Dissertação

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Dissertação
1
UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA SOCIAL
(MESTRADO ACADÊMICO EM HISTÓRIA SOCIAL)
CLAUNÍSIO AMORIM CARVALHO
O INSIGNE PAVILHÃO: NAÇÃO E NACIONALISMO
NA OBRA DO ESCRITOR COELHO NETTO
São Luís
2012
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CLAUNÍSIO AMORIM CARVALHO
O INSIGNE PAVILHÃO: NAÇÃO E NACIONALISMO
NA OBRA DO ESCRITOR COELHO NETTO
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação
em História Social
(Mestrado Acadêmico) da Universidade
Federal do Maranhão, como requisito para
a obtenção do grau de Mestre em História
Social.
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Maria Izabel
Barboza de Morais Oliveira.
São Luís
2012
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CLAUNÍSIO AMORIM CARVALHO
O INSIGNE PAVILHÃO: NAÇÃO E NACIONALISMO
NA OBRA DO ESCRITOR COELHO NETTO
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação
em História Social
(Mestrado Acadêmico) da Universidade
Federal do Maranhão, como requisito para
a obtenção do grau de Mestre em História
Social.
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Maria Izabel
Barboza de Morais Oliveira.
Data da defesa: 10/01/2013.
COMPONENTES DA BANCA EXAMINADORA:
_______________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Maria Izabel Barboza de Morais Oliveira - Orientadora
Universidade Federal do Maranhão
_____________________________________________
Prof. Dr. Marcelo Cheche Galves
Universidade Estadual do Maranhão
_____________________________________________
Prof.ª Dr.ª Regina Helena Martins de Faria
Universidade Federal do Maranhão
São Luís
2012
4
Dedico ao Senhor meu Deus, que
representa tudo para mim.
A Heloísa, minha filha, que tem me
ensinado a doutrina do fofismo.
E em memória do homem e escritor
que foi Henrique Maximiano Coelho
Netto.
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AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente a Deus, o Trino Deus que é a razão de tudo, o Deus que dá sentido a
tudo, o Deus que a ciência, o conhecimento e as tendências do mundo moderno não puderam
em apagar em mim.
À minha esposa Germana, que cuida de mim todos os dias, e à minha filha Heloísa, que
ilumina a minha vida com a sua graça de criança abençoada.
À minha família, meus pais Carlos e Dica, meus seis irmãos, meus oito sobrinhos, minhas
cunhadas, meus sogros, meus parentes... e em memória dos que já se foram. A família é tudo,
razão e sustentáculo da nossa vida.
Agradeço à generosa orientação da Prof.ª Dr.ª Maria Izabel Barboza de Morais Oliveira, que
acreditou na potencialidade do meu trabalho.
Aos meus colegas, que dividiram comigo a honra de serem os primeiros alunos da história do
Mestrado em História Social da UFMA: Antônio Ailton, Cláudio, Daylana, Deborah,
Eduardo, Franklin, Gonçalo, Iramir, Marivânia, Melissa, Mirian, Patrícia, Saulo e Vinícius.
A todos os professores vinculados ao Programa de Pós-Graduação em História Social da
Universidade Federal do Maranhão, que contribuíram direta ou indiretamente para a
consecução deste trabalho.
À Fundação Biblioteca Nacional, pelo esplendoroso trabalho feito mediante a sua Hemeroteca
Digital, que me poupou de ter de ir a lugares bem distantes para pesquisar jornais antigos.
A estes e a outros, que colaboraram comigo neste empreendimento. Grato a todos.
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RESUMO
Este trabalho constitui-se em uma pesquisa bibliográfica que tem como objetivo analisar
a condição do escritor, orador e político Henrique Maximiano Coelho Netto (18641934) como intelectual brasileiro do período da República Velha, dando ênfase ao seu
caráter nacionalista, analisando principalmente a obra escrita que ele deixou, incluindo
crônicas, discursos, ficção e educação cívica, com destaque para as décadas de 1910 e
1920. Abordamos aspectos gerais de sua vida, obra e pensamento, incluindo a sua
formação intelectual e a gestação do seu espírito nacionalista, que se mostrará nas
campanhas pelas quais se engajou quando jovem (Abolição e República), e no seu
envolvimento com causas como patriotismo, soberania nacional, ecologia, cultivo da
língua portuguesa e da literatura nacional, preservação das tradições, teatro nacional,
apologia dos esportes, educação moral e cívica para crianças, a democracia e a justiça
entre os povos. O Brasil-Pátria é a temática principal do discurso coelhonettiano, como
objeto máximo de seu culto cívico, análogo ao culto religioso.
Palavras-chave: Brasil. Pátria. Nação. Nacionalismo. Intelectual. Literatura.
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ABSTRACT
This work is in research that aims to analyze the condition of the writer, orator and
politician Henrique Maximiano Coelho Netto (1864-1934) and Brazilian intellectual of
the period of the Old Republic, emphasizing its nationalist character, analyzing mainly
the work writing that he left, including chronic, speeches, fiction and civic education,
especially the 1910s and 1920s. We discuss general aspects of his life, work and
thought, including his intellectual and nationalist spirit of your pregnancy, it will be
displayed in the campaigns in which engaged when young (Abolition and Republic),
and their involvement with causes like patriotism, sovereignty national, ecology,
cultivation of the Portuguese language and Brazilian literature, preservation of
traditions, national theater, sports apologia, moral and civic education for children,
democracy and justice among people. The Brazil-Homeland is the main theme of the
speech coelhonettiano like object up to your civic worship, analogous to religious
worship.
Key-words: Brazil. Featherland. Nation. Nationalism. Intellectual. Literature.
8
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .........................................................................................................
10
1 COELHO NETTO: VIDA, OBRA E PENSAMENTO .........................................
23
1.1 O MENINO HENRIQUE, DE CAXIAS PARA O RIO DE JANEIRO ....................
24
1.2
34
A CONDIÇÃO INTELECTUAL – CONCEITOS ....................................................
1.3 EXPERIÊNCIAS INTELECTUAIS EM SÃO PAULO, RECIFE E RIO DE
JANEIRO ....................................................................................................................
37
1.4 CONSTITUIÇÃO DA FAMÍLIA E DEFESA DA PRÁTICA ESPORTIVA ...........
51
1.5 VIDA NA IMPRENSA, TRABALHO E GRANDE PRODUÇÃO ...........................
58
1.6 DUAS FACES DO MESMO INTELECTUAL: ENGAJADO E TRADICIONAL ..
71
1.7 LIGAÇÕES COM O PODER POLÍTICO .................................................................
81
1.8 ATAQUES SOFRIDOS E SOFRIDOS ÚLTIMOS ANOS .......................................
90
1.9 REFLEXÕES SOBRE SUA OBRA E ESTILO ........................................................
114
2 O NACIONALISMO DE COELHO NETTO ........................................................
121
2.1 FONTES CULTURAIS DO NACIONALISMO MODERNO ..................................
122
2.1.1 O “soldado desconhecido” ..........................................................................................
122
2.1.2 Afinidades com a comunidade religiosa e o reino dinástico .......................................
125
2.1.3 Pátria e religião dos mortos ........................................................................................
126
2.1.4 Culto aos heróis ..........................................................................................................
128
2.1.5 A religião cívico-patriótica .........................................................................................
132
2.1.6 Tradição ......................................................................................................................
135
2.2 NACIONALISMO FALADO, ENSINADO E ENCENADO ...................................
138
2.2.1 Língua .........................................................................................................................
139
2.2.2 Educação .....................................................................................................................
151
2.2.3 Teatro ..........................................................................................................................
158
2.3 DOIS SÍMBOLOS NACIONAIS ...............................................................................
166
2.3.1 O Hino Nacional .........................................................................................................
167
2.3.2 A Bandeira Nacional ...................................................................................................
176
2.4 BRASIL: “OS QUE VÃO MORRER TE SAÚDAM!” .............................................
179
2.4.1 “Os estrangeiros e nós” ...............................................................................................
179
2.4.2 Guerras e defesa nacional ...........................................................................................
191
CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................
204
REFERÊNCIAS .......................................................................................................
206
9
O sr. Coelho Neto não é, em verdade,
apenas um escritor; é uma literatura.
Humberto de Campos (1951, p. 85).
10
INTRODUÇÃO
Num momento em que se discutem, com certo destaque, diversas situações de ordem
política, econômica, tecnológica, bélica, étnica e religiosa, em vários países do globo, como:
ditaduras; derrubada de ditaduras por pressão popular; processo de (re)democratização desses
países; ameaças necleares; guerra climática; soberanias nacionais suspensas ou ameaçadas;
xenofobia; imigração clandestina em países ricos; islamização crescente do mundo; países
com economia emergente; países em falência financeira; controles de natalidade; baixas taxas
de natalidade entre “nativos”de alguns países; desemprego recorde em países desenvolvidos;
globalização digital; reivindicação do reconhecimento oficial de algumas nações; guerras
civis; organizações supranacionais; propagandas sobre uma Nova Ordem Mundial...; voltam
sempre à tona outras discussões, mais antigas, sobre a questão das identidades nacionais e dos
sentimentos de pertença a uma nação, capazes de mobilizar os indivíduos, no extremo, a lutar
e até morrer pelo seu país.
Se, no Brasil de hoje, esses debates são recorrentes, no final do século XIX e início
do XX, eles não eram menos importantes. Pelo contrário, a persistente busca por uma
identidade nacional – que fomentou sentimentos nacionalistas, na literatura, nas artes, na
política e nas ciências – movimentou intelectuais vinculados às mais diferentes instituições,
portadores dos mais diversos discursos, filiados às mais distintas escolas de pensamento e
envoltos nos mais variados paradigmas intelectuais (SILVA, 2003, p. 20).
“Nação”, até meados do século XIX, era um termo vago, que podia se referir tanto à
ideia de grupo quanto à de qualquer forma de unidade política; a partir daí se passou a
encontrar “uma teorização consciente da Nação como fundamento natural do poder político,
isto é, da fusão necessária entre Nação e Estado” (ROSOLILLO, 1998, p. 795). Muito dessa
teorização se deve à obra de Giuseppe Mazzini, em solo europeu (HOBSBAWN, 1979).
A referência à Nação, desde a Revolução Francesa (1789), até hoje, tem sido “um
dos fatores mais importantes no condicionamento do comportamento humano na história
política e social. Em nome da Nação se fizeram guerras, revoluções, modificou-se o mapa
político do mundo” (ROSOLILLO, 1998, p. 795). Se na Europa medieval o homem comum
se identificava primeiro por sua religião (como cristão), depois pela região de nascimento e
por último pela nação,
Na história recente do continente europeu, após a emergência do fenômeno social,
foi invertida a ordem das lealdades, assim o sentimento de pertença à própria Nação
adquiriu uma posição de total preponderância sobre qualquer outro sentimento de
11
pertença territorial, religiosa ou ideológica. Assim, por um lado, as lealdades e as
identificações regionais e locais foram praticamente eliminadas em função da
superior referência à Nação, e, por outro lado, as mesmas filiações ideológicas ou
religiosas, que se apresentam como universais pela sua própria essência, foram, na
prática, subordinadas à filiação nacional e, conseqüentemente, perderam sua
natureza mais profunda (ROSOLILLO, 1998, p. 795).
Baseado em M. Albertini, Rosolillo (1998, p. 796-797) entende que para chegarmos
a uma definição positiva de Nação, precisaríamos de um enfoque empírico, que está
justamente “em descobrir como a presença da entidade nação se evidencia no comportamento
observável dos indivíduos, isto é, na identificação de um ‘comportamento nacional’”. Isso
permite perceber que o comportamento nacional é, antes de tudo, um comportamento de
fidelidade a uma entidade (a França, a Alemanha, etc.), sem maiores definições; mas isso não
significa necessariamente que tal comportamento se manifeste apenas como fidelidade
política ao Estado; em segundo lugar, o comportamento nacional transcende essa dimensão
política, implicando a presença de outros valores, cuja motivação, vista em sua própria
autonomia, pode não ter nada a ver com fidelidade ao Estado, e mesmo assim ser suficiente
para a identificação de grupos.
Aqui reside o caráter ideológico da nação, pois geralmente o sentimento de pertencer
a um Estado nacional e a uma entidade nacional, esta pensada como sendo a realidade social
a que todos estão ligados organicamente, leva à modificação da maneira como as pessoas
veem a si mesmas, abrindo mão de um quadro de inúmeras referências cognitivas e
valorativas, abraçando uma representação que é fabricada com um propósito agregador. Por
isso, Rosolillo (1998, p. 797) dirá que tal entidade é uma “entidade ilusória”, e que “Tal fato
permite afirmar que a Nação não passa de uma entidade ideológica, isto é, do reflexo na
mente dos indivíduos de uma situação de poder”.
Isto nos lembra a tese basilar de Benedict Anderson (2008), para quem a Nação é
“[...] uma comunidade política imaginada – e imaginada como sendo intrinsecamente limitada
e, ao mesmo tempo, soberana” (ANDERSON, 2008, p. 32). É comunidade porque há uma
ligação entre seus membros, através de vínculos de solidariedade existentes em variadas
situações. “É imaginada porque mesmo os membros das mais minúsculas nações jamais
conhecerão, encontrarão ou sequer ouvirão falar dos seus companheiros, embora todos
tenham em mente a imagem da vida comum” (ANDERSON, 2008, p. 32). É imaginada, não
meramente imaginária; é inventada, mas não irreal.
A ideia de Nação, no transcorrer da abordagem desenvolvida por Rosolillo (1998, p.
997-998), torna-se ideologia de um determinado tipo de Estado e do Estado burocrático
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centralizado, sendo esse fenômeno ligado à era moderna. Em Nações e nacionalismo desde
1780, Eric Hobsbawn (2004, p. 27) atenta para o fato de que o conceito de nação moderna é
recente: “A característica básica da nação moderna e de tudo o que a ela está ligado é sua
modernidade”. Nos três primeiros capítulos, conceitua nação e nacionalismo em vários países
e por diversos autores, discorrendo sobre o protonacionalismo popular e o patrocínio do
Estado moderno à ideia de nacionalimo. Nos outros três, elabora discussões sobre a
transformação dos conceitos desde 1870 até o final do século XX. Uma de suas teses é a de
que “As nações não formam os Estados e os nacionalismos, mas sim o oposto”
(HOBSBAWN, 2004, p. 19), apontando como elemento fundamental da nação moderna a
formação do Estado-nação.
De igual modo afirma Carlos Roesler (2008, p. 25): “A literatura modernista sobre o
tema do nacionalismo aponta com clareza o fato: é a ruptura (com o passado pré-moderno)
que propicia o surgimento das nações”. E ainda, na mesma página:
Do ponto de vista da organização política, o conceito de Estado-Nação é
eminentemente uma construção moderna. Nesse sentido, se entendermos nação
como a forma de organização de um povo, somos levados a admitir o Estado como a
instituição por excelência capaz de lhe dar vida. A nação seria assim algo próprio do
mundo moderno e conteria, em sua própria definição, sua vinculação ao Estado.
Ao mesmo tempo em que é um fenômeno moderno, nascido da ruptura com um
passado pré-moderno, os programas nacionalistas não dispensam falar em tradição, buscando
na continuidade estabelecer a perenidade de práticas e seu reconhecimento pela coletividade
(ROESLER, 2008, p. 41). Falando no contexto dos diferentes processos artificiais de
invenção de tradições para construção da nacionalidade, diz Hobsbawn (2008, p. 22) que
as nações modernas, com toda a sua parafernália, geralmente afirmam ser o oposto
do novo, ou seja estar enraizadas na mais remota antigüidade, e o oposto do
construído, ou seja, ser comunidades humanas “naturais” o bastante para não
necessitarem de definições que não a defesa dos próprios interesses.
A utilização de uma ancestralidade como elemento legitimador do nacionalismo
moderno é o objeto de estudo de Patrick Geary (2005), em O mito das nações: a invenção do
nacionalismo. Discutindo os nacionalismos étnicos da Europa da década de 1990, que
levaram vários países a guerras e outros problemas, ele desconstrói o mito de que os Estados e
grupos étnicos europeus têm suas origens em distintos povos antigos e medievais. Para Geary
(2005, p. 27-55), o nacionalismo dos países europeus é obra dos séculos XVIII e XIX, não
somente inventado como também “envenenado” por sentimentos de superioridade,
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estendendo sua ancestralidade a povos “veteranos” e (simbolicamente) “superiores”,
utilizando isso como vantagem identitária. Negando o mito fundador, Geary abre perspectivas
para se pensar a realidade histórica e social de países que se acham mergulhados em crises e
de outros que a elas sobreviveram.
A definição latu sensu de Nacionalismo, portanto, “designa a ideologia nacional, a
ideologia de determinado grupo político, o Estado nacional, que se sobrepõe às ideologias dos
partidos, absorvendo-as em perspectiva”, pelo que “O Estado nacional gera o Nacionalismo,
na medida em que suas estruturas de poder, burocráticas e centralizadoras, possibilitam a
evolução do projeto político que visa a fusão de Estado e Nação, isto é, a unificação, em seu
território, de língua, cultura e tradições” (LEVI, 1998, p. 799).
Após estudar as relações entre nacionalismo e democracia, o aspecto estrutural do
nacionalismo e seu fundamento histórico-social, Levi (1998, p. 802) nos apresenta as
contradições entre nação e nacionalismo, que surgem basicamente de um princípio da
ideologia nacional que tem se mostrado falso: “o de que a independência das nações coincide
com a sua igualdade”.
Existe, pois, uma contradição insuperável entre a fidelidade à nação, isto é, à
ideologia que justifica a divisão do gênero humano de acordo com o princípio de
que em cada grupo nacional podem ser identificadas características essenciais que o
distinguem do resto da humanidade e os valores universais da religião cristã e das
ideologias liberal, democrática, socialista e comunista (LEVI, 1998, p. 802).
Ao longo dos séculos XIX e XX, observamos a evolução histórica do Nacionalismo,
a desintegração de impérios e a afirmação de Estados unificados, o colonialismo, a busca da
hegemonia política e econômica, a tendência dos Estados à centralização do poder e ao
controle mais consistente da vida dos cidadãos, a dissociação dos conceitos de nação e
humanidade, a relação estreita entre nacionalismo e programas político-ideológicos
autoritários (Nazismo, Fascismo, ditaduras em geral), o nascimento do sistema mundial de
Estados (bipolarizado durante a Guerra Fria), a ideia de libertação dos povos subjugados, os
processos de redemocratização em países antes sob ditaduras, etc.
Quanto à ideia de nação e nacionalismo no contexto brasileiro, vale destacar o artigo
de Carlos Lessa (2008), “Nação e nacionalismo a partir da experiência brasileira”, através do
qual faz uma leitura crítica da peculiaridade brasileira. Com os olhos voltados para o século
XIX, ele escreve:
O nacionalismo brasileiro geopolítico se desenvolveu sem fanfarras nem arrogância.
A mais freqüente e óbvia matriz de nacionalismo surge quando, sendo necessário
para o Estado Nacional defender território e povo, é alavancado o temor, ou seja, o
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nacionalismo surge como escudo, alimenta a sensação de pertinência a um corpo
especial, para o popular ameaçado em seus direitos. Isso dá origem a uma
cronificação de sentimentos hostis e de rejeição. Isso jamais aconteceu com o Brasil,
que se constituiu sem medos ou idiossincrasias. Praticamos uma variante de
nacionalismo sem inimigos; que tende a desenvolver lentamente o apego a um
território e decantar o orgulho com as características da cultura e qualidades de seu
povo (LESSA, 2008, p. 243).
E completa:
A utopia européia da paz civilizada e civilizatória, inscrita pela Revolução Francesa,
foi persistentemente violada por razões de Estado. Todavia, para a construção da
identidade brasileira, não tendo havido inimigo, foi possível à cultura política
brasileira renunciar desde sempre à xenofobia. O nacionalismo como ideologia, no
Brasil, incorporou a virtude de ser pacífico e bom vizinho. Foi fácil creditar essa
virtude ao brasileiro.
A elite imperial sempre declamou a estabilidade política do Brasil em contraste com
a difícil trajetória das protonações hispano-americanas, povoadas por caudilhos e
sangrentos episódios internos. A Guerra da Secessão da América anglo-saxônica foi
lida da mesma maneira (LESSA, 2008, p. 243).
Lessa (2008, p. 242) interpreta a Independência do Brasil como “desquite amigável”
em relação a Portugal. “Sem descontinuidade, o Brasil independente surgiu sem conflitos e –
salvo umas insignificantes manifestações – sem tensão com os portugueses. Foi o ‘parto sem
dor’ de um Estado Nacional”, e mais: “A continuidade dinástica consolida a permanência, no
Brasil, dos lusos enriquecidos, e reconfirma o país como destino principal do imigrante
português, o que prevalecerá até os anos 50 do século XX” (LESSA, 2008, p. 242). As
consequências desse nacionalismo sem inimigos, diríamos assim, estariam impressas em
muito do que transcorreu durante boa parte do Império e na República Velha.
Destacamos também A ideia de Brasil moderno, do sociólogo Octávio Ianni (2004),
em cujo texto pensa a formação da identidade nacional, tendo várias referências, como a
questão racial. No capítulo “Povo e Nação”, Ianni (2004, p. 127) trabalha com a ideia de que,
na história da sociedade brasileira, “a questão nacional foi colocada pelo menos três vezes [...]
com a Declaração de Independência em 1822, a Abolição da Escravatura em 1888 e a
Revolução de 1930”.
Essa perspectiva de leitura do Brasil ao longo dos séculos XIX e XX permite
perceber algumas questões: por exemplo, é do contexto subsequente à Independência que
brotará o sentimento nacionalista-nativista, que se expressará de forma mais substancial na
escola literária do Romantismo (especialmente na sua vertente indianista, com Gonçalves
Dias e José de Alencar) e na criação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, em 1838,
que se atribuiu a missão de compor um retrato do Brasil, através da produção historiográfica e
15
do conhecimento do espaço físíco do país; nos fastos de 1888 (Abolição) e 1889
(Proclamação da República), desenvolve-se uma perspectiva nacionalista de Brasil moderno,
livre da escravidão e a caminho da civilização e da modernidade, com os intelectuais
divididos entre o desejo desses ideais e a realidade que caminhava no sentido inverso; com o
fim da República Velha, surge uma plêiade de autores (escritores, historiadores, sociólogos,
antropólogos, filósofos) que questionarão de forma mais incisiva a ideia de nação até então
construída, já num período em que o principal eixo de discussões intelectuais se deslocou do
Rio de Janeiro para São Paulo (com destaque para a criação da USP, em 1934; sem falar nos
modernistas da primeira geração, nos anos 20).
Outro texto que merece lembrança é “Brasil: nações imaginadas”, do historiador José
Murilo de Carvalho (2005), capítulo do livro Pontos e bordados. Para o historiador,
As imagens da nação brasileira variam ao longo do tempo, de acordo com as visões
da elite ou de seus setores dominantes. Desde 1822, data da independência, até
1945, ponto final da grande transformação iniciada em 1930, pelo menos três
imagens da nação foram construídas pelas elites políticas e intelectuais. A primeira
poderia ser caracterizada pela ausência de povo, a segunda pela visão negativa do
povo, a terceira pela visão paternalista do povo. Em nenhuma o povo fez parte da
construção da imagem nacional. Eram nações apenas imaginadas (CARVALHO,
2005, p. 233).
Bóris Fausto (2008) e sua História do Brasil contribuem com a abordagem das
principais mudanças socioeconômicas ocorridas no Brasil no período de 1890-1930, tentando
compreender os processos que puseram na ordem do dia temáticas como a imigração; as
atividades agrícolas; a urbanização; a industrialização; a diversificação econômica e o Rio
Grande do Sul; a borracha amazônica; e as relações financeiras internacionais (FAUSTO,
2008, p. 275-295). Essas mudanças trouxeram um aspecto radicalmente diferente do que
caracterizava o Brasil monárquico, mesmo em sua fase decadente.
Em linhas gerais, apresentamos a seguir alguns aspectos em que é possível visualizar
nacionalismos no Brasil da primeira República, através de políticas do Estado e da atuação
teórica e prática de indivíduos ilustres daquele tempo. Na verdade, já no contexto da
Proclamação de 15 de novembro de 1889, pela própria natureza da mudança de regime, o país
se vê inserido numa atmosfera propícia às discussões sobre nação e nacionalismo. Por
exemplo, a criação de um panteão cívico, com heróis e símbolos, visando à consolidação do
novo regime, tornou-se, nessa lógica de poder, algo necessário (CARVALHO, 2007).
Outro exemplo é o que Ana Luíza Backes (2011) apresenta, ao tratar sobre uma
corrente nacionalista existente dentro do Congresso Nacional na década de 1890, que debateu
sobre a crise econômica e a soberania nacional ante a pressão de capitalistas estrangeiros e de
16
uma elite cafeeira em ascensão, que pretendia o controle do poder e a atração de capital
estrangeiro. Não havia um grupo organizado e coeso, mas um sentimento nacionalista que, em
grande medida, se transportou do parlamento para a opinião pública, fomentando um
patriotismo percebido de forma mais clara durante o episódio da Revolta da Armada e de
eventos isolados, como a invasão francesa ao Amapá, em 1892, e a invasão inglesa à ilha de
Trindade, em 1895. No cerne da questão, a disputa ideológica entre florianistas e jacobinos e
entre os que defendiam a autonomia do Poder Legislativo contra os que queriam sua
subserviência ao Executivo e aos interesses econômicos estrangeiros. Backes (2011, p. 95) diz
que “houve resistências no Congresso à aprovação de medidas requeridas pelos banqueiros
estrangeiros”, e que “foi em grande parte para solucionar esses impasses que foram feitas as
mais conhecidas reformas institucionais da época, como a Reforma do Regimento da Câmara
dos Deputados e o Pacto de Campos Sales”.1
A fundação da Academia Brasileira de Letras, em 1897, congregando entre seus
sócios alguns dos principais nomes da literatura e da intelectualidade do Brasil, se reveste de
tons nacionalistas a partir do momento em que se coloca como guardiã da língua portuguesa
(brasileira) e da literatura nacional, como está expresso no artigo 1.º de seu estatuto.
As comemorações do 4.º Centenário do Descobrimento do Brasil, em 1900, foram
outra ocasião propícia a debates sobre a Nação. A propaganda, realizada pela Comissão
Central do 4.º Centenário, teve como secretário e divulgador oficial o próprio escritor Coelho
Netto (1864-1934), protagonista deste trabalho, que em 1899 saiu em campanha pelo NorteNordeste do país despertando sentimentos nacionalistas por conta do evento. No ano de 1900,
as comemorações foram realizadas em várias cidades do Brasil, e o Rio de Janeiro, Capital
Federal, foi o ponto alto. Ali, a Sessão Magna do Quarto Centenário do Descobrimento do
Brasil, realizada em 4 de maio de 19002, foi a cerimônia de abertura dos eventos, com palestra
do Dr. Paulo de Frontin. O teor nitidamente ideológico de eventos desse tipo é aqui apontado
por Lessa (2002, p. 20): “Essas comemorações são importantes, porque revelam aquilo que o
país quer lembrar e aquilo que o país quer esquecer”.
No contexto de tais comemorações, temos, em 1900, a publicação do Livro do
Centenário (1500-1900), organizado por Ramiz Galvão, com patrocínio da Associação do
Quarto Centenário de Descobrimento do Brasil e impressão pela Imprensa Nacional. Dividido
1
O pacto oligárquico de Campos Sales, 4.º presidente do Brasil (1898-1902), é uma articulação política também
conhecida como Pacto dos Estados ou Política dos Governadores, que garantia ao Presidente da República a
tranquila governabilidade pelo apoio do Congresso Nacional, através de relações de apoio mútuo e
favorecimento político entre representantes do Governo central, Estados e Municípios.
2
Na época, o Descobrimento era marcado em 3 de maio, e só depois a data foi revista e mudada para 22 de abril.
17
em três volumes, tinha os seguintes capítulos e seus autores, muitos deles figuras ilustradas da
intelectualidade brasileira:
I. O Descobrimento do Brasil. O Povoamento do solo. Organização administrativa e
política. Evolução social. João Capistrano de Abreu.
II. A Religião. Ordens religiosas. Instituições pias e beneficentes. Padre Dr. Júlio
Maria. Religiões acatólicas. Dr. José Carlos Rodrigues.
III. A Literatura. Dr. Sylvio Romero.
IV. A Instrução. A Imprensa. José Veríssimo de Mattos.
V. As Belas-Artes. Henrique Coelho Netto.
VI. As Ciências jurídicas e sociais. Organização judiciária. Dr. Júlio de Barros Raja
Gabaglia.
VII. As Ciências matemáticas, físicas e naturais. Trabalhos e explorações científicas.
Dr. Arthur Getulio das Neves.
VIII. As Ciências médico-farmacêuticas (1500-1808). Dr. José Eduardo Teixeira de
Sousa. – (1808-1900). Dr. Agostinho José de Sousa Lima. – Homeopatia. Dr.
Joaquim Duarte Murtinho.
IX. A Engenharia: viação, obras públicas, construções em geral. (1500-1808). Dr.
António de Paula Freitas. – (1808-1900). Dr. Andrè Gustavo Paulo de Frontin.
X. A Mineração. Riquezas minerais. Dr. Joaquim Candido da Costa Sena e Dr.
António Olyntho dos Santos Pires.
XI. A Indústria. Riquezas extrativas. Dr. Luiz Rafael Vieira Souto.
XII. A Lavoura. Riquezas vegetais. Dr. José Cardoso Moura Brasil.
XIII. O Comércio e a navegação. As Finanças. Dr. Honório Augusto Ribeiro.
XIV. Organização militar. Exército e armada. Milícia cívica. Fortificações. Arsenais.
— (Exército). General Bibiano Sérgio Macedo da Fontoura Costallat. — (Armada).
Almirante Arthur de Jaceguay.
XV. Relações exteriores: alianças, guerras e tratados. Limites do Brasil. Dr. Clóvis
Bevilacqua e Coronel Gregório Thaumaturgo de Azevedo.
Como se vê, o propósito do compêndio era apresentar um Brasil total, cobrindo
diferentes áreas em diferentes períodos, desde 1500 até 1900. A ideia implícita era a de que se
alguém lesse todo o Livro do Centenário estaria lendo toda a história do Brasil; algo inviável
do ponto de vista historiográfico e impossível do ponto de vista epistemológico.
Outro aspecto relevante na questão é a política externa brasileira. Durante as três
primeiras décadas republicanas, trabalhou-se intensamente para firmar acordos internacionais
e delimitar as fronteiras do Brasil, por meio de tratados conduzidos por hábeis diplomatas,
representados principalmente pela figura do Barão do Rio Branco (1845-1912), e às vezes
arbitrados por tribunais internacionais. Contam-se, entre as conquistas brasileiras do período:
o rápido e sucessivo reconhecimento das nações à instauração do regime republicano em
novembro de 1889, a começar pela França; o reatamento de relações com Portugal, em 1895,
suspensas desde a Revolta da Armada um ano antes; o fortalecimento das relações
econômicas do Brasil com os Estados Unidos, país que se tornou o principal consumidor de
produtos brasileiros, como café, cacau e borracha, tendo como consequências a melhoria da
situação financeira do Brasil e a obtenção de produtos fabricados na Europa, mas por outro
18
lado permitiu o deslocamento da secular dependência econômica da Inglaterra para os Estados
Unidos; a resolução do problema dos limites territoriais, pendentes desde o Império, como: a
questão das Missões (com a Argentina), do Amapá (com a França), de Pirara e ilha da
Trindade (com a Inglaterra) e principalmente do Acre (com a Bolívia) 3; a destacada
participação de Ruy Barbosa (1847-1923) na II Convenção sobre a Resolução Pacífica das
Controvérsias Internacionais, em Haia (Holanda), em 1907, discursando sobre a igualdade
entre os Estados nacionais, e, anos depois, sua resoluta defesa da postura não passiva do
Brasil durante a I Guerra Mundial; a participação do Brasil no grande conflito em 1917, após
torpedeamento de navios brasileiros, que levou ao rompimento de relações com a Alemanha,
o fim do estado de neutralidade e a declaração formal de guerra do Brasil contra os alemães.
A República do Brasil apresentava-se ao mundo, sempre pela via do acordo diplomático, e os
portadores de um sentimento patriótico viam isto tudo como motivo de comemoração.
A criação de instituições de cunho nacionalista, como a Liga Pró-Aliados (1915) e a
Liga da Defesa Nacional (1916), se insere no contexto da Guerra, que permeou o imaginário
político e intelectual brasileiro naquele período, fomentando debates acalorados entre os que
simpatizavam pela posição francesa nos combates e os inclinados à posição alemã. O ponto
mais nevrálgico de tais discussões era a postura que o Brasil deveria tomar na Guerra, se
permaneceria neutro, se tomaria algum partido, se entraria em conflito. Muito se criticava a
atitude historicamente passiva do Brasil, em não se envolver em conflitos, e desconfiava-se
que seu também histórico despraro bélico (CASTRO, 2008) era uma questão perigosa à
soberania nacional. Boa parte desses debates é estudada por Lúcia Lippi Oliveira (1990).
Também não se pode ignorar, nesse contexto de expansão do Brasil, o nome do
militar e sertanista Marechal Cândido Rondon (1865-1958). Foi um dos principais
colaboradores da integração nacional por meio da difusão das linhas de comunicação do país
durante a República Velha, precisamente de 1892 a 1915, coordenando a construção de linhas
telegráficas em Goiás, Mato Grosso e região amazônica. Também é considerado uma espécie
de “desbravador”, chefiando expedições para exploração de imensas áreas florestais da
Amazônia ignoradas pelas populações não-nativas (algumas registradas em vídeo), pondo-se
ainda como defensor das comunidades indígenas, à frente do Serviço de Proteção ao Índio4,
precursor da FUNAI. Por esse labor, Rondon recebeu elogios até do presidente dos Estados
Unidos, Theodore Roosevelt (1858-1919), que o teve em alta conta: “A América pode
3
Sobre a Questão do Acre e o importante papel de Plácido de Castro e do Barão do Rio Branco, ver Lins (1981).
O Serviço de Proteção ao Índio (SPI) foi criado pelo Decreto-Lei n.º 8.072, de 20/06/1910, e extinto em 1967,
durante a Ditadura Militar, sendo substituído pela FUNAI.
4
19
apresentar ao mundo duas realizações ciclópicas; ao norte, o Canal do Panamá; ao sul, o
trabalho de Rondon – científico, prático, humanitário” (apud LINS, 1981, p. 109).
E por falar em campanha, mencionamos a atuação de Euclides da Cunha (18651909), que resultou em trabalhos como: Os Sertões (1902), sua obra-prima, uma cobertura
jornalística da Guerra de Canudos (1896-1897), na Bahia; Contrastes e confrontos (1904),
que reúne artigos de jornal, abordando temas como a seca, o desmatamento e as queimadas,
questões trabalhistas, etc.; À margem da história (1909), publicação póstuma que reúne
estudos sobre a Amazônia, quando serviu como chefe da comissão mista brasileiro-peruana
para demarcar as fronteiras entre os dois países (1904-1905), texto em que, entre tantas coisas,
denunciou a exploração dos seringueiros durante o ciclo da borracha; Peru versus Bolívia
(1907), continuação dos mesmos estudos. Fazendo da literatura uma verdadeira missão
(SEVCENKO, 2009), Euclides teve muitos méritos, como o de trazer à tona do grande
público a figura do sertanejo, esquecido na caatinga ou na floresta, expondo os desequilíbrios
sociais, o antagonismo entre litoral e sertão, e mostrando a distância entre a realidade do
homem sertanejo e a visão romanceada que se tinha dessa figura, especialmente na literatura
brasileira. Tornando seu testemunho uma espécie de desvendamento da realidade brasileira,
sua obra foi considerada um “nacionalismo aberto” (GARBUGLIO, 1968).
Ou ainda o poeta Olavo Bilac (1865-1918), um dos principais nacionalistas do
período, engajado em suas campanhas civilistas percorrendo várias regiões/cidades do país de
1915 a 1918, propagando a cidadania, o civismo, o serviço militar obrigatório, etc., atuando
também como principal divulgador dos trabalhos e da ideologia cívico-nacionalista da Liga da
Defesa Nacional, inspirando a criação de instituições análogas nas unidades da Federação.
Sobre o papel de Bilac nesse mister, é recomendável o relatório de projeto de pesquisa de
Patrícia Hansen (2011), intitulado Olavo Bilac, ideólogo do nacionalismo brasileiro.
Ainda sobre Bilac, não é demais lembrarmos que, desde o final do século XIX, seu
nome e de outros companheiros seus, como Coelho Netto e Manuel Bomfim (1968-1932), são
arrolados como autores com um projeto nacional para crianças, com o objetivo de formar
cidadãos (patriotas), através da educação moral e cívica por via ficcional. Tudo indica que
América, de Coelho Netto, publicada em 1897, tenha inaugurado esse gênero no Brasil.
Outros nomes vão de Júlia Lopes de Almeida a Viriato Correia. A tese de doutoramento de
Patrícia Hansen (2007), intitulada Brasil, um país novo: literatura cívico-pedagógica e a
construção de um ideal de infância brasileira na Primeira República, aborda especificamente
esse gênero literário, seus ideais e seus objetivos, e problematiza questões importantes para
pensarmos o Brasil daquele período.
20
Também é válido lembrar o nome de Affonso Celso (1860-1938); conde no regime
monárquico e monarquista após a Proclamação da República, tinha formação em Direito e foi
fundador da ABL e membro também do IHGB. Autor de diversas obras, popularizou-se no
Brasil com a publicação de Por que me ufano de meu país, em 1900, um manual cívicomoralista composto de 42 pequenos capítulos em que se esforça, com espírito otimista e
entusiástico, por mostrar as superioridades do Brasil em relação às outras nações, utilizandose dos seguintes argumentos, listados por Bastos (2002, p. 253):
grandeza territorial, beleza física, riqueza, variedade e amenidade do clima, ausência
de calamidades, excelência dos elementos que entraram na formação do tipo
nacional, não ter sido povoado por degredados, os nobres predicados do caráter
nacional, nunca sofreu humilhação e nunca foi vencido, procedimento cavalheiresco
e digno com os outros, as glórias a conhecer a sua história.
Embora não tenha sido o inventor do “ufanismo”, cujo nome está ligado a sua obra,
pois tal prática no mundo existe há longas datas, é fato que muito dessa ótica provém da
assimilação de Celso à visão positiva dos atributos naturais do Brasil já posta em cronistas do
período colonial, em brasilianistas e em poetas do romantismo. É também ponto pacífico que
a visão acrítica de Celso, demonstrando um país superior por natureza e por história, sem
mostrar seus antagonismos, suas mazelas, seus graves problemas – que mereceu e merece até
hoje muitas críticas –, permeou em grande medida a mentalidade brasileira, sendo ensinada
nas escolas e reivindicada em vários momentos da história nacional, inclusive na vida cultural
brasileira, de que são pequenos exemplos alguns clássicos da música popular brasileira, como
Aquarela brasileira (1939), de Ary Barroso, e País tropical (1969), de Jorge Ben Jor, sucesso
original na voz de Wilson Simonal, evidentemente guardadas as devidas proporções.
Outro nome a ser lembrado é o de Alberto Torres (1865-1917), jornalista, político,
ministro de Estado e ministro do STF, um importante pensador social brasileiro, teórico de
um tipo de nacionalismo no Brasil da República Velha. Autor de obras escritas após a precoce
aposentadoria da vida pública, como Vers la paix (1909), Le problème mondial (1913), A
organização nacional (1914), O problema nacional brasileiro (1914) e As fontes da vida no
Brasil (1915), Alberto Torres valeu-se da vasta experiência como homem público para pensar
os problemas do Brasil e propor soluções para a sua organização e a unidade nacional.
Antiliberal e antissocialista, Torres defendia um Estado forte, formador do povo e da
nacionalidade, defensor de suas riquezas naturais e demais interesses, ente regulador de toda a
vida nacional, sobrepondo a autoridade estatal aos direitos individuais, como forma de
garantir a democracia política do país; e critica a democracia liberal copiada do estrangeiro, as
21
interferências externas e os dogmas raciais e militaristas da velha Europa, imersa em
diferentes crises na década de 1910, incluindo a I Guerra Mundial. Por isso, o nacionalismo
de Alberto Torres tem como elemento indissociável o autoritarismo (SOUZA, 2005),
inspirador, inclusive, de princípios norteadores das Constituições de 1934 e 1937.
Poderíamos ainda discutir teorias e práticas nacionalistas no Brasil da Primeira
República: na política externa, como debates sobre o pan-americanismo, capitaneado pelos
Estados Unidos e sua Doutrina Monroe, e a posição do Brasil na questão; economia, como a
política econômica de proteção aos produtos nacionais (como o café e a borracha) em face da
concorrência estrangeira; na saúde, como o nacionalismo sanitarista, na sua fase urbana
(década de 1900) e na sua fase rural (décadas de 1910-1920), exemplificado também na
criação da Liga Pró-Saneamento do Brasil em 1918, quando o que se pretendia era a
reabilitação nacional frente às demandas por modernização e civilização5; na cultura,
especialmente na Semana de Arte Moderna (1922) e no Movimento Pau-brasil (1924), ambos
na cidade de São Paulo, movimentos que, mesmo sob inspiração estrangeira, buscavam, na
crítica aos parâmetros artísticos vigentes, uma nova identidade artística nacional.
Obviamente, nada do que foi dito nos parágrafos acima esgota as possibilidades de
visualizar e estudar aspectos nacionalistas na Primeira República, pois é evidente que nosso
trabalho não daria conta da tarefa, mesmo que tentasse apenas registrá-los de relance, até
porque o Brasil da época, como o de hoje, não se resume apenas ao eixo Rio-São Paulo.
Neste trabalho, será abordada a construção de uma ideia de nação e de um
sentimento nacionalista a partir da obra do prosador Henrique Maximiano Coelho Netto
(1864-1934), com ênfase a algumas compilações de suas crônicas originalmente publicadas
em jornais, algumas peças de oratória e em material de educação moral e cívica, sobretudo na
década de 1910 e primeira metade da década de 1920.
Coelho Netto foi um escritor prolífico, com cerca de 120 livros publicados, em
diferentes gêneros da prosa literária (romances, contos, novelas, crônicas, orações, teatro,
etc.), abordando variada quantidade de temas. Durante cerca de quarenta anos, foi um dos
mais famosos escritores brasileiros, estando entre os fundadores da ABL (1897), eleito três
vezes consecutivas, na década de 20, o “Príncipe dos Prosadores Brasileiros”, além de ter sido
o primeiro escritor brasileiro a ser indicado a Prêmio Nobel de Literatura (1932).
Coelho Netto, integrando uma plêiade de autores que discutiram a formação nacional
e a identidade do Brasil, nos séculos XIX e XX, participou ativamente dessa discussão: como
5
Sobre o tema nacionalismo na saúde, ver artigo de Silveira; Lima (2004).
22
abolicionista e republicano, na década de 1880; como divulgador do civismo-patriótico; como
como deputado federal por três mandatos pelo Maranhão; e como secretário geral da Liga de
Defesa Nacional (fundada em 1916).
Na análise de sua obra, com o fim específico de buscar elementos constitutivos de
sua visão conceitual sobre nação e nacionalismo, no contexto da República Velha brasileira,
algumas perguntas vêm à tona: a quais paradigmas intelectuais Coelho Netto se enquadra para
fixar sua imagem de Brasil? Qual o seu lugar na discussão em torno da formação da
identidade nacional? Que tipo de nação e de nacionalismo é idealizado por ele? Em que
medida assimila e incorpora elementos ideológicos do Estado? De quem sofre influência
teórico-conceitual e qual a repercussão de seu pensamento nesse sentido? Qual o papel de
elementos protonacionais (como língua, etc.) na sua defesa de nação e nacionalismo? Qual a
viabilidade de suas propostas?
Responder a estas questões, problematizando outras tantas que porventura surjam
pelo caminho, dialogando com vários outros autores, é também uma forma de pensar o Brasil
como nação, e o sentimento de pertencimento a essa nação, ontem e hoje.
O objetivo geral da pesquisa é analisar a construção de uma ideia de nação e de
nacionalismo na obra de Coelho Netto, no contexto da chamada República Velha brasileira.
Os específicos são: entender o seu lugar nas discussões em torno da formação da identidade
nacional; compreender os sentidos de Brasil e de sua relação com outros estados nacionais;
perceber como são tratadas questões como soberania nacional, guerras e imigração; discutir
elementos como língua, educação e teatro nessa construção de Brasil e de “brasilidade”;
abordar conceitos como civismo e patriotismo, inserindo-os na discussão maior.
Além desta introdução e das considerações finais, o trabalho está divido em apenas
dois capítulos: I) em que esboçamos um estudo biográfico do escritor Henrique Coelho Netto,
contemplando aspectos como família, infância, primeiras influências, carreira acadêmica,
formação intelectual, vida na imprensa, produção textual, relações sociais e de trabalho,
atividades políticas, vínculos institucionais, aspectos gerais de sua obra, crítica e desafetos,
etc., tentando perceber os fios da trama nacionalista que foi sua vida intelectual; II) no qual
abordamos especificamente sua concepção de nação e nacionalismo, através da análise
principalmente de crônicas publicadas no período de 1914 a 1923, coincidindo com a
Primeira Guerra Mundial e o pós-guerra, e boa parte do período em que ele escreveu em
jornais como A Noite e Jornal do Brasil, bem como da análise de algumas orações e
conferências e do manual Breviário cívico, de 1921.
23
1 COELHO NETTO: VIDA, OBRA E PENSAMENTO
O objetivo deste capítulo é traçar um perfil biográfico de Coelho Netto, observando
diversos aspectos de sua vida, obra e pensamento, incluindo a gestação de seu nacionalismo,
evitando, porém, fazê-lo numa sequência coerente de fatos, meramente cronológica ou
teleológica, pista escorregadia sobre a qual nos alerta Bourdieu (2006, p. 185). Nessa mesma
linha, Vavy Borges (2010, p. 225) recomenda: “Não se deve [...] interpretar uma vida
buscando-se uma unidade, uma racionalidade, uma linearidade”, mas: “Ao se procurar
entender e explicar a vida de uma pessoa, deve-se ficar atento a todos os seus aspectos, e não
a um só deles, pois em uma vida todos eles se entrelaçam”.
Para alcançar esse fim é necessário ter certa “convivência” com o personagem, e isso
demanda tempo. Jean Orieux (1986, p. 35) defende que o pesquisador tenha “longa
intimidade” com o biografado, receando a elaboração de estudos apressados. No nosso caso,
tivemos um primeiro contato com a obra de Coelho Netto em 2004, através do romance Rei
Negro (1914) e dos contos de Cenas e perfis (1910), depois os romances Miragem (1895) e
Turbilhão (1906). Desde então, temos lido seus principais romances, contos, peças, coletâneas
de crônicas, etc. Num segundo plano, mas não sem importância, também consultamos
diversos críticos literários e historiadores de literatura que abordam a obra coelhonettiana.
Os fatos a serem estudados sobre a vida de um personagem são importantes, mas não
são tudo: “Não se pode ter a pretensão de esclarecer o mistério de uma vida somente a partir
de fatos e achados concretos; é significativo não só o que se encontrou demonstrado, mas as
incertezas intuídas, as possibilidades perdidas etc.” (BORGES, 2010, p. 221). A suma disso
tudo é que no ofício historiográfico se consiga perceber o “não-dito”, o silêncio significativo
que se imiscui ao texto, não aparecendo claramente no discurso historiográfico (neste caso,
literário e político), mas é a base sobre a qual ele é montado: o “lugar social” de onde o autor
fala – seu arcabouço teórico e seus vínculos institucionais (CERTEAU, 2002, p. 66-77).
Espera-se, pois, que o autor esteja inserido num contexto, embora não se deva tratálo como um monumento estático num passado igualmente estático: “É preciso também estar
atento para não ‘enraizar’ o indivíduo em seu meio social, em seu tempo; é preciso vê-lo em
movimento” (BORGES, 2010, p. 223). De outro modo: “Não se trata já de adquirir
conhecimentos, mas de transformar conhecimentos mortos num homem vivo” (ORIEUX,
1986, p. 38). Por isso, diz Orieux que escrever sobre a vida de alguém é como recriar um
personagem. Dessa forma, as idiossincrasias e o estilo do autor não podem ser ignorados, pois
se é válido afirmar, como Peter Gay (1990), que o estilo (literário) do historiador é importante
24
para a construção do texto historiográfico (científico)6, revelando muito sobre tal historiador,
não é menos verdade que o estilo do literato deixe de o ser. Conhecendo seu estilo é possível
conhecer melhor sua vida, pois em muitos casos o estilo denuncia gostos e temperamentos do
autor. Estudemos, pois, esse homem em construção, atentos ao Brasil do seu tempo.
1.1 O MENINO HENRIQUE, DE CAXIAS PARA O RIO DE JANEIRO
Sabemos pouco sobre a infância de Coelho Netto, especialmente a fase vivida no
Maranhão, antes de mudar-se para a cidade do Rio de Janeiro, em 1870. O que conhecemos
vem de algumas de suas memórias, com destaque para o Canteiro de saudades (COELHO
NETTO, 2010), publicado em Portugal, em 1927, reunindo alguns textos oriundos de sua
coluna no jornal A Noite, entre 1922 e 1925, além de outros trabalhos e biografias.
Henrique Maximiano Coelho Netto nasceu em 21 de fevereiro de 1864, em Caxias,
Maranhão, e faleceu em 28 de novembro de 1934, aos 70 anos, no Rio de Janeiro. Era filho
único da legítima união do comerciante português Antônio da Fonseca Coelho e da índia Ana
Silvestre Coelho. Era, pois, um mestiço (caboclo), como tal fora o poeta Gonçalves Dias,
também caxiense e filho de um português e uma índia. Nada sabemos do “Netto” incorporado
ao seu sobrenome (seus pais eram apenas “Coelho”), que ficou composto e que ele legou aos
filhos.7 Constatamos, porém, a grande incidência dos sobrenomes “Coelho Netto” e “Netto”,
no Rio de Janeiro, sem parentesco com ele, em consulta a jornais fluminenses de época e a
algumas genealogias disponíveis na internet.
O que encontramos demonstrado em vários relatos sobre a vida do escritor é o
mesmo que permeia a história de tantos outros brasileiros que obtiveram algum
reconhecimento público: uma origem assumidamente pobre. Sem querer entrar no mérito
ideológico da questão, é possível visualizar isso, por exemplo, na introdução da entrevista
dada ao jornal A Noite (15 jul. 1925, p. 1), na seção “Triumphadores”:
Não existe actualmente no Brasil um nome literario da projecção do de Coelho
Netto. É a gloria nacional mais querida, mais festejada. / E deve ser realmente
6
Entrando na velha e polêmica discussão sobre a história ser ciência ou arte, Peter Gay é criativo na afirmação
conclusiva de que “o estilo é a arte da ciência do historiador” (GAY, 1990, p. 196).
7
Não sabemos se “Netto” era uma homenagem ao avô, mas a escrita com “tt” parece obra de seus pais, pois
encontramos seu nome assim escrito quando da sua aprovação para o Colégio Pedro II: “Approvados: Henrique
Maximiano Coelho Netto, Joaquim José Tinoco, Alfredo Ferreira Ayres da Costa, Alfredo do Rego Duarte e
Antonio Alves de Mesquita Junior” (O REPORTER, 8 fev. 1879, p. 4; 13 fev. 1879, p. 3). Tinha ele aí apenas 14
anos. Foi com “Netto” que ele assinou seu nome e seus trabalhos, e é com “Netto” que seus descendentes
também assinam. Mesmo assim, são muitos os que insistem em anotar-lhe “Neto”, e é justamente dessa forma,
com um “t”, que se nomeiam todos os estabelecimentos e logradouros em sua homenagem (ruas, bairros,
escolas, prédios, etc.), sobretudo no Rio e no Maranhão, incluindo o município de Coelho Neto - MA.
25
interessante para o leitor saber como esse grande triumphador se fez, a imensa luta
que travou no aspero manho da vida, o que soffreu, o que amargou para chegar á
situação brilhante de renome em que hoje se encontra. / Dentre os que se fizeram
pelo seu proprio esforço, a figura de Coelho Netto avulta com destaque
extraordinário. É do rol daquelles que vieram ao mundo sem pae alcaide. Tudo que
conseguiu é seu, tudo que alcançou é resultado da sua inteligência e do seu saber.
O próprio escritor faz questão de mostrar essa origem pobre, além das dificuldades
financeiras por toda a vida, quando abandonou a carreira jurídica para viver da pena, o que, de
certo modo, levou a um estado de precariedade da família depois de que ele morreu. Isso é um
fato, mas um fato que contrasta, obviamente, com a imagem que dele ficou: de um intelectual
de projeção nacional e até internacional8, que foi deputado federal por nove anos, membro e
presidente da ABL e que flertou com o poder político por longos anos, o que não significa
necessariamente que ganhou muito dinheiro com isto. É necessário, portanto, construirmos
textualmente essa trajetória. Comecemos falando das primeiras pessoas da sua convivência.
O pai. Antônio da Fonseca Coelho era português, comerciante e casado com uma
índia (COELHO NETTO, P., 1942, p. 23). Não sabemos as circunstâncias de sua chegada ao
Maranhão, mas o escritor diz como toda a família saiu de lá: “– Eu aqui cheguei, do
Maranhão, bem pequeno. Meu pae, que era negociante em Caxias, teve a má lembrança de
metter-se em politica. Foi perseguido e voou aqui para o Rio” (A NOITE, 15 jul. 1925, p. 1).
Isto ocorreu em 1870, quando Henrique tinha apenas 6 anos (COELHO NETTO, P., 1942, p.
23). Não obtivemos detalhes sobre o envolvimento político de Antônio em Caxias, nem sobre
a referida perseguição. Inferimos que escolheu ir para o Rio em razão de ter um irmão mais
velho (Rezende) que já morava lá. Contudo, é de se registrar que a ida de Coelho Netto –
criança – à Corte difere-se da migração de muitos literatos e artistas, conterrâneos seus, que,
já adultos, rumaram para o Rio em busca de melhores condições de vida e trabalho.
Paulo Coelho Netto (1942, p. 16) ainda informa: “O pai do escritor, apesar de não ter
sido um erudito, revelava alguma cultura que lhe viera principalmente da convivência com o
seu irmão Resende, guarda-livros, amigo dos clássicos e primeiro mestre de Coelho Netto”.
Pelo ofício, Antônio tinha o hábito noturno de sentar-se à mesa, onde “folheava grandes livros
de assentamentos” (COELHO NETTO, 2010, p. 33). Aspectos como trabalho, cuidado do lar
e austeridade, são lembrados pelo escritor como características do pai. Aqui, citamos só um
caso, quando Coelho Netto (2010, p. 78) recorda-se de um episódio de sua infância:
8
Coelho Netto foi traduzido para mais de dez idiomas (inglês, francês, alemão, espanhol, japonês, sueco, etc.),
publicou mais da metade de seus livros em Portugal (pela Livraria Chardron, da cidade do Porto), era sóciocorrespondente da Academia de Ciências de Lisboa, foi condecorado em vários países, escreveu para jornais de
Portugal e da Argentina, e foi o primeiro brasileiro indicado ao Prêmio Nobel de Literatura, em 1932.
26
O filho do vizinho não frequentava a escola – o professor ia-lhe à casa. Era um
velho magro, curvado, de óculos escuros, sempre de charuto à boca.
Quando eu passava com o meu pacote de livros, o filho do vizinho olhava-me com
desprezo, por ver-me mal vestido, correndo ao sol e à chuva para ir aprender na
escola pública, entre pobrezinhos como eu. Um dia, sentindo mais fundo o escárnio
do menino, queixei-me a meu pai.
E Antônio prontamente aconselhou o filho:
– Não te importes. Deixa-o lá! disse-me ele. Faz tu por ti, e veremos, com o tempo,
quem se rirá por último. As plantas de jardim têm quem as regue; as florestas
contam apenas com a chuva do céu, mas nada perdem; com as raízes sugam a
umidade da terra e aproveitam toda a gota do orvalho que lhes cai nas folhas. E são
as florestas, meu filho, que nos dão as árvores fortes, as árvores que se fazem por si.
/ Os jardins, ainda os de maior capricho, produzem apenas flores; as florestas dão
tudo. / A escola é para todos, como a chuva do céu e o sol. Estuda, trata de aprender,
não te importes com o filho do vizinho. Faze por ti, aproveita o mais que puderes e
deixa-o lá! (COELHO NETTO, 2010, p. 78).
Coelho Netto (2010, p. 79), já maduro, é quem reflete: “Hoje, quando penso na
escola onde éramos tantos, apinhados como árvores na floresta, logo me acode à lembrança o
filho do vizinho [...]”; “Que será feito daquela flor de jardim que eu invejava tanto e que se ria
da minha pobreza quando eu por ela passava a caminho da escola?”.
Em “A antiga cidade” (de Palestras da tarde), quando trata do Rio de sua meninice,
Coelho Netto (1911, p. 63), falando das famílias comuns do seu bairro, talvez inclua Antônio
e a si próprio como exemplos típicos de pai e filho: “O lar era tranquillo e os costumes
simples. O pai de familias sahia cedo, almoçado e lá ia ao trabalho, contente de si e dos seus;
o pequeno enfiava a tiracollo o sacco dos livros e punha-se a caminho do collegio”.
Ainda em A Noite (15 jul. 1925, p. 1), ele diz do pai: “Montou um hotel ali em São
Domingos. Muito feliz no começo, mas depois veiu o fracasso. Montou uma pequena casa de
moveis na Rua da Alfandega. A sorte não lhe sorriu. Teve profundo abatimento moral”.
Dantas (s.d., p. 20) conclui: “Entrou ele numa crise nervosa, mergulhando numa profunda
depressão moral, doente e arrasado”. Apesar dos fracassos, a vida laboriosa de Antônio parece
ter se infundido como exemplo na mente do filho, que se tornou, como dizem seus biógrafos,
um homem de muita labuta, costumando cumprir um rigoroso programa de 10 a 12 horas por
dia, sentado à mesa do seu escritório caseiro (COELHO NETTO, P., 1942, p. 33).
Depois de falir nos negócios e emocionalmente, Antônio adoeceu e morreu poucos
anos depois, no dia 24 de maio de 1884.9 Desconhecemos as circunstâncias da doença e da
morte, mas é provável que já fosse idoso, pois tinha barba e cabelos brancos quando Henrique
9
Informação que obtivemos cruzando as notícias do seu sepultamento e do convite para a missa de sétimo dia
(GAZETA DE NOTÍCIAS, 26 maio 1884, p. 4; 31 maio 1884, p. 4).
27
ainda era criança (COELHO NETTO, 2010, p. 93).10 Na nota sobre o sepultamento é dito que
Henrique estava “ausente”, e isto se confirma em suas próprias palavras sobre o fato: “Antes
me não houvessem chamado de tão longe para chegar inutilmente, depois de tudo acabado”;
“Quando ficamos sós na casa fechada, mamãe abraçou-se comigo falando-me dele, dos seus
últimos dias” (COELHO NETTO, 2010, p. 92). Isto sugere que estivesse morando em outra
cidade (“tão longe”), no caso São Paulo, para onde rumou em 1883, para cursar Direito.
Coelho Netto (2010, p. 92,93) conta as emoções daquele dia, o fato de não ter
conseguido chorar imediatamente, nem na presença das pessoas, embora, constrangido pela
aparente indiferença, tenha buscado lágrimas. Quando, porém, recolheu-se ao seu quarto, para
dormir, sentiu a presença do pai e, estremecido, não resistiu: “E tal desaba, em fúria violenta,
a primeira bátega da tempestade, assim me rebentaram as lágrimas dos olhos”.
Tu bem as viste, meu pai! Tu bem as viste, porque estavas ali comigo! E foste tu que
as arrancaste do meu coração para que eu não perecesse na enchente que subia em
saudades, desde a minha infância pequenina, quando me levantavas nos braços até a
ternura dos teus olhos azuis, para que brincasse, à luz do teu sorriso, com a neve das
tuas barbas e dos teus cabelos brancos (COELHO NETTO, 2010, p. 93).
A mãe. Ana Silvestre Coelho era índia, mas nada sabemos de sua procedência
indígena. Enquanto Paulo Coelho Netto (1942, p. 23) diz apenas que ela era “brasileira”,
Moisés (2005, p. 292) acrescenta que era “indígena amazonense”. De fato, são escassas as
informações sobre ela, e como se tornou citadina e católica, como foi alfabetizada, ou sobre
sua vida conjugal, etc.11 Seu falecimento deve ser datado em 24 de dezembro de 1904.12
Nos registros do filho, suas principais qualidades são: afeto, religiosidade e trabalho.
Seus ofícios eram o de dona-de-casa e o de costureira, e este último deve ir além do mero
labor doméstico, pois a referida matéria do Correio Paulistano (29 nov. 1934, p. 3) diz que
Ana montou uma oficina de costura, e isso deve explicar como ela conseguiu sustentar a casa
após os infortúnios e a morte do marido. E por necessidade, às vezes, ela trabalhava até tarde:
“[...] minha mãe levava o serão manso e manso” (COELHO NETTO, 2010, p. 33). Quanto ao
lado religioso, em vários textos, como “Nosso Senhor” e “O anjo cantor”, Coelho Netto
(2010, p. 62-65; 69-74) mostra-a frequentando missas e outras manifestações católicas. Em
10
Uma matéria, porém, do jornal Correio Paulistano (29 nov. 1934, p. 3), fazendo a síntese biográfica do
escritor em homenagem pelo seu falecimento, diz que “o seu tio Rezende” era “18 annos mais idoso que o pae”,
e isto sugere, como veremos adiante, que Antônio fosse nascido em 1832 e, portanto, teria falecido aos 52 anos.
11
Nossa hipótese é que ela foi criada por alguma família “branca”, recebendo um nome que nos parece
sugestivo: Ana – nome em português (não em língua indígena) e que indica aspecto religioso, por ser este o
nome de duas santas: a mãe do profeta Samuel e a mãe da Virgem Maria; Silvestre – é um sobrenome português,
mas talvez fosse nela apenas um adjetivo demarcatório de sua origem étnica e social, pois “silvestre” é o mesmo
que “selvagem” ou “oriundo da selva”. O sobrenome Coelho ela obviamente adquiriu por matrimônio.
12
Conforme o convite para a missa de um mês de seu falecimento (CORREIO DA MANHÃ, 24 jan. 1905, p. 3).
28
outros, é possível ver contrastes entre pai e mãe: “[...] tudo por medo de tal palavra [futuro],
que eu ouvia sempre, ora em resmungos de meu pai, ora em promessas carinhosas de minha
mãe” (p. 84). Mas não omite trechos de irritação: “Mamãe, porém, fez-me um sinal severo,
ameaçando-me”; “Ela fitou-me carrancuda como se eu houvesse pronunciado uma blasfêmia
e, em voz severa, repreendeu-me: / - Isso se diz, seu tolo?!” (p. 47, 65). Entretanto, é a mãe
carinhosa que prepondera, como aqui: “[...] Mamãe, volvendo para mim os olhos meigos,
falou-me [...] acariciando-me o rosto” (p. 85).
Em “O presente do céu” (COELHO NETTO, 2010, p. 27-28), Henrique, tendo só um
par de sapatos, fingiu moléstia para não ir com a mãe à missa de Natal, pois não teria outro
par a dispor ao Velhinho do céu (Papai Noel). Imaginavam as crianças que elas precisavam
dormir, na noite natalina, com os sapatos abertos, para receberem a visita do Velhinho e seus
presentes. Mas o menino ficou acordado a noite toda, ouvindo barulhos. Rezou e até chorou
para dormir, e desesperou-se quando nasceu o sol. Só então, exausto, dormiu. “Acordei à voz
de minha mãe e, saltando da cama, abracei-me com ela, dizendo-lhe a minha desventura: toda
a santa noite em claro, sem pregar olho, ouvindo o velhinho andar no telhado. E mostrei-lhe
os sapatos vazios. / Ela abraçou-me chorando” (p. 28). O consolo materno, porém, não evitou
maior tristeza, pois, ouvindo um barulho da rua, correu à janela e viu o filho do vizinho
justamente com aquele tamborzinho que ele vira no armarinho e tanto pedira a Jesus.
E tudo compreendi. O velhinho trouxera-o para mim, achando-me, porém, acordado,
passara adiante com ele, indo deixá-lo no sapato do menino rico. E, desde essa noite,
até hoje, espero em vão o presente do céu, que não chega porque, como trabalho até
tarde, a Fortuna sempre me encontra acordado e passa, como o velhinho do Natal,
que só deixa brinquedos nos sapatos das crianças adormecidas. E sempre os mais
lindos são para as que dormem melhor, em leitos de pluma e linho, envoltos em
cortinados, que é onde deve ser bom dormir (COELHO NETTO, 2010, p. 28).
Coelho Netto constrói uma imagem superpositiva da mãe, exaltando nela virtudes
heroicas, como lutar em condições desiguais na sociedade (era índia, pobre, costureira, esposa
de um homem “sem sorte”, depois viúva e solitária). Como ele e seu biógrafo dizem, a força
moral de Ana Silvestre se mostraria ao assumir as rédeas da casa.
Minha mãe era uma daquellas envergaduras d’aço, que se encontram com sorpresa,
no norte. Tornou-se o braço direito da casa. O que ha nesse periodo é a grande luta
de uma mulher mourejando para suster nos pulsos o peso formidavel de uma familia
(A NOITE, 15 jul. 1925, p. 1).
É, então, que cresce a heróica figura da mãe de Coelho Neto, tomando a frente dos
negócios, mantendo o menino nos estudos e, sòzinha, recompondo tudo. Dona Ana
Silvestre possuía a fibra das heroínas de sua raça. Seu sangue índio não admitia
fracassos. / Mulher corajosa e muito trabalhadora, não deixou que o edifício moral,
afetivo e físico do seu lar soçobrasse (DANTAS, s.d, p. 20-21).
29
Quando Henrique esteve na faculdade, sua mãe o apoiava com uma mesada de 70
mil réis, cuidando para que ele não se tornasse boêmio (A NOITE, 15 jul. 1925, p. 1). Já
homem maduro, a saudade da mãe surge em evocações quase infantis:
Que será feito de minha mãe? / Recolhendo-me, às vezes, em mim mesmo, vejo-a
dentro do coração, ouço-a, sinto-a. / Terá ela desistido do céu para ficar comigo,
animando-me nos meus desfalecimentos, consolando-me nas minhas tristezas,
alvoroçando-se comigo nas minhas alegrias? / [...] / Assim faz minha mãe dentro do
meu coração e é por isso que, ainda hoje, nas minhas dores, nas minhas agonias,
chamo por ela como a chamava quando, pequenino, dormia ao seu colo, alumiado
por seus olhos meigos, acalentado por seu canto (COELHO NETTO, 2010, p. 2425).
A contadora de histórias. Fontoura (1944, p. 32) informa que “Desde logo duas
outras mulheres atiçam, como feiticeiras de Shakespeare, as chamas do sobrenatural e do
mistério que vão ser os dois polos atraentes de tôda a sua concepção estética”: “a mucama
Eva” e “dona Maria, a preta engomadeira”, a primeira instilando-lhe os “primeiros venenos da
superstição”, dos contos populares do Brasil, e a segunda, como Sherazade (d’As Mil e uma
noites), contando-lhe versões “plebeias” do mundo maravilhoso de Aladim e Ali-Babá.
Faltam informações sobre a “mucama Eva”, mas D. Maria, a “preta engomadeira”,
talvez uma ex-escrava, é seguramente a babá de Henrique, que Dantas (s.d., p. 16) chama de
“espécie de mãe preta”, e que aparece anônima em alguns relatos e, sem dúvida, foi sua
primeira professora, que o ensinou a ler e a escrever 13, e, ao lado de Ana, a mulher mais
influente na sua vida (DANTAS, s.d., p. 16). Versão diversa sobre ela dá conta de que era
portuguesa e, em sendo assim, talvez não fosse “preta”14, como Fontoura e Dantas informam,
mas que o próprio Coelho Netto nada diz a respeito. Ela agregou-se à família, desde Caxias, e
despertou nele o gosto por lendas e histórias. Sobre ela, Coelho Netto (2010, p. 29) escreve:
“Uma das vozes que mais frequentam a minha saudade é a de certa velhinha que foi um dos
encantos da minha infância. Baixa, magra, engelhadinha, quando agora a recordo a mim
mesmo pergunto: ‘Não seria uma fada?’”.
Coelho Netto (2010, p. 31) credita-lhe a ventura e a tribulação de sua vida literária:
“Por que me havia de aparecer essa velha que me tirou da ignorância dando-me poder sobre
os vinte e cinco irmãos?” [alfabeto da época]; “Devo toda a desventura da minha vida ao
13
No texto “Os vinte e cinco irmãos” (referência ao alfabeto, com 25 letras, sem o W), Coelho Netto (2010, p.
30-31) fala do método que ela empregava.
14
Diz o Correio Paulistano (29 nov. 1934, p. 3): “As maiores influencias exercidas na sua infancia foram a da
mucama Eva, um “folk-lore” vivo, que lhe narrava contos populares brasileiros e a de d. Maria, portugueza, a
engommadeira da casa, que lhe transmittia os contos das mil e uma noites em feição popular, a influencia fôra
tão decisiva que até á sua morte, Coelho Netto pronunciava a palavra Callais como se fora um vocabulo da
lingua portugueza”.
30
segredo que me transmitiu a velha, que era, decerto, feiticeira má”. Quando a família se
recolhia à noite, ao lampião, o menino extasiava-se: “Essa era a hora mais feliz da minha vida,
a de mais aconchego porque, com as portas fechadas, eu me sentia longe do mundo, na minha
casa, só com os meus, sem mais ninguém, sem mais nada”. Era a ela que recorria: “E punhame a rondar a velhinha com solicitações nos olhos e sorrisos, e ela, compreendendo o meu
desejo, metia-se comigo a um canto e, baixinho, com a sua voz que tremia, cansada,
começava: / ‘Era uma vez...’” (p. 33). Após ouvir sobre personagens e lugares fantásticos, ele
não conseguia dormir, pensando no que ouvira, imaginando vozes. “Quando, de manhã, eu
referia a meus pais o que vira e ouvira na escuridão, eles diziam, culpando a velha: / – São as
tais histórias. Enchem-te a cabeça de coisas e é isso...” (p. 34).
Coelho Netto (2010, p. 35) informa que ela: “Vivia, por esmola, no quarto do quintal,
de telha vã, mas asseado e cheiroso como uma capela, porque ela o trazia sempre defumado a
alfazema, incenso, mirra e benjoim”. Tinha ela um “baú de couro cheio de molambos”,
objetos de mero valor sentimental: um pedaço do seu véu de casamento, contas de um colar
de solteira, cartas do marido quando eram noivos, flores do túmulo dele, e um chocalho de
prata de um filho já morto. Era, pois, viúva e perdera um filho. Seus últimos dias, sofridos na
doença, são narrados no texto “Piedade” (p. 38-40).
O tio Rezende. Outra pessoa importante na vida de Henrique foi seu tio Rezende. As
informações básicas sobre ele dão conta de que era irmão de Antônio e tinha a profissão de
guarda-livros (COELHO NETTO, P., 1942, p. 16; DANTAS, s.d., p. 20). Uma pista parece
indicar que se tratava de Manoel Rezende da Fonseca15, um português, solteiro, morto aos 62
anos, em 20 de abril de 1876.16 Mas o que vale é perceber sua contribuição na formação
intelectual do escritor. Paulo Coelho Netto (1942, p. 16) afirma que Rezende era “amigo dos
clássicos e primeiro mestre de Coelho Netto”. Já Dantas (s.d., p. 20) diz que “Foi este homem,
que era dado ao estudo dos clássicos portuguêses e latinos, que despertou em Coelho Neto o
interêsse pelas letras”. Segundo o biógrafo, o menino aprendia facilmente: “Desde criança,
revelou [...] excepcionais qualidades de inteligência aguda e precoce, com onze anos apenas,
tendo-se dedicado à tradução de Cícero”. E mais: “Na escola e nos colégios por onde andou,
15
Encontramos um informe que parece aludir a Rezende. É um testamento de Antonio Gomes da Silva, natural
do Porto, falecido em 26 de dezembro de 1872. Diz o jornal que ele “Nomeou seus testamenteiros em primeiro
lugar sua mulher, em segundo lugar Manoel Rezende da Fonseca e em terceiro Antonio da Fonseca Coelho [...]”
(A NAÇÃO, 28 dez. 1872, p. 2 – g.n.). A junção dos nomes grifados parece indicar parentesco (“da Fonseca”).
Se eram mesmo parentes, então é possível tratarem-se do tio e do pai de Coelho Netto, respectivamente.
16
Eis a relação de óbitos d’O Globo (22 abr. 1876, p. 3): “Obitos: Sepultaram-se nos differentes cemiterios
publicos desta capital, no dia 20 do corrente, as seguintes pessoas livres: [...] / Manoel Rezende da Fonseca. 62
annos, solteiro, portuguez – hypertrophia do coração. [...]”. O mesmo aparece no Diario do Rio de Janeiro (22
abr. 1876, p. 3). 25 anos antes, no Correio Mercantil (25 jul. 1851, p. 4), era tido como “colono portuguez”.
31
deixou todos bem impressionados, angariando os mais francos elogios dos professores”
(DANTAS, s.d., p. 20). Paulo Coelho Netto (1942, p. 16) diz que o pai traduzia latim aos 8
anos, era familiarizado com Cícero aos 11 e dava aulas particulares aos 15.
Um pouco mais da infância de Henrique. Do pouco que sabemos sobre sua vida
em Caxias, ressaltamos as impressões causadas pela natureza e pelas histórias sertanejas. O
texto abaixo é parte da entrevista ao jornalista Paulo Barreto (João do Rio), em 1905:
– [...] Até hoje sofro a influência do primeiro período da minha vida, no sertão.
Foram as histórias, as lendas, os contos ouvidos em criança, histórias de negros
cheias de pavores, lendas de caboclos palpitando encantamentos, contos de homens
brancos, a fantasia do sol, o perfume das florestas, o sonho dos civilizados... [...]
(RIO, s.d., p. 18).
A alusão ao “sertão” é referência clara a Caxias, sobre a qual escreve Dantas (s.d., p.
15): “Aí cresceu Coelho Neto gozando da liberdade natural de um menino nordestino, perdido
em correrias pelos matos”, momentos alegres traduzidos não só nesses folguedos, “mas
sobretudo, em ouvir histórias [...]”. Apesar disso, assiste razão a Fontoura (1944, p. 37-38),
quando afirma que “Caxias não foi para Coelho Neto um palco. Nem mesmo chegou a ser um
bastidor, mas um simples acidente geográfico”. E completa: “Seu cenário é a Côrte, para onde
o trazem antes dos sete anos [...]”. Coelho Netto só voltaria ao Maranhão 29 anos depois.
Já no Rio, ele encontra uma cidade ainda “colonial”, cercada de verde, que também
favorecia as suas fantasias. Há um fato relevante nessa fase: a ida aos Trapicheiros, várzea ao
pé do rio de mesmo nome. Tudo começa com uma doença na perna, cuja consulta ao médico
segue registrada: “Era um velhinho magro, calvo, de óculos. Veio a mim vagarosamente,
sentou-se a meu lado, pôs-se a examinar-me a perna encolhida [...]”. Cita também o
pagamento da promessa à Virgem, que sua mãe o mandara fazer, e mais uma vez realça sua
pobreza: “Livre das muletas, levada à igreja a perna de cera, comprada com o dinheiro que eu
andara a esmolar, descalço, em companhia de minha mãe que, para tal voto, me vestira de
azul e me encacheara os cabelos louros [...]” (COELHO NETTO, 2010, p. 53). Recomendoulhe o médico uns dias no campo. Mas “os dias passavam longos e melancólicos sobre aquela
esperança imóvel. / E se eu recaísse? Se a perna, de novo, se me encolhesse?! O médico tanto
insistira pela roça: campo, arvoredo, sol, ar livre... E eu naquela casa acanhada, naquela rua
estreita...”. Até que: “Uma noite ouvi do meu quarto papai dizer à mamãe, como em segredo: /
– A casa é pequena, de telha vã, mas para um mês ou dois serve. Há muito onde ele brincar”;
“Levaremos apenas o indispensável [...] É nos Trapicheiros”. E ele: “Trapicheiros!... Onde
32
seria? Decerto muito longe” (p. 54). Por essa razão, põe o título de “Minha escola primária”
(p. 55-56) no texto em que principia a falar da experiência nesse lugar.
Foi em tal sítio que aprendi a amar a terra e o céu e, entre eles, pressenti o mistério.
A minha escola primária foi aquela paisagem. / Ali interpretei, a meu modo, o
sussurro das árvores, o gorjeio dos pássaros, o murmúrio das águas, a grazina dos
insetos e procurei penetrar o segredo das estrelas. / Ali, todas as histórias que eu, até
então, ouvira, desenvolveram-se-me na imaginação, e eu as senti como realidades:
contos de fadas, xácaras e solaus, lendas de mártires e de assombrações./ Foi
naquela estância de simplicidade, perto da mata, junto das águas sonoras, vendo
nascer e vendo morrer o dia, ouvindo os cochichos sutis das moutas, sentindo o
aroma fresco das silvas, foi ali que me iniciei para o meu destino; foi ali que achei o
talismã com que tenho atravessado a vida dentro da ilusão, que me não deixa ver a
realidade triste. / Não fosse a minha doença e eu não teria tida a ventura de viver os
dias que vivi, tão longe do tumulto, tão dentro do silêncio, às vezes tão perto do céu,
no monte [...] (COELHO NETTO, 2010, p. 56).
Em outro trecho, Coelho Netto (2010, p. 50) relembra as dificuldades impostas pela
pobreza: “Debruço-me sobre ele e vejo-me menino, brincando junto de uma árvore raquítica,
única verdura num quintalejo seco e, a uma janela, d’olhos no céu pálido, a face triste na mão,
minha mãe, a chorar”. Não dá para saber se isto ocorre em Caxias ou no Rio, mas há mais
alusões à sua casa no Rio, como aqui: “A minha casa, casa de pobre, era na rua do Costa.
