A Atuação da ONU no Conflito dos Bálcãs (1991

Transcrição

A Atuação da ONU no Conflito dos Bálcãs (1991
1
Centro Universitário de Belo Horizonte
Curso de Relações Internacionais
A Atuação da ONU no
Conflito dos Bálcãs (1991 – 1995)
- O Institucionalismo, somente uma promessa? -
Ana Muñiz Álvarez
Belo Horizonte
2008
2
Ana Muñiz Álvarez
A Atuação da ONU no
Conflito dos Bálcãs (1991 – 1995)
- O Institucionalismo, somente uma promessa? -
Monografia apresentada ao Centro
Universitário de Belo Horizonte
UNI-BH como requisito para
obtenção do título de Bacharel em
Relações Internacionais.
Orientador: Leonardo Borges Estrela
Belo Horizonte
2008
3
Ana Muñiz Álvarez
A Atuação da ONU no
Conflito dos Bálcãs (1991 – 1995)
- O Institucionalismo, somente uma promessa? -
Monografia apresentada ao Centro
Universitário de Belo Horizonte UNI-BH
como requisito para obtenção do título
de
Bacharel
em
Relações
Internacionais.
Orientador: Leonardo Borges Estrelas
Monografia aprovada em: 25 de junho de 2008.
Banca Examinadora:
______________________________________________________
Prof. Leandro Rangel
______________________________________________________
Prof. Dawisson Belém Lopes
4
“Se fazer fosse tão fácil quanto
saber o que é preferível fazer, as
capelas seriam igrejas e as choupanas
dos pobres, palácios de príncipes”.
“PÓRCIA”. In: O Mercador de Veneza,
ato I, cena II (William Shakespeare)
5
RESUMO
Este trabalho desenvolve um Estudo de Caso acerca do papel da ONU desde o
momento em que a desintegração da ex-Iugoslávia, em 1991, foi considerada uma
ameaça à paz e à segurança internacionais, até 2001. Os conflitos econômicoterritoriais, étnicos e religiosos que eclodiram na região após a morte do Marechal
Tito foram responsáveis pela maior catástrofe humanitária verificada após a II
Guerra Mundial, e a ONU, através de diversos mecanismos de resolução de
controvérsias e Operações de Paz, esforçou-se em reduzir a violência, instar as
partes a celebrarem acordos e condenar os responsáveis pelas violações do Direito
Internacional no TICY.
A partir da análise desta década de crises, pretendeu-se verificar se a organização,
outrora considerada pilar da segurança mundial, pode ser avaliada positivamente
como o principal marco institucional da “nova ordem” nascida no pós-Guerra Fria.
Com base no Institucionalismo, enfatizou-se a importância das instituições e dos
regimes no atual cenário caracterizado pela crescente necessidade de cooperação
entre os atores que compõem o sistema internacional.
Palavras-chave: ONU, Institucionalismo, Conflito nos Bálcãs, Direito Internacional
Humanitário.
6
ABSTRACT
This work develops a Case Study about the UN role since the moment that the exYugoslavia disintegration, in 1991, was considered a threat to the international peace
and security, till 2001. The economic-territorial, ethnic and religious conflicts, which
erupted in the region after Marshal Tito´s death, were responsible for the largest
humanitarian disaster occurred after World War II. The UN, through various
mechanisms of dispute settlement and Peace Operations, has tried to reduce the
violence, urging the parts to conclude agreements and judging the guilties for the
International Law violations in the TICY.
The analysis of this decade of crisis intended to determine if the organization, once
considered pillar of global security, can be evaluated positively as the main
institutional framework of the "new order", wich was born in the post-Cold War.
Based on Institucionalism, it highlights the importance of institutions and
arrangements in the current stage characterized by the growing need for cooperation
between
the
actors
of
the
international
system.
Keywords: UN, Institucionalism, Balkans Conflict, International Humanitarian Law.
7
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
MAPA 1 A Federação Iugoslava Antes da Fragmentação
19
MAPA 2 As Religiões na Iugoslávia
29
MAPA 3 As Frentes Militares (1992)
43
MAPA 4 Número de refugiados e pessoas que foram removidas na Iugoslávia
47
MAPA 5 O Plano de Paz de Dayton (21 de Novembro, 1995)
69
MAPA 6 As Áreas Protegidas pela ONU e as Pink Zones
80
8
LISTA DE TABELAS
TABELA 1 Disparidades Econômicas entre as Repúblicas Iugoslavas (1990)
26
TABELA 2 Língua, Nacionalidades e Religiões Predominantes na
Região dos Bálcãs em (?)
28
9
LISTA DE ABREVIATURAS
Art. - Artigo
Cap. - Capítulo
Res. - Resolução
Rep. - República
10
LISTA DE SIGLAS
ACNUDH - Alto Comissariado das Nações Unidas pelos Direitos Humanos
ACNUR - Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados
AGNU - Assembléia Geral das Nações Unidas
APD - Acordo de Paz de Dayton
BIHMAC - Centro de Controle de Minas da Bósnia-Herzegovina
CE - Comunidade Européia
CEE - Comunidade Econômica Européia
CSCE - Conferencia para a Segurança e a Cooperação na Europa
CSNU - Conselho de Segurança das Nações Unidas
CICV - Comitê Internacional da Cruz Vermelha
EUA - Estados Unidos da América
FAO - Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura
FTPINU - Força Tarefa de Policia Internacional das Nações Unidas
ONU - Organização das Nações Unidas
OMP´S - Operações de Manutenção da Paz
OMS - Organização Mundial da Saúde
ONG - Organização Não-Governamental
OSCE - Organização para a Segurança e a Cooperação na Europa
OTAN - Organização do Atlântico Norte
UNCVPOI - Divisão de Policia das Nações Unidas
UNMAC - Centro de Controle de Minas das Nações Unidas
UNMIBH - Missão da ONU na Bósnia-Herzegovina
UNMIK - Missão de Administração Temporária da ONU em Kosovo
UNMOP - Missão de Observadores das Nações Unidas em Prevlaka
UNICEF - Fundo da ONU para a Infância
QG - Quartel General
TIPCI - Tribunal Internacional Penal para Crimes na ex-Iugoslavia
UE - União Européia
UEO - União Européia Ocidental
UNCIVPOL - Polícia Civil da ONU
UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência, e a Cultura.
11
UNICEF - Fundo Internacional das Nações Unidas para a Criança e a Educação
UNPF - Força de Paz das Nações Unidas
URSS - União das Republicas Socialistas Soviéticas
12
SUMÁRIO
1
INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 144
2
OS CONFLITOS IUGOSLAVOS............................................................................... 199
2.1 Breve apresentação da região ............................................................................... 199
2.1.1
Aspectos geográficos, sociais e econômicos ..................................................... 20
2.1.2
As Religiões Predominantes ............................................................................ 266
2.2 Antecedentes e Causas do Conflito....................................................................... 299
2.2.1
Contexto histórico (1945-1980) ......................................................................... 30
2.3 O Processo de Desintegração da Iugoslávia ........................................................ 355
2.3.1
O Pós-Titismo .................................................................................................. 355
2.3.2
Milosevic no poder ........................................................................................... 399
2.4 O Fim dos Conflitos ............................................................................................... 444
2.5 As Conseqüências da Guerra ................................................................................ 455
3
A CORRENTE INSTITUCIONALISTA ................................................................... 488
3.1 Institucionalização ................................................................................................... 48
3.2 Normas ...................................................................................................................... 51
3.3 Níveis de instituições internacionais ....................................................................... 53
3.3.1
Comunidade epistémica ................................................................................... 533
3.3.2
Regime internacional ...................................................................................... 544
3.3.3
Organização Internacional ............................................................................. 566
3.4 Tipos de institucionalização internacional .......................................................... 599
3.4.1
Arranjos ad-hoc ............................................................................................... 599
3.4.2
Organizações não-governamentais ................................................................... 60
3.4.3
Multilateralismo................................................................................................. 61
3.4.4
Segurança coletiva ............................................................................................. 61
3.4.5
Alianças Militares .............................................................................................. 62
3.4.6
Balanço de poder ............................................................................................... 62
3.4.7
Estabilidade Hegemônica ................................................................................ 633
3.4.8
Convenções ...................................................................................................... 644
3.4.9
Direito Internacional ....................................................................................... 644
3.4.10 Sociedade Internacional .................................................................................. 644
3.4.11 Práticas diplomáticas ....................................................................................... 655
3.4.12 Cultura internacional ...................................................................................... 666
4
A ATUAÇÃO DA ONU ............................................................................................... 677
4.1 Negociações e Propostas de Paz ............................................................................ 677
4.2 Principais Resoluções do CSNU e Seus Resultados .............................................. 71
4.2.1
Embargo ............................................................................................................. 71
4.2.2
Operações de paz ............................................................................................. 722
4.2.3
Criação de zonas de segurança ......................................................................... 80
4.2.4
Estabelecimento de zonas de proibição de sobrevôo e controle do ar ............. 81
4.3 Operações policiais e militares.............................................................................. 822
4.3.1
Os trabalhos destinados ao combate às minas ............................................... 844
4.3.2
O Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos - ACNUDH ........ 855
4.4 A Agência das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) ........................... 866
4.5 O Tribunal Penal Internacional para Crimes na Ex-Iugoslávia (TIPCI) ........ 899
13
5
CONCLUSÃO............................................................................................................... 922
REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 944
ANEXO ................................................................................................................................ 1044
14
1
INTRODUÇÃO
Os Tratados de Westphália são considerados um marco fundamental das
Relações Internacionais1, por terem desenhado a base formal do que hoje
conhecemos como a unidade central de organização da vida política moderna2, isto
é, o Estado - Nação. Desde 1648, data da assinatura de tais documentos, a
sociedade internacional assistiu a uma série de mudanças qualitativas nas
estruturas, atores3 e processos nos mais variados lugares do planeta. Neste
contexto, a Europa foi, e continua sendo, um dos palcos de tais transformações,
dentre as que se verifica uma constante multiplicação de unidades estatais, assim
como “a consolidação da soberania territorial a partir da defesa coletiva da regra de
não intervenção, como condição de sobrevivência e continuidade dos Estados”
(NOGUEIRA, 2000, p. 143).
Desde o nascimento dessa idéia de unidade estatal, a tradição teórica que
deu origem à futura Escola Realista4 considerou a soberania5 como uma das bases
mais sagradas da conjuntura internacional. Assim, de acordo com esta visão, não
existem sinais claros de que um contrato social extra-fronteiriço possa ser
consolidado enquanto a soberania territorial continue sendo o fundamento central do
sistema.
Os princípios consagrados em Münster e Osnabrück6 conseguiram modificar
a ideologia medieval que legitimava a presença de uma autoridade – religiosa –
1 As Relações Internacionais designam o campo acadêmico fundado em 1919, quando foi criada a primeira cadeira acadêmica, sob os auspícios
do filantropo David Davies, na Universidade de Gales, no Reino Unido, sob o nome de Cátedra Woodrow Wilson de Política Internacional
(SAFARTI, 2005, p. 373). O objeto de estudo da disciplina são as relações internacionais, entendidas, no sentido mais amplo, como os vínculos
entre as unidades políticas autônomas chamadas Estados-Nações, ou entre indivíduos membros destas unidades quando interatuam através de
suas fronteiras (ORTIZ, 2000, p. 9). Ver uma abordagem sobre o nascimento da disciplina em: GUIMARÃES, 2001, p. 27-39
2 Por não existir um conceito de Estado que satisfaça a todas as correntes doutrinárias adotamos a proposta de Dalmo de Abreu Dallari, que
define este termo como uma “ordem jurídica soberana que tem por fim o bem comum de um povo situado em determinado território”. (DALLARI,
2007, p. 118).
3 Ator é um termo freqüentemente utilizado nas Relações Internacionais, no sentido de “entidade individual ou coletiva, tal como um Estado ou
organização internacional, que tem um papel nas relações internacionais” (HENDERSON, 1998, p. 27)
4 A tradição realista das Relações Internacionais remonta-se a autores como Tucídedes, Maquiavel, Hobbes e Morguenthau. Ver seus principais
pontos teóricos na p. 46 deste trabalho (pé de página nº 83).
5 A soberania nacional é o fundamento político e jurídico da autoridade do Estado. De acordo com Max Weber (WEBER, 1984, p. 56) corresponde
ao “monopólio do uso legítimo da força física em um território”.
6 Os Tratados de Westphália reconheceram explicitamente uma sociedade de Estados fundada no princípio da soberania territorial, não
intervenção nos assuntos internos das outras unidades soberanas e a independência dos Estados, detentores de direitos jurídicos iguais a serem
respeitados pelos demais membros. (SARFATI, 2005, p. 13).
15
universal que detinha o poder de regular várias esferas dentro das fronteiras dos
reinos europeus. A ausência de um órgão com o poder suficiente para ditar diretrizes
aos Estados passou a ser identificada como a responsável pelo ambiente anárquico
que, na visão Realista, caracteriza as relações inter-estatais. Segundo SAFARTI
(2005):
Desde os acordos de Westphália, de 1648, os Estados emergiram como
entes legítimos de soberania sobre certa porção territorial livre da
intervenção de outras entidades soberanas estrangeiras. Isto significa que,
dentro de determinada porção territorial, o governante tem o direito de fazer
o que bem entender porque as outras entidades consideram como
legítima a sua soberania dentro daquela região. (p. 33, grifo nosso).
Até agora, nenhum tratado ou convenção revogou as normas registradas nas
Cartas referidas, mas acreditamos que a interação entre os Estados ao longo das
décadas foi modificando, paulatinamente, o cenário no qual eles se relacionam7. Isto
porque, a partir de 1945, cresceu extremamente o número de Organizações
Internacionais e regimes que visam regular as atividades estatais nas mais diversas
áreas, tanto domésticas quanto internacionais8.
A proposta deste trabalho consiste em verificar se, efetivamente, a
Organização das Nações Unidas9 – doravante ONU –, principal organização
internacional da nova ordem mundial, pode ser avaliada positivamente no momento
em que um Estado estruturalmente enfraquecido pelo advento de tensões bélicas
não consegue cumprir as funções que, como corolário do contrato social, deveria
assumir perante seus nacionais.
Para tanto, propomos um Estudo de Caso que, em uma primeira análise,
parece corroborar a idéia de que as mudanças conjunturais no sistema internacional
fortaleceram o papel de algumas Organizações Internacionais e determinados
regimes, inclusive no campo da segurança, a níveis antes inimagináveis. O caso
7 Existe atualmente um debate entre as linhas mais tradicionais e os que questionam que a ordem westphaliana ainda impera na atual arena
internacional, uma vez que, de acordo com estes,a soberania, pilar daquele sistema, está vendo seu papel em certa medida reduzido devido à
crescente participação de outros agentes, tais como empresas transnacionais, blocos regionais, Organizações não governamentais (ONGs) e
Organizações Internacionais (OIs), dentre outros, que são vistos como tomadores de decisão junto aos Estados. Ver: WALLERSTEIN (1993),
HELD (1989), LIMA (1996), HABERMAS (1995).
8 O enorme crescimento do número de OIs e ONGs na segunda metade do século XX pode ser explicado devido à preocupação advinda das
grandes guerras, ao desenvolvimento econômico, às inovações tecnológicas e ao próprio crescimento do número de Estados no sistema
internacional (HERZ; HOFFMANN, 2004, p. 37).
9 A ONU é uma organização internacional de caráter universal, constituída em 1945, após a II Guerra Mundial, cuja principal função é promover a
paz e a segurança internacionais. Ver a gênese histórica da ONU e a análise do seu documento constituinte, a Carta de São Francisco em:
MARTINS; MARTINS, 1996.
16
escolhido foi o conflito dos Bálcãs10, que assolou o leste da Europa de 1991 a 2001.
Serão delineados os traços gerais de tais focos, desde a eclosão da guerra civil na
Eslovênia até a última Missão de Paz na região, especificamente no Kosovo.
Observa-se que a ONU interveio em praticamente todos os Estados que
formavam a ex-Iugoslávia – constateremos até que ponto auferiu resultados
favoráveis – e, de fato, no TIPCI11 estão sendo julgando os responsáveis por
violações do Direito Internacional. Devido às características que padronizam este
tipo de trabalho, não é possível analisar a atuação de outras Organizações
Internacionais na região, mas cabe destacar a paralela ingerência da OTAN que
chegou a bombardear partes do antigo território iugoslavo, assim como do CICV ao
ter auxiliado as vítimas das hostilidades. Ao examinar a participação de tais
Organizações Internacionais – mesmo contrariando os interesses de líderes estatais
– percebe-se que a inviolável regra de não intervenção em assuntos internos e o
próprio conceito da anarquia internacional podem ser questionados.
O objetivo geral desta dissertação é desenvolver uma pesquisa concernente à
operatividade da ONU como pilar da segurança internacional para abrir um espaço
de reflexão que permita considerar se realmente, apesar do pessimismo com que é
vista e duramente criticada por autores de correntes de cunho realista, ela consegue
auxiliar as vitimas das crises internacionais e promover o respeito ao Direito
Internacional. Nosso objetivo específico, neste quadro, consistirá em proceder à
identificação das ações fomentadas pelas diversas entidades e órgãos que
compõem a família onusiana, tais como o Conselho de Segurança (CS), a
Assembléia Geral (AG), o Alto Comissariado para os Direitos Humanos (ACNUDH) e
a Agência das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR).
No que tange ao estado da arte, devido à abrangência do assunto em
questão, encontramos diversas obras concernentes a três focos que, justapostos,
permitirão recolher uma rica bibliografia para, finalmente, delinear o nosso foco de
estudo. Assim sendo, procuramos conhecer a realidade vivenciada pelas Repúblicas
que formaram a ex-Iugoslávia, tanto suas características per se como as tensões
que desencadearam a eclosão dos conflitos; paralelamente, procuramos trabalhos
10 Não confundir o conflito dos Bálcãs aqui trabalhado com as Guerras Balcânicas (1912-1913).
11 As siglas TIPCI referem-se ao Tribunal Penal Internacional para Crimes na Ex-Iugoslávia, criado especialmente para condenar os
responsáveis pela violação do Direito Internacional Humanitário. Mais informações sobre este Tribunal na p. ? deste trabalho.
17
científicos que abordassem a nova realidade internacional e, principalmente,
européia após a desintegração da União das Repúblicas Soviéticas (URSS) e o
conseqüente auge de ideologias nacionalistas; concomitantemente, consultamos
uma valiosa gama de livros e dissertações acerca da atuação da ONU, tanto nos
Bálcãs quanto em outras crises de índole semelhante. Podemos afirmar que a
revisão de literatura referente à fundamentação deste projeto é extensa em ambos
os aspectos: quantitativo e certamente qualitativo.
A justificativa desta escolha deve-se a vários fatores:
Em primeiro lugar, motivos pessoais determinaram nosso especial interesse na
região
balcânica,
ao
tê-la
conhecido
pessoalmente
e,
por
conseguinte,
testemunhado as marcas do conflito e a árdua reconstrução de um pós-guerra que,
mesmo uma década depois da assinatura dos Acordos de Dayton, até hoje se
perpetua12.
Em segundo lugar, destaca-se que na ex-Iugoslávia foram executados
praticamente todos os tipos de operações de paz existentes; também que o efetivo
destinado à região foi o maior da história da ONU até o momento e, ainda, que, por
primeira vez, teve lugar o desdobramento de uma força preventiva – que evitou a
eclosão da guerra civil na Macedônia.
O trabalho estará composto por três capítulos. No primeiro, serão apontados
de forma suscinta os principais acontecimentos do conflito através de uma
retrospectiva histórica. Para chegar a uma visão abrangente da península balcânica
– o que certamente ajudará a melhor entender o conflito em si – serão apresentados
alguns dos seus aspectos geográficos, sociais e econômicos, assim como as
características do modelo iugoslavo que, em certa medida, explicam os motivos da
eclosão das hostilidades.
O segundo capítulo abordará o referencial teórico desta dissertação. Foi
escolhido o Institucionalismo, fenômeno amplamente trabalhado nos mais variados
campos acadêmicos, tais como a Sociologia, a Filosofia e o Direito. No contexto
internacional, entende-se o Institucionalismo como o processo de formação de
instituições, por exemplo, das Organizações Internacionais (OIs). Partindo do
12 Na cidade de Sarajevo, por exemplo, não nos foi permitida a visita à maior parte do complexo paisagístico da capital, devido à existência de minas
terrestres numa extensa parcela do território. Veremos, nas p. ?? deste trabalho, como a ONU lida com tamanho problema e vela pelo respeito à legislação
internacional em vigor.
18
pressuposto de que “as instituições importam”13, serão apresentados os principais
tipos de instituições que permeiam as relações internacionais, as normas e seus
mecanismos de apoio, assim como os níveis de institucionalismo, a saber, as
comunidades epistêmicas, os regimes e, finalmente, as organizações. No caso dos
Bálcãs pode-se verificar a dificuldade em se estabilizar arranjos político-territoriais
nas áreas nas quais os confrontos se desenvolveram. É ainda visível a fragilidade
institucional dos jovens Estados que, tendo pertencido à ex-Iugoslávia, hoje
negociam sua possível integração à União Européia.
No terceiro capítulo será descrita a atuação da ONU, a única instituição com
atribuições legais para intervir ou autorizar uma intervenção internacional visando à
manutenção da paz em dado território14. Serão citadas as atividades executadas por
esta organização, tanto no âmbito do Conselho de Segurança15, como do ACNUR16,
das forças de manutenção da paz17 e da estabilização das “zonas seguras”.
Atentos ao rigor ético de tentar registrar diferentes abordagens sobre os fatos
em questão procuramos diversificar os procedimentos metodológicos adotados.
Além do levantamento bibliográfico supracitado, foram selecionados documentos
produzidos pela própria ONU, como os referentes às Operações de Manutenção de
Paz (OMPs), fontes cinematográficas, depoimentos de vítimas dos conflitos, notícias
da mídia internacional, informação de renomados sites da Internet, documentais,
revistas especializadas, teses, dissertações, ensaios e a imprensa tanto nacional,
quanto internacional.
A importância deste trabalho, no nosso entender, reside em reflexionar sobre
os acertos e as falhas da ONU no processo de paz dos Bálcãs e tentar demonstar a
necessidade de assistirmos ao fortalecimento desta instituição, que, mesmo
13 No Institucionalismo, as instituições são tratadas como solução de problemas de ação coletiva e falhas de mercado, permitindo que a
reciprocidade entre Estados, principais atores da política global, funcione como deve. Isto é possível pelo fato de as instituições fornecerem
informação para seus membros e reduzirem custos de transação entre eles, isto é, possibilitarem a consecução de acordos (MARTIN, 1999, p.
12).
14 GARCIA (2004) cita os supostos que corroboram tal afirmação: toda operação de paz deve estar pautada pela legitimidade,
multinacionalidade e uso limitado da força (p. 87).
15 Foram aprovadas três resoluções ao longo da crise que exigiriam o imediato cessar-fogo. Ver o Anexo deste trabalho (p.?).
16 O ACNUR, Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, é a agencia das Nações Unidas para a proteção e a assistência
internacional aos refugiados. Operando num marco jurídico, se destina a proteger vitimas de perseguição e violência e se encontra orientado
basicamente por dois tratados internacionais: a Convenção da ONU de 1951 - relativa ao Estatuto dos Refugiados - e um Protocolo Adicional de
1967, relativo ao mesmo tema, que, conjuntamente, estabelecem os direitos e as obrigações das pessoas consideradas refugiadas por um
determinado país signatário. Ver: www.acnur.org
17 Informação detalhada sobre os funcionamento das forças de manutenção da paz em CONSIGLI, José. Algunos aspectos de la relación entre
las operaciones de paz de las Naciones Unidas y el Derecho Internacional Humanitário. In: VALLADARES, 2003, p.185-296.
19
embrionária e ineficiente em alguns aspectos, é passível de melhoras e pode
conseguir, paulatinamente, responder às exigências dos futuros contextos
internacionais.
2
OS CONFLITOS IUGOSLAVOS
2.1
Breve apresentação da região
Segundo o geógrafo SIEGFRIED (1997, p. 19) o passado de um país pode ser
resumido, e inclusive chega a adivinhar-se seu futuro, ao olharmos sua situação em
um mapa.
Mapa 1: A federação iugoslava antes da fragmentação.
Fonte: BONIFACE, Pascal. Atlas das Relações Internacionais. Lisboa: Plátano Ediciones
Técnicas, 2000, p. 112.
Antes de começar a analisar as origens do conflito em questão, cabe destacar
brevemente algumas características desta região, tais como seus elementos
20
geográficos, as diversas culturas e religiões dos seus habitantes, assim como o
padrão econômico dos mesmos. Desta forma, procuraremos identificar os possíveis
significados da guerra procurando conhecer os motivos pelos quais se ocasionou um
episódio tão violento no centro da Europa.
Pela sua situação geográfica, é uma espécie de falha em que, em lugar de
placas geológicas, chocaram culturas e religiões muito diversas, provocando
abundantes terremotos e catástrofes ao longo da sua história. Limite entre
Roma e Bizâncio, entre catolicismo e ortodoxia, linha de frente entre o Islã
otomano e a cristandade austro-húngara, entre o socialismo real e o mundo
livre, a promessa de manter unidos numa só entidade os diversos povos,
religiões, culturas e ódios que são produto da história de lutas sangrentas
do passado [...] (FERÓN, 1995, pág. 5, tradução nossa).
Passaremos, a seguir, a observar esses aspectos, responsáveis, em certa
medida, de que a ex-Iugoslávia tenha se constituído como um Estado tão peculiar
(RODAS, 1999, p. 33).
2.1.1
Aspectos geográficos, sociais e econômicos
O território no qual se assentou a ex-Iugoslávia18 apresenta várias
características que marcaram a sua história. Trata-se de uma região extremamente
montanhosa com uma costa recortada, banhada pelo Mar Adriático. Antes do conflito,
apenas 28% do terreno era cultivável (ORTEGA, 2001, p. 12).
As conseqüências da configuração do relevo determinaram que a rede de
comunicações no país fosse estabelecida de forma tardia. A consolidação de uma
autoridade comum foi extremamente dificultada por este motivo (BONAMUSA, 1998,
p. 113).
A Iugoslávia (1945-1992) estava constituída por seis repúblicas (Eslovênia,
Croácia, Bósnia-Herzegovina, Sérvia, Montenegro e Macedônia) e duas províncias
autônomas (Voivodina e Kosovo). A capital era Belgrado, na Sérvia. O território
estava composto por 256.000 Km2 e habitado por 22,5 milhões de habitantes. Suas
18 O termo Iugoslávia, que literalmente significa “eslavos do sul”, é utilizado comumente para denominar diversos conceitos: o Reino da Iugoslávia
(1929 – 1945), a República Democrática Federal de Iugoslávia (1945 – 1992), e a República Federal da Iugoslávia (1992 – 2003). Para fins deste
trabalho consideramos oportuno iniciar o histórico do Estado a partir do fim da Segunda Guerra Mundial (1945), período no qual se desenvolveu a
Iugoslávia socialista. Doravante, o termo Iugoslávia referir-se-á à Republica Democrática Federal da Iugoslávia.
21
fronteiras faziam limite com a Itália, a Áustria, a Hungria, a Romênia, a Bulgária e a
Grécia (RODAS, 1999, p. 7).
A Federação mostrava uma intensa variedade no clima, na paisagem, nos
recursos naturais, na economia e nos modos de vida de uma região a outra. A tudo
isto, acrescentava-se “um alto nível de diversidade histórica, cultural e étnica”
(BUGARSKI, 1991, p.2, tradução nossa). Como afirma SAMARY (1993):
Não existia na verdade nem uma nação nem uma consciência iugoslava
unitária anterior à formação do Estado. Como não havia idioma, religião ou
mesmo alfabeto unitários [...] as diferenças sócio-econômicas e culturais se
combinavam de forma complexa às aspirações nacionais que não tinham
19
necessariamente a mesma dinâmica para uns e para outros. (p. 121) .
Antes de destacar brevemente algumas características de cada uma das
unidades federativas, cabe observar três particularidades concernentes à totalidade
da região balcânica20: Foi assentada num mundo compartimentado de difícil
circulação (o que favoreceu os particularismos); numa posição de encruzilhada entre
impérios expansionistas (austro-húngaro, otomano, alemão e russo-soviético), e teve
uma intensa debilidade demográfica unitária devido à presença de importantes
minorias nacionais (BARRAILLER, 2001, p. 39).
2.1.1.1 Eslovênia
Antes de 1918, o território havia pertencido parcialmente à Itália e, sobretudo,
à Áustria. Até o fim da II Guerra Mundial não contou com um sistema estatal e só
conseguiu aceder à plena soberania na década de 1990 (ESLOVENIA, 2004).
19 De acordo com a autora, um dos fatos que ilustram a falta de coesão nacional é que sérvios, croatas e eslovenos nunca poderiam comemorar
juntos a mesma data de independência. “O que era autonomia para uns com freqüência significava sujeição para outros”. (SAMARY, 1993, p.
121).
20 Torna-se importante destacar que os Bálcãs possuem uma delimitação geográfica incerta. O monte Balkan deu o seu nome à longa cadeia
montanhosa que, prolongando os Cárpatos, atravessa a parte central da Bulgária. Por extensão, o termo península balcânica designa os Estados
localizados na mais oriental das penínsulas da Europa do Sul entre, a oeste, os maciços da ex-Iugoslávia ocidental até os montes do Pindo (na
Grécia peninsular) e, a leste, os Alpes da Transilvânia e as cadeias do Ródope. Portanto, os Bálcãs, antes da fragmentação Iugoslava, estavam
formados pela Albânia, a Bósnia-Herzegovina, a Bulgária, a Croácia, a Eslovênia, a Macedônia, a Romênia, a Sérvia, Montenegro, a Grécia e a
Turquia européias (ORTEGA, 2001, p. 15).
22
Foi a república federal mais ao norte e a mais homogênea de todas, pois 90%
da sua população estava constituída por eslovenos. Em 1991, contava com 1,97
milhões de habitantes e uma superfície de 20.000 km² (ESLOVENIA, 2004).
Seu
progresso
econômico
baseou-se
fundamentalmente
numa
sólida
transformação industrial e, quando declarou a independência, sua economia era
praticamente auto-suficiente em alimentos21 e produtos industriais (FERON, 1995, p.
24).
Capital: Liubliana
2.1.1.2 Croácia
Até o desmembramento da ex-Iugoslávia, 4,7 milhões de habitantes habitavam
o peculiar território desta república, em forma de uma ferradura, composta por 57.000
Km². Contava com mais de mil ilhas, e um número considerável de baías e
penínsulas, assemelhando-se, assim, à costa grega (CAMPS, 1994, p. 111).
O turismo era um dos maiores recursos que alimentava sua economia. Antes
da guerra, 23% do seu território estava constituído por terras agrícolas; exportava
trigo e milho às áridas repúblicas do sul (RODAS, 1999, p. 14).
Capital: Zagreb
2.1.1.3 Bósnia-Herzegovina22
Sarajevo, sua capital, foi o berço da I Guerra Mundial23. Era a República mais
heterogênea das que compunham a Iugoslávia e estava constituída por 52.000 Km².
21 A agricultura representava só um 5% do PIB da economia, mas respondia por 80% das necessidades dos eslovenos (BONAMUSA, 1998, p.
110)
22 O Escritório do Alto Representante apresenta, a cada três meses, indicadores econômicos e outras informações da Bósnia por meio do
Newsletter disponível no site http://www.unhchr.ch/html/menu2/5/kosovo/kosovo_main.htm
23 No dia 28 de Junho de 1914, em Sarajevo, um estudante nacionalista sérvio matou num atentado o arquiduque Francisco Ferdinando,
herdeiro do trono do Império Austro-Húngaro. Os sérvios acharam que o atentado seria útil para a “causa” eslava: a anexação ao Estado sérvio
dos territórios eslovacos dos Bálcãs – Croácia e Eslovênia – então sob domínio austríaco (MOTA; BRAICK, 1998, p. 454).
23
De acordo com o censo de 199124, sua população era composta por 4,4 milhões de
habitantes (SERVA, 1994, p. 26).
Edgar Morin faz referência à convivência pacífica entre os diversos grupos que
habitavam a Bósnia antes da guerra, acreditando, inclusive, que “era o que havia de
mais próximo de um modelo nacional conseguido” (MORIN, 1991, p. 75).
Situada numa região montanhosa, era a reserva de madeira da indústria
eslovena, República que também consumia a maior parte dos seus produtos
agrícolas básicos. Tinha uma importante indústria de transformação devido a
abundantes recursos elétricos e minerais (SERVA, 1994, p. 27).
2.1.1.4 Sérvia
Com 9,8 milhões de habitantes, a Sérvia era a república dominante do ponto
de vista tanto demográfico, quanto histórico e armamentista. Viveu uma época de
esplendor ao longo da Idade Média, mas seus habitantes foram expulsos do Kosovo
pelos turcos e tiveram que recolher-se mais ao norte25 (BRENER, 1993, p. 26).
No início do século XX, lutou por concretizar o sonho de uma “Grande Sérvia”
que envolveria toda a região balcânica. Para tanto, anexou a Macedônia e
novamente o Kosovo durante as Guerras Balcânicas (1912 – 1913) até que, em
1945, a província tornou-se um território autônomo dentro da Iugoslávia (ORTEGA,
2001, p. 19) .
A Sérvia não tinha saída ao mar, mas o rio Danúbio permitia o acesso até a
Europa Central e o Mar Negro. Seu território – sem contar a Voivodina, que também
tinha lhe pertencido em períodos históricos anteriores – era majoritariamente
montanhoso. Desde a Idade Média sua economia se desenvolveu sobre uma
tradição mineira, ao possuir mais do 60% das riquezas minerais da Federação
(ORTEGA, 2001, p. 19).
