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FILMMAKER - Manual Prá co para Cinema Independente
Do Roteiro ao Lançamento - Por Tristan Aronovich
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Copyright 2013-2020 por Tristan Aronovich. Todos os direitos reservados.
Dedicatória
À Raquel Cunha e Amanda Maya
pela inspiração, amor e paciência.
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Do Roteiro ao Lançamento - Por Tristan Aronovich
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Indíce
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Capítulos
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Capítulo
O CINEMA DIGITAL E INDEPENDENTE
Página 4
Capítulo
COMPREENDENDO AS ETAPAS BÁSICAS
Página 8
Capítulo
COMEÇANDO PELO COMEÇO - ROTEIRO, ROTEIRO, ROTEIRO!
Capítulo
A EQUIPE DE CINEMA Página 22
Capítulo
A PRÉ PRODUÇÃO Página 28
Capítulo
O ORÇAMENTO Página 33
Capítulo
ELABORANDO UM CRONOGRAMA DE GRAVAÇÃO Página 38
Capítulo
CAPTAÇÃO DE RECURSOS - FINANCIANDO SEU PROJETO Página 46
Capítulo
DIREÇÃO CINEMATOGRÁFICA - DIRIGINDO O FILME Página 53
Capítulo
DIREÇÃO DE ATORES E ATUAÇÃO PARA CINEMA Página 58
Capítulo
O DIRETOR DE FOTOGRAFIA Página 68
Capítulo
AS FERRAMENTAS DO OFÍCIO - CÂMERAS, LENTES E ACESSÓRIOS Página 72
Capítulo
COMPOSIÇÃO DE IMAGENS, ENQUADRAMENTOS,DECUPAGEM E SHOTLIST Página 83
Capítulo
INTRODUÇÃO A ILUMINAÇÃO
Capítulo
DIREÇÃO DE ARTE Página 97
Capítulo
PROTOCOLO DE GRAVAÇÃO Página 105
Capítulo
CAPTAÇÃO DE SOM DIRETO PARA CINEMA INDEPENDENTE Página 108
Capítulo
A SEGUNDA UNIDADE Página 112
Capítulo
A PÓS -PRODUÇÃO - MONTANDO EDITANDO SEU FILME Página 115
Capítulo
DISTRIBUIÇÃO E LANÇAMENTO Página 126
Capítulo
O AUTOR Página 133
Página 11
Página 94
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O CINEMA DIGITAL
E INDEPENDENTE
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Capítulo
O CINEMA DIGITAL E INDEPENDENTE
Até bem pouco tempo atrás, trabalhar profissionalmente com cinema em plataforma digital exigia coragem e
disposição para enfrentar diversos riscos (especialmente no Brasil, já que, em outros países, par cularmente nos EUA, a
plataforma digital vinha sendo aceita e propagada em escala industrial desde o fim dos anos 1990). Em 2002, quando eu
ainda era um estudante de cinema em Los Angeles no California Ins tute of The Arts ou, simplesmente, CalArts (uma
universidade encantadora por onde passaram lendas do cinema como Tim Burton, Ed Harris e Don Cheadle), fui
convidado a par cipar como técnico na equipe do longa-metragem “The Chocolate Curse”
(“A Maldição do
Chocolate”), um filme infanto-juvenil que infelizmente nunca chegou ao Brasil. Esse projeto foi inteiramente gravado
com a câmera digital SONY F900, naqueles tempos já conhecida do grande público através de nomes de peso como
George Lucas (que a u lizou na segunda geração de sua trilogia de Star Wars). Foi a primeira vez que
ve a
oportunidade de trabalhar profissionalmente com cinema digital, e foi amor à primeira vista. Fiquei encantado pelas
possibilidades que o digital proporcionava e principalmente pelo fato de que, finalmente, após mais de um século de
existência, a arte e o ofício do cinema estariam ao alcance das legiões de cineastas independentes que não possuíam as
quan dades exorbitantes de dinheiro necessárias para financiar suas produções em película – e o que parecia ainda
melhor: a qualidade da plataforma digital era surpreendentemente boa além de facilitar ao extremo toda a logís ca
operacional e workflow de produção! Era a tão sonhada “democra zação” do cinema! Se nos primeiros momentos a
plataforma digital enfrentou resistência de puristas e de profissionais já completamente habituados à uma indústria
analógica, na úl ma década o debate “película Vs. digital” já foi por terra. Os incríveis avanços tecnológicos (ou melhor,
a “avalanche” tecnológica!) provaram que matema camente, mecanicamente e cien ficamente a captura das imagens
em plataforma digital pode igualar e até mesmo superar a película em todos os aspectos, mantendo ainda a drás ca
redução de custos e o mização logís ca. Cineastas consagrados em todos os gêneros, desde os classificados como
“mainstream” como Steven Spielberg, Peter Jackson, George Lucas, Mar n Scorcese e Michael Mann até os mais
alterna vos ou “indies” como Lars Von Trier (“Dançando no Escuro”, “Dogville”, “An cristo”), Michael Haneke (“Caché”,
“A Professora de Piano”) Soderbergh (“Che”, “Traffic”) ou Richard Linklater (da famosa trilogia “Before”: Sunset, Sunrise,
Midnight), já navegam há bastante tempo nas águas do cinema digital.
Fabricantes mul nacionais de peso como Sony, Arri, Red, Canon, BlackMagic e outros disputam acirradamente a
soberania pelas melhores câmeras de cinema digital, e já é seguro afirmar que há modelos em fartura para todos os
gostos e bolsos. Finalmente, a realização cinematográfica não mais se limita à questão orçamentária e sim, à qualidade
da obra e dos ar stas! Se a “arte” for boa, não importa a mídia, suporte ou plataforma escolhido. A arte não pode nem
deve estar condicionada e/ou limitada a seu suporte midiá co. Felizmente, os avanços tecnológicos tornaram a
discussão de plataformas “película X digital” obsoleta e jogaram a responsabilidade de volta nas mãos do cineasta, o que
nos gera, portanto um novo paradoxo pós-midiá co: a questão “formação” do cineasta. Com a possibilidade da
realização democrá ca e acessível, o diferencial já não reside mais no leque de possibilidades tecnológicas mas sim no
desenvolvimento, amadurecimento e sensibilidade artís ca do realizador, direcionando um peso grande ao processo de
aprendizado e educação. Numa reviravolta antropológica surpreendente, justamente em uma era pós-midiá ca onde é
possível localizar gratuitamente “tutoriais” sobre quaisquer equipamentos na internet, volta-se a perceber a
importância crucial de livros, professores ou da ins tuição acadêmica como um todo (afinal de contas, não há “tutoriais”
gratuitos que desenvolvam maturidade, sensibilidade e conteúdos artís cos de qualidade!).
Outra questão crucial – e bastante diferente – também chama muito a atenção:
apesar do advento do cinema digital, da extrema redução de custos, do aumento da pra cidade e do avanço tecnológico,
a indústria brasileira de cinema independente (e é importante frisar que estou me referindo somente à produção de
filmes de longa metragem) con nua assustadoramente pequena quando comparada a outros países. Para que se tenha
ideia, os EUA produzem uma média de 600 filmes por ano (por vezes ultrapassando essa média, como no ano de 1997
quando 767 filmes de longa metragem foram produzidos!). Já a consagrada “Bollywood” explode a marca norteFILMMAKER - Manual Prá co para Cinema Independente
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O CINEMA DIGITAL E INDEPENDENTE
americana com uma média de 1000 longas anuais (por vezes também extrapolando essa marca). No Brasil, um país de
proporções e dimensões con nentais e mais de 193 milhões de habitantes, dificilmente a média ultrapassa 95 filmes por
ano (com uma quan dade reduzida lançada no mercado)! A vizinha Argen na, com pouco mais de 41 milhões de
habitantes facilmente ultrapassa a marca de 60 filmes nacionais lançados no mercado! Também vale salientar que o
conceito de “cinema independente” também possui aplicação contextualizada. Da forma como se u liza essa
nomenclatura nos EUA, cinema independente seria todo aquele realizado sem vínculo direto com as “MAJORS”
(companhias com a capacidade de produzir e distribuir seus próprios filmes além de comandar uma porcentagem
bastante significa va dos lucros e bilheterias da indústria cinematográfica mundial): Fox, Columbia, Paramount,
Universal, Walt Disney, Warner Bros. Se fôssemos seguir a mesma premissa, pra camente todo filme brasileiro seria
“independente”, o que não é verdade, afinal de contas, a quase totalidade dos longas brasileiros só é possível através dos
conhecidos mecanismos das leis de incen vo, ou seja, u lizando verba pública após cumprir uma série de exigências
estabelecidas pelo estado num processo de triagem, seleção e aprovação. Portanto, um filme que “depende” de verba e
aprovação do estado ou ainda, “depende” de sa sfazer uma série de critérios estabelecidos pelo estado não poderia,
pela lógica, ser chamado de independente, correto? Ironicamente, os mecanismos de incen vo fiscal haviam sido
moldados somente como uma alavanca ou “ponta pé” inicial para es mular uma indústria cinematográfica brasileira que
encontrava-se pra camente parada entre meados dos anos 80 e início dos anos 90. Para o bem e para o mal, aquilo que
deveria ser a exceção acabou virando a regra e hoje, duas décadas após a implementação de tal inicia va nos modelos
como o conhecemos, o mercado do cinema nacional parece estar intrinsicamente atrelado aos mecanismos de incen vo
fiscal – mais do que isso, esse comportamento acabou inclusive migrando para a produção televisiva, que hoje
comumente exibe programas nacionais produzidos com verba pública através das leis de incen vo. Para avaliar esse
panorama, dois lados precisam ser levados em consideração: se de certo modo os mecanismos de incen vo fiscal podem
ajudar os cineastas a captar orçamentos de peso para produções custosas e sofis cadas, por outro lado parecem surgir
dois grande problemas: A) um descompromisso grande com o retorno de público e espaço de distribuição e exibição (já
que a verba de produção e realização fica garan da independente do veiculação comercial – o que pode representar um
grande “ ro no pé” da indústria cinematográfica brasileira já que de nada adianta acumular dezenas ou centenas de
filmes produzidos para meia dúzia que efe vamente chegam às salas de cinema com uma campanha sólida de
divulgação) e, finalmente, B) o surgimento de uma teia burocrá ca verdadeiramente assustadora. Como o assunto é
verba pública, as numerosas etapas para o controle, aprovação ou obtenção de recursos bem como a quan dade de
documentos necessários fizeram surgir na indústria nacional um jargão popular: é comum cineastas afirmarem que, no
Brasil, cinema é feito através de tabelas de Excel®!
MAS É POSSÍVEL FAZER CINEMA COM POUCO DINHEIRO????
Muitas vezes em centros acadêmicos, universidades, cursos ou fes vais, me deparo constantemente com uma questão:
o dinheiro. Estudantes e cineastas reclamam quase em uníssono sobre a falta constante de verba para nossas
produções. Ok, não resta dúvida de que o cinema é por natureza uma a vidade custosa, porém, será que não há meios
de reduzir custos, o mizar equipe e sistemá ca de trabalho, e, ainda que com um orçamento limitado, realizar um
produto profissional e bem acabado? Pode apostar!
Pode soar como um clichê, mas nunca é demais afirmar que dinheiro não é tudo! Quantas vezes não vimos produções
carérrimas torrarem milhões e milhões de reais ou dólares para no final resultarem em filmes medíocres e mal feitos? Por
outro lado, o oposto também é comum: filmes realizados com quase nada de dinheiro arrebatarem público e crí ca? Se
eu fosse citar exemplos de ambos os casos, dedicaríamos meia dúzia de capítulos somente à isso!
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O CINEMA DIGITAL E INDEPENDENTE
Mas resta ainda outra pergunta: que seja possível fazer um filme com pouco dinheiro não é di cil de concordar. Mas será
possível fazer um filme com pouco dinheiro e que mesmo assim resulte num filme com aspecto profissional, com visual e
acabamento de grande produção, sem aquela cara de “filme amador” repleto de problemas de cor, som etc...? Sim, é
possível. Meu obje vo é dividir com o leitor informações, dicas e truques para o mizar suas produções, de modo que seu
filme de R$ 1 mil reais tenha aquela “cara” de produção de 1 milhão! Mas atenção: isso não significa que o processo seja
mais fácil simplesmente por ser mais barato! Muito pelo contrário. Não há milagres, mas sim muito estudo e trabalho
duro e demorado. Posso pelo menos garan r que vale a pena! Com bastante atenção e planejamento, uma equipe bem
estruturada e organizada pode fazer verdadeiras mágicas! Salvo raríssimas exceções, sempre trabalhei no Brasil e nos
EUA em produções de baixíssimo orçamento: desde curtas e longas ate videoclipes, documentários e vídeos
ins tucionais. A limitação financeira dos projetos, no entanto, nunca pode comprometer a qualidade artís ca dos
mesmos. Nesse momento único e paradoxal do mercado cinematográfico independente é importante abordar todas
essas questões em profundidade (ao mesmo tempo preservando a pra cidade e a obje vidade) para uma formação
completa e produ va do cineasta que trabalha em meio a esse panorama de transformações: desde informações
prá cas e técnicas até conceitos reflexivos que visam es mular o amadurecimento sensível do ar sta passando por
questões fundamentais de mercado como, por exemplo, captação de recursos, elaboração de projetos e distribuição. É
justamente com esse propósito que surge esse livro, para fornecer e discu r ferramentas e dicas para a produção e
realização completa de filmes de longa-metragem! Desde o roteiro, planejamento, cronogramas e orçamentos até dicas
de organização e o mização no set de gravação, divisão de equipes e funções, seleção de equipamentos adequados,
esclarecimentos tecnológicos, referências para estudo, edição, finalização e distribuição. Não importa qual o seu
orçamento, sempre haverá uma solução disponível que pode se adequar às suas necessidades e limitações preservando
(e construindo) o máximo de qualidade (Robert Rodriguez que o diga!). Que a informação aqui apresentada sirva de
estímulo e incen vo ao cineasta independente, ajudando-o a resolver problemas e superar obstáculos rumo ao SET de
gravação.
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COMPREENDENDO
AS ETAPAS BÁSICAS
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COMPREENDENDO AS ETAPAS BÁSICAS
Inicialmente, devemos entender em linhas gerais algumas etapas básicas e essenciais para a realização de um
filme:
1) PRÉ PRODUÇÃO: Essa primeira e importantíssima etapa geralmente é uma das mais ignoradas e atropeladas
em produções amadoras, e isso pode acarretar consequências desastrosas. Resumidamente, a pré produção é
tudo aquilo que acontece desde a elaboração do roteiro e concepção do projeto até o primeiro “Ação!” que o
diretor grita no SET de gravação, ou seja, é o momento de planejar absolutamente tudo. Salvo exceções, os
cineastas geralmente adoram o SET de gravação e odeiam burocracia, planejamento cauteloso e papelada, e é
por isso que muitos ignoram a importância de uma pré produção me culosa. O tempo devidamente inves do
na pré produção é inversamente proporcional aos obstáculos imprevistos e ao tempo gasto na produção, ou
seja, quanto mais tempo for empregado num planejamento sólido, mais rápida e suavemente transcorrerá a
gravação. Esse é o momento de pesquisa, de ajustes e quebra de roteiro, de desenho de produção e
gerenciamento de projeto, elaborações financeiras e business planning, escolha de equipe e equipamentos,
arquitetura de cronogramas, criação dos projetos divididos por setores artís cos como a fotografia e a
direção de arte, estabelecimento e organização de decupagem e shotlist, ordem do dia e muito mais. Mas isso
não significa necessariamente custos adicionais, significa sim inves mento de tempo e organização. Uma
excelente pré produção pode ser realizada com uma equipe concisa e enxuta e gastos mínimos, além de ser
essencial para um projeto com “cara” de grande produção.
2) PRODUÇÃO: Esse é o momento que todos parecem cur r mais! A “hora da verdade”, da gravação, dos
consagradas e almejados “Ação!” e “Corta!”. Pois é. Na maioria das vezes, uma experiência que deveria ser
maravilhosa acaba se transformando numa verdadeira tragédia, e não raro nos deparamos com SETs de
gravação caó cos, desordenados, com diretores perdidos, fotógrafos desorientados, pilhas de equipamento
desnecessários e sem uso, atores abandonados, horas e horas de atraso e dinheiro indo embora! Quem
trabalha com vídeo e cinema com certeza já passou muitas vezes por situações assim! O fato é que não pode
ser assim e ponto final. Se você busca um visual profissional no seu projeto, sua produção pode ser barata,
porém deve ser profissional! Um comportamento e uma postura profissionais geram uma obra profissional. É
importante saber planejar e organizar sua gravação, aproveitando ao máximo o rendimento da equipe e das
diárias tendo sempre uma visão clara e sólida de onde se quer chegar. Saber como comunicar-se com os
outros profissionais também é importante, pois só assim poderemos obter o máximo de cada um. Durante a
etapa da produção (ou gravação), um dos fatores mais cruciais é compreender a fundo quais são as
incumbências e responsabilidades de cada integrante da equipe bem como estabelecer uma dinâmica e fluxo
de trabalho baseados na colaboração e na produ vidade.
3) PÓS PRODUÇÃO: Acabou a gravação. Do momento em que o diretor anunciar o úl mo “Corta!” no SET de
gravação até que o filme esteja absolutamente pronto, editado finalizado e apto a ser assis do em sua versão
ou corte defini vo, estamos oficialmente na pós produção. Essa etapa extremamente complexa envolve a
montagem, edição, colorização, tratamento e mixagem de áudio, inserção de trilha sonora, encodagem,
exportação e por aí a fora. Muitos filmes nesse momento encontram seu “sepultamento” já que a maioria das
equipes amadoras não sabe exatamente como conduzir de maneira coerente e eficaz todo o longo processo
da pós produção. Somente a título de ilustração, mesmo numa produção extremamente profissional com
equipe experiente e de ponta, essa fase é a mais demorada, podendo levar até 4 ou 5 vezes o tempo gasto na
produção (às vezes mais, dependendo do projeto). Uma equipe amadora e desorganizada, então, pode
chegar a levar anos (!) na pós produção de um curta metragem! E se engana quem acreditar que isso é raro.
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COMPREENDENDO AS ETAPAS BÁSICAS
Recentemente conheci cineastas que estão “paralisados” na finalização de um curta de cinco minutos há mais de
dois anos! É importante saber conduzir de maneira sólida a pós produção de um projeto mantendo sempre em
mente onde se quer chegar. Conhecer e dominar todas as a vidades é importan ssimo para qualquer
cineasta (além de significar grande poder de economia, afinal de contas, caso o cineasta não esteja
familiarizado com as técnicas e recursos necessários, inevitavelmente irá depender da contratação – ou da
boa vontade – de outros profissionais). Na pós produção acontece a verdadeira “mágica” do cinema e o filme
aos poucos vai tomando forma e a história começa a acontecer na frente dos nossos olhos. Domínio técnico,
excelentes referências artís cas e muita paciência e organização desempenham papéis cruciais nessa fase.
Será essencial também destrinchar todas as possibilidades esté cas para que o projeto tenha o “look” ou
visual cinematográfico desejado.
4) LANÇAMENTO: E agora que o filme está pronto, o que fazer? A vontade de todo cineasta é ter seu filme
exibido e visto pelo maior número possível de pessoas, mas como conseguir que o projeto chegue às salas de
cinema, às locadoras, aos veículos recentes de exibição e distribuição como VOD, Pay Per View, iTunes,
Ne lix ou outros meios de exibição? Isso geralmente será elaborado e executado por um produtor de
lançamento ou uma equipe especializada que irá planejar em detalhes uma estratégia coesa para localizar e
colocar em prá ca uma “plataforma” adequada de lançamento, mas como estamos falando em cinema
independente (e consequentemente em reduzir custos), nada que um cineasta dedicado e uma equipe
o mizada não possam fazer. Basta ter tempo e dedicação.
Bom, agora que abordamos em linhas gerais quais são as etapas essenciais para a elaboração e realização de um
projeto, nos próximos capítulos vamos mergulhar em cada uma dessas fases para destrinchar as a vidades necessárias
além de conferir dicas e truques para realizá-las da melhor maneira possível, rando o máximo proveito de cada centavo
inves do.
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COMEÇANDO PELO
COMEÇO - ROTEIRO,
ROTEIRO, ROTEIRO!
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COMEÇANDO PELO COMEÇO - ROTEIRO, ROTEIRO, ROTEIRO!
Quando o assunto é realização cinematográfica com ênfase na prá ca e na obje vidade, logo surge uma
pergunta importante: por onde começar? Bom, que tal começar do começo? Quando pensamos em “produção
cinematográfica” logo vem à mente a cadeirinha do diretor, as câmeras, luzes, claquetes e por aí afora. Pois é, mas isso
não é o começo. Como vimos no capítulo anterior, muita coisa acontece antes de uma equipe pisar num SET de
gravação: todo o trabalho de pesquisa, planejamento, organização, captação de recursos etc... então é aí que começa?
Quase. Vamos ainda mais fundo. Todo esse trabalho de organização e planejamento que juntamos sob a bandeira da
chamada “pré produção”, pressupõe, antes de mais nada, que tenhamos um projeto em mãos, uma idéia, uma história!
Correto? Afinal de contas, toda a pré produção é estruturada a par r de que exatamente? A par r dessa história, ou,
mais especificamente, a par r de um roteiro! Sem um roteiro nas mãos, não há muito o que se fazer, já que é a história –
o roteiro –
que determina quantos personagens serão necessários, quais serão as locações e equipamentos
adequados, quantos dias de gravação serão ideais e tudo mais que precisaremos organizar e viabilizar até o momento de
pisar no SET, logo, se não houver um roteiro não há como iniciar de maneira concreta os trabalhos da pré produção, já
que não saberíamos ao certo o que seria necessário. Todo filme nasce com uma idéia que acaba se transformando num
roteiro que por sua vez serve de alicerce para toda a produção. Eu sei que muitos leitores e novos cineastas podem ficar
ansiosos e desejando chegar logo nos truques e dicas de produção, equipamentos etc... mas seria um equívoco
hediondo não falar da primeira – e certamente uma das mais importantes – etapas na realização de um longa: a
elaboração do roteiro. Ter um bom roteiro nas mãos vale ouro: para que se tenha uma vaga idéia do peso e importância
dessa etapa, basta ler as crí cas de cinema ou observar a reação do público ao assis r filmes. Ao que exatamente eles
reagem? Na maioria esmagadora das vezes, tanto o público como a crí ca reagem essencialmente ao roteiro, ou ainda, à
história que está sendo contada! Quantas vezes você já foi ao cinema e ouviu, ao término da sessão, alguém do público
comentar: “...gostei do filme, mas o tratamento de cor não estava adequado e a sonoplas a não ficou homogêna...” ? Ou
ainda, quantas vezes você leu um ar go de crí ca em jornal ou revista alegando algo como “...os filtros u lizados na
edição e as lentes escolhidas pelo fotógrafo determinaram o tom perfeito da obra...” ? Imagino que nunca, estou certo? Pois
é, o público reage essencialmente à história que está sendo contada e quase nunca à aspectos técnico-ar s cos como
fotografia, direção de arte ou edição! Quando alguém fala que gostou ou detestou um filme, geralmente estão se
referindo ao desenrolar da história apresentada e à forma como ela foi transmi da e desenvolvida, ou seja, estão se
referindo e reagindo principalmente ao roteiro! Uma excelente professora que ve em Los Angeles chamada Nicole
Panter costumava dizer que uma equipe de produção, mesmo que inexperiente, com certeza alcançaria algum êxito se
vesse como ponto de par da um roteiro excelente; já o contrário jamais aconteceria, se o roteiro for fraco ou ruim,
mesmo uma equipe altamente qualificada estará fadada ao fracasso. Pode ser uma afirmação radical, mas não deixa de
ser per nente (ainda mais proferida por alguém com o gabarito de Panter, que trabalhou por anos nos mais diversos
estúdios de Hollywood). Portanto, todo o tempo que se gasta amadurecendo uma idéia e aperfeiçoando um roteiro
nunca é demais. Mas então, o que é exatamente um bom roteiro e como escrevê-lo? Para se ter um bom roteiro é
obrigatório que se tenha uma excelente história na cabeça? Sim e Não, e isso é um equívoco constante entre estudantes
e roteiristas iniciantes. Um bom roteiro não é necessariamente uma BOA história, mas sim uma história muito BEM
CONTADA. Qualquer história, por mais simples ou desinteressante que possa parecer, pode ser contada de mil e uma
formas diferentes, e justamente nisso reside a técnica e a habilidade do roteirista: a arte de “COMO” contar ou
desenvolver uma história. Todos sabem que uma piada qualquer pode soar engraçadíssima ou ser um fiasco completo
dependendo da forma como for contada, correto? Pois bem, com roteiros a coisa é bem parecida. É necessário dominar
as técnicas e ferramentas dramá cas e narra vas para saber como contar uma história e, consequentemente, como
redigir um bom roteiro. Mais uma vez, é importan ssimo frisar que o êxito do roteiro não depende unicamente da
história nem do gênero. É possível encontrar roteiros maravilhosamente bem escritos no Drama, na Comédia, na Ação,
Suspense, Horror etc... até documentários podem (e devem!) fazer excelente uso de roteiros bem estruturados!
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COMEÇANDO PELO COMEÇO - ROTEIRO, ROTEIRO, ROTEIRO!
Vamos então às vias de fato: como escrever um roteiro? Evidentemente, há uma variedade abundante de livros
especializados no assunto (e sem dúvida seria possível dedicar este livro inteiro somente à arte e técnica necessárias
para elaboração e desenvolvimento de bons roteiros), vou, portanto, me ater àquilo que considero verdadeiramente
essencial para que o cineasta possa de fato começar a “escrever” seus roteiros de maneira coerente e crí ca. Esse livro
vai cobrir de modo prá co e obje vo as técnicas que aprendi e desenvolvi ao longo de anos de estudos bem como os
frutos da minha experiência de mais de uma década como roteirista e professor de cinema em diversas ins tuições:
1) ESTUDE! CONHEÇA SEU OFÍCIO E CRIE REFERÊNCIAS:
Para que um músico/instrumen sta tenha uma formação sólida e completa, é necessário que ele ESCUTE muita
música, só assim ele terá um vocabulário rico em referências musicais para construir seu próprio “es lo”. O mesmo
acontece com grandes pintores, bailarinos e demais ar stas: todos possuem uma ampla cultura no que tange seus
ofícios. Pois bem, o ofício do roteirista é a escrita, portanto, leia! Não apenas roteiros, mas literatura em geral. Para
escrever bem, é importante ler bem! De Machado de Assis até José Saramago, de Dostoievsky até Guimarães Rosa!
Se você quer escrever, devore livros! Até mesmo a literatura especializada na área, ou seja, livros “técnicos” sobre
roteiros serão aproveitados de outra forma se você possuir uma farta bagagem literária (inclusive, jamais recomendo
aos meus alunos que leiam livros sobre “roteiros” sem antes criar o hábito da leitura “literária”, afinal de contas,
muitos dos especialistas em técnicas de roteirização farão referências constantes à obras diversas da literatura. Se
você não possui tais referências, não poderá aproveitar tais referências). Querer escrever roteiros sem antes ler é o
mesmo que querer tocar um instrumento sem jamais ter escutado música. E para aqueles que já possuem o hábito
da leitura e procuram por fontes específicas, existe disponível, conforme mencionei, farta literatura específica no
assunto . Para mencionar apenas os clássicos e “hits” adotados em grande parte do mundo e na maioria das escolas,
cito os livros de Syd Field que podem ser facilmente encontrados na maioria das livrarias. No Brasil, o mais popular
parece ser o “Manual do Roteiro”, porém existem outros títulos igualmente interessantes do mesmo autor. Além de
Syd Field, Robert Mackee e seu livro “Story” também merecem atenção. Evidentemente, uma etapa essencial seria a
leitura dos grandes dramaturgos (William Shakespeare, Anton Chekhov, Henrik Ibsen, Arthur Miller etc.). É
indiscu vel que o roteiro cinematográfico derivou da escrita teatral, portanto, familiarize-se com as grandes obras
do teatro e procure sempre entender o que o agrada ou desagrada em cada obra. Desenvolver a capacidade de
exercer uma leitura crí ca e reflexiva é o primeiro passo de qualquer roteirista sério.
2) CONHEÇA AS REGRAS DO JOGO E NORMAS ESPECÍFICAS:
Escrever roteiros é uma arte específica e não tem nada a ver com escrever um livro, por exemplo. Num livro, o
escritor/autor reina soberano, já que a finalidade de sua obra é o livro per se. Ou seja, aquilo que ele escreve já é o
resultado e o propósito final daquela forma de expressão ar s ca. Com roteiros a coisa não funciona assim, já que,
ao contrário de um livro, um roteiro é o INÍCIO de uma realização ar s ca e não o fim, ou seja, depois de escrito,
revisado e finalizado, um roteiro passará de mãos em mãos por todas as pessoas de uma equipe. Cada profissional
lerá a obra de forma diferente, com ênfase nos aspectos inerentes ao seu ofício (os atores, por exemplo, certamente
lerão a obra dando atenção especial à forma como as personagens foram desenvolvidas, já um diretor de arte
certamente pousará seu foco sobre outros aspectos esté cos inerentes ao futuro filme). Possivelmente o roteiro
sofrerá diversas alterações e ajustes até que venha a ser gravado, e finalmente, montado e editado. Numa conversa
com o exímio montador brasileiro Daniel Resende (indicado ao Oscar® por seu trabalho em Cidade de Deus), ele
sabiamente afirmou que cada longa-metragem envolve na realidade três filmes diferentes: um que está no papel – o
roteiro - , que acaba se transformando em um “segundo” filme quando é gravado, e, finalmente, resultando num
terceiro filme durante a montagem e edição. Dessa forma, por mais que a escrita pareça ser um trabalho solitário, um
roteiro está envolvido num processo extremamente colabora vo, e para que esse processo se desenrole da melhor
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COMEÇANDO PELO COMEÇO - ROTEIRO, ROTEIRO, ROTEIRO!
forma possível, há uma série de regras que devem ser observadas. Engana-se quem pensa que tais regras podem
limitar a cria vidade ou liberdade do escritor. Muito pelo contrário: as regras servem para auxiliar o trabalho da
equipe como um todo – e isso evidentemente inclui o escritor. O alicerce básico dessas normas técnicas encontra-se
apoiado em dois pontos principais: o conceito da “linguagem visual” e a formatação específica e padronizada para
roteiros cinematográficos, o que nos leva ao próximos tópico:
3) ENTENDENDO A “LINGUAGEM VISUAL”:
“Linguagem Visual” talvez seja o mais importante conceito no que se refere à redação de roteiros para cinema.
Diferentemente de livros ou de qualquer outra forma de escrita em poesia, prosa e por aí a fora (onde tudo é
permi do), em roteiros só é aconselhável escrever “AQUILO QUE SE VÊ” (daí a o termo “linguagem visual”). Isso
quer dizer que absolutamente tudo que for abstrato, subje vo ou interpreta vo como emoções, sen mentos ou
pensamentos devem ser evitados. Frases como “Amanda sorri repleta de vibrante entusiasmo por lembrar-se da manhã
agradável no parque” podem funcionar maravilhosamente bem em prosa, mas não são prá cas para um roteiro, já
que o “vibrante entusiasmo” não é algo concreto, que possa ser obje vamente gravado. Além disso, a audiência não
conseguirá “VER” aquilo que está somente no pensamento ou na memória da personagem, ou seja, a “lembrança” da
manhã agradável no parque. Como a audiência poderá saber o que leva a personagem a sorrir? Se o autor quiser
revelar essa informação, terá de fazê-lo através de uma ação concreta e visível, ou de um diálogo, ou ainda, através
de uma outra cena na qual vejamos a personagem no tal parque, caso contrário, tudo que a audiência verá será a
personagem sorrindo. Da mesma forma, jamais insira em seu roteiro ações que não podem ou não devem ser vistas.