Tinha quintal e agua dentro e isso era luxo naquelle tempo”. E: “Meu quarto, á frente,
respirava por uma janella de persianas que me punha em communicação com a rua, por onde
passava um bondinho ronceiro, de um burro só, que subia para a rua da America” (COELHO
NETTO, 1911, p. 51).17 Vê-se a descrição da simplicidade da casa, e da rua, e de dificuldades
como o problema da água. Noutra parte, faz ele um contraponto entre seu bairro e os bairros
mais luxuosos da cidade: “Não sei como vivia a nobreza de Laranjeiras e Botafogo; a gente
do meu bairro modesto, ainda que não frequentasse o Cassino e o Lyrico, dançava em casa
[...]” (COELHO NETTO, 1911, p. 62). É, porém, do texto abaixo que vem a imagem mais
forte dessa casa, que o escritor diz ter tido a infelicidade de vê-la sendo demolida:
Entre os dias, por que havia justamente de ser esse o da minha levada àquela rua
aonde eu nunca mais tornara desde que dela saíra? Houvesse ali passado na véspera
e teria ainda encontrado a casa de pé, intacta; uns dias mais e acharia apenas o chão
vazio de tudo que, então, me recordava saudosamente o tempo que depositou no
meu coração, como a areia escoada assenta no fundo da ampulheta. / A minha casa! /
Demoliam-na sem pena despindo-a das paredes que a recatavam, como se a
expusessem, nua, aos olhos de todos, desde a sala, até a mais íntima das suas
alcovas. / Ali estava ela destelhada, toda ao sol, com as pedras e os tijolos dos seus
muros em montes, o seu velho e puído madeiramento em pilhas e, às soltas pelos
17
Trecho de “A antiga cidade”, um texto rico em descrições da feição colonial do Rio de Janeiro nos anos 1870,
bem antes das transformações urbanísticas que fizeram dela uma cidade moderna. O autor fala de pessoas,
objetos e práticas da cidade, e fornece material para um artigo nosso (NAVARRO; CARVALHO, 2012).
33
escombros, retalhos de papéis vários, como pedaços de pele. / [...] / Em uma das
paredes do que fora o meu quarto restava uma cruz em mancha. Era a sombra do
crucifixo que velava à minha cabeceira. / As próprias paredes têm memória... / [...] /
E os lugares da casa, os queridos lugares!... / Ali ficava a mesa de jantar e, junto
dela, a cadeirinha em que mamãe cosia. Pouco adiante a preguiceira de lona, onde
papai, à noite, com a porta aberta à viração, dormitava o seu primeiro sono. / O meu
quarto, a minha cama de ferro, a minha mesa de estudo e o campo de manobras dos
meus soldadinhos de chumbo. / E junto à janela, onde oscilava a gaiola do canário,
era o reino encantado da velhinha que, no silêncio das horas recolhidas, me falava de
gênios, príncipes e fadas e das maravilhas das Mil e uma noites. / Rolaram vigas
com estrondo, toda uma parede aluiu. E a casa, pouco a pouco, ia revertendo ao pó,
como um corpo humano. / Pobre cantinho de saudade! Canto da minha pobreza
feliz! Ninho dos meus primeiros sonhos! Casa dos meus pais... Meu lar!... / [...] / Por
que havia eu de passar naquela rua justamente no dia em que se desmantelava às
mãos dos homens o agasalho carinhoso de onde saí de coração puro e olhos
inocentes para as tempestades da Vida?! (COELHO NETTO, 2010, p. 96-98).
Sobre a vida escolar, de que já tocamos em alguns pontos, Coelho Netto (2010, p.
19-20) conta seu primeiro contato com aquele universo:
[...] / Um dia, porém, cortaram-me os cabelos dizendo-me que assim faziam porque
era tempo de eu entrar no colégio. / O colégio!... / Pois era aquele casarão escuro e
úmido? Era ali que eu devia aprender, com um homem carrancudo, sempre a ralhar,
a ameaçar os alunos, chamando-os, de instante a instante, a bolos? Alguns havia tão
pequeninos, que, ao se apresentarem para o castigo, estendiam ao mestre as mãos
ambas, e, ainda assim, sobrava palmatória. / Era aquilo o colégio! Uma sombra
cresceu diante de mim, e pus-me a chorar com medo. / À tardinha, ao sair, outra me
pareceu a cidade, outro o céu, outra a gente. / Um menino, mais forte do que eu, não
me lembro por que, agarrou-me com brutalidade, rugindo-me insultos, levou-me
d’encontro à parede e esmurrou-me, rasgou-me a roupa e foi-se a rir bravamente,
deixando-me a chorar. / Ao chegar à casa, roto, desalinhado, com a ardósia partida,
disse a verdade. Não me deram crédito e ainda me castigaram. / Foi essa a primeira
injustiça que sofri. / [...]
Essa escola corresponde ao Colégio Jordão, que ele próprio coloca em primeiro
numa sequência de três: “Entro para o Collegio Jordão, depois para o Mosteiro de São Bento,
e finalmente para o Pedro II, onde fiz o curso de humanidades” (A NOITE, 25 jul. 1925, p.
1).18 “Tudo isso sob o estímulo direto e o patrocínio econômico da sua mãe”, emenda Dantas
(s.d., p. 21). Destacamos o ingresso no Colégio D. Pedro II com uma pequena reflexão. Em
sua tese, Cunha Júnior (2008), estudando essa instituição, de sua fundação (1837) até a década
de 1880, mostra que seu objetivo principal, até o final da década de 60, era oferecer uma boa
formação secundária à jovem elite brasileira, aspirante aos principais postos de comando no
Império; e que, a partir da década de 70, o colégio permitiu acesso a grupos emergentes,
18
Não investigamos esses dois primeiros colégios, mas depreendemos que o Colégio Jordão seja “a escola
púbica” citada por Coelho Netto (2010, p. 78), já que não bate com o perfil do Mosteiro de São Bento, que Paulo
Coelho Netto (1942, p. 23) disse ser “um curso particular, na rua do Riachuelo”. No Correio Paulistano (29 nov.
1934, p. 3), está dito que Henrique entrou para o Colégio Jordão em 1871, saindo um ano depois “por motivo de
molestia que o forçou a interromper os estudos” (o que deve coincidir com a ida aos Trapicheiros), e
matriculando-se no Mosteiro de São Bento em 1873.
34
favorecendo, assim, a renovação da elite brasileira e do próprio Estado nacional. Isso explica
como um menino nas condições socioeconômicas de Henrique conseguiu prestar exame, ser
aprovado e matriculado no referido colégio, em 1879.
Passados esses primeiros tempos, após percebermos as principais influências que
sofreu de familiares e agregados, das paisagens, brincadeiras, histórias populares e de livros,
da pobreza material e da formação de uma intelectualidade que começa a construir-se
precocemente, é tempo de vê-lo crescer, e sua trajetória doravante terá outros ambientes.
1.2 A CONDIÇÃO INTELECTUAL – CONCEITOS
Sem querermos adentrar os conceitos etimológicos e socioculturais de termos
equivalentes ao ser pensante dentro da sociedade, ao longo do tempo, preferimos refletir
sobre a condição dita intelectual a partir de conceitos de autores do século XX.
“Todos os homens são intelectuais, poder-se-ia dizer: mas nem todos os homens
desempenham na sociedade a função de intelectuais”. Esta é uma das primeiras observações
que o filósofo político Antonio Gramsci (1982, p. 7) faz n’Os intelectuais e a organização da
cultura. E chamando a atenção para aqueles que desempenham essa função na sociedade,
Gramsci (1982) os distingue à luz de dois conceitos: a) o intelectual orgânico, que emerge das
classes sociais de seu pertencimento, às quais se liga pelo discurso, atuando como seu portavoz; e b) o intelectual tradicional, que se vincula a um determinado grupo social ou
instituição, defendendo interesses particulares comuns aos seus membros. Para Gramsci, o
primeiro tipo tem mais autonomia no exercício de sua função e está mais apto a falar em
nome de uma coletividade maior.
Outro importante doutrinador da matéria é o filósofo Jean-Paul Sartre, com seu
conceito de intelectual engajado, o sujeito pensante que se envolve com as questões de seu
tempo. Falando da condição do escritor, por exemplo, diz Sartre (1993, p. 20): “O escritor
‘engajado’ sabe que a palavra é ação: sabe que desvendar é mudar e que não se pode
desvendar senão tencionando mudar”. Lembra a 11.ª tese de Marx sobre Feuerbach. 19 O papel
do escritor engajado seria, primeiramente, provocar as pessoas à consciência do mundo: “a
função do escritor é fazer com que ninguém possa ignorar o mundo e considerar-se inocente
diante dele” (SARTRE, 1993, p. 21). Esse processo seria como uma espada que primeiro
19
“Os filósofos têm apenas interpretado o mundo de maneiras diferentes, a questão é transformá-lo” (MARX,
1984, p. 111).
35
transpassasse o próprio intelectual, tocado na sua “consciência infeliz” 20, uma espécie de
“aberração” contestadora oposta a uma “consciência feliz”, que é o misto de ignorância e
conformismo em relação ao mundo e à condição humana no mundo. O intelectual seria um
ser um tanto monstruoso, na sua contestação aos valores e ao regime vigentes. A ele caberia,
então, a incumbência de entregar essa “consciência infeliz” à sociedade, colocando-se em
oposição às forças que tendem a conservar essa mesma sociedade em estado letárgico de
ignorância e impotência. Para Sartre, o intelectual engajado é um intelectual militante.
Norberto Bobbio (1997), jurista, filósofo político e historiador do pensamento
político, a seu turno, enfatiza que o que caracteriza os intelectuais na sociedade é o seu “poder
ideológico”21, e releva neles a questão da “responsabilidade”, tida como algo mais importante
até do que o engajamento em si: “[...] importa não que o homem de cultura se engaje ou não
se engaje, mas por que coisa ele se engaja ou não se engaja e de que modo ele se engaja,
assumindo todas as responsabilidades da sua escolha e das conseqüências que dela derivam”
(BOBBIO, 1997, p. 100). A noção de engajamento, para Bobbio, portanto, é uma questão
sumamente ética, pois o que vale não é o engajamento em si, mas a sua motivação e a sua
forma. Há, por exemplo, causas impertinentes pelas quais seria melhor que o intelectual não
se engajasse. Os intelectuais devem ser julgados, assim, pela sua responsabilidade.
Já com o historiador Jean-François Sirinelli (2010, p. 231-269), especialista em
história intelectual e política, vemos, inicialmente, os intelectuais como atores do político, que
podem ser vistos sob duas acepções distintas: a) uma ampla e sociocultural, na qual os
intelectuais aparecem como produtores e mediadores culturais, e aqui se incluem os
escritores, os jornalistas, os professores secundários e os eruditos; b) outra estreita ou restrita,
baseada na noção de “engajamento” na vida da cidade (como ator, testemunha ou
consciência), na qual os intelectuais são vistos a partir de sua atuação política, na condição de
especialistas, e são assim reconhecidos publicamente. Sirinelli (2010, p. 243) diz que esta
segunda acepção não é autônoma da primeira, já que ambas são elementos de natureza
sociocultural, e que é “sua notoriedade eventual ou sua ‘especialização’, reconhecida pela
20
“Se a sociedade se vê, e sobretudo se ela se vê vista, ocorre, por esse fato mesmo, a contestação dos valores
estabelecidos e do regime: o escritor lhe apresenta a sua imagem e a intima a assumi-la ou então a transformarse. E de qualquer modo ela muda; perde o equilíbrio que a ignorância lhe proporcionava, oscila entre a vergonha
e o cinismo, pratica a má-fé; assim o escritor dá à sociedade uma consciência infeliz, e por isso se coloca em
perpétuo antagonismo com as forças conservadoras, mantenedoras do equilíbrio que ele tende a romper”
(SARTRE, 1993, p. 65).
21
“Embora com nomes diversos, os intelectuais sempre existiram, pois sempre existiu em todas as sociedades,
ao lado do poder econômico e do poder político, o poder ideológico, que se exerce não sobre os corpos como o
poder político, jamais separado do poder militar, não sobre a posse de bens materiais, dos quais se necessita para
viver e sobreviver, como o poder econômico, mas sobre as mentes pela produção e transmissão de ideias, de
símbolos, de visões, de ensinamentos práticos, mediante o uso da palavra [...]” (BOBBIO, 1997, p. 11).
36
sociedade em que ele vive – especialização esta que legitima e mesmo privilegia sua
intervenção no debate da cidade –, que o intelectual põe a serviço da causa que defende”.
Os intelectuais, para Sirinelli (2010, p. 242-244), atuam num meio polimorfo e
polifônico, ou seja, existem diferentes processos que definem a sua atuação, pois não atuam
de forma unificada, conquanto possam unir-se num eixo comum: “Todo grupo de intelectuais
organiza-se também em torno de uma sensibilidade ideológica ou cultural comum e de
afinidades mais difusas, mas igualmente determinantes, que fundam uma vontade e um gosto
de conviver”. E complementa: “São estruturas de sociabilidade difíceis de apreender, mas que
o historiador não pode ignorar ou subestimar” (SIRINELLI, 2010, p. 248).
Dizendo haver estruturas de relações sociais que sustentam a intelectualidade,
Sirinelli (2010, p. 248) afirma que “O meio intelectual constitui, ao menos para seu núcleo
central, um ‘pequeno mundo estreito’, onde os laços se atam”. Exemplos elementares estariam
em redações de jornais, revistas, salões, etc., lugares onde essas sociabilidades ocorrem. Tais
relações envolvem a amizade e a atração, e permitem e favorecem o ingresso e a manutenção
de indivíduos dentro de círculos intelectuais. O seu revés (inimizade, hostilidade, perseguição,
etc.) também pode ser engrenagem da mesma máquina. Ainda sobre a ideia de sociabilidade,
Sirinelli (2010, p. 252-253) entende que tal conceito se reveste também de outra dupla
acepção: a) a de redes, que estruturam e conectam essas sociabilidades; b) e a de microclimas,
que caracterizam microcosmos intelectuais particulares, escondidos dentro dessas redes. Ou
seja, envolvem tanto relações sociais entrecruzadas (quando o intelectual pode ser visto em
meio a um universo intelectual maior); como os contextos de produção intelectual e as
peculiaridades dos intelectuais, que os fazem diferentes uns dos outros (quando o intelectual
pode ser visto isoladamente). É fundamental tentar entender a lógica dessas relações, para se
compreender a própria produção intelectual como objeto da história.
Por fim, o historiador André Botelho (2002, p. 163) observa, quanto ao recrutamento
de intelectuais pelo poder político, que “até a Primeira República, esses intelectuais dependem
fundamentalmente das redes de relações sociais e familiares, enquanto na década de 1930,
exige-se que possuam outros distintivos, como os diplomas escolares [...]”. Coelho Netto,
como intelectual típico da Primeira República, sem herdar prestígios de família (e sem
ignorarmos eventuais esforços e qualidades), valeu-se de influentes relações para alcançar
posições de relevo sociocultural, construindo um prestígio para seu nome, sem abalar-se pela
falta do diploma, que lhe escapou das mãos, como outros intelectuais do período, que também
37
não possuíam o distinto canudo (Machado de Assis, Olavo Bilac, Lima Barreto, Humberto de
Campos, etc.).
Sendo Coelho Netto um dos principais intelectuais brasileiros do seu tempo, como
escritor, jornalista, orador e político, sua condição intelectual, à luz dos conceitos acima,
apresenta-se-nos multifacetada: I) empenhado em importantes causas, pela Abolição e pela
República, pela defesa da pátria (nação), do meio ambiente (causa a que não se deu tanta
importância no seu tempo), dos esportes, etc., o que o aproxima do intelectual engajado, de
Sartre; II) intimamente ligado a instituições conservadoras, como a Academia Brasileira de
Letras e a Liga da Defesa Nacional, o que o enquadra no perfil do intelectual tradicional, de
Gramsci; III) assumindo o encargo de fomentar a educação e a cidadania, especialmente em
crianças e jovens, na condição de professor (em várias escolas) ou através de livros de
educação moral e cívica, manuais (como o Breviário cívico) e discursos, esperando que o
corolário dessa incumbência fosse uma sociedade melhor, e isto lembra o ideal de
“responsabilidade” do intelectual, conforme Bobbio; IV) ligado a estruturas de sociabilidades
desde a faculdade de Direito, passando pela boemia carioca e especialmente os jornais e a
Academia, logrando amizades com grandes intelectuais e políticos brasileiros, ou ainda
focado no seu microcosmo, onde ele é visto como um autor peculiar, tanto no estilo quanto na
produção densa e eclética, e isto nos lembra Sirinelli.
1.3 EXPERIÊNCIAS INTELECTUAIS EM SÃO PAULO, RECIFE E RIO DE JANEIRO
Nos tempos de faculdade. Jovem promissor e de espírito inquieto, Henrique queria
trilhar o caminho das letras. Sua primeira tentativa foi logo aos 17 anos, com o poema “No
deserto”, que teve de pagar para vê-lo publicado numa coluna do Jornal do Commercio (17
dez. 1881), dedicado ao médico e literato abolicionista Melo Morais Filho (1844-1919), a
quem não conhecia pessoalmente. Havia naquele poema, imprensado entre anúncios e sem
nenhuma repercussão, indícios de um abolicionista em formação (PEREIRA, 2000, p. 15-16).
Concluídos os estudos secundários, encaminhou-se para os estudos superiores. No
começo, pensou numa área de grande prestígio social naquele tempo: a Medicina. Ingressou
na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro22, em 1882; “não simpatizando, porem, com o
anfiteatro, deixou-a, preferindo à Patologia a Jurisprudência” (COELHO NETTO, P., 1942, p.
22
Instituição fundada por D. João VI, em 1808, hoje integrada à Universidade Federal do Rio de Janeiro.
38
23). A causa aparentemente banal da desistência da carreira médica revela, entretanto, um
subterfúgio diante da incompatibilidade: ele preferia mesmo a área de humanidades.
Rumou para o Direito, área também prestigiada e percurso de muitos intelectuais da
pena, como Gonçalves Dias e José de Alencar. Ele relata: “– Em 1883 sigo para São Paulo
para matricular-me na Faculdade de Direito.23 Dava-me a minha mãe a mesada de 70$” (A
NOITE, 15 jul. 1925, p. 1). A passagem de Coelho Netto por São Paulo, intercalando duas
vezes com Recife, foi muito importante no seu itinerário intelectual. Esse período é estudado
pelo historiador Leonardo Pereira (2000), em artigo no qual conta que, entre 1883 e 1885,
Coelho Netto participou da redação de diversos jornais acadêmicos, publicando contos e
sonetos inspirados nas causas contra a escravidão e a favor da República, inclusive
discursando em algumas tribunas, envolvendo-se em polêmicas causas estudantis e sofrendo
retaliações (reprovação no 1.º ano em São Paulo), ao bater de frente com o conservadorismo
austero da tradicional faculdade.24 O próprio Coelho Netto conta um caso:
Naquelle mesmo anno [1883] tive de partir para o Recife. É que eu me metti num
grande rôlo na capital paulista. Um jornal, a “Gazeta do Povo”, agrediu os
estudantes da Faculdade. Fui dos que tomaram a frente do desforço. Fiquei um tanto
incompatibillisado e segui para o Recife, onde fiz o primeiro anno (A NOITE, 15
jul. 1925, p. 1).
Numa das passagens pela Faculdade de Direito do Recife 25, onde foi cumprir o
tempo necessário para passar ao segundo ano, fez amizade com o filósofo, crítico, poeta e
jurista Tobias Barreto (1839-1889), fervoroso líder da Escola do Recife26, patrono da cadeira
n.º 38 da ABL. Não dá para mensurar nele a influência do eclético pensador sergipano, mas
Coelho Netto, nas páginas da revista Novela Semanal, em 1891, conta: “Pairava em todos nós
a figura inolvidável de Tobias, de quem fui íntimo... Nas minhas horas de isolamento
completo, vejo o grande mestre na minha retina [...]” (apud FONTOURA, 1944, p. 42).
Em São Paulo, os principais companheiros de faculdade de Coelho Netto (DANTAS,
s.d., p. 23) foram: Raimundo Correia (1859-1911), poeta e magistrado, nascido em águas
23
A Faculdade de Direito do Largo de São Francisco foi fundada em 1827, incorporada à Universidade de São
Paulo quando esta foi criada em 1934.
24
Outro trabalho interessante é a dissertação de Rita Margarida Toler Russo (1992), que analisa o processo
comunicativo do Coelho Netto abolicionista e aponta a importância histórica de sua obra em relação ao homem,
ao meio, à política e à cultura no contexto brasileiro do último quartel do século XIX.
25
A Faculdade de Direito do Recife nasce da antiga Faculdade de Direito de Olinda, fundada em 1827, e
transferida para a capital pernambucana em 1854. Hoje, integra a Universidade Federal de Pernambuco.
26
A “Escola do Recife” é o nome do movimento intelectual, surgido nas dependências da Faculdade de Direito
do Recife, em 1870, e que contou, além de Tobias Barreto, com nomes como: Joaquim Nabuco, Silvio Romero,
Clóvis Beviláqua, Capistrano de Abreu, Araripe Júnior, Graça Aranha, etc. Espaço maior de debates das regiões
norte e nordeste do país, a Faculdade, nessa época, abriu-se a discussões filosóficas e científicas vindas da
Europa. Segundo Sousa Bandeira, em depoimento a João do Rio (s.d., p. 86), foi Sílvio Romero quem pôs o
nome “Escola do Recife” naquele grupo, que vigorou de 1870 a 1874, mas com resquícios até os anos 1880.
39
maranhenses, um dos maiores nomes da poesia parnasiana do Brasil; Valentim Magalhães
(1865-1903), jornalista e escritor carioca, que preferiu os jornais à carreira jurídica, após
bacharelar-se; Augusto de Lima (1859-1934), jornalista, magistrado, jurista, professor e poeta
mineiro, além de ter sido deputado federal. Foram também seus confrades na ABL, os dois
primeiros como fundadores em 1897, e o terceiro ingressando na Casa em 1905.
O quarto nome, que merece ênfase, é o de Raul Pompeia (1863-1895), romancista
fluminense, também abolicionista, razão pela qual teve de terminar o curso no Recife. Sua
obra-prima é o romance O Ateneu (1888). É o patrono da cadeira n.º 33 da ABL. Na crônica
“Reminiscências”, Coelho Netto (1945, p. 87) manifesta gratidão a dois grandes literatos,
colegas de pensão: ”Devo muito a dois homens, que foram meus companheiros de casa, um
em São Paulo: Raul Pompéia; outro no Rio, Aluízio Azevedo”. Falemos de Pompeia.
Na crônica “Raul Pompeia”, publicada em A Noite (17 dez. 1925, p. 1), comentando
um trecho de Rodrigo Otávio sobre o fato de ele e Pompeia terem morado na mesma casa no
ano de 1884, Coelho Netto confirma a informação e relembra as rígidas condições do local:
Effectivamente habitei, com Pompeia, a casa da rua do Chá, pensão de um tal
Raphael, de Piracicaba, homem quasi cego, mas de olho vivo e nervos enfesados.
Argos mais vigilante que o da fabula, levantava-se, ás cinco da manhã, e de cigarro á
boca, remanchava pela casa, aos resmungos, fiscalisando o que se passava – desde o
procedimento dos inquillinos, pautado pela mais rigorosa disciplina moral, até o
cheiro dos refogados que rechinavam na cozinha. / [...] / Casa tremenda e cara.
Quarto, café de manhã, almoço às onze, jantar às cinco... 60$000 por mez, pagos
adeantados. / [...] Foi isso em fins de 1884, quando nos libertamos do cégo e das
suas farofias.
Conta ainda que, saídos dali, foram morar num chalé na Rua da Vitória, com mais
dois colegas: Carlos de Magalhães e Arthur Itabirano. Revela, nesse texto, alguns hábitos
estranhos e o temperamento difícil de Pompeia. Só para citar um caso, diz Coelho Netto:
De uma honestidade “mórbida”, certa vez, só por lhe haver eu observado vaga
semelhança entre uma das suas canções e um fragmento de Schopenhauer, franziu o
sobrolho e, encarando-me ferrenho, rosnou em voz surda: / – Pensa, você, talvez,
que plagiei, não é? / E, rapido, fremente, rasgou o papel, fel-o em migas, atirandoas, com despreso, á rua (A NOITE, 17 dez. 1925, p. 1).
Raul Pompeia, após alguns problemas e fracassos pessoais, recorreu ao suicídio, na
noite de Natal de 1895, aos 32 anos. Coelho Netto conta como foi o último encontro entre os
dois e, fugindo das polêmicas que pioraram o estado depressivo do romancista, atribui a
decisão final de Pompeia ao seu perfeccionismo:
40
O seu ideal era dar as “Canções” em edição de luxo, illustrada por elle proprio. Dias
antes da sua morte, visitando-me na rua Silveira Martins, ainda me falou desse
sonho. / Foi-se quando os anjos saiam do céo em côro e espalhavam-se no espaço
para anunciarem o Natal. Matou-o a ansia de perfeição. Convencido de que não a
encontraria na vida, foi-se a buscal-a... onde? Quem sabe lá! (A NOITE, 17 dez.
1925, p. 1).
Para Coelho Netto, todavia, as qualidades de Raul Pompeia eram-lhes motivo de
inspiração. Reconhecendo-o como grande escritor, afirma que ele muito o inspirou à erudição,
à leitura de autores clássicos: “Com o primeiro, que era sôfrego ledor, amanhecendo, muita
vez, debruçado sôbre livros, fiz, com enlevo, e parando diante dos gênios representativos de
todos os tempos e de tôdas as raças, uma longa viagem poética [...]”. E mais: “Pompéia era
um erudito: lia Homero no original e recitava Virgílio. Ouvi-lo no seu quartinho, pobre como
uma cela de trapista [...], era um encanto proveitoso”. Depois de falar de vários outros autores
que Pompeia lia (Goethe, Chaucer, Shakespeare, Theroulde, Hugo, etc.), de várias culturas
que conhecia, o autor de Mano reconhece: “Foi o homem que me preparou o espírito, que
andou comigo pelos dias heroicos, que acendeu em minh’alma a paixão do livro e fêz dos
gênios os deuses da minha religião” (COELHO NETTO, 1945, p. 88).
Se a passagem por São Paulo serviu para introduzi-lo nos jornais e nos debates
políticos sobre escravidão e sobre a mudança de regime, angariando importantes amizades, é
no Rio, porém, que encontrará ambiente favorável ao desenvolvimento da carreira literária
que escolheu, e um episódio fundamental nesse processo foi seu encontro com Patrocínio.
Em torno de Patrocínio. Após três anos de estudos e peripécias, habitando pensões
e chalés em São Paulo e Recife (onde voltou para fazer o 3.º ano), Coelho Netto, “Já seguro
do seu talento, abandona definitivamente a pretensão de fazer-se advogado, assumindo a
tentativa de tirar das letras o seu sustento” (PEREIRA, 2000, p. 36). Foi quando abandonou a
faculdade e resolveu voltar para o Rio, em 1885. Embora o período da faculdade tenha sido de
relevo na sua trajetória, ele não o considera algo excepcional: “Até ahi nada de importante.
Era uma vida mais ou menos egual a de qualquer estudante pobre. As minhas lutas vão
começar em 85” (A NOITE, 15 jul. 1925, p. 1). Na sequência, ele explica ao repórter:
- Aqui no Rio? / - Aqui no Rio. Fui ouvir pela primeira vez o Patrocínio. Fiquei
doido, doido, completamente doido. Resolvi deixar os estudos, deixar os sonhos de
doutor, para acompanhar o grande vulto. E fui com elle para a “Gazeta da Tarde”.
Mas a vida era dura, a “Gazeta da Tarde” esteve em serias difficuldades. Andei
saltando de jornal em jornal para ganhar o pão [...] (A NOITE, 15 jul. 1925, p. 1).
O entusiasmo do primeiro contato revela o papel importante que Patrocínio teve na
sua vida. No relato da Novela Semanal, de 1891, já citado, ele diz: “Só em 85 vim para o Rio,
41
onde, a convite de Patrocínio, me fixei, entrando a fundo na campanha abolicionista, com
prejuízo da minha carta de bacharel”. José do Patrocínio (1853-1905), filho de uma escrava
alforriada e de um cônego, foi farmacêutico, jornalista, orador e escritor carioca, conhecido
pela defesa veemente da causa abolicionista, militante negro que era, além de ter sido um dos
fundadores da ABL. Trabalhou ativamente pela causa abolicionista nas décadas de 1870 e
1880, ao lado de nomes como Joaquim Nabuco. Publicou o Manifesto da Confederação
Abolicionista (1883), dentre outras obras. Vencida a primeira batalha em 13 de maio de 1888,
viu-se tachado de “monarquista” ao se aproximar da Princesa Isabel, indispondo-se com
outros intelectuais (republicanos), além de embates políticos com Ruy Barbosa e Campos
Sales. Foi também perseguido, preso e degredado em Cucuí (Amazonas), por criticar
duramente, no seu jornal A Cidade do Rio, o presidente Floriano Peixoto, em 1892. No ano
seguinte, já em liberdade, foi proibido de editar o jornal, forçado a habitar num subúrbio. Nos
anos seguintes, sua participação política foi inexpressiva. Morreu pobre, enfermo e quase
esquecido, em 1905, aos 52 anos, no Rio de Janeiro (MAGALHÃES JUNIOR, 1969;
GUIMARÃES, s.d.).
Coelho Netto, com 21 anos, passa a seguir o líder negro, cujo discurso atraía muitos
outros jovens. Raimundo de Menezes (1957, p. 214), falando dos idos de 1887, escreve: “Lá
fora a batalha da Abolição empolga os espíritos. Patrocínio, com a palavra fogosa, tem rasgos
de eloquência embevecedora. Os moços literatos o acompanham: Olavo Bilac, Luís Murat,
Guimarães Passos, Paula Nei, Aluísio Azevedo, Coelho Neto e Pardal Mallet...”27 Na crônica
“José do Patrocínio”, em tributo póstumo a este, Coelho Netto (1945, p. 53-58) lembra as
virtudes e o último encontro com o amigo, homem jornalista por excelência: “Viveu no jornal,
morreu nêle e por êle” (p. 54).
A sua alma era a própria Liberdade. Não era político, não se filiava a partidos –
tinha um ideal e transigia com tudo para lhe não faltar com a lealdade. / Nos
combates sempre se colocava ao lado do mais fraco. A sua bandeira, espécie de
sudário, era feita com os farrapos ensagüentados das túnicas das vítimas e o seu
grito de guerra lembrava o “Ecce homo!” das Escrituras. / Homem de têmpora
formidável, valia por uma legião. Multiplicava-se na refrega surgindo em todos os
pontos – era com o artigo nervoso, que explodia como uma bomba ferindo com
esplendor; era com a palavra flamejante; era com a audácia temerária concitando à
revolta em nome dos direitos humanos; era com o patético quando despia, não a
deslumbrante Frinéia, mas a Escravidão, a sua humilde e dolorosa Amonaria,
vergastada sangrando por mil feridas, atada ao poste do suplício, os pés em grilhões,
as mãos em algemas, um colar de ferro ao pescoço (COELHO NETTO, 1945, p.
55).
27
Este trecho parece parafraseado de A Conquista: “Patrocinio, com a sua palavra fogosa, em reptos de
eloquencia, fazia a descripção da vida infeliz dos escravos [...]. Todos os moços acompanhavam-n’o: Octavio
Bivar, Luiz Moraes, Fortunio, Neiva, Ruy Vaz, Anselmo e Pardal [...]” (COELHO NETTO, 1928a, p. 386-387).
Veremos adiante que esses personagens representam figuras reais.
42
No último encontro, a forte impressão causada pela decadência física do amigo:
A última vez que o vi na rua do Ouvidor, à tarde, tive a impressão trágica de haver
encontrado a múmia de um grande homem. / Era o cadáver que vinha em visita aos
lugares amados. O espectro escapara do túmulo para rever os sítios em que
consumira a vida. / Sentia-se o esqueleto chocalhando sob as roupas frouxas: os
olhos rolavam nas órbitas alargadas, os dentes saíam-lhe da boca, à flor dos lábios
lívidos, as faces cavadas afundavam-se em depressões macilentas, a cor era terrosa
como se, efetivamente, aquêle corpo houvesse fugido da tumba, trazendo todos os
estigmas da morte como um galé que se evadisse com a blusa do presídio. / Ria – era
a caveira; falava, era o regougo (COELHO NETTO, 1945, p. 53-54).
Coelho Netto (1945, p. 56-57) diz que a fase derradeira da vida de Patrocínio viveu-a
este amargurado e sentindo o desprezo principalmente da população que ele ajudara a libertar,
como se fora um antítipo do patriarca Moisés em relação ao povo hebreu cativo no Egito:
Era o povo que o aclamara na véspera; era o povo, que êle tirara do Egito, que lá ia
esquecido do libertador, tendo olhos apenas para o que via, deslumbrado para o
espetáculo novo, sem lembrar-se de que, se ali chegara, devia principalmente ao
homem que, alhanando o caminho, o trouxera da humilhação para a grandeza. / [...] /
Para lhe não comentarem a pobreza, fugiu, abalsou-se, desapareceu e, como César
moribundo encerrou-se na choupana onde cobriu o rosto com a ponta do manto para
que o não vissem chorar, não a dor do punhal, mas a dor mais funda da ingratidão.
[...].
Patrocínio faleceu no dia 29 de janeiro de 1905, deixando ao amigo, acima de tudo, o
seu senso de humanidade: “E não se limitava a sua ação benéfica à pátria – o seu olhar
alongava-se pelo mundo – onde houvesse dor ou miséria, opressão ou injustiça aí se fixava,
para ali se encaminhava a sua oração”. E desfecha: “Não era soldado de uma falange, era um
campeão da Humanidade” (COELHO NETTO, 1945, p. 57). O autor do Sertão fez várias
homenagens a Patrocínio, a quem considerava “o baluarte formidavel do abolicionismo”
(COELHO NETTO, 1913, p. 170), em estudos, crônicas e orações, pediu ainda pela ereção de
um busto em homenagem ao seu mentor e foi amigo também do filho deste, José do
Patrocínio Filho (1885-1929), como mostram as cartas que compõem a sua Correspondência
passiva (1963, p. 164-167).
Boemia carioca. A boemia carioca é um fenômeno sociocultural dos anos 18801890, estudado pelos pesquisadores Elton Nunes e Leonardo Mendes (2008) num interessante
artigo a partir da narrativa dos romances A conquista (1897) e Fogo-fátuo (1929), de Coelho
Netto. A boemia surgiu em várias partes do mundo, tributária, sobretudo, dos embates
revolucionários de 1789 e 1848 na França. Associada principalmente à vida artística, nasce
como ideal antiburguês e com hábitos antiburgueses, embora os boêmios sejam, no fim das
contas, também considerados burgueses. Nunes e Mendes (2008, p. 85) afirmam:
43
Para Seigel, portanto, os boêmios também são burgueses, posto que jovens
burgueses. Ser boêmio, deste modo é, antes de tudo, se reconhecer boêmio. Para este
reconhecimento, íntimo e social, alguns traços os caracterizavam. Seigel caracteriza
os sinais externos dos boêmios de Paris como aqueles que usavam roupas
extravagantes, cabelos longos, vivem o momento como modo de vida, não têm
residência fixa, praticam a liberdade sexual, possuem entusiasmos políticos radicais,
consomem bebida, usam drogas, exibem padrões irregulares de trabalho e hábitos de
vida noturna. Desta forma, os dois campos de força – burgueses e boêmios –
ajudavam-se a definir um ao outro.
Com relação aos boêmios do Rio de Janeiro, Nunes e Mendes (2008, p. 94) dizem:
O grupo boêmio é um grupo social e artístico que se forma a partir de dado
momento e espaço histórico: o final do século XIX no Rio de Janeiro. Este é o
período no Brasil quando se dão importantes transformações políticas e sociais, tais
como a Abolição da escravidão (1888) e a Proclamação da República (1889). Tais
demandas sociais e políticas vinculam-se a um projeto de país moderno e a uma
proposta de modelo de sociedade que competiu com várias outras nesta “infância
republicana”.
Um dos pontos principais de encontro dessa boemia, que frequentava cafés e salões,
era a Rua do Ouvidor, que, segundo Silva e Mendes (2010), “se transformou na principal
artéria do centro do Rio de Janeiro. E tudo que lá acontecia irradiava para o resto do país”.
Sobre A Conquista e Fogo-fátuo, de Coelho Netto, o primeiro concentra-se nas
campanhas pela Abolição e pela República, enquanto o segundo retrata as desilusões do grupo
boêmio após essas conquistas, desenrolando-se pela década de 1890, mostrando a morte do
grupo, que se foi esfacelando, inclusive pelo falecimento de alguns boêmios, como Pardal
Mallet (1894) e Paula Nei (1897), este último representado em Neiva, o protagonista, cuja
morte desfecha o romance, que tem nome alusivo ao gás (fulgurante) que escapa das tumbas.
“Nos romances, os boêmios são cidadãos urbanos, frutos da modernidade, próximo da
multidão, do movimento, da noite” (NUNES; MENDES, 2008, p. 93).
Os personagens de A Conquista e Fogo-fátuo são representativos de personagens
reais e os enredos são construídos a partir da memória do autor. São estes os personagens e
seus correspondentes: Anselmo Ribas (Coelho Netto), Ruy Vaz (Aluísio Azevedo), Otávio
Bivar (Olavo Bilac), Luís Moraes (Luís Murat), Paulo Neiva (Paula Nei), Fortúnio
(Guimarães Passos), Pardal (Pardal Mallet), Patrocínio (José do Patrocínio), Artur (Artur
Azevedo), Estêvão (Estêvão Silva), Montezuma (Orozimbo Muniz Barreto), Rocha, o Alazão
(Henrique Rocha), Lins (Lins de Albuquerque)(COELHO NETTO, P., 1942, p. 219).
Aluísio Azevedo (1857-1913), irmão mais novo de Artur Azevedo, nasceu em São
Luís do Maranhão, foi romancista, caricaturista, jornalista e diplomata, fundador da cadeira
n.º 4 da ABL, autor de obras-primas, como O mulato e O cortiço, dentre outras. Faleceu em
44
Buenos Aires, quando trabalhava como diplomata no país vizinho. Coelho Netto consideravao um dos melhores amigos, desde os tempos de pensão no Rio. Em várias páginas de A
Conquista, Aluísio é figura constante, representado em Ruy Vaz. Coelho Netto (1928a, p. 2,
5), encarnando o jovem Anselmo, conta como conheceu o já famoso conterrâneo:
Assim imaginava Anselmo a casa de Ruy Vaz, á qual se dirigia pela primeira vez. /
Conhecera o romancista na rua do Ouvidor, dias antes, e ia vê-lo na intimidade do
gabinete, nas suas vestes maneiras do trabalho. / [...] / Justamente chegava diante da
janella que arejava e illuminava o retiro espiritual do romancista. Deteve-se e o
sangue, violentamente sacudido pelo choque duma grande surpreza, estuou-lhe no
coração. / Ó sonho! Ruy Vaz ali estava, não como um deus no santuario venerável,
mas homem, simples homem, modesto e pobre, entre moveis reles, de calças de
brim, camisa de sentinela aberta no peito, curvado sobre a bacia do seu lavatório de
vinhatico escovando os dentes com furia. / Ao centro da sala a mesa accumulada de
livros e de papeis, duas estantes de ferro, a cama ao fundo e as paredes núas,
tristemente núas como as da cella de um monge. / O estudante, passada a primeira
impressão, sentiu-se á vontade [...].
Coelho Netto conta, ainda no romance, a forma como decidiram dividir a pensão, as
muitas dificuldades financeiras que enfrentaram, por vezes fome e outras privações, além de
cenas pitorescas como a que Ruy Vaz pede os sapatos de Anselmo emprestados para ir a um
encontro, deixando o colega sem poder sair de casa. Sobressaem na narrativa idas e vindas à
rua do Ouvidor, visitas constantes a cafés e botecos, discussões sobre literatura, arte e política,
além das campanhas pelas quais se engajaram naquele tempo. Paulo Coelho Netto (1942, p.
97) diz que “Foi sob a inspiração de Aluisio Azevedo que Coelho Netto ingressou nos seus
dois gêneros literários prediletos: o romance e o conto”.
Aluísio abandonou a carreira literária em 1895, para seguir a diplomacia. Serviu em
vários países (Espanha, Inglaterra, Itália, Japão, Paraguai e Argentina). Quando saiu a notícia
de sua nomeação para a carreira diplomática, Coelho Netto encontrou-o e correu a
parabenizá-lo e às letras nacionais, pois agora ele teria condições melhores para escrever.
Aluísio, porém, respondeu-lhe como quem desprezava a carreira que até então tivera: “- Que!
Romances, contos?... está doido. Vou ser cônsul e nada mais. De literatura estou farto. Achas
que sofri pouco. Vou viver um bocado, gozar a vida a relógio [...]” (apud COELHO NETTO,
1945, p. 91). Alguns anos depois, encontraram-se novamente, na Avenida. Aluísio retornava
de Gênova, entediado. Entraram na Brahma e foram tomar uma garrafa de Caxambu e
relembrar velhos tempos. Coelho Netto fala de seus ensaios literários:
- Devo-te o método, meu caro Aluízio.
- Pois olha, preferia que me devesses outra coisa. Que diabo lucraste tu com o tal
método. Tens alguma coisa? uma casa, apólices, dinheiro no banco? Tens livros.
Que é isso? Tu és um dos meus grandes remorsos. Se me não houvesses encontrado,
45
vindo morar comigo e adquirindo, por contágio, a minha mania, não terias deixado
S. Paulo e serias hoje, quem sabe lá! um advogado com escritório famoso ou
magistrado [...].
- E tu? Que tens feito?
- Eu? escrevi umas coisas sobre o Japão. Não sei. Talvez um dia apareçam... Mas
ouve cá: A casa em que moras é tua?
- Não. Ele pigarreou, acendeu um charuto, e, encarando-me com um ar muito
superior, disse-me batendo-me no ombro: Isso é mau... Já devias ter comprado a
casa... Tens filhos... E levantou-se. Despedimo-nos. Tive a impressão de que aquele
homem não era Aluízio, o meu companheiro na casa da rua Formosa. Não era. [...].
Não... Aquêle não era Aluízio... [...]. Mas onde e de que teria morrido o grande
escritor? (COELHO NETTO, 1945, p. 91-92).
Apesar da má impressão desse encontro, os dois foram amigos até o fim, como
mostram as correspondências de Aluísio para ele, algumas enviadas do exterior, nas quais
demonstra muito afeto pelo “amigo e camarada” de quem evoca saudades, longe da aparente
arrogância que se mostra no relato acima (CORRESPONDÊNCIAS..., 1963, p. 206-207).
Olavo Bilac (1865-1918). Jornalista e poeta parnasiano nascido no Rio de Janeiro,
fundador da cadeira n.º 15 da ABL, escolhendo como patrono Gonçalves Dias. Autor de
diversos livros de poesias, contos, crônicas e educação moral e cívica, Bilac foi o primeiro
poeta eleito “Príncipe dos Poetas Brasileiros”, no ano de 1907, em concurso feito pela revista
Fon-Fon. Trabalhou em diversos jornais e, nacionalista apaixonado, foi um dos maiores
entusiastas da Liga da Defesa Nacional, instituição criada em 1916, onde foi Secretário-Geral.
Um de seus livros mais conhecidos é o livro de instrução moral e cívica para crianças Através
do Brasil, que escreveu em colaboração com Manuel Bomfim.
Bilac talvez tenha sido o melhor amigo de Coelho Netto, quase um irmão, amizade
que talvez só tenha encontrado rivalidade na que Coelho Netto teve com Euclides da Cunha
(1866-1909). Da longa amizade entre Bilac e Coelho Netto, que eternizou o amigo em Bivar,
personagem de A Conquista e Fogo-fátuo, teríamos diversos textos a citar, tão lembrado foi
nos escritos coelhonettianos. Dispensando-nos da tarefa, citamos apenas que os dois amigos
foram coautores de alguns livros voltados para o público infanto-juvenil: A terra fluminense
(1898), Contos pátrios (1904), Teatro infantil (1905) e Pátria brasileira (1909), livros que
tiveram dezenas de edições, especialmente o segundo e o quarto.
No “Adeus da Academia a Bilac”, proferido em 29 de dezembro de 1918, um dia
após a morte do poeta, Coelho Netto (1919b, p. 290), entre tantas palavras, relembrou: “Deixa
que eu me lembre os annos que vivemos juntos, tão claros e felizes apezar de pobres; tão
alegres, apezar de difficeis, porque foram como alamedas de espinheiros floridos [...]”.
Dos outros companheiros de boemia, relevados nos romances autobiográficos de
Coelho Netto, citamos ainda: Francisco de Paula Nei (1858-1897), advogado e jornalista
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cearense, eternizado no personagem Paulo Neiva, protagonista de Fogo-fátuo. Pardal Mallet
(1864-1894), jornalista e romancista gaúcho, autor de seis trabalhos, sendo o mais conhecido
o romance O hóspede. Foi escolhido como patrono da cadeira n.º 30 da ABL, cujo fundador é
Pedro Rabelo. Luís Murat (1861-1929), jornalista, poeta e político fluminense, fundador da
cadeira n.º 1 da ABL, escolhendo como patrono Adelino Fontoura. E Guimarães Passos
(1867-1909), jornalista e poeta nascido em Alagoas e falecido em Paris. Fundou a cadeira n.º
26 da ABL, escolhendo como patrono o poeta e também boêmio Laurindo Rabelo.
Desilusão com os rumos da infante República. Alfredo Bosi (2008, p. 196-197) vê
nesse período posterior aos eventos de 1888 e 1889 uma apatia quase generalizada entre os
intelectuais, que ficaram como que sem ter por que lutar: “Alcançadas as metas políticas da
Abolição e do novo regime, a maioria dos intelectuais cedo perdeu a garra crítica de um
passado recente e imergiu na água morna de um regime ornamental, arremedo de belle époque
européia e claro signo de uma decadência que se ignora”. Seria esta a razão de Coelho Netto
ter sido contaminado pelos apuros da língua portuguesa e dos ideais estéticos da Grécia e do
Oriente, superestimando a forma da sua escrita em detrimento do conteúdo de suas ideias.
Esta acusação vigora desde José Veríssimo, passando por Alceu Amoroso Lima,
Lúcia Miguel-Pereira, etc., até autores mais recentes, enraizando-se na crítica canônica de um
modo geral, crítica essa que não se esquecerá de tocar na ferida do verbalismo e do
helenismo-orientalismo do escritor maranhense. Bosi (s.d., p. 75-85), por exemplo, deixou-se
ficar na estruturação binária de documento (matéria) e ornamento (forma), apontando Coelho
Netto como retido nessa relação dicotômica que teria comprometido a sua obra, ou seja, que
nela havia tanto o interesse pelo histórico, quanto a rigidez do estilo rebuscado.
Nicolau Sevcenko (2009), em Literatura como missão, tese publicada em 1983,
estuda o papel do intelectual brasileiro diante das transformações socioculturais, políticas e
econômicas da virada do século XIX às primeiras décadas do século XX, cobrindo o período
conhecido como República Velha. Elege Euclides da Cunha e Lima Barreto – ainda que
diametralmente opostos quanto à concepção de literatura, arte, ciência e política – como
autores portadores de um projeto literário de país, revelador das contradições históricas
brasileiras: “[...] dois projetos altamente articulados de concepção de comunidade nacional, a
partir de um padrão mais humano, que, no entanto, tomaram rumos contrários” (SEVCENKO,
2009, p. 146). Coelho Netto, por exemplo, visto como autor por excelência do espírito
dominante na chamada Bélle époque, teria seu projeto literário comprometido por certa
complacência para com a burguesia, procurando agradá-la. Daí que na oposição que faz dele
em relação a Lima Barreto, Sevcenko (2009, p. 196) não o poupará:
47
Lima insistia em que as preocupações gramaticais e estilísticas não deturpassem a
naturalidade dos personagens, nem fantasiassem a naturalidade os cenários. A
instância procedia, pois o período era dominado por duas vogas literárias que,
ambas, convergiam para o estiolamento das produções artísticas, minando-lhes a
vitalidade e calcificando o seu conteúdo e força de impacto. De um lado, o
parnasianismo, oco e ressonante, representado pelo formalismo exacerbado de
Coelho Netto, para quem “as palavras eram a própria substância da sua arte”. De
outro, a linguagem castiça e empolada, representando o “clássico”, forma de
composição calcada em expressões cediças e repontada de figuras de efeito,
resultando numa algaravia anacrônica e de mau gosto, de amplo consumo entre
políticos, bacharéis e pretensos intelectuais.
Recentemente, porém, um grupo de pesquisadores da UERJ, com destaque para o
professor Leonardo Mendes, fugindo a estruturações binárias e tantas outras que privilegiam a
crítica da forma, tem de algum modo renovado as perspectivas de pesquisa da obra
coelhonettiana, através de artigos sobre temas interessantes que não tiveram a devida atenção
na ficção do romancista maranhense. Lembrando que outros dois grandes estudiosos da
referida obra já haviam dado sua contribuição para a redescoberta de Coelho Netto: Brito
Broca (1903-1958) e Otávio de Faria (1908-1980). No Maranhão, é de se constar o nome do
historiador Eulálio de Oliveira Leandro, que tem organizado trabalhos com temáticas
coelhonettianas como: o negro, a ecologia, a cidadania e a mulher.
Tal apatia intelectual, anunciada por Bosi, parece não se coadunar com a visão crítica
que Coelho Netto demonstra transpor aos seus romances ambientados no período pós-1889.
Três deles ilustram bem a desilusão com que os intelectuais, egressos da boemia carioca, viam
os rumos que a República brasileira tomara em sua primeira década, poluída pelos espectros
do autoritarismo (especialmente no governo Floriano Peixoto) e dos interesses escusos das
oligarquias regionais penetrados no Estado. “O desespero e a desilusão nascem precisamente
de uma promessa intensamente vivida e sofrida” (ROSENFIELD, 2009, p. 72). A recusa às
“promessas utópicas de uma sociedade perfeita”, como esperavam alguns pugnadores do
regime republicano, obriga-os agora a pensar o presente da sociedade em razão das
possibilidades concretas de mudanças, e isso indica a transformação de um imaginário
político (ROSENFIELD, 2009, p. 72). Por outro lado, a mera exposição dos equívocos do
novo regime, sem a devida fé nas mudanças, poderá gerar um pessimismo fácil de ser
confundido com a apatia que Bosi acredita ter sido a tônica daquele período. Os três romances
em questão são estes: Miragem (1895), O morto (1898) e Fogo-fátuo (1929).
Miragem. Romance de feição aparentemente romântica, narra a história de Tadeu,
um rapaz fraco e enfermiço, que logo se vê na responsabilidade de assumir a condição de
homem da casa, quando seu pai – homem forte – falece, deixando desamparados ele, sua irmã
e sua mãe. A história se passa em Vassouras (RJ). Tadeu projeta a sua vida como por
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miragem: sai de casa como quem foge ao deserto e espera regressar triunfante como quem
encontra um oásis. Alistado ao exército, finca-se no Rio de Janeiro. Ali, presencia a cena
clássica da proclamação da República, com Deodoro no centro das atenções. Depois, segue
em missão militar ao Mato Grosso, onde presencia a miséria que a Guerra do Paraguai deixou.
Ali, conhece uma mulher, com quem tem um filho. Depois de abandonar a ambos, volta ao
Rio, sendo pouco depois dispensado do exército por causa da tísica que lhe rói o peito. De
volta a Vassouras, a tragédia pessoal se consuma: encontra vendida a casa paterna; sua mãe é
uma mulher tresloucada e alcoólatra, que nem mais o reconhece; e sua irmã uma mulher
deflorada na mão dos homens. Tadeu, sentindo fundo o seu fracasso e agravado pela
tuberculose, morre desconsolado (COELHO NETTO, 1909).28
Miragem mereceu elogios críticos de vários autores, entre os quais citamos Araripe
Júnior (1960, p. 262-266), que elogiou o autor como hábil retratista e como cronista histórico,
e Machado de Assis, que escreveu em A Semana, do dia 11 de agosto de 1895:
Como não se há de escrever história política, aqui está Coelho Neto, romancista, que
podemos chamar historiador, no sentido de contar a vida das almas e dos costumes.
É dos nossos primeiros romancistas, e, geralmente falando, dos nossos primeiros
escritores; mas é como autor de obras de ficção que ora vos trago aqui, com o seu
recente livro Miragem. Coelho Neto tem o dom da invenção, da composição, da
descrição e da vida, que coroa tudo. [...] Os personagens vivem, interessam e
comovem [...] (ASSIS, 1959, p. 418-419).
Visão oposta à que teve José Veríssimo (1977, p. 10, 12), que só lhe notou defeitos:
E a sua impressionabilidade mais de uma vez, em Miragem, que para mim continua
a ser o seu melhor livro [...]. Mas a virtuosidade, o diletantismo domina afinal no Sr.
Coelho Neto a naturalidade da sua inspiração e a desvia do seu curso genuíno. [...]
sente-se que esta mistura incoerente de tendências estéticas não é nele o resultado do
ecletismo contemporâneo, mas antes o efeito de um engenho que se compraz em
experimentar-se em modos e gêneros diversos. / [...] / Não quero outro exemplo que
Miragem, talvez o melhor, onde há uma parte, e extensa, que parece ter sido escrita
apenas para alongar o volume, sem nenhuma relação útil, e menos necessária, com a
ação.
Com uma interpretação completamente diversa, os pesquisadores Leonardo Mendes
e Renata Vieira (2009), no seu artigo A República manca: Miragem, de Coelho Neto e o
naturalismo da desilusão, encontram indícios de que o romance seria, na verdade, uma
metáfora da desilusão com os rumos tomados pela República. Tais pesquisadores, fugindo à
28
Coelho Netto, na revista O Malho, 21 abr. 1928 (COELHO NETTO, P., 1942, p. 261), respondendo aos
críticos que diziam que Miragem era um romance de feição romântica/idealista, inventado sem conexão com a
realidade de Vassouras, informa que a história foi baseada em fatos reais, inclusive diz que manteve os mesmos
nomes dos personagens reais, acrescentando apenas as cenas da proclamação da República, que o próprio
escritor presenciou. Lembrando que D. Gaby, a esposa de Coelho Netto, era da cidade de Vassouras.
49
categoria teórica consagrada em nosso cânone literário, avisam ter encontrado uma categoria
melhor para analisar o romance: “Na busca de uma leitura que escape a essa dicotomia,
documento versus ornamento, ratificada pela crítica canônica, encontramos a categoria
‘naturalismo da desilusão’, de David Baguley” (MENDES; VIEIRA, 2009, p. 76).
Baguley chama de “naturalismo da desilusão” a narrativa do fim do século XIX que
articula ficcionalmente uma crise de autoridade da modernidade. O naturalismo
desiludido tem menos confiança na razão, na ciência e no progresso e tem como
foco de interesse as experiências de frustração e desamparo. O “enredo circular”,
aquele que devolve os personagens à situação inicial e expõe a futilidade de seus
esforços, era uma maneira de romper com o épico e com a “propositividade” da
narrativa (e da civilização moderna). São histórias que levam a lugar nenhum e que
isolam a parcela da verdade mais banal, estéril e perturbadora da existência
(MENDES; VIEIRA, 2009, p. 77).
Compreendendo Miragem no contexto da crise político-institucional que levou à
instauração da República, e as desilusões sentidas pelo grupo boêmio supracitado, Mendes e
Vieira (2009, p. 77) não têm dúvida: “Poderíamos dizer que Miragem é o romance sobre a
frustração da geração de Coelho Neto com a república”. Tadeu, o protagonista, seria um
“herói manco”, “personagem castrado simbolicamente”, e sua associação “com a ideia de
república – que promoveria o Brasil a uma nação democrática pós-império por meio da
Proclamação –, deve nos sugerir que os sonhos do protagonista e do país foram irrealizados”
(MENDES; VIEIRA, 2009, p. 78). O ato mais simbólico dessa desilusão seria o desmaio de
Tadeu, com jorros de sangue pela boca, no exato momento em que Deodoro cavalgava em
triunfo pela Rua do Ouvidor em 15 de novembro de 1889. Mendes e Vieira (2009, p. 80)
visualizam na obra algo que, de certa forma, antecipava tendências modernistas:
“Compreendendo essa ficção sobre o nada como uma estratégia narrativa, arrojada, moderna e
transgressiva, que só seria realmente compreendida e apreciada no modernismo, encontramos
a ousadia de Coelho Neto de romper com o épico”.29 E assim encerram o artigo:
O romance Miragem revela um Coelho Neto arrojado, moderno e transgressivo, bem
diferente da avaliação detratora da crítica canônica. No modernismo, o fim da
narratividade marca o fim da crença no progresso da civilização moderna (WOOLF,
1984). Mas essa desconfiança já era exibida por Coelho Neto na sua estreia, em
1893, no romance A capital federal. A falta de fé cega na Era Moderna possibilitou
Coelho Neto configurar uma ficção sobre o nada. Nada se alcança ou se compreende
em Miragem. A invisibilidade do romance na tradição literária brasileira sugere um
axioma da crítica: é fácil julgar que um romance sobre o nada não vale nada
(MENDES; VIEIRA, 2009, p. 81).
29
Outro romance de Coelho Netto que estaria em franco diálogo com a modernidade é Esfinge, de 1908,
conforme a dissertação de Cláudia Maydana (2010). Esse romance, de feição simbolista e decadentista, é
considerado um dos pioneiros na ciência gótica, literatura fantástica e ficção científica no Brasil (SILVA, 2008).
50
O morto: memórias de um fuzilado. Romance publicado em 1898, narra a história de
Josefino Soares, um jovem republicano que, de repente, por um estúpido boato, vê seu nome
ligado ao dos rebeldes da Revolta da Armada (1892-1893), num período em que as liberdades
foram suspensas por causa de um estado de sítio na Capital Federal. Josefino, na iminência de
ser preso, deixa a noiva e a mãe no Rio e foge para o interior de Minas Gerais, de onde
acompanhará as notícias sobre a revolta. Quando está em Minas, longe das confusões e da
crise do Rio, toma conhecimento do boato de que fora preso, torturado e morto pela polícia,
daí o subtítulo do romance. O morto contém uma narrativa envolvendo a Revolta da Armada,
do pânico que se instalou na cidade, ameaçada de bombardeio por um navio tomado por
revoltosos, do clima geral de denúncias anônimas e de boatos, além de ilegalidades de toda
sorte, com repressão policial e prisões arbitrárias, que ilustram bem o que foram aqueles dois
anos de regime de exceção sob o governo florianista (COELHO NETTO, 1994).
Na introdução que escreveu do romance, o professor José Maurício Gomes de
Almeida (1994, p. VIII), da UFRJ, diz que, “Dosando com felicidade suspense e humor,
Coelho Netto narra a existência de um burguês pacato, envolvido de repente nas malhas de
uma intriga kafkianamente absurda”; e que “Visto no seu todo, O morto constitui uma obra
equilibrada e estilisticamente sóbria, capaz de desacreditar a imagem simplificadora de
verbalista vazio a que se tem pretendido reduzir o seu autor”. Já Wilson Martins (1996, p. 62),
um dos grandes nomes da crítica brasileira, escreve:
[...] O Morto, de Coelho Neto, também publicado em 1898, é, não apenas uma das
suas obras-primas, mas, também, uma obra-prima do Realismo em nossa prosa de
ficção; digo bem, realismo, à Flaubert, e não naturalismo, à Zola. É o romance da
Revolta da Armada, escrito com sobriedade, equilíbrio, excelente técnica narrativa,
espírito de observação e originalidade: era Coelho Neto imitando a vida, e não
Coelho Neto imitando a literatura.
Esses comentários mostram que havia uma percepção nada fútil da realidade
brasileira no pós-Proclamação, percepção transposta em páginas sobriamente construídas de
romances como O morto.
Fogo-fátuo. Este é o último romance de Coelho Netto, publicado em 1929, e o que
ele demorou mais tempo para concluir: 12 anos. Narra as desilusões e a derrocada do grupo
boêmio carioca, do qual ele próprio fazia parte, e ainda toda as dificuldades que passaram, os
ideais frustrados, a separação – uns se casaram, outros se mudaram, outros morreram, como
Pardal (Pardal Mallet, em 1894) e o protagonista Neiva (Paula Nei, em 1897). Romanceia
também a “ditadura” de Floriano, a censura, a perseguição aos jornalistas e ativistas de
51
oposição, a deposição do governo do Rio de Janeiro (que derrubou Coelho Netto, que era
titular de uma pasta, e os amigos que ele lá colocou: Aluísio, Bilac e Mallet), a prisão e o
degredo de seus amigos (Patrocínio, Murat, Bilac), etc. (COELHO NETTO, 1929).
“É encenada, em Fogo-fátuo, a dissolução do grupo boêmio, assim como a crise de
identidade do grupo ao ver as causas pelas quais lutaram tomar rumos próprios, diferentes do
imaginado pelos boêmios” (NUNES; MENDES, 2008, p. 89).
Era também uma grande homenagem, continuação do que o autor já fizera em A
conquista, aos seus colegas dos tempos de boemia, com um detalhe: em 1929, praticamente
todos eles já eram falecidos, e Coelho Netto era o único que ainda resistia, como bem lembra
Humberto de Campos (1958b, p. 230):
Trinta e dois anos, porém, são decorridos. Ao lado das sepulturas fechadas, outras se
foram abrindo para devorar os que iam tombando. Morreu Aluízio Azevedo. Morreu
Artur. Morreu Guimarães Passos. Morreu Paula Nei. Morreu Patrocínio. Morreu
Orozimbo. Morreu Bilac. Morreu Murat. De toda aquela geração de boêmios que
ficaram n’A Conquista, resta apenas o sr. Coelho Neto. Da caravana, sobrevive o
ollam.
É justo que êle os chore, os celebre. E Fogo-Fátuo é, com toda a pompa católica da
sua imaginação e da sua linguagem, a missa cantada à glória alegre ou melancólica
dos seus mortos.
Drama humano representado na vida daqueles homens simples, que experimentaram
grandes alegrias e muitas frustrações, sobretudo com o regime pelo qual lutaram. O romance,
com seu título alusivo a sepulturas, mostra a decadência daquele grupo e se encerra com a
morte Neiva e o início do fim de uma geração. Humberto de Campos (1951, p. 264) sente a
força dessa melancolia que se transporta do texto e faz lembrar a melancolia de um período,
na infante República brasileira: “Após a leitura de Fogo-Fátuo eu sinto que alguém grita, em
mim, com a voz de terror dos condenados, – voz de quem deseja olvidar, esquecer, apagar do
espírito a lembrança da história humana que leu”, e finaliza: “– Um lenço! Um lenço! Quem
me dá um lenço para os olhos da minha memória?”.
1.4 CONSTITUIÇÃO DA FAMÍLIA E DEFESA DA PRÁTICA ESPORTIVA
Um ponto consensual em todos os depoimentos de biógrafos, amigos e pessoas que o
conheceram é que Coelho Netto era um homem de família, com um casamento duradouro e
uma vida voltada para os filhos. Ele próprio testifica isso em muitos dos seus escritos, porém,
observemos apenas o relato de Paulo Dantas (s.d., p. 11): “Na tradição afetiva brasileira,
Coelho Neto goza do prestígio de ter sido um dos nossos escritores mais bem casados. Sua
52
vida familiar é um verdadeiro poema [...]”, e que “tanto carinho assim pelos seus, num
homem de letras, é coisa rara”. Complementa o biógrafo: “Ser bem casado é uma grande
felicidade, ainda mais em se tratando de temperamentos de artistas, sêres inquietos por
natureza que são difíceis de lidar ou compreender”.
Dona Gaby. Coelho Netto foi casado com Maria Gabriela Brandão, nascida na
cidade de Vassouras, Rio de Janeiro, em 25 de julho de 1872, filha do educador e político (exdeputado) Dr. Alberto Olympio Brandão. Notícia publicada no jornal O Paiz, (26 jul. 1890, p.
1) fala da cerimônia de casamento, que contou com a presença do presidente da República
Deodoro da Fonseca e do governador do Rio de Janeiro Francisco Portella:
Receberam-se ante-hontem em matrimonio o nosso estimado collaborador Henrique
Coelho Netto e a Exma. Sra. Maria Gabriela Brandão, filha do Dr. Alberto Brandão,
director da fazenda do Estado do Rio. O acto civil foi celebrado em casa, assignando
o auto, como testemunhas, o generalissimo Deodoro da Fonseca, Dr. João Severiano
da Fonseca, Dr. Francisco Portella e José do Patrocinio. A cerimonia religiosa foi
celebrada na matriz da Gloria, e foram padrinhos, por parte do noivo, o Dr. João
Severiano da Fonseca e por parte da noiva o Dr. Francisco Portella e sua Exma.
senhora D. Isabel Portela. / [...].
Tal notícia ajuda a desmentir a informação de que o presidente teria sido padrinho do
casamento, quando foi apenas testemunha. E Dona Gaby, como era conhecida, foi a razão de
Coelho Netto ter abandonado a vida boêmia, voltando-se para vida do lar, e de ele ter evitado
maior exposição aos censores da “ditadura” florianista, que levou à prisão e ao degredo
muitos dos seus companheiros de imprensa, como veremos mais à frente. Ela tornou-se o
braço direito do escritor, sua companheira por toda a vida:
Coelho Netto teve em D. Gaby, admirável personificação de esposa e mãe, a fôrça
centrífuga do seu lar. Coração bondosíssimo, dotada de inteligência brilhante e de
cultura literária superior, D. Gaby foi o apoio, a meiguice, a consolação, na vida de
Coelho Netto. Ela suavizou com seu carinho feminino o período mais árduo da
carreira trabalhosa e combativa do marido. Nunca tendo escrito uma linha de
literatura, ela foi a colaboradora constante, influente e poderosa de Coelho Netto
(COELHO NETTO, P., 1942, p. 28).
Diz ainda Paulo Coelho Netto (1942, p. 28) que sua mãe era a pessoa que recebia em
casa jovens que vinham até Coelho Netto pedindo ajuda ao escritor, e era ela justamente quem
intercedia por eles. A família morou até 1905 na Rua Silveira Martins e depois, com melhores
condições financeiras, eles mudaram-se para a Rua do Rozo (atual Coelho Neto), no bairro
das Laranjeiras, casa alugada onde o escritor morou até o fim da vida. A casa de Coelho
Netto, há relatos de vários autores, era uma espécie de pequeno centro cultural, um tipo de
salão literário onde diversos intelectuais se encontravam, além de esportistas, sobretudo
53
ligados ao Fluminense Football Club, e D. Gaby era a principal anfitriã. A julgar por inúmeras
cartas de várias personalidades, endereçadas a Coelho Netto, conforme constam da
Correspondência passiva (1963) do escritor, D. Gaby era uma mulher muito querida e
respeitada por todos eles. Faleceu no dia 1.º de dezembro de 1931, por problemas de saúde,
aos 59 anos, quando já o marido dava mostras de uma saúde debilitada.
Os filhos e a prática dos esportes. Da união do casal, 14 filhos foram gerados, mas
só 7 sobreviveram: Emmanuel, Georges, João, Paulo, Dina, Marieta e Violeta. O que mais
chama a atenção na educação que Coelho Netto deu aos filhos foi, principalmente, o fato de
terem sido encaminhados, desde pequenos, à prática de diversos esportes. Coelho Netto foi
esportista, praticante de capoeira e esgrima na juventude, depois sócio e torcedor do
Fluminense, frequentador do estádio das Laranjeiras, autor do primeiro hino desse clube, e um
dos primeiros intelectuais a transpor o futebol para a literatura (cronística), iniciando uma
tradição que abarcaria nomes como Mário Filho, José Lins do Rego, Nelson Rodrigues e
Sérgio Porto. Coelho Netto também foi editor da revista Athletica, no ano de 1920,
especializada em esportes, e deixou uma boa quantidade de artigos e crônicas em defesa do
escotismo, do futebol e das práticas esportivas em geral, sempre mostradas como exercício
bom para o corpo e para a formação do cidadão, discurso que o aproxima das propagandas
hodiernas sobre o esporte.30 Sobre seus contributos à cultura nacional, no tocante à defesa da
prática esportiva, indicamos para leitura o artigo Coelho Netto: um intelectual a serviço do
esporte, de Renato Lanna Fernandez (2011). Já na biografia escrita por Paulo Coelho Netto
(1942, p. 43-48), há um capítulo intitulado “Apologista dos esportes”, no qual menciona
várias situações ligando o escritor à prática de diversos esportes, principalmente conferências
e orações em clubes esportivos e outras instituições, pugnando pela educação física da
mocidade brasileira, além de relatos de participações e conquistas de seus filhos em várias
competições esportivas.
30
Sobre o lema de que “esporte é vida”, fala-se muito hoje em saúde, em cidadania, em disciplina e em luta
contra as drogas. Coelho Netto, no seu tempo, pregava a eugenia, que não deve ser confundida com a doutrina
racista da “limpeza étnica ou racial”, como, por exemplo, a “eugenia nazista”, que defendia a pureza da “raça”
ariana e a eliminação das “raças” subalternas. Eugenia, para Coelho Netto (1921, p. 69), era “a sciencia do
aperfeiçoamento phyisico e moral do homem”, uma espécie de sintonia que deveria haver entre o corpo e a
mente. “A cultura physica é o preparo do corpo para que o espirito encontre meio propicio para desenvolver-se”,
dizia ele no Breviário cívico (COELHO NETTO, 1921, p. 71). Outro cuidado que devemos ter ao ler os seus
escritos sobre escotismo e práticas esportivas é quanto ao conceito de “raça”, que tem confundido muitos
pesquisadores, que o entendem pelo viés racial-raciológico (fenotípico e hierarquizado). Coelho Netto (1913, p.
16), embora admita que a “raça” tenha suas diferenciações étnicas, superpõe a influência que o meio pode
exercer nela, para estimulá-la ou enfraquecê-la. Daí que depreendemos que quando ele se refere a “raça”, pense
mais na coletividade vivendo no mesmo lugar e sob as mesmas condições do que em “raça” como cor da pele ou
atributos de semelhante categoria. Em grande parte dos seus textos, quando fala em “raça”, ela tem o sentido de
“nação”. A “raça brasileira”, por exemplo, é referência ao “povo brasileiro”.
54
Quando de sua morte, em 1934, Coelho Netto foi homenageado pela Revista de
Educação Física do Exército, em cujos trechos lemos:
Mas o valor de sua obra sobreleva as possibilidades limitadas de modesta nota e
requer, para comentada, alentado estudo crítico-analítico de alto fôlego literário. No
ramo de especialização que abraçamos, o que a nós cumpre, na minguada pobreza de
dons literários, é revelarmos aos leitores o motivo da grande gratidão que dedicamos
sinceros a este pro-homem, pelo muito e inestimavel de pregação, de estímulo e de
aprovação com que sempre prestigiou o esfôrço brasileiro para o fortalecimento e
embelezamento da raça pela Educação Física.
Sendo homem exclusivamente de estudos, dado por inteiro às letras e ao labor
intelectual, porque, nem como de uso e abuso entre nossos expoentes de cultura, se
encasulou no gabinete e nas bibliotécas; muito pelo contrario, inda nas épocas
remotas do romantismo todo pieguices e fragilidades anêmicas, vislumbrou e
diagnosticou o mal da mocidade e incentivou com ardor o convívio do sol, do ar e
das praias, prestigiando sempre, de coração e com entusiasmo, a campanha, muita
vez ingrata, pela prática e pelo progresso dos desportos e da atividade física educada
– únicos específicos seguros para a vivificação e revigoramento da gente brasileira
(apud COELHO NETTO, P., 1942, p. 47).
Entre os discursos “pioneiros” de Coelho Netto, nesse sentido, encontramos a crônica
“O nosso jogo”, datada de 28 de outubro de 1923, publicada em Bazar, em que Coelho Netto
(1928b, p. 133-140) faz o elogio da capoeira. Logo no começo da crônica ele diz:
A capoeiragem devia ser ensinada em todos os collegios, quarteis e navios, não só
porque é excellente gymnastica, na qual se desenvolve, harmoniosamente, todo o
corpo e ainda se apuram os sentidos, como tambem porque constitue um meio de
defesa individual superior a todos quantos são preconisados pelo estrangeiro e que
nós, por tal motivo, não nos envergonhamos de praticar [...] (COELHO NETTO,
1928b, p. 133-134).
Comenta que uma das razões da má-fama que a capoeira teve no Brasil, nos séculos
anteriores, foi sua associação com a navalha: “O que matou a capoeiragem entre nós foi... a
navalha. Essa arma, entretanto, subtil e covarde, raramente apparecia na mão de um chefe de
malta, de um verdadeiro capoeira, que se teria por deshonrado se, para derrotar um adversario,
se houvesse de servir do ferro” (COELHO NETTO, 1928b, p. 134-135). No final da crônica,
ele fala de sua intenção, quando deputado federal, de elaborar um projeto de lei para tornar
obrigatório o ensino dessa prática esportiva nos estabelecimentos oficiais, intento desistido
ante uma oposição interpretada à luz de seu nacionalismo ofendido:
Em 1910 Germano Haslocher, Luiz Murat e quem escreve estas linhas pensaram em
mandar um projecto á Mesa da Camara dos Deputados tornando obrigatório o ensino
da capoeiragem nos institutos officiaes e nos quarteis. Desistiram, porém, da idéa
porque houve quem a achasse ridicula, simplesmente porque tal jogo era...
brasileiro. / Viesse-nos elle com rotulo estrangeiro e tê-lo-iamos aqui, impando
importancia em todos os clubes esportivos, ensinado por mestres de fama mundial
[...] (COELHO NETTO, 1928b, p. 139-140).
55
Voltando aos filhos de Coelho Netto, Emmanuel Coelho Netto (Mano), o mais velho,
que jogou futebol e polo aquático pelo Fluminense, será abordado por último. Georges
Coelho Netto (1900-1964), além de atleta do Fluminense em algumas modalidades, incluindo
o futebol, foi também bancário.31 Notícia do seu falecimento encontra-se no Jornal do Brasil
(22 jun. 1964). Paulo Coelho Netto (1902-1985), como temos visto, foi biógrafo do pai,
publicou vários trabalhos sobre Coelho Netto, mas também dedicou-se a escrever a história do
Fluminense, e ainda estudou sobre OVNIs. João Coelho Netto (1905-1979), conhecido como
“Preguinho”, foi um grande esportista brasileiro, considerado pela revista Placar como o
atleta brasileiro mais completo do século XX. Praticou futebol, remo, vôlei, basquete, polo
aquático, saltos ornamentais, atletismo, hóquei, tênis de mesa e natação, obtendo 387
medalhas e 55 títulos nessas modalidades, tudo pelo Fluminense, único clube que defendeu a
vida toda. Como jogador, fez 184 gols com a camisa desse time, chegando ao primeiro quadro
com 17 anos. Preguinho é ainda lembrado por ter sido amador a vida esportiva inteira,
preferindo não receber salário do clube que amava, mesmo depois da profissionalização do
futebol. Em 2010, o “Esporte Espetacular”, programa esportivo da TV Globo, exibiu um
documentário sobre a sua vida, vídeo que hoje pode ser visto na rede mundial de
computadores. Pela Seleção Brasileira, foi o primeiro capitão e artilheiro do Brasil em uma
Copa do Mundo, além de ter sido o autor do primeiro gol brasileiro, tudo na Copa do Uruguai,
em 1930.32 Quanto às mulheres, sabemos muito pouco sobre Dina Coelho Netto e Marietta
Coelho Netto (“Zita”), sendo que esta última escreveu dois livros sobre o pai. Já Violeta
Coelho Netto (1909-1997) foi uma renomada soprano, havendo cantado inclusive no Carnegie
Hall, em Nova Iorque, com a Orquestra Filarmônica daquela cidade, em 1947, sendo
considerada por muitos como a maior cantora lírica do Brasil no século XX.33 Elas três
também foram praticantes de várias modalidades esportivas, na juventude, com destaque para
a natação e o atletismo.
Sobre o relacionamento de Coelho Netto com os filhos, Dantas (s.d., p. 13) escreve:
Um dos mais felizes instantes da vida de Coelho Neto era, quando êle, cansado do
exaustivo labor, ao qual diàriamente se entregava, escrevendo seus livros e artigos,
largava o trabalho intelectual para brincar com os filhos, rolando com os mesmos
pelos cantos da casa, aos abraços, aos sorrisos e às cambalhotas. / [...] Brincando
com os filhos, o escritor caía ao chão, criança grande êle também, na mais completa
confraternização humana e integração de ternura que é dada a um homem conhecer
na terra.
31
Obtivemos essa informação de que era bancário na p. 64 do Diário Oficial da União (27 dez. 1943).
Estas informações são um misto de várias pequenas biografias de Preguinho disponíveis na internet.
33
No Youtube, onde ela aparece com o nome de casada, Violeta Coelho Netto de Freitas, há vários áudios em
que é possível ouvi-la interpretar diversas músicas eruditas.
32
56
Gustavo Barroso (1888-1959), escritor cearense, membro e presidente da ABL, autor
de cerca de 80 obras, com destaque para a História secreta do Brasil (6 vols.), escreve na
revista Fon-Fon, em 1917, sobre um instante num jantar na casa do escritor maranhense:
Um dos melhores pais que conheço é o nosso fértil e brilhante escritor nacional.
Seus filhos tratam-no com a maior familiaridade e dêle fazem o que querem.
Felizmente são muito bons meninos, bem educados, aplicados ao estudo e, mais
felizmente ainda, dedicados ao esporte.
Como gostam muito de futebol e são exímios jogadores, o pai tomou-se de encantos
pelo jôgo inglês e vive a falar, por dá cá aquela palha, em “backs, forwards, goals,
teams e scratchs” (apud DANTAS, s.d, p. 45).
Em vários textos, é dito que os filhos de Coelho Netto praticavam esportes desde
pequenos, e que isso foi que fez o escritor, por exemplo, tornar-se torcedor do Fluminense, já
que morava praticamente ao lado do estádio das Laranjeiras e todos os seus filhos eram atletas
daquele clube. Além disso, os meninos também jogavam bola na rua, prática não vista com
bons olhos pela “boa” sociedade. J. T. de Carvalho (2010), blogueiro-torcedor do Fluminense,
elogia a atitude esportista do escritor e torcedor tricolor e anuncia uma tragédia:
Em conversas anteriores, já expressamos nossa admiração por Henrique Coelho
Netto, grande intelectual tricolor e incansável defensor do futebol. Coelho Netto, a
quem se acusava de ser tradicionalista e anacrônico, optou por não criar os filhos
como flores de estufa. Encaminhou-os todos à prática de esportes, inclusive com o
exemplo pessoal, pois esse fundador da Academia Brasileira de Letras, autor de
mais de cem livros, era exímio capoeirista. Seus sete filhos se desenvolveram de
forma saudável e teriam todos chegado à velhice, se o destino não lhe houvesse
imposto o maior sofrimento possível a um pai: perder um filho subitamente, ainda
muito jovem.