Capital: Belgrado
24 Fonte: Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados. Disponível em: http://www.acnur.org/publicaciones/SRM/cap93.htm
25 Mais detalhes sobre a história da Sérvia em: BRENER, 1993, p. 20-77.
24
2.1.1.5 Montenegro26
Até a eclosão da II Guerra Mundial, estava composta somente por 610.000
habitantes. Entre 1945 e 1991, e, desde então, até 2003, foi uma das repúblicas
constituintes da República Socialista da Iugoslávia e da República Federal da
Iugoslávia, respectivamente. De 2003 a Junho de 2006 – após o fim dos conflitos
iugoslavos – formou, junto à Sérvia, o Estado da Sérvia e Montenegro, até que se
tornou independente após referendum populacional (RODAS, 1999, p. 22).
Foi equipada, graças ao Fundo para o Desenvolvimento Iugoslavo, com
unidades de produção de minerais e metais, nem sempre rentáveis. Dependia da
energia subministrada pela Sérvia (CAMPS, 1994, p. 119).
Capital: Titogrado (cidade também chamada Podgorica).
2.1.1.6 Macedônia
A nação macedônica foi criada por Tito com a intenção de resguardar o sul da
Iugoslávia do poder sérvio. Seus habitantes, 2.300.000, se comunicavam através de
dialetos que variavam de um vale a outro. A superfície era de 26.000 Km².
Apesar de importantes problemas com abastecimento de água conseguiu
desenvolver uma agricultura variada. Exportava frutas, verduras, tabaco e arroz.
A Macedônia, com maioria de macedônios e uma respeitável minoria
albanesa, não tinha problema étnico; os sérvios eram a quarta etnia, com uma
população algo menor que a comunidade turca. Sendo uma região muito pobre,
reclamava do descaso dos sérvios na gestão orçamentária federal, o que repercutiu
intensamente para a posterior demanda de independência.
Capital: Skopje
2.1.1.7 Voivodina27
26 Tradução do termo sérvio Crna Gora, que significa “montanha negra”.
25
Até o fim da I Guerra Mundial o território era húngaro. Era a região que mais
cereais produzia (80% da produção nacional). Nesta República, as autoridades
húngaras acolheram os sérvios que fugiam dos turcos, e a população28, de dois
milhões de habitantes, era distribuída da seguinte forma: 54,2% sérvios, 18,9%
húngaros, 5,36% croatas, 3,41% eslovacos, 2,32% romenos e 0,94% ucranianos. O
restante estava dividido em 18 minorias nacionais (TAIBO; LECHADO, 1993).
Voivodina foi, como veremos, uma das regiões nas quais foram vivenciadas as
maiores atrocidades ao longo do conflito, principalmente por questões étnicas e
identitárias.
Pequenas comunidades, formadas de várias etnias, são as vítimas
desconhecidas das guerras dos Bálcãs, que opunham “grandes
nacionalismos” e hoje esmagam as minorias que não se “encaixam”
no modelo de Estado-Nação ocidental (DÉRENS, 2003).
Capital: Novi Sad
2.1.1.8 Kosovo29
Foi o centro medieval dos sérvios e a sede dos patriarcas até o século XVIII.
Os turcos repovoaram esta região com albaneses islamizados quando os sérvios
fugiram para o norte. A população, formada por 1,7 milhão de habitantes, era
composta por 85% de albaneses e menos de 15% de sérvios. Também havia um
número pequeno de montenegrinos, macedônios, ciganos e turcos. Desde os anos
70 até o início da década de 9030 foi, de forma contínua, a região mais turbulenta da
Iugoslávia. Era também a parte mais pobre31 (CUETO, 2006, p. 35).
27 Em eslavo, Voivodina significa “chefe de guerra”.
28 Censo de 1981.
29 O nome da província real é Província Servia de Kosovo e Metodhija (AGUILAR, 2003, p. 212)
30 Atualmente o Kosovo é um protetorado das Nações Unidas. Mais detalhes sobre o Kosovo após o conflito em: http://www.mondediplomatique.fr/1999/02/RAMONET/11675.html
31 Com o fim de reduzir as disparidades, o poder federal criou nos anos sessenta um Fundo de Solidariedade abastecido pelas Repúblicas mais
ricas, apesar de alguns protestos por parte das mesmas. A transferência de recursos para o Kosovo permitiu que o analfabetismo – que atingia
26
Capital: Prístina.
Uma vez citadas as mais destacáveis peculiaridades de cada República,
encontra-se a seguir uma tabela que ilustra, em termos econômicos, a grande
disparidade entre elas:
TABELA 1
AS DISPARIDADES ECONÔMICAS ENTRE AS REPÚBLICAS IUGOSLAVAS (1990)
Bósnia-Herzegovina
Croácia
Macedônia
Montenegro
Sérvia
→ Só Sérvia
→ Kosovo
→ Voivodina
Eslovênia
Iugoslávia
População (%)
18,9
19,9
8,9
2,7
41,6
24,6
8,2
8,7
8,2
100,0
PIB (%)
74
123
66
78
Exportação (%)
15,2
21,0
4,9
2,0
93
31
119
212
100,0
21,5
1,7
8,2
25,5
100,0
Fonte: FERÓN, 1995, p. 51.
Como pode ser observado com os dados acima, a diferença entre umas
regiões e outras era considerável. Em geral, os Bálcãs mantinham uma situação
atrasada comparados com o continente europeu. Antes da II Guerra Mundial, oito em
cada dez habitantes viviam no campo, e o domínio do latifúndio mantinha baixa a
produtividade agrícola. A fome no campo era um fator constante (BRENER, 1996, p.
41)
2.1.2
As Religiões Predominantes
90% dos kosovares em 1938 – caísse para 36% em 1970; a expectativa de vida também aumentou - de 50 anos, em 1945, para 61 anos em
1969 (BRENER, 1993, p. 73).
27
Antes de passar à análise dos antecedentes do conflito, torna-se necessário
destacar um aspecto social que teve uma influência direta nos conflitos: o fator da
religião32.
De acordo com FERÓN (1995, p. 87), mais de quarenta credos eram
reconhecidos pelo regime – em principio ateu – da República Democrática Federal da
Iugoslávia. Desse conjunto, destacam-se três: a Ortodoxia, o Catolicismo Romano e
o Islamismo.
A igreja ortodoxa era a mais importante das comunidades religiosas. Contava
aproximadamente com oito milhões de seguidores e era a que mantinha as melhores
relações com o Estado. O autor ressalta que esta instituição foi uma das guardiãs da
ordem sérvia, e que alguns dos seus membros “não chegavam nem mesmo a
esconder sua saudade da Grande Sérvia33 (FERÓN, 1999, p.65).
A segunda religião predominante, o catolicismo romano, tinha seis milhões de
fiéis. Sua presença destacava-se na Eslovênia e na Croácia, e era minoritária na
Bósnia e na Sérvia (GARCIA, 2006, p. 165).
Finalmente, o islamismo34 reunia 2, 8 milhões de fiéis. Seus seguidores eram
albaneses – quase todos instalados no Kosovo ou na Macedônia – e bósnios de
nacionalidade muçulmana35. No território iugoslavo foram construídas duas mil
mesquitas. O islamismo serviu como uma espécie de religião de unidade e conquista,
“um motor para a formação de impérios” (BRENER, 1996, p. 14).
A seguinte tabela reflete a porcentagem de fiéis praticantes de cada uma
destas religiões, além das diversas nacionalidades de cada região e a língua
dominante.
32 Quando os eslavos chegaram ao território balcânico, eles ainda eram pagãos. Rapidamente, alguns foram convertidos ao Catolicismo e outros
se voltaram à Igreja Ortodoxa. Os eslovenos e croatas, assim como uma parte dos sérvios, dos albaneses e dos habitantes da Bósnia e da
Romênia foram evangelizados por Roma. A maioria dos sérvios, dos romanos, dos búlgaros, dos gregos, dos macedônios e dos montenegrinos
voltaram-se para Constantinopla. O Islã fez-se presente na região principalmente a partir do século XIV na medida em que o Império Otomano
influenciava vários povos a se converterem a ele por razões políticas ou econômicas, deliberadamente ou sob coação. Ver: BONIFICE, 2006. p.
42.
33 À Grande Sérvia ortodoxa corresponde o sonho de que a província se estendesse até os territórios da Krajina e da Eslavônia; esta idéia é
incompatível com a Grande Croácia católica, que incluiria evidentemente esses territórios e que, além disso, englobaria no mínimo a Herzegovina
bósnia (Dicionário das Relações Internacionais, 2006, p. 46).
34 O islamismo é uma religião fundada na Arábia por Maomé (570-632) a partir de princípios cristãos e judaicos. “Maomé conseguiu, por meio da
Jihad (guerra santa), transformar o islamismo em uma poderosa ideologia de conquista” (BRENER, 1996, p. 15).
35 Belgrado sempre fez questão de manter as melhores relações com Estados que seguiam esta religião – e, além disso, fossem produtores de
petróleo. Países como o Iraque e a Líbia enviaram recursos à Federação para a construção de mesquitas. Em Sarajevo existem vários institutos
de ensino superior muçulmanos, uma medersa (escola superior) e uma faculdade (FERÓN, 1995, p. 73).
28
TABELA 2
Língua, nacionalidades e religiões predominantes na região dos Bálcãs (1987)
Língua
36
BósniaHerzegovina
Croácia
Macedônia
Nacionalidades
Eslava
Croata (Eslava)
Macedônia
(Eslava)
Sérvia e
Montenegro
Eslovênia
Sérvia
(Eslava)
Eslovena
(Eslava)
Muçulmanos (44%)
Sérvios (31%)
Croatas (17%)
Croatas (78%)
Sérvios (12%)
Muçulmanos (1%)
Macedônios (65%)
Albaneses (16, 6%)
Turcos (4,8%)
Ciganos (2,7%)
Sérvios (2,2%)
Sérvios (62,3%)
Albaneses (16,6%)
Montenegrinos (4,9%)
Húngaros (3,3%)
Muçulmanos (3,1%)
Eslovenos (90,5%)
Croatas (2,9%)
Sérvios (2,2%)
Muçulmanos (1%)
Religiões
Muçulmana (44%)
Ortodoxa (31%)
Católica (17%)
Católica (90%)
Ortodoxa (11,1%)
Muçulmana (1,2%)
Ortodoxa (90%)
Muçulmana (10%)
Ortodoxa (44%)
Católica (31%)
Muçulmana (12%)
Católica (90%)
Ortodoxa
Muçulmana
Fonte: Dicionário das Relações Internacionais, 2006, p. 43
Na tabela, observa-se a escassa coesão nacional existente em cada uma das
Repúblicas que compunham a ex-Iugoslávia. A verificação desse fato é de crucial
importância na hora de entendermos o avanço do nacionalismo e a evolução do
conflito entre os diversos grupos que não se identificavam com “o mesmo todo”
(HABERMAS, 1995):
Somente a percepção de uma identidade nacional, cristalizada em torno de
uma história, língua e cultura comuns e a consciência de pertencer à
mesma nação é que faz com que pessoas distantes, espalhadas em amplos
territórios, se sintam politicamente responsáveis umas pelas outras. Dessa
maneira, os cidadãos passam a se ver como partes de um mesmo todo [...]
(p.92).
A distribuição das religiões – outro dos fatores que ajuda a explicar a crise
balcânica - pode ser visualizada no seguinte mapa:
36 Há duas acepções da palavra muçulmano: 1. Política, correspondente a uma “nação” da ex-Iugoslávia (população islamizada de língua servocroata); 2. Confessional, que designa a população de religião muçulmana (BONIFACE, 2006, p. 43). Informações mais detalhadas sobre os
muçulmanos da Bósnia em WOODWARD, Susan. Bosnia and Herzegovina. Cap.3. In: WALTER, Bárbara; SNYDER, Jack, 1999, p. 109.
29
Mapa 2: Religiões na Iugoslávia.
Fonte: KINDER, Herman; HILGERMAN, Werner. Atlas Histórico Mundial (II): de la Revolución
Francesa a nuestros días. Madrid: Akal, 2006.
2.2
Antecedentes e Causas do Conflito
A República Democrática Federal da Iugoslávia foi proclamada após a II
Guerra Mundial37, uma vez que finalizou a ocupação nazista na região38.
Apresentam-se a continuação alguns elementos do contexto que favoreceram
a crise na região balcânica39, assim como alguns dos pontos cruciais da sua história
37 A Iugoslávia constituiu uma área de fronteira entre vários impérios e culturas – bizantinos, sérvios, austríacos, dentre outros. Os primeiros
conflitos entre grupos étnicos, portanto, datam de épocas remotas. Para entender como se deu o processo de extinção desse Estado,
acreditamos suficiente começar a nossa análise a partir da II Guerra Mundial (BONAMUSA, 1998, p. 96).
38 Ao longo desse conflito, o então “Reino da Iugoslávia” presenciou horríveis violações aos direitos humanos, tanto por parte dos nazistas como
dos ustachis croatas. Estes últimos, seguidores do regime de Ante Pavelic, inauguraram uma limpeza étnica contra os sérvios. Em menor medida
os chetniks – extremistas sérvios - praticaram uma política similar. MORIN (1991) considera que este tipo de purificação é o estado supremo do
etno-nacionalismo e do nacional-totalitarismo (p. 76).
30
que são decisivos para entender o auge da onda nacionalista. Na visão de BRENER
(2000):
O fim da Iugoslávia não seria nem só um produto do colapso do bloco
socialista, nem só produto de suas razões internas. Foi um jogo de futebol
em que os dois times de motivos se misturaram (p. 18).
Sustentando esta idéia, MORIN (1991) salienta que não há compreensão
possível desta guerra a menos que se examinem os antecedentes, as causas, as
circunstâncias e as conseqüências de uma “tragédia em cadeia saída do
desmembramento do comunismo totalitário” (p. 40).
2.2.1
Contexto histórico (1945-1980)
A II Guerra Mundial (1939 – 1945) finalizou com a vitória dos Aliados sobre as
potências do Eixo40. Ao longo deste conflito, os nazistas tinham invadido a exIugoslávia, enquanto a população dividiu-se entre os nacionalistas (leais ao rei
sérvio Pedro II, exilado em Londres) e os guerrilheiros (que apoiavam o Partido
Comunista, PC41).
Liderando estes últimos encontrava-se Josip Broz Tito, o futuro marechal, que
conseguiu manter a união das seis Repúblicas durante mais de quarenta anos42. Na
concepção de REIGOTA (2001) “Tito foi uma figura que representa a Iugoslávia e
deve ser visto como um símbolo e não como um homem comum” (p. 60).
39 Cartografia e comentários sobre a evolução histórica dos Bálcãs em: L’évolution territoriale de la Yougoslavie entre 1815 et 1999. Disponível
em: http://www.monde-diplomatique.fr/cartes/yougoslaviemdv49
40 Na II Guerra Mundial (1939-1945), os “Aliados” (a França, a Inglaterra e a União Soviética) venceram as potências do “Eixo” (a Alemanha, a
Itália e o Japão). Ver: MOTA, Myriam; BRAICK, Patrícia, 1998, p. 516.
41 Em 1942, os partisans eram 60.000; um ano depois eram 150.000. O programa político de Tito atraiu tanta gente rapidamente devido,
principalmente, à promessa do fim dos latifúndios e à criação de uma federação entre os povos eslavos, na qual nem a Sérvia nem qualquer
outra nação seria hegemônica (BRENER, 1996, p. 47).
42 O PC, Partido Comunista Iugoslavo – posteriormente denominado Liga Comunista – foi um dos mais fortes de toda a Europa. Muitos dos seus
seguidores sofreram fortes perseguições e seus principais líderes (o ex-secretário geral Gorkic, Mavrac, Martinovic, Grijetic, dentre outros) foram
assassinados em território soviético. O único sobrevivente da direção histórica do partido foi Josip Broz (1892-1980), quem liderou a organização
dos guerrilheiros comunistas – os partisans – contra o invasor nazista. Doravante, o Partido Comunista será citado pelas sigas PC.
31
Em 1945, após a abolição definitiva da dinastia dos Karageorgevic, Tito foi
nomeado Primeiro Ministro e Ministro da Guerra da República Federativa Popular da
Iugoslávia43.
Em um primeiro momento, o marechal esforçou-se em demonstrar sua
lealdade aos soviéticos, e assinou todos os acordos econômicos que Stalin lhe
propôs. Desta forma, Tito recusou-se a aceitar, por exemplo, o Plano Marshall,
consistente na reconstrução da Europa ocidental em bases capitalistas, financiada
pelos EUA “através da injeção maciça de capital a juros baixos” (BRENER, 1996, p.
51).
A cooperação com a URSS foi intensa. Um acordo – repetido com vários
outros regimes do bloco socialista – dava direito aos soviéticos de explorar as
amplas reservas minerais iugoslavas, e, em troca, seria aberta uma linha de crédito
de US$ 135 milhões para que a Iugoslávia consolidasse a sua industrialização.
Vários outros acordos entre os dois modelos socialistas foram celebrados; pode-se
destacar a adesão da Iugoslávia à coletivização forçada44. Para muitos iugoslavos a
coletivização significou uma clara aproximação do titismo ao regime que Stálin
instaurou na URSS (REIGOTA, 2001, p. 66).
A coletivização, na opinião de BRENER (1996), foi um desastre, uma vez que
os camponeses passaram a produzir menos – porque não viam o resultado do seu
trabalho na forma de lucro – e as colheitas de cereais e frutos despencaram. Houve,
inclusive, episódios de violência e assassinatos, pois muitos proprietários resistiram
a entregar suas terras às novas comunas controladas pelo Estado (p. 53).
Porém, nem com todas estas atitudes que supostamente agradariam a Stalin,
Tito – considerado por muitos um herói nacional, carismático e supra-partidista –
conseguiu que o governante soviético considerasse realmente a Iugoslávia como um
aliado. Isto porque, ao contrário de representantes búlgaros ou tchecos, seu líder
tinha chegado ao poder sem o apoio do Exército Vermelho e o apoio popular que
recebia demonstrava que não precisava da ajuda de Stálin para sustentar-se no
comando
do
país.
O
distanciamento
entre
ambas
as
potências
deu-se
43 MORIN (1991) adverte que o Tratado de Versalhes, para evitar a dispersão das etnias do Império Otomano e do Império Austro-Húngaro em
pequenas nações frágeis, criou de fato Estados-Nação pluriétnicos como a Iugoslávia, envolvendo povos de origem comum mas separados por
séculos de destinos diferentes. De acordo com o autor, nem a Tchecoslováquia nem a Iugoslávia dispuseram de tempo histórico suficiente para
integrar as suas etnias numa nação pluriétnica (p. 45).
44 A coletivização forçada, de acordo com BRENER (2000) foi uma “medida adotada por Stálin, obrigando os pequenos proprietários rurais a
entregarem suas terras e rebanhos ao Estado, em troca da adesão a uma comuna”. Segundo este autor, a resistência dos camponeses
soviéticos e a repressão de Stalin causaram milhões de mortes na URSS. A coletivização foi exportada aos países do Leste socialista (p.112).
32
principalmente devido ao descumprimento das promessas soviéticas de apoio
econômico.
Desta forma, Tito começou a se voltar para o Ocidente, até que, em 1948,
Stálin decidiu denunciá-lo como um “traidor a serviço do imperialismo” (BRENER,
2000, p. 59). Este foi o passo decisivo para a consolidação do primeiro modelo
socialista independente de Moscou.
A partir desse momento o PC iugoslavo começou a desenvolver um novo
projeto econômico-político, num momento em que a industrialização do país se viu
substantivamente prejudicada. O PC, para que fosse diferenciado dos dirigentes de
Moscou, passou a ser chamado Liga Comunista45 (GARCIA, 2006, p. 111).
Na visão de EGUIAGARAY (1991, p. 98) a Iugoslávia foi o Estado mais
peculiar do socialismo real46: fruto de uma revolução autóctone (caso único na
Europa do Leste), de uma política de “não-alinhamento” e da aproximação política ao
Terceiro Mundo, assim como de uma tentativa de autogestão47 e descentralização
(federalismo territorial com partido único). Sendo assim, o titismo pode ser enxergado
como uma terceira via: um projeto de comunismo nacional sem sovietização
(RAMONET, 1993)48.
2.2.1.1 Características Próprias do Modelo Iugoslavo
Até agora o nosso estudo visou descrever algumas características do modelo
de Josip Broz Tito, desde a ascensão do marechal ao poder até seu distanciamento
com a União Soviética, a finais da década de 1940.
Passaremos a analisar brevemente algumas dos traços próprios do modelo
da Federação, que diferenciaram o Estado iugoslavo de outras unidades políticas
próximas, tanto em termos geopolíticos como ideológicos. De acordo com BRENER
(1996, p. 14-18), podem ser citadas as seguintes:
45 Ver detalhes sobre a industrialização iugoslava em GARCIA (2006, p. 112). A tabela 5 mostra as dificuldades de vários setores nos anos
1940-1950.
46 BRENER (200, p. 114) afirma que o socialismo real é um “termo que definia os antigos regimes pró-Moscou, em oposição ao socialismo
imaginado por seus pioneiros, como o teórico alemão Karl Marx”.
47 Cabe destacar que a auto-gestão foi verificada no campo econômico e cultural, mas não no âmbito político.
48
Ver:
RAMONET,
Ignácio.
Kosovo.
diplomatique.fr/1999/02/RAMONET/11675.html
Le
Monde
Diplomatique,
fevereiro,
1999.
Disponível
em:
http://www.monde-
33
A ditadura do PC, embora rígida em alguns aspectos, tolerou greves e, às
vezes, uma imprensa mais atuante. Ao contrário do que ocorreu na URSS49, não
existiu na Iugoslávia uma política de “russificação50 adaptada”. Na União Soviética a
questão das minorias foi resolvida com a imposição das particularidades culturais da
maioria dos habitantes sobre o conjunto da sociedade, enquanto Tito conseguiu
construir uma Federação de Repúblicas com direitos iguais. O marechal tentou
também eliminar todas as possíveis políticas de repressão às minorias nacionais.
Como salienta BUGASKI (1997):
Dada a constituição multiétnica e multilingüística do país, e também a
ideologia “leninista” do regime comunista, era de esperar que fosse adotada
e desenvolvida uma política de igualdade nacional e lingüística, incluindo
também os grupos minoritários. Este princípio fundamental impediu
claramente a existência de uma ou mais línguas “estatais” ou “federais”:
oficialmente, todas eram iguais, sem ser nenhuma dominante ou favorecida
legalmente, independentemente do número de habitantes. Em conjunto,
esta política de igualdade pela qual a Iugoslávia foi internacionalmente
reconhecida e funcionou bastante bem [...]. (p. 17, tradução nossa).
Tito esforçou-se em impedir o domínio de uma nacionalidade sobre outra, e,
portanto, nunca houve proibições do uso de vários idiomas, e mesmo a prática
religiosa era relativamente tolerada. Nos organismos estatais, era observada a
participação de todas as nacionalidades. Diferencia-se assim a Iugoslávia de vários
outros casos da Europa do Leste51, nos quais, no fim dos anos 1980:
As nacionalidades oprimidas, livres de governos repressivos foram
levantando-se, exigindo o direito de ensinar seu velho idioma nas escolas
da área, o direito de praticar sua religião, recuperar sua história e até
enterrar os mortos de acordo com os antigos costumes. (BRENER, 1993, p.
15).
A Liga Comunista Iugoslava argumentava estar forjando “laços fraternais
indestrutíveis” entre todos os iugoslavos, baseados no “nacionalismo socialista”
(PRAT, 2002, p.85). Nas palavras do próprio Tito:
O comunismo nacional não existe. Nós, comunistas iugoslavos, também
somos internacionalistas. Apenas, de acordo com a nossa opinião, os
49 A URSS, União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, conglomerava 140 nacionalidades (ORTEGA, 2001, p. 1).
50 O autor define a russificação como a “diretriz aplicada pelo ditador soviético Josif Stalin a partir dos anos 30 que consistia em reprimir as
manifestações das características nacionais, culturais e religiosas das minorias” (BRENER, 1993, p. 114).
51 Observa-se, por exemplo, que os tártaros e chechenos foram proibidos de praticar livremente seu idioma, sua religião e tradições no território
soviético. Na Bulgária, a minoria turca foi forçada a “bulgarizar” seus nomes, e o mesmo ocorreu com a minoria judaica na Albânia.
34
comunistas dos diferentes países que constroem o socialismo vivem em
condições específicas, nas quais edificam o novo sistema social (TITO apud
BRENER, 1996, p. 55)
A Iugoslávia de Tito não fez parte do Pacto de Varsóvia52 e opôs-se às
invasões soviéticas que destruíram os movimentos liberalizantes da Hungria (1956) e
da Tchecoslováquia (1968)53. Desta forma, Tito teve uma participação decisiva no
Movimento dos Países não Alinhados a partir de 195654.
No inicio dos anos 1950, o país decidiu aderir-se aos organismos financeiros
ocidentais e pediu um empréstimo de US$ 250 milhões ao Banco Mundial, apesar de
terem sido aprovados apenas US$ 29 milhões em créditos.
Em 1953, deu-se o fim da coletivização forçada na área rural.
A crise econômica dos anos 1980 deveu-se, parcialmente, a posteriores
empréstimos similares, que fizeram com que a Federação contraísse uma séria
dívida externa. A economia iugoslava não se integrou ao COMECON55, e optou pelo
socialismo de mercado – que posteriormente revelou ser a abertura ao sistema
capitalista. O modelo de Tito foi caracterizado pela autogestão (1953 a 1964), que
incentivava a participação dos trabalhadores nas decisões tomadas em suas
empresas. Desta forma, operários e funcionários burocráticos recebiam permissão
para organizarem-se em grupos de debate e discutir normas de trabalho e metas de
produção56.
O fim do bloco soviético deve ser considerado, uma vez que teve reflexos
fortíssimos sobre os países balcânicos. Mikhail Gorbatchev chegou ao poder em
1985 e deu início às políticas de Glasnost e Perestroika57 – abertura política e
52 O Pacto de Varsóvia foi uma aliança militar formada em 1955 por nove Estados do Leste Europeu e a URSS. Opunha-se à OTAN,
organização que reunia o bloco capitalista, e foi extinto em 1991 (DUROSELLE, 1995, p. 386).
53 Nesse ano, Tito reconheceu a autonomia da província do Kosovo, que, como já foi citado, estava composta por uma maioria albanesa e
apenas 15% de sérvios. Mais detalhes sobre a província em: RAMONET, Ignácio. Kosovo. Le Monde Diplomatique, fevereiro, 1999.
54 O Movimento era uma tentativa de organizar o Terceiro Mundo em alternativas de desenvolvimento e ação política unitária, em contraposição
às duas superpotências, EUA e URSS que lideravam, respectivamente, a esfera capitalista e a comunista durante os anos da Guerra Fria. Em
1956 Tito criou, junto com o egípcio G.A.Nasser e o indiano J.Nehru, o Movimento dos Paises Não-Alinhados, que foi uma “esperança de
funcionar como porta giratória entre soviéticos e norte-americanos” (BRENER, 1996, p. 55)
55 O Comecon ou Caem (Conselho de Assistência Econômica Mútua), mercado comum dos membros do Pacto de Varsóvia, tinha como objetivo
coordenar
a
política
econômica
desses
países.
É
conhecido
como
“a
versão
soviética
do
Plano
Marshall”.
Fonte:
http://www.britannica.com/eb/article-9054503/Comecon
56 Deve ser salientado que a proposta de autogestão é contraditória com a forma pela qual o modelo foi adotado. O partido único decidiu aplicar
o modelo, enquanto o termo significa o auto-governo dos trabalhadores (BONAMUSA, 1998, p. 188).
57 Literalmente, estes termos significam “transparência” e “reconstrução”. Eles definem o programa político de M. Gorbatchev: uma abertura
política e econômica, sob o controle do regime. Isso manteve-se durante pouco tempo, já que o líder soviético terminou sendo ultrapassado por
uma verdadeira revolução contra o comunismo. Enfrentando um movimento pró-democracia cada vez mais forte e, no lado oposto, os militares
“linha-dura” “Gorbatchev, a contragosto, teve de assinar o suicídio da União Soviética, no Natal de 1991” (BRENER, 1996, p. 63).
35
reestruturação econômica, respectivamente. Além disso, as conseqüências da queda
do Muro de Berlim, em 1989, assim como o imenso movimento de massas que
derrubou a ditadura comunista na Alemanha Oriental influíram na conjuntura
balcânica. Por exemplo, relacionam-se diretamente com protestos generalizados
contra o comunismo, seguidos pela formação de partidos oposicionistas na maioria
dos Estados da península.
Como foi citado, o modelo do marechal Tito tinha características bastante
originais. Cada república tinha seus direitos e seus deveres, garantidos com mão
forte pela ditadura da Liga Comunista. As diferenças entre as repúblicas mais ricas
(Eslovênia e Croácia) e as mais pobres (Montenegro ou a região do Kosovo) eram
compensadas pelo Estado, que redistribuía as riquezas. Como afirma AGUILAR
(2003):
Internamente, ele (referindo-se a Tito) evitou que cada República se
fortalecesse de maneira que pudesse colocar em perigo o equilíbrio do país.
Dentro dessa filosofia, a Bósnia, por ser a república mais frágil, devido à
multietnicidade, recebeu maior atenção [...] e conheceu maiores progressos
(p. 66).
Uma vez analisadas as características da Iugoslávia, cabe destacar que a
guerra civil na Federação não foi um fato isolado, mas fez parte de um contexto de
crise em várias unidades políticas multinacionais. Este contexto, no caso do Leste
europeu, foi alimentado pela falência do regime comunista e de sua proposta
internacionalista (BRENER, 1993, p. 14).
2.3
2.3.1
O Processo de Desintegração da Iugoslávia
O Pós-Titismo
A morte do marechal Tito (1980) marcou, indiscutivelmente, um antes e um
depois na região, pois, a partir de então, as tensões entre os diversos povos foram
incrementadas. Isso aconteceu em pleno final do século XX, um momento em que a
economia mundial marchava para uma integração cada vez maior e as utopias de
36
países isolados davam lugar ao sucesso da União Européia, ao Nafta, ao mercado
do Pacífico – em torno do Japão – e ao Mercosul (BRENER, 1996, p. 61).
Apresentam-se, a seguir, alguns dos motivos pelos quais “após a morte do
marechal começou a afundar o único modelo de convivência igualitária entre
nacionalidades até então aplicado nos Bálcãs” (SAMARY, 2002).
Naquele momento, tentou-se regular a chegada ao poder dos seus
sucessores58 para que estes conseguissem manter a Iugoslávia unida. Mas as
divisões étnicas se avivaram e alguns problemas que pareciam ter sido enterrados no
fim da II Guerra Mundial ressurgiram. Os conflitos cresceram de forma contínua. O
complexo processo de transição corroeu a legitimidade do sistema e o pós-titismo
não resistiu à prova da manutenção das suas bases estruturais (HALL, 1995, p. 51).
A eclosão das hostilidades pode ser abordada ao tentar entender a forma
como confluíram elementos tais como: “a tensão histórica, o fracasso econômico do
modelo de autogestão, as identidades culturais e as ambições territoriais [...] que
derivaram em um drama surpreendente, mas não imprevisto” (TAIBO; LECHADO,
1993, p. 122, tradução nossa).
No entender de BRENER (1996):
O fim do comunismo levou para o ralo muitas das antigas “certezas” – a
economia controlada pelo Estado, o emprego certo, o ateísmo quase oficial,
o partido único. Multidões passaram a procurar novas referências de vida,
materiais e espirituais (p.7).
Em termos geo-estratégicos, a situação da região era conturbada, devido à
falta de homogeneidade de Estados que compartilhavam suas fronteiras: dois eram
membros do Pacto de Varsóvia (Romênia e Bulgária), dois pertenciam à OTAN
(Grécia e Turquia), um era líder dos não-alinhados (Hungria), e a Albânia era
refratária a qualquer aliança militar (REIGOTA, 2001, p.297). Não somente nos
Bálcãs a eclosão de um conflito era esperada. Observa-se que:
Quando um sistema de ordem nacional entra em colapso, as pessoas
recorrem às identidades étnicas e confessionais que excluem os outros
com os quais eles antes viviam em harmonia. Pressões internacionais por
competitividade política pluralista e sistemas econômicos também são
58 Foi previsto que após o falecimento do líder iugoslavo uma diretoria colegiada assumiria o poder. Estaria composta por oito membros que
alternariam anualmente na titularidade da presidência da República. Este sistema rotatório conseguiu manter unidos os povos iugoslavos durante
apenas dez anos, até que a Croácia e a Eslovênia declararam a sua independência (REIGOTA, 2001, p. 294).
37
fatores de aumento do problema. Tais condições estiveram presentes no
caso da Iugoslávia (ZARTMAN, 1999, p. 4).
Em termos econômicos, a crise da Iugoslávia começou a crescer desde 1980,
ano em que se concretizou uma piora geral de caráter produtivo, financeiro e
comercial. Isto repercutiu em crescentes dificuldades no mercado de trabalho, assim
como na redução dos serviços sociais. A autogestão foi puramente nominal e
reduziu-se o já limitado espaço de mercado devido a um intervencionismo estatal
intenso. A crise econômica e o crescente descompasso entre as regiões mais
favorecidas e as mais pobres inviabilizaram a continuidade da federação com direitos
iguais após 1980 (GARCIA, 2004, p. 61). Esta diferença entre umas regiões e outras
foi verificada ao comparamos as repúblicas mais ricas (Eslovênia, Croácia e Sérvia,
nessa ordem)59 e as áreas mais pobres (Montenegro e Kosovo). No entender de
MORIN, (1995), “a diversidade econômica impeliu as repúblicas ricas do norte, a
Eslovênia e a Croácia, a desprenderem-se das repúblicas miseráveis do sul”. (p. 21).