Tome como exemplo: “Raquel aproxima-se de Mariana e faz um gesto imperceptível com a cabeça.” Ora, se o gesto é
“impercep vel”, como então o operador de câmera e a audiência poderão perceber tal gesto? Se eles conseguirem,
então o gesto NÃO terá sido imperceptível, correto? Ou ainda frases como “Celso caminha lentamente trazendo um
revólver escondido em sua cintura”, novamente, se o revólver está escondido, ninguém o está vendo (e
consequentemente o roteirista não precisa mencioná-lo até o momento em que efe vamente o tal revólver seja
visto. Após muitos anos dando aulas à centenas de alunos, percebi que desenvolver a capacidade de escrever em
“linguagem visual” é uma das maiores dificuldades no processo de aprender a roteirizar, já que, de uma forma ou de
outra, todos nós estamos acostumados a escrever de maneira livre, incluindo todo po de abstracionismos ou
elementos invisíveis aos olhos. Resumindo, é preciso sempre lembrar que a finalidade do roteiro é criar uma cena
que será gravada e projetada numa tela, portanto, o melhor truque para cul var a técnica de escrita em linguagem
visual é sempre “visualizar a cena” numa tela, e aí, colocar no papel exatamente aquilo que você VIU em sua tela
imaginária. Foque na “AÇÃO”, ou seja, naquilo que ACONTECE, e deixe que as emoções e abstrações fiquem a cargo
dos atores e da platéia que irá absorver tudo aquilo.
4) FORMATAÇÃO DE ROTEIROS:
Vamos agora começar a colocar o roteiro na página! No entanto, antes de simplesmente apontar aleatoriamente
dados técnicos que precisam ser seguidos, é importante explicar a razão de exis r tal formatação: primeiramente,
deve-se lembrar que um roteiro será u lizado por diversos profissionais numa equipe de cinema e que cada um
precisará localizar elementos necessários ao seu ofício específico. Um Diretor de Fotografia, por exemplo, precisará
iden ficar prontamente quantas locações serão u lizadas no projeto, bem como o po (dimensões e espaçamentos
etc...) dessas locações e a presença ou ausência de luz natural nas cenas. Já um Produtor de Elenco deverá ser capaz
de verificar com facilidade quantos atores serão necessários – bem como seus perfis. E assim sucessivamente com
cada profissional, ou seja, cada membro da equipe relaciona-se com o roteiro de maneira única. Exatamente daí
surge a necessidade de padronizar uma formatação que FACILITE e auxilie e trabalho de todos. Além disso, a
formatação adotada pela indústria não apenas facilita o trabalho da equipe como também proporciona uma
sincronia matemá ca impressionante e extremamente conveniente: uma página equivale a aproximadamente um
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minuto de filme, de tal forma que é possível prever a duração do filme (com pequena margem de erro) com ele ainda
no papel! Acredito que esses argumentos já sejam o suficiente para es mular os escritores e aspirantes a roteiristas
a adotarem a formatação industrial, correto? Então vamos ao dados:
* Fonte: Antes de mais nada, atenção à fonte! Para redigir um roteiro, u lizamos
UNICAMENTE a fonte Courier New tamanho 12. Jamais u liza-se negrito ou itálico.
* Cabeçalho de Cena: Num roteiro, as cenas são determinadas pelas LOCAÇÕES, ou seja, cada novo lugar significa uma
nova cena, e cada nova cena exige um novo cabeçalho. Um cabeçalho contém somente três elementos: informa se é
uma locação externa ou interna (ou seja, se é um ambiente fechado ou ao ar livre), o nome da locação propriamente
dito, e, finalmente, se é dia ou noite. Esses elementos aparecem em letras maiúsculas e de forma abreviada conforme o
Exemplo 1:
Exemplo 1 (modelo de cabeçalho):
EXT. RUA DE SÃO PAULO. NOITE
ou
INT. ESCRITÓRIO DE ÂNGELA. DIA
* Ação e Diálogo: Agora, cada cena pode apresentar dois elementos – a “Ação” , ou seja, aquilo que ACONTECE na cena,
e os “Diálogos”, aquilo que as personagens falam. Toda a “Ação” deve ser redigida em tempo verbal presente simples,
sem gerúndios, pretéritos ou futuros, já que reflete precisamente aquilo que é visto na tela. Já as personagens, quando
APRESENTADAS pela primeira vez na “Ação”, aparecem com nomes em letra maiúscula seguidos por indicação de
idade. Não usa-se parágrafo e o espaçamento é simples. Os diálogos são centralizados e ocupam SOMENTE o terço
central da página (imagine uma página dividida em três colunas idên cas e insira o diálogo na coluna do meio).
Observe o Exemplo 2:
Exemplo 2 (modelo de ação e diálogo):
ÂNGELA (30) está sentada à mesa. Ela assina documentos.
EDUARDO (65) entra.
EDUARDO
Oi, Ângela. Vamos ao cinema
hoje?
ÂNGELA
Acho que não vou conseguir.
Preciso fechar os contratos até amanhã.
EDUARDO
Sem problemas. Fica pra
próxima então.
Eduardo sai do escritório.
Com isso, cobrimos os três elementos estruturais básicos de um roteiro: Cabeçalho de Cena, Ação e Diálogo, mas
cuidado: lembre-se que o papel do roteirista é CONTAR uma história, portanto, evite colocar indicações de câmera ou
tentar “dirigir” os atores. Essas são funções do DIRETOR e DIRETOR DE FOTOGRAFIA (veremos todas as funções de
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uma equipe mais adiante). Eles não vão dizer ao roteirista como escrever sua história, logo, espera-se que o roteirista
também não diga à eles como desempenhar suas funções. É comum em roteiros iniciantes flagrar erros como os
ilustrados no Exemplo 3:
Exemplo 3 (modelo de ERRO):
A câmera revela um calendário sobre a mesa. O ângulo da câmera se abre e vê-se Ângela,
pensativa e angustiada, observando o calendário.
Bom, para corrigir essa cena, em primeiro lugar devemos re rar todas as indicações de câmera (até porque,
convenhamos, dizer que a “câmera revela” algo é uma redundância e tanto, não? Estamos falando de um roteiro que
deverá ser transformado em filme, logo, TUDO será “revelado” pela câmera!). As indicações de emoção para a
personagem também devem ser eliminadas, já que o trabalho de interpretar é responsabilidade dos atores e diretor!
Tenha a certeza de que um bom ator saberá a emoção necessária à uma cena (desde que o texto esteja coerente, é
claro!). A Ação acima, se corrigida, resultaria no Exemplo 4:
Exemplo 4 (correção do erro):
Há um calendário sobre a mesa. Ângela o observa.
Um tanto mais simples, não?
*Espaçamento: Todo espaçamento em roteiro é simples, pulando-se somente uma linha de cabeçalho para ação, uma
linha de ação para diálogo, uma linha de diálogo para diálogo e duas linhas antes de um novo cabeçalho.
*Par cularidades de formatação: Finalmente, no que diz respeito à formatação, resta ainda apontar recursos que
aparecem com menos frequência mas que podem eventualmente ser necessários para sua história, por exemplo:
*Sons específicos devem ser escritos como “Ação” e aparecem também em letras maiúsculas.
*Se uma personagem está NARRANDO a história, ou seja, se podemos ouvir a sua voz mas ela não está
necessariamente na cena, indicamos entre parênteses e ao lado do nome da personagem a rubrica VO (abreviação
para Voice Over). U lizamos o recurso de Voice Over também em cenas em que desejamos “ouvir” o pensamento
de alguma personagem, ou por exemplo, nas famosas cenas em que uma personagem lê uma carta e escutamos a
voz de quem a escreveu. Em outras situações, caso a personagem esteja presente na cena e realmente fale mas não
seja vista (alguém cuja voz somente ouvimos através do telefone, por exemplo, ou ainda alguém que fale de outro
cômodo de uma casa), indicamos entre parênteses e ao lado do nome dessa personagem a rubrica OS (abreviação
para Off Screen).
*
Finalmente, se por acaso acreditamos que seja importante para o roteiro que a câmera registre em close-up
algum detalhe específico, podemos inserir isso escrevendo no canto esquerdo da página (e em letras maiúsculas) a
palavra “INSERT”, ao lado da qual apontamos o detalhe que deve ser observado. Agora, se juntarmos todos os
exemplos listados acima, teremos uma pequena cena de roteiro na íntegra sinte zando os elementos básicos da
formatação padrão industrial:
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Exemplo 5:
INT. ESCRITÓRIO DE ÂNGELA. DIA
ÂNGELA (30) está sentada à mesa. Ela assina documentos.
EDUARDO (65) entra.
EDUARDO
Oi, Ângela. Vamos ao cinema
hoje?
ÂNGELA
Acho que não vou conseguir.
Preciso fechar os contratos até amanhã.
EDUARDO
Sem problemas. Fica pra
próxima então.
Eduardo sai do escritório.
Há um calendário sobre a mesa. Ângela o observa.
INSERT – No calendário, está circulada a data “20 de
Junho”.
Som de MADEIRA QUEBRANDO.
ÂNGELA
Eduardo, tudo bem aí?
EDUARDO (OS)
Tudo. Foi a cadeira que
ÂNGELA (VO)
Esse escritório está caindo
quebrou.
aos pedaços!
Finalmente, vale lembrar também que há so wares desenvolvidos exclusivamente para redação de roteiros (como o
Celtx ou Final Dra ) que podem ser comprados e já realizam automa camente essa formatação.
5) ESTRUTURA NARRATIVA
Agora que estudamos o básico de formatação, é hora de abordar um pouco daquilo que chamamos “estrutura
narra va”, ou seja, o desenvolvimento uma história. Esse é provavelmente o tópico mais complexo naquilo que
tange roteiros. Como contar uma história de maneira a ca var e prender o público, independente do gênero? Um
rápido background histórico e informa vo: o primeiro homem a estudar de maneira séria e sistemá ca essa “arte de
contar histórias” foi o grego Aristóteles. Intrigava ao filósofo os aspectos que faziam as histórias “prenderem” as
audiências (ainda mais num período em que a tradição oral colocava os contadores de histórias numa posição
delicada!), e após bastante observação e análise detalhada ele chegou à constatação de que, REALMENTE, as
histórias precisavam apresentar determinados elementos para a ngir êxito junto ao público. Até hoje, u lizamos as
observações e constatações de Aristóteles para escrever roteiros e denominamos esse conjunto de aspectos em sua
aplicação prá ca como “Estrutura Clássica Aristotélica”. Grande parte dos roteiros de sucesso (sejam eles filmes de
aventura hollywoodianos ou dramas existenciais europeus) apresentam em sua estrutura narra va bastante dessa
Estrutura Clássica Aristotélica (aliás, vale salientar que quase todos os apontamentos e estudos de Syd Field, o
“papa” dos roteiros, baseiam-se em Aristóteles), portanto, pretendo salientar ao menos de forma sinté ca uma base
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dessa estrutura para que sirva como “porta de entrada” para novos escritores. Aristóteles defendia, a princípio, uma
idéia que hoje nos parece simples e lógica: toda história deveria apresentar TRÊS ATOS, três momentos dis ntos de
desenvolvimento, ou seja: começo, meio e fim! Embora a idéia pareça rudimentar, sua aplicação e desenvolvimento
não é tão simples assim. O filósofo destrinchava cada um desses atos e revelava exatamente que po de elemento
deveria estar presente em cada um deles. Que me perdoem os ortodoxos e acadêmicos, mas, para fins ilustra vos e
sobretudo prá cos, disponibilizo aqui um sistema simples e fácil de ser entendido e que talvez já possa ajudar os
roteiristas:
PRIMEIRO ATO: representa aproximadamente 10 – 20 porcento da história. Nesse ato, deve-se apresentar as
principais personagens (protagonista/antagonsita), bem como seus OBJETIVOS (o que essas personagens
precisam/devem fazer ou alcançar) e os CONFLITOS e OBSTÁCULOS (o que está ENTRE as personagens e seus
obje vos, ou seja, aquilo que impede as personagens de alcançarem de imediato aquilo que almejam). Dessa maneira, a
audiência conhece as personagens, envolve-se com elas e cria expecta vas: “será que fulano conseguirá alcançar o que
deseja? Conseguirá conquistar sua amada? Conseguirá vingar a morte de seu pai? Conseguirá resgatar o filho
desaparecido?” e etc.
SEGUNDO ATO: o mais longo dos atos representa entre 60 – 80 porcento da história. É o momento do
DESENVOLVIMENTO dos conflitos. As personagens passam a perseguir seus obje vos, porém, deparam-se com os
obstáculos e precisam superá-los. É literalmente o desenvolvimento/desenrolar da história, com todas suas
reviravoltas, estorietas secundárias (que chamamos de “sub plots”), momentos em que os desafios parecem
insuperáveis e as personagens cogitam desis r, revelações surpreendentes que possam ajudar a personagem em sua
jornada etc... esse desenvolvimento eventualmente conduz a audiência ao clímax do roteiro (lembrando que clímax não
significa necessariamente um momento grandioso, mas sim o ápice dramá co da história, seja uma revelação
importante, uma tragédia, uma grande batalha ou simplesmente uma decepção amorosa, por exemplo).
TERCEIRO ATO: o mais curto dos atos representa cerca de 10 porcento (ou menos) do roteiro. É a conclusão que se
forma após o clímax, o desfecho e resolução dos conflitos es pulados pelo escritor, ou ainda, o momento de
“recompensar” a audiência. Apresentamos protagonistas, levantamos questões, impusemos obstáculos e desafios e de
alguma forma a audiência sente a necessidade de ser recompensada (atenção: isso não significa, de modo algum, que os
finais precisem ser “finais” ou conclusivos, significa apenas que o “desfecho”, seja ele qual for, deve ser sa sfatório de
alguma maneira).
Há outros detalhes no que toca a Estrutura Clássica Aristotélica ou mesmo a “fórmula” de Syd Field, mas essa explicação
sucinta e obje va deve ao menos es mular os roteiristas a planejarem melhor o desenvolvimento de suas histórias e a
manterem-se dentro da formatação padrão exigida pela indústria. É importante frisar também que outros teóricos e
analistas de roteiros (como Robert Mackee) defendem estruturas diferenciadas com outras possibilidades de divisão de
atos, no entanto, a estrutura tradicional e clássica aqui apresentada sem dúvida irá sa sfazer – e provavelmente auxiliar
– a maioria dos roteiristas.
6) DESENVOLVA SUAS PERSONAGENS
Ao ter ideias interessantes para roteiros e histórias, lembre-se também de dar atenção para personagens bem
desenvolvidas e coesas. Antes de começar a escrever sem parar, reflita sobre cada personagem em sua história:
os desejos de cada um, traços de personalidade e comportamento, valores é cos, crenças, extração social e
econômica, nível cultural etc. Conhecer muito bem uma personagem é uma das ferramentas mais valiosas para
um roteirista, afinal, se você não souber direito “sobre quem” você está escrevendo, se não conhecer as
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mo vações ou a realidade de seus protagonistas, a tarefa pode beirar o impossível, correto? Portanto, crie o
hábito de refle r profundamente sobre as personagens que você cria. É comum que escritores experientes
pensem em suas personagens como se fossem seres vivos. O consagrado dramaturgo norueguês Henrik Ibsen
(autor de grandes pérolas do Teatro mundial como Peer Gynt e A Casa de Bonecas) era famoso por “conversar”
em voz alta com suas personagens. Pode parecer um hábito estranho, mas quando as personagens estão “vivas”
na cabeça e na imaginação dos roteiristas, a escrita flui com facilidade incrível.
7) LIDANDO COM BLOQUEIOS CRIATIVOS
É comum que roteiristas ou estudantes de cinema reclamem dos famosos e temidos “Bloqueios Cria vos”,
momentos temidos em que o desenvolvimento da história parece ficar paralisado e não sabemos ao certo como
prosseguir. A melhor estratégia para evitar os bloqueios cria vos é estudar minuciosamente os tópicos acima
mencionados. Se o escritor souber em detalhes qual é a estrutura narra va e dramá ca de sua história e se
conhecer muito bem as personagens, ou seja: souber sobre “quem” está escrevendo, o que essa personagem
deseja alcançar e por que ela assim o deseja, se souber quais são os principais desafios que ela deverá enfrentar,
quem são seus aliados inesperados e suas mo vações, e além disso conhecer profundamente as convenções
inerentes ao gênero (comédia, drama, aventura etc.) e possuir farto conhecimento literário repleto de
referencias, dificilmente o roteirista irá se deparar com um bloqueio cria vo! Se, ainda assim, você em algum
momento se encontrar “estagnado” frente à um bloqueio, procure não se forçar. Faça uma pausa, pense
calmamente nas suas personagens, coloque-se no lugar delas, assista filmes e leia livros que naveguem pelo
mesmo universo de sua história. Busque inspiração em músicas, pinturas ou dê uma volta por museus locais!
Resumindo: encha sua cabeça de boa arte. Nada como isso para convidar a “Musa” da Inspiração a retornar!
SAINDO DO PAPEL
Pois bem, agora é hora de começar a dar vida ao projeto e iniciar o processo de sair do papel! Como transformar
um roteiro num filme de fato? Como vender uma história ou fazê-la chegar nas mãos corretas? Ou ainda, como
selecionar uma equipe e encarar a realização do seu próprio projeto? Há resposta para tudo; diversas etapas
devem ser atravessadas para assegurar a qualidade do projeto e a inserção do seu filme no mercado, então,
vamos por partes:
8) PROTEJA SUA OBRA
Antes de mais nada, antes de anunciar aos quatro ventos o quão genial seu roteiro é ou sair distribuindo cópias
para amigos e conhecidos por aí afora, PROTEJA sua obra! Um bom roteiro é algo valioso e pode facilmente ser
roubado ou plagiado se não es ver devidamente protegido! Em pólos cinematográficos como Hollywood, plágio
e roubo de idéias é uma verdadeira paranóia entre escritores (e com razão! Lembre-se que onde há fumaça há
fogo, e muitas idéias foram roubadas ou plagiadas para depois render fortunas incríveis aos usurpadores! Mesmo
no Brasil, onde a indústria é radicalmente menor, é possível constatar tristes casos de plágio. Recentemente,
entrevistando um dramaturgo consagrado para um programa de TV que dirigi por muitos anos – e
evidentemente mantenho os nomes em sigilo para preservar privacidades – ouvimos que uma de suas peças
teatrais foi plagiada e transformada em telenovela sem que ele recebesse um tostão por isso!). Portanto, previnase! Nos EUA e Europa, não é raro um produtor ser obrigado a assinar um “termo de confidencialidade” antes
mesmo de ser autorizado a ler um roteiro! Mas afinal de contas, quais são as formas de “proteger” sua
propriedade intelectual, ou melhor, registrar um roteiro? No Brasil, o registro de obras literárias (incluindo
roteiros) é realizado junto à Biblioteca Nacional, com sede no Rio de Janeiro. Em São Paulo, há uma representação
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da Biblioteca Nacional na FUNARTE, localizada na Alameda Nothmann (Barra Funda), onde os registros também
podem ser efetuados pessoalmente. Outros estados e cidades devem consultar o site da Biblioteca Nacional
(www.bn.br) e localizar na sessão “serviços a profissionais” o “Escritório de Direitos Autorais”, que é o
responsável por esse trâmite. Feito isso, o autor preenche alguns formulários e documentos, paga uma taxa e
pronto! Recebe a princípio um protocolo e posteriormente uma inscrição oficial que garante seus direitos sobre
sua obra! Também é possível registrar seu roteiro internacionalmente através do Writers Guild of America. Os
procedimentos e exigências (conhecimento de um pouco de inglês certamente será bem vindo!) podem ser
verificados em www.wga.org . IMPORTANTE: Muitos já devem ter ouvido falar no “truque do Sedex”, correto?
Corria a lenda de que para registrar uma obra bastava enviar a si mesmo por correio - e via SEDEX – uma cópia da
obra que ficaria “eternamente” lacrada para casos de disputas jurídicas...não confie nesse truque! Se existem
mecanismos apropriados e oficiais para o registro de obras intelectuais, faça uso deles! (além disso, um escritor
prolífico que fizesse uso do truque do sedex precisaria de armários e mais armários para guardar envelopes
“lacrados para a eternidade”... meio bizarro, não?)
9) VENDENDO SEU ROTEIRO
Essa é a pergunta que não quer calar e que escuto há anos e anos quando ministro cursos de roteiro no La n
American Film Ins tute (LAFilm) ou outros lugares e universidades do Brasil e do mundo. É realmente um ponto
complexo e não há mágica, mas existem sim alguns caminhos. Antes de mais nada, tenha em mãos também (além
do roteiro), uma sinopse bem redigida ou o “argumento” escrito do seu roteiro, afinal de contas, muitas vezes um
comprador em potencial não terá tempo de ler um roteiro inteiro de cerca de 100 páginas antes mesmo de saber
se aquilo lhe interessa ou não. Dessa forma, se a sinopse agradar, o comprador poderá então dedicar seu tempo à
uma leitura atenta. Porém, onde encontramos esses tais compradores? Quem compra roteiros? Uma prá ca
comum em muitos países do mundo (infelizmente ainda não é uma prá ca comum no Brasil) é a realização de
Feiras (“Markets”) para pitching, aquisição/compra e “op on” (uma espécie de aluguel temporário) de roteiros.
São literalmente feiras de negócios, como convenções, onde empresas ou produtores com interesse em comprar
roteiros e filmes se reúnem e avaliam o que há disponível. Geralmente essas feiras são rela vamente caras para
os par cipantes e exigem um bom domínio da língua estrangeira – isso sem contar que os roteiros também
devem estar redigidos em inglês – mas certamente valem a pena! Muitos roteiristas planejam-se e economizam o
ano todo para par cipar das feiras – para onde levam não apenas um, mas vários de seus roteiros para aumentar a
chance de fechar negócios. Tenha certeza que muito dinheiro troca de mãos nessas feiras, e uma boa fonte para
informar-se acerca de datas e locais de realização é o já mencionado Writers Guild of America. Há ainda fes vais
nacionais e internacionais que selecionam e premiam roteiros (o mais famoso sendo Sundance, nos EUA) além de
alguns prêmios e editais no Brasil também. Além dessas opções para venda de roteiros, há ainda o “caminho das
pedras”, ou seja: entre em contato diretamente com produtoras e/ou diretores de cinema e procure saber se elas
estão recebendo sinopses ou argumentos para aquisição de roteiros. Negocie e não seja tímido! Todos querem
fazer um bom filme e sabem que isso começa com um bom roteiro. Quanto aos valores de compra e venda, uma
boa referência são os Sindicatos dos Trabalhadores na Indústria Cinematográfica (SindCine, consulte o de seu
Estado), que es pulam pisos salariais para profissionais e serviços. Porém, lembre-se de algo importantíssimo:
UMA VEZ VENDIDO, o roteiro não é mais SEU! Vendeu, vendeu! E o comprador pode fazer as alterações que
desejar. Nada mais justo, correto? Se eu comprar uma camiseta, ela é minha e posso pintá-la da cor que eu quiser.
O mesmo vale para roteiros. É prá ca comum e quase obrigatória um roteiro passar por diversos tratamentos,
ajustes e alterações até que se chegue ao tratamento final. Uma prá ca cada vez mais comum na indústria é a
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Capítulo
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contratação de “Script Doctors” , analistas e experts em desenvolvimento de roteiros cuja função é precisamente
ajustar e modificar o roteiro de modo a atender as expecta vas dos profissionais envolvidos na produção ou
ainda expecta vas relacionadas ao público alvo, portanto, se você planeja redigir e vender roteiros, acostume-se
desde cedo a pra car o “desapego” com relação à sua obra. Pode até parecer cruel para os iniciantes, mas
querendo-se ou não, é a realidade!
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A EQUIPE DE CINEMA
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A EQUIPE DE CINEMA
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Capítulo
A EQUIPE DE CINEMA
Vamos começar a analisar as funções e responsabilidades específicas de cada profissional durante a produção e
realização de um projeto cinematográfico. EM TEMPO: vale frisar que, diferentemente de lugares como EUA e Índia (onde a
indústria cinematográfica é imensa e altamente padronizada), no Brasil – provavelmente em função de uma indústria ainda
limitada e rela vamente pequena – as
“responsabilidades” e incumbências de cada profissional parecem variar sensivelmente de acordo com cada equipe, empresa
produtora e/ou escola. Explico: trabalhei nos EUA por muitos anos em diversos projetos audiovisuais na California, Nova
York, Texas etc… lá, independente da cidade ou da equipe responsável pelo projeto, um “Assistente de Direção” era sempre
um “Assistente de Direção” e fazia pra camente as mesmas coisas em todos os projetos (com alterações mínimas). Já aqui no
Brasil, desde que retornei e ingressei a va e intensamente no mercado de trabalho, pude verificar que as funções de um
Assistente de Direção, por exemplo, podem variar enormemente de acordo com o projeto e/ou equipe. Somente a título de
ilustração e para que se perceba a amplitude desse problema, há, no Brasil, profissionais que defendem a tese de que um
Diretor de Fotografia seria responsável somente pela iluminação de um projeto, enquanto outros alegam que o Diretor de
Fotografia, além da iluminação, seria autor da decupagem (ângulos, enquadramentos e movimentos de câmera) e, em certos
casos, até mesmo responsável por operar a câmera. Portanto, que esse capítulo sirva de referência e base para suas
escolhas mantendo-se em mente que existe sim certa flexibilidade.
Para começar, vamos entender um conceito básico: a grosso modo, podemos dividir uma equipe de cinema em duas
grandes categorias interdependentes – a equipe logís ca e a equipe artís ca. Essas duas equipes trabalham em conjunto e
se comunicam constantemente, o que as diferencia é o fato de que enquanto uns pesquisam e desenvolvem conceitos
artís cos e esté cos (equipe artís ca) outros asseguram que tudo seja devidamente realizado (equipe logís ca).
Evidentemente há profissionais híbridos, cujas funções esbarram tanto em conceitos artís cos como em elementos
logís cos. Para mencionar apenas as funções básicas, poderíamos listar a princípio:
EQUIPE “ARTÍSTICA” BÁSICA:
*Diretor
*Assistentes de Direção (profissional híbrido - ar s co/logís co)
*Diretor de Fotografia
*Assistentes de Câmera (Primeiro e Segundo) ou Assistentes de Fotografia
*Diretor de Arte/Produc on Designer e Assistentes
*Operadores de Câmera
*Técnicos de Som Direto
*Montadores, Editores
*Coloristas
*Técnicos e engenheiros de som para Pós produção
*Con nuistas ou Script Supervisors (Profissional Híbrido: ar s co/logís co)
EQUIPE “LOGÍSTICA” BÁSICA:
*Diretor de Produção
*Assistente de Direção (Profissional Híbrido: ar s co/logís co)
*Produtor do Set ou “Line Producer”
*Produtor Execu vo
*Produtor de Elenco
*Produtor de Objetos
*Produtor de Locação
*Produtor de Arte
*Assistentes de Produção
*Con nuistas ou Script Supervisors (Profissional Híbrido: ar s co/logís co)
*Cenógrafos, figurinistas, maquiadores, cabelereiros
*Logger
*Maquinista ou Key Grip
*Eletricista ou Gaffer
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A EQUIPE DE CINEMA
DIRETOR DE PRODUÇÃO ou “PRODUTOR”: Esse profissional é o grande responsável por criar as condições adequadas
(ou até mesmo “ideais” ) para toda a realização cinematográfica. Uma das funções mais importantes do Produtor é
conseguir perceber qual seria a equipe perfeita para a realização de um determinado projeto (levando em considerações
não apenas aspectos ar s cos e profissionais mas também aspectos mercadológicos). O Produtor contacta todos os
profissionais chaves de equipe, par cipa das negociações, faz a ponte entre as exigências dos estúdios e as realizações no
set e é, consequentemente, o grande responsável pelo êxito de um filme, afinal de contas, definir o me perfeito é o
primeiro (e talvez mais importante) passo no planejamento de um filme. Coordena e supervisiona a vamente todas as
etapas de um projeto, desde a pré até a pós produção garan ndo que todas as funções sejam desempenhadas de maneira
correta e eficaz até a conclusão e finalização do filme. É o responsável por SUPERVISIONAR a quebra de roteiro,
implementação de estratégias de captação e financiamento do projeto, organização do cronograma, contratações de
profissionais da equipe, aluguel de equipamentos, delegação de funções e negociações com distribuidores. Muitos
produtores optam por não visitar o set pessoalmente e supervisionam todas as etapas através de relatórios, nesse caso, é
essencial que os produtores possam contar com Assistentes de Direção e Line Producers de confiança que tenham
segurança, firmeza e experiência para conduzir os afazeres no set de gravação.
PRODUTOR EXECUTIVO: Diferentemente do Diretor de Produção, o Produtor Execu vo tradicionalmente se envolve
pouco com os aspectos “prá cos”da realização cinematográfica dedicando-se mais à preocupações burocrá cas,
financeiras e econômicas necessárias à produção do filme. Geralmente está associado ao processo de captação e
gerenciamento de recursos e verba, mas em certos casos pode estar profundamente ligado ao processo de prestação
de contas e elaboração do projeto e Business Plan.
PRODUTOR DE ELENCO: Responsável por cuidar de todos os trâmites logís cos que envolvam atores como
organização e agendamento de testes, seleção de atores, ensaios, testes de maquiagem e figurino (junto à maquiadores
e figurinistas), transporte, alimentação, estadia e bem estar do elenco durante as gravações. Também chamado de
“Diretor de Cas ng”.
PRODUÇÃO DE OBJETOS: Também conhecido como “prop master”, cuida da logís ca de absolutamente todos os
objetos de cena. Providencia e divide os objetos de acordo com as cenas e dias em que serão u lizados, disponibiliza os
objetos e guarda-os de modo organizado após as gravações.
PRODUTOR DE LOCAÇÃO: Também chamado de “Loca on Scout”, é responsável por “segurar” as locações
necessárias para um projeto. Localiza diversas locações que possa servir ao filme, registra-as em fotos ou videos para
conferência do Diretor e Produtor, percebe e verifica questões logís cas como dimensões da locação (para os
fotógrafos e equipe de arte), situação elétrica para uso de equipamentos, facilidade de acesso, presença de banheiro,
necessidade de seguros para u lização da locação e assinatura de contratos que garantam o uso das mesmas.
DIRETOR: “Contador de Histórias” por excelência, o Diretor é o “Maestro” conduzindo toda a orquestra que elabora um
filme. É o responsável por todos os aspectos cria vos e artís cos do filme, elaborando a “linguagem” ou proposta
ar s ca do projeto (ou seja, definindo “como” a história sera contada), orientando a performance dos atores e
fornecendo as diretrizes específicas para a equipe de cinematografia e arte. O Diretor também supervisiona e aprova –
ou não – o trabalho desenvolvido pelo cinematógrafo (Diretor de Fotografia) e Diretor de Arte. É o “visionário”
responsável pela “coesão”, integridade e assinatura artís ca do projeto.
ASSISTENTE DE DIREÇÃO: Em essência e resumo, o A.D. é o profissional responsável por fazer a conexão entre a visão
ar s ca do diretor e a realização dessa visão por parte da equipe e elenco. Ou seja, o A.D. é a principal “ponte" entre o
artís co e o logís co em um SET de gravação. O A.D. é responsável por manter a ORDEM e ORGANIZAÇÃO no SET.
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A EQUIPE DE CINEMA
Para isso, ele pode contar com a ajuda de Produtores de Linha (Line Producers) ou Produtores de SET, porém, como o
A.D. geralmente está muito mais inteirado de todo o processo de realização ar s ca é mais fácil que ele consiga
diagnos car problemas em setores diversos e saber como resolvê-los sem prejudicar a integridade esté ca do filme e a
visão do diretor. Ao manter a ordem e organização em um SET, o A.D. responde tanto aos produtores quanto ao diretor.