Essa perda refere-se ao filho mais velho de Coelho Netto e D. Gaby: Emmanuel
Coelho Netto, nascido em 1898. Todos o conheciam como Mano. Era um jovem forte e
saudável, atleta desde pequeno, corredor, nadador, jogador de polo-aquático e futebol. Foi
nesta última condição que se destacou, tornando-se ponta-direita do Fluminense, clube da
família, e figura muito conhecida na cidade do Rio de Janeiro. Mano foi tricampeão carioca
(1917-1918-1919), na fase ainda amadora do esporte. Pois é este Mano o protagonista da
novela mais trágica que Coelho Netto jamais pensou em escrever para si.
Coelho Netto era um autor muito espontâneo, narrava e dissertava sobre tudo,
inclusive a morte. Entretanto, em 1922, a tragédia invadiu a sua casa, e daí para frente ele
passou a falar da morte de uma forma muito íntima e dolorosa. Seu filho Mano sofreu uma
violenta pancada no abdômen numa partida entre Fluminense e São Cristóvão. Foi atendido à
beira do campo, mas logo voltou ao jogo, contrariando os conselhos do massagista, que via a
57
dor estampada no seu rosto. Continuou até o fim do jogo. Já estava com hemorragia interna e
não sabia, o que decerto se agravou com o esforço feito para não deixar a equipe desfalcada,
numa época em que não se permitiam substituições. Chegou a casa sentindo muitas dores. 48
horas depois estava morto, aos 24 anos. Em vão foram os socorros médicos e as orações
desesperadas da família. Era o dia 30 de setembro de 1922.
Paulo Coelho Netto (1942, p. 70-71), biógrafo de Coelho Netto e também historiador
do Fluminense, e que à época tinha 20 anos, relembra as últimas horas do irmão moribundo e
o sofrimento de seu pai:
Às 19 horas já o enfermo agonizava. D. Gaby, tendo entre as suas uma das mãos de
Mano, afagava-a como a querer acalentar o filho estremecido para o seu sono eterno,
tal como o fazia quando ele era pequenino, para o sono de uma noite. Extremamente
pálida e abatida, trazendo estampada na fisionomia sofredora toda a imensa dor de
um coração materno que começava a despedaçar-se, D. Gaby impressionava e
comovia. Coelho Netto, porém, ainda não acreditava. Nutria esperanças. Mais uma
vez achegou-se ao filho e tomou-lhe o pulso; subiu a mão, desceu, reteve a
respiração procurando alguma coisa, em torno; voltou-se, surpreso enquanto o
moribundo ainda balbuciava ag..., e fixou no médico, que acompanhava penalizado
os seus movimentos, um olhar desvairado de espanto interrogação. Mas àquele
derradeiro e desesperado apêlo todos os olhos baixaram. Então, Coelho Netto sentiu
todo o peso da desgraça que o acabava de atingir. Debruçou-se sobre Mano,
abraçou-o com sofreguidão e soluçou: “Meu filho!...” Toda a sua angustia infinita,
num lamento. E as lágrimas correram-lhe, fortes, contínuas, enquanto o seu corpo
pequenino e magro, sacudido pelos soluços, se confundia com o do filho que a
sombra da morte começava a envolver.
No dia seguinte, duas multidões se espremiam, dentro e fora do estádio das
Laranjeiras: uma para assistir à partida do Brasil contra o Uruguai pelo campeonato sulamericano, e outra no velório na casa do escritor. Três jogadores do Fluminense, que vestiam
a camisa da Seleção naquela partida, entraram em campo em nítido sinal de luto. Houve
muitas homenagens. De Mano, inclusive, há um busto na sede do clube das Laranjeiras, onde
é considerado um ídolo, pela história sua e de sua família com o clube e, principalmente, pela
atitude sacrificial de ter preferido jogar pelo time mesmo em face da dor que, não o sabia ele,
o levaria à morte.
Após a perda de Mano, Coelho Netto nunca mais foi o mesmo. Foi este o grande
golpe que sofreu na vida. Desde aí, sua vida tornou-se sobremodo melancólica, passando a
flertar constantemente com a ideia da morte.34 Essa situação piora com a perda da esposa, D.
Gaby, em 1931, aliada às enfermidades (uremia e arteriosclerose) que o tomaram por alguns
34
Só lembrando que muitos dos seus grandes amigos já eram mortos àquela altura: Pardal Mallet (1894), Raul
Pompeia (1895), Paula Nei (1897), Patrocínio (1905), Artur Azevedo (1908), Euclides da Cunha (1909),
Guimarães Passos (1909), Aluísio Azevedo (1913), Aníbal Theófilo (1915) e Olavo Bilac (1918).
58
anos até arrastá-lo também à tumba. Coelho Netto economizou forças durante dois anos para
escrever Mano, o “livro da saudade”, homenagem ao filho, publicado em Portugal em 1924. É
um retrato poético da dor e da desgraça de um pai enlutado.
Em Mano (COELHO NETTO, 1946), além de muitas e amorosas recordações do
primogênito morto na flor da idade, há bastantes reflexões sobre a vida e a morte, e em todas
elas predomina um ar triste e melancólico que faz revelar o sofrimento profundo que se
gravou na alma do autor. Eis algumas delas: “Não há hora mais triste que a do ocaso, hora do
descer da luz. A noite é o irremediável, com a consolação das estrelas, que são as lágrimas”;
“Que resulta de nossa aliança com a luz? sombra, nada mais [...]. À noite as sombras não
aparecem; todas se recolhem aos corpos que as expuseram” (COELHO NETTO, 1946, p. 90,
105). E, como se o filho morto o pudesse escutar, diz: “Tu é que és agora a minha inspiração,
tudo vem de ti e, assim como o teu corpo enche o âmbito da cova, a tua imagem ocupa a
minha mesa, como se nela houvesse ficado impressa e a saudade, que é o que me resta de ti,
enche-me a alma” (COELHO NETTO, 1946, p. 90, 105, 152). Foi esta dor que o teria levado
a converter-se à doutrina espírita, que antes tanto combatia.35
1.5 VIDA NA IMPRENSA, TRABALHO E GRANDE PRODUÇÃO
Na sua História da imprensa no Brasil, Nelson Werneck Sodré (1999) dedica um
capítulo à “grande imprensa”, ou imprensa industrial de massas, que surge no Brasil já no
período republicano, apropriando-se com muitas vantagens de recursos tecnológicos
inovadores para a época, como o telefone, o telégrafo e a fotografia, além do clima econômico
favorável e da ascensão da burguesia comercial. Na República Velha, Sodré entende que, em
vários casos, a imprensa é mais produto da reconversão de jornais mais antigos, pois era mais
fácil comprar um jornal já existente do que fundar um novo. Aliás, novos projetos eram raros,
nesse contexto, mas ele destaca o caso do Jornal do Brasil, surgido em 1891, que em poucos
anos se tornou o maior jornal do país.
Esses jornais, para ele, na virada para o século XX, têm como principal característica
o fato de terem se tornado “empresas”, com sólidas estruturas, empurrando para o interior os
jornais “individuais”, que cada vez mais foram perdendo espaço nos grandes centros, mas que
sobreviveram nas cidades menores (SODRÉ, 1999, p. 276). Outra característica do período é
35
Alguns contos de Contos da vida e da morte (1926) são de abordagem espírita. Além disso, o nome de Coelho
Netto aparece relacionado como espírita, na categoria “Espiritismo”, da seção “Noticias religiosas” do jornal A
Manhã (13 jan. 1926, p. 4). Aparece, igualmente, reivindicado por essa doutrina no site espírita www.espirito.
org.br, onde é dito que sua conversão teria se dado em 1923, ou seja, um ano após a morte de Mano.
59
que os jornais refletiram e acompanharam as tensões e os grandes debates do período, tanto
no âmbito regional, quanto no nacional. Por seu engajamento político, vários jornais e vários
jornalistas foram perseguidos, mesmo na fase republicana (destacadamente no período do
presidente Floriano Peixoto), do que se conclui que o novo regime não trouxe mais liberdade
à imprensa. Escrevendo um dos capítulos do Livro do Centenário, organizado por Ramiz
Galvão, José Veríssimo (1900, p. 70) não nos deixa esquecer:
Gozou sempre a imprensa no Brasil, desde a abolição da censura em 1821, de
grande liberdade, que frequentemente attingiu à licença. Nos últimos 20 annos do
Império, nenhuma seria mais livre no mundo. Com a Republica, essa liberdade
diminuiu sensivelmente, tornando-se vulgar, em todo o paiz, a destruição, o
incêndio, o empastellamento de typographias, os ataques pessoais, ferimentos,
mortes ou tentativas de morte de jornalistas. O facto tem, aliás, explicação no ardor
das paixões de um começo de regimen, num período revolucionário, de predomínio
militar, sempre propenso ao abuso da força. Também nos primeiros annos do
império deram-se não só nas províncias, mas na Corte, factos idênticos. Em todo o
caso é uma retrogradação que devemos lamentar e a que o tempo porá certamente
termo.
Os jornais, nesse período da nossa imprensa, ganharam maior notabilidade, atraindo
para si grandes figuras da intelectualidade brasileira, que refletiam seus pensamentos políticos
(comentando fatos, manifestando opiniões através de crônicas), publicando obras (romances
em folhetins, poesias, contos, etc.), etc. Nomes como Machado de Assis, Euclides da Cunha,
Olavo Bilac, Monteiro Lobato, João do Rio, Lima Barreto, Humberto de Campos, dentre
outros, dedicaram-se a serviço dos jornais.
Coelho Netto, como típico homem de letras desse tempo, foi um dos que mais
colaboraram com a imprensa brasileira. Introduzido no jornalismo carioca por José do
Patrocínio, primeiro na Gazeta da Tarde, depois na Cidade do Rio, onde foi secretário, o
escritor colaborou, em 45 anos de carreira, em 57 jornais e revistas do Brasil e do exterior.36
Diz Paulo Coelho Netto (1942, p. 38) que “Só para o ‘Jornal do Brasil’ Coelho Netto escreveu
mais de 800 crônicas, que dariam matéria para pelo menos 16 volumes”. Marcos Antonio de
Moraes (2007, p. XXXIV) informa que Coelho Netto foi cronista do jornal A Noite, de 1918 a
36
Paulo Coelho Netto (1942, p. 197-199) lista os jornais e revistas em que seu pai colaborou: No Rio de Janeiro:
O Meio; Gazeta da Tarde; Novidades; O Dia; Correio do Povo; A Folha; A República; Diário Ilustrado; Revista
Ilustrada; Revista Americana; A Semana; Os Anais; Kosmos; Revista Brasileira; Renascença; Cidade do Rio;
Diário de Notícias; Vida Moderna; Ilustração Brasileira; A Política; Atlética; Rio Jornal; Revista Sul América;
Baía Ilustrada; Revista Souza Cruz; Revista da Escola Militar; O Carro de Combate; Revista da Semana; Vida
Doméstica; O Paiz; A Notícia; O Imparcial; Gazeta de Notícias; Jornal do Commercio; Correio da Manhã; A
Noite; e Jornal do Brasil. Em São Paulo: A Bruxa; A Onda; O Meridiano; Diário Popular; A Província de S.
Paulo; Jornal do Comercio; A Cigarra; A Gazeta; O Estado de S. Paulo; Correio Paulistano; e Revista de
Ciências, Letras e Artes, de Campinas. No Maranhão: A Pacotilha, de São Luís. Em Pernambuco: A Folha do
Norte. No Rio Grande do Sul: A Federação, de Porto Alegre. Na Argentina: La Prensa; El Hogar; Mundo
Argentino; La Novela Semanal. E em Portugal: Jornal do Comercio, de Lisboa; e Comercio do Porto.
60
1927. Ainda Paulo Coelho Netto (1942, p. 178) diz que seu pai teve como companheiros na
velha Gazeta de Notícias “Ramiz Galvão, Machado de Assis, Olavo Bilac, Pedro Rabello e
Luiz Guimarães, todos sob a direção de Ferreira de Araújo”. Desse período na Gazeta de
Notícias, mais precisamente entre 1897 e 1899, é que Vanessa Venturelli (2009) estuda, em
sua dissertação, 261 crônicas de Coelho Netto na coluna “Fagulhas”, e tem ainda o mérito de
transcrevê-las todas na íntegra em anexo. Entre as conclusões da pesquisadora, ela diz:
Coelho Neto, porta voz do povo carioca, observou a sociedade com olhos de águia e
nos deixou um acervo interessantíssimo, com o qual podemos observar os assuntos
que mais o interessavam como a cultura, a estrutura da cidade e a política, dentre
muitos outros temas que compunham seu repertório (VENTURELLI, 2009, p. 88).
E só para exemplificar o que encontrou naquelas páginas fugazes do jornal carioca –
fugazes pela própria natureza “imediata” da crônica, daí a sugestão do nome “Fagulhas” que
Coelho Netto pôs na própria coluna –, Venturelli (2009, p. 89) ainda escreve:
Trata da polícia que não cuida da cidade, sempre chegando atrasada quando
solicitada ou mesmo conversando com os ladrões, antecipando-lhes nas
providências; dos bombeiros que não têm água mas comparecem assiduamente em
todos os incêndios, dos fiscais que discutem política e deixam os vendedores felizes,
pois não perdem mercadorias estragadas. Das casas decadentes, dos jardins
malcuidados e do povo que não sabe desfrutar dele. Trata do negro que está sem
trabalho, do povo que não interfere na política, que fica quieto com as atitudes
governamentais: o cronista culpa o povo, – não os políticos, – pelo abandono da
cidade, afirma que os governantes estão certos de gastar dinheiro com o que querem,
já que ninguém iria reclamar. Assim, esclarecemos que seu acervo de crônicas é
iluminado de risos, críticas, angústia, devaneios, entre outros aspectos de suscitação
de reflexões em vários âmbitos. Por outro lado, aborda também o lado cultural com
grande carinho, seja dos novos autores, dos concertos, das óperas, dos teatros e das
peças de renome. Faz homenagens, elogios a quem gosta e também um pouco de
propaganda de amigos e de si mesmo sobre obras lançadas.
Além de assinar com seu próprio nome, também se valeu de vários pseudônimos, por
variados motivos: Anselmo Ribas, Caliban, Ariel, Amador Santelmo, Blanco Canabarro,
Charles Rouget, Democ, N., Puck, Tartarin, Fur-Fur, Manés. Com Anselmo Ribas, por
exemplo, ele publicou em folhetim, n’O Paiz, em 1893, os romances A Capital Federal e O
rei fantasma, que seriam editados em livro em 1895. Anselmo Ribas também é o personagemheterônimo de Coelho Netto na trilogia A Capital Federal – A Conquista – Fogo-fátuo.
O recurso ao pseudônimo tinha várias utilidades, das quais destacamos duas: distrair
os leitores e servir de blindagem para o autor. Exemplos desses dois tipos de utilidade do
pseudônimo podem ser vistos na série Bilhetes postais, publicada no jornal O Paiz, entre 1892
e 1893, em que Coelho Netto valeu-se do pseudônimo N., com o qual tratava de questões
61
frívolas endereçadas principalmente ao público feminino. Escondido, mas nem tanto 37, atrás
de N. e da aparente banalidade da maioria das questões que abordava, Coelho Netto fazia
incursões críticas à política, à economia e à sociedade. Parte dessas crônicas foi publicada em
1894, sob o título Bilhetes postais; mas só em 2002, por organização da professora Ana
Carolina Feracin da Silva, que escreveu a introdução (SILVA, 2002, p. 7-26), além de notas
informativas a todas as crônicas, Bilhetes postais foi publicado integralmente, da primeira à
última crônica da série n’O Paiz (COELHO NETTO, 2002).
Leonardo Pereira (2005, p. 212) diz que, no momento em que o governo de Floriano
decretou estado de sítio e apertou o cerco contra os jornalistas críticos de seu governo, Coelho
Netto, para manter-se livre e trabalhando, assumiu uma postura de não envolvimento direto
com questões políticas: “Enquanto alguns de seus antigos parceiros de luta eram presos e
perseguidos, Coelho Netto conseguiu manter não só sua liberdade, mas também a participação
na folha, que garantia sua sobrevivência”. Isto pode ser visto nas crônicas em que N. fala da
Revolta da Armada, no ano de 1893.
Mas também não impediu que por vezes assumisse o risco com ataques subliminares
(o que parece ser a tônica em grande parte dessas crônicas), que driblavam os censores do
férreo governo, como é exemplo a crônica do dia 24 de junho de 1892, aparentemente em
referência a João Batista, o santo do dia. Endereçada “Ao Essênio”, a crônica ensaia alguns
diálogos com o santo, como neste trecho: “Sofreste muito, não há negar – foste para o deserto,
comeste gafanhotos, apanhaste muitas bronquites [...]” (COELHO NETTO, 2002, p. 47). O
diálogo decorre até ao ponto crucial, pretendido por N.: falar de outros Joões, que, como o
profeta dos Evangelhos, sofreram perseguição, foram presos, condenados e postos à mercê da
morte. Coelho Netto (2002, p. 47-48), escondido em N., escreve:
Mas, amadíssimo precursor do artigo de fundo [...], consola-te... por muito menos,
oh! Muito menos! Andam Joões sem carneiro (quem lhes dera um quarto não para
morar, fazem pouca questão disso, para comer) por imensos desertos piores que os
da Galiléa [...]. Não garanto que tenham comido gafanhotos e mel silvestre, porque
ainda não tive em mãos o menu do que comem, mas que têm sido comidos (o que é
um pouco pior) que o digam os mosquitos que têm morada às margens do Rio
37
Não era difícil associar N. a Coelho Netto naquela época, e para o censor nada era demasiado difícil. O certo é
que na fase da Gazeta de Notícias, no final da década de 1890, todos sabem que N. é Coelho Netto, e ele próprio
não esconde isso, como fica demonstrado em várias crônicas da sua coluna “Fagulhas” do jornal Gazeta de
Notícas, como na edição de 24 de junho de 1898, quando a inicia dizendo: “Meu caro Coelho Netto – Há
algumas semanas que vem V. lembrando e relembrando nas suas Fagulhas a necessidade e o dever de
commemorarmos, todos nós, brasileiros, o quarto centenario do descobrimento do Brasil [...]”. Ou na edição de
26 de outubro de 1898, quando N. transcreve um soneto assinado por certo “Coelho Netto” num jornal de Porto
Alegre. N. escreve: “Sem desfazer no trabalho devo dizer que não me pertence – será de algum homonymo, meu
não é. Faço esta declaração para que me não accusem, mais tarde, de haver querido enfeitar-me com plumagem
alheia. O dono do soneto que o reclame, eu faço aqui, e em tempo, a restituição”. Tais citações estão em
Venturelli (2009, p. 323, 397).
62
Negro, que não é positivamente o Jordão lastral. Não sei se ainda têm as cabeças
sobre os ombros, alguns tem-nas perdido por vezes diante dos horrores, mas não
consta que a alfanje ou coisa equivalente de uma Salomé tenha-as passado para um
prato de prata. Outros S. João vivem em presídios piores que o de Makeros; lá, pelo
menos tinhas de quando em vez a consolação de ouvir as músicas do tetrarca e os
outros, queres tu saber o que eles ouvem? Os silvos do vento e os gemidos do mar
bravio [...]. / Que diabo, meu santo... tu tens o paraíso [...]. E os outros que andam
por esses matos ao sol, à chuva, entre os jacarés e os índios, sem lar, sem pão e sem
família... Nem Habeas corpus tiveram [...]. Se queres ver o que é um martírio vem
cá embaixo.
As alusões a prisões, mosquitos, matas, Rio Negro, fortaleza marítimas, habeas
corpus, etc., são indubitavelmente referências a seus companheiros deportados pelo governo
florianista pouco tempo antes. “No vilarejo Cucuí, às margens do Rio Negro, estavam
aprisionados desde abril Pardal Mallet e José do Patrocínio; Bilac, por sua vez, continuava
detido na Fortaleza da Lage, no Rio de Janeiro” (PEREIRA, 2005, p. 216). As arbitrariedades
foram tantas, que “nem habeas corpus tiveram”. Essa crônica foi publicada exatamente no dia
em que a Câmara dos Deputados votava a lei que concedia anistia a esses intelectuais.
Ao longo da sua carreira como cronista, Coelho Netto, já sem pseudônimos,
envolveu-se em várias polêmicas, não se furtando a emitir suas opiniões. Entre alguns desses
casos, citamos uns poucos, que revelam seu temperamento crítico. Do livro Versas, publicado
na Bahia, em 1918, que reúne várias crônicas, cujas origens ainda não conseguimos
identificar (nem de datação, nem de jornal), mencionaremos dois episódios do Rio de Janeiro
no início do século XX na opinião do escritor. Na crônica “As montanhas”, provavelmente da
década de 1900, ele comenta sobre a população pobre, despejada sem solução dos seus
cortiços pela Prefeitura do Rio de Janeiro, quando das transformações urbanísticas da cidade.
Sem ter para onde ir, os pobres, despejados e abandonados pelo poder público, iam buscar
abrigo nos morros, de onde se originaram as primeiras favelas:
Na cidade, depois da subversão do progresso que arrasou, como o Dilúvio, para que
se reconstruísse com mais sumptuosidade e belleza, os pobres ficaram sem guarida. /
Em phalansterios de miséria aboletavam-se dezenas de famílias – a luz era de
crepúsculo, o ar era escasso e tresandava a espurcicia, mas sempre havia um tecto
garantindo contra a intempérie a criança, o ancião e o enfermo. / Mas, uma manhan,
os pedreiros chegaram e, como fogem as abelhas quando sentem a fumarada em
torno do cortiço, assim abalou o enxame de infelizes, sem destino, com os cacaréus
ás costas, arranchando, como o nomade, onde encontravam covanca ou arvore de
ramagem larga. / E foram as montanhas que os receberam. / Pelas corcóvas da terra
começou a subir o exodo e, á medida que as levas avançavam, iam construindo, com
destroços, um albergue frágil onde logo ficavam, á maneira das formigas. / E foi
assim que se povoou o morro da Babylonia, cuja encosta é um diversorio de
banidos; e foi assim que o morro de Santo Antonio poz a cavalheiro da cidade essa
triste acropole de casebres onde fervilha a desventura (COELHO NETTO, 1918, p.
86-87).
63
No mesmo caso, ele ainda faz constar que o Prefeito da cidade tentou reverter a
ocupação do morro usando a força, o que poderia ter ocasionado um problema maior, não
fosse a intervenção de um ministro de Estado: “Foi para levantal-o que o Prefeito intimou a
misera gente a deixar a montanha e, como o prazo da intimação é findo, já estaríamos com as
ruas apinhadas de desgraçados se o ministro do Interior, procedendo como juiz piedoso, não
houvesse sahido em defesa dos expulsos” (COELHO NETTO, 1918, p. 88).
E prossegue o cronista dizendo: “E a Caridade não é incompativel com a Ordem”
(COELHO NETTO, 1918, p. 88). Ou seja, o governo, para manter a sua governabilidade, não
precisava prejudicar os pobres. E mais:
Aquella gente, que vive lá em cima esquecida, como o gelo no alto dos montes,
deslocada a súbitos, rolaria em catástrofe, como a avalanche que, esboroada, rebola
desde os cimos até as aldeias que as agasalham, humildes, na aba da montanha,
esmagando-as sob seu peso. / O desespero, quando se vissem desalojados, ao tempo,
faria daquelles antes submissos, acalcanhados pela desgraça, victimas de todas as
explorações, féras assanhadas. / [...] / E, para que se cumprisse a lei, em vez de irem
meirinhos, talvez fosse necessário mandar soldados que varressem á bala o
miserável lixo humano.
O ministro foi generoso e hábil, adiando a execução da sentença imperativa.
[...] (COELHO NETTO, 1918, p. 88-89).
E encerra com sua opinião sobre o fato:
Este caso da montanha deve ser attentamente meditado pelo governo: está em
evidencia na altura, como um aviso, um dos mais graves problemas de amanhan.
É preciso pensar no pobre.
Que a cidade se alinde, rasguem-se as avenidas, edifiquem-se palácios, accenda-se a
emulação entre os architectos, mas não esqueça o governo os humildes
trabalhadores, os que revolvem a leira e lançam por Ella a semente, garantindo-lhes
o lar onde o amor preside á gênese da geração futura, que ha de dar á Patria a Força
para a sua defesa, o trabalho para a sua opulência e o Genio para a sua gloria
(COELHO NETTO, 1918, p. 90).
A outra crônica que selecionamos de Versas, tem por título “Hellenismo”, e num
determinado ponto mostra a triste condição das prostitutas do Rio de Janeiro, exploradas por
rufiões, que lucram em seu desfavor:
[...] entre nós, ellas são diárias, constituem um espetaculo que, todas as noites,
attrahe aos pontos preferidos dos deambulantes uma multidão de ociosos que
commenta o vagabundeio erótico e, não raro, provoca scenas que seriam torpissimas
se não acabassem em confissões atristuradas das pobresinhas, que provam não haver
tomado alimento algum durante todo o dia, outras que estendem o pulso para que se
lhes sinta a febre e por ali andam, ao tempo humido, miseras escravas, colhendo no
vicio o que devem entregar aos rufiões que as exploram (COELHO NETTO, 1918,
p. 121-122).
64
Registramos também sua atenção para com a categoria dos professores, vez por outra
lembrada em suas crônicas, como nesta, intitulada “Os esquecidos”, publicada no Jornal do
Brasil, em 9 de setembro de 1921, reproduzida em Fréchas, quando comenta o fato dos
professores terem sido os únicos funcionários públicos esquecidos no reajuste dado pelo
governo aos servidores:
[...] os governos que se têm succedido attendendo ás justas reclamações que lhes
foram feitas, trataram de pôr o funccionalismo a coberto de vexames com o
fundamento, aliás justo, de que não póde haver bom serviço publico, feito com
solicitude e exacção, quando os que o exercem trazem o espirito perturbado por
preoccupações de ordem material. / E assim, em quasi todos os orçamentos, a verba
do funccionalismo foi acrescentada e, [...] vieram as addicionaes de emergencia,
compensações com as quaes o Estado procurou acudir aos seus servidores. / Taes
benefícios, porém, não chegaram justamente áquelles que mais deviam merecer a
attenção carinhosa dos governos que se interessam pelo progresso da Patria, do qual
é dos principaes factores, senão o principal, a cultura do povo. / Todos tiveram a
sorte melhorada, menos os lentes e professores, que ficaram encalhados no que
tinham dantes e ahi jazem em penuria, esquecidos, praticando em silencio a sentença
do stoico: Sustine et abstine (COELHO NETTO, 1923, p. 55-56).
E ainda sobre a classe dos trabalhadores e o seu direito de fazer greve, em busca de
melhores salários e condições dignas de trabalho, Coelho Netto saúda o movimento
sindicalista e critica a exploração capitalista, em texto publicado no jornal carioca A Noite, de
17 de novembro de 1921, reproduzido em Às quintas:
Os que combatem as agremiações operárias, empregando todos os meios para
dissolvê-las, são tiranos que se disfarçam com o rebuço dos ‘ordeiros’.
O que chamam pomposamente a ‘ordem pública’ não é mais do que a defesa avara,
egoísta do próprio e exclusivo interesse, propósito de escravizar o proletário para
trazê-lo sempre jungido à canga, de cerviz abatida, sem direito de protesto contra
afrontas e vexações. / O capital é conservador... dos seus haveres. Não é por espírito
de disciplina que ele tanto clama contra a ousadia daquele que, andrajoso e faminto,
lhe vai bater à porta, senão porque nele vê uma ameaça ao seu tesouro, um
perturbador do seu gozo. / As greves, as revoluções, todos os movimentos em que se
agitam as massas operárias são tão naturais como a conflagração das vagas no
oceano e o debater das franças nas florestas quando nelas passam os ventos
desencandeados. / O próprio pó levanta-se em nuvens asfixiantes com as lufadas e as
trombas que os tiram da humilde rasa. / O homem, esse, mais miserável do que o pó,
não tem o direito de protestar; é animal de labor que serve apenas para levar no carro
do triunfo o ídolo de ouro. / A Confederação Sindicalista-Cooperativista Brasileira,
reunindo os operários de toda a obra em volta de uma constituição ou programa
associativo que lhes garanta os direitos e lhes defenda os interesses, será uma força
benéfica para o indivíduo, para as classes trabalhadoras e para a sociedade. / As
fábricas progridem e desenvolvem-se como as colméias, pelo esforço comum do
enxame. Infelizmente assim não entendem os zangões... humanos (COELHO
NETTO, 2007, p. 113-115).
Por fim, citamos só mais um caso: os “18 do Forte”. O primeiro levante tenentista
ocorrido na República, no início de julho de 1922 no Rio de Janeiro, quando o Forte de
65
Copacabana foi tomado por cerca de 300 militares revoltosos, que queriam a derrubada do
regime que se corrompera e o fim das oligarquias, ainda ressentidos da derrota de Nilo
Peçanha, que tinha o apoio dos militares, para Artur Bernardes, apoiado pela oligarquia
cafeeira paulista, na corrida presidencial. Forçados por sucessivos ataques das forças do
governo, um pequeno grupo de militares e quatro civis resistiu e, desses, um grupo menor
prosseguiu até o fim, quando muitos outros já haviam se rendido. Eles marcharam pelo
calçadão de Copacabana em direção ao palácio do governo, recebendo a adesão de outro civil,
Otávio Correa. Os “18 do Forte”, como ficaram conhecidos, embora esse não seja exatamente
o número de combatentes, conforme se pode constatar em vários livros especializados no
assunto, debateram-se com as forças do governo, e desse encontro fatal vários deles
morreram, outros foram presos, incluindo Siqueira Campos e Eduardo Gomes, e de outros não
se tem notícia. Coelho Netto foi um dos poucos a emitir opinião sobre o caso, e sua crônica,
intitulada “Arrancada radiante”, deveria ter saído no Jornal do Brasil, de 9 de julho de 1922,
mas foi censurada pelo governo.38 Em Fréchas, onde a crônica foi reunida, Coelho Netto
(1923, p. 215-218) louva como heróis os “rebeldes” tombados.
Que se lhes não louve a Fé; que se lhes desconheça o erro; digam-nos rebeldes, não
se lhes negue, porém, o que tão valorosamente conquistaram: o titulo de heroes. /
[...] e o grito que lançavam era o nome adorado do Brasil dentro dos sons enérgicos
do hymno. / Que povo não se orgulharia de possuir na raça taes leões? Quem os
julgaria capazes de tal feito em dias, como os que correm, tão falho de heroísmo,
quando o que se busca é apenas o que interessa á vida material? Só em paginas
antigas encontraremos fieis como os que romperam do forte, abraçados nos últimos
adeuses, jurados para a morte [...]. / [...] Quando, porém, procuraram em volta os
que os haviam attrahido e os não acharam era tarde para retroceder e avançaram
como heroes. Foi a honra que os levou á rebeldia e, da rebeldia, através do ferro e
fogo, á morte. / Fiquem os dois exemplos aos que se iniciam na vida: o exemplo da
coragem leonina que deram os pelejadores e o exemplo da insídia de que foram
victimas. / Soldados, temo-los e os seus feitos ahi estão em gloria, embora triste e
dolorosa (COELHO NETTO, 1923, p. 215, 217).
O desconforto da associação que fizeram de seu nome com os rebeldes do Forte,
como se ele estivesse exaltando a rebeldia em si, o que podia ser considerado um contrassenso
doutrinário, levou-o a pedir exoneração do cargo de Secretário-Geral da Liga da Defesa
Nacional, em carta de 8 de julho de 1922, endereçada a Affonso Viseu, apenas para poupar a
imagem da Liga. A data e o teor da carta, que veremos depois, sugerem que estivesse ao lado
dos revoltosos desde o começo do movimento.
38
Nas páginas de Fréchas, onde ela, enfim, foi publicada, em 1923, Coelho Netto (1923, p. 218) pôs esta irônica
nota: “O censor policial mandou retirar este artigo da pagina do Jornal do Brasil, edição de 9 de Julho, por ver
nelle ‘incitamento a revoltas’. Como sou myope, é possível que me tenha passado despercebido o que tanto
alarmou os olhos afuroadores da censura. Questão de lentes, talvez...”.
66
Ainda como resquício do seu tempo de boemia com outros intelectuais, quando ainda
era solteiro, Coelho Netto via o jornalismo feito pelos literatos e a própria literatura como
instrumentos da mudança social. Mas também desse resquício boêmio se pode notar certa
mistura de política e anedota, no ofício jornalístico na imprensa das décadas de 1880 e 1890.
Medeiros e Albuquerque, jornalista contemporâneo de Coelho Netto e também fundador da
ABL, nos dá dois testemunhos engraçados envolvendo intelectuais do grupo de Coelho Netto.
No primeiro, dizendo fazer jornalismo antagônico ao do grupo antiflorianista, Albuquerque
(1933, p. 198-199) menciona um episódio envolvendo Mallet e Bilac:
[...] Mallet fazia imprensa um pouco à boêmia, misturando-a com literatura.
Ele e Bilac estavam discutindo, em uma confeitaria, certa questão literária. Cada um
teimava na atribuição de determinado texto a um autor diferente. Apostaram. O
interessante foi, porém, o que cada um teria de fazer, se perdesse: Bilac deveria
escrever um artigo contra o Barão de Paranapiacaba e Mallet um artigo contra o
tenente Vinhaes. Nenhum desses dois personagens tinha absolutamente nada com a
questão. / Mallet perdeu. No dia seguinte, pagando honradamente a aposta, escreveu
um artigo tremendo contra o tenente Vinhaes, seu amigo, com o qual almoçára dois
dias antes e que era então chefe do partido operário!/ Vinhaes – que depois
abandonou a politica e chegou a postos superiores na Marinha – ficou assombrado,
lendo o ataque, a que ele não podia atribuir nenhum motivo. Só depois veio a saber
que era o simples resultado de uma aposta! / Essa mistura de politica e troça diz bem
o valor que podia ter um tal jornalismo.
Diz o jornalista que Bilac, caso tivesse perdido a aposta, não teria nenhuma
dificuldade em atacar o Barão de Paranapiacaba, um velho literato setentenário, exConselheiro do Império e diretor aposentado do Tesouro Nacional. Um homem sério, que a
troça da época chamava de “Barão de Nunca-mais-se-acaba”. Daí que Albuquerque (1933, p.
199-201) invoca o segundo testemunho, não menos engraçado:
Certa vez, Patrocínio, para proteger Emílio Rouède, lhe confiára a tradução de um
romance-folhetim a tostão [100 réis] a linha. Rouède fez o trabalho por alguns dias,
mas a preguiça o venceu. Propôs então a Guimarães Passos que este faria a versão.
Rouède lhe daria 80 réis por linha e ficaria com 20 réis. Era pouco, mas sem
trabalho. Guimarães Passos, por sua vez, teve preguiça e passou a incumbencia a
Coelho Neto. Quando Guimarães recebia os seus 80 réis ficava com 20 e dava 60 a
Coelho Neto.
Coelho Neto não era ainda nesse tempo o trabalhador extraordinário, que depois se
tornou. Achou massante o caso e transferiu-o a Bilac, dando-lhe 40 réis e ficando
com 20. O interessante é que esse regimen funcionou durante algum tempo, sem que
cada um soubesse sinão daquele com que entrava em relação [...]. Cada um achava
razoavel que [d]o outro ganhasse um vintem por linha. / Mas um belo dia Bilac
soube do caso; – verificou, disse ele, que tinha por cima de si tres parasitas, e
resolveu vingar-se. Mas o peior é que não se vingou contra eles. Aproveitou uma
cena do romance em que um sujeito, alta hora da noite, entrava pela janela no quarto
de uma mocinha para fazer-lhe mal. Bilac traduziu tudo como estava no livro.
Quando, porém, um raio de lua mostrava quem era o sedutor, ele pôz: “– Era o
Barão de Paranapiacaba!”.
67
O Barão ficou furioso, e Patrocínio cobrou explicações de Rouède, que transferiu a
culpa a Guimarães Passos, e este a Coelho Netto, que, por fim, dedurou o amigo Bilac. Este
justificou que estava sendo explorado por três parasitas. São casos pitorescos que mostram
outros tipos de relações que havia entre esses homens.
E por falar em romance-folhetim, outra utilidade que os jornais tinham na vida de
muitos autores era justamente esse tipo de publicação fracionada. No caso de Coelho Netto,
ele muito se valeu desse formato: o romance A Capital Federal (1893) foi publicado em O
Paiz, entre 1892 e 1893; Miragem (1895) e Rei fantasma (1895), publicados também em O
Paiz, em 1893; Turbilhão (1906) saiu antes no Correio da Manhã, em 1905; e Esfinge (1908),
que, antes de ser editado em livro em Portugal, veio ao público brasileiro nas páginas d’O
Paiz daquele ano. Além dos folhetins, as crônicas, que somam grande parte da numerosa obra
coelhonettiana, também saíram em jornais antes de virarem coletâneas em livro: os textos de
Baladilhas (1894) saíram antes n’O Paiz em 1890; Bilhetes postais (1894) reúne crônicas de
O Paiz nos anos anteriores; muitos contos de Cenas e perfis (1910) saíram no Correio da
Manhã em 1905; O meu dia (1922) e Às quintas (1924) são coletâneas de crônicas publicadas
em A Noite; Fréchas (1923) reúne crônicas do Jornal do Brasil; o Canteiro de saudades
(1927) é composto de textos publicados entre 1922 e 1925 no jornal A Noite; etc. Não é
possível mensurar a quantidade de contos e crônicas que Coelho Netto mandou para os jornais
em todos esses anos, e é bem provável que parte dos textos que ficaram apenas nos jornais
não se possa mais recuperar, mas sabe-se que apenas uma parte foi reunida em livros.
Foi também obra da imprensa uma das maiores honrarias que Coelho Netto recebeu
em vida: o título de “Príncipe dos Prosadores Brasileiros”, concedido pela revista O Malho,
em concurso realizado em 1928. Paulo Coelho Netto (1942, p. 73-78), no texto “Consagração
pública”, relembra esse concurso, os intelectuais com quem seu pai concorreu, e as dezenas de
ilustres homens de letras que votaram, a cerimônia de entrega do prêmio e as homenagens que
ele recebeu pelo feito, incluindo a tribuna da ABL, por seu presidente Augusto de Lima, e a
saudação do governo do Maranhão, pelo governador Magalhães de Almeida. É de citar-se que
esta foi a terceira vez que Coelho Netto foi agraciado com esse título, sendo que a primeira foi
pela Revista Fon-Fon, em 1925, quando ele obteve 19.556 votos, e a segunda, um pouco
depois, pela Revista Phoenix, também do Rio de Janeiro.
Sobre a grande produção. Coelho Neto, durante quatro décadas, publicou cerca de
120 volumes e deixou matéria para dezenas de outros. Somente em 1898, trouxe a público 11
68
volumes.39 Sua vida é lembrada como a de alguém que resolveu viver só do que a pena lhe
dava. Por isso, Faria (1986, p. 226) dizia que ele era “escritor, cem por cento escritor”.
Fialho de Almeida, escritor português, admirava-se disso: “Coelho Netto é avis rara
que, segundo me dizem, tem conseguido viver de producção litteraria, stenographada na
lingua portugueza. Facto tão estranho, que em Portugal mal póde ser comprehendido, visto a
litteratura entre nós não ter valor negociável [...]”. E dizia ainda: “Ignoro como o Brasil
remunera os seus homens de letras [...]” (ALMEIDA, 1910, p. 161-162). Aluísio Azevedo,
mais velho, antes de ser diplomata, e Humberto de Campos (1886-1934), mais novo,
jornalista e escritor, ambos maranhenses, foram autores que também tentaram sobreviver
apenas da escrita. 40 João Neves da Fontoura (1944, p. 61), sucessor de Coelho Netto na ABL,
falando da intensa produção literária do autor Esfinge, anotou:
Em honra do próprio Coelho Neto teremos de assinalar que a sua fecundidade não
era exclusivamente a resultante do seu espírito inquieto. De certo havia nêle o fundo
de um argonauta. Latejava-lhe nas artérias o sangue dos descobridores. Pertencia ao
clan dos profetas. Coelho Neto escrevia quási por imposição orgânica. Daí, o
acelerado de sua produção. Não era um lapidário paciente nem passaria a vida de um
monge medieval, retocando uma iluminura. Por muito que nos pareçam polidos os
seus períodos, êles brotaram mais da espontaneidade criadora do que do lavor
caprichoso do artista. Os originais dos seus artigos e dos seus livros quási não
contêm rasuras ou emendas.
Isso é significativo, pois ao lermos as críticas sobre seu estilo rebuscado, quase
sempre fica a impressão de que o criador de “Firmo, o Vaqueiro” era um autor que escrevia e
ficava horas a ornar a sua escrita, até deixá-la em ponto de perfeição. E, na verdade, esse
testemunho da espontaneidade com que Coelho Netto escrevia figura em textos de diversos
autores, que aqui dispensamos citar, por mera economia de papel. Detenhamo-nos, porém, um
pouco mais em Fontoura (1944, p. 62-63), admirado da capacidade produtiva do maranhense:
[...] Em Neto tudo é exuberante e natural, mesmo os artificialismos, como a flora
equatorial que o viu nascer. O laboratório das suas idéias e das suas frases é o
cérebro, não o papel [...]. / Escrevia a jacto contínuo, enchendo as oficinas de
editores diversos, colaborando diàriamente em jornais da capital e dos Estados,
professando na Escola Dramática, deputado em duas legislaturas, conferencista na
estação elegante, orador das grandes solenidades, improvisador de saraus da Rua do
Roso. / Admirável Coelho Neto, que tesouros tu esbanjaste nessa usina espiritual,
accionando a tua pena com as torrentes de uma imaginação de califa!
39
São eles: O morto (romance); Romanceiro (contos); A descoberta da Índia (narrativa histórica); O paraíso
(romance); Seara de Ruth (contos); O Rajah do Pendjab (romance em dois volumes); Ártemis (peça); Hóstia
(peça/balada); Lanterna mágica (crônicas); e A terra fluminense (educação cívica, em colaboração com Bilac).
40
Sobre Aluísio, escreve Valentim Guimarães (1896, p. 52): “Aluisio Azevedo é no Brasil talvez o único escritor
que ganha o pão exclusivamente à custa de sua pena, mas note-se que apenas ganha o pão: as letras no Brasil
ainda não dão para comprar a manteiga [...]”. Em tom parecido, Humberto de Campos (1983, p. 23) referia-se à
insistência naquele “comércio mais idiota deste mundo: vender o miolo da cabeça para comprar o miolo do pão”.
69
Outro ponto tocado por Fontoura era que Coelho Netto tinha de fato a literatura como
profissão, e, nessa condição, escrevia para poder comprar o seu pão cotidiano:
Os que procuram as razões da tua fecundidade, para exaltá-la ou deprimi-la,
deveriam baixar até certo ponto àqueles instintos subalternos, que Augusto Comte
considerava senhores dos mais nobres, para proclamar que realizaste, no Brasil, e,
mais do que isso, no teu tempo, o prodígio de pagar com as moedas cunhadas no
cérebro o pão de cada dia, levantando as paredes do teu lar com aquêles tejolos de
livros que tu mesmo viste velando o cadáver de Rui Barbosa! (FONTOURA, 1944,
p. 63).
Fontoura (1944, p. 63) conta ainda que Coelho Netto recebia 400$000 mensais do
editor Magalhães para dar-lhe, a cada dois meses, “um daqueles hoje desconhecidos livros de
capa amarela que eu devorei no meu tempo de ginásio, procurando no dicionário o significado
das palavras desconhecidas”.
Na entrevista concedida a João do Rio, em 1905, quando Coelho Netto o recebeu em
casa, ficou registrado um pouco da rotina de trabalho do escritor maranhense:
Dez horas da manhã. O grande artista escreve. [...] Coelho Neto levanta-se
normalmente às cinco da manhã, senta-se a escrever às seis, trabalha até às doze, vai
para o duche frio, almoça e às três da tarde recomeça para só terminar quando se
acendem na cidade as primeiras luzes. Há quatro horas já, impalpável e divina, a
fantasia impele a sua pena de aço (RIO, s.d., p. 18).
Coelho Netto desabafa:
A crítica, quando foram dados à luz alguns volumes meus com intervalos apenas de
dias, gritou contra o que ela chamava de mercenarismo. Não sou infelizmente
conhecido nem do público nem da crítica. O público não sabe a capacidade do meu
trabalho, a crítica ignora por que trabalho tanto (RIO, s.d., p. 19).
Coelho Netto afirma que canaliza o seu trabalho pensando no conforto da família e
na quitação das contas: “Preciso de um relativo conforto, preciso rodear os meus filhos de
bem-estar. Trabalho! Creio que só a tenacidade e o querer têm obstado a minha morte. Hei de
ir até o fim com o prazer de ter pago sempre as minhas dívidas...” (RIO, s.d., p. 20). Alguns
autores já tomaram esta passagem, fora de seu contexto, para usá-la como motivação precípua
de Coelho Netto quanto ao seu exercício de deputado federal (1909-1917), reduzindo sua
atividade parlamentar à mera busca da mesada estatal que lhe garantisse o sustento da casa. O
texto, todavia, data de 1905, publicado na série da Gazeta de Notícias, depois editado em
livro sob a organização do entrevistador João do Rio, com o título O momento literário, em
70
1907, e é claramente alusivo ao seu trabalho de escritor, não de deputado, que ainda não o era.
Sua vida parlamentar e seus interesses a ela relativos demandam reflexão específica.
Por fim, essa rotina alucinada e fatigante de trabalho chegou, por vezes a prejudicarlhe as relações familiares, como nos conta Chermont de Britto (1933, p. 23-25):
Na sua ultima visita ao “Jornal do Brasil”, Coelho Neto contou-nos um fáto que a
todos comoveu profundamente. Provocaramos as suas confidencias sobre seu regime
de trabalho, que lhe permitir produzir obra de tamanho vulto e tamanha beleza. / –
Vivi, durante muitos anos, falou o Mestre, prisioneiro de minha mesa de trabalho.
Quando não escrevia, tinha de estudar, e isso não me permitia um só instante com a
familia. Imaginem o meu sacrificio! Um dia, Jorge, meu filho, chamou-me para lhe
contar uma historia. Ele estava doentinho! Eu tinha de atender a um compromisso
serio de colaboração, e não podia faltar por motivo algum. E disse a meu filho, que
tinha de escrever. A creança queixou-se á mãe: / – Papae não gosta de nós, mamãe!
Está sempre longe, metido com os seus livros e os seus papeis! Ele gosta mais dos
seus livros!...
Professor sim, embaixador não. Coelho Netto exerceu várias vezes a função de
professor, numa época em que ainda não havia profissionais especializados em educação e
essa função era exercida precipuamente por homens públicos e intelectuais, cenário que só se
modificou a partir da década de 1920 (NAGLE, 2001). Em 1892, ele foi designado lente de
História das Artes da Escola Nacional de Belas Artes; em 1901, foi aprovado em 1.º lugar no
concurso público para lente de Literatura do Ginásio de Campinas, onde trabalhou até 1904;
em 1907, foi nomeado interinamente como lente do Externato Pedro II, efetivado nesse cargo
em 1909, independentemente de concurso, por voto unânime da Congregação do Ginásio
Nacional, levando-se em conta vários fatores, inclusive o concurso para o Ginásio de
Campinas; em 1910, foi nomeado professor de História do Teatro e Literatura Dramática da
Escola Dramática Municipal e diretor da mesma escola; foi também professor de Literatura do
Curso Andrews (COELHO NETTO, P., 1942, p. 23-25, 205-206).
É de se destacar o seu reconhecimento da escola como instituição fundamental na
formação da pessoa e do cidadão, o que exemplificamos citando apenas uma passagem:
“Fundar uma escola é construir no Futuro [...] É na escola que o povo transforma-se em
nação” (COELHO NETTO, 1911, p. 138). Sobre sua atenção para com a categoria docente, já
citamos linhas atrás a crônica “Os esquecidos”, datada de 1921, reunida em Fréchas, em que
comenta o fato de lentes e professores terem sido os únicos funcionários públicos esquecidos
no reajuste dado pelo governo aos servidores, saindo em sua defesa.
Registre-se também que, por duas vezes, Coelho Netto flertou com a diplomacia. A
primeira, em 1892, após classificar-se em concurso para secretário da Legação: “Figuraram
entre seus companheiros de turma, os Drs. Oscar de Teffé e Sylvino Gurgel do Amaral, mais
71
tarde embaixadores. Funcionaram como examinadores os Drs. Amaral Cavalcanti e Graça
Aranha. Coelho Netto desistiu da carreira diplomática, deixando-se ficar na imprensa”
(COELHO NETTO, P., 1942, p. 24). O motivo por ele alegado foi que temia sentir saudades
da Pátria. Em 1908, foi convidado pelo Barão do Rio Branco para ingressar na carreira
diplomática, mas declinou do convite. Dos intelectuais do período, também membros da
ABL, Graça Aranha, Aluísio Azevedo e Oliveira Lima ingressaram nessa carreira.
1.6 DUAS FACES DO MESMO INTELECTUAL: ENGAJADO E TRADICIONAL
Já falamos, páginas atrás, acerca das concepções teóricas de Sartre e Gramsci sobre a
condição intelectual. Neste tópico, voltamo-nos aos dois filósofos, para aproveitar deles os
conceitos de intelectual engajado, do primeiro, e intelectual tradicional, do segundo.
Coelho Netto engajado. As principais causas pelas quais o autor de Rei Negro se
engajou foram: a Abolição, a República, a defesa da pátria, a defesa do meio ambiente, a
defesa da prática esportiva, dentre outras. Sobre abolicionismo e republicanismo, em muitos
intelectuais, foram causas quase intrínsecas uma na outra. Excetuando-se nomes como o de
Joaquim Nabuco (1849-1910) e Carlos de Laet (1847-1927), que eram abolicionistas, mas
monarquistas, homens de letras como Coelho Netto e seus amigos nos anos 1880 achavam
incongruência na escravidão, como instituto humano, e na monarquia, como regime político,
tornado incompatível com a realidade sociopolítica do país.
Um aspecto interessante sobre o Coelho Netto abolicionista é que ele, quando
estudante em São Paulo, chegou a acolher em casa vários escravos fugidos. No jornal
paulistano Diario Nacional, na edição especial de 13 de maio de 1930, aniversário da
Abolição, prestava-se uma homenagem aos “grandes abolicionistas” em terras paulistas,
quando se dá uma menção a Bueno de Andrada, daí decorrendo um pequeno diálogo:
– Alguma particularidade com Coelho Netto?
– Sim. Foi um grande abolicionista. Residia numa casinha da rua Conselheiro
Furtado, em cujos fundos costumava esconder negros fugidos, que o procuravam.
Mas, não era só Coelho Netto que fazia da propria casa esconderijo dos pobres
captivos (DIARIO NACIONAL, 13 maio 1930, p. 1).
O próprio Coelho Netto, na edição de 13 de maio de 1920 d’A Noite, publica a
crônica “Um... como muitos”, reunida em O meu dia, na qual lembra essa condição de fazer
da casa um miniquilombo e de dar fuga aos escravos que o procuravam:
72
A minha lampada, que era belga, não realizava os prodigios que a imaginação dos
árabes attribue á de Aladino [...]. Assim, apezar de eu possui-la, era pobre, de
poucos moveis e sem alfaia alguma, a casa em que eu, então, residia, com a minha
alegre mocidade, á rua Barão de Iguape, em S. Paulo, no anno da Graça de 1884.
Nesse tempo S. Paulo era uma cidade acadêmica e modesta. [...].
A minha casa, essa, era um verdadeiro quilombo. Havia ali negros como em uma
cabilda e, de quando em quando, destacávamos dois ou tres, formava-se a guarda de
defesa, de academicos e de populares, quasi sempre com Raul Pompeia como
caudel, e, alta noite, atravez da garoa espessa, lá iamos para o Braz embarcar os
negros na estação do Norte.
Havia um machinista, typo de gigante, da estructura do bom S. Christovam, e com
um coração proporcional ao corpo, que se entendia comnosco nas razzias que
fazíamos frequentemente, e escravo que lhe era confiado chegava ao Rio, apezar da
vigilancia e da baldeação na Cachoeira, sempre perigosa (COELHO NETTO,
1928d, p. 217-218).
Nessa mesma crônica, Coelho Netto critica a postura de alguns negros representados
na figura de Pedro Clemente, que se fingindo amigo e herói, contando que resgatava escravos
e lutava com capitães do mato por noites adentro, tinha acesso às repúblicas de estudantes,
onde obtinha todos os detalhes para pôr em prática, às escusas, o seu ofício. Coelho Netto
(1928d, p. 221) o condena: “Havia heroismo nesse tempo, mas entre os heroes ás vezes
appareciam cães, como esse Pedro Clemente, abolicionista exaltado e... capitão do matto”.
Da ficção de Coelho Netto, vale citar A conquista, que mostra os bastidores da
campanha pela Abolição; Banzo, que em alguns trechos mostra a preocupação com o futuro
dos escravos libertos em 1888 e critica a política de colonização (por imigrantes europeus)
das terras ocupadas por ex-escravos; e Rei Negro, chamado de “romance bárbaro”, cujo
protagonista-herói é o escravo negro Macambira.
Indicamos como fontes de estudo dessa condição abolicionista-republicana de
Coelho Netto, bem como da sua visão geral da figura do negro após a Abolição, os seguintes
trabalhos, que apontam sua contribuição cultural a essas temáticas: o artigo Barricadas na
Academia: literatura e abolicionismo na produção do jovem Coelho Netto, de Leonardo
Pereira (2000); os trabalhos acadêmicos de Rita Margarida Toler Russo, a dissertação Coelho
Netto: o abolicionismo na sua obra como literato e jornalista (1992), e a tese O negro na
ficção de Coelho Netto: o Rei Negro (2003); e O negro na obra de Coelho Neto, de Eulálio de
Oliveira Leandro (2003), todas elas obras de referência para a temática.
Outra causa pela qual Coelho Netto lutou por muito tempo foi a ecológica, numa
época em que ninguém dava atenção ao problema do desmatamento das florestas,
assoreamento de rios, etc. Ele considerava o desmatamento indiscriminado das matas e
florestas brasileiras algo tão nocivo como uma guerra. Citamos, nesse sentido, como
referência importante a seleção de textos feita pelo historiador Eulálio Leandro (2002), sob o
73
título Coelho Neto e a ecologia no Brasil. São vários os textos de Coelho Netto nessa
temática, que merecem uma atenção maior do leitor que se preocupa ou pesquisa temas
referentes à preservação da natureza. Como exemplo, aqui citamos apenas a crônica
“Apparição” (de Versas), na qual Coelho Netto (1918, p. 223-230) inventa a história de um
lenhador que estava a ponto de meter o machado no tronco de uma árvore, quando, de
repente, teve a visão de uma linda moça, que passa a censurar sua atitude, mostrando os
benefícios das árvores vivas e os malefícios do desmatamento. A moça diz: “A guerra que
fazeis á vossa Patria é mais deshumana, mais bruta do que a que fazem os homens no Velho
Mundo. Lá, ella passa talando campos, arrazando cidades, dizimando populações, mas não
destróe o principio da vida como aqui fazeis, ferindo a Patria no coração” (COELHO
NETTO, 1918, p. 228). A nação sofreria consequências, talvez piores, diz ele, caso os
desmatamentos continuassem a crescer no país. Nesse ponto, o escritor aproveita para criticar
os legisladores da República, que, pela conveniência dos sufrágios, ignoravam o problema:
Que importa ao lenhador a sorte da terra? E os que legislam não pensam em
calamidades nem alongam os olhos para o futuro, tanto lhes dá cuidado o presente.
Venham elles eleitos e tudo estará bem. E, como as florestas não vão ás urnas e os
lenhadores têm voto... vivam os lenhadores! (COELHO NETTO, 1918, p. 229-230).
Em suma, este é apenas um pequeno indício de que os olhos do intelectual não
estavam assim tão indiferentes aos problemas nacionais. Em relações a outras causas por que
lutou, algumas já falamos (como os esportes), outras ainda falaremos no capítulo seguinte.
O intelectual tradicional. O outro aspecto do perfil intelectual de Coelho Netto,
diverso do primeiro, é de “intelectual tradicional”, que, segundo Gramsci (1982), é aquele que
fala em nome de grupos ou instituições dos quais faz parte e defende seus interesses.
Enquadramo-lo neste conceito a partir da sua estreita relação com duas instituições: a
Academia Brasileira de Letras e a Liga da Defesa Nacional.
Academia Brasileira de Letras. Segundo informação constante no site da ABL
(2012), a sua fundação foi fruto do desejo de se criar no Brasil uma instituição nos moldes da
Academia Francesa. Os primeiros intelectuais a pedirem por uma academia literária nacional
foram Afonso Celso Jr., ainda no Império, e Medeiros e Albuquerque, já na República.
Mas o personagem fundamental para o empreendimento foi o advogado, jornalista,
magistrado, contista e poeta fluminense Lúcio de Mendonça (1854-1909), no ano de 1896.
Repetindo o gesto que Medeiros e Albuquerque fizera em 1889, ele apresentou proposta ao
ministro do Interior, Alberto Torres, para a criação de uma Academia Brasileira, contando
com 30 membros efetivos, indicados pelo governo, e 10 correspondentes, brasileiros, eleitos
74
por aqueles. Essa fórmula não foi muito bem recebida por alguns intelectuais em evidência
naquele período, por suas posturas monarquistas, como Nabuco, Afonso Celso e Carlos de
Laet, que não gostaram da ideia de receber título de nomeação de um governo republicano.
De igual modo, o governo também não se sentia à vontade em ter de reconhecer os méritos
literários de alguns de seus mais ferrenhos opositores (CAMPOS, 1958a, p. 6).
Lúcio de Mendonça, perseverando na ideia, reformulou sua proposta, apresentando
nova divisão para as cadeiras, que continuariam a ser 40, mas o governo preencheria apenas
10, nomeando, por decreto, “Machado de Assis, Araripe Júnior, Lúcio de Mendonça, Sílvio
Romero, Coelho Neto, Artur Azevedo, Valentim Magalhães, Inglês de Souza, Rodrigo Otávio
e José Veríssimo” (CAMPOS, 1958a, p. 6). Estes 10 elegeriam outros 20 membros41, e os 30,
enfim, escolheriam outros 10 para correspondentes.42
Lúcio de Mendonça queria inaugurar a Academia no dia 15 de novembro de 1896, no
sétimo aniversário da República, mas o governo acabou não assinando decreto algum, o que
levou Lúcio e os literatos que apoiavam seu intento a repensarem o projeto. Foi quando
abandonaram a busca pelo apoio oficial, e passaram a organizar a Academia como instituição
particular. José Veríssimo, interessado na ideia, ofereceu a redação da Revista Brasileira, da
qual era diretor, para receber as reuniões preparatórias. Lúcio reconvocou os colegas,
chegando ao número de 40, agora todos efetivos e vitalícios, mas com algumas diferenças em
relação à primeira lista. Após várias reuniões, a membresia estava praticamente pronta.
A numeração das cadeiras obedeceu à seguinte regra: cada membro escolheria
livremente um patrono para sua cadeira, dentre personalidades literárias já falecidas à época
da fundação da Casa; após escolhidos todos os nomes, as cadeiras seriam numeradas de
acordo com a ordem alfabética dos nomes dos patronos. No quadro abaixo, eis todos os
fundadores, em suas respectivas cadeiras, com seus patronos listados na citada ordem.
GALERIA DOS FUNDADORES E PATRONOS DA ABL (1897)
Cad.
1
2
3
4
5
41
Fundador
Patrono
Luís Murat
Coelho Netto
Filinto de Almeida
Aluísio Azevedo
Raimundo Correia
Adelino Fontoura
Álvares de Azevedo
Artur de Oliveira
Basílio da Gama
Bernardo Guimarães
Cad.
21
22
23
24
25
Fundador
Patrono
José do Patrocínio
Medeiros e Albuquerque
Machado de Assis
Garcia Redondo
Franklin Dória
Joaquim Serra
José Bonifácio
José de Alencar
Júlio Ribeiro
Junqueira Freire
Nos planos de Lúcio de Mendonça, eram estes os nomes a serem apresentados a Alberto Torres: Olavo Bilac,
Joaquim Nabuco, Alberto de Oliveira, Carlos de Laet, João Ribeiro, Alcindo Guanabara, Urbano Duarte, José do
Patrocínio, Rui Barbosa, Ferreira de Araújo, Medeiros e Albuquerque, Visconde de Taunay, Xavier da Silveira,
Teixeira de Melo, Virgílio Várzea, Pedro Rabelo, Guimarães Passos, Alberto Silva, Constâncio Alves e
Capistrano de Abreu (CAMPOS, 1958a, p. 7).
42
Os dez nomes eram estes: Assis Brasil, Raimundo Correia, Clóvis Beviláqua, Martins Júnior, Fontoura Xavier,
Salvador de Mendonça, Leôncio Correia, Aluísio Azevedo e Guimarães Júnior (CAMPOS, 1958a, p. 7).
75
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
Teixeira de Melo
Valentim Magalhães
Alberto de Oliveira
C. Magalhães de Azeredo
Rui Barbosa
Lúcio de Mendonça
Urbano Duarte
Visconde de Taunay
Clóvis Beviláqua
Olavo Bilac
Araripe Júnior
Sílvio Romero
José Veríssimo
Alcindo Guanabara
Salvador de Mendonça
Casimiro de Abreu
Castro Alves
Cláudio M. da Costa
Gonçalves de Magalhães
Evaristo da Veiga
Fagundes Varela
França Júnior
Francisco Otaviano
Franklin Távora
Gonçalves Dias
Gregório de Matos
Hipólito da Costa
João Francisco Lisboa
Joaquim Caetano da Silva
Joaquim Manuel Macedo
26
27
28
29
30
31
32
33
34
35
36
37
38
39
40
Guimarães Passos
Joaquim Nabuco
Inglês de Sousa
Artur Azevedo
Pedro Rabelo
Guimarães Júnior
Carlos de Laet
Domício da Gama
J. M. Pereira da Silva
Rodrigo Otávio
Afonso Celso
Silva Ramos
Graça Aranha
Oliveira Lima
Eduardo Prado
Laurindo Rabelo
Maciel Monteiro
Manuel A. de Almeida
Martins Pena
Pardal Mallet
Pedro Luís
Porto-Alegre
Raul Pompeia
Sousa Caldas
Tavares Bastos
Teófilo Dias
Tomaz Antônio Gonzaga
Tobias Barreto
Varnhagen
Visconde do Rio Branco
Era o ano de 1897, estava fundada a Academia Brasileira de Letras, instalada a 20 de
julho no prédio do Pedagogium, com todo cerimonial de inauguração e empossando a
seguinte diretoria: Machado de Assis, presidente; Joaquim Nabuco, secretário-geral; Rodrigo
Otávio e Silva Ramos, secretários; e Inglês de Sousa, tesoureiro (CAMPOS, 1958a, p. 8). No
seu breve discurso de posse, o presidente Machado de Assis (2012) falou:
Senhores, / Investindo-me no cargo de presidente, quisestes começar a Academia
Brasileira de Letras pela consagração da idade. Se não sou o mais velho dos nossos
colegas, estou entre os mais velhos. É simbólico da parte de uma instituição que
conta viver, confiar da idade funções que mais de um espírito eminente exerceria
melhor. Agora que vos agradeço a escolha, digo-vos que buscarei na medida do
possível corresponder à vossa confiança.
Não é preciso definir esta instituição, iniciada por um moço, aceita e completada por
moços, a Academia nasce com a alma nova, naturalmente ambiciosa. O vosso desejo
é conservar, no meio da federação política, a unidade literária. Tal obra exige, não só
a compreensão pública, mas ainda e principalmente a vossa constância. A Academia
Francesa, pela qual esta se modelou, sobrevive aos acontecimentos de toda casta, às
escolas literárias e às transformações civis. A vossa há de querer ter as mesmas
feições de estabilidade e progresso. Já o batismo das suas cadeiras com os nomes
preclaros e saudosos da ficção, da lírica, da crítica e da eloquência nacionais é
indício de que a tradição é o seu primeiro voto. Cabe-vos fazer com que ele perdure.
Passai aos vossos sucessores o pensamento e a vontade iniciais, para que eles o
transmitam aos seus, e a vossa obra seja contada entre as sólidas e brilhantes páginas
da nossa vida brasileira. Está aberta a sessão.
Nestas poucas palavras, notemos dois pontos fundamentais para a vida da Academia: a
defesa da unidade literária e a sua própria tradição. Sobre a primeira, o próprio estatuto da
instituição, no seu artigo 1.º, diz que a ABL “tem por fim a cultura da língua e da
literatura nacional”, cultura no sentido de cultivo. Quanto à tradição, a ideia era de que a Casa
já nascia “tradicional”, pelo zelo que passava a ter, desde o princípio, pela memória dos seus
patronos e, por conseguinte, pela de cada membro, sucedendo-se a cada geração. Joaquim
Nabuco (2012), no seu discurso de posse como secretário-geral, também disse:
76
As Academias, como tantas outras coisas, precisam de antiguidade. Uma Academia
nova é como uma religião sem mistérios: falta-lhe solenidade. A nossa principal
função não poderá ser preenchida senão muito tempo depois de nós, na terceira ou
quarta dinastia dos nossos sucessores. Não tendo antiguidade, tivemos que imitá-la,
e escolhemos os nossos antepassados.
A tradição, portanto, não deixaria morrer a Casa, pela memória dos seus membros e
patronos. Sem demora, a ABL tornou-se um cobiçado lugar de prestígio, por cujas vagas
disputariam candidatos ao título de imortal. Na imprensa carioca e na paulista, por exemplo,
pudemos constatar que mal saíra a notícia da morte de Coelho Netto, em novembro de 1934, e
já havia várias especulações de quem seria o seu sucessor. Sem querer entrar no mérito da
forma política como as eleições ocorrem, a Casa de Machado de Assis acolheu em suas
fileiras homens que nem mesmo tinham publicado um único livro como foi o caso dos
políticos Lauro Müller (ex-governador de Santa Catarina) e Getúlio Vargas (presidente da
República). Atraiu também velhos adversários do tradicionalismo acadêmico, como Lima
Barreto e Oswald de Andrade, que estranhamente queriam ingressar na “tradicional”
Academia que tanto criticavam, mas foram por ela rejeitados. Outro tipo de tradição (tabu), a
de acolher apenas homens em sua membresia, só foi quebrado quando a instituição completou
80 anos, em 1977, com a eleição da escritora cearense Rachel de Queiroz (1910-2003). Nélida
Piñon, escritora carioca, por sua vez, foi a primeira mulher presidente da ABL, também em
data simbólica, no biênio 1996-1997, isto é, no centenário da instituição.
Unidade de língua/literatura e tradição. Por estas duas causas brigou Coelho Netto
durante toda a vida na Academia. Veremos no capítulo seguinte sua defesa do idioma pátrio e
o sentimento de “brasilidade” na sua literatura. Quanto às tradições da Casa, ele as defendeu,
mas foi na tumultuada sessão da ABL de 19 de junho de 1924, respondendo nervosamente ao
discurso de Graça Aranha sobre o “Espírito moderno”, que isso ficou mais evidente, o que
veremos mais à frente. Coelho Netto viveu intensamente a vida da Academia, mais da metade
da própria vida. Ali, recepcionou como novos acadêmicos Osório Duque-Estrada, Paulo
Barreto (João do Rio) e Mário de Alencar. Chegou à presidência da Casa em 1926. Em 1921,
foi indicado pela ABL para inaugurar a cadeira de Estudos Brasileiros na Universidade de
Lisboa, mas declinou da indicação.
Na condição de membro da ABL, como de praxe, recebeu vários pedidos de ajuda
para eleger candidatos à vaga na instituição, bem como também os pediu aos colegas. De sua
correspondência passiva, citamos apenas quatro desses casos, todos já na fase da velhice do
escritor, em que ele foi procurado e que revelam algumas práticas corriqueiras no processo.
No caso de Artur Mota (1879-1936), em 1933, vemos o pedido feito por um amigo:
77
[...] / Venho bater á sua porta amiga e hospitaleira, para um premio da mais modesta
significação. / Resolvi inscrever-me á vaga de Santos Dumont.
Quando pretendi concorrer á eleição, na vaga de A. Pujol, o meu Amigo aconselhoume a desistir, em atenção a Mangabeira, prometendo-me o seu trabalho a meu favor,
em outra oportunidade. / Creio haver chegado a minha vez, porque fiquei em
expectativa quando foram eleitos Alcantara Machado e Gregório da Fonseca. / [...] /
Ha tres vagas atualmente: a de Alberto de Faria, a que concorrerá Rocha Pombo; a
de Luiz Carlos, destinada a Pereira da Silva; e a que pleiteio. / Conto com a honra do
seu sufrágio e com a grande influencia do seu trabalho a meu favor. / [...]
(CORRESPONDÊNCIA..., 1963, p. 349).
Já o caso de José de Alcantara Machado (1875-1941), em 1930, era de um conhecido
intelectual paulista (pai do escritor modernista Antônio de Alcantara Machado), que não
conhecia Coelho Netto pessoalmente:
47, r. Fred. Stuard / S. Paulo, 31. V. 1930. / Não tenho, eminente Mestre, a fortuna
de conhecel-o pessoalmente. Mas a cordialidade das relações que manteve com meu
Pae e de que são testemunho as cartas encontradas no archivo de Brasilio Machado,
autoriza-me até certo ponto a enderesar-lhe estas linhas. Venho pedir-lhe venia para
candidatar-me á Academia Brasileira, na vaga deixada pelo desapparecimento do
elegante letrado, e insigne jurista, que foi Alfredo Pujol. É grande, bem o sei, a
minha ousadia. Conforta-me, porém, a certesa de que maior é a benevolência dos
que são chamados a julgar-me. Será motivo, para mim, de immensa euforia merecer
a sympathia generosa do escriptor, que é uma das culminâncias da raça.
Rogo permissão para subscrever-me. / m.to seu / velho adm.or
Alcantara Machado (CORRESPONDÊNCIA..., 1963, p. 337).
O escritor e historiador pernambucano Celso Vieira (1878-1954), por sua vez,
também em 1930, é o típico exemplo de autores obscuros que, sem trabalhos conhecidos do
grande público ou amigos de grande influência na Casa, desejam chegar ao renome da
escolha, apelando unicamente à consciência estética dos seus julgadores:
[...] / Tenho a honra de comunicar a V. Ex.ª que, fundado em trinta annos de esforço
litterario e seis obras já publicadas a minha aspiração, concorrerei á vaga deixada
pelo saudoso escriptor e jurista Dr. Alfredo Pujol, cadeira n. 23, na Academia
Brasileira de Lettras. / Ao julgamento de Coelho Netto, principe dos nossos
prosadores, deixo sem recommendações o meu trabalho constante e obscuro de tres
decennios. Que a sua consciencia esthetica decida, na serenidade propria das
altitudes mentaes, donde nos vem a belleza ou a justiça, e muito bem decidido estará
o pleito. / Homenagens do mais elevado apreço e distinta consideração.
Celso Vieira (CORRESPONDÊNCIA..., 1963, p. 338).
Por último, o telegrama de Raimundo Pontes de Miranda (1892-1979), em 1926,
quando Coelho Netto era o presidente da Casa, que revelou uma pequena decepção:
Dr. Coelho Netto / 2 ago. 1926 / Irei visital-o opportunamente. Quero porêm que
cedo lhe vá o meu pedido vaga Lauro Muller. Dei tudo que não tive vez anterior só
seu voto me dói não ter tido. Creia que me julguei victorioso quando saiba que
consegui auxilio illustre mestre. / Saudações / Pontes de Miranda
(CORRESPONDÊNCIA..., 1963, p. 325).
78
Pela carta de Artur Mota dá para perceber que Coelho Netto não apoiou Alcântara
Machado, para a cadeira 23, preferindo Otávio Mangabeira (1886-1960), que foi o escolhido
da Casa. Machado, todavia, foi eleito no ano seguinte (1931) para a cadeira 37, vaga com a
morte de Silva Ramos, e é possível que nessa candidatura tenha recebido o apoio do escritor
maranhense. Quanto a Celso Vieira, já vimos que não se elegeu para a cadeira 23, mas sua
obra “obscura” foi reconhecida com sua escolha para a sucessão de Santos Dumont, que se
suicidou antes de tomar posse, em 1933, na cadeira 38, justamente a pretendida por Artur
Mota, que morreu sem realizar o sonho de entrar para a ABL. Quanto ao jurista Pontes de
Miranda, foi eleito sim, mas só 53 anos depois, alguns meses antes de morrer aos 88 anos de
idade. São estas algumas engrenagens da máquina de eleger ou rejeitar candidatos à ABL.
O último grande fato que liga Coelho Netto à ABL, em vida, é a sua indicação feita
por aclamação em 7 de dezembro de 1932 a Prêmio Nobel de Literatura de 1933.43 Essa
iniciativa recebeu o apoio da imprensa portuguesa, que passou a tratar Coelho Netto como
candidato das duas nações: Brasil e Portugal. O Prêmio, todavia, foi para as mãos do escritor
russo Ivan Bunin (1870-1953).
Liga da Defesa Nacional. É uma associação cívico-cultural, fundada na simbólica
data de 7 de setembro de 1916, que existe até hoje. Foram seus fundadores Pedro Lessa44 e
Miguel Calmon45, e seu maior entusiasta o poeta Olavo Bilac. Essa instituição surge num
contexto bastante favorável ao seu espírito nacionalista, pois boa parte do mundo,
principalmente a Europa, sofria com a I Guerra Mundial (1914-1918), que estava ainda pela
metade. Escreve Mauro da Silva Brito (1997, p. 69) que “A grande guerra ensinara ao mundo
a inanidade dos tratados de paz” e que, nesse contexto, a fundação da Liga da Defesa
Nacional representava “um sinal de alerta ao Brasil pacifista e desprevenido”.
Se já havia entre os intelectuais brasileiros uma Liga Pró-Aliados, que tinha na
pessoa de Rui Barbosa (1849-1923) um fervoroso líder, cercado de vários intelectuais como o
próprio Coelho Netto e também Bilac, e que muito debateu a Guerra e qual o papel devido ao
Brasil nesse evento, a Liga da Defesa Nacional, por sua vez, foi criada com um caráter que se
43
O relator da moção foi Humberto de Campos e contou com a assinatura também de Olegário Mariano,
Medeiros e Albuquerque, Gustavo Barroso, João Ribeiro, Adelmar Tavares, Afonso Celso, Ramiz Galvão,
Constâncio Alves, Alberto de Oliveira, Aloysio de Castro, Augusto de Lima, Alcides Maya, Gregório da
Fonseca, Laudelino Freire, Rodrigo Octávio, Roquette-Pinto, Fernando de Magalhães, Afonso Taunay, Félix
Pacheco, Antônio Austregésilo, Filinto de Almeida, Ataulpho de Paiva e Cláudio de Souza (COELHO NETTO,
P., 1942, p. 81).
44
Pedro Augusto Carneiro Lessa (1859-1921), nascido no Rio de Janeiro, foi jurista, magistrado, político e
professor. Sucedeu a Lúcio de Mendonça na cadeira 11 da ABL, em 1910, e pertenceu também ao Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro. Foi autor de sete obras, seis na área jurídica e um ensaio historiográfico.
45
Miguel Calmon du Pin e Almeida (1879-1935) foi um engenheiro e político nascido na Bahia, sobrinho do
Marquês de Abrantes, que era seu homônimo.
79
pretendia mais duradouro. A ideia era fomentar o patriotismo, a disciplina, a família, a
instrução, o trabalho, e também pugnar pela defesa nacional, pelo serviço militar obrigatório e
pelo melhor preparo do Brasil para uma eventual guerra, algo sempre negligenciado ao longo
da história do país até então, conforme o artigo de Adler de Castro (2008).
Na “Acta primeira”, disponível no site da instituição, registram-se os momentos
principais da 1.ª sessão da Liga, datada de 7 de setembro de 1916, a que estavam presentes:
General Caetano de Faria, Dr. Pedro Lessa, Dr. Miguel Calmon, Almirante Julio
César de Noronha, Senador Bernardo Monteiro, Oscar da Porciúncula, Conselheiro
João Alfredo Corrêa de Oliveira, Comandante Muller dos Reis, Conselheiro Nuno
de Andrade, Dr. Guilherme Guinle, Monsenhor Vicente Lustosa, Dr. Cícero
Peregrino da Silva, Dr. Homero Baptista, Affonso Viseu, Candido Gaffré, Almirante
Teixeira Bastos, Dr. João Teixeira Soares, Dr. Alberto de Faria, Dr. Oscar Lopes,
Alvaro Zamith, Dr. Osório de Almeida, Jorge Street, Dr. Raul Pederneiras, Dr.
Pereira Lima, Senador Soares dos Santos, Conde Carlos de Laet, Dr. Joaquim Luiz
Osório, Dr. Araújo Lima, Conde de Affonso Celso, Coelho Netto, Dr. Miguel
Couto, Felix Pacheco, Marechal José Bernardino Bormann, Joaquim de Sousa
Ribeiro e Olavo Bilac (LIGA DA DEFESA NACIONAL, 2012).
As ausências, justificadas por telegrama, foram dos conselheiros Rui Barbosa e
Rodrigues Alves, marechal Jeronymo Jardim, senador Alfredo Ellis e deputado Antonio
Carlos. Como orador oficial, Olavo Bilac falou dos objetivos da Liga:
[...] O paiz já sabe, pela rama, o que esta Liga pretende fazer: estimular o
patriotismo consciente e cohesivo; propagar a instrucção primaria, profissionalmilitar e cívica; e defender: com a disciplina – o trabalho; com a força – a paz; com
a consciência – a liberdade; e com o culto do heroísmo a dignificação da nossa
historia e a preparação do nosso porvir. O intuito principal dos que nos animam é
este: a fundação de um centro de iniciativa e encorajamento, de resistência e de
conselho, de perseverança e de continuidade para acção dos dirigentes e para o labor
tranquillo e assegurado dos dirigidos. O patriotismo individual, a crença pessoal, a
consciencia propria nunca estiveram ausentes – do maior número das almas
brasileiras. Mas, esses sentimentos oscillam e vacillam numa vaga dispersão; e,
nessa mesma dispersão deplorável, perdem-se e dissipam-se os esforços isolados. A
extensão do território, a pobreza das communicações, o accordo pouco definido de
uma federação mal comprehendida, a míngua da ventura em muitos sertões
desamparados, a inopia da instrucção popular sustentam e aggravam esta
desorganização. A descrença e o desanimo prostram os fortes; o descontentamento e
a indisciplina irritam os fracos; a communhão enfraquece-se. É tempo de protestar e
de reagir contra esse fermento de anarchia e essa tendencia para o desmembramento
(LIGA DA DEFESA NACIONAL, 2012).