Por outro lado, o sistema de autogestão60 não incentivou o investimento, daí a
continuada procura de empréstimos e financiamento externo. Os organismos
financeiros internacionais61 começaram a exigir da Iugoslávia ajustes duros da
economia para continuar aprovando novos empréstimos.
A crise econômica refletiu-se, como veremos, em diversos outros aspectos,
como considera a socióloga francesa SAMARY (2002):
Na sociedade iugoslava, onde progressivamente se pôs em xeque a
identificação entre sociedade e Estado, todos aqueles que adquiriram maior
poder de decisão – repúblicas, empresas auto-geridas, grupos de interesses
– não aceitavam mais perder privilégios em nome das razões de Estado (p.
19).
Os problemas econômicos, por exemplo, terminaram colapsando a ideologia
titista, que atribuía a todos os comunistas a tarefa de combater as tendências ao
nacionalismo burguês anti-socialista e evitar, ao mesmo tempo, a propensão ao
59 Como dados exemplificativos de tal fato, pode ser citado que a Eslovênia, com apenas 8% da população iugoslava, respondia por 30% do
PIB. O Kosovo tinha 70% de seu orçamento financiado pelo Estado central. Fonte: ESLOVENIA, 2004, p. 88.
60 Enquanto Tito se encontrava no poder, a economia estava basicamente estatizada, com os serviços públicos quase gratuitos. Para garantir a
competitividade necessária à disputa dos mercados ocidentais, o líder iugoslavo incentivou a autogestão nas empresas. Em conseqüência, o
ditador teve de tolerar as greves desde os anos 60, quando elas eram impensáveis no bloco soviético (BRENER, 1993, p. 69).
61 Dentre estes órgãos destaca-se o Fundo Monetário Internacional, que dispõe de alguns mecanismos para remediar a situação econômica dos
seus membros. Neste caso, foi aconselhado o remédio monetarista, consistente em reduzir a inflação ao cortar os gastos do Estado, comprimir
os salários e elevar os juros bancários. Ver: DRAGAN, 1993.
38
centralismo de acordo com o princípio “nem particularismo local nem imposição de
grande-Estado” (PRAT, 2002, p. 85, tradução nossa).
Observa-se que diante de tamanha crise tornou-se muito difícil consolidar a
tolerância e a democracia. No entender de HOBSBAWN (1998) a grande conquista
dos regimes socialistas em países multinacionais foi similar ao posterior efeito
desastroso do nacionalismo espalhado pelas falecidas unidades estatais. De acordo
com BUGARSKI (1997):
Finalmente, o colapso do comunismo na Europa do Leste deixou a
Iugoslávia, que já estava a caminho da dissolução, sem o laço de uma
ideologia comum. Neste ponto, as elites políticas das respectivas
repúblicas, na sua luta por manter o poder e os privilégios impedindo o
possível avanço de um genuíno pluralismo democrático acolheram-se à
única força que lhes restava e era o suficientemente forte para mobilizar o
povo desiludido: o nacionalismo. (p. 6, tradução nossa).
Outro ponto importante a ser destacado é que, normalmente, toda crise
econômica costuma ser acompanhada por uma crise de valores de diversos
aspectos. Neste caso, o Estado unitário e ditatorial que por dezenas de anos foi a
única referência forte do dia-a-dia da população desapareceu de uma hora para
outra. Despidas dessas referências, milhões de pessoas foram buscar raízes mais
profundas, como a origem croata, tadjique ou eslovaca.
BRENER (1996) acredita que:
O colapso do mundo comunista, no fim dos anos 80, derreteu o gelo que
esfriara conflitos ancestrais. Num primeiro momento, parecia que as várias
nacionalidades e religiões tentariam recuperar suas tradições, praticar
livremente sua fé, conhecer seus idiomas e sua literatura, coisas que muitos
governos comunistas haviam proibido. Mas a partir do início dos anos 90,
quando o fim do comunismo se fez acompanhar por uma terrível crise
econômica, o renascimento cultural dos Bálcãs rapidamente se transformou
numa oleada de intolerância, alimentada por graves problemas políticos,
econômicos e sociais (p.7).
As hostilidades entre as várias nacionalidades eram muito antigas e viviam
num estado de permanente ebulição até a criação do Estado socialista, no fim dos
anos 40. Tais confrontos, como as duas Guerras Balcânicas (1912-1913) ainda
encontravam-se muito presentes na memória dos iugoslavos62. No momento em que
estes povos procuraram novamente suas origens como referência, “parece ter
62 A tensão constante entre os grupos nacionais pode ser verificada, por exemplo, no Kosovo, no momento em que os turcos destruíram, no
século XV, o reino sérvio ou quando os croatas pró-nazistas massacraram os sérvios na II Guerra Mundial (CUETO, 2006, p. 32).
39
ressurgido velhas querelas e lembranças hostis que o regime socialista havia
congelado” (SAMARY, 1998).
O federalismo, que na Iugoslávia teve certa virtualidade como fator de reparto
de quotas de poder entre elites locais, acabou operando para preservar seus
interesses e os da sua área com o fim de consolidar-se e contar com apoio social.
Os diversos planos de reformas fracassaram sucessivamente pelas
diferenças entre as elites políticas das Repúblicas que fecharam o mercado interno:
a falta de coesão e coordenação econômicas, favorecida pelas possibilidades
descentralizadas da Constituição de 1974 reforçou as tendências centrífugas e a
autarquia local (MORIN, 1995, p. 70-82).
De acordo com PRAT (2002) a
Constituição
econômica
“ampliou
a
descentralização
territorial,
reforçando
identidades nacionais a modo de mecanismo compensador pela desconsideração de
direitos pessoais” (p. 79, tradução nossa).
2.3.2
Milosevic no poder
Um dos fatores-chave para a consumação da ruptura política do sistema, na
opinião de GARCIA (2004) foi o acesso de Slobodan Milosevic63 ao poder. Este
dirigente optou pelo nacionalismo sérvio64 como elemento básico do seu emblema
para consolidar-se no poder e mobilizar a população. O autor acredita que o fato
mais transcendental do drama iugoslavo foi a chegada à chefatura do partido
comunista sérvio de S. Milosevic, pois “soube como ninguém explorar o
ressentimento entre as diversas nacionalidades que compunham o Estado iugoslavo”
(GARCÍA, 2004, p.31).
Em 1988, percebendo que o socialismo estava em crise em todo o mundo, o
líder comunista sérvio decidiu destruir de vez o modelo de Tito e assumir o
controle de todo o país (BRENER, 1996, p. 68).
63 Milosevic (1941-2006) foi presidente da Sérvia e da República Federal da Iugoslávia; morreu repentinamente enquanto aguardava julgamento
pelos crimes cometidas ao longo dos conflitos balcânicos. Outras informações sobre a ideologia nacionalista do dirigente sérvio em: DERENS,
Jean, 2004. La Valise Diplomatique. Disponível em: http://www.monde-diplomatique.fr/dossiers/serbie2003/
64 Bernard Ferón explica a argumentação utilizada pelo líder sérvio ao condenar “a divisão das Repúblicas e províncias autônomas operada por
Tito como uma injustiça contra os sérvios, do mesmo modo que as perseguições que iriam vitimar os sérvios no Kosovo e as ameaças que
recairiam sobre elas nas outras Repúblicas” (FERÓN, 1999, p. 74).
40
Além de depurar o aparato do partido, Milosevic suprimiu a autonomia de
Voivodina (1988) e Kosovo (1989), assegurando o apoio de Montenegro. Desta forma
inaugurou-se uma política de repressão albanesa65. O abandono da tradicional
política oficial em relação às nacionalidades rompeu o delicado equilíbrio étnico
iugoslavo: as elites locais apostaram então pelo nacionalismo independente como
elemento de pressão sobre o centro.
O dirigente sérvio anunciou seu projeto de reformar a Constituição Federal de
1974 em sentido centralizador para modificar o acesso rotativo automático à
presidência federal e restringir as amplas competências de Repúblicas e Províncias.
Em 1989, os comunistas croatas e eslovenos abandonaram a Liga, durante o
chamado XIV Congresso Extraordinário do Partido Comunista. Em Março do ano
seguinte, a Eslovênia realizou sua primeira eleição livre e Milan Kucan foi eleito
presidente. No caso da Croácia, foi escolhido o general e historiador militar Franjo
Tudjman. Ambas as Repúblicas pretendiam a independência do resto da Iugoslávia.
Milosevic se opôs firmemente ao desmembramento da Federação, e tentou
assumir o controle através de uma política de repressão66.
Na lógica do líder sérvio, se ele permitisse a independência eslovena, as
outras repúblicas reclamariam o mesmo direito67. Assim, depois de um bloqueio
econômico à República “rebelde”, Milosevic optou pela ocupação. Acontece que,
como foi citado na primeira parte deste trabalho, a Eslovênia mantinha sólidas
relações com a cultura germânica, e, sendo a maior potência da CEE no momento, a
Alemanha reconheceu a independência da República e pressionou o líder sérvio para
deter as agressões. Os Acordos de Brioni68 selaram esta intenção. Segundo
AGUILAR (2003):
A guerra começou na Eslovênia, a qual não tinha problemas étnicos ou
religiosos em seu território. A questão eslovena era econômica. Com um
pequeno território dentro da federação, mas com um grande filão na
economia iugoslava, achou que, independentemente, deixaria de “sustentar”
65 Os alvos principais escolhidos foram os eslovenos e croatas “separatistas”, além dos supracitados albaneses do Kosovo. Isto porque o
Kosovo era a parte mais atrasada da Iugoslávia, e, portanto, foi fácil para Milosevic “transformá-las em bode expiatório da crise” (BRENER, 1996,
p. 68).
66 Desta forma, os albaneses perderam seus empregos públicos e passaram a ser submetidos a constantes ataques das tropas sérvias. De
acordo com a Anistia Internacional, entidade que fiscaliza o respeito aos direitos humanos em todo o mundo, até 1992 mais da metade dos 2,6
milhões de albaneses havia passado pelas prisões sérvias. Ver em: http://web.amnesty.org/library/index/ESLEUR700451999
67 Assim, Milosevic decretou um bloqueio econômico – que não deu certo, porque a Eslovênia era praticamente auto-suficiente (ESLOVENIA,
2004).
68 Ver informação sobre tais acordos em: http://untreaty.un.org/unts/1_60000/11/11/00020542.pdf
41
as repúblicas mais pobres, o que lhe traria desenvolvimento, progresso e
melhor nível social (p. 287).
Uma vez que a Eslovênia atingiu a independência, como era de esperar, as
reivindicações croatas se intensificaram e colocaram em risco as pretensões de
Milosevic de assumir o controle de uma Iugoslávia unida. De acordo com MORIN
(1993), esta situação deu origem à “pequena guerra em que o exército federal falhou,
pois encorajou os croatas, e também o exército federal a não largar a Croácia, onde
as minorias sérvias apelavam à sua intervenção”. (p. 23)
Tudjman declarou a independência croata em 1991, mas cometeu o erro de
não apresentar nenhum mecanismo de garantia à minoria sérvia do novo Estado.
Assim, afirmando agir em defesa das minorias sérvias, Milosevic incentivou os
sérvios da Croácia a se revoltarem e forneceu armas, suprimentos e treinamento
militar.
Alegando proteger os 12% de sérvios que compunham a população da
Croácia, “Slobo” (apelido de Milosevic) invadiu o país. Era o renascimento
da velha disputa entre sérvios e croatas, que causou tantos combates ao
longo da história (BRENER, 1996, p. 69).
As atrocidades entre sérvios e croatas multiplicaram-se e o exército federal
esmagou brutalmente as cidades de Vukovar e Osijek (PRAT, 2002, p. 82-85).
A guerra fez com que o PIB da Croácia desabasse, de 13,5 bilhões de dólares
em 1990 para 7,5 bilhões dois anos depois. Era como se quase metade do país
tivesse desaparecido em 48 meses. Além disso, mais de seiscentos mil refugiados
chegaram ao Estado, majoritariamente croatas, que haviam fugido de outras regiões
da ex-Iugoslávia (EUROCID, 2007)69.
A Bósnia-Herzegovina foi a terceira das Repúblicas a manifestar sua vontade
de adquirir a liberdade. O reconhecimento europeu das novas unidades políticas
soberanas – da Croácia e da Eslovênia – deixou a Bósnia com apenas duas opções:
“buscar
independência
ou
manter-se
na
(CONCEIÇÃO, 2006, p. 9).
Podemos ressaltar que, segundo FERÓN:
69 Disponível em: http://untreaty.un.org/unts/1_60000/11/11/00020542.pdf
Iugoslávia
sob
domínio
sérvio”
42
Os muçulmanos da Bósnia e os macedônios não tinham, até 1992, um
gosto muito pronunciado pela independência [...]. Mas foram obrigados a
admitir, em 1992, a morte da federação, na qual eslovenos e croatas faziam
contrapeso para os sérvios. Inquietaram-se com a falta de rumo de um
sistema dominado pelos servo-montenegrinos e dirigido por um homem que
suprimia sem discussão as autonomias reconhecidas. Pela força dos
acontecimentos, a Bósnia-Herzegovina escolheu a independência e foi
escolhida pela guerra. (FERÓN, 1999, p. 76).
O presidente bósnio, Alija Izetbegovic, teve o cuidado de não criar uma
república muçulmana e convidou sérvios e croatas para participarem do governo. Os
sérvios representavam no início do confronto 33% da população, e os muçulmanos
cerca de 50%, com o restante dividindo-se entre croatas e outras minorias
(CONCEIÇÃO, 2006, p. 13).
A fase bósnia da guerra civil na ex-Iugoslávia teve lugar após o ataque das
forças sérvias a pretexto de “combater o surgimento de um Estado fundamentalista
muçulmano na Europa”. (BRENER, 1996, p. 69 – 71).
A maioria das suas cidades – como Sarajevo – foi submetida a um cerco
sérvio que nem sequer permitia que os víveres enviados pela ONU chegassem a seu
destino. Enquanto os muçulmanos habitavam principalmente as cidades, os sérvios
viviam no campo. E foi assim, “a partir do campo e com o apoio da mãe Sérvia, que
as milícias rapidamente ocuparam 70% do território original da Bósnia-Herzegovina”
(SERVA, 1994, p. 60).
Sarajevo, que por séculos fora ponto de encontro das culturas turca, eslava
e judaica, um verdadeiro umbigo na Europa, e que se transformara em
estopim da Primeira Guerra Mundial, era agora o foco do confronto dos
povos antes reunidos na ex-Iugoslávia. (BRENER, 1996, p. 72).
Os sérvios aplicaram a depuração étnica70 e transformaram o massacre de
muçulmanos e croatas em uma política de aniquilação sistemática. De acordo com a
Cruz Vermelha, a guerra na Bósnia foi o episódio mais mortífero e longo das guerras
iugoslavas, e foram criados 41 campos de concentração71.
70 Tadeusz Mazowiecki, relator especial da comissão de Direitos Humanos da ONU, explica que a purificação étnica – denominada cisjenje
prostora em servo-croata – não foi uma conseqüência da guerra, mas um dos seus objetivos. Ver a resolução da subcomissão 1995/1 em:
http://www.unhchr.ch/Huridocda/Huridoca.nsf/0/dbc33551f557a6f580256663004fa395?Opendocument
71 Dentre todas as atrocidades verificadas, destaca-se o estupro sistemático, principalmente de mulheres bósnias. O objetivo era humilhá-las
(eram muçulmanas, cuja tradição atribui um enorme valor à pureza feminina) e contribuir para a purificação étnica. Ver: RONCOLATTO, 2004, p.
16-30
43
Mapa 3: As frentes militares (verão de 1992)
Fonte: Fonte: BONIFACE, Pascal. Atlas das Relações Internacionais. Lisboa: Plátano
Ediciones Técnicas, 2000, p. 112.
Mas, além da crise na Bósnia-Herzegovina, novos conflitos se sucederam na
região dos Bálcãs. No Kosovo, os guerrilheiros do Exército de Liberalização do
Kosovo (ELK) lutaram pela independência da província contra as forças armadas e
os grupos paramilitares sérvios. Como será citado, a OTAN interveio militarmente
durante três meses e Milosevic, aproveitando a situação:
Apoderou-se de uma máquina de propaganda, fez uso de centenas de
refugiados, dos bombardeios e do custo da guerra. Habilmente, travou uma
batalha na mídia, utilizando-se da TV estatal sérvia e da Internet
(BRIGADAO In: AGUILAR, 2003, p. 14).
Em 2001, irrompeu, finalmente, o último foco de tensões. Desta vez, tratou-se
dos grupos guerrilheiros albaneses no noroeste da Macedônia – onde os albaneses
eram a maioria–, que lutavam pela incorporação da região à Albânia, contra as
Forças Armadas que tentavam pôr fim às insurreições.
AGUILAR (2003) sintetiza os principais episódios do conflito na região:
1.
A guerra civil na Eslovênia, entre a República recém proclamada e o
Exército do Povo da Iugoslávia, em 1991;
44
2.
A guerra civil na Croácia, entre croatas e sérvios, habitantes das
regiões de Krajina e Eslavônia, entre 1991 e 1995;
3.
A guerra civil na Bósnia-Herzegovina, entre as três facções étnicoreligiosas (sérvios, croatas e muçulmanos), entre 1992 e 1995.
4.
A guerra civil na província sérvia do Kosovo, entre o Exército Iugoslavo
e os guerrilheiros independentistas albaneses, entre 1998 e 1999;
5.
A guerra civil na Macedônia, entre forças armadas locais e os
guerrilheiros de origem albanesa, em 2001 (p. 10, adaptado).
2.4
O Fim dos Conflitos
A Comunidade Européia e a ONU estabeleceram uma Conferência
Internacional para a ex-Iugoslávia, e propuseram vários planos de gestão do
conflito72. Em Maio de 1993, como será mencionado em capítulos posteriores, os
enclaves muçulmanos de Sarajevo, Gorazde, Bihac, Srebrenica, Tuzla e Zepa foram
declarados “zonas de segurança” pela ONU.
Na primavera de 1994, quando as negociações e a atuação da UNPROFOR73
se encontravam num impasse, os Estados ocidentais retomaram a iniciativa através
de dois tipos de medidas: em primeiro lugar, os EUA, que até então tinham procurado
não intervir no conflito, obrigaram os croatas e os muçulmanos a constituir uma
Federação croato-muçulmana assinalando o fim dos combates entre as duas nações;
em segundo lugar, o Grupo de Contato74, propôs um plano de paz em julho de 1994,
prevendo a manutenção da Bósnia-Herzegovina como um Estado unitário, composto
por duas entidades: a federação croato-muçulmana e a entidade sérvia (BONIFACE,
2000, p. 86).
Após o fracasso de novas negociações, em 1995, a OTAN interveio
militarmente contra as posições sérvias até que, finalmente, a Paz de Dayton75 deu
fim às hostilidades na região. A Bósnia-Herzegovina continuaria sendo um Estado –
com banco central, moeda única e capital em Sarajevo –, dividido em uma República
Sérvia da Bósnia (49%). A paz seria garantida por sessenta mil soldados da ONU.
72 Dentre eles, destacam-se os planos Vance-Owen (Janeiro, 1993), Owen-Stoltenberg (Agosto, 1993) Juppé-Kinkel (Novembro, 1993) que serão
analisados no quinto capítulo deste trabalho.
73 A UNPROFOR foi a Missão das Nações Unidas instalada, em primeiro lugar, na Croácia, em 1992. Mais detalhes sobre a Missão a partir da página ?
deste trabalho.
74 Ver as referências do Grupo de Contato na p. ? deste trabalho.
75 Os acordos de Dayton foram concluídos em 21 de Novembro de 1995 e reuniram os presidentes sérvio, croata e bósnio. O anexo C deste trabalho (p. ?)
ilustra as novas fronteiras da Republica sérvia e da Federação bósnio-croata. Detalhes sobre o Acordo em CONCEIÇÃO, 2006.
45
2.5
As Conseqüências da Guerra
A guerra nos Bálcãs foi o maior conflito na Europa pós II Guerra Mundial
(MORIN, 1995, p. 40). Resulta complicado avaliar as conseqüências das hostilidades
derivadas do processo de desintegração de uma Federação de tais dimensões, sobre
tudo porque estas se produziram em cada República da ex-Iugoslávia de uma forma
distinta. Adotaremos, portanto, uma visão geral dos efeitos dos conflitos tanto em
âmbito regional como internacional.
O número de vítimas mortais ultrapassou os 250.000 (BONIFACE, 2000, p.
87), e a maior parte foram populações muçulmanas da Bósnia-Herzegovina76.
Só o cerco de Sarajevo deixou um saldo de 10.000 mortos e 57 mil feridos.
Na Bósnia, foram achadas 200.000 vítimas mortais e um número de
refugiados impossível de calcular, além de quatrocentas fossas comuns que
as Nações Unidas e outros organismos internacionais acharam (GARCÍA,
2003, p. 32, tradução nossa).
Além disto, foram verificadas as mais diversas torturas e violações aos direitos
humanos, como já foi citado, destacando-se que mais de 20.000 muçulmanas foram
violentadas sexualmente77. Nas palavras de BRENER (1996):78
Milhares de mulheres muçulmanas foram estupradas por milicianos sérvios.
Havia casos de meninas de 12 ou 13 anos sendo violentadas diariamente
por dez soldados, durante meses. (p. 71)
Desta forma, BRENER (1996) acredita que o real sentido da “limpeza étnica”
pretendido pelos sérvios era “gerar uma nova população, injetando “sangue sérvio”
na população antiga, muçulmana” (p. 71). AGUILAR afirma que a prática da limpeza
étnica envolveu métodos como “inquietação, discriminação, agressão, tortura,
execuções sumárias, [...], transferência de população à força”, dentre outros. (p. 292).
O conflito foi responsável pela maior leva de desabrigados neste meio século.
Até o começo de 1993 pelo menos 1,5 milhão de ex-iugoslavos de todas as origens
fugiu do país e da guerra. A maioria escolheu a Alemanha, quase vizinha, “uma
76 Mais detalhes sobre a guerra na Bósnia em: ALTARES, 2005.
77 Ver filme: HARRISON´s, 2002.
78 O autor relata trechos de uma entrevista com uma jovem muçulmana obrigada, por soldados que a mantiveram cativa, a dar a luz uma criança sérvia.
(BRENNER, 1996, p. 73-74)
46
aparente ilha de prosperidade em meio à crise econômica no Leste Europeu e onde
em 1991, no início da guerra civil já viviam 700 mil iugoslavos” (BRENER, 1993, p. 4).
A partir desse ano, verificou-se um êxodo de 4,5 milhões de pessoas, o que
corresponde a um quarto da população da ex-Iugoslávia. O regresso de cerca de
dois milhões de refugiados e pessoas deslocadas aos seus lugares de origem foi, e
continua sendo, um processo realmente problemático79 (BENIFACE, 2000, p. 87).
Em relação ao setor econômico, as repúblicas sofreram sérios abalos, difíceis
de serem superados. FERÓN (1999) lembra como grande parte das infra-estruturas
vitais, tais como as centrais elétricas, as redes de distribuição de água e outros
serviços essenciais foram deliberadamente destruídos (p. 97).
A conseqüência maior da guerra foi a destruição da infra-estrutura e do
parque industrial, o desemprego e a estagnação da economia. A maior parte
dos homens em idade militar foi recrutada pelos exércitos ou grupos
paramilitares, tendo sido desmobilizados ao final da guerra. Refugiados e
desalojados dirigiram-se, principalmente, para as maiores cidades, onde
teriam maiores condições de sobrevivência, agravando o quadro social.
(AGUILAR, 2003, p. 192).
Além da infra-estrutura, o patrimônio histórico e cultural também foi seriamente
danificado80. Só na Croácia81, os prejuízos elevaram-se a mais de US$ 3 bilhões. O
processo de reconstrução das áreas danificadas e as atividades humanitárias
destinadas a auxiliar as vítimas do conflito serão analisadas nos capítulos
subseqüentes.
79 Um dos maiores problemas pós-conflito foi a dificuldade de tentar reunir famílias e procurar pessoas desaparecidas. Um relatório do CICV narra esta
experiência em: http://www.icrc.org/web/spa/sitespa0.nsf/html/5TDNZG
80 Neste aspecto, pode se destacar a destruição de mesquitas – como a mesquita de Bey, maior santuário muçulmano da Europa fora da Turquia –, assim
como igrejas católicas e sinagogas. A Biblioteca de Sarajevo ardeu em chamas, e o Instituto de Estudos Orientais perdeu sua coleção de 5263 manuscritos
compilados desde o século XI e 7000 documentos de propriedades de terras. A ponte de Mostar, na Bósnia, construída em 1566 e seu arco de 30 metros
também foram destruídos, assim como a histórica cidade de Tulza.Ver: http://www.fbihvlada.gov.ba/english/index.php
81 Nesta República, mais de 200 bibliotecas foram destruídas e Dubronick é hoje considerado patrimônio cultural da Ver: http://whc.unesco.org/en/list/95e
47
Mapa 4: Número de refugiados e pessoas que foram removidas na Iugoslávia.
Fonte: BRENER, 1993, p. 92.
48
3
A CORRENTE INSTITUCIONALISTA
Antes de analisar o papel da ONU no conflito em análise, é necessário
apresentar o arcabouço teórico no qual baseamos a nossa abordagem. Assim sendo,
analisaremos, a seguir, o fenômeno do Institucionalismo e os fatores que se
encontram intrinsecamente ligados ao mesmo, tais como as normas, os tipos de
instituições e os níveis de institucionalização internacional.
3.1
Institucionalização
A disciplina de Relações Internacionais, cujo nascimento pode ser identificado
com a criação da primeira cátedra universitária dedicada a este campo de estudo,
em 1919, foi – e continua sendo – marcada pelos denominados “grandes debates”
entre várias correntes teóricas82 (GONÇALVES, 2002, p. 7 - 13).
Um dos pontos-chave, mormente discutido entre as diversas correntes, é
referente à interpretação sobre o que é, em definitiva, o cenário internacional. Por
exemplo, os teóricos realistas83 definem-no como o palco de concorrência e disputa
82 NASCIMENTO (2007) afirma que a partir do debruçar de pensadores sobre a complexidade da política internacional surgem as diversas
teorias nesta área com o intuito de tentar explicar e prever alguns comportamentos dos atores (p. 32). Uma teoria, no entender de VIOTTI e
KAUPPI (1998) “é uma construção intelectual que auxilia alguém a selecionar fatos e interpretá-los de tal forma que facilite uma explicação e
previsão a respeito das regularidades, recorrências e repetições do fenômeno observado (p. 3).
83 A teoria Realista, que foi durante um tempo considerável uma das visões mais hegemônicas dentro do campo teórico das Relações
Internacionais, tem por base o Estado soberano como ator principal no sistema internacional e caracteriza-se pela constante busca de todas as
formas de maximizar seus ganhos, poder e segurança. Como o Estado é visto como um ator unitário, o sistema internacional é marcado por uma
carência de uma autoridade supranacional capaz de reger o sistema internacional. No quadro de tal anarquia internacional, a cooperação entre
Estados só existiria caso fosse do seu interesse. Sendo assim, o papel das OIs e ONGs seria limitado a partir do momento que elas não seriam
encaradas como autoridades supranacionais, portanto, sua voz enquanto ator internacional seria altamente criticada e desvalorizada. A tradição
realista das pode ser resumida em cinco princípios: 1. Estados são os atores principais da política internacional (Morgenthau 1973; Waltz 1979);
2. O sistema internacional penaliza seriamente os Estados que falham na garantia de sua sobrevivência ou que perseguem objetivos além de sua
capacidade (Waltz 1979); 3. A anarquia é o princípio que molda os incentivos e ações dos Estados (Waltz 1979; Hoffmann 1965); 4. Na ausência
de poder supranacional, ou seja, na anarquia, poder e segurança representam as principais preocupações dos Estados que, por esse motivo,
estão predispostos ao conflito e à competição e, freqüentemente, falham em cooperar mesmo face a interesses comuns (Gilpin, 1986); 5.
Instituições internacionais afetam os prospectos para cooperação apenas marginalmente (Hoffmann 1973; Morgenthau 1973). Não foi feita a
diferenciação entre realismo e neo-realismo, pois em questões cruciais os novos realistas como Waltz e Gilpin estão em acordo com os realistas
como Morgenthau, Aron e Carr. A divisão, no entanto, é comum na literatura de RI e distingue as abordagens realista clássica e neo-realistas. O
neo-realismo ou realismo estrutural é associado à perspectiva teórica de Kenneth Waltz (1979), que enfatiza a estrutura anárquica do sistema
internacional como princípio chave da política internacional, responsável por moldar e restringir o comportamento dos atores (Estados
unicamente). O realismo clássico enfatiza as unidades do sistema (Estados e sua política externa) e, sob o ponto de vista do neo-realismo, é
“incapaz” de explicar mudanças na distribuição de poder que ocorram independentemente do comportamento das unidades em si. (ARAUJO,
1997, p. 112-113). Detalhes sobre o realismo em RYNNING; GUZZINI (2002).
49
no qual os agentes estatais se relacionam, enquanto autores liberais84 discordam de
tal premissa ao sustentarem que é possível verificar cooperação e harmonia de
interesses entre seus componentes, que não são exclusivamente os Estados
nacionais. Entretanto, apesar de tais divergências doutrinárias – e muitas outras que
poderiam ter sido citadas – pode-se afirmar que existe um consenso acerca da
existência de anarquia85 no sistema, pois, à diferença do que teoricamente acontece
no campo doméstico, fora das fronteiras estatais não há autoridade alguma que
consiga
ditar
as
normas
a
serem
respeitadas
por
todos
os
atores
independentemente do poder econômico, político e militar dos mesmos.
Partindo, então, do pressuposto da anarquia como primordial característica do
sistema internacional86, verifica-se, no entanto, a existência de uma miríade de
práticas sociais e políticas que norteiam determinadas condutas. Tais mecanismos
de estabilização podem ser discernidos como normas, leis internacionais e regimes,
dentre outros, os quais moldam efetivamente as habituais relações entre os Estados
(SILVA, ?, p. 2). Acreditamos, portanto, que a anarquia do sistema não pode ser
entendida de forma isolada, pois grande parte do comportamento dos Estados é
regida pelo grau de institucionalização que permeia o relacionamento estabelecido
entre eles (KEOHANE, ?, ?). Pode-se afirmar que:
Em geral, maior institucionalização implica que regras institucionais
governem mais o comportamento de atores importantes – mais no sentido
de que aquele comportamento que anteriormente não estava no escopo de
regras particulares agora está previsto ou que, se já era regulado, agora o é
mais minuciosamente. (GOLDSTEIN, KAHLER, KEOHANE, SLAUGHTER
In: NASCIMENTO, 2003, p. 34).
84 Os autores da corrente Liberal - surgida na década de 1970 - afirmam a existência de outros atores além dos Estados, e que a economia tem
um papel fundamental nas RIs. Acreditam em que um pluralismo doméstico da origem ao interesse nacional, e que a segurança nem sempre é a
prioridade na Agenda dos agentes, pois existe multiplicidade de temas relevantes que são alternados de acordo com cada contexto. Para os
liberais, as instituições, como a democracia, têm um papel fundamental, pois são as instâncias onde os países podem formar coalizões e alterar
a relação de poder. Detalhes sobre o Idealismo (corrente que inspirou parte do liberalismo) em: OSIANDER (1998) e em SINGER, D. The Level
os Analysis Problem in International Relations. World Politics. Routledge, Florence, 1961. Ver os principais debates na área em: GUIMARAES,
2001, p. 43-52.
85 A anarquia internacional é definida de diversas formas, de acordo com a visão de cada autor. SAFARTI (2005) considera dois significados
para o termo: o primeiro o identifica como ausência de um governo mundial, fazendo com que os Estados se relacionem de forma soberana; o
segundo, refere-se aos meios disponíveis às unidades, ou seja, a anarquia descreve a clássica caracterização da política internacional em que
entidades soberanas se dedicam às suas próprias sobrevivências e, portanto, corresponde à disponibilidade de meios de força para sobreviver
(p. 367). Ver: página 9, na introdução deste trabalho.
86 O denominado sistema internacional engloba as relações entre todos os atores das relações internacionais. Para que exista um sistema,
basta que haja qualquer tipo de interação entre as unidades, desde comércio internacional, passando por guerras, até movimento de idéias
(SAFARTI, 2005. p. 373).
50
Em
definitiva,
a
institucionalização
é
definida
como
“regras
estabelecidas, normas, convenções, reconhecimento diplomático, governados por
entendimentos formais ou não-formais” (KEOHANE, ??). De acordo com o
institucionalismo, existe uma relação direta entre o grau de institucionalização87 e a
correspondente à cooperação entre os agentes, pois se acredita que os sistemas
políticos serão diferentes na medida em que esteja ou não presente certo grau de
institucionalização. Esta se constitui a partir da padronização de determinados
comportamentos, da coordenação das condutas dos mesmos e da sua canalização
(RUGGIE, 1998, p. ?). Como afirma KEOHANE (?):
A hipótese básica da corrente é a de que a habilidade dos Estados de se
comunicarem e de cooperar depende da construção de instituições que
podem variar em termos de suas naturezas e força. Isso não implica dizer
que os Estados ignorem o poder ou a riqueza uns dos outros, mas que suas
ações dependerão dos arranjos institucionais presentes (p. ).