O A.D. pode trabalhar a vamente junto ao diretor e diretor de fotografia na elaboração da SHOTLIST (tópico que será
abordado mais adiante). O trabalho de atribuir TEMPO e DURAÇÃO para cada take é responsabilidade do A.D., ou seja,
o A.D. es ma quanto tempo será necessário para cada take/tomada, organiza isso na Shotlist e MONITORA e
SUPERVISIONA a evolução da gravação de acordo com o tempo no SET. Caso alterações de horário e tempo sejam
necessárias em decorrência de atrasos, o A.D. deve modificar e ajustar a Shotlist de acordo. Caso seja necessário
eliminar takes, o A.D. deverá organizar e determinar quais takes serão eliminados seguindo uma ordem de prioridade
que não prejudique a visão do diretor e a integridade do filme. Por conhecer em detalhes todos aspectos artís cos bem
como os aspectos logís cos de um filme, o A.D. também é o responsável por elaborar a ORDEM DO DIA (“callsheet”)
detalhada e enviá-la para todos os integrantes da equipe. O A.D. é responsável por coordenar, orientar e organizar toda
a performance dos figurantes e extras. O A.D. é o responsável por comandar o PROTOCOLO de gravação antes de cada
take. Após o “Corta" , o A.D. é responsável por verificar se o take foi validado e orientar a equipe quanto ao próximo
procedimento. Deve ainda orientar o con nuista/Script Supervisor quanto à validações ou observações a serem
incluídas nas planilhas e relatório. Caso o Diretor assim o peça, o A.D. pode ser responsável inclusive por chamar o
“Ação” e o “Corta” .
Em produções de grande porte, o A.D. pode ter seus assistentes (Segundo A.D., Segundo Segundo A.D., Terceiro A.D.) e
dividir as tarefas acima descritas.
PRODUTOR DE SET / LINE PRODUCER: Devido ao grande acúmulo de funções prá cas e logís cas do A.D., o
produtor transforma-se muito mais em um GERENTE da produção, supervisionando as funções de todos os
profissionais, garan ndo que todos estejam desempenhando de acordo com o projeto, controlando o orçamento final e
lidando com imprevistos. Ele monitora os afazeres de TODOS no set, incluindo a eficácia do A.D. e tem autonomia para
abordar e resolver problemas de natureza logís ca e orçamentária.
LOGGER: Função mais recente surgida com a necessidade de organizar e armazenar os arquivos gerados pelas cameras
digitais. O Logger cria tabelas indicando arquivos aprovados ou não (ou seja, sinalizando quais devem ser u lizados no
filme e quais devem ser descartados), realiza o back-up desses arquivos e comumente já coordena a conversão dos
arquivos para o format necessário para a montagem ou edição. O mesmo pode ser feito com os arquivos de audio.
DIRETOR DE ARTE e PRODUCTION DESIGNER: Função híbrida que comumente se confunde com o título de
“Produc on Designer”, esse profissional é responsável por criar conceitualmente todos os elementos artís cos/esté cos
de um filme como cenários, figurinos, maquiagens etc. elaborando o “projeto de Direção de
Arte”. Em produções maiores, geralmente essa função é atribuída ao “Produc on
Designer” e o “Diretor de Arte” ficaria diretamente subordinado ao Produc on Designer, realizando a ponte com a
equipe manual responsável por efe vamente viabilizar o projeto (marceneiros, construtores, figurinistas, maquiadores,
cabelereiros, cenógrafos etc.).
PRODUTOR DE ARTE: Diretamente subordinado ao Diretor de Arte ou ao “Produc on Designer”, o Produtor de Arte é
responsável por viabilizar o projeto de arte, coordenando e viabilizando a construção de cenários, compondo os
figurinos, maquiagens etc.
DIRETOR DE FOTOGRAFIA/CINEMATOGRAPHER: Esse profissional é o responsável por toda a equipe ligada à camera
e à iluminação bem como o responsável pelo trabalho realizado por essa equipe. Sob a supervisão do Diretor e de acordo
com suas orientações específicas e necessidades ar s cas/esté cas do projeto, o Diretor de Fotografia compõe o
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Capítulo
A EQUIPE DE CINEMA
enquadramento, define movimentos de camera, seleciona os equipamentos mais adequados para a necessidade do filme,
compõe a iluminação e decide os usos adequados de lentes, filtros, diafragma, obturador etc. Em certas produções, é
comum que o Diretor de Fotografia também opere a camera. Já em grandes projetos, é frequente que o Diretor de
Fotografia não opere mas apenas supervisione, oriente e direcione todo o trabalho referente à camera e luz.
OPERADOR DE CÂMERA: Diretamente subordinado ao Diretor de Fotografia, como o próprio nome (bastante autoexplica vo) da função já denota, esse é o profissional que fica literalmente atrás das cameras, operando e manuseando
o equipamento de acordo com as instruções do Diretor de Fotografia.
PRIMEIRO ASSISTENTE DE CÂMERA: Mão direita do operador de camera, esse profissional ajuda a ajustar os
parâmetros corretos da camera (medidas de diagragma, obturador, gammas), auxilia com uso e troca de lentes e filtros,
auxilia no ajuste do foco quando necessário e, em filmes rodados de modo analógico, é comum que o primeiro
assistente também coloque o filme (película) na camera.
SEGUNDO ASSISTENTE DE CÂMERA: Profissional responsável por organizar os equipamentos ligados à camera e
também por confeccionar, em conjunto com o con nuista, diários com informações precisas quanto aos ajustes e
parâmetros u lizados nesses equipamentos a cada cena. É também o responsável pela “Claquete”. Outra
responsabilidade su l porém essencial atribuída ao segundo AC é verificar que as lentes e filtros estejam limpos e
prontos para uso.
TÉCNICOS DE SOM DIRETO: Equipe de profissionais de tamanho variado responsável pela gravação do audio no set.
Organizam, controlam e manuseiam os equipamentos e não raro supervisionam uma gravação de audio já “prémixada”. Essa equipe escolhe e seleciona os microfones ideais, gravadores ou mixers, opera o boom e determina o
melhor posicionamento dos microfones no momento da gravação.
GAFFER: Esse é o profissional responsável pelos cuidados “elétricos” durante a produção de um filme. Ele verifica a
u lização correta e segura dos equipamentos elétricos bem como supervisiona o ajuste da iluminação.
KEY GRIP: Profissional que auxilia o Gaffer e também o Diretor de Fotografia, coordenando o deslocamento, montage e
ajustes de equipamentos pesados ou elétricos.
CONTINUISTA ou SCRIPT SUPERVISOR: Profissional responsável por evitar os erros de con nuidade em uma cena ou
ainda, nas transições de uma cena para outra. U lizando recursos como tabelas específicas ou cameras fotográficas e
de video, o con nuista registra as ações desempenhadas pelos atores, o posicionamento e a interação com objetos de
cena, o estado específico dos figurinos, cabelo e maquiagem de cada personagem bem como especificidades como
comidas, bebidas ou cigarros. Para garan r a con nuidade de uma cena para outra, esse profissional confere ainda
especial atenção ao início e término de cada take. Deve acompanhar o roteiro durante a gravação para verificar que
todas as falas tenham sido ditas e comunicar o diretor ou A.D. em caso omissões ou variações extremas. É também
importante acompanhar o roteiro durante a gravação e verificar onde o ator estava e o que estava fazendo durante cada
fala (havendo alterações ou variações extremas deve comunicar o diretor ou A.D.). O con nuaste deve ainda
acompanhar as gravações através do monitor de campo e observar se há problemas, variações ou quebras no EIXO e na
LINHA DE VISÃO (Eyeline). Finalmente, deve conferir junto ao 2A.C. os dados para preenchimento dos Camera Reports
e preencher as planilhas de edição com a confirmação, aprovação ou observação conforme orientação do A.D.
EDITOR/MONTADOR: Esse é o profissional responsável por ordenar todos os “takes” ou arquivos digitais do filme em
um so ware de edição em ordem coerente e de acordo com a estrutura drama ca da história. Esse profissional testa
ainda diversas possibilidades de cortes ou transições até chegar à versão defini ve ou corte final idealmente em
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Capítulo
A EQUIPE DE CINEMA
colaboração com o Diretor ou Produtor. É comum que produções maiores contem com diversos assistentes de edição.
COLORISTA: Responsável por corrigir, equilibrar e ajustar as cores de um filme especialmente nas transições de uma
cena para outra. Em determinados casos, é possível que o colorista seja responsável por “criar” um visual específico para
o filme.
EQUIPE DE ÁUDIO DE PÓS PRODUÇÃO: Profissionais encabeçados pelo Sound Designer ou Sound Editor e
responsáveis por toda a edição e tratamento de som de um filme, incluindo a criação de efeitos de sonoplas a (Folley
Ar st), a gravação, edição e mixagem de diálogos (ADR ou Dialogue Editors), equilíbrio e distribuição adequada entre
todas as pistas e canais de som (Sound Mixer).
É importante lembrar que, de acordo com o tamanho e orçamento do projeto, a configuração dessa equipe pode variar
bastante. Em filmes independentes com orçamento limitado, é comum que um único profissional acumule diversas
funções, Já produções de grande porte certamente contratarão ainda mais profissionais para funções específicas que
não se encontram nessa lista. De todo modo, as funções acima descritas são certamente o “esqueleto” essencial da
grande maioria dos projetos cinematográficos e consultar essa tabela pode ser uma ferramenta bastante ú l para
divisão de equipes, padronização e o mização de fluxo de trabalho bem como de escolha e contratação de
profissionais. Finalmente, é importante frisar ainda uma vez que as incumbências exatas e responsabilidades
específicas atribuídas a cada profissional podem sofrer pequena variação de acordo com a equipe responsável pelo
projeto.
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A PRÉ PRODUÇÃO
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A PRÉ PRODUÇÃO
QUEBRA DE ROTEIRO OU ‘’SCRIPT BREAKDOWN’’ O PRIMEIRO PASSO
Roteiro pronto e registrado...vamos fazer o filme? Por onde começar? Fazer cinema não é uma brincadeira, é
trabalho sério e dos mais pesados. Aqueles que acreditam que cinema é glamour e diversão estão redondamente
enganados! E como prova disso surge a pré produção! Entre um roteiro pronto e um SET de gravação há muito chão
a ser percorrido, e aqueles que tentarem pular as etapas estarão sujeitos à tombos trágicos! Palavra de quem ama o
que faz: ao longo de anos na profissão, já vi muita gente maravilhosa desis r de fazer cinema justamente por
experiências traumá cas que resultaram diretamente da pressa e ansiedade! Todos querem chegar logo ao SET de
gravação e ignoram passos básicos que devem ser dados ANTES de pisar no set, portanto, vamos começar a dar
nomes aos bois: um filme (mesmo amador, estudan l ou independente) custa dinheiro! Cada dia que se passa
gravando tem um alto custo: alimentação, transporte, materiais usados, salários etc... logo, a primeira etapa a ser
cumprida quando se tem um roteiro nas mão é saber exatamente O QUE será necessário e QUANTO irá custar a
realização desse filme! Qualquer filme (frisando mais uma vez: ainda que amador, singelo e independente) tem um
custo mínimo, e isso precisa ser calculado (até mesmo para que os gastos possam ser o mizados e reduzidos,
correto?). Mas como fazemos isso? Para compor o orçamento de um projeto e saber em pormenores de tudo que
precisaremos (ou, em linguajar mais técnico, o “cronograma sico-financeiro”), é necessário realizar aquilo que
chamamos de “QUEBRA DE ROTEIRO”, ou ainda, “Script Breakdown”. É um processo me culoso através do qual
analisamos um roteiro e verificamos TUDO que será necessário para sua viabilização, cena a cena! Esse processo é
fundamental inclusive para a próxima etapa: a captação de recursos! Para arrecadar a verba necessária para seu
filme, é necessário saber em detalhes QUANTA verba você vai precisar, certo? Além disso, para recrutar, convidar
ou até mesmo contratar uma equipe e providenciar os equipamentos, precisamos saber exatamente que po de
equipe e quais equipamentos serão ideai para o projeto. Em suma, a “Quebra de Roteiro” ou “Script Breakdown” é
uma análise de Raio-X logís co de nosso projeto! Os principais itens levados em conta incluem: Atores, Equipe
necessária para todas as etapas, Locações, Objetos de Cena, Equipamentos necessários, Figurinos, Cenários,
Maquiagem, Logís ca e Custos de transporte e alimentação, Serviços terceirizados quando necessário (contador,
assessoria jurídica etc...), Material Sensível (fitas ou cartões de memória, lâmpadas reserva, fita adesiva, discos
rígidos, extensões, pendrives etc...) além de custos referentes à edição, finalização, comercialização e lançamento
para o caso de projetos que visem um alcance maior de mercado.
Após discriminar todos esses elementos, evidentemente atribui-se o valor condizente com cada item até que
chegamos à uma soma total. Fazer essa “Quebra de Roteiro” já é tarefa e responsabilidade da equipe de produção, e
mais especificamente, pode ficar a cargo dos Produtores (ou “Diretores de Produção”) ou dos “Produtores
Execu vos” e dos Assistentes de Direção bem como de assistentes designados especificamente para cada área.
Não pode haver margem para erro, afinal de contas, aquilo que não es ver discriminado na “Quebra”
consequentemente não estará disponível no SET de gravação. Geralmente, essa lista (que é propriamente a tal
“Quebra”) tende a ficar rela vamente grande e varia muito de projeto a projeto, porém, há necessidades básicas
geralmente recorrentes que podem servir muito bem como tópicos para guiar o processo inicial. Faça a prova você
mesmo - apanhe um roteiro qualquer, e, lendo cuidadosamente cada cena, procure iden ficar os elementos
listados:
1)Atores: Iden fique quan dade, perfil e idade já associando-os às suas personagens. Nesse tópico é bom
lembrar também dos figurantes! Muitas vezes os figurantes estão “implícitos” na roteiro, ou seja, uma cena que se passe
numa rua pode não conter a informação explícita de que “há pedestres ou transeuntes na rua”, logo, não são planejados
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Capítulo
A PRÉ PRODUÇÃO
figurantes para aquela cena e, consequentemente, no momento da gravação, surge o problema e o corre-corre para
conseguir atores na hora! Portanto, fique atento no processo de “Quebra” para listar necessidades que podem estar
implícitas nas cenas. Essa etapa da “Quebra” pode também ser realizada pelo Produtor de Elenco.
2) Locações: Iden fique quan dade e qualidade das locações necessárias (locações externas, internas,
específicas etc.). Evidentemente, essa etapa pode também ser responsabilidade do Produtor de Locações.
3) Objetos de Cena: Também chamados de “Props” para facilitar (abreviação da palavra “property” em inglês), os
“objetos de cena” dão um trabalhão danado! É necessário listar todos os objetos necessários cena à cena! Vale ressaltar
que, assim como pode acontecer com figurantes, muitas vezes também os objetos de cena estão implícitos no roteiro.
Por exemplo, poderíamos encontrar em determinada cena a frase “Yasmin acende um cigarro”, assim sendo, listaríamos
em nossa “Quebra” o item “cigarros”, correto? Correto. Porém, ainda falta algo. O roteiro não nos informa se a
personagem acende o cigarro com um isqueiro ou com fósforos. Imaginem só o transtorno de precisar parar uma
gravação por não haver fósforos ou isqueiros no SET! E, acreditem, já vi isso acontecer! Portanto, atenção para os
“props” implícitos. Outra regra importante para “props” é o back-up, ou melhor, a “reserva”. Se numa determinada cena
uma personagem “derruba um copo no chão”, NUNCA liste apenas UM copo em sua “Quebra”. Lembre-se de que
imprevistos e acidentes acontecem, e o copo pode quebrar! Assim, todo “prop” que seja sensível ou ainda, consumível
(um sanduíche, por exemplo, pode ser considerado um “prop” consumível) exige atenção redobrada e reserva. Leve
sempre mais de um para controlar imprevistos. O controle dessa etapa deve ser realizado pelo Produtor de Objetos.
4) Figurinos: Iden fique a quan dade e qualidade de figurinos (roupas e trajes) e/ou uniformes necessários para
cada personagem. Esse processo deve envolver diretamente o Diretor de Arte ou Produc on Designer e já deve ser
realizada como parte integrante do projeto de arte (como veremos em capítulos posteriores).
5) Efeitos ou Recursos Especiais: Quando pensamos em “Efeitos Especiais”, logo vem à cabeça cenas
estonteantes com grandes explosões ou alienígenas invadindo a Terra. Isso é um grande equívoco. Efeito especial é
todo e qualquer truque ou efeito ilusório para gerar uma cena que não pode ser realmente registrada. Mesmo cenas
aparentemente simples como uma personagem que quebra um copo ou uma personagem que esbofeteia seu oponente
são consideradas sequências que exigem planejamento de efeitos. Explicando: você não pode simplesmente ligar a
câmera e mandar o ator a rar um copo e quebrá-lo. Os cacos de vidro podem voar longe e machucar o ator, membros da
equipe e até mesmo danificar algum equipamento. Leve ainda em consideração que provavelmente a cena será repe da
diversas vezes para capturar material suficiente para a montagem e edição, ou seja, o risco será mul plicado. Da mesma
forma, é um equívoco enorme achar que tapas e bofetões em cinema são reais, e que os atores devem estar sujeitos à
isso! Imagine uma cena que exija 10 ou 15 tomadas/takes (o que é extremamente comum): significaria um ator
esbofeteado por 15 vezes consecu vas!
Haja bochecha que aguente e maquiagem suficiente para cobrir o vermelhão no pobre coitado! Se fosse assim, atores
de filmes de ação como Stallone ou Schwarzenegger já não estariam vivos há muito tempo! Ou seja, deve haver
planejamento específico para realizar e gravar o “truque” do tapa (cenas de violência fazem uso de uma técnica chamada
“Screen Combat” ou “Stage Combat”, que, traduzindo, seria combate para tela ou para o palco). Resumindo: toda e
qualquer cena que não possa ser verdadeiramente gravada, de uma simples bofetada até uma mega explosão na
Avenida Paulista, precisa ser assinalada e destacada do roteiro para que se faça o devido planejamento averiguando as
possibilidades e necessidades técnicas ou logís cas para sua realização. Ainda nesse tópico, vale a pena inserir outros
elementos que exigem grande cuidado e planejamento: veículos e animais. Caso o roteiro exija cenas com carros,
motos, caminhões, gatos, cachorros e etc., é necessário averiguar todas as precauções necessárias para a realização de
tais cenas.
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Capítulo
A PRÉ PRODUÇÃO
6) Equipe e Equipamento de Produção: (de antemão, já adianto ao leitor que este tópico aborda alguns elementos que
só serão completamente elucidados ao longo dos próximos capítulos) Avaliando o roteiro, é importante analisar a
quan dade e qualidade de equipamento necessário para a realização do filme bem como a equipe ideal para conduzir o
projeto. Evidentemente, isso exige uma dose conhecimento técnico/prá co e certa experiência, porém, vamos
perceber que mesmo com pouca ou nenhuma experiência, informação e bom senso já podem ser suficientes para uma
“Quebra” sa sfatória. De qualquer forma, mesmo as produções mais modestas necessitam um mínimo de
equipamentos para sua realização, e isso deve ser listado: câmera, equipamento adequado para captar o áudio e
recursos para uma iluminação sa sfatória seriam o ponto de par da, porém, outras coisas podem ser essenciais
dependendo do projeto: tripé, grua, estabilizadores de câmera, lentes específicas, fresnéis, rebatedores, claquete, dolly
e ligeirinhos, monitores, etc... não há limite para o que pode ser necessário e listado dentre os equipamentos. Nos
próximos capítulos, veremos quais são os equipamentos básicos indispensáveis para uma produção e, sobretudo, quais
os mais indicados (através da relação custo/benefício) para um trabalho com verba limitada. No que diz respeito à
equipe, é preciso listar quais e quantos profissionais serão o suficiente para cada projeto.
7) Material Sensível: Certas coisas nunca são demais num SET de gravação e é sempre bom listá-las para não deixar
nada de lado: fita isolante, fita adesiva (silvertape), extensões elétricas longas e resistentes, cabos sobressalentes
(como, por exemplo, cabos de áudio, cabos HDMI etc.), caixa de ferramentas, baterias de reserva para câmera, pilhas e
carregadores de pilhas se necessário para algum equipamento, cartões de memória ou outras mídias dependendo da
câmera, discos rígidos extra, lanterna, canetas ou giz (dependendo da claquete u lizada), adaptadores elétricos e
conversores de 110V e 220V, gerador de energia silencioso (se possível), kit de primeiros socorros, filtro solar e
extensões para cabos de áudio.
8) Transporte e Alimento: Não esqueça de verificar todo o transporte que será necessário para sua produção. Planeje: a
equipe chegará ao local em comboio (nesse caso, quantos carros serão necessários)? Ou será mais fácil e barato alugar
uma van? O segredo é planejar para não ser pego de surpresa. É comum gravações amadoras atrasarem demais devido à
desorganização no que toca o transporte. Não deixe que isso aconteça no seu projeto! Além disso, lembre-se de
planejar também as refeições durante as gravações! Acredite: uma equipe com fome é uma bomba relógio! Alimento
custa caro, portanto verifique suas opções! E não deixe de ter no SET de gravação muita água e alimentos simples
porém nutri vos (maçãs, bananas, barrinhas de cereal etc.). Afinal, você não quer ninguém passando mal na sua
produção, correto? Detalhes como material sensível, transporte e alimentação são frequentemente ignorados por
equipes iniciantes, e, geralmente, acabam dando mais dor de cabeça do que se imagina!
9) Equipe e Equipamento de Pós produção: Um filme não acaba no SET de gravação. Muito pelo contrário, o SET é
apenas o começo! Portanto, lembre-se de verificar também as necessidades do projeto para que ele seja concluído!
Outro problema comum entre equipes iniciantes é que, após a gravação, o projeto é completamente abandonado já que
ninguém havia planejado a pós produção! Você tem acesso à equipamentos de montagem e edição? Na sua equipe,
você lembrou de escalar um editor? E o áudio e a música? Também devem ser levados em consideração. Criar o material
promocional e gráfico de um filme também dá trabalho (pôsteres, capas de DVD, website etc.) e isso deve ser lembrado
no momento da “Quebra”. A pós produção geralmente é a etapa mais demorada na realização de um filme e por isso
deve ser planejada com cautela. Nos próximos capítulos analisaremos em pormenores todas as necessidades técnicas e
logís cas de uma pós produção bem conduzida.
Muito bem, em tese (e levando em consideração os tópicos descritos acima), se você já sabe exatamente quantos
atores e locações serão necessários para o filme, se já listou todos os objetos de cena e figurinos, se já iden ficou
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Capítulo
A PRÉ PRODUÇÃO
seqüências de efeitos que exijam planejamento, já sabe com precisão quais equipamentos serão necessários para todo
o projeto (bem como a equipe ideal) e elaborou uma lista de material sensível e planejamento de refeições e transportes,
você está pronto para dar o primeiro passo para a realização do seu filme com segurança! Além disso, já possui toda a
informação necessária para a elaboração e cálculo de um orçamento. Uma “Quebra de Roteiro” sólida minimiza o risco
de imprevistos e contratempos. Evidentemente, fica claro que esse processo dá um trabalho danado (ninguém falou
que fazer cinema seria fácil!) e idealmente seria realizado em conjunto por vários profissionais da equipe, cada um
responsável por um departamento específico. É fácil imaginar que essa lista pode acarretar um trabalho homérico
dependendo do vulto do projeto. Imagine, por exemplo, um longa metragem! Conseguir listar e iden ficar
absolutamente todos os objetos de cena necessários já seria uma tarefa colossal, acrescente então os outros oito
elementos da quebra e já teremos a vidades para vários meses! Pode ser uma sobrecarga em excesso para uma única
pessoa (além de atrasar bastante todo o processo da gravação), e justamente por isso já nessa etapa inicial da Pré
Produção começa a ser essencial o trabalho em equipe.
Para concluir esta primeira parte, vale ressaltar que os nove tópicos listados acima como sendo os “essenciais”
para a realização de um projeto cinematográfico estão levando em consideração justamente produções independentes
de baixo orçamento. Produções com mais estrutura e orçamentos mais robustos certamente listariam muitas outras
necessidades tais como serviços e equipes terceirizados, assessoria jurídica e contábil, paramédicos ou enfermeiros no
SET etc.
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O ORÇAMENTO
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O ORÇAMENTO
Uma questão importante: como atribuir valores monetários para cada item listado em nossa “Quebra” ou calcular
a verba exata? É menos complicado do que parece! O fundamental é perceber que, mesmo com orçamentos apertados,
é possível realizar todo esse processo de planejamento de maneira profissional, já que isso exige muito mais tempo e
dedicação do que dinheiro!
Um Produtor Execu vo, assim como os diretores execu vos de qualquer grupo industrial e empresarial, está
diretamente ligado à tudo que envolva a receita e verba de um projeto. Todas as movimentações e decisões financeiras
passam pelo crivo minucioso de um Produtor Execu vo. Desde a elaboração de um orçamento, passando pela captação
de recursos até o controle diário de gastos no dia a dia da gravação, tudo está sob o controle e cuidado desse
profissional (embora seja importante frisar que em muitas situações o controle financeiro de um projeto fique sob a
alçada do “Produtor” ou “Diretor de Produção” bem como do Line Producer). Vale lembrar que, como diz o velho ditado,
“dinheiro na mão é vendaval”, portanto, mesmo uma produção de pequeno porte e orçamento limitado precisa de um
profissional designado para controlar tudo aquilo que é gasto. Quantas e quantas vezes já não ouvimos falar de algum
projeto que ficou paralisado no meio do caminho ou foi abandonado por estourar o orçamento? Pois é, isso acontece
frequentemente devido ao mau planejamento ou mesmo ausência de um profissional que fique de olho em tudo aquilo
que se gasta. Jamais se deve subes mar a importância de um Produtor Execu vo, mesmo em projetos modestos! E já
que estamos falando em dinheiro, passemos à questão chave: como elaborar o orçamento de um projeto? Embora seja
um processo trabalhoso e muitas vezes demorado, a mecânica é rela vamente simples: basta atribuir valores
adequados à todos os elementos listados na quebra do roteiro, adotar uma “unidade de medida”, mul plicar esses
valores pelo tempo necessário vinculado à essa “unidade de medida” e, finalmente, somar os valores resultantes das
mul plicações (e dá-lhe matemá ca!). Exemplificando: vamos isolar o primeiro item, ou seja, os atores: suponhamos
que eu liste na quebra um ator determinado, “João da Silva”. Primeiramente, conforme o explicado acima, deve-se
atribuir um valor à esse ator (no caso seu cachê) vinculado à uma “unidade de medida” (o cachê será calculado e
quan ficado levando-se em conta diárias ou semanas trabalhadas?). A título de exemplo, vamos adotar um cachê de R$
100,00 e optar por trabalhar com diárias e não com semanas. Assim, já temos es pulados o valor (R$ 100,00) e a
“unidade de medida” (Diária). Agora, resta saber por quanto tempo o ator “João da Silva” será necessário no projeto:
suponhamos que o planejamento seja de gravar por dez dias, logo, a verba total necessária para contratar João será R$
1.000,00 (valor mul plicado pelo tempo necessário vinculado à “unidade de medida” adotada). Simples, não? O desafio
é que, em se tratando de um filme, esse cálculo será refeito para cada item listado na quebra, o que pode significar
centenas e centenas de somas e mul plicações! O cachê de cada ator pode variar em função do tempo necessário para
gravação, o valor de cada objeto de cena locado ou comprado também será dis nto, além disso há o aluguel ou compra
de equipamentos, cálculo de refeições por pessoa e daí por diante. A mecânica será sempre a mesma, porém a lista pode
variar bastante em função das necessidades específicas projeto. Resta, porém, uma questão importante: como saber os
valores adequados para cada item de nosso orçamento? No que toca os salários e cachês de atores e equipe técnica,
uma fonte segura são os sindicatos competentes que estabelecem os pisos salariais – no caso dos atores, o SATED
(Sindicato dos Ar stas e Técnicos em Espetáculos de Diversões) fornecerá as indicações de salários por mês, diária,
quinzena ou semana, e, no caso dos demais membros da equipe, o SINDCINE (Sindicato dos Trabalhadores na Indústria
Cinematográfica) disponibiliza as informações necessárias. Já os elementos do orçamento como material sensível,
equipamentos de gravação (câmeras, microfone, iluminação etc.) e outros deverão ser cotados no mercado. Há diversas
empresas e produtoras especializadas na locação de equipamentos que podem ser facilmente encontradas na internet
ou em publicações especializadas. Vale ainda salientar que, após calcular todos os itens de seu orçamento, é uma prá ca
comum acrescentar aproximadamente dez por cento do valor total para imprevistos, afinal de contas, estamos todos
sujeitos à uma chuva repen na, um carro quebrado, um ator doente, um equipamento que falha ou outros fatores que
podem acarretar gastos não planejados. É preciso também apontar que produções maiores deverão contabilizar verba
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Capítulo
O ORÇAMENTO
para Assessoria Jurídica especializada (projetos que exigem a assinatura de muitos contratos ou ainda terceirização de
serviços podem se beneficiar muito com o amparo de um advogado), contabilidade (para o caso de emissão e controle
de notas fiscais e/ou prestação de contas), contratação de seguro para equipe e equipamentos bem como verba para
profissionais de saúde e segurança e outros gastos decorrentes de necessidades específicas.
IMPORTANTE: Na indústria cinematográfica, é comum que certos itens listados no orçamento sejam divididos em
duas grandes categorias - ABOVE THE LINE e BELOW THE LINE ( “Acima da Linha” e “Abaixo da Linha”). Resumindo
de maneira simples, os itens listados “Acima da Linha” são os considerados chave para o êxito comercial do projeto ou
ainda, os nomes e elementos “reconhecíveis” pelo público e que podem impactar diretamente os números de bilheteria.
Somente a título de ilustração, providencio aqui um modelo didá co de orçamento e um modelo em BRANCO (um
template u lizado nos EUA). É importante frisar que os valores aqui listados não refletem necessariamente os pisos
salariais atualizados nem a realidade econômica/financeira vigente do mercado e servem unicamente como exemplo.
Além disso, lembre-se sempre de verificar com os sindicatos competentes locais a necessidade de encargos extra
como, por exemplo, seguros para os profissionais envolvidos, taxas municipais, autorizações específicas para realizar
gravações em determinados lugares etc. Tudo isso pode acarretar mais gastos no seu orçamento e deve ser
contabilizado:
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O ORÇAMENTO
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O ORÇAMENTO
TEMPLATE EM INGLÊS (pode ser baixado gratuitamente de h p://www. dyforms.com/)
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ELABORANDO UM
CRONOGRAMA DE
GRAVAÇÃO
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Capítulo
ELABORANDO UM CRONOGRAMA DE GRAVAÇÃO
Resta ainda um ponto crucial para concluir a composição desse mosaico de pré-produção: saber quanto tempo
será necessário para a realização do nosso filme! Não tenha dúvida de que todos os membros da equipe e elenco vão lhe
fazer essa pergunta assim que forem convidados a par cipar do projeto: “...quantos dias de gravação?”, ou ainda
“...quais os dias e horários?...”. E é bom ter uma resposta coerente, correto? Pois é, existem algumas normas básicas e
pontos importantes a serem observados quando se elabora um cronograma de gravação. É também importante frisar
que lidamos com dois pos de cronogramas, um que determina a distribuição dos dias (ou seja, um calendário de
gravação propriamente dito) e outro que determina em detalhes a distribuição das horas de cada dia, ou seja, uma
“ordem do dia” que prevê inclusive intervalos para refeições e sequência em que as cenas deverão ser gravadas. Vamos
começar então olhando para o calendário e para os elementos que devem ser levados em consideração.
1) COMEÇE “LEVE”: Muita gente acredita que deve começar a gravação de um filme com
intensidade máxima, aproveitando a empolgação e entusiasmo da equipe e “empilhando” dezenas de cenas num
mesmo dia, aliviando o final do calendário (quando a equipe já estará mais cansada). Bom, é EXATAMENTE o
CONTRÁRIO! Lembre-se que no início de uma gravação a equipe ainda não está completamente entrosada.