O papel da Liga seria bastante amplo, ainda segundo Bilac:
O protesto e reacção estão nésta Liga, cujo título é claro e synthetico. A defesa
nacional é tudo para a Nação. É o lar e a Pátria; a organização e a ordem da familia e
da sociedade; todo o trabalho, a lavoura, a industria, o cmmercio; a moral
domésticas e a moral política; todo o mecanismo das Leis e da administração; a
economia, a justiça; a instrucção; a escola, a officina, o quartel; a paz e a guerra; a
80
historia e a política, a poesia e a philosophia; a sciencia e a arte; o passado, o
presente e o futuro da nacionalidade (LIGA DA DEFESA NACIONAL, 2012).
Como secretário-geral, Bilac viajou por vários estados do país fazendo propaganda
da Liga e de seus ideais nacionalistas, conseguindo a adesão de muitos intelectuais e políticos,
que também criaram ligas congêneres em nível estadual em várias unidades da federação. O
primeiro presidente da Liga foi o então presidente da República Wenceslau Brás, escolhido
por aclamação do plenário, que pretendia que todos os presidentes da República fossem a seu
tempo também presidentes da Liga. Embora composta por algumas figuras do mundo político,
incluindo parlamentares e magistrados, e tendo como liderança aclamada, pelo menos no seu
início, a figura honorável do presidente da República, vale ressaltar que a Liga não era e não é
um órgão estatal ou paraestatal, mas uma instituição oriunda da sociedade civil. Estado e
sociedade civil distinguem-se mesmo sendo “espaços onde o político trilha o seu caminho”,
só que “em diferentes níveis de concretização” (ROSENFIELD, 2009, p. 76). E mais:
A sociedade civil não é apenas uma associação de indivíduos, mas de cidadãos que
se organizam segundo as suas próprias experiências, segundo as suas profissões e
trabalhos e de acordo com os princípios democráticos: a liberdade de expressão, de
circulação, de imprensa e de associação (ROSENFIELD, 2009, p. 77).
Hoje, a quase centenária Liga é composta, principalmente, por profissionais liberais,
servidores públicos e militares das Forças Armadas, Polícia Militar e Corpo de Bombeiros, e,
embora mantenha o mesmo espírito, não tem mais o caráter pomposo e eloquente de outrora.
Coelho Netto foi integrante dessa instituição, e, como vimos, foi um dos signatários
da ata de fundação, em 1916. Em 1919, foi eleito seu secretário-geral (COELHO NETTO, P.,
1942, p. 25), em lugar de Bilac, que falecera em 1918. Coelho Netto ficou nesse cargo até
julho de 1922, quando pediu exoneração por ocasião do episódio dos “18 do Forte”, de que
falamos linhas atrás. A carta em que anuncia seu desligamento do cargo de Secretário-Geral
tem data de 8 de julho de 1922 e foi endereçada a Affonso Vizeu.46 Da miúda e escorreita
caligrafia de Coelho Netto, transcrevemos o seguinte trecho:
[...] venho depor nas suas mãos, pedindo-lhe que a restitua aos demais directores e
socios da Liga da Defesa Nacional, a honra da investidura que recebi para servi-la,
como seu Secretario-Geral, posto em que sempre me senti apagado por haver nelle
refulgido o genio de Olavo Bilac. Tenho um coração um tanto quanto bravio, como
a terra virgem do nosso Brasil, por isto, talvez, ingenuo na sua sinceridade. Como ao
do poeta as alegrias e as dores da Patria fazem-na vibrar a impetos. O acto, do qual
se orgulharia qualquer Patria, praticado por esse pugillo de brasileiros, que só se
46
Essa missiva foi acostada por Paulo Coelho Netto, no formato de fac-símile em negativo, entre as folhas 202 e
203 de Páginas escolhidas (COELHO NETTO, 1945), que ele organizou.
81
renderam, e heroicamente, à Morte, levando ao peito, à guiza de escamas de
couraça, pedaços da nossa bandeira, vale por uma Epopéa e dá cópia sublime da
valentia da nossa gente. O que eu nelles queria louvar, com uma braçada de flores,
não era a rebeldia, mas a Fe, a coragem levada até a abnegação, a exaltação da
Dignidade, a belleza do gesto de Heroismo antigo. Era para taes grandezas d’Alma
que eu pedia o culto que Antigona, insurgindo-se contra as proprias leis Thebanas, e
desafiando a morte, prestou ao corpo de Polynice, que tambem se rebelara contra a
Patria, mas que era seu irmão. Negaram-mo. Irei cumpri-lo só e, para que a
peregrinação, em que vou, não acarrete difficuldades nem levante suspeições que
possam comprometter a Liga, exonero-me do cargo que nella exerço. Não me
incitam, nem jamais me incitaram, outras vozes senão as da Patria e o que della ouço
são palavras de justo orgulho por ser mãi de taes heroes, e de lastima por os haver
perdido, purificados de toda a culpa no proprio sangue, quando sahiram do forte na
destemida arrancada, com a bandeira ao peito [...] (COELHO NETTO, 1945, carta
acostada entre as p. 202 e 203).
Esta carta liga-se perfeitamente com a crônica “Arrancada radiante” (COELHO
NETTO, 1923, p. 215-218), já citada, reafirmando-lhe todos os seus pontos. Sua ligação com
a instituição, ao contrário, nunca foi cortada, permanecendo nela até o fim da vida. Seu
espírito patriótico casou-se com Liga e nela cresceu. Falou em nome dela em muitas ocasiões,
especialmente em discursos cívicos por diversos cantos do país, como boa parte dos que se
encontram reunidos no livro Orações (1923). Quando pronunciou o pequeno discurso, em
nome da Liga, no sepultamento do juiz Pedro Lessa, fundador da instituição, em 27 de julho
de 1921, Coelho Netto (1926, p. 144) disse:
A obra do Poeta e do Pensador; o canto e o conceito, o prégão e a formula, o
chamamento enthusiastico e a disciplina, o ardor dos corações e a doutrina,
persistem nessa instituição que há de subsistir porque tem em si eternidade que é a
“alma” que os dois [Pedro Lessa e Miguel Calmon] nella infundiram: a Liga da
Defesa Nacional.
Por fim, vale lembrar que um dos manuais de civismo de Coelho Netto, o Breviário
cívico, publicado em 1921, foi patrocinado por essa instituição. Mais uma vez, é o perfil do
intelectual tradicional gramsciano que avulta na figura do escritor maranhense, quando se põe
a serviço dessa instituição. No capítulo seguinte, veremos ainda várias alusões à Liga da
Defesa Nacional.
1.7 LIGAÇÕES COM O PODER POLÍTICO
Norberto Bobbio (1997, p. 112) diz que “o problema dos intelectuais é o problema da
relação entre os intelectuais [...] e o poder” (no caso, o poder político). Isto porque, ao
considerar que o intelectual, por meio de suas obras, exerce um tipo de poder (de persuasão),
sua relação com o poder torna-se uma relação entre duas diferentes formas de poder. Essa
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relação enseja a possibilidade de diferentes posicionamentos do intelectual quanto a esse
poder.
Quando nos volvemos para Coelho Netto, sentimos um pouco do que é esse
problema, não tanto pela relação de forças em si que pode estabelecer com o poder político,
mas justamente por essa relação ser multifacetada desde o princípio. É possível detectá-lo
exercendo o poder de criticar o poder político, estando fora dele, como nas campanhas
abolicionista e republicana (quando mal tinha onde morar e comer), nas críticas ao governo de
Floriano Peixoto, aos inúmeros problemas da cidade do Rio de Janeiro, à falta de políticas de
preservação ambiental, etc. É possível vê-lo tentando contribuir com o poder político, estando
também fora dele, em colóquios reservados com autoridades ou por meio de ideias e
sugestões apregoadas em textos de grande alcance público, como as crônicas de jornal, ou
proferidas em discursos acessíveis a representantes do poder político, ou ainda mediante o
ofício de propagador do civismo, especialmente a crianças e jovens, objetivando formar
cidadãos cônscios dos seus deveres para com o país. É possível ainda vê-lo participando
ativamente do poder político, como secretário de Estado, como deputado federal ou como
ministro plenipotenciário representando o Brasil eventualmente no exterior.
Neste trecho do trabalho, abordaremos Coelho Netto em algumas ocasiões em que
experimentou estar no poder, através de cargos públicos, delegados ou eletivos, ou de
encargos de caráter honorário, enfatizando seu comportamento.
No governo do Rio de Janeiro. Em 1890, Coelho Netto, com 26 anos, e com apenas
um livro publicado (O meio, 1889), foi convidado para ser secretário do governo do Estado do
Rio de Janeiro, sediado em Niterói. Não sabemos quase nada sobre sua atuação à frente da
pasta, em termos políticos ou administrativos, até porque durou pouco menos de dois anos.
Paulo Coelho Netto (1942, p. 395) distingue dois cargos que Coelho Netto teria ocupado
nesse Governo: em 1890, como secretário do governo, e em 1891, como diretor dos Negócios
do Estado, da Justiça e Legislação, amigo que era do governador Portela e genro de Olympio
Brandão, educador e político do Rio de Janeiro. Mas sabemos, por outro lado, que sua alçada
repentina ao poder estadual fez vir à tona um sentimento de solidariedade para com alguns de
seus colegas literatos, que se encontravam alijados do poder político e em apertos de ordem
material. Era uma rede de solidariedade, quase um pacto, de que quem estivesse por cima
deveria ajudar os demais. Vemos isso também num episódio em que Coelho Netto ajuda
financeiramente Olavo Bilac com a publicação de um trabalho em coautoria. Na biografia que
fez de Aluísio Azevedo, Raimundo de Menezes (1957, p. 244) diz que Coelho Netto,
83
recém-casado começa vida nova: nesse mesmo ano, por uma dessas surpresas do
destino, vê-se nomeado secretário do Govêrno do Estado do Rio. Exerce então as
funções de governador o dr. Francisco Portela, seu amigo e admirador. Neto,
guindado de repente ao poder, não esquece os companheiros de véspera. Consegue
colocações aos mais íntimos.
Surpresa do destino ou mera sociabilidade, o certo é que ele alcança o poder. Os
companheiros a que Menezes se refere são três dentre os mais chegados amigos de Coelho
Netto: Olavo Bilac, Pardal Mallet e Aluísio Azevedo, intelectuais talentosos, sem dinheiro no
bolso e antigos companheiros de boemia; eles foram nomeados nos respectivos cargos:
Oficial da Fazenda, Arquivista e Oficial-Maior na Secretaria de Negócios do Governo, em
Niterói, sendo que a nomeação de Aluísio se deu apenas em 31 de junho de 1891. Os
rendimentos eram pequenos, eis por que Aluísio precisava economizar: “Daí por diante, o
romancista estabelece uma norma de vida calma, diz-nos o seu protetor, com orçamento
parco, quase avaro, consegue depositar mensalmente as sobras na Caixa Econômica para
forma uma ‘base de fortuna’...” (MENEZES, 1957, p. 244). Ao nomear amigos, Coelho Netto
reproduzia a mesma prática política de que fora alvo: era amigo do governador que o nomeou.
Com a derrubada do governo, todos perderam seus cargos, e isto está narrado ficcionalmente
em Fogo-fátuo (1929). Tudo ocorre num tempo em que o escritor era ainda muito jovem, com
26 anos, sem muita experiência política.
Propagandista dos 400 anos do Brasil. Coelho Netto foi um intelectual que deu
muito valor às datas comemorativas, sobretudo as de cunho patriótico, informação que se
constata facilmente lendo várias de suas alocuções e crônicas de jornal, além de sua literatura
cívica. Durante várias semanas de 1899, nas páginas da Gazeta de Notícias, Coelho Netto
lembrava que estava se aproximando o quarto centenário do Descobrimento e que algo
precisava ser feito; isso pode ser constatado no volumoso anexo de Venturelli (2009). Por
ocasião da comemoração dos 400 anos do Descobrimento do Brasil, ele colaborou com o
capítulo VI, “As Belas-Artes”, do Livro do Centenário (1500-1900), organizado por Ramiz
Galvão, publicado em 1900. Antes, também prestou serviço, em 1899, como secretário da
Comissão Central do 4.º Centenário do Descobrimento do Brasil, instituição não estatal, mas
próxima ao governo central, e, nessa condição, foi o propagandista oficial dos festejos
comemorativos nos Estados do norte-nordeste do país. Paulo Coelho Netto (1942, p. 107) diz
que seu pai fez verdadeira “peregrinação de propaganda” para cumprir a incumbência.
Durante a excursão, visitando as mais importantes cidades do atual Nordeste e do Norte do
Brasil, partindo de Vitória, no Espírito Santo, até Manaus, seguindo pelo litoral, “Coelho
84
Netto proferiu mais de 100 orações, todas improvisadas” (COELHO NETTO, P., 1942, p.
134).
É de se destacar a sua passagem por São Luís. Era a primeira vez que voltava ao
Maranhão desde que dele saíra em 1870. Além dos jornais, que cobriram praticamente toda a
excursão, apontando nas cidades por onde ele passou calorosas recepções, um importante
testemunho do fato em São Luís vem de Antônio Lobo (1870-1916), um destacado intelectual
da cidade naquela época, que teve participação ativa no evento. Ele acabara de falar do
“fracasso das diferentes tentativas operadas no sentido de reagir de vez contra a apatia
literária em que havíamos caído” (LOBO, 2008, p. 44), pois considerava as duas gerações de
intelectuais anteriores, no século XIX, um passado “glorioso” do Maranhão 47, agora um
Estado apático, somado à dispersão de uns e morte de outros intelectuais. “Achavam-se as
coisas nesse pé, quando começaram a circular boatos de que o fecundo e laureado escritor
maranhense, Henrique Coelho Neto, viria fazer uma visita à terra natal, na sua peregrinação
de propaganda aos Estados do Norte [...]” (LOBO, 2008, p. 44). Diz Lobo ter sido dele a
iniciativa pela recepção de Coelho Netto, logo que os boatos se confirmaram. Foi ele quem
convidou para uma reunião na Biblioteca Pública “todos os representantes das principais
classes sociais, a fim de serem assentadas as bases dos festejos e manifestações com que o
Maranhão deveria acolher o filho ilustre, [...] cujos trabalhos literários tão alto haviam feito
subir os nossos créditos mentais” (LOBO, 2008, p. 45). Continua:
Aceita com entusiasmo a idéia, e constituídas as comissões necessárias à sua
realização, puseram-se todos em campo, e quando, na manhã de 8 de junho de 1899,
Coelho Neto desembarcava na Capital do Estado, via-se acolhido pela mais
entusiástica e calorosa das manifestações de que jamais fora alvo, em paragens do
extremo Norte, um intelectual brasileiro itinerante.
Conduzido em festas, por entre ruidosas aclamações do povo, para o Hotel Central,
onde o aguardava fidalga hospedagem, aí se realizou, horas depois, um lauto
banquete, em que tomaram parte as mais altas figuras da sociedade maranhense.
Para Lobo, o encontro entre Coelho Netto (35 anos) e o poeta Sousândrade (67 anos)
representou um enlace simbólico entre duas gerações que se abraçavam, unindo o passado e o
futuro, em prol do velho Estado:
47
Sobre isto escreveu Mário Meireles (1955, p. 163): “O Maranhão não era mais aquele centro humanístico onde
haviam pontificado um Timon [João Lisboa] e um Sotero, e tão pouco os seus grandes poetas do momento
revelavam, como Odorico Mendes e Gonçalves Dias, o desejo nostálgico de virem dormir o último sono sob as
palmeiras onde cantam os sabiás! Adelino Fontoura, Teófilo Dias, Hugo Leal, Aluízio Azevedo, Euclides Farias,
Teixeira de Souza, Coelho Neto, Artur Azevedo, Nina Rodrigues, Teixeira Mendes, Graça Aranha, João de
Deus, todos se haviam ido de uma vez para sempre e já haviam morrido alguns ou morreram todos, em terras
estranhas, sem nunca pensarem em voltar ao berço natal – eram essencialmente literatos nacionais”. Vide
também Borralho (2010).
85
O brinde de honra, a que Coelho Neto respondeu, numa peça oratória emocionada e
brilhante, foi-lhe feito pelo único sobrevivente da grande e fecunda geração literária
de outros tempos, o poeta do Guesa errante, Joaquim de Sousândrade. E nessa troca
de cumprimentos entre o velho e o moço, entre o batalhador que chegava exausto
das lutas ingentes do passado, carregado de anos de glórias, e o outro que, por entre
os triunfos promissores do presente, demandava vigoroso a consagração definitiva
do futuro, houve alguém que visse, palpitante de entusiasmo e de esperanças, o
símbolo grandioso de duas gerações literárias que se dessem as mãos, por cima dos
anos tristes da decadência mental que entre uma e outra se cavavam, para depois,
unidas e fortes, prosseguirem na tarefa nobre do restabelecimento dos créditos
mentais da terra feliz que lhes serviu de berço. E não se enganava esse alguém nas
suas emocionadas previsões (LOBO, 2008, p. 46).
Esses relatos foram escritos em 1909, dez anos depois dos fatos, tempo suficiente
para Lobo (2008, p. 46) avaliar os efeitos positivos da visita do conterrâneo ilustre, que teria
posto fim ao clima de apatia por ele descrito linhas acima:
Data, com efeito, da passagem de Coelho Neto pelo Maranhão, o início da vigorosa
e promissora renascença literária a que de presente assistimos.
O entusiasmo despertado pela presença do festejado escritor, a audição repetida dos
seus vibrantes discursos, evocando as tradições luminosas do passado e as grandes
figuras dos nossos intelectuais mortos, a vulgarização dos seus trabalhos literários,
avidamente lidos na ocasião, tudo isso começou a agir como outras tantas forças,
geradoras da repetição modificada dos mesmos fenômenos ideológicos de que
emanavam, preparando surdamente em todos os cérebros aptos à prática das letras, o
belíssimo movimento literário que ora se nos depara na velha Atenas Brasileira.
Humberto de Campos, corroborando as palavras de Lobo, relembra, em Memórias
inacabadas, que o Maranhão dormia profundo sono literário, desde que seus “mais belos
espíritos” haviam migrado para o Sul e o Norte, quando, em 189948, “cercado da sua glória
risonha e nascente”, de súbito aparece o famoso escritor “em visita ao seu berço natal”
(CAMPOS, 2009, p. 286). Para ele, o momento era propício à chegada de Coelho Netto:
À sua voz de pastor, as ovelhas se levantam. A juventude maranhense, vencida antes
de combater, toma-se de coragem. Um sopro ardente de vida e de esperança
congrega os atenienses, que já haviam esquecido os grandes vultos da pátria. E
funda-se a Oficina dos Novos, destinada a operar, num milagre, a ressurreição do
espírito literário, e que veio a oferecer, efetivamente, ao Maranhão, a sua última
geração de escritores com projeção fora do Estado (CAMPOS, 2009, p. 286).
Manoel Martins (2006), em Operários da saudade, reserva várias páginas para tratar
dessa festejada passagem de Coelho Netto por São Luís e os frutos que ela ocasionou na
mente da geração que se autointitulou “Novos Atenienses”.
48
A edição do Instituto Geia traz equivocadamente a data de 1889, por erro de digitação e revisão ou talvez
induzida a erro por edição anterior. Só lembrando que a vinda de Coelho Netto ao Maranhão se deu em
propaganda pelos festejos do 4.º Centenário do Descobrimento do Brasil, a ser comemorado em 1900; e que em
1889 ele ainda era um autor pouco conhecido, escrevendo apenas em jornais, sem livros publicados.
86
Deputado federal. Coelho Netto foi deputado federal pelo Maranhão em três
legislaturas: (28.ª) 1909-1911; (29.ª) 1912-1914; e (30.ª) 1915-1917. Cada legislatura tinha
duração de 3 anos (cf. art. 17, §2.º, CF/1891). Naquela época, por força do Decreto n.º
1.542/1893, o Congresso Nacional era composto por 212 deputados federais e 63 senadores;
quantitativo que foi mantido pelo Decreto n.º 5.354/1905. Tanto num como noutro, cabia ao
Maranhão 7 vagas para a Câmara dos Deputados.
A situação política do Maranhão no período de 1890 a 1922, que aqui nos interessa, é
abordada por Flávio Reis (2007, p. 72-97) em Grupos políticos e estrutura oligárquica no
Maranhão. Estudando a política oligárquica maranhense, sua dinâmica, estrutura, grupos,
disputas e arranjos, Reis (2007, p. 72) afirma que a mudança de regime no Brasil acelerou o
processo de renovação interna da oligarquia que dominava o Estado. Velhos caciques
políticos haviam morrido no ocaso do Império, como Vieira da Silva e o Barão de Grajaú, e
Silva Maia logo depois. Outras figuras expressivas da política local (como Felipe Franco de
Sá, Marcelino Nunes Gonçalves e Luiz Henrique Vieira da Silva), envelhecidas, aposentaramse da vida pública. “Uma outra geração ocuparia o centro do palco: Costa Rodrigues,
Benedito Leite, Luiz Domingues, Urbano Santos, José Eusébio de Oliveira, Casimiro Dias
Vieira Jr., Francisco da Cunha Machado” (REIS, 2007, p. 72). Grande parte destes já iniciara
o caminho tradicional da formação política, ingressando na Faculdade de Direito do Recife e
ocupando cargos no aparelho administrativo do Estado.
A renovação operou-se dentro do mesmo circuito e obedecendo ao mesmo padrão de
carreira política. Somente em um momento posterior grande parte dos políticos da
nova geração se tornaram profissionais liberais, exercendo paralelamente às
atividades públicas a advocacia e o jornalismo, mas isto depois de terem penetrado
no circuito da política pela via tradicional, o aparelho do Estado (REIS, 2007, p. 72).
Flávio Reis analisou a recomposição oligárquica na primeira década republicana
atrelando-a a dois processos distintos: a) “o encaminhamento das disputas em torno da
herança das redes de lealdades que existiam nos antigos agrupamentos políticos, construção
de acordos, definição de novas siglas e classificação de novas lideranças do cenário regional”;
b) “a instabilidade inicial dos esquemas de sustentação política do governo central, cujas
variações alteravam, às vezes de forma decisiva, a relação de forças entre os grupos políticos
estaduais” (REIS, 2007, p. 72).
Fato importante desde os primeiros dias após a Proclamação da República é que não
houve contestação à instauração do novo regime no Maranhão (REIS, 2007, p. 73); e apesar
das instabilidades políticas, com vários governos provisórios e efêmeros no Maranhão nos
87
dois primeiros anos da República (MEIRELES, 2001, p. 267-284), o Estado se organizou em
torno de sua Constituição Estadual de 1891, seguindo-se os vários governos quadrienais, até a
chamada Revolução de 1930 (MEIRELES, 2001, p. 285-304), quando o cenário político
nacional foi novamente reconfigurado.
Nesses primeiros anos um político se destacou: Benedito Leite (1857-1909)49, e foi
sob o domínio político deste que Coelho Netto foi convidado a integrar uma chapa na
campanha eleitoral de janeiro de 1909, saindo-se vencedor no pleito para deputado federal.
Com a morte de Benedito Leite, em 1909, Urbano Santos (1859-1922)50, outro grande nome
da mesma geração, tem realçada a sua liderança política no Estado; foi sob a liderança deste
que Coelho Netto se elegeu mais duas vezes, mantendo-se na Câmara até 1917.
O jogo político patrocinado pela oligarquia vigente da época dava como certa a
eleição de qualquer indicação sua, restando pouco ou nada a fazer aos da oposição. Exemplo
disso é esta curiosa nota publicada na Pacotilha (22 out. 1908, p. 1): “Na proxima legislatura
o deputado José Eusebio será eleito senador pelo Estado do Maranhão, sendo a sua vaga
preenchida por Graça Aranha ou Coelho Netto, diz um despacho da ‘Provincia do Pará’, de 15
do corrente”. Num cenário político-eleitoral sem surpresas, não havia dúvida de que José
Eusébio seria eleito senador e que seu substituto na Câmara dependia apenas da indicação nos
bastidores. E foi exatamente isto que aconteceu, José Eusébio tornou-se senador (de 1909 a
1925) e Coelho Netto, o escolhido, deputado federal (1909 a 1917).
O ingresso de escritores no Congresso Nacional não era incomum. Dois dos maiores
romancistas brasileiros do século XIX, por exemplo, foram seus membros: José de Alencar no
Senado, e Joaquim Manuel de Macedo na Câmara. Entre os que engrossaram a fileira dos
escritores que entraram na Câmara no século XX, citamos, além de Coelho Netto: Aníbal
Theófilo, Dunshee de Abranches, Viriato Correia, Augusto de Lima, Humberto de Campos,
Gilberto Amado, Menotti Del Picchia, Jorge Amado, Graciliano Ramos, dentre outros.
Algumas informações biográficas dão conta de que Coelho Netto, na condição de
parlamentar, não era muito afeito a questões político-partidárias. Parecia atuar de forma mais
independente do que se espera para alguém que fora apadrinhado por caciques políticos como
Benedito Leite e Urbano Santos, de quem se tornou depois desafeto. Paulo Coelho Netto
(1942, p. 215) diz que “No desempenho daquela missão, sua ação na Câmara dos Deputados
49
Benedito Pereira Leite foi Deputado Estadual (1895-1897 e 1898-1900), Deputado Federal (1892-1893 e
1894-1896), Senador (1896-1906) e Governador do Maranhão (1906-1909).
50
Urbano Santos da Costa Araújo foi Deputado Federal (1897-1900, 1900-1903, 1903-1906), Senador (19061914), Governador do Maranhão (1918-1922), Vice-Presidente da República (1914-1918) e por 11 meses
Ministro da Justiça no Governo Delfim Moreira (1918-1919), no mesmo período em que era Governador.
88
sempre se revestiu de uma feição nitidamente patriótica”. Sabemos que ele, nesta condição,
participou da votação de leis importantes, como o Código Civil de 1916; entretanto, em
pesquisa a várias atas da Câmara dos Deputados, não encontramos registros de sua atuação de
forma mais específica, além dos projetos de lei e discursos no plenário que ele mesmo
elencou em alguns de seus livros. Entre seus discursos e projetos, em que se observa a
preponderância das matérias patrióticas, listam-se:
- a propósito da letra do Hino Nacional Brasileiro, a 29.7.1909;
- sobre a morte de Euclides da Cunha, a 16.8.1909;
- sobre o Teatro Municipal, a 20.8.1909;
- sobre o edifício da Câmara dos Deputados, a 18.10.1909;
- sobre a trasladação do corpo de Joaquim Nabuco, a 30.8.1910;
- sobre a devastação das florestas, a 6.9.1911;
- sobre a trasladação dos corpos dos últimos imperadores do Brasil, a 23.7.1912;
- a propósito da guerra – apelo às energias pátrias, a 24.2.1915;
- sobre o abandono da terra, a 23.10.1915;
- a propósito da visita da esquadra norte-americana, a 4.6.1917;
- de saudação ao povo uruguaio, a 25.8.1917.
(COELHO NETTO, 1942, p. 215).
Foi como deputado que Coelho Netto visitou a França e Portugal, em 1913. No
último ano de sua vida parlamentar (1917), ele integrou a Comissão de Diplomacia e Tratados
da Câmara dos Deputados (COELHO NETTO, P., 1942, p. 25). Para a campanha eleitoral
visando aos postos do ano de 1918, o nome de Coelho Netto foi retirado da chapa
maranhense, causando indignação em vários intelectuais, sendo o mais exaltado Rui Barbosa,
repercutindo no Brasil inteiro, de várias cidades de onde veio apoio moral ao romancista de
Tormenta. Duas cartas de Domingos Barbosa (1880-1946), jornalista, contista, deputado
federal e membro da Academia Maranhense de Letras, revelam dois momentos nesse
processo. Na primeira carta, datada de 3 de janeiro de 1918, ele escreve a Coelho Netto:
Maranhão, 3 jan. 1918 / Meu caro Henrique / [...]
Correram por aqui, vindos daí, uns boatos da tua retirada da chapa. Não creio. Tu
não és um representante maranhense. És, sem lisonja, o Maranhão mental
representando-se a si mesmo no Congresso. / Pela tua eleição, que julgo aliás segura,
farei quanto esteja ao meu alcance. Creio que bem o sabes. / Recomenda-nos muito
aos teus. / Abençôa o Henriquinho e abraça o teu, / Todo e sempre / Domingos
Barbosa (CORRESPONDÊNCIA..., 1963, p. 162-163).
26 dias depois, escreve novamente, mas agora a certeza já é outra: Coelho Netto
estava fora dos planos dos líderes maranhenses. A decisão de deixá-lo de fora da chapa é
articulada nos bastidores políticos. Segue na íntegra a missiva “confidencial” de Barbosa:
89
Maranhão, 29 janeiro 1918 / Caríssimo Henrique / Recebe, com os teus, os nossos
mais cordiaes saudares. / Escrevi-te pelo vapor passado sobre vários assuntos, e
faço-o agora, com a reserva que a minha situação partidaria exige, sobre a tua
exclusão da chapa. / Para evitá-la, fiz o que podia, e que era procurar atrair para a
tua candidatura as simpatias de mais de uma influência na situação dominante. De
parte, pelo menos, do que nesse sentido fiz é testemunha ocular o nosso Celso
Antônio. / Sabes que, se dependesse de mim, estarias na chapa. / Estou, porém,
ligado por fortíssimos laços de lealdade política e gratidão pessoal ao actual
governo. / Que posso, pois, fazer por ti, nesse sentido? Afirmar-te como te afirmo,
com toda a sinceridade de que sou capaz, que se mais não faço é porque mais não
posso, e que profundamente lamento a tua não reeleição. / Recomenda-nos muito á
bôa Gaby e aos teus filhos. / Abençôa o Henriquinho. / Abraça o teu, / sempre /
Domingos Barbosa (CORRESPONDÊNCIA..., 1963, p. 163).
O próprio Domingos Barbosa, leal – como diz – à situação política dominante no
Estado, torna-se, com esse mesmo apoio, deputado federal pelo Maranhão em quatro
legislaturas, de 1921 a 1932. Coelho Netto, por sua vez, estava fora. Flávio Reis (2007, p. 94)
explica que, dependendo da necessidade, mediante acordos políticos, os nomes sem
sustentação própria geralmente eram os escolhidos para serem sacrificados:
A não renovação do mandato dava-se apenas nos casos de dissensão política ou nas
situações em que os acordos entre lideranças implicavam em “sacrifícios” de nomes
sem sustentação própria, geralmente intelectuais de projeção nacional, como o
jornalista Dunchee de Abranches e o escritor Coelho Neto.
Coelho Netto esteve alçado à condição de político, mas não tinha a tradicional
formação para ser político: era mesmo escritor. Não tinha sustenção política própria e morava
a milhares de quilômetros do seu colégio eleitoral. Nas três legislaturas como deputado
federal, participou de uma prática política típica daquele tempo, que era a de, garantido por
chefes políticos regionais, representar um Estado sem ter nenhuma vivência da vida política e
cotidiana desse Estado, apenas por ter nascido nele.
O domicílio dos candidatos, existente nas chapas de propaganda eleitoral, também
fornece outro indicador importante: apenas um deputado residia na região de
origem, não por acaso, Christino Cruz, um dos dois agricultores qu integraram a
bancada maranhense. Os candidatos geralmente residiam na Capital e depois do
primeiro mandato fixavam-se no Rio de Janeiro, onde muitos exerciam, ao lado das
funções políticas, as suas atividades de profissionais liberais (REIS, 2007, p. 94).
Não encontramos registros de ações suas em benefício específico do Maranhão
enquanto esteve na Câmara, mesmo porque essa não era uma praxe entre os parlamentares,
sobre os quais pesava legislar para o país como um todo. A política das emendas
parlamentares ainda não existia naquele tempo. O artigo 34, 14.º, da Constituição de 1891, até
previa a destinação de subsídios pelo Congresso Nacional às unidades da federação, mas
90
apenas na hipótese do artigo 5.º, isto é, quando os Estados solicitassem à União, nas situações
de calamidade pública.
Coelho Netto valeu-se da oportunidade de concorrer a um cargo importante em troca
do prestígio do seu nome. Nesse caso, há ainda duas observações a fazer: o consumo de tal
prestígio por uma elite intelectual local e o apoio de uma oligarquia política, sem o qual o
escritor não conseguiria nem ser candidato, muito menos ganhar uma eleição.
Ministro Plenipotenciário. Em 1928, Coelho Netto foi investido do status de
ministro de Estado e enviado extraordinário para representar o Brasil na posse do presidente
Irigoyen, da Argentina. Detalhes dessa investida podem ser vistos no texto de Paulo Coelho
Netto (1942, p. 263-266). Esse fato é representativo da boa relação que o escritor tinha com
muitos dos atores principais da política brasileira, incuindo o presidente da República e
ministros, pois, como o próprio nome sugere, “plenipotenciário” é aquele que tem o poder
pleno, e isto significa que o escritor, naquela ocasião com 64 anos, estava investido da
autoridade própria de um presidente, mesmo que para apenas representá-lo numa cerimônia
como foi a posse do líder argentino.
1.8 ATAQUES SOFRIDOS E SOFRIDOS ÚLTIMOS ANOS
Num cenário intelectual em que todos estão disputando espaços de poder, uns para
ingressar, outros para se manter, divergências de ideias, porfias e inimizades marcaram sua
presença entre os intelectuais da Primeira República. Isso é algo digno de nota, pois muitos
males e até tragédias ocorreram nesse meio. Sabemos, por exemplo, de disputas (unilaterais
ou bilaterais) entre Olavo Bilac e Pardal Mallet; Olavo Bilac e Raul Pompéia; Luís Murat e
Raul Pompéia; Sílvio Romero e Machado de Assis; Antônio Lobo e Barbosa de Godóis; e o
caso mais grave, o assassinato a tiros do poeta Aníbal Theófilo pelo escritor Gilberto Amado,
no salão do Jornal do Commercio, em 1915.
Coelho Netto, embora fosse figura carismática nos meios intelectuais do país, teve
também seus desafetos. Uns mais, outros menos. Aqui, contudo, abrimos espaço para dois
deles: Lima Barreto e Graça Aranha; além, é claro, de alguns jovens modernistas, mas vistos
mais como movimento do que nas suas individualidades.
Afonso Henriques de Lima Barreto (1881-1922) foi cronista e ficcionista carioca,
autor de obras-primas como o romance O triste fim de Policarpo Quaresma, e contos como O
homem que sabia javanês e A nova Califórnia. Mulato e suburbano, ligou-se no sentimento a
questões sociais e raciais do seu tempo, transpondo para sua ficção suas angústias pessoais.
91
Em suas obras, as principais características são as críticas sociais e políticas, caricaturas de
intelectuais e figurões da política e as denúncias de discriminação e racismo na sociedade do
Rio de Janeiro. Além disso, tem vários pequenos ensaios de crítica literária. Embora só tenha
recebido o devido reconhecimento depois de morto, teve relativa fama enquanto viveu. Mas
problemas de autoestima, várias internações em sanatórios por causa do alcoolismo, motivado
por estigmas sociais (sua condição de mulato), frustrações acadêmicas (não concluiu a
faculdade de Engenharia e foi rejeitado pela ABL em 1919) e tragédias familiares (seu pai
enlouquecera subitamente, etc.), ajudaram a abreviar a sua vida.
Lima Barreto, convencido de que tinha uma espécie de missão como literato e
pensador (SEVCENKO, 2009), passou a criticar os literatos considerados “oficiais”, entre
eles, Bilac e Coelho Netto, seus dois principais alvos. Só que os ataques ao segundo chamam
mais atenção pelo seu teor ácido, discordando de vários aspectos, desde literatura e política,
até questões outras como o futebol, tema estudado por Leonardo Pereira (1998) e Mauro
Rosso (2010). Diversos autores têm abordado o antagonismo estético e até ético e político
entre os dois escritores. Virou lugar-comum falar de um quando tratar do outro, de modo que
a questão, em muitos casos, tem se naturalizado, em consequência de não ter sido investigada
com critérios mais sólidos.
Avaliamos os ataques de Lima Barreto como próximos de uma unilateralidade. Isso é
apenas um fato bastante fácil de ser constatado, pois não encontra respostas por parte do
desafeto, pelo menos não na mesma via (escrita). Por exemplo, Rosso (2010), em sua
interessante tese, contrapõe as opiniões dos dois literatos quanto ao futebol, mostrando suas
irreconciliáveis divergências: Coelho Netto era a favor, Lima Barreto contra, e ambos tinham
suas convicções e seus contextos. Quando, porém, Rosso tenta nos convencer – talvez até
inconscientemente – de que havia um embate entre os dois, que estariam ali se atacando
mutuamente, e o subtítulo do livro (“Um Fla-Flu literário”) é muito sugestivo, colide com as
evidências. Rosso reúne 30 crônicas de Lima Barreto, e em 8 delas Coelho Netto aparece
citado nominalmente 33 vezes, fora as em que seu nome (a)parece apenas subentendido, e em
todas elas o escritor maranhense é criticado ou zombado. Quanto a Coelho Netto, Rosso reúne
apenas 10 crônicas, e o nome de Lima Barreto só aparece 2 vezes, e isto em 1 crônica apenas,
que foi justamente a que ele escreveu em razão da morte do romancista carioca, prestando-lhe
a homenagem fúnebre de praxe, ou seja, quando qualquer possibilidade de embate cessava de
vez. Não havia, pois, nenhum embate entre eles. Não sabemos exatamente quando começaram
os ataques de Lima Barreto, e aqui dispensamos citá-los, por muitos que são, incluindo
92
deboches e sarcasmos, embora alguns fragmentos de elogio também sobrevivam entre eles.51
Mas nenhuma dessas críticas a Coelho Netto atingiu a popularidade da crônica “Histrião ou
literato?” 52, pelo seu tom áspero:
[...] / O Senhor Coelho Neto é o sujeito mais nefasto que tem aparecido no nosso
meio intelectual. / Sem visão da vida, sem simpatia por ela, sem vigor de estudos,
sem um critério filosófico ou social seguro, o Senhor Neto transformou tôda a arte
de escrever em pura chinoiserie de estilo e fraseado. [...] / Coelho Neto fossilizou-se
na bodega que ele chama de estilo [...]. / O Senhor Neto quer fazer constar ao
público brasileiro que literatura é escrever bonito, fazer brindes de sobremesa, para
satisfação dos ricaços.
[...] Desde menino, o Senhor Neto ficou deslumbrado por Botafogo e as suas
relativas elegâncias [...]. / Elas me foram provocadas pelo discurso que o Senhor
Neto, da Academia de Letras, pronunciou por ocasião da inauguração de uma
dependência de um clube de regatas ou cousa que o valha, nas Laranjeiras. / O
Senhor Neto esqueceu-se da dignidade do seu nome, da grandeza de sua missão de
homem de letras, para ir discursar em semelhante futilidade. / [...] (BARRETO,
1961, p. 189-191).
O Prof. José Maurício Almeida (1994, p. VIII), da UFRJ, comentou assim esse
trecho: “Tudo isso é criticamente desprezível, e poderia ser aqui ignorado não fosse o
prestígio quase mítico com que toda uma corrente intelectual, a partir dos anos 30, passou a
cercar a figura de Lima Barreto”. O mesmo fizera Eliezer Bezerra (1982, p. 23):
Não me sendo lícito, por motivos humanitários, sobejamente conhecidos nos meios
literários, apontar, com detalhes, os reais motivos deste disparate, prefiro levá-lo à
conta de possível equívoco, por parte do ofensor, do significado do adjetivo
“nefasto”, isto por eu ter ciência de que o sofrido autor de “Triste fim de Policarpo
Quaresma” não se preocupava muito com questões de semântica, espalhando seu
gênio imenso ao natural, isto é, sem muito cuidado. Entretanto, claro que tal espécie
de crítica não pode ser tomada por base, por um pesquisador responsável, para aferir
a grandeza de um escritor do porte de Coelho Netto.
Se chamar Coelho Netto de “o sujeito mais nefasto...” não valia do ponto de vista
técnico, parece-nos haver aí uma lide pessoal. Lembra um pouco Sílvio Romero, para quem
Machado de Assis “é hoje o mais pernicioso enganador, que vai pervertendo a mocidade”
(apud D’AMBRÓSIO, 1998). Proença (1961, p. 13) sai em defesa de Lima Barreto, dizendo
que “A crítica não se dirige só contra Coelho Neto, não é idiossincrasia pessoal, mas
convicção presente em todos os seus julgamentos sobre livros e escritores”. Não se discorda
51
Como neste trecho em que critica Coelho Netto por sua passagem “decepcionante” pela Câmara: “[...] porque
o Senhor Neto tem talento, vergonha e orgulho de si mesmo, do seu honesto trabalho e grandeza da sua glória
[...]” (A Lanterna, 18 jan. 1918)(BARRETO, 1961, p. 77). Ou neste outro, quando critica a Livraria Garnier pelo
pouco serviço prestado às letras brasileiras: “[...] Mesmo aquêles que agora são seus fregueses assíduos, como
Fábio Luz, Coelho Neto, não tiveram o melhor de suas produções editadas lá (Gazeta da Tarde, 7 ago. 1911)
(BARRETO, 1961, p. 284).
52
Publicada originalmente na Revista Contemporânea, 15 fev. 1918.
93
que a crítica barretiana abranja vários autores e que contenha convicção, contudo, ficamos a
buscar uma razão mais convincente para explicar a aparente “idiossincrasia pessoal” que,
diferentemente de Proença, víamos na questão. Pois as críticas se tornavam cada vez mais
ásperas e desproporcionais, por não haver revides públicos da parte de Coelho Netto.
Registre-se ainda que este não ignorava a existência de Lima Barreto, tanto que na 2.ª edição
do seu Compendio de Litteratura Brasileira53, edição revista e aumentada de 1913,
homenageou Lima Barreto acrescentando-lhe o nome entre importantes escritores brasileiros
daquela época:
A vida da cidade tem tambem quem a estude e descreva em paginas primorosas.
Afranio Peixoto, na Esfinge, Goulart de Andrade na Assumpção, Lima Barreto,
Thomaz Lopes, Paulo Barreto e Julia Lopes de Almeida, uma organisação superior
de artista, são outros tantos autores que muito têm feito pela novella, apresentando
nellas, dentro da moldura estupenda da natureza que nos cerca, figuras que nos são
familiares (COELHO NETTO, 1913, p. 155-156).
Coelho Netto também escreveu a crônica “A sereia”, pela morte do escritor carioca,
publicada no Jornal do Brasil, 5 set. 1922. A sereia era a boemia, que seduzira tantos
intelectuais, inclusive ele próprio quando moço, e que agora vitimava o autor de Clara dos
Anjos, aos 41 anos. Coelho Netto escreve: “Uma de suas últimas vítimas foi esse grande Lima
Barreto – e aqui repito o que em vida do romancista disse na Academia Brasileira. Esse
escritor pujante [...], era um boêmio de gênio” (apud ROSSO, 2010, p. 196).
Romancista dos maiores que o Brasil tem tido – observando com o poder e a
precisão de uma lente, escrevendo com segurança magistral, descrevendo o meio
popular como nenhum outro, Lima Barreto assim como descuidara de si, da própria
vida, descuidou-se da obra que construiu, não procurando corrigi-la de vícios de
linguagem, dando-a como lhe saía da pena fácil, sem a revisão necessária, o apuro
indispensável, o toque definitivo, do remate que queria a obra d’arte. Apesar de
tudo, o que de tal homem nos ficou vale tanto como observação da vida e pintura de
caracteres que as asperezas não conseguem destruir a beleza [...]. / A terrível sereia
deve estar contente porque a presa que desta vez levou não era figura comum, das
que desaparecem na morte, mas uma dessas resistências que avultam e impõem-se,
acima do túmulo, em pedestal, e ficam eternas representando o espírito de uma era e
glória de um povo (apud ROSSO, 2010, p. 196).
Apesar da pequena alfinetada no estilo pouco cuidadoso do escritor carioca com o
português, algo que era de conhecimento da crítica da época e que foi relativamente corrigido
por editores e admiradores de Lima Barreto após sua morte, sobrevive na crônica acima um
reconhecimento da importância desse escritor pelo autor de Mano. Dessa forma, a hipótese de
Coelho Netto ignorar Lima Barreto não se sustenta. Como já sabíamos disso havia algum
53
A primeira edição foi publicada em 1905.
94
tempo, o problema se nos apresentava ainda mais difícil, pois em vez de Lima Barreto
retribuir-lhe eventuais considerações, fazia exatamente o oposto. Enfim, só recentemente
encontramos a peça que faltava a esse quebra-cabeça, que já rendeu muitos livros e artigos,
nos quais, a esmagadora maioria ou a desconhece ou a omite de má vontade. Estamos falando
de um singular depoimento do jornalista pernambucano Manuel Bastos Tigre (1882-1957),
publicado na Revista Vamos Ler!54, em 1946.
Nesse texto, Tigre (2003, p. 199), que curiosamente era amigo dos dois escritores,
lembra alguns defeitos do carioca: “Infelizmente não correspondia a este asseio verbal o
asseio corporal. Lima Barreto era de um absoluto desleixo na toillete. Se a sua roupa se
manchava de comidas ou bebidas, pouco se lhe dava [...]. Por vezes dormia vestido [...]”.
Andando sujo, amarrotado e mal-cheiroso, muitas vezes bêbado, Lima Barreto poderia um dia
atrair para si alguma mágoa. É Bastos Tigre (2003, p. 200) quem o anuncia: “Esse desleixo de
indumentária valeu-lhe, porém, um dos maiores desgostos de sua vida”.
Coelho Netto escrevera no “Paiz” um artigo elogiando um dos livros de Lima
Barreto a quem conhecia apenas de nome. Netto, a esse tempo, era muito caseiro,
trabalhador infatigável, cheio de achaques e vivia inteiramente afastado dos meios
literários. Lima achou que devia visitar o escritor e agradecer-lhe pessoalmente a
gentileza da crítica. E sem aviso prévio, dirigiu-se uma tarde à rua do Rozo (que tem
hoje o nome do autor do “Rei Negro”). / Ora, Netto quando trabalhava, queria estar
só; não atendia, nem às pessoas da família. A criada que sabia disso, ao acudir ao
toque da campainha, foi dizer ao visitante que o escritor não estava. Mas Lima, que
o lobrigara da rua, insistiu impertinente, teimando com a criada – Está! – Não está!
Netto, ouvindo o bate-boca chamou a empregada. Esta informou tratar-se de um tal
Barreto e descreveu-lhe o tipo como o de um maltrapilho o que era, materialmente,
verdade. / – Estou, mas não o recebo! Não quero amolações! Vá dizer! Gritou
Coelho Netto indignado por ter sido interrompido em seu trabalho por um mordedor,
provavelmente. Quando a criada voltou à porta para transmitir o recado, já não
encontrou Lima Barreto (TIGRE, 2003, p. 200-201).
Estava feito. Dali por diante – não sabemos ao certo quando – Coelho Netto tornarase involuntariamente inimigo de Lima Barreto. Esta parece uma explicação pertinente para a
compreensão do caso. Tigre (2003, p. 2001), porém, é quem vai dizer:
Só muito tempo depois, por estranhar as alusões ferinas que em seus contos e
crônicas lhe fazia Lima foi que veio Coelho Netto saber da grosseria involuntária
que cometera. Ficou desolado. Tentou uma aproximação. Mas já era tarde. Lima
Barreto tinha, com o seu complexo de inferioridade, o desmedido orgulho dos
humildes que se conhecem.
Sobre esse “complexo de inferioridade”, especialmente pela questão “racial”, dois
críticos da obra de Lima Barreto apontam-no como marca profunda do seu caráter: Otávio de
54
Edição de 12 dez. 1946, p. 35-36, parte XVI da série “Emílio de Menezes e a boêmia de seu tempo”, com o
subtítulo “Figuras da época: Lima Barreto”.
95
Faria (1986, p. 220) e Gilberto Freyre (1981). Segundo Freyre (1981, p. 18-19), comentando o
fato da rejeição de Lima Barreto pela ABL ter sido levada à conta da cor da sua pele, “Pelas
mesmas incompreensões, a Academia da mesma época rejeitou o branco Gilberto Amado.
Rejeitou o branco Pontes de Miranda. Teria rejeitado Lima Barreto, mesmo sob o aspecto do
pré-rafaelitamente alvo, louro, angélico, que ele desejou ser”.55
Se a Semana de Arte Moderna de 1922 não mencionou o nome de Coelho Netto,
ainda que Oswald de Andrade o tenha atacado nesse mesmo ano, como veremos depois, a
ojeriza dos jovens paulistas encontra lugar de vez a partir do choque de ideias entre Coelho
Netto e Graça Aranha na famosa sessão da ABL de 19 de junho de 1924.
José Pereira da Graça Aranha (1868-1931) foi um escritor, magistrado e diplomata
nascido em São Luís, um dos fundadores da ABL em 1897. Sua obra-prima é o romance
Canaã (1902). O desacerto entre Graça Aranha e Coelho Netto deve retroceder alguns anos
antes de 1924, pois é possível ter ficado alguma mágoa antiga entre os dois. Tudo por conta
de Canaã, no qual Coelho Netto (1913, p. 157) reconhecia as qualidades literárias: “No
romance philosofico-social temos apenas o formoso livro Chanaan, de Graça Aranha”. Desse
romance, porém, ficou a má impressão que tende a ligá-lo à propaganda do branqueamento da
população brasileira (LEANDRO, 2003), sustentada na teoria racista que via inferioridade
hierárquica na chamada “raça negra”. Contra isso se posicionou Coelho Netto (1919a, p. 113120), através da crônica “A nova raça” (de A bico de pena, de 1904), quando atacou o ideário
de Milkau, protagonista alemão do romance e colono em terras brasileiras. Outra resposta de
Coelho Netto a Graça Aranha teria sido, segundo Leandro (2003, p. 273), o romance Rei
Negro, de 1914, que seria a antítese de Canaã. Retomaremos o assunto no capítulo II.
Voltando a 1924, vale frisar que Graça Aranha fora uma espécie de padrinho e
palestrante da Semana de 1922, evento realizado no Teatro Municipal de São Paulo, em que
pese sua importância no movimento ter sido minimizada por Mário de Andrade (s.d.) em
“Noção de responsabilidade” (1939) e “Modernismo” (1940), crônicas reunidas no seu O
empalhador de passarinho. E Mário, um dos principais modernistas, já o fizera com mais
ímpeto em sua “Carta aberta a Graça Aranha”, de 1925. Os trechos que usaremos sobre a
55
Gilberto Freyre (1981, p. 6, 13) insiste nisso: “O que nele teria dominado – destaque-se de início – teria sido
um intimíssimo complexo a agir sobre a sua sensibilidade de dentro para fora: o recalque de não ter nascido, não
apenas branco, mas pré-rafaelitamente louríssimo e alvíssimo”; “O que não parece ter impedido Lima Barreto
de, por vezes, confessar, no seu diário: ‘É triste não ser branco’ [...]. É que, a insatisfação mais profunda de Lima
Barreto, a mais surgida de dentro para fora, não parece ter sido a de simplesmente não ser branco. E sim a de não
ser pré-rafaelitamente, angelicamente, superiormente, branquíssimo”. Até mesmo num pequeno ensaio sobre
José de Alencar, Freyre (1955, p. 8) não se esquecerá de mencionar o caso: “Esclarecem o antimelanismo
abertamente insatisfeito com a sua condição de mulato, de um Lima Barreto [...]”.
96
famosa sessão de 1924 vêm de uma conferência de Josué Montello, em 1978, que está em
Lanterna vermelha (1985). Diz Montello (1985, p. 15-16) sobre os dois imortais:
[...] um, a representar a renovação, e o outro, a tradição. / Parece-nos importante que
os dois se tenham defrontado naquele lugar, naquela hora. E é curioso acentuar que
os dois, no plano da vida corrente, tinham conduta diversa: Graça Aranha,
aproximado dos mais velhos, como diplomata; Coelho Neto, aproximado dos mais
moços, como sócio e torcedor do Fluminense.
Graça Aranha, antigo discípulo de Tobias Barreto, patrono que escolheu para sua
cadeira na ABL, deixara os ardores de juventude pelo mestre sergipano e passava à descoberta
de Joaquim Nabuco na maturidade (MONTELLO, 1985, p. 16). Mas em 1923/24, aposentado
já da diplomacia, retornara à rebeldia da juventude, e seu discurso sobre o Espírito Moderno
lembraria bem o concurso de Tobias, em 1882. A conferência minaria, curiosamente, as teses
lançadas por Nabuco na sessão inaugural da Academia, em 1897. O ilustre abolicionista havia
enfatizado a necessidade de serem 40 os acadêmicos, pois sendo este o número de imortais da
Academia Francesa, seria desconfortável a ABL ter menos ou mais de 40, porque, em ambos
os casos, pareceria soberba. Graça Aranha critica:
“Copiando a Academia Francesa, fizemos logo ao nascer ato de submissão e
passamos a ser reflexo da invenção estrangeira, em vez de sermos dínamo propulsor
e original da cultura brasileira. Somos excessivamente quarenta imortais,
consagração exagerada para tão pequena literatura” (apud MONTELLO, 1985, p.
19-20 – aspas originais).
Nabuco (2012) também dissera: “Nunca virá o dia em que Herculano, Garret e os
seus sucessores deixem de ter toda a vassalagem brasileira”. Graça Aranha rebate: “Não é
para perpetuar a vassalagem a Herculano, a Garret e a Camilo, como foi proclamado no
nascer da Academia, que nos reunimos. Não somos a câmara mortuária de Portugal”. Sua
posição era claramente contrária a Nabuco. Montello (1985, p. 20, 21) observa que já havia
indícios dessa forma rebelde de escrever em Canaã, e que essa sessão não teria tido a
repercussão instantânea que teve, caso Coelho Netto, maranhense como Graça Aranha, não
houvesse subido à tribuna para opor-se à pregação “modernista” do confrade.
Montello funda-se no testemunho ocular de um jovem maranhense de nome João
Crisóstomo de Sousa, que enviava do Rio suas impressões sobre o caso, sob o pseudônimo
Doncri, artigos que foram reunidos em um volume no ano de 1925, em São Luís, sob o título
Bilhetes cariocas, hoje raridade bibliográfica. Montello (1985, p. 22) prossegue:
97
Dizia Doncri: ‘Escrevo-lhes para contar ao amigo, em aquareladas chilras, o grande
escândalo literário havido na Academia Brasileira’. E narrava: ‘Fui, ontem, à
Academia como sempre me é dado lá ir, desde que haja uma sessão de entrada
franca ao público. Ora, o conferencista era o nosso conterrâneo Graça Aranha, autor
de Canaã, que lá ia dissertar sobre O Espírito Moderno. E, dadas ultimamente as
suas manifestações artísticas em coleios e requebros futuristas, a conferência do
notável germanófilo atraiu para o salão do Petit Trianon um extraordinário número
de famílias e de literatos de toda casta, chegando a vir de São Paulo um bando de
moços cabeludos, adeptos da tal escola modernista. – O salão atupia. O Sr. Graça
Aranha galgou a tribuna, em trajo claro e simples, o paletó desabado, sem colete. E
sorridente, em gestos desabridos, quebrando a sua linha diplomática, começou a
discorrer sobre o Modernismo, a idéia nova que deve reformar o espírito brasileiro.
Deteve-se sobre passadismo, cubismo, futurismo, penumbrismo, academismo, e toda
uma série de coisas em ismos, sem deixar de alevantar, contra Portugal, o nosso
patritismo! – Terminou por atacar a Academia, de maneira cruel, ele que foi um dos
fundadores de tão ilustre casa!’ / Linhas adiante, acrescentava Doncri: ‘Ruidosos
aplausos’. E continuava: ‘Então o Sr. Osório Duque Estrada (sempre o mesmo!)
ergueu-se, pediu a palavra e começou de logo a discordar do conferencista. Parte da
assistência, simpática ao Sr. Graça Aranha, e formada de ismos, abafou a voz do
orador numa vaia estúpida. Grande tumulto. Doestos zurziram no ar e as injúrias
cruzavam’.
O ápice, porém, da polêmica sessão começa a partir do momento em que Coelho
Netto intervém no caso:
Neste ponto, entra em cena o outro maranhense, Coelho Neto. Vale a pena
acompanhar o depoimento de João Crisóstomo: ‘Continuando o pandemônio sem
que ninguém se entendesse, o Sr. Coelho Neto achou de intervir. Ouviram-se
estrepitosas aclamações ao fidalgo heleno de Treva, que é uma das mais puras
glórias de nossa literatura. Os próprios futuristas ovacionaram-no. E o Sr. Coelho
Neto, depois de destruir os conceitos do Sr. Graça Aranha, disse: – Se Vossa Exa.
entende que a Academia é uma pirâmide onde só existem múmias, não devia ter
requestado essa habitação de mortos para viver entre cadáveres, salvo se tem a
pretensão de ser um Cristo, para, com o seu prestígio taumatúrgico, ressuscitar
Lázaro’.
[...] ‘E o magnífico homem, naquele momento tornado Verbo, exprobrando o
futurismo e chateza dos seus prosélitos, bradou com revolta, em largos gestos:
“Quanto à conferência que acaba de pronunciar, cheia de ismos, devo dizer que seria
preferível, para que V. Exa. se impusesse como chefe de escola, que, em vez de
programas que nada dizem, V. Exa. fizesse obra na qual sentíssemos palpitar o
pensamento que V. Exa. expõe em discursos, mas não realiza. Quando Victor Hugo
lançou o programa da sua campanha, no prefácio de Cromwell, deu logo em
seguida Hernani e a sua obra dramática. V. Exa., por enquanto, só tem dado
palavras, palavras, palavras...’ / ‘Coelho Neto – continua o cronista maranhense,
testemunha da cena – prosseguiu estranhando que o Sr. Graça Aranha, que quer a
arte brasileira, com espírito moderno, venha, entretanto, com as mãos cheias de
sementes europeias, e más sementes, para fazer brotar na terra virgem a vegetação
do solo cansado do Ocidente! Finalizando por verberar a injúria e a ingratidão do
autor de Canaã aos que o acolheram, disse a frase característica de nosso povo: –
Ninguém cospe no prato em que come...’ (MONTELLO, 1985, p. 23-24).
Montello (1985, p. 24) diz que assim João Crisóstomo encerra seu relato:
“Palmas. Tumultos. Ovações delirantes. O Sr. Graça Aranha não replicou. E o Sr.
Coelho Neto é acochado pelos abraços e logo carregado pelos seus admiradores. As
98
senhoras (e eram tantas, meu Deus!) agitavam os leques no ar e bradavam com
entusiasmo: – Viva a Academia! Viva Coelho Neto! – Formaram-se dois partidos.
Também foi carregado o Sr. Aranha pelos seus discípulos, que berravam, agitando a
bengalinha, com a voz de barítonos futuristas: – Viva Graça Aranha. Morra a
Academia!”. 56
Segundo essa versão, tendente a Coelho Netto, Graça Aranha não revidou, engolindo
a seco a réplica do conterrâneo. Mas em outra, mais divulgada, há a tréplica de Graça Aranha,
que gera outro ponto interessante na questão, que é justamente a expressão atribuída a Coelho
Netto em novo revide: “Eu sou o último dos helenos!”. Essa frase, tomada isoladamente, dá
margem para pensá-lo em atitude patética de carregar para si o fardo do “passadismo” que
estava sendo contestado naquele momento por Graça Aranha e que era a tônica do movimento
modernista. Há margens para interpretações. O certo é que em vários textos a frase quase
sempre aparece deslocada. Eliezer Bezerra (1982, p. 56) tenta contextualizá-la:
Graça Aranha, a certa altura, depois de ofender, seriamente, as tradições da Casa de
Machado de Assis, de que fora fundador, apesar de não contar, em seu currículo, em
1879 [1897], com um livro publicado sequer, gritou: “Abaixo a Grécia! Morram
todos os helenos!”, invocação, esta sim, aparentemente sem nexo, porque a velha
Grécia e os seus helenos gloriosos só permaneciam, havia muito, na memória dos
que lhe herdamos a civilização superior. Então, Coelho Netto – que era de gênio
arrebatado e de idade avançada, esquecendo-se, momentaneamente, de certo, que,
por trás dos excessos naturais do Modernismo nascente, havia o essencial, isto é, o
desejo de modernização das artes e letras, assim como a independência completa de
nossa cultura, revidou: “Mas, eu serei o último dos helenos e o fogo das paixões não
vão destruir a beleza da cultura, porque a Inteligência é eterna”.57
Bezerra (1982, p. 56-57) persiste em defender Coelho Netto, dizendo que “até os
historiadores do Modernismo sempre pecam por omissão, ao se referirem ao diálogo exaltado
de Graça Aranha com Coelho Netto”, e que desconhece “qualquer trabalho, mesmo dos
biógrafos do mestre de ‘Turbilhão’, que acaso haja tentado esclarecer este ponto obscuro de
sua ação literária”. E conclui: “Que fique, pois, bem claro. A declaração de helenismo feita
por Coelho Netto teve uma seqüência lógica, que a justificou, sendo mesmo digna de um
espírito brilhante e de uma arte oratória quase incomparável”. Verdade é que, dentro ou fora
de contexto, a expressão foi muito utilizada por aqueles que o acusaram de ser paladino do
passado, de uma arte arcaica e arcaizante. Até então, Coelho Netto estivera no seu relativo
sossego na Rua do Rozo, onde só o que o perturbava era a saudade de Mano.
56
Alguns modernistas presentes ao ato, conforme Moraes (2003/2004, p. 108): Ronald de Carvalho (que foi
premiado pela ABL em 1919), Renato Almeida, Alceu Amoroso Lima, Augusto Frederico Schmidt e até Mário
de Andrade, que se dirigiu de São Paulo ao Rio de Janeiro só para ouvir Graça Aranha.
57
Bezerra (1982, p. 56) coloca esta nota logo após a frase atribuída a Coelho Netto: “Conforme dados levantados
pelo escritor Woney Milhomem, em arquivos públicos, e que também constam em livro intitulado ‘Curiosidades
Literárias’, de autoria de S. Miele (raridade bibliográfica).
99
A partir desse momento, Coelho Netto sofrerá grandes ultrajes, e ele, quase não se
manifestando publicamente sobre isso, sofrerá intimamente, revelando mágoas através de
cartas a amigos. Numa delas, datada de 25 de junho de 1925, endereçada ao sociólogo e
historiador mineiro Fernando de Azevedo (1894-1974), lamenta o que tem passado e chega a
mencionar o nome de Graça Aranha como um dos que incitam a sua perseguição:
Meu caro Fernando / Falas em enfermidades... Que direi eu, que me arrasto pela
casa abordoado a um bengalão, com as pernas expluídas em solfataras de
furúnculos? As dores são muitas, em verdade, mas o que mais me incomoda é o nojo
que me causa a matilha do futurismo açulada contra mim por esse cabotino (de
talento, infelizmente) que é o Graça Aranha. Conto todas as manhãs, com uma
surriada de insultos que me traz o correio – os solecismos e o papel tabernário
denunciam-lhe a origem. Com isso faço o meu petit déjeuner. Hoje a malta reúne-se
em ágape, a carrascão. O vômito resultante virá sobre mim. Hás de convir que isso
nauseia; tenho às vezes, gana de romper, à bruta, com essa cainçalha, mas valerá a
pena meter-me em charqueiral para correr os podengos? Não, não vale. Deixo-me
ficar com a furunculose que se me refilou às pernas, talvez aumentada pela gente
futurista. / Não acredita em revoluções com tal chefe aranhiço. Por enquanto a coisa
não tem passado de ismos em barda e plágios. Isso é pouco. Enfim, sempre me
restam amigos como tu para consolo das minhas horas amargas [...]. / Coelho Netto
(apud MORAES, 2003/2004, p. 117-118).
Graça Aranha continuou na ABL e duas semanas depois da sessão, apresentou sua
última proposta, para a feitura de um dicionário de português incorporando brasileirismos
(VENÂNCIO FILHO, 2005). Entretanto, o parecer do acadêmico Mário de Alencar foi-lhe
desfavorável, levando-o, em carta de 19 de outubro, a desligar-se da instituição onde ocupava
uma cadeira vitalícia (MORAES, 2003/2004, p. 110). Ali, dizia: “A Academia quer persistir
na sua posição eclética e antiquada, nefasta à literatura brasileira. Ela morreu para mim, como
também não existe para o pensamento e para a vida atual do Brasil. Se fui incoerente aí
permanecendo, separo-me da Academia pela coerência” (apud VENÂNCIO FILHO, 2005).
“No dia 26, entretanto, uma comissão, composta por Alberto de Oliveira, Afonso Celso e...
Coelho Netto, vai ainda procurar o autor de A viagem maravilhosa em sua casa, para demovêlo da ideia, nele encontrando a decisão irrevogável” (MORAES, 2003/2004, p. 110). Graça
Aranha nunca mais voltou a pôr os pés na ABL, falecendo em 1931.
Ironicamente, alguns nomes da primeira fase modernista, incluindo participantes da
Semana de 22, agora mais maduros, fizeram um percurso inverso ao de Graça Aranha,
ingressando na ABL: Guilherme de Almeida (1930), Ribeiro Couto (1934), Cassiano Ricardo
(1937), Manuel Bandeira (1940) e Menotti Del Picchia (1943). Frise-se que quando Bandeira
foi eleito, um dos candidatos à vaga da cadeira 24 era Oswald de Andrade, outro importante
nome da Semana de 22, rejeitado com apenas um voto. Não dá para mensurar até que ponto o
100
ingresso desses intelectuais representou uma renovação à instituição, como diz Venâncio
Filho (2005), se eles apenas se adequaram às tradições da Casa ou se essa renovação seria
“natural” com o passar do tempo, uma renovação pela morte dos acadêmicos mais velhos.58
Sobre a relação entre os modernistas e Coelho Netto, duas questões têm de ser
ponderadas: a) Coelho Netto, a rigor, não era nem símbolo de uma estética de velha guarda,
nem adversário do modernismo, mas foi escolhido pelos modernistas para carregar esse fardo,
como ícone de um tipo artístico que se queria derrubar, arrolado nas fileiras do inimigo; b)
como consequência disso, é fabricada a imagem de Coelho Netto como do sujeito obstinado
que resiste até o fim em defesa de uma arte obsoleta. Isso tudo mascara a disputa de poder
mais importante que estava em jogo, que era a da hegemonia cultural entre São Paulo e Rio de
Janeiro. Caso Coelho Netto não houvesse sofrido esse processo de escolha, teria envelhecido
e morrido no sossego da arte que praticava, porque em si não era ícone de nada.
Aqui servimo-nos do artigo de Marcos Antônio de Moraes (2003/2004), que nos
guiará no itinerário crítico da questão. Moraes (2003/2004, p. 103) inicia o tema falando de
uma incompatibilidade entre o nome de Coelho Netto e os modernistas, que fica patente numa
carta do poeta e ensaísta pernambucano Manuel Bandeira (1886-1968) ao poeta, romancista,
crítico literário e musicólogo paulista Mário de Andrade (1893-1945):
Manuel Bandeira, concluindo carta de 13 de setembro de 1925 a Mário de Andrade,
lança uma pergunta, misto de assombro e provocação: “E o Villa em concubinagem
com Coelho Neto?” Bandeira se referia à conferência que o “príncipe dos prosadores
brasileiros” faria preceder à apresentação de Heitor-Villa Lobos no Instituto
Nacional de Música do Rio de Janeiro, em 22 de setembro. O evidente paradoxo
causava certo mal-estar, pois colocava um dos ícones do “passadismo” em larga
camaradagem com o músico “genial”, estandarte dos avanguardistas da Semana de
22. Essa relação escusa – concubinagem – provocou reservas e apartes no grupo
modernista.
A aparente incoerência do convite do compositor e maestro fluminense Heitor VillaLobos (1887-1958) a Coelho Netto desagradou também a outro modernista, Renato Almeida
(1895-1981), musicólogo, crítico e folclorista baiano, em carta a Mário de Andrade:
Renato, certamente em sintonia com a opinião de seus pares, afirmava, desalentado,
na missiva endereçada a Mário de Andrade: “O Villa acabou de fazer uma coisa que
muito me chocou – convidou Coelho Netto para falar e patrocinar um concerto. Por
isso, meu Mário, é que cada vez eu me escondo mais e creio que não seremos menos
úteis trabalhando sem ligações. Cada macaco no seu galho” (MORAES, 2003/2004,
p. 103).
58
Só no ano de 1934, por exemplo, a ABL perdeu sete acadêmicos: João Ribeiro (13/04), Augusto de Lima
(22/04), Gregório Fonseca (23/04), Miguel Couto (06/06), Medeiros e Albuquerque (09/06), Coelho Netto
(28/11) e Humberto de Campos (05/12).
101
Sobre a erudita palestra de Coelho Netto, Moraes (2003/2004, p. 103-104) escreve:
[...] tudo costurado pela rica imagética de Coelho Netto – pode-se encontrar, logo de
início, uma justificativa para a aparente contradição de um acadêmico apresentar
este “compositor de moldes tão bizarros”. Exime-se de qualquer posição crítica,
situando-se desde o início como “amador apaixonado” de música. Assim poderia
apenas dizer o que “sentia”, diante daquela “Arte rebelde”. Protegendo-se com
anteparos engenhosos da linguagem, Coelho Netto vai assinalando, ao longo da
elocução, as suas diferenças irreconciliáveis com a expressão musical moderna. [...]
Reconhece no músico o vigor da criação, mas, para ele, essa arte ainda se encontrava
em estado bruto, a caminho do necessário burilamento: “A sua música está, por
enquanto, férvida, acachoada, revolvendo-se em turbilhão espumoso: catadupeja,
ruge, atroa, desordenadamente. Há de chegar à planície e, remansada e límpida,
correrá em rio, cantando docemente, reproduzindo todos os sons da Pátria”.
Moraes (2003/2004, p. 104) diz que Coelho Netto elogia Villa-Lobos, pelo talento da
sua arte rebelde, que, autônoma, foge aos padrões tradicionais; mas o escritor mantém uma
postura mais tradicionalista, coerente com a sua atividade literária, e ainda o articulista
enxerga implicitamente a querela do dito “passadista” contra a falange dos “futuristas”. A
parte final da conferência, que aqui citamos no texto de Moraes (2003/2004, p. 104), mostra o
escritor consciente das (in)diferenças, querendo, com habilidade, demarcar o seu lugar:
No texto em que Coelho Netto acrescenta ao discurso, na divulgação jornalística,
explicita a queixa contra “certos mocinhos da grei chamada ‘futurista’, porque
entenderam que Villa-Lobos traíra convidando-me para figurar no programa do seu
festival, a mim, ‘um passadista ferrenho’”. O autor de Turbilhão, hábil, capitaliza as
diferenças, ao se aproveitar da valorização da autonomia e da independência com
que distinguira o compositor homenageado: “Mas será Villa-Lobos futurista? Não!
Disse-m’o ele próprio, com energia. Nem futurista, nem passadista – Eu sou eu!”.
Assim, Coelho Netto pode finalizar o texto compondo a própria imagem, colada
àquela que ofereceu ao homenageado: / “O mesmo digo eu e, para que não insistam
em arrolar-me em bandos, declaro que não sigo bandeiras nem pendões, que não
tenho compromisso de escolas, que faço livremente o que entendo, que eu sou eu,
enfim, e só! Ou em latim, que é mais grave: Ego sum quis um. E tal como sou é que
devo e quero ser julgado.
Não temos mais informações sobre a relação do autor de Inverno em flor com o
compositor das Bachianas Brasileiras, ou se ela se resumiu apenas ao encontro entre os dois
na conferência. Mas um nome em especial não pode aqui ser ignorado, por seu inconfessado
desprezo a Coelho Netto: Oswald de Andrade (1890-1954), poeta, romancista e teatrólogo
paulista, um dos principais articuladores da Semana de Arte Moderna (BRITO, 1997).
Moraes (2003/2004, p. 106) conta que nas páginas modernistas da revista Klaxon, n.
2, jun. 1922, “Coelho Netto é atingido pelas flechas de Oswald de Andrade”. Diz que Oswald,
em “estilo telegráfico e um tanto confusionista”, cifra uma mensagem, claramente oposta a
Coelho Netto, quando dialoga com o crítico belga Roger Avermate, que havia escrito sobre
102
pintura moderna no primeiro número da mesma revista. O efeito da crítica seria
contraproducente, segundo Moraes (2003/2004, p. 106): “Repúdio, em todo caso, que só
podia honrar o autor de Treva, dada a companhia ilustre com que privava o ostracismo
literário: ‘O péssimo = a interpretação = Romantismo. Vejam o ruim de Shakespeare, o ruim
de Balzac. Zola inteiro. José de Alencar inteiro. Coelho Neto inteiro’”.
O desprezo de Oswald pelo prosador maranhense, em textos e entrevistas, ao longo
da vida, buscará fundamentos que contrapõem Coelho Netto e todo o paradigma intelectual de
sua geração à poesia chamada pau-brasil, que Oswald vinha desenvolvendo. Em 1925,
determinando as bases artísticas da poesia pau-brasil, encaixa como contraponto
dessa expressão lírica a “parlapatice léxica de Coelho Netto” e a “cantata
decassílaba de Bilac”. Esses festejados escritores da cultura oficial simbolizavam
para Oswald toda uma época de “servidão intelectual e adesismo político”, “formas
de adaptação mental”, na literatura brasileira. Bem depois, como se veria em “O
sentido interior”, palestra de Oswald realizada em Bauru, em 1948, a liça do
Modernismo fica circunscrita ao ataque a três frentes – personificadas pelos seus
expoentes americanos: “Contra a Grécia de Bilac e contra as idealizações postiças de
Coelho Netto e também contra a língua vernaculista e erudita de Rui Barbosa”
(MORAES, 2003/2004, p. 106-107).
Lembrando os tempos em que Oswald, muito novo e aprendiz nas letras, frequentou
algumas rodas literárias no Rio, na década de 1910, sobrinho que era do acadêmico Inglês de
Sousa (BRITO, 1997, p. 27), inclusive fez parte da Sociedade de Homens de Letras, fundada
por Bilac59, Moraes (2003/2004, p. 107) informa que ele teve acesso à casa de literatos como
Alberto de Oliveira e Olegário Mariano, só não lhe sendo franqueado acesso à casa de Coelho
Netto, um desses pequenos centros literários. E a razão é que já havia, naquela época, bem
antes de Oswald tornar-se “modernista”, uma antipatia mútua entre os dois. Diz Moraes sobre
Coelho Netto, que “este não escondia a animosidade que cultivava pelo jovem Oswald,
‘cumprimentando-o friamente nos encontros casuais’”. Havia ainda um lado pessoal, mas não
sabemos o que disso levou Oswald aos anos 20: o motivo era uma menina chamada Carmen
Lydia, por quem Oswald era apaixonado. Sobre isto nos conta Moraes (2003/2004, p. 107):
Explica a biógrafa Maria Eugênia Boaventura: “Oswald tinha certa birra por esse
escritor por suas atitudes em relação a Carmen Lydia”. Com efeito, o futuro autor do
manifesto antropófago viajava ao Rio de Janeiro com menos interesse em participar
das tertúlias literárias do que com o desejo de cumprir a paixão arrebatadora pela
bailarina adolescente, amor que pode ser recontado em muitas peripécias
rocambolescas. A pequena notável, custeada por Oswald, cursava a Escola
Dramática, naquele momento sob a direção de Coelho Netto.
59
Na contracapa do livro de Bastos Tigre (2003), já citado, há até uma foto desse grupo, datada de 1915, em que
Oswald de Andrade, bastante moço e barbudo, aparece ao lado de outros companheiros, incluindo Olavo Bilac.
103
As “atitudes” de Coelho Netto talvez fossem de reprovação ao namoro, já que
Carmen Lydia, segundo algumas fontes na internet, tinha apenas 11 anos de idade, quando
Oswald a conheceu em 1912 na Europa, e 14 anos quando regressou ao Brasil. Oswald, que
viveu cortejando a adolescente, chegou a disputar judicialmente a sua tutela com a avó da
menina, feito escandaloso para a época. Mas as querelas entre Oswald e Coelho Netto tiveram
uma trégua, em 1927, quando o acadêmico foi o relator do parecer que deu menção honrosa à
obra A estrela de absinto, de Oswald, pela ABL (MORAES, 2003/2004, p. 107).60
Sobre Mário de Andrade, escreve Moraes (2003/2004, p. 110-111) que este sempre
teve uma postura crítica em relação à ABL, e até chegou a carregar Graça Aranha nos ombros
na tumultuada sessão de 1924, antes de mudar de opinião sobre este e considerá-lo “o maior
blefe do Modernismo”. O autor da Pauliceia desvairada não teria dado muita atenção à
questão “Villa-Coelho Netto”, mesmo com Bandeira insistindo, em carta de 10 de outubro de
1925 (2003/2004, p. 111). No ano seguinte, Bandeira, em nova carta a Mário, criticaria dois
colegas modernistas: Ronald de Carvalho e Guilherme de Almeida, o primeiro por
pedantismo e verborragia, e o segundo por aproximar-se de uma literatura academista, o que
os distanciava do padrão estético que o Modernismo pregava, e que, portanto, enfraquecia o
movimento. O poeta de As cinzas da hora aponta, na carta, aspectos do que seria uma
flagrante contradição no centro das discussões da vanguarda estética modernista: “Por causa
disso [academismo, verbalismo] vocês têm arrastado pela rua da amargura o Coelho Netto, o
Rui Barbosa pra só citar os maiores talentos verbais que tivemos”. Mário, colocando-se numa
posição mais independente, responde a Bandeira: “O vocês não pertence a mim, porque nunca
me lembro de ter atacado o Coelho Netto. Quanto ao Rui, caçoei do verbalismo dele porque
sou admirador do estilo dele e sei que tem obras-primas que eu estimo [...]” (MORAES,
2003/2004, p. 111). De fato, em nossa pesquisa, tivemos contato com vários textos de Mário
de Andrade, incluindo “Os mestres do passado”, série de artigos publicados em 1921 no
Jornal do Commercio, de São Paulo, quando criticou os maiores nomes de nossa poesia
parnasiana: Olavo Bilac, Alberto de Oliveira, Raimundo Correia, Vicente de Carvalho e
Francisca Júlia (BRITO, 1997, p. 251-306). O nome de Coelho Netto nunca aparece.
Um dos poucos textos de Mário em que Coelho Netto é citado é na crônica “O
Modernismo” (1940). Replicando a Ascendino Leite (1915-2010), romancista, memorialista e
crítico paraibano, para quem o Modernismo “malhou defuntos e combateu moinhos de
vento”, pois teria atacado escritores já em processo de esquecimento, como Bilac e Coelho
60
O texto “Um parecer de Coelho Neto”, na íntegra, está disponível no site da ABL (na Revista Brasileira).
104
Netto, ali Mário de Andrade (s.d., p. 160) discorda dessa afirmação, reconhecendo em Coelho
Netto o ícone de uma geração literária, ainda no auge quando do episódio na ABL em 1924:
“Coelho Neto era o grande estalão glorioso das nossas prosas, passeado nos ombros da turba,
em oposição a Graça Aranha, quando foi da bagunça provocada por êste na Academia”.