Percebe-se que quanto mais desenvolvida uma determinada sociedade, maior
é o grau de institucionalização da mesma. Da mesma forma, quanto mais
institucionalizada, mais estável tende a ser. Isto porque, em termos genéricos, as
instituições são meios importantes para promover a paz mundial, constituindo, dessa
forma, um instrumento poderoso para atingir a estabilidade (MEARSHEIMER, 2000,
p. 329).
O processo de institucionalização ganhou peso na década de 1970, uma vez
que a saliência de questões globais tais como o meio ambiente e os direitos
humanos que transcendiam a capacidade de ação dos Estados de forma individual
abriu um leque de oportunidades – e a necessidade – de maior cooperação entre os
mesmos. Tal fato chamou a atenção de vários estudiosos da disciplina, os quais
desenvolveram uma síntese entre os postulados sustentados por teóricos tanto
realistas quanto liberais (ESTEVES, ?, ?).
As instituições, segundo as premissas institucionalistas, são importantes no
relacionamento entre os Estados porque afetam os incentivos que eles têm para
cooperar. Elas também modificam os custos das alternativas, uma vez que os atores,
antes de descumprir qualquer acordo, consideram a possível punição à qual
87 Mais detalhes sobre a institucionalização encontram-se disponíveis em: RUGGIE, 1998, p. 53-54.
51
poderiam estar sujeitos (MILNER, 1997, p. 100)88. As instituições determinam certas
atividades, compartilham expectativas e criam regras; são capazes de alterar
preferências dos Estados e, assim, modificar o seu comportamento89. Tal
comportamento pode ser de natureza conflituosa mínima, ou extrema, no caso de
guerra ou de uma invasão unilateral a outra unidade política do cenário internacional.
Assim sendo, as instituições são entendidas como variáveis independentes
capazes de impedir, ou, no mínimo, dificultar, uma atuação egoísta dos Estados.
3.2
Normas
Um dos conceitos mais antigos aplicados ao estudo das instituições são as
normas90, que, segundo os ensinamentos de AXELROD (1986), entende-se que una
norma existe num determinado contexto social se os indivíduos, de forma geral,
atuam de determinada maneira e são castigados com freqüência quando são vistos
não atuando desse modo (p. ). Assim sendo, observa-se que as normas sociais
devem ser compartilhadas e em parte garantidas pela aprovação ou desaprovação
de outros91. São mantidas, também, pelos sentimentos de embaraço, ansiedade,
culpa e vergonha diante da possibilidade de sua violação e a conseqüente
desaprovação alheia, a qual pode variar “de um simples levantar de sobrancelhas ao
ostracismo social” (ELSTER, 1986, p. ).
Entretanto,
as
normas
são
seguidas
não
somente
por
medo
ao
constrangimento que pode ser gerado perante terceiros, e nem sempre exigem
sanções externas para serem eficazes. Normas internalizadas são obedecidas
mesmo quando sua violação não é testemunhada e exposta a sanções, pois, por
88 Para aceder abordagem sobre os incentivos dos Estados para cooperarem entre si e do papel exercido pelas instituições neste sentido, ver:
AXELROD, R; KEOHANE, R. Achieving Cooperation under Anarchy: Strategies and Institutions In: LIPSON, Charles. International Cooperation in
Economic and Security Affairs. World Politics. The Johns Hopkins University Press, 1984 (cap. 4, p. 85-115).
89 Tal comportamento pode ser de natureza conflituosa mínima, ou extrema, no caso de guerra ou de uma invasão unilateral a outra unidade
política do cenário internacional. Assim sendo, as instituições são entendidas como variáveis independentes capazes de impedir, ou, no mínimo,
dificultar, uma atuação egoísta dos Estados. Fonte:
90 Devido às características deste trabalho, analisaremos de forma suscita as normas dentro do contexto das instituições internacionais. Porém,
elas são alvo de estudo das mais diversas áreas de conhecimento, tais como a sociologia, a antropologia, a psicologia e a economia, de acordo
com diversos enfoques e pontos de interesse.
91 Para ilustrar a compreensão do que são as normas sociais, ELSTER (1986) cita alguns exemplos, tais como as normas de consumo que
regulam os modos de vestir, as maneiras à mesa, as normas de comportamento “anti-natural” (regras contra o incesto e o canibalismo) e as
normas de reciprocidade, que mandam retribuir aos favores recebidos, dentre outros (p. ).
52
exemplo, a vergonha, é uma sanção interna suficiente. Nas palavras de ELSTER
(1986):
Eu não boto o dedo no nariz quando posso ser visto pelos passageiros do
trem ao lado, mesmo se estou certo de que todos são totalmente
estranhos, que eu jamais os verei de novo e que eles não têm poder algum
para me punir. Eu não jogo lixo na grama, mesmo na ausência de
testemunhas. Se a punição fosse apenas um preço a ser pago pela
execução de um crime, ninguém sentiria vergonha de ser pego em
flagrante. As pessoas têm um giroscópio interno que as mantêm
firmemente presas às normas, independentemente das reações dos outros
(1986, p. ).
Uma segunda resposta à afirmação de que as normas são obedecidas por
causa das sanções é proposta por AXELROD (1986) ao afirmar a existência de
metanormas - que fazem com que as pessoas que percebem que alguém não
condenou determinado comportamento reprovável praticado por outrem, estas
condenem aos que ficaram inertes perante a atitude errada que testemunharam.
Desta forma, se uma pessoa não desaprova a violação de determinada norma, ela
se tornaria alvo de desaprovação de terceiros. Como sustenta o autor, “a metanorma
condena aqueles que não censuram a desobediência de outros” (p.?). Assim, na
medida em que o custo de expressar desaprovação é menor do que o custo de
recebê-la por não a ter expressado, faz parte do interesse racional de cada pessoa
manifestar a desaprovação92.
Alguns outros mecanismos de apóio às normas são:
A dominância, fator que induz a que certos grupos influenciem outros a
cumprirem determinadas condutas;
A internalização da norma pelo próprio agente, de quem se espera o seu
cumprimento. Isto porque, em certos casos, presumisse psicologicamente dolorosa o
quebrantamento de uma regra, até mesmo se o benefício material advindo do
mesmo é positivo;
A parceria estabelecida entre um grupo de pessoas que visam um bem
comum também costuma desencorajar seus membros a transgredir as regras
estabelecidas;
92 Porém, este argumento não pode ser generalizado, pois nem sempre as pessoas se aborrecem com outras quando estas deixam de censurar
os que deixaram de condenar aqueles que não desaprovaram a violação de uma norma. Por conseguinte, algumas punições devem ser
praticadas devido a outros motivos que não são apenas o medo de ser desaprovado (AXELROD, 1986, p. ?).
53
As normas são, às vezes, transformadas em leis. Assim sendo, o
cumprimento das mesmas é influenciado pela figura estatal, ao constituir-se como
ente punidor que visa garantir o respeito à legislação vigente;
A reputação do infrator também deve ser considerada, pois a transgressão de
uma norma pode desencadear um sinal negativo sobre o caráter da pessoa perante
terceiro, e, antecipando essa possibilidade, a conduta negativamente conceituada,
às vezes, não chega a ser concretizada.
3.3
Níveis de instituições internacionais
De acordo com John ELSTER (1994), uma instituição pode ser definida como
“um mecanismo de imposição de regras” (p. 174, tradução nossa). As regras
governam o comportamento de um grupo bem definido de pessoas, por meio de
sanções externas e formais. O aspecto mais notável das instituições, no entender do
autor, é o de modificar o comportamento de determinados agentes pela possibilidade
do uso da força (ELSTER, 1994, p. 175).
3.3.1
Comunidade epistémica
As comunidades epistêmicas, nos ensinamentos de RUGGIE (1998) são a
primeira instância do processo de institucionalização. São por ele conceituadas como
uma permanente forma de entender determinada realidade social, ou seja, uma série
de símbolos e de referências, expectativas e previsões compartilhadas por
determinado grupo. Tais congregações possuem papéis inter-relacionados, os quais
se consolidam ao redor de um episteme e delimitam a construção da sua própria
realidade social. (p. 55).
Portanto, num ambiente em que haja ausência de instituições internacionais
podem ser verificados resultados sub-ótimos (HERMMAN, 2002, p. 7 - ?). Questão a
esta vinculada é a da legitimidade de uma dada instituição para exercitar sua
capacidade coercitiva de modo a que suas decisões sejam cumpridas por seus
54
membros. Uma organização com alto índice de legitimidade perante seus membros
conseguiria ter suas decisões cumpridas, mesmo nos casos em que a parte
considerada violadora estivesse em desacordo93.
As instituições internacionais são importantes porque afetam o comportamento
do Estado, o qual agiria de outra forma num ambiente em que as mesmas não
existissem. KEOHANE (2000) reconhece que a área de segurança é uma das mais
anárquicas, porém, as instituições têm papel especial como cenário dos intentos dos
Estados.
A necessidade de instituições internacionais não significa que elas são
sempre válidas, muito menos que operam sem tomar em consideração
interesses e poder, que constituem uma panacéia para conflito violento ou
sempre reduzem a probabilidade de guerra. Reivindicar tanto para
instituições internacionais seria, sim, uma “falsa promessa”. Mas, numa
política internacional compelida pelo poder estatal e interesses divergentes,
e com poucas probabilidades de experimentar uma governança, instituições
internacionais operando na base da reciprocidade serão componentes de
qualquer paz duradoura (p. 396).
3.3.2
Regime internacional
Segundo KRASNER (1983) um regime é:
um conjunto de princípios – implícitos ou explícitos -, normas, regras e
procedimentos de tomada de decisão em torno dos quais convergem as
expectativas dos atores em determinada área de Relações Internacionais
94
(KRASNER, 1982, p.1, tradução nossa)
Especificando o conceito, os princípios são crenças de fato, causalidade ou
retidão moral. As normas são padrões de comportamento definidos em termos de
direitos e obrigações. Regras são prescrições ou proibições específicas para a ação.
Finalmente, os procedimentos de tomada de decisão são as práticas vigentes para a
formulação e a implementação das escolhas coletivas (KRASNER, 1982, p. 2).
93 Como exemplo, pode ser citado outro exemplo no seio das Nações Unidas consistente na possibilidade de que a Assembléia Geral possa
adotar medidas se o Conselho de Segurança no o fizer, devido ao voto negativo de um membro permanente, se verificada a existência de uma
ameaça
à
paz,
um
quebrantamento
da
paz
ou
um
ato
de
agressão.
Fonte:
http://www.un.org/spanish/aboutun/organs/ga/62/about/background.shtml
94 “International regimes are defined as principles, norms, rules, and decision-making procedures around which actor expectations converge in a
given issue-area”.
55
Nessa línea de raciocínio, o autor concede precedência aos princípios e às
normas que provêem as características definidoras de um regime, motivo pelo qual
as mudanças nas regras e nos procedimentos de tomada de decisão constituem
mudanças nos regimes, ao passo que mudanças nos princípios e nas normas
implicam mudanças dos regimes95 (KRASNER, 1982, p. 3-4, grifo nosso).
Os regimes podem ser formais ou informais: aqueles legislados por
organizações internacionais, mantidos por conselhos, congressos e outros órgãos
são os formais, enquanto os informais são mantidos pela convergência ou consenso
de objetivos entre os participantes, cumpridos em razão dos interesses mútuos e
“acordos de cavalheiros” (PUCHALA; HOPKINS In: NASCIMENTO, 2007, p. 36).
No se que se refere às abordagens que trabalham com os regimes nas
Relações Internacionais destacam-se as três seguintes:
Na primeira delas, representada por Oran Young, Raymond Hopkins e Donald
Puchala, os regimes são concebidos como uma característica permanente do
sistema internacional.
Na segunda, defendida por Susan Strange, são entendidos como meros
epifenômenos, servindo somente para obscurecer as relações básicas calcadas no
poder e em fatores econômicos.
Finalmente encontra-se a corrente denominada “estrutural modificada”.
Apesar de aceitarem as proposições analíticas básicas do realismo estrutural, os
teóricos postulam que, sob algumas condições restritivas que envolvem as falhas da
ação individual em assegurar resultados ótimos no sentido de Pareto, os regimes
podem exercer algum impacto a despeito da estrutura anárquica do sistema
internacional33. A abordagem institucionalista pode ser claramente identificada nessa
terceira posição e, segundo os autores desta corrente, o sistema internacional
congrega tanto situações passíveis de cooperação quanto conflitos. As primeiras
ocorrem quando uma ação concertada entre os agentes pode conduzir a um
resultado ótimo no sentido de Pareto que poderia não ser atingido caso os atores
agissem de forma utilitária independente (KEOHANE, 1984, p.49-64).
95 Com exemplo, pode-se observar que houve um crescimento substancial no financiamento de bancos privados durante os anos 1970, o que
gerou uma mudança nas regras que governam o reajuste da balança de pagamentos. Isso não significou que houve uma mudança significativa
daquele regime, pois a norma principal é a mesma: o acesso ao financiamento da balança de pagamentos deveria ser controlado e condicionado
ao comportamento dos países endividados. Assim sendo, de acordo com RUGGIE (1986) as mudanças dos anos 70 foram governadas pelas
próprias normas do sistema, não havendo alterado o regime básico da Conferência de Bretton Woods (1945) que os criou.
56
Como exemplos de regimes podem ser citados o Direito Humanitário96, os
Acordos do GATT e da Organização Mundial do Comércio (OMC), assim como as
regras seguidas pelos países exportadores de petróleo.
3.3.3
Organização Internacional
As Organizações Internacionais são “associações voluntárias de Estados,
estabelecidas por acordo internacional, dotadas de órgãos permanentes, próprios e
independentes, encarregadas de gerir interesses coletivos e capazes de expressar
vontade juridicamente distinta da de seus constituintes” (VELASCO, 1990, p. 41). São
formas de instituições internacionais permanentes – possuem aparatos burocráticos
próprios, têm orçamentos, ocupam espaço físico (sede e escritórios), têm
funcionários e equipamentos. Além disso, verifica-se uma estrutura interna referente,
por exemplo, à admissão de membros, processos de tomada de decisão e
financiamentos (SHANKS; JACOBSON, In NASCIMENTO, 2007, p. 41).
A construção das Organizações Internacionais é recente97 e considerada fruto
da necessidade de cooperação, no momento em que os Estados perceberam que a
política de poder de outrora não constituía mais instrumento útil para viabilizar a
concretização dos seus objetivos (SATO, 2003, p. 5). Portanto, cabe afirmar que tais
organizações surgiram como abstrações jurídicas criadas para determinados
objetivos.
Durante a segunda metade do séc. XX surgiu uma diversidade de
instituições multilaterais que tinham – e ainda têm – como tarefa específica
a resolução conjunta de problemas internacionais tão diversos quanto, por
exemplo, [...] a administração de rotas aéreas e acordos sobre o uso de
ondas de rádio sem interferências mútuas [...] Porém, [...] instâncias de
ações multilaterais não surgiram apenas após o final da II Guerra [...].
Ruggie sustenta que, já no século XVII, sobretudo por influência da obra de
Grotius, surgiram, por exemplo, diversos acordos internacionais relativos ao
uso dos mares para rotas comerciais. No século XIX foi fundada a [...]
International Telegraph Union cuja importante característica era a promoção
96 O Direito Internacional Humanitário é um conjunto de normas internacionais que tem por objetivo proteger as pessoas que não participam ou
deixaram de participar das hostilidades e restringir os meios e métodos de guerra, proibindo, por exemplo, a escolha e proíbem o emprego de
certas armas, meios e métodos de guerra.
97 Segundo WATSON (1992), somente no sistema de Estados europeus após a Renascença foi possível visualizar a elaboração de um sistema
diplomático mais consistente e, conseqüentemente, com espaço para a cooperação em termos institucionais (p. 83 e 93).
57
de conferências periódicas entre os Estados membros. Por outro lado,
Ruggie reconhece também que é apenas no século XX que instituições
internacionais se transformaram em entidades mais formais, assumindo,
assim, propriamente o caráter de organizações (ARAÚJO, 2007. p. 106).
No campo da paz, a cooperação institucional remonta aos projetos de paz
clássicos98, cujos idealizadores evidenciaram a necessidade de contenção do
excessivo voluntarismo presente na sociedade internacional, o qual impedia o
fortalecimento e a expansão do Direito Internacional. Assim sendo, foi fundada, em
1919, a primeira organização de caráter universal com tal finalidade, denominada
Sociedade das Nações99. Foi concebida como “uma associação geral de nações (...)
com o propósito de conseguir garantias mútuas de independência política e
integridade territorial para grandes e pequenos Estados” (JACOBSON, 1979, p. 45,
tradução nossa).
Considerada falida devido à eclosão da II Guerra Mundial, a ONU a sucedeu e,
comungando muitas das características da sua predecessora, conseguiu abarcar um
leque mais extenso de funções, não se limitando, apenas, à tentativa de impedir um
novo conflito de tamanha escala e atuando paralelamente nos campos econômico e
social. A Carta de São Francisco, como citado na introdução deste trabalho, recolhe
as principais diretrizes que sustentam o rumo da organização, limitando, por exemplo,
o recurso à ação armada entre seus membros - exceto quando autorizado pelo
Conselho de Segurança ou em caso de legítima defesa (SELENA; MARTINS;
MARTINS, p. 5-11).
LEGG & MORRISON (1971, p. 52) apresentam quatro funções principais das
Organizações Internacionais no que tange à resolução de conflitos e manutenção da
estabilidade: 1. A instituição é uma das partes em conflito, em oposição às demais.
Em se verificando tal situação, subentende-se que a sua legitimidade é questionada
pelos membros; 2. a instituição trabalha como árbitro numa disputa entre seus
componentes 3. a instituição tem que tomar medidas coercitivas contra os Estados
violadores100; 4. a instituição é apenas uma facilitadora do entendimento de unidades
subordinadas em conflito, fornecendo espaço para discussão e solução de
98 Tais pensadores eram denominados irenistas (etimologicamente, o termo provém do grego irén, traduzido como paz) e compartilhavam a
crença na possibilidade da paz mundial. Dentre eles, destacam-se P. Dubois, Dante, Erasmo, Abade de Saint Pierre, Benthan e Kant.
(FONSECA. 2007). Ver a descrição de seis desses planos de paz, “Early Proposals for International Organizations”, em : JACOBSON, 1979, p.
23 – 27)
99 Ver detalhes sobre as instituições que visam a construção da paz no 2º capítulo da obra de NASCIMENTO (2007, p. 77 – 185)
100 Ver detalhes sobre as sanções multilaterais em: MARTIN, Lisa L. Coercive Cooperation: Explaining Economic Multilateral Sanctions.
Princeton: Princeton University Press, 1992.
58
controvérsias, que num sistema social menos desenvolvido, seria feito de forma ad
hoc101 ou exclusivamente através da violência. As OIs proporcionam um espaço físico
e social para os estados negociarem, além de uma burocracia que traduz essas
decisões em políticas (HERZ E HOFFMANN, 2004, p. 23)
As funções das Organizações Internacionais também variam de acordo com o
entendimento de cada autor. Entre as mais citadas encontram-se as seguintes: 1.
Reduzem os custos de transação ao darem suporte às interações entre os Estados;
2. Gerenciam operações substantivas, tais como militares e econômicas; 3. Servem
de veículo para certas associações de Estados (caso do G-20102 ou do G-77103); 4.
Promovem o trabalho em equipe; 5. Criam informações, idéias, normas e
expectativas; 6. Encorajam atividades específicas; 7. Legitimam ou deslegitimam
idéias e práticas determinadas104 SNIDAL & ABBOT (?) e GALLAROTTI (?) (p.?)105
A mensurabilidade da força das instituições é feita consoante estas possuam
mais ou menos capacidade de fazer com que os outros membros do sistema
cumpram com as regras do jogo elas estabelecidas.
Estas regras não se tornam válidas até que um número significativo de
pessoas aceite-as como legítimas e esperem o cumprimento das regras por
sua parte e por parte dos outros. [...] As normas não são um jogo de soma
106
zero , pois deve haver um suporte contínuo e uma reciprocidade dos
ganhos entre as partes (LEGG; MORRISON, 1971, p. 12, tradução nossa).
De acordo com KRASNER (1999), quanto maior a conformidade entre o
comportamento dos Estados e as regras institucionais, maior o nível de
institucionalização, atuando esta como um inibidor e provável constrangimento ao
comportamento. Por exemplo, as regras são mais efetivas quando os autores
comungam semelhantes interpretações intersubjetivas sobre o seu significado ou
quando se entende que a observância desses mandamentos oferecerá resultados
positivos. Portanto, a efetividade (o alto grau de institucionalização de uma dada
101 A expressão latina ad hoc significa “arranjo temporário para um caso específico”. Fonte: http://www.direitovirtual.com.br/dicionario.php
102 O denominado G-20 (Grupo dos 20) é um conglomerado de Estados emergentes criado em 2003 cuja atuação encontra-se relevantemente
concentrada no setor agrícola. Ver: http://www.g20.org/G20/
103 O G-77 é um bloco também constituído por países em desenvolvimento. Ver: http://www.g77.org/
104 Para mais detalhes sobre as funções das OIs e por que os Estados recorrem a elas, ver: RUGGIE, 1998, p. 45-61.
105 Cabe ressaltar que estas não são as únicas funções exercidas pelas Organizações Internacionais. Como será citado no capítulo próprio do
papel da ONU no conflito dos Bálcãs, tal instituição torna-se de extrema relevância para a manutenção do sistema, a saber, devido ao exercício do
poder de decisão, gerenciamento administrativo, adjudicação, planejamento e exercício de outras atribuições relacionadas à execução de projetos
em diversas áreas, tais como a social ou econômica.
106 Jogo de soma zero
59
sociedade) é mensurável através do comportamento dos destinatários daquelas
normas (p. ?).
As variações na institucionalização da política mundial exercem significativo
efeito no comportamento dos governos. Em especial, podem ser entendidos
os modelos de cooperação e discórdia somente no contexto das instituições
que ajudam a definir o sentido e a importância da ação do Estado. A
perspectiva das relações internacionais que chamo “institucionalismo
neoliberal” não afirma que os Estados estão sempre altamente
constrangidos pelas instituições internacionais. Tampouco proclama que os
Estados ignorem os efeitos de suas ações sobre a riqueza e o poder de
outros Estados. (KEOHANE, 1993, p. 14-15, tradução nossa).
Exemplos de Organizações Internacionais são, por exemplo, além das
supracitadas, a Organização Mundial da Saúde (OMS), a Organização Internacional
do Trabalho (OIT) e o Fundo Monetário Internacional (FMI).
3.4
Tipos de institucionalização internacional
Além dos três tipos de instituições citados no item anterior – comunidade
epistêmica, regime internacional e organização internacional – existe uma série de
instituições que foi constituída desde o nascimento do sistema internacional moderno.
Alguns exemplos são:
3.4.1
Arranjos ad-hoc
Os arranjos ad-hoc107 são conceituados como formas de cooperação voltadas
para um problema específico nas situações em que não há espaço institucionalizado
adequado para uma negociação ou para a realização de um projeto. Podem ser
reuniões de cúpula, conferências e até Cortes Internacionais (HOFFMANN; HERZ,
107 A expressão latina ad hoc significa literalmente para isto, por exemplo, um instrumento ad hoc é uma ferramenta elaborada especificamente
para uma determinada ocasião ou situação ("cada caso é um caso"). Num senso amplo, poder-se-ia traduzir ad hoc como específico ou
especificamente. Fonte: DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico. São Paulo: Saraiva, 1998
60
2004, p. 20). Muitas vezes, como afirmam as autoras, tais arranjos dão origem a
Organizações Internacionais:
Em meados dos anos 70, o G-7 surgiu [...] em face dos problemas
econômicos do período. Da mesma forma, a Conferência de Ottawa surgiu
para eliminação de mias anti-pessoais em dezembro de 1997 e os tribunais,
para julgamento de crimes contra a humanidade gerados pelo Conselho de
Segurança da ONU para casos específicos. A experiência com cortes ad hoc
para julgamento de crimes contra a humanidade foi fundamental para o
processo de criação do Tribunal Penal Internacional em 2002 (p. 19).
3.4.2
Organizações não-governamentais
As ONGs são organizações formadas pela sociedade civil sem fins lucrativos e
que tem como missão a resolução de algum problema da sociedade, seja ele
econômico, racial, ambiental ou ainda a reivindicação de direitos e melhorias e
fiscalização do poder público. Podem ser caracterizadas como atores menos
hierarquizados e mais descentralizados que as multinacionais (VILLA, 1999).
Também chamado terceiro setor, embora essa definição não seja muito clara,
as organizações sem fins lucrativos são particulares ou públicas, desde que não
tenham como principal objetivo a geração de lucros ou, no caso de houver geração
dos mesmos, estes sejam destinados para o fim a que se dedica a organização não
podendo ser repassado aos proprietários ou diretores da organização (WWF)108.
As organizações da sociedade civil podem ser entendidas como uma forma de
suprimir as falhas do governo com relação à assistência e resolução de problemas
sociais, ambientais e até mesmo econômicos podendo também auxiliá-lo na
resolução dessas questões, embora isso seja uma característica um tanto quanto
negativa, pois expressa o distanciamento do governo com relação às suas
responsabilidades para com a sociedade (WWF).
São exemplos de ONGs o grupo ecológico Greenpeace109, e a Anistia
Internacional110.
108 Fonte: wwf.org.br
109 Informações sobre a organização Greenpeace que atua para defender o meio ambiente e promover a paz, inspirando as pessoas a
mudarem atitudes e comportamentos, poodem ser encontradas em: http://www.greenpeace.org
110 A Anistia Internacional, que trabalha em prol dos Direitos Humanos, oferece detalhes sobre seu funcionamento no site:
http://www.br.amnesty.org/
61
3.4.3
Multilateralismo
Uma das variadas definições do multilateralismo é oferecida por RUGGIE
111
(1993)
:
Forma institucional que coordena as relações entre três ou mais Estados
com base em princípios gerais de conduta e princípios que especificam a
conduta apropriada para uma classe de ações, desconsiderando interesses
ou circunstâncias específicas tais como a indivisibilidade e a reciprocidade
difusa (p. 14 tradução nossa).
Dentro deste conceito encontram-se implícitas ao menos três características:
1) Não discriminação entre os atores; 2) Indivisibilidade; 3) Reciprocidade difusa (ao
contrário do bilateralismo, que gera formas de reciprocidade específica).
Exemplos do multilateralismo podem ser identificados na Terceira Conferência
da ONU para o Direito do Mar112, a Rodada de Uruguai113 e as negociações sobre o
meio ambiente, tais como a Convenção de Viena para a proteção da camada de
ozônio114, o Protocolo de Montreal115 e as negociações sobre o aquecimento global.
3.4.4
Segurança coletiva
A segurança coletiva é o mecanismo que pode ser acionado no caso de uma
ação coletiva para restaurar a paz internacional. Nas palavras do ex-presidente norteamericano Woodrow Wilson: “a segurança de um supõe a segurança de todos”.
Assim sendo, corresponde tanto às medidas institucionais que se encontram a
disposição das partes para solucionar a controvérsia quanto às ações coercitivas que
111 Outra definição do multilateralismo foi criada por KAHLER (1992), como sendo a “governança de alguns”. A autora, no texto referido,
demonstra que o atual sistema internacional valora uma redução do número de membros dos grupos multilaterais e que uma das estratégias de
negociação crescentemente utilizada vem sendo o minilateralismo, ou “grupo dentro dos grupos”. Dessa forma, os “votos por cabeça”, em lugar
de individuais, são considerados em pequenos blocos, e dessa forma, determinados Estados conseguem alcançar uma maior influencia.
112
Terceira
Conferência
da
ONU
para
Direito
do
Mar
encontra-se
disponível
em:
http://64.233.169.104/search?q=cache:6PCeMPMXcqIJ:www.cjf.jus.br/revista/numero12/artigo9.pdf+Terceira+Confer%C3%AAncia+da+ONU+par
a+o+Direito+do+Mar&hl=pt-BR&ct=clnk&cd=6&gl=br&lr=lang_es|lang_fr|lang_en|lang_pt
113 A Rodada de Uruguai (1986-1994), cuja principal meta foi a redução de subsídios agrícolas, transformou o GATT (Acordo Geral de Tarifas e
Comércio) na OMC (Organização Mundial do Comércio). Ver sua Ata Final em: http://www2.mre.gov.br/dai/omc_ata001.htm
114 A Convenção encontra-se disponível em: http://www.onu-brasil.org.br/doc_ozonio.php
115 Ver o Protocolo de Montreal em: http://www.protocolodemontreal.org.br/
62
podem ser empreendidas.
Como conclui NASCIMENTO (2007) “a segurança
coletiva, stricto sensu, remete à resposta unificada direcionada ao membro da
sociedade que intentar ações de caráter coercitivo contra os demais ou um deles” (p.
83).
Para que um sistema desta natureza origine os frutos esperados, é necessário
um entendimento entre os participantes do conceito de paz como um bem indivisível
e de que as ameaças ao seu quebrantamento por qualquer membro do planeta são
direcionadas a todos os integrantes do sistema, independentemente de outros fatores
tais como a distância entre as unidades políticas ou promessas de não agressão
mutuas. Em se verificando esse condicionante, os membros racionalmente
concordam em reagir rapidamente com o intuito de restabelecer o status quo ante
(NASCIMENTO, 2007, p. 83). A possível sanção advinda do comportamento do
Estado infrator condiciona a sua postura ao o constranger a não desobedecer as
normas existentes.
3.4.5
Alianças Militares
As alianças militares são coalizões de Estados formadas para enfrentar um
inimigo real ou potencial. Geram a agregação de forças militares e outros recursos
para a defesa coletiva da coalizão, ou para um determinado ataque. Como acontece
com os arranjos ad-hoc, algumas alianças geram a formação de organizações, como
aconteceu com a OTAN (HOFFMANN; HERZ, 2004, p. 20).
3.4.6
Balanço de poder
Vários autores trabalham com este conceito de forma sensivelmente
diferenciada116. No entendimento de WIGHT (1995) na hipótese de que um estado
116 Outros comentários sobre o assunto em LUARD, Evan. Basic Texts in International Relations: the evolution of ideas about international
society. London: Macmillan Academic and Professional Ltda, 1992 e KISSINGER, Henry. La diplomacia. México: Fondo de Cultura Econômica,
1996.
63
busque
tornar-se
um
hegemon
via
conflito,
outros
estados
se
unirão
progressivamente aos antagonistas do candidato a hegemon, até que este último
seja impedido de atingir seu objetivo. Wight aponta que os estados viveriam o
“dilema” de abrir não de ganhos imediatos (se aliando ao candidato a hegemon, por
exemplo, recebendo parte de sua “pilhagem”) para consolidar ganhos de longo prazo
(a estabilidade da sociedade de Estados e a defesa dos seus valores) (p. 182 – 399).
Nessa idéia consiste o balanço de poder, definido também como:
Sistema flexível de alianças entre Estados designado a evitar a
preponderância de um determinado Estado. A sua base é a expectativa
comum de que, quando as relações de poder mudam, os Estados irão
continuamente mudar suas alianças para manter um equilíbrio e evitar a
gestação de um sistema hegemônico ou de um império (HOFFMANN;
HERZ, 2004, p. 21).
Para evitar confundir a segurança coletiva e o balanço de poder, cabe citar
algumas ponderações:
A doutrina da segurança coletiva é similar ao sistema de balanço de poder
em um aspecto: Estados tentam conter uma agressão por meio de
coalizões [...]. Porém, à segurança coletiva importa a política de agressão
independentemente da capacidade, ou força de determinado Estado. Ao
contrário do equilíbrio de poder, as alianças são formadas depois que um
Estado adore uma política conflituosa e não no momento em que fosse
identificada sua condição de eventual preponderância (LOHBAUER, 2000,
p. 210).
3.4.7
Estabilidade Hegemônica117
A Teoria da Estabilidade Hegemônica refere-se ao papel de um Estado
hegemônico ou potência dominante que assume a responsabilidade global como
meio de por fim ao caos encontrado no sistema internacional, como ocorreu, por
exemplo, no caso da Inglaterra no século XIX.
117 Existem várias visões sobre o conceito da estabilidade hegemônica. KEOHANE (1984, p. 32) destaca a importância dos recursos materiais
com os que deve contar o hegemon para assumir o papel de líder, enquanto autores gramscianos (seguidores das premissas de Antônio Gramsci
– 1981-1937), tais como Robert Gilpin e Giovanni Arrighi enfatizam tanto a mutua influência ente as idéias e os recursos materiais quanto a
importância do consenso na construção da economia.
64
O resultado da ação da potência hegemônica pode ser considerado
maléfico ou benigno e, mesmo esta se sobrepondo ao resto dos Estados durante
um determinado período de tempo, tal primazia não se encontra livre do declínio.
Como se pode observar, os EUA tiveram sua ascensão durante o século
XX – após a II Guerra Mundial – e, atualmente, verifica-se certo declínio
comparado com outras potências emergentes. Pode-se concluir, portanto, que as
potências hegemônicas se encontram dentro de um ciclo de ascensão e queda.
3.4.8
Convenções
As Convenções são instituições informais com regras e entendimentos
implícitos que incentivam a coordenação. As convenções nascem espontaneamente,
como os casos da tradição da imunidade diplomática e da idéia de reciprocidade na
relação entre os Estados (KEOHANE, 1989, p. ?).
3.4.9
Direito Internacional
O Direito Internacional é um sistema jurídico sui generis; uma realidade social
no sendido de que há um grau de conformidade muito substancial para com suas
regras.