Comumente, são necessários dois ou três dias até que uma equipe encontre um ritmo estável e estabeleça um fluxo
ideal de comunicação. Além disso, as chances de imprevistos acontecerem no início são também maiores. Dessa
forma, planeje um cronograma com folga para os primeiros dois dias, intensifique a carga depois disso e, se possível,
volte a aliviar na reta final, quando certamente a equipe estará esgotada. Começar com um cronograma tranquilo
também faz bem ao ego e à moral da equipe, já que conseguir realizar absolutamente tudo que foi planejado é um
forte elemento mo vador. O contrário teria um efeito terrível: imagine planejar um cronograma intenso e não
conseguir completá-lo logo nos primeiros dias de gravação? A sensação de fracasso pode ser perigosa e
deses mulante para uma equipe iniciante.
2) PRIORIZANDO AS LOCAÇÕES: Produzir ou “dressar” uma locação para uma gravação leva
tempo! Reposicionar móveis, posicionar e testar luzes, montar equipamentos, escolher os melhores locais para
equipe aguardar ou “montar base”, re-decorar quando necessário e por aí a fora! Além disso, concluídas as gravações,
é preciso “desproduzir” o local, ou seja, devolvê-lo à sua forma original! Dependendo do projeto, esse processo pode
levar horas e horas (ou, em casos extremos, até dias!). Agora, imagine precisar passar por isso várias vezes numa
mesma locação? Não há equipe que aguente! Portanto, lembre-se de priorizar as locações quando for montar seu
cronograma. Explico: Se o roteiro apresentar quatro cenas diferentes numa mesma locação, ainda que elas estejam
espalhadas entre o início, meio e fim do filme, tente gravá-las todas no mesmo dia (ou, por exemplo, em dois dias
seguidos), dessa forma, todo esse processo trabalhoso e demorado de produção e desprodução será realizado uma
única vez economizando horas e horas de trabalho da equipe. Lembrese de dar atenção redobrada à con nuidade, já
que a gravação será realizada fora da ordem cronológica. Aliás, já fica aqui a informação para aqueles que ainda não
sabiam: pra camente todos os filmes são gravados fora de ordem cronológica, e ordenar as cenas na sequência
temporal/cronológica acaba ficando à cargo do montador/editor. Isso, evidentemente, exige cuidados especiais aos
figurinos, objetos de cena, estado emocional das personagens, con nuidade etc.
3) PRIORIZANDO OS EQUIPAMENTOS: Dependendo do projeto, pode ser necessário
alugar equipamentos complexos como gruas, coletes estabilizadores (como o popular “steady cam”), trilhos,
iluminação robusta ou até mesmo geradores de energia! Esses equipamentos são caros e geralmente cobrados
por diária. Dessa forma, se o projeto exigir três cenas com uma grua alugada, o ideal seria gravar essas três cenas
no mesmo dia, mesmo que isso implicasse em deslocamento entre locações. Muitas vezes, o bom senso e o
orçamento irão ditar qual elemento deverá ser priorizado.
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ELABORANDO UM CRONOGRAMA DE GRAVAÇÃO
4) PRIORIZANDO EQUIPE: Muitas vezes uma equipe de cinema contará com nomes
conhecidos do grande público. Muitas vezes, também, esses nomes exigem planejamentos especiais no que toca a
elaboração do cronograma (e podem precisar ser priorizados até mesmo sobre locações e/ou equipamentos).
Exemplificando: no primeiro longa metragem que realizei no Brasil ( “SEM FIO”, lançado nos cinemas em
Novembro de 2009), ve o privilégio de contar com o roqueiro Nasi (ex vocalista da banda paulistana IRA!) como
um dos atores. Evidentemente, Nasi é um ar sta com uma agenda intensa de shows, gravações e a vidades, mas
eu o queria no filme de qualquer jeito. Dessa forma, precisei adaptar bastante o cronograma de gravação, muitas
vezes optando por atropelar aquilo que seria o mais sensato, para conseguir tê-lo conosco. Precisei agrupar a
gravação de todas as cenas que envolviam o Nasi dentro de um período de 8 dias, ainda que isso significasse voltar
várias vezes à uma locação.
5) CENAS “QUENTES”: Esse é um tópico delicado e exige atenção especial. Todas as cenas
que exijam nudez ou ainda uma interação sica mais ín ma e intensa entre atores deve ser tratada com respeito e
posicionada estrategicamente no cronograma. A maioria das pessoas acredita que essas cenas devam ser deixadas
para o final das gravações, assim os atores já terão mais in midade e se sen rão mais à vontade para executar
aquilo que o projeto exige. Mais uma vez, como no primeiro tópico referente ao cronograma, devemos fazer o
OPOSTO disso! Todas essas cenas devem ser agendadas o mais próximo possível do início das gravações!
Queremos que nossos atores desempenhem com o máximo de técnica e profissionalismo, correto? Pois bem, se
eles mal se conhecem e mal conhecem a equipe, terão que apelar ao máximo para sua técnica. Nem sempre a
in midade é algo benéfico, especialmente durante a gravação de um filme (que pode ser uma experiência um
tanto quanto intensa, acreditem!). Ficar completamente nu frente à um grupo de desconhecidos pode ser mais
fácil do que ficar nu frente à seus amigos. Além disso, somos todos seres humanos, e desentendimentos,
problemas e relacionamentos podem surgir ou desaparecer ao longo de um projeto, e não queremos que isso
interfira de forma alguma no desempenho dos atores.
6) CENAS DE VIOLÊNCIA: Ao contrário das cenas “calientes”, todas as cenas que envolvam
violência física devem ser agendadas no final do cronograma. Explicando: é claro que toda violência deve ser
milimetricamente coreografada, assim, garan mos a integridade física e mental de nossos atores. Ninguém gosta
de se machucar, correto? É por isso que há técnicas para realização de cenas de lutas, brigas etc... (as já
mencionadas “screen combat” ou “stage combat”). No entanto, infelizmente acidentes acontecem, e sempre há
uma chance – ainda que pequena – de algum ator ou dublê se ferir numa seqüência de ação. Justamente por isso
essas seqüências são agendadas no final das gravações. Durante a gravação de um de meus primeiros filmes de
longa metragem em Los Angeles (o filme “Far West”, disponível hoje em dia gratuitamente na internet),
protagonizei cenas com bastante violência física. Embora tudo tenha sido bastante ensaiado e coreografado,
terminei o dia com escoriações leves e alguns arranhões no rosto que levaram quase uma semana para
desaparecer. Se houvéssemos agendado essas gravações para o início ou meio do cronograma, teríamos um
grande problema: seria necessário perder um tempo grande tentando esconder os arranhões com maquiagem
sem qualquer garan a de êxito, já que um excesso de maquiagem poderia ficar ar ficial.
7) DIAS “RESERVA”: Acredito que todos já ouviram falar da famosa “Lei de Murphy”, aquela que
determina mais ou menos que “...tudo que pode dar errado com certeza dará errado...”. Sem querer ser pessimista,
essa lei é uma constante num SET de gravações! Brincadeiras a parte, um filme envolve tantas variáveis e tantas
pessoas que frequentemente imprevistos e problemas acontecem. Equipamentos quebram, atores atrasam ou
ficam doentes, uma chuva inesperada cai no dia da gravação, uma cena precisa ser refeita etc. tudo isso se reflete
em atrasos no cronograma. A não ser que toda a gravação se desenrole numa situação completamente controlada
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ELABORANDO UM CRONOGRAMA DE GRAVAÇÃO
como dentro de um estúdio preparado e equipado (o que é raro em produções independentes), geralmente
pequenos atrasos acontecem com frequência. O problema é que quando pequenos atrasos se somam o resultado
é uma bola de neve assustadora que pode acarretar em dias e dias não previstos no calendário. Para que isso não
aconteça, é de praxe já acrescentar no seu cronograma de gravação alguns dias “curinga”, nos quais não haja nada
marcado e a equipe fique de “stand by”. Dessa forma, o atraso pode ser eliminado sem stress e, caso não haja
atraso, esses dias podem servir como uma folga bem vinda! Mais uma vez citando o exemplo do longa metragem
SEM FIO (que foi gravado em cinco semanas), reservávamos sempre um “dia curinga” por semana. Usamos
pra camente todos para compensar atrasos. Os poucos dias de reserva que não foram u lizados renderam um
descanso muito bem aproveitado!
A ORDEM DO DIA e CALL SHEET
Agora que os critérios para a organização de um calendário de gravação já foram esclarecidos, vamos dar um passo
adiante e entender como se organiza uma “Ordem do Dia”, ou, dando nome aos bois, como dividir detalhadamente cada
dia de gravação em turnos e horas separados por a vidades para obter o melhor rendimento possível da equipe.
Ilustrando: ao montar o calendário, conseguimos saber exatamente quais e quantas cenas serão gravadas por dia. Agora
é necessário olhar cada um desses dias com uma “lente de aumento” para garan r que de fato aquilo que se propôs no
calendário poderá ser cumprido. Os pontos que devem ser levados em consideração são os listados a seguir:
1) ENTENDA A LÓGICA DOS TURNOS: Via de regra, dividimos um dia regular de gravação em três turnos – Manhã,
Tarde e Noite. Esses turnos, porém, possuem caracterís cas dis ntas quanto à suas durações (caracterís ca
ditada por conta da luminosidade natural que pode interferir diretamente na gravação). O turno da noite é
considerado o mais longo de todos, já que, em termos de fotografia, a luz externa natural permanece
virtualmente idên ca por cerca de 10 ou 12 horas, dependendo da estação do ano. Isso quer dizer que, para as
câmeras, não há diferença alguma entre 20:00hs e 04:30hs da manhã, por exemplo. Já os turnos matu nos e
vesper nos são mais curtos, levando-se em consideração que a incidência dos raios solares varia muito num
curto espaço de tempo (com exceção de dias nublados, evidentemente) e mesmo intervalos rápidos apresentam
uma diferença gritante de luminosidade (as sombras e luzes percebidas na pele de um ator as 09:30hs da manhã
produzem um resultado extremamente diferente das sombras e luzes percebidas ao meio-dia, correto?). Isso
quer dizer que, caso sua gravação esteja sujeita à interferência de luminosidade natural, essas caracterís cas
devem ser sempre observadas! Vale ressaltar que, mesmo gravando numa locação interna (numa sala ou quarto
de apartamento, por exemplo), a luz natural PODE SIM produzir um forte impacto ainda que através de uma
janela, uma porta aberta ou uma varanda. Dessa forma, cuidado ao planejar muitas cenas para os turnos
matu nos e vesper nos. Geralmente, uma ou duas cenas (e é claro que me refiro aqui à grande maioria dos casos
e à cenas medianas, com duração média de 2-4 páginas, mas sempre haverá situações específicas que diferem
dos exemplos citados) é o limite para cada um desses turnos. Já o turno da noite apresenta uma flexibilidade
maior e pode-se planejar mais cenas (dependendo, é claro, da disponibilidade da equipe e da duração das cenas).
IMPORTANTE: Se absolutamente todas as cenas planejadas forem INTERNAS ou ainda, gravadas em um
estúdio controlado, pode-se então reduzir a divisão dos turnos para dois ao invés de três, o que resulta numa
ordem do dia um pouco mais confortável com turnos maiores e equilibrados.
2) OBSERVE O TEMPO DE “PRODUÇÃO” E “DESPRODUÇÃO”: Nada grita “amadorismo!” ou “desorganização”
mais alto do que um SET de gravação onde se perceba várias e várias pessoas mergulhadas num ócio profundo,
esperando sua vez para desempenhar alguma função. Manter pessoas simplesmente esperando num SET é
desgastante e frustrante para quem espera além de mo vo de distração e apreensão para quem se faz esperar.
Isso geralmente acontece pois as equipes iniciantes e amadores simplesmente esquecem que preparar uma
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ELABORANDO UM CRONOGRAMA DE GRAVAÇÃO
locação, ajustar luzes, mover móveis, acertar equipamentos, testar microfones etc. leva muito tempo! E acabam
cometendo um erro brutal: marcam um horário único de chegada para TODOS os membros da equipe! Assim, é
comum observar em SETS de gravação atores esperando por horas e horas até entrarem em cena, ou ainda
con nuistas e produtores de arte aguardando pelo momento propício para suas funções, rando
“sonequinhas” ou cochilos em algum canto da locação enquanto outros montam tripés, posicionam câmeras e
microfones. Desnecessário dizer que isso não precisa acontecer, correto? Basta um mínimo de planejamento e
organização para evitar esse desgaste. Lembre-se: o tempo dos outros é tão precioso quanto o seu e ninguém
gosta de ficar horas esperando. Citando o exemplo real de um projeto que produzi há alguns anos: o horário
marcado com a equipe técnica para gravações matu nas era 06:00hs da manhã, enquanto o horário es pulado
para o elenco era 09:00hs da manhã. Dessa forma, tínhamos três horas inteiras para produzir toda a locação e
ajustar os equipamentos. Quando os atores chegavam, a equipe já estava pronta para a gravação. Com isso,
reduzíamos o número de pessoas no SET ao mínimo necessário, o que ajudava a manter o ritmo de produção, a
organização, o silêncio e a moral da equipe (já que todos estavam ocupados o tempo todo). Bastante simples, não
é mesmo? Mas a coisa não termina por aí! Assim como é preciso calcular tempo para “produzir” uma locação,
deve-se lembrar que ela não se “desproduz” milagrosamente! Dessa forma, lembre-se de INCLUIR na sua ordem
do dia tempo suficiente para desprodução completa (organizar, conferir e guardar equipamentos, props e
figurinos, limpar a locação e reposicionar móveis por exemplo).
3) LIMITE SUAS LOCAÇÕES DIÁRIAS: Transportar toda uma equipe e seus equipamentos de uma locação para
outra exige tempo. Além disso, é importante lembrar que cada nova locação exige um certo tempo de “produção”
conforme mencionado acima. Finalmente, há ainda um terceiro elemento: quando há locomoção e transporte de
uma locação para outra, tenha a certeza de que atrasos imprevistos irão acontecer (alguns membros da equipe
irão se perder no caminho e “aparecer” no SET meia hora depois do horário combinado, outros irão optar por um
caminho mais rápido mas acidentalmente encontrarão um conges onamento violento, outros serão acome dos
por uma fome súbita e brutal e precisarão parar rapidamente numa padaria para um cafezinho e pão de queijo e
por aí afora). Portanto, não abuse da sorte. Se você realmente quer cumprir sua ordem do dia, evite ao máximo
agendar mais do que duas locações por diária. Evidentemente, às vezes pode ser necessário e impera vo realizar
gravações em 3 locações ou mais num mesmo dia, mas tenha em mente que isso é abrir a porta para muitos
possíveis atrasos.
4) REFEIÇÕES: Cuidado com as refeições! Elas são necessárias e indispensáveis, mas exigem planejamento, caso
contrário podem acarretar em grandes atrasos ao longo do dia. É comum equipes iniciantes simplesmente
es pularem um determinado tempo de “intervalo” para almoço e jantar, de modo que cada membro da equipe
tenha a liberdade de escolher sua refeição e/ou restaurante. Pois é, não poderia haver opção pior do que essa!
Exatamente por razões paralelas às já citadas acima: uns não vão encontrar um restaurante ou lanchonete que os
agrade (seja por causa do preço ou da comida) e vão acabar atrasando demais pela necessidade de se deslocar a
um restaurante adequado porém mais distante, outros vão se perder, outros irão num restaurante com muita fila
no caixa e assim por diante. Não preciso me estender nisso, correto? Mas então quais são as melhores opções?
Basicamente duas: ou os produtores localizam um restaurante que possa sa sfazer à toda a equipe (uma das
grandes vantagens do Brasil nesse sen do é a farta existência de restaurantes por quilo, que geralmente
apresentam opções para quase todos os pos de dieta e de bolsos!), reservam mesa e horário para que todos
possam comer ao mesmo tempo (eliminando problemas com os “enrolões” de plantão!), ou ainda, o que
considero ser a melhor opção pois economiza ainda mais tempo: encomendar a comida para que seja entregue
no SET de gravação (o que chamamos de serviço de catering). Há diversas opções de comida sob encomenda:
desde os tradicionais “delivery” até combinações com restaurantes ou profissionais autônomos que montam
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ELABORANDO UM CRONOGRAMA DE GRAVAÇÃO
diversas opções de refeições customizadas de acordo com as necessidades da equipe. Dessa forma, se o
intervalo de almoço es ver agendado, por exemplo, das 13hs às 14hs, os produtores podem combinar de
antemão com o serviço de catering para que as refeições JÁ estejam prontas e disponíveis no SET às 13hs em
ponto, eliminando todo tempo que se perderia com transporte até o restaurante, escolha de pratos, pedidos etc..
Lembre-se apenas de planejar também a logís ca de pratos, talheres e guardanapos caso sua opção seja o
sistema de delivery! Lembre-se ainda de organizar pedidos e lidar com restrições alimentares com antecedência,
caso contrário o sistema de catering, ao invés de o mizar sua produção, resulta num verdadeiro pandemônio!
5) SHOTLIST: Essa é uma etapa mais técnica mas que também exerce grande influência na elaboração da ordem
do dia. Shotlist é o nome que damos à lista organizada pelos fotógrafos e operadores de câmera com a ordem e
seqüência de planos que serão gravados durante uma cena determinada. Por exigir um conhecimento específico
de fotografia, operação de câmeras e maquinaria, esse é o único tópico da ordem do dia que deixaremos para
explicar um pouco mais a frente, quando abordarmos e elucidarmos os elementos necessários para compor uma
shotlist. O que já é possível adiantar é que sempre será necessário discu r de antemão com a equipe de
fotografia qual a melhor ordem e seqüência para a gravação de cada cena (já que mudar equipamentos de lugar
para reposicionar ângulos e enquadramentos pode desperdiçar bastante tempo). Resumidamente, busca-se
esgotar as possibilidades de cada posicionamento de equipamentos antes de passar à outros planos, dessa
forma, é possível evitar um vai-e-vem constante de luzes, câmera e equipe pelo SET de gravação. Para mais
detalhes, consulte o capítulo 13 (elaboração de SHOTLIST).
6) DICAS IMPORTANTES: Além dos itens listados acima, vão aqui dicas preciosas para evitar atrasos e
contratempos no dia-a-dia de sua gravação:
· Garanta que TODOS os membros da equipe recebam uma cópia do calendário e de cada ordem do dia, com
horários específicos de chegada e pontos de encontro. Mas ATENÇÃO! Não confie somente em e-mails! Por mais
que estejamos na “era da informação”, sempre alguém pode alegar que não recebeu a mensagem ou que não
conferiu sua conta de e-mails naquele dia e por aí afora, portanto, garanta PESSOALMENTE que cada membro
da equipe receba e possua sua própria cópia de calendário e ordem do dia.
· Nunca esqueça de providenciar para todos os membros da equipe MAPAS e INSTRUÇÕES de como chegar às
locações (não apenas de carro, mas também u lizando transporte público). Isso ajuda a evitar pessoas perdidas e
consequentemente atrasadas nos dias de gravação.
· Finalmente, para o caso de transporte em comboio, sempre tenha uma lista de todos os telefones celulares
presentes em cada carro e distribua uma cópia dessa lista. Caso um carro se desgarre do comboio, será fácil
estabelecer comunicação e prevenir confusões e atrasos.
Com isso, é possível organizar calendários e “ordens do dia” com bastante segurança e organização! Esses elementos
serão essenciais para que sua produção transcorra com eficácia e profissionalismo! Raramente abordados em cursos,
esses tópicos tão ignorados são comumente o fator determinante para o fiasco ou êxito de uma gravação produ va e
harmoniosa. Somente a título de ilustração, providencio aqui um TEMPLATE universal de uma planilha de call sheet
u lizada nos EUA e que pode ser baixada gratuitamente de h p://castandcrewcall.com/free-professional-call-sheettemplate/:
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CAPTAÇÃO DE
RECURSOS
FINANCIANDO
SEU PROJETO
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CAPTAÇÃO DE RECURSOS - FINANCIANDO SEU PROJETO
Ainda na esfera da “Pré Produção” (antes de chegarmos ao tão almejado set de gravações) resta um
“detalhezinho” bastante importante, uma “pergun nha” que não quer calar: como conseguir dinheiro para o seu
projeto? Ou ainda, em termos técnicos, como captar recursos? Pode ser uma pergunta simples e rudimentar, porém, a
resposta é bastante complexa e nesse momento deixaremos de ser ar stas inspirados e sonhadores e precisaremos ser
um pouco economistas, um pouco vendedores, um pouco advogados, afinal, nossa arte custa caro!
Há uma série de caminhos e alterna vas diferentes para se captar recursos, cabendo à cada equipe e ao produtor
avaliar o perfil do projeto em questão e decidir qual será a melhor opção. Porém, independente do caminho escolhido,
um passo será sempre fundamental - a “Elaboração do Projeto”. Explicando: evidentemente, o “dinheiro” virá de algum
lugar, e a empresa, órgão ou mesmo pessoa física que injetar verba no seu filme (seja através de doação, de patrocínio,
merchandising etc...) com certeza precisa saber em detalhes onde e como esses recursos serão aplicados. Ou seja:
vamos supor que você conheça um rico empresário capaz de patrocinar seu filme. Você então marca uma reunião com
ele para explicar o projeto e pedir a verba. Mas o que você irá apresentar? Você não pode simplesmente “contar” ao
empresário do que se trata o projeto e pedir o dinheiro. Tenha a certeza de que esse empresário vai querer um material
concreto e palpável que contenha absolutamente todas as informações e detalhes acerca do filme. Somente com esse
material em mãos ele será capaz de avaliar sua proposta e tomar uma decisão. Esse material, uma espécie de por ólio
corpora vo sobre o projeto comumente chamado de “Business Plan” (Plano de Negócios) é essencial para o processo
de captação de recursos, e quando me refiro à “elaboração do projeto”, é justamente à esse material que estou me
referindo.
Como então elaborar um projeto, ou melhor, um business plan? Primeiramente, é importante ter em mente que a
finalidade desse projeto é convencer um inves dor a aplicar dinheiro no seu filme, portanto, vamos encará-lo como um
por ólio cujo obje vo é vender seu produto. Logo, uma questão importante é definir o "formato" de apresentação
desse por ólio. Será um por ólio impresso, nos moldes de uma revista ou jornal, ou será um por ólio digital entregue
em um pendrive por exemplo? Será uma apresentação bem corpora va à la "power point" ou será mais dinâmica como
um web site? Não há uma opção que seja a melhor ou mais indicada. Todos os formatos são válidos e a sua escolha
deveria se basear na sua segurança em relação aos diferentes formatos - opte pelo formato que você conseguirá realizar
bem! Se você for hábil no computador, crie arquivos para um pendrive. Se você for hábil com as palavras e com
diagramação, faça um impresso! O que realmente importa é que o projeto esteja bem feito, apresentável e com
acabamento profissional. Fique atento aos detalhes! Lembre-se que empresas e outros órgãos corpora vos lidam com
por ólios e business plans frequentemente, portanto, elementos aparentemente simples como a impressão da capa e
da bolacha de um CD ou a qualidade de papel de um impresso podem contar muito! Definido o formato, é momento de
inserir o conteúdo. Quais informações devem estar presentes num Business Plan?
1) Apresentação, argumento e sinopse: Sobre o que é seu filme? Qual a temá ca, o enredo? De maneira resumida e
atraente, conte a história no por ólio. É comum os projetos conterem duas sinopses: uma sinopse breve,
comumente chamada de "argumento" e que serve de "isca" para interessar o inves dor (tente, por exemplo,
resumir todo o enredo em duas frases - no máximo um parágrafo), ou, caso o inves dor "morda" a isca, uma
segunda sinopse, a "sinopse longa". Nessa segunda opção você pode discorrer um pouco mais sobre o filme,
inserir nomes de personagens e mencionar a trama em maiores detalhes. Pense, como referência, nas sinopses
con das nas contra-capas de DVDs comerciais (dois ou três parágrafos).
2) Obje vos e Jus fica vas: É importante incluir no Business Plan o que torna importante realizar o seu projeto e o
que você pretende alcançar com ele. Esse é um tópico fundamental e de grande interesse para os inves dores,
afinal, aqui você explica por quais razões esse inves dor deveria lhe ceder dinheiro! Cuidado para não confundir
os "obje vos" com as "jus fica vas" - associe obje vos com "O QUE" e as jus fica vas com "POR QUE".
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CAPTAÇÃO DE RECURSOS - FINANCIANDO SEU PROJETO
Exemplificando: vamos supor que seu filme seja um drama no qual uma mãe e seu filho sofrem com a violência do
pai. De maneira bem simples, seria possível afirmar que a RAZÃO (jus fica va) pela qual o projeto deve ser feito
é o fato de que a violência domés ca não pára de crescer nos úl mos anos, e poderíamos ainda afirmar que, com
a realização do filme, nosso intuito (obje vo) é contribuir para o controle e redução dessa forma de violência.
Evidentemente, este exemplo está extremamente simples pois é meramente ilustra vo. Quanto mais
jus fica vas e obje vos seu projeto apresentar, maiores serão as chances de ca var um possível inves dor.
3) Plano de Execução: Você precisa mostrar ao inves dor que sabe do que está falando, logo, é de praxe inserir no
Business Plan o que chamamos de plano de execução: uma descrição das etapas e processos necessários para a
realização do projeto. Basicamente, isso é um resumo de tudo aquilo que mencionamos nos capítulos anteriores,
ou seja, de forma sucinta, deve-se listar e explicar o que será necessário realizar para que o filme aconteça. Por
exemplo: Pesquisa de campo, quebra de roteiro, gerenciamento de props, cas ng, locação de equipamentos,
ensaios, gravação, montagem e edição etc.
4) Currículo do proponente: Tópico bem auto explica vo. Aqui é o momento de listar sua experiência e projetos
passados. Caso você esteja associado à uma empresa Produtora ou já tenha uma equipe, não deixe de mencionar
os currículos deles também! É importante transmi r confiança ao inves dor, e nada melhor do que contar com
pessoas experientes para cobrir a retaguarda! Caso seu currículo seja mínimo ou você ainda não possua
experiência, sugiro que você REALMENTE procure uma produtora que acredite no seu projeto e aceite realizá-lo
mediante o êxito na captação de recursos. Isso é uma prá ca rela vamente comum e simples na indústria
cinematográfica. Não seja acanhado e lembre-se que "quem tem boca vai à Roma". Se o seu projeto for realmente
interessante e bem elaborado, várias produtoras terão o prazer de levá-lo em consideração. Mas tenha em mente
que o contrário também é possível: um projeto desleixado ou mal-apresentado certamente fechará portas.
5) Orçamento: Não poderia faltar! Se o obje vo de um Business Plan é captar recursos, logicamente é preciso saber
QUANTO se quer captar. Muitas vezes, um orçamento acaba se transformando num documento complexo de
muitas páginas. Nesses casos, não é necessário incluí-lo por completo no projeto, basta dividi-lo em sub-totais e
inserir um valor bruto. Exemplificando: não é preciso listar no por ólio quanto você irá gastar com aluguel de
câmera, aluguel de lentes, aluguel de tripé, aluguel de grua, aluguel de filtros e por aí a fora. Basta inserir UM item
en tulado ALUGUEL DE EQUIPAMENTOS e declarar o
gasto com tudo que esteja relacionado à esse tópico. Dessa mesma forma, podese inserir itens como SALÁRIOS
DA EQUIPE, ALIMENTAÇÃO E TRANSPORTE, FINALIZAÇÃO e etc. Em suma, basta inserir um resumo
explica vo do orçamento. Tenha o orçamento detalhado e discriminado em mãos caso o inves dor solicite.
6) Contra-par das: Eis aqui um tópico de suma importância. "Contra-par da" é tudo aquilo que VOCÊ pode
oferecer ao inves dor em troca do inves mento. Ou seja: ao inves r no seu projeto, que benefícios diretos o
inves dor poderá colher? ATENÇÃO: não estamos ainda falando de benefícios econômicofinanceiros ou
incen vos fiscais! Isso exige um tópico a parte que será abordado em seguida. As contra-par das são bene cios
não relacionados necessariamente ao retorno de capital. Por exemplo: inserção da logomarca do inves dor no
filme, menção ao nome do inves dor nos agradecimentos do filme, cota de ingressos em determinadas sessões
de exibição do filme e daí por diante! Sua imaginação é o limite. Quanto mais contra-par das forem oferecidas ao
inves dor, mais atraente seu projeto será! Muitos ar stas sentem-se constrangidos ao abordar esse tópico pois
acreditam que podem estar "se vendendo" ou "vendendo o projeto". Bom, seja bem-vindo ao mercado e à
indústria! O que você encara como arte o mercado encara como produto e o inves dor encara como lucro.
7) Projeções e gráficos compara vos: Inves dores adoram aqueles "gráficos de pizza" ou gráficos de colunas que
exibem porcentagens, crescimentos, estatís cas etc. portanto, dê isso à eles! Descubra outros filmes parecidos
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CAPTAÇÃO DE RECURSOS - FINANCIANDO SEU PROJETO
com o seu, projetos com o mesmo perfil ou com a mesma proposta. Veja quanto eles custaram e quanto eles
lucraram. Se os resultados foram posi vos, transforme esses números em gráficos e insira esses dados no seu
projeto, afinal de contas, esses números podem servir de referência e es ma va de retorno para o seu filme.
Caso não encontre filmes parecidos com o seu, use dados mais genéricos da indústria como por exemplo: o
aumento do número de salas de cinema nos úl mos anos, o crescimento do público para filmes nacionais desde
2002 e todas as outras informações que possam gerar uma expecta va posi va em relação ao seu projeto. Para
ter acesso à esses números e estatís cas, basta consultar o site da Ancine ou ainda o banco de dados do FilmeB
(www.filmeb.com.br).
Bom, com todas essas informações bem dispostas e organizadas num por ólio, você está pronto para uma reunião de
negócios! Agora, seguem aqui dicas gerais para que seu projeto fique "apresentável":
• Cuidado com a escrita! Um projeto precisa ser extremamente bem-escrito, e isso não significa necessariamente
uma linguagem complexa e difícil. Os textos precisam ser ágeis, sucintos e diretos. A informação deve fluir com
facilidade. Portanto, sempre peça para alguém revisar seu texto. Se você es ver inseguro ou achar que não
escreve bem, então não escreva! Peça para alguém escrever por você. Nada prejudicará mais a sua imagem do
que um texto mal-escrito.
• Cuidado com o visual! Jamais subes me o poder do design ou da diagramação! Um projeto visualmente
interessante e sofis cado com certeza irá se destacar. No entanto, criar um design sólido, compor uma
diagramação sobre o texto ou ainda estabelecer uma iden dade visual são tarefas difíceis que exigem um
profissional sensível. Caso design não seja o seu forte, não hesite em buscar ajuda! Lembre-se: uma imagem vale
por mil palavras.
• Seja seu próprio juiz! Tenha senso crí co e ao concluir a elaboração do projeto, faça uma análise e se pergunte se
VOCÊ mesmo inves ria no seu filme. Se a resposta for posi va, já é um bom começo!
Está pronto seu Business Plan. Agora é hora de dar o próximo passo e usar esse projeto para angariar verba e recursos
para seu filme! Quais as alterna vas? Por onde começar? Há vários caminhos, e, acreditem, nenhum deles é fácil (assim
como também nenhum é impossível). Cada cineasta deverá fazer sua própria escolha de acordo com o perfil de seu
projeto e arregaçar as mangas, pois essa é provavelmente uma das etapas mais demoradas em todo o processo de
realização de um longa-metragem. Até onde pude constatar para levantamento de dados da minha própria empresa e
com base na Ancine, Filme B e Diário Oficial, a média de tempo para captação de recursos de filmes comerciais de longa
metragem no Brasil é de 2 (dois) anos, podendo haver variações para mais ou menos tempo dependendo de
par cularidades de cada projeto (e estamos falando APENAS de captação, e não ainda de produção e lançamento).
Portanto, respire fundo e prepare-se para bastante trabalho com muita paciência e perseverança lembrando-se de
nosso primeiro capítulo: fazer cinema independente com qualidade profissional é possível, mas fácil, jamais! Não quero
dar a entender, de maneira alguma, que você levará dois anos para angariar os fundos necessários para seu projeto.
