my career as Batwoman. (Eu nunca pensei nisso! Acho
que você está certo! Vou abandonar minha carreira como Batwoman).
Figura 5
A gravidade da situação é reforçada pela expressão assustada de Kathy Kane.
Contudo, prender os bandidos também é parte importante do trabalho de Batman,
Robin e Batwoman.
A história propriamente dita já começa com Bruce e Dick, alter-egos de Batman e
Robin, sendo chamados à ação através do Batsinal, que é um dos modos utilizados
pela polícia para contactá-los: an eerie symbol that catapults a man and a boy into
dynamic action - um misterioso sinal que impulsiona um homem e um garoto a uma
dinâmica ação - (...) Bruce Wayne and his ward Dick Grayson, swiftly become Batman
and Robin - Bruce Wayne e seu pupilo Dick Grayson velozmente se transformam em
Batman e Robin (grifo deles). Simultaneamente, another champion of law (outra
campeã da lei), Batwoman, é mostrada no local do crime, enfrentando os criminosos.
93
A seqüência termina com a chegada de Batman e Robin, e Batwoman prendendo os
bandidos com seus charm bracelets (pulseiras), que na verdade são disguised steel
handcuffs (algemas de metal disfarçadas).
Figura 6
Em outra seqüência, vêem-se Batman e Robin em cima de um prédio, patrulhando a
cidade em busca de Batwoman, que, segundo o próprio Menino Prodígio, também
estaria fazendo o mesmo. A certa altura, se deparam com um crime ocorrendo na
porta de um cinema, e o foco de sua atenção é desviado imediatamente de Batwoman
para a infração, uma vez que o combate ao crime, o perigo imediato, é prioridade para
a dupla de heróis. Em razão disso, ambos saem de seu posto para impedir o crime, no
caso, o roubo de uma jóia.
Robin: I though I glimpsed Batwoman patrolling too, but I'm not sure
(Acho que eu vi de relance Batwoman patrulhando também, mas não
tenho certeza).
94
Batman: But I do see a known jewel-thief down there and here comes
a star with famous diamonds! Quick, if he tries to grab… (Mas eu
realmente vi um conhecido ladrão de jóias lá embaixo e chegou uma
estrela com famosos diamantes! Rápido, se ele tentar pegá-los...).
Situações similares de confronto com ladrões e sua subseqüente prisão se repetem
diversas vezes na história: no roubo ao aeroporto já mencionado (figura 6), no acima
citado roubo de jóias, na tentativa de atropelamento de Batman e Robin (figura 3), em
um ataque a uma boate (figura 7, abaixo) e em um ataque a uma penitenciária (figura
8, abaixo).
Figura 7
Figura 8
Cada uma dessas situações reitera o papel de combatente do crime de Batman, Robin
e Batwoman, mostrando-os como aqueles que capturam e impedem os bandidos.
Categoria 2: Características: Batman, Robin e Batwoman
No primeiro quadro da história, vemos Batwoman entrando impetuosamente em cena
utilizando uma corda. (figura 1) De forma semelhante ao Batman, evidencia-se de que
a heroína possui qualidades e agilidades físicas que a tornam tão apta ao combate ao
crime quanto Batman e Robin.
No recordatário da mesma cena, enumeram-se as qualidades do Batman: suas
soberbas habilidades acrobáticas, seu aguçado conhecimento científico, sua maestria
nos disfarces e suas habilidades detetivescas (his superb acrobat skill, his scientific
keenness, his mastery of diguise and detective skills), já explicitando as qualidades
necessárias para ser um combatente do crime. A enumeração dessas qualidades
mostra que são necessárias tanto habilidades físicas quanto intelectuais.
95
Essa conjunção entre aptidões físicas, técnicas e intelectuais é atribuída e reforçada
em relação aos três heróis mascarados.
Na cena do roubo de jóias, Batman e Robin pulam do prédio, atirando-se sobre o
bandido (figura 9, abaixo) com indiscutíveis agilidade e força físicas. Para que isso
seja sempre evidenciado, os heróis são constantemente desenhados com vigor físico
exuberante, conforme também pode ser notado na seqüência de luta na guarded yard
(depósito vigiado) (figura 8), em que Batman, Robin e Batwoman lutam e derrotam
habilmente seus opositores.
Figura 9
Kathy Kane também é mostrada em seu pleno ofício de trapezista para enfatizar seu
pré-requisito físico, sendo apontada como a fine trapeze performer - and our best
motorcycle stunt rider too (uma excelente trapezista e nossa melhor motociclista
também) - figura 10.
Figura 10
96
Assim, em reforço aos aspectos físicos, vêm os aspectos técnicos e intelectuais.
Como o recordatário inicial já enfatizou, Batman é um mestre em disfarces, hábil
detetive e um cientista de grande capacidade. Inúmeras outras vezes essa inteligência
é demonstrada.
Na cena de ataque ao clube futurista Tomorrow Club, após Batwoman prender o vilão,
surge a necessidade de interrogá-lo para se descobrir os motivos existentes por trás
do vandalismo ali ocorrido - ou seja, há que se encontrar um sentido para o crime.
Porém, quando Batman tenta interrogar o bandido, ele se recusa a falar (the defiant
captive refuses to talk). Inútil, pois Batman, valendo-se de sua memória excepcional e
de sua grande capacidade intelectual, lembra-se do bandido por sua ficha criminosa: I
know your record, you are one of Hugo Vorn's Mob! (Eu conheço sua ficha, você é do
bando de Hugo Vorn!).
Ainda assim o criminoso se recusa a contar os detalhes; e são novamente a
inteligência, a memória e a capacidade intelectual de Batman que o levam a elucidar
os planos de Vorn. Enquanto Batman e Robin conversam do lado de fora do clube, o
primeiro observa um dirigível no céu. Sua memória lhe confirma que o dirigível não
está em seu trajeto usual (figura 11).
Figura 11
Batman: Vorn só teria uma razão para ordenar que este lugar
[Tomorrow Club - onde eles e Batwoman foram investigar] fosse
destruído - para nos atrair aqui enquanto ele cometia um roubo em
algum outro lugar.
Robin: Mas quando eu liguei para o Comissário agora a pouco, ele
disse que nada aconteceu.
97
Batman: Você está errado, Robin! Aquele dirigível de propaganda
normalmente atravessa a cidade todas as noites, mas esta noite ele
está indo direto para a zona leste [da cidade] - em direção à Casa da
Moeda.
É também juntando pistas e empregando sua capacidade dedutiva que Batman
consegue descobrir quem é a Batwoman. Durante a perseguição aos bandidos no
Tomorrow Club, ela o elogia com a expressão terrific trap artist (excelente mestre de
escape), típica de artistas circenses, segundo o próprio Batman. Assim, sem deduções
aleatórias, mas baseadas em pistas e em arquivos de informações que possuem,
Batman e Robin acabam por descobrir quem é a Batwoman: Kathy Kane, a exacrobata de circo que acabara de receber uma fortuna.
Essa inteligência também é compartilhada por Batwoman. Em uma seqüência em que
Batman e Robin estão, no Batmóvel, tentando alcançá-la, Batwoman consegue
escapar-lhes entrando com sua moto em um beco estreito, local onde o Batmóvel não
consegue passar, demonstrando inteligência estratégica bem semelhante à do próprio
Batman.
A presença de Batwoman traz ainda a possibilidade de uma mulher também poder
lutar contra o crime.
No aeroporto, quando os vilões vêem a figura da Batwoman, pensam que é Batman;
mas, quando percebem que se trata de uma mulher, desfazem dela (Batwoman? Ha
Ha. What can she do? – Batwoman? Ha-ha. O que ela pode fazer?), como se esse
fato diminuísse ou inviabilizasse sua capacidade de lutar.
Ela responde a esse desdém através de seus atos, atacando os bandidos com
métodos próprios e eficazes, dominando-os com apetrechos tipicamente femininos: o
pó de arroz para os criminosos aspirarem e não conseguirem usar as armas, e os
braceletes para prendê-los (figura 6).
Quando Batwoman vê criminosos ameaçando a vida de Batman e Robin, que estavam
justamente à sua procura, ela usa seu perfume (novamente um artefato feminino) para
atacar os criminosos (figura 3), assim como salvou anteriormente a vida de Batman
usando um espelhinho (figura 2).
Inclusive, nesta cena em questão, enquanto Batman segura o vilão derrotado,
Batwoman parte dali em sua moto. A derrota do criminoso é creditada a ela, mesmo
Batman tendo se atirado destemidamente contra o bandido armado. Os observadores
98
da cena afirmam que ela o prendeu sozinha (She stopped that crook all by herself),
além de ter salvado a vida do Batman (She also saved Batman's life). Isso lhe credita
a capacidade de, mesmo mulher, também lutar contra o crime, ser uma campeã da lei.
Na seqüência do Tomorrow Club, com o Batman ainda inconsciente, descobre-se que
existe um bandido dentro do robô, controlando seus movimentos. Sentindo-se
encurralado, o criminoso tenta fugir, mas é impedido pela Batwoman, que o captura
utilizando uma rede de cabelo (figura 7). Mais uma vez está presente o elemento
feminino e a inteligência no uso de um acessório estético para outros fins.
Também na seqüência em que Batman, Robin e Batwoman chegam à Casa da Moeda
para impedir os criminosos do dirigível, um dos bandidos, desdenhando o fato de
Batwoman ser uma mulher, diz: There's only two of them. The girl doesn't count (Há
apenas dois deles. A garota não conta). O recordatário da cena seguinte contradiz o
vilão: But, this girl does count in a fray. (Mas essa garota realmente conta).
Nos quadros seguintes, mostra-se a luta dos três heróis contra os bandidos.
Batwoman pega a fivela de sua bolsa e, com ela, laça os fugitivos para fazer a fine
bat-bolo to stop thugs like you (um requintado bat-bolo para parar assassinos como
vocês) (figura 12). Nesse momento, chega a receber um elogio de Batman: Good
work! (Bom trabalho!).
Figura 12
Ou seja, cada uma das cenas evidencia que a mulher também poderia lutar contra o
crime usando seus próprios meios (representados, de certo modo, nesses utensílios
tipicamente femininos que ela usa para capturar criminosos), o que, de certo modo,
99
também reforça a questão da inteligência, no sentido de Batwoman atribuir a objetos
simples novas e inusitadas utilidades práticas.
Categoria 3: Batman em relação a outrem
Batman em relação com as autoridades legitimadas
Batman, Robin e Batwoman parecem ter uma relação de cordialidade e cooperação
com a polícia local.
Na seqüência do crime no clube futurista Tomorrow Club, quando finalmente os
policiais chegam, há uma relação cordial e de cooperação entre todos eles, inclusive
entre Batwoman e a polícia, pois o quadro a mostra ao lado dos policiais enquanto os
bandidos são presos. Batman e Robin observam tudo à distância.
Figura 13
Inclusive, saindo do Tomorrow Club, Robin menciona que ligou para o comissário para
saber se havia algo de anormal acontecendo na cidade, evidenciando uma vez mais a
relação de cordialidade entre os heróis e a polícia; não havia notícia de nenhum crime
em andamento.
Mas, a maior evidência de uma relação bastante próxima entre Batman e as
autoridades legitimadas está no fato de existir na cidade de Gotham uma lei que não
permite que nenhum outro homem use o uniforme de Batman (figura 14, abaixo). A
existência dessa lei parece não apenas evidenciar essa aproximação entre Batman e
as autoridades, mas também legitimar suas atividades de combate ao crime.
Batwoman está fora dessa lei apenas pelo simples fato de que ela é uma "mulher",
enquanto a lei se aplica a "homens".
100
Figura 14
Batman, Robin e Batwoman chegam para atuar em um momento em que a polícia não
é capaz de agir, por estar rendida pelos bandidos; os heróis chegam mesmo a salvar a
própria polícia.
Batman em relação com colaboradores
Antes de tudo, Batwoman é apresentada como uma rival do Batman. Já na capa da
revista existe um forte indício de competitividade entre eles no combate ao crime.
Figura 15
101
Ela aparece, com sua moto, na frente do Batmóvel, sorrindo para Batman e Robin
como se estivesse satisfeita por estar um passo à frente deles. O garoto replica: Hurry,
Batman. The Batwoman is beating us on this mission (Rápido, Batman. A Batwoman
está nos derrotando nesta missão). A fala de Robin e a construção da cena, que
remete-nos a uma corrida, já são um indicativo de uma competitividade na relação da
Batwoman com os demais heróis.
Também o recordatário de abertura reafirma essa rivalidade:
There's only one Batman! That’s been said many times, and has been
true... For no other man has ever rivaled Batman as champion of law
(…) Batman finds he has a great rival in the mysterious and glamorous
girl… The Batwoman. (Há apenas um Batman! Isso foi dito várias
vezes, e é verdade... Nenhum outro homem pode se rivalizar a Batman
como campeão da lei (...) Batman descobre que ele tem seu grande
rival em uma glamurosa e misteriosa garota... A Batwoman.).
Interessante perceber que o comentário coloca a Batwoman em um mesmo patamar,
ou pelo menos similar ao Batman, pois ainda que se que diga que nenhum homem se
equipara ao herói, ela pode fazê-lo. Ela é uma mulher, porém com atributos que a
tornam capaz de assumir uma posição audaz frente ao crime e ao perigo. Contudo,
não é apresentada como uma aliada, e sim como rival no combate ao crime.
E é como rival que ela praticamente se coloca durante toda a história. Não se
apresenta como uma aliada, nem como uma auxiliar, mas sim como alguém que
compete. Mais de uma vez se mostram seqüências onde ela ultrapassa Batman e
Robin com sua moto, para chegar primeiro ao local dos crimes.
Figura 16
102
A fala de Robin novamente reacende a questão da rivalidade: Batwoman está
tentando nos derrotar de novo (Batwoman's trying to beat us again!), ele diz.
Todavia, é interessante notar aqui que Batman não mais a vê como uma rival,
propriamente, mas alguém que não deveria lutar contra o crime, uma vez que poderia
se machucar.
Já Robin a vê como rival e se sente humilhado pelo sucesso dela.
(1)
Robin: A girl saving you? It´s ridiculous! (Uma garota salvando você? Isso é
ridículo!).
Batman: She did, though. But we've got to see she takes no more such risks!
(Ela fez, sim. Mas nós temos que evitar que ela corra mais riscos).
(2)
Robin: Batman, she’s making you looking bad. (Batman, ela está fazendo você
parecer mal).
Batman: I don’t care about that but I do worry about the risks she’s taking! She
doesn’t realize that she's been successful thus far because of good luck! And
she's so reckless that some criminal is bound to find out her identity. Then,
when that happens, she'll be in bad danger. (Eu não me importo com isso, mas
realmente me preocupo com os riscos que ela está correndo! Ela não percebe
que está tendo tanto sucesso por sorte! E ela é tão descuidada que algum
criminoso está próximo de descobrir a sua identidade. Então, quando isso
acontecer, ela vai correr sério perigo).
Mas, mesmo sendo apresentada como rival do Batman, essa rivalidade é construída
através de uma similaridade tanto em termos de semelhanças pessoais entre as duas
personagens, quanto em associações de imagens que reforçam essa eqüidade entre
os dois, ou melhor, entre os três, incluindo também Robin.
A fim de impedir o crime, Batman e Robin pulam do prédio. Batwoman chega à cena
do crime do mesmo modo que eles, em uma corda (figura 17, abaixo). São cenas
distintas, porém mostradas em seqüência, criando uma aproximação visual entre as
personagens.
103
Figura 17
A mesma construção de cena é utilizada novamente quando Batman, Robin e
Batwoman vão impedir o ataque de Vorn; mas, dessa vez, os três são mostrados no
mesmo quadro.
Figura 18
Para pôr fim à ação criminosa, Batman, Robin e Batwoman chegam do alto, numa
relação de equivalência de meios e estratégias, ainda que Batman e Robin apareçam
em primeiro plano com mais destaque, grandes, e os bandidos sejam retratados no
fundo da cena.
104
Quase todas as características de Batwoman a colocam em paralelo e em similaridade
com o Batman, exceto pelo fato de ser uma mulher. Pois ela, de fato:
•
possui uma caverna;
•
é tão rica quanto Bruce Wayne (herdou o dinheiro de seu tio);
•
possui habilidades acrobáticas como ele, tendo sido artista de circo como Dick
Grayson (diretamente ligado ao Batman);
•
alimenta o desejo de ser como Batman, atuando na luta contra o crime;
•
dedicou-se a uma preparação necessária para poder atuar; assim como
Batman, ela utiliza equipamentos que, se não iguais aos do herói (como as
cordas), são variações femininas de apetrechos de combate ao crime;
•
seu uniforme conjuga elementos do herói e de seu auxiliar, vez nele
aparecerem as cores do uniforme do Robin (vermelho e amarelo) e o formato
de morcego do uniforme do Batman.
Outra similaridade da Batwoman com Batman: ela também é uma socialite. Rica,
Kathy Kane precisa das festas para manter as aparências e para que ninguém
desconfie de que ela é a Batwoman; por sua vez, Bruce Wayne precisa comparecer e
oferecer esses eventos pelos mesmos motivos. Mas também, assim como ele, se
chamada ao dever, substitui rapidamente o alter-ego civil pelo de combatente ao
crime.
Figura 19
Ainda assim, apesar de todas essas aproximações, a relação entre eles é apoiada
principalmente na rivalidade, especialmente no que diz respeito ao posicionamento
dela e de Robin.
105
Mesmo quando lutam juntos essa rivalidade se mantém, e ainda quando ela salva
Batman e Robin. Apenas em dois momentos Batwoman deixa totalmente a rivalidade
de lado. Quando Batman a salva da mão robótica, ele é nocauteado. Ela cogita, então,
tirar-lhe ou não a máscara para descobrir sua identidade. A questão ética se faz
presente quando Batwoman desiste de desmascarar Batman: afinal, ele salvou sua
vida, não seria justo trair-lhe a confiança.
O segundo momento é quando Batman, após localizar e ir até à caverna de
Batwoman, a convence a parar de combater o crime, conforme já mencionamos aqui.
Além de se convencer, ela revela que, detrás de seu quadro, existem dispositivos
secretos de Raios X que fotografam todos que ali entram. Ela poderia descobrir quem
é o Batman, mas, ainda assim, ela prefere entregar tudo para ele. I could never harm
you Batman (Eu nunca poderia prejudicá-lo, Batman), ela diz. A motivação dela neste
momento não fica exatamente clara. Talvez seja por aquilo que ele representa, ou
mesmo por ter salvado sua vida, ou ainda por ter sido a fonte de inspiração para ela
entrar no combate ao crime.
Quando Batman e Robin retornam para casa, ele revela que sabia do dispositivo, pois,
com sua capacidade de dedução e de inteligência, observara que os olhos do quadro
da Batwoman pareciam diferentes, e, assim, expôs o filme, de modo que não pudesse
revelar quem ele realmente era. Batman demonstra que, além de mais inteligente que
Batwoman, também é mais cuidadoso.
O que se percebe é que o papel da Batwoman é paradoxal durante a história. Robin
reclama do fato de ela ser uma mulher e fazer Batman parecer mal (she´s making you
looking bad) ou fazer com que eles pareçam amadores (made us look like amateurs
again - figura 13).
Já Batman se preocupa com o perigo que ela pode correr. Ele, em determinado
momento, menciona o fato de ela ser uma garota e que deveria se afastar desse tipo
de trabalho: This is no place for a girl, please let me handle this (Esse não é lugar para
uma garota, me deixe cuidar disso).
106
Figura 20
Contudo, mais de uma vez ele deixa claro para Robin e para a própria Batwoman,
quando revela que sabe a sua identidade, que sua preocupação é com a segurança
da jovem. Ele admite que ela o salvou, admite até que ela faz um bom trabalho,
chegando a elogiá-la (Good work, Batwoman! - figura 12).
O diferencial parece realmente estar na segurança pessoal e levanta a questão: não
basta apenas o desejo de se lutar pela lei, seria preciso também um certo cuidado
pessoal para isso.
Batman em relação às vítimas dos crimes
As vítimas dos criminosos ficam praticamente em segundo plano no decorrer da
história, cujo foco principal está na relação Batman - Batwoman. Mesmo nas cenas em
que aparecem, não são destacadas, em contraponto com a figura dos heróis ou dos
bandidos, como a atriz mostrada na figura 17 ou os freqüentadores do clube na cena
abaixo (figura 21).
107
Figura 21
Algumas vezes aparecem apenas como meras silhuetas indistintas (figura 18, figura
20, ao fundo), denotando sua pouca importância na trama.
As vítimas ali estão apenas para mostrar que existe um problema ocorrendo, seja o
roubo de uma jóia, um vandalismo em um clube ou um assalto a um depósito.
Problemas que são resolvidos por Batman, Robin e Batwoman que, invariavelmente,
prendem os responsáveis.
Batman na relação com os criminosos
Em relação aos criminosos confrontados por Batman, Robin e Batwoman, pouco
também pode ser dito.
O tipo de crime que cometem é similar: roubo de jóias, roubo em um aeroporto, roubo
de um depósito. Mesmo a confusão no clube futurista era relacionada a um roubo.
Como Batman deduziu, tratava-se apenas de um embuste para desviar a atenção do
roubo que ocorreria no depósito, com o uso do zepelim.
Visualmente, nenhum dos bandidos se destaca; parecem usar um uniforme padrão:
terno e chapéu de feltro.
Nem mesmo o chefe dos bandidos, Vorn (chapéu de feltro, terno roxo xadrez, arma
em punho, na figura abaixo), se destaca visualmente dos subordinados:
108
Figura 22
Só deduzimos que ele é o chefe, anteriormente mencionado por Batman como o líder
da gangue, pela fala do companheiro de chapéu de feltro e terno verde que o elogia
pelo plano: A swell idea, Vorn! (Uma boa idéia, Vorn!).
Essa fala e o plano de distração no clube são, pelo menos, dois indicativos de que
Vorn é um bandido inteligente, mas não tão inteligente quanto o Batman, que
facilmente deduz o plano observando o trajeto do dirigível.
Em suma, os criminosos não apresentam outra motivação que não o ganho financeiro
puro e simples (roubo), mas estão presentes na história para serem combatidos por
Batman, Robin e Batwoman, sendo, no fim, capturados e entregues à polícia.
Categoria 4: Tematizações sobre justiça, vingança e lei.
Não foi observado nenhum aspecto na história relativo a esta categoria.
109
3.4- The Million Dollar Debut of Batgirl
Escrita em 1966, The Million Dollar Debut of Batgirl marca a entrada de Barbara
Gordon nas histórias do Batman. Filha do comissário de polícia, ela é uma jovem
bibliotecária que decide, por brincadeira, fantasiar-se de Batgirl para o Baile de
Fantasia da Polícia de Gotham, e, assim, surpreender o pai e seus conhecidos. No
caminho para a festa, surpreende o milionário Bruce Wayne, alter-ego de Batman,
sendo atacado por uma trupe de vilões fantasiados, liderada pelo Killer Moth (o
Mariposa Assassina). Sem hesitar, investe contra os bandidos. Após esse incidente,
decide assumir a identidade de Batgirl, e, apesar da oposição inicial de Batman,
continua trabalhando no caso.
Categoria 1: Função: Batman, Robin e Batgirl
Recordatário inicial: Out of the super-star studded firmament of
Gotham City, where Batman and Robin shine supreme as masked
manhunthers - bursts a brand new luminary - Batgirl! And like that very
Batman after whom she models herself - she too battles crime and
injustice in a manner wondrous enough for newspaper to proclaim in
banner headlines 'The Million Dollar Debut of Batgirl’ (No firmamento de
super-estrelas de Gotham City, onde Batman e Robin brilham
supremos como caçadores mascarados - surge uma nova luz - Batgirl.
E como Batman, em quem ela se modelou - ela também luta contra o
crime e a injustiça de um modo estupendo o bastante para os jornais
proclamarem em largas manchetes ‘A Estréia de Um Milhão de Dólares
da Batgirl’)
No recordatário inicial, Batgirl é apresentada aos leitores, explicitando seu papel de
foco principal da história. Ela é apontada como alguém que também combate o crime
e a injustiça (she too battles crime and injustice), deixando, desde o início, bem clara a
sua função. Não apenas a dela, mas também a de Batman e Robin, uma vez que
Batgirl é referenciada em relação a eles. Ela é a nova luz (a brand new luminary) que
surge nos céus de Gotham onde Batman e Robin brilham supremos como caçadores
mascarados (shine supreme as masked manhunthers), e moldou a si mesma através
do exemplo do Batman (Batman after whom she models herself).
O próprio Batman reconhece Batgirl, ao vê-la enfrentando bandidos armados, como
alguém que entrou em seu território de combate ao crime: Who is this new Batgirl
who seems to have taken over my crime-figthing territory? (Quem é essa nova Batgirl
que parece ter assumido o controle do meu território de combate ao crime?).
110
Assim, tanto para Batman e Robin, quanto para a nova Batgirl, a primeira função seria
combater o crime e a injustiça.
A motivação que levou a jovem a se fantasiar de Batgirl foi apenas o baile à fantasia
da polícia, uma vez que ela é filha do comissário e uma das convidadas do evento.
Porém, enquanto se dirigia para a festa, viu alguém sendo atacado.
Figura 1
Batgirl: Ohhh! Costumed men gang up on that driver! I’ve got to help
him (Ohhh! Uma gangue de fantasiados encurralou aquele motorista!
Eu tenho que ajudá-lo).
O que pode ter começado como uma simples brincadeira imediatamente se
transforma em algo mais sério: quando a jovem se depara com uma situação de
perigo, qual seja, o ataque a um cidadão, sente necessidade de ajudar, proteger e
salvar. Não hesita em auxiliar, revelando outra função da personagem e, por
conseguinte, de Batman, uma vez que ela se espelhou nele, conforme o texto inicial
anteriormente enfatizou.
Figura 2
Batgirl grita, enquanto corre na direção dos bandidos: Make a run
for it, Mr. Wayne - Before you get hurt! Batgirl will handle these human
moths! (Fuja, Sr. Wayne - Antes que você se machuque! Batgirl vai
cuidar dessas mariposas humanas!).
111
Aqui ela assume o papel de combatente do crime, com o qual foi designada desde o
recordatário introdutório, cuja função e responsabilidade é cuidar dos bandidos. Mas
assume ainda o papel de protetora, pois pede que o atacado (Mr. Wayne) fuja para
não se ferir. As duas funções acabam se confundindo e mesclando. Luta-se contra
bandidos para proteger as pessoas.
Quando Bruce foge para assumir seu lugar como Batman, seu primeiro pensamento é
de se trocar para ajudar e também proteger Batgirl, uma vez que ela talvez não seja
tão boa quanto ela pensa que é (new Batgirl may not be as good as she thinks she
is).
Também quando Killer Moth, o chefe dos bandidos, foge após prender Batgirl, a
questão do bem-estar de outrem aparece mais uma vez e é colocada em contraponto
em relação a capturar o bandido. Impossibilitado de ir atrás de Killer Moth, Batman
primeiro se preocupa em libertar Batgirl e verificar se ela está realmente bem (figura
3, abaixo), ao mesmo tempo em que garante que os demais comparsas do vilão sejam
presos.
112
Figura 3
Batgirl: Ele está fugindo! Atrás dele, Batman!
Batman: Sem chances de fazer isso agora! No momento, o que
podemos fazer é libertar você e garantir que esses homens-mariposa
dele vão para a cadeia!
Após ser libertada, Batgirl exclama: Batman - Bruce Wayne is in
deadly danger! Those moth-men were about to beat him up when I
happened along! Killer Moth is bound to try again (Batman - Bruce
Wayne está em perigo mortal! Esses homens-mariposas estavam
quase o capturando quando eu apareci! Killer Moth está livre para
tentar de novo).
Percebe-se aqui que existe, primeiro, uma preocupação com a vítima do assassino do
que com o assassino propriamente dito. O mais importante é salvaguardar o cidadão.
Após descobrirem as intenções de Killer Moth ao atacar Bruce Wayne (extorquir
dinheiro do milionário para ele não ser morto pelo vilão), Batman e Robin vão atrás de
113
outros milionários e descobrem que Bruce não é o único ameaçado.
Figura 4
Milionário: Eu... Eu não ousaria me recusar pagar! Era meu dinheiro
ou a minha vida.
Robin: Isso faz de você a décima vítima! Santa calamidade! Nós
temos que encontrar um modo de arrancar as asas do Killer Moth,
Batman!
Existe aqui uma preocupação em capturar o bandido, motivada, principalmente, pela
grande quantidade de pessoas cujas vidas, segurança e bem-estar estão ameaçados.
Com o intuito de proteger a vida dos milionários ameaçados de morte, evitando que
sejam assassinados, prender Killer Moth torna-se uma necessidade.
Categoria 2: Características: Batman, Robin e Batgirl
Como o próprio título de abertura deixa explícito (The Million Dollar Debut of
Batgirl), o enfoque principal da história é a figura da Batgirl. Ela é apresentada em
relação ao Batman, uma vez que foi através dele que she models herself (ela se
moldou), colocada assim em similaridade a ele em termos de qualidades e atributos. E
como ele, que é um superstar, ela possui características tão fantásticas, e "combate o
crime de um modo tão estupendo que merece até configurar nas manchetes de
jornais" (she too battles crime and injustice in a manner wondrous enough for
newspaper to proclaim in banner headlines 'The Million Dollar Debut of Batgirl’)
Ela é, como o Batman, alguém que possui capacidades físicas notáveis, as quais
demonstra ao lutar e derrotar simultaneamente dois bandidos em mais de uma
ocasião.
114
Figura 5
Figura 6
Essas capacidade e vigor físicos já são visíveis no modo como as personagens são
ilustradas, mesmo Batgirl.
115
Figura 7
Se ela não chega a ter os músculos de Batman e mesmo de Robin, em menor
proporção, uma vez que ele é mais jovem que seu mentor, a agilidade dela se
destaca, como na figura 5 ou mesmo da figura 6.
Quando se aproxima de Batgirl pela primeira vez, para auxiliá-la a dominar o
criminoso, Batman também soca o assassino, ressaltando igualmente suas próprias
qualidades e potencial físico tanto pela imagem como pelo texto do recordatário, que
descreve a chegada do herói como a mighty fist swinging like a sledgehammer (um
poderoso punho oscilando como uma marreta).
116
Figura 8
Habilidades físicas reforçadas em Batman e atribuídas também a Robin, como na
seqüência abaixo, quando ambos, com um único e similar golpe, conseguem derrubar
os homens de Killer Moth.
Figura 9
No que diz respeito às identidades civis de Batman e Robin, a separação entre elas
acontece apenas na hora de entrar em ação propriamente dita. No ambiente privado
de sua casa, com aqueles que conhecem suas identidades secretas, essa separação
é inexistente e os heróis se permitem pensar e agir como os combatentes do crime
que são.
Figura 10
117
Na seqüência acima (figura 10), Bruce Wayne descobre as intenções de Killer Moth.
O bandido lhe enviou uma carta avisando que ocorreria um seqüestro, numa forma de
extorquir do milionário a importância de 100 mil dólares. Bruce Wayne e Dick, apesar
de mostrados à paisana, já têm a postura de heróis: o semblante sério, a posição
física que lembra reflexão e raciocínio, ressaltando os aspectos detetivescos de suas
atividades.
Batman: I wonder if Killer Moth can be preying on other Gotham City
millionaires? This may be a job for Batman and Robin - so let’s go! (Eu
me pergunto se Killer Moth pode estar ameaçando outros milionários
de Gotham. Isso pode ser um trabalho para Batman e Robin - então,
vamos!).
É essa fala de Bruce que explicita a cisão entre os alter-egos no ambiente público e
privado, pois, para combater o crime, Bruce Wayne e Dick Grayson dão lugar a
Batman e Robin; e é em suas personificações mascaradas que eles investigam e
visitam os milionários ameaçados (figura 4).
O mesmo ocorre com Batgirl - Barbara Gordon. Em seus afazeres civis, Barbara
precisa visitar Bruce Wayne, para levar-lhe um livro. Chegando à mansão do
milionário, escuta um tiro. Ainda assim, à paisana e desarmada, ela não hesita em
correr na direção de onde veio o barulho, demonstrando a sua coragem e seu desejo
de proteger. Ao perceber que os bandidos mataram Bruce Wayne, the girl librarian
freezes (a bibliotecária congela). Isso mostra como Batgirl se sente diante do que viu,
demonstrando abertamente sua reprovação aos atos dos bandidos. Mas, mesmo
congelada de horror, ela investe contra os assassinos e tenta prendê-los, a fim de que
não escapem impunes. Porém, antes, faz os devidos ajustes para que Batgirl, sua
identidade de heroína mascarada, substitua sua identidade civil de Barbara Gordon. É
como a Batgirl que ela age contra os criminosos.
118
Figura 11
Mas, assim como Bruce Wayne e Dick Grayson, no ambiente privado, sozinhos ou
entre aqueles que conhecem suas identidades, essa cisão desaparece ou, pelo
menos, é amenizada. Batgirl, em sua identidade civil de Barbara Gordon, é mostrada
treinando, fazendo exercícios e arrumando o uniforme, para, segundo ela mesma, be
ready...
just
in
case
(deixá-lo
em
ordem...
por
precaução).
119
Figura 12
Contudo, a seqüência acima mostrada não denota apenas essa relação entre as
identidades civis de Barbara e Batgirl, mas também uma necessidade de preparação
para sua missão. Ela não apenas conserta o uniforme, mas treina e se aprimora
fisicamente (I'm stronger and harder than I've ever been, thanks to my special protein
diet and intense exercise - Eu estou mais forte e durona que nunca, graças à minha
dieta especial de proteínas e exercício intenso). Essa necessidade de preparação
também é mencionada quando ela enfrenta os homens-mariposa pela primeira vez e
proclama ser: first kyu judo expert (especialista faixa marrom no judô - figura 5).
Ou seja, para combater de forma eficiente o crime, é preciso estar sempre em regime
de preparação e aprimoramento.
Mas não apenas as habilidades físicas são um requisito: as habilidades intelectuais
também. A garota não apenas fez curso de judô, mas também é formada em curso
superior (bibliotecária). Paradoxalmente, foi o desejo de deixar de ser vista apenas
como a colorless female 'brain' (um crânio sem graça) que levou Barbara a fazer a
fantasia de Batgirl. A sua caracterização física (roupas discretas, óculos - figura 12)
assim como seu trabalho como bibliotecária reforçam esse estereótipo de pessoa
calma, introvertida, voltada para estudos, livros e sossego, bastante diferente da figura
120
aventureira que a Batgirl evoca para aqueles que estão de fora. Entretanto, o que
começou em brincadeira tornou-se um trabalho sério, uma responsabilidade.
Contudo, sua inteligência mostra-se importante para a missão de combatente do
crime.
Em determinado momento da história, Batman e Robin são presos pelo vilão em um
aposento sem gravidade. Nesse momento, Batgirl chega para salvar os heróis.
Figura 13
Ela concebe um plano usando o ímã em suas botas, prendendo-se na base da câmara
antigravitacional, para libertar os outros dois combatentes mascarados. Não apenas
isso, ela ainda reverte a aparente desvantagem – pois Batman e Robin estão à deriva,
flutuantes - a favor deles, arremessando-os contra os inimigos.
Reforçando novamente suas habilidades dedutivas e sua inteligência, Batgirl mostra-
121
se crucial na captura de Killer Moth, pois fareja o bandido que perseguiam: ela nota
que seu perfume havia se impregnado no bandido.
Batman: When Batgirl was fighting Killer Moth back at Wayne Manor
- some of her perfume adhered to him, when they came into bodily
contact! As she walked around the room, she was 'scenting' him down
by smell! (Quando Batgirl estava enfrentando Killer Moth na Mansão
Wayne - um pouco do perfume dela aderiu a ele quando eles tiveram
contato corporal! Quando ela caminhou pela sala, ela o 'farejou' pelo
cheiro).
Todavia, é Batman quem deduz o que ela fez, demonstrando assim sua sagacidade,
colocando-se sempre um passo à frente inclusive em relação aos seus próprios
colaboradores.
Também para a armadilha da sala antigravitacional, Batman oferece sua própria saída
para a questão.
Batgirl: Nice deduction, Batman! But I'll bet you were glad to see me
when you and Robin were up in the air in that gravity-free chamber!
(Boa dedução, Batman! Mas eu aposto que você ficou feliz ao me ver
quando você e Robin estavam no ar naquela sala antigravitacional).
Batman: Well, since you brought the subject up - I could have escaped
- and was about to when you appeared - by firing my laser torch, using
the principle of action and reaction to reach safety. (Bem, já que você
trouxe o assunto à tona - eu poderia ter escapado - e estava a ponto de
fazer isso quando você apareceu - acendendo minha chama laser,
usando o princípio de ação e reação para alcançar a segurança).
Indicando que, apesar de Batgirl ser esperta, Batman é ainda mais. Ou seja, Batgirl
surge não para substituir o Batman, mas para reforçá-lo e complementá-lo.
E é usando de astúcia e inteligência que Batman tenta capturar Killer Moth, ao
conceber um plano. Bruce Wayne se recusa a pagar a taxa de proteção exigida por
Killer Moth, para atrair a ira do bandido e fazer com que ele tente uma manobra mais
efetiva contra Wayne.
Contudo, ele não contava com a interferência de Batgirl. Ocultos, ele e Robin
assistiam à investida de Batgirl contra os assassinos.
Robin: Holy interference! She's ruining all our plans! (...) (Santa
interferência! Ela está arruinando todos os nossos planos!).