3.4.10 Sociedade Internacional
65
Este conceito encontra-se associado à Escola Inglesa118, e indica que um
grupo de Estados não forma meramente um sistema, e sim uma sociedade, ao
estabelecer um diálogo e consentir regras e instituições comuns na condução das
suas relações.
Segundo o maior expoente dessa Escola, Hedley BULL (1977):
A Sociedade Internacional existe quando um grupo de Estados conscientes
de certos interesses e valores compartilhados formam uma sociedade no
sentido de que se considerarem vinculados por um determinado numero de
regras nas suas relações com os outros, e comungarem do trabalho de
instituições comuns (p. 13-57, tradução nossa).
No entender do autor, o fato de, no meio internacional, não existir governo
central com capacidade de fazer respeitar as leis, não impede de se falar da
existência da sociedade internacional. Apenas pondera que tal sociedade é de tipo
diferente das sociedades nacionais, sendo a sua principal diferença, o caráter
anárquico da sociedade internacional (BULL, 1977, p. 13).
Contra a posição dos Realistas, que não admitem a idéia de sociedade
internacional justamente devido à inexistência de governo central, Bull chama a
atenção para o fato de as relações internacionais não se resumirem às decisões que
dizem respeito à segurança do Estado, mas sim, por formarem uma densa teia de
relações que supõem alta dosagem de cooperação e, também, a partilha de valores
culturais comuns. Tal partilha tornou-se historicamente possível em virtude da
ocidentalização do mundo promovida pelos povos europeus, a partir da idade
Moderna (BULL, 1977, p. 26).
3.4.11 Práticas diplomáticas
As práticas diplomáticas referem-se aos processos de negociação, formação
de acordos e assinatura de tratados e o exercício de influência e pressão pelos
118 A denominada Escola Inglesa propôs a análise das Relações Internacionais a partir do marco filosófico fixado por Hugo Grótius, considerado
o “pai do Direito Internacional”, quem defendia a necessidade de se estabelecer normas de comportamento para os Estados da Europa, mesmo
sob condições de guerra. Seguindo esse caminho, teóricos como Hedley Bull argumentaram em favor da idéia da “sociedade internacional”
66
Estados realizados por meio de canais de comunicação diplomáticos. As normas da
diplomacia permitem o contínuo fluxo de comunicação, mesmo em situações de
conflito ou até de guerra (HOFFMANN; HERZ, 2004, p. 22).
3.4.12 Cultura internacional
A cultura internacional refere-se aos valores e normas universalizados, como
resultado da intensificação das relações entre diferentes atores no sistema
internacional (HOFFMANN; HERZ, 2004, p. 22).
67
4
A ATUAÇÃO DA ONU
Uma vez analisado, grosso modo, o conflito em si, passaremos a destacar
algumas das principais atividades que a ONU desenvolveu na região. Como foi citado
na introdução deste trabalho, tratou-se da maior participação da organização em toda
sua história e foram empregados todos os tipos de Missões de Paz119, num total de
sete missões (BRIGAGÃO in AGUILAR, 2003, p. 10).
Tal atuação pode ser dividida em fases: num primeiro momento, o mandato foi
exclusivamente humanitário, no qual praticamente todas as atividades giraram em
relação à distribuição de ajuda; posteriormente, este foi aumentado, passando a
incluir a proteção das áreas de segurança, a retirada de armas das áreas de exclusão
e o controle de acordos de cessar fogo em nível local; numa terceira fase, a ONU
monitorou acordos de cessar-fogo e realizou as ações do pós-guerra120.
Cabe destacar que muitas das atividades descritas a seguir não foram
desenvolvidas de forma unilateral, pois, como será referido, a ONU trabalhou em
parceria com outras instituições que detêm objetivos similares121.
4.1
Negociações e Propostas de Paz
Assim que o conflito se iniciou, a ONU protagonizou uma série de tentativas
políticas com o intuito de alcançar uma solução diplomática viável à crise. A
Comunidade Européia (CE)122, em setembro de 1991, enviou Lord Carrington123 para
119 Sobre as Missões de Paz, ver a p. ? que se encontra na Introdução deste trabalho.
120 As chamadas ações do pós-guerra, ou de peace building como Nascimento (2007, p. 126) as denomina, consistem no trabalho de
reconstrução do status jurídico e institucional do Estado afetado por um conflito. Seu objetivo é consolidar a paz conferindo medidas de suporte à
nova ordem institucional, assim como auxílio financeiro.
121 Mesmo assim, tratou-se de separar as atividades desempenhadas pelos diversos organismos internacionais que atuaram na região. Como
consta, por exemplo, no próprio texto do Acordo de Paz de Dayton - que será comentado posteriormente - a ONU ficou responsável pela
coordenação da assistência humanitária e a aplicação da lei; a OSCE cuidaria das questões de eleições, medidas para se alcançar a estabilidade
regional e o controle de armas, enquanto a OTAN seria a responsável por questões de segurança. Assuntos ligados aos direitos humanos
seriam tratadas conjuntamente pela ONU - através da sua Comissão de Direitos Humanos - o ACNUR e a OSCE.
122 A origem da CE remonta ao Tratado de Paris, de 1951, e, com o Tratado de Maastrich, em 1992, passou a denominar-se União Européia.
Ver: http://europa.eu/
123 Lord Peter Carrington, diplomata inglês, foi ministro das Relações Exteriores do governo Tatcher, até sua demissão em 1982. Fonte:
http://www.un.org/icty/strugar/trialc1/judgement/str-tj050131e.htm
68
tentar estabelecer a paz na região, mas nas reuniões que se seguiram com os
presidentes das repúblicas ficou claro que ele não conseguiria reunificar a Iugoslávia
devido às negativas de Milosevic (AGUILAR, 2003, p. 94). A falta de progressos em
tais negociações fez com que o Secretário-Geral das Nações Unidas nomeasse o sr.
Cyrus Vance124 para que, juntamente com a CE, destinasse esforços para solucionar
a crise (ONU, 2003)125
Entre 26 e 28 de Agosto de 1992 foi constituída, em Genebra, a Conferência
Internacional para a ex- Iugoslávia (ICFY)126 presidida, em conjunto, por um
representante das Nações Unidas e outro da CE. Passou a ser um fórum de
discussões e negociações entre as partes em conflito, e considera-se o berço do
Grupo de Contato127. Composta por seis grupos de trabalho, a ICFY chegou a contar
com um efetivo de 152 pessoas de 16 países europeus mais o Canadá, os EUA e a
Rússia (LEURDIJK in HAMANN, 2007, p. 37).
Em Janeiro de 1993 foi proposto, em Genebra, o chamado Plano VanceOwen128. Ele reconhecia a Bósnia nas atuais fronteiras e devolvia o poder a cada
uma das dez províncias que ele definia (três sérvias, três muçulmanas, duas croatas
e uma mista – croata e muçulmana – em Sarajevo, que seria dividida pelos três
grupos). Estabelecia cinco corredores entre as províncias que permitiriam a
passagem segura de ajuda humanitária e da população civil. Incluía também
princípios constitucionais para a República com grande autonomia das províncias
dentro de um Estado descentralizado, além de acordos de desmilitarização e cessarfogo. O plano fracassou, permitindo, no entanto, que os sérvios estabilizassem, em
certa medida, as ações militares (APOSTOLAVA, 1994, p. 82).
No final de maio de 1993, a ONU aprovou o Plano de Ação Conjunta
estabelecido pelos EUA, Rússia, França, Reino Unido e Espanha129 numa nova
tentativa de estabelecer a paz. Mas, nas discussões que se seguiram em meados de
junho do mesmo ano, não se chegou a um acordo.
Em 20 de Agosto, novas
124 Cyrus Vance foi Secretário de Estado americano do governo Carter, auxiliou em acordos entre Egito e Israel e foi nomeado representante do
Secretário Geral das Nações Unidas (SGNU) na presidência da Conferência Internacional para a Iugoslávia (ICFY) (AGUILAR, 2003, p. 95).
125 Disponível em: http://www.un.org/spanish/Depts/dpko/dpko/co_mission/unprof_b.htm
126 Detalhes sobre a Conferência Internacional para a ex Iugoslávia em: http://www.treas.gov/offices/enforcement/ofac/legal/unscrs/988.pdf
127 O Grupo de Contato foi formado pelos Estados Unidos, a França, a Rússia, Reino Unido, Itália e Alemanha e foi responsável por inúmeras
funções ao longo do conflito, tais como velar pelos acordos estabelecidos, informar ao Conselho de Segurança (CS) da ONU sobre a situação e
recomendar medidas. (LEURDIJK in: HAMANN, 2007, p. 37) Como exemplo dos objetivos do Grupo, ver a Res. 657, de 1998, referente à
situação no Kosovo: http://www.un.org/spanish/kosovo/s1998657.pdf
128 Ver mais detalhes sobre o Plano Vance-Owen em: http://www.un.org/icty/pressreal/bla-sumj000303f.htm
129 Mais informação sobre a atuação destes e outros Estados no processo de paz em: HANSEN, 2000, p. 115.
69
negociações, a bordo do porta-aviões Invincible, também fracassaram (HANSEN,
2000, p.15).
Finalmente, o acordo marco geral de paz na Bósnia-Herzegovina, foi assinado
na base norte-americana de Dayton, o 21 de Novembro de 1995, pelas Repúblicas
da Bósnia-Herzegovina, da Croácia e a República Federativa da Iugoslávia. No
acordo130 desenvolveu-se o compromisso de finalizar as controvérsias por meios
pacíficos e abster-se da ameaça e do uso da força. Além de observar os direitos
humanos e a proteção, tanto dos refugiados quanto das pessoas deslocadas,
favoreceu o regresso dos mesmos, o esclarecimento dos crimes de guerra e a
condenação dos responsáveis pelos massacres. Foi previsto o reconhecimento dos
direitos dos refugiados de regressar livremente às suas casas, assim como a
restituição dos bens dos que tivessem sido privados no curso das hostilidades desde
1991 e o pagamento de uma indenização em troca do bem que não pudesse ser
restituído (CONCEIÇÃO, 2006, p. 44).
130 O Acordo de Paz de Dayton e seus anexos encontram-se disponíveis em: www.ohr.int
70
131
Mapa 5: O plano de paz de Dayton
(21 de Novembro, 1995).
Fonte: BONIFACE, Pascal. Atlas das Relações Internacionais. Lisboa: Plátano Ediciones
Técnicas, 2000, p. 112.
O Alto Representante de Implementação de Paz132 era a maior autoridade
presente na Bósnia quanto à implementação dos aspectos civis do Acordo de Paz
de Dayton. Deveria monitorar o seu seguimento e coordenar as atividades das
agências e organizações internacionais. Para tanto, estabeleceu escritórios
regionais nas cidades de Sarajevo, Banja Luka, Bihac, Doboj, Mostar, Tuzla e
Brscko (ONU, 2004, p. 12)133.
Após a assinatura do Acordo de Paz de Dayton foi realizada a Conferência de
Implementação da Paz em Londres134, que levou à assinatura do Acordo de Paz
pelos três governos – Bósnia-Herzegovina, Croácia e República Federal da
Iugoslávia –, em 14 de dezembro de 1995 em Paris135 (APOSTOLAVA, 1994, p. 82).
O Acordo136 estabeleceu duas responsabilidades principais para a ONU: em primeiro
lugar, a coordenação da assistência humanitária e a liderança nas ações relativas a
refugiados e desalojados; em segundo, o auxílio às partes envolvidas no
cumprimento da lei.
No entender de Aguilar (2003):
Iniciava-se, assim, uma nova era na ex-Iugoslávia. Pela primeira vez, desde
o início do conflito, chegou-se a um acordo com possibilidade de ser
duradouro. No entanto, sabia-se que o caminho para a paz seria longo e
muitas dificuldades se imporiam tanto para a população e governantes
locais como para os organismos internacionais envolvidos (p. 144)
No caso do Kosovo, em 29 de Janeiro de 1999, foi proposta a tentativa de
mediar uma rodada de negociações entre representantes da Iugoslávia, da Sérvia e
131 Ver uma análise da implantação do Plano em: Implementing the Dayton Agreement (HANSEN, 2000, p. 59-185).
132 As Res. 1112 e 1256 do CSNU reafirmaram o papel do Alto Representante no monitoramento da implementação do Acordo de Paz. Ver,
respectivamente: http://daccessdds.un.org/doc/UNDOC/GEN/N97/161/04/PDF/N9716104.pdf?OpenElement e
http://daccessdds.un.org/doc/UNDOC/GEN/N97/161/04/PDF/N9716104.pdf?OpenElement
133
A
fonte
citada
encontra-se
disponível
em:
http://www.unhchr.ch/tbs/doc.nsf/898586b1dc7b4043c1256a450044f331/b185ea90c5492213802566330035a54b/$FILE/G0442691.pdf
134
Ver
os
textos
aprovados
pelo
Parlamento
Europeu
sobre
o
assunto
em:
http://www.europarl.europa.eu/pv2/pv2?PRG=CALDOC&TPV=DEF&FILE=960620&SDOCTA=6&TXTLST=1&POS=1&LASTCHAP=6&Type_Doc
=FIRST&LANGUE=PT
135 A partir da Conferência de Londres de 1995, várias outras foram realizadas, tais como a de Bonn-Petersberg (1996), Florença (1996),
Londres (1996), Viena (1997), Sintra (1997), Bonn (1997), Luxemburgo (1998), Madri (1998).
136 Detalhes sobre o Acordo de Dayton em: Implementing the Dayton Agreement (HANSEN, 2000, p. ?)
71
kosovares albaneses em Ramboullet, mas as tentativas de diálogo careceram de um
saldo positivo e a OTAN interveio na região (HAMANN, 2007, p. 217).
4.2
Principais Resoluções do CSNU e Seus Resultados
4.2.1
Embargo
Seguindo as indicações do art. 1º e do capítulo VII da Carta de São
Francisco137, o CSNU emitiu a Resolução 713138, de 25 de Setembro de 1991, que
estabeleceu um embargo geral e completo139 de todas as remessas de armamento e
equipamento militar à Iugoslávia140:
Decide, com referência ao capítulo VII da Carta das Nações Unidas, que,
para estabelecer a paz e a estabilidade na Iugoslávia, todos os Estados
estabeleceram um embargo geral e completo a todas as entregas de
armamento e artigos militares à Iugoslávia. (Res. 713 do CSNU).
Por seu lado, a Resolução 724141, de 15 de Dezembro do mesmo ano,
estabeleceu um comitê para examinar a informação recebida e recomendar medidas
apropriadas em caso de violação do embargo. Deve-se acrescentar que tal resolução
ditava, também, medidas coercitivas que permitissem o embargo militar e de outra
137 Carta das Nações Unidas foi assinada em São Francisco, a 26 de junho de 1945, entrando em vigor a 24 de outubro daquele mesmo ano. O
Estatuto da Corte Internacional de Justiça faz parte integrante da Carta. É considerada o marco constitucional da Organização, e estabelece Em
português, encontra-se disponível em: http://www.onu-brasil.org.br/documentos_carta.php. Mais comentários sobre a mesma em: NASCIMENTO
(2007, p. 124-249) e MARTINS; MARTINS (1996, p. 11-16).
138
A
Res.
713
do
CSNU
encontra-se
disponível
em:
http://daccessdds.un.org/doc/RESOLUTION/GEN/NR0/596/49/IMG/NR059649.pdf?OpenElement
139 O direito define o bloqueio como a medida pela qual um beligerante proíbe toda comunicação entre o alto mar e o litoral sob sanção de deter e
capturar aos barcos que a contravenham. Também refere-se à ruptura de toda comunicação, ou a interrupção mantida pelas forças navais, do
tráfego marítimo entre as costas ou os portos e o exterior. Para que um bloqueio possa decretar-se e estabelecer-se devem ser cumpridos os
requisitos seguintes: situação de guerra, interrupção do tráfego marítimo, estabelecimento por um dos beligerantes; notificar-se aos neutros por via
diplomática
e
especificar
o
momento,
duração,
ubiquação
e
extensão
geográfica.
Fonte:
http://127.0.0.1:4664/cache?event_id=66326&schema_id=6&q=medida+pela+qual+um+beligerante+pro%C3%ADbe&s=VxIfuMTvNvGl53GqY17BBj-2kY
140 No entender de AGUILAR (2003), na prática, esse embargo acabou ajudando à Sérvia na manutenção de sua superioridade militar na área,
ao impedir a compra legal de armas por croatas e muçulmanos (p. 94).
141
A
Res.
724
do
CSNU
encontra-se
http://daccessdds.un.org/doc/RESOLUTION/GEN/NR0/596/60/IMG/NR059660.pdf?OpenElement
disponível
em:
72
índole à ex-Iugoslavia, determinações que se confirmaram, ampliaram e completaram
com a Resolução 757142, de Maio de 1992:
Decide que todos os Estados se absterão de por à disposição das
autoridades da Rep. Federativa da Iugoslávia (Sérvia e Montenegro) [...]
quaisquer fundos ou quaisquer outros recursos financeiros ou econômicos
[...], com a exceção de pagos com fins estritamente médicos ou
humanitários e de alimentos (Res. 757 do CSNU).
Para o cumprimento do embargo, organizaram-se várias operações navais,
sob mando da OTAN e outra da União Européia Ocidental (UEO)143, e, ante as
contínuas violações das medidas impostas144, a Res. 787145 as incrementou e
estabeleceu duas novas operações, também aplicadas pela OTAN e a UEO.
4.2.2
Operações de paz
As operações de paz não se encontram contempladas na Carta de São
Francisco, porém são reguladas por um conjunto de princípios e estatutos que
regulam de que forma o Direito Internacional Humanitário deve ser respeitado146.
Segundo GARCIA (2004):
147
Entende-se por operações de manutenção da paz
e ajuda humanitária
todas aquelas operações que, realizadas sob o mandato expresso do CSNU,
mediante a correspondente resolução, permitem tanto o cesse como a
prevenção das hostilidades, bem através da interposição física de uma
terceira parte organizada ou a imposição de medidas coercitivas –
econômicas, logísticas, políticas – que permitam o estabelecimento e
142 http://daccessdds.un.org/doc/RESOLUTION/GEN/NR0/011/11/IMG/NR001111.pdf?OpenElement
143 A UEO é uma organização de defesa européia, estabelecida em 1954 pelo Tratado de Bruxelas. É formada pelos Estados membros da
OTAN e da União Européia (exceto Dinamarca), antes que esta fosse ampliada em Junho de 2004. Ver mais detalhes em: http://www.weu.int/
144 A pesar do mencionado embargo, a ONU salientou, na Res. 760 (1992) a necessidade de que alguns produtos básicos não estivessem
submetidos a tal sanção. Ver: http://daccessdds.un.org/doc/RESOLUTION/GEN/NR0/011/19/IMG/NR001119.pdf?OpenElement
145 A Res. 787 encontra-se disponível em: http://daccessdds.un.org/doc/UNDOC/GEN/N92/723/03/IMG/N9272303.pdf?OpenElement
146 Tal conjunto de princípios referem-se a evitar o uso da violência, a primar imparcialidade, transparência e claridade de propósitos, firmeza,
seriedade, antecipação de situações que possam levar à violência e integração de diferentes nacionalidades; 2. O Comitê Internacional da Cruz
Vermelha (CICV) e diversas ONGs também promulgaram um estatuto próprio para regular a atuação das organizações relacionadas com a ajuda
de emergência. Fonte: http://www.un.org/spanish/peace/dpko/glossary/c.html
147 O Ministério de Defesa espanhol outorga a seguinte definição: “[...] operação de caráter multinacional, dirigida por uma organização legitimada
e desenvolvida normalmente sob os auspícios da ONU, que tem por objetivo eliminar as ameaças à paz e segurança internacionais, empregando
para
isso
meios
pacíficos
ou
limitando
o
uso
http://www.mde.es/contenido.jsp?id_nodo=4262&&&keyword=&auditoria=F
da
força
ao
nível
mínimo
indispensável”.
Ver:
73
conseguinte manutenção da paz, e tudo isso com o único objetivo de fazer
chegar ajuda humanitária às partes em conflito mais desfavorecidas (p. 150).
Na opinião deste autor, toda operação de paz deve ser regida pelos seguintes
princípios gerais: consentimento das partes, imparcialidade, uso limitado da força e
exclusivamente limitado à autodefesa, credibilidade para cumprir o mandato e
capacidade de negociação e mediação. Em todas as Repúblicas afetadas pelo
conflito, destaca-se o trabalho realizado pelos capacetes azuis148, que, ao prestarem
proteção aos meios de transporte terrestre e aéreo, fizeram chegar importante ajuda
humanitária às vítimas do conflito149.
4.2.2.1 As Missões de Paz150
Para facilitar a compreensão das principais atividades protagonizadas pela
ONU, passamos a citar as Missões de Paz, que foram as diretrizes gerais que
pautaram o resto das suas ações:
1.
United Nations Peace Force – UNPROFOR, instalada inicialmente na
Croácia em 1992.
2.
United Nations Peace Force – UNPF, surgida em 1995 devido à
reformulação na estrutura das missões da ONU na Iugoslávia. Compreendia a
UNPROFOR, restrita apenas à Bósnia-Herzegovina, a United Nations Confidence
Restoration – UNCRO, na Croácia, e a United Nations Preventive Deployment –
UNPREDEP, na Macedônia;
3.
United Nations Mission in Bósnia Herzegovina – UNIMBH, estabelecida
depois da assinatura do Acordo de Dayton, em 19995;
4.
United Nations Transitional Administration for Eastern Slavonia, Baranja
and West Sirmium – UNTAES, na Eslavônia Oriental, entre 1996 e 1998, que
devolveu pacificamente a região ao governo croata;
148 As forças de manutenção da paz são comumente conhecidas como “capacetes azuis” devido à cor dos capacetes que identifica seus
membros. Mais detalhes em: http://www.un.org/spanish/peace/dpko/intro/intro.htm
149 Ver o preâmbulo da Resolução da Assembléia Geral 49/59 de 9 de Dezembro de 1994 relativa à Convenção sobre Segurança dos
Funcionários
das
Nações
Unidas
e
associados,
disponível
em:
http://daccessdds.un.org/doc/UNDOC/GEN/N95/768/16/PDF/N9576816.pdf?OpenElement.
150 Na Web das Nações Unidas, os termos operações de paz e missões de paz parecem ser utilizados indistintamente. Sendo assim, neste
trabalho, optamos por utilizá-los como sinônimos.
74
5.
United Nations Missons of Observers in Prevlaka – UNMOP, criada pelo
Acordo de Dayton, na Península de Prevlakam, fronteira entre a Croácia e
Montenegro;
6.
United Nations Mission in Kosovo – UNMIK, instalada após a
intervenção da OTAN na Iugoslávia em 1999;
7.
United Nations Civilan Police Support Group – UNPSG, em substituição
a UNTAES, monitorou o desempenho da polícia croata na Eslavônia Oriental, entre
janeiro e outubro de 1998.
A UNPROFOR – Força de Proteção para as Nações Unidas – foi criada em
1992, através da Resolução 743151 do CSNU, com o intuito de criar as condições de
paz e segurança necessárias para a negociação de um arranjo global da crise da
Iugoslávia. Teve autorizados 52.929 efetivos entre contingente militar de todos os
graus, civis e policiais (ONU, 1996152).
Estabelecida inicialmente na Croácia, tinha como objetivo garantir a
desmilitarização dos grupos que atuavam na região, assim como a retirada das
tropas do Exército do Povo da Iugoslávia (JNA)153. Além disso, deveria levar a cabo o
cessar-fogo, desenvolver a confiança entre as partes, criar condições para que uma
solução permanente fosse negociada no campo político e facilitar o retorno dos
refugiados (AGUILAR, 2003, p. 121).
Em Dezembro de 1992, devido à evolução do conflito, ampliou-se o mandato
de UNPROFOR à Bósnia com a Res. 776 (1992)154 e à Macedônia com a Res. 795
(1992)155. Desta forma, o CSNU atribuiu novas missões a esta força, como, por
exemplo, deter ataques contra as “áreas de segurança” – explicadas no próximo item
deste trabalho –, realizar operações em pontos chave do terreno, usar a força em
defesa própria como resposta a bombardeios e incursões contra as áreas de
151 A Res. 743 encontra-se disponível em: http://daccessdds.un.org/doc/RESOLUTION/GEN/NR0/011/02/IMG/NR001102.pdf?OpenElement
152 Fonte: http://www.un.org/spanish/Depts/dpko/dpko/co_mission/unprof_p.htm
153 O Exército Popular Iugoslavo (atuante entre o 22 de dezembro de 1951 e o 20 de Maio de 1992) era a força militar da Federação iugoslava.
A origem do JNA data da II Guerra Mundial quando as forças partidárias comandadas pelo futuro marechal Tito que, em 1942, converteram-se no
Exército Popular de Liberação e Destacamentos Partisanos da Iugoslávia. Em Março de 1945 mudou seu nome pelo de Exército Iugoslavo e
finalmente obteve o adjetivo popular em 1951 com o intuito de enfatizar o caráter socialista das Forças Armadas. Ver:
http://www.un.org/icty/tadic/trialc2/judgement/tad-tsj70507JT2-e.pdf
154 A Res. 776 encontra-se disponível em: http://daccessdds.un.org/doc/UNDOC/GEN/N92/438/40/IMG/N9243840.pdf?OpenElement
155 Desta forma, a força passou de 10.000 homens a 24.000. Ver: http://www.un.org/documents/sc/res/1992/scres92.htm
75
segurança para desobstruir vias necessárias e proteger comboios organizados pelo
ACNUR156 (ONU, 1996).
A UNPROFOR era chefiada pelo representante especial do Secretário-Geral e
possuía uma Divisão Administrativa, uma Divisão de Assuntos Civis, uma Força
Militar e uma Divisão de Assuntos Políticos e Humanitários157. As tropas,
observadores militares e policiais, colocados à disposição da ONU pelos Estados
Membros, foram desdobrados nas UNPAs158, na Croácia, de modo a assegurar a
retirada do JNA.
Nessa Missão, foram estabelecidos os Observadores Militares159. O grupo era
composto por militares de diversas nacionalidades que deveriam agir com
imparcialidade, possuir alta flexibilidade e mobilidade, viver e operar junto às
comunidades locais e atuar sempre desarmados. Tais características davam-lhes
alta credibilidade por parte da população e das facções em luta. (AGUILAR, 2003,
p. 122)160.
Os observadores executavam missões de patrulhamento na área de
operações, conduziam investigações e inspeções, reuniam-se com autoridades civis
e militares, monitoravam acordos de cessar-fogo, retiradas, desmilitarizações, troca
de prisioneiros e de corpos, e verificavam a situação dos direitos humanos face ao
grande número de refugiados em toda a região. Além dessas missões “normais”
foram incumbidos de informar as atividades da missão e seus progressos à
população; de monitorar a situação dos refugiados; de atuar na desmilitarização e
retirada de armamento pesado das unidades sérvias e sua destruição. O mandato
inicial do último grupo iria até 15 de Julho de 1996, mas este tempo foi ampliado.
Em 1995, como citado anteriormente, foi instituída a segunda das Missões de
Paz da região (UNPF) devido à reestruturação da UNPROFOR, cuja atuação ficou
restringida apenas ao território da Bósnia-Herzegovina, que foi dividida e deu origem
156
Ver
as
Res.
nº.
770
e
776
de
14
de
setembro
de
1992
e
n.º
836,
de
4
de
Junho
de
1993
em:
http://daccessdds.un.org/doc/UNDOC/GEN/N92/379/66/IMG/N9237966.pdf?OpenElement,
http://daccessdds.un.org/doc/UNDOC/GEN/N92/438/40/IMG/N9243840.pdf?OpenElement
e
http://daccessdds.un.org/doc/UNDOC/GEN/N93/330/21/IMG/N9333021.pdf?OpenElement
157 Ver a estrutura da UNPROFOR em AGUILAR, 2003, p. 120 (figura 4).
158 As UNPAs eram áreas na Croácia nas quais os sérvios constituíam maioria ou uma importante minoria da população e onde as tensões
intercomunais
haviam
chegado
a
um
conflito
armado.
Fonte:
UNPROFOR
http://www.jef3op.ejercito.mil.ar/website/Departamentos/oomp/paginas/unprofor.htm. Mais informação sobre as UNPAs na p. ? deste trabalho.
159
A
Res.
1043,
por
exemplo,
autorizou
o
desdobramento
de
100
observadores
http://daccessdds.un.org/doc/UNDOC/GEN/N96/033/66/PDF/N9603366.pdf?OpenElement
160 Ver a estrutura dos observadores militares em AGUILAR, 2003, p. 122 (figura 6).
militares
da
UNTAES.
Disponível
em:
76
à UNCRO, à UNPREDEP e à UN Skopje. A UNPF, Força de Paz das Nações
Unidas, nasceu, portanto, no momento em que a UNPROFOR passou a denominarse UNCRO161 na Croácia – pelaResolução 981 (1995)162 – sendo dissolvida nove
meses depois através da Res. 1025 (1995)163; UNPREDEP164 (Força de
Deslocamento Preventivo da ONU) na Macedônia, que atuou até 28 de fevereiro de
1999165, e passando então a denominar-se a UN Skopje.
A ONCRU tinha como objetivos principais: desenvolver plenamente as
funções contempladas no Acordo de Cessar o Fogo; facilitar a aplicação de todas as
resoluções do CSNU; assistir na fiscalização de subministros e armas nas fronteiras
internacionais entre a República da Croácia, a República da Bósnia- Herzegovina e
a República Federativa da Iugoslávia; e supervisionar a desmilitarização da
península de Prevlaka. A Croácia recuperou pela força a Eslovênia Ocidental e a
Região de Krajina em 1995, o que eliminou a necessidade de que as tropas das
Nações Unidas permanecessem na região (ONU, ?166)
Porém, na Eslavônia Oriental, o último dos territórios controlado pelos sérvios,
o mandato da UNCRO permaneceu essencialmente sem mudanças e os conflitos
foram resolvidos através da negociação. As conversas, patrocinadas pela ONU
concluíram no Acordo Básico sobre a Região da Eslavônia Oriental, Baranja e
Serijem Occidental. O mandato da UNCRO terminou no 15 de janeiro de 1996
(AGUILAR, 2003, p. 131).
Através da UNPREDEP, no caso da Macedônia, como será comentado
posteriormente na conclusão deste trabalho, a ONU atuou de forma preventiva167.
Como ressalta Hamann (2007):
A ONU [...] desempenhou um papel relevante e inédito em sua história: tratase do envio preventivo de tropas [...] para controlar as fronteiras norte e
oeste [...], de modo a impedir - pela deterrência - a intervenção da
Sérvia/Iugoslávia no país à época de sua independência (p. 188).
161 Mais detalhes em: http://documents-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/N96/077/24/pdf/N9607724.pdf?OpenElement e http://documents-ddsny.un.org/doc/UNDOC/GEN/N95/272/09/pdf/N9527209.pdf?OpenElement
162 A Res. 981 encontra-se disponível em: http://daccessdds.un.org/doc/UNDOC/GEN/N95/094/09/PDF/N9509409.pdf?OpenElement
163 A Res. 1025 encontra-se disponível em: http://daccessdds.un.org/doc/UNDOC/GEN/N95/380/47/PDF/N9538047.pdf?OpenElement
164
A
UNPROFOR
passou
a
denominar-se
UNPREDEP
através
da
Res.
983
de
1995,
disponível
em:
http://daccessdds.un.org/doc/UNDOC/GEN/N95/094/33/PDF/N9509433.pdf?OpenElement
165 Apesar de ter sido solicitada uma extensão do mandato da UNPREDEP, a República Popular da China – como represália pelo
estabelecimento de relações diplomáticas entre a FYROM e Taiwan – vetou a correspondente proposta de resolução. Voltaremos a este ponto na
conclusão do trabalho.
166 Fonte: http://www.un.org/spanish/Depts/dpko/dpko/co_mission/uncro.htm
167 Ver: http://www.un.org/spanish/Depts/dpko/dpko/co_mission/humanitarian.htm
77
Quando os guerrilheiros albaneses pretenderam anexar o norte da Macedônia
à Albânia, o governo macedônico, recém independente, pediu a intervenção da ONU,
a qual atuou preventivamente, como foi dito, para evitar a conflagração do conflito.
As atividades da Missão nesta República foram similares àquelas desenvolvidas nas
demais. Destaca-se a presença permanente de funcionários da organização nas
fronteiras; o diálogo constante com grupos políticos, sociais e étnicos; a promoção da
cooperação multiétnica e multicultural; a assistência humanitária; a cooperação com
organizações regionais como a OSCE e a ICFY em assuntos de direitos humanos;
assessoramento
para
construção,
reparação
de
rodovias,
sistemas
de
telecomunicações e de distribuição de água. Foram instalados 33 postos temporários
de observação e patrulhas diárias em aproximadamente 40 comunidades na fronteira
entre a Albânia e a Macedônia (ONU, 1999168).
Na Bósnia, a UNMIBH169 foi instituída em 1995, e desenvolveu suas atividades
até 2002170. Segundo Annan171:
Mediante a UNIMBH, as Nações Unidas demonstraram sua capacidade
para cumprir um mandato complexo, com ajuda de um plano estratégico e a
prazos realistas bem definidos. A UNIMBH terminou o projeto de
reestruturação e reforma da polícia mais amplo que jamais tenham
172
empreendido as Nações Unidas (2002 , tradução nossa).