Tudo depende dos caminhos escolhidos pelos realizadores. Para que sirva de mo vação, meus úl mos três filmes de
longa metragem: SEM FIO (lançado nos cinemas em 2009), ALGUÉM QUALQUER e CROSS & STAR veram seus
recursos angariados em cerca de seis meses. Portanto, vamos analisar nossas principais possibilidades:
1) LEIS DE INCENTIVO À CULTURA:
Esse é o caminho mais tradicional na indústria brasileira.
É
pra camente impossível assis r à um filme nas salas de cinema sem que antes vejamos logomarcas do
Ministério da Cultura, da Ancine, bem como menções às referidas Leis. Mas o que são essas leis e como
funcionam? Há diversas leis municipais, estaduais e federais que, resumindo de maneira simplista,
outorgam o mesmo mecanismo: o inves dor/patrocinador que apoiar financeiramente projetos culturais
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CAPTAÇÃO DE RECURSOS - FINANCIANDO SEU PROJETO
e/ou audiovisuais gozará de bene cios fiscais junto à seu Imposto de Renda (IR) devido. Ou seja, se uma
empresa ou empresário patrocinarem seu filme, eles podem recuperar boa parte (ou, em certos casos, até
mesmo a totalidade) do dinheiro inves do através de deduções no IR devido. Simples, não? Mais ou
menos. A proposta parece interessante, mas não é tão simples assim. Primeiramente, para gozar desses
benefícios, seu projeto deve estar "enquadrado" nas leis, ou seja, deve ser aprovado pelos órgãos
competentes (no caso de obras cinematográficas, a Ancine é responsável por tal aprovação). Para obter
essa aprovação, o proponente do projeto deverá preencher formulários oficiais, reunir documentos e
atender a determinados requisitos exigidos pelo governo. Uma vez enviados os formulários e documentos
necessários, a Ancine então analisará o projeto e informará o status do mesmo ao proponente. Como são
muitas leis, parágrafos e mecanismos específicos inerentes à cada projeto (para descobrir qual a lei e/ou
parágrafo indicado para seu projeto, o mais indicado é navegar pelo site da própria Ancine ou do Ministério
da Cultura) além de muita documentação exigida, é um processo lento e burocrá co que pode consumir
meses de uma empresa produtora de pequeno ou médio porte. Empresas maiores podem contar com
profissionais exclusivos para a área de incen vos fiscais e aprovação em leis. É importante ainda frisar que
produtoras proponentes devem estar devidamente cadastradas junto à Ancine (para efetuar o cadastro,
consulte o site da Agência). Se todos os formulários e documentos es verem de acordo com os critérios
estabelecidos, seu número de aprovação será emi do pela Ancine que também irá lhe informar a respeito
do prazo possível para captação bem como outros procedimentos necessários. Lembre-se de que ganhar
a aprovação não significa ter dinheiro em mãos, significa apenas poder gozar dos benefícios junto ao IR
devido dos patrocinadores. Após a aprovação, você ainda precisará apresentar seu projeto aos potenciais
inves dores. Embora esse seja o modelo mais comum de realização cinematográfica no Brasil,
infelizmente ainda é um processo pra camente impossível para o cineasta independente ou para as
empresas produtoras de pequeno e médio porte. Primeiramente por conta da complexidade jurídica e
burocrá ca envolvida: são tantos parágrafos, leis, mecanismos, possibilidades de deduções de impostos
diversos, funcines, formulários, documentos etc... que geralmente é necessário contratar um profissional
especializado no assunto para dar conta do recado. Mas se ainda nem possuímos verba para a realização
do projeto, como então remunerar devidamente outros empregados? Uma alterna va seria o próprio
cineasta/realizador tentar assumir essa etapa. Sendo esse o cenário, deixe a sua arte de lado por um bom
tempo e dedique-se a conhecer e explorar minuciosamente os mecanismos legais de incen vo à cultura. O
terceiro ponto problemá co seria a captação de recursos "per se", já que a aprovação não significa
necessariamente dinheiro na mão! Como apresentar seu pojeto às empresas patrocinadoras? Para onde os
projetos devem ser enviados ou ainda, com quem você deveria agendar uma reunião? Pois é, tenha a
certeza de que nem o website nem o Serviço de Atendimento ao Cliente das empresas saberá lhe fornecer
tal informação. Geralmente, os produtores e proponentes acabam ficando nas mãos de profissionais
chamados "Captadores de Recursos" que possuem justamente o caminho das pedras e conseguirão
agendar reuniões ou expor seu projeto à pessoas adequadas. Esses captadores, evidentemente, não
trabalham de graça (o que posiciona o cineasta independente numa sinuca de bico, já que nem um centavo
entrou no caixa e os gastos com tempo e remunerações já vão se acumulando). Finalmente, em caso de
aprovação, não deixe de contar com apoio contábil e jurídico para uma orientação segura e profissional, já
que estamos falando de verba pública.
2) PRÊMIOS, CONCURSOS E EDITAIS: Esse parece ser um caminho mais trilhado pelos cineastas
independentes, já que, essencialmente, eliminaria a dolorosa etapa da "captação de recursos". Explicando:
ao vencer um concurso para edital, o projeto já está verdadeiramente apto a receber um valor em dinheiro
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CAPTAÇÃO DE RECURSOS - FINANCIANDO SEU PROJETO
por parte do realizador desse mesmo edital. De modo resumido, funciona com o mecanismo de um
concurso simples: os projetos são apresentados para uma comissão julgadora e o vencedor (ou
vencedores) leva o prêmio (que, dependendo do caso, pode ser o orçamento total do projeto). Cada edital
possui regulamentos e critérios próprios e diferenciados, e geralmente o processo burocrá co imposto
aos proponentes também é bastante pesado e exaus vo além da exigência de aprovação em leis de
incen vo (um procedimento não exclui o outro). Porém, a perspec va de receber a verba diretamente é
muito atraente para realizadores que ainda não contam com uma estrutura grande. Ao longo do ano, vários
editais são lançados e abertos. Para localizá-los, fique atento aos sites do Ministério da Cultura e da Ancine
bem como à publicações especializadas.
3) CO-PRODUÇÃO E PRÉ VENDA: Embora ainda rela vamente raros no Brasil, esses mecanismos são
extremamente comuns em outros países e devem ser encorajados e difundidos em nossa terrinha!
Basicamente, uma empresa DISTRIBUIDORA compraria os direitos de distribuição do seu projeto antes
mesmo de ele ser realizado. O dinheiro dessa pré venda seria então diretamente aplicado na produção e a
distribuidora ostentaria o crédito de co-produtora do filme. É claro que cada acordo e contrato terá suas
par cularidades e exigências para assegurar os interesses dos dois lados, e, além disso, grande parte
dessas transações no Brasil ainda são subme das ao crivo de Leis de Incen vo específicas para esse
procedimento (o que, por consequência, torna todo o processo mais lento e burocrá co), porém, essa
forma de captação ajuda a estreitar o laço produtor-distribuidor (sabidamente um dos maiores problemas
na indústria nacional) além de inserir o Brasil num modelo global de produção.
4) VEICULAÇÃO DE MERCHAND: Uma das maiores incógnitas da indústria nacional! Todos sabemos como
a inserção de merchand funciona: patrocinador paga uma quan a determinada, sua logomarca e/ou seu
produto são inseridos e expostos no filme. Se administrada com bom senso, é uma das formas mais fáceis,
diretas e simples de angariar verba para um projeto. U lizada até a exaustão na indústria brasileira de
televisão bem como nas indústrias cinematográficas de vários países (incluindo os EUA), essa prá ca
permanece virtualmente inexistente na indústria brasileira de cinema. Todo filme requer produtos (carros,
roupas, bebidas etc.) e esses produtos naturalmente possuem marcas! Por que então não transformar isso
em algo lucra vo para o cinema nacional? Há várias teses que buscam compreender a quase inexistência
dessa prá ca no Brasil: uns alegam o vício nos mecanismos de Leis de Incen vo, outros apontam para a
ausência de grande público compondo a audiência de títulos brasileiros, outros ainda apontam para a falta
de know-how no que toca a inserção de merchandising. Seja como for, essa prá ca, se difundida, poderia
alavancar a indústria nacional de forma nunca antes vista, facilitando e desburocra zando a gestão
financeira dos projetos além de abrir um novo leque de possibilidades mercadológicas já que pequenos
empresários também poderiam inves r e divulgar seus produtos e marcas na telona. Além disso tal prá ca
representaria economia para o estado, já que a simples negociação e inserção de merchand é uma
transação comercial comum que não exige intermediação de órgãos públicos. Não é à toa que, baseada
nesse modelo comercial, a televisão brasileira é uma indústria grande e sólida enquanto nossa indústria
cinematográfica (que insiste em não adotar esse modelo) con nua enga nhando à duras penas. À tulo
de curiosidade, esse foi um dos caminhos adotados por mim durante a produção do longa SEM FIO (o que
explica o curto prazo para captação de recursos). Para que se tenha um panorama sólido de referência, de
acordo com o Indian Film Trade e com o Guia KPMG2009 (referência internacional em inves mentos na
indústria cinematográfica internacional), a veiculação de merchand figura como a quinta maior fonte de
verba para as produções realizadas na Índia, considerada hoje a maior indústria de cinema do planeta em
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números brutos (aproximadamente 1.000 longas lançados anualmente além de cerca de 1.300 produções
entre curtas e documentários!). Que tal aprender um pouco com eles?
5) INVESTIMENTO PRIVADO: Também de acordo com o Indian Film Trade e com o KPMG2009, chegamos à
prá ca favorita do cinema indiano e ao segundo mecanismo mais adotado na indústria de cinema dos EUA
(também de acordo com o grupo financeiro Film Proposal e com o especialista Eric Sherman, autor de
“Selling Your Film”). Inves mento privado pura e simplesmente. Se essa é a prá ca mais adotada nas duas
maiores indústrias de cinema da atualidade, por que não funcionaria no Brasil também? Embora sejamos
todos "ar stas", não podemos negar que um filme é um produto que, se bem administrado, pode gerar
muito lucro, e consequentemente, inves dores habituados a lidar com situações e inves mentos de risco
podem rar grande proveito de filmes bem realizados. Somente em 2002, a indústria norte americana de
cinema faturou sozinha mais de U$ 29 bilhões de dólares, e, se por um lado a realidade econômica dos EUA
é muito diferente da nossa, por outro lado temos a Índia para servir de exemplo: lá, o crescimento da
indústria cinematográfica estourou a marca de 200% entre 2002 e 2003 e a perspec va é que o
crescimento con nue à uma taxa de 9.1% pelos próximos anos a ngindo a assombrosa quan a de 169
Bilhões INR em 2013. Uma das principais razões para o êxito desse mecanismo nos países em questão é o
cenário atraente moldado para inves dores nacionais e extrangeiros extremamente facilitado e sem
amarras burocrá cas. O governo da Índia autoriza 100% o FDI (Foreign Direct Investment - Inves mento
Direto Estrangeiro) para a indústria cinematográfica sem qualquer processo de pré aprovação e
liberalização de regulamentos para controle de câmbio. Ainda de acordo com o KPMG2009, o cenário para
inves dores estrangeiros no Brasil é extremamente complexo, burocrá co e lento, consequentemente
afastando o capital estrangeiro de nossas produções cinematográficas. Ainda assim, é possível para o
realizador buscar o inves mento privado nacional. Não existe para isso um modelo ou contrato padrão e
cada negociação deverá ser estruturada especificamente entre inves dor e produtor (SEMPRE contando
com apoio e assessoria jurídica profissional!). No entanto, fica aqui a dica dessa possibilidade já que muitos
inves dores, pessoas físicas ou jurídicas, adorariam envolver-se com uma produção de cinema! Para tanto,
lembre-se de fazer um Business Plan atraente e com contrapar das sólidas e interessantes para o
inves dor! Pode até parecer brincadeira, mas muitas vezes tudo que um inves dor deseja é ver seu nome
nos agradecimentos ou ter uma sobrinha como figurante! Acreditem se quiserem, mas foi dessa forma que
levantei verba para meu segundo longa metragem rodado nos EUA.
Há outras formas e mecanismos de captação de recursos para um projeto cinematográfico e o mercado se transforma e
evolui constantemente - as próprias Leis de Incen vo vêm passando recentemente por uma série de reformas portanto a melhor dica é ficar atento à todas as novidades que surjam em nossa área e arriscar! Com as informações
listadas aqui, tenho certeza de que você será capaz de elaborar seu projeto e ir à luta!
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DIREÇÃO
CINEMATOGRÁFICA.
DIRIGINDO O FILME
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DIREÇÃO CINEMATOGRÁFICA - DIRIGINDO O FILME
Iniciando nossa transição para a etapa de “produção”, abordemos inicialmente e em detalhes as
responsabilidades de um Diretor de Cinema. Conforme citado em capítulos anteriores, esse profissional é o “topo” da
equipe artís ca e precisa desempenhar diversas funções num projeto tais como estabelecer os critérios de linguagem
para orientar a equipe de fotografia e a direção de arte; em seguida monitorar o desenvolvimento e aprovar as
propostas geradas pelo diretor de fotografia e pelo diretor de arte, orientar e dirigir os atores, orientar os profissionais
envolvidos na pós produção e garan r uma “unidade” ar s ca em todo o projeto. Vamos portanto dar uma olhada
individual em cada uma dessas funções que encontram-se na alçada do “Diretor”: um Diretor está para sua equipe de
cinema assim como o Maestro está para sua Orquestra, ou seja, tal qual um Maestro recebe ou escolhe uma par tura
para em seguida fazer escolhas artís cas que servirão para orientar os músicos no que se refere à “interpretação” e
execução da obra, também o diretor de cinema recebe ou escolhe um roteiro e o quanto antes começa a fazer escolhas
artís cas que irão determinar a forma como a história e o roteiro serão interpretados e executados. O diretor é um
“contador” de histórias, um “intérprete” de histórias, e um dos primeiros (e mais importantes) passos de um diretor é
decidir “como” cada história será contada. Somente após tomar tais decisões e fazer suas “escolhas interpreta vas” o
diretor poderá, com segurança, passar a orientar toda sua equipe (cinegrafistas, atores, diretores e produtores de arte
etc.). Esse processo inicial de compor e desenvolver essas escolhas artís cas que serão os pilares para orientar uma
equipe é o que chamamos de desenvolvimento ou criação da “Linguagem” de um filme. Cada roteiro/história pede uma
“proposta ar s ca” ou uma linguagem. Como o filme será gravado? Que
po de movimentos de câmera ou
enquadramentos serão u lizados? Quais são as referencias de iluminação e atmosfera? Como os atores devem criar e
desenvolver suas performances? Que po de mundos, cenários e figurinos os diretores de arte devem compor? Para
responder a todas essas e outras perguntas (e consequentemente fazer um filme coeso e bem definido), o diretor
precisa saber em detalhes de que forma ele deseja contar sua história, e ao definir essa forma, ele estará criando
justamente a “linguagem” de seu filme e dando seu primeiro passo!
A FORMAÇÃO E A FUNÇÃO DO DIRETOR:
O “VISIONÁRIO” POR TRÁS DO FILME
Conforme foi afirmado anteriormente, o Diretor do filme está para sua equipe assim como um Maestro está para sua
orquestra, e, da mesma forma que um Maestro possui uma formação abrangente e profunda no universo musical para
que possa transmi r e orientar com segurança seus músicos durante uma performance, também o Diretor deve possuir
uma formação vasta e completa no universo das artes visuais, afinal de contas, como “contador de histórias”, o diretor
deve ser capaz de visualizar todo o filme em sua cabeça antes mesmo de discu r orientações e diretrizes com seus
colegas. É importante que um Diretor possua uma vasta cultura “ lmica”, possuindo em seu imaginário desde Lumiére
até Spielberg, passando pelo cinema europeu, la no e oriental. Aqueles que desejam dirigir filmes devem encontrar
prazer em assis r de maneira analí ca os filmes dos grandes cineastas como John Huston, Alfred Hitchcok, Ingmar
Bergman, Andrei Tarkovsky, Sergei Eisentein, Charlie Chaplin, Orson Welles, Elia Kazan, Akira Kurosawa, Terence
Malick, Mar n Scorcese, Francis Ford Coppola e muitos outros.
Desenvolva o prazer em pausar e repe r cenas, percebendo o impacto que elas provocam, a forma como foram
gravadas e orquestradas etc. A grande literatura também é fundamental pois es mula a imaginação, desenvolve a
cria vidade e a reflexão crí ca. Conhecer história da Arte, teatro, música, tradições e tendências das artes visuais,
teorias da imagem e das cores. É também importan ssimo que um diretor domine com segurança aspectos técnicos,
esté cos e artís cos de fotografia como possibilidades de enquadramentos, regras de composição, lentes, filtros etc.
Um bom começo é ler atentamente todos os capítulos deste livro dedicados ao ofício do Diretor de Fotografia e do
Diretor de Arte. Um diretor não precisa necessariamente ser um especialista em fotografia ou em direção de arte, mas
deve entender profundamente tais áreas não apenas para conseguir pré-visualizar seu filme e compreender todas as
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DIREÇÃO CINEMATOGRÁFICA - DIRIGINDO O FILME
possibilidades mas também para orientar com segurança os profissionais de sua equipe. Se, por um lado, um Diretor de
Fotografia é um profissional que se especializa na área ó ca focada na câmera, o Diretor, por outro lado, é um
especialista no “todo”, um ar sta profissional que deve ser capaz de criar mundos e histórias e dar vida à eles! Portanto,
muito embora os capítulos deste livro estejam divididos por tópicos relacionados à funções específicas, é fundamental
que os Diretores leiam tudo atentamente, afinal, todas as funções ar s co-esté cas passam pelo crivo e pela
orientação do diretor.
DESENVOLVENDO A “LINGUAGEM CINEMATOGRÁFICA”,
O PRIMEIRO PASSO DO DIRETOR
Todos sabemos que uma mesma história pode ser contada de diversas maneiras. Se tomarmos uma fábula infan l
aparentemente simples como “Chapéuzinho Vermelho”, por exemplo, podemos concordar que há muitas formas de
narrar essa história sem contudo alterar sua estrutura, correto? Explicando: seria possível contar essa fábula e, ainda
que sem modificar a trama ou as personagens transformá-la em uma história de suspense ou terror? Ou talvez em uma
comédia escrachada? Ou ainda em um drama psicológico metafórico e simbólico ou finalmente em uma aventura
eletrizante? Sim. Dependendo das escolhas feitas por quem “conta” a história, essa mesma história pode assumir
“roupagens” radicalmente diferentes e consequentemente provocar impactos dis ntos na audiência. Experimente
você mesmo: tente contar a história da
“Chapéuzinho Vermelho” de modo a assustar sua audiência. Depois, procure conta-la novamente fazendo a audiência
rir. Finalmente, reconte-a uma terceira vez tentando deixar sua plateia emocionada ou presa no desfecho da aventura!
Para alcançar esses resultados dis ntos com seu público, certamente você deverá escolher quais elementos da história
precisam ser valorizados ou destacados, quais elementos podem ser deixados em plano secundário etc. Agora imagine
que você pode usar sons, imagens, cenários e atores para ajudá-lo a contar sua história da maneira que você quiser! Pois
bem, todas essas escolhas que vão interferir diretamente no resultado final da obra, ou seja, elementos narra vos,
psicológicos, esté cos, técnicos e por aí a fora formam o conjunto de elementos que comumente denominamos
“Linguagem Cinematográfica”. Decidir “como” a história será contada, ou seja, estabelecer a linguagem, é uma das
primeiras incumbências e responsabilidades do diretor ao aceitar “dirigir” um roteiro determinado – afinal de contas,
essas escolhas irão interferir diretamente no trabalho de todos os outros profissionais. É também responsabilidade do
diretor verificar que os elementos da linguagem estejam sendo respeitados, compreendidos e desenvolvidos da mesma
maneira compondo uma unidade artís ca coesa em todos os setores do projeto. A fotografia e a direção de arte devem
estar “de mãos dadas” para traduzir em imagens (cores, quadros, cenários etc.) os conceitos estabelecidos pelo diretor. É
também rela vamente comum um diretor fazer uso de diversas referências artís cas para compor a linguagem esté ca
de uma obra e com isso orientar de forma mais concreta sua equipe. Essas referências podem vir de outros filmes ou
também de diversas expressões ar s cas como pintura, escultura, histórias em quadrinhos, teatro, música etc.
EXEMPLIFICANDO: o consagrado filme “Moça com Brinco de Pérola” de Peter Webber aborda a história por trás de um
dos quadros mais famosos da história – a obra homônima do pintor holandês Johannes Vermeer. Para realizar o feito, o
cineasta Peter Webber optou por adotar uma linguagem esté ca que refle sse o mesmo teor das pinturas barrocas de
Vermeer. Isso, evidentemente, afetou todas as escolhas da direção de arte e da direção de fotografia, afinal de contas,
seria necessário reproduzir no cinema as mesmas par cularidades artís cas atribuídas à Vermeer. Toda a paleta de
cores explorada no filme (em cenários, figurinos, objetos de cena etc.) bem como a composição das luzes e
enquadramentos parecem sair diretamente das obras de Vermeer. Além disso, pinturas podem sugerir movimento - no
entanto não se movem, consequentemente, toda a limitada movimentacão de câmera no filme é extremamente su l e
suave. O resultado é impressionante: se apertarmos a tecla “Pause” em qualquer instante do filme, teremos a impressão
de ver na tela um quadro do barroco holandês – mais especificamente de Vermeer. Com isso, acho que fica claro a
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DIREÇÃO CINEMATOGRÁFICA - DIRIGINDO O FILME
importância e prioridade em elaborar e determinar a linguagem – ou ainda, definir como a história será contada em seu
filme. Lembre-se, porém, de algo importante: comumente as pessoas confundem a palavra “Diretor” com a palavra
“Ditador”! Brincadeiras à parte, cinema é uma arte extremamente colabora va e a palavra “diretor” está muito mais
associada à “apontar uma direção” (e não “impor”) correto? Um bom diretor discute a linguagem com seus profissionais
e colegas de equipe e ouve todas as sugestões, para somente então tomar as decisões finais e garan r que a linguagem
ou proposta ar s ca seja sólida e coesa. E para concluir, vamos chegar às vias de fato: como então elaborar a linguagem
para seu projeto? Leia o roteiro cuidadosamente por várias vezes. Tente visualizar a história numa tela. Faça diversas
perguntas à você mesmo (como você quer que essa história seja contada? Como você quer que a audiência reaja à seu
filme? Há algum gênero específico em mente – comédia, romance, suspense etc.? Você busca um filme mais físico e
externo ou mais simbólico e psicológico? Você possui referências nas quais possa se espelhar? Há outros filmes,
pinturas ou es los artís cos que dialoguem diretamente o po de história que você deseja contar? Existe algum es lo
de atuação e interpretação que você julgue mais adequado para esse filme? Que ritmo você imagina para sua obra –
acredita que seu filme deva ser lento e reflexivo, rápido, frené co? Que po de música você imagina para esse projeto?
Há alguma mensagem específica que você deseje transmi r à audiência? etc.) e tente responder à todas essas
perguntas de várias formas possíveis. Procure ainda entender o MOTIVO por trás de suas escolhas e respostas. Não há
limites para quantas perguntas você pode listar, explore a obra ao máximo, faça um “brainstorm” de idéias quanto a seu
roteiro, crie painéis de referências, só cuide para que isso não o paralise e acabe transformando você em um
ar sta/cineasta exclusivamente intelectual que passa mais tempo discu ndo e filosofando do que gravando!
Terminado esse processo, o ideal seria expor esses conceitos e descobertas para seus colegas de equipe para que eles
entendam a “visão” que você tem do filme. Em pouco tempo você terá em mãos uma série de diretrizes, elementos e
referências que servirão de “guia” ar s co para sua obra. Pronto! Você descobriu a linguagem da sua obra e deu o
primeiro grande passo que todo diretor deve dar! Lembre-se de que não há fórmulas fixas e mágicas para composição
de uma linguagem cinematográfica – a sua experiência será sua melhor escola e sua bagagem cultural e referências
artís cas serão os livros didá cos! Munido dessas escolhas o diretor poderá discu r e orientar em detalhes o trabalho
da câmera, dos atores e da equipe de arte, afinal de contas, ele já saberá que po de filme ele deseja fazer.
DIRETOR, O DIRETOR DE FOTOGRAFIA E O DIRETOR DE ARTE
Com a linguagem do projeto definida e com as referencias estabelecidas, o Diretor está pronto para orientar o trabalho
do Diretor de Fotografia e do Diretor de Arte. Esses três profissionais trabalham de maneira bastante próxima e essencial
para a definição da estrutura esté ca do filme. O Diretor de Fotografia irá, com base nas diretrizes fornecidas pelo Diretor
do filme, criar propostas para a u lização de câmeras, lentes, movimentações de câmera e enquadramentos, iluminação
etc. Ou seja: tudo que diz respeito ao registro ó co do projeto. A relação entre o Diretor e o Diretor de Fotografia deve ser
profissional, respeitosa, colabora va e produ va: o Diretor oferece diretrizes e orientações específicas para toda a
u lização de câmeras, composição de enquadramentos, referências de iluminação etc. e à medida que o Diretor de
Fotografia criar, descobrir e propuser ou estabelecer elementos imagé cos para o filme, tudo deve ser mostrado e
discu do com o Diretor que deverá aprovar ou não a proposta fotográfica. Para evitar perda de tempo desnecessária, o
ideal é que o Diretor acompanhe de perto a evolução do trabalho do Diretor de Fotografia de modo que os ajustes e
modificações possam ser feitos à medida que o trabalho progride. IMPORTANTE: caso o Diretor não aprove o projeto ou as
propostas do Diretor de Fotografia, é essencial explicar ao fotógrafo os mo vos da desaprovação além de oferecer
orientações e sugestões específicas para aprimorar o projeto (daí a extrema importância de um Diretor com
conhecimentos aprofundados em fotografia ou, mais especificamente, cinematografia). A relação entre o Diretor do filme e
o Diretor de Arte ocorre exatamente da mesma maneira: com base nas orientações do Diretor, o Diretor de Arte e sua
equipe deverão criar toda a proposta esté ca para o projeto (cenários, paleta de cores adequada, figurinos, maquiagens
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DIREÇÃO CINEMATOGRÁFICA - DIRIGINDO O FILME
etc.) e submeter o trabalho à avaliação do Diretor (que, mais uma vez, deverá analisar se as criações do Diretor de Arte
estão coerentes com a linguagem proposta e estabelecida para o filme ou se necessitam de ajustes e modificações). Na
relação entre essa “tríade” ar s ca, a palavra “colaboração” é essencial. Trocar opiniões, enriquecer o processo com testes
e referencias, rar dúvidas, tudo faz parte. Além disso, é importante que em dado momento o Diretor de Fotografia
familiarize-se bastante com o projeto elaborado pelo Diretor de Arte e vice-versa, afinal de contas, o trabalho de um deve
valorizar o trabalho do outro e o trabalho de todos deve estar completamente unido para criar o melhor filme
possível.Garan r o êxito artís co dessa união é um dos principais trabalhos do diretor, que durante as gravações deve
supervisionar e orientar o trabalho de sua equipe para que se chegue à esse resultado. Para saber em detalhes como
elaborar e desenvolver os projetos de fotografia e de arte, consulte os capítulos seguintes dedicados exclusivamente à
esses tópicos.
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DIREÇÃO DE ATORES E
ATUAÇÃO PARA CINEMA
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DIREÇÃO DE ATORES E ATUAÇÃO PARA CINEMA
Agora é momento de abordar um dos assuntos mais fascinantes, polêmicos e complexos dentre as responsabilidades do
Diretor: a direção de atores, um verdadeiro “bicho de sete cabeças” em nosso Brasil!
No que tange esse assunto, nosso panorama nacional encontra-se em estado bastante desencorajador: muitos de
nossos diretores não sabem exatamente como comunicar-se com os atores e sentem-se bastante inseguros quando chega o
momento de orientar, ou, melhor, “dirigir” suas personagens e performances. Isso acontece em grande parte porque o diretor
não conhece a fundo o ofício do ator, e consequentemente, não sabe como extrair do ator o melhor resultado. Mas será então
que é necessário conhecer o ofício do ator para ser capaz de dirigir atores? Não tenha dúvidas! Pense novamente no Diretor
como um Maestro frente à uma Orquestra: embora cada músico concentre-se em seu instrumento individual e em sua
par tura, é necessário alguém que escute o conjunto todo e saiba perceber se há uma unidade coesa dentro da proposta
artís ca determinada pela obra. Evidentemente, para que um Maestro possa dar orientações coerentes e eficazes para os
intérpretes, é essencial que ele entenda não apenas de música, mas também dos instrumentos individuais – não é coincidência
que o bacharelado em composição e regência (para aqueles que desejam conduzir orquestras) seja mais longo que o
bacharelado em instrumento. E também não é coincidência que o Maestro seja obrigado a tocar vários instrumentos! Aliás, é
extremamente comum que grandes Maestros sejam também exímios instrumen stas! Pois bem, o Diretor de Cinema, frente a
seus atores, está exatamente na mesma posição do Maestro frente à sua Orquestra! O Diretor também precisa avaliar o
conjunto todo e perceber se há uma unidade artís ca coesa e coerente dentro da proposta adotada. Agora visualize uma
pessoa que NÃO sabe tocar nenhum instrumento tentando dar orientações à uma Orquestra. Seria difícil, não? Como dialogar
de igual para igual com os músicos? Como rar deles o melhor resultado? Como extrair o melhor mbre do violino ou dosar a
quan dade de ar das flautas? Bom, suponho que esse paralelo ilustre de forma clara que SIM, o Diretor precisa, e MUITO,
conhecer bem o ofício do ator para ser capaz de oferecer orientações técnicas específicas e produ vas.
Mas se por um lado é comum encontrarmos diretores inseguros, por outro lado é igualmente comum encontrarmos
atores despreparados. O sistema formal acadêmico prepara o ator com grande ênfase em Teatro e trabalho de palco, ignorando
quase por completo a técnica e linguagem para a telona – o que é uma lás ma. E é um grande equívoco pensar que um ator
treinado para o palco está automa camente preparado para o cinema! Cada modalidade artís ca é um universo que requer
técnicas e adaptações par culares. Um grande músico erudito pode não conseguir tocar Blues, por exemplo. Assim como um
bailarino clássico pode não saber dançar frevo! Da mesma forma, um ator formado para o palco pode não saber interpretar para
Cinema. Embora a Arte seja a mesma, a forma de expressá-la e conduzi-la é diferente e requer cuidados especiais.
Dessa maneira, com um diretor inseguro e atores despreparados, está pronta a fórmula para um desastre: performances
ar ficiais e mecânicas, falas decoradas porém vazias de sen do, gestuais estranhos e falsos, atores que interpretam sempre a si
mesmos (repe ndo-se em todos os filmes!) e por aí a fora (tenho certeza de que muitos leitores já cansaram de ver produções
com essas caracterís cas, correto?). E o que é pior, muitas vezes o diretor pode até perceber esses problemas, mas não sabe
como resolvê-los. Consequentemente ele pra camente abre mão da direção ou acaba pedindo auxílio à algum outro
profissional que saiba como rar um resultado mais adequado dos atores (o que é também uma grande lás ma, já que dirigir os
atores é uma das a vidades mais legí mas, complexas e prazerosas que um diretor pode assumir – um diretor abrir mão de seus
atores é quase como o Maestro abrir mão de seus músicos!). Não deixe que isso aconteça com sua produção! Com bom senso e
estudo você pode realmente conduzir e dirigir seus atores com segurança extraindo excelentes performances de cada um!
Vamos portanto listar algumas dicas importantes que podem ajudar bastante na realização do seu projeto. Antes mesmo de
começar os ensaios e o processo da “direção”, examine os tópicos a seguir:
1) CONHEÇA O OFÍCIO DO ATOR: Começando do começo! Já que o assunto aqui é Direção de Atores, que tal conhecê-los?