Batman: Still - We can’t let Batgirl fight our battles, now can
we? (Calma - nós não podemos deixar Batgirl lutar as nossas
batalhas, podemos?).
122
Um herói não pode deixar outra pessoa desamparada. Mesmo possuindo um plano
global para resolver a situação – pois já é sabido que Batman e Bruce são a mesma
pessoa e sua morte é um engodo para distrair Killer Moth – Batman e Robin não
podem deixar Batgirl se arriscar sozinha.
Eles não podem se revelar, mas, em
contrapartida, não podem deixar de ajudar. Assim, ainda escondidos, atacam os
bandidos arremessados em sua direção, mostrando, simultaneamente, astúcia e
inteligência associadas a habilidades físicas (figura 9). Mais uma vez essas duas
características se completam.
Categoria 3: Batman na relação com outrem
Batman na relação com as autoridades legitimadas
Os policiais praticamente não aparecem no decorrer da história, à exceção do
comissário Gordon, com quem Batman, Robin e Batgirl demonstram uma relação
cordial e próxima, tanto que a conclusão da história se dá na sala do chefe da policia.
Figura 14
O modo despojado e descontraído com que as personagens são retratadas demonstra
essa familiaridade entre eles.
123
Vale ressaltar que Batgirl é apresentada como filha do comissário. Sua identidade civil
é próxima a ele, quase como uma herdeira, o que vem demonstrar os laços estreitos
que existem entre eles.
Pode-se apontar também que Batman e Robin trabalham em paralelo com a polícia,
não para substituí-la, mas auxiliá-la naquelas circunstâncias em que esta não pode ser
acionada.
Figura 15
Milionário Burton Talbot: Eu nunca contaria isso para a polícia
porque Killer Moth me avisou das conseqüências - Mas eu posso
confiar em você, Batman! Sim, eu fui brutalmente surrado e realmente
paguei aqueles 100 mil dólares.
Existe um temor dos milionários ameaçados de serem efetivamente mortos caso
contatem a policia; é nesta hora em que age o Batman, exatamente quando a
intervenção policial pode ser mais danosa do que útil.
Batman na relação com colaboradores
Embora o recordatário aponte Batgirl como uma combatente do crime, assim como
Batman e Robin, cuja relação de cooperação já está solidificada, a primeira reação
entre ela e Batman é de estranhamento.
Batman: But who are you? How come you are wearing that -- that
Batgirl costume? (Quem é você? Por que está usando esse - esse
traje de Batgirl?).
Batgirl: I was going to the policemen's ball - but I can’t now! My
costume is a mess! As for my secret identity - I'll exchange mine for
yours… (Eu estava indo para o baile da polícia - mas agora eu não
posso! Meu traje é um mal-entendido! Sobre minha identidade - Eu
troco a minha pela sua...).
Batman: No deal! (Sem acordo!).
Batgirl: I thought not! (Eu achei que não) - diz ela, enquanto pensa:
For all I know this is the debut and farewell of Batgirl! It was fun while it
124
lasted. (Pelo que eu sei este é a estréia e o adeus da Batgirl! Foi bom
enquanto durou).
Há um confronto entre os heróis. Ainda não há confiança entre eles, não há troca de
informações sobre suas respectivas identidades secretas.
O embate entre Batman e Batgirl é acentuado em alguns pontos da história. Ele, a
princípio, não aceita a ajuda de Batgirl, e inclusive a rechaça abertamente.
Batgirl: I’m going along with you. (Eu vou com vocês)
Batman: No, Batgirl! This is a case for Batman and Robin! I’m sorry -but you must understand that we can’t worry ourselves about a girl.
(Não, Batgirl! Esse é um caso para Batman e Robin! Sinto muito, mas
você precisa entender que não podemos nos preocupar com uma
garota).
Entretanto, mesmo rechaçada, Batgirl decide ir atrás de Batman e dos bandidos, a fim
de provar que também ela é capaz de combater o crime, ainda que seja uma mulher.
Tanto que diz: Worry about a girl, eh? Hah! If they think they can cut me off from where
action is, they’re mistaken! (Preocupados com uma garota, é? Hah! Se eles pensam
que vão me deixar fora da ação, eles estão errados!).
E isso se reforça à medida que, no decorrer da história, Batgirl se mostra tão capaz
quanto Batman e Robin, apesar da diferença de ser uma garota, seja em batalha, seja
salvando os outros heróis da câmara antigravidade, seja farejando Killer Moth, o que
possibilitou a prisão do criminoso.
Não há, necessariamente, uma competitividade entre eles, como era flagrante no caso
de Batwoman, na história anteriormente analisada. Ao contrário da Batwoman, que
desejava ultrapassar Batman e Robin, Bartgirl queria ir com eles (going along with
you), em sinal de colaboração.
Assim, Batman reconhece as qualidades de Batgirl e a aceita como alguém do clã de
combatentes do crime (figura 14).
Comissário Gordon: Looks as if you have a new member of a team,
Batman! Or will she prove to be a crime fighting rival? (Parece que
você tem um novo membro no time, Batman! Ou ela provará ser uma
combatente do crime rival?).
Batman: I'll welcome her aid, Commissioner Gordon - when and where
the occasion arises! From what I've seen she doesn’t have to take a
back seat to anybody! (Eu vou dar boas-vindas à ajuda dela,
comissário Gordon - quando e onde a ocasião surgir! Pelo que eu vi,
125
ela não deve nada a ninguém!).
É interessante ressaltar a cena final, onde o comissário Gordon faz um paralelo e uma
contraposição entre Barbara e Batgirl, e esta cena específica remete indiretamente à
cena da primeira história do Bat-Man.
Figura 16
Comissário: Essa Batgirl realmente me surpreende! Harrumph! Pena
que você não possa ser um pouco mais como ela, Babs!
Bárbara / Batgirl (pensamento): Se papai soubesse!
No fim da primeira história de Bat-Man, o comissário faz um comentário similar sobre
Bruce Wayne: Bruce Wayne is a nice young chap... but he certainly must lead a boring
life... he seems disinterred of everything... (Bruce Wayne é um bom camarada... mas
ele certamente deve levar uma vida entediante... ele parece desinteressado de
tudo...), ao passo que o recordatário revela que Bruce e Bat-Man são a mesma
pessoa, o que surpreenderia o comissário: amazed to learn that he – Bruce - is the
‘Bat-Man' (espantado ao saber que ele – Bruce – é o Bat-Man).
Embora os diálogos e o texto sejam diferentes, possuem sentidos equivalentes,
mostrando a contraposição pública entre as identidades civis e de combatentes do
crime de Batman - Bruce Wayne e Batgirl - Barbara Gordon, e o quão surpreso o
comissário ficaria se soubesse a verdade sobre o amigo e sua filha.
126
Assim, ao se contrapor as duas histórias, é notável como são estruturalmente
semelhantes. Ambas começam com a introdução do alter-ego heróico da personagem,
passam para a apresentação de seu alter-ego civil, mostram que ambos os heróis
possuem uma relação próxima com o comissário de polícia (ele, um amigo próximo;
ela, filha do comissário) e demonstram que, aparentemente, tanto Bruce quanto
Barbara não possuem similaridades entre suas identidades civis e heróicas.
Mesmo o tipo de crime cometido e combatido (o assassinato ou a ameaça de
assassinatos de milionários), e o encerramento das histórias, é similar.
Desse modo, Batgirl e Batman são aproximados e conectados não apenas por
questões de nome ou ideais. A própria estrutura da história de introdução da Batgirl,
tão similar à estrutura daquela que introduz o Batman, a coloca como a contraparte
feminina de Batman, somando-se a ele nessa missão de proteger e limpar a cidade.
Batman na relação com as vítimas dos crimes
Depois que Bruce Wayne recebe o bilhete de ameaça de Killer Moth, ele e Dick,
travestidos de Batman e Robin, partem atrás de outros milionários e descobrem que
também eles sofreram ameaças. Os milionários não podem ser ajudados pela polícia
em razão das ameaças, que os fazem temer por suas vidas (figuras 4 e 15 novamente reproduzidas abaixo).
Figura 15
Milionário Burton Talbot: Eu nunca contaria isso para a polícia
porque Killer Moth me avisou das conseqüências - Mas eu posso
confiar em você, Batman! Sim, eu fui brutalmente surrado e realmente
paguei aqueles 100 mil dólares.
127
Figura 4
Milionário: Eu... Eu não ousaria me recusar pagar! Era meu dinheiro
ou a minha vida.
Sem o auxílio da polícia, sentem-se desprotegidos e amedrontados, o que se pode
notar não apenas por suas falas, mas também por suas expressões cansadas e
preocupadas.
É nesse momento que Batman e Robin assumem o papel de protetores desses
milionários, na tentativa de resolver-lhes os problemas; tomam para si essa tarefa,
uma vez que a ação da polícia está afastada. Essas vítimas têm Batman como alguém
em quem podem confiar.
Batman na relação com os criminosos
Tanto os capangas de Killer Moth, quanto o próprio, são mostrados desde o começo
como pessoas traiçoeiras, com armas em punho, que permanecem à espreita para
atacar.
Figura 17
O Killer Moth ataca Batgirl pelas costas, pegando-a de surpresa, impedindo que ela
128
se defenda. Não luta diretamente, mas surpreende a vítima indefesa.
.
Figura 18
O criminoso é ambicioso e astuto. Planeja um seqüestro de Bruce Wayne como um
aviso para extorquir do milionário 100 mil dólares (figura 10); e não apenas de Bruce,
mas também de outros dez milionários (figuras 4 e 5).
Quando Bruce se recusa a entregar-lhe o dinheiro, Killer Moth decide dar-lhe uma
lição para impressionar os outros milionários da lista.
Killer Moth: So, Bruce Wayne advises me he won’t pay! He’s going to
stay put in his house - surrounded by the police! I warned him that to tip
off would mean his death. Larva, you and Pupa keep an eye on Wayne
Mansion! Sooner or later, those cops will finally leave! We'll move in
when they go! What will happen to Wayne will guarantee us full
cooperation from those other millionaires still on the list! (Então, Bruce
Wayne avisa que não vai me pagar! Ele vai ficar em sua casa - cercado
pela polícia! Eu avisei a ele que se negar significaria sua morte. Larva,
você e Pupa mantenham um olho na Mansão Wayne. Cedo ou tarde,
esses policiais vão finalmente sair! Nós entraremos quando eles se
129
forem! O que vai acontecer com Wayne vai nos garantir completa
cooperação dos outros milionários da lista).
Desta forma, com esse intento, o Mariposa concebe um plano. Manda seus
subordinados vigiarem a mansão, denotando também sua inteligência e sua
capacidade de planejamento.
Figura 19
Mas, ainda assim, não é contraponto à altura de Batman, que possui um contra-plano
para descobrir onde é o esconderijo de Killer Moth e, assim, prendê-lo. Usa um
boneco para simular a morte de Wayne e, ao mesmo tempo, instala um localizador no
carro do criminoso.
O bandido não tem escrúpulos em matar um ser humano para reforçar o terror nos
demais milionários ameaçados e, assim, aumentar seu lucro.
Killer Moth: Bruce Wayne is dead! My scheme will be sure-fire now! No
other millionaire will dare defy me! Why - I may even up the antedemand $ 200,000! (Bruce Wayne está morto! Meu esquema vai
inflamar agora! Nenhum outro milionário vai ousar me desafiar!
Porque... Eu poderia aumentar a antedemanda para duzentos mil
dólares!).
Ao dizer isso, o Mariposa comprova que, sob seu ponto de vista, a vida humana
importa muito menos que o seu lucro pessoal, não passando de um mero meio através
130
do qual ele alavanca seus ganhos ilegais.
Da mesma forma que se apresentam similaridades entre Batman e Batgirl, assim
também ocorre entre o combatente e o criminoso que ele enfrenta.
Assim como Batman, Killer Moth usa um uniforme para esconder sua verdadeira
identidade e possui apetrechos similares aos do herói, inclusive um Mariposamóvel
(Mothmobile) e uma mansão.
Figura 20 - Mariposamóvel (Mothmobile)
O que marca a diferença que existe entre eles são as suas intenções: enquanto o
Mariposa deseja extorquir dinheiro e matar, Batman e Robin dedicam suas vidas a
defender e proteger os cidadãos.
Categoria 4: Tematizações sobre justiça, vingança e lei.
Não foi observado nenhum aspecto na história relativo a esta categoria.
131
3.5 - One Bullet Too Many
Publicada originalmente em Batman nº 217, em 1969, a história se inicia com a partida
de Dick Grayson, o primeiro Robin, para a cidade de Nova Iorque, onde irá iniciar seus
estudos universitários. Com essa mudança, Bruce decide modificar alguns outros
pontos de sua vida como civil e como combatente do crime. Muda-se para a Fundação
Wayne, no centro de Gotham City, volta a agir sozinho e estabelece também um
trabalho filantrópico para auxiliar os mais necessitados. Em seu primeiro trabalho sem
o auxílio de Robin, Batman tenta desvendar o misterioso assassinato de um jovem
médico, contando com o auxílio da viúva da vítima.
Categoria 1: Função: Batman
A saída de Dick Grayson (Robin) marca um novo começo de vida para Bruce Wayne
e, conseqüentemente, para Batman, mudança que se complementa com um outro fato
relevante: as mudanças do mundo.
Bruce: It's time we all started a new way of life! A new way of
everything. (…) Batman too! Dick's leaving brought home the stark
fact that our private world has changed! We're in grave danger of
becoming outmoded! Obsolete dodos of mod world outside! Our best
chance for survival is to close up shop here! (É tempo de nós todos
começarmos um modo de vida! Um novo modo para tudo! (...) Batman
também! A saída de Dick trouxe o rígido fato de que nosso mundo
privado mudou! Nós estamos em grave perigo de nos tornarmos
ultrapassados! Obsoletos dodos para o mundo lá fora! Nossa melhor
chance de sobreviver é fechar o negócio aqui).
As mudanças internas, de ordem pessoal, aliadas às mudanças externas, de cunho
social, levam Bruce a pensar nas alterações que precisam ocorrer em sua missão
como Batman. Ele não é alguém isento em relação ao que ocorre ao seu redor,
mesmo porque ele age em função da sociedade.
Ao discutirem sobre essas mudanças, Alfred, seu mordomo, pergunta: H-how will – er
-- we function as crimefigthers of old? (Como vamos funcionar como os combatentes
do crime de sempre?), estabelecendo, assim, uma das primeiras funções de Batman
na história, a de crimefigther (combatente do crime).
A resposta de Bruce à pergunta de Alfred:
132
Figura 1
Bruce: Nos tornando novos, redirecionando a operação! Abrindo mão
de toda a parafernália do passado e funcionando com as roupas em
nossas costas... a razão em nossas cabeças. Restabelecendo a
marca registrada do "velho" Batman --- para trazer um novo medo à
nova leva de gangsterismo que assolou o mundo.
Ele busca atualização no que pode ser aproveitado do passado, trazendo a marca do
velho Batman para fazer valer a sua função de aterrorizar os criminosos de Gotham,
ao passo que, simultaneamente, se muda do "santuário do subúrbio para o coração
urbano da cidade para desentocar os criminosos de onde eles vivem e prosperam às
custas dos inocentes" (We're moving out of this suburbian sanctuary to live in heart of
that sprawling urban bligth - to dig them where they live and fatten on the innocent!).
Em outras palavras, a intenção de Batman é buscar e desmascarar o crime. Ele
deseja desvendar seus meios ocultos, encontrar sua localização e desmantelar a
estrutura que o crime utiliza para se enriquecer às custas dos inocentes e, ao enfrentar
esses criminosos, Batman estaria também salvaguardando os desprotegidos.
Na seqüência em que Bruce Wayne desfaz as suas malas, é retomada a função de
combatente do crime designada a Batman, mas a ela é acrescida uma nova tarefa
compartilhada por Bruce Wayne.
133
Figura 2
Bruce: (...) como Bruce Wayne eu vou manter os olhos nas questões
da fundação durante o dia e "mostrar isso a eles" durante a noite. E é
aí onde Batman e a Fundação Wayne começam a unir forças!
Durante o dia, à paisana, ele cuida da fundação Wayne para auxiliar as vítimas e, à
noite, cuida do crime, combatendo-o como Batman. Essa dualidade entre as tarefas
diurnas e noturnas aparece em negrito no texto, para reforçar a diferenciação de
papéis; contudo, o termo join (unir) também é escrito em negrito para nos atentar que,
embora ocorram em espaços separados, as duas se complementam.
Embora pareça simples o fato de Bruce pendurar o uniforme de Batman no guardaroupa, em verdade é um indicativo da função de combate ao crime, pois esse mesmo
uniforme já constitui uma marca, um símbolo dessa missão. Contudo, Bruce não se
refere a si como Batman ao se referir à luta conta o crime, porque as funções de Bruce
e Batman, do homem comum e do combatente, não estão mais tão delimitadas.
134
A função de lutar contra o crime passa a ser compartilhada por Batman e por Bruce.
Então, não apenas o herói, mas também o próprio cidadão comum, adquirem essa
função. O modo como agem é que marca a diferença entre seus métodos. Batman
aterroriza os criminosos, enquanto Bruce, com a fundação Wayne, auxilia as suas
vítimas. Ou seja, o herói utiliza suas duas facetas, de modo complementar, para
proteger os cidadãos.
Batman e Bruce passam a ter papéis complementares, o que faz com que as funções
de cada um venham a se conectar, e não mais a se contrapor.
Como Bruce Wayne, atua através da fundação Wayne, com a criação de um programa
de assistência social para auxiliar as vítimas dos crimes, especialmente daqueles não
resolvidos:
Bruce: Precisely what Wayne Foundation intends to correct! And until
we can arrange a lobby in the state capital to campaign for public
funds, we're setting up a special assistance program here to aid
these people. (Precisamente o que a Fundação Wayne pretende
corrigir! E até que possamos arranjar um lobby no capital estatal para
uma campanha para fundos públicos, nós vamos arranjar aqui um
programa de assistência para ajudar essas pessoas).
Alfred: Worthy idea, Sir! While these poor victims are forgotten by the
public -- to us they are very important people! V.I.P.'s you might say!
(Boa idéia, senhor! Enquanto essas pobres vítimas são esquecidas
pelo público -- para nós elas são pessoas muito importantes! VIP’s,
pode-se dizer!)
Como Batman, ele atua em campo, caçando os criminosos, mas também protegendo
ao seu modo as vítimas dos crimes.
Quando o criminoso do caso investigado por Batman (o assassinato do médico Jonah
Fielding) retorna à cena do crime para ameaçar a também médica e viúva Susan
Fielding, Batman salta à frente da doutora para protegê-la, aparando o tiro que era
destinado a ela.
135
Figura 3
Recordatário: Mas, assim que o atirador dispara, Batman faz uma
sacrificante interceptação.
Ele coloca o bem-estar de Susan à frente do próprio, protegendo-a do projétil.
Contudo, simultânea a esse caráter de proteção à vítima, existe também a
necessidade de capturar o criminoso.
Figura 4
Batman: (...) Eu preciso dessa bala fora agora!
Susan: M-mas, por que?
Batman: Porque eu percebi que a resposta completa para esse
mistério depende da identificação desta bala.
As duas funções de Batman (proteger a vítima e capturar os bandidos) se confundem
e se completam, pois, ao pedir que a médica extraia a bala que se alojara em seu
braço ao protegê-la, Batman pensa como um detetive, uma vez que o projétil pode ser
136
a chave para identificar e, conseqüentemente, capturar o assassino do marido de
Susan.
Mas, não apenas por essa razão essas duas funções se mostram intrinsecamente
conectadas. Quando Batman diz que pretende "desentocar os criminosos de onde
eles vivem e prosperam às custas dos inocentes" (we're moving out of this suburbian
sanctuary to live in heart of that sprawling urban bligth - to dig them where they live and
fatten on the innocent!), ele deixa claro que sua caçada aos criminosos é motivada
especialmente pela proteção às vítimas desses vilões.
Categoria 2: Características: Batman
Na história em questão, as habilidades físicas de Batman são demonstradas,
sobretudo nas seqüências de ação propriamente ditas, durante o embate com o
criminoso.
Quando este ameaça a vida de Susan, valendo-se de sua habilidade física e coragem
o herói salta consultório adentro, desarmado, para proteger Susan, investindo contra o
assassino que mantém seu revólver em punho.
Figura 5
Batman ataca o assassino com socos e chutes, agora se valendo de suas aptidões
físicas, acertando-o e derrubando-o algumas vezes.
137
Figura 6
Figura 7
Contudo, apesar dessas habilidades, Batman ainda é um ser humano comum, não
sobre-humano, a ponto de fraquejar momentaneamente diante de um forte golpe
aplicado pelo assassino.
138
Figura 8
Ainda assim, Batman demonstra uma alta resistência física e determinação, mostrada
na seqüência em que leva o tiro e pede à médica para extrair a bala.
Figura 9
O rosto de Batman denota enorme sofrimento. A médica aplica uma anestesia já
avisando que "essa anestesia local pode não aliviar toda a dor" (this "local" may not
dull all the pain), ao passo que ele responde que "não tem problema" (no matter)
desde que Susan retire a bala intacta. A dor não importa. Eles precisam daquela bala
para a resolução do caso.
Contudo, ainda mais importantes que as qualidades físicas são as habilidades
intelectuais e detetivescas da personagem, que acabam por se sobressair na trama.
Conforme é relatado na televisão pelos policiais que seguram fortemente o criminoso,
ao fim da história, foi "... due to Batman's brilliant deduction in the unsolved Dr.
139
Fielding case, the real killer, "Stub" Sartel, was captured early this morning (foi graças
à brilhante dedução de Batman no insolúvel caso do Dr. Fielding, o assassino, "Stub"
Sartel, foi capturado nesta manhã).
É o trabalho detetivesco, o raciocínio e o planejamento meticuloso que levam à
resolução do problema apresentado.
Figura 10
Na seqüência de quadros acima, em que a médica relata os detalhes do assassinato
140
de seu marido para Bruce Wayne, Bruce pensa como Batman. Mesmo que
externamente seja Bruce Wayne quem está em cena, nesse momento é o combatente
do crime, o detetive, que está em ação, analisando os fatos, refletindo sobre eles, a
fim de alcançar conclusões que possam levar à solução do crime. Ou seja, os fatores
de inteligência, raciocínio e pensamento, usualmente enfatizados como substanciais
para o combate ao crime, uma vez mais são retomados aqui.
Tal seqüência não nos remete apenas a essas características intelectuais da
personagem, mas também indica uma aproximação de funções entre os seus dois
alter-egos, que ocorre na seqüência de quadros acima, onde a médica relata os
detalhes do assassinato do marido para Bruce Wayne. Nos pensamentos de Bruce,
ele aparece travestido de Batman, representado de forma translúcida nos balões de
pensamento para indicar ser apenas o reflexo de seu raciocínio. Externamente pode
ser Bruce Wayne quem está ali, mas internamente é Batman quem se faz presente.
Assim, em termos de raciocínio, as funções e mesmo o modo de pensar de Bruce e de
Batman se assemelham; todavia, no momento em que é preciso agir diretamente
contra os criminosos, é o alter-ego mascarado que se apresenta. Bruce Wayne já
pegou os dados necessários e cede lugar ao Batman, para que este possa colocar em
prática o que for necessário para resolver o crime em questão.
Com os dados relatados pela médica, Batman deduz que o assassino retornará caso
suspeite que Susan pode identificá-lo. Desse modo, Batman concebe um plano,
ratificando, mais uma vez, a importância do uso do raciocínio e da inteligência
dedutiva.
Para a efetivação do plano, Batman aparece atuando disfarçado.
141
Figura 11
Recordatário: Com o aval de Susan, Batman não perde tempo, se
tornando um homem de "mil faces".
Com o consentimento da médica, para atrair o bandido, Batman espalha no submundo
da cidade o boato de que a viúva sabe quem matou seu marido. O herói dispõe de
outros recursos variados, além do uso de estratégia e de inteligência para cumprir a
sua missão e atingir os objetivos a que se propôs.
Os quadros subseqüentes mostram Batman de tocaia, escondido em uma árvore que
alcançou valendo-se de sua agilidade física.
142
Figura 12
Toda a sua movimentação obedece a um planejamento prévio, ditado por sua
inteligência, aguardando que o assassino seja atraído pelo boato que o combatente
espalhou pela cidade. A tocaia também demonstra duas outras características do
herói: paciência para esperar a chegada do criminoso e poder agir na hora certa, e
também um cuidado para com a médica que aceitou ajudá-lo na captura do criminoso.
É também graças a essa inteligência dedutiva que Batman, de seu posto (figura 12),
desconfia que algo está errado ao ver sair correndo o menino que recém entrara no
consultório da médica com o "pai". E assim descobre que o assassino mordeu a sua
isca e está, naquele momento, ameaçando Susan.
Raciocínio também é imprescindível para a resolução final do crime.
143
Figura 13
Com o auxílio do técnico de perícia da polícia, Batman consegue descobrir que as três
balas apreendidas (a extraída de seu braço, a encontrada no corpo do médico e a que
o Dr. Jonah extraiu do criminoso que o visitou - conforme relato de Susan na figura
10) são iguais, provenientes da mesma arma de fogo.
144
Com essa informação Batman deduz não apenas quem é o criminoso, mas também
que ele matou seu parceiro de crimes e, posteriormente, assassinou o Dr. Fielding
para que este não pudesse identificá-lo. Assim, mais uma vez, Batman dá provas de
sua "brilhante" inteligência detetivesca.
O caráter de Batman como "símbolo" também aparece no depoimento. Quando Alfred
pergunta como poderão manter-se como combatentes do crime, conforme já
mencionamos, Bruce responde:
by re-establishing this trademark of the "old" Batman -- to strike new
fear into the new breed of gangsterism sweeping the world
(restabelecendo a marca registrada do "velho" Batman --- para
trazer um novo medo à nova leva de gangsterismo que assolou o
mundo) - figura 1, reproduzida novamente abaixo.
É importante notar que o uniforme do Batman toma conta de toda a página, mostrando
a força da imagem do mesmo. O uniforme é apresentado maior que o próprio Bruce,
denotando a grandiosidade não só da vestimenta como também do que ela
representa: a marca registrada, o símbolo, do velho Batman.
Ele busca a atualização no passado, no antigo Batman, restabelecendo sua marca
registrada, que o simboliza e faz valer a sua função de aterrorizar os criminosos.
Outro momento em que se nota a idéia de Batman como símbolo está na cena em que
a Dra. Susan pergunta a Bruce por que um combatente do crime tão brilhante como
Batman ajudaria alguém tão sem importância como ela; ao passo que Bruce responde
que:
145
all humanity is important to Batman - any life, no matter how
insignificant in the public eye (toda humanidade é importante para o
Batman, não importa quão insignificante perante o olhar público).
Figura 14
Batman vê todos como iguais; todos os desprotegidos, todos aqueles que precisam de
auxílio são iguais para ele, pessoas anônimas ou não.
É digno de atenção que nesse quadro (figura14) Bruce Wayne é apresentado em
tamanho menor, em primeiro plano, enquanto a imagem de Batman é mostrada bem
maior, por detrás de Bruce, como sua sombra. A figura ampliada de Batman reforça
uma idéia de grandiosidade, representando algo maior e até mesmo mais significativo
do que sua identidade civil. A cabeça erguida, tanto de Bruce quanto de Batman,
denota um porte heróico e imponente, compartilhado aqui por ambas as identidades
da personagem.
Categoria 3: Batman na relação com outrem
Batman na relação com as autoridades legitimadas
Existe aqui uma relação de cooperação mútua entre Batman e os policiais. Ele
aparece visto como um aliado, a ponto de causar inquietação no policial que o vê
baleado.
146
Figura 15
Não apenas a pergunta do policial (Batman? Dr. Fielding - is it bad?- Batman? Dra.
Fielding, é muito ruim?) como também a expressão apreensiva em seu rosto mostram
essa preocupação para com o bem-estar de Batman.
Quando, após balear o herói, o criminoso escapa, Batman, juntamente com os
policiais, leva a bala para perícia no laboratório de balística (figura 13). Ele trabalha
em paralelo, sem, contudo, abrir mão do auxílio da polícia quando este é oportuno.
Ressalte-se que, mesmo quando o herói assume o papel de Bruce Wayne, filantropo
pela Fundação a quem empresta o nome, criador do programa de assistência às
"these poor victims are forgetten by the public" (essas pobres vítimas são esquecidas
pelo público), seu programa e suas intenções vêm em complementação e não em
substituição às autoridades oficiais, reforçando sua relação cordial e de cooperação
com a polícia. O próprio Bruce deixa isto bem claro na seguinte passagem:
Bruce: (…) And until we can arrange a lobby in the state capital to
campaign for public funds, we're setting up a special assistance
program here to aid these people. (E até que possamos arranjar um
lobby no capital estatal para uma campanha para fundos públicos, nós
vamos arranjar aqui um programa de assistência para ajudar essas
pessoas).
Daí se conclui que a ajuda de Wayne não descarta a ajuda "oficial"; não oferece
contraponto, mas complemento.
Batman na relação com colaboradores
Tal aspecto não se apresenta nesta história, uma vez que Batman aqui trabalha
147
sozinho.
Batman na relação com as vítimas dos crimes
Bruce, entregando um jornal para Alfred: Read it, Alfie (...) (Leia
isso, Alfie).
Alfred: V.A. Victims anonymous (...) latest victim in the unsung case history of innocents in the war against crime -- Dr. Susan Fielding,
pediatrician and wife of Dr. Jonah Fielding, slain last week while
treating an unknown gun-shooting patient! In this unsolved tragedy…
(A. V. Vítimas anônimas (…) a última vítima em um não-relatado caso
de inocentes na guerra contra o crime - Dra Susan Fielding, pediatra e
esposa do Dr. Jonah Fielding, morto na semana passada enquanto
tratava um desconhecido paciente baleado! Uma tragédia insolúvel!)
Bruce: "Unsolved"… The criminal unpunished! Think of it, Alf… How
many underworld killings, maimings --- in this vast city leave a trail of
innocent victims of the "victim"! Wives – mothers – children - many left
without any means of support! It's the great unpublicized tragedy of
our time! We suffer great pain over true justice - "rights of individual" "innocent until proven guilty"… All for the accused parties! But, what
about the "proven" innocent-- the victims? ("Insolúvel"… O criminoso
impune! Pense nisso, Alf. Quanto outros assassinatos no submundo,
mutilações - nesta vasta cidade deixam uma trilha de vítimas inocentes
da "vítima"! Esposas, mães, crianças - muitas sem nenhum meio de
apoio! Esta é a grande tragédia não publicada de nosso tempo! Nós
sofremos grande dor sobre a verdadeira justiça - "direitos individuais" "inocentes até provarem a culpa”... Tudo para as partes acusadas.
Mas, para os inocentes comprovados - as vítimas?).
Com esse trecho, Batman explicita aqueles a quem deseja proteger, quem são as
vítimas para as quais ele dedicará a sua missão de combate ao crime.
Batman não faz distinção entre aqueles que se sente no dever de proteger. Ele agirá
em defesa de qualquer cidadão. Não importa se a vítima é anônima, porque ela
sempre será uma vítima em meio à guerra contra o crime. Na história em questão,
trata-se da Dra. Susan, cujo marido foi assassinado.
Trata-se de uma tragédia, um crime sem motivo aparente que ainda não está
resolvido; e, conseqüentemente, o que é ainda mais inaceitável para Batman, o
criminoso permanece impune.
Os criminosos não escolhem vítimas. E estas vítimas geram outras vítimas: esposas,
mães e até mesmo crianças, que não possuem, muitas vezes, recursos para se apoiar
após a tragédia. Batman deseja proteger a todas, seu compromisso é agir em defesa
de todas as vítimas inocentes e indefesas, sem distinção.
148
Como Bruce Wayne, ele fará isso através da fundação que leva seu nome. Precisely
what Wayne Foundation intends to correct! (...) we're setting up a special assistance
program here to aid these people (Precisamente o que a Fundação Wayne pretende
corrigir! (...) nós vamos arranjar aqui um programa de assistência para ajudar essas
pessoas), diz ele, ao que Alfred completa que, para eles, apesar de esquecidas pelo
público, essas vítimas são "very important people" (pessoas muito importantes).
Atitude compartilhada por Bruce e por Batman.
Quando a jovem viúva, Susan, ao se deparar com a possibilidade de Batman auxiliá-la
a desvendar o mistério do assassinato de seu marido (figura 14), se pergunta: (...)
why would he - a mean this case is so unimportant to such brilliant crime-figther... (por
que ele iria - quer dizer, esse caso é tão sem importância para um combatente do
crime tão brilhante), Bruce, então, rebate: (…) All humanity is important to Batman Any life, no matter how insignificant in the public eye!
Em seu dois campos de atuação (filantropia e combate ao crime), ele ajuda
indistintamente essas pessoas. Ele parte em defesa das "proven" innocent - the
victims" (os inocentes comprovados - as vítimas), as innocent victims of the "victim"
(as inocentes vítimas da "vítima").
E é exatamente neste ponto que se percebe claramente um aspecto de identificação
de Batman com essas mesmas vítimas, uma vez que também ele já esteve nessa
condição um dia, quando, pequeno ainda, presenciou o assassinato de seus pais. Há
que se recordar também Dick Grayson, o Robin, que sofreu a perda dos pais de forma
semelhante a Bruce Wayne.
Bruce: Innocent victims such as Dick and I were - when our parents
were brutally slain! Their deaths were the births of Batman and Robin!
We were in the fortunate position to claim justice for ourselves - but
what of the less fortunates? (Vítimas inocentes como Dick e eu fomos quando nossos pais foram brutalmente mortos! Suas mortes foram o
nascimento de Batman e Robin! Nós estávamos na privilegiada
posição de clamar justiça por nossa conta - mas, e quanto aos menos
privilegiados?).
Entretanto, apesar da semelhança inicial com as vítimas em razão de suas tragédias
pessoais, Bruce e Dick se tornaram Batman e Robin, transformaram-se em
combatentes do crime e puderam fazer justiça. São agora figuras privilegiadas, pois
deixaram de figurar entre as vítimas e de estar à mercê do crime e de seus agentes.
149
Batman, porém, se pergunta: "Mas, e os outros?" Bem, os outros, que não tiveram a
sorte, ou a determinação, ou a desenvoltura de se tornarem combatentes do crime
como Batman e Robin, serão duplamente auxiliados por Bruce Wayne, seja enquanto
Batman, caçando criminosos nas ruas da cidade, seja enquanto o milionário,
assistindo pessoas através da fundação Wayne.
Quando Bruce Wayne, ainda travestido de sua identidade civil, se encontra com a
vítima pela primeira vez, seu primeiro sentimento é de pena, de compaixão; "pobre
garota, a tragédia é tão recente (poor gal, the tragedy is so fresh)", ele pensa.
A jovem viúva é retratada como alguém descrente de receber qualquer ajuda, mesmo
da polícia. Desolada com a tragédia, acaba por receber com hostilidade qualquer
pessoa que dela se aproxime nesse momento, pré-julgando suas intenções.
Figura 16
Bruce: Me desculpe senhora... Doutora Fielding, mas receio que você
se enganou comigo! Eu não sou da policia nem do escritório de
promotoria.
Susan: Então se você não é da agência de coleta de informações veio me procurar pelos equipamentos médicos não pagos... vocês
poderiam esperar ao menos até as... as flores murcharem em seu
túmulo.
150
Não apenas por sua fala, mas seu dedo em riste, expressão de raiva, caindo
facilmente em pranto no momento seguinte indicam o quanto ela se sente
desesperada e desamparada frente ao que lhe ocorreu.
Desnorteada não só com o assassinato do marido, mas também com todos os
problemas daí subseqüentes, notadamente a falta de dinheiro e as contas vencidas,
Susan é uma vítima desprotegida, totalmente sem recursos tanto financeiros quanto
emocionais.
Todavia, ao invés de apenas consolar a vítima, Bruce a obriga a buscar forças e tentar
reagir ao assassinato de seu marido, numa forma de honrar-lhe a memória: "perhaps if
you weren´t so full of self-pitty - you could aid your husband's memory more" (talvez,
se esquecer um pouco a autopiedade, possa ajudar mais à memória de seu marido).
Esta situação aflita atormenta Susan até a chegada de Bruce Wayne, que,
independentemente das reações negativas iniciais da jovem viúva, persiste em
oferecer seus préstimos: "posso ser um amigo, se me deixar" (I could be a friend if
you'll let me - primeiro quadro abaixo), diz ele, segurando-a reconfortantemente pelos
ombros.
Figura 17
151
Bruce deixa claro que a Fundação Wayne não é uma instituição de caridade (We want
to aid people like you--- victims of injustice (...) We' re no "do-gooders" - we want to
help - Nós querermos ajudar pessoas como você -- vítimas da injustiça (...) Nós não
somos samaritanos. Nós queremos ajudar).
Bruce: So suppose Wayne Foundation extends you no indefinite
interest charges? That wouldn't be charity (Então suponha que a
Fundação Wayne conceda a você um financiamento sem prazo de
débito definido? Isso não seria caridade).
A filantropia promovida por Bruce Wayne tem como objetivo oferecer a quem precisa
meios de se estabelecer ou de se recuperar de alguma situação desvantajosa para
que, posteriormente, quem foi ajudado possa manter-se ou desenvolver-se por conta
própria.
No caso de Susan, Bruce lhe oferece, através da fundação, um financiamento sem
prazo de débito definido, um empréstimo a ser pago com juros baixos, para que ela
possa se reerguer da perda de seu marido e começar vida nova.