Esta Missão inicialmente dizia, principalmente, respeito à proteção dos
comboios de ajuda humanitária, aos prisioneiros libertados e refugiados; ao
monitoramento da evacuação de feridos; à verificação dos acordos de cessar-fogo;
ao retorno de refugiados a suas antigas moradias e à manutenção do aeroporto de
Sarajevo aberto, permitindo o suprimento de ajuda humanitária. Outras atividades de
cunho humanitário desenvolvidas no seio desta organização foram o controle dos
aeroportos e a desmilitarização de certos territórios e regiões. Em determinadas
ocasiões as atividades chegaram a traspassar o limiar do que corresponderia ao
168 Fonte: http://www.un.org/spanish/Depts/dpko/dpko/co_mission/unpred_r.htm
169
O
sumário
do
mandato
da
UNMIBH,
fracionado
em
diversas
resoluções,
encontra-se
disponível
em:
http://www.un.org/Depts/dpko/missions/unmibh/mandate.html
170 A UNMIBH cessou a sua atividade no dia 1º de Janeiro de 2003, sendo substituída por outra de idêntico caráter da União Européia, EUPM,
segundo dispõe a resolução 1396 (2002) de 5 de março do Conselho de Segurança. A Resolução encontra-se disponível em:
http://daccessdds.un.org/doc/UNDOC/GEN/N02/272/88/PDF/N0227288.pdf?OpenElement
171 O ganês Kofi Annan foi o sétimo Secretário Geral das Nações Unidas (de 1997 a 2006) e laureado com o Premio Nobel da Paz em 2001.
Mais detalhes em: http://nobelprize.org/nobel_prizes/peace/laureates/2001/annan-bio.html
172 Fonte: http://www.un.org/spanish/Depts/dpko/unmibh/index.html
78
governo iugoslavo, como o controle da emigração e as fronteiras das áreas
protegidas (UNIMBH, 2002173).
Por último, foram criados diversos Comitês de Implementação:
de restauração de serviços públicos – água, energia, esgotos, transporte
públicos, comunicações, coleta e destino do lixo, instalações educacionais e
de saúde e a reconstrução de casas danificadas ou destruídas durante o
conflito;
de administração civil – a fim de dirigir os procedimentos judiciais locais,
dirigir assuntos relativos aos orçamentos, receita e despesas, e às linhas
internas e externas de transporte e comunicações;
de retorno dos refugiados;
de polícia174;
de direitos humanos;
de educação e cultura – para estabelecer procedimentos e regulamentos
relativos ao currículo educacional e às necessidades educacionais das
minorias étnicas;
de registros;
de eleições (AGUILAR, 2003, p. ?).
A quarta Missão, a UNTAES175, referente à transição da administração na
Eslovênia Oriental176, foi criada através da Resolução 1037 (1996)177. Seu propósito
era levar a região para o controle do governo da Croácia, mantendo sua
característica multiétnica e promovendo a confiança entre todos os residentes locais;
permitir o retorno de todos os refugiados em condições de segurança; organizar
eleições locais livres; promover o respeito aos direitos humanos e às liberdades
fundamentais, assim como o desenvolvimento e a reconstrução da região178. A
UNTAES também auxiliou na construção e patrulhamento de estradas e rodovias; no
incremento do comércio; na distribuição de combustível para o funcionamento de
173 Fonte: http://www.un.org/spanish/Depts/dpko/unmibh/docs.html
174 Nos Comitês destinados aos policiais, foram estabelecidos vários cursos que contaram com resultados positivos. Ver a tabela e comentários
ao respeito em: VALENÇA, 2006, p. 11 e12 (tabelas 1, 2 e 3).
175 Mais detalhes sobre a UNTAES encontram-se disponíveis em: http://www.un.org/av/photo/untaes.html
176 A infra-estrutura básica da região estava destruída depois de ter sido ocupada durante quatro anos pelas forças sérvias, que arrasaram com
tudo o que era croata.
177 Disponível em: http://daccessdds.un.org/doc/UNDOC/GEN/N96/007/58/PDF/N9600758.pdf?OpenElement
178 O efetivo autorizado a ser desdobrado na região foi de 5000 militares, 100 observadores, 600 policiais civis da ONU, 469 civis internacionais
e 681 civis locais recrutados, num total de 6850 pessoas.
79
sistemas de aquecimento no inverno e tratores, caminhões, máquinas agrícolas e
geradores de energia, dentre outros (ONU, 2003179).
A quinta Missão, a UNMOP, Missão de Observadores na Península de
Prevlaka180, foi estabelecida na Croácia para supervisionar o cumprimento do
Acordo de Dayton181. A Missão deveria supervisar a desmilitarização da Península e
as zonas vizinhas situadas na Croácia e na República Federativa da Iugoslávia,
além de celebrar reuniões periódicas com as autoridades locais a fim de reduzir as
tensões, melhorar a segurança e fomentar a confiança entre as partes beligerantes.
A Res. 1437 do CSNU182 decidiu terminar a UNMOP no dia 15 de Dezembro de
2002 (ONU, 2002)183.
No Kosovo, a missão da ONU recebeu o nome de Missão de Administração
Interina (UNMIK)184 e foi criada através da Res. 1244, de 1999, do CSNU185. Foi
estabelecido também Conselho Transitório de Kosovo (CTK), um corpo consultivo
que funcionou como um mini-parlamento até as eleições.
Foi criada também a
Estrutura Administrativa Interina Conjunta (EAIC), e o Corpo de Proteção de Kosovo
(CPK), além de seis grupos de trabalho para viabilizar a estabilidade da região
(ONU, 2008186).
Em Dezembro de 1997, pela Res. 1145 do CSNU187, foi implementada a última
das Missões da ONU, através do Grupo de Apoio Policial das Nações Unidas
(UNPSG)188. Este Grupo assumiu os assuntos de polícia na região de
responsabilidades da UNTAES, com o encerramento daquela Missão. Deveria
continuar o monitoramento da polícia croata principalmente em relação ao retorno de
179 Fonte: http://www.un.org/spanish/Depts/dpko/dpko/co_mission/untaes.htm
180 Prevlaka, localizada no mar Adriático, na fronteira com Montenegro, é uma península que ficou a cargo de 27 observadores até que a
Croácia e a Iugoslávia se comprometeram a respeitar a decisão da Comissão Badinter acerca da inviolabilidade das fronteiras de ambas as
repúblicas. Ver detalhes em: http://www.un.org/Docs/sc/presidency/ps2404.htm e http://www.un.org/Depts/dpko/missions/unmop/docs.html
181 Mais detalhes sobre a UNMOP em: http://www.un.org/Depts/dpko/missions/unmop/
182 Fonte: http://daccessdds.un.org/doc/UNDOC/GEN/N02/633/74/PDF/N0263374.pdf?OpenElement
183 Fonte: http://www.un.org/spanish/Depts/dpko/unmop/mandate.html
184 Ver mapa de UNMIK em: http://www.un.org/Depts/Cartographic/map/dpko/unmik.pdf
185 A Res. encontra-se disponível em: http://www.unmikonline.org/press/reports/N9917289.pdf
186 Fonte: http://www.un.org/spanish/kosovo/
187 A Res. encontra-se disponível em: http://daccessdds.un.org/doc/UNDOC/GEN/N97/377/98/PDF/N9737798.pdf?OpenElement
188 O Grupo era composto por 180 policiais civis dos seguintes países: Argentina, Áustria, Dinamarca, Egito, EUA, Ilhas Fiji, Finlândia,
Indonésia,
Irlanda,
Jordânia,
Quênia,
Lituânia,
Noruega,
http://www.un.org/spanish/Depts/DPKO/Missions/cropol.htm
Polônia,
Rússia,
Suécia,
Suíça
e
Ucrânia.
Ver
mais
detalhes
em:
80
refugiados e desalojados. Em 15 de Outubro de 1998, a OSCE assumiu a
responsabilidade pelo controle da polícia na região (ONU, 2003189).
Uma vez citadas, sinteticamente, as principais características das Missões de
Paz implementadas, passaremos a destacar alguns pontos das mesmas que devem
ser destacados.
4.2.3
Criação de zonas de segurança
No mês de Novembro de 1991, foi estabelecido o traçado dos limites entre as
áreas dominadas pelos sérvios e os croatas. Nessas áreas seriam estabelecidas
posteriormente as chamadas Áreas Protegidas pelas Nações Unidas (UNPAs)190, as
quais foram divididas em quatro setores: Leste (compreendia a Eslovênia Oriental,
Baranja e Sirmium Ocidental), Oeste (Eslovênia Ocidental), Norte (o norte da Krajina)
e o Sul (o sul da Krajina) (AGUILAR, 2003, p. 97).
Mapa6: As áreas protegidas pela ONU e as Pink Zones.
Fonte: AGUILAR, 2003, p. 97.
As áreas de segurança consistiram na proibição de atividades bélicas sobre
uma parte do território do Estado em questão para proporcionar segurança aos que
ali se encontravam. Na prática, significou o estabelecimento de um protetorado sob a
189 Fonte: http://www.un.org/spanish/Depts/DPKO/Missions/cropol.htm
190 Sobre as Zonas de Segurança e outros aspectos tratados neste trabalho, ver: La Guerra en Croácia y Bósnia-Herzegovina, disponível em:
http://www.acnur.org/biblioteca/pdf/2044.pdf
81
bandeira da ONU (UNPROFOR, 2003191). Mas, apesar dos esforços da instituição
para que os objetivos propostos fossem alcançados, as áreas de segurança não
foram imunes aos ataques bélicos. Como acrescenta GAMA (2005), referindo-se a
tais áreas:
Tratava-se de um mecanismo relacionado com a proteção de pessoas, não
do território – propiciando um refúgio seguro e um local privilegiado para a
entrega do auxílio humanitário. No contexto do conflito na ex-Iugoslávia, no
entanto, as “áreas protegidas” tornaram-se alvo preferencial das facções em
luta e a ONU viu-se confrontada com um poderio militar superior a de seus
capacetes azuis. Quando a cobertura aérea da parceira OTAN não se
mostrava suficiente, as “áreas protegidas” mostravam-se grandemente
vulneráveis (p. 24).
Na Bósnia-Herzegovina, a Res. 824 (1993)192 do CSNU estabeleceu seis
zonas de segurança protegidas, de maioria muçulmana: Sarajevo, Bihac, Zepa, Tuzla
y Srebrenica. Em total, perto de um milhão de pessoas se encontrava sob a proteção
dos capacetes azuis. A ONU estimou em 34.000 efetivos o mínimo necessário
nessas zonas para dissuadir os sérvios, mas somente foi possível reunir 7.600
homens (GARCIA, 2004, p. 533).
4.2.4
Estabelecimento de zonas de proibição de sobrevôo e controle do ar
Uma das mais importantes atividades realizadas pela ONU foi a tentativa do
controle aéreo193. Em 1992194 foi estabelecido, na Bósnia-Herzegovina, o
monitoramento dos aeródromos e, desta forma, foram criadas as denominadas zonas
de proibição de sobrevôo e o monitoramento dos aeródromos (Airfield Monitoring).
Estas zonas pretendiam estabelecer, com fins humanitários, a proibição de sobrevôo
a aviões militares pertencentes às partes em conflito incluindo, se necessários,
observadores nos aeroportos iugoslavos. Neste sentido, em virtude de um mandato
191 Fonte: http://www.un.org/spanish/peace/dpko/medals/unprofor.htm
192 A Res. 824 encontra-se disponível em: http://daccessdds.un.org/doc/UNDOC/GEN/N93/262/07/IMG/N9326207.pdf?OpenElement
193 Para detalhes sobre a guerra aérea e as restrições impostas pelo direito internacional humanitário, ver LUCO in VALLADARES, 2003, p. 201237).
194 As zonas de proibição de sobrevôo foram determinadas pelas resoluções 781 de 9 de Outubro de 1992, 786 de 10 de Novembro de 1992 e
816
de
31
de
Março
de
1993
do
CSNU,
disponíveis,
respectivamente
em:
http://daccessdds.un.org/doc/UNDOC/GEN/N92/491/64/IMG/N9249164.pdf?OpenElement,
http://daccessdds.un.org/doc/UNDOC/GEN/N92/689/74/IMG/N9268974.pdf?OpenElement
http://daccessdds.un.org/doc/UNDOC/GEN/N93/187/17/IMG/N9318717.pdf?OpenElement.
e
82
da OTAN, programou-se um sistema de vigilância denominado “Deny Flight” –
denegação de vôo195 –, cuja missão principal era proibir qualquer operação hostil e
assegurar a supremacia aérea, além de tentar que o conflito ficasse circunscrito só
ao meio terrestre sem vantagem comparativa para nenhum dos lados196
(UNPROFOR, 1996197).
Os vôos, regulados pela ONU em Sarajevo, permitiram levar uma carga de
aproximadamente 24.500 toneladas em ajuda humanitária; proteger comboios – o
que beneficiou 800 mil pessoas em 110 localidades devido à distribuição de 34.600
toneladas de comida, remédios e outros suprimentos (AGUILAR, 2003, p. 103).
4.3
Operações policiais e militares
Uma das atividades chefiadas pela ONU refere-se às tarefas policiais nos
Estados que fizeram parte da ex-Iugoslávia. No que concerne às certificações dos
agentes da polícia198, os programas criados pela ONU compreendiam várias fases e,
na sua culminação, pretendia-se que os corpos policiais fossem vistos como um
elemento a mais na construção do Estado de direito199 e desenvolvessem suas
tarefas num marco jurídico congruente. Dotou-se aos policiais que conseguiam a
certificação definitiva de uniformes e instrumentos de trabalho adequados. A
necessidade destas tarefas é destacada por HANSEN (2000):
195 Apesar da proibição de vôos, no período entre 22 de Outubro de 1992 e 27 de Outubro de 1995 foram registradas 7.141 violações da
proibição de vôos sobre a Bósnia por radares de aeroportos, aeronaves de vigilância aérea da OTAN ou por obvervadores militares e monitores
da
CE
no
terreno.
Fonte:
Resolução
nº.
836,
de
4
de
Junho
de
1993
do
CSNU,
disponível
em:
http://www.un.org/spanish/Depts/dpko/dpko/co_mission/unprof_b.htm
196 Neste contexto deve ser citado o abatimento de quatro aviões sérvios em fevereiro de 1994 por aviões estadunidenses em missão de
controle do espaço aéreo de exclusão à aviação sérvia. Fonte: http://www.un.org/spanish/Depts/dpko/dpko/co_mission/unprof_b.htm
197 Fonte: http://www.un.org/spanish/Depts/dpko/dpko/co_mission/unprof_b.htm
198 Diversas acusações foram feitas à polícia dos Estados beligerantes, e a imagem desta com a população mais de receio do que de confiança.
Ver: http://www.unhchr.ch/tbs/doc.nsf/(Symbol)/CAT.C.SR.349.Sp?Opendocument
199 Apesar das divergências entre os doutrinadores, o Estado de Direito pode ser identificado como aquele no qual nenhum indivíduo, presidente
ou cidadão comum, está acima da lei. As leis devem expressar a vontade do povo, não os caprichos de reis, ditadores, militares, líderes
religiosos ou partidos políticos auto-nomeados. Dever consolidar um sistema de tribunais fortes e independentes deve ter o poder e a autoridade,
os recursos e o prestígio para responsabilizar membros do governo e altos funcionários perante as leis e os regulamentos da nação; os juízes
devem ter uma formação sólida, ser profissionais, independentes e imparciais, estando empenhados nos princípios da democracia. Ver:
CARVALHO, 2006, p. 153-158.
83
A maior ameaça ao direito e à ordem surgiu devido à ausência de uma força
policial efetiva guiada por princípios democráticos e ao mau funcionamento
do sistema judiciário. As forças policiais locais incorporaram um elevado
número de ex-combatentes que tinham ficado inativos desde o cessar-fogo
e aderiram-se ao corpo policial para conseguir alguma forma de emprego
(p. 66).
A Polícia Civil da ONU200 (UNCIVPOL), composta por monitores de vinte
países, tinha como principal tarefa a supervisão e regulação das atividades das
polícias locais. Auxiliou também com informações sobre necessidades de produtos
para a população, na libertação de prisioneiros e no transporte de idosos e doentes
(AGUILAR, 2003, p. 126).
Foi criada uma Força de Polícia Transitória (FPT)201, composta por sérvios e
croatas202 que, depois de selecionados e treinados, passaram a realizar o
policiamento conjuntamente com a UNCIVPOL. A principal finalidade da FPT era,
durante o período transitório, preparar uma força multiétnica para prover uma
segurança imparcial à população da região e capacitar o pessoal local para realizar
as mesmas missões quando a ONU deixasse a área (ONU, 2003203).
No campo militar, foi instaurada uma Força Militar204 com o fim de prover
segurança à região com a colocação de tropas na zona de separação entre sérvios
e croatas, instalação de postos de controle nos pontos de passagem, realização de
patrulhamento, escoltas de comboios e segurança de pontos sensíveis. Esta força
foi organizada em um comando central em Vukovar, com um efetivo de 154 homens
e quatro batalhões da Bélgica, Rússia, Paquistão e Jordânia (VALENÇA, 2006, p.
15).
Uma Comissão Militar Conjunta, da qual faziam parte militares da ONU e das
forças sérvias que operavam na área, foi responsável pelo planejamento e execução
da desmilitarização. Posteriormente foi fixado um programa de compra do
armamento, que era posteriormente destruído pelo governo croata (AGUILAR, 2003,
p. 172).
200 No que se refere às polícias locais, o maior desafio da ONU era supervisionar a transformação da polícia de guerra, participante da
segurança do Estado, em uma estrutura de polícia regular, responsável pela segurança dos indivíduos (AGUILAR, 2003, p. 126).
201
A
importância
do
treinamento
das
forças
policias
é
mencionada
na
Res.
1168
(1998)
do
CSNU,
disponível
em:
http://daccessdds.un.org/doc/UNDOC/GEN/N98/141/10/PDF/N9814110.pdf?OpenElement
202 Relativo à força policial do país, estipulou-se um efetivo de 20000 policiais, que deveria, obrigatoriamente, contar com representantes de
todos os grupos étnicos. Ver: VALENÇA, 2006, p. 15 (tabela 5).
203 Fonte: http://www.un.org/spanish/Depts/DPKO/Missions/cropol.htm
204 Foram desdobrados também um Batalhão de Engenharia da Eslováquia; um Esquadrão de Reconhecimento da Argentina; um Esquadrão de
Carros de Combate da Ucrânia; dois Esquadrões de Helicópteros da Ucrânia; um Hospital Cirúrgico de Campanha da República Checa; uma
Companhia de Saúde da Indonésia e uma Companhia de Comando da Bélgica.
84
4.3.1
Os trabalhos destinados ao combate às minas205
A reconstrução da capacidade econômica das novas Repúblicas estava
diretamente relacionada à retirada das minas, uma vez que grande parte da área
rural estava impedida de ser utilizada, diminuindo a capacidade de produção,
aumentando o número de desempregados nas cidades e, conseqüentemente,
aumentando a tensão social, sem contar o alto risco de acidentes206. AGUILAR
(2003) faz referência às minas, as quais constituem um dos problemas que os
governos atuais – anos depois dos seus respectivos Estados terem atingido a
estabilidade – devem enfrentar:
A atividade produtiva principal da Bósnia e da Sérvia, por exemplo, antes do
conflito, era a agricultura – dificultada pela guerra em grande medida – e o
artesanato. A dificuldade expressada não é outra que a existência dos
campos de minas, antes inclusive que os combates e os bombardeios.
Estima-se que ainda há um milhão e meio de minas sem explodir no Estado
207
bósnio, e outro milhão encontra-se em vias de desativação
(p. 178).
A ONU, dentre as suas obrigações, conta com a tarefa de neutralizar as minas
sempre e quando os interessados o comuniquem, ou estas sejam localizadas ao
produzir-se um acidente. (ONU, 2007208). Foi instaurado o Mine Action Center209
(MAC) em Sarajevo, para coordenar todas as atividades das agências e organismos
internacionais envolvidos, incluindo programas de ONGs como do Handicap
205 A regulamentação
internacional sobre as minas terrestres é bastante abrangente. Dentre elas, destaca-se a Convenção de Otawa,
disponível em: http://www.cinu.org.mx/temas/asun_hum/conv_ottawa.htm. Uma das principais atividades que o Comitê Internacional da Cruz
Vermelha
(CICV)
desenvolveu
na
região
foi
o
combate
às
minas.
Ver
artigos
ao
respeito
em:
http://www.icrc.org/web/por/sitepor0.nsf/(PSearch)?SearchView&Query=minas%20AND%20Iugosl%C3%A1via&searchWv=1&searchFuzzy=1&Se
archOrder=1&SearchMax=0&style=Custo_results_search2
206 Somente no período do pós-guerra, entre 1996 e 2000, foram registrados 1247 acidentes com minas na Bósnia.
207 O tema das minas é abordado no filme Terra de Ninguém, no qual três soldados lutam por sobreviver em uma trincheira e um deles, ferido,
encontra-se em cima de uma mina. É mostrado que quando um grupo civil era obrigado a abandonar a região, normalmente o minava antes, para
impedir que outros o ocupassem.
208 Fonte: http://www.cinu.org.mx/temas/asun_hum/minas.htm
209 O Mine Action Center é de acordo com o glossário da ONU, um centro que coordena as iniciativas de combate às minas em um determinado
país. Detalhes sobre as ações contra as minas em: http://cyberschoolbus.un.org/sds/introduction/glossary.asp . Dados sobre as mesmas na
Croácia em: http://www.unog.ch/80256EDD006B8954/(httpAssets)/C4C8C4F3CEA5E8CDC12571CC00582682/$file/Croatia.pdf
85
International210. Foi criado também um fundo para tratar das minas e dar assistência
às vítimas (ONU, 1996211).
Tomaram-se medidas para que houvesse uma livre circulação de informação
na região, com a reintegração dos serviços de utilidade pública, como rádio e
televisão. Foram estabelecidos canais de televisão, dentre eles um monitorado pela
UNTAES que, em 1998, encerrou suas atividades (ONU, 2000212).
4.3.2
O Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos - ACNUDH
O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos
(ACNUDH)213 foi criado pela Res. 428 (v) de 1995 da AG214 e sua sede foi instalada
em Genebra, na Suíça. As principais atividades do escritório foram assim
determinadas: promover os direitos humanos junto com a democracia e o
desenvolvimento; impulsionar a cooperação internacional em favor dos direitos
humanos; difundir conhecimentos e prestar serviços de informação e assistência
técnica sobre esses direitos, dentre outras.
O Escritório do Alto Comissariado representado inicialmente por José AyalaLasso, dO Equador215, conta com várias representações pelo mundo – mais de 40 –,
e um total de 200 funcionários; seu pressuposto anual encontra-se em torno dos 20
milhões de dólares (aproximadamente 1.7% do pressuposto ordinário da ONU)
(ONU, ?,216).
No território da ex-Iugoslávia, sua atuação foi considerável (AGUILAR, 2003,
p. 176). Um escritório instalado na Bósnia, e com missão na Macedônia desde 1991,
constituiu uma das primeiras field presences da história da Agência (HAMANNM
2007, p. 192). Auxiliava à UNMIBH nos assuntos relativos aos direitos humanos,
desenvolvendo vários programas, tais como treinamento da Força Policial; combate
210 Ver detalhes da ONG em: http://www.handicap-international.org/
211 Fonte: http://www.un.org/News/Press/docs/1996/19960404.sc6202.html
212 Fonte: http://www.cinu.org.mx/temas/paz_seguridad/pk_despleg.htm
213 As funções do Alto Comissariado das Nações Unidas para os
refugiados e seu estatuto encontra-se disponível em:
http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/onu/asilo/asilo50.htm
214 A Res. Encontra-se disponível em: http://daccessdds.un.org/doc/RESOLUTION/GEN/NR0/063/92/IMG/NR006392.pdf?OpenElement
215 Detalhes sobre o Alto Comissário em: http://www.unhchr.ch/html/hchr/hchr_cv.htm
216 Fonte: http://www.ohchr.org/Documents/Publications/NgoHandbook/ngohandbook2_sp.pdf
86
à prostituição forçada e ao tráfico de pessoas; discriminação, direitos sociais e
econômicos; treinamento de estudantes de direito, professores, juízes, promotores e
advogados (CINU, 2007217).
Realizava ainda seminários em faculdades de Direito e de Ciências Políticas,
e o monitoramento da situação dos direitos humanos não só na Bósnia, mas em
todos os países da antiga Iugoslávia (ONU, ?, 218).
4.4
A Agência das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR)
O ACNUR219, com sede em Genebra, nasceu em 1º de Janeiro de 1951 com a
Resolução 319 (IV) de 3 de Dezembro de 1949 da AGNU220. Sua finalidade é
assegurar proteção jurídica e ajuda material aos refugiados a partir de uma
formulação estritamente humanitária (ACNUR, 2006221).
No caso da ex-Iugoslávia, de acordo com Aguilar (2003):
O ACNUR desenvolveu programas que beneficiavam, em janeiro de 1996,
um total de 3.318.300 refugiados, desalojados ou afetados pela guerra em
toda a ex-Iugoslávia, sendo: 2,7 milhões na Bósnia-Herzegovina; 258 mil na
Croácia; 6300 na FYROM; 24 mil na Eslovênia e 330 mil na Iugoslávia.
Dados do governo iugoslavo estimavam que houvesse, aproximadamente,
650 mil refugiados no país, 80% sobrevivendo em acomodações privadas e
o restante em 800 centros coletivos espalhados pela república (p. 127).
Os programas do órgão iam desde a proteção até a alimentação de
refugiados, passando pelo suprimento de água, cuidados com a saúde, abrigos,
educação, agricultura, etc., com uma necessidade, em 1995, de mais de 200 milhões
de dólares. No Acordo de Paz de Dayton – especificamente no anexo VII – foi
determinado que os refugiados e desabrigados tivessem direito a retornar às
propriedades que possuíam antes do conflito. O ACNUR foi encarregado de realizar e
217 http://www.cinu.org.mx/temas/dh/acnudh.htm
218 Fonte: http://www.unhchr.ch/html/menu2/5/bosnia.htm
219 Ver mais informação sobre o ACNUR em: http://www.acnur.org/
220
A
Res.
da
AGNU
encontra-se
http://daccessdds.un.org/doc/RESOLUTION/GEN/NR0/054/02/IMG/NR005402.pdf?OpenElement
221 Fonte: http://www.acnur.org/index.php?id_sec=22
disponível
em:
87
coordenar as ações necessárias ao retorno e à reintegração dessas pessoas
(ACNUR, 2001222).
Na Bósnia, o ACNUR instalou um escritório central em Sarajevo, três
regionais (em Banja, Luka, Tuzla e Mostar) e vinte escritórios de campo por todo o
país. No total, foram estabelecidos no país 60 centros interligados, permitindo a
troca de informações que eram consolidadas em um banco de dados. O ACNUR
atuou na implantação de leis de proteção da propriedade e outras relacionadas à
manutenção da liberdade de movimento, ao apoio de comunidades e ao auxílio
legal. Desta forma, foi estabelecida a Força Tarefa de Reconstrução e Retorno a fim
de estabelecer mecanismos para lidar com os diferentes aspectos ligados ao
processo de retorno dos afetados (CINU, 2000223).
Devem ser consideradas as duas classes de refugiados com os que a ONU
trabalhou: os voluntários e os forçados224. Entre os primeiros, encontram-se os que
optaram pela emigração a outros países, bem devido à procura de uma nova vida ou
à espera da resolução do conflito. Os segundos eram os verdadeiros deslocados pela
limpeza étnica, que, devido à ameaça de perder não somente os bens, mas a própria
vida, viram-se obrigados a abandonar os seus lares e, em muitos casos, também
todo tipo de documentos (AGUILAR, 2003, p. 201).
O trabalho era realizado em conjunto com outras agências das Nações
Unidas, como a Organização Mundial da Saúde (OMS)225, a Organização da
Alimentação e Agricultura (FAO)226, além de inúmeras organizações nãogovernamentais (ONG´s). Estas ajudas são amplamente destacadas na maior parte
das obras consultadas. AGUILAR (2003), por exemplo, ressalta que:
Entre 1992 e 1995 foram enviadas à Bósnia 959 mil toneladas de
suprimentos, operação que envolveu três mil pessoas, dois mil veículos e
250 organizações diversas. O lançamento aéreo humanitário colocou
através de pára-quedas mais de 18 toneladas de alimentos em áreas
inaccessíveis de Konjie, Gorazde, Maglaj, Srebrenica, Zepa e Tesanj (p.
128).
222 Fonte: http://www.acnur.org/revistas/112/index.htm
223 Fonte: http://www.cinu.org.mx/ninos/html/ficha3.htm
224 Além de diferenciar o trabalho realizado com cada classe de refugiados, o ACNUR tenta prestar assistência individualizada de acordo com
as necessidades e características de cada pessoa. As mulheres e as crianças, por exemplo, contam com uma proteção – dentro do possível –
especial. Ver: MERTUS, 1997, p. 51-54
225 Na Macedônia, por exemplo, a OMS proporcionou assistência médica no principal hospital psiquiátrico e treinou profissionais de saúde para
trabalhar em partos, prevenção de doenças e tratamento psiquiátrico (AGUILAR, 2003, p. 252). Ver mais informação sobre a OMS em:
http://www.who.int/en/
226 Mais informação sobre a FAO em: http://www.fao.org/
88
O Fundo Internacional das Nações Unidas para a Criança e a Educação
(UNICEF)227 estabeleceu escritórios em nove cidades da ex-Iugoslávia com o
objetivo de desenvolver programas de assistência, tais como cuidados médicos
primários, campanhas de imunização, apoio nutricional, higiene, vestuário, educação
pré-escolar e primária, além do apoio a crianças com dificuldades especiais. Houve
distribuição de roupas, foram distribuídos equipamentos básicos para escolas,
iniciou-se um programa de treinamento de professores e de conscientização sobre
os perigos das minorias. Fez-se a reconstrução do jardim de infância de Vukovar
para 300 crianças e a preparação do Centro de Trabalho Social de Vukovar
destinado à reabilitação físico-social das crianças. Como relata Aguilar (2003), na
Macedônia:
A UNICEF apoiou o desenvolvimento de programas de amamentação em
hospitais, maternidades e várias outras instituições relacionadas com a
gestação e os primeiros meses de vida das crianças. Providenciou vacinas
e apóio técnico para o Programa de Imunização. Trabalhou, também, em
programas de apoio educacional, em ligação com o ministério do Trabalho e
228
Ação Social, beneficiando crianças do país e refugiadas . Prestou
assistência técnica ao ministério da Educação em um planejamento
estratégico de reforma educacional (p. 252).
A Res. 45/100 da AGNU229, em seu art. 6º, contemplou a possibilidade de criar
a título provisório corredores de socorro para a distribuição de ajuda, solicitando a
participação com objeto de facilitar o trânsito da assistência humanitária. De acordo
com Aguilar (2003):
A atuação da ONU em Sarajevo permitiu, até o final de janeiro de 1993,
organizar mais de 2.000 vôos que levaram carga aproximada de 24.500
toneladas em ajuda humanitária. Já a proteção de comboios beneficiou 800
mil pessoas em 110 diferentes localidades com 34.600 toneladas de
comida, remédios e outros suprimentos. Esta ajuda não solucionou o
problema, mas permitiu a sobrevivência de milhares de civis e refugiados (p.
103).
227 O Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) é a principal organização das Nações Unidas que se ocupa da sobrevivência,
proteção e desenvolvimento das crianças. Os programas da UNICEF centram-se na imunização, atenção primária da saúde, nutrição e educação
básica. Compreende atividades em mais de 160 países. Fonte: http://www.un.org/spanish/esa/about_esa.html
228 A UNICEF e o ACNUR forneceram apoio a 160 crianças, refugiadas em centros coletivos, através de transporte, lanches e salário de
professores. A UNICEF forneceu ainda material escolar para outras 800 crianças (AGUILAR, 2003, p. 252).
229
A
Res.
da
AGNU
encontra-se
http://daccessdds.un.org/doc/RESOLUTION/GEN/NR0/572/63/IMG/NR057263.pdf?OpenElement
disponível
em:
89
Entre 3 de julho de 1992 e 9 de janeiro de 1996, o ACNUR coordenou a maior
ponte aérea humanitária da história. Mais de 20 países participaram no transporte de
160 mil toneladas de comida, medicamentos e outros itens para Sarajevo, utilizando
aeronaves do Canadá, França, Alemanha, Reino Unido e EUA, que realizaram mais
de 12 mil vôos. Em 14 de Dezembro do ano seguinte e mediante a Resolução 428
(V) aprovou-se o estatuto que permitiu o desenvolvimento das suas funções
humanitária, social e política. De acordo com HAMANN (2007):
O ACNUR não conseguiu manter o seu padrão de atendimento aos
refugiados kosovares e, ainda assim, não houve nenhuma epidemia nos
campos e os indicadores das taxas de mortalidade nos campos foram bem
mais baixos do que o comum nesse tipo de situação. As condições de boa
saúde da maioria dos refugiados aliada à curta duração da crise e à ajuda de
famílias macedônias albanesas permitiram que a situação não ficasse pior
(p. 226).