Procure saber como os atores trabalham – como eles abordam um texto, como eles criam um papel/personagem, que po de
informação eles precisam etc. A arte do ator consiste em dar vida à um ser imaginário em situações também imaginárias e o que
é mais complexo, conferindo “verdade”, veracidade à tudo isso, o que não é nada fácil! E cabe à um bom diretor auxiliar e
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DIREÇÃO DE ATORES E ATUAÇÃO PARA CINEMA
es mular o ator nesse processo. Há muitos caminhos e técnicas para criar um papel e cada um deve escolher aquele que mais
lhe agradar, mas a título de ilustração, o caminho mais adotado e trilhado pelos maiores atores e diretores da história é o que
chamamos de “Sistema” ou, em certos casos, de “Método” – um conjunto de ferramentas e prá cas cênicas que encontram sua
origem no grande ator/diretor russo Konstan n Stanislavsky. Se pensarmos em nossos atores prediletos ou, por exemplo, em
todos os ganhadores do Oscar® dos úl mos 40 anos, perceberemos que a vasta maioria é adepta desse tal “Método” ou
“Sistema”: atores geniais como Jack Nicholson, Marlon Brando, James Dean, Paul Newman, Al Pacino, Robert de Niro, Meryl
Streep, Hillary Swank, Sean Penn, Heath Ledger, Daniel Day-Lewis, Johnny Depp e por aí a fora bem como os grandes diretores
do porte de Elia Kazan, Francis Ford Coppola, Mar n Scorcese e muitos outros (precisa falar mais?) são adeptos fervorosos
desse mesmo sistema e de suas variações. Ou seja, o negócio parece funcionar, não é? Basicamente, o “Sistema” de
Stanislavsky propõe um processo complexo de fusão total entre ator e personagem. Os atores devem “desaparecer” por
completo dentro de seus papéis e através de um domínio técnico apurado passar a “viver” momentaneamente como as pessoas
que estão interpretando, atribuindo uma verdade absoluta à cada personagem. Mas atenção! Verdade absoluta não significa
necessariamente “realismo”, correto? O “Willy Wonka” interpretado por Johnny Depp não possui nada de “real”, ainda assim,
acreditamos naquele personagem pois ele é “verdadeiro” , certo? Essa é uma dis nção importantíssima pois muitos diretores
ou atores desavisados acabam por confundir os ensinamentos de Stanislavsky com “realismo”. Performances memoráveis da
história do Cinema como a de Robert de Niro em “Touro Indomável” ou ainda a de Heath Ledger em “Batman: o Cavaleiro das
Trevas” são todas marcadas por um elemento em comum – um trabalho primoroso de construção das personagens. Esse
trabalho não é nada fácil e exige muito do ator e do diretor. Há casos famosos como os do ator Daniel Day-Lewis (três vezes
ganhador do Oscar® até a data da redação deste livro) que leva de seis meses até três anos criando cada um de seus papéis!
Mas isso não deveria ser surpreendente nem assustador, visto que em outras áreas ar s cas, como música ou dança, essa
devoção técnica é algo comum (quanto tempo você acredita que um pianista levaria para preparar adequadamente uma Suíte
Francesa de J. Sebas an Bach? Provavelmente de seis meses à três anos, exatamente como Daniel Day Lewis!), e com cinema
não poderia ser diferente. Infelizmente, embora o nome de K. Stanislavsky (o grande “pai” desse tal Método/Sistema) seja
rela vamente conhecido no Brasil, a prá ca real e completa desse sistema é quase que inexistente (e em muitos casos
distorcida) em nosso país. Para aqueles que verem curiosidade de conhecer a fundo todas essas técnicas de maneira segura –
tanto diretores como atores - , sugiro uma visita ao Ins tuto Stanislavky, projeto desenvolvido dentro do La n American Film
Ins tute dedicado exclusivamente à interpretação e direção (www.lafilm.com.br ), ins tuição exclusivamente dedicada ao
estudo e prá ca do “Sistema/Método” de Stanislavsky da mesma forma como ele é desenvolvido nos maiores centros
acadêmicos do mundo. De qualquer maneira, embora o “Sistema/Método” seja a técnica cênica mais consagrada e
comprovada da atualidade, há muitos outros caminhos possíveis e igualmente interessantes e cabe ao diretor estudar, se
aprofundar e conhecer com segurança os mecanismos de trabalho do ator para só então conseguir ajudá-lo e orientá-lo. Ficam
aqui, porém, dicas importantes para os diretores iniciantes: das várias tradições, escolas e técnicas para atores e diretores, há
algumas que não acreditam na “criação de uma personagem”. Fique atento, pois atores que não possuem técnica suficiente
para criar personagens são atores que interpretam somente a eles mesmos, e você não convidaria seu colega “João” para atuar
em seu filme e interpretar a ele mesmo, correto? Se esse fosse o caso, seria mais adequado então fazer um documentário sobre
o “João”. Outra dica valiosa para conhecer a fundo o ofício do ator, além de pesquisar e estudar, é
assis r grandes
performances! Além dos filmes já mencionados (como “Touro Indomável” de Scorcese e “Batman: O Cavaleiro das Trevas” de
Christopher Nolan), sugiro como ponto de par da os arrebatadores “Meu Pé Esquerdo” e “Em Nome do Pai” (ambos com
direção precisa de Jim Sheridan) e “Sangue Negro” dirigido por Paul Thomas Anderson (os três ú mos com atuações
assombrosas de Daniel DayLewis), “Monster, Desejo Assassino” (que entregou o Oscar® à uma virtuosa Charlize Theron sob a
batuta da diretora Pa y Jenkins), “Taxi Driver” e “Cabo Do Medo” (Direção de Scorcese e atuações soberbas de Robert De Niro),
“Rain Man” (Oscar® merecido para Dus n Hoffman dirigido por Barry Levinson), “I am Sam: uma lição de amor” e “Milk” (para
saborear os espetáculos de Sean Penn dirigido respec vamente por Jessie Nelson e Gus Van Sant), “Meninos Não Choram” e
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DIREÇÃO DE ATORES E ATUAÇÃO PARA CINEMA
“Menina de Ouro” (ambos protagonizados pela impecável Hillary Swank com direção de Kimberly Peirce e Clint Eastwood) e,
para os fãs de suspense, vale conferir “Misery: Louca Obsessão”, com atuação inesquecível de Kathy Bates e direção de Rob
Reiner. A lista poderia con nuar por páginas e páginas, mas esses filmes são uma boa porta de entrada para apreciar “atores
metódicos” (ou ainda, atores que criam suas performances com base nos ensinamentos de Stanislavsky) em sua melhor forma –
e criar um bom banco de dados e referência para saber onde um ator pode chegar (se bem dirigido, é claro!).
2) O QUE SABER ANTES DE ORIENTAR OS ATORES: Seja antes de uma conversa informal sobre o projeto ou mesmo antes
de um ensaio com os atores, o diretor deve fazer sua lição de casa. Lembre-se de que você deve transmi r segurança e domínio
de obra aos atores, para tanto, conheça em detalhes CADA personagem da sua história! Saiba dizer a cada ator a importância e
relevância de cada uma das personagens dentro do roteiro (mesmo os menores papéis tem sua importância individual, caso
contrário não seriam necessários! Parafraseando Stanislavsky, lembre-se – e lembre seus atores – de que “não existem
pequenos papéis, somente pequenos atores” ),saiba com clareza o que cada personagem precisa ou quer alcançar/realizar em
cada cena e na obra em sua totalidade, saiba qual a relação entre as personagens e tente imaginar possíveis backgrounds para
cada papel preenchendo as lacunas de informação que o roteiro não oferece (Onde será que a personagem nasceu? No que ela
trabalhou ou trabalha? Quais suas experiências de vida mais marcantes? etc.). Tudo isso ajudará o ator a criar um papel robusto
e verdadeiro, além de deixar claro que o diretor realmente sabe do que está falando! Saiba indicar referências e es mule o ator a
pesquisar sobre a realidade retratada no roteiro, pois isso também o ajudará a fazer escolhas coerentes. Exemplificando: caso o
roteiro conte uma história policial protagonizada por inves gadores ou agentes de polícia, encoraje o ator a ler bons livros e
assis r bons filmes sobre o gênero (ou quem sabe, até mesmo conversar com policiais!). Se o roteiro narra a vida de um padeiro,
por exemplo, es mule o ator a visitar uma padaria e observar como um padeiro real trabalha. Todo esse processo de pesquisa,
observação ou até mesmo vivência é o que comumente chamamos de “laboratório”, e pode contribuir enormemente para a
veracidade de um papel.
Bom, se levarmos em conta que agora você já conhece bem o ofício do ator, criou uma boa bagagem de referências
e já sabe todos os detalhes sobre a personagem que será interpretada, é chegado o momento de realmente “dirigir”, conduzir os
ensaios e arredondar as cenas. Nosso próximo passo agora é saber O QUE e COMO falar com os atores e orientá-los a fim de
conseguir deles o melhor desempenho. Vou, portanto, listar uma sequência de etapas simples que devem ser atravessadas e
exploradas e que poderão servir como um guia sólido para os diretores iniciantes (bem como fonte de reflexão para os mais
experientes).
ANÁLISE DA OBRA PARA PERFORMANCE DOS ATORES:
Essa é a única etapa exclusivamente “intelectual” do trabalho com os atores. Todas as etapas a seguir
priorizam a prá ca e a vivência das personagens e das cenas, porém, antes de chegar nesse ponto, é necessário um
pouquinho do conhecido “trabalho de mesa”.
Nessa fase, diretor e atores devem discu r e compreender os elementos “motores” da obra, ou seja, as
circunstâncias dadas pelo autor (os famosos “QUEM, O QUÊ, ONDE, QUANDO e POR QuÊ”):
·Quem são as personagens (Quem)– Lembre-se de que o autor (ou dramaturgo/roteirista) nos fornece
somente uma fração da vida de cada personagem. No entanto, nenhum ser vivo “vive em frações”, portanto, é
necessário discu r opções coerentes para preencher as lacunas e descobrir de onde as personagens vieram, o que
fazem, sua formação cultural e intelectual, sua situação econômica, sua educação e por aí a fora. Todas essas
informações servirão como “recheio” para a personagem, transformando-a em um ser completo e mul dimensional no
qual poderemos verdadeiramente acreditar. É também fundamental discu r em detalhes as relações ENTRE as
personagens presentes na obra, já que muitas vezes isso pode determinar a intensidade e a dinâmica de
desenvolvimento das cenas. É importante também lembrar que cinema é uma arte colabora va e que atores e diretores
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podem ter a liberdade para discu r todos os tópicos acima, no entanto, o diretor deve estar pronto e seguro para dar
sugestões coerentes e orientar os atores acerca de todos os elementos aqui mencionados.
·Quais os obje vos e razões de cada personagem (O quê e por quê) – em nossas vidas, pra camente todas
as nossas a tudes, decisões e ações são determinadas (ainda que inconscientemente) por obje vos e razões (ou
jus fica vas). Explicando: suponhamos que eu queira fazer aulas de violão para ser capaz de entreter meus amigos em
fes nhas ou acampamentos. Nessa simples sentença, já é possível iden ficar um OBJETIVO, ou o “O QUÊ” (aprender a
tocar violão), e também uma razão/jus fica va ou o “POR QUÊ” (para entreter meus amigos). Numa cena de romance,
por exemplo, uma personagem pode querer SEDUZIR a outra (Obje vo) pois está apaixonada (razão/jus fica va) ou
pois quer obter favores especiais (outra possibilidade de jus fica vas, dependendo da obra). Em uma cena de ação
policial um inve gador pode precisar prender um criminoso (obje vo) pois o mesmo está pondo a vida de muitas
pessoas em risco (razão/jus fica va). Dessa mesma forma, em qualquer cena, seja de cinema ou teatro, seja um filme
leve de comédia, uma ação frené ca ou um romance psicológico, cada personagem/ator deverá saber com clareza quais
são seus obje vos e jus fica vas: o que a personagem deseja ou precisa alcançar/realizar. Embora isso possa parecer
óbvio, frequentemente atores mal-treinados e diretores despreparados estão mais preocupados em decorar uma fala e
uma posição de câmera do que em saber quais são seus obje vos e jus fica vas naquele momento!
Consequentemente, as cenas podem resultar em ar ficialidades e performances mecânicas. Já dizia Sanford Meisner,
um dos gênios americanos do teatro e cinema: “minha maior dificuldade é lembrar aos atores e diretores como um ser
humano anda, fala, ouve, pensa e reage na vida real!”. Ainda dentro desse mesmo subtópico, tão importante quanto
descobrir os obje vos individuais de cada personagem é descobrir também quando esses obje vos são frustrados, ou
seja, não podem ser alcançados ou realizados – o que tradicionalmente chamamos de “quebra de obje vo”, afinal de
contas, essas frustrações, fracassos ou “quebras de obje vos” são estímulos poderosos e devem certamente arrancar
reações per nentes das personagens. Para citar um exemplo, penso imediatamente na cena clássica do filme “Sindicato
de Ladrões” de Elia Kazan (se ainda não assis ram, corram e assistam!), quando, dentro de um taxi, os irmãos
interpretados magistralmente por Marlon Brando e Rod Steiger confrontam-se. O obje vo de Charley, o irmão mais
velho (Steiger), é eliminar Terry (Brando), no entanto, por razões que não quero mencionar aqui para não “estragar” o
filme para os leitores, Charley não consegue realizar/alcançar seu obje vo – ou seja, ocorre ali uma “quebra de
obje vo”, e o resultado é uma das cenas mais contundentes da história do cinema (e aqui vale frisar que, tanto os atores
quanto o próprio diretor eram adeptos fervorosos e pra cantes do “Método” ou “Sistema” de Stanislvavsky). Logo, tão
importante quanto saber O QUE a personagem deseja alcançar é perceber também em que momentos do roteiro
existem essas tais “quebras de obje vos” ou frustrações. O diretor deve ficar atento a esses momentos (muitas vezes
su s) para ser capaz de orientar seus atores.
• Onde e quando as cenas acontecem – embora esse sub-tópico seja bastante auto-explica vo, lembre-se
de saber com clareza o lugar e o momento em que as cenas se desenrolam para que haja coerência nas ações e reações
das personagens. Um casal que briga e discute em seu próprio quarto à noite, por exemplo, certamente iria fazê-lo de
maneira bem diferente do que se a discussão acontecesse num domingo à tarde no quarto de hóspedes da família da
esposa, correto? Parece óbvio, não? Porém, lembre-se de que, provavelmente, durante as gravações, as cenas serão
gravadas em uma locação ar ficial “dressada” e num horário diferente daquele apontado no roteiro. É rela vamente
comum que atores e diretores esqueçam completamente as circunstâncias (onde e quando) que envolvem as
personagens. Consequentemente, as ações e reações podem, posteriormente (quando contextualizadas na obra
através da montagem e edição), parecer incoerentes.
·Divisão da Obra em “Unidades” para facilitar os ensaios e a compreensão da estrutura narra ve e
dramá ca do roteiro – Agora que todos já possuem uma compreensão detalhada da obra, ou seja, sabemos quem são
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todos os envolvidos na história, onde e quando a história acontece e o que cada um deseja alcançar/realizar (bem como
suas razões individuais), é coerente dividir a história em unidades menores para facilitar o processo de ensaio.
Evidentemente, os ensaios podem ser realizados cena-a-cena, ainda assim, uma divisão em unidades maiores
agrupadas por coerência dramá ca pode auxiliar atores e diretores em suas escolhas artís cas. Posso citar, como
exemplo, uma obra escrita para o palco que foi também adaptada para as telas - “As Bruxas de Salem” (The Crucible) de
Arthur Miller. Poderíamos, a princípio, dividir a obra em quatro etapas dramá cas dis ntas: 1. A descoberta de
a vidades obscuras; 2. O início da farsa e das acusações; 3. A revolta impotente dos acusados; 4. A ruptura da farsa e
aplicação impiedosa das penas. Evidentemente, essas unidades podem ainda ser subdivididas em unidades menores.
Independente do número de divisões, saber que a cena a ser ensaiada agora faz parte da “Revolta Impotente dos
Acusados” pode ajudar bastante um diretor e seus atores.
·DICA: Nesse primeiro momento de “Análise da Obra”, evite cair na tentação de muitos diretores iniciantes
– a realização da “leitura” da obra em grupo. Quando a obra é lida pelos atores antes mesmo da elaboração completa das
personagens e da absorção profunda de todos os detalhes inerentes à história, sempre há o risco de que eles
“memorizem” ou “decorem” determinadas falas ou maneirismos superficiais e incoerentes com a proposta maior da
obra. Como diria Stanislasky, “Guardem as palavras do texto como se fossem pérolas. Cuidado para não desgastá-las.”.
A leitura pode ser feita individualmente, a fim de estudar a obra. A “Leitura em Conjunto”, no entanto, deve ser poupada
para o momento em que atores e diretores já conheçam a fundo as personagens e circunstâncias da história em
questão, assim não haverá o “risco” de desenvolverem vícios incoerentes.
CARACTERIZAÇÕES E CONSTRUÇÕES DE PERSONAGEM:
Agora que já realizamos a etapa “intelectual” de nosso trabalho com os atores, é chegado o momento de
mergulhar na parte prá ca. Com base na análise já realizada, atores e diretores devem possuir um bom leque de
informações específicas sobre cada personagem, o que servirá de base para que possamos criar, de “dentro para fora” ,
todas as opções de caracterização. Sabemos que não existem no planeta dois seres humanos absolutamente iguais,
correto? Mesmo irmãos gêmeos criados na mesma casa e ambiente familiar possuem infinitas diferenças no que tange
seus padrões de comportamento, suas personalidades, suas manias e maneirismos, vícios, sonhos, crenças, formas de
andar e conduzir o corpo, formas de falar, expressões faciais caracterís cas, ritmo de movimentos etc. e são justamente
essas caracterís cas que diretor e atores devem agora explorar até encontrar a “personagem ideal”. Para isso,
evidentemente, é necessário contar com atores treinados que possuam completo controle sobre seus “instrumentos”
(corpo, voz, expressões etc.). Assim como um bom violinista saberá explorar de maneira eficaz e coerente seu violino
para dele extrair toda gama possível de mbres e qualidades sonoras, também o ator deve ser capaz de manipular por
completo o instrumento à sua disposição (ele próprio) para alcançar o resultado necessário e esperado pelo diretor.
Parafraseando alguns
dos maiores atores e diretores da história (Stella Adler, Michael Chekhov e o próprio
Stanislavsky), “o pior ator é aquele que interpreta sempre a si próprio”, pois não possui o domínio técnico para criar as
par cularidades que cada papel exige. Consequentemente, um diretor que se contente com esse resultado (ao invés de
exigir as individualidades de cada personagem) será também um diretor medíocre. Mas como chegar às melhores
opções de caracterização para cada papel? Prá ca, laboratório e experimentação baseadas na análise inicial.
Explicando: nunca haverá apenas uma opção correta para determinada personagem. Pode haver, no entanto, uma
“opção ideal” que só poderá ser encontrada após muita prá ca. Com base na análise da obra, levantamos dados
preciosos a respeito de cada personagem: sabemos o que ele faz, o que ele quer, como ele se relaciona com os outros,
de onde ele vem e por aí a fora. Agora, deve-se fazer as seguintes perguntas – qual seria o comportamento físico de uma
pessoa com essas caracterís cas? Como essa pessoa se movimentaria? Qual o ritmo de seus gestos? Como seria sua
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voz? Quais seriam seus maneirimos? Será que sua profissão determina determinados gestos caracterís cos ou manias
oriundas do ofício? Esse é um trabalho delicioso e verdadeiramente inves ga vo, pois diretor e ator devem
experimentar diversas possibilidades até encontrar a que mais lhes convença! Evidentemente, o laboratório/pesquisa
será de grande valia para consolidar as melhores escolhas: muitas vezes aquilo que criamos no papel pode não ser
coerente com a realidade, daí o valor do laboratório. A vivência, pesquisa e observação podem apontar escolhas
soberbas pra cada personagem. Daniel Day-Lewis é conhecido por realizar laboratórios longos e intensos – levou três
anos construindo sua personagem para o longa “Sangue Negro”, e durante esse tempo, fez questão de morar em tendas
improvisadas em fazendas de petróleo no Texas bem como aprender o ofício que haveria de interpretar no filme. Para o
longa-metragem de ação/Aventura “O Úl mo dos Moicanos” de Michael Mann, é sabido que o ator (representante
extremo do “Método/Sistema” de Stanislavsky e considerado por grande parte da crí ca epecializada como o maior
ator vivo do cinema atual) decidiu viver por seis meses em condições rús cas nas florestas norte-americanas, aprendeu
a caçar e rar o couro de animais silvestres e, pasmem!, ajudou a construir as canoas indígenas u lizadas no longa! É
claro que nem todos nós temos o tempo e o dinheiro para realizar laboratórios extensos, ainda assim, mesmo
laboratórios enxutos podem agregar um valor ines mável à construção de uma personagem. Pesquise, explore e
experimente! Aprenda a “degustar” e “saborear” a criação de cada personagem, es mulando e desafiando cada ator,
afinal, como diretor, essa é uma das etapas mais cria vas, artís cas e complexas de nosso ofício. É importante lembrar,
porém, que após serem feitas e cristalizadas as escolhas individuais para cada personagem, é necessário que essas
escolhas fiquem orgânicas e verossímeis – o que exige muita prá ca. Encorage seus atores a passarem alguns dias se
comportando, andando e falando como as personagens (desde que, evidentemente, o comportamento de tal
personagem não coloque em risco a integridade física e emocional do ator). Caso isso não seja possível, providencie um
local de ensaio onde os atores tenham a liberdade de realizar a vidades co dianas “incorporando” as caracterís cas de
cada personagem. Isso servirá para que o diretor avalie, cri que, oriente e perceba quando as personagens estão
verdadeiramente “prontas”, verdadeiras, orgânicas e, consequentemente, aptas a dar o próximo passo e embarcar nos
ensaios das cenas.
ENSAIANDO E “CHEGANDO” NAS CENAS COM OS ATORES
Agora que todo o elenco compreende bem a obra (através da análise) e já tem as personagens vivas e
orgânicas, é momento de abordar o texto e construir as cenas. Um primeiro passo que mostra-se geralmente produ vo
é, finalmente, fazer uma primeira leitura em conjunto. Diferentemente de outras prá cas teatrais que geralmente
propõe a realização de leituras desde o primeiro momento, o “Método/Sistema” de Stanislavsky propõe que se guarde
essa etapa somente para quando as personagens já possuírem, de fato, uma iden dade. Dessa forma, a leitura não
servirá para a memorização ar ficial das falas, mas sim para a constatação de comportamento das personagens. Essa
leitura é um bom momento para que todos lembrem e vivenciem verbalmente com precisão cada obje vo inerente a
cada papel em cada unidade. Após essa leitura, iniciam-se os “jogos” cênicos com intuito de lapidar ar s camente cada
unidade do filme. Esses jogos geralmente são estruturados sobre improvisos grada vos através dos quais vai-se
chegando, naturalmente, em cada cena do filme. Explicando: selecione uma das “unidades” ou uma cena do filme.
Agora, determine quais personagens vão par cipar desse primeiro jogo. Entregue/solicite às personagens os
elementos “motores” individuais (o “onde”, “quem”, “o que”, “por que” e “quando”). Se cada personagem sabe quem é,
onde está, de onde está vindo e, finalmente, o que deseja fazer, basta falar “Ação” e observá-las agindo! Esse é um
exercício precioso para atores e diretor. Através dessa prá ca, o diretor pode realmente verificar:
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·Se as personagens estão verdadeiras/verossímeis;
·Se as personagens sabem de fato o que querem;
·Se as relações entre as personagens são abordadas de forma coerente;
·Se as personagens de fato reagem ao lugar e ao momento onde estão colocadas.
Através do improviso (baseado em elementos do roteiro), o diretor pode garan r que os atores realmente
“mergulhem” na obra e ganhem familiaridade com as situações e personagens ao invés de simplesmente decorar falas e
memorizar “deixas” e posições. No intervalo entre cada sessão de improviso, cada um pode ler individualmente os
trechos do texto que serviram de base para o exercício ou ainda discu r e sanar dúvidas com o diretor (que também
deve aproveitar esses jogos de improviso para testar possibilidades e dar sugestões aos atores). Dessa forma, aos
poucos e naturalmente, os atores “chegam” no texto espontaneamente sob a orientação do diretor, que, sem “forçar”
um resultado mecânico nos atores, vai guiandoos e orientando-os até que se obtenha uma cena de qualidade. Filmes
consagrados como “Touro Indomável” marcaram época com suas famosas sessões de improviso conduzidas por
Scorcese (sessões que não somente ajudaram a preparar as cenas como também possibilitaram o surgimento de
momentos preciosos que acabaram por integrar as obras finalizadas). Para aqueles que acham o improviso algo muito
“arriscado” ou inovador, lembrem-se que o próprio Stanislavsky, no início do século passado, alegava que somente
deixaria seus atores encenarem “Othelo” de Shakespeare quando fossem capazes de “Improvisar” a obra em sua
totalidade! Imagine o leitor quanto domínio um ator precisa ter para improvisar um monumento colossal como Othelo!
Cada detalhe, cada obje vo, cada nuance precisa estar profundamente resolvida antes de tamanha empreitada. Os
mais desavisados podem encarar os jogos de improviso como um desrespeito ao texto. Muito pelo contrário: através do
improviso podemos nos cer ficar de que conhecemos verdadeiramente cada aspecto con do na obra, dessa forma, ao
“voltarmos” para o texto, todo o “subtexto” já terá sido amplamente explorado e cada fala, cada palavra e cada
movimento estarão poupados do desgaste pela repe ção e repletos de verdade e significado. Após “improvisar” sobre
as cenas, permita que grada vamente os atores u lizem as palavras do texto mas procure jamais focar em “decorar” ou
memorizar as falas – foque na COMPREENSÃO da cena e da personagem. Naturalmente, o ator terminará por
memorizar o texto e suas falas, porém, ao longo do processo, ao enfa zar a “compreensão” ao invés da “memorização”,
o diretor impede o surgimento de uma encenação mecânica e ar ficial e valoriza um processo cria vo e artís co.
Estabelecemos portanto as etapas que o diretor deve atravessar com seu elenco para chegar à obra. Sim, é
trabalhoso de fato (quem falou que seria fácil ser um Coppola ou um Scorcese?) e a responsablidade do diretor é
enorme, afinal de contas, não apenas ele é o condutor de toda essa “viagem” como também deve manter-se
suficientemente distante para ser capaz de avaliar cri camente e fornecer feedback para que cada ator saiba o que
ajustar e melhorar. No entanto, a prá ca e a experiência serão suas grandes aliadas para transformar essa viagem na
mais segura e prazerosa jornada possível. Como diria Volkonski, “… o ar sta torna o que é di cil em habitual, o que é
habitual em fácil, e o que é fácil… belo.”.
COMUNICAÇÃO ENTRE DIRETOR E ATORES
Após abordar as principais etapas do trabalho com o elenco, apresento aqui uma pequena lista de dicas que podem
servir como um valioso “checklist” para os diretores durante ensaios e gravações. São tópicos simples que devem
facilitar e o mizar bastante a comunicação entre diretor e atores.
1) NUNCA oriente seus atores através de “emoções” ! Nada denuncia mais um diretor amador ou inexperiente do
que frases como “…fique mais triste nessa cena…” ou ainda “…acho que você deveria estar mais feliz…” ou por exemplo
“…faça uma expressão de medo e nervosismo…”.
Emoções são abstratas por natureza e possuem significados
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DIREÇÃO DE ATORES E ATUAÇÃO PARA CINEMA
diferentes para cada pessoa. O que é “tristeza” para alguém pode significar “melancolia” ou “depressão” para outrém. O
que uma pessoa interpreta como “nervosismo” outra pode interpretar como “angús a” e assim por diante. Emoções são
abstratas e incontroláveis, e não servem para a ngir algum resultado. O risco que corremos ao u lizar uma emoção
como orientação é o risco de cair no cliché emo vo, ou seja, se você pedir para um ator ficar “nervoso” ele
imediatamente vai acelerar sua respiração, movimentar-se rapidamente de um lado para o outro, falar mais rápido etc.
criando uma caricatura ar ficial de um estado de espírito. Se você pedir para um ator ficar “triste”, ele pode
automa camente usar seus clichés de tristeza como: olha para baixo, morder os lábios, falar mais baixo e por aí afora. E
isso não é o que queremos, certo? Buscamos uma personagem viva e orgânica. Desse modo, lembre-se que a “emoção”
ou o “estado de espírito” de uma personagem são, na realidade, consequências a fatos, situações ou adventos. Dessa
forma, se você quiser que o ator fique “triste”, por exemplo, não pense na emoção, mas sim naquilo que provocou tal
emoção na personagem – e es mule seu ator/personagem a REAGIR a esse estímulo oferecido pela obra (por exemplo:
“…sua namorada acabou de deixar você, lembre-se de reagir à isso! …”).
2) NUNCA demonstre aos seus atores como fazer ou falar alguma coisa! Isso caracteriza o famoso (e tenebroso)
“Diretor de Imitação”: ao demonstrar algo para um ator, você estará automa camente sugerindo que o ator o imite, e,
portanto, precisaria de bons imitadores e não de bons atores, correto?
3) NUNCA deixe o ator preocupar-se com o posicionamento da câmera ou com o plano que está sendo gravado,
isso pode es mular a vaidade ou o nervosismo, e, como consequência, alguns atores poderão tentar “posar” ou “se
posicionar” para a câmera, gerando uma performance ar ficial e mecânica. A câmera é da alçada do diretor de fotografia
e do diretor, e se por acaso um ator lhe perguntar sobre o enquadramento, uma resposta simples e cordial como “…fique
tranquilo que isso agora não é importante…” deve bastar.
4) Para chegar a resultados interessantes, es mule seus atores com PERGUNTAS ou SUGESTÕES, afinal, isso os
fará pensar e refle r sobre as personagens e cenas e buscar resultados cada vez melhores (por exemplo: Por que sua
personagem está gritando? Esse é o melhor caminho para que ela consiga o que quer? Por que sua personagem se
movimenta tanto? Ela está com algum problema específico? O que aconteceria se você tentasse se aproximar de sua
namorada de outra forma? Por que você não experimenta brincar mais com o ritmo e valorizar as pausas e os silêncios
para que possamos perceber os conflitos internos da personagem? etc.). Muitas vezes os atores preocupam-se demais
em decorar falas e posições, e acabam esquecendo de pensar sobre a coerência de suas personagens nas cenas, o que
pode levá-los a agir de forma mecânica. Perguntas e sugestões es mulantes são geralmente o melhor caminho para
explorar resultados. Ao assis r uma cena, pergunte a você mesmo: é possível que a cena fique melhor? Como? Que
sugestões e dicas específicas posso dar aos atores?
5) MARCAÇÃO DE CENA: Ao invés de simplesmente criar uma marcação e exigir que o ator lembre-se dela,
procure orientar o ator para que ele “descubra” a marcação junto com você. Explicando: ajude o ator a descobrir quais
seriam as movimentações e posições mais coerentes e necessárias para cada personagem. Sugira, ques one, aponte
possibilidades! Faça o ator descobrir as mo vações por trás de cada gesto ou movimento específico. Se as
movimentações forem coerentes e necessárias à personagem, a ator sempre sen rá a “necessidade” de se movimentar
de determinada forma, logo, ele não precisará “lembrar” de uma marcação para repe -la sempre: a “marcação” e a
movimentação toda da cena ocorrerão de forma natural.