Bruce Wayne torna, assim, ainda mais amplo seu campo de ação ao oferecer proteção
e ferramentas para que as vítimas do crime possam agir por conta própria,
defendendo-se e reerguendo-se de per si. Isso reforça a idéia de que Bruce Wayne
não oferece caridade aos cidadãos, mas sim apoio e direcionamento.
É uma ajuda que vai além de um benefício pessoal para, também, pelo menos no caso
de Susan, trazer um benefício para a própria sociedade, benefício semelhante aos
ideais de Batman de ajudar os inocentes, embora a doutora vá realizar esse serviço de
ajuda humanitária através de sua função de curandeira. Ou seja, Bruce ajuda os
outros para que eles possam também ajudar terceiros, caso estejam dispostos a isso.
É o que ele afirma à viúva do médico assassinado: "mas você tem um futuro à sua
frente para servir à humanidade - se você quiser encarar isso" (but you have a future
ahead of you, serving mankind - if you want to face it - figura 15).
E, mesmo quando se trata do combate ao crime propriamente dito, Batman tenta tirar
a vítima de seu papel passivo de ser apenas protegida ou salva por ele. I need your
help! (Eu preciso de sua ajuda!), é uma das primeiras coisas que ele diz, travestido de
Batman, quando se encontra com Susan Fielding. Ele solicita a ajuda da vítima para,
em conjunto, capturarem o criminoso: “sem você - eu e o esquadrão inteiro da polícia não teremos nenhuma chance de encontrar o assassino desconhecido” (without you -
152
I and the entire police force - don't have a chance of finding the unknown assassin).
Ele chama a vítima ao envolvimento com a captura de seu agressor, fazendo com que
se torne responsabilidade também dela, e não apenas do Batman - defensor. Assim, a
vítima passa à função de colaboradora, capaz de, como Dick e Bruce fizeram um dia,
clamar ela própria por justiça (claim justice for ourselves).
Assim, Batman oferece à Dra. Susan recursos para que ela possa agir, libertar-se da
apatia e da auto-comiseração. Essa mudança da atitude passiva e desamparada com
a qual Bruce/Batman a encontrou para uma nova posição pró-ativa é explícita na cena
em que a própria médica vem em socorro a Batman, atacando o assassino do marido
com um bisturi (figura 7) e impedindo que este recupere a arma, favorecendo o
momento ideal para Batman nocautear o bandido.
Batman na relação com os criminosos
Em termos gerais, quem são os criminosos que Batman agora combate? Quem forma
essa nova safra de bandidos? O próprio herói esclarece:
Figura 18
Bruce: Hoje, essa nova safra de ratos usa armas modernas, falsa
respeitabilidade, grandes negócios de fachada, coberturas legais - e se
esconde nas fortificadas torres da metrópole de Gotham. Nós estamos
nos mudando desse santuário suburbano para viver no coração da
cidade - para desentocá-los de onde eles vivem e prosperam às custas
de inocentes.
Ilustrando a fala de Batman, o quadro mostra uma visão panorâmica da cidade,
apontando-a como o alvo de interesse da cruzada de Batman contra o crime.
Batman está em vigília contra todos os tipos de criminosos, os que cometem
pequenos ou grandes crimes, aqueles que ameaçam vítimas inocentes que não têm a
quem recorrer. Não são as estruturas de que o crime se utiliza para travestir-se de
atividades legalizadas que vão impedir Batman de caçá-lo. É exatamente por os
153
criminosos terem se modernizado que Batman decide se atualizar para estar apto a
enfrentá-los.
Em termos específicos, o assassino da história analisada é alguém bem-vestido,
apresentando-se de terno e gravata; poderia facilmente se passar por um cidadão
honesto. Não há como diferenciá-lo da maioria das pessoas de Gotham.
Figura 19
Também é inteligente, planeja seus movimentos; todavia, é um homem sem
escrúpulos, a ponto de usar uma criança para poder entrar no consultório de sua
vítima. E, sobretudo, não possui o mínimo respeito pela vida: matou o médico, o
próprio parceiro e ainda ameaçou a médica com a arma, chegando mesmo a atirar em
sua direção (figura 3).
154
Figura 20
É forte, chegando a derrubar momentaneamente Batman (figura 8), e ágil, fugindo
janela afora após atirar no herói, pulando um muro para fugir também da polícia.
Mas não é tão esperto quanto o Batman, pois, invariavelmente, após a "Batman's
brilliant deduction" (a brilhante dedução de Batman), acaba sendo identificado e, seu
destino, a prisão.
Categoria 4: Tematizações sobre justiça, vingança e lei.
Bruce: "Unsolved"… The criminal unpunished! Think of it, Alf… How
many underworld killings, maimings --- in this vast city leave a trail of
innocent victims of the "victim"! Wives – mothers – children - many left
without any means of support! It's the great unpublicized tragedy of
our time! We suffer great pain over true justice - "rights of individual" "innocent until proven guilty"… All for the accused parties! But, what
about the "proven" innocent -- the victims? ("Insolúvel"… O
criminoso impune! Pense nisso, Alf. Quanto outros assassinatos no
submundo, mutilações - nesta vasta cidade deixam uma trilha de
vítimas inocentes da "vítima"! Esposas, mães, crianças - muitas sem
nenhum meio de apoio! Esta é a grande tragédia não publicada de
nosso tempo! Nós sofremos grande dor sobre a verdadeira justiça "direitos individuais" - "inocentes até provarem a culpa"... Tudo para as
partes acusadas. Mas, para os inocentes comprovados - as
vítimas?).
Com essa afirmação, Bruce faz uma crítica ao modo como a lei acaba por proteger os
criminosos - "inocentes até provarem a culpa" - enquanto as verdadeiras vítimas que
deveriam ser protegidas, os antigos cônjuges, pais e órfãos daqueles que foram
mortos ou mutilados, ficam desguarnecidos, sem recursos ou sequer apoio. A
verdadeira justiça deveria, portanto, estar apoiada no auxílio e proteção desses
"inocentes comprovados", as vítimas, ao invés de preocupar-se em salvaguardar os
criminosos.
155
3.5 - Dark Knigth returns
Publicado em 1986, Dark Knight returns traz a volta de Batman ao combate ao crime.
Depois de dez anos de aposentadoria, Bruce Wayne retoma suas atividades em uma
Gotham City imersa no crime e no caos. Ele precisa lidar com uma nova leva de
criminosos, denominados Mutants, ao mesmo tempo em que enfrenta velhos
arquiinimigos como Joker (Coringa) e Two-Face (Duas Caras). Suas atividades não
são bem quistas nem pelo governo norte-americano, nem pela nova comissária de
polícia. Para realizar a sua missão, Batman conta com a ajuda de uma nova aliada,
Carrie Kelly, a Robin.
Categoria 1: Função: Batman, Robin, Sons of Batman
Quando a história se inicia, já faz dez anos que Batman desapareceu. A notícia é
anunciada em um quadro que simula uma transmissão de televisão:
[...] today also marks the tenth anniversary of the last recorded sighting
of the Batman. Dead or retired, his fate remains unknown. Our younger
viewers will not remember the Batman. A recent survey shows that
most high schoolers consider him a myth. But real, he was. Even today,
debate continues on the right and wrong on his one-man war on crime.
([...] hoje também marca o décimo aniversário da última vez em que
Batman foi visto. Morto ou aposentado, seu destino permanece
desconhecido. Nossos jovens telespectadores não lembram do
Batman. Uma pesquisa recente mostra que a maioria dos colegiais
consideram-no apenas uma lenda. No entanto, ele foi real. Ainda hoje,
os debates continuam sobre os erros e acertos de sua solitária guerra
contra o crime).
Batman é apresentado em sua ausência. A fala da âncora do jornal já define a
característica da personagem: alguém que lutava em uma guerra solitária contra o
crime. Batman era um guerreiro, designando, assim, a primeira função da
personagem.
Essa denominação de Batman como guerreiro é reiterada no decorrer da história. É
digna de nota a seqüência onde Bruce Wayne reassume o uniforme de Batman.
Bruce está assistindo à televisão, quando é anunciada a reprise de The Mark of Zorro,
o filme que ele assistiu com os pais na noite em que ambos foram assassinados.
Imediatamente ele recorda suas mortes. Em paralelo, surgem na televisão notícias de
pessoas que sofreram violência e morte brutal. As notícias são intercaladas com a
lembrança, enquanto Bruce tenta mudar de canal para fugir daquelas tragédias. A
cada mudança de canal, porém, uma nova história surge, ainda pior, e ocorre o
156
retorno à lembrança da morte dos Wayne, mostrando simultaneamente o desespero
de Bruce ao ouvir essas histórias.
Figura 1
O conflito em seu rosto é visível. A lembrança da morte de seus pais, o sofrimento
daquelas pessoas é como um chamado ao Batman. The time has come. You know it in
your soul. For I am your soul. [...] You cannot stop me -- not with wine or vows or the
weight of age. […] You try to drown me out, but your voice is weak... (O momento
chegou! Você sabe em sua alma. Que eu sou sua alma. [...] você não pode me deter,
nem mesmo com vinho, votos ou o peso da idade [...] Você tenta me abafar, mas sua
voz é fraca), diz a voz do Batman nos pensamentos de um relutante Bruce, que
finalmente cede. E, quando ele volta, é mostrado simultaneamente lutando contra os
criminosos e protegendo aqueles que precisam ser salvos.
Ele: (1) salva uma mulher de ser estuprada e morta;
157
Figura 2
(2) impede uma prostituta de ser retalhada por seu cafetão enquanto um taxista aceita
suborno para deixar que isso aconteça;
Figura 3
158
(3) salva duas meninas de serem mortas pela gangue dos Mutants.
Figura 4
Ao mesmo tempo em que salva essas pessoas, ele pune cada um dos criminosos que
as atacou. O estuprador é puxado pelo vidro (figura 2), o cafetão tem sua mão
prensada na janela do carro (figura 3), os Mutants são atacados por Batman, que
inclusive arremessa um deles contra um painel de neon, eletrocutando-o (figura 4).
O único que não é espancado é o taxista, possivelmente por não ter usado de
violência. Seu crime foi aceitar o suborno para ignorar o crime que ocorria no banco
traseiro de seu carro - o cafetão que retalhava a prostituta. Assim, o castigo infligido
por Batman é proporcional ao crime cometido. Quem usa de violência é espancado,
quem ganha suborno perde o dinheiro.
159
Figura 5
Desse modo, simultaneamente, Batman pune esses criminosos e protege quem
precisa ser protegido, ao impedir a continuidade dos atos criminosos.
As atividades de Batman continuam sendo narradas pelos jornais: duas crianças que
desapareceram foram encontradas salvas e ilesas em um depósito à margem do rio.
Um telefonema anônimo levou a polícia até lá; as meninas foram achadas ao lado de
seis membros da gangue Mutant, todos exibindo múltiplos cortes, contusões e fraturas
expostas. Fica-se subentendido que Batman salvou as crianças, puniu os bandidos e
os entregou às autoridades. Essas duas funções de Batman (punir e proteger), que
surgem imediatamente com o seu retorno, parecem estar atreladas uma à outra.
Quando Batman encurrala um quarteto de assaltantes em um prédio abandonado, um
policial novato que não conhece o Batman adentra o prédio. A preocupação de
Batman naquele momento é keep him from getting killed (impedir que ele seja morto).
Mais uma vez a preocupação de proteger a vida de alguém é ressaltada.
Pouco depois, ao enfrentar um dos criminosos que se aproxima com arma em punho,
o Batman o ataca. Ele possui “seven working defenses from this position: three of them
disarm with minimal contact, three of them kill” (sete tipos de defesa nessa posição:
três desarmam com mínimo de contato, três matam). A restante (escolhida por ele
conforme a figura abaixo), aleija (hurts).
160
Figura 6
Se Batman podia simplesmente desarmar o criminoso, por que não o faz? Ele mesmo
responde, ao ser inquirido pelo jovem policial: He's young [o criminoso]. He'll probably
walk again. But he'll stay scared, won't you punk? (Ele [o criminoso] é jovem. Ele vai
provavelmente andar de novo. Mas ele vai estar aterrorizado, não vai, punk?).
Batman aterroriza os bandidos com o intuito de que esse medo os impeça de voltar a
cometer crimes. Esse mesmo propósito é mostrado na seqüência em que Batman
tenta impedir que o vilão Two-Face coloque bombas nas Torres Gêmeas de Gotham
City. Ele joga um gás especial contra os auxiliares de Two-Face:
This stuff [...] a light dose like this and you spend twenty or thirty
minutes reliving your least favorite nightmare. The only after effect I've
noticed is a marked aversion to guns, knives and crime-fighters. (Esta
substância [...] uma dose pequena e você passa vinte ou trinta minutos
revivendo seu pior pesadelo. O único efeito colateral que eu notei foi
uma forte aversão por armas, facas e combatentes do crime).
Ou seja, a função de aterrorizar os bandidos não serve apenas para criar vantagem ao
Batman em relação a eles em sua missão de combatente, mas para amedrontá-los a
ponto de se tornar um fator capaz de impedi-los de retornar à vida criminosa.
Com a volta do Batman, a gangue Mutant, que aterroriza a cidade, manda um vídeo
para a televisão, ameaçando-o. Nas palavras da repórter:
161
With that videotape message, the Mutant leader - whose name and
face remain a secret - has declared war on the city of Gotham... and in
its most famous champion (Com uma mensagem de vídeo, o líder
Mutant - cujo nome e rosto ainda são desconhecidos - declarou guerra
à cidade de Gotham e ao seu campeão mais famoso).
Mais uma vez o caráter da luta contra o crime ressalta a função de Batman como
guerreiro; mais do que isso, ele é designado como campeão da cidade. Campeão,
remetendo à idéia de cavaleiro medieval, é aquele que luta para defender o reino ou,
no caso, a cidade de Gotham. Essa correlação entre Batman e a idéia de cavaleiro já
é apontada no próprio título da minissérie: Dark Knight returns: A Volta do Cavaleiro
das Trevas.
Esse caráter de guerra é reiterado em outras seqüências. Batman refere-se como
soldados tanto a Jason Todd, o falecido Robin, quanto a Carie Kelly, a atual Robin,
uma das meninas salvas por Batman logo após seu retorno.
Figura 7
Batman: Eu nunca esquecerei Jason! Ele foi um ótimo soldado.Ele
me honrou. Mas a guerra continua.
Nessa seqüência, não apenas a denominação de Jason como soldado ou a referência
à continuidade da guerra remetem o sentido de Batman como um guerreiro. Sua
imagem ao dizer essas palavras, o modo como veste a máscara como se fosse um
elmo, um capacete de uma armadura, dá a idéia de Batman como um guerreiro
prestes a entrar em batalha.
162
Figura 8
A própria imagem do Batmóvel reforça uma vez mais o cenário de guerra. Sua
estrutura (modificada para "enfrentar alguns tumultos quinze anos atrás") lembra um
tanque.
Carrie Kelly, quando decide usar o uniforme de Robin depois de se ver capaz de saltar
entre prédios, tem como primeiro pensamento next up figthing crime (agora combater
o crime), tomando também para si essa função de combatente, compartilhada por
Batman.
Após a derrota do líder Mutant em uma luta contra o Batman, parte da extinta gangue
assume a alcunha de Sons of Batman (Filhos de Batman), também se propondo essa
missão de lutar contra os criminosos.
Son of Batman: The mutants are dead. […] Do not expect any further
statements. The Sons of Batman do, not talk. We act. Let Gotham's
criminals beware. They are about to enter hell. (Os Mutants estão
mortos. [...] Não esperem declarações futuras. Os Sons of Batman
fazem, não falam... Nós agimos. Que os criminosos de Gotham se
preparem. Eles estão prestes a entrar no inferno).
O propósito dos autodenominados Sons of Batman não é apenas combater o crime,
mas principalmente punir os criminosos. Ao usar o termo "inferno", enfatizam a
conotação punitiva de seus atos. Contudo, embora adotem o nome de Batman, seus
métodos não coincidem com os do herói. Os Sons of Batman ultrapassam a linha que
Batman se propôs a nunca cruzar.
Batman hasn't killed anybody (Batman não matou ninguém), diz Lana
Lang, jornalista e principal defensora de Batman, em debate na
televisão sobre o herói.
163
Quando ele enfrenta o líder Mutant e o tem sob sua mira, "uma espécie de mal com o
qual ele nunca sonhou", Batman cogita em apertar o gatilho:
And there's only one thing to do about him makes any sense to me...
just press the trigger and blast him from the face of earth. Though that
means crossing a line I drew for myself thirty years ago... (E há
somente uma coisa a fazer com ele que faz algum sentido para mim,
apenas apertar o gatilho e eliminá-lo da face da Terra. Só que isso
significa ultrapassar uma linha que me impus trinta anos atrás).
Contudo, ao enfrentar Joker em um parque de diversões, depois de o vilão ter
chacinado centenas de pessoas em uma emissora de televisão e outras tantas no
decorrer da sua carreira, Batman cogita cruzar essa linha, determinando-se a acabar
com o Joker e fazê-lo pagar por all the people I've murdered by letting you live (todas
as pessoas que eu matei por tê-lo deixado viver). It ends tonight, Joker. [...] tonigh
you're taking no hostages. Tonight I'm taking no prisoners (Isso termina hoje, Joker [...]
Hoje você não vai fazer reféns. Hoje eu não vou fazer prisioneiros) - pensa Batman.
Entretanto, no último embate, mesmo com a intenção de matar o Joker, ele não
consegue fazê-lo:
Joker: I'm really... very disappointed with you, sweet… The moment
was… perfect… and you didn't have the nerve… paralysis… really…
just an ounce or two more of pressure… and… (Estou realmente muito
desapontado com você, doçura... O momento era... perfeito... e você
não teve coragem... paralítico... é verdade... apenas um pouco mais de
pressão e...)
Batman não consegue matar, talvez porque ultrapassar essa linha seja o que o separa
dos criminosos, de alguém como o homem que assassinou seus pais. Matar é tornarse criminoso, como Batman (disfarçado de mendigo) deixa claro para o dono de um
mercadinho que o auxilia a capturar alguns criminosos e ameaça assassinar um deles,
que está inconsciente.
164
Figura 9
Vendedor: Agora nós vamos finalizar.
Batman: Puxe esse gatilho e eu voltarei. Por você.
Ao apertar aquele gatilho, o dono da venda ultrapassaria a linha e se tornaria alvo da
missão de Batman. Os Sons of Batman não respeitam esse limite, essa linha. Eles
matam para impedir e punir os criminosos.
Figura 10
Há também uma certa desproporcionalidade nas suas ações e punições: "The Sons of
Batman have struck again in front of a dozen witnesses, they accosted a shoplifter
and… chopped his hands off…The shoplifter is said to have been carrying several
magazines and a candy bar… (Os Sons of Batman atacaram novamente na frente de
várias testemunhas, eles impediram um assaltante e... amputaram suas mãos... O
assaltante estava levando algumas revistas e uma barra de chocolate...).
A essência do combate ao crime é diferente em Sons of Batman e no próprio Batman.
Enquanto a preocupação do grupo está em punir os criminosos mostrando o inferno a
165
eles, a intenção principal de Batman é impedir o crime e proteger as vítimas. A
punição dos criminosos, e mesmo a satisfação que Batman pode encontrar no
processo [...] we know so many ways to hurt him... so many lovely ways to punish him
([...] nós conhecemos tantos modos de machucá-lo, tantos modos adoráveis de punilo), como ele chega a dizer em certo ponto da história, são secundárias.
É o próprio Batman que esclarece isso na seqüência em que confronta os Sons of
Batman. Um pulso eletromagnético de uma bomba nuclear é lançado pelos russos em
um país próximo - Corto Maltese - onde ocorre uma guerra entre os americanos,
russos e os habitantes desse país. O pulso deixa parte dos Estados Unidos às
escuras, inclusive Gotham City. Essa é a hora em que os Sons of Batman se
preparam para agir.
Figura 11
Son of Batman: Gotham City está indefesa. Essa é nossa chance
de arrasar Gotham, de purificar Gotham...
Batman: Não.
Eles desejam purificar a cidade, livrá-la daquilo que acreditam ser o mal; as tochas
remetem a essa idéia de fogo purificador. Batman chega e diz: "NÃO!", porque aquele
não é o seu modo de agir. Arrasar a cidade daquela maneira, com o intuito de
“purificá-la”, não é o que Batman se propõe a fazer. Ele está ali para ensinar-lhes o
que fazer e como fazer.
Quando os remanescentes da gangue dos Mutants escapam da delegacia, também a
eles o Batman faz um convite de se juntar à sua missão, que seria ajudar a
comunidade (I'm here to appeal to your community spirit. I'm sure you're all eager to
help. - Estou aqui para apelar para seu espírito comunitário. Tenho certeza que vocês
todos estão ansiosos para ajudar).
166
Figura 12
Gotham está um caos: pessoas comuns lutando entre si por armas, por comida,
gritando umas com as outras, enquanto a cidade se consome em chamas. É quando
Batman chega, com Robin, os Sons of Batman e os Mutants remanescentes,
impedindo a confusão.
Homem envolvido no tumulto: When he talked -- Batman, I mean - […] he told us we could spend the night tied up -- or help fight the
fire… (Quando ele falou -- Batman, digo (...) ele disse que a gente
poderia passar a noite amarrados - ou ajudar a combater as
chamas).
Batman traz a ordem ao caos: é nesse sentido que se auto-intitula como lei. Assim,
mais importante que "purificar" a cidade, como queriam os Sons of Batman - o que,
talvez, traria um caos ainda maior -, é impedir que as pessoas machuquem umas às
outras. Ou, em outras palavras, trazer segurança à cidade, conforme o comentário da
jornalista após o incidente.
Lola: New York, Chicago, Metropolis - every city in America is caught in
the grip on a national panic -- with one exception. Right, Tom? (Nova
Iorque, Chicago, Metrópolis... todas as cidades americanas foram
167
tomadas por uma onda de pânico nacional -- com apenas uma única
exceção. Certo, Tom?)
Tom: That's right, Lola. Thanks to the Batman and his vigilant gang,
Gotham's streets are safe - unless you try to commit a crime. (Certo,
Lola. Graças ao Batman e sua gangue de justiceiros, as ruas de
Gotham estão seguras... a menos que se tente cometer um crime).
A síntese desse caráter protetor de Batman está na seqüência em que ele salva um
bebê de seus seqüestradores, membros da gangue dos Mutants. A criança chora alto,
desesperadamente, conforme se vê pela expressão de seu rosto e por seus gritos,
cuja representação escrita toma praticamente todo o quadro para indicar a altura do
choro.
Figura 13
Quando Batman chega, atacando um a um os seus captores, o seqüestrador que
sobra ameaça matar a criança. Batman não hesita em acertar um tiro - não letal - no
criminoso. E depois pega a criança, colocando-a em seu colo. A criança que até então
chorava compulsivamente nas mãos dos seqüestradores, nesse momento pára de
chorar e até mesmo fecha os olhos, encostada no peito de Batman, como se sentisse
segura e tranqüila na presença dele.
Figura 14
O modo como Batman a envolve em seus braços demonstra também certo cuidado e
preocupação em relação àquela criança, reforçando o seu caráter protetor.
168
Categoria 2: Características: Batman e Robin
A história se inicia com Bruce Wayne no meio de uma corrida. Seu carro entra em
pane e começa a se incendiar.
Bruce - pensamentos em recordatário: I've got the home stretch all
to myself when the reading stop making sense. I switch to manual [...]
I'm in charge now and I like it. [...] I've got just under two seconds to
shut this mess down and forfeit the race. The engine, angry, argues the
point with me. The finish line is close, it roars. Too close [...] This would
be a good death... but not good enough (Eu tenho a reta da chegada
toda para mim quando os instrumentos param de fazer sentido. Eu
mudo para o manual [...] Eu estou no comando agora e gosto disso. [...]
Tenho cerca de dois segundos para desligar essa bagunça toda e
terminar a corrida. O motor furioso discute comigo. A linha de chegada
está próxima, ele rosna. Muito próxima.[...] Seria uma boa morte, mas
não o bastante).
Mesmo com a pane geral do carro, mesmo com o fogo ao redor, com a linha de
chegada tão próxima, Wayne não desiste; é alguém que, por conta disso, pode até
colocar sua própria segurança à prova.
Repórter: Spetacular finish to Neuman elimination, as the Ferris 6000
pinwheeled across the finish line, a flaming coffin for Bruce Wayne or
so everyone thought. Turns out the millionaire bailed out at the last
second. Suffered only superficial burns (Espetacular final da prova
Neuman quando a Ferris 6000 cruzou a linha de chegada como um
caixão flamejante para Bruce Wayne, ou assim todos pensavam. No
entanto, o milionário escapou no último segundo. Sofrendo apenas
queimaduras superficiais).
Essa determinação é vista em outros momentos da história, quando Bruce já
reassumiu o uniforme de Batman.
169
Figura 15
Batman - pensamentos no recordatário: Em dez anos nunca me
senti tão calmo, tão seguro. (...) O braço esquerdo está entorpecido,
se for um ataque cardíaco, estou perdido. Uma morte perfeita, mas há
milhares para se pensar e Harvey... Eu preciso saber.
A cena acima se refere a um ataque do vilão Two-Face às Torres Gêmeas de Gotham.
Batman está atravessando por um fio o vão de espaço entre os prédios quando é
atingido no peito por um tiro. Alguns pontos do trecho, em especial a referência à
morte perfeita, mostram a similaridade das situações; é como na corrida, em que
estava tão perto da chegada: agora ele está perto de saber porque o Two-Face
(Harvey) retornou ao crime. E, também, por haver milhares de vidas em jogo, apesar
da queda e do provável ataque do coração, ele não pode desistir. Ele precisa saber.
170
Figura 16
Batman - pensamentos no recordatário: Cedo demais as dores
começam nos tríceps e no peito. Eu continuo tentando esquecer como
tudo se tornou mais difícil e como estou me excedendo.
Batman é alguém que, mesmo percebendo os seus limites, tenta ignorá-los e
ultrapassá-los. Apesar de já ter 55 anos de idade na história em questão, o herói ainda
mantém parte de seu vigor físico da juventude. Ainda é capaz de saltar entre prédios,
atravessar um vão entre arranha-céus equilibrando-se em um fio, e de lutar contra
criminosos.
Mas, apesar de manter parte dessas habilidades da juventude, a idade também pesa
para Batman. Ele ainda é, como Superman diz em determinado ponto da história,
quando ambos se enfrentam: Bruce -- this is idiotic -- you’re just bones and meat -- like
all the rest (Bruce, isso é idiotice - você é apenas carne e ossos, como todo o resto).
Ou como, em uma seqüência na qual Batman encurrala quatro criminosos em um
prédio abandonado, um deles lembra que, se for o Batman, he’s got to be pretty old
(ele deve estar bem velho).
Para compensar essas limitações trazidas pela idade, Batman usa da estratégia e das
vantagens que as situações que enfrenta apresentam.
Em perseguição a bandidos que acabaram de roubar um banco, Batman os encurrala
em um prédio em ruínas. Eles são smart enough to hang close together, but they’re
scared (espertos o bastante para ficarem juntos, mas estão apavorados). Esse fator
171
emocional é uma vantagem para o Batman. Ele pega os bandidos um a um, usa o
medo deles para que se descontrolem.
Figura 17
Também ao enfrentar Superman, apesar de todas as desvantagens que envolvem a
situação - não apenas a idade avançada de Batman, mas também o fato de não
possuir super poderes -, ele concebe um plano para derrotá-lo. Ataca-o com mísseis,
usa a energia da cidade inteira para “torrar seu cérebro” com uma arma, e ainda conta
com a ajuda do Arqueiro Verde para atingir Super-Homem com uma flecha de
kriptonita, material que enfraquece o alienígena. Concebido esse plano, demonstrando
assim inteligência e estratégia, Batman reverte a seu favor uma situação desvantajosa
e derrota o Superman. Destarte, suas inteligência e estratégia mostram-se importantes
para derrotar seus inimigos, mesmo os mais poderosos.
Essa característica é compartilhada por Carrie Kelley, a nova Robin, descrita por
Batman como smart (esperta); além disso, é young (jovem) e brave (corajosa). A
inteligência de Carrie é sublinhada na cena em que, vendo Batman cercado por
policiais, ela reprograma o computador de bordo do helicóptero de Batman, que antes
seguia apenas os comando de Bruce, para resgatá-lo.
172
A coragem da nova Robin, apontada pela fala do Batman, é explicitada na cena em
que eles se encontram pela primeira vez. Batman está sendo massacrado pelo líder
dos Mutants; todavia, mesmo desarmada, ela pula na direção ao líder Mutant,
segurando o pé de cabra com o qual ele espancava Batman.
Figura 18
Sua coragem também é vista na cena em que, ao fugirem da polícia utilizando asasdelta, a correia que prendia Robin é rompida por uma bala e ela cai em pleno vôo,
segurando-se na capa de Batman: she doesn´t make a sound (ela não solta um único
grito - figura 19).
Figura 19
Como Batman, ela também possui capacidades físicas notáveis; salta de prédios, se
desvia de armas, ainda com a vantagem de possuir a juventude a seu favor.
173
Figura 20
Batman - pensamentos no recordatário: Eu sabia que ela ia
conseguir. Eu conseguiria na sua idade.
O que falta a Robin, além dos anos de experiência de Batman, é paciência; o que,
segundo o próprio Batman, é importante para a missão deles:
Robin: Figure we've been doing the spider here for less than three
years... (Parece que estamos bancando as aranhas aqui por pelo
menos uns três anos).
Batman: Patience, Robin. It'll keep you alive. Abner isn't home.
(Paciência, Robin. Isso a manterá viva. Abner não está em casa).
.
Figura 21
174
Robin: Vou ver se acho alguma pista.
Batman: Robin! Não!
Figura 22
A impulsividade de Robin não apenas quase a matou como também custou a vida de
doze pessoas, mortas na explosão do dispositivo criado por um dos comparsas do
Joker. Assim, um descuido não prejudica apenas o combatente do crime, mas ainda
outras pessoas. Paciência é essencial para salvaguardar-se e também aos outros.
Um aspecto importante e constantemente reafirmado nesta história é o caráter de
Batman como uma força maior que o próprio homem por trás da máscara. Bruce
Wayne é o Batman, mas simultaneamente Batman é uma força animal, uma criatura
que rosna dentro de Bruce.
Na seqüência que precede o retorno de Batman (figura 1), o texto do recordatário traz
a “fala” desse Batman “interior” existente em Bruce: You try to drown me out, but your
voice is weak... (você tenta me abafar, mas sua voz é fraca).
175
Figura 23
Um morcego chega voando pelos céus. Bruce observa, fecha os olhos, o morcego se
aproxima ainda mais. Bruce encara o morcego, seu rosto denota frieza, seriedade e
calma, sugerindo uma resignação. Como se a chegada daquele morcego, que
arrebenta o vidro da janela, fosse uma espécie de chamado, um destino do qual ele
não pode mais fugir.
Corta-se para a cena de uma tempestade. O repórter anuncia que:
Power lines are down all over suburbs. It's a mean one [tempestade] -and it's headed straight for Gotham, like the wraith of God it's headed
for Gotham (houve um blecaute em todo o subúrbio. É uma
[tempestade] violenta - e está se dirigindo diretamente para Gotham,
como se a fúria de Deus se dirigisse para Gotham).
O repórter fala da chuva que chega, mas isso pode ser também tomado
metaforicamente como a volta de Batman, que seria como aquela tempestade: uma
fúria de Deus que cai, implacável, sobre a cidade.
176
Figura 24
A seqüência de quadros reforça essa idéia de Batman como tempestade, como força
da natureza. Como já mencionamos, mostra-se ele, em seu retorno, atuando em três
tempos: salvando uma mulher de ser estuprada e morta, uma prostituta de ser
retalhada por seu cafetão e duas meninas de serem mortas.
Batman não é mostrado diretamente, apenas seus atos, exatamente para indicá-lo
como um reflexo da wraith of God (fúria de Deus). Cada aparição sua é precedida por
um trovão e/ou raio, remetendo ao que o jornalista disse e reforçando a idéia de
Batman como tempestade.
177
Metáfora que é retomada na cena em que a cidade está na penumbra graças ao pulso
eletromagnético, e o Batman chama os Sons of Batman para auxiliá-lo a conter o
pânico em Gotham.
Robin observa a cena, os olhos bem abertos, em direção ao alto. No recordatário (em
amarelo para indicar que é um pensamento dela):
Only feels like there's a storm coming. It's just his voice. (Parece que
vai começar uma tempestade. Mas é apenas a voz dele).
Figura 25
Robin, pensamentos no recordatário: Foi apenas uma vez... durante
a noite toda... que aquilo se mostrou... Ele deu ordens e todos os
Mutants e S.o.B.s [Sons of Batman] se foram em um minuto... Ele
curvou-se sobre a sela... como um velho... Então mais que depressa
ele ergueu-se e riu para mim como se fosse divertido. Ele não pode
morrer...
A expressão de Carrie é de puro espanto e admiração. Existe o homem sob o Batman
(an old man - um velho), mas que simultaneamente parece evocar algo muito maior
que aquele homem. Como ela disse anteriormente, sua voz é como um trovão; ele
denota algo “imortal”, além do meramente humano.
O comissário Gordon também evoca essa característica do Batman como algo que vai
além da pessoa que usa a máscara, como representante de algo maior. Ao ser
questionado por sua sucessora no cargo, Ellen Yindel, sobre os motivos do comissário
apoiar um vigilante, este responde:
Gordon: I'm sure you've heard old fossils like me talk about Pearl
Harbour [...] We were scared […] and there was Roosevelt on the radio,
strong and sure, taking fear and turning it into a fighting spirit [...] We
won the war. [...] A few years ago, I was reading a news magazine -- a
178
lot of people with a lot of evidence said that Roosevelt knew Pearl
Harbour was going to be attacked -- and that he let it happen. […] I
couldn't stop thinking how horrible that would be. […] a lot of innocent
men died, but we won the war. It bounced back and forth in my head
until I realized I couldn't judge it. It was too big. He was too big. (Tenho
certeza de que já ouviu fósseis como eu falando de Pearl Harbour [...]
Todo mundo estava apavorado [...] então Roosevelt falou no rádio,
forte e firme, transformando medo em espírito de luta. [...] Nós
vencemos a guerra [...] Alguns anos atrás estava lendo uma revista -um monte de gente com um monte de evidências de que Roosevelt
sabia que Pearl Harbour estava prestes a ser atacada - e deixou
acontecer. [...] Eu não pude deixar de pensar o quão horrível aquilo
poderia ser. [...] muitos inocentes morreram, mas nós vencemos a
guerra. Essa idéia zumbiu na minha cabeça até eu perceber que não
podia julgá-la. Era coisa grande demais. Ele era grande demais).
Ellen: I don't see what this has to do a vigilant. (Não vejo o que isso
tem a ver com o vigilante).
Gordon: Maybe you will. (Talvez você veja).
O que Gordon tencionava mostrar à nova comissária é exatamente o fato de que o
que Batman representa transcende o próprio vigilante em si; é o que ela finalmente
compreende, na seqüência durante o blecaute, em que Batman, na porta da
delegacia, pede ajuda aos Mutants que acabaram de fugir. O assistente dela pergunta
se poderiam tentar prender o Batman (a comissária emitira um mandato de prisão para
ele), ao que ela responde: No, no! He's too big (Não, não! Ele é grande demais),
remetendo à fala de Gordon.
Categoria 3 : Batman na relação com outrem
Batman na relação com as autoridades.
A relação de Batman com as autoridades na história em questão pode ser subdividida
em três tipos diferentes.
(1) sua relação com o comissário de polícia James Gordon;
(2) sua relação com a sucessora de Gordon, Ellen Yindel;
(3) sua relação com os governantes do país.
Na relação com Gordon, existe uma mútua cooperação. Quando um criminoso preso
por Batman é libertado graças ao seu advogado, e Gordon se vê impossibilitado de
fazer o que quer que seja, e também sabendo o quanto esse criminoso é importante
para uma investigação envolvendo o vilão Two-Face, é a Batman que ele recorre.
179
Alfred, mordomo de Batman (ao telefone): It's Gordon, sir. (...) (É
Gordon, senhor).
Bruce: Hello, commissioner? No, I'm just fine. That's interesting.
Releasing him now, are you? (Olá comissário. Não, estou bem. Isso é
interessante. Soltaram-no agora, foi?).
Batman age onde Gordon e a polícia não podem legalmente agir, mas Batman age
também em conjunto com Gordon. A existência do Batsinal (um holofote com o sinal
do morcego colado a ele e projetado no céu) é o indicativo público dessa relação
estreita:
Merkel (assistente de Gordon): But ins't there some other way to call
him? (Mas não tem outro jeito de chamá-lo?).
Comissário Gordon: A least a dozen. (Pelo menos uma dúzia).
Merkel: Then why? (Então, por quê?).
Comissário Gordon: To let them know, Merkel, to let everyone know.
(É para que eles saibam, Merkel, para todo mundo saber).
A cena em questão se passa logo após o retorno de Batman à ativa. O Batsinal no céu
é para mostrar a todos que Batman realmente voltou e também que está ajudando a
polícia.
No seu discurso de aposentadoria, Gordon deixou explícito o quão importante ele
acredita ser a cooperação com o Batman:
Gordon: She will face a man who is the living spirit of... something we
need. She may be his enemy. She may learn from him. (Ela enfrentará
um homem que é o espírito vivo de... algo que precisamos. Ela poderá
ser sua inimiga. Ela poderá aprender com ele).