4.5
O Tribunal Penal Internacional para Crimes na Ex-Iugoslávia (TIPCI)230
O capítulo VII da Carta das Nações Unidas estabelece que o CSNU pode
estipular medidas coercitivas contra um Estado-membro acusado de violações graves
ou massivas do direito humanitário internacional, por entender-se que tal fato
constitui uma ameaça à paz e à segurança internacionais231. Apoiado em tal
mandato, estabeleceu-se um tribunal internacional para a ex-Iugoslávia, com o fim de
condenar as violações ao direito em virtude do genocídio, dos crimes de guerra e de
crimes contra a humanidade232 (PINTO, 2003, p. 304). Nas palavras do ex-Secretário
Geral da ONU, Kofi Annan: “A impunidade não pode ser tolerada, e não o será. Em
230 Cabe destacar que, apesar de citarmos somente a função do Tribunal, cada Estado da ex-Iugoslavia adotou mecanismos próprios para tratar
da questão dos crimes cometidos ao longo do conflito por seus nacionais. Por exemplo, na Bósnia, foi criada a Lei de Anistia de modo a definir
quem realmente seria julgado, e anistiando os que, apesar de terem participado da guerra, não tinham contra si acusações de crimes de guerra
ou violações dos direitos humanos. Fonte: http://www.unhchr.ch/tbs/doc.nsf/0/cb87dbf75311718dc1257295002a85bd/$FILE/G0644990.pdf
231 O capítulo VII da Carta das Nações Unidas é destinado às ações cabíveis – inclusive o uso da força – em caso de qualquer ameaça à paz ou
a sua ruptura e/ou ato de agressão. Mesmo não se encontrando expressos em tal documento, os Princípios do Direito Internacional foram
reconhecidos pela Comissão de Direito Internacional das Nações Unidas, 1951, e, portanto, são considerados matéria implícita no mesmo. O art.
41, II, dos Artigos Preliminares sobre Responsabilidade Estatal da Comissão de Direito Internacional das Nações Unidas, representando a norma
do direito internacional consuetudinário e adotada na Resolução 56/83 da AG, de 26/01/2002, reza a Responsabilidade dos Estados por Atos
Internacionalmente Ilícitos. Ver: http://www.icrc.org/web/por/sitepor0.nsf/html/6B7HK8
232 O Tribunal com competência para julgar as violações do direito humanitário internacional nos territórios da ex-Iugoslávia estabeleceu-se em
1993, com sede em Haia, através da determinação da res. 827 (1993) de 25 de Maio. A Resolução encontra-se disponível em:
http://daccessdds.un.org/doc/UNDOC/GEN/N93/262/07/IMG/N9326207.pdf?OpenElement
90
um mundo interdependente a Regra do Direito deve prevalecer” (ICTY, tradução
nossa233).
O TIPCI foi autorizado a processar e julgar pessoas responsáveis por
violações da lei humanitária internacional234 no território da ex-Iugoslávia desde
1991235, incluindo graves violações da Convenção de Genebra de 1949236, das leis
ou dos costumes de guerra, genocídio237 e crimes contra a humanidade238. Em 31 de
Março de 2001, Milosevic foi preso239 pelo governo do seu próprio país e entregue ao
Tribunal para ser julgado pelo crime de genocídio, de acordo com o estabelecido pela
Res. 1034 (1995) de 21 de Dezembro do CSNU240. Outra acusação foi feita com base
no art. 3º da Convenção de Genebra, que regulamenta os crimes contra as leis e
costumes de guerra (ONU, 2005241).
Em 13 de fevereiro de 2002 iniciou-se o julgamento. Pela ação na Croácia, o
líder sérvio foi acusado de 10 crimes contra a humanidade e 22 crimes de guerra;
pela ação na Bósnia, por dez acusações de crimes contra a humanidade e 17 de
crimes de guerra e, pela ação do exército e grupos paramilitares sérvios em Kosovo,
outros quatro processos por crimes contra a humanidade e um por crime de guerra
(ONU, 2008242).
Vários outros acusados foram destinados a este Tribunal. Destaca-se Karadzic
– líder dos sérvios bósnios; Mladic243 – general comandante das forças sérvias da
Bósnia; Enver Hadzihasanovic – ex-general bósnio-muçulmano; o coronel Amir
233 Fonte: http://www.un.org/icty/glance-e/index.htm
234 Os textos e tratados relativos ao Direito Internacional Humanitário encontram-se disponíveis em:
http://www.icrc.org/web/por/sitepor0.nsf/html/section_ihl_databases
235 Outras informações sobre o processo de julgamento em HANSEN, 2000, p. 161-165.
236 A Convenção de Genebra sobre os refugiados encontra-se disponível em: http://www.onu-brasil.org.br/doc_refugiados.php
237 Corte Penal Internacional define genocídio como uma lista de atos proibidos, tais como matar ou causar danos graves, com a intenção de
destruir, total ou parcialmente, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso. Fonte: http://www.unic.org.ar/prensa%20hojasinfo/archivos/17-072005.doc
238 Segundo o Estatuto da Corte, são crimes contra a humanidade o extermínio de civis, a prática da escravidão, a tortura, o estupro, a gravidez
forçada, a persecução por questões políticas, raciais, nacionais, étnicas, culturais, religiosas ou de gênero e desaparições forçadas (sempre que
sejam parte de um ataque generalizado ou sistemático direcionado à população). Ver detalhes do TIPCI em: http://www.un.org/icty/
239 Ver: El Pais, 24 de Março, 2002. Garton Ash, T. “Serbia y el juízo a Milosevic: Una nación em estado de negación”, no qual o autor recolhe a
testemunha de um cidadão sérvio para quem o juízo de Milosevic é uma desonra.
240
As
atas
de
acusação
contra
Milosevic,
Karadzik
e
Mladic
encontram-se
disponíveis
em:
http://daccessdds.un.org/doc/UNDOC/GEN/N95/413/84/PDF/N9541384.pdf?OpenElement
241 Fonte: http://www.un.org/icty/milosevic-d/registry/050914e.htm
242 Fonte: http://www.un.org/icty/cases-e/index-e.htm
243 Ratko Mladić foi o chefe do exército sérvio da República Srpska durante a Guerra da Bósnia entre 1992-1995. Foi acusado de comandar o
Massacre de Srebrenica em julho de 1995, considerado o maior assassinato em massa na Europa desde a 2ª Guerra Mundial e o primeiro caso
de genocídio legalmente reconhecido depois do Holocausto. Consistiu na matança de 8373 bósnios na região de Srebrenica, em Bósnia e
Herzegovina, pelo Exército Sérvio da Bósnia e com a participação das forças especiais da Sérvia conhecidos como "Escorpiões". Fonte:
http://www.un.org/apps/newsFr/storyF.asp?NewsID=14096&Cr=srebrebica&Cr1=TPIY
91
Kubura; Vojislav Seselj – líder ultranacionalista; Nebojsa Pavkovic – ex-chefe do
Estado Major do Exército Iugoslavo; Radislav Krstic – ex-general sérvio bósnio; Milan
Babic – líder sérvio da Croácia; o ex-general Satanislav Galic – subordinado direto de
Ratko Mladic – e Radovan Karadzic244, os dois últimos condenados a vinte anos de
cadeia pela morte de doze mil bósnios (AGUILAR, 2003, p. 224)245.
244 Atualmente, o ex-político sérvio Karadžić é considerado fugitivo após ser acusado de crimes de guerra pelo ICTY. Existe atualmente um
mandado de captura internacional, na sequência do artigo 61 º do TPIJ, que concluiu que existem motivos suficientes para crer que o acusado
tenha cometido os crimes em questão, incluindo genocídio. O Governo dos Estados Unidos, desde então, ofereceu um prêmio de cinco milhões
de dólares por sua detenção. Ver: http://www.rewardsforjustice.net/english/index.cfm?page=Karadzic
245 Ver detalhes sobre as condenações em: http://www.un.org/icty/simic/appeal/judgement-e/sim-acjud061128e.pdf
92
5
CONCLUSÃO
A década de crises na região que um dia foi a terra dos eslavos do sul permite
debater temas sobre questões seculares – nacionalismos, protestos identitários,
movimentos religiosos – além de novos conceitos e significados que ganham
relevância na atual Agenda Internacional – direito de ingerência, intervenção
humanitária, soberania limitada, movimentos separatistas e a necessidade de
reforma das Nações Unidas.
A atuação da ONU durante as citadas crises permitiu visualizar a difícil
resolução de controvérsias, tanto pela via diplomática quanto através das medidas
coercitivas consagradas nos cap. VI e VII da Carta de São Francisco. No conflito
analisado, não foi possível consolidar nenhum acordo frutífero entre as partes
beligerantes até que os nefastos efeitos da guerra já tinham sido vislumbrados.
Mesmo assim, com o suposto interesse de deter as hostilidades e respeitar os
condicionantes que levariam a um processo de conciliação, observamos que várias
vezes os acordos foram desrespeitados e, em lugar de se avançar em direção à paz,
novas ondas de violência eram anunciadas nos principais meios de comunicação
domésticos e internacionais.
Porém, mesmo não conseguindo evitar a eclosão das guerras nem o elevado
número de vítimas mortais, de feridos ou a incalculável destruição material, a ONU
protagonizou importantes tarefas que ampararam a vida de muitos civis. Destacamse a criação das Zonas Seguras, as atividades policiais realizadas pela UNIVPOL e a
ajuda humanitária destinada, o que somente foi possível com a abertura de
aeroportos, a proteção de comboios, o suprimento pelo ar e o trabalho do ACNUR em
relação aos refugiados. Podemos concluir que estas ações aliviaram, mas,
certamente, não resolveram o problema das minorias e das fronteiras disputadas.
Verificados os problemas burocráticos, organizacionais e orçamentários da
Organização, acreditamos na premente necessidade de sua conseguinte adaptação
à nova realidade, pois o cenário no qual atualmente se encontra inserida é bem
diferente daquele existente quando seus arquitectos a instituíram.
Cabe resaltar que os mencionados motivos que conduziram à guerra nos
Bálcãs – nacionalismo, etnia e religião – são temas seculares inerentes ao seres
humanos e com os que a comunidade internacional – e suas organizações – sempre
93
terão de lidar. Acreditamos que a experiência nos Bálcãs pode ser válida para se
evitar falhas semelhantes em próximos enfrentamentos, e que os mecanismos
aplicados não devem simplesmente intervir num território para impedir ou interromper
violações ao Direito Internacional. É fundamental a criação de regimes e instituições
fundamentados no respeito aos Direitos Humanos e às liberdades individuais,
contidos na Declaração Universal e nos tratados, convenções e protocolos que visam
protegê-los.
A epígrafe desta dissertação refere-se à eterna dicotomia entre a teoria (saber
o que é preferível fazer) e a prática (fazer). Deve-se considerar que no campo das
Relações Internacionais os procedimentos requerem a observação de resultados a
longo prazo. O ideal de terminar para sempre com as guerras encontra-se aludido
nos estudos de pensadores políticos de todos os tempos, bem como constituiu
preocupação primeira no Direito Internacional.
Até o momento, não foi encontrada a solução que consiga erradicar a violência
humana, mas nem por isso a transcendência da ONU não deve ser reconhecida. De
fato, é a Organização Internacional mais relevante dos últimos sessenta anos, e
compartimos a opinião de que “se não existisse, ela teria de ser inventada”246.
246 Fonte: Weiss; Forsythe; Coate, In: LOPES; FELDMAN (2006, p. 66).
94
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, João Marques. A NATO e a Intervenção Militar na Bósnia. Revista de
Imprensa Internacional. IPRI – Instituto Português de Relações Internacionais,
2004. Disponível em: <http://www.ipri.pt/investigadores/artigo.php?idi=5&ida=28>
Acesso em: 02 out. 2007.
ALTARES, Guillermo. Bósnia, Diez Años sin Guerra, 2005. ElPAIS.com. Disponível
em:<http://www.elpais.com/articulo/portada/Bosnia/anos/guerra/elpeputec/20051204
elpepspor_8/Tes> Acesso em: 21 nov. 2007.
AGUILAR, S. A guerra da Iugoslávia: uma década de crises nos Bálcãs. São
Paulo: Usina do Livro, 2003.
ARAÚJO, de. Marcelo. Multilateralismo e Governança: A Institucionalização
Difusa dos Direitos Humanos no Contexto da Política Internacional.
Florianópolis: Revista Ethic@/UFSC, 2007.
APOSTOLAVA, Maria Estefanova. Iugoslávia: Crônica de uma Crise. Revista
Brasileira de Política Internacional. nº 37, p. 82-105, 1994.
ATLAS das Relações Internacionais. Concepção e direção de Pascal Boniface. 2ª
Ed. Lisboa: Plátano Edições Técnicas, 2000.
BALSEÉIS, Sandra. Balkan in Memoriam. Barcelona: Intermón Oxfam, 2002.
BARBUSSE, Henri. Los Verdugos. Madrid: Caro Raggio, 2006
BARRAILLER, Vicent et al. Dicionário das Relações Internacionais. Lisboa:
Plátano Edições Técnicas, 2001.
BARTH, F. O Guru, o Iniciador e outras Variações Antropológicas – Os grupos
Étnicos e suas Fronteiras. Rio de Janeiro: Contra-capa Livraria, 2000.
BONAMUSA, Francesc. Pueblos y Naciones en los Balcanes. Síntesis: Madrid,
1998.
BULL, Hedley. The Anarquical Society. London: Macmillan, 1977.
BRENER, Jayme. Os Bálcãs - História e Crise. São Paulo: Ática, 1996.
BRENER, Jayme. Tragédia na Iugoslávia. Guerra e Nacionalismo no Leste
Europeu. São Paulo: Atual, 2000.
BUGARSKI, Ranço. Lengua, Nacionalismo y la Desintegración de Yugoslavia.
Universidad de Belgrado. Revista de Antropología Social, nº6. Servicio de
Publicaciones. UCM, 1997.
95
BULL, Hedley; WATSON, Adam (Eds.). The Expansion of International Society.
Oxford: Clarendon Press, 1984.
BYMAN, Daniel L. Keeping the peace – Last Solutions to Ethnic Conflicts. The
Baltimore: Johns Hopkins University Press, 2002.
CAMPBELL, David. National Deconstruction: Violence, Identity and Justice in
Bosnia. Minneapolis: University of Minnesota, 1998.
CAMPS, Victoria. Guerra de los Balcanes. Barcelona: Deriva, 1994.
CARACUEL Raya, María Angustias. Los cambios de la OTAN tras el fin de la
Guerra Fria. Madrid: Tecnos, 1997.
CARR, Edward Hallet. Vinte Anos de Crise: 1919 – 1939. Uma introdução ao
Estudo das Relações Internacionais. 2ªEd. São Paulo: Universidade de Brasília,
2001.
CHOMSKY, Noam: RUIZ, Berta. El Nuevo Humanismo Militar: Las Lecciones de
Kosovo. México: Siglo Veintiuno, 2002.
CONCEICÃO, Andréa Freitas da. Os Acordos de Dayton na Prática: O desafio dos
Sete Primeiros Anos de Construção de um Estado Multiétnico Dividido ao Meio:
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. 2006. Dissertação (Mestrado) –
Programa de pós-graduação em Relações Internacionais. Disponível em:
<http://www.maxwell.lambda.ele.puc-rio.br/cgibin/PRG_0599.EXE/7888_1.PDF?NrOcoSis=23216&CdLinPrg=pt> Acesso em: 14
ago. 2007.
COTIA, Warner. Bem-vindo a Sarajevo. Home Video, 1997.
CUETO, C. E. Durán Marién. El conflicto de Kosovo: un Escenario de
Colaboración de actores civiles y militares. Madrid: Biblioteca Nueva, 2006
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. São Paulo, Ed.
Saraiva, 2007.
DECLARACAO Universal dos Direitos Humanos. Disponível em:
<http://www.un.org/spanish/aboutun/hrights.htm> Acesso em 14 ago. 2007.
MERTUS, Julie et alii. Derechos Humanos de las Mujeres. Paso a paso – Guía
práctica para el uso del Derecho Internacional de los Derechos Humanos y de los
Mecanismos para defender los Derechos Humanos. San José, 1999.
DÉRENS, J. Bálcãs – Os Povos Esquecidos. Le Monde Diplomatique, 2003.
Disponível em: <http://diplo.uol.com.br/2003-07,a695> Acesso em 27 nov. 2007.
DIEGO García, Emilio de. Los Balcanes, Polvorín de Europa. Madrid: Arco de
Libros, 1996.
96
DJORDJEVICH, Jovan. Yugoslavia, Democracia Socialista. México: Fondo de
Cultura Económica, 2006.
DUROSELLE, Jean-Baptiste. Historia de los Europeos. Barcelona: Círculo de
Lectores, 1995.
DRAGAN, Vujnovic. Iugoslávia Hoje. Ideação, Feira de Santana, p.229-240, 1999.
Disponível em:
<http://209.85.165.104/search?q=cache:CuR7chNgF0kJ:www.uefs.br/nef/dragan4.p
df+FMI+Iugoslavia&hl=ptBR&ct=clnk&cd=10&gl=br&lr=lang_es|lang_fr|lang_en|lang_it|lang_pt> Acesso em
03 mar. 2008.
ESLOVENIA. La Quinta Ampliación de la Unión Europea. Red de Información
Europea de Andalucía a partir de los datos recabados por el IPE de Gibraltar, 2004.
Disponível em: <http://www.andaluciaeuropa.com/ue/archivos/ESLOVENIA.pdf>
Acesso em 23 mar. 2008.
EXPÓSITO Valle, Ana. Bosnia-Herzegovina: Crecer en la Guerra. Zaragoza: Luis
Vives, 1994.
FERÓN, Bernard. Iugoslávia: A Guerra do Final do Milênio – Das Origens do
Conflito aos Bombardeios da OTAN. São Paulo, L&PM Editores S/A, 1993.
FERÓN, Bernard. Yugoslavia, Orígenes de un Conflicto. Barcelona: Salvat, D.L.
1995.
FILIPOVIC, Zlata. O Diário de Zlata: A Vida de uma Menina na Guerra. São Paulo:
Companhia das Letras, 1995.
GAMA, Carlos Frederico Pereira da Silva. Mudanças Institucionais nas Atividades
relativas às Operações de Manutenção da Paz do “Sistema ONU” do PósGuerra Fria: “Adaptação” versus “Aprendizado”. Dissertação (Mestrado em
Relações Internacionais) – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio
de Janeiro, 2005.
GIRÓN Garrote, José. Andrés Sáenz de Santa María, María Paz. La Intervención
de la OTAN en la República Federal de Yugoslavia. Silverio Cañada: Gijón, 2002.
CHARAUDEAU, P. La Television et la Guerre: Déformation ou Construction de
la Réalié? Le conflict en Bosnie (1990 – 1994). Bruxelles: De Boeck Université,
2001.
GARCIA, Ángel. Otra Mirada sobre Yugoslavia: Memória e Historia de la
Participación de las Fuerzas Armadas Españolas en Bósnia-Herzegovina. Tesis
doctoral presentada a la Facultad de Letras de la Universidad de Murcia, 2004.
Disponível em: <http://www.tdr.cesca.es/TESIS_UM/AVAILABLE/TDR-1201105132929/Agarcia.pdf> Acesso em 03 mar. 2008.
97
GILPIN, Robert. A Economia Política das Relações Internacionais. Brasília: UNB,
2002
GONÇALVES, Williams. Relações Internacionais. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
2002.
GOYTISOLO, Juan. Cuaderno de Sarajevo: Anotaciones de un Viaje a la
Barbarie. Madrid: Deriva, 1994.
GUIMARÃES, Lytton L. Relações Internacionais como Campo de Estudos.
Discurso, raízes e desenvolvimento, estado da arte. Cadernos do Rel, caderno
nº.17. Publicação do Departamento de Relações Internacionais da Universidade de
Brasília, 2001.
GUMPERT, Martin. História da Cruz Vermelha. Rio de Janeiro: Ocidente, 1944.
HABERMAS, Jürgen. O Estado-Nação Europeu Frente aos Desafios da
Globalização. In Novos Estudos CEBRAP, n° 43, 1995.
HALL, Brian. El País Imposible: Yugoslavia, Viaje al Borde del Naufragio.
Barcelona: Flor del Viento, 1995
HANSEN, Lene. Security as Practice: Discourse Analysis and the Bosnian War.
London: Routledge, 2006
HELD, David. Democracy, the Nation-State and the Global System. In HELD, D.
(Ed.). Political Theory and the Modern State. Stanford: Stanford University Press,
1989.
HENDERSON. International Relations: Conflict and Cooperation at the Turn of
the 21st Century. USA: McGraw – Hill, 1997.
HERNANDEZ Holgado, Fernando. Historia de la OTAN: De la Guerra fria al
Intervencionismo Humanitario. Los libros de la Catarata: Madrid, 2002.
HERZ, M; HOFFMANN, A.R. Organizações Internacionais: Histórias e Práticas.
Rio de Janeiro: Elsevier Editora Ltda, 2004.
HARRISON´S Flowers. Direção: Elie Chouraqui, DVD (126 min.), 2002.
HOBSBAWN, Eric. A Questão do Nacionalismo: Nações e Nacionalismos desde
1780. Lisboa: Terramar, 1998.
IGNATIEFF, Michael. Guerra virtual: Más allá de Kosovo. Paidós: Barcelona 2003.
JACOMINI, M.A. Guerra da Bósnia: Restauração capitalista num Mundo
Globalizado. São Paulo: Moderna, 1998.
Jornal El Mundo. Disponível em: <http://www.elmundo.es> Acesso em 27 mar.
2008.
98
Jornal El Pais. Disponível em: <http://www.elpais.es> Acesso em 27 mar. 2008.
KAHLER, Miles. Multilateralism with Small and Large Numbers. International
Organizations, 46, 3. The MIT Press: Massachusetts, 1992.
KALDOR, M. New and Old Wars: Organized Violence in a Global Era. Cambridge:
Polity Press, 1999.
KALDOR, Mary. Más allá de los Bloques: OTAN, de la seguridad al rearme.
Fontamara: Barcelona, 1986.
KRASNER, Stephen. International Regimes. Ithaca: Cornell University Press, 1989.
KUPSTAS, M. Identidade Nacional. São Paulo: Moderna, 1997.
LANDA, F. Intolerância Religiosa. São Paulo: Loyola Multimédia, 1998.
LAFER, Celso. A ONU e os Direitos Humanos. Palestra proferida no Colóquio A
Carta de São Francisco: 50 anos depois, organizado pela Área de Assuntos
Internacionais do Instituto de Estudos Avançados na USP, em 23/06/1995.
Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ea/v9n25/v9n25a14.pdf> Acesso em 27 abr.
2008.
LEGG, Keith R.; MORRISON, James F. Politics and the International System: an
Introduction. Nova Iorque: Harper & Row Publishers, 1971.
LEGUINECHE, Manuel. Yugoslavia Kaputt. Barcelona: Ediciones B, 1992.
LIMA, Maria Regina Soares de. Teses Equivocadas sobre a Ordem Mundial PósGuerraFria. In: Dados. Revista de Ciência Sociais. Rio de Janeiro, Vol. 39, n0 3,
1996, p. 393-421.
LOHBAUER, Christian. Um Estudo Histórico da Ordem Internacional, nº1. Videre
Futura: São Paulo, 2000.
LOPES, D; FELDMAN, L. ONU, 61. Sociologia Política de uma Instituição
Sexagenária em Tempos de Globalização. Revista cena internacional. Vol. 8, nº1,
2006. Disponível em:
<http://shots.snap.com/explore/53820/?url=http%3a%2f%2fwww.mundorama.info%2f
mundorama%2fcena_internacional_files%2fcena_2006_2.pdf&key=e5a3c1e6dff5de3
5b1c6e7c470411886&src=pub-2311827-www.wordpress.com&cp=&tol=url> Acesso
em 27 abr. 2008.
LYON, James. Bósnia in Pane. O Correio da UNESCO, 2000.
MARTINS, Margarida; MARTINS, Afonso. Direito das Organizações
Internacionais II. Lisboa: Associação Acadêmica da Faculdade de Direito de
Lisboa, 1996.
99
MAY, Karl. Nos Desfiladeiros dos Bálcãs. Rio de Janeiro: Porto Alegre, 1958.
MILNER, Helen. Interest, Institutions and Information: Domestic Politics and
International Relations. Princenton: Princenton University Press, 1997.
MILNER, Helen. "The Assumption of Anarchy in International Relations Theory:
A Critique", in D. A. Baldwin (ed.), Neorealism and Neoliberalism: The
Contemporary Debate. New York, Columbia University Press, 1993.
MILOSEVICH, Mira. El Trigo de la Guerra: Nacionalismo y Violencia en Kosovo.
Espasa Calpe, Madrid, 2001.
MORIN, Edgar. Os Fracticidas: Iugoslávia-Bósnia: 1991-1995. Lisboa: Relógio
d´Água, 1995.
MOTA, Myriam Mecho; BRAICK, Ramos, Patrícia. História: das Cavernas ao
Terceiro Milênio. São Paulo: Moderna, 1998.
NASCIMENTO, Blenda Fonseca do. Solução de Controvérsias Internacionais.
Revisão do papel da ONU como Pilar da Segurança Internacional. Curitiba:
Juruá, 2007.
NOGUEIRA, João Pontes. The War in Kosovo and the Disintegration of
Yugoslavia: Notes on the (re) Construction of the State at the End of the
Milenium. Revista Brasileira de Ciencias Sociais. Sao Paulo, v. 15, n. 44, 2000.
Disponível em: <http://www.scielo.br//> Acesso em 8 mar. 2008.
ONU. Carta das Nações Unidas. São Francisco, 1945.
ORTEGA Perol, Juan Miguel. Al intervención de la ONU en Yugoslavia. Septem
Universitas. Oviedo, 2001.
ORTIZ, Eduardo. El Estudio de las Relaciones Internacionales. Chile: Fondo de
Cultura Económica, 2000.
OSIANDER, Andreas. Rereading Early Twentieth-century IR Theory. Idealism
Revisited. International Studies Quartely (p. 409-432). Florence: Routledge, 2001.
PINTO, Mónica. La Noción de Conflicto Armado en la Jurisprudencia del
Tribunal Penal Internacional para la ex –Yugoslavia, In: VALLADARES, Gabriel
Pablo (copilador). Lecciones y ensayos. Derecho Internacional Humanitario y temas
de áreas vinculadas. LexisNexia: Buenos Aires, 2003. p. 297-310.
POLETTO, Ricardo dos Santos. A Reforma da ONU sob a Perspectiva do
Multilateralismo: Um embate entre o Nominal e o Qualitativo. Universidade de
Brasília. Instituto de Relações Internacionais - Programa de Educação Tutorial (PETREL). Disponível em:
<http://209.85.215.104/search?q=cache:kfC1LNnVhmAJ:www.geocities.com/petrel_
unb/analise/conjuntura-onu11.pdf+multilateralismo+caracter%C3%ADsticas&hl=pt-
100
BR&ct=clnk&cd=15&gl=br&lr=lang_es|lang_fr|lang_en|lang_pt> Acesso em 27 abr.
2008.
Portal Biblioteca Nacional Española. Disponível em: <HTTP://www.bne.es>
Acesso em 17 mar. 2008.
Portal da União Européia. Disponível em. <http://www.europa.eu.int/eur-lex>
Acesso em 17 mar. 2008.
PRAT. Cesáreo R. Aguileira de Prat. Los Nacionalismos en la Desintegración de
Yugoslavia. Afers Internacionals, núm. 27, pp. 77-93. 1988 Disponível em:
<http://209.85.165.104/search?q=cache:sUYVBkY1SjgJ:www.raco.cat/index.php/Re
vistaCIDOB/article/viewFile/27951/40833+Los+nacionalismos+en+la+desintegraci%
C3%B3n+de+Yugoslavia.&hl=pt-BR&ct=clnk&cd=1&gl=br> Acesso em 23 mar.
2008.
REIGOTA, Marcos. Registros de uma Barbárie Anunciada. Edunisc, 2001.
REISSMULLER, Johann Georg. Guerra en Europa: Trasfondos de la Tragedia
Croata y Bosnia. Oikos-Tau: Barcelona, 1992.
RODAS, Ignácio. La Guerra de los Balcanes y Nuestros Propios Criminales.
Barcelona: Curso, 1999.
RONCOLATTO, C. Na Guerra da Bósnia. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército,
2004.
ROJO, Afonso. Yugoslavia, Holocausto en los Balcanes. Planeta: Barcelona,
1992.
RUGGIE, John. Multilateralism: the Anatomy of an Institution. In RUGGIE, John.
Multilateralism Matters - The Theory and Praxis of an Institutional Form. New
York: Columbia University Press, 1993.
SAMARY, Catherine. La Fragmentación de Yugoslavia. Talasa, D.L: Madrid, 1993.
SAMARY, Catherine. Le Marché contre l´Autogestion: l´Expérience Yougoslave.
Paris: La Brèche, 1988.
SAMARY, Catherine. Do Desaparecimento da Iugoslávia em Banho de Sangue.
Combate. Lisboa, n. 286, outono 2006. Disponível em:
<http://www.combate.info/pdf/combate286.pdf> Acesso em 27 abr. 2008.
SAMARY, Catherine. Vinte e Cinco Anos de Conflito. Le Monde Diplomatique,
abril, 2002. Disponível em: <http://diplo.uol.com.br/2002-04,a288> Acesso em 27
nov. 2008.
SATO, Eitii. Conflito e Cooperação nas Relações Internacionais: As
Organizações Internacionais no século XXI. Revista Brasileira de Política
Internacional, julho-dezembro, volumem 46, número 002, Instituto Brasileiro de
101
Relações Internacionais, Brasília, 2003. Disponível em:
<http://redalyc.uaemex.mx/redalyc/pdf/358/35846207.pdf> Acesso em 27 abr. 2008.
SEITENFUS, Ricardo. Manual das Organizações Internacionais. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2005.
SERVA, L. A Batalha de Sarajevo. São Paulo: Broch, 1994.
SIEGFRIED, André. La crise de l´Europe. Paris : Calmann-Lévy, 1997.
SIGNER, Rena. Dicionário Brasileiro de Relações Internacionais. São Paulo:
Oficina de Textos, 2001.
Site oficial da Anistia Internacional. Disponível em: <http://www.amnesty.org>
Acesso em: 03 ago. 2007
Site oficial do International Criminal Tribunal for the Former Yugoslavia.
Disponível em: <http://www.un.org/icty/index.html> Acesso em 23 mar. 2008.
Site oficial da Organização das Nações Unidas. Disponível em:
<http://www.un.org/spanish/> Acesso em: 23 nov. 2007.
Site oficial do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados.
Disponível em : <http://www.acnur.org/cgi-bin/search.cgi?q=Balcanes> Acesso em:
23 mar. 2008.
Site oficial do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CIVR). Disponível em:
<http://www.icrc.org> Acesso em 14 ago. 2007.
Site oficial do International Criminal Tribunal for the Former Yugoslavia.
Disponível em: <http://www.un.org/icty/index.html> Acesso em: 27 abr. 2008.
SIEFFRIED, André. La Crise de l´Europe. Calmann-Lévy : Paris, 1935.
SMITH, Anthony. Nações e Nacionalismos numa Era Global. Lisboa: Celta, 1999.
SOUZA, Emerson Maione de. O conflito no Kosovo e o Debate entre Pluralistas
e Solidaristas, in: Emerson Maione de. A Contribuição e o Desenvolvimento da
Escola Inglesa de Relações Internacionais. Instituto de Relações Internacionais –
Programa de Pós-Graduação e, Relações Internacionais da PUC-Rio, Rio de
Janeiro, 2003. Cap. 4, p. 96-121.
SUEÑO con la paz: Imágenes de la Guerra por Niños y Niñas de la Antigua
Yugoslavia. UNICEF. Folio: Barcelona, 1994.
TAIBO, Carlos; LECHADO, José Carlos. Los Conflictos Yugoslavos: Una
Introducción. Madrid: Fundamentos, 1993.
TAIBO, Carlos. Veinte Preguntas sobre los Conflictos Yugoslavos. Barcelona:
Cristianisme i justicia, 1994.
102
TEIXEIRA, Nuno Severiano. O fim da Iugoslavia. Diário de Noticias, 2006.
Disponível em: <http://www.ipri.pt/investigadores/artigo.php?idi=9&ida=150> Acesso
em: 14 out. 2007.
VALENÇA, Marcelo Mello. A Questão da Segurança nas Novas Operações de
paz da ONU: Os Casos de Serra Leoa e da Bósnia-Herzegovina. Tese de
mestrado. Rio de Janeiro, Abril, 2006. Disponível em:
<http://www.maxwell.lambda.ele.puc-rio.br/cgibin/db2www/PRG_0651.D2W/SHOW?Mat=&Sys=&Nr=&Fun=&CdLinPrg=pt&Cont=8
522:pt> Acesso em: 15 fev. 2008.
VALLADARES, Gabriel Pablo (copilador). Lecciones y ensayos. Derecho
Internacional Humanitario y Temas de Áreas Vinculadas. LexisNexia: Buenos
Aires, 2003.
VEIGA, Francisco. La Trampa Balcánica. Barcelona: Grijalbo Mondadori, 2002.
VERSHBOW, Alexander. O papel da OTAN na Bósnia. Passado, Presente e
Futuro. Agenda de Política Externa dos EUA. Revista Eletrônica da USIA. Vol. 3,
nº2, Abril, 1998. Disponível em:
<http://usinfo.state.gov/journals/itps/0498/ijpp/ip049805.htm> Acesso em: 18 mar.
2007.
VILLA, R. A. Duarte. Formas de Influência das ONGs na Política Internacional
Contemporânea. Revista de Sociologia e Política. Nº 12, Curitiba, 1999.
VIOTTI, A. de Abranches. Ações Humanitárias pelo Conselho de Segurança:
Entre a Cruz Vermelha e Clausewitz. Brasília: Funag, 2004.
VIOTI, Paul R.; KAUPPI, Mark V. International Relations Theory: Realism,
Pluralism and Beyond. 3ª Ed. USA: Allyn and Bacon, 1998.
WIGHT, Martin. Power Politics. Leicester: Leicester University Press, 1995.