Sobre a referida conferência “Villa-Lobos”, ministrada por Coelho Netto a convite
do maestro modernista, e publicada na imprensa carioca, refere Moraes (2003/2004, p. 103)
que essa peça textual chegou ao conhecimento de Mário de Andrade, o qual, “atribuindo-lhe
alguma importância, a conserva em seu arquivo”. O autor de Macunaíma foi leitor de Coelho
Netto, o que pode ser constatado na verificação dos livros de sua biblioteca, hoje integrada ao
Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo. Sobre as leituras de Mário,
Moraes (2003/2004, p. 112) informa que este costumava fazer anotações nas margens das
páginas, dialogando com os autores, revelando embates e assimilações de conceitos.
São poucos os livros de Coelho Netto no acervo do modernista, mas foram bem
selecionados dentre os mais de cem volumes por ele publicados. Lá estão os Contos
escolhidos, edição de 1914 (Bahia, Livraria Catilina), as narrativas de Treva, 1916
(2.ª ed., Porto, Chardron), e Rei Negro: Romance bárbaro, na 2.ª edição, de 1926
(Porto, Chardron). Coincidentemente, 1926 é a data em que Mário assevera ao
amigo Bandeira “nunca ter atacado” Coelho Netto. Os demais livros, eventualmente,
podem ter moldado o retrato do escritor Mário quando jovem [...] (MORAES,
2003/2004, p. 113).
Moraes (2003/2004, p. 113-114) cita algumas dessas anotações, talvez da década de
1910, nas quais se percebem exclamações do tipo “Que frase!” ou “Que frases enormes!”,
trechos e expressões sublinhados, buscas por sentidos de termos raros e de expressões
regionais, que ajudarão o escritor paulista a montar seu Dicionário musical brasileiro.
Percorrer os passos do leitor Mário de Andrade em sua biblioteca pode revelar
surpresas. Em “Fertilidade”, nos Contos escolhidos, o escritor modernista se detém
em uma fala matuta exibida pelo regionalismo de Coelho Netto: “Ocê, seu
grandaião, ocê que é o macota do bando, toma sentido!”. Sublinha ali a palavra
“macota”; procura descobrir o significado dela, anotando a lápis no livro:
“brazileirismo – homem influente”. E esse mesmo vocábulo será posteriormente
aproveitado em Macunaíma (1928), no capítulo “Ci Mãe do Mato”: “Vinha uma
tonteira tão macota que o sono principiava pingando das pálpebras dele” (MORAES,
2003/2004, p. 114).
Quanto ao poeta, romancista, cronista, pintor, advogado, jornalista e político paulista
Menotti Del Picchia (1892-1988), há quatro situações que ligam o seu nome ao de Coelho
Netto. A primeira tem a ver com a publicação do primeiro livro de Menotti, Juca Mulato, de
1917, que mereceu de Coelho Netto o seguinte comentário:
105
No Juca Mulato aparece-me o nacionalista cantor da terra materna e das almas
irmãs. No seu poema do mestiço sente-se que se abrem as cores da alvorada
brasileira, com o clarão do nosso sol, com o perfume das nossas flores, o murmúrio
das nossas águas. O chilreado dos nossos pássaros. É com poemas tais que havemos
de romper caminho no mundo e não com arremedos franceses e tafularias de
acarreto (COELHO NETTO apud DEL PICCHIA, 1998, p. 73).
A 2.ª edição do livro, do ano 1921, já traz encartado, à p. 46, esse comentário do
escritor maranhense, conforme Brito (1997, p. 78), o que demonstra a sua aceitação por
Menotti e a utilização do prestígio coelhonettiano para reforçar a qualidade do poema.
A segunda situação é o artigo de Menotti intitulado “Coelho Netto”, publicado sob o
pseudônimo “Aristophanes” no jornal paulista A Gazeta, n. 4.202, 13 jan. 1920, p. 1 (DEL
PICCHIA, 1983, p. 59-61), escrito em alusão a uma palestra que “o grande escritor Coelho
Netto” faria no Teatro Municipal sobre o compositor alemão C. W. Gluck (1714-1787).
Menotti Del Picchia (1983, p. 59) elogia o autor do Quebranto:
Coelho Netto é um expoente da nossa raça; e uma síntese humana da nossa cultura. /
Pertencente a uma geração cujos maiores vultos dia a dia se extinguem, uns na
voragem da morte, outros no cansaço e na velhice, como um velho roble
rejuvenescido dia a dia com a seiva que encontra em si mesmo, Coelho Netto cada
vez parece mais fulgurante e mais forte. / Desde o seu aparecimento, a sua glória de
artista manteve-se acesa como o fogo sagrado das vestais, ininterruptamente. Seu
nome, sempre em dia no cartaz da fama, conseguiu, sem uma solução de
continuidade, despertar de todas as gerações literárias do país, os mesmos primitivos
aplausos.
E prossegue Del Picchia (1983, p. 60-61):
[...] Espantam por tal forma o fulgor do seu gênio, e a mocidade eterna do seu
espírito, que diante da sua obra e diante da sua pessoa, tem-se a impressão de que
sua arte renasce com cada geração que surge para as letras, ou que sua alma remoce,
por um fenômeno de inversão do tempo, encontrando uma jovial mocidade na sua
resplandecente velhice. / Singular organização essa do maravilhoso autor da
“Miragem”! / É, inconfundivelmente, a imaginação mais borbulhante e mais viva da
nossa terra. A sua fantasia, em eterna ebulição, como a lanterna mágica de Aladim,
cria, instante a instante, as visões miríficas de mil sonhos, que se fazem e desfazem à
mercê do seu desejo [...]. / Se o estilo de Coelho Netto é esse fulgor relumbrante,
que lembra mil espadas ao sol, mil minaretes de cristal chispando, a sua palavra,
viva, arguta, inédita, estonteante é um cascatear de joias, cada qual mais coriscante,
cada qual mais valiosa. Coelho Netto, na conversação, é como um nababo doido que
se divertisse a atirar mancheias de moedas aos que, pasmados, o escutam. / Tem a
ironia despontada da malícia; a potencialidade descritiva elevada à força de criação
e, às vezes, quando imagina, é tão preciso e coruscante ao engendrar as cenas, que,
rijas de verdade, acabam sugestionando o próprio narrador que toma, para a sua
própria ilusão, a blague que inventa, como um trecho vivo do seu passado. Esse
fenômeno psicológico, característico da sua força imaginativa, demonstra
cabalmente como Coelho Netto é artista. Daí seus romances terem tanto colorido,
tanto palpitar de emoções, como se fosse pedaços de existência presos nas grades de
ouro do seu estilo.
106
Enfim, conclui o texto laudatório: “É assim Coelho Netto, o grande Mestre da nossa
língua. É, como dissemos, um inconfundível expoente da nossa raça e um orgulho das letras
nacionais de todos os tempos” (DEL PICCHIA, 1983, p. 61). Marcos Antonio de Moraes
(2003/2004, p. 106) diz que a admiração desse modernista “de primeira hora” se deveu ao fato
de Menotti estar “desorientado ainda nas perspectivas da modernidade”.
A terceira seria o fato de Coelho Netto e Menotti Del Picchia terem colaborado nos
mesmos jornais paulistas: Jornal do Commercio e Correio Paulista, e na revista A Cigarra,
com o detalhe de que esta foi dirigida por Menotti entre 1920 e 1940, conforme informações
colhidas em sites na internet. Não tivemos acesso à revista A Cigarra, para analisar a
participação dos dois escritores nesse periódico, mas o certo é que a biografia de Coelho
Netto elaborada por seu filho Paulo menciona os três periódicos acima como tendo a
colaboração do escritor maranhense (COELHO NETTO, P., 1942, p. 198).
Não sabemos como terá sido a relação entre os dois ao longo da década de 1920,
sobretudo após a Semana de 22 e a tumultuada sessão da ABL de 1924. Não encontramos,
porém, alusões de Menotti a Coelho Netto nesse período, do que depreendemos que ele tenha
também poupado Coelho Netto. A quarta e última situação que liga os dois nomes é
exatamente o discurso de posse de Menotti na cadeira 28 da ABL em 1943, nove anos após a
morte de Coelho Netto. Ali, Menotti já não demonstra o mesmo apreço de 23 anos antes. Nas
duas vezes que o nome do autor de Miragem é citado, a primeira é para dizer que Xavier
Marques “Nada tem do anatoliano [Machado de] Assis. Nem do frondoso Coelho Neto”; a
segunda, “Xavier Marques é mais ‘atual’ no processo. Não tem, como Coelho Neto, o
escultóreo e heróico furor da palavra, honesto mas truculento labor barroco que, vendo greda
plástica em todo um vocabulário, passa a vida a esculpir imagens e a retorcer curvas de
ornatos” (DEL PICCHIA, 2012).
Outro modernista relacionado com Coelho Netto era Guilherme de Almeida (18901969), advogado, jornalista, crítico de cinema, poeta e ensaísta paulista, um dos organizadores
da Semana de Arte Moderna de 1922, autor de dezenas de livros. Na correspondência passiva
do escritor maranhense, há duas cartas de Guilherme de Almeida. Na primeira, datada de
1921, o poeta paulista, que manifesta amizade e admiração por Coelho Netto, pede-lhe apoio
para uma empreitada no Rio de Janeiro:
Meu grande Mestre e Amigo / Um grupo de confrades do Rio sugeriu-me a idéa de
realizar ahi a leitura do meu novo poema “Era uma vez...” Encantou-me a proposta:
seria uma occasião para conviver uns instantes com essa tão distincta sociedade e
com os irmãos de arte, que tanto admiro. Não o poderia fazer, porem sem o alto
patrocínio do meu querido Mestre e de D. Gaby. Tomo, portanto, a liberdade de
107
dirigir a ambos o convite, cuja acceitação será o seguro exito da hora literaria que
conto ahi fazer. / Penso realizar isso sabbado, 30 do corrente, talvez no salão do
“Jornal do Commercio”. / Uma resposta sua honrará e estimulará extremamente o
seu discipulo e admirador / Guilherme Almeida / São Paulo, Julho, 16, 921 / Rua 15
de Novembro, 6 / (CORRESPONDÊNCIA..., 1963, p. 257).
Sendo Guilherme de Almeida o primeiro modernista a ingressar na ABL, em 1930, é
possível que a breve correspondência a seguir, enviada a Coelho Netto, mas sem data, seja em
agradecimento pelo voto na eleição para a Academia: “A Coelho Neto – meu mestre e amigo
incomparavel – pela bondade honrosissima do seu voto, mando este abraço de gratidão e de
saudade. / Guilherme de Almeida” (CORRESPONDÊNCIA..., 1963, p. 257). Não
encontramos nenhuma alusão crítica de Guilherme de Almeida a Coelho Netto ao longo da
batalha modernista. Mas um ponto curioso nessa relação é que o nome de Guilherme de
Almeida não aparece entre os signatários da aclamação da ABL pelo nome de Coelho Netto
ao Prêmio Nobel de Literatura de 1933, lista que já citamos, já que dizia – pelo menos em
particular – tratar-se de um “mestre e amigo incomparável” seu. Disso inferimos impedimento
por ausência, que seria facilmente suprido por telegrama ou carta, ou, o que parece mais
crível, abstenção pelo constrangimento de ver seu nome vinculado ao do escritor que o
movimento “modernista” tentou apagar. Para essa e outras questões, infelizmente, não
tivemos acesso à numerosa correspondência pessoal do poeta paulista, abrigada na casa
cultural que leva seu nome na cidade de São Paulo.
Por fim, outro grande nome da escola modernista brasileira, o poeta Augusto
Frederico Schmidt (1906-1965), revela certo respeito por Coelho Netto. Escreve o poeta do
Galo branco, na crônica “Coelho Netto”, especial para a Gazeta de Notícias, 30 nov. 1934,
pela morte do prosador maranhense, depois de participar do seu velório.
Conheci vagamente Coelho Netto e não fui jamais dos seus grandes admiradores,
embora não partilhasse também a respeito do nobre e fecundo escriptor da opinião
de muitos de minha geração que o negavam e fingiam desconhecer. Em Coelho
Netto vi sempre uma grande figura de lutador, de insistente e nunca vencido
apostolo das letras. Num meio indifferente, alheio á vida literaria, Coelho Netto
creou com esforço e tenacidade, e com dignidade exemplar o seu logar.
Não sendo lido com muito interesse hoje em dia, não me era elle, todavia, um
estranho e um esquecido, mesmo no seu occaso, que eu sabia doloroso e visitado
pelas sombras de um filho querido morto em plena mocidade, e da esposa que elle
amara com extremos. Mesmo nos seus últimos annos de vida, já silenciosos, eu o
sentia ainda e a sua sorte me interessava realmente.
O tom de consideração permeia o texto:
Quasi seu vizinho quantas vezes ao passar deante da casa tradicional, da casa em que
elle vivera a sua bella e util existência, não senti vontade de entrar para conhecel-o,
para tratar com o escriptor de tantos livros que a minha adolescencia admirára. É que
108
entre Coelho Netto e o autor destas linhas havia tambem uma remota e desconhecida
ligação. É que entre Coelho Netto e o autor destas linhas havia um traço que,
emergulhado na minha infancia, não se apagara jamais. Meu nome pode ter sido
ignorado sempre por Coelho Netto, mas durante um momento elle me teve
certamente perto da sua sympathia e reconhecimento. Isto aconteceu quando em Juiz
de Fora, no internato O Granbery fui secretario interino do Gremio Literario
Coelho Netto. / O Gremio Literario Coelho Netto teve um papel importante no
meu destino. Nelle aclarei a minha triste indicação para as letras, exercitando-me
nos meus primeiros discursos e pequenas defesas de these. / Coelho Netto era o
patrono, e se já desde então, o discutiamos, o seu prestigio sobre as nossas
imaginações era immenso. Tínhamos entre as mais vivas esperanças da nossa vida
collegial, a de que Netto nos viesse visitar um dia. – No sentido da realização desse
ideal, quantos officios não mandamos ao escriptor de cuja gloria éramos distantes e
ignorados cultores. / No momento da sua morte, não me é possivel deixar de lembrar
a funda emoção com que um dia abri alguns pacotes de livros e um grande
enveloppe, contendo uma fotographia com dedicatoria do autor do “Rei Negro”,
offerta e premio do escriptor illustre aos seus jovens e desconhecidos amigos. O
sobre-escripto dos pacotes e o enveloppe traziam o meu nome traçado com a mesma
mão que escrevera “A Conquista”, e isto me encheu de um longo orgulho, de uma
sensação de gloria, como não tive maiores. Guardei os autographos com enternecido
cuidado durante longos annos (GAZETA DE NOTÍCIAS, 30 nov. 1934, p. 3).
Schimdt é mais um modernista a ter poupado Coelho Netto, mas os seus motivos são
bem diferentes dos de Mário, Menotti e Guilherme de Almeida, e ele o informa: “E era em
signal dessa admiração infantil, dessa velha dedicação, que não escrevi jamais uma só phrase
contra o velho escriptor, com quem os modernistas que eu seguia implicavam tanto!”
(GAZETA DE NOTÍCIAS, 30 nov. 1934, p. 3). O poeta ainda exaltará o ofício literário e
alguns livros de Coelho Netto, pedirá pela sua justa revisão e indicará uma suposta
aproximação, em essência, dos ideais do escritor maranhense e os deles, os modernistas:
Coelho Netto escreveu sem cessar. Creio que escreveu tangido pela necessidade de
viver, pois, foi, nitidamente um operário da penna. Há em sua obra immensa de
cento e muito volumes, muita coisa sem importancia, muita coisa de pura
composição literaria, mas, tambem, desse mar de palavras emergem altas e bellas
paginas tocadas de sol e de força: Turbilhão, Treva, A Conquista, Rei Negro,
Jardim das Confidencias [Oliveiras] e tantos outros volumes, merecem de certo
agora que o seu autor se retirou para sempre da agitada e barbara face do mundo
uma revisão imparcial e cuidada. / Coelho Netto era uma natureza pujante e um
batalhador de enormes recursos, como não existiram muitos entre nós. / Acreditou
na Beleza, no Bem e na Pátria, e isto o approxima essencialmente de nós
(GAZETA DE NOTÍCIAS, 30 nov. 1934, p. 3).
Coelho Netto padeceu um bocado nas mãos de vários modernistas, incluindo nomes
como Oswald de Andrade e de jovens como Sérgio Buarque de Holanda, que aos 22 anos, em
1924, disse que era preciso “descoelhonetizar a literatura”. A esses nomes somaram-se tantos
outros, mesmo não envolvidos diretamente com movimento, como Agripino Grieco e, mais
tarde, sua discípula Lúcia Miguel-Pereira (BEZERRA, 1982, p. 25). Ataques quase diários na
109
imprensa e em eventos amarguraram o criador de Firmo, o Vaqueiro, e suas cartas a Péricles
de Morais e Fernando de Azevedo revelam sua dor (MORAES, 2003/2004, p. 116-119).
Voltamos a analisar aquela mensagem de Oswald: “O péssimo = a interpretação =
Romantismo. Vejam o ruim de Shakespeare, o ruim de Balzac. Zola inteiro. José de Alencar
inteiro. Coelho Neto inteiro’”. Não sabemos o que será mais difícil de compreender nessa
mensagem, se a audácia de Oswald em julgar em linhas breves grandes nomes da literatura ou
se a sua honesta disposição em ler “Coelho Netto inteiro”, já que pelos idos de 1922 o escritor
maranhense beirava os 80 volumes. Na verdade, o próprio Oswald chegou a confessar sua má
vontade para com a obra de Coelho Netto, resumida na frase: “Não li e não gostei”, que
aparece citada por vários autores, como Brito Broca (1952, p. 224) e Mary Daniel (1993, p.
175), e que foi tema de Manuel Bandeira na crônica “Oswald”, de A flauta de papel (1957).
Como então julgar o que não leu? Teria sido isso sintomático para a marginalidade paulatina a
que foi submetida a obra de Coelho Netto ao longo dos anos? José Brito Broca (1903-1961),
crítico literário baiano e principal revisor da obra de Coelho Netto, levanta a questão:
A hostilidade que Coelho Neto vem encontrando nas gerações novas, de 1922 para
cá, resulta, em grande parte, do fato de elas lhe desconhecerem a obra ou
conhecerem-na de maneira bastante falha e superficial. A produção demasiado
vultosa desse escritor, num ambiente como o nosso, em que se lê pouco, não tem
permitido, geralmente, aos mais curiosos, percorrer-lhe senão um pequeno número
de livros, e sendo essa obra irregular, havendo nela do bom, do muito bom, do
medíocre e do ruim, acontece, muitas vezes, o conhecimento incidir na parcela mais
fraca, de onde os juízos levianos e falhos, embora quase sempre dogmáticos. Muitas
opiniões sobre Coelho Neto poderia resumir-se na já famosa boutade de Oswald de
Andrade: “Não li e não gostei”. Sei, porém, de algumas pessoas cultas e
escrupulosas, incapazes de julgamento apressado e pretensioso, que, em conversa
comigo, têm confessado não conhecer o que há de melhor em Coelho Neto
(BROCA, 1952, p. 224).
O mesmo faz Alfredo de Belmont Pessôa, ao comentar o livro Anotações de leituras,
de Renato Jobim, na coluna “Notas à margem” d’O Semanário (15 a 22 ago. 1957, p. 14):
[...] Também não é lícito assentar-se a superação do affaire Coelho Neto, enquanto
não surgir um crítico consciente da sua missão, capaz de sopesar o valor da sua obra,
usando de outra medida que não a apologia fremente ou a moda de negá-la,
infelizmente tão difundidas entre nós. Neste ponto, aliás, sinto dizer que o autor das
Anotações não se distancia muito da conduta de uma maioria sensível de escritores
brasileiros, que tem sido de pura expectação, quando não de deboche ante o destino
do fecundíssimo e fascinante prosador, vilipendiado pelo critério absurdo e
vergonhoso do “não li e não gostei”, cuja adoção se deve à insensatez crítica de uma
geração polêmica.
Broca (1952, p. 223) cita alguns exemplos do juízo falho até mesmo de críticos
profissionais em relação ao caso:
110
Num livro tão sério como a História da Literatura Brasileira – Prosa de Ficção, da
Sra. Lúcia Miguel Pereira, o veredicto sobre o romancista não comportou, por
exemplo, a menor referência ao Turbilhão, indiscutivelmente uma das obras mais
felizes, se não a mais feliz do fecundo escritor. E se quiserem outro exemplo, este
tão frisante quanto pitoresco, aqui temos o de um alto espírito, o Sr. Fernando de
Azevedo. Num estudo do livro Ensaios, dedicado a Coelho Neto, estudo longo,
fouillé, em que pretendeu acentuar-lhe as linhas mais características da obra,
encontramos à página 184, este trecho: “O gosto pelas lendas e pelo fantástico
(como em O Morto, memórias de um fuzilado) tinha de levar esse sonâmbulo do
passado às inquietações metafísicas, em que hoje se lhe debate a inteligência”. Ora,
quem conhece O Morto – aliás um dos romances mais vulgarizados de Coelho Neto
– bem sabe que aí nada traduz o gosto pelas lendas e pelo fantástico; o Sr. Fernando
de Azevedo evidentemente não havia lido o livro na época em que escreveu o artigo
e foi numa pista falsa, guiando-se pelo título, que figura, no caso, com intenção
satírica.
A falta de critérios no julgamento da obra de Coelho Netto e a sua não leitura ou
leitura superficial são a causa de Eliezer Bezerra (1982) chamar o movimento modernista de
“onda”, embora reconheça um lado sério do desejo pela revolução estética e reformulação das
letras e das artes brasileiras, que compreendeu nomes como: Manuel Bandeira, Guilherme de
Almeida, Mário de Andrade, Menotti Del Picchia, Augusto Frederico Schmidt, Carlos
Drummond de Andrade, Vinícius de Moraes, etc., entre os poetas, e José Américo de
Almeida, José Lins do Rego, Gilberto Freyre, Rachel de Queiroz, Jorge Amado, Joaquim
Inojosa, etc. (BEZERRA, 1982, p. 71). Mas Bezerra desdenha veementemente de Oswald,
considerando-o um poeta medíocre, e disparará contra os jovens que embarcaram na “onda”:
Onda modernista foi, por seu turno, a exteriorização de sentimentos mesquinhos
aninhados na mente doentia de seus idealizadores, de certo pessoas nulas, incapazes
de concretizar seus sonhos de glória literária por meios dignos e através de trabalho
árduo. Só esses podem ter arquitetado um plano tão terrível de amesquinhamento
das obras dos grandes escritores do passado, que, por um motivo ou outro,
principalmente pelo avanço da idade, não puderam adaptar-se às novas concepções
estéticas surgidas ou ao puro e simples aventureirismo literário.
Para esses impostores das letras, só havia um meio disponível de aparecer no cenário
intelectual do princípio do século. E o artifício foi o de ofender os mestres de então e
do passado, desfazendo de suas produções ou legados literários, assim como
tentando privá-los do conhecimento e respeito da posteridade (BEZERRA, 1982, p.
53).
Dois exemplos de como a “onda” se processava podem ser vistos, primeiro, no clima
de desrespeito e boataria sobre o nome do velho escritor, conforme sua carta a Fernando de
Azevedo, datada de 10 de março de 1925:
[...] / Agora mesmo no Paraná anda o meu nome abocanhado por dois mastins da
horda. Reduzem-me a um trapalho sórdido, acho que devo deixar livre o campo da
literatura (naturalmente para que retoucem à vontade) porque sou e sempre fui uma
nulidade pretensiosa, só isso. Um deles conhece-me tanto que afirmou haver-me
visto na Avenida de sobrecasaca e cartola. De sobrecasa e cartola... eu! Como me
111
conhece a mim, seguramente conhece a minha obra. / [...]. (apud MORAES,
2003/2004, p. 117).
O segundo exemplo do modus operandi da “onda” modernista era criticar sem ter
lido, embarcando na corrente seguindo outros que iam à frente. O caso mais flagrante parece
ser o do escritor baiano Jorge Amado (1912-2001), que, alistado a uma segunda geração
modernista (num grupo de jovens modernistas de Salvador, no final dos anos 20), revela, num
trecho de uma entrevista, um remorso que carregava consigo. Diz Jorge Amado:
Os escritores não-modernistas a gente combatia violentamente, sem ter lido. Eu
sempre conto que tinha vergonha de meter o pau em Coelho Netto, pois lera e
gostara de um livro dele, A capital federal, mas a gente tinha que esculhambar
Coelho Netto, não é mesmo? Esse é um remorso que vou carregar a vida toda, de ter
achado o livro ótimo e falado mal do autor, mas Coelho Netto era para nós o
símbolo do atraso em matéria de literatura (apud ALMEIDA, 1994, p. V).
De certa forma, o pensamento crítico de Coelho Netto chegou a rivalizar, em termos
de crítica social e política, com o pensamento modernista. Marcos Antonio de Moraes (2007,
p. XXXVIII), dando-nos exemplo disso, afirma, na análise das crônicas de Às quintas, que:
[...] pode-se avaliar melhor a dimensão crítica daquele que tem sido visto apenas
como cultor do beletrismo.
Não se furtando a denunciar mazelas da história do país (revelando com isso
penetração crítica mais fecunda do que a demonstrada pelos modernistas da ala
verde-amarela), Coelho Neto optará, na sua atuação jornalística, pelo trabalho de
construção de uma ideia de brasilidade.
Outro ponto a destacar é que uma grande parte da crítica, muito ignorada por sinal, é
a que condena os modernistas por condenarem sumária ou arbitrariamente Coelho Netto. São
nomes importantes que se manifestam nessa questão em particular.
Citemos apenas alguns casos. Como o de Medeiros e Albuquerque, no Jornal do
Commercio, de 15 de janeiro de 1928:
Coelho Netto e Alberto de Oliveira provam diariamente a justiça que os faz aclamar
príncipes dos prosadores brasileiros, com o furor que anima tantos literatinhos novos
a se atirarem contra êles. Prova direta, mas decisiva. De fato, se êles não tivessem
mérito, seria desnecessário atacá-los. Bastaria que esses adversários usassem a mais
simples das táticas: que produzissem melhor do que os dois. / O trabalho de Coelho
Netto é uma coisa formidavel. [...]. / Dos novos, que o atacam, a maioria só mostra
como novidade a certidão de nascimento: nasceram há poucos anos. A novidade não
lhes vem de idéias nem de formas de expressão. / [...]. / Muitos que atacam Coelho
Netto só o fazem porque estão cansados de ouvi-lo chamar um grande escritor (apud
COELHO NETTO, P., 1942, p. 359-360).
112
Ou o de Veiga Miranda (1935, p. 33), que condena a forma como alguns moços
passaram a tratar Coelho Netto, na velhice deste:
Doía-me a irreverência dos philisteus, eunuchos em plena mocidade, sêres que se
vingam da propria esterilidade atirando remoques à robustez fecunda dos creadores,
attentando contra aquella velhice com o revoltante sacrilegio de um grupo de
inconscientes grumetes que vaiássem um veterano como Tamandaré por não lhe ser
possível, à altura dos setenta annos, dar as antigas provas de força e de agilidade!... /
Cobrir de zombarias a velhice de um grande intellectual, e ainda mais quando se
apresenta aggravado pelas dores do infortunio e pelos padecimentos da molestia, é
acto de tal fórma odioso e cruel que lembra um crime de parricidio, com toda a
negrura de um Edipo consciente, voluntario. / [...] E apontavam-n’o como a
encarnação e o symbolo do “passadismo”, quando nelle não havia rancor nem
intransigencia de escolas, mas simplesmente um arraigado sentimento de belleza,
segundo padrões immortaes, conforme noções e modelos que resistem aos caprichos
das correntes estheticas, como permanecem intangiveis á ânsia de renovação, através
de gerações e gerações.
Ou ainda do grande escritor que foi Guimarães Rosa (1908-1967), quando
confidenciou a Josué Montello, nas páginas do Diário do entardecer:
[...] tenho a impressão de que eu disse o que era preciso dizer. Coelho Neto é o
grande injustiçado de nossas letras. Vítima do Modernismo. E o Modernismo, como
você sabe, tirando uma figura como o Mário de Andrade, como o Menotti, como o
Guilherme de Almeida, que sabiam realmente do que estavam dizendo, não passou
de uma rapaziada. Sabe o que me disse, perto daqui, ali no Conselho de Cultura, o
nosso Rodrigo Melo Franco sobre a conferência do Graça Aranha, aqui na
Academia? Que foi uma patacoada de meninos ricos... (MONTELLO, 1991, p. 42).
Teria ficado esse clima de injustiça, que ecoará nas vozes de vários outros
intelectuais, e aqui citaremos mais alguns exemplos, como Wilson Martins (2009):
Desprezar Coelho Neto (sem lê-lo) tornou-se em nosso decálogo crítico um daqueles
postulados simplistas que ninguém mais discute, mas a questão é mais complexa do
que imaginam. Foi o prosador mais ortodoxamente representativo do código literário
do seu tempo – e assim o consideraram os contemporâneos, e tão representativo que
a literatura que representava desapareceu com ele.
Antônio Soares Amora (1967, p. 132):
Por vêzes com razão, mas muitas vêzes por generalização injusta, viram-se em
Coelho Neto as últimas conseqüências do “culto da arte”, porque um “culto”
evadido da realidade dramática da vida brasileira. Passadas as intransigências,
naturais da primeira onda revolucionária do Modernismo, pouco a pouco se vão
reconhecendo os méritos do Escritor que é, incontestàvelmente, dos mais sólidos
patrimônios artísticos da história da literatura em língua portuguesa.
Nelson Werneck Sodré (1970, p. 17):
113
[...] Outro monstro sagrado era Coelho Netto mas, este sim, com todas as
características do escritor, escritor por intenção, por vocação e até – o que era
raríssimo, no tempo – por profissão. Coelho Netto deixou de ser lido, as novas
gerações não o conhecem e, além disso, sofreu de ter tipificado, com as lutas do
Modernismo, uma arte morta e falsa. Merece ser rediscutido; mais, merece ser
relido. Não na totalidade da obra copiosa, mas na seleção de dois ou três romances,
aqueles que, justamente, pelo muito que contêm de experiência direta, deixou
precioso depoimento sobre a época.
Massaud Moisés (2005, p. 296-297):
Todavia, na afoita generalização com que se lhe rubricou a obra, muita injustiça se
cometeu, porquanto não distinguia o produto de superior qualidade dos outros
forjados na luta do ganha-pão diário. À primeira categoria pertence o volume Sertão,
de que foi selecionado “Firmo, o Vaqueiro”. Neste conto, percebe-se que a
linguagem de Coelho Neto se caracteriza por certo portuguesismo ou casticismo,
ainda que se trate de uma narrativa regionalista, e que o narrador emprega um
vocabulário parcimonioso, adequado ao tema, que colabora eficazmente para a
concisão e harmonia do conjunto. Nem tudo, portanto, era exagero em Coelho Neto,
inclusive seu realismo, que nada possui de ortodoxo ou de escola [...]. / [...] /
Crônica de uma existência monocular a ocultar uma rica sabedoria das coisas, o
conto atesta as qualidades literárias de seu criador e ocupa lugar de honra na
evolução da Literatura Brasileira como uma das obras-primas no gênero.
Nas páginas do seu Caminho das fontes, Josué Montello (1959, p. 302-303) já dizia
dele: “Dessa produção opulenta, que se notabiliza pelo brilho e pelo fluxo verbal, cêrca de
uma dezena de volumes confere ao seu autor o direito à revisão do processo de condenação
literária, a que o arrasta a revolução modernista de 1922”. Mais adiante, mesmo identificando
certos exageros do escritor, conclui: “Mas é forçoso reconhecer-se que, nesse latifundiário das
palavras, há um narrador e um mestre, em cujo estilo a língua portuguêsa incontestàvelmente
se enriquece, na graça de novas melodias” (MONTELLO, 1959, p. 304).
No fim da vida de Coelho Netto, já padecendo infortúnios, como a morte de Mano,
em 1924, e de D. Gaby, em 1931, a perda de praticamente toda a sua geração de amigos dos
anos 1880-1890 e outros, e os ataques implacáveis do Modernismo, não na sua totalidade,
como temos visto, o escritor maranhense ainda recebeu lauréis que lhe deram sobrevida na
sua amargura, e os sucessivos títulos de “Príncipe dos Prosadores Brasileiros”, especialmente
o de 1928, e a sua indicação pela ABL, em 1932, a Prêmio Nobel de Literatura de 1933,
foram, em certo sentido, uma resposta que a elite intelectual e os leitores de Coelho Netto
deram aos seus injuriadores. Coelho Netto faleceu em 28 de novembro de 1934, em sua casa
na Rua do Rozo, vítima de arteriosclerose, doença que o perseguiu por vários anos. Sua morte
foi muito sentida nos meios intelectuais e teve comoção em vários estados da nação. Paulo
Coelho Netto, na biografia que escreveu do pai, coleciona diversas mensagens e homenagens
que o nome de Coelho Netto recebeu em jornais e através de intelectuais do Brasil e do
114
exterior. Veiga Miranda (1935, p. 11-12) compara seu desaparecimento ao tombamento de
uma grande árvore:
Quando tomba, no meio da floresta, um daquelles exemplares estupendos da nossa
flora, uma perobeira ou um jequitibá, fica uma clareira na mata, que só a vegetação
rasteira occupa. O largo espaço vasio marca o logar sobre cujo ambito pompeava a
cabeça do gigante tropical. Só então, considerando-se a área do circulo aos pés do
colosso, sobre a qual se projectava a sua sombra augusta, em cujo sub-solo penetram
as suas formidaveis raizes, é que nos damos conta das proporções do tronco
immenso, das maravilhosas riquezas dos seus galhos e ramos adornados de lianas e
parasitas, da incomparaval abundancia da espessa folhagem. É pelo que fica
descoberto, nú, desabrigado, no seio da mata, que calculamos a perda soffrida!
E decorrerão seculos para erguer-se alli outro padrão da terra fertil, outro poderoso
dominador das selvas!...
Semelhante metáfora também foi empregada por Domingos Vieira Filho (1965, p.
23), em discurso pelo centenário do autor de Banzo:
Assim, a imensa árvore literária de Coelho Neto, jequitibá gigantesco que o frágil
machado da crítica foi impotente para derrubar, poderá ser podada nos galhos
excessivos e que em nada fortalece a seiva interior, aparada nas exuberâncias
supérfluas, que ela continuará firme, dadivosa, esplendente de fôrça, através de uma
ou duas dezenas de livros imortais.
1.9 REFLEXÕES SOBRE SUA OBRA E ESTILO
Neste tópico, discutiremos questões gerais sobre a obra e o estilo literário do escritor
Coelho Netto, atentos, sobretudo, às influências sofridas e ao seu ecletismo de tendências e de
gêneros literários. Consideramos importante salientar estes pontos, que se somam aos
contextos de produção, no fornecimento de base para análise e interpretação de seus textos.
Influências literárias e autores preferidos. Na famosa entrevista a João do Rio, em
1905, Coelho Netto confessou as mais importantes influências literárias que sofreu:
- Para a minha formação literária, começa ele, não contribuíram autores,
contribuíram pessoas. Até hoje sofro a influência do primeiro período da minha
vida, no sertão. Foram as histórias, as lendas, os contos ouvidos em criança, histórias
de negros cheias de pavores, lendas de caboclos palpitando encantamentos, contos
de homens brancos, a fantasia do sol, o perfume das florestas, o sonho dos
civilizados... Nunca mais essa mistura de ideais deixou de predominar, e até hoje se
faz sentir no meu ecletismo. A minha fantasia é o resultado da alma dos negros, dos
caboclos e dos brancos. É do choque permanente entre esse fundo complexo e a
cultura literária que decorre toda a minha obra [...] (RIO, s.d., p. 18).
O escritor parece reivindicar que sua literatura encerre em si o fenômeno (mítico) das
“três raças”, síntese da formação do povo brasileiro na clássica formulação desenvolvida no
115
século XIX.61 Formulação que antecipa uma tendência nacionalizante própria do século XX,
surgida do antagonismo para com as doutrinas e práticas racistas de cunho europeu.
Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas racistas européias, o Brasil
assumiu ser mestiço. A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do brasileiro a de não ter preconceitos.
O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças religiosas, regionais, culturais,
étnicas, é especial nessa dimensão. O orgulho de ser mestiço o leva a perceber o
Brasil como a nação que mistura todos os seus vetores constitutivos e assimila, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos (LESSA, 2008, p. 244).
E vejam que nas duas menções Coelho Netto põe os negros na frente, os caboclos em
seguida e os brancos por último. Um modo de justificar isso, além de pretensos exemplos
textuais, seria evidenciar sua ascendência branca e indígena, já que era um mestiço (caboclo),
associada a seu apreço pela cultura negra e sua reconhecida militância abolicionista, como se
ele fosse um homem-síntese das “três raças”: um pouco branco, um pouco índio e um pouco
negro. Mas ele não o faz, pelo menos não nessa passagem. Prefere simplesmente dizer que
tudo o que viu e ouviu naqueles primeiros anos marcou profundamente o restante de sua vida,
interferindo na sua produção intelectual. O diálogo entre os dois escritores prossegue, e João
do Rio provoca a confissão de Coelho Netto sobre os autores de sua predileção:
- Há, entretanto, uma parte de sua obra...
- Sim, a parte fescenina. É aí, no Fruto proibido, que começo a ter a
responsabilidade do meu trabalho. O amor pelas lendas, pelo fantástico ficou porém.
O livro que mais me impressionou foi As mil e uma noites. Depois toda a obra de
Shakespeare, o Dom Quixote, os poetas gregos, Plutarco, que releio
constantemente...
- E dos modernos?
- Flaubert, o admirável Maupassant, Taine, que é a base da minha visão crítica, e os
ingleses contemporâneos, com especialidade os dramaturgos.
- Quanto a Portugal?
- Todos os clássicos, Eça de Queiroz... (RIO, s.d., p. 18-19).
Paulo Coelho Netto (1942, p. 25) complementa: “Seus autores prediletos eram:
Shakespeare – principalmente Shakespeare, por quem êle tinha verdadeiro culto, Éschyllo,
Plutarcho, Victor Hugo, Maupassant, Flaubert, Taine, Vieira, Castilho, Camillo, Eça de
Queiroz e Ruy Barbosa”.
61
Karl Phillip Von Martius, vencendo o famoso concurso promovido pelo IHGB sobre “Como se deveria
escrever a história do Brasil”, em 1843, intuiu e sugeriu que um dos alicerces dessa história por escrever deveria
ser a formação tripartida da nacionalidade brasileira, em suas matrizes indígena (nativa), branca (portuguesa) e
negra (africana). A ideia foi posta em prática uma década depois, através da pena eloquente de Francisco Adolfo
de Varnhagem, que, lançando as bases de nossa história oficial, vislumbrou a cooperação das três raças na
expulsão de franceses e, sobretudo, de holandeses do Brasil. Foi redescoberta por Sílvio Romero no final do
século XIX, e ganhou nova roupagem com Gilberto Freyre em 1933, com a publicação de Casa grande e
senzala, até ser sistematicamente combatida ao longo do século XX.
116
Sobre o clássico oriental As mil e uma noites, que muito frequentou a infância do
autor, já falamos um pouco quando aludimos à velha “preta” contadora de histórias. Outra
informação importante é que Coelho Netto considerava a Bíblia como seu livro preferido,
cristão que era.62 Como veremos no capítulo seguinte, o escritor maranhense faz vários
diálogos com o texto bíblico em sua propaganda cívica e patriótica. Além disso, também
publicou narrativas ampliadas da Bíblia, como As sete dores de Nossa Senhora (1907) e
Mistério do Natal (1911).
Quanto a William Shakespeare (1564-1616), poeta e dramaturgo inglês, autor de
clássicos da literatura universal, como Romeu e Julieta, Hamlet, Sonhos de uma noite de
verão e A tempestade, terá sido este, de fato, o autor predileto de Coelho Netto, e não somente
isto, como diz Humberto de Campos (1951, p. 80): “Shakespeare, seu ídolo, exerceu, mais do
que êle supõe, uma formidável influência sobre seu espírito”. Em nossa pesquisa,
encontramos diversas menções diretas e indiretas a este autor, que aqui dispensamos citar.
Outro detalhe, nessa predileção por Shakespeare, pode ser visto na fase dos
pseudônimos, especialmente no jornal Cidade do Rio, a partir de 1888, quando Coelho Netto
utiliza-se de “Puck”, “Caliban” e “Ariel”, nomes de personagens de Shakespeare, o primeiro,
o duende de Sonhos de uma noite de verão, e os outros dois, da peça A tempestade. O
historiador Leonardo Pereira (2005) é quem estuda o perfil do escritor escondido atrás desses
pseudônimos. Coelho Netto também publicou o volume de contos Álbum de Caliban (1897),
ainda em rápida alusão ao personagem shakespeareano.
Gregos (Homero, Ésquilo, Aristófanes, Sófocles, etc.), latinos (Plutarco, Virgílio,
Horácio, Ovídio, Cícero, etc.) e franceses (Taine, Hugo, Maupassant, Flaubert, Moliére,
Musset, Racine, Renan, Gautier, etc.), além de vários outros autores clássicos de várias outras
nacionalidades (Dante, Cervantes, Goethe, Milton, etc.) frequentam as mesas de leitura de
Coelho Netto, aparecem e reaparecem em suas falas e linhas, ornam seus discursos,
embelezam seus parágrafos.
Quanto ao gosto por autores clássicos portugueses (Camões, Vieira, Castilho, Camilo,
Eça de Queiroz, etc.), não nos devemos esquecer de que Coelho Netto era filho de pai
português, e isso de certa forma ligava-o à nação lusa. Outro detalhe é que seu tio Rezende,
62
O próprio Coelho Netto confessa: “Homem de fé, o livro de minh’alma aqui o tenho: é a Bíblia. Não a encerro
na biblioteca entre os de estudo, conservo-o sempre à minha cabeceira à mão. É dêle que tiro a água para a
minha sêde de verdade; é dêle que tiro o pão da minha fome de consôlo; é dêle que tiro a luz nas trevas de
minhas dúvidas; é dêle que tiro o bálsamo para as dores de minhas agonias” (apud FONTOURA, 1944, p. 81).
Outra página que não pode ser ignorada é a que escreveu Machado de Assis, n’A Semana, a propósito da
publicação de Fruto proibido (1895), do autor maranhense: “Coelho Neto conhece a Escritura e gosta dela [...]
expliquei-lhe que, amando Coelho Neto a Bíblia, escreveu um livro que a emenda [...]” (ASSIS, 1959, p. 342).
117
irmão mais velho de seu pai e também português, era amante dos clássicos e foi um dos seus
primeiros mestres, como vimos no começo deste capítulo. Além disso, Coelho Netto também
foi membro-correspondente da Academia de Ciências de Lisboa, sócio honorário do Gabinete
Português de Leitura, do Liceu Literário Português, e do Orfeão Português (COELHO
NETTO, P., 1942, p. 201-203), além de publicar uma parte considerável da sua obra em
Portugal, pela Livraria Chardron, de Lello e Irmão, da cidade do Porto. Por isso, é importante
lembrar que a linguagem de Coelho Netto, em muitos de seus livros, era dirigida também ao
público português.
O autor das Baladilhas era um homem erudito. Dominava o latim e traduzia o francês.
Em seus livros, são comuns citações inteiras nessas duas línguas, e outras tantas em inglês,
espanhol e alemão, como muitos do seu tempo faziam. Era apreciador de história e da
literatura em geral, bem como conhecedor de várias mitologias (grega, romana, céltica,
germânica, hindu, egípcia, etc.). Foi tachado de “helenista” justamente por aludir
frequentemente a deuses e heróis greco-romanos. Como professor de artes e dramaticidade,
conhecia muitos artistas, pintores, músicos, teatrólogos, atores, etc. Muitos são citados em
suas obras. Entre os músicos, por exemplo, encontramos muitas alusões a Wagner, Bach,
Rossini, Beethoven, etc. Dialogava também com filósofos, inventores e cientistas, de Platão a
Schopenhauer, de Arquimedes a Santos Dumont, de Hipócrates a Oswaldo Cruz. E como
orador, mostrava admiração por Demócrito, Vieira e Rui Barbosa. Entre os nacionais, além de
Rui, mostrava muito respeito por Gonçalves Dias, Álvares de Azevedo (seu patrono na ABL),
Castro Alves, José de Alencar e Machado de Assis; além dos grandes amigos Raul Pompeia,
José do Patrocínio, Aluísio Azevedo, Olavo Bilac e Euclides da Cunha.
Sobre a escola literária a que teria se filiado o escritor Coelho Netto, é uma questão
difícil, máxime porque não são muitos os que cuidam em estudá-lo pelo viés da teoria
literária, “teoria que nasce da prática literária, da obra, da leitura” (SAMUEL, 2005, p. 7),
buscando perceber suas peculiaridades estilísticas, mais do que tendo apenas o afã de
classificá-lo numa escola literária de época. Na verdade, em relação a alguns autores é difícil
fazer tais classificações. Basta citarmos aqui a empolgante teoria de Gustavo Bernardo
(2011), que desconstrói a secular tese de que Machado de Assis seria um autor realista.
Bernardo mostra-o não como realista, mas como adversário do realismo.63 Não encontrando
63
Bernardo (2011) critica a escola literária realista, por esta ter a pretensão (impossível) de descrever a realidade
tal qual ela é, enxergando-a de forma negativa. E por causa disso, entende ele que o realismo deixa de ser o
ponto mais alto da nossa literatura e passa a ser um dos pontos mais fracos. Machado é mostrado como autor
antirrealista, inclusive há uma fala sua claramente nesse sentido (“a realidade é boa, o realismo é que não presta
pra nada”), pois ele, que era cético, prima pela dúvida e transpõe o ceticismo para sua obra, inoportunizando ao
118
escola que o reivindique, Bernardo (2011, p. 13) o designa apenas como “machadiano”, isto é,
com um estilo singular e inclassificável. Bernardo (2011, p. 16), analisando o caso de
Machado de Assis, fez lembrar o antigo esforço, nos limites entre os séculos XIX e XX, de se
transformar a literatura numa disciplina como as demais, com a necessidade de elaborar um
programa passível de classificações e subclassificações. Desse modo, como a literatura tinha
muitas afinidades com a história, foi justamente desta disciplina que ela mais se aproximou.
Na visão de Bernardo (2011, p. 16), o que obsta o estudo de um autor como Machado é “a
tendência pedagógica a fugir da literatura ela mesma e abordá-la pelo filtro da história, isto é,
pela via do ensino dos estilos de época, via esta que acaba por pensar mais cada época do que
cada estilo”. E dizendo não desmerecer a história da literatura, afirma: “O que critico é que a
história da literatura se sobreponha à própria literatura, como se esta servisse tão somente para
ilustrar o momento histórico ou atender a qualquer furor classificatório” (BERNARDO, 2011,
p. 17). Por isso, conhecendo Coelho Netto, entendemos que seu estilo também reivindica
muitas singularidades, embora haja semelhanças pontuais com alguns de seus coetâneos,
podendo ser encaixado em várias escolas literárias e, ao mesmo tempo, em escola nenhuma,
como afirmou Otávio de Faria (1986, p. 226):
Natureza de grande isolado literário, nenhuma escola pode reivindicá-lo para
engrossar suas hostes. Aliás, sua maior força foi justamente essa de ter conseguido
pairar sempre acima das escolas e dos grupos: vivendo da pena e vivendo para a
pena, jamais cedeu à sedução capelas literárias. Escreveu por escrever, sem se
preocupar em saber como a posteridade o iria rotular.
Pois há quem diga exatamente isso ajuntando os dois escritores: Machado de Assis e
Coelho Netto. É o caso do ensaísta Sousa Bandeira (1865-1917) que, respondendo a João do
Rio (s.d., p. 88), vê individualidade nos dois:
[...] Um escritor como Machado de Assis é forçosamente um escritor individual.
Nem pertence a escola alguma, nem pode formar escola sua.
Outro prosador individual é Coelho Neto, cujo estilo rebuscado até o ponto de se
tornar às vezes arestoso, ao serviço de uma imaginação tropical, abrange várias
formas, desde o simbolismo literário adaptado das lendas estrangeiras até o estudo
da vida rude dos nossos sertões. A sua preocupação essencial é o lado trágico da
natureza e da sociedade, preocupação que influi poderosamente na sua maneira
impressionista de escrever. A escola de Coelho Neto não sei qual seja.
Não seria nenhum exagero, portanto, dizer que a dificuldade de classificar Coelho
Netto é tão ou mais difícil do que a de Machado de Assis, porque, se Gustavo Bernardo,
leitor enxergar “realisticamente” a realidade: por exemplo, Capitu traiu ou não Bentinho? (Dom Casmurro). A
dúvida permanece até hoje. Outro aspecto é que Machado de Assis insere na “realidade” de seus romances
elementos que não são da “realidade” da humanidade, como é exemplo máximo o fato do protagonista de
Memórias póstumas de Braz Cubas ser um defunto que narra a própria história, como se defunto falasse.
119
travando diálogo com vários autores, tem o trabalho de contra-argumentar uma escola apenas,
o realismo, embora esse realismo venha por vezes acompanhado de adjetivos; com o escritor
maranhense é exatamente o contrário: é enquadrado em muitas escolas, às vezes em uma, às
vezes em duas ou três, podendo ser, para uns, parnasiano, e para outros, simbolista, ou ainda
realista aqui e romântico acolá, quando essas estéticas deveriam ser antagônicas, atendendo
quase sempre a critérios puramente cronológicos.
Observemos agora o aspecto intrigante desse problema. Humberto de Campos
considerava-o um escritor típico do romantismo, “o último romântico” (CAMPOS, 1951, p.
287). Antônio Soares Amora (1967, p. 127-134) não tinha dúvida de que Coelho Netto era um
prosador simbolista. Ele escreveu: “Durante os trinta anos do nosso Simbolismo, Coelho Neto
construiu, com invulgar fecundidade, vasta e variada obra” (AMORA, 1967, p. 132). José
Veríssimo (1977, p. 10) enxergou nele um ecletismo que compreendia várias escolas
(romantismo, naturalismo, realismo, idealismo, simbolismo):
Romântico e profundamente romântico, – que o romantismo é a dominante do seu
temperamento literário – naturalista, realista e idealista a um tempo, e por último
simbolista [...], sente-se que esta mistura incoerente de tendências estéticas não é
nele o resultado do ecletismo contemporâneo, mas antes o efeito de um engenho que
se compraz em experimentar-se em modos e gêneros diversos.
Já vimos que, em Otávio de Faria e em Sousa Bandeira, Coelho Netto não pode ser
classificado em nenhuma escola, mas é de se destacar que esse ecletismo observado em seu
estilo, experimentando-se em várias tendências estéticas e artísticas (romantismo, realismo,
simbolismo, parnasianismo) e em vários gêneros literários (romances, contos, teatro, crônicas,
memórias, fábulas, educação moral e cívica, narrativas bíblicas, etc.), é próprio do seu caráter
erudito, do desejo de conhecer mais, de produzir mais.
Na famosa entrevista a João do Rio, Coelho Netto informa mais um ingrediente do
seu estilo, talvez o mais importante: “A palavra vive do adjetivo, que é a sua inflexão. Daí a
necessidade de disciplinar o vocabulário./ [...]. A questão não é de vocabulário; é de
disciplina. [...]. Eu consegui disciplinar o vocabulário” (RIO, s.d., p. 19). Diz Faria (1986, p.
228) que o “termo exato” é, sem dúvida, “o ponto vital da obra de Coelho Neto e, também, a
pedra de escândalo dos seus detratores”. E mais:
O mal de Coelho Neto foi que a sua teoria da palavra, da busca do termo exato,
coincidiu com o seu invulgar, verdadeiramente extraordinário vocabulário.
Buscando o termo exato, Coelho Neto o encontrava sempre – e o usava. Sua não é a
culpa de que, nem sempre, seus leitores estejam aptos a entender o seu vocabulário
[...] (FARIA, 1986, p. 229-230).
120
A obra de Coelho Netto, escrita com o apuro da língua e a imaginação fértil do seu
autor e os “olhos de águia” (na expressão de Venturelli, 2009), foi traduzida para mais de dez
idiomas e mereceu comentários e importantes estudos no Brasil e no exterior, e tais
informações podem ser encontradas, por exemplo, em Paulo Coelho Netto (1942), que as
reuniu cuidadosamente. Coelho Netto esteve durante anos um tanto esquecido da população
leitora do Brasil, e há várias explicações para o fenômeno, que já não nos é dado falar, pelo
avançado do espaço, mas, temos constatado em sua grande bibliografia, que temos montado
ao longo dos anos, que ele nunca deixou de ser lido e que há um interesse que tem crescido
paulatinamente nos últimos anos por esse autor. Muitos livros de Coelho Netto têm sido
editados recentemente, inclusive há vários já em forma de e-book, e têm sido produzidas
várias dissertações, teses, livros e artigos sobre ele, muitos dos quais não tivemos condições
de apresentar neste capítulo, dado ao grande número. Outro ponto a constar é que certamente
muitos outros fatos importantes e aspectos da vida de Coelho Netto foram ignorados, omitidos
de propósito ou até esquecidos, porque, na verdade, é impossível darmos conta de uma vida,
mesmo escrevendo-a no papel.
Esperamos, assim, ter inserido o autor num contexto de percepção de sua vida, obra e
pensamento, para deixar o leitor mais apto a adentrar o capítulo seguinte, em que será
abordada a temática nacionalista com mais especificidade.
121
2 O NACIONALISMO DE COELHO NETTO
Depois de conhecer um pouco sobre a vida, a obra e o pensamento do escritor
Coelho Netto, temos aqui, enfim, o propósito de investigar com maior particularidade a
temática nacionalista nos seus textos, cujo conteúdo assim caracterizado foi reconhecido na
crítica que lhe fez Otávio de Faria.64 Para tanto, delimitamos nosso estudo tomando como
fontes principais suas crônicas de jornal e seus discursos públicos, além do Breviário cívico,
manual de educação cívica publicado em 1921, nos quais o assunto é mais incisivo do que em
outros gêneros literários, e buscando compreendê-lo, em torno da temática, como um ser que
pensa problemas, questiona formas, interioriza apelos, produz ideias e propõe alternativas, no
Brasil da Primeira República (1889-1930), principalmente entre 1914 e 1923.65
Antes, porém, é necessário fazermos algumas ponderações sobre o conceito de
nacionalismo e sua aplicabilidade no contexto brasileiro do primeiro período republicano. Um
debate sobre nação e nacionalismo requer o auxílio de importantes autores que teorizam sobre
esses temas e têm o reconhecimento acadêmico pelos seus méritos historiográficos.
Como já antecipamos na introdução, Benedict Anderson (2008), em Comunidades
imaginadas, afirma a nação nada mais é do que “[...] uma comunidade política imaginada – e
imaginada como sendo intrinsecamente limitada e, ao mesmo tempo, soberana [...] É
imaginada porque mesmo os membros das mais minúsculas nações jamais conhecerão,
encontrarão ou sequer ouvirão falar dos seus companheiros, embora todos tenham em mente a
imagem da vida comum” (ANDERSON, 2008, p. 32). É importante, à luz desse conceito e de
outros autores, pensar a construção de uma ideia de Brasil, ou de Brasis, desde o século XIX,
por ocasião da fundação do Estado brasileiro. No entanto, investigaremos apenas a
fomentação de um Brasil no período republicano, tributário sim de concepções mais antigas, e
em diálogo com outras correntes contemporâneas suas.
Esses textos nos ajudam a pensar a temática nacionalista e a perspectiva de Coelho
Netto à luz de tais conceitos. De início, explorar de que fonte cultural bebe o nacionalismo de
64
“Escritor, cem por cento escritor, não se deixou no entanto encerrar na ‘torre de marfim’ da sua invulgar
imaginação. Fortemente dotado daquele ‘instinto de nacionalidade’, que, nas imediações de 1873, constituía para
Machado de Assis o principal característico da nossa literatura, tinha os olhos voltados para o Brasil e para os
seus problemas, sofria com eles, ansiava por solucioná-los ou vê-los resolvidos. A par de inúmeros livros
educacionais, breviários cívicos, onde a todo instante se mostra ‘preocupado com os destinos da nacionalidade’,
a obra inteira reflete a mesma preocupação, a mesma obsessão a tudo o que é brasileiro” (FARIA, 1986, p. 226).
65
Período coincidente com a produção de Coelho Netto durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e com o
boa parte do tempo em que escreveu crônicas nos jornais cariocas A Noite e Jornal do Brasil (especialmente
entre 1918 e 1923), pelo menos as que foram reunidas em O meu dia (1 ed., 1922), Às quintas (1 ed., 1924) e
Fréchas (1 ed., 1923). O período compreende a maioria das crônicas, discursos e do Breviário cívico utilizados
neste trabalho, embora outros textos, anteriores e posteriores a esse período, também sejam aqui utilizados.
122
um modo geral, e o de Coelho Netto especificamente, pode ser um bom caminho para melhor
entender a dinâmica do seu pensamento.
2.1 FONTES CULTURAIS DO NACIONALISMO MODERNO
Este tópico tem o objetivo de investigar os elementos culturais constitutivos do
conceito de nacionalismo na obra de Coelho Netto. Para isso, convidamos ao diálogo
Anderson (2008), que faz uma útil abordagem sobre a relação entre comunidades religiosas e
reino dinástico com a noção de nacionalismo, a partir da tese fundamental de que a nação é
uma comunidade imaginada. Nossa análise se inicia pela reflexão acerca do “soldado
desconhecido”, passando para a relação entre morte, religião e pátria.
2.1.1 O “soldado desconhecido”
No dia 5 de outubro de 2011, a presidente do Brasil, Dilma Roussef, chegou à
Bulgária, terra do seu pai, para um compromisso oficial de dois dias. Encontrando-se na
capital Sófia com o presidente búlgaro, Georgui Parvanov, recebeu deste a maior
condecoração daquela república: a ordem Stara Planina. Depois, ela participou de uma
cerimônia que nos chamou a atenção: “Dilma colocou uma coroa de flores com as cores da
bandeira brasileira no túmulo do soldado desconhecido [...]. Diante do monumento, ela foi
recebida oficialmente por seu anfitrião, com honras militares e os hinos das duas nações”
(DILMA INICIA..., 2011).
Cerimônias como essa não devem, no entanto, causar-nos estranheza, pois túmulos
de soldados desconhecidos são mais comuns do que imaginamos. Tanto que existe até o Dia
do Soldado Desconhecido, comemorado em vários países em 28 de novembro. Numa simples
pesquisa ao site Wikipédia (2012a), é possível localizar diversos monumentos erigidos pelas
nações em honra a soldados desconhecidos, como aquele da Bulgária, mortos em batalha,
cujos corpos não foram identificados. Às vezes, trata-se de um túmulo simbólico, chamado de
cenotáfio 66, isto é, sem que necessariamente haja restos mortais dentro dele.67
No rastro do Wikipédia (2012a) e de Silva et al. (1966), encontramos vários desses
monumentos, da Polônia à Austrália, da Argentina à Rússia, do Chile à Inglaterra, da França à
66
Cenotáfio – palavra oriunda do grego κενοτάϕιον (kenotaphion), composto de κενός (kenós) “vazio”, e ταϕός
(taphós) “tumba”. Literalmente: “tumba vazia”.
67
No Brasil, um dos mais importantes cenotáfios é o dedicado aos inconfidentes mineiros, que se acha no Museu
da Inconfidência, em Ouro Preto - MG.
123
Índia. Enquanto o mais antigo conhecido é o Landsoldaten (“Soldado de Infantaria”), de
1849, da Primeira Guerra de Schleswig (1848-1851), em Frederícia (Dinamarca), talvez o
mais famoso seja o “Túmulo ao Soldado Desconhecido” norte-americano, atração turística do
Cemitério Nacional de Arlington (Vírgínia). Deste, Silva et al. (1966, p. 1403) dizem que:
coube ao sargento Younger, sobrevivente da guerra, condecorado pelos governos
francês e americano, designar, entre quatro esquifes, o do Soldado Desconhecido.
Com os olhos vendados, depositou num esquife um buquê de flores: era assim
designado o Soldado Desconhecido americano. No dia 11 de novembro de 1921, era
o esquife conduzido ao cemitério de Arlington, sendo ali inumado. A inscrição do
túmulo dizia: “Aqui repousa, em honra e glória, um soldado americano, somente
conhecido por Deus”.
Edificar e consagrar túmulos de soldados desconhecidos tombados em guerra, a
partir da I Guerra Mundial (1914-1918), parece ter sido uma tendência consequente à
iniciativa britânica para com um herói não identificado, morto na Guerra e sepultado com
honras nacionais, em 1920, na Abadia de Westminster.68 Esse soldado simbolicamente
representava todos os demais soldados do Império Britânico mortos em combate. O caso
britânico é muito parecido com o americano na forma da escolha, ou, antes, por ser mais
antigo, serviu-lhe de modelo: “para ser escolhido o Soldado Desconhecido inglês, muitos
corpos foram exumados nos campos de campanha, em Flandres, e um oficial, de olhos
vendados, tocou com a mão direita um dos esquifes” (SILVA et al., 1966, p. 1403).
Depois vieram os exemplos notáveis da França, com seu famoso túmulo ao soldado
desconhecido sob o Arco do Triunfo, em Paris, também inaugurado em 1921, escolhido pelo
soldado Auguste Thin, dentre oito esquifes que se achavam na câmara mortuária da cidadela
de Verdun (MOMENTOS..., 2012); e também da Bélgica, Itália, Polônia, Portugal, Grécia e
Iugoslávia, todos inaugurados na década de 1920.
No Brasil, talvez o monumento mais expressivo, nesse sentido, seja o erigido no Rio
de Janeiro, em 1960, em homenagem aos “pracinhas”, combatentes brasileiros mortos na
Itália, durante a II Guerra Mundial (1939-1945), cujos restos mortais foram resgatados do
cemitério de Pistoia, na Itália (SILVA et al., 1966, p. 1404; WIKIPÉDIA, 2012b).
O caso de Portugal, citado acima, é de grande interesse para nós, pois mereceu de
Coelho Netto (2007, p. 19-22) uma crônica, por ocasião do fato. Tal consagração se deu, na
realidade, em relação a dois soldados, um morto na França, e outro em Moçambique, cuja
68
A escolha da Abadia de Westminster, em Londres, para sediar o túmulo do “soldado desconhecido” inglês
revela o grande valor que lhe atribuíram, pois dos cerca de três mil sepulcros que estão lá, 17 são de monarcas
britânicos, além de túmulos de diversas personalidades importantes, como Isaac Newton, Charles Darwin e
Charles Dickens; isto sem falar que essa catedral é o local tradicional de coroação do monarca do Reino Unido.
124
autorização de traslado dos corpos foi dada pelo governo em março de 1921. Todo o
cerimonial, de repercussão nacional, desde o embarque até o sepultamento oficial, tomou
vários dias do mês de abril. Detalhes dos fatos, várias fotografias e até um vídeo podem ser
vistos no site português Momentos de História (2012).
Intitulada “O soldado desconhecido”, a crônica de Coelho Netto foi publicada
originalmente na sua coluna semanal no jornal carioca A Noite (31 mar. 1921), e coligida em
Às quintas, publicação de 1924. Coelho Netto (2007), ali, elogia a bravura e o esforço de
todos os soldados que dignificaram a nação de Portugal, em suas conquistas, e toma o
“soldado desconhecido” como símbolo de todos os anônimos, assim na morte como na vida,
que se entregaram pela pátria lusitana. Ele diz:
As Nações não escolhem, não têm preferências, buscam apenas no morto um
distintivo que lhe assinale a origem e, tanto que o descobrem, tomam-no a si e,
desde logo, aquele despojo anônimo da Morte, transfigurado em símbolo, é inscrito
na ata da cerimônia sublime com o nome de Povo mártir, esse “Ninguém” que é
tudo, esse tumulto que entra na História dissolvido em heroísmo, como o sal no
oceano (COELHO NETTO, 2007, p. 20).
E “esse ninguém que é tudo”69 é especialmente invocado para designar o coração de
um Povo, no caso o português, mas bem poderia ser, para Coelho Netto, o brasileiro, eis por
que esse cerimonial deveria servir, segundo ele, de exemplo às nações:
E que monumento mais significativo e mais verdadeiro poderia, cada uma das
Nações guerreiras, erigir em memória do seu Povo do que esse, constituído de um
bocado desse mesmo Povo?
O bronze é metal, o mármore é pedra, e que neles afeiçoa a figura é o estatuário. O
soldado desconhecido é corpo, plasma divino em terra, foi o sacrário de uma alma,
latejou nele um coração cheio de amor patriótico, amor tão grande que suplantou
todos os outros amores, levando-o a morrer por ele em terra alheia, só porque para
terra tal, ao apelo de outros que se ajuntavam, em enxame, em volta da Humanidade,
seguira a bandeira do seu Portugal, tão pequenino na geografia e tão grande em
projeção na História (COELHO NETTO, 2007, p. 20-21).
Sendo o que sobrou de uma vida, sucumbido no anonimato, esse misterioso defunto
havia de falar sem palavras. Para Coelho Netto, o culto à memória do herói ignoto serviria de
consolo poético a todas as mães e esposas cujos filhos ou maridos, dados como mortos/
desaparecidos, caíram em terra estranha: “Esse soldado desconhecido, que entra a terra
portuguesa representando o Povo luso, passará ante os olhos das mulheres de luto como uma
urna colhendo lágrimas”. E completa: “Todas poderão ver nele o que perderam – o sem nome
69
Sobre a questão de o “soldado desconhecido” ser Alguém ou ser Ninguém, capaz ou não de responder à
problemática das mortandades, de que ele próprio também é vítima, ver pequeno debate feito por Edmundo
Cordeiro (1994, p. 48-50) sobre as concepções antagônicas de Hannah Arendt e Ernst Jünger.
125
terá todos os nomes; o desconhecido será o amado de todos; o anônimo será a multidão, um
símbolo como a bandeira, que também é nada e é tudo” (COELHO NETTO, 2007, p. 21).
O herói-morto-desconhecido abarca, pois, sentidos de existência, de continuidade, de
comunhão perpétua, e é tomado aqui como elemento inspirador de integração coletiva em
torno da ideia de nação, pois, mesmo depois de extinto da terra, permanece espiritualmente a
ela ligado (no seu legado e no símbolo que representa para os vivos). Escolher heróis
desconhecidos como símbolos pátrios equivale a dizer que a Pátria hoje amada já foi amada
antes, e a corrente que passa de geração a geração não pode ser quebrada, pois é um vínculo
espiritual a unir os de agora com os que já se foram e com os do porvir. Eis uma das facetas
da propaganda nacionalista moderna.
2.1.2 Afinidades com a comunidade religiosa e o reino dinástico
Heróis desconhecidos são, portanto, importantes elementos do imaginário
nacionalista. Anderson (2008, p. 35) chega a dizer que “Não existem símbolos mais
impressionantes da cultura moderna do nacionalismo do que os cenotáfios e túmulos dos
soldados desconhecidos”, e que a reverência a tais monumentos e cerimônias “não encontra
nenhum paralelo verdadeiro no passado”, mesmo entre os antigos gregos, que tinham seus
cenotáfios, mas sempre para indivíduos de identidade conhecida. E prossegue:
Para sentir a força dessa modernidade, bastar imaginar a reação geral diante do
sujeito intrometido que ‘descobre’ o nome do soldado desconhecido ou que insiste
em colocar alguns ossos de verdade dentro do cenotáfio. Estranho sacrilégio
contemporâneo! E, no entanto, esses túmulos sem almas imortais nem restos mortais
identificáveis dentro deles estão carregados de imagens nacionais espectrais
(ANDERSON, 2008, p. 35).
Anderson propõe que monumentos dessa natureza não teriam nenhuma eficácia se
fossem erigidos em memória de um “marxista desconhecido” ou de “liberais tombados em
combate”. E a razão para ele é bem simples: “O marxismo e o liberalismo não se importam
muito com a morte e a imortalidade. Se o imaginário nacionalista se importa tanto com elas,
isso sugere sua grande afinidade com os imaginários religiosos” (ANDERSON, 2008, p. 36).
Se há mérito nas concepções religiosas tradicionais, diz Anderson (2008, p. 36-37),
ele está na preocupação com o homem como ser no universo e como espécie e contingência
da vida; disto resultou a imensa capacidade de sobrevivência de grandes religiões, como o
cristianismo, o islamismo e o budismo. Elas tentam explicar coisas que os estilos de
126
pensamento evolucionários/progressivos silenciam, como a dor, a doença e a morte, e vão
além-matéria e além-túmulo para responder a outras questões igualmente problemáticas.
Se o século do Iluminismo contribuiu para desgastar a religião, propondo novas
formas de ver o mundo e o homem, também reconhece Anderson (2008, p. 39) que o
surgimento do nacionalismo no final do século XVIII não decorre do mero desgaste das
religiões, nem se torna seu substituto histórico: “O que estou propondo é o entendimento do
nacionalismo alinhando-o não a ideologias políticas conscientemente adotadas, mas aos
grandes sistemas culturais que o precederam, e a partir dos quais ele surgiu, inclusive para
combatê-los”. Esses dois sistemas são a comunidade religiosa e o reino dinástico.
A natureza inconteste da propaganda nacionalista tem suas raízes nas comunidades
religiosas, com respeito à semelhança com as antigas e sagradas línguas e escritas, utilizadas
de forma monopolizada por instituições religiosas, capazes de integrar pessoas que não
falavam o mesmo idioma, mas que se comunicavam e se reconheciam como iguais através
dessas línguas ditas sagradas, como: o latim-eclesiástico, o árabe-corânico e o chinês de
sistema de exames. Essas línguas depois tiveram seu declínio paulatino com a expansão do
conhecimento étnico e geográfico e a difusão das letras em vernáculos, ao final da Idade
Média (ANDERSON, 2008, p. 39-47).
Já com relação ao reino dinástico, a semelhança com o nacionalismo moderno se
resume nesta fala de Anderson (2008, p. 48):
A realeza organiza tudo em torno de um centro elevado. Sua legitimidade deriva da
divindade, e não da população, que, afinal, é composta de súditos, não de cidadãos.
Na concepção moderna, a soberania do Estado opera de forma integral, terminante e
homogênea sobre cada centímetro quadrado de um território legalmente demarcado.
Da mesma forma que não se devia contestar o poder do rei, porquanto sagrado, e a
legitimidade automática da monarquia divina só começou a declinar no mundo Ocidental no
século XVIII, o Estado, na propaganda nacionalista moderna, goza de parecido prestígio.
2.1.3 Pátria e religião dos mortos
Como a comunidade religiosa e o reino dinástico estavam de mãos dadas com o
sagrado, e se, como sugere Anderson, eles têm afinidades com a noção moderna de
nacionalismo, é, pois, bastante perceptível, após uma boa leitura da obra de Coelho Netto, que
127
existe um enorme vínculo do nacionalismo cívico-patriótico desse escritor com tais elementos
de ordem cultural. De fato, o nacionalismo de Coelho Netto tem semblante religioso.
Sendo metaforicamente religioso, essa relação se inicia mesmo pela ideia de morte,
como já vimos na simples menção ao “soldado desconhecido”. Na crônica “Os mortos” (pelo
Dia de Finados), publicada em Versas, Coelho Netto (1918, p. 53) começa a falar dos mortos
e termina por falar da pátria: “O tumulo precedeu o altar – antes do culto divino houve o culto
da Morte: o lamento anunciou a oração”; “O homem, antes de alçar os braços para o céu,
prostrou-se na terra onde depositara o corpo inerte do antepassado”. O culto aos mortos,
assim, teria inaugurado uma prática religiosa, e essa religião familiar da morte, decerto, o
remete ao historiador francês Fustel de Coulanges (2004, p. 13-26), de quem ele era leitor.70
Coelho Netto (1918, p. 55) continua: “Reunem-se famílias em volta das lapides como á beira
da pedra do lar: é a religião domestica, o culto intimo e tradicional da Patria, que é terra
humana, porque o solo em que nascemos, o solo dos nossos campos e das cidades não é mais
do que a superficie do tumulo dos que foram”.
E mais: “A Morte anda de braço dado á Vida, são irmans que não se deixam, porque
se completam. Gemeas, onde uma apparece a outra não se faz esperar e, assim como
apalpando o corpo sentimos o esqueleto, pondo os olhos com attenção na Vida logo
descobrimos a Morte”. Os mortos legam a vida: “Que nos deixam os mortos? vida”; legam
também a pátria: “Foram elles, os mortos, que nos legaram a Patria, cujas fronteiras
delimitaram [...]” (COELHO NETTO, 1918, p. 56, 58). Assim é que do culto doméstico aos
mortos germina um culto aos mortos da Pátria.
Desse modo, o respeito aos mortos ganha no texto de Coelho Netto o caráter de
gratidão. Em seu Compendio de Litteratura Brasileira (1 ed., 1905), ele usa, por exemplo, o
termo “gratidão nacional”, para falar do sentimento que a pátria deveria ao seu amigo José do
Patrocínio, pelo seu trabalho na imprensa (COELHO NETTO, 1913, p. 171). Na crônica “Os
mortos”, Coelho Netto afirma que a nação precisa respeitar e reconhecer o trabalho de cada
um de seus filhos mortos, considerados heróis ou não. É o que dá a entender:
E não é só ao morto, cujo corpo repousa no solo da Patria, que devemos gratidão,
mas a todos os que desceram ao fundo da terra fria, desde aquelle que, na révora do
mundo, friccionando os lenhos, fez explodir a centelha até o que, ainda hontem,
artista ou mesteiral, poeta ou cavador trabalhou pela Vida deixando na terra o rastro
da sua passagem.
Este é o culto que se perpetúa, religião de amor e de saudade, que faz de cada
tumulo um altar, de cada cemiterio um templo onde repousam os despojos dos
70
Tomando A cidade antiga, de Coulanges, como modelo, inclusive, Coelho Netto (1911, p. 35-102) escreve A
antiga cidade, para falar do Rio de Janeiro da sua infância e mocidade, nos anos 1870.
128
heróes ou os restos humildes dos creadores do Progresso Humano (COELHO
NETTO, 1918, p. 58-59).
O sentimento de patriotismo, de amor pela terra natal, é tão marcante para Coelho
Netto, que qualquer filho brasileiro que o já tenha vivido, deixando plantada uma semente,
por pequenina que seja, e isto tenha contribuído, de uma forma ou de outra, para o
engrandecimento da nação, esse filho será digno da gratidão e do respeito do povo.
2.1.4 Culto aos heróis
Mas há mortos distintos, que muito contribuíram para a ereção da pátria, conforme
defendia Coelho Netto (1918, p. 8), em sua crônica “Os mortos”: “ha mortos que valem mais
no seu adormecimento, que muitos vivos nas suas acções”. Nomeá-lo-emos de heróis, heróis
da pátria. Se os “soldados desconhecidos” são capazes de integrar, na construção de sua
imagem, posto que anônima, uma ideia de coletividade, por laços espirituais que transcendem
a morte; a figura construída e celebrada dos heróis com rosto e nome cumpre igual mister ou
até superior, dependendo de como é fabricada essa imagem (qual o discurso?) e de sua
utilidade (para que/quem serve?).
Os heróis, para Coelho Netto, não precisam ser necessariamente heróis mortos.
Quando saudou os veteranos da Guerra do Paraguai (1864-1870), em discurso no dia 17 de
dezembro de 1922, por oferecimento da Liga da Defesa Nacional, ele lhes disse: “Festejandovos, veteranos, servimo-nos de vós como de exemplos aos de hoje e aos de amanhan,
mostrando-lhes na vossa anciania o heroismo do Passado” (COELHO NETTO, 1926, p. 71).
Mas deve ser menos difícil e mais apelativo construir a figura do herói sobre quem já morreu.
Quando trata da construção da figura de Tiradentes como herói símbolo da República
brasileira, figura agregadora e criteriosamente elaborada para carregar em si sentidos os mais
diversos de identificação republicana, José Murilo de Carvalho (2007, p. 55) informa que:
Heróis são símbolos poderosos, encarnações de idéias e aspirações, pontos de
referência, fulcros de identificação coletiva. São, por isso, instrumentos eficazes
para atingir a cabeça e o coração dos cidadãos a serviço da legitimação de regimes
políticos. Não há regime que não promova o culto dos seus heróis e não possua seu
panteão cívico. Em alguns, os heróis surgiram quase espontaneamente das lutas que
precederam a nova ordem das coisas. Em outros, de menor profundidade popular,
foi necessário maior esforço na escolha e na promoção da figura do herói. É
exatamente nesses últimos casos que o herói é mais importante.
129
Considerando a afirmação acima, de que a construção dos heróis nacionais serve a
propósitos de legitimação de regimes políticos, encontramos dificuldades para pensar o caso
de Coelho Netto, pois sendo reconhecidamente um republicano, adepto das campanhas
abolicionista e republicana na década de 1880, era simpático à memória de D. Pedro II (19251891), segundo imperador do Brasil (de 1840 a 1889), como patrimônio da história nacional.
Seu republicanismo, além do que já vimos no capítulo I, pode ser lido neste pequeno trecho
de A terra fluminense (1898), em colaboração com Olavo Bilac, quando ensinam educação
cívica misturando história e ficção, para falar da Proclamação da República:
Então, um menino, que, acompanhando o pae, assistia áquella scena, perguntou:
- Que é isto, papae? Que é a Republica?
O pae tomou-nos braços, beijou-o, e disse-lhe com as faces coradas de jubilo e os
olhos flammejantes de orgulho:
- A Republica, meu filho, é a liberdade! A Republica é a felicidade do povo. Agora,
a tua terra não é mais governada por um senhor... agora, a tua patria não é mais a
propriedade de uma familia real, agora, o Brazil é verdadeiramente uma nação
digna de estar ao lado das suas irmãs americanas... A Republica vem acabar com os
privilegios do throno: agora, vamos ser governados por um de nós, livremente
escolhido por nós! a Republica, meu filho, é o governo do povo pelo povo... a
Republica é a nossa carta de alforria... Grita tambem, meu filho, grita tambem –
viva a Republica! / E a creança, batendo as mãos no ar, gritou com alegria:
Viva a Republica! (COELHO NETTO; BILAC, 1898, p. 66).