Já a posição da nova comissária é oposta a de Gordon. Yindel acredita que, por ser
Batman um vigilante, alguém que não é um combatente do crime legalmente instituído
como os policiais, é um criminoso; e, por isso, deve ser perseguido, não tomado como
aliado:
Yindel: Despite Gotham's plague of crime, I believe our only recourse is
law enforcement. I will not participate in the activities of a vigilant,
therefore, as your police commissioner - I issue this arrest order for the
Batman on charges of breaking and entering, assault and battery,
creating a public menace… (Apesar da praga do crime em Gotham,
acredito que nosso único recurso é o cumprimento da lei. Eu não vou
participar das atividades de um vigilante. Assim sendo, como sua
comissária de polícia - emiti um mandato de prisão contra Batman,
pelas acusações de invasão de domicílio, assalto, agressão e ameaça
pública...).
180
Desse modo, de aliado Batman passa a ser perseguido pela polícia, que o confronta
diretamente algumas vezes. Ainda assim, Batman não vê a polícia como sua inimiga.
Seguindo a trilha do Joker, ele descobriu que o criminoso agirá em dois lugares
diferentes, ameaçando a vida dos freqüentadores da “Feira da Amizade” e atentando
contra a vida do governador. Incapaz de impedir os dois crimes, ele contata a
comissária.
Figura 26
Comissária: Ligue para o Juizado de Menores, diga a eles para
adicionar risco de vida infantil à...
Batman: Comissária, é o Batman. A vida do governador está em
perigo. Eu não tenho tempo de salvá-lo. Vá você.
Após o incidente do pulso eletromagnético, quando Yindel presenciou Batman
convocar os criminosos Mutants para ajudá-lo a manter a ordem em Gotham, a
comissária minimiza seu empenho em perseguir Batman ao compreender o que
Gordon queria dizer (“Ele é grande demais”, ela diz).
Âncora de TV (Tom): Commissioner Yindel refused to comment on the
charge that Gotham's police have been lax in pursuing the murder
charge against the Batman. (A comissária Yindel recusou-se a
comentar as acusações de que a polícia de Gotham diminuiu seu
empenho em capturar Batman pelas acusações de assassinato).
Batman não chega a ser tomado como aliado pela nova comissária, todavia não é
mais caçado como inimigo.
No contexto de Cavaleiro das Trevas, o vigilantismo e o super-heroísmo são ilegais. A
maioria dos heróis se aposentou. O único que continua agindo sob o aval do governo
é o Superman, atuando em missões fora do país, como na guerra entre os americanos
e os soviéticos no fictício país Corto Maltese.
181
A figura de Superman se confunde, na história, com a própria figura do governo
americano. A introdução da personagem já faz essa associação através da imagem:
na seqüência em questão, no primeiro quadro é mostrada a bandeira norte-americana.
Nos quadros seguintes, a imagem é mostrada mais e mais próxima, destacando-se as
listras vermelhas e brancas. Quando o plano se abre no próximo quadro, percebe-se
que na verdade não vemos mais a bandeira norte-americana, mas sim o símbolo do
uniforme do Superman.
.
Figura 27
Presidente: [...] Bem, tem uma polêmica que eu gostaria que você
resolvesse, com pulso firme, para mim em Gotham City. Cá entre nós,
estou preocupado com um amigo seu. [...] Gosto de pensar que eu
aprendi tudo o que eu sei sobre governar este país no meu rancho [...]
Em um rancho não tem problema nenhum que os cavalos tenham
tamanho e cor diferentes, desde que fiquem dentro da cerca. Não tem
problema ter um garanhão meio louco de vez em quando [...] mas, se
esse animal salta e dá coice na cerca, e deixa os outros cavalos
agitados, bem, isso é mau para os negócios. O mundo mudou, filho.
Não é como nos velhos tempos. Eu queria que fosse. Eu daria uma
medalha para ele. [...]
Superman: Senhor, eu posso falar com ele, mas...
Presidente: Eu adoraria que fizesse isso... Odeio ver as coisas
escaparem do controle. Bem, eu apenas odeio isso. Faça isso, filho.
Seu país está contando com você.
Oficialmente o governo se mantém neutro em relação ao Batman (Well, I don't think
that's my bull to. My row to hoe, boys. Bem, eu não penso que esse touro seja meu...
182
quer dizer, que isso seja da minha alçada!, o presidente responde ao ser questionado
sobre o assunto). Extra-oficialmente, a posição do governo é a de inibir as ações do
Batman, pois elas despertariam um sentimento de inquietação nos demais habitantes
do país.
Desse modo, para o governo norte-americano Batman é uma ameaça ao status quo.
Um cavalo bravo que atiçaria os outros a fazerem algo parecido ou, pelo menos,
levaria a discussões sobre a situação do país no que diz respeito à capacidade do
governo. O que, de fato, acaba ocorrendo em diversos debates televisivos. Após o
pulso eletromagnético, com grande parte das cidades entrando em caos, exceto
Gotham - graças ao Batman, não aos governantes -, não resta outra opção a não ser
acabar com o problema, o que leva ao confronto entre Batman e Superman.
Batman na relação com aliados: Robin
Robin surge inicialmente na história em sua identidade civil, Carrie Kelly. Ela é uma
das duas meninas que Batman salvou dos Mutants.
Inspirada pelo Batman, ela decide assumir a identidade de Robin e combater o crime
por conta própria, atacando pequenos trapaceiros; até que ela escuta alguns Mutants
conversando sobre uma grande reunião. O primeiro encontro deles, Robin e Batman,
se dá justamente quando Batman está sendo derrotado pelo líder Mutant (Figura 18).
Batman (pensamentos no recordatário): ... Dick... [o primeiro
Robin]... where are you... Dick... you were always… my little monkey
wrench… got yourself in deep again, Dick… always… in over your head
[…] lucky… you're lucky I'm always here… to bail you out ... (Dick... [o
primeiro Robin], onde está você... Dick... você sempre foi... a minha
melhor arma... Dick... você se enroscou de novo... sim... se atolou até o
pescoço... [...] sorte... você tem sorte que eu estou perto... para
socorrer você...)
O fato de Batman confundir Carrie com Dick Grayson, o primeiro Robin, de certo modo
já a aproxima de seu antecessor, e fala também da relação que se estabelecerá entre
os dois. Robin é alguém que vem em auxílio de Batman, que o ajuda (you were always
my little monkey wrench - você sempre foi a minha melhor arma), mas ao mesmo
tempo não chega a superá-lo (you're lucky I'm always here to bail you out - você tem
sorte que eu estou perto para socorrer você...).
Essa relação de Robin como trunfo e também como alguém a ser protegido pelo
Batman, conforme ele aponta ao se referir a Dick, é reiterada no decorrer da história:
183
por duas vezes é Carrie quem salva Batman, durante o confronto com a polícia (figura
20); mas, também, é ele quem a impede de ser morta em uma explosão, ao entrar em
um prédio desobedecendo às ordens dele (Figura 22).
Quando Carrie se apresenta ao Batman, responde imediatamente com seu nome,
porém emendando logo em seguida com Robin, assumindo a identidade adotada pelo
parceiro de Batman. Ele também já demonstra aceitá-la como ajudante ao se
apresentar como Bruce, compartilhando sua identidade secreta, e a chamando de
Robin, ao insistir com Alfred que ela irá acompanhá-lo até a caverna. O modo como a
mão dele repousa sobre a dela reforça, pela imagem, esta aceitação.
Figura 28
Batman: A caverna… e Robin... vem conosco...
Nas palavras de Batman, Carrie é perfect. She's young. She's smart. She's brave. With
her, I might be able to end this mutant nonsense once and for all (perfeita. Ela é jovem.
Ela é esperta. Ela é corajosa. Com ela, talvez eu possa acabar com essa insanidade
mutante de uma vez por todas). Batman precisa de auxílio, de alguém que possa agir
próximo a ele, uma ajuda mais direta que aquela que tem de Gordon. Essa pessoa é
Carrie, que substitui Dick como a “melhor arma” de Batman.
O que Batman faz é dar a Carrie a preparação que ela precisa para poder realizar a
missão de combater a crise, porque as habilidades essenciais ela já possui (é esperta,
jovem e corajosa).
Batman: Your training begins tomorrow. It will be weeks before you're
ready for direct contact with the enemy. (Seu treinamento começa
amanhã. Vai levar semanas até que esteja pronta para o confronto
direto com o inimigo).
184
Existe uma confiança de Batman nas habilidades e capacidades de Robin (figura 20):
“Eu sabia que ela ia conseguir. Eu conseguiria, na sua idade”. Existe, também, por
parte de Batman, uma admiração em relação à menina.
Figura 29
Batman - pensamentos no recordatário: Bem ali naquela sela... está
toda a razão de que eu preciso. É quase assustador quão rápido ela
está aprendendo a cavalgar. Ele tem décadas pela frente.
Essas duas seqüências remetem à idéia de que Batman veria Robin como uma
sucessora em sua missão. Ao dizer que ele teria conseguido na idade dela, ele a
equipara a si próprio. Ela tem aquilo que ele não tem mais: a juventude. Ela ainda tem
décadas inteiras pela frente para continuar lutando contra o crime.
Batman na relação com as vítimas
À exceção de Carrie Kelly, a Robin, a interação de Batman com as pessoas que ele
protege é mínima. Batman é apenas alguém que salvou as vítimas de serem
roubadas, espancadas, violentadas ou mortas, ao mesmo tempo em que castiga e
pune seus agressores.
Da perspectiva dessas vítimas, existe, inclusive, um caráter quase inumano na figura
de Batman, expresso nos seus depoimentos para a televisão.
(1)
Vítima 1: (mulher vítima de quase estupro): Wild animal. Growls.
Snarls. Werewolf. Surely. (Um animal selvagem. Ele rosna. Rosna. Um
lobisomem. Com certeza).
185
(2)
Vítima 2: (Michelle - menina atacada por Mutants I): Monster! Like
fangs and wings and it can fly. (Um monstro! Com presas e asas e
podia voar).
(3)
Vítima 3: (Carrie - atacada por Mutants II): Reality check, Michelle. Talk
about composure. Total lack of. He's a man -- about-- twelve feet tall.
(Se atenha à realidade, Michelle! Que exagero. Ele era um homem - de
cerca de - uns quatro metros de altura).
(4)
Vítima 4: (mulher espancada): This one. He'd been working the nerve
up for weeks before he was horny enough, no, horny he wasn’t. He was
just looking to hurt somebody and he's the kind who hurts women […]
He gave himself an excuse, so now he's giggling like he's turned on! I
figure he's serious enough to run after me […] The creep's pulling out
his weapon when there's this shriek. Straight out of hell there's this
shriek. It turns a growl -- flapping of wings -- big wings ---something wet
happens to the creep - a side of beef slams into the lamppost -- a
switchblade snars open. Bones start popping inside the creep. He's
screaming and begging what grabbed him is laughing and so am I.
(Tinha um fulano. Ele vinha me irritando fazia semanas antes de estar
excitado o bastante. Não, ele não era um tarado. Ele estava
procurando alguém para machucar e era do tipo que machuca
mulheres [...] Ele se deu uma desculpa e então começou a me
espancar e a rir feito doido! Eu sabia que ele era sério o bastante para
me matar. O esquisitão estava puxando sua arma quando houve esse
zunido. Um zunido que parecia estar vindo do inferno. E isso se tornou
um rosnado - o barulho de asas batendo, asas enormes - alguma coisa
aconteceu ao esquisitão - um golpe jogou-o contra o poste. O canivete
pulou para longe. Os ossos começaram a estalar dentro do esquisitão.
Ele estava gritando e implorando, mas aquilo que o tinha agarrado
gargalhava e eu também).
Repórter: And the man who assaulted you? (E o homem que atacou
você?).
Vítima 4: Still in the hospital. (Ainda está no hospital) [responde com
um sorriso de satisfação no rosto].
As relações de Batman com as pessoas que protege permanecem apenas nesse
patamar, protetor-protegido. Batman não conclama as vítimas a agirem em sua própria
defesa; ele próprio assume por completo esse papel de defensor, deixando a vítima
em segundo plano, em um papel mais passivo.
A única ocasião em que Batman apela para o auxílio dos cidadãos de Gotham é
durante o blecaute. Apavorados, imersos em uma disputa por comida, vítimas e
agressores se confundem. Com a ajuda dos Sons of Batman e dos Mutants, eles
controlam o tumulto.
Homem envolvido na confusão: [...] he told us we could
spend the night tied up -- or help fight the fire… (ele disse que a
186
gente podia passar a noite amarrados -- ou ajudar a combater
as chamas).
Quem são as pessoas que Batman protege? Em linhas gerais, os habitantes de
Gotham City, especialmente em sua atuação para conter o caos durante o blecaute.
Mas, em casos individuais, evidencia-se uma ênfase nos mais indefesos,
principalmente em contraste com seus atacantes: mulheres, crianças, bebês. Quando
Batman se vê diante da escolha entre proteger o governador ou proteger os
freqüentadores do parque de diversões da feira da amizade, Batman não hesita: parte
para a feira, onde o número de vítimas é maior, e em sua maioria crianças. Todavia,
não deixa o governador desguarnecido: pede ajuda à comissária para salvá-lo.
Nesse ponto, quando Batman descobre o ataque do Joker à feira da paz,
entremeando a seqüência aparece a imagem de Bruce criança, na noite em que seus
pais foram assassinados. Isso remete à idéia de que existe uma identificação entre
Batman e as pessoas que ele protege. Batman protege aqueles que são como ele foi
um dia, alguém de quem um criminoso stole all sense from your life (roubou todo o
sentido de sua vida).
Essa proximidade entre Batman e as vítimas dos criminosos já havia sido apontada na
seqüência que precede ao retorno de Bruce como Batman (figura 1).
As lembranças do assassinato dos pais são intercaladas com notícias de pessoas
vítimas de crimes violentos (assassinato, estupro seguido de morte) e com imagens do
Bruce menino, que assistiu à morte dos pais. Essas intercalação e proximidade de
imagens criam a correlação entre Bruce criança e as pessoas que Batman poderia ter
salvado.
Batman na relação com os criminosos
O primeiro embate do Batman com os criminosos dá-se quando ele ainda não
reassumiu a identidade e função de Batman. É aniversário de dez anos de sua
aposentadoria, e Bruce se encaminha para o Beco do Crime, local em que seus pais
foram mortos e a Batman nasceu. Bruce, divagando sobre aquela noite de quarenta
anos atrás, é cercado por dois criminosos. Armas (facas) na mão, seus rostos apenas
sombra e escuridão, indefinidos.
187
Figura 30
Essa indefinição das feições denota um mal sem rosto, uma ponte entre o passado e o
presente.
Batman - pensamentos no recordatário: It could have happened
yesterday. It could be happening right now. They could be lying at your
feet, twitching, bleeding and the man who stole all sense from your life,
he could be standing right over there. (Poderia ter acontecido ontem.
Poderia estar acontecendo agora. Eles poderiam estar caídos a seus
pés, inertes, sangrando, e o homem que roubou todo o sentido de sua
vida poderia estar em pé bem ali).
Ou seja, ainda existe o tipo de criminoso que ocasionou os eventos que levaram à
criação de Batman.
Batman - pensamentos no recordatário: It's him, it's is. And we know
so many ways to hurt him... So many lovely ways to punish him... No,
it's not him. So many... Not him. He flinched when he pulled the trigger.
He was sick and guilty over what he did. All he wanted was money. I
was naive enough to think him the lowest sort of man. These -- these
are his children. A purer breed... and this world is theirs. (É ele, é ele. E
nós conhecemos tantos meios de feri-lo. Tantos meios adoráveis de
puni-lo. Não. Não é ele. Tantos meios... Não. O assassino de meus
pais tremeu ao puxar o gatilho. Ele se sentiu doente e culpado pelo que
fez. Tudo o que ele queria era dinheiro. Eu era ingênuo ao pensar que
ele era o mais baixo tipo de homem. Esses -- esses são suas
crianças... Uma linhagem mais pura... e este mundo é deles).
Esse trecho é a síntese da relação de Batman com os criminosos nesta história.
Batman é inclemente ao atacar os criminosos e encontra até alguma satisfação ao
fazê-lo (So many lovely ways to punish him - eu sei de tantos meios tão adoráveis de
puni-lo), enfatizada no uso da palavra adorável. Satisfação que ele também demonstra
na seqüência em que a moça espancada relata que Batman gargalhava enquanto
quebrava os ossos do sujeito que a estava esmurrando. O mesmo tipo de satisfação
188
que ele demonstra ao interrogar um dos membros da gangue Mutant, tentando
descobrir como conseguiram um arsenal de armas típicas do exército.
Batman - pensamentos no recordatário: It was a tough work,
carrying two hundred and twenty pounds of sociopath to the top of
Gotham Towers - the highest spot in the city. The scream alone is worth
it. (Foi um trabalho difícil carregar cem quilos de sociopata até o topo
das Torres de Gotham, o ponto mais alto da cidade. Mas os gritos por
si só compensaram).
A inclemência com que ataca os bandidos também é visível na seqüência de seu
retorno (figura 2, 3, 4). Batman causa danos físicos sérios nesses bandidos: puxa um
deles pelo vidro, enfia a mão de outro no vidro da janela do carro, não se contém e
chega até mesmo a aleijar um desses criminosos (figura 6), conforme a imprensa
chega a mencionar: he gave us quite a night, sure kept the hospitals busy. (Ele nos
deu uma noite e tanto e certamente manteve os hospitais lotados).
Batman não se importa em ferir aqueles que ele acredita serem realmente
merecedores desse tipo de punição física. Conforme na já apontada seqüência de seu
retorno, o taxista subornado apenas perdeu seu dinheiro. A violência usada por
Batman, portanto, não seria, dentro de sua perspectiva, gratuita. Ele é violento com
quem merece esse tipo de tratamento. Embora Batman tenha estabelecido uma linha
que não pretende cruzar (o assassinato), tampouco se lamenta se um criminoso
morre: leaving the world no poorer -- four men die (deixando o mundo um pouco mais
pobre, quatro homens morrem). É o que ele pensa sobre os comparsas de Two-Face
que morrem na explosão de um helicóptero, graças à bomba implantada pelo vilão.
Contudo, existe uma atitude paradoxal em Batman. Apesar de em grande parte da
história suas atitudes para com os criminosos sejam as de combate inclemente com
uso de violência, é o próprio Batman quem aventa a possibilidade de recuperação
para esses criminosos, ou neles reconhece um lado humano.
Isso já é apontado no recorte inicialmente retratado. Embora odeie o assassino de
seus pais a ponto de querer puni-lo de modos adoráveis (lovely ways), e tenha
acreditado um dia que este era o mais baixo tipo de homem (the lowest sort of man),
Bruce também afirma que o criminoso estava apavorado, tudo o que queria era
dinheiro. Ele se sentiu doente e culpado pelo que fez (He was sick and guilty over what
he did); há uma humanização do bandido. Embora exista o ódio e o desejo de castigálo (puni-lo de formas adoráveis), Bruce consegue se colocar no lugar do assassino e
compreender as suas motivações.
189
Ainda sob essa ótica, percebe-se o tratamento mais humanitário que o Batman
reserva a Harvey Dent. O criminoso conhecido como Two-Face é um ex-promotor
público que se tornou obcecado pelo número dois após ter metade do rosto destruído,
fazendo-o crer que seu lado desfigurado revelou seu lado maligno e passou a cometer
crimes brilliantly pathological (brilhantemente patológicos), até ser detido pelo Batman
e internado durante doze anos no Asilo Arkham, instituição para criminosos insanos.
Bruce Wayne é quem custeia tanto o tratamento psicológico quanto a operação de
cirurgia plástica de Harvey.
Bruce: We must believe in Harvey Dent. We must believe that our
private demons can be defeat. (Devemos confiar em Harvey Dent.
Devemos crer que nossos demônios mais íntimos podem ser
derrotados).
Embora Harvey - Two-Face retorne ao crime, ainda assim Batman dá a ele um
tratamento
diferenciado,
demonstrando
compreensão
e
até
mesmo
um
reconhecimento da incapacidade de Harvey de vencer seu "demônio mais íntimo",
chegando mesmo a consolá-lo.
190
Figura 31
Aqui, como no caso do assassino do pai de Bruce, é possível ver remorso e sofrimento
em Harvey, em sua expressão de consternação quando diz: take a look (olhe para
mim). E também aqui há uma compreensão de Batman, expressa nessa fala: "eu vejo
um reflexo, Harvey, só um reflexo”, entremeada pela imagem do “morcego-animal”, a
representação do "demônio interno de Bruce".
Ao passo que agora chegamos na terceira parte da fala de Bruce ao se referir aos
Mutants na cena inicial do Beco do Crime: these are his children. A purer breed... and
this world is theirs. (Esses são suas crianças... Uma linhagem mais pura... e este
mundo é deles).
Os Mutants são essas crianças a quem Bruce se refere, identificáveis pelo tipo de
roupas que usam (figura 4). Seus crimes são considerados hediondos, pois não
respeitam nada, nem ninguém, matando até mesmo freiras (representantes de algo
sacro) e famílias inteiras por motivos banais (doze dólares). Seus atos beiram a
selvageria.
Líder Mutant: We will kill the old man Gordon. His women will weep for
him. We will chop him. We will grind him. We will bathe in his blood. I
myself will kill the fool Batman. I will rip the meat from his bones and
suck them dry. I will eat his heart and drag his body through the street.
Don't call us a gang. Don't call us criminals. We are the law. We are the
future. Gotham belongs to the Mutants. Soon the world will be ours.
(Vamos matar o velho Gordon. Suas mulheres vão chorar por ele.
Vamos mastigá-lo. Nós vamos triturá-lo. Vamos tomar banho no seu
sangue. Eu mesmo vou matar o idiota do Batman. Quero arrancar a
carne dos seus ossos e chupá-los até secarem. Eu vou comer seu
coração e arrastar seu corpo pelas ruas. Não nos chame de gangue.
Não nos chame de criminosos. Somos a lei. Somos o futuro. Gotham
pertence aos Mutants. Logo o mundo será nosso).
Esse caráter animalesco e não humano dos Mutants é encaixada na representação de
seu líder: grande, musculoso, com dentes pontiagudos como as presas de um animal.
191
Figura 32
Figura 33
Batman - pensamentos em recordatário: We never faced anything like this...
We only fought humans... But there he is, Dick -- The Mutant Leader... A kind of
evil we never dreamed of… (Nós nunca enfrentamos algo assim. Nós
lutávamos apenas contra humanos. Ali está ele, Dick: o Líder Mutant... Uma
espécie de mal com que nunca sonhamos).
Uma vez afastada a ameaça dos Mutants, após a derrota de seu líder pelas mãos de
Batman (It all gets down to their leader. They worship him -Tudo está apoiado no líder
deles. Eles idolatram-no), a gangue se divide em várias facções, entre elas, os Sons of
Batman. E, no caso deles e de outros Mutants remanescentes, é Batman quem
também traz uma possibilidade de direcionamento e propósito fora do âmbito do crime.
Os Sons of Batman já haviam assumido o ideal de punir criminosos (figura 10), mas é
Batman quem ensina o que fazer, como fazer e qual seu verdadeiro propósito,
conforme visto no categoria 1 (figura 12).
É como se houvesse na criminalidade um aspecto humano e outro desumano. E,
quando esse aspecto humano surge de algum modo (na culpa e no sofrimento de
Harvey, na culpa do assassino dos pais de Bruce, ou na mudança de posicionamento
dos Sons of Batman), isso levaria o criminoso a receber, por parte de Batman,
compreensão e perdão (Harvey), compreensão apesar do ódio (o assassino de seus
pais), e chance de recuperação (Harvey, Sons of Batman).
A história traz uma discussão sobre a relação entre Batman e os criminosos que
combate: se a atuação do Batman não estaria propagando o crime, ao invés de contêlo.
192
Figura 34- Doutor Wolper
Repórter: Dr. Wolper, o senhor tem afirmado que Batman é
responsável pelos próprios crimes que combate? Ainda assim, as taxas
de criminalidade diminuíram durantes semanas desde seu retorno.
Como explica isso?
Dr. Wolper: Fico feliz que tenha perguntado isso, Ted. É verdade que
Batman aterroriza pessoas economicamente deficitárias e socialmente
marginalizadas. Mas os efeitos de suas atitudes estão longe de serem
positivos. Tente visualizar a psique pública como uma vasta membrana
úmida; através da mídia, Batman desferiu um violento golpe nessa
membrana e ela se contraiu... Daí sua estatística ilusória (...) Cada ato
social possuía uma origem comum. A mídia irresponsável (...) da
mesma forma que Harvey Dent agora em lenta recuperação... assumiu
o papel de reverso ideológico do Batman, uma nova geração irá se
curvar ante a matriz do delírio patológico do homem-morcego! Batman
é, neste contexto, uma doença social.
É digno de nota que o psiquiatra Bartholomeu Wolper é representado de forma
ridicularizada. Seu aspecto físico, seu bigode, remetem a Charlie Chaplin; seu cabelo
lembra a peruca de um palhaço. Além disso, seu fracasso no tratamento de Two-Face
e, depois, sua subseqüente morte nas mãos de Joker, outro de seus pacientes vítima
da "psicose do Batman", é um indicativo de que suas idéias são tomadas como falácia.
193
Não há uma negação de que as atividades de Batman possam também gerar novos
atos criminosos, o que é ilustrado pelo retorno do Joker. A crítica está na tentativa
meramente psicologicizante de compreensão das causas da criminalidade, sem levar
em conta outros fatores, recaindo e reduzindo tudo a apenas uma única questão:
Batman.
No decorrer da história, Wolper é caracterizado em seu físico e em suas ações como
uma personagem que não se pode tomar com seriedade, sendo sua morte nas mãos
de um dos criminosos que defendia, o supracitado Joker, o ápice de seu erro de
julgamento.
Conforme mencionamos, o Joker volta à ativa após o retorno de Batman. O vilão
desperta de um estado catatônico de dez anos justamente após escutar uma notícia
sobre a volta do Batman. O herói não é necessariamente culpado pela existência do
Joker, mas o vilão tem no vigilante mascarado um fator motivador para retomar sua
vida de crimes.
Figura 35
O Joker é inteligente e manipulador a ponto de dizer exatamente o que o diretor do
Asilo Arkham, onde está internado, deseja ouvir, para que possa ser liberado. Antes
194
de adentrar o escritório do administrador, sua expressão é fria e séria. Diante dele,
porém, debulha-se em lágrimas, fazendo-se de vítima, convencendo assim o diretor.
Figura 36
Joker: Senhor, eu peço que rejeite a sugestão do Dr. Wolper [de deixar
o Joker participar de um programa de televisão]. Eu não mereço essa
caridade.... Meus crimes... são horríveis além de todas as palavras...
Eu estou além da redenção. Por favor -- apenas me encarcerem para
além da memória humana.
Joker não possui o mínimo apreço pela vida humana, matando em grande escala,
como fez com toda a platéia do programa de TV a que foi convidado a participar após
sua suposta regeneração, ou com as crianças da feira de amizade. E ainda com
outras crianças inocentes, como o grupo de escoteiros que ele mata com algodão
doce envenenado.
Figura 37
195
Existe, inclusive, um prazer por parte do Joker em realizar esses assassinatos, nunca
sendo o suficiente.
Joker: They could put me in a helicopter and fly me up into air and line
the bodies head to toe on the ground in delightful geometric patterns
like an endless June Taylor dancers routine -- and it would never be
enough. No I don't keep count. But you [Batman] do. And I love you for
it. (Eles poderiam me colocar em um helicóptero para sobrevoarmos
pelo ar, e alinharem todos os corpos no chão das cabeças aos pés,
dispostos em um adorável padrão geométrico como os dançarinos das
coreografias de June Taylor, nem assim não seria o bastante. Eu perdi
a conta. Mas você [Batman] não. E eu adoro você por isso).
Batman possui consciência dessa relação que o Joker estabeleceu com ele e se sente
culpado por isso: I'll add them to the list, Joker. The list of all the people I've murdered
by letting you live. (Vou pôr todos na lista, Joker. Na lista de pessoas que eu
assassinei por ter deixado você viver).
O Joker é um tipo de criminoso que transcende o caráter humano, a ponto de ser o
único pelo qual Batman cogita a possibilidade de finalmente ultrapassar o limite que se
auto-impôs, de não matar.
Categoria 4: Tematizações sobre justiça, vingança e lei.
Na história em questão, há uma diferenciação entre lei e justiça. O que se aponta é
que nem sempre a lei faz o que poderia se chamar de justo. Ela pode ser manipulada
com o propósito de beneficiar os criminosos.
Advogado: My client has yet to be charged, commissioner, and with
good reason. Let's drop this, hum? (Meu cliente tem queixas a prestar,
comissário, e com razão. Vamos resolver isso, hum?).
Comissário: Your client has been in and out of prison since he learned
to walk. Your client fled the scene of a felony and fired on policemen
with an illegal weapon. […] (Seu cliente entra e sai da cadeia desde
que aprendeu a andar. Seu cliente fugiu da cena de um crime e baleou
um policial com arma ilegal). [...]
Advogado: No loot, no robbery, Commissioner. He has not been
identified as having fired upon your men. And as for the weapon,
Batman put it there during a criminal assault that left two men in deep
shock and another in a body cast, and my client with a shattered femur.
His physical and emotional trauma should be enough to constrain you
to hunt that lunatic and cease this harassment of his victims. (Sem o
produto da pilhagem, sem roubo, comissário. Ele não foi identificado
como o homem que baleou seu policial. Quanto à arma... Batman a
deixou ali durante a sua investida que resultou em dois homens em
estado de choque, outro bem ferido e meu cliente com o fêmur
fraturado. Seus traumas físicos e emocionais deveriam ser suficientes
196
para convencer o senhor a caçar esse lunático e pôr fim ao seu
assédio às suas vítimas).
Embora o criminoso em questão seja obviamente culpado de todos os delitos
apontados pelo comissário, pois foi mostrado realizando todos esses atos, seu
advogado reverte a situação, transformando o culpado em vítima e libertando-o da
cadeia. Não há provas concretas, apenas circunstanciais. Sem provas, não há como
detê-lo.
Assim, a mesma lei que serve para proteger os inocentes também pode beneficiar os
criminosos.
Em outra seqüência, Batman confronta esse mesmo criminoso recém-libertado. Ele é
a única pista para encontrar o Two-Face, que, segundo Batman, é "uma ameaça para
toda vida de Gotham".
Criminoso: I got rights (Eu tenho direitos).
Batman: You've got rights. Lot of rights. Sometimes I count them just to
make myself feel crazy. (Você tem direitos. Um monte de direitos. Às
vezes eu contava todos só para ficar furioso).
A fala de Batman revela sua insatisfação com o modo como a lei formal age
protegendo e garantindo direitos a esses criminosos. Direitos que levariam
indiretamente à perpetuação do crime ("seu cliente entra e sai da cadeia desde que
usa aprendeu a andar"), conforme Gordon aponta. A questão levantada é até que
ponto a lei serve a quem merece ser protegido.
Gordon (para a nova comissária): She faces a city of thieves and
murderers and honest people too frightened to hope. She faces lifeand-death decisions, every hour to come. Some will torture her. She will
face a man who is the living spirit of... something we need. She may be
his enemy. She may learn from him. (Ela encara uma cidade de
ladrões, assassinos e pessoas honestas assustadas demais para
terem esperança. Ela tomará decisões de vida e morte a cada hora.
Algumas irão torturá-la. Ela enfrentará um homem que é o espírito vivo
de... algo que precisamos. Ela poderá ser sua inimiga. Ela poderá
aprender com ele).
Yindel: Despite Gotham's plague of crime, I believe our only recourse
is law enforcement (Apesar da praga do crime em Gotham, acredito
que nosso único recurso é o cumprimento da lei).
A posição de Gordon é oposta à de Yindel. Enquanto a nova comissária acredita que
apenas cumprindo a lei é possível combater o crime, o antigo chefe de polícia acredita
197
que, na prática, nem sempre isso é o suficiente, e que, às vezes, outros recursos são
necessários. No caso específico, a ajuda de Batman.
Existiria uma distinção entre a prática e a teoria. Em teoria, o combate ao crime está
atrelado ao cumprimento da lei; na prática, em determinados casos, nem sempre isso
seria o suficiente.
Essa dualidade aparece em outros pontos da história. Em uma seqüência, durante
uma entrevista, um jornalista pergunta a Lana Lang, uma das principais defensoras do
Batman, como ela podia "apoiar uma conduta tão descaradamente ilegal? E quanto ao
devido processo legal que garante os direitos civis?” (condone behavior that's blatantly
illegal? What about due process civil rights?).
Ao que ela responde:
We live in the shadow of crime, Ted. With the unspoken understanding
that we are victims of fear, of violence, of social impotence. A man has
risen to show us that the power is, and always has been in our hands.
We are under siege. He's showing us that we can resist. (Nós vivemos
à sombra do crime, Ted. Com a certeza muda de que somos as vítimas
do medo, da violência e da impotência social. Um homem ergueu-se
para nos mostrar que o poder está, e sempre esteve, em nossas mãos.
Nós estamos sob um cerco. Ele está nos mostrando que nós podemos
resistir).
Há uma divergência de perspectivas entre o jornalista e Lana. Enquanto ele fala da
justiça formalizada ao empregar o termo due-process ("devido processo legal", termo
que implica no respeito igualitário aos direitos de todas as pessoas e não apenas de
algumas), reforçando o caráter judicial de sua questão com os termos "ilegalidade" e
"direitos humanos", Lana fala da justiça em termos práticos, como algo que deve ser
empregado para proteger e defender aqueles que vivem sob a "sombra do crime", algo
que deve garantir o fim do medo e da insegurança. O poder está nas mãos das
pessoas, não o contrário; assim, a justiça deveria ser algo que servisse a elas, e não o
inverso. Idéia retomada no confronto final entre o Superman e Batman.
Batman (pensamentos sobre o Superman): You've always known
just what to say. "Yes" - You always say yes to anyone with a badge or
a flag. […] You sold us out, Clark. You gave them the power that should
be ours. Just like your parents taught you to. My parents lying on this
street - shaking in deep shock, dying for no reason at all, they showed
me the world only makes sense when you force it to. (Você sempre
soube o que dizer. "Sim" - você sempre diz sim a qualquer um com um
distintivo ou com uma bandeira. [...] Você nos traiu a todos nós, Clark.
Deu a eles o poder que deveria ter sido nosso. Exatamente como seus
pais ensinaram. Meus pais, caídos nesta rua - tremendo em profundo
198
choque, morrendo sem razão nenhuma, me mostraram que o mundo
só faz sentido quando você o força a fazer).
Superman representa a obediência cega e sem questionamento à lei e às autoridades,
sempre dizendo sim para quem tivesse "um distintivo ou uma bandeira", ao passo que
Batman encarna o questionamento dessa ordem - questionamento que chega a
incomodar o governo. Da perspectiva de Batman, o poder deveria ser deles, não dos
governantes. A morte de seus pais o mostrou que se alguém quer mudar alguma
coisa, esse mesmo alguém tem que fazê-lo, nem que seja à força. Por isso Superman
é um traidor: porque, mesmo tendo o poder para mudar o mundo, optou por seguir,
sem críticas, àqueles que mantinham as coisas tal qual elas eram.
(1)
Batman, pensamentos em recordatário: We could have changed the
world... now... look at us. I've become a political liability and you, you're
a joke. (Poderíamos ter mudado o mundo, agora... olhe só para nós...
eu me tornei um risco político e você, uma piada).
(2)
Superman, pensamentos sobre o Batman: "Sure we're criminals",
you said. "We've always been criminals. We have to be criminals" [em
inquérito promovido pelo governo antes do vigilantismo tornar-se ilegal]
("Claro que somos criminosos", você disse, "Nós sempre fomos
criminosos. Nós temos que ser".)
Assim, para Batman, o propósito deles era transformar o mundo em um lugar onde
pessoas como os seus pais não mais morreriam sem razão alguma; porém, para que
pudessem fazer isso, eles teriam que ser criminosos, porém no sentido de atuarem à
margem da lei, sem servir a um governo específico, para terem a liberdade de agir da
forma que melhor lhes conviesse.
199
3.7- A Death in the family
Publicada em 1988, a trama mostra o segundo Robin, Jason Todd, cada vez mais
descuidado e rebelde após saber que seu pai, um criminoso, fora assassinado por seu
chefe, o criminoso Two-Face (Duas Caras); em face disso, Jason foge de casa em
busca de sua verdadeira mãe. Ele descobre três possíveis candidatas: Sarmin Rose,
uma espiã israelense, Shiva Woosan, uma mercenária, e a Dra. Sheila Haywood, uma
médica que trabalha em um campo de refugiados etíopes.
Ao mesmo tempo, o Joker (Coringa) foge do Asilo Arkham, instituição médica
destinada a reter criminosos considerados mentalmente perturbados. Joker possui um
míssil nuclear e decide viajar para o Oriente Médio para vendê-lo. Batman sai em
perseguição ao vilão para impedir que o míssil caia na mão de terroristas xiitas. Os
destinos de Batman e Robin acabam se cruzando, e a busca de ambos leva à morte
do menino pelas mãos do Joker.
Categoria 1: Função: Batman e Robin
A cena que abre a história mostra Batman e Robin de tocaia em um armazém,
observando uma gangue que explora pornografia infantil. Robin pula em direção aos
criminosos, enquanto Batman, ainda nas sombras, pergunta: “o que pensa que está
fazendo, Robin?”. Ao que o garoto responde: What I was trained to do, gonna kick
some tail (Aquilo que fui treinado para fazer, chutar alguns traseiros).