WALLERSTEIN, Immanuel. World-Systems Analysis. In GIDDENS, A. & TURNER,
J. (Ed.) Social Theory Today. Cambridge: Polity Press, 1993. p. 309-324.
WALTER, Barbara F. Comming to Peace: The Successful Settlement of Civil
Wars. New Jersey: Princenton University Press, 2002.
WALTER, Barbara F; Snyder Jack, editores. Civil Wars, insecurity, and
Intervention. New York: Columbia University Press, 1999.
WEBER, Marx. A política como Vocação, in: Weber, Marx. Ciência e política:
duas vocações. São Paulo: Ed. Cultrix, 1984.
WEST, Rebecca. Black Lamb and Grey Falcon: a Journey Through Yugoslavia.
Penguin Classics, 1995.
103
Website oficial da Federação Internacional de Sociedades da Cruz Vermelha e
da Lua Crescente. Disponível em: <http://www.ifrc.org> Acesso em 14 mar. 2008.
Website oficial dos Medicos sem Fronteiras. Disponível em: <http://www.msf.int>
Acesso em 23 mar. 2008.
Website oficial da Organizacao do Atlántico Norte. Diponível em:
<http://www.nato.int.> Acesso em 27 abr. 2008.
Website oficial da Revista Política Exterior. Disponível em:
<http://www.politicaexterior.com> Acesso em 27 abr. 2008.
Website oficial das Nações Unidas em Sarajevo. Disponível em: <http://www.unlosbih.org> Acesso em 14 fev. 2008.
Website do Departamento das Nações Unidas para as Operações de Paz.
Disponível em: <http.//www.un.org/Depts/dpko/home.shtml> Acesso em 23 mar.
2008.
Website do Corte Internacional de Justiça. Disponível em:
<http://www.un.org/law/icc> Acesso em 14 abr. 2008.
104
ANEXO
CRONOLOGÍA DO CONFLITO247
1945 - 1980 : “A Era Tito”
1945
● 3 DE MARÇO
● 29 DE NOVEMBRO
1946
● 31 DE JANEIRO:
1947
● 10 DE FEVEREIRO
● 5 DE OUTUBRO
1948
● 28 DE JUNHO
1949
● 12 DE AGOSTO
● 25 DE OUTUBRO
1950
● 26 DE JUNHO
1951
● 28 DE AGOSTO
1952
● 2-7 DE NOVEMBRO
1953
● 13 DE JANEIRO
●Tito é nomeado Primeiro Ministro.
●Proclama-se a República Federativa Popular da Iugoslávia. Tito
torna-se presidente ficando abolida a dinastia dos Karageorgevic248.
●Promulga-se a Constituição da Iugoslávia249.
●O Tratado de Paris permite à Iugoslávia restabelecer as fronteiras
de 1919.
●Cria-se o Kominform250.
●O Kominform, reunido em Praga, condena o marechal Tito e o
regime comunista iugoslavo. Significa a ruptura com Stalin, que não
admite a abertura da Iugoslávia para o Ocidente a fim de receber
ajuda econômica.
●A URSS comunica que não considera mais aquele país como
aliado, mas como inimigo.
●A URSS, seguida da Polônia, da Hungria, da Tchecoslováquia e da
Polônia, rompe relações diplomáticas com a Iugoslávia251.
●Uma lei sobre os conselhos operários inaugura a autogestão.
●EUA, Grã Bretanha e França concedem à Iugoslávia uma ajuda
econômica de 50 milhões de dólares.
●Forma-se a Liga dos Comunistas e decide-se que o partido deve
exercer um papel de orientação ideológico-política e não um
monopólio sobre as suas decisões.
●Uma nova Constituição entra em vigor e o marechal Tito é reeleito
presidente da República.
1955
247 Fonte principal (adaptada): FERÓN, 1995, p. 115-173. Para consultar uma cronologia mais detalhada ver: GARCIA, 2004, p. 598-635.
248 A dinastia sérvia dos Karageorgevic remonta a princípios do século XIX, e termina no momento em que o Partido Comunista Iugoslavo (PCI)
consegue chegar ao poder e derrocar o monarca sérvio Pedro II. Mais detalhes sobre a história da Sérvia até o ascenso de Tito em
BRENER, 1993, p. 20-56.
249 Como foi citado anteriormente, a Federação estava constituída por seis unidades (Eslovênia, Croácia, Bósnia-Herzegovina, Macedônia,
Montenegro e Servia) e por duas regiões autônomas (o Kosovo e a Voivodina).
250 O Kominform foi formado pelos delegados dos novos partidos comunistas europeus. Consistiu na implementação de um gabinete de
informação em Belgrado, destinado a coordenar a atividade daqueles partidos.
251 A dinâmica bilateral das relações internacionais características da Guerra Fria é evidente. Uma vez que grande parte do bloco comunista
rompe relações com a Iugoslávia, o presidente norte-americano, Harry Truman, proclama que “uma agressão contra a Iugoslávia não deixaria os
Estados Unidos indiferentes”. Fonte: DUROSELLE, 1995, p. 386.
105
● 26 DE MAIO
1957
● 29 DE ABRIL
● 7 DE DEZEMBRO
1961
● 1º-6 DE SETEMBRO
1962
● 24 DE SETEMBRO
1963
● 7 DE JANEIRO
1969
● 15-17 DE MARÇO
1971
● 29 DE JULIO
● 12 DE DEZEMBRO
1974
● 4 DE MAIO
1980
● 4 DE MAIO
●As relações diplomáticas com a URSS são retomadas252.
●A Assembléia Nacional decide deixar de lado a coletivização das
terras.
●Belgrado renuncia à ajuda militar dos EUA.
●Tito preside em Belgrado a Primeira Conferência dos Nãoalinhados253.
●A Iugoslávia e a URSS reafirmam a validade da declaração de
1955 sobre as diversas formas de desenvolvimento do socialismo.
●É aprovada a 3ª Constituição desde 1946.
●Tito anuncia um novo programa de descentralização do Partido no
IX Congresso da Liga dos Comunistas.
●Entra em vigor uma nova Constituição que prevê ampla autonomia
para cada uma das Republicas Federativas.
●A maioria dos dirigentes da Liga dos Comunistas da Croácia pede
demissão após serem acusados de colusão com elementos
separatistas e nacionalistas.
●O marechal Tito é eleito presidente vitalício da República
Iugoslava.
●Morte do marechal. Durante um ano se garante a presidência
colegiada por um turno pelos representantes de cada uma das seis
Repúblicas e das duas regiões autônomas.
1980 - 1991: “O Pós-Titismo”
1981
● 2 DE ABRIL
1986
● 12 DE DEZEMBRO
1987
● 12 DE DEZEMBRO
1988
● 5-6 E 8-9 DE OUTUBRO
●Depois de uma série de tumultos proclama-se o estado de
emergência no Kosovo.
●Milosevic é eleito presidente da Liga Comunista da Sérvia. Um
memorando da Academia da Sérvia condena a partilha de território
efetuada por Tito, que desfavorece os sérvios.
●Ivan Stambolic254, presidente da República de Sérvia, é destituído
da Liga dos comunistas.
●Incidentes em Voivodina255 e Titogrado256.
252 Nikolaï Boulganine (1895-1975), militar e político soviético, viaja a Belgrado junto a Nikita Kroutchev (1894-1971). Nikita foi o secretário-geral
do Partido Comunista da URSS (1953-1964) e líder político do mundo comunista até ser substituído por Leonid Brejned. Ver: Duroselle, 1995, p.
413.
253 Como foi citado ao longo do trabalho, o presidente a Iugoslávia não foi um aliado nem da URSS nem dos EUA. Tito presidiu a Primeira
Conferência dos Não-Alinhados, que preconizou o desarmamento geral e a liquidação do colonialismo. Ver: MOTA, Myriam; BRAICK, Patrícia, p.
520-533.
254 Ivan Stambolic foi chefe de estado sérvio entre 1986 e 1987. Mais informações em: POTEL, Jean-Yves. Serbie, un regime hors la loi.
Disponível em: http://www.monde-diplomatique.fr/1999/05/POTEL/12025
106
● 19 DE NOVEMBRO
1989
● 11 DE JANEIRO
● 19 DE JANEIRO
● 21-28 FEVEREIRO
● 1º DE MARÇO
● 21-28 DE FEVEREIRO
● 28 DE JUNHO
● 27 DE SETEMBRO
● 20 DE NOVEMBRO
1990
● 20-23 DE JANEIRO
● 31 DE JANEIRO
● 2 DE JULHO
● 16 DE JULHO
● 7 DE SETEMBRO
● 11-12 DE SETEMBRO
● 28 DE SETEMBRO
●Manifestações sérvias em Belgrado257.
●Devido à pressão dos manifestantes a direção de Montenegro
demite e cria-se a União dos Democratas Eslovenos (UDS) que luta
por uma verdadeira democracia parlamentar.
●A. Markovic258 é nomeado Ministro e argumenta a favor de um
“novo socialismo” e uma economia de mercado.
●Forças anti-motins saem de Belgrado para apaziguar um amplo
movimento de greve em Kosovo.
●Dirigentes sérvios culpam os nacionalistas e separatistas albaneses
pela situação.
●Violentos enfrentamentos em Kosovo entre manifestantes
albaneses e as brigadas anti-motins depois da revisão da
Constituição que reforçou o controle da Sérvia sobre as províncias
autônomas.
●Festa do nacionalismo sérvio com motivo do 600º aniversário da
Batalha do Kosovo259.
●Apesar das advertências de Belgrado, a Eslovênia inclui na sua
Constituição o direito à autodeterminação. Manifestações antieslovenas em Sérvia e Montenegro.
●Vitória esmagadora de Milosevic nas primeiras eleições
presidenciais com sufrágio universal na Sérvia.
●O XIV Congresso da Liga dos Comunistas reconhece o pluralismo
político.
●Milhares de sérvios se manifestam em Belgrado contra a memória
de Tito e contra o comunismo. O exército federal se instaura em
Kosovo.
●Deputados de origem albanesa proclamam a igualdade em Kosovo
perante as outras Repúblicas260.
● Milosevic é eleito para o comando do Partido Socialista Sérvio.
●Kosovo promulga a Constituição da sua República, que converte
esta província autônoma na sétima República da Federação.
●Distúrbios inter-étnicos em Bósnia-Herzegovina, onde entra em
vigor o estado de emergência.
●Sérvia aprova uma nova Constituição pela qual a República já não
é socialista, mas um estado “unido e soberano sobre todo o
território”.
255 Em Novi-Sad (Voivodina), na esteira de uma manifestação em favor do reestreitamento dos laços com a República da Sérvia, vários
incidentes levaram à demissão da direção política da província.
256 Violentas manifestações em Titogrado contra a queda do nível de vida levou o governo da República a pedir demissão na noite de 25 para
26 de outubro.
257 Mais de um milhão de sérvios reuniram-se em Belgrado para apoiar a minoria sérvia do Kosovo. Nesta região autônoma sérvia, de 17 a 21
dezenas de milhares de albaneses fizeram uma manifestação reivindicando seus direitos.
258 Markovic destacou-se por ser o introdutor de leis de transformação da propriedade e uma “terapia de choque liberal”. Ver: SAMARY,
Catherine.
Do
desaparecimento
da
Iugoslávia
em
banho
de
sangue.
Disponível
em:
http://209.85.165.104/search?q=cache:GgRjPfiQscwJ:www.combate.info/pdf/combate286.pdf+Markovic+socialismo&hl=ptBR&ct=clnk&cd=3&gl=br&lr=lang_pt
259 A Batalha teve lugar em 1389, no Kosovo, entre uma coalizão de reinos cristãos eslavos e tropas otomanas. O episódio culminou com a
derrota dos cristãos e deu lugar a cinco séculos de ocupação turca nos Bálcãs (FERÓN, 1999, p. 16).
260 Isto desencadeou calorosas reações sérvias. Posteriormente, a Eslovênia adotou uma “declaração de soberania”. No dia 5, o Parlamento da
Sérvia dissolveu o Parlamento do Kosovo através de um decreto-lei e revogou o Conselho Executivo. No dia 9, os dois membros albaneses da
presidência colegial e o presidente do Kosovo renunciaram.
107
● 18 DE NOVEMBRO
● 21 DE DEZEMBRO
● 23 DE DEZEMBRO
1991
● 28 DE FEVEREIRO
● 29 DE MAIO
● 25 DE JUNHO
GUERRA NA ESLOVÊNIA
● 27-30 DE JUNHO
● 28-30 DE JUNHO
● 2 DE JULHO
● 5 DE JULHO
● 7 DE JULHO
GUERRA NA CROÁCIA
● 18 DE JULHO
● 27 DE AGOSTO
● 7 DE SETEMBRO
● 8 DE SETEMBRO
● 17 DE SETEMBRO
A ONU ENTRA EM CENA
● 25 DE SETEMBRO
● 1º DE OUTUBRO
● 12 DE OUTUBRO
●Os comunistas são derrotados em detrimento da vitória nacionalista
nas eleições livres em Bósnia-Herzegovina.
●Croácia dota-se de uma nova Constituição que lhe confere o direito
de se separar.
●Referendum na Eslovênia se pronuncia por uma maioria a favor da
independência261, proclamada no dia 26.
●Krajina, enclave sérvio da Croácia, proclama sua separação da
República croata.
●A independência da República croata é proclamada, depois de um
referendo favorável.
●O governo federal recusa a declaração de independência, e a
polícia e o exército federal tentam controlar as fronteiras do estado.
●O exército federal intervém na Eslovênia e causa numerosas
vítimas.
●Uma delegação da Comunidade Européia obtém um compromisso
que prevê o fim das hostilidades e a suspensão por 3 meses das
declarações de independência croata e eslovena.
●Volta dos combates na Eslovênia entre o exército federal e as
unidades da defesa territorial eslovena.
●Os Doze, reunidos em Haya, aprovam o embargo das armas e a
interrupção da ajuda financeira.
●Sérvios, croatas, eslovenos e federais, reunidos em Brioni sob a
égide da CEE, aprovam uma declaração comum que prevê um “alto
ao fogo” global.
●Enfrentamentos mortais provocam o êxodo de sérvios, assim como
de croatas que vivem em zonas de maioria sérvia.
●Em Croácia se sucedem combates cada vez mais sangrentos entre
as forças croatas e as milícias sérvias. Os Doze, reunidos em
Bruxelas, exigem da Sérvia que pare as hostilidades em Croácia e
que o “alto ao fogo” possa ser controlado por observadores
estrangeiros. Propõem uma Conferência de Paz e a constituição de
uma comissão de arbitragem. Os governos da Sérvia e de
Montenegro aceitam o plano de paz.
●A Conferência de Paz se inaugura em Haya com assistência de
todas as partes iugoslavas.
●Um referendum mostra que 95,9% dos eleitores de Macedônia
estão a favor da independência, que se proclama no dia 15.
●A trégua não foi respeitada, e o exército federal toma partido pelo
lado sérvio intensificando sua ofensiva em várias regiões da Croácia.
●O CS262 vota uma resolução decretando o embargo da entrega de
armas à Iugoslávia, mas recusa a proposta francesa de envio de uma
força de urgência.
●As forças federais avançam e bloqueiam os principais portos da
Croácia.
●Os Doze recorrem ao CS da ONU; Croácia e Sérvia mostram-se
favoráveis ao envio de capacetes azuis à Iugoslávia.
261 A aprovação foi de 88,5% da população. (Fonte: Atlas Histórico Mundial, 2006, p. 319).
262 Nesta tabela, CS refere-se ao Conselho de Segurança das Nações Unidas.
108
● 15 DE OUTUBRO
● 8 DE NOVEMBRO
● 19 DE NOVEMBRO
● 27 DE NOVEMBRO
● 6 DE DEZEMBRO
● 15 DE DEZEMBRO
● 23 DE DEZEMBRO
1992
● 1º DE JANEIRO
● 7 DE JANEIRO
● 14 DE JANEIRO
● 15 DE JANEIRO
● 21 DE FEVEREIRO
● Proclamação da independência da Bósnia-Herzegovina.
●Depois da recusa dos dirigentes sérvios de parar de bloquear o
processo de paz, os Doze aprovam sanções econômicas contra a
Iugoslávia.
●O exército federal e as milícias sérvias terminam de controlar
Vukóvar263, símbolo da resistência croata.
●O CS da ONU aprova por unanimidade uma resolução que apóia
os esforços de Cyrus Vance, emissário da organização, para
favorecer o desdobramento dos capacetes azuis.
●Após os bombardeios de Osijev e Dubronik, EUA impõe sanções a
todas as Repúblicas Iugoslavas.
●O CS da ONU aprova a Res. 724264 que prevê o envio à Iugoslávia
de observadores militares.
●A Alemanha reconhece a independência da Croácia e da
Eslovênia265.
●Acordo de Belgrado e Zagreb para um alto ao fogo e o
desdobramento de Capacetes Azuis na Croácia.
●Um helicóptero da CEE é derrubado pelo exército federal.
●O primeiro grupo de capacetes azuis chega à Croácia. Os dirigentes
sérvios desta República se opõem.
●Os Doze reconhecem a independência da Eslovênia e da Croácia.
Ratifica-se o fim da Federação.
●O CS aprova por unanimidade a resolução 743 que autoriza o
envio de 14000 homens (UNPROFOR266) à Croácia.
GUERRA EM BÓSNIA – HERZEGOVINA
●Os sérvios da B-H267 recusam o projeto de solução da CEE.
● 11 DE MARÇO
●A CEE reconhece a independência de B-H, mas posterga a sua
● 6 DE ABRIL
decisão sobre Macedônia. EUA reconhece, no dia 7, a Croácia, a
Eslovênia e a B-H.
●Decreta-se em B-H o estado de emergência enquanto Sarajevo é
● 8 DE ABRIL
bombardeada.
●Sérvia e Montenegro proclamam a República Federal da
● 27 DE ABRIL
Iugoslávia, mas a idéia é boicotada pela comunidade internacional.
●B-H pede uma intervenção militar estrangeira.
● 4 DE MAIO
●O CS aprova a Res. 757 que impõe um embargo comercial,
● 30 DE MAIO
petrolífero e aéreo contra a Sérvia e Montenegro.
●Pela Res. 758 o CS mobiliza mais de mil capacetes azuis para
● 8 DE JUNHO
proteger o aeroporto de Sarajevo (nas mãos dos sérvios) e assim
permitir o envio de ajuda humanitária a B-H.
●O CS concede 48h às forças sérvias para que trasladem o
● 26 DE JUNHO
armamento pesado às zonas supervisadas pela UNPROFOR. Caso
263 Ver: Anexo D deste trabalho (p. 44).
264 O texto completo da Resolução 724 e outras ao longo do conflito (713, 757, 752, 787 e 820) em: GARCIA, 2004, p. 638-746.
265 Os europeus decidem reconhecer a Croácia sob condição da aceitação dos direitos das minorias (Plano Badinter). Mais detalhes sobre o
plano em: SAMARY, Catherine. 1993, e no artigo da mesma autora publicado no “Lê Monde Diplomatique”, disponível em:
http://diplo.uol.com.br/2006-01,a1221
266 A UNPROFOR, United Nations Protection Force, atuou na Bósnia-Herzegovina, Croácia. República Federal da Iugoslávia e Macedônia entre
1992 e 1995 “a fim de proteger e assegurar que as zonas elegidas pelas Nações Unidas estivessem desmilitarizadas e que seus habitantes
fossem protegidos contra ataques armados”. (GARCIA, 2004, p, 155, tradução nossa). Ver o documento oficial da UNRPOFOR em:
http://www.un.org/Depts/dpko/dpko/co_mission/unprofor.htm
267 Na tabela, B-H refere-se à Bósnia-Herzegovina.
109
● 29 DE JUNHO
● 6-8 DE JUNHO
● 29 DE JULHO
LIMPEZA ÉTNICA
● 3 DE AGOSTO
● 13 DE AGOSTO
● 26-28 DE AGOSTO
● 3 DE SETEMBRO
● 8 DE SETEMBRO
CRIMES DE GUERRA
● 6 DE OUTUBRO
● 9 DE OUTUBRO
● 15 DE OUTUBRO
● 23 DE OUTUBRO
● 13 DE NOVEMBRO
● 1º DE DEZEMBRO
● 11 DE DEZEMBRO
1993
● 2 DE JANEIRO
● 8 DE JANEIRO
● 9-10 DE FEVEREIRO
contrário, outros meios seriam utilizados. Os Doze, reunidos em
Lisboa, não excluem meios militares em B-H para acompanhar a
ajuda humanitária.
●O CS aprova a Res268. 761 e abre-se uma ponte aérea para
transportar ajuda da CEE armazenada em Zagreb.
●O G-7 reunido em Munique não exclui a utilização de meios
militares para alcançar objetivos humanitários.
●Inaugura-se em Genebra a Conferência sobre os Refugiados da exIugoslávia por iniciativa do ACNUR e fundos suplementares são
postos a disposição da organização.
●O ACNUR confirma a existência de campos de prisioneiros
muçulmanos e o Departamento de Estado Norte-americano condena
a purificação étnica realizada por Sérvia.
●A Res. 770 (referente ao envio de ajuda humanitária pela força) e a
771 (que exige o acesso aos campos de prisioneiros e condena a
política de deputação étnica) são aprovadas.
●Celebra-se em Londres a Conferência Internacional de paz sobre a
ex-Iugoslávia269 na qual se aprova um programa de ação. No dia 28 a
UEO270 dispõe 5000 homens a favor da ONU.
●É inaugurada a Conferência permanente sobre a ex-Iugoslávia
enquanto um avião com ajuda humanitária é derribado. O resto de
aviões interrompe suas atividades.
●Dois capacetes azuis são mortos, fruto de uma emboscada a um
comboio humanitário.
●O CS nomeia uma comissão de investigação de crimes para a exIugoslávia (Res. 780).
●O CS proíbe a aviação sérvia no espaço aéreo bósnio (Res. 781).
●6000 capacetes azuis chegam ao território bósnio.
●Muçulmanos, sérvios e croatas reúnem-se em Sarajevo, por
iniciativa da ONU.
●Por iniciativa da OCI271, o CS abre um debate público sobre o
futuro da população muçulmana da Bósnia.
●A Comissão de Direitos Humanos em Genebra272 condena a
limpeza étnica praticada pelos dirigentes sérvios.
●O CS decide, como ação preventiva, enviar Capacetes Azuis a
Macedônia e 700 homens da UNPROFOR.
●Os sérvios da Bósnia e os muçulmanos recusam o plano
apresentado por Vance e Owen273.
●Assassinato em Sarajevo do vice-1º ministro bósnio por um
miliciano sérvio quando se encontrava num veículo da UNPROFOR.
●França e EUA aprovam o Plano Vance-Owen.
268 Na tabela, Res. refere-se a alguma resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas.
269 Ver: http://www.cedin.com.br/060topic_pdf/pdf_cij/casos%20conteciosos_1993.pdf
270 UEO são as siglas da União da Europa Ocidental.
271 OCI são as siglas da Conferência da Organização Islâmica.
272 Detalhes sobre a Comissão em: LAFER, 2005, p. 176-179.
273 O Plano Vance e Owen previa a divisão da Bósnia em 10 províncias e a desmilitarização de Sarajevo. De acordo com Bernard Ferón
(FERÓN, 1993, p. 8) a Bósnia seria convertida numa espécie de Confederação Helvética dividida em cantões, e o mérito da resolução consistiria
em ser apoiada pela ONU, pela CEE e pelas grandes potências. Os croatas aceitaram o plano.
110
●A ONU prorroga o mandato da UNPROFOR e autoriza os
Capacetes Azuis a recorrer à força para garantir a sua segurança
(Res. 807).
●A ONU cria o Tribunal Internacional para crimes na ex-Iugoslávia
● 22 DE FEVEREIRO
(Res. 808).
●EUA decide lançar mediante pára-quedas ajuda sobre Bósnia
● 25 DE FEVEREIRO
oriental.
●O comandante da UNPROFOR consegue livre passe da ajuda
● 11-20 DE MARÇO
humanitária em Srebrenica274 e a evacuação de 674 feridos.
●O presidente muçulmano aceita o Plano Vance e Owen. Só os
● 25 DE MARÇO
sérvio-bósnios continuam se opondo até que a 2 de Maio aceitam-no
sob a ameaça de uma intervenção militar ocidental.
●A ONU aprova a Res. 824 que cria 5 novas zonas de segurança na
● 6 DE MAIO
B-H275.
ABANDONO DO PLANO VANCE-OWEN
●Os sérvios da Bósnia proclamam sua vitória militar. A CEE e a
● 22 DE MAIO
Rússia renunciam à opção militar. Criam-se as zonas de segurança.
●Dobrica Cosic276 é destituído por partidários de Milosevic.
● 31 DE MAIO
●O líder do Movimento de Renovação Sérvia277 e sua mulher são
● 1º-2 DE JUNHO
detidos e golpeados após uma manifestação.
●EUA anuncia o envio de 300 soldados a Macedônia para prevenir
● 10 DE JUNHO
uma extensão do conflito.
●Líderes sérvios e croatas se reúnem em Genebra para dividir a
● 15-16 DE JUNHO
Bósnia em três entidades étnicas (sérvia, croata e muçulmana). O
presidente bósnio boicota a reunião.
●O bombardeio de uma base da ONU em Sarajevo termina com um
● 25 DE JULHO
alto ao fogo decretado no mesmo dia.
●A OTAN toma a decisão de bombardear Sérvia, prévia ordem da
● 2 DE AGOSTO
ONU.
●O sérvios desafiam a ONU e a OTAN retomando posições em
● 4-10 DE AGOSTO
torno de Sarajevo. No dia 14 abandonam suas posições diante das
pressões dos organismos internacionais, mas queimam tudo na sua
retirada.
●Os mediadores internacionais pedem à UE que administre a cidade
● 20 DE AGOSTO
de Mostar.
●Intensos combates entre sérvios e muçulmanos em Mostar
● 24 DE AGOSTO
impedem a chegada de ajuda humanitária.
●Vitória do Partido Socialista de Milosevic após eleições.
● 19 DE DEZEMBRO
●Boutros Ghali278 abre o caminho para que a OTAN possa realizar
● 29 DE JANEIRO
ataques aéreos na Bósnia.
●Após
um prazo da OTAN pra que seja levantado o assédio de
● 11 DE FEVEREIRO
Sarajevo os sérvios começam a entregar lentamente seu armamento
à ONU.
● 19 DE FEVEREIRO
274 Sbrenica é uma região da Bósnia-Herzegovina que em 1993 encontrava-se sitiada por forças sérvias. Até hoje é lembrada por ter sido o
território no qual foram mortos 8373 bósnios em 1995 nas mãos do Exército Sérvio da Bósnia sobre o comando do General Ratko Mladić com a
participação de forças especiais da Sérvia conhecidos como “Escorpióes”. Este massacre foi o maior assassinato em massa verificado desde a II
Guerra Mundial.
275 Estas zonas são: Sarajevo, Tuzla, Zepa, Goradze e Bihad.
276 Dobrica Cosic foi presidente da Iugoslávia
277 O Movimento de Renovação Sérvia foi o principal partido de oposição ao regime de Milosevic.
278 Boutros Ghali foi o Secretário Geral das Nações Unidas entre 1991 e 1996. Em 1992, publicou a “Agenda para a Paz: diplomacia preventiva,
restabelecimento e manutenção da paz”, na qual classificou em cinco categorias as atividades realizadas pelas Nações Unidas no campo da paz
e da segurança internacionais: diplomacia preventiva, promoção, manutenção, consolidação e imposição da paz. Ver: 3º capitulo deste trabalho
.
111
● 9 DE ABRIL
● 19 DE ABRIL
● 13 DE MAIO
● 30-31 DE JULHO
● 6 DE SETEMBRO
● 16 DE SETEMBRO
● 26 DE NOVEMBRO
1994
● 5 DE FEVEREIRO
● 9 DE FEVEREIRO
● 28 DE FEVEREIRO
● 1º DE MARÇO
● 10 DE ABRIL
● 22 DE ABRIL
● 25 DE ABRIL
● 13 DE MAIO
● 20 DE DEZEMBRO
1995
● 3 DE JUNHO
● 11 DE JULHO
● 25 DE JULHO
● 30 DE JULHO
● 5 DE AGOSTO
●Os sérvios conquistam o alto de Gradina, de onde podem
bombardear Gorazde. Durante os dois dias seguintes aviões da
OTAN atacam essas posições e procede-se a uma resposta imediata
das forças sérvias.
●Os sérvios se apoderam em Sarajevo do armamento que tinham
entregado à ONU e nos 24 e 25 de Abril abandonam Gorazde para
evitar o ataque da OTAN.
●Irã rompe o embargo da ONU ao enviar armas aos muçulmanos da
Bósnia.
●O endurecimento das sanções à Sérvia, assim como as pressões da
Rússia, obriga Belgrado a exigir aos sérvios de Bósnia aceitarem o
Pano de Paz.
●O Papa279 renuncia realizar uma visita a Sarajevo, e no dia 10 viaja
a Croácia.
●A OTAN decide estender a zona de proteção da Bósnia à Croácia.
●A ONU não permite à OTAN atacar os sérvios como resposta ao
ataque a dois aviões britânicos.
●Queda de uma granada no mercado de Sarajevo, que causa 68
mortos e 200 feridos.
●Em Sarajevo, cessar-fogo entre sérvios e bósnios. Criação pela
ONU de uma zona de exclusão das armas pesadas de 20 Km. em
torno da cidade. Ultimato da OTAN aos sérvios para a evacuação
das armas para fora da zona de exclusão.
●1ª intervenção aérea da OTAN na Bósnia. 4 aviões sérvios são
abatidos.
●Sob o impulso da Casa Branca acordo entre Sarajevo e Zagreb para
a criação de uma federação croato-muçulmana da B-H.
●a OTAN desencadeia o primeiro bombardeio em solo em Gorazde
contra as posições sérvias.
●Fim da ofensiva sérvia em Gorazde. Após um ultimato da OTAN,
retirada das armas pesadas sérvias do perímetro de exclusão de 20
Km.
●Criação de um grupo de contato sobre a Bósnia280.
●O Grupo de Contato adota um Plano de Paz que atribui 51% do
território bósnio à federação croato-muçulmana e 49% aos sérvios
da Bósnia, que rejeitam o Plano.
●Acordo sobre a interrupção das hostilidades durante 4 meses a
partir de 1° de Janeiro. Bombardeamento de Tutzla pelos sérvios da
Bósnia (60 mortos e 150 feridos). Tomada de 360 “capacetes azuis”
como reféns pelos sérvios.
●Criação da Força de Intervenção Rápida (FRR) para apoiar a
UNPROFOR.
●O exército federal ataca Srebrenica, procede depois a execuções e
exações cuja amplitude é ainda desconhecida.
●Tomada de Zepa pelo exército federal.
●Ofensiva contra Bihac.
●O exército croata toma Krajina. Êxodo das populações sérvias. O
279 O Papa João Paulo II (1920-2005) foi impedido de visitar Sarajevo nessa ocasião, mas viaja à capital em Abril de 1997, finalizada a guerra,
para entregar o Prêmio Internacional da Paz a quatro organizações bósnias humanitárias.
280 O Grupo de Contato esteve composto pela Alemanha, os EUA, a França, a Grã-Bretanha e a Rússia.
112
● 13 DE AGOSTO
● 18 DE AGOSTO
● 28 DE AGOSTO
● 30 DE AGOSTO
● 14 DE SETEMBRO
●15 DE SETEMBRO
● 16 DE SETEMBRO
● 26 DE SETEMBRO
● 29 DE SETEMBRO
● 5 DE OUTUBRO
● 9 DE OUTUBRO
● 10 DE OUTUBRO
● 11 DE OUTUBRO
● 25 DE NOVEMBRO
exército croata e o exército bósnio conseguem furar o cerco a Bihac.
●Washington propõe uma nova ação diplomática inspirada no plano
de paz do grupo de contato
●A ONU anuncia a retirada de todos os “capacetes azuis” de
Gorazde.
●Bombardeio de um mercado de Sarajevo (41 mortos, 84 feridos).
●A OTAN e a FRR lançam a operação Deliberate Force contra os
objetivos sérvios na Bósnia. A ONU exige a retirada das armas
sérvias da zona de exclusão de Sarajevo.
● Suspensão dos raids da OTAN. Acordo entre a ONU e os Sérvios
da Bósnia para o fim do cerco de Sarajevo.
● Após uma vasta ofensiva na Bósnia central e ocidental, a
coligação croata-muçulmana controla, de acordo com a ONU, 50%
do território da B-H.
●Restabelecimento da ponte aérea para Sarajevo (interrompida
desde Abril).
●Em Nova Iorque, os representantes da B-H, da Croácia e da RFY
chegam a um acordo institucional na Bósnia (presidência nacional,
eleições livres).
●A OTAN pede a criação de uma força multinacional de paz na
Bósnia para substituir os “capacetes azuis”.
●O presidente Clinton obtém dos bósnios um cessar-fogo de
sessenta dias no conjunto do seu território, assim como a promessa
de negociações com vistas a uma paz global na B-H.
●Considerando que as condições fixadas pelas tréguas não são
cumpridas (falta abastecimento de água, gás e eletricidade em
Sarajevo), a Bósnia recusa a entrada em vigor do cessar-fogo
previsto para a meia-noite.
●A Rússia retoma o fornecimento de gás. Os Bósnios atrasam a
entrada em vigor do cessar-fogo (insuficiência em Sarajevo do
fornecimento de gás e eletricidade).
●As autoridades bósnias e sérvias aceitam a entrada em vigor de um
cessar-fogo definitivo na B-H.
● Assinatura dos acordos de Dayton entre os presidentes bósnio,
croata e sérvio.

Documentos relacionados