Apesar disso, Coelho Netto não guardava rancores do velho regime, nem do
imperador. Como parlamentar, discursou na Câmara Federal, na sessão de 23 de julho de
1912, pedindo a repatriação dos restos mortais do último casal de monarcas do Brasil, que
jaziam em Portugal (COELHO NETTO, 1919b, p. 83-98). A ideia não era nova. Primeiro,
falou-se na revogação do banimento de Pedro II e de sua esposa. Os deputados Caetano de
Albuquerque e Anfilófio de Carvalho, em 1891, derrotados em sua proposta, foram os
primeiros de uma série de proponentes nesse sentido; em 1906, com outra roupagem, veio a
proposta do Senador Coelho Lisboa, que pediu a trasladação dos restos mortais dos monarcas
(FAGUNDES, 2010, p. 5-6), proposta rejeitada pelo Senado dois anos depois.71 Coelho Netto
trouxe a questão à tona, e logo de início disse: “O que se faz aos mortos resulta em honra para
os vivos”. Relembrando as virtudes e o patriotismo do velho soberano, pergunta-se que mal o
pó em que se lhe transformou o corpo poderia fazer à já estabelecida República:
Se a Republica está feita e solidamente assentada porque havemos de fazer, com a
crueldade, vendaval para repellir o pó; se não está feita, porque a apregoamos com
tão vaidoso alarde? / Medo da poeira? não é ella tão densa que nos suffoque e se o
pouco de terra, que não enche uma urna, póde ameaçar a instituição é que ella é tão
fraca que um punhado de cinza basta para asphyxial-a. É ridículo! / Esse homem,
71
Ver a notícia “O corpo de D. Pedro II”, publicada na Pacotilha (10 jul. 1908, p. 1).
130
hoje nada, foi um dos vultos representativos de mais alto porte na historia da nossa
Patria. Não seremos nós que o havemos de afastar da Historia, onde se encravou
para sempre. Com elle, a bem dizer, começou a nossa nacionalidade. / Príncipe, não
sahiu d’uma dynastia para o throno – foi levantado a esse posto pelo Povo. / Foi
imperador pela força das armas e pela vontade da Nação (COELHO NETTO, 1919b,
p. 86).
Sua proposta também foi rejeitada, conforme consta do Diário do Congresso
Nacional daquele mesmo dia. A última proposta foi a do deputado Francisco Valladares, em
1919, arquivada na Câmara, mas reaberta após mensagem do presidente Epitácio Pessoa, em
1920. O decreto de revogação do banimento foi assinado no final daquele ano, e os restos
mortais de Pedro II e Teresa Cristina foram, enfim, sepultados no Rio de Janeiro em janeiro
de 1921 (FAGUNDES, 2010, p. 8-9). Mas, independentemente dos resultados obtidos, e
volvendo os olhos apenas ao discurso do parlamentar maranhense, é de se perguntar: em que a
imagem “heroica” do imperador serviria para legitimar a República, se esta emerge da
derrubada da monarquia, que se incompatibilizara com a realidade sociopolítica brasileira no
final do século XIX, e da qual D. Pedro II foi o último governante? Talvez por causa dos ditos
“valores republicanos” adotados pelo imperador, elogiados por insuspeitos estrangeiros, sobre
os quais o próprio José Murilo de Carvalho (2009) escreve em seu pequeno artigo D. Pedro II
e os valores republicanos.72
O cenário da incipiente República, porém, não era tão favorável à imagem do
imperador, tido por muitos como mero vilão. Coelho Netto era do grupo daqueles que tinham
uma visão diferente da questão, invertendo o jogo, mostrando não somente as obras, virtudes
e patriotismo do imperador, bem como que este era amigo do Marechal Deodoro da Fonseca
(1827-1892), o proclamador da República e primeiro presidente do Brasil (1889-1891).
Coelho Netto afirma que Deodoro conservava, à cabeceira da cama, um retrato de D. Pedro II,
que o próprio escritor viu quando foi visitar o moribundo presidente, em 1890. Na referida
sessão de 23 de julho de 1912, diz o escritor que quando Deodoro, que foi testemunha de seu
casamento, o percebeu surpreso vendo o retrato de Pedro II, disse-lhe com voz cansada: “– O
Imperador. Era meu amigo. Um bom...”; então: “Se Deodoro tinha á sua cabeceira o retrato
do amigo, tenhamos nós na Patria, que é o relicário de todos os brasileiros, o corpo do que foi
o verdadeiro creador da nossa nacionalidade e o martyr do nosso regimen” (COELHO
NETTO, 1919b, p. 97, 98).
72
“O comportamento político do monarca foi marcado pelo escrupuloso cumprimento da Constituição e das leis,
pelo respeito não menos escrupuloso ao dinheiro público, pela garantia de liberdade de expressão”; “O apelo à
republicanização, feito várias vezes ao longo da história do regime, e essencial para garantir sua democratização,
pode ter ainda hoje, como uma de suas referências, o exemplo de Pedro II” (CARVALHO, 2009, p. 24-25).
131
Assim, em Coelho Netto, o velho imperador passa de vilão a criador da
nacionalidade e mártir do “nosso” regime (República). E ele põe mártir e herói numa mesma
categoria, ao dizer, em Palestras da tarde, de 1911: “O martyr e o heróe morreram da mesma
morte” (COELHO NETTO, 1911, p. 128). Tão mártir quanto o fora a imagem construída de
Tiradentes, nos primórdios da República, habilmente explorada n’A formação das almas
(CARVALHO, 2007)?!
Nesse caso, o herói reivindicado por Coelho Netto não se presta à mera legitimação
de um regime político. Senão, por que também erigiria (na crônica “Uma pausa...”, Jornal do
Brasil, 17 nov. 1921, reunida em Fréchas, de 1923) a imagem da Princesa Isabel73 à
dignidade de heroína brasileira, “Redemptora”, que “eternisa-se como symbolo da Liberdade
e a sua imagem avultará na Historia igual á de Pallas-Athena [...]”, e “Mulher misericordiosa,
martyr da bondade [...]” (COELHO NETTO, 1923, p. 93-98)?
Qual seria, então, seu alvo? Em se tratando de Coelho Netto – que costuma externar
um intenso patriotismo, e a tudo o que fala quando o assunto é Brasil, não cessa de chamar
exaustivamente pela Pátria –, não resta dúvida de que sua construção de heróis serve a esse
fim: à legitimação da Pátria. Uma grande pista é o seu 3.º mandamento cívico, no Breviário
cívico (1921), a ser mencionado mais à frente, iniciado com estas palavras: “Honra a Patria no
Passado: sobre o tumulo dos heróes [...]” (COELHO NETTO, 1921, p. 147).
Quando se põe a falar de heróis, é à Pátria que ele se refere como beneficiária desse
culto simbólico. Um bom exemplo é seu discurso pronunciado no Cemitério de São João
Batista, no dia 20 de janeiro de 1914, na inauguração da lápide do túmulo de Euclides da
Cunha, morto em 1909. Diz Coelho Netto (1918, p. 273) sobre o amigo e confrade na ABL:
“Euclydes, homem de genio e de coração, foi o verdadeiro interprete das massas ignoradas.
Foi o poeta taciturno das solidões, o aspero historiador dos barbaros”. E conclui dizendo:
Que a romaria de hoje se torne uma religião da mocidade. Somos um povo sem
cultos – honremos os nossos heróis, observando-lhes os exemplos e nenhum outro,
mais do que o vosso patrono no-los deixou tão bellos, porque elle foi grande no
gênio, no amor da patria, na austeridade e no brio (COELHO NETTO, 1918, p.
275).
Nas linhas do discurso, Coelho Netto chamou Euclides da Cunha de gênio, de
gigante, de herói, de patriota, e até mesmo de poeta, o “heróe-poeta”74, mas nenhuma vez
73
A Princesa Isabel (1846-1921) atuou como Princesa Imperial Regente do Brasil por três vezes: Primeira
Regência (1871-1872); Segunda Regência (1876-1877); Terceira Regência (1877-1888).
74
“Herói-poeta”. Ele já havia empregado esse termo no discurso em homenagem a Euclides, na Câmara, no dia
16 de agosto de 1909, um dia após o assassinato do autor de Os sertões (COELHO NETTO, 1919b, p. 24).
132
qualquer vislumbre da República aparece na preleção. Para Coelho Netto, o Brasil-Pátria é
mais importante do que o Brasil-República, pois a ideia de pátria transcende os regimes
políticos. Daí por que chamará Pedro II de criador da nossa nacionalidade, pois já encontrava
aspectos de um genuíno amor à Pátria no último monarca do Brasil.
O conceito de pátria em Coelho Netto, ligado a um ideal democrático, é seguramente
tributário dos teóricos iluministas da Revolução Francesa, de que é exemplo aqui o
pensamento de Robespierre:
Nos Estados aristocráticos a palavra pátria tem sentido unicamente para as famílias
aristocráticas, isto é, para os que se apoderaram da soberania. Somente na
democracia o Estado é realmente a pátria de todos os indivíduos que o compõem e
pode contar com um número de defensores preocupados pela sua causa, tão grande
quanto o número de seus cidadãos (apud LEVI, 1998, p. 800).
Que a criação da figura dos heróis sirva a fins políticos ou de legitimação de regimes
políticos, A formação das almas é texto suficiente para disso nos convencer. E que os
discursos de Coelho Netto sobre os heróis da Pátria possam servir a semelhantes fins e
possam evidenciar sua incorporação a diferentes ideologias políticas de Estado, não há como
dizer “nunca!”. Só estamos ponderando que o patriotismo dele parece o remeter a outra
categoria de criador de heróis, que aqui ousamos classificar diferentemente.
No mais, ainda aproveitando a tese de Anderson sobre as afinidades do nacionalismo
com as comunidades religiosas, passamos agora a apresentar o civismo proposto por Coelho
Netto, no início do século XX, como doutrina análoga à religião.
2.1.5 A religião cívico-patriótica
Coelho Netto apresenta o seu nacionalismo patriótico e cívico como uma metáfora
religiosa. O escritor, mesmo não sendo positivista – mas humanista cristão –, talvez beba um
pouco de seu nacionalismo religioso de uma fonte positivista.75 Os detalhes, bem trabalhados,
são descritos como elementos religiosos, que têm de ser observados, ao modo dos preceitos
bíblicos. Não apenas isto. Em um discurso proferido em 15 de janeiro de 1922, ele próprio o
nomeia como religião cívica: “O juramento que acabastes de prestar vós o tinheis no coração.
75
Como explica José Murilo de Carvalho (2007, p. 130): “Em vez de uma simples filosofia ou uma filosofia da
história, o positivismo comtiano evoluiu na direção de uma religião da humanidade, com sua teologia, seus
rituais, sua hagiografia. Pretendendo ser uma concepção laica, fundia o religioso com o cívico, ou melhor, o
cívico se tornava religioso. Os santos da nova religião eram os grandes homens da humanidade, os rituais eram
festas cívicas, a teologia era sua filosofia e sua política, os novos sacerdotes eram os positivistas” (grifos nossos).
133
Nem se comprehenderia que viésseis a esta cerimonia sem a fé que, no acto de religião civica,
que aqui nos reune, tem o nome de patriotismo” (COELHO NETTO, 1926, p. 53).76
Outro exemplo da natureza “sagrada” desse anunciado patriotismo é encontrado
neste trecho, pregado em um discurso feito no Quartel General aos reservistas do Tiro de
Guerra 525, em 19 de julho de 1920: “Porque um Deus se nos revelou em sarça ardente e
dirige-nos, inspirando-nos. / Esse Deus é o Patriotismo e o sarçal flammineo em que se
manifesta é o enthusiasmo” (COELHO NETTO, 1926, p. 41). Menção explícita ao episódio
bíblico do capítulo 3.º de Êxodo, em que Deus se revela a Moisés na sarça ardente. Como foi
no perímetro desse mesmo Quartel que se proclamara formalmente a República, em 15 de
novembro de 1889, Coelho Netto (1926, p. 44) atribui-lhe o status de terra-santa:
E sabei, moços de minha terra, o sitio em que vos armastes defensores do Brasil é
lugar santo. / Esta casa vale tanto para a religião cívica como a gruta de Bethleem
para o Christianismo. / Foi aqui que nasceu a Republica. Foi no quadrilátero deste
quartel que, na manhan de 15 de Novembro de 1889, a Força proclamou o direito e a
espada de Deodoro expulsou das nossas lindes o Regimen que se incompatibilisara
com a Nação.
Mas um livro em especial, entre os mais de cem, basta para pôr em evidência a
característica desse nacionalismo à moda religiosa: o Breviário cívico, pequeno manual de
patriotismo e civismo, publicado em 1921, sob o patrocínio da Liga da Defesa Nacional, no
qual encontramos muitas referências diretas e indiretas à ideia de religião. Logo na epígrafe,
Coelho Netto (1921, p. 3) já mostra a metáfora religiosa que vem pela frente: “Patriotismo é
amor, civismo é respeito. Um prende o homem á Patria pelo coração, outro pelo dever. O
primeiro é a religião da qual o segundo é o rito”.
O patriotismo, isto é, o amor à Pátria, sentimento maior de afeto e de pertencimento à
terra natal, diz ele, “é a dedicação a tudo que diz com a sorte do paiz natal e deve ser sincero
como uma religião” (COELHO NETTO, 1921, p. 10). Quando ele, por sua vez, fala do
vernáculo, mantém o mesmo tom: “Falar com apuro a lingua vernácula é prestar culto a uma
herança sagrada que recebemos do passado atravez dos labios das nossas mãis” (COELHO
NETTO, 1921, p. 16-17). A ideia de “prestar culto a uma herança sagrada” é uma
conclamação quase evangelística para o fato de que é preciso amar a Pátria e tudo a ela
ligado.
E Coelho Netto (1921, p. 21-22) não poupa os elementos sagrados para falar de um
outro símbolo, a Bandeira Nacional:
76
Discurso feito no Parque da Praça da República, em nome da Liga da Defesa Nacional, no juramento à
Bandeira prestado pelos atiradores do Tiro 525 e da Associação dos Empregados do Comércio.
134
Não ha religião sem Deus nem Patria sem bandeira. / Prestar culto á bandeira é
venerar o espaço e o tempo nos limites geographicos de uma nação e nelles a raça e
tudo o que ella representa. / Venera-se na bandeira o espaço pelo amor á terra
maternal. / [...] / Que é uma bandeira? é um panno e é uma nação, como a cruz é um
madeiro e é toda uma Fé. / [...] / Assim como nos descobrimos diante do sacrário,
que encerra a hostia, que é o symbolo de Deus, descubramo-nos diante da bandeira,
que é o symbolo da Patria.
Nem do Hino Nacional:
O hymno chama-nos ao dever reunindo-nos em volta da bandeira como a campainha
do acolyto no templo filia-nos á Cruz. / É canto pastoral que nos congrega e é brado
que nos excita. / [...] / É o canto triumphal dos vivos e é a nenia funeral dos mortos. /
[...] (COLEHO NETTO, 1921, p. 25-26).
Já a instituição da família, vista por ele como núcleo ou germe da sociedade, também
ganha ares de religião, na construção que faz de seu nacionalismo:
É a officina sagrada onde se prepara, entre o amor e o respeito dos pais e no
exemplo dos ante-passados, o futuro cidadão. / [...] / O culto da familia, que foi a
primeira religião do homem, deve manter-se no coração de todos, porque é elle que
estabelece a solidariedade entre os membros da mesma casa, perpetuando a honra de
um nome pelos tempos adiante. / As Patrias são aggregações de famílias e, quanto
mais virtuosos forem os lares, que são os élos, mais fórte será a cadeia da
Nacionalidade (COELHO NETTO, 1921, p. 45-46).
E mais, externando seu pensamento sobre a liberdade de culto, preceito republicano e
democrático presente na Constituição de 1891, que aboliu a instituição de religião oficial do
Estado brasileiro, ele, que era católico, prega o respeito às religiões alheias: “Se respeitamos a
casa do visinho com mais razão devemos respeitar o templo onde elle venera religiosamente o
seu deus. [...] não devemos perturba-lo nem critica-lo no exercicio do seu culto” (COELHO
NETTO, 1921, p. 85). Esse discurso é condizente com o princípio de Estado laico, que não
significa estado ateu ou irreligioso, mas Estado que tolera as diferentes religiões.
O prosador caxiense faz ainda outras alusões ao tratar de sentimentos, virtudes e
deveres, contidos nos seus ensinamentos cívicos; mas para não exaurir todo o espaço, é
interessante frisar que, na parte derradeira do Breviário cívico, ele constrói e ensina seus
próprios dez “Mandamentos Cívicos”, que guardam nítida inspiração no Decálogo bíblico (Êx
20; Dt 5) e são praticamente um resumo do breviário:
1 – Honra a Deus amando a Patria sobre todas as coisas por no-la haver Elle dado
por berço, com tudo o que nella existe de esplendor no ceu e de belleza e fortuna na
terra.
2 – Considera a bandeira como a imagem viva da Patria, prestando-lhe o culto do teu
amor e servindo-a com todas as forças do teu coração.
3 – Honra a Patria no Passado: sobre o tumulo dos heróes; glorifica-a no Presente:
com a virtude e o trabalho; impulsiona-a para o Futuro: com a dedicação, que é a
Força da Fé.
135
4 – Instrue-te, para que possas andar por teu passo na vida e transmitte aos teus
filhos a instrucção, que é dote que se não gasta, direito que não se perde, liberdade
que se não limita.
5 – Pugna pelos direitos que te confere a Lei, respeitando-a em todos os seus
principios, porque da obediência que se lhe presta resulta a ordem, que é a Força
suave que mantém os homens em harmonia.
6 – Ouve e obedece aos teus superiores, porque sem disciplina não póde haver
equilíbrio. Quando sentires o tentador refugia-te no trabalho, como quem se defende
do demonio na fortaleza do altar.
7 – Previne-te na mocidade economisando para a velhice, que assim prepararás de
dia a lampada que te ha de alumiar á noite.
8 – Acolhe o hospede com agasalho, offerecendo-lhe a terra, a agua e o fogo,
sempre, porém, como senhor da casa: nem com arrogancia que affronte, nem com
submissão que te humilhe, mas serenamente sobranceiro.
9 – Ouve os teus, que têm interesse no que lhes é proprio, reservando-te com os de
fóra. Quem sussurra segredos é porque não póde falar alto, e as palavras cochichadas
na treva são sempre rebuços de idéas que se não ousam manifestar ao sol.
10 – Ama a terra em que nasceste e á qual reverterás na morte. O que por ella fizeres
por ti mesmo farás, que és terra, e a tua memoria viverá na gratidão dos que te
succederem (COELHO NETTO, 1921, p. 147-149).
Coelho Netto (1921, p. 149) conclui seus Mandamentos comprimindo-os em dois,
como Cristo77 fez em relação à lei mosaica: “Estes dez mandamentos encerram-se em dois:
Amar a Patria sobre todas as coisas e aos que comnosco trabalham para engrandece-la”. Estes
são alguns exemplos extraídos do Breviário cívico, mostrando que a propaganda nacionalista
dele bebe em fontes culturais oriundas de noções de religião. No decorrer deste capítulo, será
possível perceber ainda mais analogias da bandeira, da língua, etc., com ideias religiosas.
2.1.6 Tradição
Por fim, todas as grandes religiões devem muito à sua subsistência o fato de
manterem acesas as suas antigas tradições, orais e escritas, que atravessaram gerações, mapas
e séculos. Se no Cristianismo, por exemplo, a tradição bem guardou a notícia, que falta ao
livro bíblico de Atos dos Apóstolos, do que teria acontecido aos apóstolos fora da Palestina e
retratou seus martírios e os de Inácio, Policarpo, Justino e outros, aumentando o menológio
que Estêvão inaugurara, servindo isso de fé para muitos cristãos; a fé cívico-patriótica de uma
nação e sua cultura popular haveriam de ser acrescidas com o conhecimento das tradições do
país, e para isso seria necessário construir e preservar essas tradições. É o que propunha
Coelho Netto em relação à tradição cultural e à história do Brasil, pois, como diz em
Palestras da tarde, “Um povo sem tradição vive como os ephemeros” (COELHO NETTO,
1911, p. 125).
77
No Evangelho de Mateus, cap. 22, v. 36-40, está escrito: “Mestre, qual é o grande mandamento na lei [de
Moisés]? E Jesus disse-lhe: Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o
teu pensamento. E o segundo, semelhante a este, é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Destes dois
mandamentos dependem toda a lei e os profetas” (BÍBLIA SAGRADA, 2002, p. 1058-1059).
136
Isto dito, observemos o caráter sagrado da tradição por ele requerida no pequeno
trecho abaixo, encontrado em A bico de pena (1 ed., 1904), a respeito de festas populares:
E que é a tradição? É o lume que as gerações se transmittem, o fogo sagrado que a
Alma dos povos, como a antiga vestal, deve conservar sempre vivo. Todos os que
viajam nos caminhos da vida trazem da peregrinação uma lembrança ou deixam
ficar uma recordação (COELHO NETTO, 1919a, p. 356).
Em seu Compendio de Litteratura Brasileira, Coelho Netto também a sacramenta
com esta definição: “A tradição, essa persiste resistindo a todos os embates, é a propria alma
das raças, a sua semente espiritual que se multiplica em lendas, em poesia perpetuando os
primeiros sonhos. Os povos trazem-na dos dias mais obscuros e transmittem-na como um
espolio sagrado” (COELHO NETTO, 1913, p. 18). Novamente: “A tradição é, para as raças, o
que foi para o homem biblico o sopro divino: a eternidade no ephemero. Passam as migrações
para a morte – a tradição fica ao de cima do tumulo” (COELHO NETTO, 1913, p. 20).
A tradição, diz ele, em Palestras da tarde, nutre a nação, isto é, gera e sustém a
nacionalidade: “Povo sem tradição é como arvore sem raiz. [...] A tradição infunde-se no
passado como as raizes entranham-se na terra, amparando e nutrindo a arvore que, quanto
mais as recrava e irradia, mais se robustece e alinda” (COELHO NETTO, 1911, p. 124). E de
onde vem e por onde passa o conhecimento dela? Dos livros, dos documentos, das festas, das
comemorações:
O povo não folheia alfarrabios, não tem tempo para esmerilhar assumptos – aprende
a historia ao sol, nas ruas. Não a decora: sente-a. É necessário dar-lh’a em
documentos e em festas, estabelecendo, assim, pela imagem e pelas
commemorações, o culto da tradição, essa força das raças (COELHO NETTO, 1911,
p. 123-124).
Para ele, o problema é que o povo não busca esse conhecimento, “não folheia
alfarrábios”, não decora a história, não aprende e, por isso, deixa de cultuar as tradições do
seu país. Tradição, segundo ele, tão nova, porque o Brasil era ainda uma nação jovem, se
comparada à velha e sábia Europa, que sabia guardar suas tradições. Ele o diz nesta
sequência, em A bico de penna, em que fala de poesia:
Todos os povos veneram a sua Poesia, seja ella a Illiada ou os Niebelungen, seja a
simples farandola no campo florido ou a suave vigília em torno d’um rústico
presepe. Essa poesia simples, popular, que nos vem de éras perdidas, modificandose, sem todavia perder a belleza, constitue, entre os homens, um elo forte,
robustecendo nelles o sentimento patriótico. Quem não terá visto o emigrado triste,
sentado pensativamente no limiar da casa em que se installou no paiz novo, suspirar,
olhando o céu estrellado, em noites santas, a pensar nas festas que se celebram nos
campos da sua terra? Será o europeu mais rude do que nós outros? não, entretanto,
137
apezar da intensa cultura intellectual que o distingue, é elle o povo mais conservador
das tradições, mais respeitador das coisas do Passado e esse respeito dá-lhe mais
resistencia á crença, prende-o mais á terra, conforta-o no desalento. Assim como elle
traz a sua religião, traz a sua poesia (COELHO NETTO, 1919a, p. 358-359).
E o brasileiro, povo jovem, como lida com a sua tradição? Coelho Netto insiste:
Só nós, o povo de hontem, povo infante, que ainda nos achamos na primeira região:
brumal, por uma vaidade ridícula ou por um triste indifferentismo, que demonstra o
nosso desinteresse pelas coisas pátrias, deixamos que pereçam essas tradições
ingenuas, uns alegando que ellas são restos de um culto pagão, superstições
deprimentes, abusões aviltantes; outros por entenderem que o tempo é escasso para
os negocios lucrativos e que essas festas infantis revelam ingenuidade e falta de
ponderação. / Que o brasileiro é um povo triste sabem-no quantos visitam este alegre
paiz, poucos, porém, ousam dizer a verdade, que elle é... (COELHO NETTO, 1919a,
p. 359).
Diz o mesmo em “Figuras antigas” (A Noite, 23 jun. 1921), publicada em Às quintas:
O culto da História não tem ainda, entre nós, muitos devotos. Povo infante, mal
amanhecido na Vida, tendo muito que ver diante dos olhos, com horizontes largos e
profundos ainda por devassar, não nos preocupamos com o que passou,
interessando-nos apenas com o que há de vir. Assim caminhamos sobre a terra
sagrada da morte indiferentes aos tesouros das suas jazidas (COELHO NETTO,
2007, p. 51).
Para piorar as coisas, ele dirá, o brasileiro é um povo que gosta de imitar os outros, e
isso é ruim para a preservação das próprias tradições: “Em tudo quanto produzimos o que
logo se nota é a absoluta falta de sinceridade, nem póde haver tal virtude quando há
imitação”; e mais: “A verdadeira, a genuína Poesia brasileira raramente apparece e é preciso
ter um grande nome para lançar á publicidade quatro ou cinco estrophes de um puro lyrismo
sem mescla de estrangeirice” (COELHO NETTO, 1919a, p. 359-360). Viver imitando tudo o
que a França tinha a oferecer, por exemplo, era prejudicial na questão:
Somos um povo novo, devemos ter alegria e cantal-a. Só a Poesia espontânea vive, o
arrebique é frágil. Não é inspiração que nos falta e a natureza ahi está a offerecernos copiosas fontes, mas... a França attrahe-nos e, como nos vestimos á francesa,
tambem poetamos á francesa. E vemos morrer as tradições (COELHO NETTO,
1919a, p. 360).
Era para lamentar saber que as festas juninas, que ele, Coelho Netto, conhecera na
mocidade, estavam em tamanho desuso nos dias da sua maturidade, tudo porque tais tradições
culturais não estavam sendo preservadas:
Antigamente, como eram divertidas essas festas de junho: Santo Antonio, S. João, S.
Pedro. Quem as gozou deve lamentar a geração de agora, triste geração, triste e
presumida, que não conheceu o encanto de uma noitada em torno da fogueira
138
crepitante, a ouvir trovas e vaticinios, emquanto as nevoas se confundiam com o
fumo dos fogos e os estrallos das bombas faziam com que não fôsse ouvido o leve e
amoroso rumor de um beijo. / Oh! o passado, as festas do passado...! (COELHO
NETTO, 1919a, p. 360).
Quanto às tradições carnavalescas, não era diferente seu tratamento. Coelho Netto foi
entusiasta do carnaval. O historiador Leonardo Pereira (2005, p. 199-200) fala da relação que
o escritor tinha com o grêmio carnavalesco Aliança Club, do qual era patrono78, e o bloco Flor
do Abacate, além do que “nesse período [década de 1920] Netto era ainda presença constante
nos festejos promovidos pelo rancho Ameno Resedá, do Catete – uma das mais importantes
sociedades carnavalescas constituídas por trabalhadores” (PEREIRA, 2005, p. 200). Há
diversas crônicas de Coelho Netto falando sobre o carnaval. Três crônicas de 1924, publicadas
no livro Bazar, tratam do carnaval como festa popular cujas tradições estavam em perigo; são
elas: “Carnaval”, “O Carnaval de outrora” e “Tradições mortas” (COELHO NETTO, 1928b,
p. 221-244), esta última abordando outras manifestações culturais brasileiras. Na crônica
“Tipos de outrora” (Jornal do Brasil, 8 fev. 1923), publicada em Às quintas (COELHO
NETTO, 2007, p. 278-281), o escritor lamenta que personagens marcantes do carnaval do seu
tempo de jovem estivessem desaparecendo, por exemplo o casal de negros “Pai João e Mãe
Maria”, tudo por causa da não preservação das tradições.
A tradição, para Coelho Netto, portanto, tem a ver com a identidade que se quer dar à
pátria. Como o Brasil era um país jovem, nas palavras do escritor, e aí não cabe a formulação
que Geary (2005) enxerga na velha Europa, onde as nações buscam, por diversos motivos,
raízes ancestrais milenares, restava aos brasileiros conhecerem sua breve e rica história e
preservarem as tradições que foram criadas ou adaptadas ao longo dos poucos séculos de sua
existência. A identidade do Brasil estaria em conhecer e cultivar o que era seu.
2.2 NACIONALISMO FALADO, ENSINADO E ENCENADO
Trataremos neste tópico de alguns elementos a que Coelho Netto dá certa ênfase para
pensar sua ideia de nação. São eles: a língua, a educação e o teatro, os quais, no seu texto,
aparecem ligados a um sentimento nacionalista, enquanto outros, que poderiam também ser
78
“Em meados da década de 1920, os sócios do Aliança Club nutriam um hábito intrigante. [...] todo ano os
diretores da associação faziam questão de visitar solenemente uma figura a quem iam pedir sugestões de temas
para o desfile que apresentariam pelas ruas: o escritor Henrique Maximiniano (sic) Coelho Netto, já então um
consagrado literato da Academia Brasileira de Letras. Mais do que contar com o seu apoio, os sócios do clube
faziam questão de homenageá-lo nas proximidades do carnaval, evidenciando a admiração que nutriam pelo
patrono” (PEREIRA, 2005, p. 199).
139
explorados, como etnicidade, religião e literatura, exigiriam talvez a atenção maior dos textos
ficcionais, que, grosso modo, não são as fontes precípuas desta pesquisa.
2.2.1 Língua
A relação entre língua e nação é da mais alta importância para Coelho Netto, como
diz no seu Compêndio de literatura brasileira: “A linguagem de um povo é o patrimonio
maior da sua intelligencia. Accumulada, como um thesouro, durante o curso dos seculos,
crescendo na razão directa do progresso, torna-se o caracter mais accentuado de uma
nacionalidade” (COELHO NETTO, 1913, p. 20).
Muito se pergunta quando nasce de fato uma ideia de nação brasileira. Se Octávio
Ianni (2004, p. 127) diz que a questão nacional foi colocada pelo menos três vezes: com a
Independência em 1822, a Abolição em 1888 e a chamada Revolução de 1930, ao que Lúcia
Lippi Oliveira (1990, p. 145) acrescentaria os debates em torno da I Guerra Mundial; José
Murilo de Carvalho, por sua vez, está convencido de que antes da vinda da família real
portuguesa para o Brasil, em 1808, “não existia Brasil, nem politicamente, nem
economicamente, nem culturalmente” (CARVALHO, 2005, p. 233). Marilena Chauí (2004, p.
16), a seu turno, adaptando a formulação proposta por Hobsbawn sobre a invenção de Estadonação, sugere uma periodização evolutiva para o caso brasileiro, em três etapas: “de 1830 a
1880, fala-se em ‘princípio da nacionalidade’; de 1880 a 1918, fala-se em ‘idéia nacional’; e
de 1918 aos anos 1950-60, fala-se em ‘questão nacional’”.
José Murilo de Carvalho (2005, p. 233-268), operando com a ideia de Brasil como
“nações imaginadas”, diz ainda que, pelo menos, três imagens da nação foram construídas
pelas elites políticas e intelectuais: a primeira, caracterizada pela ausência de povo, teria se
dado no processo de Independência, cujos arautos foram os políticos, que posteriormente
levaram à fundação de um país fictício, que tem no Romantismo literário e no IHGB a
máxima expressão de criação da nacionalidade no decorrer do século XIX; a segunda,
caracterizada pela visão negativa de povo, teria se dado nos dois grandes episódios históricos
do biênio 1888-1889, e ocorre sem participação popular e em meio a grandes discussões
raciológicas; a terceira, caracterizada pela visão paternalista de povo, ocorre no processo que
se estende de 1930 a 1945 (período Vargas), quando o Estado descobre o povo.
Coelho Netto tem vários textos em que trabalha com esses fatos representativos da
história do Brasil, principalmente a Independência, a Abolição e a Proclamação da Republica,
e do sentimento nacionalista que aflora na sociedade nesses períodos. Mas, certamente, são
140
mais abundantes os textos em que ele defende a língua como formadora da nacionalidade,
elemento agregador e identificador capaz de unir sob uma mesma bandeira pessoas que nunca
se viram ou se conheceram. Uma comunidade imaginada (ANDERSON, 2008). A língua é o
caráter mais acentuado da nacionalidade, diz ele, e esta língua não é outra senão a língua
nacional.
Lucio Levi (1998, p. 800) entende que a língua nacional é peça importante na
engrenagem do nacionalismo, aqui entendido como “ideologia unificadora, elaborada
intecionalmente para garantir a coesão do povo no Estado”, pois,
[...] o Estado, para desempenhar eficazmente sua ação em todo o território, precisa
de uma língua única que possibilite uma ligação direta e permanente entre os
indivíduos, cujas relações econômicas e sociais adquiriram dimensões nacionais, e o
Governo central. Por isso, o Estado impõe a unidade da língua.
Com o que concorda Bethania Mariani (2003, p. 80):
A língua é um lugar crucial na inter-relação da lei, instrumento real de distribuição
de direitos e deveres, com os vassalos. É a língua que vai constituir um dos laços de
união dos diferentes sujeitos numa nação organizada juridicamente.
Em termos lingüísticos, é necessária uma unidade para que o aparelho jurídico seja
inteligível aos súditos, estejam eles na metrópole ou na colônia, sejam estes súditos
portugueses ou índios.
Embora se esforcem os Governos nacionais para levar a termo esse objetivo,
inclusive em prejuízo de minorias linguísticas, tal nunca é alcançado em sua totalidade.
No Brasil, temos uma política de colonização linguística (MARIANI, 2003), que se
arrasta do século XVI ao XVIII, e seu estudo permite compreender vários aspectos ligados à
instância de poder no referido período colonial. O ponto crucial nessa política, no século
XVIII, é a ação pombalina pela promulgação do Diretório dos Índios, em 175579 (MARIANI,
2003; GINDRI, s.d.; TROUCHE, s.d.). A partir daí tem-se uma ação direta do Estado (reino
de Portugal) na determinação do ensino da língua portuguesa e no consequente apagamento
das línguas indígenas e da língua geral (nheengatu). Essa lei teve sua eficácia durante quatro
décadas, modificando o quadro linguístico brasileiro. No tempo do Império (1822-1889),
vemos, entre outras, a política de gramaticalização das línguas do Brasil (o português e as
79
O Diretório dos Índios foi uma lei promulgada pelo rei Dom José I, em 1755, durante o exercício do poderoso
ministro Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal. Continha importantes dispositivos sobre a
política da Coroa portuguesa em relação aos índios, valendo primeiramente para o Estado do Grão-Pará e
Maranhão sendo estendida depois para o Estado do Brasil (1758). Foi revogada em 1798, e sua maior
consequência foi a mudança linguística que se operou no Brasil, pois, ao final do século XVIII, já o português
era a língua predominante em todas as regiões, com exceção da Amazônia (TROUCHE, s.d.).
141
línguas autóctones), graças à criação de instituições de ensino, onde as gramáticas eram
empregadas, e à Imprensa Régia instituída no Brasil (GOMES, 2010). Durante a República
Velha (1889-1930), uma característica geral das políticas linguísticas e de ensino da língua
portuguesa é sua inserção no sistema geral de educação, através de sucessivas reformas no
ensino, mas sempre privilegiando as elites brasileiras (FACCINA, s.d.).
A observação de Hobsbawn (2004, p. 70-71), falando das experiências europeias, é
que “As línguas nacionais são sempre, portanto, construtos semi-artificiais e, às vezes,
virtualmente inventados, como o moderno hebreu”; e que:
São o oposto do que a mitologia nacionalista pretende que sejam – as bases
fundamentais da cultura nacional e as matrizes da mentalidade nacional.
Frequentemente, essas línguas são tentativas de construir um idioma padronizado
através da recombinação de uma multiplicidade de idiomas realmente falados, os
quais são, assim, rebaixados a dialetos [...].
Citando Eni Orlandi, que faz a justa distinção entre o português-português e o
português-brasileiro, Mariani (2003, p. 75-76) aduz que
o português que se passou a falar aqui traz uma memória européia, mas historicizase na colônia de modo específico em função do contato com as demais línguas
européias, indígenas e africanas. Mas essa especificidade ocorre, sobretudo, em
função da própria formação histórico-social e posterior transformação política da
colônia em nação independente.
De fato, o português falado no Brasil construiu-se passo a passo, inventando-se e
distinguindo-se da sua matriz lusa em muitos aspectos, corrompendo-a criativamente, por
vezes, além de sofrer a influência das línguas nativas (“dialetos” indígenas) e estrangeiras,
principalmente de matrizes africanas, mais perceptivelmente na nomenclatura de lugares,
objetos e práticas. Ocorre, contudo, que as experiências das nações americanas demonstraram
não serem grandes os efeitos políticos de uma massacrante divergência entre idioma e
dialetos, no século XIX, devido a uma coincidência bastante significativa entre língua oficial
e língua da população (ANDERSON, 2008, p. 121). No século XIX, a língua que o brasileiro
falava, em sua maioria, era o português.80 Por isso, quando Coelho Netto fala de uma língua
80
Por mais que se entenda que a língua do colonizador europeu tenha se sobreposto às diversas línguas nativas,
sobretudo de tronco linguístico tupi-guarani, o caso brasileiro é diferente dos países europeus, em que uma
língua disputou espaço com outra: “[...] o inglês expulsou o gaélico da maior parte da Irlanda, o francês
empurrou o bretão contra a parede, o castelhano reduziu o catalão à marginalidade” (ANDERSON, 2008, p. 120121). No Brasil, o português se sobrepôs não a uma língua nativa majoritária, mas a dezenas ou até centenas
delas. Já no caso da África do Sul, a imposição de uma língua oficial (o inglês) não foi suficiente para impedir
que uma língua nativa (o zulu) continuasse a ser falada pela maioria da população, que, em grande medida, se
tornou bilíngue. O caso brasileiro, portanto, é muito peculiar nesse sentido.
142
nacional, por mais que a queira como língua culta, não deixará de ser a língua que espera que
a população entenda e fale, e que por ela se interesse.
Se Coelho Netto se esmera por um português correto, às vezes exagerando no
rebuscamento da sua escrita, isso não é mera culpa da literatura que pratica, sendo ele um
literato erudito. Cabem aqui duas ponderações: primeiro, porque a forma que emprega
encontra vazão na população leitora que o recebe, consome e faz dele o autor mais lido no seu
tempo. Leonardo Pereira (2000, p. 36) diz até que Coelho Netto operava “Com uma literatura
cujo esmero da forma correspondia ao envolvimento profundo com a sociedade [...]”.
Segundo, quando falava sobre para quem o literato (no sentido genérico) escrevia, o escritor e
crítico literário Ítalo Calvino (2009, p. 193) já dizia que o dever de educar o ser humano para
ser bom leitor não é do escritor, porque
A literatura não é escola; ela deve pressupor um público mais culto, mais culto que o
escritor; se esse público existe ou não, não importa. O escritor fala a um leitor que
sabe mais do que ele, finge ser alguém que sabe mais do que ele sabe, para falar a
alguém que sabe ainda mais. A literatura só pode apostar no incremento, no
encarecimento, tornar a apostar, acompanhar a lógica da situação que
necessariamente piora: cabe à sociedade em seu conjunto encontrar a solução.
A solução a ser encontrada poderia estar numa política educacional mais consistente,
que contemplasse a todos, não somente alguns, e na contribuição das famílias para que seus
filhos não se desencaminhassem, desestimulando-se dos estudos. O escritor não poderia
escrever para analfabetos, porque analfabetos não leem. Se Coelho Netto teve incursões de
linguagem mais simples em livros como O morto e Canteiro de saudades, e em boa parte de
suas crônicas, e se ele expôs ao público linguagens de tipos regionais, de puro coloquialismo,
como em Sertão, por exemplo, há na vasta obra a predominância de uma linguagem culta,
feita por um perito na língua, um erudito. “Coelho Neto foi, essencialmente, o mestre da
palavra”, e “Como mestre inconteste da palavra, Coelho Neto pôde exibir o seu vocabulário
além de vinte mil palavras”, diz Tarcísio Padilha (2006, p. 68), um dos seus sucessores na
cadeira 2 da ABL.
Se, na poesia, Bilac (1964, p. 262) chamou a língua portuguesa de “última flor do
Lácio, inculta e bela” [...] “desconhecida e obscura”81; na prosa, Coelho Netto concebeu-a
como a floresta encantada, misteriosa e formosa, igualmente desconhecida e obscura. Em sua
crônica “Selva de encanto”, publicada em Versas (COELHO NETTO, 1918, p. 73-80), ele
81
Última flor por ser considerada a última das filhas do latim, inculta e bela por ser muito maltratada, por
aqueles que não a empregam corretamente, mas mesmo assim resiste na sua beleza quase inexplorada,
desconhecida e obscura.
143
defende a língua portuguesa, a floresta frondosa e inexplorada, ignorada em grande medida
pelos próprios brasileiros. Uma selva cheia de mistérios, capaz de amedrontar e seduzir quem
dela se aproxime:
Selva selvagem, hispida, frondosa, mais terrivel na sua grandeza do que a brenha
escura e humida da Germania [...] emmaranhada selva, cujo arvoredo robusto cresce
sobre o residuo millenar de culturas extinctas [...] selva que assombra e encanta, que
amedronta e seduz, que atrôa e murmura [...] que envenena e reanima, mysteriosa,
formosissima e aterradora selva, assim és tu para o mundo, encantadora lingua
portuguesa (COELHO NETTO, 1918, p. 73).
A riqueza da língua, diz ele, é tão grande, que muitos não se atrevem a penetrar na
floresta. Ela possui um vocabulário vasto e pouco explorado: “O teu diccionario é um mundo
quasi virgem” (COELHO NETTO, 1918, p. 74). E depois de elogiar o empenho formidável
com que os desbravadores de terras, continentes ou ilhas, se põem a descobrir novos mundos,
e cita como exemplo Bournouf e Hodgson, Champollion e Mariette, Oppert, Sacy, Chezy,
Remusat e outros, que deixando de lado seus próprios idiomas, mergulharam no
desconhecido, para descobrirem línguas extintas, trazendo à luz as riquezas do conhecimento
antigo, assim como os formadores e divulgadores das línguas eslavas e os perseverantes
investigadores das tradições da Índia82; Coelho Netto (1918, p. 76) lamenta que nada parecido
ocorra em relação à língua falada no Brasil: “Só a lingua portuguesa permanece fechada como
uma selva de encanto”; “É um enorme thesouro abandonado”.
Ao que parece, ele aproveita o ensejo para se defender da pecha de ser um exagerado
amante de arcaísmos, adjetivos e dicionários, “o amoroso pastor da turbamulta das palavras”,
como disse Guimarães Rosa (1967), no seu discurso de posse na ABL, três dias antes de
morrer, ou simplesmente aquele que tinha “amor pelas palavras”, no tom crítico com que o
julgou Lúcia Miguel-Pereira (1988, p. 259). Coelho Netto (1918, p. 76) diz: “A nossa
litteratura reclama um homem esforçado que a visite e aquelle que se familiarisar com a
floresta temida achará, em vez da intratavel espessidão agreste, um recesso acceitoso, de
alfombra macia, de redolentes bosques, cheio de luz e de aroma [...]”. Ele era esse homem.83
Assim muitos o reconhecem (COELHO NETTO, P., 1942, p. 388-389), dentre eles:
JOÃO DO RIO (O momento literário): Coelho Netto é no Brasil o que Rudyard
Kipling é na Inglaterra, o homem que joga com o maior número de palavras.
82
A alusão de Coelho Netto aos desbravadores das línguas comparadas, nos séculos XVIII e XIX, lembra-nos a
tendência do conhecimento e valorização dos vernáculos, que levaram à construção da filologia como ciência,
conforme Anderson (2008, p. 110-111).
83
A riqueza vocabular de Coelho Netto, contada em cerca de 20.000 palavras, o levou a colaborar com João
Grave na confecção do Dicionário Lello Universal, em dois volumes, um dos mais completos no seu tempo,
publicado pela famosa casa de Lello e Irmão (Livraria Chardron), do Porto, em 1933.
144
MANUEL DE SOUSA PINTO (Terra moça): Daí que o vocabulário de Coelho
Netto, onde, de quando em quando, aponta uma tentativa falhada, uma que outra
palavra de mau toque, que êle é o primeiro a engeitar, seja, em comparação com o de
qualquer dos maiores escritores das maiores línguas, talvez o mais rico e abundante.
MARTINS FONTES (Terra da fantasia): Num saráu em casa de Netto
conversávamos com Euclydes da Cunha sôbre verbos luminosos e ardentes da nossa
língua. E Coelho Netto, com o conhecimento inexaurível do nosso vocabulário,
começou a amontoar. Tomei de um bloco de papel e acumulei no momento duzentas
e dezoito moedas.
RAUL MARTINS (O Comércio do Porto – Portugal, 1 jul. 1928): O principado da
prosa recaiu no escritor ilustre que mais tem trabalhado pela riqueza e pelo aticismo
da língua portuguesa – escrevendo-a, polindo-a e manejando-a como poucos.
MEDEIROS E ALBUQUERQUE (Jornal do Comércio, 15 jan. 1928): Só com o
que Coelho Netto poderia, se quisesse, deixar de lado, muitos escritores se
considerariam faustosamente opulentos! / Sem dúvida, continúa a ter um
vocabulário riquíssimo; mas é um vocabulário, por assim dizer, normal, sem
exibições de bizarrias e extravagâncias. E um vocabulário rico é mérito não
pequeno. / Assim, os que continuam a acusá-lo por sua mitologia e suas raridades
verbais, repetem acusações, que foram parcialmente verdadeiras: mas que já não têm
a menor razão de ser. / O Canteiro de saudades, que êle agora publica, é um livro
bom, puro, simples, delicioso de frescura. São lembranças da vida de uma criança,
provavelmente de sua própria meninice, distribuídos em quadros, em pequenos
contos. / O Cuore, de De Amicis, é absolutamente nesse gênero. E não é em nada
superior ao livro de Coelho Netto.
Se esse aspecto do seu estilo, qual seja o de usar o vasto vocabulário que dispunha,
encontrou adversário ferrenhos, de José Veríssimo a Lima Barreto, de Agripino Griecco a
Oswald de Andrade, há vários autores que lhe reconheceram, no mesmo caso, o mérito,
chamando-o de mestre da língua portuguesa. Manuel de Sousa Pinto, é um deles: “Coelho
Neto, hoje (1910), não ama a palavra pela palavra – ama-a pela clareza, pela exatidão, pela
precisão, por essa força imitativa e dizer do que o tem feito criar numerosíssimas e
expressivas onomatopéias” (apud FARIA, 1986, p. 229). E mais à frente:
[...] não é um retórico, nem um declamador. Ele estima e preza a palavra como
corpo magnífico da idéia, como flor cuja semente germina no cérebro. Não é, por
isso, um vazio e empolado arengador, em quem a palavra pregue de estaca na boca,
e saia espumante, como um produto dos lábios, a desinquietar as tubas. Não ama na
palavra apenas o barulho que ela faz, como os histriões amam os guisos da
gargalheira. Ninguém mesmo repudia com mais asco a oratória tamborilesca, a
pirotécnica verbosa – esses excessos de secreção salivar. Não será, por conseguinte,
nessa esgoelada e oca acepção Coelho Neto, um tribuno, ou um discursador, mas é,
no mais nobre, no mais sóbrio e no mais belo significado do termo: um eloqüente –
já que melhor qualificativo não sei para essa sua surpreendente e encantadora arte de
escrever falando (apud FARIA, 1986, p. 229).
Otávio de Faria (1986, p. 229) acode-o com estas palavras: “O mal de Coelho Neto
foi que a sua teoria da palavra, da busca do termo exato, coincidiu com seu invulgar,
verdadeiramente extraordinário vocabulário. Buscando o termo exato, Coelho Neto o
145
encontrava sempre – e o usava”. Conquanto reconheça certos exageros em sua escrita, Faria
(1986, p. 229-230) redime-o, em razão da erudição de Coelho Netto nem sempre encontrar
leitores aptos a compreendê-lo, como também aconteceu com a obra de Euclides da Cunha,
Camilo Castelo Branco e Aquilino Ribeiro, para citar os autores mais conhecidos.
Outro vulto que se manifesta, nas páginas d’A Gazeta, de 13 de janeiro de 1920, é
Menotti Del Picchia, um dos principais nomes do Modernismo de 22, que já citamos no
capítulo anterior:
Coelho Netto é um expoente da nossa raça; e uma síntese humana da nossa cultura. /
[...] / Se o estilo de Coelho Netto é esse fulgor relumbrante, que lembra mil espadas
ao sol, mil minaretes de cristal chispando, a sua palestra, viva, arguta, inédita,
estonteante é um cascatear de jóias, cada qual mais coriscante, cada qual mais
valiosa. Coelho Netto, na conversação, é como um nababo doido que se divertisse a
atirar mancheias de moedas aos que, pasmados, o escutam. / [...] / É assim Coelho
Netto, o grande Mestre da nossa língua. É, como dissemos, um inconfundível
expoente da nossa raça e um orgulho das letras nacionais de todos os tempos (DEL
PICCHIA, 1983, p. 59, 61).
É importante registrar tudo isto para termos a exata percepção de que a causa do
prosador maranhense, em prol do conhecimento e da preservação da língua portuguesa, era
algo do seu completo domínio. Coelho Netto (1918, p. 78), ainda em “Selva de encanto”, faz
duras críticas à xenomania para com o idioma francês e sua literatura, em detrimento do nosso
vernáculo e da literatura nacional: “A França não tem colonia mais servil do que a vaidosa
Republica que tanto alardêa independencia e brio. Que importa aos subditos do boulevard a
Poesia da terra em que nasceram se a não comprehendem, tão viciados estão na leitura
estrangeira?”. Reclama ainda que a leitura de livros nacionais – e toma como exemplo “livros
indígenas” – seja vista como algo desprezível, de mau gosto, por quem aprecia apenas
literatura estrangeira: “Demais, é de bom gosto citar nomes exóticos, commentar a vida de
ultra-mar, discutir assumptos forasteiros – conversar sobre livros indígenas é dar prova de
mau gosto, de cultura ínfima”. Ele não o admite, culpando o poder público pelo desinteresse
na questão: “Os governos não se interessam pelas letras, acham que a literatura é uma
distracção de ociosos [...]” (COELHO NETTO, 1918, p. 78).
Na concepção de Coelho Netto, o regime republicano sofria de um mal grave, da
falta de princípios morais e de competência técnica, que o fazia não ser tão diferente da
monarquia que tanto atacara, e que o levava a não atentar para os clamores da sociedade: Ele
escreve, em Fréchas (crônica “Agitação benefica”, Jornal do Brasil, 11 set. 1921):
146
Quando, na jornada historica de Novembro, as forças da nação derrubaram o throno,
o que se viu em tal queda foi o desapparecimento de um privilegio, que se dizia de
“direito divino”, em virtude do qual eram conferidos a uma unica familia os
atributos do Poder Supremo. / Acreditou-se, então, que todos os vicios do passado
haviam desapparecido e que das ruinas de uma instituição bastarda surgiriam novos
principios e, com elles, o direito promettido ao Povo de escolher entre os homens
superiores os mais dignos e competentes, onde quer que se achassem, sem
preferencias de castas nem imposição de corrilhos. / A Democracia impunha o seu
principio de igualdade, abolindo todas as distincções e só aceitando a indicação do
suffragio honesto representado pelo voto das consciencias livres. / E que vemos nós
na Republica? No Imperio dominava uma dynastia; agora são as oligarchias que
tyrannisam. No Imperio havia um principe educado pacientemente para a funcção de
reinar; na República é a incompetencia ousada que acaudilha bandos acenando-lhes
com interesses para usurpar o Poder (COELHO NETTO, 1923, p. 32-33).
Depois que um jornalista estrangeiro, que, estando no Brasil por ocasião de uma
conferência pan-americana, referiu-se “á intensa cultura brasileira”, Coelho Netto (1918, p.
78-79) se pergunta, em Versas: “Pois ha uma cultura no Brasil?”. E logo responde:
[...] Sim, ha e formosa. Não dais por ella porque tendes os olhos empanados; não a
podeis sentir porque o vosso coração bandeou-se. / Não sois brasileiros senão
porque nascestes no Brasil, porém, o conheceis como o estrangeiro curioso que, na
passagem do paquete, desce á terra, corre á montanha a apanhar uma braçada de
avencas e algumas borboletas e regressa para bordo falando da belleza da paisagem,
do frescor das aguas e do azul do céu. / E viveis na floresta encantada, não como
explorador e sim como habitante, sem sentir o aroma das flores, sem ouvir o gorgeio
dos passaros, sem escutar o sussuro dos ramos e o fresco murmurio leve das ribeiras.
/ Mas se alguem lastima o desconhecimento em que vivemos, logo sahis com a
velha queixa: “Que póde fazer um paiz servido por uma lingua que ninguem
conhece?”.
Lastima-se ainda mais:
Todas as linguas mortas resurgem á voz da Sciencia, só a lingua portuguesa, a
soberba, a deslumbrante selva de troncos formidáveis, carregados de flores, ha de
continuar esquecida porque os seus habitantes, os que della vivem, são os proprios
que, por ingratidão e pedantismo fatuo, dizem-n’a um recesso aggressivo de
selvageria e bruteza (COELHO NETTO, 1918, p. 80).
No Breviário cívico, há mais exemplos de amor à língua e de sua defesa perante os
perigos. Ali, ele vaticina que “o idioma é a expressão oral de um paiz, e sua caracteristica
mais flagrante” (COELHO NETTO, 1921, p. 15). Diz que a língua é um elemento
fundamental, capaz de fazer distinção entre povos:
A natureza, o clima, os habitos, a religião pódem ser os mesmos em dois ou mais
territorios, a lingua estabelecerá a distincção e o homem levará comsigo, nas
palavras, as próprias fronteiras da patria, unindo-se com outros homens sem com
elles confundir-se, como duas nações se pódem tocar pelas raias mantendo, cada
qual, a sua independencia (COELHO NETTO, 1921, p. 15-16).
147
Ele defende a obrigatoriedade da fala correta da língua, como prova de patriotismo:
[...] Assim, devemos caprichar tanto no falar a nossa lingua que nella se não sinta
eiva, ou invasão de elementos estrangeiros. / O que, por desleixo ou ignorância,
deturpa o proprio idioma dá mostra de indifferença ou desamor o que a enxerta de
barbarismos não a estima e, como aceita palavras alheias, consentirá, com o mesmo
descaso, que estrangeiros lhe dominem as terras, porque se os homens caminham e
implantam-se no sólo os vocabulos, como disse o poeta, “são os transeuntes
mysteriosos da alma”, e nella giram trans-portando os pensamentos (COELHO
NETTO, 1921, p. 16).
Para Coelho Netto, a língua possui o atributo de aglutinar as almas, unindo-as no
mesmo território, sob a mesma bandeira, mas, para isso, é preciso que seja uníssona e não
viva em sombra de mudanças, como na crônica “Filologia Manzoniana” (A Noite, 7 abr.
1921): “A língua, como elemento estático ou fator original interno de uma nação, deve soar
uma, única e invariável em todo seu território, ligando estreitamente as almas” (COELHO
NETTO, 2007, p. 26). A conclusão a que chega, em Breviário cívico, quanto a falar bem o
idioma, remete à herança sagrada recebida dos antepassados, uma necessidade e um gesto
patriótico de preservação da tradição: “Falar com apuro a lingua vernácula é prestar culto a
uma herança sagrada que recebemos do passado atravez dos labios das nossas mãis”
(COELHO NETTO, 1921, p. 16-17).
Cabe aqui pensar: se a língua é um fator eficaz para distinguir povos que, às vezes,
estão no mesmo território, têm a mesma religião e até aspectos culturais parecidos, que será
da relação inversa, isto é, de povos tão distintos culturalmente e que vivem separados por um
longo oceano, unidos, contudo, pelo mesmo idioma? A língua, que separa, pode também unir
povos distintos? Portugal e Brasil, Coelho Netto diz utopicamente (em discurso no banquete
oferecido a ele pelos sócios da Livraria Chardron, de Portugal, no dia 23 de maio de 1923,
publicado em Livro de prata), são povos-irmãos, “uma só gente”, embora aponte pequenas
diferenças ontológicas entre ser-Brasil e ser-Portugal:
Portugal e Brasil não vivem desunidos, porque o afastamento não importa em
desunião. / Olhos, são dois, longe um do outro, e vêem o mesmo horizonte e as
mesmas imagens; ouvidos, dois, e ouvem e escutam os mesmos sons; narinas, duas,
ambas aspiram o mesmo olfacto; fronte, um só, porque um só é o pensamento; boca,
uma só porque nella se concentram todos os sentidos e todos os sentimentos, como
na fonte se reune todo o porejo das pedras e toda a humidade do solo. / E como se
derivam da boca os mysterios da vida corporal? pela fluencia da palavra. E quantas
vozes tê, Portugal e Brasil? uma só e como a Palavra, Verbo, é Alma, o corpo é um
só, com as duplicidades que ha no corpo, mas a Alma, expressão, ou idioma, é só
uma. / Assim pois Portugal e Brasil formam o corpo da Grande Patria da Lingua
Portuguesa [...] / [...] Portugal e Brasil são dois territorios de uma só gente. Não
podiam viver alheiados um do outro, porque Portugal é a tradição e o Brasil é o
rejuvescimento; raiz e fronde da mesma arvore. A lingua, se accusa uma diferença, é
148
apenas na tonalidade e tal variante justifica-se. / O português, de Portugal devia ser o
que é – idioma forte no qual, por vezes, vibram sons ríspidos. É voz antiga que veiu
trazendo a Nação heroica atravez de prelios e tormentas. / O português do Brasil
tonou-se abemolado e languido. Nem podia ser de outro modo (COELHO NETTO,
1928c, p. 86-87).
Independentemente da eficácia dessa relação supostamente fraternal entre a exmetrópole e a ex-colônia, no tocante a compartilharem um mesmo idioma, guardadas suas
peculiaridades, Coelho Netto quer ter motivos de regozijo toda vez que a língua portuguesa
estiver em evidência ou sob a devida proteção. Indica-nos isso a crônica “Os letreiros” (A
Noite, 18 mar. 1920), reproduzida em O meu dia (1922) (COELHO NETTO, 1928d, p. 188191), na qual comenta um decreto da Prefeitura do Rio de Janeiro pela nacionalização dos
letreiros da cidade. A norma provocou debates e confusões, porque muitos estabelecimentos
comerciais utilizavam nomes e frases em outros idiomas (francês, alemão, inglês, sírio, turco,
etc.), e a confusão das línguas (Babel) foi bater à porta do Supremo Tribunal, em consulta;
ademais, apelava-se à Constituição e ao povo, porque seria aquilo tudo um capricho do
Prefeito, que queria destruir um hábito transmitido de pai para filho.
Citando o poeta Sully Prudhomme, para quem o hábito era um estrangeiro que
suplanta a nossa razão e uma anciã mandona que se instala em nossa casa, Coelho Netto
(1928d, p. 189) rebate em favor do vernáculo:
Essa estrangeira, que se installou em nossa casa, repellia arrogantemente a lingua
nacional, impondo-se como senhora e dona onde devia viver como hospede, e,
pouco a pouco, a cidade ia tomando o aspecto variegado de um bazar polyglotico, e,
com a entrada de povos de idiomas complicados, dentro em breve ninguem se
entenderia nas ruas, senão valendo-se de trugimões.
Ele chega a prever o perigo de uma indiferença dos naturais resultar num domínio
estrangeiro na cidade, e mesmo afirmando não ter crido no começo que a medida nacionalista
do Prefeito fosse algo praticável, fadada ao esquecimento, passa, depois, a elogiar-lhe a
atitude. Num tom de alívio, declara: “Sentimo-nos agora no que é nosso e estamos livres dos
solecismos barbaros com que, de tão continuo, nos arrepellavam os ouvidos” (COELHO
NETTO, 1928d, p. 190). E só lamenta uma coisa: “Pudesse o Prefeito tornar extensiva a sua
autoridade á mania ridicula, que impera nos salões elegantes, das recitações afrancelhadas e
sentiriamos mais no intimo d’alma a nossa patria que tem na lingua formosa em que se
exprime uma das suas maiores riquezas” (COELHO NETTO, 1928d, p. 191).
Menotti Del Picchia (1983, p. 74-76), no seu artigo “Vernaculismos”, publicado n’A
Gazeta, 5 fev. 1920, parece compartilhar da mesma causa, sobre casos parecidos ocorridos na
149
capital paulista: “A audácia da desvernaculização do nosso idioma era somente comparável à
tolerância criminosa com que aceitávamos essa irreverência. [...] Era mister uma reação”
(DEL PICCHIA, 1983, p. 75). Comentando a atitude do Diretor da Instrução Pública de São
Paulo, que determinou a um diretor de escola substituir nomes em língua estrangeira por
nomes em português nas dependências do estabelecimento de ensino, Del Picchia (1983, p.
76) conclui o texto dizendo: “Louvamos, entretanto, esse rigorismo; e tal diretor é um
Herodes e a degolação coletiva dos galicismos é uma boa reação higiênica no nosso
vocabulário. Oxalá que, em tal assunto, levasse a sua profilaxia mais longe, extirpando os
demais males gauleses que nos vêm do belo país da França”.
Tanta importância assim dada ao idioma só reforça o caráter metaforicamente
religioso do nacionalismo de Coelho Netto, já visto antes, e não precisamos nos esforçar para
depreender que a língua, para ele, seja uma espécie de religião da pátria, porque ele mesmo
disso nos desincumbe, ao dizer claramente no Livro de prata:
A linguagem [...] é a Religião da Patria. Nella estão escriptos os seus evangelhos,
nella commungam todos os seus cidadãos; ella é que nos conserva as tradições e as
chronicas do Passado; ella é que nos reune em convivio no Presente, ella é que ha de
levar o nosso pensamento ao Futuro. Trazemo-la do berço e só a deixaremos no
beiral do tumulo (COELHO NETTO, 1928c, p. 158).
O trecho acima é parte de um discurso oferecido em recepção ao professor francês
Paul Hazard, na sede da ABL, em 21 de julho de 1926, quando Coelho Netto era o presidente
daquela Casa. Um fato curioso é que ele, depois de muito criticar a mania que os brasileiros
tinham pela França e pelo idioma francês, não deixa de reconhecer ao ilustre visitante duas
coisas resumidas logo no início da sua fala: “Da França, nossa principal educadora, uma das
lições que mais deviamos observar é justamente a que, com indifferença condenavel,
descuramos, e essa é a do culto do vernaculo” (COELHO NETTO, 1928c, p. 157). Primeiro, a
França, de uma ou outra forma, tem educado o Brasil. Segundo, isso só é possível porque o
francês se orgulha do próprio idioma, coisa que o brasileiro abomina. É o que diz.
Continuando, Coelho Netto chama a atenção do professor Hazard para a soberba com
que o francês vê seu idioma em relação aos demais: “Entende a vossa patria – e louvo-a eu
por isso – que o seu idioma está para as demais como o oceano para os rios e os que nelle
entram logo lhe adquirem o sabor e regem-se-lhe pelo rythmo” (COELHO NETTO, 1928c, p.
157). Se Coelho Netto condena em vários textos a mera imitação que se fazia a tudo o que
dizia respeito à França, pelo menos aqui ele pugna por uma imitação do exemplo francês, mas
que, não nos enganemos, servirá apenas para sublimar o caráter de ser brasileiro:
150
A França, a quem quer que fale, não o faz senão na sua propria lingua. É um orgulho
que a honra porque revela altivez de raça.
Por que não a havemos de imitar em tal virtude, nós, os alumnos seus? Por que
apparentar o que não somos? (COELHO NETTO, 1928c, p. 157).
Coelho Netto joga com as palavras, e seu jogo busca coerência. Dizendo que a
França fala aos outros no próprio idioma, chama a isso virtude, ou “altivez de raça”, que falta
ao brasileiro, algo parecido com o que hoje se chamaria de orgulho de ser brasileiro. Depois
diz que conhecendo o idioma francês e dele se servindo84, pois era exímio sabedor dessa
língua e até tradutor, segue o exemplo virtuoso que disse admirar, pois mesmo podendo falar
ao visitante na língua deste, discursou – salvo três pequeninas citações em francês – em
português, e disto deu ênfase dizendo: “Assim, pois, saudando-vos em portugues, senhor
professor Paul Hazard, é com a nossa alma que vos damos as boas vindas a esta Casa [...]”
(COELHO NETTO, 1928c, p. 160). Casa que era responsável pela salvaguarda da língua
portuguesa: “A Academia Brasileira de Letras é a sede onde se cultiva a lingua nacional”; e:
“A nossa [língua] tem nesta Casa uma das suas officinas de depuração e polimento (COELHO
NETTO, 1928c, p. 158-159). Nas entrelinhas do discurso, infere-se que seu recado ao
visitante francês é o seguinte: o Brasil tem também uma língua soberba, não menor que a da
França, mas uma língua que não encontra solidariedade no brasileiro, que a deveria tornar
grande perante as demais línguas; para ele, definitivamente, o brasileiro não tem orgulho
próprio, não é altivo de “raça”, prefere “afrancesar-se”, aparentar ser o que não é.
Para ele, a língua é para a glória da nação; a palavra, poesia ou prosa, deve estar a
serviço da nacionalidade. Em discurso pronunciado em 26 de junho de 192285, publicado em
Orações, Coelho Netto (1926, p. 163, 166) toma como exemplo Camões, o grande poeta luso,
e sua vocação “messiânica” para com a construção da sua pátria pela monumental obra
poética que legou. Referindo-se a ele, chamou-lhe o “Messias da Pátria”, e à poesia
camoniana, especialmente Os Lusíadas, de “o Verbo da Nacionalidade” (COELHO NETTO,
1926, p. 163, 166). E por quê? Porque tal poesia punha em sentido o amor e a glorificação da
Pátria, que geraria a própria subsistência da nação. Os feitos marítimos portugueses e suas
consequências, celebrizados na tradição, na história e na poesia, perpetuados em forma de
amor pátrio, garantiriam a Portugal um lugar perene na história. Diferentemente de poderosas
84
Diz Coelho Netto (1928c, p. 159) a Hazard: “Conhecemos o vosso idioma, senhor Professor, e delle
assiduamente nos servimos. Com elle percorremos longos cyclos do Tempo, familiarisando-nos com todos os
illuminadores da Humanidade – os pharóes de genio plantados no estirão das eras: na Poesia, na Arte, na
Sciencia”.
85
No Club dos Diários, por ocasião do banquete oferecido pela Associação Comercial aos aviadores portugueses
Gago Coutinho e Sacadura Cabral.
151
nações antigas (cita o império assírio e sua capital Nínive, a Fenícia, a Babilônia, Ecbátana e
Tebas), que, embora marcadas por grandes conquistas, foram reduzidas a ruínas. O escritor
maranhense diz que, na pena e nos lábios do Poeta português, sua nação era a:
[...] Pátria que amou com extremos de filho, dando por ella o sangue, o amor e a
vida, succumbindo martyr, legando-lhe, porém, os Fastos, não em uma só taboa, mas
num Livro, o grande livro! para que, aberto no altar da Raça, diante de cada uma das
bandas se ajoelhassem Portugal e Brasil, porque as estancias que o enchem celebram
glorias communs aos dois paizes e na lingua que é de ambos a melodia d’alma
(COELHO NETTO, 1926, p. 163-164).
Josué Montello (1957, p. 37-63), na aula inaugural do Curso de Literatura Brasileira,
proferida a 28 de março de 1957, na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, abordou
a língua literária no Brasil. Ali, o autor de Cais da Sagração fala de uma busca pela
autonomia literária brasileira em relação a Portugal, no século XIX, sugerida por Gonçalves
Dias e empreendida por José de Alencar, tendo no Brasil a influência renovadora de Eça de
Queiroz. Teria a corrente de uma suposta identidade brasileira retrocedido sob a emanação
clássica da palavra de Rui Barbosa e da figura lusa de Camilo Castelo Branco, que suplantara
em nosso meio Eça de Queiroz. Coelho Netto seria, nessa lógica, a expressão maior de um
português clássico que se instaura, até ser veementemente combatido pelo movimento
modernista de 1922. A crítica canônica o setenciou como cultor da forma e artífice do
português rebuscado. Isto, porém, tem de ser relativizado, pois em nossas leituras e pesquisas,
temos encontrado escritos coelhonettianos de um português castiço, muitas vezes até
exagerado na forma, mas também muitos textos são construídos à base de um português de
fácil assimilação, como é o caso de várias crônicas, contos, peças, etc., e, sobretudo, o
romance O morto e as memórias de Canteiro de saudades.
2.2.2 Educação
A Primeira República (1889-1930), instaurada no Brasil cem anos depois da
Revolução Francesa, com uma diminuta participação popular (CARVALHO, 1987), não
obstante ter contado com a simpatia do povo, bem como de intelectuais progressistas que
reclamavam por ela desde o movimento pela Independência, não significou mudanças sólidas
de cunho econômico no país (XAVIER et al., 1994, p. 102). E mesmo que tenha ocorrido
num momento em que o sistema agroexportador brasileiro apresentasse sintomas de
debilidade, salvo a produção cafeeira, “a instalação do regime republicano nada mais
representava que uma rearticulação do poder” (XAVIER et al., 1994, p. 102). Em síntese, a
152
ordem política apenas se adequava a uma situação que já vinha se delineando desde o início
do Segundo Reinado (1840-1889), quando começou o ciclo do café, e os cafeicultores,
edificadores desse sistema, depois de muito partilharem o poder com os agora praticamente
falidos oligarcas do açúcar, ascendiam sem concorrência rumo à conquista majoritária do
aparelho estatal. Isto se traduziu na chamada Política dos Governadores, na famosa República
do Café com Leite (a supremacia dos estados de São Paulo e Minas Gerais, entre 1898 e
1930), sobretudo nas sucessões presidenciais, nas oligarquias estaduais e no coronelismo.
Maria de Lúcia Arruda Aranha (2006, p. 298) diz que: “O projeto político
republicano visava a implantar a educação escolarizada, oferecendo o ensino para todos”, mas
logo observa: “É bem verdade que se tratava ainda de uma escola dualista, em que para a elite
era reservada a continuidade dos estudos, sobretudo científicos – já que os republicanos
recusavam a educação tradicional humanista –, enquanto o ensino para o povo ficava restrito
ao elementar e profissional”.
A Reforma Benjamin Constant (1890)86, com os princípios de liberdade, laicidade e
gratuidade do ensino, antecipou-se em vários aspectos à Constituição de 1891. Esta reafirmou
a centralização do ensino, atribuindo à União a incumbência do ensino superior e secundário,
reservando aos estados a educação fundamental e profissional, o que acabou reforçado o viés
elitista, pois a educação primária recebia menor atenção (ARANHA, 2006, p. 298).
Embora a organização escolar da Primeira República tenha seguido, em linhas gerais,
um modelo de orientação positivista, Aranha (2006, p. 300) afirma que “A influência
positivista da Primeira República no plano educacional teve efeitos passageiros, além de que
vários projetos nem sequer foram implantados”. Outras experiências educacionais, todavia, se
fizeram ecoar no período, como as socialistas, as anarquistas, o escolanovismo e a atuação da
ala católica (ARANHA, 2006, p. 301-305). Além de outras reformas do período, como: o
Código Epitácio Pessoa (1901); a Reforma Rivadávia Correia (1911); a Reforma de Carlos
Maximiliano (1915); e a Reforma de Rocha Vaz (1925) (XAVIER et al.,1994, p. 106-113).
Coelho Netto, que, durante um bom tempo, esteve ligado ao ensino, como vimos no
86
O Decreto n.º 981, de 08/11/1890, do Governo Provisório, que aprovou o Regulamento da Instrução Primária
e Secundária do Distrito Federal, mais conhecido como Reforma Benjamin Constant, válido apenas para o
Distrito Federal, era orientado pelos princípios constitucionais de liberdade, laicidade e gratuidade do ensino (art.
2.º). Foi assinado pelo General de Brigada Benjamin Constant Botelho de Magalhães (1833-1891), Ministro de
Estado da Instrução Pública, Correios e Telégrafos, um dos principais articuladores da República. A Constituição
de 1891, no artigo 8.º das suas Disposições Transitórias, até o laureia postumamente como “o fundador da
República”. Observa-se, nessa reforma, uma predominância das disciplinas científicas sobre as literárias,
guiando-se não pelas orientações de Comte, e a intenção de formar alunos aptos ao ensino superior, através da
instituição do exame de madureza, realizado ao final do curso integral, no Ginásio Nacional, que media o grau de
cultura necessária do aluno (art. 33, ‘c’) e sua aprovação daria direito à matrícula em qualquer instituição de
ensino superior da República (art. 38).
153
capítulo anterior, defendia a educação na primeira infância, a família como primeira escola, a
escola como popular e extensiva a todos, a educação como formadora do homem e do
cidadão. Supomos que, basicamente, ele reunia um pouco das proposições pedagógicas de
Rousseau no Emílio, seu tratado educacional, no qual a educação é vista como uma espécie de
reconciliação do homem com sua natureza, consigo mesmo e com o próximo, e se realiza por
meio de um projeto amplo que compreende um plano individual, de formação do homem em
suas disposições naturais, e de um plano coletivo, de formação do homem social, ou seja, do
cidadão (PAIVA, 2007, p. 327); além dos princípios do Marquês de Condorcet, de Johann
Heinrich Pestalozzi e de Friedrich Froebel (ARANHA, 2006, p. 174-176, 209-211).
Em sua definição, Coelho Netto (1921, p. 168) diz, no Breviário cívico, que “A
educação é uma arte de amor – realiza-la perfeita é collaborar com Deus completando-lhe
dignamente a obra”. Propõe o princípio – que lembra Pestalozzi (ARANHA, 2006, p. 210),
mas também a Bíblia, em Dt 6.1-7 – da família como a primeira escola, de onde proviria o
ensino mais importante e duradouro:
O lar é a primeira escola, a vida domestica o curso particular, a aula pratica na qual
se adquirem as noções moraes e civicas, germens dos princípios que,
desenvolvendo-se no correr da vida, farão do individuo um cidadão util a si mesmo
e á Patria, cônscio dos seus direitos e cumpridor dos seus deveres (COELHO
NETTO, 1921, p. 166).
Diz ainda que “É na educação dos filhos que se revelam as virtudes dos pais”; “A
criança aprende com o exemplo reflectindo inconscientemente o que observa. Assim, tal seja
o meio em que se desenvolva como sahirá afeiçoada para a vida”; e “Os instinctos, ainda os
mais rebeldes, pódem transformar-se em virtudes com uma educação intelligente” (COELHO
NETTO, 1921, p. 165).87 A durabilidade do aprendizado na infância seria algo a se levar para
toda a vida: “O que se aprende e observa na infância fica indelével na memória e como se
receba e guarde assim ficará” (COELHO NETTO, 1921, p. 166). E direciona esse
aprendizado caseiro ao amor da Pátria, que deve ser sua extensão:
O amor da casa, sentimento limitado pelos muros de uma residencia, ampliar-se-á no
amor da Patria como a luz, subindo, alarga e estende a sua claridade; o respeito dos
maiores e aos seus conselhos subllimar-se-á no culto dos heróes e no prestigio
respeitoso das Leis; o zelo pela honra da casa tornar-se-á brio civico com relação a
honra da Patria e o que se fizer no exemplo de veneração da familia, da união dos
parentes, do culto do nome paterno esse será na sociedade um homem (COELHO
NETTO, 1921, p. 167).
87
Neste ponto, encerra uma diferença em relação ao naturalismo rousseaniano, que entendia a natureza como
originariamente boa. Coelho Netto fala de instintos rebeldes, consequentemente de uma natureza má, e isso o
remete à Bíblia (seu livro preferido), especialmente à Carta de Paulo aos Romanos.
154
Por fim, recomenda cuidados nesse processo, para não deformar a alma da criança:
Cumpre, porem, aos pais proceder com cautela nesse delicado trabalho moral não
tirando qualidades próprias do caracter nem deformando a alma da criança. / [...] /
Não se deve usar tanto de rigor que, com elle, se apague a alegria, se resfrie o
enthusiasmo, se amorne o animo, se esmoreça o brio do menino tornando-o
melancolico, indifferente, inerte e pulsilanime. / A educação pelo medo deforma a
alma. / Os pais devem guiar como quem illumina e assim farão dos filhos amigos e
discípulos alegres e obedientes (COELHO NETTO, 1921, p. 167-168).
Quanto ao papel da escola, ele não tem dúvida de que é de extrema importância no
mesmo processo de formação do caráter humano e do cidadão. Num discurso pronunciado na
inauguração da Escola Dramática Municipal, no dia 15 de abril de 1910, Coelho Netto (1911,
p. 138) fez iniciar sua fala dizendo que “Fundar uma escola é construir no Futuro”, e mais
adiante: “É na escola que o povo transforma-se em nação”. Para ele, as fundações de escolas
deveriam ser, portanto, celebradas pelos governos, como grandes conquistas: “Os governos
deviam celebrar com festas as inaugurações das escolas, focos de claridade que fazem mais
pela gloria, pela prosperidade e pela defesa da Patria, do que todos os apparelhos de aço com
que a possam blindar” (COELHO NETTO, 1911, p. 134).
Coelho Netto foi um dos intelectuais do final do século XIX e início do XX que mais
se interessaram pela causa educacional, principalmente de crianças e jovens, num período em
que os homens púbicos e intelectuais eram os principais atores da área educacional (NAGLE,
2001). Dentre sua volumosa obra, algumas despontam como endereçadas justamente a esse
público, principalmente de educação moral e cívica: América (1897); A terra fluminense
(1898), em colaboração com Olavo Bilac; Contos pátrios (1904), em colaboração com Bilac;
Teatro infantil (1905), em colaboração com Bilac; Pátria brasileira (1909), em colaboração
com Bilac; Apólogos (1910); Mistério do Natal (1911); Breviário cívico (1921).
A propósito de América, diz Patrícia Hansen (2009) tratar-se talvez do primeiro livro
de educação cívica em prosa de ficção escrito por autor nacional, sendo a transposição para a
ficção de uma utopia republicana quanto à formação da nação, utopia porque era um sonho de
nação, um ideal a ser perseguido, compartilhado por outros autores, como Olavo Bilac e
Manuel Bomfim, autores de Através do Brasil, para citar os mais conhecidos. As conclusões
de Hansen (2009) são estas:
Por mais que seja inspirado de maneira bastante óbvia no Coração de Edmondo de
Amicis, e de fato possui muitos aspectos em comum com o livro italiano, América
foi escrito para difundir civismo e valores republicanos entre as crianças brasileiras
no final do século XIX. Se não foi inovador no aspecto literário, enquanto
instrumento de pedagogia cívica e republicana o livro conseguiu traduzir algumas
das questões mais problemáticas do contexto social, político e econômico do Brasil
155
na primeira década após a Abolição e a República, no que diz respeito à formação da
nação. / A utopia republicana de Coelho Netto ofereceu aos contemporâneos um
ideal de nação a ser perseguido pelo regime instaurado poucos anos antes,
representando a responsabilidade que os jovens leitores brasileiros deveriam assumir
na superação dos obstáculos criados pela permanência de valores e modos de pensar
e agir que começavam a ser vistos como anacrônicos e impeditivos do progresso. /
América, nesse sentido, inscreve-se entre os esforços empreendidos por muitos
intelectuais na passagem do século XIX para o XX, os quais, ao vislumbrar uma
solução para a formação da nação por meio da educação cívica das crianças,
investiram na produção dos primeiros livros infantis dirigidos especificamente ao
público brasileiro.