Assim, a primeira função que se apresenta a Batman e Robin na história seria a de
lutar contra os criminosos (kick some tail). Função explícita no recordatário da
seqüência em que Bruce lembra a estréia de Jason como Robin: “Juntos, nós
começamos a combater o crime em Gotham City”.
Em um segundo momento, ao ficarmos sabendo que o Joker fugiu mais uma vez do
Asilo Arkham, o comissário chama Batman em seu auxílio para capturar o Joker.
Assim, Batman começa a investigar a fuga do Joker para trazê-lo de volta ao Arkham.
Batman, pensamentos em recordatário: I tumble upon the
Joker's warehouse hideout just before dawn. No one's home.
Looks like he left in a hurry. A real mess behind. An interesting
mess, though. Sophisticated tolls and a geiger counter. I flip on
geiger counter knowing what I'll find. Every fiber of me is hoping
I'm wrong. I'm not. The room's background radiation count is still
within the safe range. But much more higher than it should be. It
200
all comes together to me. A nuclear device in the hands of that
madman! The mind boggles at the possible uses he'd put it to.
But why Lebanon? Of course! [...] He's going to sell whatever it
is he has, probably to terrorists! (Eu descubro o armazém
secreto do Joker apenas pouco antes do amanhecer. Ninguém
em casa. Parece que ele saiu com pressa. Uma desordem
deixada para trás. Uma desordem deveras interessante.
Ferramentas sofisticadas e um contador geiger. Ligo o contador
geiger, sabendo o que vou descobrir. Todas as fibras do meu
ser têm esperança que eu esteja errado. Não estou. A radiação
residual da sala se mostra em níveis aceitáveis, mas bem maior
que deveria. Tudo faz sentido para mim. Um dispositivo
nuclear nas mãos daquele louco! Minha mente fica alucinada
ante os possíveis usos que ele pode dar a isso. Mas por que
Líbano? Claro! [...] Ele está indo vender o que quer que seja
que ele tenha, provavelmente para os terroristas).
A situação é grave (The mind boggles at the possible uses he'd put it to - Minha mente
fica alucinada ante os possíveis usos que ele pode dar a isso). E Batman decide ir
atrás do Joker para impedir que o louco (madman) venda as armas aos terroristas.
Para cumprir esse propósito, ele entra em combate com ambas as partes: Joker e
seus aliados, e os terroristas libaneses.
Figura 1
201
Figura 2
Jamal: Estou mais interessado em pegar o código de disparo e
coordenadas para o alvo que nós discutimos.
Joker: Claro, Jamal. Aqui está, amigo. Bastante ansioso para atirar seu
novo brinquedo em Tel Aviv, não?
Desse modo, sabendo-se que o propósito dos xiitas é lançar o míssil sobre Tel Aviv,
ao lutar com estes Batman também está prevenindo o ferimento e a morte de
centenas e, talvez, milhares de pessoas da cidade israelense, protegendo-as. Esse
caráter de proteção em relação ao possível atentado à vida de pessoas se repete em
outros momentos da história. Quando Robin (Jason) descobre que a mulher que ele
achava ser sua mãe na verdade é sua madrasta, ele passa a investigar o paradeiro de
sua verdadeira progenitora. Uma das três candidatas é Shiva Woosan, que está no
Líbano, para onde Batman também se dirigiu atrás do Joker. Contudo, a mulher foi
seqüestrada.
Atendente do hotel: Miss Woosan was standing right here! All sudden
this car pulled up! Four men with machine guns jumped out. They
kidnapped Miss Woosan. Unfortunately, such things are uncommon in
Beirut. (A senhorita Woosan estava parada bem aqui! De repente
apareceu um carro! Quatro homens armados saíram dele. Eles
seqüestraram Miss Woosan. Infelizmente esse tipo de coisa é comum em
Beirute).
Bruce (Batman): Steady, Jason. We'll find her. In fact, I know just where
to look. (Calma, Jason! Nós vamos achá-la. Na verdade, eu sei até onde
procurar).
Assim sendo, Batman sai em resgate a alguém que precisa de sua ajuda: a mulher
seqüestrada, provável mãe de Jason. Enquanto procuram a mulher no acampamento
dos terroristas xiitas, eles se deparam com um grande arsenal de explosivos.
202
Figura 3
Batman e Robin disfarçados.
Robin: Uau! Esses explosivos dariam para destruir uma metrópole.
Batman: Precisamos fazer alguma coisa com eles antes de sairmos
daqui.
Assim, antes de saírem do acampamento, Batman explode o arsenal dos terroristas
também num caráter preventivo e protetor, para que essas armas não pudessem ser
usadas contra vidas alheias.
203
Figura 4
Batman - pensamentos em recordatário: Joguei todos os xiitas na
trincheira antes de explodir aquele insano armamento de munição. Os
escorpiões vão acordar vivos, apenas com seus ferrões arrancados.
Continuando sua busca pela mãe de Robin, eles acabam em um campo de combate à
fome na Etiópia.
204
Figura 5
Batman - pensamentos em recordatário: Um campo etíope de
refugiados, próximo de Magdala. A miséria voltou. Mais uma vez o
mundo não escutou a tempo. Os mesmo erros se repetem. Fome e
miséria tornaram-se uma sombra antiga sobre essa terra. Os
refugiados chegam ao campo aos milhares todos os dias. É de partir
completamente o coração. Quando voltar para Gotham, eu vou enviar
outro cheque para ajudar os esforços e tentar esquecer o que vi aqui.
Eu não sou diferente do resto das pessoas. Há tanto que nem mesmo
Bruce Wayne -- e o Batman -- podem fazer.
Os parâmetros de Bruce Wayne sobre a situação dos famintos que ele vê ali dizem
dos limites da função do Batman. O trabalho de Batman se relaciona à contenção do
crime; diante do sofrimento dos famintos ele não sabe como agir, não há o que ele
possa fazer a não ser: “enviar outro cheque e tentar esquecer o que vi aqui”. Ele
próprio assume que "há tanto que nem mesmo Bruce Wayne -- e o Batman -- podem
fazer". Embora a expressão no rosto de Bruce denote que ele se apieda do sofrimento
daquelas pessoas, aquele problema não é de sua alçada.
Enquanto estão na Etiópia, Tim descobre que o Joker também está lá, e que trocou
um carregamento de remédios pelo seu letal gás do riso.
Robin: The Joker's trunk [com remédios roubados] had covered cargo
areas! These trunks are open flatbeds! They've got to be the famine
relief workers taking a load of supplies to a refugee outpost. (O
caminhão do Joker tinha a carroceria coberta! Estes caminhões são
descobertos! Eles devem ser de trabalhadores de combate à fome
levando suprimentos a um posto externo de refugiados).
Batman: We've got to warn them about the deadly cargo they carrying
[…] Stay here and keep an eye on that warehouse [onde o Joker está]
until I return. (Nós temos que avisá-los sobre a carga mortal que
carregam. Fique aqui e mantenha um olho no depósito até eu voltar).
Batman parte imediatamente para impedir o comboio que contém o veneno, pedindo
que Robin (Jason) fique de tocaia vigiando o armazém onde o Joker está. Apesar de
saber a localização do vilão, Batman opta por primeiro impedir que o gás do riso
chegue a seu destino e mate todos aqueles que acreditavam estar recebendo
medicamentos. Impedir o potencial assassinato em massa é mais importante e
urgente que prender o responsável pelo incidente.
Quando está voltando para o acampamento, Batman avista Joker fugindo em um
caminhão ao longe.
205
Batman (recordatário - pensamento): I'm only minutes away from the
warehouse when I spot them. Even at this distance I recognize the
Joker at the wheel of the jeep. Do I go after the lunatic or return to
warehouse to see if Jason's all right? I opt for the warehouse. (Estou
apenas a poucos minutos de distância do armazém quando os vejo.
Mesmo a esta distância reconheço o Joker ao volante do jipe. Vou
atrás do lunático ou volto para o depósito para ver se Jason está bem?
Eu opto por Jason).
Mais uma vez surge a questão da preocupação com a segurança de outras pessoas.
A função de Batman de assegurar e garantir o bem-estar de alguém (ver se Jason
está bem) acaba se sobressaindo sobre a função de caçar o criminoso (ir atrás do
lunático).
Categoria 2: Características: Batman e Robin
Batman é caracterizado por alguém de grande habilidade e força física. Ele é
mostrado enfrentando com as mãos limpas criminosos armados, que são derrotados
apenas com seus golpes. Algumas vezes até mais de um, simultaneamente.
Figura 6
Essa característica de hábil e forte lutador é ressaltada especialmente na seqüência
em que ele luta com Lady Shiva Woosan, especialista em artes marciais e treinadora
de um campo de terroristas.
Shiva: When last we met, I was not able to put your prowess to a
proper test. A chance to test one's skills against talents is indeed rare. I
can't let an opportunity as golden as this pass by. (Quando nos
encontramos da última vez, eu não fui capaz de submeter suas
habilidades a um teste apropriado. Uma chance de testar minhas
habilidades contra um talento é verdadeiramente rara. Eu não posso
deixar uma oportunidade de ouro como essa se perder).
206
Batman: (pensamento no recordatário): It's a lot like being a gunfigther in the old west. When you're the best, every jerk and his sister
wants a crack at your title. (É como ser um pistoleiro do velho oeste.
Quando se é o melhor, todos os idiotas e suas irmãs querem arrancar
seu título).
Batman não é apenas um lutador, ele é reconhecidamente o melhor de todos a ponto
de ser desafiado por alguém que deseja provar seu valor como guerreiro (A chance to
test one's skills against talents is indeed rare. I can't let an opportunity as golden as
this pass by. Uma chance de testar minhas habilidades contra um talento é
verdadeiramente rara. Eu não posso deixar uma oportunidade de ouro como essa se
perder).
Essa capacidade física é também compartilhada por Robin. Na figura abaixo, Robin é
mostrado saltando sobre os criminosos.
Figura 7
Contudo, essas habilidades não são o mais importante. Apesar de Robin possuir
capacidades para derrotar os inimigos, ele precisa saber como e quando usá-las.
207
Figura 8
Batman:O que diabos foi aquilo?! Eu não falei para esperar?
Robin: Sim, eu escutei você, mas nós tínhamos a vantagem sobre
esses perdedores. Eu não vi nenhuma razão para esperar. Havia
apenas oito deles.
Batman: Você não entende? Há procedimentos que mesmo nós
temos que seguir. Eu prometi deixar Gordon ajudar no ataque. Você se
precipitou! O que é pior, quase foi morto.
Mesmo eles, combatentes do crime, precisam seguir certas regras; é preciso ter
paciência
e
cuidado
em
seus
procedimentos
para
não
se
arriscar
desnecessariamente. A person's got to have his head screwed on right for this line of
work. (Uma pessoa tem que ter sua cabeça no lugar certo para esse tipo de trabalho),
diz Bruce para Jason, em outro momento da história.
Essa necessidade de ter cuidado é ressaltada nas duas seqüências em que Batman e
Robin enfrentam os libaneses, primeiro para impedir que o Joker vendesse o míssil, e
depois para resgatar Shiva Woosan de um acampamento de terroristas xiitas, antes de
saberem que ela era instrutora deles.
208
Figura 9
Batman, pensamento no recordatário: Nós agimos calma e
lentamente. Diminuímos o número deles... um de cada vez. A
escuridão é nossa aliada. Esses homens dependem demais das
armas. A sensação do metal frio em suas mãos torna-os
superconfiantes, torna-os descuidados. Fáceis de derrotar.
Figura 10
209
Batman, pensamento no recordatário: Um dos meus dardos soníferos
fará bem o trabalho. Isso vai colocá-lo fora de ação por pelo menos seis
horas.
As seqüências acima revelam outra característica importante em Batman: a
inteligência. Ele utiliza estratégia (pegando um a um dos inimigos, usando a escuridão
como aliada, atacando o xiita indiretamente com o dardo) e planejamento (cada passo
deve ser planejado).
Na figura 9, as três características destacadas - habilidades físicas, inteligência e
cuidado - aparecem e se complementam; ao passo que Batman e Robin são
cuidadosos ao se aproximarem dos inimigos, usam de estratégia derrotando-os um a
um e o fazem utilizando suas habilidades físicas, nocauteando-os.
Ao se disfarçarem de xiitas para invadir o acampamento dos terroristas, Batman e
Robin demonstram mais uma vez inteligência e estratégia, e apresentam
conhecimento e discernimento para enganar o inimigo, inclusive falando na sua
própria língua (farsi). Os símbolos < > são um sinal característico em histórias em
quadrinhos para indicar que a personagem está falando em outra língua que não a sua
nativa.
Figura 11 - Robin disfarçado
Saber falar a língua dos terroristas denota também certa preparação intelectual, uma
aprendizagem daquilo que pode ser útil. Aprendizagem e preparação também no
âmbito das habilidades físicas, conforme se pode ver no quadro que mostra Bruce
(Batman) treinando Jason. Essa preparação é prévia e necessária antes de se entrar
numa missão.
210
Figura 12
Batman pensamento recordatário: Jason adaptou-se ao treinamento
como um peixe à água. Ele era rápido e inteligente.
Batman coloca em segundo plano, na maior parte da história, seus interesses
pessoais e aspectos emocionais, como ele mesmo aponta: “a pessoa tem que ter a
cabeça no lugar certo para esse tipo de trabalho”.
Assim, quando Robin descobre que sua mãe verdadeira está viva e foge de casa para
procurá-la, Batman se vê diante de um impasse, pois o Joker viajou para o Líbano
com um míssil nuclear.
Batman (pensamento - recordatário): Choices. Do I stay in Gotham
to live up to my responsibility as the boy's guardian? Or do I go after
that madman and his nuclear weapon? It's painfully obvious which path
I must choose. The question is: how will I ever be able to live with this
decision? (Opções. Fico em Gotham e exerço minha
responsabilidade como guardião do garoto? Ou vou atrás do louco e
sua arma nuclear? É dolorosamente óbvio o caminho que eu devo
escolher. A questão é, será que vou conseguir viver com a decisão?)
Batman não nega suas emoções, é doloroso tomar aquela decisão; mas, avaliando a
situação com a cabeça fria que esse trabalho exige, pensando racionalmente, um
menor fugitivo, ainda que próximo a ele, é menos importante que um louco com uma
arma nuclear ameaçando diversas vidas.
Batman - pensamentos: The Joker's gotten this far which means
whoever he's selling the weapon to is in Lebanon. Probably terrorists.
Hard to concentrate -- I keep wondering where Jason is [...] I wish I
could track down the boy and bring him home myself. But this Joker
business takes priority. Lives are at stake. (Se Joker chegou tão longe
significa que, para quem quer que seja que ele vá vender a arma, é
para alguém no Líbano. Provavelmente terroristas. É difícil me
concentrar. Fico me perguntando onde Jason está [...] Gostaria de
211
poder ir atrás do garoto e trazê-lo eu mesmo para casa. Mas, mas o
assunto com o Joker tem prioridade. Vidas estão em jogo).
O único momento em que Batman se deixa levar pela emoção é após a morte de
Jason Todd. Batman decide ir atrás do Joker, apesar de este estar protegido pela
imunidade diplomática. Mesmo Batman tentando pautar suas atitudes racionalmente,
existe um limite neste posicionamento.
Outro aspecto que emerge em Batman é sua preocupação em agir baseado em pistas
e evidências, de modo a não tomar decisões equivocadas.
Dra. Sheila: But what's Batman going to do when he finds out what
you've done to his little friend? (Mas, o que Batman vai fazer quando
descobrir o que você fez com seu amiguinho?)
Joker: Hadn't thought of that. He's a vengeful one, that Batman. This
could get a bit sticky; maybe it would be best if I didn’t leave behind
any evidence of my presence. What Batman doesn't know can't hurt
me. Too bad you had to witness this little display of my temper. (Não
tinha pensado nisso. Ele é muito vingativo, aquele Batman. Isso pode
trazer problemas. Talvez seja melhor eu não deixar nenhuma
evidência de minha presença. O que Batman não sabe não pode me
ferir. Pena que você testemunhou essa pequena exposição de meu
temperamento, Sheila).
Dra. Sheila - sendo amarrada pelos capangas do Joker, enquanto
armam uma bomba: It won't work, Joker! They'll know it's you from the
slaughtered refugees! (Isso não vai funcionar, Joker! Eles vão saber
que é você através dos refugiados massacrados).
Joker: Perhaps the authorities will figure their deaths were caused by
something disagreeable that that ate... Doesn't matter. There won't be
any direct evidence connecting me to the bird boy’s death. That's
one of the most fascinating aspects of the Batman. The righteous
boob insists on solid evidence before going on. (Talvez as
autoridades achem que suas mortes foram causadas por algo
desagradável que eles comeram. Não importa. Não vai existir
nenhuma evidência direta ligando-me à morte do menino-pássaro.
Esse é um dos aspectos mais fascinantes do Batman. O bolha certinho
insiste em evidência sólida antes de agir).
Como o Joker ressalta, após espancar Robin quase até a morte, Batman ficará
perturbado ao ver seu parceiro morto, e, certamente, irá atrás de quem fez aquilo a
Robin. Contudo, fará isso apenas se tiver “evidências sólidas” de quem foi o
responsável pelo crime. A presença do Joker na região seria um indício dele como
suspeito, mas não seria uma prova definitiva de sua responsabilidade pela morte de
Robin. Para agir contra o Joker no que dissesse respeito especificamente a Robin, ele
precisaria da evidência, o que implica numa racionalização dos atos do Batman,
mesmo quando é pessoalmente atingido.
212
A afirmação do Joker é comprovada na cena em que Batman vai atrás do vilão,
transformado em embaixador do Irã, e, por isso, protegido pela lei graças à imunidade
diplomática.
Batman: I'm giving you one last chance. Return to Arkham Asylum
and turn yourself in. (Estou dando uma última chance. Volte para o
Asilo Arkham e se entregue).
Joker: And if I don't? What are you going to do about it… let your
assistant handle it!? (E se não voltar? O que pretende fazer? Deixar
seu ajudante cuidar disso?)
Batman encara Joker com uma expressão severa.
Joker: I'd loved to have seen your face when you found what was left of
the brat! Set you off the deep end, did it? You see, even a madman can
add 2 plus 2... (Eu teria amado ver sua cara quando você encontrou o
que restou do fedelho. Foi deprimente, não? Sabe, até um louco
consegue somar dois mais dois...)
Batman: And comes up with 5. (E chegar a cinco).
Joker: Or maybe you're glad to be rid off the little darling? (Ou talvez
você esteja feliz por ter se livrado do pequenino?)
(...)
Batman: I'll be seeing you around. By the way, thanks. (Eu estarei de
olho em você. A propósito, obrigado).
Joker: Huh? Thanks?! Thanks for what? (Hã? Obrigado!? Obrigado
pelo quê?)
Batman: Up until now I wasn't absolutely certain that you were
responsible for what happened to Jason. Your confirming makers what I
have to do a lot easier. (Até agora eu não estava absolutamente certo
que você foi o responsável pelo que aconteceu a Jason. Sua
confirmação torna o que eu tenho que fazer muito mais fácil).
Mesmo envolvido emocionalmente e determinado a acabar com o Joker depois da
morte de Robin, Batman sente necessidade de uma comprovação do envolvimento do
criminoso para tomar sua decisão sobre como agir.
Categoria 3: Batman na relação com as autoridades
A relação de Batman com as autoridades é uma relação de cooperação no começo
da história. Quando o Joker foge do Asilo Arkham, Batman e o comissário Gordon são
mostrados conversando sobre o caso, indicando esse trabalho em conjunto.
213
Figura 13
Ao viajar para o Líbano atrás do fugitivo, Batman trabalha lado a lado com agentes da
CIA, a Central de Inteligência Norte-Americana, para recuperar um avião cargueiro
roubado pelo Joker para transportar o míssil nuclear.
Batman (pensamento-recordatário):The north western mediterranean
coast of Lebanon. Before coming here, I checked in with Ralph Bundy,
a friend of mine at the C.I.A. That's how I found out about the hijack C130 transport plane. The plane had fallen into the hands of a shiite
extremist group, who refuses to give it back to uncle Sam. So I made a
deal with Bundy. I'd fix it so his naval commandos could fly it out of here
if I got to examine the plane before it took off. (Costa mediterrânea
noroeste do Líbano. Antes de vir aqui procurei meu amigo Ralph Bundy
da CIA. Foi assim que descobri o avião cargueiro hijack C-130. O avião
caiu nas mãos de um grupo xiita extremista que se recusa a devolvê-lo
ao tio Sam. Então, eu fiz um trato com Bundy. Prepararia o terreno
para seus fuzileiros navais se pudesse examinar o avião antes de eles
partirem).
Batman se refere ao agente da CIA como amigo, indicando uma proximidade entre
eles. O trato feito indica uma troca de favores em benefício mútuo. Batman ataca os
terroristas abrindo caminho para os agentes da CIA, enquanto ganha a possibilidade
de verificar se o autor do roubo é o Joker.
A relação de cooperação muda a partir do momento em que Jason Todd morre nas
mãos do Joker.
Bruce: The cops continue their search for the cause of this tragedy.
Evidence I've already removed from scene. Let them write it off as an
accident. There's no reason for them to be involved. This is a personal
matter. It's something the Joker and I should have settled between us a
214
long time ago. (Os guardas continuam sua busca pela causa dessa
tragédia. Evidência que eu já retirei da cena do crime. Deixe que eles
relatem isso como um acidente. Não há razão para envolvê-los. Isso é
um assunto pessoal. Algo que eu e o Joker deveríamos ter resolvido
muito tempo atrás).
Quando Batman toma o assunto como algo pessoal ele rompe com essa colaboração,
inclusive prejudicando as investigações da polícia (The cops continue their search for
the cause of this tragedy. Evidence I've already removed from scene - Os guardas
continuam sua busca pela causa dessa tragédia. Evidência que eu já retirei da cena
do crime).
Com a transformação do Joker em embaixador iraniano, o criminoso ganha imunidade
diplomática. Ele não pode ser preso por qualquer crime cometido nos Estados Unidos,
pois isso causaria um incidente internacional prejudicando ainda mais as relações já
delicadas entre os dois países. Os interesses de Batman e do governo passam a
divergir e, de colaborador, Batman passa a potencial fonte de problemas.
Ralph Bundy (agente da CIA): It's like this, Batman. You take out the
Joker and it's going to cause a major international incident. The State
Department's currently in the middle of some very delicate negotiations
with Iran. (É isso, Batman. Você ataca o Joker e cria um imenso
incidente internacional. O Departamento de Estado está atualmente em
negociações delicadas com o Irã).
Batman: Another arms for hostage deal? (Outra troca de reféns por
armas?)
Ralph Bundy: That's none of your business. Guys like us should just
do our jobs and let the "big shots" do theirs. They know what's doing
when they say hands off Iran's new U.N. ambassador. (Não é de sua
conta. Caras como nós devem apenas fazer nossos trabalhos e deixar
os "grandões" fazerem os deles. Eles sabem o que estão fazendo
quando dizem para não tocar no embaixador do Irã, entendeu?)
É interessante apontar que o mesmo agente da CIA a quem Batman se referiu como
amigo e que proporcionou ao herói vistoriar o avião do Joker é quem agora o inibe de
ir atrás do criminoso, em uma atitude contrária à anteriormente mostrada, chegando
até mesmo a ser ríspido com Batman (That's none of your business - não é da sua
conta).
Superman também se apresenta como representante das autoridades legitimadas.
Ralph Bundy: The president has asked this gentleman to keep you in
line. You misbehave, he'll slap you down. (O presidente pediu para
esse cavalheiro te manter na linha. Se não se comportar, ele vai te
botar nos eixos).
215
O próprio presidente, a autoridade maior do país, apontou Superman para tomar conta
de Batman. Esse sentido de Superman apontado como um guarda para vigiar o outro
herói já surge na primeira imagem da conversa entre Batman e o agente da CIA. A
imagem do Superman aparece de pé, logo atrás de Batman, na semipenumbra,
braços cruzados sobre o peito, como a vigiar a conversa que se desenrola; mais
especificamente, por estar atrás dele, sua atenção parece ser para o Batman.
Figura 14
Não há necessariamente um conflito de posição ideológica entre eles como em Dark
Knight returns. Superman compreende a perda de Batman, e até se compadece.
Superman: I read on the telex about your ward, Jason Todd, being
killed in an ethiopian warehouse fire. Was he Robin? (Eu li no telex que
seu protegido, Jason Todd, foi morto em um incêndio de um depósito
na Etiópia. Ele era o Robin?)
Batman, cabisbaixo denotando sofrimento: Yes (Sim).
Superman: I'm sorry to hear that. He seemed like a really nice kid (Eu
sinto ouvir isso. Ele parecia ser um garoto muito bom).
O conflito está calcado no desejo de Batman em vingar a morte de Jason nas mãos do
Joker em relação aos "interesses de seu país", nas complicações que poderiam
resultar para a nação caso Batman decidisse atacar o Joker, agora intocável perante a
lei.
Superman: You can't put your thirst for revenge above your country's
best interests. (Você não pode colocar a sua sede de vingança acima
dos interesses de seu país).
216
Figura 15
Joker: Superbobo! Não é justo! Você não pode se meter nos meus
negócios. Não é justo! Não é justo! Não é justo!
Superman: Batman, ele é todo seu.
Quando os interesses dos dois coincidem, e o Joker, ao tentar matar os delegados da
ONU, torna a ser considerado como uma ameaça geral e não mais apenas os
interesses de Batman estão envolvidos, Superman e ele passam novamente a
trabalhar juntos. E a divergência que apareceu entre eles até o momento se extingue
por completo.
Batman na relação com os colaboradores
Robin, Jason Todd, é mostrado desde o início da história como contraponto ao
Batman.
217
Figura 16
Batman: Robin, o que você pensa que está fazendo?
Robin: Aquilo que fui treinado para fazer: chutar alguns traseiros.
218
Figura 17
Batman: O que diabos foi aquilo?! Eu não falei para esperar?
219
Robin: Sim, eu escutei você, mas nós tínhamos a vantagem sobre
esses perdedores. Eu não vi nenhuma razão para esperar. Havia
apenas oito deles.
Batman: Você não entende? Há procedimentos que mesmo nós
temos que seguir. Eu prometi deixar Gordon ajudar no ataque. Você se
precipitou! O que é pior, quase foi morto fazendo isso.
.
Robin: Os quase não contam.
Batman: O que você pensa que estamos fazendo aqui? Brincando
algum tipo de jogo?
Robin - expressão sarcástica no rosto: Claro, a vida é um jogo.
Robin é mostrado como alguém impaciente, indisciplinado, que não consegue seguir
as ordens de Batman ("eu não falei para esperar?"), tampouco preocupado com o
próprio bem-estar ("você foi quase morto" - pergunta Batman, "os quase não contam",
retruca Robin) ou com a seriedade do trabalho que estão fazendo ("a vida é um jogo").
Robin deixa-se levar pelo lado emocional de modo bastante forte. A sua tragédia
pessoal - a morte de seus pais - e o modo como isso influi nele acabam interferindo no
seu modo de agir.
Batman: The kid's losing it. He dived into those thugs like someone
looking to die. In other words, I may have started Jason as Robin before
he had a chance to come grips with his parent's death. (O garoto está
se perdendo. Ele mergulhou na frente dos bandidos como se quisesse
morrer. Em outras palavras, eu talvez tenha iniciado Jason como Robin
antes de ele ter a chance de se conformar com a morte dos pais).
(...)
Alfred (mordomo de Batman): Being your partner is not exactly the
best situation for a teenager adjusting to such a loss. (Ser seu parceiro
não é exatamente a melhor situação para um adolescente que está se
ajustando a uma perda).
Batman: Then I must try to rectify the situation. Jason's going off active
duty immediately. (Então eu preciso retificar a situação. Jason vai sair
da ativa imediatamente).
220
Figura 18
Jason: Você não pode estar falando sério sobre isso?
Bruce: Eu definitivamente estou. Você não está em condições
emocionais para ir às ruas (...) Eu não tomei essa decisão por
capricho, Jason. Uma pessoa tem que ter sua cabeça no lugar certo
para esse tipo de trabalho. Você está com muito ódio e muita dor
dentro de si. Vai levar um tempo para que você se livre deles. Deixeme ajudá-lo. Nós podemos começar falando sobre seus pais.
Jason: Você quer conversar? Converse com o Alfred!
221
Bruce tenta proteger o menino, ajudá-lo a lidar com esses sentimentos conflituosos.
Por um lado, porque isso está afetando o trabalho de Robin; por outro, porque existe
entre eles uma relação de proximidade que vai além do trabalho como combatente do
crime. Uma relação que demanda preocupação: a expressão preocupada de Bruce, o
modo como ele coloca protetoramente as mãos sobre o ombro de Jason (figura 18 e
figura 19), mesmo seus pensamentos em relação ao menino (I try to keep my temper
in check. I remind myself Jason's just a kid - Tento manter a calma. Eu lembro a mim
mesmo que Jason é apenas uma criança), todas essas cenas constroem e indicam
essa proximidade entre eles. Mas, ao mesmo tempo em que isso pontua a relação dos
dois, simultaneamente reforça o caráter rebelde de Robin: apesar de Bruce tentar
conversar com ele, Jason prefere não aceitar a ajuda que lhe é oferecida.
O menino não é capaz, como Batman, de sobrepor o lado racional ao emocional, não
consegue ter a "cabeça no lugar certo". Ele também coloca suas questões pessoais
como prioridade: quando descobre que sua mãe verdadeira ainda está viva, ele sai em
busca das prováveis candidatas. Uma delas é Sharmin Rose, espiã de Israel. Para
descobrir a localização dela, ele invade uma instalação de segurança nacional daquele
país.
Pensamentos de Robin no recordatário: I tried to go through
channels, play straight. I really did. But they just plain refused to tell me
where Sharmin Rose is. Guess I can understand why. Governments
don't willingly give out the locations of their secret agents. Standard
procedure. But national security secrets don't cut a lot of ice with me. I
just gotta know where Ms. Rosen is. (Tentei fazer pelos canais oficiais,
fazer tudo direitinho. Tentei mesmo. Mas eles se recusam a me dizer
onde está Sharmin Rosen. Até entendo por quê. Governos não se
dispõem a revelar a posição dos seus agentes secretos. Procedimento
de segurança. Segredo de segurança nacional não vale nada para
mim. Só quero descobrir onde está a senhorita Rosen).
Jason coloca suas questões pessoais em primeiro lugar, não se importando em
quebrar regras em benefício próprio. Pouco interessa a ele quais conseqüências sua
invasão pode trazer para os assuntos de segurança nacional de Israel, desde que ele
consiga localizar a mulher que supostamente pode ser sua mãe.
Bruce: The nuclear threat fad to be dealt with first. You understand,
don’t you? (A ameaça nuclear tinha que ser resolvida primeiro. Você
entende, não?)
Jason: Sure, Bruce... Nothing glamorous about hunting down a
runaway. (Claro, Bruce. Não há nada glamuroso em procurar um
fugitivo).
Bruce: Jason, that's unfair. (Jason, isso é injusto).
222
Jason: Who cares! (Quem se importa!)
Essa tendência de se colocar como prioridade aparece novamente no trecho acima,
quando Jason e Bruce se encontram em Beirute, onde está Sharmin Rose, e para
onde Batman se dirigiu no encalço do Joker. Jason se mostra magoado por Wayne têlo preterido em favor de um míssil nuclear nas mãos de um criminoso.
E são exatamente essas características de Robin (descuido, dificuldade em cumprir
ordens, tendência de colocar o pessoal em primeiro plano) que vêm a custar sua vida.
Quando finalmente encontra a verdadeira mãe na Etiópia, Jason descobre que ela
está sendo ameaçada pelo Joker e também que este trocou um carregamento de
remédios pelo venenoso gás do riso. Enquanto Batman deixa-o para ir atrás do
carregamento, Robin fica encarregado de vigiar o bandido.
Batman: Stay here and keep an eye on that warehouse [onde o Joker
está] until I return. Take no action until I get back! I repeat: no action!
Just for once, please listen to me, Jason! Don't tangle with the mad one
alone! Wait for me to get back, please! The madman's just too
dangerous for you to handle. Do you read me? (Fique aqui e mantenha
um olho no depósito até eu voltar. Não entre em ação até eu voltar. Eu
repito: não entre em ação. Pelo menos uma vez me escute, Jason! Não
enfrente aquele louco sozinho! Por favor, me espere voltar! O louco é
perigoso demais para você enfrentar. Entendeu?).
Jason: Loud and clear! Just hurry back! (Alto e claro. Apenas volte
logo).
Pensamentos de Jason: Sorry, Bruce... But that’s my mother in there
with that lunatic. (Desculpe-me, Bruce... Mas é a minha mãe que está
lá com o lunático).
Mesmo com o pedido enfático de Batman (pelo menos uma vez me obedeça), mesmo
sendo avisado que o Joker era perigoso demais, Robin mente para Batman, o
desobedece novamente e morre pelas mãos do Joker em decorrência de sua rebeldia.
Batman na relação com as vítimas
As vítimas são apenas mencionadas; portanto, não foi observado nenhum aspecto na
história relativo essa relação.
Batman na relação com os criminosos
Batman mostra-se inclemente em relação aos bandidos apresentados na história, não
hesitando em usar violência contra eles e não apenas no que diz respeito à sua
captura (figura 6). No decorrer da história, o principal recurso utilizado por Batman
223
para obter informações é procurar os criminosos e espancá-los até que eles lhe digam
exatamente o que o herói precisa saber.
Figura 19
Batman - pensamentos no recordatário: Eu bato forte demais em
Gaspar. Ele vai dormir por horas. Vim à procura de informações e não
vou conseguir nenhuma de Gaspar.
224
Figura 20
Batman - pensamentos no recordatário: Selling blackmarket medical
supplies. Just the kind of guy I'm looking for. I can tell by the expression
on his face that this is going to be easier than I thought. Unlike
Gotham's hoods, these gunsels don't know about the Batman. It's a
case of unfamiliarity breeding fear. The guy can't wait to tell me
everything he knows. Which, unfortunately, isn't much. The next three
characters I talk to aren't any help either. I finally hit pay dirt with
number five. (Um vendedor de suprimentos médicos no mercado
negro, o tipo de sujeito que eu procuro. Eu posso dizer pela expressão
do rosto dele que vai ser mais fácil do que eu pensei. Ao contrário dos
criminosos de Gotham, esses canalhas não conhecem o Batman. O
desconhecido alimenta o medo. Ele mal pode esperar para me contar
tudo o que sabe. O que, infelizmente, não é muito. Os três seguintes
não ajudam muito. Eu acerto em cheio no quinto).
225
Figura 21
Batman - pensamentos no recordatário: When I was tracking down
the Joker, I'd discovered that Beirut's criminal element was just as
eager to talk to my Batman persona as their Gotham counter-parts
always are. The trick is the way you couch the questions you want
answered. (Enquanto eu estava atrás do Joker descobri que os
criminosos de Beirute tinham tanta vontade de falar para a minha
identidade de Batman quanto suas contrapartes em Gotham. O truque
é o modo como você faz as perguntas que você deseja saber).
Embora a maioria dos criminosos seja tratada de forma rígida e até violenta pelo
Batman, uma exceção se destaca: Jason Todd. Quando Batman o conheceu, ele
estava roubando os pneus do Batmóvel.
226
Figura 22
Batman - pensamentos no recordatário: Ele estava tirando os pneus
do Batmóvel, era isso. Foi assim que eu e Jason Todd nos
encontramos pela primeira vez. Ele vivia por sua conta em um
apartamento de um prédio abandonado. O garoto estava sobrevivendo
vendendo pneus. A mãe tinha morrido fazia pouco e seu pai tinha
desaparecido, provavelmente estava na cadeia. Era isso que nós
pensávamos naquela época. E em um momento de insano
sentimentalismo, eu peguei o garoto e revelei a ele que Bruce Wayne
era Batman. Pensei ter encontrado meu novo Robin.
O garoto revela estar sobrevivendo com a venda de pneus roubados, e Batman, em
"um momento insano de sentimentalismo", revela que é Bruce Wayne e passa a
treinar Jason para que ele se torne Robin. Assim, Batman acaba possibilitando a
Jason mudar de vida, transformando o garoto de ladrão em combatente do crime.
Apesar de usar de violência no trato com os criminosos, Batman também se preocupa
em preservar suas vidas. Antes de explodir o arsenal dos terroristas, joga na trincheira
todos os xiitas que ele e Robin derrubaram no acampamento que invadiram para
salvar Shiva Woosan, outra candidata à mãe de Jason (figura 4: Batman pensamentos em recordatário: Joguei todos os xiitas na trincheira antes de explodir
aquele insano armamento de munição. Os escorpiões vão acordar vivos, apenas com
seus ferrões arrancados).
O vilão principal da história é o Joker. Ele é introduzido indiretamente na trama através
de um crime que cometeu ao fugir do Asilo Arkham. Na cena, vários carros são vistos
do lado de fora do prédio: viaturas da polícia, ambulâncias, bombeiros, denotando que
a situação é grave.
227
Figura 23
Batman e Comissário Gordon conversam sobre a fuga do Joker; vemos corpos
espalhados pelo chão, cobertos por lençóis, e policiais ao fundo, já indicando a
periculosidade do Joker.
228
Figura 24
Gordon: Por anos eu venho falando para o Asilo Arkham reforçar sua
segurança. É adequada para seus psicopatas tradicionais, mas para
alguém como o Joker... bem... Aparentemente, o Joker foi capaz de
acessar ao depósito do zelador. Nunca ocorreu a ninguém que ele
fosse capaz de criar uma versão do gás do riso misturando apenas
produtos comuns de limpeza. Ele saiu daqui tranqüilamente pela porta
da frente e deixou oito mortos em sua fuga.