6) FEEDBACK: Ao dar seu feedback para os atores, lembre-se de ser respeitoso, cordial e educado, afinal, eles estão
extremamente expostos e provavelmente dando duro para realizar seu projeto. A figura do diretor grosseiro, que
ofende seus atores, grita e se impõe pelo medo, é, no mínimo, melancólica e desprezível. Humilhar seus atores não vai
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DIREÇÃO DE ATORES E ATUAÇÃO PARA CINEMA
fazer com que as performances melhorem, muito pelo contrário, vai somente abalar a auto-es ma do elenco gerando
um clima de insegurança no set. Além disso, se a performance do ator não está sa sfatória, a culpa TAMBÉM é do
diretor que falhou em orientar de maneira eficaz para a ngir os resultados desejados. Grosseria e desrespeito são
terminantemente proibidos num set profissional. Além disso, lembre-se que o diretor não é uma máquina. Se, após
assis r uma cena, você não sabe exatamente o que dizer ao atores, não se in mide: peça alguns minutos enquanto você
pensa no que viu e formas de melhorar a performance. Tenha certeza de que isso irá gerar respeito e admiração por
parte dos atores.
Não tenha vergonha de ir ao SET ou ao local de ensaio munido de uma lis nha com tópicos que para você sejam
importantes. Vá preparado e precavido, e tenha certeza de que um diretor cuidadoso somente crescerá aos olhos dos
colegas!
TRADIÇÕES E ESCOLAS TÉCNICAS DE ATUAÇÃO E DIREÇÃO
Finalmente, diretores e atores interessados em explorar o assunto e desvendar em maiores detalhes as ferramentas
fantás cas desse tal “Método/Sistema” que serve como base para todo o ofício cênico, lembrem-se que, além do
legado fabuloso do mestre Konstan n Stanislavsky (o grande “Pai” desse Sistema), outros atores, diretores e
professores também contribuíram para o aprimoramento e engrandecimento dessas técnicas estabelecendo tradições
essenciais e consagradas para a dramaturgia mundial (embora ainda permaneçam virtualmente desconhecidas no
Brasil). Vale destacar:
1) Técnica Adler: Considerada por muitos como uma das maiores e mais importantes atrizes norte-americanas do
século XX, Stella Adler foi uma das raras ocidentais a receber aulas par culares do próprio Stanislavsky. Adepta
fervorosa dos ensinamentos do grande mestre, Stella foi talvez a principal responsável pela difusão do “Sistema” nos
EUA. A atriz acabou ainda por desenvolver exercícios próprios que julgava importantes para o desenvolvimento do
ator/diretor e teve, dentre seus alunos, nomes como Marlon Brando, Robert de Niro e Benicio Del Toro (precisa falar
mais?).
2) Técnica Chekhov: o russo Michael Chekhov (sobrinho do dramaturgo histórico Anton Chekhov) foi considerado
pelo próprio Stanislavsky – seu professor – como um dos maiores atores de todos os tempos. Famoso por sua
inquietude, desenvolveu técnicas extremas e complexas para a “incorporação” das personagens, contribuindo para o
engrandecimento do “Método/Sistema”. Entre os adeptos de suas inovações encontram-se pesos-pesados como Jack
Nicholson e Marilyn Monroe.
3) Técnica Meisner: o ator, diretor e professor Sanford Meisner é popularmente conhecido no hemisfério norte
como o “Maior segredo do teatro norte Americano”, e não é a toa! Com técnicas inovadoras e inusitadas, ele soube
aplicar e desenvolver como ninguém elementos essenciais do “Sistema”, e não seria exagero afirmar que Meisner
revolucionou o ensino de atuação nos EUA e, por “tabela”, na Europa.
ONDE ESTUDAR: Para aqueles que desejam pesquisar, estudar e pra car em profundidade as técnicas Adler, Chekhov
e Meisner (além de outras), aconselho uma visita ao Ins tuto Stanislavsky (La n American Film Ins tute), única
ins tuição brasileira a oferecer cursos aprofundados e regulares nessas tradições cênicas.
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O DIRETOR DE
FOTOGRAFIA
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O DIRETOR DE FOTOGRAFIA
Assim como a função do Diretor, a função do "Diretor de Fotografia" é também uma das mais almejadas no universo do
Cinema e certamente os capítulos dedicados à esse o cio serão bastante extensos pois lidam com com uma carga elevada de
conhecimento técnico além do apuro artís co. O envolvimento direto com as câmeras, as luzes, as lentes e muito mais parece
ser algo extremamente atraente à todos os amantes e pra cantes da sé ma arte. Mas quais são, exatamente, as incumbências e
responsabilidades de um Diretor de Fotografia, ou, como é comumente chamado, um DP (Director of Photography)? Essa , às
vezes, pode ser uma pergunta bem difícil de responder com exa dão: tenha certeza de uma coisa - se perguntarmos à 10
Diretores de Fotografia o que cons tui a função e ofício de um DP, iremos obter 10 respostas diferentes! Muitas, inclusive,
contraditórias. Como já vimos anteriormente, alguns podem afirmar que o DP é responsável apenas pela luz. Outros podem
afirmar que o DP define também lentes e enquadramentos. Os mais fervorosos são adeptos da idéia de que o DP deve também
operar a câmera. Como Diretor de Fotografia, ve o enorme privilégio de estudar na CalArts com grandes nomes da indústria
como Kris Malkiewicz (autor de "Cinematography", uma verdadeira "Bíblia" para DPs - livro consagrado e adotado no mundo
todo e que recomendo bastante) e de conhecer de perto o trabalho de grandes DPs atuantes no Brasil, como César Charlone
(indicado ao Oscar por seu trabalho em Cidade de Deus) e Ricardo Della Rosa (responsável por trabalhos primorosos como "Á
Deriva" e "Casa de Areia"), portanto, vou transmi r ao leitor aquilo que aprendi com esses mestres e a forma como trabalho em
meus próprios projetos.
ENTENDENDO O CONCEITO DE FOTOGRAFIA
E O OFÍCIO DO FOTÓGRAFO
Não vou, de forma alguma, enveredar por aspectos históricos da Fotografia. Para isso, já existe farta bibliografia disponível no
mercado. Pretendo somente me ater ao lado prá co e obje vo para auxiliar o leitor em suas realizações. Portanto, quando
escrevo sobre o "conceito" de fotografia, não estou me referindo à questões filosóficas nem históricas, mas pura e
simplesmente ao elemento prá co - o que é uma fotografia e o que faz um fotógrafo? Fotografia significa "Escrever com a Luz",
o que, embora seja uma bela definição, pode conduzir ao equívoco tão comum de que o fotógrafo deve se ater à iluminação de
um determinado ambiente ou cenário. Saber compor e criar uma iluminação adequada para uma cena determinada é uma arte
complexa e delicada (aliás, um de meus ofícios prediletos), no entanto, não é a única função de um fotógrafo. Um bom fotógrafo
sabe transformar um simples copo de água numa imagem triste e melancólica, ou ainda, um banco de praça numa imagem
repleta de alegria e esperança, e isso é verdadeiramente a arte e o ofício do fotógrafo, não é mesmo? Talvez pudéssemos
arriscar afirmar que o ofício do fotógrafo é transformar ou traduzir idéias, conceitos e emoções em imagens, certo? Bons
fotógrafos passam boa parte de suas vidas aprimorando e desenvolvendo suas técnicas, seus olhos (ou sua "visão") e sua
sensibilidade para criar e compor imagens interessantes e expressivas. É justamente isso que desejamos ao ter um Diretor de
Fotografia numa equipe de cinema! Precisamos de um Ar sta/Profissional que saiba traduzir da melhor forma possível a
história do filme e a proposta e linguagem estabelecida pelo Diretor do filme em imagens! Ninguém melhor do que um
excelente fotógrafo para sugerir e compor enquadramentos soberbos, desenhos fabulosos de luz, manipulação expressiva da
profundidade de campo e por aí a fora (tudo isso, evidentemente, em processo colabora vo e respeitoso com o Diretor)! A
responsabilidade de um Diretor de Fotografia, portanto, é MUITO mais do que somente iluminar: a função de um Diretor de
Fotografia é FOTOGRAFAR! E isso envolve todos os aspectos que compõe uma bela fotografia: luz, enquadramento, escolha
de lentes, manipulação de diafragma, controle de exposição, movimentação etc.
O DIRETOR DE FOTOGRAFIA E O DIRETOR DO FILME
Cinema é uma arte extremamente colabora va e o Diretor é o "cabeça" da sessão ar s ca de uma equipe. Portanto, o Diretor e
o Diretor de Fotografia devem trabalhar MUITO e em conjunto para chegar ao resultado comum e à linguagem criada e
estabelecida para o projeto pelo diretor. Até que se chegue à proposta de fotografia final e à decisão de como o filme será
traduzido em imagens, deve haver muito diálogo entre os profissionais. O que é importan ssimo perceber é que o Diretor não
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Capítulo
O DIRETOR DE FOTOGRAFIA
deve fazer o trabalho do Diretor de Fotografia, deve apenas orientá-lo em detalhes e de modo específico para que a fotografia
realize aquilo que ele tem em mente como resultado final do projeto!
O DIRETOR DE FOTOGRAFIA E O DIRETOR DE ARTE
Além de compreender em profundidade os aspectos narra vos e dramá cos do filme (conforme as orientações do Diretor) é
FUNDAMENTAL que o Diretor de Fotografia conheça em minúcias todo o trabalho realizado e composto pela equipe de
Direção de Arte, dessa forma, a fotografia pode valorizar e arte e vice-versa. Evidentemente, é igualmente importante que o
Diretor de Fotografia explique em detalhes tudo que es ver planejando para o(a) Diretor(a) de Arte. A compreensão mútua dos
conceitos esté cos é o que garante o visual coeso de um filme e a solidez da estrutura narra va dentro da proposta criada e
estabelecida pelo Diretor!
O DIRETOR DE FOTOGRAFIA E OS ATORES
As performances dos atores são a vida e a maior “vitrine” de um filme. É absolutamente crucial que o Diretor de Fotografia seja
um amante da arte da interpretação e compreenda muito bem as nuances que permeiam e temperam as performances do
elenco, somente dessa forma ele será capaz de definir como registrar através das câmeras, da maneira mais poderosa e
adequada possível, a vida orgânica que se desenvolve num set. O Diretor de Fotografia não deve jamais se apegar somente aos
enquadramentos e elementos de composição técnica ou visual. Ele deve lembrar sempre que todo seu o cio é em prol de uma
história que está sendo contada e seu grande mérito não é compor um grande quadro, mas sim o QUADRO perfeito para o
momento específico da narra va. Um Diretor de Fotografia que não aprecie nem compreenda a arte do ator está sujeito à
perder e sacrificar verdadeiras pérolas cinematográficas.
A criação e concepção imagé ca/ó ca de um filme envolve diversas etapas – desde a seleção dos equipamentos adequados a
cada projeto (câmera, lentes, tripés e acessórios em geral, bem como equipamentos de iluminação) até a determinação técnica
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AS FERRAMENTAS
DO OFÍCIO - CÂMERAS,
LENTES E ACESSÓRIOS
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AS FERRAMENTAS DO OFÍCIO - CÂMERAS, LENTES E ACESSÓRIOS
e esté ca de como esse equipamento será u lizado para produzir os resultados almejados. Além disso, o Diretor de Fotografia
também elabora, em conjunto e sob a “batuta" do Diretor, um "projeto de fotografia" comumente ba zado de "decupagem" que
servirá como uma espécie de guia detalhado para a realização do filme naquilo que tange a equipe de fotografia. Mas, antes de
chegarmos à etapa de elaboração desse projeto, precisamos dar nosso primeiro passo discu ndo os elementos essenciais da
ferramenta de ofício do fotógrafo: a câmera!
ASPECTOS TÉCNICO / ESTÉTICOS
As câmeras profissionais e semiprofissionais geralmente vêm acompanhadas de um "mar" de especificações técnicas.
Um bom fotógrafo, no entanto, não se limita somente a ENTENDER o que significam todos aqueles números e termos. Um bom
fotógrafo deve saber como fazer uso e rar proveito de cada um desses elementos para alcançar o resultado desejado. Hoje em
dia, com o avanço tecnológico desenfreado (para nossa confusão e felicidade!), é possível alcançar resultados magníficos com
equipamentos rela vamente baratos, mas, para que isso aconteça, é preciso saber " rar o suco" daquilo que se tem em mãos.
Vamos, portanto, abordar os termos técnicos mais essenciais para a manipulação esté ca de suas imagens.
RESOLUÇÃO
A resolução determina a quan dade de linhas ver cais e horizontais que uma imagem possui - o cruzamento dessas linhas
resulta nos famosos PIXELS (abreviação para Picture Element, o que seria o elemento mínimo e indivisível de uma imagem).
Quando encontramos dados e nomenclaturas como "FullHD", HDTV, 1080i, 720p e por aí a fora, o que está em pauta é
exatamente a resolução da imagem. Quanto mais linhas de resolução, ou seja, quanto maior o número de pixels, evidentemente
maior será a resolução. A resolução interfere diretamente em diversos fatores: além do "tamanho" da imagem propriamente
dito, ela interfere na capacidade de ampliação, na definição de linhas de contorno (o oposto sendo as famigeradas linhas
serrilhadas que povoam os pesadelos dos que trabalham com vídeo), e influenciam diretamente a capacidade de controle de
profundidade de campo. É comum fotógrafos acreditarem que o controle de profundidade de campo está ligado unicamente às
lentes e seus diafragmas. Ledo engano. A resolução também é fator determinante e, quanto mais resolução, mais controle de
profundidade de campo.
Principais resoluções de video digital:
Definição Padrão (standard defini on ou simplesmente SD): 720 X 480
HDTV (High Defini on Television): 1280 X 720 ou 1440 X 1080
Full HD: 1920 X 1080
Cinema Digital 2K: 2048 X 1080
Cinema Digital 4K: 4096 X 2160
Nesse tópico, não há mistério. Quanto mais, melhor. Mais capacidade de ampliação, mais definição de linhas de contorno, mais
controle de profundidade de campo. Vale notar que há diversas opções no mercado de câmeras que produzem imagens com
outras resoluções (além das aqui citadas). Prefiro, no entanto, me ater por enquanto às resoluções já padronizadas pela
indústria cinematográfica.
JANELA DE EXIBIÇÃO (“Aspect Ra o”)
O número de linhas de resolução de uma imagem associado à disposição geométrica dessas linhas resultará numa "forma" que
pode ser um retângulo mais ou menos "comprido". A forma geométrica específica desse retângulo é o que chamamos de "Janela
de exibição" ou também Aspect Ra o.A imagem de TV sempre teve de ser, devido ao número de aparelhos e emissoras de TV,
muito mais padronizada e resistente a mudanças. Os primeiros filmes foram produzidos em formato 4:3 (pense num retângulo
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Capítulo
AS FERRAMENTAS DO OFÍCIO - CÂMERAS, LENTES E ACESSÓRIOS
de 4cm por 3cm), padrão este que, com o surgimento da TV, foi mundialmente adotado. Com o passar do tempo, o cinema
adotou novos padrões, como o popular 16:9 (conhecido como "Widescreen"). Aqui, basta o fotógrafo estar ciente de que uma
imagem "cinematográfica" é sempre associada às janelas de exibição mais largas ( ou seja, aos diversos padrões de "widescreen"
como o já citado 16:9).
CADÊNCIA DE QUADROS POR SEGUNDO ("frame rate")
Um dos elementos mais determinantes na cinematografia é a forma como as imagens são captadas/registradas e
transformadas em "quadros" que nossos olhos conseguem perceber. Por limitações técnicas dos sistemas originais de
transmissão de TV, a imagem do vídeo tradicional era captada separando-se os quadros (imagens) em duas metades (os campos
pares e os campos ímpares) e em seguida entrelaçando-os de modo a compor uma imagem inteira. Esse processo de
"escaneamento" entrelaçado, caracterís co do vídeo, diferencia-se da imagem de cinema, que, originalmente captada em
película, não u lizava um processo eletrônico, mas sim um processo químico no qual o quadro era registrado de uma só vez de
maneira progressiva. Estas diferenças técnicas têm conseqüências marcantes na textura da imagem. De qualquer modo, aqui
vale frisar que, se o obje vo do fotógrafo é produzir em vídeo digital uma imagem "cinematográfica", recomenda-se adotar o
padrão de cadenciamento de quadros u lizado em película: 24 fotogramas progressivos por segundo (24fps).
Cadenciamentos comuns em vídeo:
29.97fps, 30p, 59.97fps, 23.976fps, 24p
Mais uma vez, vale frisar que há cineastas (como Peter Jackson em “O Hobbit”) testando e trabalhando com cadências e frame
rates diferentes. Me atenho aqui, novamente, ao padrão da indústria.
LATITUDE DE EXPOSIÇÃO ou amplitude dinâmica
Trata-se da precisão e da quan dade de variações de luminâncias e/ou cores que a câmera e a mídia u lizada conseguem
interpretar e registrar na forma de claros e escuros, ou, mais precisamente, unidades que traduzidas num gradiente iriam da
escala preto 100% até o branco 100%, denunciando a sensibilidade do aparato à variaçoes de qualidade e intensidade de luz
bem como o contraste entre essas variações individuais. Esta caracterís ca é especialmente notada em fundos sólidos,
principalmente com a cor branca. Para se avaliar a la tude de exposição, adota-se a unidade de medida do diafragma (F-stops)
como forma de mensurar a variação de respostas à diferentes cenários de qualidade e intensidade de luz bem como a
capacidade do equipamento/plataforma de compreender e registrar tais variações. Aqui, assim como no quesito “resolução”,
quanto mais, melhor, afinal de contas, queremos que o equipamento/plataforma seja capaz de reconhecer a maior quan dade
possível de variações, logo, o ideal é sempre trabalhar com um equipamento que possua o máximo possível de la tude ou
amplitude dinâmica, caso contrário, a possibilidade de registro de claros e escuros pode ficar seriamente limitada e/ou
comprome da. La tudes equivalentes a F12 ou superiores (F14, F15...) já são consideradas bastante ricas e capazes de
produzir imagens cinematográficas com muita informação.
CONTROLE DE PROFUNDIDADE DE CAMPO
A profundidade de campo é a margem aceitável daquilo que está em foco e se refere à porção da imagem (distância específica)
que permanece em foco e qual porção/distância está desfocada, ou seja, é a relação/proporção entre planos focados e planos
desfocados. Quando menciona-se, por exemplo, "profundidade de campo infinita", isso significa que toda a imagem
enquadrada pelas lentes/câmera está em foco, ou seja, não há nada, nenhum plano (ou distância) fora de foco. Se
mencionarmos, ao contrário, uma "profundidade de campo" pequena, isso significa que há um plano muito específico e
pequeno em foco em contraste com um plano maior fora de foco. O olho humano possui uma profundidade de campo
extremamente pequena, ou seja, não conseguimos "FOCAR" duas distâncias ao mesmo tempo - e isso é um fenômeno ó co
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AS FERRAMENTAS DO OFÍCIO - CÂMERAS, LENTES E ACESSÓRIOS
que geralmente os fotógrafos buscam reproduzir no cinema, já que uma baixa profundidade de campo é um dos ar fícios mais
eficazes na criação da ilusão de tridimensionalidade de uma imagem. Exemplificando: é muito comum em filmes percebermos
uma imagem ou quadro onde há um ator em foco e o fundo, ou background, desfocado. Também é comum, em cenas de
diálogos, o foco "navegar" de uma personagem para a outra, de acordo com quem está falando. Concluindo, para se obter uma
imagem "cinematográfica", é importan ssimo que o fotógrafo saiba controlar a profundidade de campo para rar proveito
máximo desse recurso esté co. Não basta, no entanto, saber somente girar o anel de foco. É importante entender que a
profundidade de campo está diretamente ligada à resolução da imagem, ao tamanho do sensor da câmera e ao po de lente
u lizada. Logo, se você es ver u lizando uma câmera com baixa resolução (720 X 480) sem o recurso de lentes cambiáveis,
provavelmente não será possível fazer uso preciso do controle da profundidade de campo.
IRIS/DIAFRAGMA
A Iris é um elemento interno das lentes das câmeras, sejam estas lentes cambiáveis ou não. Podemos pensar na Íris como um
anel denteado que pode ser manipulado justamente quanto ao ângulo de abertura desses “dentes”. Em lentes rela vamente
robustas é perfeitamente possível observar a "olho nu" o funcionamento desse anel e de seus “dentes” se abrindo e fechando. A
abertura da íris regula a quan dade de luz que “atravessa” a lente, entra na camera a ngindo o sensor e, conseqüentemente a
luminosidade da imagem. Para cada gradação de abertura da iris (desde sua abertura máxima até o fechamento completo dos
“dentes” do anel) há uma unidade de medida denominada foton-stop (f-stop), geralmente visível nos controles manuais da
camera ou na própria lente como um “F” seguido de um número (por exemplo, F4). Os números não são intui vos ou aleatórios
e representam a razão entre abertura da iris e distância focal. Quanto maior o valor numérico, mais a luz é bloqueada,
produzindo portanto menor luminosidade. Exemplificando, uma imagem produzida com abertura F8 será bem mais “escura”
que uma imagem produzida com abertura F4. A abertura de iris, no entanto, não preocupa o fotógrafo somente no fator
luminosidade: há também influência direta sobre a profundidade de campo. Agora a parte que pode parecer um pouco confusa
– quanto MAIOR a abertura do diafragma, ou seja, quanto MENOR for o número que segue o “F”, MAIOR sera o CONTROLE
de profundidade de campo e maior a possibilidade de realizar quadros com profundidade PEQUENA.
Exemplificando mais uma vez: para conseguir obter uma imagem com um belo controle de profundidade de campo
(suponhamos que eu queira enquadrar uma mão desenhando sobre uma folha de papel, e que minha proposta seja FOCAR a
mão e DESFOCAR o papel, ou seja, o obje vo é produzir uma profundidade de campo bastante reduzida), provavelmente a
opção mais coerente (senão a ÚNICA, dependendo do equipamento) seria optar por um valor PEQUENO de f-stop.
Resumindo, a abertura do diafragma acarreta influência direta sobre a luminosidade e profundidade de campo das imagens. Há
ainda a tese de que pode-se calcular a “abertura ideal” ó ca do diafragma de cada lente. Para aqueles que desejarem testar, fica
a fórmula: basta abrir o diafragma em sua pontuação maxima (lembrando que a abertura máxima varia de acordo com cada
lente), em seguida “fechar” dois pontos. Dessa gradação até aproximadamente F5.6, considera-se a abertura ó ca ideal.
Portanto, lentes “escuras” que não possuem uma grande abertura de diafragma consequentemente não poderão desfrutar
dessa vantagem!
OBTURADOR / SHUTTER
Para que se compreenda através de comparação com o mecanismo verdadeiro e par ndo do funcionamento original em
cameras analógicas de película, o shu er ou obturador atua como uma espécie de lingueta móvel que regula por quanto tempo
o sensor fica exposto à luz a cada segundo. Através do ajuste deste “tempo de exposição” (consequencia da velocidade do
shu er medida em frações de segundo), pode-se controlar a textura da imagem e a influência da luminosidade de um quadro
para outro. Embora as cameras digitais não possuam a lingueta física/mecânica, o processo eletrônico resulta no mesmo
impacto sobre a imagem. Para aqueles que pretendem u lizar esses elementos para produzir imagens cinematográficas, vamos
às contas: já sabemos que o frame rate adequado para realização de filmes é de 24fps.
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AS FERRAMENTAS DO OFÍCIO - CÂMERAS, LENTES E ACESSÓRIOS
Tradicionalmente, a velocidade media do obturador em cameras cinematograficas fica ajustado para 1/48 (o que significa que
cada quadro ficaria exposto à luz por 1/48 de segundo). Consequentemente, para aqueles que u lizam cameras de video digital
cadenciadas a 24fps, o shu er também poderia estar ajustado em 1/48. Velocidades mais altas podem denunciar rapidamente
a textura do video por influenciar a maneira como percebemos o movimento. Por outro lado, velocidades mais baixas podem
trazer como consequencia “borrões” de luz na imagem. Ja os fotógrafos que es verem operando cameras cadenciadas em
30fps devem fazer a equivalencia matemá ca: o shu er tradicional seria interpretado nesse caso como 1/60. É evidente que
pode-se variar o shu er de acordo com a proposta artís ca de cada projeto, o importante aqui é entender como velocidades
diferentes afetam diretamente a textura da imagem ob da. Nas cameras digitais, a variação do shu er será indicada por uma
fração ou somente pelo denominador (8, 12, 24, 48 etc.).
ND FILTER ou Filtro de Densidade Neutra: reduz a luminosidade da imagem sem no entanto afetar o controle de profundidade
de campo. Dessa maneira, é possivel manter o diafragma bastante aberto mesmo em situações de bastante luminosidade para
se obter o controle desejado de profundidade de campo. Seria o equivalente a colocar “óculos escuros” em sua lente!
GAIN/GANHO/ISO: o oposto do filtro ND! Esse mecanismo amplia o sinal de video de modo a aumentar substancialmente a
luminosidade da imagem. O grave efeito colateral, porem, é que a ampliação de sinal também evidencia o pixel bruto, o que
pode deixar sua imagem com bastante “ruído” ou granulação. O Gain é medido em “dB's”, e, independente do equipamento
u lizado, aplicar mais do que 6dBs de ganho é um grande risco – mesmo que não se perceba o ruído no monitor ou viewfinder
da camera, você provavelmente irá notar a granulação ao projetar a imagem num monitor ou tela maior. Nas populares cameras
DSLR, o recurso do Gain pode ser comparado à manipulação do ISO e deve ser tratado com o mesmo cuidado.
ESTABILIZADORES DE IMAGEM:
Algumas cameras e/ou lentes possuem um recurso de estabilização que pode ser eletrônico (EIS) ou ó co (OIS). Havendo o
recurso, o operador de camera pode eliminar de modo razoavelmente eficaz a movimentação indesejada e os tremors manuais.
É importante frisar que nem todas as câmeras possibilitam a manipulação de todos esses itens – o que por si só já deve ser
levado muito em consideração quando da escolha do equipamento ideal para o seu projeto. Para que seu filme tenha aquele
almejado "visual cinematográfico", é importante que seu equipamento ofereça os controles adequados que permitam os
ajustes necessários. A grande e animadora novidade é que hoje em dia há uma grande variedade de equipamentos a preços
rela vamente acessíveis que oferecem ao fotógrafo a possibilidade de realmente manipular e controlar todos os elementos
acima mencionados! Agora vai aqui uma dica importantíssima: a primeira vista, sei que tudo isso pode parecer informação
demais, muitos números e termos técnicos complexos, mas, com um pouquinho de prá ca e experiência, todos esses números
e termos técnicos passam a ser extremamente familiares e confortáveis de se lidar. Assim como um músico ou um bailarino,
também um fotógrafo precisa pra car seu ofício e sua técnica.
PRINCIPAIS MODELOS DE CÂMERAS PARA CINEMA DIGITAL (em 2016)
Agora que já abordamos as caracterís cas e mecanismos essenciais e necessários em câmeras profissionais, vamos às vias de
fato analisando os modelos mais interessantes para o mercado de cinema independente. Um observação importante, porém, deve
ser feita: Desde que comecei a escrever sobre cinema independente digital a evolução e o progresso das tecnologias audiovisuais
tem ocorrido em velocidade espantosa. Por um lado, tal avanço proporciona um efeito muito desejado pelos realizadores e
cineastas independentes: o aumento da oferta de produtos com qualidade cada vez maior e uma queda acentuada de preços. Por
outro lado, o lançamento constante e a superação ou subs tuição em ritmo acelerado de padrões tecnológicos também provocam
uma grande confusão entre os profissionais que frequentemente acabam sem saber qual tecnologia escolher ou ainda precisam
adaptar-se rapidamente à novas plataformas antes mesmo de ganharem familiaridade e desenvoltura com um formato anterior.
Tal avanço tecnológico se faz sen r sobretudo na área das câmeras: em meados de 2007, a RED ONE era lançada e literalmente
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revolucionava o mercado. Hoje, poucos anos depois, há dezenas de outras câmeras igualmente interessantes e potencialmente
revolucionárias. Como escolher a câmera ideal para o seu projeto? Qual tecnologia pode de fato entregar os resultados que os
cineastas buscam? Qual o melhor custo benefício? Para sanar essas dúvidas e oferecer um “norte” aos realizadores independentes,
procurei compilar em uma lista compara va e bastante didá ca todas as principais plataformas do cenário audiovisual atual.
Evidentemente, essa tabela não pretende incluir todas as novas tecnologias disponíveis no mercado (até mesmo porque compor
tal lista seria impossível!). É uma lista sele va que segue somente um critério bastante simples: a realização cinematográfica
independente de baixo orçamento. Consequentemente, optei por excluir algumas câmeras ou equipamentos mais caros (ainda
que sejam maravilhosos!) dando preferência às tecnologias e plataformas que apresentam uma excelente relação custo/benefício.
Finalmente, é CRUCIAL levar em consideração que essa tabela compara va foi elaborada na data de revisão deste livro, em 2016 e que tecnologias avançam de modo assustadoramente rápido, portanto, um gap de um ou dois anos pode significar que muito das
tecnologias aqui apresentadas já estejam se tornando rela vamente obsoletas (e, esperamos, significa vamente mais baratas!).
1) RED ONE e RED ONE MX, as pioneiras: A câmera que
revolucionou o mercado há poucos anos por possibilitar a gravação
em 4K RAW con nua sendo uma excelente opção para os
cineastas independentes no campo custo/benefício. Com corpo de
ferro robusto e apta a portar todos os acessórios imagináveis (além
de oferecer opções para lentes PL ou adaptadores – ainda que raros
– para lentes Canon EF), a RED ONE impõe respeito. Possui
excelente performance em situações de baixa luminosidade, um
sensor CMOS de 27.9mm X 13.7mm e la tude aproximada de 12
Stops (pode variar de acordo com se ngs do equipamento). Além
disso, hoje em dia já possui um workflow estabelecido e
compa bilidade com a maioria dos so wares de edição. Filmes
gravados com essa câmera: O An cristo, King Kong, Che, District 9,
G.I. Joe: The Rise of Cobra, A Rede Social, The Girl With The Dragon
Ta oo dentre muitos outros. Para que sirva de referência, nos
Estados Unidos, o valor aproximado para locação de uma diária fica
ao redor de U$ 700 (em 2014).
1) RED EPIC e RED SCARLET: As “irmãs” mais novas da RED ONE e
RED ONE MX apresentam todas as vantagens da câmera anterior com
melhorias significa vas: aumento do sensor para um CMOS de 14
Megapixels, possibilidade de gravação em até 5K RAW (lembram-se do
Full HD: 1920 X 1080? Pois é, a Red Epic grava em até 5120 X 2700)
maior la tude (os já excelentes 12 Stops podem chegar até
impressionantes 18 Stops – mais do que a película 35mm – com o
auxílio do HDRx) além de apresentarem tamanhos mais compactos. Os
filmes que se u lizaram dessas excelentes câmeras incluem O Hobbit,
The Amazing Spider Man e muitos outros.
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3) RED EPIC-M RED DRAGON: Recentemente a Red lançou sua mais nova câmera, a top de linha com o novo sensor RED
DRAGON que (pasmem!) significa um CMOS de 19 Megapixels possibilitando gravação em até 6K RAW (onde isso vai parar?) com
resolução de 6144 X 3160 e la tude na va de 16.5 Stops. Parece ser uma câmera que deixará as outras comendo poeira, no
entanto, até o presente momento – e por ser algo extremamente novo - ainda não pude ver muitos filmes realizados com essa
“super potência.
4) HDSLR - Canon 7D: Uma das campeãs no quesito custo/benefício. Essa
pequena câmera fotográfica possui um sensor excelente de 18 Megapixels,
La tude aproximada de 9 Stops (podendo variar de acordo com os se ngs
da câmera) e grava vídeos em Full HD (1920X1080) à 24fps. Seus
problemas limitam-se somente à ergonomia (já que foi projetada
obviamente para fotografia está ca e não para vídeos) e à workflow no SET
de gravação, pois apresenta conexões frágeis de HDMI e áudio P2. No
entanto, esses problemas parecem desaparecer quando leva-se em conta o
custo desse equipamento: U$ 1.500 nos EUA! (preço cotado em 2016).