Por tudo isso e por uma questão puramente cronológica, não deve assistir razão a
Chauí (2004, p. 51) quando afirma que a obra Porque me ufano de meu país, de Afonso
Celso, conde monarquista, publicada em 1900, seria “o pressuposto tácito de tudo quanto se
fez em matéria de civismo neste país, particularmente nas obras escolares de um Bilac ou de
um Coelho Netto [...]”. Além disso, o ufanismo, ou orgulho por pertencer a uma nação
“superior” – Afonso Celso elenca 11 motivos de superioridade do Brasil em relação aos
outros países, motivos naturais, geográficos, históricos, sociais e culturais –, parece não ser
sintomático do nacionalismo de Coelho Netto, pois o que o distingue do ufanismo de Celso é
que este ignorava ou se omitia de informar as grandes mazelas do país (CHAUÍ, 2004, p. 4755; BASTOS, 2002), dando a impressão de que tudo no Brasil era bom, ao passo que o autor
de Esfinge tinha uma postura mais crítica, como vimos no capítulo anterior.
Se a educação cívica era importante para a formação da nação e engrandecimento da
pátria, nesse projeto utópico republicano, levado a termo por um grupo de intelectuais
preocupados com os destinos do país, outra questão a ser discutida era o alcance da educação
formal e as consequências de tê-la ou não como oferta aos brasileiros.
Depois de criticar o modo como as antigas capitanias hereditárias foram
administradas, não permitindo uma maior divisão das terras e das riquezas do Brasil, que
fariam a fortuna do todo, em vez apenas do nome dos donatários, muitos dos quais nem
sequer pisaram em suas capitanias, Coelho Netto chama a atenção para um problema parecido
que acontecia nos seus dias: o da educação para poucos, conforme escreve na crônica
“Primeiras sementes” (Jornal do Brasil, 7 ago. 1921), editada em Frechas:
A tragedia da terra no passado repete-se presentemente na alma brasileira. Dantes,
eram os latifúndios; agora são as consciências; outr’ora a sesmaria, hoje o povo. /
Que vemos em torno de nós? um nucleo de letrados dentro de um mundo de
analphabetos, como os fidalgos d’antanho na selvageria agreste de Vera-Cruz. / São
os extremos: o bacharelismo e a ignorancia; bibliothecas eruditas, isoladas, como os
solares antigos, em meio de desertos; sabios, cercados de apedeutas. / Essa
irregularidade, que põe o poeta ou o scientista entre nescios, dá proeminencia a uns
com prejuizo de milhares [...] (COELHO NETTO, 1923, p. 18).
156
Essa discussão, de uma ilha de letrados num mar de analfabetos, que fazia muito
sentido naquela época, porque o analfabetismo tinha índices alarmantes em todo o Brasil,
sendo que em 1920, mais de 23,1 milhões de pessoas, cerca de 76% por cento da população
brasileira, não sabiam ler nem escrever (RAZZINI, 2000, p. 21), parece ainda bastante atual,
não tanto pelo antagonismo entre letrados e analfabetos – bem menores em termos
percentuais, porém, ainda enormes em números absolutos88 –, mas, por exemplo, na qualidade
da educação básica, que permite a uns terem mais condições de acesso ao ensino superior do
que outros, e, consequentemente, de empregos mais qualificados e de posições consideradas
de maior prestígio na sociedade. A discussão em torno da ação afirmativa das cotas para
afrodescendentes como forma de acesso privilegiado ao ensino superior, recentemente julgada
constitucional pelo Supremo Tribunal Federal, poderia ser aqui lembrada, porquanto questão
de cunho “racial” que não teria razão de ser, caso o Estado brasileiro lidasse, desde o
princípio, com a educação como questão social igualitária e isonômica.
É justamente assim que Coelho Netto entende o papel do Estado, fulcrado nas ideias
filantrópicas de Condorcet quanto à instrução dos povos, segundo o qual, por exemplo, se um
camponês tivesse a instrução devida e as condições necessárias para viver bem no seu meio,
não precisaria se aventurar a viver nas cidades grandes e a se expor às suas misérias
(COELHO NETTO, 1923, p. 18-19). Lembra a ideia de êxodo rural, ainda flagrante no Brasil,
em que muitos brasileiros, sobretudo nordestinos, deixam suas terras em busca de melhores
condições de vida e de trabalho nos grandes centros, principalmente sudestinos, e não raro
vão habitar nas periferias, favelas, em péssimas condições de moradias, com subempregos ou
mesmo aumentando a fila dos desempregados. Coelho Netto busca, ainda, apoio em Jules
Delafosse, autor da Teoria da ordem, que combatia os programas educacionais antiquados e
enfadonhos, que sobrecarregavam a mente das crianças com muitas informações, pouco
apreensíveis e aproveitáveis; e em Ernest Renan, autor de Vida de Jesus, que defendia que a
educação deveria ser tratada como educação da alma, como religião, ou seja, com todo o
cuidado necessário para formar o bom homem (cidadão), como o ensino do Evangelho
formaria o bom cristão (COELHO NETTO, 1923, p. 19-20).
O escritor maranhense elogia, na ocasião, a atitude do Presidente do Estado de São
Paulo e futuro Presidente do Brasil, Dr. Washington Luís, que promulgou a Lei n.º 1.750, de 8
de dezembro de 1920, cujo projeto fora apresentado ao parlamento paulista pelo Deputado
88
Os índices do IBGE no ano de 2009 apontam 9,7% para a média brasileira de analfabetos, levando em conta a
população de 15 anos para cima, o que equivale, em números absolutos, a cerca de 14,1 milhões de pessoas.
Entre as regiões, o Nordeste registrou os maiores índices, na faixa de 18,7%.
157
Freitas Valle, que estabelecia a obrigatoriedade do ensino primário naquele Estado e
providenciava sobre outras questões relativas à instrução.
Mas, embora o Estado tenha a responsabilidade de oferecer o ensino, o indivíduo
precisa também querer aprender. Para Coelho Netto, em A terra fluminense, a vontade de
saber “é o elemento principal da educação” (COELHO NETTO; BILAC, 1898, p. 58).
Havendo a combinação certa entre o amor (da família), a oferta (do Estado) e o desejo (do
aluno), é o caminho pelo qual se chega à formação do homem e do cidadão.
Na crônica “A formosa cruzada” (A Noite, 25 ago. 1921), publicada em Às quintas,
Coelho Netto (2007, p. 75), comentando a má vontade de algumas famílias pela educação de
seus filhos, critica nestes termos:
[...] Tempo de escola é tempo perdido, dizem muitos. / Que lucra o menino em saber
ler e escrever? / A natureza, na sua opulência, não precisa do alfabeto para abrir o
dia e fechar a noite, trazer a tempo as estações com flores e frutos, agitar as marés e
tudo que vive na terra, nas águas e no espaço. / Para que perder tempo em escolas? /
Que é o livro? Tesouro que se não esgota e que, quanto mais nele nos sortimos mais
cresce, como aqueles cinco pães e os dois peixes que, abençoados por Jesus,
multiplicaram-se prodigiosamente [...]. / O homem que lê tem a sua independência,
guia-se por si mesmo porque, em verdade, o livro é a bússola. / Um povo de
analfabetos vale tanto como uma multidão de cegos – nunca poderá gozar a
Liberdade, que é luz, que só se manifesta aos que veem.
Vivianne Oliveira e Rosália Silva (2012), estudando a educação brasileira na década
de 1920 e tentando encontrar particularidades entre o que Jorge Nagle chamou de “entusiasmo
pela educação” e o que Sérgio Buarque de Holanda nomeou de “miragem da alfabetização do
povo”, no seu clássico Raízes do Brasil, propõem que a propaganda da burguesia industrial
pela alfabetização de todos, como forma de recuperar o atraso do país89, carregava consigo
uma “visão enganadora”, que pregava a melhoria do país pela educação, arrolando-o às
nações “civilizadas”, mas também mascarando que a intenção era introduzir novos cidadãos
na vida política da nação, isto é, gerando novos eleitores, que garantissem mais votos aos seus
candidatos, visto que a Constituição de 1891 (art. 70, §2.º, 2.º) e a Lei n.º 1.269, de 15 de
novembro de 190490 (art. 2.º, 2.º), vedavam o direito de sufrágio aos analfabetos.
Apesar da pertinência dessas ideias (que nos fazem refletir sobre a natureza dos
discursos, às vezes carregados de demagogia e hipocrisia) e tendo buscado fundamento em
autores importantes, não temos aqui como mensurar até que ponto o discurso de Coelho Netto
89
Quanto a esta questão sobre o “entusiasmo pela educação” e o “otimismo pedagógico”, que teriam marcado a
década de 1920, em meio às discussões pedagógicas acirradas entre liberais e conservadores, católicos e
escolanovistas, ver Aranha (2006, p. 302-305).
90
A Lei n.º 1.269/1904, também conhecida como Lei Rosa e Silva, reformou a legislação eleitoral da incipiente
República brasileira.
158
em prol da alfabetização de todos e da educação primária gratuita, obrigatória e eficaz tenha
se prestado a meros fins políticos.
A única certeza que fica é que, se o “entusiasmo pela educação” é obra da década de
1920, não temos como enquadrar nesse perfil América (1897), A terra fluminense (1898),
Contos pátrios (1904), etc., que são livros de educação cívica editados desde a década de
1890 e, ao que tudo indica, visavam a um projeto (utópico) republicano (na sua essência
iluminista) de formação do caráter humano e do cidadão, ou seja, buscava suas raízes, mas
não totalmente, no pensamento ilustrado que, em vários aspectos, inspirou a Revolução
Francesa.
Se de Condorcet temos a certeza pela própria citação de Coelho Netto, outros
teóricos não citados por ele (pelo menos neste trabalho), como Pestalozzi ou Rousseau, este
último autor de um livro (Emílio ou Da educação) “que tem muito a ver com as aspirações da
UNESCO em seu projeto educacional para o século XXI” (PAIVA, 2007, p. 332),
acreditamos terem-no influenciado na sua visão de educação. Finalizamos este subitem
afirmando, em tom de mea culpa, a necessidade aprofundar um pouco mais o assunto, para
encontrar a solidez teórica do que anunciamos aqui apenas supositivamente.
2.2.3 Teatro
Este trecho do trabalho não tem o objetivo de abordar a ficcão teatral de Coelho
Netto, contada em dezenas de peças, nem ainda a crítica sobre seus dramas e comédias, mas
unicamente a forma como ele defendia a ideia de um teatro nacional, livre de qualquer
prejuízo causado pela concorrência com um teatro estrangeiro, pelo mercenarismo a que
alguns empresários expunham as artes cênicas locais ou mesmo pelo descaso e falta de
incentivo do poder público às companhias teatrais nacionais. Lembrando que a luta de Coelho
Netto, produzindo e defendendo o teatro nacional e propondo uma renovação, já vinha desde
a década de 1890, como estudou com precisão, em sua dissertação, a pesquisadora Daniela
Crepaldi Carvalho (2009).
Ele acreditava que a força do teatro era o povo, e sem povo não poderia haver teatro.
Em Palestras da tarde, afirma: “[...] no Theatro é preciso ver o que apparece, attendendo,
porém á grande Força anonyma, que gera o drama – o Povo”. Tudo porque: “O actor
interpreta o poeta, o poeta interpreta o Povo, o Povo interpreta o Tempo. Assim é a Vida que
apparece no Theatro em clarões mais ou menos intensos – ora pallidos, ora rubros, ora
violáceos, ora cerúleos, mas sempre a Vida” (COELHO NETTO, 1911, p. 138).
159
Na sua concepção, o teatro nacional foi alijado da sua posição, ali pelas décadas de
1910 e 1920, quando lhe subtraíram a alma, isto é, a Vida, como diz, perdida ou feita
desencontrar por diversos problemas, dando-lhe margem a pugnar pela causa nacionalista:
O nosso theatro é tavolado de feira – onde exclusivamente se mira ao lucro, usandose de todos os meios torpes para o tornar mais grosso. Debalde Arthur Azevedo,
sempre na brecha, procurou, com os salvados, refazer a antiga scena – todos os
annos, nas proximidades do inverno, era infallivel a irrupção da bachanal. / De
desanimo em desanimo os poucos artistas nacionaes, fieis á Arte, cederam o campo
aos invasores, indo, como no tempo de Searron, jornadear nas provincias no velho
carro que, desde Thespis, leva pelos campos o thyaso de Dyonisio. / Tem a cidade,
entre os monumentos com que foi dotada, um theatro sumptuoso. É esplendido, não
ha negar, mas lembra a caneca de cêra que menciona a fabula: formosa, mas vasia.
Dê-se-lhe a alma que lhe falta e será maravilha (COELHO NETTO, 1911, p. 136137).
Edwaldo Cafezeiro e Carmem Gadelha (1996, p. 341) informam que, sob a
República, o Estado brasileiro não promoveu nenhum tipo de política cultural, como a
Monarquia, e que “A criação de museus ou de outras entidades destinadas à memória nacional
e à criação artística apenas se dá de maneira acidental, voltada principalmente para o gosto e o
deleite das elites ditas bem-pensantes”. Quanto ao que Coelho Netto lembrou a respeito de
Arthur Azevedo, eles dizem:
Frustram-se sistematicamente expectativas como a de Artur Azevedo, quanto, por
exemplo, ao Teatro Nacional. O incansável batalhador do teatro brasileiro, que
dedicou boa parte da sua vida a buscar apoios oficiais à ribalta, não conseguiu mais
do que uma casa de espetáculos inteiramente fechada para as camadas média e baixa
da população. Contrariando o projeto de seu idealizador, o Teatro Municipal do Rio
de Janeiro abrigou, desde sua inauguração, em 1908, espetáculos e platéias a soirée,
como requer a presença, nem tão freqüente de Sua Excelência o Presidente da
República (CAFEZEIRO; GADELHA, p. 341).91
A reclamação de Arthur Azevedo na imprensa se deu em 1890, e a campanha pela
construção de um teatro correu por toda aquela década. No site do Theatro Municipal,
encontramos um pequeno histórico dessa casa de espetáculos92, mas ali omitiram a
informação sobre a peça de estreia do Theatro, que, por sinal, era de autoria de Coelho Netto,
e a companhia teatral, por justa lembrança, citada a seguir:
Bonança, escrita especialmente para a inauguração do Teatro Municipal do Rio de
Janeiro, em cuja solenidade foi estreada, a 14 de Julho de 1909, e desempenhada
pelos artistas da Companhia Dramática Arthur Azevedo: Antonio Ramos, Candido
Nazareth, João de Deus, Lucilias Peres, Gabriella Montani e Luiza de Oliveira
(COELHO NETTO, P., 1942, p. 209).
91
92
O ano de inauguração do Theatro Municipal do Rio Janeiro é 1909 e não 1908.
Theatro Municipal do Rio de Janeiro (2012).
160
Coelho Netto teria ainda algumas de suas peças encenadas naquele Theatro, como O
dinheiro, em 1912, O intruso e A muralha, em 1915, Saldunes, em 1925, e Carnaval, sem
informação de data, todas elencadas em Paulo Coelho Netto (1942, p. 209-210). Seu filho e
biógrafo também dirá, sem precisar data, que Coelho Netto foi membro do Conselho
Consultivo do Theatro Municipal (COELHO NETTO, P., 1942, p. 205). Mas a relação entre o
escritor e a casa se estremece logo cedo, no segundo mês de funcionamento do Theatro.
Da tribuna da Câmara dos Deputados, o parlamentar Coelho Netto discursa na sessão
de 20 de agosto de 1909 (COELHO NETTO, 1919b, p. 25-36). Ali, sua reclamação começa
pela própria imponência do prédio do Theatro, que em si já demarca territórios sociais. A
pesada soma de dinheiro usada na sua construção, no contexto do remodelamento da cidade,
foi tirada do povo: “Houve então idéa de reunir aquillo que a Prefeitura tinha arrancado do
Povo em impostos, recebendo á boca do cofre, á noite, na bilheteria dos theatros, e com este
capital resolveu-se erigir o edificio onde os poetas brasileiros pudessem exhibir o seu talento”
(COELHO NETTO, 1919b, p. 28). Não era por isso que Arthur Azevedo brigara:
Arthur Azevedo esperava que esse edificio fosse mais modesto; não queria a
sumptuosidade que lhe foi offerecida, senão em theatro de comedia, onde a alma
fosse mais bella que o corpo, onde os versos tivessem o scenario que deviam ter,
sem que nos ocupassemos de tanto ônix, de tanto mármore, de tanto bronze, et
relíquia (COELHO NETTO, 1919b, p. 28).
A Prefeitura entendeu fazê-lo suntuoso, como merecia a nova cidade do Rio naquele
princípio de século, e o fez belo, diz Coelho Netto, talvez o mais belo da América do Sul. A
Prefeitura, porém, contrariando as expectativas e passando por cima da lei, entregou o Theatro
nas mãos de um empresário, ao que Coelho Netto (1919b, p. 28-29) brada da tribuna:
Prompto o edificio, logo correu a atoarda, desmentindo a promessa feita á
intteligencia nacional, de que elle seria entregue, não a um brasileiro, de accordo
com o dizer da lei, mas a um emprezario, o mesmo que enriqueceu á custa da
dissolução dos costumes, da bastardia da Arte e da miseria apertada dos que ainda
pensam em fazer carreira no theatro. Cresceram vozes de protesto allegando que
aquella casa fôra levantada pelo povo e para elle e nella devia aparecer a flor do
nosso genio poético; mas o emprezario, que é poderoso, chamou um de seus
apaniguados e deu-lhe ordens para que, valendo-se do seu titulo de cidadão
brasileiro, fosse á Prefeitura disputar a posse do formoso proprio municipal. / Não
achou difficuldades o procurador do homem e os jornaes publicaram o contracto
celebrado, em segredo, entre o Prefeito e o emprezario, por seu representante:
Francisco de Mesquita. E o homem occupou, como senhor, o que pertencia á cidade,
á nação, digamos: ao povo [...].
No entendimento de Coelho Netto, o Theatro, que era para o povo, estava prestes a
virar lugar de mera exploração comercial, entregue a companhias estrangeiras e de má
161
qualidade técnica, envolto num mar de mentiras, falsas promessas e informações
desencontradas. Coelho Netto (1919b, p. 30-31) continua sua palestra no Parlamento:
Pois bem, Sr. Presidente, o que era apenas boato, atoarda, é um facto. O Theatro
Municipal, cedido ao emprezario Mesquita (riso), uma capa muito transparente que
occulta um personagem de alto prestigio monetário...
O SR. GERMANO HASSLOCHER – Personagem celestial.
O SR. COELHO NETTO - ...Personagem celestial, como bem diz o meu collega,
que se obrigara, pelo contracto, a trazer uma companhia dramatica de primeira
ordem, uma companhia lyrica de primeira ordem e seguidamente a cuidar do theatro
nacional com todos os elementos bons que pudesse reunir, falhou logo em começo
ao seu contracto. / Depois de nos ter dada Réjane annuncia a companhia Marchetti. /
Lamento não ter aqui á mão o repertorio dessa companhia, que me foi remettido de
Buenos Aires. Ha nelle apenas duas operas comicas: o Tocador de flauta e o
Barbeiro de Sevilha, o resto é opereta, e opereta das peiores, pretexto apenas para
exhibição de carnes.
Condena a relação entre o empresário e a Prefeitura, denunciando atos suspeitos:
Quando nós outros pensavamos que esse homem não conseguiria obter da Prefeitura
a garantia para tal tentativa, vem-nos a certeza de que elle não só obteve tudo quanto
quis, como muito mais obteria, se houvesse pedido, porque a seu lado, patrocinandoo com o seu prestigio, figura o superintendente do Theatro Municipal, que é director
do Patrimonio (COELHO NETTO, 1919b, p. 31).
Depois de revelar que o manda-chuva do Theatro era o Diretor do Patrimônio da
Prefeitura, que se entendia em tudo com o empresário Mesquita, e a pessoa que analisava as
peças que deviam ser ali representadas, que escolhia os autores, que distribuía entradas a belprazer, Coelho Netto volta a falar do empresário, “que se propõe como salvador darte
nacional e que quer ter a gloria de ser o homem que ha de levantar a poesia dramatica no
Brasil” (COELHO NETTO, 1919b, p. 32), homem que se propôs, por contrato, a manter no
teatro, de novembro de 1909 a abril de 1910, a Companhia Dramática Nacional. Coelho Netto
(1919b, p. 33) não tem dúvida de que isso é uma grande mentira:
Todo mundo sabe que isto é o meio por onde elle se vai evadir á responsabilidade.
Absolutamente não póde realizar tal promessa. Sou escriptor de theatro e sei que,
para que o emprezario pudesse cumprir tal clausula, seria necessário que possuisse,
desde já, originaes, que não possue; seria preciso que tivesse uma companhia
organizada, que absolutamente não tem.
E ele chama a atenção do Presidente da Câmara, Germano Hasslocher, sobre o mal
causado aos operadores (autores, diretores, atores, etc.) do teatro nacional:
Quer V. Ex., Sr. Presidente, saber qual é a companhia organizada? / É uma gente
mais desgraçada do que a que Scarron descreve no Roman Comique, que nem, ao
menos, possue para agasalhar-se o carro de Thespis! / É a companhia da miseria, dos
sem pão, dos sem lar, dos que andam errantes pelas ruas, amaldiçoando o homem
162
que tanto mal tem feito á nossa terra, porque a torna indigna de se dizer uma terra de
gente que, ao menos, sabe ler, porque em toda a parte onde encontra uma casa de
espectaculos explorada pela sua ganancia nella installa um grupo trazido de ultramar, para fazer ao nosso paiz a injuria de o rebaixar, explorando ao mesmo tempo as
nossas algibeiras! / Não ha um só artista contractado, posso dar testemunho.
(COELHO NETTO, 1919b, p. 33).
E prossegue até o final do discurso dizendo que havia artistas nacionais passando
necessidades, alguns até fome, outros com problemas de alcoolismo, resultado das decepções
profissionais, pela falta de oportunidade, e encerra criticando o “a xenomania ridícula que nos
está reduzindo á parvoíce de admiração basbaque” (COELHO NETTO, 1919b, p. 36).
Não sabemos, agora, que efeitos práticos ocorreram desde esse discurso. E embora
algumas peças de Coelho Netto tenham sido encenadas em 1912 e 1915 nesse Theatro, parece
que o problema continuou a existir, pois o escritor voltaria, anos mais tarde, a fazer as
mesmas reclamações contra a total elitização do Theatro Nacional, seu capitalismo
exacerbado, seu apreço pelas companhias estrangeiras em prejuízo das nacionais, a falta de
oportunidade às companhias e autores nacionais, e a falta de programação de qualidade.
Na crônica “No gallinheiro” (A Noite, 4 mar. 1920), encartada em O meu dia, Coelho
Netto (1928d, p. 180-183) narra um diálogo que ouviu de dois homens de letras, num longo
intervalo de uma comédia “muito ruim”, no salão Assyrio, que fica no subsolo do Theatro
Municipal. Contou um deles que, certa vez, o escritor Aluísio Azevedo havia estado no
luxuoso teatro, mas, aborrecido, saiu de lá sem dizer uma palavra de elogio. Após a
intromissão de Coelho Netto na conversa, querendo entender o porquê da indiferença de
Aluísio, o homem respondeu comparando aquele teatro a um salão de visitas da sua casa, no
Maranhão, no tempo da infância, que, de tão luxuoso e limpo, as crianças da casa não podiam
entrar nele, para não sujar nada, sob pena de levar chineladas; por outro lado, os visitantes,
mesmo com os pés sujos, podiam adentrá-lo sem merecer qualquer reprimenda, pela simples
razão de serem visitantes. Eis a figura a que aquele homem comparou o Municipal,
merecendo de Coelho Netto a confecção da referida crônica.
As visitas, na comparação, eram as companhias estrangeiras, especialmente
francesas, que tinham livre acesso ao recinto para apresentarem suas peças, às vezes muito
ruins do ponto de vista crítico, mas ouviam o bravo! do público local simplesmente por serem
estrangeiras, ao passo que muitas companhias nacionais jaziam ignoradas, sem acesso àquele
espaço. Essa foi a conclusão do literato que agora conversava com Coelho Netto:
- Está lá em cima, achichelando a arte, uma companhia reles, de actores de quarta
ordem, que representam, com parodia marselhesa, em scenarios de aluguer, uma
estafada comedia de repertorio provinciano, mas é francesa, e tanto basta para que
163
seja suportada, com enlevo, por um publico que veste casa e abre decotes pegando,
com cambio, sem protesto, as cadeiras que occupa. / Tente um empresario brasileiro
installar ali uma companhia nacional, com repertorio nosso, scenarios proprios e
aceiados e verá como lhe dão em cima os críticos, como encanzina a administração,
como o persegue a Prefeitura, como o repelle o publico. Aquillo é só para visitas,
sejam ellas quaes forem. / E assim tem sido (COELHO NETTO, 1928d, p. 181-182).
Sentindo a mesma indignação de que fora tomado o seu interlocutor, Coelho Netto
expõe o problema, citando um edital para a ocupação do Theatro Municipal, na alínea ‘d’ da
cláusula 3.ª, que impunha, entre outras, a seguinte condição às companhias pretendentes:
“Organização de mais tres companhias dramaticas de 1.ª ordem, uma portuguesa, outra
francesa e outra italiana ou hespanhola”. Coelho Netto (1928d, p. 182) ironiza o fato: “E mais
que appareçam – japonesas, senegalesas, hindus, australianas, yugo-slovenos ou vacas
(slovacas, os entendidos hesitam entre venas e vacas) todas terão entrada no Municipal”. E
finaliza dizendo: “Se é o governo o corypheu da campanha da desmoralisação do nosso
theatro que havemos nós de fazer? Vamos para o quintal e... representemos no gallinheiro. E
talvez um dia possamos cantar de galo, como Chantecler” (p. 183).
Parece que a veemência da crítica sortiu relativo efeito, pois na crônica da semana
seguinte, intitulada “Resurreição”93 (COELHO NETTO, 1928d, p. 184-187), já aparecem
algumas boas notícias ao teatro nacional. Antes, porém, há ainda espaço para as críticas, e elas
vêm aos montes, a começar pelo fato do Theatro Municipal ser público, construído com o
dinheiro do povo, mas posto às ordens de empresários mais preocupados com o lucro; o povo,
representado pelas companhias locais, dele não poderia ficar de fora, já que era o seu legítimo
dono: “Essa guerra, movida, com acerba tenacidade, tinha o intuito perverso de afastar do
edifício sumptuoso, que fôra levantado com o dinheiro do povo, o seu legitimo dono, para
nelle instalar, a troco de algumas drachmas mesquinhas, emprezarios adventicios” (p. 184185). E as críticas seguem-se:
Repellido do que fôra construído em seu nome, o misero Theatro brasileiro ficou no
mais triste abandono, prestando-se aos commentarios irrisórios dos que passavam
por elle [...]. / E o edifício, que devia receber e agasalhar, com belleza e conforto, o
nosso Theatro, tornou-se o diversorio dos bárbaros, um bem privativo dos
estrangeiros, defeso ao nacional, que foi julgado indigno de pisar-lhe as lages com
as solas das abarcas rotas. Ai! daquelle que tentasse aproximar-se do santuario da
xenomania – o superintendente sahia ao pronaos e expulsava o ousado [...]
(COELHO NETTO, 1928d, p. 185).
Apesar de todas as adversidades pelas quais o teatro nacional passou, diz Coelho
Netto, ele tirou forças de onde não mais tinha, e, dado como morto, “resurgiu e com uma
93
Em O meu dia, esta crônica está sem data, mas já comprovamos em A Noite, que se trata do dia 11 de março.
164
possança que ha de ter espantado os seus algozes e detractores” (COELHO NETTO, 1928d, p.
186). As portas do Municipal ainda estavam fechadas ao teatro nacional, mas duas peças
dominavam os cartazes na cidade: a Jangada, no Trianon, e Os fantasmas, no República, e
através da composição teatral de Renato Vianna, reaparecia a Companhia Dramática
Nacional, sob a direção de Gomes Cardim, e a figura exponencial de Itália Fausta, “actriz que
seria uma gloria do Theatro contemporaneo, e que levaria ao Municipal, de casaca e decote (e
por preço) toda a alta sociedade fluminense, se viesse como estrella de alguma companhia
estrangeira” (p. 187).
Na crônica de 8 de abril (“Boa nova”), no mesmo jornal, Coelho Netto (1928d, p.
198), logo na primeira linha, diz: “O Theatro nacional está de parabéns”. Qual o motivo? Não
foi o Municipal que se abriu ao teatro nacional: “Á falta de casa celebra-se a festa ao ar livre”
(p. 198). O caso é que houve uma promessa feita pelo Prefeito Dr. Sá Freire, de construir um
local para aquela finalidade, e conquanto Coelho Netto saiba que tantas foram as promessas
falazes de prefeitos anteriores, e que a notícia mereceria uma atitude descrente, desta vez, diz
ele, sentiu sinceridade nas palavras do líder municipal, e por isso, alegra-se: “Vamos ter o
nosso theatro. Louvados e glorificados sejam os deuses eternos que ainda ouvem as supplicas
dos homens” (p. 199). Diz mais: “O Prefeito está convencido de que temos o necessario para
fazer surgir uma grande arte dramática, mas, como realisar o prodigio se nos falta o principal
– lugar onde?” (p. 199). E dando um voto de confiança ao prefeito, proclama a sua boa-nova a
todos os envolvidos com as artes cênicas:
Rejubilem os escriptores, alegrem os actores e o publico, que tanto têm amparado e
propugnado com sympathia as tentativas, que têm sido feitas e que, ainda hoje, no
Republica, dará uma demonstração Entre dois berços, o da nossa Arte antiga, que
morreu, e o da arte nova, que nasce, de que somos capazes de fazer um theatro digno
da nossa grandeza e da nossa cultura.
Parabens a todos, e principalmente á Patria (COELHO NETTO, 1928d, p. 200).
Embora Coelho Netto também defenda, como era de se esperar, a classe de escritores
da qual fazia parte, inclusive como teatrólogo, notemos que seu discurso tem um tom de
resignação patriótica, quase sempre mirando a Pátria. Se tais promessas forem cumpridas, e
um teatro for construído para o povo e as companhias nacionais, pensa ele, todos serão
beneficiados: autores, diretores, atores... e o público, porém, as congratulações principais
devem ser dadas à Pátria. É ela a grande beneficiária, é ela que precisa aparecer.
A história prossegue, e Coelho Netto acompanha passo a passo o seu andamento,
lembrando, cobrando e chamando a atenção do público. Na edição d’A Noite, de 27 de junho
165
de 1920, agora ele escreve uma “Carta aberta ao Ill. mo Snr. Intendente Vieira de Moura”94 na
qual reconhece o esforço daquela autoridade na campanha pelo teatro e recomenda-lhe
atenção em fiscalizar o processo.
Um ano depois, ainda era de lamentar a situação, como escreveu n’A Noite, de 21 de
abril de 1921, na crônica “O teatro no centenário”:
E nós...? Nas vésperas do centenário da nossa independência, cem anos de vida
autônoma em dois regimes, conseguimos um teatro para o estrangeiro à custa de
impostos cobrados ao nacional, mantendo-lhe o fausto xenomaníaco por exações
praticadas contra os que lutam pela restauração do nosso teatro, como sejam pesados
tributos sobre as companhias brasileiras e (risum teneatis?) a coima de dez mil réis
por ato de peça que o censor policial (?) (que não tem olhos para aquilo que por eles
entra, que são os filmes, alguns deles enxameados de moscas cantáridas) leia,
expurgue e lhe ponha o “visto” para que corra na cena (COELHO NETTO, 2007, p.
31-32).
Ainda uma crônica nos chama a atenção: “O seu a seu dono”, publicado n’A Noite,
de 1.º de dezembro de 1921, em que critica o seu confrade de ABL Filinto de Almeida que,
manifestando-se sobre o projeto de fundação do Teatro Nacional, apresentado na Câmara
Federal, tinha dito que não havia nenhum brasileiro com capacidade para dirigi-lo.
Coelho Netto (2007, p. 117) responde: “Não é jeito que nos falta, mas sim um pouco
mais de altivez para não andarmos sempre por mãos doutrem, ou, o que ainda é pior:
parecendo que assim andamos”. Mais à frente diz:
Que neguem ao brasileiro o espírito de iniciativa, capacidade de trabalho, coragem,
fé, perseverança e resistência na luta os que o não conhecem, vá. Não é admissível,
porém, que se faça voz de tal coro quem vive, desde a infância, nesta terra e nela
sentiu desabrochar-lhe a poesia n’alma, e nela firmou o seu lar, enchendo-o de
venturas, sob o patrocínio de uma virtude que irradia em gloria para as letras que
tanto a estimam e têm-na como um dos seus orgulhos (COELHO NETTO, 2007, p.
118).
94
“[...] Não se descuide, porém, V. S. da obra. O nosso paiz é de magicas e as coisas, assim como os homens,
nelle instantaneamente se transformam como acontece, por sortilegio, nos contos de Scherazada. [...] V. S. bateuse heroicamente pelo projecto da construcção do edifício em que se deverá installar a Comedia Brasileira, e já se
annuncia que foi adquirida uma caneta de ouro com a qual o Prefeito dará sancção ao voto do Legislativo. [...]
Agora é que mais se exige cautela, illustre Snr. Vieira de Moura, para que não succeda a V. S. o mesmo que se
deu com Arthur Azevedo, que trabalhou incessantemente e com ardor cada vez mais vivo, para que tivéssemos
um theatro nosso e só conseguiu o Municipal, que é dos outros. [...] Receio (e V. S. deve fiscalisar como Argos a
applicação da verba) que essa Lei que ahi vem, e para a qual fazem alas autores e actores brasileiros, em vez de
trazer-nos o theatro, appareça com um mercado ás costas ou com outra coisa qualquer, reputada mais urgente,
como, por exemplo, a manutenção de uma junta eleitoral permanente em qualquer dos districtos da cidade. [...] E
assim, completando a obra, realisará V. S. um sonho pelo qual já se batia na imprensa Joaquim Manoel de
Macedo, o romancista da cidade, cujo centenario hoje commemoramos. [...] Se, por ventura nossa e gloria de V.
S., a lei não fôr ludibriada e forem lançados os alicerces solidos da Comedia Brasileira, faça V. S. pelo cérebro o
que fez pelo craneo, concorrendo para que o edifício tenha a alma necessária para que viva e triumphe. [...] De
V. S. patrício muito agradecido” (COELHO NETTO, 1928d, p. 225-227).
166
Assim, depois de elogiar a bravura do brasileiro, especialmente dos sertanejos, em
luta diária pela sobrevivência, ele pondera:
O povo que dá um diplomata como Rio Branco; um Rondon, dominador da
natureza; um Frontin; um Lauro Müller, um Passos, construtores de cidades, sábios
e poetas, escritores e artistas, como os que temos, comerciantes de iniciativa ousada
como Afonso Vizeu, um industrial do valor de Jorge Street, um homem de força
como Rui Barbosa não pode dar um diretor de companhia dramatica [...]?
(COELHO NETTO, 2007, p. 119).
E Coelho Netto desfecha no melhor do seu nacionalismo patriótico:
Leopoldo Fróis levantou o Trianon, Pedro Cardim continua à frente da Companhia
Nacional e o mesmo Trianon vai de vitória em vitória com a direção de dois
brasileiros – Oduvaldo Viana e Viriato Correia. / Seria ridículo que o Teatro
Nacional fosse criado para ser dirigido por um estrangeiro. Isso equivaleria a um
atestado de incapacidade passado pelo Governo e assim, em vez do Teatro Nacional
vir provar a nossa cultura, viria dar testemunho publico, com selo oficial, da nossa
incompetência. Seria a tutela e, francamente, tal subordinação servil em vésperas do
Centenário da nossa independência, seria a mais irrisória e afrontosa das ironias. /
Não! O Teatro Nacional, se o fizerem, deverá ser dirigido por um brasileiro nato,
que ame, de coração inteiro, o seu país e o queira levantar á altura dos que mais se
impõem. / Amanhã, sob qualquer pretexto, poderá alguém lembrar-se de pedir a uma
nação da Europa um homem de temperamento especial para empunhar, à frente dos
exércitos, a nossa bandeira. / Não! O seu a seu dono. Vivamos assim e viveremos
bem (COELHO NETTO, 2007, p. 120).
Mais importante aqui para nós do que saber se o discurso sortiu algum efeito, se o
prefeito realmente cumpriu sua promessa de construir outro teatro, se o Teatro Nacional saiu
do papel ou não 95, se o Theatro Municipal voltou a abrir suas portas às companhias nacionais,
é perceber o discurso nacionalista em todas essas questões. O que Coelho Netto propõe no
debate é que a cultura nacional tem de ser mais prestigiada em sua terra e que os nacionais
não devem ser prejudicados, de forma alguma, nem mesmo subestimados em sua capacidade,
e que a coisa pública tem de ser gerida de forma pública.
2.3 DOIS SÍMBOLOS NACIONAIS
Neste tópico, analisaremos a visão de Coelho Netto sobre dois símbolos nacionais: o
Hino e a Bandeira, elementos que revelam traços marcantes do seu nacionalismo. Luiz Prates
Carrión (1975, p. 305) diz que “A humanidade sempre necessita de símbolos, para representar
95
De fato, nenhum teatro foi construído nesse contexto; a lei sobre o teatro nacional só virou realidade em 1937,
através do Decreto-Lei n.º 92, de 21/12/1937, que criou o Serviço Nacional de Teatro; e o Teatro Nacional foi
sim construído no Distrito Federal, mas no outro, em Brasília, com projeto de Oscar Niemeyer, inaugurado em
1966: Teatro Nacional Cláudio Santoro. Coelho Netto já não vivia quando essas coisas aconteceram.
167
crenças, famílias, ideais, corporações, dignidades, funções, territórios, etc., pois são imagens
que resumem ideias de Pátria, de Religião ou aspirações”; e que:
O estado de espírito do indivíduo fica diferentemente motivado com estímulos
inteligentes, sabiamente dirigidos, quem sabe resultante de heranças, ou mesmo
como se possa supor, polarizando num cérebro privilegiado o extrato de tradições de
um povo, de uma corporação, etc. (CARRIÓN, 1975, p. 305).
E ainda: “[...] Depois de adotado um símbolo, como resultado de heranças culturais
daquilo que vai representar, firma-se de tal forma, criando uma tradição” (CARRIÓN, 1975,
p. 305). Os símbolos nacionais passam por esse processo de criação, representação e
estímulos.
Isto dito, os dois símbolos nacionais, agindo conjuntamente, provocam em Coelho
Netto (1928c, p. 189), conforme seu discurso proferido em 19 de novembro de 1927 (Dia da
Bandeira), um estímulo que o direciona integralmente à Pátria: “Aqui, [a bandeira] é o
symbolo que se vê; o hymno é o symbolo que se ouve. Um é como a chamma; outro é a
claridade e o calor; um é o gesto que acena; outro é a voz que incita, os dois completam-se
formando uma expressão unica – a Patria”.
2.3.1 O Hino Nacional
A relação de Coelho Netto com o Hino Nacional é forte, pois na sua atuação como
Deputado Federal pelo Maranhão, logo no início do primeiro mandato (1909), foi o autor do
projeto para a promoção de concurso público visando a oferecer à nação uma nova letra para a
vibrante música de Francisco Manuel da Silva. Alvo de muitas controvérsias, o Hino
Nacional tem uma história cheia de percalços, que, passadas décadas de sua composição e já
em plena República, ainda estava em rodas de discussão importantes.
Francisco Manuel da Silva foi aluno de música do Padre José Maurício e também
discípulo do austríaco Sigismund Neukomm, com quem aprendeu contraponto e composição.
Muito novo, Francisco Manuel escreveu um Te deum a D. Pedro I, que lhe fez promessa de
enviá-lo à Itália, para aperfeiçoar-se; porém, não a cumpriu. Para compensar a desfeita, o
Imperador o nomeou para a Capela Real, onde conheceu de perto grandes músicos e onde
sofreu ciúmes de Marcos Portugal, importante compositor da época. Em 1830, o Padre José
Maurício morre, e Francisco, com 35 anos, prepara-se para escrever a obra que o imortalizaria
168
como compositor: o hino que viria a ser símbolo nacional.96 Muitos concordam que seu
esforço foi útil para a sobrevivência da música nacional no conturbado período regencial, de
1831 a 1840 (ALMEIDA, 1958, p. 69-70; MARIZ, 1983, p. 56).
A composição musical de Francisco Manuel, alguns dizem, teria sido inspirada na
Independência e se tornado popular em 1831, como Hino ao 7 de Abril, com letra de Ovídio
Saraiva de Carvalho e Silva, em comemoração à Abdicação de Pedro I ao trono português.
Quando se deu a Coroação do menino Pedro II, em 1841, o hino teria recebido uma nova letra
(MARQUES, s.d., p. 11), de um autor anônimo. Entretanto, Baptista Siqueira (1972), após
dirimir várias dúvidas e confusões sobre o hino, a partir da descoberta de documentos
importantes, informa que a alteração na letra do hino de Francisco Manuel da Silva nada tem
a ver com o Hino à Coroação, composto pelo próprio Francisco Manuel em honra a Pedro II.
Em outras palavras, o Hino ao 7 de Abril e o Hino à Coroação são dois hinos diferentes
(SIQUEIRA, 1972, p. 18, 54).
Quando analisamos as duas letras, percebemos, tanto numa como noutra, nós que
estamos acostumados com o “Ouviram do Ipiranga”, certa dificuldade de associação do texto
com a música, a começar pela tentativa de sistematizar a distribuição métrica e entre estrofes
e coro, radicalmente diferente da letra atual. O problema do mau ajuste das palavras à música,
que já teriam sido cantadas pelo público em 14 de abril de 1831, recebeu de Luiz Heitor
Corrêa de Azevedo a seguinte crítica: “a impropriedade da música para o metro e o tipo de
estrofes usadas pelo poeta parece decidir a favor de uma adaptação” (apud MARIZ, 1983, p.
58). Já Baptista Siqueira (1972, p. 21), catedrático da Escola de Música da UFRJ, emitiu juízo
mais severo:
Desde o primeiro momento se tem dito: O Hino Nacional é obra incontestàvelmente
musical. As palavras que lhe foram aplicadas no século passado não tiveram o poder
de acompanhar a pujança das cadências nem a beleza da atraente melodia. Além de
tudo outros fatôres, não menos importantes, vieram concorrer para o insucesso da
poesia heróica do tempo da abdicação: o ritmo troqueu, as terminações esdrúxulas, e
a ampliação do canto seguido de ligação melódica que se reune a ancruse integrante
naquele passo denominado, pelos leigos, de conjunção. Diante de tais circunstâncias
que dependiam de elevados conhecimentos técnicos, os artistas recorriam, nos
momentos da execução, ao processo do canto alternado entre o côro e o solista.
Entretanto, a inadequação dos versos era tanta que o resultado interpretativo sempre
deixou a desejar com as evidentes violações das regras fundamentais de conexão na
melodia cantada. O problema permaneceu assim durante todo o século passado
numa certa perplexidade incompatível com o patriotismo e o entusiasmo dos
96
O hino de Francisco Manuel tornou-se, no Império, o hino nacional, mas não oficialmente: “Durante todo o
império, nenhum decreto, entretanto, oficializou o hino [...]” (MARQUES, s.d., p. 11). Tão intrigante é a história
do hino, que, ignora-se o tempo e a forma, se tornou nacional, como aduz Renato Almeida (1958, p. 72): “Não se
sabe como nem quando passou a ser o Hino Nacional, mas em 1889 a República já o encontrou e o oficializou
pelo decreto n.º 171, de 20 de janeiro de 1890”. Informação ratificada por Vasco Mariz (1983, p. 58): “Não há
registros de como nem quando o hino passou a ser oficializado no decorrer do Segundo Império”.
169
brasileiros. Não houve, destarte, unidade entre a música e o poema, ficando
prejudicado o conteúdo na sua integração de música prosódica.
Se a música permanecia viva no gosto popular, diz ainda Siqueira, isto se devia à sua
espontaneidade, vigor e entusiasmo. Quanto à tentativa de atribuir-lhe uma letra no século
XIX, ele comenta: “Quem se dá ao trabalho de examinar em detalhes o aspecto épico, tanto da
primeira quanto da segunda letra, logo se convence de que algo andava errado com respeito
ao fator coerência” (SIQUEIRA, 1972, p. 21). Baptista Siqueira (1972, p. 57) faz outra
observação pertinente: “Se o Hino Nacional tivesse, desde o início, letra compatível com a
beleza e pujança da música instrumental, teria por certo comprovado sua filiação monárquica
e, como tal, jamais poderia continuar vigorando após a Proclamação da República”. As
infelizes tentativas de ajustar poemas à música, no século XIX, concorreram fortuitamente em
favor do velho hino para sua manutenção na República.
Pode somar-se a isto a observação trazida a lume por Carrión (1975, p. 310-311), de
que o Hino, antes de D. Pedro II, não tinha sentido de representação patriótica, senão de
louvação monárquica, fato que, não obstante a segunda letra ter sido mais incisiva no
personalismo do segundo imperador, mudou em relação a este:
Esse elevado sentido teve origem nos campos de batalha e nas solenidades em
respeito ao Segundo Imperador, porém, é significativo declarar, segundo as
pesquisas feitas, que o Hino tocado em atenção ao estimado Sr. Dom Pedro II teve a
idéia de Pátria e não a de identificar com a muito respeitada pessoa de S. M. o
Imperador (CARRIÓN, 1975, p. 311).
Quanto à situação do Hino no novo regime, dizem alguns autores que, com a
instauração da República, pensou-se de fato em adotar um novo hino nacional, como Carrión
(1975, p. 312-313): “Quando da Proclamação da República, foi mandado abrir concurso para
apresentação de composição do Hino, tendo sido solicitada a cooperação de Carlos Gomes,
que respondeu da Itália em telegrama lacônico: ‘Não posso’”. Eliane Ubillús (2007) afirma
que o compositor teria declinado do convite porque “Ele já conhecia o hino de Francisco
Manuel da Silva e naturalmente deve ter previsto que nenhum outro conseguiria ocupar o
espaço conquistado pelo primeiro hino”. Já Alvonira Marques (s.d., p. 11) diz que “o advento
da República impôs a sua substituição. Abriu-se concurso para a escolha de um novo [...]”.
Mário Meireles (1972, p. 41), por sua vez, ignora completamente isso, apenas se
referindo ao concurso mandado fazer em 1909 para a escolha de uma nova letra. A razão pode
estar na convicção de Baptista Siqueira (1972, p. 59): “Chamamos a atenção para o fato de
não encontrarmos, em nenhum momento, qualquer notícia de concurso para o Hino Nacional
170
mas a respeito do Hino à República, há pouco tempo proclamada”. Quando lemos as várias
notícias de jornal elencadas por Siqueira (1972, p. 57-58), sobre iniciativas de composição do
hino e sobre o referido concurso, elas sempre se referem ao Hino da República que se queria
adotar, nunca com a ideia de substituir o velho hino de Francisco Manuel.
De fato, o Governo Provisório, no dia 22 de novembro de 1889, mandou abrir
concurso público para o novo hino republicano. Quando se preparavam as festividades para o
2.º mês após a Proclamação, e não estando ainda prontos para a execução os hinos
concorrentes, repentinamente noticiou o jornal Cidade do Rio, de José do Patrocínio, no dia
16 de janeiro de 1890:
O Sr. major Inocêncio Serzedelo (mais conhecido como Serzedelo Correia),
dirigindo-se ao Sr. Ministro da Guerra, em nome do povo, exército e armada,
em termos eloqüentes, lembrou que o Hino Nacional não é o Hino de um
regime mas o Hino da Pátria: já é uma música sagrada que fala ao coração do
Brasil; e pediu a sua conservação. / [...] / Em nome do Govêrno o Sr.
Ministro respondeu que o Govêrno respeita a vontade da Nação, e as bandas
romperam entusiàsticamente executando o velho Hino que despertou os mais
frenéticos aplausos (apud SIQUEIRA, 1972, p. 59).
Por mais que a notícia tenha sido chamativa, Siqueira conclui por ela que o apelo
popular pelo velho hino ocorreu antes da realização do concurso aberto para a oficialização do
hino republicano. “Tanto isto é verdade que, após essa manifestação de acatamento às
aspirações das fôrças armadas, continuou o concurso para o nôvo Hino, como se nada tivesse
acontecido” (SIQUEIRA, 1972, p. 59). As notícias se sucederam, e os quatro concorrentes
inscritos foram: Leopoldo Miguez, Alberto Nepomuceno, Jerônimo de Queiroz e Francisco
Braga. No dia 20 de janeiro de 1890, feitas as apresentações no Teatro Lírico, o júri,
composto por membros do Instituto Nacional de Música, eliminou o hino de Jerônimo de
Queiroz e classificou os outros três na seguinte ordem: 1.º Leopoldo Miguez; 2.º Francisco
Braga; e 3.º Alberto Nepomuceno. No mesmo dia, saía o Decreto n.º 171, que oficializava a
música de Francisco Manuel como Hino Nacional e a de Leopoldo Miguez como Hino da
República, com letra de Medeiros e Albuquerque (SIQUEIRA, 1972, p. 60).
Outra questão provocada por Siqueira (1972, p. 61-62) é sobre a famosa frase
atribuída ao Marechal Deodoro da Fonseca, quando da execução dos quatro hinos
concorrentes: “Prefiro o velho!”. Frase que teria determinado a mudança da intenção do
concurso de Hino Nacional para Hino da República. Por ela, Deodoro teria sido o responsável
direto pelo “rebaixamento” da música vitoriosa de Miguez a Hino da República. Alguns
171
autores apresentam essa versão, como Alvonira Marques97 e Vasco Mariz.98 Quanto a isto,
Siqueira (1972, p. 61) sentencia:
Parece tratar-se suposição infundada, uma vez que no dia 15 de janeiro daquele ano,
portanto cinco dias antes, já o Marechal havia decidido, por sugestão do major
Inocêncio Serzedelo Correia, que falara em nome do povo e das fôrças armadas,
manter o Hino de Francisco Manuel da Silva como Hino Nacional do Brasil. Não
iria anunciar aquilo que “preferia”, quando aquilo já estava “preferido”.
E põe termo à discussão (SIQUEIRA, 1972, p. 62):
Pelo exposto, verifica-se a sem razão da pecha levantada em tôrno da questão que
situa o Marechal Deodoro numa posição equívoca. / Como poderia êle antecipar-se
na escolha de um Hino que havia colocado em confronto para ser decidido por
hábeis mestres do Instituto Nacional de Música? Em verdade, tudo não passou de
mera especulação, pois o concurso era realizado para proclamar o vencedor da
música destinada a ser o “Hino da Proclamação da República”, conforme se
anunciava intensivamente na imprensa diária do Rio de Janeiro. / Foi necessário dar
estas explicações para evitar que se continue propagando uma tal leviandade que,
por outro lado, expõe a autoridade governamental ao mau vêzo do julgamento
arbitrário, além de colocar mestres de renome e glória numa posição incompatível
com a dignidade dos cargos que ocupavam. / Pelo menos no Teatro Lírico, o Hino
de Francisco Manuel da Silva não foi confrontado, diante das autoridades, na sessão
pública do dia 20 de janeiro de 1890, para merecer a frase atribuída ao Marechal
Deodoro da Fonseca. Sabe-se, porém, que o entusiasmo que atingiu a alma dos
brasileiros no momento da Proclamação da República não incidiu, absolutamente,
sôbre o Hino Nacional, página gloriosa e, por isso mesmo, irreversível nos anais da
história pátria [...].
O que não se discute é que, destronada a Monarquia, não houve quem destronasse o
velho Hino. Estava no gosto popular. José Murilo de Carvalho (2007, p. 122-128) classifica a
manutenção do Hino de Francisco Manuel como vitória da tradição, vitória do povo, depois
de até mesmo a Marselhesa, hino francês, ter sido ouvida e reclamada por alguns no contexto
do 15 de Novembro: “Mais do que a batalha da bandeira, a do hino nacional significou uma
vitória da tradição, pode-se mesmo dizer uma vitória popular, talvez a única intervenção
vitoriosa do povo na implantação do novo regime” (CARVALHO, 2007, p. 122).
Como as letras atribuídas ao Hino Nacional eram alusivas à monarquia, e, portanto,
incompatíveis com o novo regime político brasileiro, o Hino permaneceu sem letra durante
97
“Embora o primeiro lugar tenha sido dado à composição de Leopoldo Miguez, o povo se manifestou pela
preservação do hino antigo, com aquiescência do próprio Marechal Deodoro, que, pelo decreto n.º 171, de 20 de
janeiro de 1890, finalmente oficializou-se como Hino Nacional Brasileiro. A melodia vitoriosa de Leopoldo
Miguez ficou conhecida como Hino da Proclamação da República” (MARQUES, s/d, p. 11).
98
“Foi também Miguéz um ativo republicano e é de sua autoria o Hino à Proclamação da República, que só não
chegou a hino nacional por esclarecida decisão de Marechal Deodoro da Fonseca. Ganhou porém o prêmio em
1890, com o qual, em louvável gesto, Miguéz adquiriu o excelente órgão que até hoje se pode ouvir na sala de
concertos da Escola de Música da UFRJ, no Rio de Janeiro” (MARIZ, 1983, p. 85).
172
anos. E voltaria a ser tema de debate, quando o maestro cearense Alberto Nepomuceno,
Diretor do Instituto Nacional de Música, advertiu o Governo sobre o desrespeito com que era
tratado o Hino, executado a bel-prazer por bandas musicais Brasil afora. Irritado, ele escreve
uma carta ao Ministro da Justiça e Negócios Interiores, Augusto Tavares de Lyra, datada de
20/11/1906, na qual informa que, presente à cerimônia de posse do Presidente Afonso Pena,
ouviu o Hino sucessivamente executado por três bandas militares presentes no Palácio
Presidencial, quando um fato desagradável chamou-lhe a atenção:
Impressionou-me desagradavelmente o facto de a banda que executou o Hymno em
segundo lugar e que, fui informado, era uma das da Brigada Policial, fazel-o com
uma variante melodica positivamente errada, pois que se achava em evidente
desacordo com a harmonia do acompanhamento, com o qual absolutamente não se
compadecia (NEPOMUCENO, 1922).
Sendo o Hino Nacional símbolo oficial da nação, deveria ser executado conforme a
composição original, e qualquer erro ou deturpação haveriam de ser evitados, diz
Nepomuceno, e em caso de alteração, sem autorização do poder competente, o que incidiria
em falsificação de documento público, seus autores deveriam ser penalizados.
Como resultado da crítica de Nepomuceno, o governo de Afonso Pena determinou as
providências necessárias, que não passaram da nomeação de uma comissão composta por
mestres renomados: o próprio Nepomuceno, Francisco Braga e Frederico Nascimento.
Concluíram que “não havia partitura e material de execução em condições nem possuía o
Hino, aprovado pelo Governo Provisório, letra adequada à nova situação política do Brasil”
(SIQUEIRA, 1972, p. 63). No mais, não houve nenhuma providência efetiva, apenas um
relatório foi entregue ao Ministro da Justiça.
Siqueira (1972, p. 63) informa ainda: “Quando Alberto Nepomuceno fêz aquela
advertência sôbre o desrespeito ao hino nacional, em 1906, o fato repercutiu na Câmara dos
Deputados na palavra eloqüente de Coelho Neto, que lembrou a conveniência de se cuidar de
uma letra para o Hino já agora oficial” (SIQUEIRA, 1972, p. 63). De fato, o caso chegou à
Câmara, mas Siqueira equivoca-se quanto a Coelho Netto ter estado lá em 1906, pois somente
em 1909 assumiu seu primeiro mandato como deputado federal.
O fato é que o relatório chegou à Câmara dos Deputados, merecendo um parecer
desfavorável da parte do seu Presidente, o deputado gaúcho Germano Hasslocher. Justificava
este o seu parecer negativo dizendo que não se podia conceber, por variadas razões, a
realização de um concurso para a escolha de uma letra para o Hino Nacional, e que esta letra
um dia surgiria espontaneamente na boca do povo, citando exemplos de hinos pelo mundo
173
afora. Coelho Netto, com seu engajamento patriótico por fazer-se no Parlamento, opôs-se-lhe
na palavra com que discursou na sessão de 29 de julho de 1909, cujo texto foi publicado no
livro Falando... (COELHO NETTO, 1919b, p. 5-19). Eis os primeiros trechos:
O SR. COELHO NETTO (Movimento de attenção) – Sr. Presidente, no actual
momento eu não me atreveria a occupar esta tribuna, freqüentada, com brilho, por
oradores de vulto, se não fosse solicitado por dois sentimentos, qual delles mais
poderoso – culto da Arte e o exaltado amor da minha Patria. / Foi a Arte que aqui
me introduziu e, como artista, trago, e sempre trarei, a esta Casa a minha palavra
pequena, por que na disciplina litteraria iniciei a minha carreira e, como leval-a a
termo sempre fiel ás suas normas. / Lendo o parecer que diz com um pedido do
director do Instituto Nacional de Musica, relativamente à letra do nosso Hymno
Nacional, parecer redigido por um dos espiritos mais lucidos que tenho a fortuna de
encontrar em meu paiz... (Apoiados)
O SR. GERMANO HASSLOCHER – Obrigado a V. Ex.
O SR. COELHO NETTO – entendi do meu dever contestar desta tribuna as idéas
nelle emittidas. Entende S. Ex. refutando, com uma leve ponta de ironia, a proposta
do director do Instituto Nacional de Musica, que se não deve substituir a letra, ou
melhor a “monstruosidade” que compromette a manifestação mais alta da inspiração
da musica em nossa Patria, que é o Hymno de Francisco Manuel. (Muito bem) / Os
fundamentos apresentados por S. Ex. não parecem derivar de um homem de
progenie germânica [...] (COELHO NETTO, 1919b, p. 5-6).
A partir daí, Coelho Netto passa a falar da característica longeva do apreço dos
germânicos por hinos e poesia, citando cenas do folclore e da história, fábulas, batalhas,
Goethe, os minnesinger, Hans Sachs, Theodoro Koerner e outros (COELHO NETTO, 1919b,
p. 6-8); admira-se ele que Hasslocher, um descendente de alemães, de um povo que cultua
tradições seculares como essas, não se sensibilizasse com o apelo patriótico de Alberto
Nepomuceno, em favor de uma nova letra para o Hino Nacional.
Ele cita também um grande trecho de Philarête Chasles, que comenta a popularidade
do canto e da poesia na Alemanha, além de um texto de Medeiros e Albuquerque, redator da
Gazeta de Notícias, publicado no dia anterior, comentando que o governo francês abrira
concurso público para a escolha de letra e música de canções, com o objetivo de distrair
soldados sedentários, os quais se ocupariam em entoá-las. Diz Medeiros e Albuquerque que o
grau de civilização da França permitia àquela nação a realização de concursos banais que, no
Brasil, no mínimo, seriam ridicularizados (COELHO NETTO, 1919b, p. 8-9).
Coelho Netto (1919b, p. 10) prossegue, citando o parecer de Hasslocher:
Diz mais S. Ex. / “Não parece que a historia consigne cantos nacionaes, adoptados
como hymnos, feitos por via de concurso, em que a inspiração vem da esperança de
alcançar premio nessa especie de justa. / Os hymnos são explosões dos grandes
sentimentos em horas solemnes da vida nacional; sahindo no sentimento publico,
onde se fazem populares, criam raizes, antes dos decretos legislativos que os
adoptem officialmente. / [...]”
174
A isto, ele replica: “Não está bem informado o meu illustre collega” (COELHO
NETTO, 1919b, p. 10). Daí passa a citar vários exemplos, como do hino austríaco
(substituído após a II Guerra), encomendado a Joseph Haydn, para comemorar o aniversário
do imperador, com letra também encomendada a Ludwig Auerbach. Citou ainda o hino da
Suécia, uma antiga canção, que recebeu versos do arqueólogo Dybeck, e apesar de o momento
da composição poética não ter nenhuma importância histórica, os suecos cantavam esse hino
com grande entusiasmo. Também lembrou o hino da Noruega, com letra de Björnson e
música de R. Nordraack. E o hino imperial russo (substituído após a Revolução de 1917),
encomendado pelo Czar Nicolau I, em 1833, ao general Lwoff, cuja popularidade teria ido
além-Rússia (COELHO NETTO, 1919b, p. 10-11). Após esses exemplos vindos da Europa,
Coelho Netto (1919b, p. 11) pergunta: “como affirmar, portanto, que o mesmo não se dará no
Brasil, onde não existe justamente melodia mais popular que a do Hymno Nacional?”.
Fica assim contestada a affirmação do relator “que a letra dos hymnos precede
sempre a sua musica”, affirmação essa que poderiamos contestar com innumeros
exemplos tirados do Commers Buch, dos choraes protestantes, etc., etc. A
Carmagnole e o Ça ira, cuja popularidade ninguem porá em duvida, foram
adaptadas a melodias já conhecidas (COELHO NETTO, 1919b, p. 11).
A erudição do prosador e parlamentar maranhense começa a pôr o deputado e jurista
gaúcho em apuros, quando Coelho Netto arremata com maior ímpeto:
Entende S. Ex. que não devemos perder tempo com a preoccupação de uma letra
para o nosso Hymno Nacional “porque ella virá opportunamente, quando um
sentimento forte a fizer brotar da alma do povo”. / Até lá teremos que ficar com o
que possuimos que, sobre ser detestavel como poesia, é uma incongruencia ridícula
no regimen politico em que vivemos. / A letra de nosso Hymno Nacional não póde,
de modo algum, ser entoado [sic] nos dias que correm porque nem de leve se refere
á nação sendo, como é, um canto panegyrico no qual se preconizam apenas as
virtudes de D. Pedro II:
Negar de Pedro as virtudes, / Seu talento escurecer,
É negar como é sublime / Da bella aurora o nascer.
Como, segundo a formula verdadeira, só se destróe aquillo que se substitue,
tratemos, por patriotismo e decência, de destruir essa apologia, cujos versos
claudicam deploravelmente (COELHO NETTO, 1919b, p. 11-12).
Para desfechar seu discurso, ele cita ainda dois exemplos constrangedores sobre a
falta de uma letra adequada para o Hino: o do diretor da Escola Normal de São Paulo, que,
querendo fazer os alunos cantarem o Hino Nacional, estancou diante da letra, não encontrando
outra solução que não ele próprio improvisar um poema, que Coelho Netto chamou de “nescio
monstrengo métrico”, citado em seguida pelo orador maranhense (COELHO NETTO, 1919b,
175
p. 12-13); o outro caso envolveu Euclides da Cunha, que, em 1904, como chefe brasileiro na
comissão mista de Brasil e Peru para retificação das divisas entre os dois países, presenciou a
força do hino peruano cantado a plenos pulmões pelos peruanos, ainda pelos mais humildes
“índios”. Na noite de 27 de julho, véspera do Dia da Independência do Peru, os militares em
volta da bandeira começam a entoar vivamente o seu hino, enquanto Euclides, admirado, ouve
o canto patriótico dos peruanos. Diz Coelho Netto (1919b, p. 17-18):
Era verdadeiramente religioso o acto e Euclydes, com o coração a bater, regressou
ao seu campo e, recolhendo-se, a ouvir o cântico cada vez mais enthusiastico, dentro
da noite sumptuosa, receiou, disse-me elle, que a commissão não findasse antes de 7
de setembro, porque teria de dar aos peruanos, com um triste silencio, a prova
humilhante de que somos um povo sem tradição, que nem um hymno possuimos que
seja, longe da Patria, a oração de amor com que a ella nos reportemos.
“E senti a nossa inferioridade” concluiu o escriptor.
Coelho Netto (1919b, p. 18) conclui: “É para que outro brasileiro não repita essa
phrase dolorosa e possamos entrar no côro das nações com a voz altiva do nosso civismo, que
eu venho propor esta emenda substitutiva á conclusão do parecer do meu illestre collega”. Ele
venceu o debate com Hasslocher, e sua emenda, aplaudida no plenário e aprovada (Emenda
substitutiva ao parecer n.º 13, de 1909), autorizava o governo a abrir concurso público e
premiar a melhor letra para a música de Francisco Manuel da Silva.
Estava pronto o projeto para a nova letra do Hino Nacional, cuja poesia seria
orientada pelas instruções técnicas de Alberto Nepomuceno, para harmonizar-se perfeitamente à melodia de Francisco Manuel. Assim, realizado o concurso, em 1909, saiu vencedor
o poema de Joaquim Osório Duque Estrada, o famoso “Ouviram do Ipiranga às margens
plácidas...”. Mas o problema foi resolvido só em parte, porque ainda teriam de esperar mais
treze anos para que a letra de Osório fosse oficializada, embora o Legislativo tenha enviado
várias mensagens ao Governo, nesse sentido. Pois foi exatamente na véspera do primeiro
centenário da Independência, que o Decreto n.º 15.671/1922 declarou oficial a letra do Hino
Nacional, composta por Duque Estrada, ou seja, no 33.º ano da República. O direito autoral
da letra foi adquirido pelo Estado brasileiro, através do Decreto n.º 4.559/1922, pagando cinco
mil contos de réis a Osório, enquanto o canto do hino foi tornado obrigatório em todas as
escolas e entidades afins, através da Lei n.º 259/1936.
Coelho Netto tinha muito apreço pelo Hino Nacional, por considerá-lo sagrado. No
Breviário cívico, ele observa:
Se uma só palavra do nosso idioma, ouvida a alguem em terra, toca-nos fundo o
coração no que elle tem de mais sensível, como nos não ha de commover o hymno
que é, a bem dizer, a benção da mesma Patria? / [...]
176
O hymno chama-nos ao dever reunindo-nos em volta da bandeira como a campainha
do acolyto no templo filia-nos á Cruz. / É canto pastoral que nos congrega e é brado
que nos excita. / [...] / É o canto triumphal dos vivos e é a nenia funeral dos mortos. /
[...] (COLEHO NETTO, 1921, p. 25-26).
Sua veneração patriótica pelo Hino era pura convicção nacionalista, acompanhandoo pelo resto da vida. Culto não inferior prestou também a outro símbolo nacional, a Bandeira,
que mereceu dele bastantes referências.
2.3.2 A Bandeira Nacional
Sem precisar vasculhar a evolução histórica dos vários tipos de bandeira que o país
teve ao longo de sua história, nem ainda a questão legal quanto a sua oficialidade e mudanças,
é suficiente mencionar que o símbolo que ela representa é marcante para o patriótico autor de
que estamos tratando. Um pedaço de pano, insignificante em natureza, mas que representa
simbolicamente a pátria, como ele costumava definir.
Nessa relação de representação, aqui entendida como o relacionamento de uma
imagem presente (bandeira) com um objeto ausente (a nação, a pátria) (CHARTIER, 2002,
p. 20-21), Coelho Netto vê a bandeira como símbolo sagrado e poderoso, capaz de representar
tantos elementos quantos forem necessários para identificação pátria. Como nesta descrição
da bandeira, na palestra aos alunos da Escola Naval, em 1912:
Assim a bandeira: pedacinho de seda onde se contem a Patria – nelle a terra, nelle o
céu, nelle o mar, nelle o espirito, a honra, o passado, o presente e o futuro, o amor,
que é a vida; a poesia, que é o ideal; a historia, que é o relicario do tempo e das
acções dos homens; e a religião, que é o horizonte da alma. / Folha do evangelho no
mastro do navio, á frente dos exercitos, em todos os angulos da Patria, ubiqua como
a luz e como a divindade (COELHO NETTO, 1918, p. 260).
A ideia de que a bandeira contém a Pátria é uma representação típica do
nacionalismo patriótico do início do século XX; mas trazê-la ao lume da religião, chamando-a
de “folha do evangelho” e “ubiqua como a divindade”, é tornar mais poderoso o apelo e
inescusável o dever cívico diante do simples “pedacinho de seda”, isto é, do país que ele
representa. Para Coelho Netto (1926, p. 58), em discurso pronunciado em 19 de fevereiro de
1922, publicado em Orações, é como se a própria bandeira pudesse falar, austera e
inconfundivelmente, chamando os filhos patriotas ao sacrifício honroso pela pátria, à
semelhança da cruz para os antigos mártires cristãos:
177
[...] O vosso grito na paz deve ser o que ahi está na bandeira: Ordem e Progresso. /
Mas se essa mesma bandeira acenar-vos ao coração pedindo-vos o sacrificio do que
nelle tendes de mais precioso: a vida, certo não lh’o recusareis, porque a bandeira é
para o Patriotismo o que é a Cruz para a Religião. / E assim como os christãos não
hesitavam um momento em sacrificar-se pelo sagrado emblema e corriam a abraçarse com elle entre feras e algozes, assim vos precipitareis, briosos, ao primeiro
reclamo da bandeira e, tomando-a no punho, vencereis com ella.
Noutra ocasião, em palestra aos marinheiros, na sede do Riachuelo F. Club (Ilha das
Cobras), no dia 11 de junho de 1917, ele diz: “Lembrai-vos do Brasil e honrai-o com brio,
defendei-o com bravura, porque o que fizerdes será visto por elle, presente no navio, como
Deus no altar, em um symbolo, que é a bandeira” (COELHO NETTO, 1926, p. 13). A
bandeira, semióforo poderoso na propaganda nacionalista do início do século XX, é aqui tida
como os olhos do Brasil, que recebe atributos divinos de ubiquidade ou onipresença.
Por falar nisso, citamos de novo um trecho do Breviário cívico (COELHO NETTO,
1921, p. 21-22), em que a bandeira aparece ligada a sentimento análogo ao religioso:
Não ha religião sem Deus nem Patria sem bandeira. / Prestar culto á bandeira é
venerar o espaço e o tempo nos limites geographicos de uma nação e nelles a raça e
tudo o que ella representa. / Venera-se na bandeira o espaço pelo amor á terra
maternal. / [...] / Que é uma bandeira? é um panno e é uma nação, como a cruz é um
madeiro e é toda uma Fé. / [...] / Assim como nos descobrimos diante do sacrário,
que encerra a hostia, que é o symbolo de Deus, descubramo-nos diante da bandeira,
que é o symbolo da Patria.
Agora, em discurso do dia 19 de julho de 1920, para os reservistas do Tiro de Guerra
525, ela encarna dois caracteres típicos da representação clássica da nação, que estão postos,
inclusive, na letra do hino nacional: o da mãe gentil e pacífica que agasalha e protege seus
filhos, e o de nação justa e guerreira que ergue da justiça a clava forte:
Na bandeira, á qual prestastes juramento de lealdade, tendes um symbolo admiravel.
/ Vêde-a como se mostra em seda, tão leve que um brando sopro a enruga e agita.
Aberta é pallio que agasalha e é benção de amor. Entretanto a haste em que se
prende é lança – vêde-lhe o ferro alumiar na ponta. / É bem a imagem de Minerva
meiga e forte, docil e altiva, pacifica, porém armada. Assim tambem deveis ser
(COELHO NETTO, 1926, p. 43).
No discurso pronunciado na Prefeitura Municipal, em 19 de novembro de 1915
(Festa da Bandeira), por ocasião da entrega da medalha cívica, mandada cunhar pelo
Presidente da República, Wenceslau Braz, ao aluno salesiano Antônio Carlos das Chagas, que
salvou a bandeira nacional do naufrágio da barca Sétima, publicado tanto em Versas quanto
em Livro de Prata (COELHO NETTO, 1918, p. 301-313; 1928c, p. 71-82), há bastantes
elementos de identificação da bandeira com o sagrado, o sagrado da pátria.
178
Doze anos mais tarde (1927), na mesma festa da Bandeira, na mesma Prefeitura, a
bandeira, para ele, continua objeto digno de adoração: “Mas, senhores, não basta acclamá-la,
como aqui fazemos, é necessario cercá-la de veneração e respeito” (COELHO NETTO,
1928c, p. 187). Uma simples cerimônia de hasteamento é como estar numa congregação de
adoração: “[...] aqui nos achamos congregados em acto de religião, como em igreja [...]”
(COELHO NETTO, 1928c, p. 189). Por isso, seu culto requer um bom caráter e a reverência
de um adorador: “O culto da bandeira deve ser feito com honestidade e veneradamente”
(COELHO NETTO, 1928c, p. 188). Os componentes da bandeira carregariam em si vários
aspectos que o escritor considera importantes:
Esse mastro é um symbolo. Na sua rectidão, é o caracter; na sua resistencia, é a
força; na sua altura, é o brio e a driça que suspende a bandeira não é senão a
solidariedade, o esforço de todos, por isto vistes andarem unidas as duas mãos do
que realisou, ha pouco, triunphalmente, o surto do glorioso panno. Curvai o mastro e
a bandeira roçará em terra, derrubai-o e vê-la-eis humilhada e maculada (COELHO
NETTO, 1928c, p. 188-189).
Ainda evocando similitudes com a religião, para ele, a bandeira é como uma alma ou
espírito, substância imaterial que vivifica a matéria (corpo). Isto fica patente na cerimônia de
morte de um navio, o velho cruzador “República”, “espetaculo ao mesmo tempo bello e
commovente”. Ele narra o episódio, numa alocução datada de 19 de fevereiro de 1922
(COELHO NETTO, 1926, p. 57):
Ancorada, a velha nau de guerra parecia em festa. Era a sua ultima viagem. Iam darlhe baixa. / Pobre cruzador! Não mais singraduras longas, caricias de bonanças,
bategas de temporaes, portos de terras longinquas, calores tórridos, invernias
gélidas! / Lá estava o comndenado. No mastro, como a chamma de um círio, a
bandeira afflava ao vento. Ainda tinha vida o velho barco. / Realisou-se a cerimonia
lugubre, foi lavrada a acta, ou certidão de obito. Ia o “Republica” passar de nau de
guerra a mesquinho pontão: cadaver! / Ainda, entanto, o não era. Por que? Porque
vivia: lá estava a bandeira desfraldada no tope do mastro (COELHO NETTO, 1926,
p. 59).
A única razão do navio “moribundo” ainda continuar “vivo” era a bandeira que o
animava, como alma ou espírito que habitasse seu corpo. Um marinheiro, porém, se adianta
lentamente, comovido, e faz descer o estandarte nacional, que, tremulante, chega-lhe às mãos.
Coelho Netto (1926, p. 59), num vislumbre poético, sente-lhe a morte na agonia do navio que
vai perdendo a alma: “Arfa o cruzador nas ondas, como um corpo estrebucha”. Está
consumado: “Fôra-se-lhe a alma. Quedou morto”. A mera aposentadoria do navio ganha ares
de funeral, tudo por causa da bandeira que acabava de ser retirada de seu mastro.
179
Sua conclusão moral é esta: “Patricios, assim como a bandeira arriada do tope do
mastro, deixou morto o navio, assim succederia á Patria se não houvesse homens que a
defendessem e mantivesse no alto [...]” (COELHO NETTO, 1926, p. 60). A bandeira,
portanto, é um dos símbolos mais representativos no estudo da temática nacionalista em
Coelho Netto, a ponto de se confundir com a própria pátria a qual ela tão-somente representa.
2.4 BRASIL: “OS QUE VÃO MORRER TE SAÚDAM!”
Se o trecho entre aspas, na frase em epígrafe, é originário do Mundo Antigo, quando
os gladiadores, no preâmbulo das lutas nas arenas, diante da autoridade imperial e da
possibilidade iminente da morte, proferiam palavras tais, carregadas não de amor sacrificial
pelo imperador de Roma, nem do simples desejo de morrer, mas de resignação pela própria
vida; os exemplos que passaremos a citar dão mostras de resignação afim e de amor pela
Pátria, que foram convites aos homens do passado mediante a pena e a voz de Coelho Netto,
para defender o Brasil sob quaisquer circunstâncias, assim na guerra como no comportamento
pessoal.
Como na preleção aos reservistas do Tiro de Guerra 525, de Imprensa, em 19 de
julho de 1920, quando lhes disse: “Amaveis e hospitaleiros com os que buscarem de boa
avença, se a Patria, porém, exigir de vós o sacrificio, que é honra, não hesiteis um instante, ide
ao vosso dever, pelo som do clarim, seguindo a bandeira desfraldada [...]” (COELHO
NETTO, 1926, p. 43). E esse sacrifício de que a pátria seria merecedora anda, na sua voz, por
diversas trilhas, começando pela ideia plural de que o Brasil é uma nação soberana.
2.4.1 “Os estrangeiros e nós”
Comecemos este subitem pela ideia de soberania, que tem a ver com autoridade, com
poder supremo e indivisível, com relações de poder entre nações e instituições supranacionais.
Maria Izabel Oliveira (2009, p. 264-269) discute, em sua tese, a questão da soberania, e
aponta debates e doutrinas desde a Idade Média, envolvendo poderes como o Sacro Império
Romano e a Igreja Católica, além de intelectuais como Marcílio de Pádua, Guilherme de
Occam e Dante Alighieri, até chegar aos debates em torno do conceito moderno de soberania,
com Jean Bodin, Hugo Grócio, Thomas Hobbes e Baruch Spinoza, nos séculos XVI e XVII.
O conceito moderno de soberania foi teorizado pela primeira vez por Jean Bodin, em
Os seis livros da República, especialmente no Livro I, cap. 8. Ali, conceitua soberania como
180
um poder absoluto e perpétuo de uma República (termo equivalente a Estado), não havendo
lei humana, nem do próprio príncipe, que possa limitar o poder do soberano, poder absoluto,
indivisível, supremo internamente, independente externamente. Grócio, por sua vez, limitavaa à lei, divina e naturalista. Hobbes postulava pela soberania do Estado (o Leviatã),
independentemente de quem o ocupe. Já Spinoza, que partilha da teoria hobbesiana em muitos
aspectos, porém, mais conservador politicamente, defendia a soberania em nome da lei e da
ordem (OLIVEIRA, 2009, p. 266-267).