A fala de Gordon confirma o quão perigoso o Joker é, e já traz algumas características
essenciais da personagem. Ele não é como a maioria dos criminosos. É alguém que
requer segurança redobrada; é bastante inteligente a ponto de sintetizar gás do riso
usando apenas produtos comuns de limpeza; além de ser frio, saindo tranqüilamente
de Arkham após ter matado oito pessoas, demonstrando não ter apreço algum pela
vida humana.
Figura 25
A imagem do rosto das vítimas do Joker é focalizada, exibindo um sorriso mórbido em
sua face, indicando um caráter doentio nos atos do criminoso.
Comissário Gordon: I've put out an APB on the Joker and have
alerted the Justice League and the Titans [grupo de super-heróis]. [...] I
doubt he'll remain on the loose very long this time not even with every
law enforcement agency in country making him their number one
priority. (Lancei um boletim de alerta público e mandei um alerta para a
Liga da Justiça e os Titãs. (...) Duvido que ele fique muito tempo à
solta, não com todas agências de execução da lei no país fazendo dele
sua prioridade número um).
229
Joker é uma ameaça tão grande, sua liberdade é algo tão preocupante que toda a
polícia, os principais heróis do mundo (a Liga da Justiça e os Titãs) e as principais
agências de segurança do país estão em seu encalço.
Ele também é apontando como alguém amoral e inescrupuloso, que não sente
remorsos por seus atos e tampouco compreende por que estes são vistos como
hediondos pelas demais pessoas. Ele chega a ser irônico e sarcástico ao mencionar
suas vítimas.
Rupert (capanga do Joker): They was pretty ticked off at what ya did
to Gordon's daughter, boss. (Eles estão bastante ferrados com o que
você fez com a filha do Gordon, chefe).
Joker: That's awfully petty of them. The woman only got what she
obviously asking for. (Isso é terrivelmente trivial da parte deles. A
mulher só teve o que ela obviamente estava pedindo).
Capanga: But boss, ya left her a cripple! (Mas, chefe, você deixou a
moça aleijada!)
Joker: Well, remind me to send her a handful of pencils and a tin cup.
(Bem, lembre-me de enviar para ela um punhado de lápis e uma
caneca).
Essa atitude de descaso pelas pessoas é vista em outros pontos da história, como
quando o Joker faz chantagem com a Dra. Sheila Haywood, mãe de Robin, forçando-a
lhe dar os remédios destinados aos famintos da Etiópia.
230
Figura 26
Dra. Sheila: Por que estão descarregando aquelas caixas no depósito?
Joker: Para repor aquelas que vamos roubar, é claro.
Dra. Sheila: Elas estão vazias?
Joker: Não, contém uma mistura de meu letal meu gás do riso!
Imagine a surpresa quando um de seus trabalhadores sociais de
coração-mole abrir uma dessas caixas. Cada caixa contém gás
suficiente para cobrir uma área de quatro acres. Apenas considere
isso como minha contribuição para a guerra contra a fome. Não fique
triste, Sheila. Estou fazendo a você um favor. Pense nisso como um
modo de diminuir o número de bocas que você tem para alimentar. O
Joker sempre gosta de deixar sua marca aonde ele vai.
Dra. Sheila: Seu monstro...
Se não bastasse roubar os remédios, ele decide também substituí-los pelo letal gás do
riso, propositalmente transformando roubo em assassinato. A imagem do Joker com
os olhos recobertos por sombras reforça seu aspecto maligno e a desumanidade de
seus atos, especialmente quando associada à fala da médica (seu monstro).
231
Nesta mesma seqüência, o Joker demonstra satisfação em seus atos, ao gargalhar
quando se refere à sua contribuição na guerra contra a fome. Mais que satisfação, o
criminoso mostra prazer naquilo que faz. Isso é particularmente visível nas cenas em
que ele espanca Robin.
Figura 27
Figura 27
Joker: Nossa! Isso foi divertido! Embora um pouco bagunçado.
232
Ou quando ele está se preparando para o seu discurso na ONU, já como embaixador:
Joker: It would have been delicious to have a large crowd of spectators. I
just love large dead crowds. (Ia ser delicioso ter uma grande multidão de
espectadores. Eu adoro grandes multidões mortas).
Batman compreende a periculosidade do Joker a ponto de preferir ir atrás do
criminoso no Líbano a procurar Robin, que fugira. Mas Batman questiona-se se é
cabível responsabilizar o Joker por seus atos.
Batman: The man's hopelessly insane. How can I hold him responsible
even for what happened to Jason? (O homem é insano além de
qualquer esperança. Será mesmo que posso responsabilizá-lo pelo
aconteceu a Jason?)
Ainda assim, para Batman, o Joker, ao matar Robin, ultrapassou um limite, a ponto de
fazer com que o mesmo herói que colocou um bando de terroristas em valas para
assegurar que eles não fossem mortos em uma explosão cogite tomar uma atitude
mais drástica.
(1)
Batman: Looks like this is it. The final showdown between the Joker
and myself. Guess I always knew it would someday come to this. One
of us is going to die. But is that really I want to see happen? (Parece
que é isso. A batalha final entre mim e o Joker. Acho que eu sempre
soube que aconteceria um dia. Um de nós vai morrer. Mas é isso que
eu realmente quero ver acontecer?)
(2)
Batman: I've lost track of how many he's murders over the years. But it
all ends tonight. No more killings. No more Joker. […] I should have
terminated his vile existence years ago. But I didn't. I couldn't. His
insanity gained a stay of execution. But no longer. He's become too
dangerous, his crime too heinous. Jason's dead. (Perdi a conta de
quantos foram os ele matou ao longo dos anos. Mas tudo acabará hoje
à noite. Sem mais assassinatos. Sem mais Joker. [...] Devia ter
acabado com sua vil existência anos atrás. Mas eu não fiz. Não
consegui. Sua insanidade ganhou um status de execução. Mas não
mais. Ele ficou perigoso demais, seus crimes hediondos demais. Jason
está morto.).
Os motivos que levam Batman a cogitar a possibilidade de matar o Joker estão
calcados em dois fatores, contudo relacionados. A falta de limites do Joker, o aumento
de sua periculosidade e do grau de desumanidade de seus crimes seria o primeiro
deles; o segundo seria a morte de Robin. Contudo, foi ela que fez Batman perceber
cada um dos outros motivos citados.
Batman sente-se responsável pelos crimes do Joker, tanto por Jason quanto pelas
demais vítimas:
233
(1)
Batman - pensamentos em recordatário: […] I should have
terminated his vile existence years ago. But I didn't. I couldn't. ([...]
Devia ter acabado com sua vil existência anos atrás. Mas eu não fiz.
Não consegui).
(2)
Batman - pensamentos em recordatário: I'm already regretting
leaving Jason behind. Something deep inside me is screaming that was
the wrong move. I should have had him come after the convoy [ao invés
de ter ficado para trás, vigiando o Joker].(Eu já estou arrependido de
ter deixado Jason para trás. Algo dentro de mim grita que isso foi uma
decisão errada. Eu deveria ter feito ele vir atrás do comboio [ao invés
de ter ficado para trás, vigiando o Joker]).
(3)
Batman - pensamentos em recordatário, pouco antes de encontrar
o corpo de Robin: I guess the truth is that I was lonely… Didn't want to
go it alone. So what do I do? I bring a young innocent into this mad
game... I must be insane. (A verdade é que eu estava sozinho. Não
queria continuar sozinho. Então, o que eu fiz? Eu trouxe um inocente
para esse jogo louco... Eu devo ser insano).
(4)
Batman - pensamentos em recordatário: I manage to avoid the
deadly fusillade. The delegate behind me is not so lucky. Another
innocent sacrifice to the Joker's mania. Wherever he goes... death...
another hopeless victim to haunt my sleep. Let there be an end to it. No
more! Running will do you no good, Joker! I will be right behind you! No
escape! You killed Jason... Jason... Jason... Jason... Jason... (Consigo
evitar o fuzilamento mortal. O delegado atrás de mim não é tão sortudo.
Outro inocente morto pela loucura do Joker. Por onde ele passa há...
mortes. Mais uma miserável vítima para assombrar meus sonhos. Deve
haver um fim para isso. Nunca mais! Correr não adianta, Joker! Eu vou
estar bem atrás de você. Você matou Jason... Jason... Jason... Jason...
Jason...)
Outro inimigo presente nesta história são os terroristas. Primeiro os xiitas libaneses,
depois os iranianos. Em ambos os momentos em que são introduzidos na história, são
apresentados em relação ao Joker. Os libaneses surgem negociando a compra do
míssil cruiser nas mãos dele, enquanto no caso dos iranianos, o próprio Aiatolá
Khomeini, chefe de estado do Irã na época, requisita os serviços do Joker.
234
Figura 28
Figura 29
Khomeini: Eu tenho uma posição em meu governo que eu desejo
oferecer a você, senhor Joker.
Tanto os libaneses quanto os iranianos são retratados como perigosos e instáveis.
Especialmente para os americanos, conforme a apresentação da cidade de Beirute
deixa explícita.
235
Figura 30
Batman - pensamentos em recordatário: Beirute, uma cidade
conturbada. Uma capital dividida por facções armadas polarizadas,
cada uma tentando assumir o controle. Parece que todos ou andam
armados ou estão mutilados pela guerra. Você pode sentir a tensão
nas ruas. Aqui não é um lugar seguro para um americano.
As imagens ao fundo mostram homens armados, crianças feridas, as pessoas com
uma expressão assustada no rosto, reforçando a idéia de que ali realmente não é um
lugar seguro.
O próprio Batman reconhece o risco de se lidar com terroristas em dado ponto da
história.
Batman: This is a tricky business we're involved in dealing with coldblooded terrorists. Each move must be carefully planned and executed.
Death is only a moment's carelessness away. (É um mau negócio
envolver-nos com terroristas frios e sanguinários. Cada passo deve ser
cuidadosamente planejado e executado. A morte está a um passo de
descuido).
Ao serem introduzidos na história mediante o Joker, outras características podem ser
atribuídas e associadas a eles. Considerando como o Joker é assinalado, pode-se
atribuir também aos iranianos e xiitas as mesmas qualificações: eles seriam tão
loucos, psicopatas, desumanos e sádicos quanto ele. Essa associação é explicitada
especialmente no que se diz respeito a Khomeini, no discurso do Joker na ONU,
quando ele tenta matar todos os presentes usando gás do riso.
236
Joker: It's a great honor for me to be here tonight. I'm proud to speak
for the great Islamic republic of Iran. That country's current leaders and
I have a lot in common. Insanity and a great love of fish. But
unfortunately, we also share a mutual problem. We get no respect.
Everyone thinks of Iran as the home of terrorist zealot! They say even
worse things about me, would you believe? We've both suffered
unkind abuse and belittlement! Well, we aren't going to take it anymore!
In fact, you aren't going to be able to kick anyone around ever again!
Say Good-night, Gracie! (É uma grande honra para mim estar aqui
esta noite. Sinto orgulho de falar pela República Islâmica do Irã. Os
atuais líderes desse país e eu temos muito em comum. Loucura e
grande paixão por peixes. Mas, infelizmente, nós também
compartilhamos do mesmo problema. Não somos respeitados. Todos
acha que o Irã é o lar do terrorismo fanático. Eles dizem coisas ainda
piores de mim, acreditam? Nós dois já sofremos brutais abusos
demais. Bem, não vamos mais tolerar isso! De fato, vocês não mais
serão capazes de menosprezar alguém novamente! Digam boa-noite,
Gracie!)
Figura 31
Assim, ao dizer que ele, Khomeini e os demais líderes do Irã possuem muito em
comum, especialmente a loucura, coloca-os todos em um mesmo patamar. Khomeini e
os demais iranianos seriam maníacos homicidas tão hediondos quanto o Joker.
Na seqüência em que Batman e Robin tentam impedir a venda do míssil, há outra
aproximação entre o Joker, seus aliados e os terroristas libaneses. Tanto ele quanto
Hussein, chefe dos xiitas presentes ali, ordenam a morte dos heróis.
Batman, pensamentos no recordatário: International cooperation.
Arab terrorists and American scum joining forces to kill us. There's a
lesson to be learned from this. But Robin and I are a little too busy at
the moment to appreciate the situation's geopolitical significance.
(Cooperação internacional. Terroristas árabes e bandidos americanos
juntando forças para nos matar. Existe uma lição a ser aprendida disso.
Mas eu e Robin estamos ocupados demais no momento para apreciar
o significado da situação geopolítica).
237
A afirmação é jogada como uma provocação para quem está lendo a história, já que
não é dada uma resposta porque Batman e Robin estão "ocupados demais para
aprender". Contudo, da mesma forma que Batman e Robin são alvos dos dois grupos
de bandidos em conjunto, eles os enfrentam indistintamente. Os criminosos são
mostrados em semelhança de atitudes apesar das nacionalidades distintas, evocando
a idéia que são muito mais iguais entre si do que a princípio se poderia negar.
Categoria 4: Tematizações sobre justiça, vingança e lei.
Na história em questão esses três temas são abordados, tentando-se pontuar uma
diferenciação entre eles.
A lei nem sempre coincide com a justiça. No caso de Lady Shiva, apesar de ser
comprovado que ela está treinando terroristas, Batman não pode prendê-la nem ao
menos entregá-la às autoridades.
Batman: Unfortunately, training terrorists is not against the law in this
country. You're free to go. (Infelizmente, treinar terroristas não vai
contra as leis deste país. Você está livre para ir).
Shiva: But you are planning on leaving me bound up like this? (Mas
você planeja me deixar amarrada assim?).
Batman: With your abilities, you'll have yourself free and be on your
way back to civilization within one hour. (Com suas habilidades, você
vai se libertar e chegar à civilização dentro de uma hora).
Como Batman não possui meios de entregar Lady Shiva à lei, já que, da perspectiva
jurídica daquele país, o que ela faz é legal, assim ele, por conta própria e por não
concordar com as suas atividades, acaba por dar-lhe uma espécie de punição. Ao
invés de levá-la consigo, a deixa amarrada no deserto. Batman conhece as
habilidades de Lady Shiva, sabe que ela irá sobreviver. Enfim, ele pode não ter meios
de encarcerá-la e impedir que ela continue treinando terroristas, mas não se vê na
obrigação de ajudá-la a voltar para a civilização.
Contudo, o delineamento maior entre lei e justiça dá-se após a morte de Robin.
Quando o Joker é nomeado embaixador do Irã e ganha imunidade diplomática, o que,
segundo informa o Superman, also covers any violations of the law he might have
committed before being appointed to the post (também cobre qualquer violação de lei
que ele possa ter cometido antes de ter sido indicado para o cargo), inclusive a morte
de Robin, Batman questiona: This is law, not justice. (Isso é lei, não é justiça).
238
É lei porque protege alguém que é reconhecidamente um assassino, porém apoiado
em uma regra formalizada. Protege-se um indivíduo que reconhecidamente chacinou
centenas de pessoas em sua carreira de crimes e que até pouco tempo atrás era
prioridade número um das agências de segurança governamentais. O justo, partindo
dessa perspectiva, seria que o Joker fosse, no mínimo, preso, dada a gravidade dos
crimes que cometeu ou que possivelmente poderia cometer:
(1)
Batman: They only made him ambassador so he can kill someone,
probably the entire U.N. General Assembly. (Eles só o fizeram
embaixador para ele matar alguém, provavelmente a Assembléia Geral
das Nações Unidas inteira).
Ralph Bundy: We’ve got no hard evidence to prove that. Until we do,
the Joker has to be treated like any other delegate. (Nós não temos
nenhuma evidência concreta que prove isso. Até que tenhamos, o
Joker deve ser tratado como qualquer outro delegado).
(2)
Batman, pensamentos no recordatário: The U.N. General Assembly
Chamber. This is the august body of men and women the Joker plans
to massacre. The powers that be have ordered me to do nothing to stop
slaughter. (Câmara da Assembléia Geral da ONU. Esses são os
augustos homens e mulheres que o Joker planeja massacrar. Os
poderes que me ordenaram a não fazer nada para impedir o
massacre).
Haveria, assim, uma contradição na lei. A mesma lei que deveria proteger aquelas
pessoas que a ela servem - os delegados da ONU - acaba por colocá-las em perigo ao
se empenharem em executá-la.
Contudo, a discussão aqui é um pouco mais complexa. Se por um lado é sabido que o
Joker é um criminoso perigoso, por outro, ameaçá-lo sem provas naquele momento
poderia levar a um incidente internacional que viria a prejudicar muito mais pessoas
que aqueles delegados, com um índice de mortes possivelmente superior ao das
vítimas do Joker caso uma guerra fosse deflagrada.
(1)
Ralph Bundy (agente da CIA) para o Batman: It's like this, Batman.
You take out the Joker and it's going to cause a major international
incident. The State Department's currently in the middle of some very
delicate negotiations with Iran. (É isso, Batman. Você ataca o Joker e
cria um imenso incidente internacional. O Departamento de Estado
está atualmente em negociações delicadas com o Irã).
(2)
239
Superman para o Batman: We have to go along with this madness.
Diplomatic immunity is a two-way street. If we don't honor Iran's rights
in this matter, there's no reason for them respect ours. (Nós temos que
continuar com essa loucura. Imunidade diplomática é uma faca de dois
gumes. Se não respeitarmos o direito dos iranianos nesse assunto, não
haverá razão para que eles respeitem os nossos).
Assim, as limitações entre justiça e lei não são completamente claras. Se, por um lado,
seria justo punir o Joker pelos assassinados por ele cometidos e também prevenir a
morte dos delgados da ONU, por outro lado a lei é usada aqui para também tentar
salvaguardar as pessoas de uma possível guerra, o que, de certo modo, não deixa de
ser justiça. Contudo, caso qualquer ameaça ao Joker não levasse a um incidente
internacional, a lei que o protege iria desfavorecer a todas as vítimas comprovadas de
seus atos assassinos, sendo, portando, injusta.
Entra, aqui, um terceiro componente, a questão da vingança. O que motiva Batman a
tomar uma atitude mais drástica em relação ao Joker foi a morte de Robin. Batman,
que se mostrara racional até aquele momento, passa a ser guiado pela emoção
(figura 13).
A história não nega que um envolvimento emocional e um fato pessoal não possam
ser motivadores para se lutar contra o crime e levar um criminoso à lei. Quando o
Joker foge, o fato de ele ter recentemente baleado a filha do comissário seria um
estímulo a mais para os heróis, especialmente para Batman, se empenharem em
capturá-lo.
Comissário Gordon: I've put out an APB on the Joker and have
alerted the Justice League and the Titans [grupo de super-heróis].
(Lancei um boletim de alerta público, e mandei um alerta para a Liga da
Justiça e para os Titãs).
Batman: Good. Everyone's going to want a piece of the Joker, after
what he did to Barbara. But I hope I come across him first. (Bom. Todo
mundo vai querer um pedaço do Joker depois do que ele fez com
Barbara. Mas eu espero cruzar com ele primeiro).
O mesmo acontece quando Jason descobre que seu pai foi assassinado pelo
criminoso Two-Face, e ele e Batman decidem investir contra a quadrilha do mesmo:
240
Figura 32
Robin: Sim, eu descobri! Como você pôde manter segredo disso de
mim?
Batman, pensamentos no recordatário: Claro que depois disso a
nossa prioridade máxima era localizar e desmantelar a gangue do TwoFace.
Assim, a vingança se diferenciaria da justiça e, especialmente, da lei, por três
aspectos. O primeiro seria a sobreposição da emoção sobre a razão ao se lidar com
os criminosos. Como mencionamos, o fator emocional não é descartado, mas ele não
pode dominar. Após a morte de Robin, o que motiva realmente Batman a ir atrás do
Joker é essa perda.
241
Figura 33
Batman (pensamento - recordatário): Você está muito envolvido
emocionalmente. Não consegue raciocinar claramente. Não seria
melhor deixar Superman cuidar disso? Assim você não faria nada de
que se arrependesse pelo resto de sua vida. Mas ele matou Jason.
Ainda há uma última tentativa do Batman de se ater ao seu lado racional. (Não seria
melhor deixar Superman cuidar disso? Assim você não faria nada de que se
arrependesse pelo resto de sua vida). As mãos na cabeça reforçam idéia de conflito
interno; ele é mostrado olhando para o uniforme, denotando dúvida. O olhar raivoso,
punho erguido, junto com o pensamento (ele matou Jason), associado ao quadro
seguinte que mostra a roupa de Bruce no lugar onde antes estava o uniforme, denota
que a emoção prevaleceu, e ele decidiu ir atrás do Joker.
O segundo aspecto é também a soberania das motivações pessoais. Tal aspecto é
nítido na história no momento em que Batman rompe sua cooperação com a polícia.
242
Quando Robin é morto, ele deixa claro que aquilo é "pessoal" e não teria motivos para
envolver a polícia. Ele chega, inclusive, a prejudicar as investigações oficiais,
removendo evidências do local do crime.
Bruce: The cops continue their search for the cause of this tragedy.
Evidence I've already removed from scene. Let them write it off as an
accident. There's no reason for them to be involved. This is a personal
matter. It's something the Joker and I should have settled between us a
long time ago. (Os guardas continuam sua busca pela causa dessa
tragédia. Evidência que eu já retirei da cena do crime. Deixe que eles
relatem isso como um acidente. Não há razão para envolvê-los. Isso é
um assunto pessoal. Algo que eu e o Joker deveríamos ter resolvido há
muito tempo).
A fala do Superman também explicita esse caráter personalista da vingança:
Superman: You can't put your thirst for vengeance above your
country's best interests. (Você não pode colocar sua sede de vingança
acima dos melhores interesses do país)
O terceiro aspecto da vingança em relação à lei e à justiça é que nela haveria uma
atitude por parte do executor que ultrapassaria um limite socialmente instituído, que
seria a de tomar para si a punição do criminoso, sob o aspecto de pena capital.
Figura 34
243
Batman (pensamento - recordatário): Meu pior medo era que Jason
quisesse mais do que justiça, pela morte de seu pai. Eu temia que ele
estivesse atrás de sangue. Então, o momento da verdade veio. As
circunstâncias colocaram Two-Face perante a clemência do garoto.
Jason se afastou. Ele deixou que a punição de Two-Face fosse
determinada pela lei.
A vingança seria um desejo passional de aniquilação do criminoso que o atingiu (My
worst fear was that Jason wanted more than justice for his father death. I was afraid
that he was out for blood - Meu pior medo era que Jason quisesse mais do que justiça,
pela morte de seu pai. Eu temia que ele estivesse atrás de sangue), ao invés de
entregá-lo àqueles supostamente capazes de lidar com a situação de maneira
adequada e equilibrada (He let Two-Face's punishment be determined by the law - ele
deixou que a punição de Two-Face fosse determinada pela lei).
Se, por um lado, nem sempre a lei coincide com a justiça, conforme no caso do Joker,
parece existir, aqui, uma aproximação maior entre as duas do que entre elas e a
vingança (o querer sangue), uma vez que a vingança seria algo além da justiça (Jason
wanted more than justice - Jason quisesse mais do que justiça). Mas, para que a
justiça fosse feita, o criminoso foi entregue à lei (he let Two-Face's punishment be
determined by the law - ele deixou que a punição de Two-Face fosse determinada pela
lei).
244
3.8 A Lonely Place of Dying
Publicada entre 1989 e 1990, a história passa-se alguns meses depois da morte do
segundo Robin, Jason Todd, pelas mãos do Joker (Coringa). Batman continua seu
combate ao crime, porém mais selvagem e descuidado, a ponto de necessitar de
constantes cuidados médicos vindos de Alfred, seu mordomo. Um garoto, Timothy
Drake, que ainda criança descobriu a identidade de Batman e de Robin, procura Dick
Grayson, o primeiro Robin e atual Nigthwing (Asa Noturna), para que ele possa ajudar
Batman. Enquanto isso, o criminoso Two Face (Duas Caras) retorna à cidade de
Gotham, planejando matar Batman.
Categoria 1: Função: Batman, Robin, Nigthwing e Alfred
A primeira cena de Batman na história mostra-o enfrentando um criminoso, o Ravager,
assassino de dois policiais. Tal cena de apresentação indica a primeira função de
Batman: enfrentar criminosos.
Figura 1
Soma-se a ela também prender esses infratores depois de derrotados, como mostram
as manchetes de jornais que destacam a atuação do Batman:
Batman attacks mob (Batman ataca quadrilha)
Batman collars dope ring - five arrests in one night (Batman prende
traficantes - cincos presos em uma noite)
Batman batters bandits (Batman detona bandidos).
245
Isso também resta claro na cena que em que ele captura dois assaltantes em um
depósito, e os deixa embrulhados para a polícia.
Figura 2
A imagem recorrente que se tem de Batman durante a narrativa é a da personagem
em cima de prédios, observando a cidade de Gotham ou algum alvo específico, como
o armazém onde está ocorrendo um assalto.
246
Figura 3
Essa representação do Batman remete a uma idéia de vigia. Tomando o significado
dessa palavra, temos o sentido de alguém que observa atentamente, mas também
vela, guarda e protege. Desse modo, tais imagens revelam outra função de Batman:
guardião e protetor de Gotham City. Alguém que observa tudo atentamente para que
nada de ruim ocorra à cidade.
Tal função também é atribuída a Dick Grayson, o primeiro Robin, usando aqui a
alcunha de Nightwing (Asa Noturna), ao representarem-no postado em um prédio em
posição similar à que Batman foi visto anteriormente, associando os dois nessa
semelhança de imagem e construindo através dessa associação a idéia de que Dick
também é um vigilante e compartilha a mesma função de Batman.
Figura 4
Batman luta contra os criminosos, mas protege e salva, conforme a seguinte situação
delineada na história. Ele concebe um plano para prender o vilão Two Face (Duas
247
Caras), atraindo-o para um cassino onde um prêmio de 22 milhões de dólares serviria
como isca. Ao mesmo tempo, Two Face também traça um plano para atrair e matar o
Batman: seqüestra duas crianças, os irmãos Wrigth.
Two Face: There -- You hear that? That's my story. My crime. And I
left enough clues for even police realize I´m the culprit. Kids in
jeopardy! If that doesn't draw out Batman, nothing can (Aqui -- Escutou
isso? É minha história. Meu crime! E eu deixei pistas bastantes para
mesmo a policia perceber que eu sou o culpado. Crianças em perigo!
Se isso não atrair o Batman, nada mais pode).
Batman, de prontidão no cassino, ao saber do seqüestro dos garotos fica divido entre
salvar as crianças e prender Two Face.
(1)
Batman: The Wrigth Twins? Of course that's him. But I can’t follow it up
now. (Os gêmeos Wright? Claro que foi ele, mas não posso cuidar
disso agora!).
(2)
Batman, pensamentos enquanto está de tocaia no cassino: If I
know Harvey, he won't be able to resist. Now to sit here and wait. He'll
come to me. He'll be here. The Wrigth Twins. I can't leave. He'll be
here. Capturing him is my first priority. I simply can´t leave. (Se eu
conheço Harvey, ele não vai resistir. Agora basta sentar aqui e esperar.
Os gêmeos Wright. Eu não posso ir. Ele virá aqui. Capturá-lo é minha
primeira prioridade. Eu simplesmente não posso sair).
Apesar de dizer que capturing him is my first priority (capturá-lo é minha primeira
prioridade), Batman acaba indo salvar as crianças que corriam perigo de vida, pois
Two Face amarrou-lhes uma bomba ao corpo. Portanto, na prática, a proteção dos
garotos mostrou-se mais importante que a captura do bandido.
Nas lembranças de Timothy Drake, garoto que se tornará o Robin ao fim da história,
esse caráter protetor do Batman também é ressaltado. Tim, ainda muito criança,
assistiu ao acidente - depois revelado assassinato - dos pais de Dick Grayson.
248
Figura 5
Tim: A próxima coisa que eu me lembro é de uma figura escura
voando até você. Eu não sabia o que era. Mas eu pensei que ela tinha
machucado seus pais e que agora ia machucar você.
Batman é uma figura que, por sua caracterização negra e sombria, evoca uma
indefinição inicial, transmitindo uma idéia de algo aterrorizante, e, possivelmente, ruim
para quem não o conhece. A expressão sobressaltada de Tim reforça esse fator
assustador do Batman.
249
Figura 6
Tim: Eu queria ajudar. Eu não sabia como, mas eu queria fazer
alguma coisa. Meus pais me seguraram enquanto a coisa se dirigia a
você. Eu gritei para te avisar.
Os atos de Batman é que revelam suas verdadeiras intenções. Quando ele coloca as
mãos nos ombros de Dick criança em sinal de conforto e permanece ao seu lado
enquanto os corpos de seus pais são removidos pela ambulância, Timothy percebe
que Batman está ali para ajudar, não para ferir.
250
Figura 7
Tim: Mas quando eu o vi confortando você eu percebi uma coisa - ele
não era mau. Ele não estava tentando te ferir. Ele estava ali para
ajudar. Essa foi a primeira vez que vi o Batman. E naquele momento
ele deixou de ser um monstro para se tornar um grande cavaleiro das
trevas.
Os olhos de Tim serenando no decorrer dos quadros reforçam e expressam essa
compreensão de Batman como alguém bom, como um cavaleiro - cuja conotação
remete-nos a idéia de defensor, protetor.
Batman, e posteriormente Robin (Dick), passam a representar para Tim símbolos de
proteção, aqueles que afastam aquilo que é ruim, que amparam e consolam.
Tim: My parents sent a copy of the picture they took [junto com os
Grayson antes do acidente] to you and then they forget all about it.
Trouble was, I didn't forget. I never told them, but for years I kept having
the same nightmare over and over again. First, I'd watch you do your
quadruple somersault, then your parents would fall, and fall. But they
never land. Then Batman appeared and just as I'd start crying, He'd
save me. First alone, then, after he met you, with Robin. (Meus pais
mandaram para você uma cópia da foto que eles tiraram [junto com os
Grayson antes do acidente] e esqueceram o assunto. O problema era
que eu não esqueci. Eu nunca contei a eles, mas, por anos, eu
continuei tendo o mesmo pesadelo de novo e de novo. Primeiro eu
assistia a você dando seu salto mortal quádruplo e então seus pais
251
caíam, caíam. Mas nunca chegavam ao chão. Então, Batman aparecia,
e quando eu começava a chorar ele me salvava. Primeiro sozinho,
depois que ele conheceu você, com Robin).
Enfim, Batman e Robin são aqueles que vão ao socorro de quem necessita. Atitude
que Tim também assume ao decidir adotar a identidade de Robin. Batman e Nigthwing
são pegos em uma armadilha de Two Face, ficando presos sob os escombros de uma
casa demolida graças a uma bomba implantada pelo vilão.
(1)
Tim: We can’t just leave him [Nigthwing, que acionou seu localizador
antes do acidente] there. Alfred, come on… We've got to do
something! (Não podemos simplesmente deixá-lo lá. Alfred, por
favor... Precisamos fazer alguma coisa!).
(2)
Tim: What do we do? (O que nós fazemos?)
Alfred: Master Timothy, we wait here [na caverna] as I always do.
Patiently. (Mestre Timothy, nós esperamos aqui como eu sempre fiz.
Pacientemente).
Tim: But you know he [Batman] and Dick've gone after Two Face. You
know the danger. How can you just put it out of your mind? (Mas você
sabe que ele [Batman] e Dick foram atrás de Duas Caras. Você sabe
do perigo. Como consegue tirar isso de sua cabeça?).
Alfred: It's never out of my thoughts. Never. It consumes me. I spend
each evening fearing the worst and praying for that feeling of relief I get
when Master Bruce returns. No matter his condition. Timothy, if you
dwell on worst - case scenarios, you can worry yourself to an early
grave. (Isso nunca se afasta de meus pensamentos. Isso me consome.
Eu passo todas as noites temendo pelo pior e rezando por aquele
sentimento de alívio que eu tenho quando o mestre Bruce retorna. Não
importa seu estado. Timothy, se você focar o pior - o cenário dos
casos, você pode se matar de preocupação).
Tim: [...] but right now we know where he and Dick are. And I keep
thinking they're in trouble. I've got to do something. ([…] mas neste
exato momento nós sabemos onde ele e Dick estão. E eu continuo
achando que eles estão em perigo. Tenho que fazer alguma coisa).
(3)
Alfred: This is wrong. I shouldn't be doing this. (Isso está errado. Eu
não deveria estar fazendo isso) [levando Tim, de carro, até onde
Batman e Nigthwing estão].
Tim: Alfred, you have to.(Alfred, você tinha) [que me ajudar].
Tim não só assume a função de alguém que precisa socorrer aqueles que necessitam,
mas também tenta colocar em ação alguém que está passivo, acostumado àquela
situação de espera, de ficar para trás, como é o caso de Alfred, mordomo do Batman,
cujas funções até aquele momento eram apenas a de esperar o retorno de Bruce e de
252
cuidar dele quando necessário. Tim faz com que Alfred o leve até o local onde Batman
e Nigthwing estão para que possam socorrê-los.
Figura 8
Tim/Robin: Two Face, se Batman e Nigthwing estiverem mortos...
Robin vai fazê-lo pagar por isso.
Já se assumindo como Robin, Tim ataca Two Face. Aqui ele retoma a função de
combate aos criminosos, ao mesmo tempo em que se preocupa com o bem-estar de
Batman e Nigthwing. Enquanto lutam, Two Face reverte a situação e passa a
espancar
Robin.
Nesse
momento,
Alfred
intervém
completamente, a situação de observador passivo.
no
combate,
deixando,
253
Figura 9
Alfred: Two Face, não! Ele é apenas um garoto!
Two Face: Isso é problema dele, velho!
Batman pode ser o protetor de Gotham, mas mesmo ele, quando em perigo, precisa
ser salvo, ser socorrido. E o interessante de se notar é que quem faz isso são uma
criança (He's just a boy! - Ele é só um garoto - diz Alfred antes de segurar Two Face) e
um velho ( That's his problem, old man - Isso é problema dele, velho - diz Two Face,
retrucando o mordomo), denotando a idéia de que não apenas indivíduos como
Batman e Nigthwing (homens adultos) podem assumir essa função de combatentes e
protetores, mas qualquer um: adultos (como Batman e Nigthwing), velhos (como
Alfred) e crianças (como Tim), desde que tenham predisposição para assumir essa
postura.
Categoria 2: Características: Batman, Robin e Nigthwing
Na seqüência que abre a história (figura 1), conforme já mencionamos, Batman luta
contra o Ravager. O texto do recordatário indica o estado físico da personagem:
He feels it numbing his leg...The water rushing like icy shards just
inches below. His thigh wound throbs, scarlet smearing grey-black. A
phlegm pit lodges in his throat as calluses-fists hammer up into solar
plexus. If he were anyone else, he'd give in to his wounds with a final
gasp of blood-spattered air. But he is The Batman and this just makes
him determined. (Ele sente sua perna se entorpecendo. A água
jorrando como cacos afiados. O ferimento da coxa lateja - vermelho
manchando o cinza-escuro. Uma cova fleumática se aloja em sua
garganta quando punhos calejados o atingem no plexo solar. Se ele
fosse qualquer outra pessoa, já teria sucumbido aos ferimentos com
254
um último e ensangüentado suspiro. Mas ele é O Batman, e isso o
torna determinado).
Figura 10
Batman se dirige cambaleante em direção ao Batmóvel, após o embate com o
Ravager. Poças de sangue são formadas à medida que ele caminha, mostrando a
gravidade de seu ferimento. Uma "Figura Misteriosa", que depois se revela ser Tim
Drake, observa tudo.
Tim: He was hurt, but that didn't stop him. Nothing stops him. (Ele
estava machucado, mas nem por isso parou. Nada o pára).
Batman não é como um indivíduo comum, pois qualquer outra pessoa teria desistido.
Ele é alguém determinado, resistente. Alguém que, mesmo ferido, prossegue lutando.
Como Tim aponta: Nothing stops him (Nada o pára).
Resistência e determinação também são mostradas por Robin (Tim) na cena em que
ele tenta libertar Batman e Nightwing dos escombros.
255
Figura 11
A expressão no rosto, as gotas de suor, os músculos desenhados retesados mostram
o imenso esforço que o garoto faz para retirar as pedras e vigas. Mesmo com as
dificuldades, mesmo chegando a escorregar, ele continua seu trabalho de tentar
libertar os outros dois heróis.
Juntamente com essa determinação, podemos perceber o vigor e a força física
empregados por Robin. Características compartilhadas por Batman, conforme já vimos
na cena da luta com o Ravager (figura 1).
Outro atributo físico destacado em Robin (Tim), Nigthwing (Dick Grayson) e Batman
(Bruce Wayne), são as habilidades acrobáticas. Dick, inclusive, era trapezista de circo
antes de se tornar Robin.
256
Figura 12
Embora esses atributos físicos sejam repetidas vezes apontados, são os aspectos
intelectuais os ressaltados como os mais importantes para o trabalho de combate ao
crime.
Ao retornar do embate com o Ravager, Batman, bastante ferido, é cuidado por Alfred.
As conseqüências da luta levam a personagem a um sofrimento árduo, conforme
mostram as imagens. Bruce contorce-se na cama, aparentando sentir muita dor. Os
quadros inclinados reforçam a sensação de que algo está errado. Passam horas mostradas pelo relógio ao lado da cama - até que ele consiga ficar relativamente
257
tranqüilo e parar de se debater.
Figura 13
Ao se recompor, Bruce conversa com Alfred e o mordomo questiona o atual modus
operandi de Batman.
Alfred: When I first entered your employ, I was impressed by your
extraordinary planning and deductive skills; you spent as much time
orchestrating your actions as executing them. Aside from muscle
strain and an occasional pulled ligament, your need for medical
attention was minimal. Conversely, since Master Jason's death [o
segundo Robin], your attention to details has been… unimpressive to
say the least. And it is hard coincidental that you have required almost
constant doctoring. In past two weeks, you have been bloodied and
bludgeoned by foes you once would have dances around without think.
I distinctly remember when you first instructed Master Dick in combat,
you said: "We're not brutalizers. We've got to think with our heads, not
with our fists". (Quando eu comecei a trabalhar para você, eu fiquei
impressionado por seu raciocínio extraordinário e habilidades de
detetive; você gastava mais tempo orquestrando suas ações que as
executando. Fora algumas fadigas musculares e alguns ligamentos
rompidos, sua necessidade de atenção médica era mínima. No
entanto, desde a morte de mestre Jason [o segundo Robin], sua
atenção para os detalhes tem sido inexpressiva, para dizer o mínimo.
E dificilmente seria coincidência que você tenha requerido um
atendimento médico quase constante. Nas últimas duas semanas o
258
senhor foi alvejado e teve seu sangue derramado por inimigos que,
antes, você derrotaria sem dificuldades. Lembro-me claramente
quando você iniciou mestre Dick no combate: "Nós não somos
brutamontes. Nós pensamos com nossas cabeças, não com nossos
punhos").
Alfred lembra a Bruce Wayne, o Batman, que são a inteligência, a preparação e o
cuidado, e não a força bruta, que garantem o sucesso da empreitada a que Bruce se
propôs. A força bruta leva ao perigo excessivo e desnecessário.
Em um primeiro momento, Batman não toma o conselho e continua agindo
impensadamente. Até que, ao confrontar dois bandidos, um deles menciona o
Ravager, criminoso que ele enfrentara no começo da história e supostamente não teria
nenhuma ligação com o crime em andamento.
Batman (pensamentos em recordatário): Alfred's voice keeps
running through his mind: "We're not brutalizers. We've got to think with
our heads, not with our fists". Think... with... our... heads. Think!
Something is wrong... Something... The punk mentioned the Ravager.
There's a connection with the Ravager? Think with our heads, not
with our fists. (...) It's all been there all along. Zwei Brothers
Warehouse. Zwei is germany for two. Think with your head! He curses
himself -- What were you doing? What were you thinking with? (A voz
de Alfred ainda ecoa em sua mente. “Não somos brutamontes.
Pensamos com a cabeça, não com nossos punhos". Pensamos...
com... nossas... cabeças. Pense! Algo está errado... O canalha
mencionou o Ravager. Há uma ligação com o Ravager? Pensamos
com nossas cabeças, não com nossos punhos (...) Mas era tão
óbvio. Depósito Irmãos Zwei. Zwei é dois em alemão. Pense com sua
cabeça! Ele amaldiçoa a si próprio -- O que você estava fazendo? No
que estava pensando?).
Figura 14
Batman fita, pensativo os próprios punhos, refletindo sobre a fala de Alfred.
259
Batman (pensamentos em recordatário): And Batman knows the
sad, ludicrous answer, he wasn't thinking. He was acting and reacting.
Otherwise he would have realized long ago that Two Face was back. (E
Batman sabe a triste e ridícula resposta, ele não estava pensando.
Estava agindo e reagindo. De outra maneira, já teria percebido há
muito tempo que o Duas Caras estava de volta).
Tal seqüência retoma e reforça a idéia de que a inteligência é mais importante que as
habilidades físicas. Não basta ser forte, ágil; é preciso pensar, pois só assim se pode
descobrir quem são os inimigos e como derrotá-los.
A inteligência também é uma característica presente em Dick Grayson (Nigthwing),
que, apenas olhando as fotos tiradas por Tim das últimas atuações do Batman,
consegue deduzir o envolvimento de Two Face.
Dick: These pictures. Two Face is back in town, isn't he? (Estas fotos.
Duas Caras está de volta à cidade, não é?)
Tim: You can tell just from them? Wow! You're better than I ever
though. (Você pode dizer isso apenas por elas? Uau! Você é melhor do
que eu sempre pensei).
Em Timothy Drake também são ressaltadas as habilidades intelectuais. Ao ver uma
transmissão de Batman e Robin prendendo um criminoso, com uma única pista vista,
ele conseguiu desvendar a identidade da dupla.
Tim: C'mon Dick -- that flip you did as Robin. It was a quadruple
somersault. The circus ringmaster said only three people could do that.
I knew that somersault. Knew it like I knew my own name. And it all
made sense. Batman showed up at circus and took you with him. About
six month later, Robin made his first appearance. If you were Robin,
and you were Bruce Wayne's ward -- I realized Bruce Wayne was
Batman (Por favor, Dick -- Aquela manobra que você fez como Robin.
Era um mortal quádruplo. O mestre de cerimônias do circo disse que só
três pessoas no mundo poderiam fazer aquilo. Eu conhecia aquele
salto. Conhecia-o como conhecia meu próprio nome. E tudo fez
sentido. Batman apareceu no circo e levou você com ele. Cerca de seis
meses depois, Robin fez sua primeira aparição. Se você era Robin e
era pupilo de Bruce Wayne, eu percebi que Bruce Wayne era Batman).
Também é destacado o lado emocional de Batman na história. Seu descuido,
conforme Alfred ressaltou em sua conversa com Bruce, é em decorrência da morte de
Jason Todd (Since Master Jason's death, your attention to details has been…
unimpressive to say the least - desde a morte de mestre Jason, sua atenção para os
detalhes tem sido inexpressiva, para dizer o mínimo).
(1)
Tim (pensamentos em recordatário): Bruce hasn't been the same
since he [Jason] died. The newspapers don't know about Robin's death
260
but even they've had stories about Batman acting… well, acting
differently. He seemed happier with Dick. Now, I guess it's like he just
doesn't care. (Bruce não parecia mais o mesmo desde que ele [Jason]
morreu. Os jornais não souberam da morte de Robin, mas mesmo eles
tinham histórias sobre Batman agindo... bem, agindo diferente. Ele
parecia mais feliz com Dick. Agora, eu acho que é como não se
importasse com nada).
(2)
Dick: Tim is right -- Batman's acting like a bull in a china shop. But he's
not invulnerable and he's barely paying attention to the danger. (Tim
está certo -- Batman está agindo como um touro em uma loja de
porcelana chinesa. Mas, ele não é invulnerável e mal está se atentando
ao perigo).
Apesar de ser alguém com determinação e força de vontade maiores do que a de
grande parte das pessoas, Batman também tem seu lado humano, é vulnerável e se
deixa afetar pelas tragédias que ocorrem em sua vida (morte de Jason) a ponto delas
influenciarem em sua atuação.
Ao mesmo tempo, ao lado desse aspecto humano, também temos Batman como
símbolo. Quando Timothy tenta convencer Dick a voltar a ser Robin, esse sentido de
símbolo começa a ser delineado:
Dick: When Jason died, he took Robin with him. And no matter how
much anybody wants it, you can't bring back the dead. (Quando Jason
morreu, ele levou Robin consigo. E não importa o quanto alguém
queira, você não pode trazer os mortos de volta).
Tim: […] I... I was only thinking of the team… of what Batman and
Robin meant! You can't let a legend die like that, Dick. (...) (Eu... Eu só
estava pensando na equipe, no que Batman e Robin representam.
Você não pode deixar uma lenda morrer assim, Dick).
Figura 15
261
Na figura acima, o sentido também se apresenta, mas através da imagem. Quando
Tim segura o uniforme, a ilustração da roupa se destaca juntamente com o garoto.
Alfred aparece em um canto, mal é possível notá-lo. Contudo, o grande destaque da
cena é o uniforme, em primeiro plano. Os traçados ao redor da vestimenta dão a
impressão de que ela está iluminada, quase como algo sagrado.
Essa questão do símbolo é explicitada abertamente quando Tim tenta convencer
Batman de que ele precisa ter um Robin ao seu lado:
Tim, para Batman: Batman has to have a Robin. (…) Then if not for
you -- for those criminals you hunt down. You want them to think they
can get away with murder? Batman, if they think they can kill someone
like Robin -- who are they going to hunt down next? I don't know why
you decided to wear that costume -- but it makes you a symbol. Just as
Robin was a symbol. Or Superman. Or Nigthwing. Or the policeman
who wears his uniform. And this isn't just a symbol of law. It's a symbol
of justice. When one policeman is killed, others take his place because
justice can't be stopped. And Batman needs a Robin. No matter he
thinks what he wants. (Batman precisa de um Robin (...) Se não por
você - pelos criminosos que você caça. Quer que eles pensem que
podem se livrar de assassinato? Batman, se eles acharem que podem
matar alguém como Robin, quem eles vão caçar da próxima vez? Não
sei porque decidiu usar esse uniforme, mas ele faz de você um
símbolo! Assim como Robin era um símbolo. Ou Superman. Ou
Nigthwing. Ou qualquer policial que usa seu uniforme. E isto não é só
um símbolo da lei. É um símbolo da justiça. Quando um policial é
assassinado, outros tomam o seu lugar porque a justiça não pode
parar. E o Batman precisa de um Robin, não importa o que ele pense
que quer).
Batman e Robin são mais que as pessoas que usam os uniformes. Eles representam
algo (lei, e principalmente justiça), são lendas, o que remete a algo grandioso, imortal,
que transcende aqueles que usam as máscaras e as alcunhas, como o próprio
Batman admite:
I created Batman to project an image. It succeeded. To be effective, the
symbol has to be greater than the reality. Batman and Robin. Maybe
they have to be a team. (Eu criei Batman para projetar uma imagem. E
funcionou. Para ser efetivo, o símbolo precisa ser maior que a
realidade. Batman e Robin. Talvez eles tenham que ser uma equipe).
Categoria 3: Batman na relação com outrem.
Batman na relação com as autoridades legitimadas
A relação de Batman com as autoridades legitimadas, representadas na história pela
figura de James Gordon, o comissário de polícia, é uma relação de mútua cooperação.
262
Ao prender dois criminosos, Batman deixa um bilhete para Gordon (figura 2), como se
eles fossem um presente de Batman para a polícia (For Gordon. Keep under wrap. Para Gordon. Mantenha embrulhado).
E embora Batman não trabalhe na polícia, eles trocam informações entre si. Quando
Batman descobre que quem está por trás de todos os crimes da história é Two Face, o
herói visita Gordon, para avisá-lo.
Figura 16
Do mesmo modo que, quando Two Face seqüestra os irmãos Wrigth, Gordon entra
em contato com Batman para pedir ajuda.
Comissário (em contato direto via rádio com o helicóptero de
Batman): Batman... Someone's kidnapped the Wright twins. Two Face
do you think? (Batman... Alguém raptou os gêmeos Wrigth. Seria o
Duas Caras?)
Batman: Commissioner, we both know Harvey still has sources in the
force. If he learns I'm on Paradise Beach, he'll realize it's a trap. This is
between us. Nobody else. The Wrigth Twins? Of course that's him. But I
can't follow it up now. I've already laid the bait. Commissioner -- keep
me informed. (Comissário, nós dois sabemos que Harvey ainda tem
263
informantes dentro da policia. Se ele souber que estou em Paradise
Beach, vai saber que é uma armadilha. Isso é entre nós dois. Os
gêmeos Wrigth? Claro que foi ele. Mas não posso cuidar disso agora.
Já lancei a isca. Comissário, me mantenha informado).
Desse diálogo podemos apreender que a relação entre Batman e Gordon é estreita, a
ponto de o comissário ter acesso à freqüência de rádio utilizada pelo vigilante, mas
também que, apesar dessa proximidade entre Batman e Gordon, nem todos os
policiais são confiáveis. Alguns deles, mesmo supostamente servindo à lei, estariam
agindo como criminosos ao trabalharem como informantes de Two Face.
Durante as investigações do seqüestro dos garotos mencionados, a idéia de
proximidade entre Batman e a policia é feita também apenas através da imagem.
Figura 17
Batman vai até o local do crime, a casa dos meninos seqüestrados; a primeira cena
mostrada é a paisagem externa, com o Batmóvel e as viaturas estacionados lado a
lado, indicando mais uma vez a proximidade entre a personagem e a polícia.
Dentro da casa, é com Gordon que ele observa a cena do crime. Contudo, Batman
compartilha com o comissário apenas o que acha necessário, partindo quando lhe
convém.
264
Figura 18
Essas saídas abruptas de Batman, tanto nesta cena quanto na figura acima, dão um
sentido de independência da personagem em relação à polícia. Ele trabalha com ela e
não para ela.
Apesar disso, o próprio Batman admite a necessidade dessa mútua cooperação:
Batman: I made a mistake. I could have called Gordon to handle the
rescue, or to have his men stake out Club Gemini. But, because I've
been trying to do everything myself, Two-Face got away. (Cometi um
erro. Eu devia ter dito a Gordon para cuidar do resgate ou colocar seus
homens para cercar o Clube Gemini. Mas, porque eu tentei fazer tudo
sozinho, Duas Caras fugiu).
Batman na relação com colaboradores
A relação que Batman estabelece com seus colaboradores vai além do auxílio ao
combate ao crime.
Tim: Alfred, did Dick and Alfred always act like that? I mean, I never
expected Batman and Robin to fight like they were in competition. […]
(Alfred, Dick e Bruce sempre agiram assim? Quer dizer, eu nunca
esperava que Batman e Robin se enfrentassem como se eles
estivessem em uma competição [...]).
Alfred: [...] no, they were far more like father and son than rivals. I've
long felt when Master Dick moved to New York, master Bruce took on
265
Jason Todd not only to replace his partner -- but surrogate son as well.
It's armchair psychology at best, lad, but as much as he would
probably deny it -- I believe master Bruce is almost as obsessive about
family as he is preventing crime. ([...] não... eles eram mais como pai
e filho do que rivais. Eu senti que quando o mestre Dick mudou-se
para Nova Iorque, mestre Bruce não aceitou Jason Todd apenas como
substituto de um parceiro -- mas como filho também. Sei que parece
psicologia barata, rapaz, mas, mesmo que ele provavelmente negue
isso - acredito que o mestre Bruce é quase obcecado com família
como o é com sua prevenção ao crime).
A relação que se atribui a eles é familiar, ultrapassa a cooperação na missão de caçar
criminosos, denotando envolvimento afetivo entre eles, o que ocasionalmente leva a
conflitos (I never expected Batman and Robin to fight like they were in competition).
Figura 19
Timothy: É verdade Dick. Ele [Batman] precisa ter um parceiro de
novo. Alguém com que se preocupar… Alguém que se preocupe com
ele.
Dick: Eu não acredito nisso. Aquele homem me criou. Eu passei pelo
inferno com ele e por causa dele. Não me dê lições sobre Bruce até
você ser cuidado por ele e amado por ele tanto quanto eu fui. E a
primeira coisa que ele me ensinou foi como me tornar homem... não
como voltar a ser criança novamente.
A expressão no rosto de Dick, denotando raiva, o modo quase violento como ele
segura Tim, reforça sua fala (I´ve gone through hell with him and because of him - eu
passei pelo inferno com ele e por causa dele), indicando que seu relacionamento com
Batman não é fácil, e sim, conturbado. Entretanto, ainda assim, foi Bruce que o criou,
quem o ensinou a se tornar homem.
E é exatamente este o ponto de conflito entre Nightwing e Batman: a dificuldade de
Batman em aceitar que Dick é agora alguém independente, com vida própria [líder do
266
grupo de super-heróis chamados New Titans], ao passo que Dick tenta mostrar para
Bruce que é alguém tão capaz quanto Batman.
Batman: I was wondering when you'd show. (Estava me perguntando
quando você iria aparecer)
Nightwing: No hellos, how-are-yous? Not even impressed that I put it
all together [as pistas do Two Face]? (Sem olás ou como-vais? Não
está nem um pouco impressionado por eu ter juntado tudo [as pistas do
Two Face]?).
Batman: I expected you would, though not this quickly. (Eu já
esperava que o fizesse, mas não tão rápido).
Nightwing: I was taught by the best. So what's up? (Eu fui ensinado
pelo melhor. E aí, o que aconteceu?).
Batman: I think Two Face may be waiting for us (Eu acho que Duas
Caras deve estar esperando por nós).
Nightwing: No. I meant why did you contact me? (Não, eu quis dizer
por quer você me contatou?).
Batman: I nee... I could use your help (Eu preci... Eu poderia usar sua
ajuda).
Nightwing: I'm here. Anytime. We go in together, rigtht? (Estou aqui. A
qualquer hora. Vamos entrar juntos, certo?).
Batman: No, we can't permit him an escape route. You take the rear
entrance. I'll take the front. (Não, nós não podemos permitir a ele uma
rota de fuga. Você cuida da saída dos fundos. Eu cuido da frente).
Nightwing: Why not let me take the direct route and throw him a loop?
He knows you're coming. (Por que não me deixa ir pela frente e pegá-lo
no laço? Ele sabe que você está vindo).
Batman: Which is why you act as back-up. He won't expect it covered.
You're not with the Titans now. If you want to be with me, you follow my
orders. Now do as I say. (Por isso você vai agir como reforço. Ele não
espera ninguém de cobertura. Você não está com os Titãs. Se quiser
vir comigo, obedeça às minhas ordens. Agora faça como eu disse).
Esse diálogo deixa expressa essa relação tensa entre eles. Nightwing tentando se
provar para Batman (Not even impressed that I put it all together? – Não está nem um
pouco impressionado por eu ter juntado tudo?), e, apesar de admitir o talento de Dick
(I expected you would, though not this quickly - Eu já esperava que o fizesse, mas não
tão rápido), Batman não consegue explicitar que precisa (I nee...) de Nigthwing e se
coloca como autoridade inquestionável (If you want to be with me, you follow my
orders. Now do as I say. - Se quiser vir comigo, obedeça às minhas ordens. Agora
faça como eu disse).
267
Apesar desse conflito, existe uma relação de cooperação entre eles; quando precisa
de ajuda, Bruce entra em contato com Dick. Ambos preocupam-se também com o
bem-estar um do outro:
(1)
Dick: But you [Tim] are right -- Batman needs me. And maybe instead
of arguing with him, I should try to help him. (Mas você [Tim] tem razão
-- Batman precisa de mim. E talvez ao invés de brigar com ele eu
deveria tentar ajudá-lo).
(2)
Bruce (pensamento, dentro da casa de Two Face, que ele e
Nightwing invadiram juntos): And where's Dick? Why isn’t he
following my orders? I can't protect him unless... (E onde está Dick?
Por que ele não segue minhas ordens? Eu não posso protegê-lo a não
ser que...).
A preocupação de Batman é envolta em um caráter de autoridade (Why isn’t he
following my orders? I can't protect him unless... - Por que ele não segue as minhas
ordens? Eu não posso protegê-lo a não ser que...) que precisa ser compreendido
tendo em vista principalmente o contexto da relação dos dois, mas também sob o
contexto da morte do segundo Robin, Jason Todd, morto pelo Joker em Death in the
Family. A perda de alguém próximo afetou profundamente Batman, influindo no
comportamento da personagem:
(1)
Tim (para Dick): And then there were all those reports about Batman
on the rampage. He seemed to get so much more violent after Jason
died. (E então, havia todos esses relatos sobre os excessos de
Batman. Ele parecia muito mais violento depois que Jason morreu).
(2)
Alfred (para Dick): Master Bruce has not been the same since he lost
Robin a second time. (Mestre Bruce não tem sido mais o mesmo
desde que perdeu Robin uma segunda vez).
A frase I can't protect him unless... (Eu não posso protegê-lo a não ser que...) denota
essa preocupação de que tragédia similar aconteça com Grayson. Também leva a um
repúdio inicial de Batman ao novo Robin, Tim, quando o garoto decide se tornar o
Robin.
268
Figura 20
Batman: Não sei quem você é, mas não é o Robin. Não existe mais
Robin.
Ele tira abruptamente a máscara do rosto de Tim, expressando também em suas
ações essa rejeição, conseqüente da tragédia:
Batman: [...] one boy died wearing that costume. I'm not taking that
risk a third time. ([…] um garoto morreu usando este uniforme. Não
vou me arriscar uma terceira vez).
Mas, como Tim ressalta várias vezes no decorrer da história, para Dick, para Alfred e
para o próprio Batman: Batman precisa de um Robin. A questão é: por quê? Além da
questão de os dois representarem um símbolo que transcende as pessoas que usam
os uniformes, conforme vimos na categoria 2, existe um aspecto pessoal nessa
relação:
Tim: But since Jason died, everyone's noticed how you've changed.
You need someone to make you slow down just a bit and wonder what
could happen. I mean, how many times have you been hurt these past
months? (Mas desde que Jason morreu, todo mundo percebeu como
você mudou. Você precisa de alguém para conter você um pouco e
pensar no que pode acontecer. Quero dizer, quantas vezes você foi
ferido nesses últimos meses?).
Batman: So, for my safe, I should put some child in danger? (Então,
para minha segurança, eu devo pôr uma criança em perigo?)
Tim: No, that’s not it... (Não, não é isso...).
Tim tenta explicar que a chave da questão não está no fato de colocar uma criança em
risco pelo bem de Bruce; contudo, ele próprio já dera a resposta para a importância de
269
Robin na vida de Batman para além da questão da efetividade do símbolo, na figura
19, ao conversar com Dick: He needs a partner again. Someone to care about,
someone who cares about him… (Ele precisa ter um parceiro de novo. Alguém com
que se preocupar… Alguém que se preocupe com ele).
Robin serve também como alguém que lembra a Batman esse seu aspecto humano e
vulnerável. Alguém que o lembre que ele mesmo tem limites e que há pessoas
próximas que se importam com ele e com quem ele precisa se importar.
No que diz respeito a Tim, tanto Alfred quanto Dick elogiam seu desempenho a Bruce.
Elogio que sintetiza as características necessárias a um combatente do crime
(inteligência e habilidades físicas), e, simultaneamente o aproxima de Dick, seu
antecessor como Robin.
Alfred: Sir, you should have seen him confront Two Face. You would
have been proud. (O senhor precisava ter visto Tim brigando com
Duas Caras. Teria ficado orgulhoso.
Dick: His instincts for detective work are astounding. (Seus instintos
de detetive são impressionantes)
Alfred: And his acrobatic ability is quite remarkable. He's almost as
brilliant as was Master Dick. (E suas habilidades acrobáticas são
notáveis. Ele é quase tão brilhante quanto o mestre Dick era).
Outra a aproximação entre Dick e Tim é feita na história. Quando Batman, ainda
relutante, diz para Tim: What I do is dangerous! (O que eu faço é perigoso!), o garoto
responde: I know. And that's exactly why you need me. (Eu sei. E é por isso que você
precisa de mim). Mesmo sabendo dos riscos que poderá correr, Tim insiste em
mostrar a Batman a necessidade de tê-lo (ou pelo menos de ter um Robin) como
parceiro.
Esse diálogo é similar ao que ocorreu entre Batman e Dick na história que introduz o
primeiro Robin, em 1940:
Batman: [...] I'll make you my aid, but I warn you, I lead a perilous life.
(Eu vou fazer de você meu ajudante, mas devo avisá-lo, eu levo uma
vida perigosa).
Dick: I’m not afraid. (Eu não tenho medo)
Essa similaridade conecta as duas gerações de Robins e reforça a idéia de que Tim é
o candidato ideal para ser parceiro de Batman.
270
Batman em relação às vítimas dos crimes
As vítimas de crimes nessa história aparecem em segundo plano na trama. Sua
função é apenas serem salvas por Batman; sequer têm uma fala durante a seqüência
em que aparecem.
São utilizadas para mostrar que tipo de pessoas são alvo da preocupação de Batman
(Kids in jeopardy! If that doesn't draw out Batman, nothing can - Crianças em perigo!
Se isso não atrair o Batman, nada mais pode), e, sendo crianças, são o exemplo
máximo de desprotegidos.
Também são usadas para fazer uma conexão com Jason Todd, o falecido Robin, e
reforçar o quanto essa perda pessoal afetou o Batman.
Figura 21
Batman: Eu estou puxando o mecanismo para baixo enquanto corto a
corda. Se você me escutar, vai sair dessa vivo. Então, não banque o
herói, certo? Apenas faça como eu digo, Jason -- Jason?!? Meu Deus!
Oh, meu Deus.
Batman mostra o cuidado com essas vítimas. Além de resgatá-las e afastar o fator que
ameaça suas vidas (a bomba), existe a preocupação de acalmá-las, fazê-las sentiremse seguras (If you listen to me, you´ll make it out alive. - Se você me escutar, vai sair
dessa vivo).
271
Esse cuidado e essa preocupação em reconfortar são visíveis no flashback da morte
dos pais de Grayson, quando ele pousa as mãos protetoramente nos ombros de Dick
e permanece ao seu lado até removerem os corpos dos pais do menino (figura 7).
Batman em relação com aos criminosos
Na história são apontados os tipos de criminosos que Batman enfrenta: (1) assassinos
fortes, cujas motivações são incompreensíveis (Ravager, o assassino de dois policiais,
que seguiu suas vítimas até suas casas e ceifou suas vidas sem nenhuma razão
aparente, e ainda matou um casal de irmãos cantores diante de seus fãs sem mostrar
nenhuma conexão entre os crimes - figura 1); (2) quadrilhas e traficantes, de acordo
com as manchetes de jornais que mencionam as atuações do Batman; (3) mafiosos
italianos como Giuseppe Scalatto, que acumulou fortuna entrando para os negócios da
família (The Family), outra designação para Máfia; (4) ou ladrões, como aqueles que
invadiram um depósito para roubar livros.
Embora essa variedade de criminosos seja apontada, o grande inimigo de Batman na
trama é o vilão Two Face (Duas Caras). Inclusive é ele quem está por trás dos crimes
do Ravager e quem propõe a Giuseppe Scalatto o plano que leva os dois ladrões ao
depósito de livros a ser assaltado.
A obsessão pelo número dois, apontada no decorrer da história e marca registrada de
Two Face, está presente nesta conversa com o mafioso (You have a couple of your
boys that have been causing you trouble. [...] We can take them out and Batman at
same time. Two for price of one. - Você tem uma dupla de seus rapazes que está lhe
causando problemas, não? [...] Podemos nos livrar deles e do Batman pelo preço de
um), embora a figura do vilão não seja imediatamente mostrada, criando suspense e
valorizando o raciocínio do Batman em descobrir quem ele realmente é, conforme
comentamos na categoria 2. Apenas na seqüência do assalto ao armazém é que
descobrimos que é Two Face quem está por trás de tudo.
Essa capacidade de conceber um plano envolvendo outros criminosos cujas ligações
entre si seriam mínimas - o mafioso Scallato e o matador Ravager - já revela uma
grande capacidade intelectual por parte de Two Face. Ele é retratado como alguém
genial e, simultaneamente, insano.
A loucura de Harvey Dent (Two Face) é revelada ao se destacar essa cisão de sua
personalidade, já implícita em seu nome, como o próprio Batman aponta ao se referir
272
ao criminoso (He has psychotic need to achieve two goals with each crime - Ele tem
uma necessidade psicótica de traçar duas metas em cada crime), ou através da
própria representação física do personagem. Metade do corpo normal, fisicamente
intacta, usando roupas claras; a outra metade com a face destroçada e monstruosa,
vestida com roupas escuras. É como se Two Face possuísse um lado maligno e um
outro benigno, apesar de a sobrevalência do seu lado ruim sobre o bom fosse maior e
o levasse a cometer os crimes.
Two Face: Who are you? (Quem é você?)
Voz no rádio: Who am I? Better ask who we are. C’mon, pal -- I'm you,
you're me. Ta ta Guess what? Congratulations! You've succeed! You're
officially Schizoid. […] Look in the mirror, pal. You're talking but your
lips aren't moving. If that ain't proof that you're several chapters shy a
book, nothing is. (Quem sou eu? Melhor perguntar quem somos nós.
Vamos lá, cara -- eu sou você e você sou eu. Ta ta adivinha?
Parabéns! Você conseguiu! Você é oficialmente esquizofrênico [...].
Olhe só no espelho, cara. Você está falando mas seus lábios não estão
se movendo! Se isso não for prova de que você é maluco, eu não sei o
que é).
Figura 22
Voz no rádio: We are writing what do we want to do? (Nós estamos
escrevendo o que queremos fazer?)
Two Face: I don't want to any more. (Eu não quero mais).
Voz no rádio: Sure you do. You just don't know it. (Claro que quer. Só
que você não sabe disso).
273
(...)
Two Face: Okay, okay. We’ll kill Batman (Está bem, está bem. Nós
vamos matar o Batman).
Figura 23
Enquanto as falas do diálogo indicam essa loucura do criminoso (You're talking but
your lips aren't moving. If that ain't proof that you're several chapters shy a book,
nothing is. -- Você está falando, mas seus lábios não estão se movendo! Se isso não
for prova de que você é maluco, eu não sei o que é), as imagens mostram o conflito
em ceder a esse lado criminoso, expresso na fala: "Eu não quero mais". As mãos
postadas sobre a cabeça e traços tremidos ao redor do corpo, como se a personagem
estivesse se forçando a raciocinar melhor, a não escutar a voz; o punho cerrado,
levemente tremido, indica inconformidade ao admitir (Okay, okay. We’ll kill Batman. -Está bem! Nós vamos matar o Batman), a expressão corporal cabisbaixa com a mão
cobrindo parte do rosto, denotando desconsolo ao ceder a este lado maligno.
Embora ao final da história descubramos que Two Face era manipulado por uma outra
pessoa, possivelmente o Joker (pela caracterização física mostrada no detalhe do
último quadro da história: pele clara, boca vermelha e risonha, marcas registradas da
personagem), este fato não diminui a insanidade de Two Face nem o conflito entre
suas duas metades.
Voz do rádio (Joker): Dent, you're such a fool. You were hiding out,
safe and sound. Your ridiculous coin told you to give up crime, forever.
And you would have, if I hadn't found you. (Dent, você é um tolo. Você
estava escondido, são e salvo; sua moeda ridícula tinha mandado você
desistir do crime para sempre. E você teria, se eu não o tivesse
achado).
274
O Joker apenas manipulou essa dualidade interna do Two Face, fingindo ser a
contraparte maligna, anulando a decisão da contraparte benigna de deixar o crime
(Your ridiculous coin told you to give up crime, forever - Sua moeda ridícula tinha te
mandado desistir do crime para sempre).
Mesmo sem a voz do Joker a manipulá-lo, Two Face continua mostrando essa cisão
interna e desequilíbrio mental:
Two Face: You see? I´ve done it. I told I could make it work. Set up a
mystery. Get them involved with solving it than worrying about their own
safety. Then, when they're congratulation themselves on their
discovery... (Você viu? Eu consegui! Eu disse que eu poderia fazer dar
certo. Armei um mistério. Fiz com que eles ficassem mais envolvidos
em solucioná-lo que com sua própria segurança. Então, enquanto
estavam se parabenizando por suas descobertas...)
Figura 24
Two Face: Bum. Mas ainda não acabou, acabou, Harvey, garoto? Nós
ainda temos milhas pela frente antes de descansarmos. Por que você
diz 'nós'? Você sou eu. Meu outro eu! Eu estou falando sozinho de
novo, não estou? Não estou? Responda!
O rosto de Harvey mostrado em close é separado por um pequeno espaço entre os
quadros, para explicitar via imagem a cisão interna. O balão que mostra seu lado
deformado possui as bordas tremidas como uma forma de diferençar esses dois lados
e também para indicar o caráter perturbado dessa metade.
O close na moeda no fim da seqüência é importante, pois ela também se constitui
como elemento da patologia de Two Face; ela possui um dos lados riscados (pelo
275
próprio Two Face), que corresponderia ao lado corrompido do vilão. E é através da
moeda que ele toma suas decisões mais importantes e também que seu lado benigno
tem a oportunidade de ocasionalmente se manifestar, como Joker já mencionou (Your
ridiculous coin told you to give up crime, forever - Sua moeda ridícula tinha mandado
você desistir do crime para sempre).
Figura 25
Two Face: M - mas... eu não posso. Não sem minha moeda me dizer o
que fazer. Vinte e dois milhões dependem disso. Deus, há muita coisa
em jogo.
Contudo, além do contraponto de Harvey com ele próprio, o principal contraponto
apontado é entre ele e Batman.
Two Face planeja um modo de assassinar o Batman, utilizando-se de um crime duplo
que possa atrair o herói; enquanto isso, Batman tenta conceber uma isca baseada na
obsessão de Two Face pelo número dois para, finalmente, capturá-lo.
Figura 26
276
Os dois são representados em interações e atitudes semelhantes (fitando a lua,
manipulando objetos que caracterizam a moeda, o gancho em forma de morcego que
Batman usa para saltar entre prédios), e tentam seguir uma linha de raciocínio similar.
Two Face: Explodir as Torres Gêmeas? Talvez! Vamos deixar a
moeda decidir [cai na face limpa]. Está cada vez mais difícil planejar
crimes duplos. Talvez eu devesse alterar o resultado só dessa vez...
[lanço a moeda, mas não chego a ver o resultado] Não, explodir as
torres seria óbvio demais. (...) Batman é um cara brilhante. Preciso de
algo inesperado e mortal. Pense, homem, pense! Preciso raciocinar
como Batman... Duas mentes em uma só!
Batman: Bruce Wayne poderia patrocinar algum evento nas Torres
Gêmeas de Gotham pelo Bicentenário da cidade. Isso criaria dois alvos
possíveis: o dinheiro e eu! Harvey possui uma necessidade psicótica
de ter duas metas em cada crime. Eu sei como ele pensa e preciso
aproveitar isso (...) Pense homem, pense! Preciso raciocinar como ele.
Duas mentes numa só.
Two Face: Batman espera que eu roube algo grande, mas não
exagerado (...) Sim. Claro! Amanhã será seu último dia de vida,
Batman!
Batman: Preciso atraí-lo com algo que ele possa roubar (...) Sim!
Claro! Sua vida de crimes termina amanhã, Two Face.
Apesar dessa semelhança de linha de raciocínio, as diferenças entre eles já são logo
assinaladas. A mais visível está nos objetivos finais de cada um. Two Face deseja
cometer um crime, matar o Batman, (amanhã será seu último dia de vida, Batman),
enquanto Batman pretende capturar o criminoso (sua vida de crimes se encerra
amanhã, Two Face).
Two Face toma suas decisões baseadas no seu comportamento patológico (“vamos
deixar a moeda decidir”), enquanto Batman tenta usar a lógica, o conhecimento prévio,
para guiar seu raciocínio ("Eu sei como ele pensa e preciso aproveitar isso").
Mas, a diferença entre eles também é pautada através das imagens. Elas os
apresentam em situações similares, porém os detalhes que os representam também
os diferenciam. Suas imagens, colocadas lado a lado, não são correspondentes, mas
sim espelhadas, ou entram em oposição uma em relação à outra.
277
Figura 27
Essa composição de imagens transmite e reforça a idéia de que Batman e Two Face
são opostos entre si, apesar de possuírem uma conexão. Levando-se em
consideração o contexto da história e da própria personagem Two Face, pode-se
pensar na metáfora de "dois lados de uma mesma moeda", ou o lado bom
(representado pelo Batman) e o ruim (representado pelo Two Face).
Apesar de usarem a mesma linha de raciocínio, os dois chegam a conclusões
diferentes.
Batman arma uma armadilha em um cassino, o Clube Gemini (gêmeos - apontado
para a fixação de Two Face pelo número dois), reforçando a isca com um prêmio de
vinte e dois milhões de dólares, doados por Bruce Wayne (alter-ego de Batman) para
um campeonato de pôquer. Já Two Face seqüestra dois irmãos gêmeos, os Wright, e
os amarra no alto de uma ponte para atrair Batman.
278
Figura 28
Novamente a semelhança de raciocínio e a oposição de posicionamento entre as duas
personagens são destacadas.
Na imagem, a angulação das construções nos quadros é semelhante. Batman é visto
em cima do prédio; Two Face, na parte baixa da ponte. Seus pensamentos são
equivalentes:
Batman: Bruce Wayne teve que garantir o prêmio, mas valeu a pena.
Two Face: Queimei todos os meus cartuchos para fechar essa ponte,
mas valeu a pena.
Batman: Se conheço Harvey, ele não vai resistir.
Two Face: Se conheço o Batman, ele não vai resistir.
Batman: Os irmãos Wright. Eu não posso ir! Capturar o assassino é
mais importante. Não posso.
Two Face: O Clube Gemini. Eu não posso ir. Matá-lo é mais
importante. Eu não posso ir.
Por fim, Batman opta por salvar os gêmeos, ao passo que Two Face resolve roubar os
vinte e dois milhões de dólares no clube, destacando o que é realmente importante
para cada um: salvar as crianças, no caso do Batman, e o lucro, no caso de Two Face.
279
Todavia, como já mencionamos, o comportamento patológico do criminoso - deixar a
moeda decidir – faz com que ele não retenha o dinheiro.
Embora Batman consiga apreender a linha de raciocínio de Two Face, existe um limite
de compreensão.
Figura 29
Este limite existe exatamente porque Batman consegue tentar pensar como o
criminoso, mas não pensa exatamente igual a ele. Enquanto Batman usa a lógica
("ignorar o mistério e colocar todas as pistas juntas"), Two Face está imerso na
loucura. Ele possui uma racionalidade diferente, que ultrapassa até mesmo a
compreensão do Batman.