Com Jean-Jacques Rousseau, no século XVIII, um dos arautos do pensamento
político moderno, sobretudo em termos de democracia, cuja obra foi inclusive requisitada na
Revolução Francesa, passou-se a compreender a soberania como atributo pertencente ao
“povo”, à coletividade, não ao indivíduo. “A fundamentação do Estado rousseauniano é a
vontade geral, que surge do conflito entre as vontades particulares de todos os cidadãos”
(ANDRIOLI, 2003). Ele defendia que o pacto social, através do qual um povo torna-se povo,
é o alicerce da sociedade, e sua efetiva participação garantiria o bem comum e a salvaguarda
dos direitos e interesses da coletividade, constituindo-se o exercício da vontade geral a
verdadeira soberania: “Digo, portanto, que, não sendo a soberania mais que o exercício da
vontade geral, não pode nunca alienar-se; e o soberano, que é unicamente um ser coletivo, só
por si mesmo se pode representar. É dado transmitir o poder, não a vontade” (ROUSSEAU,
2004, p. 39). A soberania do povo é inalienável, porque está acima das vontades individuais e
dela não se pode abrir mão de forma alguma. E é também indivisível:
A soberania é indivisível, pela mesma razão de ser inalienável. Porque ou a vontade
é geral, ou não; ou é a do corpo do povo, ou só de uma parte dele. No primeiro caso,
a vontade declarada é um ato de soberania e faz lei. No segundo, não é mais que
uma vontade particular, ou ato de magistratura; é, quando muito, um decreto
(ROUSSEAU, 2004, p. 40).
Andrioli (2003) vê o filósofo francês como contratualista distinto de outros do seu
tempo, principalmente pela forma como defendia a representatividade direta do povo no ato
legislativo, impondo sua vontade na formulação das leis que governam o próprio povo. Como
corpo político (ou República), o povo assume a forma de soberano e de Estado, de cidadão e
de súdito:
República e corpo político são sinônimos. Quando o povo está reunido, em
assembléia, este constitui o soberano mas, após as deliberações, o corpo político
assume a forma de Estado, fazendo com que o povo cumpra o que ele mesmo
estabeleceu. Soberano e Estado assumem a forma de poder quando se comparam
com seus semelhantes, outros Estados. O corpo político é constituído de cidadãos e
181
súditos: cidadãos enquanto participantes da atividade soberana (ativos); súditos
enquanto submetidos às leis do Estado (passivos) (ANDRIOLI, 2003).
Em suma, uma breve explanação da soberania em Rousseau, que se reflete
parcialmente no projeto republicano de democracia. “Atualmente, mediante o princípio
nacional, afirma-se o Estado popular, afirma-se, em outras palavras, o Estado cujo
fundamento é a soberania popular”, ou seja, “O movimento nacional luta para que se
reconheça o direito que cada povo tem de se tornar dono de seu próprio destino” (LEVI, 1998,
p. 799).
Desta maneira, ele persegue dois objetivos, um interno e outro internacional. No
plano interno, luta para proporcionar aos povos a consciência de sua unidade
mediante a atribuição a todos os indivíduos dos mesmos direitos democráticos; desta
forma, os indivíduos adquirem competência para participar na definição da política
do Estado. No plano internacional, o princípio da autodeterminação dos povos
possbilita a realização da independência e o estabelecimento de uma política exterior
do Estado fundamentada na vontade popular, sem interferências de outros Estados
(LEVI, 1998, p. 799).
Com relação ao Brasil, o poder soberano existente no Império era comprometido
com uma árvore genealógica e com uma elite dirigente herdeira da colonização portuguesa,
diferente do que pretendia ser a República fundada em novembro de 1889. Segundo Lúcia
Lippi Oliveira (1990, p. 88), “O processo de construção de uma República envolveu a
construção de uma nova soberania. A teoria da soberania – a idéia de um poder que constitui a
comunidade política – pressupõe o poder do Estado além e acima de qualquer outro poder”.
Os indivíduos por si só não podem formar um corpo político, ainda que congregados no
mesmo território, necessitando de um poder que os ajunte e coordene. Como diz Gerard
Lebrun: “não há comunidades sem unificação – não há unificação sem soberania –, mas
também não há soberania sem poder absoluto” (apud OLIVEIRA, 1990, p. 88).
Sendo assim, o Brasil, como país soberano, regido pelas próprias leis, supremo em
seus domínios e independente em relação às demais nações, não poderia ficar à mercê da
vontade alheia, nem deveria aceitar intromissões nos seus negócios ou decisões arbitrárias que
interferissem nos seus assuntos internos, nem que seu território fosse invadido ou usado a belprazer pelos poderes estrangeiros. Coelho Netto defendia tudo isto com bastante convicção.
Clamando pela soberania nacional, sempre que podia, o escritor rejeitava atitudes
submissas do Brasil em relação a outros países. Na sua prosa de ficção e nas crônicas, há
muitos exemplos disso. Só para ilustrar um desses exemplos, citamos o caso em que ele
repudia a ação dos Estados Unidos de “despejar” indiscriminadamente no Brasil “a gente
182
negra”, milhares de indivíduos africanos e de ascendência africana dos quais eles, os
americanos (brancos), queriam apenas e simplesmente se livrar, fazendo uma limpeza racial
pelo viés da subserviência internacional. E por mais que o tema fosse delicado, e o seria ainda
hoje, como nas questões de imigrações clandestinas e na xenofobia, Coelho Netto não fugiu
do debate; e na crônica “Repulsa” (Jornal do Brasil, 31 jul. 1921), reunida em Fréchas, sobre
a relação entre Brasil e África, sobretudo no contexto da escravidão, conclui criticando a
postura norte-americana, que antes intentara o mesmo em relação aos filipinos, os quais
rejeitaram o ato americano de fazer imigrar à força e clandestinamente pessoas indesejáveis
na lógica racista que operava à época naquele país, cujos efeitos ainda estão bem presentes
nos dias hodiernos. Diz Coelho Netto (1923, p. 13):
O que foi repelido pelos filipinos é o que agora nos impõem os milhardários
“yankees” e para vazadouro dessa humanidade repudiada Tio Sam, correndo os
olhos pelo mundo, só achou uma nação capaz de ser o seu monturo: a nossa; e,
desde logo, ajuntando o rebutalho, escolheu Mato Grosso para esterquilínio. /
Felizmente houve na Câmara quem protestasse contra a afronta, que outra coisa não
é o projeto dos capitalistas do dólar, que, escumando a América do que a polui,
lançam sobre o Brasil o dejeto infamante. / Não nos levemos por sentimentalismos
piegas: o caso não é para piedade, mas para repulsa altiva.
A soberania nacional, para Coelho Netto, começa com o não se abrir
demasiadamente às demais nações, priorizado sempre a “raça” brasileira, isto é, os filhos da
terra, sem levar em conta seus fenótipos. Nesse quesito, por exemplo, e sem querer
aprofundar a questão, não sabemos até que ponto ele era simpático à ideia de imigração, que
tomou conta do Brasil de maneira mais incisiva a partir das datas simbólicas de 1888 e 1889.
Se não tinha antipatia pela imigração, pelo menos, e veremos mais à frente, desprezava a ideia
de branqueamento da população e ao fato de o estrangeiro contribuir para a destruição dos
costumes nacionais, da corrupção da língua portuguesa (solecismos, galicismos, barbarismos,
etc.), de tomar o lugar dos naturais e de poder agir como bem entende, desmatando florestas e
outros males, por exemplo.
Octávio Ianni (2004, p. 128) afirma que com o fim da escravidão e a mudança de
regime, “o poder estatal passa às mãos da oligarquia cafeeira, que já se achava apoiada no
colonato de imigrantes europeus. Para essa oligarquia, o índio, o negro e mesmo o branco
nacional eram colocados em segundo plano. Valorizava-se o imigrante”. Estatisticamente
falando, foi grande o fenômeno das sucessivas imigrações, que introduziram no país milhões
de europeus e também de asiáticos, da década de 1880 à de 1930.
183
Boris Fausto (2008, p. 275) coloca a imigração como uma das principais mudanças
socioeconômicas ocorridas no Brasil naquele período, juntamente com a industrialização, a
urbanização e outras. O país foi um dos que mais receberam europeus (principalmente
portugueses, italianos, espanhóis e alemães) e asiáticos (sobretudo japoneses), que vieram a
este continente em busca de oportunidades de trabalho e de ascensão social. Diz o velho
historiador que:
Cerca de 3,8 milhões de estrangeiros entraram no Brasil entre 1887 e 1930. O
período de 1887-1914 concentrou o maior número, com a cifra aproximada de 2,74
milhões, cerca de 72% do total. Essa concentração se explica, entre outros fatores,
pela forte demanda de força de trabalho para a lavoura de café, naqueles anos. A
Primeira Guerra Mundial reduziu muito o fluxo de imigrantes, mas após o fim do
conflito (1918) constatamos uma nova corrente imigratória que se prolonga até 1930
(FAUSTO, 2008, p. 275).
Se, a princípio, o incentivo à imigração servia como propaganda pela reposição do
braço vago na lavoura, devido ao fim legal do trabalho escravo, por outro lado, havia nas
entrelinhas uma questão mais complexa. Diz-nos Ianni (2004, p. 128) da valorização do
imigrante, que esta implicou “a proposta de europeização, isto é, de branqueamento da
população”, que, por sua vez, fazia parte de um pacote daquilo que ele chama de “marcha da
revolução burguesa”; esta, sob o lema positivista aposto na bandeira nacional, rumou
massacrando os pobres de Canudos e os do Contestado (IANNI, 2004, p. 129).
A teoria do branqueamento da população brasileira é consequência de uma série de
discussões sobre ciência, raça e sociedade. Passa por Vico (séc. XVIII) e Spencer (séc. XIX),
que dividiram a humanidade em idades, e por dois trabalhos de enorme peso: Ensaio sobre a
desigualdade das raças, de Arthur de Gobineau (1853); e A origem das espécies, de Darwin
(1859), pioneiro da evolução biológica (seleção natural das espécies), que influenciou a
teorização de outros tipos de evolucionismo, como: o histórico, de que é exemplo a doutrina
positivista de Comte (a humanidade passaria por três etapas na escala evolutiva: teológica,
metafísica e científica, além dos conceitos de atraso e progresso); o antropológico,
exemplificado pela Teoria de Morgan (1877), segundo a qual a humanidade passaria também
por três etapas progressivas: selvageria, barbárie e civilização; e o social, popularizado por
Herbert Spencer, que acreditava que as sociedades evoluem através do conflito e da
competição (CARVALHO, 2006, p. 55).
Quando o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro abriu concurso para premiar
quem melhor dissertasse sobre “Como se deve escrever a História do Brasil”, foi um
estrangeiro quem o venceu, o alemão Karl Phillip von Martius, que, em 1844, propôs, entre
184
tantas coisas, que deveria ser dito que a sociedade brasileira é formada pela união das três
matrizes étnicas que a compõem: o índio, o branco e o negro. Oito anos depois, Francisco
Adolfo de Varnhagen, considerado o fundador de nossa história oficial, mesmo operando por
uma lógica etnocentrista e europeizante, demonstra, nas páginas de sua eloquente História do
Brasil, os indícios da cooperação entre as três raças, em prol do Brasil, nos eventos da
expulsão de franceses e, principalmente, de holandeses do Brasil (LESSA, 2008, p. 245). A
discussão voltaria algumas décadas depois com Sílvio Romero. Mas os debates que se seguem
não foram tão pacíficos ou harmoniosos.
No Brasil, a teoria de Gobineau, apologista do colonialismo europeu e da escala da
humanidade em raças superiores e inferiores, encontrou adeptos rapidamente, inclusive pelo
fato de ele ter morado no Rio de Janeiro, servindo à diplomacia, e, próximo à Corte, chegou a
dar conselhos a D. Pedro II. Dizia ele que a mestiçagem, a mistura das “raças”, que geraria
pardos e mestiços, era um fator de degenerescência das raças superiores, e que o Brasil,
portanto, era um país sem futuro (pela grande quantidade de indivíduos negros e mestiços),
condenado ao atraso, à esterilidade e ao desaparecimento. O único antídoto a ser empregado
era uma mestiçagem às avessas, pela predominância do elemento branco-europeu. Seu
principal discípulo no Brasil foi o médico e antropólogo maranhense Raimundo Nina
Rodrigues.
No período de 1870 a 193099, o Brasil virou um verdadeiro laboratório racial, onde
juristas, escritores, naturalistas e médicos discutiam a questão, transitando por microtemas
como escravidão, humanidade, evolução, branqueamento, etc. A tese do branqueamento da
população, na lógica proposta por Gobineau, era presumida da superioridade da “raça”
branca, e seria a solução para o Brasil continuar no trilho da civilização, e essa concepção
racista gerou teorias extremamente violentas, como a eugenia racial e o arianismo (nazista). E
a forma mais prática de atingir esse fim seria a imigração europeia e seu consequente
alastramento, inclusive para misturar-se sucessivamente, com sua predominância:




branco + negro = ½ branco ou ½ negro;
branco + ½ branco ou ½ negro = ¾ branco ou ¼ negro;
branco + ¾ branco ou ¼ negro = 7/8 branco ou 1/8 negro;
branco + 7/8 branco ou 1/8 negro = branco.
Isto é, em poucas gerações, o negro simplesmente desaparecia. A tese era ideal
naquele contexto elitista e racista brasileiro. Vários intelectuais são citados como adeptos
99
Tanto o historiador brasilianista norte-americano Thomas Skidmore (1989), quanto a antropóloga brasileira
Lília Schwarcz (1993), estudam a questão racial na sociedade brasileira abordando exatamente esse período.
185
dessa teoria: Sílvio Romero, Euclides da Cunha, Afrânio Peixoto, Clóvis Bevilácqua, Oliveira
Vianna, Arthur Ramos, Monteiro Lobato, Gilberto Freyre, Paulo Prado, etc. A própria
República, logo no seu início, ajudou nesse processo, através do Decreto n.º 528, de 28 de
junho de 1890, assinado pelo Marechal Deodoro e pelo Ministro da Agricultura Francisco
Glicério, pelo qual se regularizava a introdução e localização de imigrantes no Brasil. No
entanto, carregava uma notável vedação aqui digna de registro:
Art. 1.º – É inteiramente livre a entrada, nos portos da Republica, dos individuos
válidos e aptos para o trabalho, que não se acharem sujeitos á acção criminal do seu
paiz, exceptuados os indigenas da Asia, ou da Africa que sómente mediante
autorização do Congresso Nacional poderão ser admittidos de accordo com as
condições que forem então estipuladas.
Art. 2.º – Os agentes diplomaticos e consulares dos Estados Unidos do Brazil
obstarão pelos meios a seu alcance a vinda dos immigrantes daquelles continentes,
communicando immediatamente ao Governo Federal pelo telegrapho quando não o
puderem evitar.
Art. 3.º – A policia dos portos da Republica impedirá o desembarque de taes
individuos, bem como dos mendigos e indigentes.
Art. 4.º – Os commandantes dos paquetes que trouxerem os individuos a que se
referem os artigos precedentes ficam sujeitos a uma multa de 2:000$ a 5:000$,
perdendo os privilegios de que gozarem, nos casos de reincidencia (grifos nossos).
A intenção dessa norma parece ser clara: a cor da pele da população não podia
continuar escurecendo. A República disciplinava seu racismo. Mas o fato é que a imigração
foi uma realidade, e a teoria do branqueamento rondou por muito tempo a mentalidade de
muitos intelectuais brasileiros, até ser superada nos meios acadêmicos e científicos. Quanto a
Coelho Netto, a forma como ele se coloca nessa discussão sobre imigração e teoria do
branqueamento é de fato interessante. Parece mesmo não gostar da ideia de imigração quando
esta gera problemas para os naturais da terra.100 Em Banzo, coletânea de novelas de 1912,
Coelho Netto (1912, p. 9) põe na boca de Sabino, “o negro mais velho d’aquellas redondesas,
desde a Barra até o Paty”, as seguintes palavras de desagrado à imigração italiana nos
arredores, que trazia desconforto e prejuízo aos habitantes da localidade:
E lastimava as crianças, nascidas tarde, numa era mesquinha, e de melancolia, com o
mundo velho, desconsolado e vasio. Attribuia todos os males da terra e a tristeza do
ceu ao colono branco. Odiava-o. Se avistava algum na estrada, desviava-se, deixavao passar e voltava-se seguindo-o com o olho até perdel-o de vista. / Era o usurpador
que entrara apoderando-se de tudo, destruindo o que elles haviam feito, matando a
terra, espalhando a tristeza. Gente amaldiçoada! Não podia admittir que um branco
entrasse num cafesal de enxada, carpisse, colhesse, rodasse café no terreiro e
jungisse bois ao carro e atrelasse mulas ao troly, morasse em palhoças, dançasse nas
eiras, rezasse na capella, moesse canna, plantasse mandioca. / Não compreendia que
um italiano, como seu Amati, que elle conhecera esfrangalhado, sem vintem,
chegasse a ser dono de fazenda. / Não, a terra era d’elles que a desbravaram e
100
Sugerimos a leitura de um texto sobre monocultura (café) e colonos (europeus), publicado em A bico de
penna (COELHO NETTO, 1919a, p. 5-14).
186
plantaram para os senhores. E os brancos abriam negocios, compravam sitios,
montava officinas, até governavam como seu Barbosa, um ilheu, que mandava num
mundo de gente no tempo das eleições. / E os negros morriam de fome nos
caminhos, não tinham onde morar, ninguem os queria, eram perseguidos [...]
(COELHO NETTO, 1912, p. 24-26).
O colono europeu é aqui visto, por Coelho Netto, como um “usurpador que entrara
apoderando-se de tudo”, destruindo o que a gente da terra havia feito. Enquanto, no decorrer
do tempo, os colonos enriqueceram, passando a donos de fazendas, diz o personagem Sabino,
“os negros morriam de fome no caminho...”. Isto aproxima o escritor de outro intelectual
nacionalista, contemporâneo seu, Alberto Torres, que, em A organização nacional, teceu
várias críticas à política de imigração adotada no Brasil. Citamos aqui alguns trechos que
ilustram bem seu pensamento a esse respeito: “Se a sede de fortuna arremessou para as nossas
costas seus primeiros povoadores, a idéa de ganho, senão tambem o desejo de enriquecer, é
ainda o motor das immigrações contemporâneas” (TORRES, 1914, p. 97). E,
Os problemas do desenvolvimento da população nunca foram estudados no Brasil.
Iniciámos a colonização na crença de que importar gente equivale a povoar, e,
preoccupados com a idéia de povoar, vamos introduzindo immigrantes — sem
grande cuidado, aliás, na seleção e localização. Esta obsessão de povoar a todo
transe e rapidamente o nosso solo, como se as nações se formassem por alluviões ou
por avalanches de gente, é uma das phantasias com que nos embriaga a miragem
suggestiva das grandes nações (TORRES, 1914, p. 78).
Voltando à frase do velho Sabino, notamos o problema que ali se anuncia: a situação
dos ex-escravos após a Abolição. Sem uma política voltada para a integração desses
indivíduos no seio da sociedade, eles continuariam a viver à margem. “Ao ex-escravo, quando
analfabeto, restaram duas alternativas: incorporar-se à pobreza urbana na busca de uma
oportunidade de sobrevivência ou integrar a miséria rural, quer como morador no latifúndio
quer como agricultor itinerante na fronteira agrícola” (LESSA, 2008, p. 253). Lembra também
a robusta passagem de Alberto Torres (1914, p. 143):
Da abolição, não sentimos senão estas duas cousas: enthusiasmo por uma idéa
liberal, de cunho humanitario, e uma impressão de interesse sentimental pelo negro,
sujeito ao jugo. Num e noutro destes impulsos, nem o amor pelo negro, nem zelo por
sua sorte, predominava, senão, das fórmas do sentimentalismo emotivo, o mais
superficial. A organização do trabalho não foi, absolutamente, por outro lado,
objecto de cuidados. Importar colonos para acudir á solicitação dos fazendeiros, eis
a unica providencia tomada; mas isto, longe de ser obra de organização, é uma das
mais graves molestias da nossa vida economica. O negro sahiu do captiveiro, para o
aviltamento, para o alcoolismo, para a miseria; e o trabalho deixou de estar
incumbido a essas machinas de carne e osso, para passar ás mãos de outros
instrumentos, pouco menos servis, mas que, resgatam, com pesado exgotto de
capitaes e gravissimas desordens na circulação monetaria, a agrura da posição em
que se encontram.
187
Até mesmo quando se põe a falar do idioma pátrio, o autor do Breviário cívico não
deixará de provocar o colono estrangeiro, embora apenas de relance no exemplo: “consentirá,
com o mesmo descaso, que estrangeiros lhe dominem as terras [...]” (COELHO NETTO,
1921, p. 16).
Quando Graça Aranha publicou seu romance Canaã, em 1902, com seus dois
protagonistas, Milkau e Lentz, imigrantes alemães, Coelho Netto foi um dos que viram na
ficção uma espécie de propaganda do branqueamento da população. No texto “A nova raça”,
publicado em A bico de pena (1904), Coelho Netto (1919a, p. 113-120) comenta a situação
das pessoas que perderam suas terras para credores, da situação de miséria em que muitos
fazendeiros e agricultores ficaram, após a política de imigração. Ele diz: “Muitas das antigas
fazendas são hoje taperas ermas – o matto reconquistou, palmo a palmo, o terreno que lhes
fôra tomado” (COELHO NETTO, 1919a, p. 115). E reclama:
Os que lucram são aquelles que lá andam pelos lançantes dos morros, homens,
mulheres e crianças louros, como os temidos germanos de Tacito – são os
conquistadores, que entraram submissamente como colonos e que, com a vida
sobria, accumulando os salários, vão conseguindo impor-se, adquirindo lotes de
terras, que elles mesmos revolvem e semeam. São os donos do futuro, é a geração
nova, que se impõe pela força e pela perseverança. / No dia em que o fazendeiro
exgotta o ultimo recurso o colono levanta a cerviz e é vêl-o, então, dominando,
como para desforrar-se do tempo da obediencia passiva, ditando leis, assediando a
casa senhorial, a exigir com armas e affrontas (COELHO NETTO, 1919a, p. 116).
E arremete-se contra Graça Aranha (COELHO NETTO, 1919a, p. 117):
Quando li as palavras acerbas do livro presago de Graça Aranha senti que o meu
patriotismo, revoltado, protestava contra aquelles augúrios cruéis do allemão
Milkau: / “É provavel que o nosso destino seja transformar, de baixo a cima, este
paiz, de substituir por outra civilisação toda a cultura, religião e as tradições de um
povo. É uma nova conquista lenta, tenaz, pacifica em seus meios, mas terrivel em
seus projectos de ambição. É preciso que a substituição seja tão pura, e tão
luminosa, que sobre ella não caia a amargura e a maldição das destruições. E ora nós
somos apenas um dissolvente da raça d’este paiz. Nós penetramos na argamassa da
nação e a vamos amollecendo, nós nos misturamos a este povo, matamos as suas
tradições e espalhamos a confusão!... Ha uma tragedia na alma do brasileiro, quando
elle sente que não se desdobrará mais até ao infinito. Toda a lei da criação é crear á
propria semelhança. E a tradição se rompeu, o pai não transmittirá mais ao filho a
sua imagem, a lingua vai morrer, os velhos sonhos da raça, os longinquos e fundos
desejos da personalidade emmudeceram, o futuro não entenderá o passado”.
O patriotismo de Coelho Netto rejeitava aquilo. Ele via com preocupação a
possbilidade de desaparecimento dos negros da nação brasileira, porquanto componentes
fundamentais da sua formação, e ainda a língua e as tradições brasileiras:
188
Os berços lá estão ao fundo das casas – são os novos homens. Onde, antigamente,
chorava, em farrapos, o creoulinho nú, filho do escravo, vage agora o bambino
rosado e louro, abençoado por este sol admiravel. Vai-se a lingua cruzando –
vocabulos exoticos resoam estranhamente em phrases portuguesas, é a lenta invasão
da palavra; já se não ouve o resôo soturno dos tambores nagôs, agora é o estrepitar
das castanholas, ou o sonoro adufar nas soalhas dos pandeiros napolitanos. / Nos
terreiros de congáda dança-se a tarantella e as tradições brasileiras vão
desapparecendo. Pouco a pouco uma nova raça surge e a humílima e dessorada
geração, enfraquecida pela abastança desordenada, cede aos sadios o terreno, como
os romanos da decadencia cederam aos robustos barbaros.
Eulálio de Oliveira Leandro (2003, p. 267-284) faz um contraponto entre Coelho
Netto e Graça Aranha, em suas visões antagônicas acerca de “raça”. Diz ele: “Coelho Neto,
escritor mestiço que assumira a luta em defesa do povo negro desde as campanhas
abolicionistas sentia-se insultado no seu nacionalismo com a obra de Graça Aranha”
(LEANDRO, 2003, p. 268). Diz que quando Coelho Netto publicou Banzo, em 1912, fez de
fato críticas à política de imigração, como citamos há pouco, mas o fato curioso do livro é que
o nome do personagem Sabino era uma homenagem irônica a Graça Aranha, pois Sabino era
o nome do escravo doméstico do autor de Canaã, que o ensinou a montar a cavalo, a contar
histórias e era seu acompanhante na Faculdade de Direito do Recife (LEANDRO, 2003, p.
270). Mas a resposta mais concreta de Coelho Netto veio com a publicação de Rei negro, em
1914, que Leandro (2003, p. 273) afirma que era o oposto de tudo o que estava em Canaã:
Em Canaã, o problema crucial do Brasil era a inferioridade da raça, por isso é que o
autor faz exaltação da raça germânica. Em Rei Negro e em outras obras, o problema
do Brasil não é a questão da raça, pelo contrário, Coelho Neto está sempre
mostrando a força do povo negro na construção do Brasil. Era necessário que se lhe
dessem os meios, por exemplo, a terra e outros subsídios para ver a prosperidade do
povo negro.
Coelho Netto, como muitos intelectuais de outrora, busca um tipo ideal de brasileiro
ou que melhor identifique o Brasil. Em seu Breviário cívico e em Orações, ele encontra no
homem do interior esse tipo: “O interior é que é, verdadeiramente, a Pátria: lá é que pulsa o
coração da nacionalidade” (COELHO NETTO, 1921, p. 90; 1926, p. 181). E na crônica “O
seu a seu dono” (A Noite, 1 dez. 1921), que está em Às quintas, ele diz:
Quem quiser conhecer o brasileiro rastreie-lhe as pegadas destemerosas por esses
transvios sertanejos, procure-o nas levas dos mineiros que se entranham na terra;
busque-o nos rios, nos aguaçais e marnotas do Amazonas, e nas campinas criadoras
do Sul; siga-o por entre os cerrados de Mato Grosso e nos gerais goianos e pasmará
diante da obra formidável desse titã a que só faltará, para avultar em herói, a
arrogância emproada (COELHO NETTO, 2007, p. 118).
189
Quando Coelho Netto discursava na Câmara, em 16 de agosto de 1909, por ocasião
da morte de Euclides da Cunha, ele disse:
É com uma grande saudade, senhores, que eu, amigo de Euclydes da Cunha, falo á
Camara dos Deputados; é com um grande pezar que eu, brasileiro, refiro-me a este
nome. É com a gratidão de sertanejo, com a alma de filho das terras interiores deste
paiz, que agradeço áquelle beneficiador dos simples no livro primoroso que veiu
mostrar á nossa Patria que lá dentro, nessas regiões ainda mysteriosas, ha uma raça
forte, a dos soffredores, dos trabalhadores, dos que plantam e colhem, dos que vão á
peleja, dos que exploram as regiões maninhas do Norte, a raça que integra o
patrimonio do Brasil, a raça do caboclo, que tem naquelle livro o seu grande poema
de reivindicação de direitos, que tem naquella obra o protesto contra o esquecimento
do sul, protesto em que ella pede alguma coisa, a parte de amor que lhe cabe, como
filha, que é, desta terra; protesto que ella foi achar na penna desse homem, nascido
no Estado do Rio e que tanto amava as regiões do Norte, porque era o poeta da
simplicidade, da saudade, da natureza e principalmente dos humildes (COELHO
NETTO, 1919b, p. 23-24).
Talvez esse homem do interior não fosse tão vulnerável ao “mal” que, sempre que
podia, o escritor criticava, chamando-o “nossa xenomania ridícula” (COELHO NETTO,
2007, p. 218), isto é, a bajulação do brasileiro, sobretudo das elites, a tudo que o dizia respeito
ao estrangeiro, especialmente ao francês, nas artes, na literatura, na política, etc., mas
principalmente na imitação a hábitos, costumes, sotaques. Exemplos disso multiplicam-se nos
seus escritos.
Por exemplo, quando fez o discurso, na Câmara, em 1909, sobre o Theatro
Municipal, já citado neste trabalho, defendendo seu uso majoritário por companhias
nacionais, ele concluiu com estas palavras:
Deixemos a xenomania ridicula que nos está reduzindo á parvoíce da admiração
basbaque. / Abrimos as portas a tudo que vem do estrangeiro, admiramos quem quer
que venha, com titulo de poeta, prosador ou romancista, acolhemos tudo e ainda
acceitamos submissos o theatro depravado, sem idéal, sem lição, que não é arte, mas
imoralidade, veneno perigoso que se vai inoculando na alma da sociedade e levando
a degenerescencia, quando podiamos fazer alguma coisa que dissesse da nossa vida,
da historia, das nossas tradições, dos nossos costumes, onde palpitasse a nossa alma
ainda em flor e apparecesse a nossa poesia. A terra está livre, a alma tem ainda
grilhões. Somos um povo, não uma nacionalidade, porque o nosso espirito é
estrangeiro, a nossa Arte, onde se reflecte o caracter da raça, é dos que nos exploram
e dominam. É triste, é vergonhoso, é humilhante. E se o paiz fez a sua
independencia política, urge que a complete libertando a alma (COELHO NETTO,
1919b, p. 36).
E fixa bem o que entende por independência, nesta crônica (A Noite, 14 set. 1922):
Independência não consiste apenas em ter o senhorio do território, mas em sentir e
em fazer sentir a nacionalidade, em ter autonomia, em viver por si, e um povo que
não ama a sua terra, que não se orgulha da sua história, que não honra a memória
190
dos seus heróis, que não vibra com os altos feitos dos seus contemporâneos, que
pretere o seu vernáculo formoso pela primeira geringonça em que lhe tartamudeia a
língua, que deprecia o que lhe dá a natureza, será um povo arrincoado, mas não um
povo independente; terá solo, mas não pátria (COELHO NETTO, 2007, p. 218-219).
Esse tipo de nacionalismo, que em tudo privilegia o brasileiro e impõe restrições ao
estrangeiro, encontra coro em muitos autores do seu tempo, inclusive em modernistas, como
Menotti Del Picchia (1983, p. 117-119), em crônica de 1920:
Anda por aí, em plena voga, um nacionalismo berrado, com nuanças de jacobinismo.
Tem um lema: “O Brasil é dos brasileiros”. / Nada mais justo e mais louvável. A
César o que é de César. O Brasil é nosso, bem nosso, exclusivamente nosso. Isso
está na Constituição, na nossa história, desde 1822, nas páginas épicas da guerra do
Paraguai, no nosso sangue, nos nossos livros e nos nossos discursos. / [...] / Temos
muito prazer, muitíssimo até, em acolher em nosso seio esses elementos, quando são
ordeiros e respeitadores das nossas leis e costumes. / Quando não são, o remédio é
simples: porta da rua! O mesmo fariam e fazem eles – e com toda a razão – nas suas
terras de origem. / [...] / Num ponto estamos de acordo com esses “nacionalistas”: o
estrangeiro que não respeitar a ordem, o brio, as leis nacionais: rua! Eles hão de
convir que temos razão.
Na crônica “O polvo” (Jornal do Brasil, 18 dez. 1921), reunida em Frechas, Coelho
Netto (1923, p. 119-124) critica os abusos de uma grande empresa canadense fixada no Brasil,
e ataca a Doutrina Monroe, que pregava que a América era dos americanos, ou seja, que não
deveria haver intervenção de outro continente no continente americano, e isso, de certa forma,
era a afirmação da supremacia estadunidense no continente. Coelho Netto (1923, p. 123) diz:
“E assim se vai cumprindo a doutrina de Monroe, como a queria, certamente o grande
protector dos povos do Novo Mundo: A América para os americanos... do Norte”.
Por fim, na crônica “Flor de acanto” (A Noite, 15 dez. 1921), editada em Às quintas,
Coelho Netto (2007, p. 125-129) critica a atitude do Ministro da Guerra, que publicou no
boletim do ministério sua ordem para que fossem colocadas figuras da flor de acanto, antiga e
extinta flor da Grécia, no uniforme do Exército. O escritor repudia a decisão por considerá-la
incongruente, devido ao fato do Brasil ser um país florestal, de ter milhares de diferentes
vegetais, não precisando ir buscar no exterior uma flor, ainda por cima extinta, para lhe
ilustrar o uniforme militar. Ele conclui falando de um complexo de inferioridade, que
lembraria muito o “complexo de vira-latas” desenvolvido por Nelson Rodrigues nos anos
1950, para falar do futebol brasileiro em relação às Copas do Mundo: “Enfim... cada povo
com a sua mania: a de uns é julgarem-se superiores a todos os outros, a nossa é a de não
valermos nada. Um país florestal a pedir folhas emprestadas. Está regulando, não há dúvida”
(COELHO NETTO, 2007, p. 129).
191
Mesmo assim, quando Coelho Netto quer pensar a ideia de nação, tenta vislumbrar
todo um sentido tateando elementos diversos de civilizações antigas, buscando no exemplo
aquilo que pode ser útil e tomado como ideal. Por isso, quando se põe a falar de
nacionalidade, não esquecerá os exemplos da Grécia, nem da Itália, nem ainda de Portugal
(COELHO NETTO, 1913, p. 25-28). Tudo com o fim de fortalecer a nacionalidade brasileira,
composta pelo povo que chama simplesmente de “raça”.
2.4.2 Guerras e defesa nacional
Aqui temos o objetivo de observar e compreender o nacionalismo de Coelho Netto à
luz do fenômeno destrutivo das guerras. Uma ótima oportunidade que temos de flagrá-lo
discorrendo sobre o assunto se deve ao fato de ele ter sido contemporâneo da I Guerra
Mundial, nome consagrado ao conflito travado quase todo em solo europeu no período de
1914 a 1918, que opôs nações organizadas através da política de alianças.101
Muitas causas são levantadas para o grande conflito, entre elas a expansão industrial
e comercial alemã, que começava a rivalizar com o poderio inglês e a assustar os franceses,
especialmente quanto à factível possibilidade da Alemanha anexar ao seu império pequenos e
estratégicos territórios do continente, como Bélgica e Holanda, prejudicando os interesses da
Inglaterra. Quanto às causas políticas, “desempenhou papel proeminente o nacionalismo”
(BURNS, 1978, p. 835). A ascensão da democracia e do nacionalismo na Grã-Bretanha, na
França, na Europa Central e na Europa Oriental, somada aos movimentos em favor da
reforma social, do novo imperialismo e da política de poder e a paz armada (de 1830 a 1914),
são utilizados para explicar o contexto antecedente à Guerra (BURNS, 1978, p. 709-761).
Hélio Silva (1998, p. 142) lembra ainda que a Alemanha e seu aliado Império ÁustroHúngaro procuravam “abafar as aspirações nacionalistas dos poloneses, tchecos, romenos e
italianos”. Outras questões, como Marrocos e Alsácia/Lorena, territórios reivindicados por
França e Alemanha, a crise balcânica, e as doutrinas do pan-germanismo e do pan-eslavismo,
estão também entre as causas da guerra.
Edward Burns (1978, p. 831) observa que o período de 1830 a 1914, visto como uma
suposta era gloriosa da ciência, democracia e reforma social, possuía características
completamente alheias a todos os avanços nessas áreas. Ele diz: “Sendo uma época de
101
Tríplice Aliança (formada em 1882, por Alemanha, Império Áustro-Húngaro e Itália), depois acrescida do
Império Turco-Otomano (1914) e Bulgária (1915); e Entente Cordiale (criada em 1904, por Rússia, França e
Inglaterra), acrescida durante a Guerra por Bélgica, Sérvia, Japão, Portugal, Montenegro, Romênia, Brasil,
Estados Unidos e a trânsfuga Itália, dentre outros países.
192
democracia, o foi também de imperialismo. Se é verdade que nunca se despendeu tanto
dinheiro no interesse do bem-estar social, as verbas militares e navais também aumentaram
enormemente”. E completa: “A despeito dos notáveis avanços no campo da ciência e da
educação, superstições cruéis e insensatas continuaram a medrar onde menos seria de esperar.
O nacionalismo agressivo e belicoso alastrou-se como uma peste” (BURNS, 1978, p. 831).
Respiravam-se, portanto, rumores de guerra, quando ocorreu o assassinato do
Arquiduque Francisco Ferdinando, herdeiro do trono da Áustria, e de sua mulher, na cidade
bósnia de Sarajevo, no dia 28 de junho de 1914, pelas mãos de um estudante bósnio. “Foi a
faísca lançada no barril de pólvora das suspeitas e ódios acumulados” (BURNS, 1978, p.
845). Um mês depois, o Império Áustro-Húngaro declara guerra à Sérvia. No dia 6 de agosto,
França, Inglaterra, Rússia, Bélgica e Alemanha também já estavam empenhadas no conflito;
após quatro anos, trinta e cinco nações poderiam dizer que se envolveram diretamente com o
evento (RÉMOND, 2005, p. 25), que foi debelado com a assinatura do armistício de 11 de
novembro de 1918, e deixou um resultado devastador: milhões de mortos e feridos, cidades
destruídas e nações arruinadas. Eric Hobsbawn (1995, p. 29-60), ante o gigantesco fenômeno,
faz uma leitura à luz do conceito de Guerra Total, por ele criado e através do qual vê as duas
Grandes Guerras como uma só, um processo de 31 anos (de 1914 a 1945) que marcaria
profundamente o seu breve século XX.102
Em 1919, a Alemanha, derrotada, foi condenada pelo tribunal das nações a assinar o
Tratado de Versalhes, pelo qual se obrigaria a: devolver a região da Alsácia-Lorena à França;
ceder outros territórios à Bélgica, à Dinamarca e à Polônia; entregar quase todos os seus
navios mercantes aos franceses, ingleses e belgas; pagar uma grande indenização em dinheiro
aos países vencedores; e reduzir o poderio militar de suas forças a 100.000 homens, no
máximo, sendo-lhe vedada a posse de aviação militar, submarinos, blindados ou encouraçados
modernos. O ressentimento desse vexame foi lembrado quando a Alemanha hitlerista
provocou a Segunda Guerra duas décadas depois. Na lavratura do mesmo tratado, foi possível
ainda desmembrar o Império Áustro-Húngaro e dar autonomia política a países como Polônia,
Tchecoslováquia e Iugoslávia.
Desde 1870, diz Silva (1998, p. 142), vivia-se um tempo romântico de relativa paz,
mas esse “período da belle époque” terminou com “aquele crime”. Espetáculo de horrores que
levou o Papa Bento XV a interpretá-lo escatologicamente como sinal dos tempos:
102
Hobsbawn, em A Era dos Extremos, denomina o Novecentos de “Breve Século 20” por entender que ele se
inicia em 1914, com o estouro da I Guerra Mundial, e termina em 1991, com a ruína da União Soviética e a
instauração de uma outra “era”, para usar o termo com o qual ele opera.
193
Como poderíamos não sentir o coração despedaçado com o espetáculo que apresenta
a Europa e, com ela, todo o mundo, espetáculo talvez o mais tétrico e mais lutuoso
na história dos tempos? / Parecem realmente chegados aquêles dias, dos quais Jesus
Cristo predisse: “Levantar-se-ão nações contra nações, reinos contra reinos”. O
tristíssimo fantasma da guerra domina por toda parte e quase não existe outro
pensamento que ocupe agora os espíritos. Nações grandes e prósperas, com horríveis
meios de destruição, mùtuamente se atacam em gigantescas carnificinas. / Nenhum
limite às ruínas, nenhum limite aos morticínios; cada dia a terra se ensopa em
sangue e cobre-se de mortos e feridos. / E quem diria que tais nações, umas contra
outras armadas, descendem do mesmo progenitor, que são tôdas da mesma natureza
e participantes da mesma sociedade humana! (BENTO XV apud THOMÁS, 1967,
p. 888).
Com tudo o que as Grandes Guerras ensinaram, Raymond Aron (1986, p. 386) diz
que se passou a acreditar que “as nações não libertaram os homens, mas os obrigaram às
‘guerras zoológicas’, para usar a expressão de Renan”. O nacionalismo agressivo, espalhado
como peste, na frase de Burns, foi usado por lideranças de países como pretexto para insuflar
as massas, transformando questões individuais em coletivas, pessoais em nacionais. Assim o
diz novamente Aron (1986, p. 386):
A vontade afirmada pelas nações tornou-se uma expressão de orgulho coletivo, uma
pretensão de superioridade. Como as nações soberanas estão engajadas numa
competição de potência, as conquistas tiveram sua intensidade aumentada, em vez
de ser atenuada. As guerras entre monarcas transformaram-se em guerra entre os
povos. Os homens passaram a acreditar que o destino das culturas era jogado nos
campos de batalha, juntamente com a sorte das províncias.
Por tudo isso, a I Guerra Mundial não podia passar despercebida no Brasil. Segundo
Lúcia Lippi Oliveira (1990, p. 145-158), o evento trouxe à ordem do dia a questão nacional; e
se antes se falou em nacionalismo brasileiro em termos de nativismo, ufanismo e integração
no mundo cosmopolita, agora se abria espaço a um novo tipo: o nacionalismo militante. A
busca por uma nova identidade e a recusa aos parâmetros de ordem biológica para
fundamentar teorias racistas passaram a ser a tônica, e a ideia de salvação nacional ganhou
matizes diversos. Discutiam-se problemas referentes à educação e à saúde, principalmente
estes dois, mas também sobre economia, industrialização, eleições, etc.
O novo momento era de crítica. Criticavam-se as elites políticas e intelectuais por
sua falta de consciência nacional, por sua postura diletante, por sua francofilia. A
questão que se colocava era: como o Brasil podia ser tão pobre e atrasado se seu
território era rico? Se a culpa de tal situação não era mais atribuída às raças e à
mestiçagem – ainda que tal interpretação persistisse –, quem então poderia ser
responsabilizado e o que teria que ser mudado? (OLIVEIRA, 1990, p. 147).
As respostas a essas questões acham-se nos diversos programas de diferentes
movimentos nacionalistas durante e após a Primeira Guerra: Liga de Defesa Nacional, Liga
194
Nacionalista de São Paulo, revista Brazílea, revista Gil Blas, Propaganda Nativista e Ação
Social Nacionalista (OLIVEIRA, 1990, p. 147-158), com propostas que iam do serviço militar
obrigatório à campanha de abstenção ao voto, do combate ao monopólio das empresas
estrangeiras no país à intensificação da alfabetização da população, da educação moral e
cívica ao fortalecimento da classe operária.
Se a Conflagração Europeia, como o conflito era chamado no Brasil, trouxe debates
variados nos meios intelectuais do país, o próprio fenômeno da guerra também havia de ser
discutido, especialmente pela posição que o país deveria tomar.
Lúcia Oliveira (1990, p. 118) diz que a Guerra de 1914 e a Revolução Russa de 1917
foram interpretadas por intelectuais brasileiros como indícios do colapso de uma civilização.
Desse modo, a Primeira Guerra teria propiciado a substituição da belle époque por uma nova
era, a da incerteza. As discussões ganharam maior espaço em 1915, quando a Alemanha
invadiu a Bélgica, fomentando um sentimento pró-Aliados entre os intelectuais brasileiros, a
ponto de ser fundada a Liga Brasileira pelos Aliados, capitaneada por Rui Barbosa. Em 1917,
quando houve os torpedeamentos sucessivos de cinco navios brasileiros: Paraná, Lapa, Tijuca,
Macau e Acari (THOMÁS, 1967, p. 886), por submarinos alemães, e o Brasil entrou
efetivamente na Guerra, houve mais discussões. Até aí, debatia-se, principalmente, a posição
do Brasil como expectador do evento e quais os efeitos práticos dessa postura, sobretudo em
termos econômicos, pois mantinha relações comerciais com alguns dos países envolvidos na
guerra, incluindo Inglaterra e Alemanha.
Tudo muda em 1917, que é considerado um ano crítico naquele contexto, tanto pela
entrada de alguns países americanos, bem como por causa da Revolução Russa, que ensejou
mudanças radicais na Rússia, um dos principais participantes do evento. Até então, falava-se,
em todo o continente americano, em neutralidade, e havia razões para isso:
A América nada tinha com as questões de política internacional que haviam
determinado o irrompimento do conflito na Europa. Assim, nos primeiros momentos
da guerra, os países do hemisfério ocidental se dispuseram a proclamar suas
disposições de manter irrestrita neutralidade. E, de certo modo, àquela época, ainda
era bem fácil poder manter tal atitude. A distância que nos afastava do teatro das
operações era uma garantia para a preservação da paz nos países americanos. A
União Pan-Americana nomeou uma Comissão Especial de Neutralidade. Era preciso
adotar medidas práticas de interesse geral de seus membros. Mas não havia uma
doutrina de neutralidade já formulada, para o caso de um conflito mundial. A luta
mostrava que não ia ser tão rápida como de início supunham todos. Enquanto isso os
países americanos procuravam uma fórmula comum de neutralidade (SILVA, 1998,
p. 144-145).
Nesse ano, o estado de neutralidade de alguns países deste continente foi suspenso,
com a entrada dos Estados Unidos, do Brasil e das Repúblicas da América Central na Guerra.
195
Outras nações, como Uruguai, Peru, Equador e Bolívia, romperam relações diplomáticas com
a Alemanha, ao passo que Argentina, Chile, México, Venezuela e Paraguai permaneceram
neutros até o fim (SILVA, 1998, p. 145). Mas algo importante a ser observado é que, no
decorrer do conflito, o cotidiano da vida brasileira sofreu mudanças, pois o país era pouco
industrializado e dependia em grande medida de negócios com os europeus:
O desaparecimento do tráfego marítimo regular privava-nos do suprimento de
produtos europeus. Tudo faltava, pois o povo estava habituado a importar, muitas
vezes até o supérfluo. Também desapareceu o afluxo de capitais estrangeiros,
principalmente europeus. Fomos igualmente prejudicados em nossas exportações. A
Alemanha era, depois dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha, o país com o qual
mais tínhamos comércio (SILVA, 1998, p. 145).
Hélio Silva (1998, p. 145) entende que a simpatia de muitos brasileiros pelos Aliados
se devia ao fato de que intelectuais e estudantes se serviam bastante de livros franceses e
italianos, que a literatura francesa tinha mais espaço no Brasil do que a própria literatura
nacional, que a mentalidade brasileira era voltada para a Europa, mormente a França, e até
mesmo expressões francesas eram costumeiramente empregadas no linguajar da sociedade da
época. Evidentemente, isto não reflete a opinião pública brasileira de um modo geral, mas,
especialmente, das sociedades letradas e elitizadas das grandes cidades.
Por isso, havia num grupo de notáveis brasileiros um clima de desconforto e até
constrangimento por causa do estado de neutralidade até então admitido, isto é, pelo fato de o
Brasil estar oficialmente alheio ao que estava acontecendo no Velho Mundo. Alguns deles
alçaram sua voz contra essa postura indiferente do Brasil, entre os quais se contam Miguel
Calmon, Pedro Lessa, Olavo Bilac, Afonso Arinos e o mais exaltado, Rui Barbosa, que, na
Argentina, em 1916, por ocasião do centenário da Convenção de Tucumán (importante evento
no processo de independência da Argentina), discursou, para espanto até do Itamarati, com
estas palavras: “Neutralidade não quer dizer impassibilidade: quer dizer imparcialidade; e não
há imparcialidade entre o direito e a justiça” (apud SILVA, 1998, p. 145-146). Nessa famosa
palestra, o jurista e orador baiano “atribuiu aos Aliados a defesa da lei, da justiça e da
democracia. Para Rui, a Alemanha e o Império Austro-Húngaro simbolizavam o crime, a
barbárie e o militarismo” (OLIVEIRA, 1990, p. 118).
Já havia no Brasil, por essa época, dois blocos antagônicos afeiçoados à França e à
Alemanha.103 Discussões, porém, à parte sobre quem tinha razão ou não na guerra, o fato que
103
Pelos francófilos, como eram chamados os defensores da posição francesa, são contados: Rui Barbosa, José
Veríssimo, Graça Aranha, Antônio Azevedo, Pedro Lessa, Olavo Bilac, Afonso Arinos, Manuel Bonfim,
Medeiros e Albuquerque, José Carlos Rodrigues, Coelho Netto, Afrânio Peixoto, Pandiá Calógeras, Emílio de
196
efetivamente importou e que marcou um posicionamento claro e definitivo do Brasil foi o seu
rompimento de relações com a Alemanha, após o torpedeamento, na noite de 3 de abril de
1917, do navio mercante brasileiro “Paraná”, que pertencia à Companhia Comércio e
Navegação e se encontrava a dez milhas da costa francesa, pondo-o a pique. O navio
navegava em marcha lenta e era claramente uma embarcação brasileira, com a insígnia
“Brasil” bem visível na sua lateral, além da bandeira brasileira posta em mastro iluminado.
Depois dos torpedos, ainda cinco tiros de canhão foram nele disparados, deixando um saldo
de três mortos entre os tripulantes. Foi aberto um inquérito na França para apurar o incidente,
e, oito dias depois do episódio, o chanceler brasileiro Lauro Müller notificou o Sr. A. Pauli,
ministro alemão no Rio de Janeiro, de que o Brasil rompia relações diplomáticas com aquele
país. O estado de neutralidade, contudo, era mantido, agora através do Decreto n.º 12.458, de
25 de abril 1917, em relação à guerra declarada pelos EUA à Alemanha, em 6 de abril, depois
que submarinos alemães teriam afundado navios americanos (SILVA, 1998, p. 148-151).
Lauro Müller demite-se do posto de Ministro das Relações Exteriores, no dia 3 de
maio, acossado pela opinião pública por ser descendente de alemães e de manter uma postura
moderada. Em seu lugar, o Presidente Venceslau Brás nomeou o ex-Presidente Nilo Peçanha.
Duas semanas depois, mais um navio brasileiro foi torpedeado: o “Tijuca”, em circunstâncias
de local, horário e forma parecidas com o caso “Paraná”. O Presidente, então, envia uma
mensagem ao Congresso Nacional, pedindo a autorização constitucional para declarar guerra
aos alemães. O Legislativo dá o seu aval, através do Decreto Legislativo n.º 3.266, de 1.º de
junho de 1917, sancionado pelo Presidente, e o Brasil oficialmente revoga seu estado de
neutralidade e adota o de guerra, contra a Alemanha. E ainda houve o Decreto n.º 12.501, de 2
de junho de 1917, complementar ao anterior, pelo qual se confiscavam todos os navios
mercantes alemães ancorados nos portos brasileiros (SILVA, 1998, p. 151-154). O mais dessa
história é que outros navios brasileiros foram bombardeados, e tropas brasileiras seguiram
para a Europa, com destaque para um grupo de aviadores que foi mandado à Inglaterra, em
janeiro de 1918, para treinar e auxiliar as operações de guerra da Royal Air Force. A
participação do Brasil foi pequena, muito pelo seu histórico despreparo para grandes batalhas,
como afirma Adler Homero de Castro (2008).
Continuou-se a falar de guerra no Brasil depois que o país se uniu aos Aliados e
depois que a guerra acabou. Mas se já nos delongamos, com risco até da factualidade, tudo
Menezes, Mário de Alencar, Nestor Vítor, Assis Brasil, Miguel Lemos, Tobias Monteiro e Gilberto Amado.
Pelos germanófilos, simpáticos à causa alemã: o Deputado maranhense Dunshee de Abranches, presidente da
Comissão de Diplomacia da Câmara no início da guerra, que teve maior destaque, e João Barreto de Menezes,
Capistrano de Abreu e Lima Barreto (OLIVEIRA, 1990, p. 118-119).
197
fizemos para ter uma melhor noção do campo minado que era falar sobre o assunto naquela
época. E Coelho Netto, homem de letras dos mais conhecidos do seu tempo e ardoroso
defensor de um nacionalismo cívico-patriótico do início do século XX, não foge das
discussões.
Antes mesmo da eclosão da I Grande Guerra, ele já tinha uma posição definida sobre
a guerra e de como enfrentá-la. No seu discurso aos novos alunos da Escola Naval, proferido
no dia da abertura das aulas, em 23 de abril de 1912, ele diz que: “Se a união é necessaria na
paz, muito mais o será na guerra. Falo de guerra como de uma praga, mas justamente por ser
um mal detestavel é que não devemos esquecel-a” (COELHO NETTO, 1918, p. 251).
Coelho Netto continuou a ter a mesma visão depois da Guerra, como na crônica “A
lição das tempestades” (A Noite, 11 ago. 1921), de Às quintas: “E nas guerras dos homens?
Que respondam os milhões de crianças nuas, famintas, tuberculosas, cordeirinhos, como os da
fábula, que o Lobo do Ódio ameaça à beira da correnteza da vida”. Ou nesta alocução de 19
de fevereiro de 1922, aos reservistas do Tiro de Guerra 525, de Imprensa, quando define
guerra e paz:
A guerra é uma calamidade transitória suscitada, umas vezes, pelo brio, outras
vezes, levada em arranque de defesa, não raro, porém, negocio monstruoso ajustado
em conciliabulos de ganancia e mantido sobre cadaveres e ruinas. / A paz é tambem
uma luta, porfiada, mas incruenta, na qual todos se empenham generosamente pela
victoria, que é o Bem commum. / [...] / A guerra é um cyclone que devasta; a paz é
aura perene que refresca e transporta de flor em flor o pollen da fecundação. / A
guerra avança violentamente com a cartucheira cheia, e, onde pisa, a seiva da
fertilidade estanca, mirram as raizes e a vida desapparece. A paz caminha sorrindo e
o sulco dos seus passos, recebendo as sementes com que ella esteira o andar,
avelluda-se de verde, todo se recobre de vegetação graciosa que a primavera enflora
e o outono amadurece em fruto. / Assim se distingue a guerra da paz; uma inflamma
em incendio os campos que atravessa; outra, furtando a cor do fogo, enfeita com
ella, em estendal de ouro, as vastidões das seáras. / O proprio fumo, vêde-o: o da
guerra asphyxia; o da paz illumina. Um é luto de morte, outro é flammula da vida.
Um sahe a golfos dos canhões; outro sóbe em espiras das chaminés das fabricas
(COELHO NETTO, 1926, p. 57-58).
Sendo defensor das leis e do bom funcionamento das instituições da República,
Coelho Netto sabia bem qual papel cabia às Forças Armadas da nação, conforme preconizava
o artigo 14 da CF de 1891:
Art. 14 – As forças de terra e mar são instituições nacionaes permanentes, destinadas
à defesa da patria no exterior, e á manutenção das leis no interior.
A força armada é essencialmente obediente dentro dos limites da lei, aos seus
superiores hierarchicos e obrigada a sustentar as instituições constituionaes.
As Forças Armadas servem, antes de tudo, para a defesa da pátria. Ele sabia bem
disso. Há um episódio típico dessa concepção, que se passa em 1928, em Buenos Aires,
198
quando Coelho Netto, como Ministro Plenipotenciário e Enviado Extraordinário, ali chegou
para representar o Governo brasileiro na posse do Presidente Irigoyen, da Argentina. O
Embaixador do Brasil na Argentina, Dr. Rodrigues Alves, tratou de apresentar os integrantes
da embaixada especial ao novo presidente argentino:
- A minha Pátria, Sr. Presidente, quis mandar à Argentina, para saudar-vos, na hora
da vossa ascensão ao poder, não só quem representasse o povo, desde o mais
humilde homem braceiro até os intelectuais, em missão, de que foi encarregado o Sr.
Ministro Coelho Netto, como também os senhores Almirante Penido e General
Andrade Neves, altos representantes das suas fôrças armadas. / A essa altura, Coelho
Netto acudiu risonho:
- Armada, Exmo. Sr., mas como Minerva, mais apoiada ao escudo do que à lança,
como garantia da paz.
E Irigoyen, apertando-lhe a mão, concordou sorrindo:
- Bien dicho, señor Ministro (COELHO NETTO, P., 1942, p. 265-266).
Armada como Minerva: mais apoiada ao escudo do que à lança. Ou seja, antes a
defesa do que o ataque. Ele sabia, com isto, que a guerra é um mal que deve ser evitado ao
máximo, e o recurso a ela só deve acontecer em situações extremas em que o país estiver em
iminente perigo, ameaça ou invasão exterior, sempre para garantir sua defesa. Mas se a guerra
acontecer, e o país for dela partícipe, é preciso que se mantenha, mesmo no estresse inerente
aos conflitos armados, uma postura ética. Para o escritor, há questões humanitárias que estão
acima dos interesses bélicos, políticos e econômicos da guerra, que precisam, a qualquer
custo, ser respeitadas.104 Assim que, em crônica postada em Versas, relembrando uma antiga
batalha do Oriente, diz:
Assim, sahindo do fumo da metralha, o seu primeiro passo foi generosamente para o
hospital, em visita ao que fôra, nas aguas, o inimigo e que, no leito de sangue, era
apenas um heróe ferido. / Vencer é convencer pela força e o adversario que cahe fica
sob a protecção da espada que já não o póde ferir, senão defendel-o. / Esta é a nobre
lição do Oriente e o contrario disto será desprezível assassínio [...] (COELHO
NETTO, 1918, p. 257).
O adversário caído ou capturado a ser protegido pela espada; e por isso mesmo não
deve ser ferido por ela. O fundamento ético e humanitário desse ato é para evitar que se
cometa um “desprezível assassínio”, que envilece quem o pratica. Por isso, ele diz, qualquer
um que for à guerra em nome da Pátria deve ter características importantes: “A vossa vida é lá
fora: na paz, como mensageiros nossos e exemplo do que somos como povo; na guerra, com o
nosso brio, a nossa força, o nosso direito, a nossa integridade, a nossa honra – defensores da
104
Sobre a questão da ética na guerra, sugerimos a valiosa leitura da dissertação de Fabrício Martins Batista
(2007).
199
bandeira, que é o sello da nossa nacionalidade” (COELHO NETTO, 1918, p. 253). Brio,
força, direito, integridade, honra... Encontrando tudo isso no exemplo histórico da guerra
marítima travada no antigo Oriente, Coelho Netto admite que pensa de forma sistemática
sobre guerra: “A lição é de hontem e nella encontro todos os capitulos de que careço para o
meu tratado; o caracter, a acção e o sentimento do dever” (COELHO NETTO, 1918, p. 254).
Na I Guerra Mundial, Coelho Netto não tem dúvidas: há um lado nefasto que precisa
ser castigado. A Alemanha, para ele, foi a grande patrocinadora dos atos de covardia e
desonra ocorridos no grande evento. Quando a Alemanha invadiu a Bélgica, em 1915, e foi
fundada no Brasil a Liga pelos Aliados, tendo muitos intelectuais se pronunciado sobre o
caso, não havia melhor momento para uma manifestação pública contra a Alemanha, em
defesa da Bélgica, do que a data natalícia do rei belga Alberto I, em 8 de abril daquele ano. O
discurso de Coelho Netto, no Teatro Lyrico, em festa promovida pela referida Liga, foi, além
de tudo, uma grande homenagem àquele rei, que visitaria o Brasil em 1920. A crítica à
Alemanha é veemente, por ter se tornado repreensível ao violar todas as regras e convenções
da Civilização, ferindo um país inerme e pacífico:
Invadindo o territorio belga a Germania de Kant e Goethe não violava sómente o
solo de uma nação neutra: acalcanhava a Liberdade, tripudiava sobre o Direito e
offendia o brio do mundo profanando um tratado, crime de injuria á Civilisação, que
tornou o império férreo réu de barbárie (COELHO NETTO, 1918, p. 284-285).
Pinta o prosador sua análise dos fatos com tintas maniqueístas: “A luta é da Luz
contra a Treva, da Liberdade contra a Tyrannia, da Razão contra a Força, da Dignidade contra
a Schlaga, o azorrague das casernas, que era o sceptro preferido de Guilherme o grande”
(COELHO NETTO, 1918, p. 289). Era a luta do bem contra o mal.
Coelho Netto antevê o momento em que o tribunal das nações havia de expulsar a
bárbara Germânia “do rol das nações civilisadas” (COELHO NETTO, 1918, p. 290). A
penalidade por ele sonhada se concretiza em Versalhes, quando a Alemanha, derrotada na
guerra, viu-se obrigada a assinar o vexatório tratado, que lhe impunha drásticas sanções.
Coelho Netto fundamenta seu pensamento aludindo à inspiração mefistofélica que teria
motivado os alemães a se empenharem pela guerra:
Esse imperio robusto, que tem o seu laboratorio em Essen, viveu, durante quarenta e
cinco annos, como Fausto entre cadinhos e retortas, maçaricos e acanores, não
distillando a fleuma hermética, mas levantando, aperfeiçoando, fabricando
instrumentos de morte, infamando o ferro, degradando o bronze na forja fratricida de
Cain. / Com que mysterioso intuito trabalhava o alchimico, inspirado pelo demonio
da ganância, d’unhas ravazes e ventre insaciavel? Trabalhava pela vida e para o
amor, como o philosofo lendário? Não, trabalhava pela ambição e para a morte. /
200
Um pactuava com Mephistofeles para tornar á mocidade, á alegria do viver, aos
gosos do mundo, ao amor de uma donzella. Era o homem. / O Fausto de Essen
associou-se ao Mal, cedendo-lhe toda a sua tradição de cultura, para tornar, em
regressão atavica, ás atrocidades cruentas da era Barbara, quando a Germania, a
“Provincia ferox” de Tacito, era uma selva lugubre e humida, com o carro de Hertha
rodando entre altares, onde ovates espostejavam victimas humanas. / Desenvolvendo
prodigiosamente a sua industria, dando larga expansão ao seu commercio a
Germania espalhou por toda a terra a legião dos seus caixeiros viajantes que,
emquanto exhibiam as amostras dos productos, made in Germany, relanceavam
olhares coscovilheiros observando tudo que lhes ficava em torno e, com a lista das
encommendas para as fabricas, levavam informes para o Estado Maior. / E não era
só o caixeiro que exercia o vil officio – tambem o artista, tambem o sábio, tambem a
mulher, tambem a criança, todos que sahiam emigrados transformavam-se em
Asmodeus, espionando segredos para desvendal-os na hora suprema. / Quando a
Germania, forte no seu apparelho militar, convenceu-se de que tinha as chaves de
todas as fronteiras, buscou um pretexto e lançou-se á aventura. / Deixando, então, o
seu antro de aço, arrojou-se sobre o mundo, não como uma nação em armas, mas
como um cataclysmo mandado por Deus. / No seu orgulho arrogante imaginava que
as terras assoladas pelos seus uhlanos ficariam, para sempre, como páramos de
morte [...]. / A Germania, na sua furia de excidio, não se contenta com destroçar
inimigos – depois da batalha, a festa barbara do incendio, a dilapidação dos
thesouros, as zangurrianas nas adegas, a profanação dos templos, a violação dos
claustros. / Atira-se, a um tempo, ao Passado, ao Presente e ao Futuro (COELHO
NETTO, 1918, p. 290-292).
Além de não se contentar em destroçar inimigos, diz Coelho Netto (1918, p. 292293), a Alemanha ainda faz guerra contra o passado, o presente e o futuro. Contra o passado,
porque seus homens destroem, por pura maldade, museus, obras de arte e catedrais, com seus
campanários e relíquias, e todos os monumentos históricos à vista. Contra o presente, porque
destroem fábricas, paralisam o trabalho, fuzilam em massa gente pacífica, desrespeitam
sacerdotes, etc. Contra o futuro, porque promovem “a mutilação das crianças, ás quaes sem
pena, os soldados decepam as pequeninas mãos, para que, mais tarde, não se levantem em
represalia armada” (COELHO NETTO, 1918, p. 293).
Ele denuncia também soldados alemães, que mutilam, raptam e estupram mulheres,
gerando filhos indesejáveis, dando a senha à prática do aborto, considerada horrenda:
E mais erraste, Germania, retalhando os peitos das mulheres. Pretendeste, com tal
atrocidade, estancar a fonte da vida e fizeste das creaturas meigas forças de odio
contra a tua crueza: as amazonas, companheiras de Antiope e de Penthesiléa,
mutilavam o seio direito para melhor ajustarem o arco ao peito. / De tudo, porém, o
que mais revolta e assombra, é o que narram dos teus rausores. / Nas aldeias e nas
cidades, depois do saque aos thesouros, accesos em satyriasis, os uhlanos
debandavam para a caçada lúbrica, e, onde quer que encontrassem a mulher,
preavam-na; estivesse chorando, tremula, ajoelhada junto ao berço do filho; virgem,
agarrada estarrecidamente á mãi; esposa, nos braços do marido; ou moça de herdade,
escondida no palhal da granja. De taes crimes levantou-se um côro tragico na guerra,
não como o das Sabinas, que amavam, mas um côro de erynnias, jamais ouvido no
mundo. É o côro das mãis que repudiam os filhos ainda não nados, que os odeiam
no ventre, que os esperam com a maldição, que lhes preparam com alegria o tumulo.
E, diante do desespero dessas conspurcadas, já se cogita do perdão do infanticídio. A
Lei põe-se ao lado do crime, empresta-lhe a sua impolluida espada, para que, com
201
ella, as mulheres, que se enojam da infame maternidade, esvurmem de si a larva dos
profanadores da Honra (COELHO NETTO, 1918, p. 294-295).
E falando ainda mais, vaticina com certo desdém: “Parece que a Germania timbra em
destruir todo o Bem, em acabar com a Belleza da Vida e com todos os mimos da Civilisação.
Vaidade fatua! O espirito é invulnerável” (COELHO NETTO, 1918, p. 295). Se o discurso
em homenagem ao rei belga, datado de 1915, já revelava certa ojeriza pela causa alemã, muito
mais o faria o torpedeamento de navios brasileiros por submarinos alemães, em 1917.
Na sua “Exortação heroica aos Marinheiros”, feita na sede do Riachuelo Football
Club, na Ilha das Cobras, em 11 de junho de 1917, ele fala aos militares que partiriam para a
Guerra. Em trechos do discurso, condena com ímpeto a própria guerra, os seus vis motivos
(critica especificamente a Alemanha) e não deixa de reclamar, mesmo na entrelinha, da
covardia que teriam sofrido os navios brasileiros, acarretando o ingresso do Brasil na briga.
Porque o homem perverteu o mar contaminando-o com a sua maldade. É para o
expurgarem que as nações nobres do mundo se congraçam contra o cainismo de um
imperio, que passou quarenta annos de vida vulcânica preparando em Hessen o
cataclysmo que arruína e ensaguenta o planeta (COELHO NETTO, 1926, p. 12).
Para ele, a guerra é provocada pela indignidade de algumas nações, e deve ser
debelada pela justa indignação de outras, mais nobres, que devem duelar em nome da
Humanidade. O Brasil, ele conclui, entra na guerra do lado certo, por ser uma nação digna:
Para conter e repellir a obra infernal alliaram-se os povos justos e a Civilização
investiu contra a barbárie. Chocam-se os exercitos em terra, os avoantes abalroam-se
nos ares e as esquadras escumam os oceanos polluidos de insidias. / Haviamos de
ser chamados ao conflicto porque somos dignos. E fomos, alliando-nos aos que se
mantêm fieis ao Direito, á Justiça, á Moral, á Cruz, emfim, e navios nossos
aprestram-se para a surtida honrosa (COELHO NETTO, 1926, p. 12).
E anima seus compatriotas militares a diligenciarem em favor da Pátria:
Lembrai-vos do Brasil e honrai-o com brio, defendei-o com bravura, porque o que
fizerdes será visto por elle, presente no navio, como Deus no altar, em um symbolo,
que é a bandeira. / Marinheiros, vós sois responsaveis pela sorte da Patria, pelo
destino do mundo, pelo futuro da humanidade (COELHO NETTO, 1926, p. 13).
Na crônica “Athena”, publicada em Versas, Coelho Netto (1918, p. 127-132) opõe a
polivalente deusa Atena – “armada e pacificadora”, “batalhadora e cordata”, “prudente”,
“enérgica e destemida”, “protetora e pacificadora”, “esplêndida e justa” – a seu irmão Ares, o
deus da guerra, “desgrenhado e impetuoso”, “o arranque rebentino”, “a hostilidade
202
improvisa”, “o furor desencadeado”. Se o deus da guerra era quem possuía o espírito das
nações que se apressavam a deitar sangue e fogo pelo mundo, Atena havia de ser chamada –
como símbolo – para exemplo da força e da justiça que devia se intrometer na guerra, para
debelá-la. Coelho Netto (1918, p. 132) intima o exército brasileiro a considerá-la, como se a
ela se dirigisse em oração: “Salve, instructora, que preparas o nosso exercito, não para
combates iniquos e degradantes, mas para garantia da tranquilidade, zelo da honra, defeza da
fortuna da terra em que pousaste [...]”. Lembrando que Atena é o equivalente grego da versão
latina da deusa Minerva, mais apoiada ao escudo do que à lança, citada há pouco.
Pronunciando-se claramente contra a Alemanha, é costume Coelho Netto ser
arrolado entre os defensores da posição francesa na polêmica entre francófilos e germanófilos
(OLIVEIRA, 1990, p. 119), embora até aqui não se perceba que a afeição à França o tenha
levado à hostilidade para com a Alemanha. Na verdade, por todos os textos até aqui citados,
em que ele combatia a xenomania dos brasileiros pelos franceses e condenava a iniquidade
dos alemães na guerra, pensamos que não se tratava de mera francofilia sua ojeriza ao
comportamento beligerante alemão. Um pequeno exemplo disto é o texto seguinte, também já
citado antes, em que ele critica nosso colonialismo servil em relação aos franceses: “A França
não tem colonia mais servil do que a vaidosa Republica que tanto alardêa independencia e
brio” (COELHO NETTO, 1918, p. 78).
Parece que Coelho Netto vai mais longe, para buscar no conceito de “guerra justa” a
base da sua opinião. A ideia já está presente em Santo Agostinho, no final do século IV,
quando este famoso bispo de Hipona passa a considerar injustas “todas as guerras que
visassem a destruição, vingança ou busca pelo poder”, enquanto a guerra justa se preocuparia
em buscar “a paz e se limitaria a uma justa causa, ou seja, à reparação de um dano sofrido,
para atacar uma nação que se recusasse a punir um mau ato, ou quando se recusasse a restituir
algo que fora injustamente subtraído a outra nação” (CASTRO, 2004).
O Catecismo da Igreja Católica, aprovado depois do Concílio Vaticano II,
enumerando os elementos tradicionais da chamada doutrina da “guerra justa”, diz que, para
que a guerra tenha motivos justificáveis, é preciso, ao mesmo tempo, que:
- o dano infligido pelo agressor à nação ou à comunidade de nações seja durável,
grave e certo;
- todos os outros meios de pôr fim a tal dano se tenham revelado impraticáveis ou
ineficazes;
- estejam reunidas as condições sérias de êxito;
- o emprego das armas não acarrete males e desordens mais graves do que o mal a
eliminar. O poderio dos meios modernos de destruição pesa muito na avaliação
desta condição (VATICANO, 2000, p. 601).
203
Já a historiadora Maria Izabel Oliveira (2009, p. 171-193), que estuda intelectuais da
política no século XVII, separa todo um capítulo de sua tese para discutir o problema. Nele,
concebe os pensamentos de Jacques Bossuet e de Antônio Vieira, dois homens da Igreja,
como sendo semelhantes na visão de que será justa a guerra motivada pela defesa da fé (isto é,
por motivos religiosos expressamente autorizados por Deus) ou da pátria (quando esta estiver
sob um jugo injusto ou quando sua liberdade estiver sendo tolhida ou ameaçada). Aliás, será
não somente justa, como contará com o auxílio do Deus plenipotente, tal qual nos eventos
beligerantes do Antigo Testamento, em que Deus, o Senhor dos Exércitos, pelejava pelo seu
povo. Diz ainda, a respeito de Luís XIV, que este rei francês entendia como justificáveis para
a guerra os motivos relacionados à defesa da honra do seu reino e da sua família.
Coelho Netto compartilha dessa visão de “guerra justa”, especialmente por motivos
patrióticos, e isto talvez se deva ao fato de ter, na sua formação literária clássica, como um
dos autores preferidos, e talvez o de língua portuguesa mais citado por ele, justamente o Padre
Vieira, como já vimos no capítulo anterior. A conclusão a que chegamos aqui é que o
nacionalismo de Coelho Netto intimará o Brasil a se alinhar sempre do lado do Direito e da
Justiça, dentro ou fora da guerra.
204
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Concluímos, antes de tudo, que Henrique Coelho Netto é um ser político muito
complexo, que transita em diferentes e até antagônicos caminhos: como entre o conservador e
o liberal, o idealista e o engajado, o romântico e o realista, o simbolista e o parnasiano, o
popular e o erudito, o amante do Brasil e o cultuador das civilizações antigas. Valendo-nos
dos conceitos de Sartre e Gramsci, respectivamente, é possível visualizá-lo como intelectual
engajado (lutando em direferentes frentes) e como intelectual tradicional, como membro de
instituições conservadores como a Academia Brasileira de Letras e a Liga da Defesa
Nacional.
Participou ativamente da vida cultural e política brasileira, desde as campanhas pela
Abolição e pela República, até causas outras como os esportes e a ecologia. Comentou sobre
questões políticas (críticas a governos, práticas políticas e instituições), culturais (defendeu o
teatro nacional, as tradições culturais do Brasil, o conhecimento da história, práticas como o
carnaval e o São João, esportes como a capoeira, etc.) e sociais (defendeu os negros, as
mulheres, os trabalhadores, etc.). Foi um bom observador da vida brasileira, especialmente a
do Rio de Janeiro, através de romances que retratavam o seu cotidiano ou de crônicas que
comentavam corriqueiramente fatos e notícias que repercutiam por longo prazo ou que logo
caíam em esquecimento.
Da publicação de alguns de seus romances, Coelho Netto tratou de mostrar suas
desilusões com os caminhos que a República, outrora almejada com grande esperança, tomou
nas suas primeiras décadas, com graves problemas como autoritarismo, censura, perseguição
a militantes políticos, oligarquia, corrupção, etc. Não era afeito a escolas, nem científicas,
nem filosóficas, nem artísticas ou literárias. Consome um pouco de cada uma delas, mas não
se deixa ficar preso a nenhuma. Daí que sua obra é de um ecletismo um tanto difícil de ser
entendido e que tem causado confusão em muitos que se aventuram a estudá-lo. E o ecletismo
não se resumiu apenas a questões estéticas, mas também de gênero, pois percorreu todos os
principais gêneros da prosa (romances, contos, teatro, crônicas, memórias, educação moral e
cívica, narrativas bíblicas, fábulas).
Tentamos também relativizar, ao máximo, muitas das questões que cercam o nome
de Coelho Netto, privilegiando fontes que não aparecem tanto a uma crítica canônica que
insiste em lhe dar atestado de óbito. Por isso, enveredamos por caminhos pouco explorados
para falar, por exemplo, da relação entre o escritor e desafetos como Graça Aranha e Lima
205
Barreto, encontrando indícios de questões pessoais contra o autor de A conquista, e com os
modernistas, tentando pensar outras possibilidades, como relações de amizade e respeito.
Através da ficção e de uma literatura moral e cívica, propôs um projeto para a nação
através da educação como caminho para formar o bom cidadão para bem servir a Pátria.
Pugnou também pela defesa nacional, através da equipação das Forças Armadas e do serviço
militar, além de uma conscientização cívica que deve começar com o ensino das crianças,
preparando-as para o serviço sacrificial da Pátria. Defendeu, ainda, a língua portuguesa como
fator identitário da nação, que deveria ser preservado contra ataques estrangeiros e o desprezo
do povo brasileiro. Coelho Netto também fez apologia da soberania nacional, que não deveria
aceitar a intervenção estrangeira de nenhuma forma, demonstrando pouca simpatia pela
imigração e nenhuma pela propaganda de branqueamento da população brasileira. E quando
trata da guerra, defende a ideia de guerra justa, e isto vem da influência religiosa católica,
sobretudo do Padre Antônio Vieira, que era um dos seus autores favoritos.
Percebemos que a temática nacionalista permeia toda a vida do escritor,
singularmente as suas obras, a todo o tempo chamando pela Pátria brasileira, exaltando o
Brasil, defendendo-o, animando-o, elogiando-o, criticando-o, etc. Contribuíram para sua
formação intelectual e nacionalista pessoas de sua convivência familiar, mas também de sua
convivência acadêmica e boêmia, que direta e indiretamente o conduziram a autores clássicos,
de língua portuguesa e estrangeira. Também não se deve ignorar o seu trabalho na imprensa,
diário e exaustivo, contribuindo para o avultamento de sua obra escrita, cujo fim principal,
temos concluído, era o BELO, o BEM e a PÁTRIA, como precisamente lhe notou o
modernista Augusto Frederico Schimidt.
Coelho Netto bebe culturalmente na religião, pois sua doutrina era tributária de um
humanismo cristão, que em sua época rivalizou com o positivismo e as doutrinas
cientificistas. Defendendo o patriotismo (amor à Pátria) e o civismo (dever para com a Pátria),
pintava-os com elemenos metaforicamente religiosos, para tornar seu discurso mais vivo e sua
apelação inescusável, incluindo sua veneração aos símbolos nacionais, como o hino e a
bandeira. Constrói e celebra a figuras de heróis que, no seu pensamento, não se prestavam à
mera legitimação de regimes políticos, mas à Pátria, noção que transcende os regimes, daí por
que, mesmo republicano desde antes da República, celebrará culto patriótico à memória do
imperador D. Pedro II, como fomentador da nacionalidade brasileira ao longo do século XIX.
Em suma, esperamos ter conseguido mostrar o lado nacionalista, pouco explorado
desse escritor brasileiro, nascido no Maranhão, que, apesar do crescente interesse que tem
recebido nos últimos anos, ainda é um autor pouco lido e pouco explorado.
206
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Carvalho, Claunísio Amorim
O insigne pavilhão: nação e nacionalismo na obra do escritor Coelho
Netto / Claunísio Amorim Carvalho_ São Luís: 2012.
217 f.
Dissertação (Mestrado em História Social) – Programa de PósGraduação em História Social. Universidade Federal do Maranhão - UFMA,
2012.
Impresso por Computador (Fotocópia)
1. Coelho Netto – Escritor - Vida e Obra. 2. Literatura Brasileira –
memorias. 3. Caráter nacionalista de Coelho Netto. 4. Patriotismo –
Intelectual. I. Título.
CDU 821.134.3(81)

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