Categoria 4: Tematizações sobre justiça, vingança e lei.
Uma diferença entre justiça e lei é esboçada na história, mas a diferença entre elas
não chega a ser classificada.
Tim, para Batman: I don't know why you decided to wear that costume
-- but it makes you a symbol. Just as Robin was a symbol. Or
Superman. Or Nigthwing. Or the policeman who wears his uniform.
And this isn't just a symbol of law. It's a symbol of justice. When one
policeman is killed, others take his place because justice can't be
stopped. (Não sei porque decidiu usar esse uniforme, mas ele faz de
você um símbolo! Assim como Robin era um símbolo. Ou Superman.
Ou Nigthwing. Ou qualquer policial que usa seu uniforme. E isto não é
só um símbolo da lei. É um símbolo da justiça. Quando um policial é
assassinado, outros tomam o seu lugar porque a justiça não pode
parar).
280
Batman, Robin, Superman, Nightwing e qualquer policial, uniformizados, trabalham
tanto para a lei quanto para a justiça. Quando Tim diz "não só um símbolo da lei, mas
também da justiça", denota a justiça como algo maior que a lei. A justiça teria um
caráter grandioso, muito maior que aqueles que a servem: When one policeman is
killed, others take his place because justice can't be stopped (Quando um policial é
assassinado, outros tomam o seu lugar porque a justiça não pode parar). A justiça é
algo que transcende aqueles que trabalham em função dela.
281
3. 9 - Conclusão
Após examinarmos separadamente a análise de cada uma das histórias, pretendemos
correlacionar, em suas variantes e invariantes, os dados encontrados a partir das
categorias de análise.
Categoria 1: Função
Conforme nos foi possível apreender através da análise das histórias, pode-se
perceber que duas funções principais se destacam: a luta contra o crime e a
necessidade de proteger e salvaguardar as vítimas.
A forma como essas funções se apresentam variam em seus detalhes, modos de
ocorrer e motivações; mas, estruturalmente, se assemelham, no sentido de que se
constituem basicamente destes dois pontos: lutar e proteger.
A princípio, especialmente nas histórias publicadas em 1939 e 1940, a questão da luta
contra o crime é apresentada como função primordial. Batman é apontado como uma
figura que luta contra as forças do mal. Aqui, essencialmente, o que Batman faz é
afastar as ameaças através dessa luta, restituindo algo que fora tirado de seu devido
proprietário. Quando essas vítimas são vistas em cena, a preocupação de afastá-las
do perigo fica em segundo plano.
A única exceção explícita se faz em relação a Dick Grayson, futuro Robin, a quem
Batman leva para a sua casa com o intuito de impedir que venha a ser morto por
criminosos. Ainda assim, Robin não é apenas protegido, mas futuramente se converte
em um combatente do crime. Embora a luta possa se configurar, às vezes, como um
modo de proteção, ainda assim ela se destaca como o cerne das atitudes da
personagem. Não que o fator de ser um protetor não seja significativo, mas a principal
motivação de Batman, nesse período, é resolver o crime, derrotar o criminoso.
A própria fala da personagem explicita sua missão nesse período: My parents too were
killed by a criminal, that's why I've devoted my life to exterminate them. (Meus pais
também foram mortos por um criminoso, é por isso que eu devoto a minha vida a
exterminá-los).
Uma mudança de posicionamento começa a se delinear a partir de The Batwoman, de
1956; aqui, o caráter protetor passa a se sobressair à luta contra o crime. Tanto
Batman como Batwoman são designados como lutadores e campeões da lei. Mas,
282
embora continuem lutando contra o crime, seus atos destacados na história envolvem
primordialmente o salvamento de outras pessoas, principalmente um ao outro. Desse
modo, a primeira função que demonstram é a de salvadores. E é interessante notar
que não são apenas salvadores de qualquer pessoa, mas, principalmente, daqueles
que são os campeões da lei, aqueles que protegem e lutam pelas regras (leis)
estabelecidas; enfim, protegem alguém que possui os mesmos ideais que eles
próprios.
A partir das histórias dos anos 60, essa mudança se intensifica. Batman ainda se
apresenta como um lutador contra o crime, mas suas motivações principais passam a
ser as vítimas. Ele deseja dar-lhes uma oportunidade, se não a mesma, mas similar,
que ele e Dick tiveram ao se tornarem combatentes do crime em decorrência da morte
de seus respectivos pais. Ele almeja dar a essas vítimas uma chance de obterem
recursos para se reerguerem de suas tragédias.
É interessante, neste ponto, fazer um contraste entre as falas de Batman na história
que introduz Robin em 1940, e a fala da personagem em One Bullet too many, de
1969.
Introducing Robin the Boy Wonder (1940):
Batman: My parents too were killed by a criminal, that's why I've
devoted my life to exterminate them. (Meus pais também foram
mortos por um criminoso, é por isso que eu devoto a minha vida a
exterminá-los).
One Bullet Too Many (1969)
Bruce: Innocent victims such as Dick and I were - when our parents
were brutally slain! Their deaths were the births of Batman and Robin!
We were in the fortunate position to claim justice for ourselves - but
what of the less fortunates? (Vítimas inocentes como Dick e eu fomos quando nossos pais foram brutalmente mortos! Suas mortes foram o
nascimento de Batman e Robin! Nós estávamos na posição
privilegiada de clamar justiça por nossa conta - mas, e quanto aos
menos privilegiados?).
Em ambas as situações, Batman menciona a morte dos pais como fator motivador de
sua transformação em combatente do crime; contudo, o foco de sua missão muda. Na
história de 1940, a ênfase está no extermínio dos criminosos, enquanto na história de
1969 recai sobre o auxílio às vítimas, naqueles que são menos privilegiados. Batman
continua sua caça aos criminosos, mas não para exterminá-los, e sim para "para
desentocá-los de onde eles vivem e prosperam às custas de inocentes". Esses
283
inocentes passam a ser o principal fator motivador do combate aos criminosos, e não
apenas o seu mero aniquilamento.
Assim, a partir desse período, mesmo em situações nas quais a representação de
Batman como combatente é bem nítida e a luta contra o crime é tomada como uma
verdadeira guerra, na qual Batman e seus aliados são tomados como soldados, o
cerne de sua batalha continua sendo a proteção dos inocentes. Em Dark Knight
returns, de 1986, por exemplo, são as notícias sobre as vítimas que se tornam o
estopim para o seu retorno. O combate continua sendo importante, contudo suas
motivações estão assentadas no salvaguardar das pessoas de Gotham City.
Batman é aquele que traz estabilidade ao caos, que traz segurança a quem se sente
inseguro, mesmo que, para isso, recorra à violência extrema como método (aleijar um
criminoso para que ele fique tão aterrorizado a ponto de não querer mais cometer
delitos, caso volte a andar).
Por vezes a proteção se faz não apenas através do ato de salvar ou resgatar a vítima
sob risco; o caráter preventivo se mostra presente através do embate com os
criminosos. Destarte, Batman persegue o Joker, que está de posse de uma arma
nuclear, para impedir que esta seja usada por ele ou pelos terroristas para quem o
criminoso a venderia. Assim como também explode um arsenal de munições
encontrado em um acampamento terrorista para não ser utilizado posteriormente por
estes, ou impede que um comboio do letal gás do riso seja entregue para os famintos
desabrigados da Etiópia.
Em suma, correlacionando todas as histórias, chegamos às seguintes estruturas e
relações na categoria Função:
284
As funções de luta contra os criminosos e de proteção às vítimas estão
correlacionadas. A luta contra o crime leva à proteção das pessoas, e, em alguns
momentos, ela é a motivadora do combate. Para se prender os criminosos, prevenir
um crime, afastar as ameaças ou até mesmo restituir algo que é de direito dessas
pessoas (objetos roubados, segurança), usa-se o combate como meio.
O elemento punitivo apresenta-se sempre ligado ao combate aos criminosos. Ele pode
ser a finalidade desse embate, ou aparecer como um ganho secundário do
afastamento das ameaças. Inclusive o próprio ato de prender pode ser encarado tanto
como punição quanto como afastamento de ameaças.
O ponto está em que, em alguns momentos, a luta contra os criminosos se apresenta
como fator motivador; em outros, a proteção é o cerne da questão. Nas primeiras
histórias do Batman, conforme podemos apreender, o foco permanecia exatamente na
ênfase no embate e na captura ou extermínio dos criminosos, embora a proteção das
vítimas já se manifestasse. Aos poucos, o foco foi se invertendo: os embates com os
criminosos ainda são parte importante da missão de Batman e de seus aliados;
contudo, a proteção das vítimas passa a ser o motivo principal por trás desses
embates.
Essa mudança de foco se torna ainda mais clara na comparação que fizemos entre as
falas de Batman em 1940 e 1969. Mesmo considerando um trecho de 1986, em Dark
Knight returns, onde Batman também se refere aos pais mortos - afirmando que agora
sabia de modos adoráveis para punir o criminoso que os assassinou -, é a sua relação
com as vítimas que o faz deixar seu retiro, bem como o impacto das notícias dos
crimes associado às lembranças que carrega da morte dos pais.
A questão da proteção está presente em todas as histórias, seja de forma difusa, seja
de forma direta. Difusa, porque mesmo quando Batman combate apenas os
criminosos, ele não deixa de estar, indiretamente, tentando proteger a cidade das
ameaças criminosas. Contudo, nota-se claramente que, com o passar do tempo, a
posição de protetor, seja de uma população, seja de alguém próximo, torna-se mais
destacada e delineada como uma função do herói, configurando-se como sua principal
atribuição.
285
Categoria 2: Características
A exaltação das características físicas e intelectuais é uma constante no decorrer das
histórias. Batman é sempre extraordinário, embora em graus diferentes: algumas
vezes é quase sobre-humano, outras vezes é apresentado de modo mais realista.
Contudo, ainda que passe por sacrifícios físicos como ferimentos, fadiga, idade,
sempre são ressaltadas sua força de vontade e sua determinação, que fazem com que
ele sempre coloque o objetivo à frente de suas limitações. O mesmo acaba se
aplicando a seus aliados. Outros aspectos importantes são o destaque da cautela, da
preparação e da razão pautando os atos da personagem. Batman também é tomado
como símbolo.
Desde a primeira história observa-se que as características físicas de Batman e de
seus aliados são bastante ressaltadas. Eles são usualmente retratados como pessoas
com aspectos corporais (musculatura, tonicidade) bem desenvolvidos e mostrados em
situações cujas habilidades físicas (força, agilidade, capacidades acrobáticas) são
necessárias e destacadas.
Nas primeiras histórias, as habilidades físicas do Batman, principalmente a força, são
quase sobre-humanas. Nas histórias subseqüentes, especialmente a partir dos anos
60, mostra-se um Batman menos poderoso, com alguns pontos de vulnerabilidade.
Batman reage como um ser humano capaz de sofrer e fraquejar. Contudo, ainda
assim, ele não é um ser humano qualquer; suas determinação e capacidade de
resistência o colocam em um patamar acima das demais pessoas, conforme explicita
o trecho de uma seqüência de A Lonely Place of Dying, na qual Batman está quase
mortalmente ferido: If he were anyone else, he'd give in to his wounds with a final gasp
of blood-spattered air. But he is The Batman and this just makes him determined (Se
ele fosse qualquer outra pessoa, já teria sucumbido aos ferimentos com um último e
ensangüentado suspiro. Mas ele é O Batman, e isso o torna determinado).
Um outro aspecto que se faz presente desde a primeira história é a capacidade
intelectual de Batman e de seus aliados. Essa inteligência é reiterada em todas as
histórias, pois são as estratégias e deduções de Batman ou de seus aliados que
auxiliam a derrotar os inimigos.
Essas aptidões intelectuais apresentam-se como complementação às habilidades
físicas; contudo, a maior importância conferida ao intelecto é explicitamente ressaltada
na história A Lonely Place of Dying, de 1990, no diálogo entre Batman e seu mordomo
286
Alfred, onde este lembra ao herói a importância do planejamento e do raciocínio: I
distinctly remember when you first instructed Master Dick in combat, you said: "We're
not brutalizers. We've got to think with our heads, not with our fists (Lembro-me
claramente de quando você iniciou mestre Dick no combate, você disse: Nós não
somos brutamontes. Nós pensamos com nossas cabeças, não com nossos punhos).
A razão é utilizada não apenas como recurso de estratégia para se capturar ou
derrotar os inimigos; é pautado nela que Batman toma, durante a maior parte da
história, as suas decisões. É baseado em fatos concretos e em provas que ele
persegue os criminosos.
Soma-se a esse posicionamento de colocar a razão em primeiro plano o controle das
emoções e o cuidado consigo. Como Bruce (Batman) ressalta: A person's got to have
his head screwed on right for this line of work. (Uma pessoa tem que ter sua cabeça
no lugar certo para esse tipo de trabalho). É preciso um certo distanciamento
emocional, a calma, a paciência para agir e, inclusive, manter-se vivo.
Além dessas características pessoais de Batman e de seus aliados, existe outro
atributo importante vinculado à personagem: ela é destacada em seu aspecto
simbólico. Esse destaque já se mostra nas primeiras histórias: em Introducing Robin
the Boy Wonder, de 1940, a imagem de Bruce (Batman) e Dick (Robin) em primeiro
plano e suas sombras - referências indiretas aos seus alter-egos combatentes do
crime - se projetando, maiores, ao fundo, insinuam esse caráter. No decorrer da
trajetória da personagem, tem-se uma recorrência da questão de Batman como algo
muito maior que o próprio homem que veste a máscara. Ele é até mesmo comparado
a uma tempestade que, como a ira de Deus, cai sobre a cidade. Batman chega a ser
tomado como uma força primordial, quase imortal. A fala de Robin - Timothy -, em A
Lonely Place of Dying (1989 -1990) não deixa quaisquer dúvidas quanto ao caráter de
Batman como um símbolo:
Tim, para Batman: Batman has to have a Robin. (…) Then if not for
you -- for those criminals you hunt down. You want them to think they
can get away with murder? Batman, if they think they can kill someone
like Robin -- who are they going to hunt down next? I don't know why
you decided to wear that costume -- but it makes you a symbol. Just as
Robin was a symbol. Or Superman. Or Nigthwing. Or the policeman
who wears his uniform. And this isn't just a symbol of law. It's a symbol
of justice. When one policeman is killed, others take his place because
justice can't be stopped. And Batman needs a Robin. No matter he
thinks what he wants. (Batman precisa de um Robin (...) Se não por
você - pelos criminosos que você caça. Quer que eles pensem que
podem se livrar de assassinato? Batman, se eles acharem que podem
287
matar alguém como Robin, quem eles vão caçar da próxima vez? Não
sei porque decidiu usar esse uniforme, mas ele faz de você um
símbolo! Assim como Robin era um símbolo. Ou Superman. Ou
Nigthwing. Ou qualquer policial que usa seu uniforme. E isto não é só
um símbolo da lei. É um símbolo da justiça. Quando um policial é
assassinado, outros tomam o seu lugar porque a justiça não pode
parar. E o Batman precisa de um Robin, não importa o que ele pense
que quer).
Assim, no decorrer das histórias, foi possível apreender que Batman apresenta-se em
dois níveis: como pessoa, cujas características de maior destaque são as habilidades
físicas, intelectuais, a determinação, a ênfase na racionalidade, o planejamento, o
cuidado e a paciência, e também como representante de um ideal, estando ligado a
ele, mas não necessariamente coincidindo com ele. Pois, como símbolo, Batman é
depositário de algo maior que ele próprio: a justiça.
Categoria 3: Batman na relação com outrem
Batman na relação com as autoridades
Na relação de Batman com as autoridades, embora inicialmente se apresente de
forma indefinida, aos poucos se estrutura como uma relação de cooperação e assim
se mantém na trajetória da personagem, salvo em duas exceções que detalharemos
posteriormente. Contudo, vale ressaltar que, apesar de colaborar com a polícia,
Batman trabalha em paralelo a ela, de forma independente, agindo, por vezes, onde
ela não é capaz.
Na primeira aparição de Batman, em 1939, a relação que ele estabelece com as
autoridades é indefinida. Frente a essa indefinição, os policiais chegam até mesmo a
empunhar armas quando se encontram com Batman. Este, por sua vez, trabalha
isolado da polícia: não colabora, tampouco atrapalha. Nas histórias posteriores, a
relação entre Batman e as autoridades se estreita. A personagem é mostrada em
situações de colaboração com a polícia, conforme visto nas análises. Batman continua
agindo de forma independente e paralela, mas agora em colaboração, muitas vezes
intervindo em casos onde os recursos da polícia são insuficientes.
Nos anos 50, a relação de proximidade é, inclusive, figurada na existência de uma lei
que determina que nenhum outro homem, além do próprio Batman, pode envergar o
uniforme de Homem-Morcego na cidade onde ele atua. A existência de uma lei com tal
teor não deixa de indicar que, naquele momento, Batman é visto como um
representante legitimado da lei. Considerando a onda de conservadorismo que
288
dominou o mundo e os Estados Unidos nos anos 50, é apreensível que este seja o
período, dentre todos, em que foi possível notar uma proximidade maior entre Batman
e a lei.
Apenas em dois momentos, excetuando-se a indefinição da primeira história, pode-se
notar uma dissociação entre Batman e as autoridades. O primeiro ocorre em Dark
Knight returns, quando o governo norte-americano decide inibir as ações de Batman.
Como o próprio presidente americano ressalta, em outros tempos ele daria até mesmo
uma medalha a Batman; mas, naquele momento, suas ações são tomadas como
contestadoras do status quo e consideradas desmoralizantes e prejudiciais ao governo
no contexto em que a história se constrói.
O segundo rompimento parte do próprio Batman em A Death in the Family, quando
decide tomar para si a resolução final do destino do assassino de Robin, chegando até
mesmo a prejudicar as investigações oficiais. Contudo, o caso de A Death in the
Family se diferencia de Dark Knight returns em sua essência. Esses dois exemplos
específicos são dignos de nota por serem expressivos em relação ao momento em
que foram concebidos. Dark Knight returns foi escrita em 1986, em plena Era Reagan,
momento no qual um pessimismo frente às instituições era notável, e o
posicionamento de Batman como um contestador pode ser compreendido como um
reflexo do debate que já se fazia presente na sociedade do período. Já em A Death in
the Family, publicada em 1989, temos um retorno do conservadorismo no âmbito
político americano, e o posicionamento de Batman como contestador não faz mais
sentido como anteriormente. Inclusive, neste último, a contestação de Batman se dilui,
pois suas ações são motivadas por questões pessoais: a morte de Robin.
Batman na relação com os colaboradores
Na maioria dos casos, os colaboradores de Batman apresentam-se como aqueles que
vêm se somar a ele em sua batalha contra o crime. São apresentados em comparação
ao Batman, reforçando essa idéia de somatório, e possuem também atributos
semelhantes aos dele. Em todos os casos, também é Batman quem possibilita ou não
a sua permanência como combatentes do crime.
Dois outros significados importantes são atribuídos a esses colaboradores: (1) são
aqueles que darão continuidade ao trabalho de Batman, (2) se constituem como
família para Batman. Eles se fazem presentes não apenas para auxiliá-lo no combate
ao crime, mas se constituem como objeto de afeto para Batman. Essa relação mostra-
289
se também como um fator motivador na missão de combate ao crime, como uma
lembrança de que Batman tem com quem se importar e ainda quem se importe com
ele, levando-o a empenhar-se mais em seu propósito.
Em suma, na relação com os colaboradores, estes, em geral, vêm se somar à missão
de Batman, sendo o próprio herói quem lhes permite o acesso a esse mundo, dandolhes as ferramentas para agir ou reconhecendo a competência de seus aliados. Existe
também um sentido de família. Eles não são apenas aqueles que auxiliam Batman,
mas também pessoas com quem ele se importa e que se importam com ele.
Batman na relação com as vítimas
Na maioria das histórias, a relação de Batman com as vítimas fica restrita aos
aspectos salvador-resgatado, protetor-protegido. Batman é aquele que resgata
pessoas em situações de perigo, que impede que algo de ruim lhes aconteça, que lhes
restitui o que lhes foi tirado, seja dinheiro, seja segurança, seja liberdade.
Nos anos 70, esse papel de Batman como provedor das vítimas se torna mais
evidenciado e expandido. Através da Fundação Wayne, ele passa a fornecer recursos
para as vítimas dos crimes terem a possibilidade de se recuperar do ocorrido. Batman
oferece apoio não apenas no sentido financeiro; esse caráter filantrópico e de
assistência social nas ações de Bruce Wayne corresponde aos próprios movimentos
sociais do período. Lutar pela justiça é efetivamente auxiliar os destituídos, tanto em
termos de proteção - que ganha aqui um sentido mais amplo de fornecer às vítimas
ferramentas para que elas próprias possam se reerguer -, assim como também é
digno de nota que Batman convoca a própria vítima em auxílio à caça do criminoso,
ressaltando a idéia de que a luta pela justiça é algo que não se restringe apenas às
autoridades instituídas, mas a todos os membros da sociedade, idéia em voga no
período.
No decorrer das histórias é mostrada uma variabilidade de vítimas protegidas pelo
Batman, englobando tanto milionários quanto refugiados etíopes famintos. O trecho All
humanity is important to Batman - any life, no matter how insignificant in the public eye
(“toda humanidade é importante para o Batman, não importa quão insignificante
perante o olhar público”) aponta toda a humanidade como alvo de sua assistência.
Contudo, percebe-se em toda a sua trajetória que a ênfase maior está nas vítimas
supostamente mais desprotegidas da sociedade: mulheres e, principalmente, crianças.
290
Outro ponto de importância na relação de Batman com as vítimas está na sua
identificação com as mesmas, aparecendo já no começo de sua trajetória, inicialmente
na figura de Dick Grayson (Robin), que também teve os seus pais assassinados como
o Batman. Essa identificação mostra-se recorrente, e Batman chega a ressaltá-la ao
mencionar àqueles que não tiveram a mesma sorte que ele e Dick em se tornarem
combatentes do crime como as pessoas a quem eles se propõem a ajudar. Inclusive,
em Dark Knight returns, de 1986, a seqüência que precede o retorno da personagem à
ativa mostra o quanto essa identificação é forte para Batman. As lembranças da morte
dos pais e a lembrança dele próprio durante o ocorrido, associadas através das
imagens com as notícias de crimes violentos, tanto conecta Bruce com essas vítimas
como as coloca como o estopim necessário para o fim de sua aposentadoria.
Batman na relação com os criminosos
Na relação com os criminosos, podem-se apontar duas atitudes: punição e tentativa de
recuperação, embora a punição seja mais proeminente. O grau de punição pode
variar, de mais brando para ultraviolento, mas está sempre presente. No que diz
respeito ao tipo de bandidos enfrentados, o destaque maior é para os assassinos.
Embora outros tipos de crimes sejam mencionados, as motivações desses delitos
variam desde a busca pelo lucro, até o terrorismo e a loucura. No que diz respeito à
última motivação, chega-se a questionar até que ponto uma pessoa mentalmente
perturbada pode ser considerada responsável ou não por seus atos. Paradoxalmente,
são exatamente esses criminosos perturbados, o Joker e o Líder Mutant, que levam
Batman a cogitar ultrapassar a linha que se impôs, qual seja, de não matar, uma vez
que haveria, nesse tipo de criminoso, um caráter de desumanidade. Nas primeiras
histórias, Batman mostra-se inclemente com os criminosos que enfrenta, chegando até
mesmo a demonstrar satisfação quando um deles cai em um tanque de ácido.
Fisicamente, as personagens criminosas são apresentadas em contraste com Batman.
Enquanto ele é fisicamente bem delineado, forte e imponente, os bandidos são
fisicamente pouco atrativos, já denotando, através da imagem, a diferença existente
entre o herói e aqueles que enfrenta. Os subalternos são magros e franzinos,
enquanto os mandantes são gordos e atarracados.
As motivações de seus crimes são o lucro e a busca pelo poder, nem que para isso
precisem matar; em outras palavras, colocam tais predicativos acima da vida humana.
A diferença entre estes criminosos e Batman, que deixa um dos vilões morrer no
começo, está exatamente nas vítimas atingidas e nas motivações de seus atos.
291
Enquanto as vítimas dos criminosos supostamente não fizeram nada que
determinasse seu fim, sendo este resultado apenas das motivações pessoais dos
criminosos, da perspectiva de Batman o vilão teve o fim que merecia, por seus atos e,
possivelmente, por uma compensação pela vítima assassinada.
Vale apontar aqui um dos tipos de criminosos combatidos por Batman neste começo
de trajetória. Em Introducing Robin, the Boy Wonder, de 1940, o principal vilão da
história é o Boss Zucco, assassino dos pais de Robin. Chefe do crime local, ele
controla a cidade e cobra "proteção" a todos os comerciantes locais; caso contrário,
manda assassiná-los. Seu nome, de origem notadamente italiana, faz uma dupla
referência ao italiano como "inimigo" quando se pensa no contexto histórico em que a
história foi concebida. Se, por um lado, os métodos de extorsão de Zucco são
característicos dos gangsters, problema da época e cujos maiores representantes
eram de origem ítalo-americana, por outro, estando em plena Segunda Guerra
Mundial, temos a ditadura fascista de Mussolini, com a qual poderíamos fazer um
paralelo com a ditadura a que Zucco submete a cidade de Gotham. Dessa forma,
pode-se pensar em um conflito externo (a guerra contra os italianos na Europa)
refletido em um conflito interno (a guerra de Batman e Robin contra o mafioso italiano
em sua cidade natal).
Com o passar do tempo, a distinção entre Batman e os criminosos que enfrenta se
dilui. Alguns inimigos apresentam recursos tecnológicos similares aos de Batman,
chegando também, como ele, a envergar uniformes. Assim, o que vem a separar e
diferenciar Batman daqueles que combate são os direcionamentos que cada um
confere aos recursos que possui. Enquanto seus inimigos utilizam seus recursos em
proveito próprio, voltando-se para o crime, Batman emprega os seus no auxílio às
pessoas. Outras vezes, a aproximação entre Batman e os vilões se faz através de
semelhanças no raciocínio lógico frente a uma determinada situação. Mais uma vez,
são as motivações e intenções que distinguem Batman dos inimigos.
Especialmente a partir da década de 60, a criminalidade é destacada como algo
impossível de se revelar a uma primeira vista. Cabe assim, a Batman, descobrir esses
criminosos por trás da "falsa respeitabilidade, grandes negócios de fachada,
coberturas legais". O criminoso passa a ser não-identificável, o que nos leva a pensar
em um tipo de infrator sem um rosto ou perfil específico, abarcando uma variabilidade
de inimigos a serem combatidos por Batman: assassinos, ladrões, mafiosos,
estupradores, gangues organizadas, criminosos mentalmente perturbados.
292
Embora durante certo período, especialmente no intervalo entre os anos 40 e 60, a
inclemência e o rigor de julgamento inicial tenham sido substituídos por certa
jocosidade e ironia no tratamento dispensado aos criminosos, a seriedade de Batman
ao lidar com seus inimigos é posteriormente retomada. Batman, algumas vezes, não
se refreia no trato com os criminosos; contudo, seus atos são reflexo do
posicionamento do criminoso: aqueles que não mostram arrependimento ou
escrúpulos não são poupados da ira de Batman; já aqueles que apresentam o mínimo
traço desses sentimentos são tratados pelo herói com mais flexibilidade, podendo até
mesmo receber compreensão e perdão, compreensão apesar do ódio, e chance de
recuperação. Entretanto, há aqueles criminosos cujos crimes - envoltos em selvageria
e falta de sentido, em prazer e insaciabilidade por parte do executor - estariam além
do perdão ou da compreensão humana.
Um dos representantes mais notáveis deste último tipo de criminoso é o Joker. Em A
Death in the Family, faz-se uma comparação entre os terroristas, o líder iraniano do
período e o Joker, comprovadamente o mais insano e amoral dos inimigos do Batman,
colocando-os todos no mesmo patamar criminoso. Classifica seus atos como
irracionais e hediondos, e reflete a preocupação com um tipo especifico de inimigo
daquele período, pois é digno de nota que a história foi publicada em 1989 e os
atentados terroristas começavam a se espalhar pelo mundo, culminando na atual
situação de gravidade.
Chega-se a levantar o questionamento sobre até que ponto pessoas como estas
podem ser responsabilizadas por seus crimes. Mas, mesmo para esse tipo de
bandido, embora se cogite tal possibilidade, Batman não se permite cruzar a linha que
se impôs de não matar. Ultrapassar essa linha o tornaria também um criminoso.
Categoria 4: Tematizações sobre justiça, vingança e lei.
No que diz respeito à explicitação das temáticas lei, justiça e vingança, talvez seja a
categoria em que as transformações são mais notáveis. Nas primeiras histórias ainda
havia um "esforço" de Batman em fazer cumprir as leis, para que houvesse justiça;
todavia, com o passar das histórias, perceber-se, em maior ou menor grau, um
questionamento sobre até que ponto o cumprimento da lei é o suficiente para se fazer
justiça, tomada neste caso em especial como proteção dos inocentes. Em
determinado momento, questiona-se se essas leis não deveriam se adequar às
necessidades das pessoas, e não o inverso. Ao passo que também se levanta a
necessidade de se pensar no bem da maioria e não em casos especificamente
293
pessoais, no que diz respeito à temática da vingança, que é tomada como uma
apropriação pessoal de julgamento dos criminosos.
A vingança teria um caráter personalista e se encerraria com a punição daqueles que
atingiram a pessoa lesada; a justiça iria além disso. Tal diferenciação entre vingança,
lei e justiça é bem demarcada em A Death in the Family: Batman deixa de servir a lei e
passa a atuar com intenções vingativas a partir do momento em que Robin é
assassinado. Esse rompimento é delineado quando Batman deixa de colaborar com a
polícia, até mesmo prejudicando suas investigações. A fala de Batman é clara: aquilo
passou a ser pessoal.
Mas a vingança apresenta outro aspecto que a distingue tanto da lei quanto da justiça:
a soberania das emoções em detrimento da razão. A vingança denota esse domínio
de sentimentos, especialmente de raiva e ódio, nublando as decisões. A justiça seria
baseada na racionalidade e embasada em provas, sobre ter "a cabeça no lugar certo".
A vingança atribui para si uma função que seria da lei: o destino final do criminoso.
Nela há um desejo de aniquilação.
Contudo, é interessante apontar que o conflito entre vingança e justiça é apreendido
de modo diferenciado em épocas distintas. Em Introducing Robin, the Boy Wonder
(1940), a vingança é tomada apenas como uma forma de se fazer justiça de modo
pessoal - lutar contra o crime para levar à cadeia apenas aqueles que lhe lesaram
diretamente - sendo que até mesmo meios legais podem ser utilizados como fim para
essa vingança. A justiça seria diferenciada aqui apenas por extrapolar o caráter
personalista da vingança. Ao contrário do que ocorre em A Death in the Family (1989),
onde a vingança, além de personalista, é completamente dissociada da lei. Ainda
existiria certa proximidade entre a vingança e a justiça no sentido de que ambas
efetivamente buscam a punição daqueles que merecem e apóiam os indivíduos que
foram lesados. Mas, é o caráter sanguinário, desproporcional e passional da vingança
que a distingue da justiça propriamente dita.
A lei nem sempre seria justa, pois contém brechas que possibilitariam salvaguardar
um criminoso comprovado. Percebe-se também a dificuldade de se realizar
plenamente a justiça através da lei, sendo a justiça compreendida como a proteção ou,
pelo menos, uma atenção maior àqueles comprovadamente inocentes: as vítimas dos
crimes. As leis não seriam necessariamente justas por muitas vezes beneficiar os
criminosos, como Batman deixa explicitamente claro em suas falas:
294
One Bullet too many:
Bruce: "Unsolved"… The criminal unpunished! Think of it, Alf… How
many underworld killings, maimings --- in this vast city leave a trail of
innocent victims of the "victim"! Wives – mothers – children - many left
without any means of support! It's the great unpublicized tragedy of
our time! We suffer great pain over true justice - "rights of individual" "innocent until proven guilty"… All for the accused parties! But, what
about the "proven" innocent -- the victims? ("Insolúvel"… O
criminoso impune! Pense nisso, Alf. Quanto outros assassinatos no
submundo, mutilações - nesta vasta cidade deixam uma trilha de
vítimas inocentes da "vítima"! Esposas, mães, crianças - muitas sem
nenhum meio de apoio! Esta é a grande tragédia não publicada de
nosso tempo! Nós sofremos grande dor pela verdadeira justiça "direitos individuais" - "inocentes até provarem a culpa"... Tudo para as
partes acusadas. Mas, para os inocentes comprovados - as
vítimas?).
Dark Knight returns:
Criminoso: I got rights (Eu tenho direitos).
Batman: You've got rights. Lot of rights. Sometimes I count them just to
make myself feel crazy. (Você tem direitos. Um monte de direitos. Às
vezes eu contava todos só para ficar furioso).
Embora a lei e a justiça possuam uma grande proximidade, com o passar do tempo
não são mais tomadas como sinônimos. A lei é uma tentativa de se fazer justiça, mas
não é equivalente a esta. Questiona-se, especialmente nas histórias posteriores à
década de 60, até que ponto a lei realmente serviria à justiça, mais uma vez
compreendida como proteção àqueles considerados inocentes. Do mesmo modo o
pessimismo dos anos 80 é explicitado através do questionamento da falência do
sistema legal vigente. Batman é apontado como o contestador das regras instituídas, e
própria figura de Batman e seus atos de combate ao crime apontam, aqui, para uma
"falência" no sistema legal organizado e normatizado. A justiça é, nesse contexto de
pessimismo da década de 80, compreendida por Batman e por aqueles que o apóiam
como algo que deveria servir e proteger os cidadãos. Ou seja, para realmente as leis
fazerem justiça, deveriam se adequar às necessidades das pessoas, e não o inverso.
Contudo, apesar de a lei apresentar um limite em relação à justiça, não existe um
rompimento entre as duas. Tanto que é notável que, mesmo quando Batman
questiona a falta de aplicabilidade da justiça pela lei, que estaria privilegiando em
demasia os criminosos, ele continua, na grande maioria das vezes, em seu papel de
colaborador das autoridades legalizadas, inclusive entregando esses mesmos
criminosos para serem julgados pelo sistema jurídico reconhecido.
295
A justiça se constitui também como algo maior que a própria lei, maior até mesmo que
as pessoas que a servem. Quem serve a ela se torna parte de um símbolo. Se um
policial ou Batman ou Robin morrem, devem ser substituídos para se manter a força
do símbolo.
Em suma, o que se mostrou mais evidente durante todo o decorrer das análises é que
a concepção de justiça encontrada nas obras como um todo parece repousar
primordialmente no quesito da proteção dos cidadãos, ou pelo menos daqueles que
possam ser considerados, de algum modo, inocentes.
A justiça seria, portanto, uma necessidade de se garantir a segurança e o bem-estar
da população em primeiro lugar. Para que ela seja efetivamente aplicada, aqueles que
ameaçam o bem-estar dessas pessoas devem ser afastados e punidos pelos atos
cometidos contra os inocentes comprovados, as vítimas.
Contudo, essa punição, para ser efetivamente considerada como justiça, deve ser
embasada em uma proporcionalidade. A punição nunca deve extrapolar o crime
cometido. Outra característica importante diz respeito ao caráter racional da justiça.
Ela estaria calcada no uso da razão e não das emoções para ser competentemente
efetuada. A punição só pode ser aplicada ao criminoso em questão se embasada em
provas. É preciso ter certeza de que aquele crime foi cometido pelo referido criminoso,
ou não, pois punir sem essa comprovação constituiria um ato de injustiça.
É nesse quesito que a justiça se diferencia da vingança. A vingança possui um caráter
pessoal e passional, não precisando, necessariamente, de provas para ser levada a
cabo. A vingança não teria essa proporcionalidade inerente à justiça.
Em geral percebemos que, quando se pensa em justiça, ela está principalmente
atrelada ao conceito de criminalidade. Fazer justiça nas histórias do Batman é,
essencialmente, combater o crime, mesmo que esse combate tenha o intuito de
proteção. Assim, em geral, ocorre a exclusão de outras possibilidades de se pensar
essa concepção.
Contudo, também é interessante notar como cada história analisada é, de fato, reflexo
da vivência do período em que foi concebida, e como essa mudança de vivência
também se reflete em variações na concepção de justiça. Embora apresentem uma
estrutura básica, focada, como mencionamos, no caráter de proteção, no combate à
criminalidade e no afastamento das ameaças, essas variações trazem acréscimos à
296
concepção de justiça, refletindo inclusive nas relações interpessoais, seja no trato com
as autoridades, com as vítimas ou com os criminosos.
Com isso, deparamo-nos também com o fato de que efetivamente as produções
culturais são um rico portal de acesso à vivência de uma determinada época. Elas são
um reflexo do mundo-da-vida no qual foram concebidas, e como esse mesmo mundoda-vida, são dinâmicas e fluidas, construídas na inter-relação entre sujeito, sociedade
e historicidade.
As produções culturais não servem apenas como um instrumento de expressão dos
membros de uma sociedade, mas são depositárias e difusoras dos ideais e discursos
de um povo. Sendo assim, não podem ser estudadas fora da sociedade, uma vez que
os processos que as constituem são histórico-sociais. Em outras palavras, uma
produção cultural não pode ser decalcada do período histórico no qual foi elaborada. A
historicidade perpassa todos essas produções, até mesmo aquelas aparentemente
destituídas de qualquer traço político ou temporal, como as histórias em quadrinhos,
material sobre o qual nos debruçamos.
297
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