5) HDSLR – Canon 5D Mark III: Por 2 mil dólares a mais é possível adquirir
uma versão melhorada e mais robusta da Canon 7D. A Canon 5D Mark iii
apresenta um CMOS Full Frame de 22.3 Megapixels, não possui limite de
4GB de dados por gravação em cartões e recentemente a Magic Lantern
anunciou um novo firmware que deve possibilitar captação de vídeo em até
2.5K Raw (2560X1280) com taxa de 14 bits! Algo realmente
impressionante para uma câmera nessa faixa de preço (U$ 2.500 nos EUA,
corpo apenas – sem lentes, 2016).
6) Canon C500: Com essa câmera a Canon entrou na briga das câmeras 4K
para o mercado de cinema independente. Sucessora da C300 (que gravava
em Full HD), a C500 permite registro de vídeo em 4K Raw através de um
sensor CMOS Super 35 de 8.8 Megapixel. O curioso, no entanto, é que o
preço da câmera fica ao redor de U$ 26.000 nos EUA (2013-2014),
colocando-a na mesma faixa da Red Epic-M Red Dragon – o que parece não
fazer sen do já que a Epic-M promete ser uma câmera incrivelmente
superior. Resta saber como o mercado reagirá
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7) SONY NEX-FS700 4K Ready: A Sony conquistou a
preferência de milhares de cineastas independentes
com essa excelente câmera que apresenta uma das
melhores relações custo/benefício da atualidade. Com
corpo robusto e um excelente Sensor Exmor Super 35
de 11.6 Megapixels e capacidade para registrar vídeo
em 4K além de filtros ND embu dos e grande alcance
de ISO, a NEX-FS700 possui o recurso (tão cobiçado)
de realizar Super Slow Mo on em até impressionantes
960fps (o que permite o famoso efeito da “super
câmera”)! Além disso, testes não oficiais realizados por
técnicos e fotógrafos terceirizados alegam que a
la tude dessa câmera pode chegar em até 14 Stops, o
que a coloca na liga das câmeras “top” de cinema. Mas nem tudo poderia ser perfeito: muito embora a FS700 carregue o nome oficial
de “4k Ready” e venha com um CMOS que permite o registro de vídeo em 4K, ela sai da fábrica capaz de gravar somente até
1920X1080 (Full HD). Para poder gravar em 4K, é necessário adquirir um gravador externo como, por exemplo, o Odissey 7Q, com
lançamento previsto para Agosto de 2013 e cotado à U$ 2.300. Já o valor da câmera NEX-FS700 fica ao redor de U$ 4.000 nos EUA
(corpo somente, sem lentes, 2016).)
8) BLACK MAGIC DESIGN: Recentemente, a Black Magic Design
entrou na briga causando rebuliço e polêmica na indústria de
cinema independente ao anunciar uma câmera capaz de gravar
em até 2.5K de resolução com la tude de 13 stops pela bagatela
de 3 mil dólares! A grande expecta va, no entanto, foi frustrada
pela enorme demora em entregar os pedidos e escassez de
material gravado com a câmera para comprovar a qualidade de
imagem e workflow. Além disso, nem bem esse equipamento
havia sido anunciado e a Black Magic já revelou ao mercado que
pretendia lançar, em Julho de 2013, a Produc on Camera, com
sensor Super 35 e capacidade de gravar em até 4K por
(acreditem!) menos de 3 mil dólares! A la tude do novo modelo
sofreu e perdeu um pouco, reduzindo-se para 12 stops de acordo com o fabricante. Por enquanto, ainda não há um catálogo vasto de
filmes independentes profissionais já realizados com essa câmera, então não é possível comprovar com certeza sua funcionalidade e
confiabilidade num projeto de porte grande, mas isso com certeza deve mudar nos próximos anos.
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9) ARRI ALEXA: Uma das favoritas no mercado profissional
(tanto em blockbusters Hollywoodianos como em produções
independentes com orçamento mais robusto), essa câmera é
uma verdadeira obra prima - mas sem dúvida isso vem com um
preço! Filmes como Birdman, Sniper Americano e X-Men foram
rodados com esse “brinquedinho”. Mais de 14 F-stops REAIS de
la tude, capacidade de gravar em 4K, sensor Super 35 e tudo
com a confiança e respaldo que so a ARRI (uma das mais
tradicionais empresas do ramo) pode oferecer. Seria sem
dúvida a escolha da grande maioria de cineastas não fosse o
preço “pesado" : um kit básico contendo elementos essenciais
para uma gravação custaria mais de 80 mil dólares (2015).
Apenas o corpo da câmera ficaria em torno de 45 mil dólares
(2015).
Há outras câmeras magníficas chamadas “High End” (“top de linha”) que poderiam ser mencionadas como a popular linha
CineAlta da Sony como a F65, F5, F35 e F55 bem como a PMW-F3. Todas são consideradas “top” de linha quando o assunto é cinema
digital, porém, conforme mencionei no início dessa compilação, de acordo com a realidade do cineasta independente e seus
orçamentos limitados bem como de acordo com o que as câmeras são capazes de oferecer (a relação custo/benefício) esses modelos,
ainda que soberbos, correm o risco de ficarem um pouco inacessíveis. Finalmente, a tulo de curiosidade, os valores mencionados
nessa tabela aparecem em dólares americanos e não em reais pois devido à flutuação do câmbio e aos altíssimos impostos cobrados
pelo governo brasileiro, não seria coerente nem prá co atribuir preços em reais aos equipamentos. Finalmente, tenho a certeza de
que essa lista certamente sofrerá mudanças significa vas ao longo dos próximos meses e anos, ainda assim, espero ter oferecido aos
realizadores de audiovisual um panorama ú l e obje vo das tecnologias mais interessantes e atraentes disponíveis hoje em dia.
INTRODUÇÃO À LENTES: A “ALMA” DA IMAGEM!
Muitas vezes, ainda mais importante e determinante para a qualidade e caracterís ca da imagem do que a própria câmera é a
lente! Um bom fotógrafo provavelmente passará mais tempo escolhendo as lentes adequadas para seu projeto do que a câmera, ou
ainda, sob outro ângulo, as lentes necessárias podem ser fator decisivo para a escolha da câmera, já que cada câmera pode u lizar
apenas pos específicos de lentes. Além disso, é comum que lentes profissionais custem bem mais caro que as câmeras – daí a lógica
de escolher primeiro as lentes para somente então determinar a câmera! Para ilustrar: mesmo uma câmera amadora e barata, se
equipada com uma lente ó ma, pode produzir imagens soberbas! Já o contrário não irá funcionar, ou seja, uma câmera “top de linha” e
caríssima, se equipada com uma lente ruim ou limitada, certamente produzirá imagens com qualidade baixa.
Mas antes de mergulhar em explicações técnicas, me antecipo à pergunta que geralmente os alunos da Escola de Cinema fazem nas
primeiras aulas sobre lentes: é possível dizer qual a melhor lente? Não, não e não. Primeiramente porque não há UMA melhor lente, e
sim AS MELHORES lentes para cada situação ou projeto. Em segundo lugar, porque provavelmente cada fotógrafo profissional terá
sua preferência pessoal baseada em critérios muitas vezes subje vos, portanto o importante é entender as caracterís cas que
determinam as qualidades técnicas e esté cas de uma lente. Isso, associado ao seu acumulo de experiência, é o que vai determinar
qual a melhor (ou melhores) lente (ou lentes) para seu filme! Então vamos aos básicos essenciais:
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1) Quan dade de vidro X Qualidade de imagem: Tenha em mente que uma lente é formada por um conjunto de elementos e
“vidros”. A luz atravessa os vidros e, basicamente, cada vidro provoca refrações e distorções específicas nessa luz – daí a necessidade
de outros vidros para corrigir esses “problemas” ó cos (também chamados de “aberrações”). O grande perigo é que, quanto maior a
quan dade de vidros, maior será a quan dade de obstáculos que a luz precisará atravessar para a ngir o sensor da câmera, o que
certamente acaba por interferir na qualidade final da imagem registrada. Dessa forma, quanto menos vidro, melhor (evidentemente
levando-se em consideração que trata-se de um fabricante de elementos ó cos de qualidade)! Mas o que significa isso do ponto de
vista prá co para o Diretor de Fotografia? Para resumir de maneira rudimentar, se a prioridade é a QUALIDADE da imagem, opte por
LENTES FIXAS, ou seja, lentes que NÃO possuam Zoom! É comum iniciantes acreditarem que todas as lentes permitam (seja através
do “anel” na própria lente ou através do “interruptor” na câmera) o recurso básico de ZOOM IN ou ZOOM OUT. Isso é um equívoco.
Há toda uma categoria de lentes que simplesmente não possui esse recurso, ou seja, ao u lizar uma lente fixa, caso você queira “dar
um Zoom” para provocar o efeito de “aproximação” numa determinada imagem, você será obrigado a se aproximar fisicamente do seu
“alvo”, pois essas lentes não possuem o tal “anel” de Zoom – e por isso mesmo são chamadas de “Lentes Fixas”. Tecnicamente falando,
uma lente fixa possui muito menos elementos de vidro que uma lente zoom equivalente, isso porque, para possibilitar o recurso de
Zoom in ou Zoom out (que na verdade não é um efeito de aproximação, mas sim algo que pode ser equivalente à um efeito de
“ampliação”), a lente necessita de uma grande e complexa estrutura ó ca e mais camadas de elementos de vidro, consequentemente
afetando o resultado final da imagem ob da. É claro que optar por lentes fixas é um privilégio exclusivo das câmeras que permitam a
troca de lentes (como, por exemplo, as tão populares DSLRs), portanto, leve isso em consideração ao escolher sua câmera. Além
disso, ao optar trabalhar com lentes fixas é essencial planejar cuidadosamente as movimentações (já que, sem o recurso de zoom,
provavelmente serão necessários acessórios específicos em situações determinadas em que se deseje a aproximação ou
distanciamento do quadro).
2) DISTÂNCIA FOCAL: Ao optar por lentes fixas, é crucial compreender bem o que significa “Distância Focal” (aqueles números
medidos em milímetros nas lentes). Isso irá afetar completamente suas possibilidades de ângulos e enquadramentos. A distância focal
determina a “magnificação” da imagem projetada no plano ou no sensor bem como o ângulo de visão com relação às distâncias
mínimas necessárias para focar o que quer que seja. Colocando em palavras simples e prá cas: quanto MENOR for a distância focal,
MENOR será a distância mínima para focar um objeto e MAIOR será o ângulo de visão do seu quadro. Consequentemente, quanto
MAIOR for a distância focal, MAIOR será a distância mínima para focar objetos e MENOR será o ângulo de visão de seu quadro.
Precisamente por conta dessas caracterís cas, geralmente as lentes são encaixadas em três categorias no que diz respeito às
distâncias focais:
a) Grande Angulares (Wide Angle): Lentes que permitem, como o próprio nome diz, compor quadros bastante abertos e
abrangentes e necessitam de pouquíssima distância para focar algum objeto. Para as câmeras cinematográficas padrão no quesito
resolução (sensores Super 35) qualquer lente com distâcia focal INFERIOR a 35mm é geralmente considerada uma Grande Angular (as
mais comuns sendo 14mm, 18mm, 20mm, 21mm, 24mm, 28mm, 35mm).
b) Normais: São as lentes que geralmente produzem um ângulo de visão aparentemente equivalente ao olho humano (nem
muito abertos e periféricos, nem muito fechados) e necessitam uma distância razoável para realizar o foco, ou seja, se você aproximar
demais um objeto de sua lente, não será possível focá-lo (assim como acontece com o olho humano). Para as câmeras de cinema
padrão super 35 a lente considerada “Normal” seria a 50mm, no entanto, é comum englobar lentes com distâncias focais entre 40mm
e 58mm também nessa categoria.
c) Teleobje vas (telefoto): Lentes que produzem um ângulo de visão/enquadramento bastante reduzido e que necessitam de
grande distância para focar um objeto. Novamente, ao se u lizar como referência o padrão cinematográfico Super 35, as teleobje vas
seriam as lentes com distância focal superior à 85mm. Acima de 300mm geralmente são consideradas super teleobje vas.
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“look” cinematográfico rico em controle de profundidade de campo, provavelmente será necessário optar por lentes com distâncias
focais maiores!
e)Lentes ZOOM e a distância focal: Em lentes Zoom, obviamente, duas distâncias focais serão indicadas pelo fabricante. Uma
lente zoom 18-55mm, por exemplo, deverá ser capaz de obter seu ângulo de visão mais aberto com distância focal equivalente à
18mm e seu ângulo de visão mais fechado em 55mm, passando, em tese, por todas as distâncias focais no meio do caminho.
3) ABERTURA DE DIAFRAGMA: Já sabemos que a capacidade de abertura do diafragma é algo inerente a cada lente (vale
lembrar também que a unidade de medida do diafragma é o F-Stop). Aqui, vamos diretamente ao ponto – se você quer produzir
imagens com controle apurado de profundidade de campo (tópico também já abordado anteriormente) é essencial que sua lente
possua uma grande abertura de diafragma, isso significa um número próximo (ou mais próximo possível) ao F1.0 (lembrando que,
quanto menor o número, maior a abertura). Lentes mais “escuras”, ou seja, com o número de F-Stop mais elevado (F4, por exemplo),
não permi rão um controle preciso de profundidade de campo. O problema que os cineastas independentes enfrentam nesse
quesito é que as lentes mais claras, ou seja, com grande abertura de diafragma são justamente as mais caras! Portanto, pesquise
bastante pois hoje em dia é possível encontrar opções de lentes rela vamente claras a preços acessíveis. Mais uma vez, lentes do po
“zoom” geralmente também irão conter duas indicações dis ntas de abertura. Isso acontece pois a abertura máxima da íris varia de
acordo com o ângulo de visão.
4) ENCAIXES ou “MOUNTS”: Lembre-se que cada modelo de câmera possui também um modelo específico de “encaixe” ou
“Bocal” para lentes, portanto, antes de sair comprando lentes, verifique quais são as indicadas para a sua câmera! Caso você deseje
lentes específicas não comportadas por sua câmera, é também possível adquirir adaptadores de encaixes. Os mounts mais comuns e
populares hoje em dia são os chamados PL, Canon EF ou EF-S, Nikon F, Sony Alpha e Sony E.
5) CONCLUSÃO: Embora seja um assunto complexo e digno por si só de todo um livro, agora o leitor já deve saber ao menos
decifrar os números con dos em uma lente bem como avaliar quais os pos necessários de lentes para seu projeto de acordo com os
enquadramentos, ângulos de visão e profundidade de campo. Já sabe, por exemplo, que uma lente 85mm F1.4 significa uma
teleobje va clara, ou seja, uma lente que realiza enquadramentos com ângulos de visão mais reduzidos e que necessitam de uma boa
distância com relação aos objetos para efe var o “foco” e que, por natureza, possui um controle bastante apurado de profundidade de
campo! Um Diretor de Fotografia seguro deverá, aos poucos, ir juntando um “jogo” de lentes com opções variadas. Com base nas
informações acima (e também para chegar a conclusões prá cas obje vas), seria ainda coerente afirmar que um cineasta que priorize
“qualidade” em suas imagens ou ainda que busque um “film look” deve dar preferencia à lentes fixas e claras. Para seus primeiros
projetos cinematográficos, procure adquirir pelo menos uma lente grande angular, uma normal e uma teleobje va. Essa “tríade”
deverá oferecer bastante variedade de composições e quadros por um bom tempo!
ACESSÓRIOS E SUPORTES
1) TRIPÉ: o “pai” dos acessórios, é o mais básico, popular e fundamental suporte para sua câmera. Porém, justamente por ser tão
popular, é amplamente incompreendido (coitado!). Embora seja comum, o tripé é um equipamento complexo que pode ser um
grande aliado (se bem escolhido e u lizado) ou apenas mais uma tranqueira dando dor de cabeça! Portanto, não subes me o tripé! Ao
escolher um tripé, avalie a “carga” ou “peso” que ele pode suportar com segurança (lembre-se de nunca levar em consideração
somente o peso bruto de sua câmera, já que lentes , cabos, monitores e afins podem acrescentar vários quilogramas), considere ainda
a pra cidade, possibilidades de variação de altura, material cons tuinte, capacidade de nivelamento e, fundamentalmente, a “cabeça”
do tripé – ou seja, a base onde a câmera será encaixada.
A cabeça deve permi r movimentos suaves e constantes, e, para tanto, há uma infinidade de opções no mercado. Lembre-se,
portanto, de levar tudo isso em consideração ao adquirir o seu. O preço também pode ser um fator determinante, já que é possível
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popular! Caso você deseje “mover” ou deslocar o tripé sobre um solo que seja plano e regular, como no interior de um apartamento ou
estúdio, uma solução razoável é fixa-lo sobre uma base com rodas ou “rolamentos”, popularmente conhecida como “Estrela”. Caso o
solo não seja regular (uma calçada ou um bosque, por exemplo), será necessário preparar um “trilho” sobre o qual o tripé ou câmera
poderão deslizar, o que nos leva ao próximo acessório:
2) Dolly, Travelling, Ligeirinho, Trilhos e Slider: Todos esses nomes servem para um mesmo propósito – possibilitar movimento
estável para sua câmera (ou tripé) em solo não necessariamente regular. A mecânica geralmente é a mesma: trilhos retos ou curvos,
similares à pequenos trilhos de trem, montados e nivelados. Sobre os trilhos, encaixa-se uma base (que pode ser um “carrinho” ou o
próprio tripé) que irá suportar a câmera ou ainda, em casos extremos, o próprio operador de câmera. Antes de comprar um trilho ou
slider, leve em consideração o peso suportado por eles bem como a extensão do movimento desejado. Finalmente, teste antes de
comprar!
3) GRUAS ou JIBS: Quando se deseja movimentar a câmera em sen do ver cal de maneira estável por um percurso de vários metros
(como, por exemplo, naquelas tomadas clássicas de final de filme em que o carro vai embora numa estrada e a câmera lentamente vai
subindo, subindo....), é necessário ter um suporte de grande porte e mecânica similar à de um guindaste para que a câmera seja fixada
na ponta de um “braço”. Esse “braço”, por sua vez, estará fixado à uma base ou tripé. Assim como nos casos anteriores, há uma grande
variedade de gruas no mercado, e é sempre crucial saber não apenas qual seu tamanho ou extensão do braço, mas também quanto
peso aguentam e como funciona o controle da câmera através do mecanismo de controle da “cabeça remota” da grua. É também
aconselhável avaliar a pra cidade de montagem e desmontagem da grua (algumas são tão complexas que podem literalmente
consumir horas da equipe somente no processo de montagem e ajustes!).
4) ESTABILIZADORES, RIGS, SHOULDER MOUNTS E FOLLOW FOCUS:
Quando se deseja mais liberdade de movimento para a câmera, é comum fazer uso de equipamentos estabilizadores portáteis que
permitam ao operador de câmera se deslocar, caminhar ou até mesmo correr sem, no entanto, provocar uma quan dade indesejável
de “tremor” na imagem. É possível encontrar desde coletes equipados com braços hidráulicos e sistema de suspensão nos quais se
encaixa a câmera até suportes simples para o ombro sem qualquer po de suspensão ou compensação hidráulica. Todos podem ser
bastante úteis, especialmente quando a escolha for uma câmera DSLR, que, justamente por seu tamanho reduzido e pouco peso,
apresenta um verdadeiro desafio quando o obje vo for uma movimentação estável. Além dos suportes, muitas vezes pode ser
interessante (ou até mesmo necessário, para evitar movimentos involuntários), controlar o foco da lente à uma certa distância (sem
precisar tocar na própria lente). Para isso, o acessório mais adequado é o que chamamos de Follow Focus: um aparato em forma de
anel de se encaixa na lente e permite manipular o anel de foco através de um sistema de roldanas manual ou eletrônico. Assim como
nos casos anteriores, há uma variedade interminável de rigs e follow focus no mercado! Pesquise e teste o equipamento SEMPRE
antes de comprar!
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COMPOSIÇÃO
DE IMAGENS,
ENQUADRAMENTOS,
DECUPAGEM E SHOTLIST
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COMPOSIÇÃO DE IMAGENS, ENQUADRAMENTOS,DECUPAGEM E SHOTLIST
DESENVOLVENDO A SENSIBILIDADE VISUAL E CRIANDO UM
VOCABULÁRIO FOTOGRÁFICO
Como um ar sta visual, é essencial que o fotógrafo conheça, estude e aprecie as artes visuais, certo? Para que um
guitarrista possa transformar-se em um grande jazzista, não basta conhecer as notas e decorar as escalas, é preciso ouvir muito
jazz! O mesmo processo, evidentemente, é essencial para um Diretor de Fotografia. Estude os grandes mestres da pintura! Saiba
diferenciar um Vermeer de um Caravaggio, um Monet de um Van Gogh, um Picasso de um Kandisky! Aprecie as pinturas e
imagens com calma, procure descobrir o que provocam e despertam em você, e, finalmente, descubra de quais você mais gosta e
que caracterís cas o atraem – será o enquadramento? O contraste entre claros e escuros? As cores saturadas? Os ornamentos?
Hoje, na era da informação, todo este “tesouro” visual está à distância de um click em seu mouse! Só não enriquece culturalmente
quem não quer. Museus também estão cada vez mais acessíveis e carentes de público. Faça um enorme favor a si mesmo e visite
museus e galerias de arte! Crie o hábito de olhar o mundo como um fotógrafo e desenvolva a sensibilidade para as qualidades que
o agradam ou desagradam em determinada imagem. Não é preciso ser um especialista ou curador: basta observar um quadro
atentamente por alguns minutos e responder honestamente às perguntas: gosto desta imagem ou não? Por quê? Que sensações
ela provoca em mim? Logicamente, o passo seguinte seria a transição para a fotografia e para os grandes filmes! Aqui, eu poderia
criar uma lista com centenas de títulos e recomendações atendendo a critérios históricos e acadêmicos, mas prefiro citar apenas
alguns nomes atuais que podem ser facilmente encontrados: procure os filmes do diretor Wong Kar Wai, Amor à flor da Pele e Beijo
Roubado, ambos famosos pela fotografia refinada e que contam com a assinatura do fotógrafo Pung-Leung Kwan. Perceba como o
uso da câmera fortaleceu a narra va do filme. Na sequência, assista a outros filmes “visualmente” marcantes e fotografados por
Anthony Dod Mantle: Quem Quer Ser um Milionário? (que levou o Oscar de Fotografia) e Extermínio (cuidado! Embora
“fotograficamente” fascinante, este tulo só deve ser assis do por fãs de filmes de suspense e horror!). Outras sugestões são os
filmes A Passagem, dirigido por Marc Forster e fotografado por Roberto Schaefer, e Bagdad Café, dirigido por Percy Adlon e
fotografado magnificamente por Bernd Heinl (ambos provam que um bom uso dos enquadramentos e movimentos de câmera
pode enriquecer as tramas). Para não deixar nossos conterrâneos e vizinhos sulamericanos de lado – e, também, insuflar nosso
ego la no –, não deixe de conferir os filmes fotografados pelo brilhante César Charlone (Cidade de Deus, Ensaio Sobre a Cegueira, O
Jardineiro Fiel e O Banheiro do Papa), Ricardo Della Rosa (À Deriva e Casa de Areia) e Walter Carvalho (Abril Despedaçado e Central do
Brasil). Para os fãs de ume esté ca radical e ousada, recomendo a fotografia de Brian Tufano (especificamente o filme
Trainspo ng) ou Tim Maurice-Jones (Snatch, Porcos e Diamantes e Revolver).
Esta lista poderia se estender por páginas e páginas – e ainda assim estar incompleta e não fazer jus ça a alguns grandes
nomes de nossa arte. No entanto, creio que, com estas dicas, os fotógrafos iniciantes podem criar uma base sólida e eclé ca
acerca de como as decisões de “enquadramentos”, movimentos de câmera, iluminação (que ainda será discu do em outro
capítulo) e profundidade de campo (leia-se: lentes), podem valorizar e fortalecer uma narra va imagé ca. IMPORTANTÍSSIMO:
mantenha em mente que os filmes citados foram escolhidos exclusivamente por suas técnicas e esté ca fotográficas. As
opiniões, estórias e roteiros podem não agradar e a classificação etária também deve ser verificada antes de assis -los!
Finalmente para refinar ainda mais a sensibilidade artís ca e visual do Diretor de Fotografia, vamos agora explorar alguns
elementos mais sofis cados que podem contribuir e inspirar o fotógrafo na elaboração de seu trabalho e na escolha de
composição de enquadramentos: Teorias da Imagem.
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Capítulo
COMPOSIÇÃO DE IMAGENS, ENQUADRAMENTOS,DECUPAGEM E SHOTLIST
TEORIAS DA IMAGEM: UMA INTRODUÇÃO
Hipótese: você precisa enquadrar o ator para uma cena determinada: uma discussão em um bar. Logo depois, precisa enquadrar o
mesmo ator em uma outra cena, dessa vez, român ca. Ou ainda: precisa enquadrar um objeto, realizando um Plano Detalhe de
uma faca que terá grande importância em outro momento do roteiro. A pergunta é: como decidir a melhor forma de enquadrá-los?
Será por acaso melhor enquadrar o ator no centro do quadro na cena da discussão? Ou será melhor mover um pouco a câmera e
enquadrá-lo mais para o canto esquerdo superior? E na cena român ca? Será melhor enquadrar o ator na porção superior ou
inferior do quadro? E quanto à faca? Basta centralizá-la? Lembre-se: cada escolha que você fizer como diretor de fotografia
certamente provocará um efeito diferente sobre sua audiência. Pode parecer algo desimportante, mas perceber um personagem
num canto do quadro é diferente do que percebê-lo no centro. A forma como os objetos e pessoas estão dispostos em um
determinado enquadramento pode criar as mais diversas sensações de equilíbrio, desequilíbrio, tensão, harmonia e por aí a fora.
O grande desafio que o diretor de fotogafia deverá enfrentar, no entanto, é o fato de que não há respostas absolutas que
determinem que po de resultados poderão ser ob dos de acordo com cada enquadramento. Tudo é rela vo à cada caso e o que
pode funcionar em um projeto pode não ser o ideal para outro. Ainda assim, há tempos estudiosos vem buscando compreender os
princípios que regem a composição de uma imagem, e, consequentemente, o impacto que sua composição pode gerar no
observador. Composição imagé ca é um assunto vasto que poderia render toda uma série de livros (há, de fato, uma grande
abundância de livros e teses sobre o assunto já disponíveis no mercado),vou, portanto, ater-me apenas à alguns conceitos básicos
que podem servir como "pontapé inicial" na exploração dos futuros cineastas (frisando mais uma vez que são teorias e regras
básicas que devem ser exploradas e conhecidas mas também distorcidas e até mesmo quebradas de acordo com a proposta
artís ca! Divirta-se com elas!)
1) REGRA DOS TERÇOS
Essa é uma das convenções mais tradicionais quando o assunto é enquadramento. Basicamente, a Regra dos Terços propõe que
uma imagem seja dividida em três partes iguais ao longo de seu eixo ver cal e em três partes iguais ao longo de seu eixo
horizontal. Ou seja: três terços ver cais (três colunas) e três terços horizontais (três linhas). Isso resultará em um quadro subdividido em nove partes iguais bem como quatro pontos de intersecção entre as linhas divisórias. Em tese, esses pontos de
intersecção servem como guia para o posicionamento de elementos importantes em seu quadro. Além disso, as próprias linhas e
colunas servem como guia para adicionar dinâmica na imagem: se uma personagem está olhando para o lado direito (o que
significa o lado esquerdo do observador/audiência) pode ser coerente posicioná-la no terço direito do quadro - o que criaria
espaço livre à direita da personagem (ou seja, para onde ela está olhando) criando a sensação dinâmica de que a audiência
também está olhando para aquilo que a personagem olha. Há teses mais radicais que pré-determinam a importância de cada
terço, alegando, por exemplo, que se o fotógrafo deseja valorizar ou reforçar a presença de um determinado elemento ou
personagem, o mesmo deveria ser enquadrado nos terços superiores esquerdos, assim como elementos e/ou personagens que
precisam ser enfraquecidos deveriam ser posicionados nos terços inferiores direitos do quadro. Essa tese apoia-se no fato de que
o olho humano "escaneia" as imagens da esquerda para a direita e de cima para baixo, ou seja, percebemos primeiro aquilo que
localiza-se à nossa esquerda superior para somente então visualizarmos os elementos que se encontram em nosso campo de
visão direito inferior. Isso está ligado à forma como aprendemos a ler (lemos de cima para baixo, da esquerda para a direita)! O que
significa que talvez essa porção da "Regra dos Terços" somente se aplique às culturas ocidentais que lêem dessa forma,correto? A
título de curiosidade, a regra dos terços deriva diretamente daquilo que chamamos de “Proporção Áurea” ou ainda “proporção
divina”, uma equação matemá ca que, de acordo com cien stas e estetas, é agradável quando aplicada este camente em obras
de arte.
2) REGRA DE HITCHCOCK/TRUFFAUT
Deixando toda a geometria de lado, há uma teoria bastante simples compar lhada pelos cineastas que ba zam essa regra: o
tamanho de um elemento enquadrado deve ser diretamente proporcional à sua importância dramá ca na cena. Ilustrando de
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COMPOSIÇÃO DE IMAGENS, ENQUADRAMENTOS,DECUPAGEM E SHOTLIST
maneira "hitchcockiana" : se um assassino está prestes à matar uma donzela inocente e para isso esconde uma faca em suas
costas, de acordo com essa regra a faca deveria ser enquadrada de modo a ficar "maior" do que a donzela. Dá pra vizualisar?
Apesar de simples, é um recurso bastante eficaz e poderoso.
3) ÂNGULOS DE VISÃO
Complementando as teses acima propostas, é também bastante comum u lizar os ângulos “inclinados” de câmera de cima para
baixo ou de baixo para cima ( respec vamente plongée ou contra-plongée) nos enquadramentos para acentuar alguma
caracterís ca dramá ca de algum personagem. Ao enquadrar um homem em contraplongée (de baixo para cima), por exemplo,
forçamos a audiência a observar esse personagem como quem o olha "por baixo", certo? Muitos defendem a idéia de que, dessa
forma, estaríamos reforçando na audiência a sensação de autoridade, poder e/ou grandeza desse personagem. Ao contrário, ao
u lizarmos o inverso (um plongée, de cima para baixo), podemos criar na audiência a sensação de que a personagem está mais
sozinha, enfraquecida (já que forçamos o público a observar a personagem como quem olha de cima para baixo).
CONCLUSÃO
Há muitas outras teses e teorias que se propõe a estudar a composição imagé ca de um quadro, mas essas três regras básicas
iniciais associadas à criação de um amplo vocabulário fotográfico já são um bom ponto de par da. Procure misturá-las:
experimente criar quadros observando a regra dos terços, a regra de Hitchcock/Truffaut e a regra dos ângulos e perceba os
resultados que você pode alcançar. Depois, u lize uma por uma ou combine pares e observe os resultados! Finalmente, associe
tais regras à enquadramentos que você tenha gostado em filmes, fotografias ou pinturas! Quem sabe você pode criar suas
próprias regras de composição imagé ca? Lembre-se de que não há respostas absolutas, somente possibilidades. O importante é
estudar e levar em consideração as regras e teses já criadas e elaboradas para perceber o quanto elas podem ou não contribuir
para nosso trabalho.
Supondo portanto que o leitor tenha acumulado essa “bagagem cultural” de referencias de composições, enquadramentos
e teorias imagé cas, é chegado o momento de aplicar todo seu conhecimento técnico e artís co em prol de um projeto
cinematográfico! O Diretor já discu u com você a linguagem esté ca do filme e agora cabe a você, em conjunto com o diretor,
fazer as escolhas que resultem na u lização adequada de tudo que diga respeito ao departamento de fotografia: câmeras,
acessórios, lentes, e, fundamentalmente, a “Pré-visualização” do filme, ou seja, o planejamento, cena a cena, de tudo que a câmera
deve fazer: o que a câmera deve enquadrar, como enquadrar e compor os quadros, o que focar, quais os movimentos que devem
ser realizados, as lentes e acessórios que devem ser u lizadas e por aí a fora. É basicamente a “receita do bolo” para a equipe de
fotografia (operadores de câmera, os assistentes de câmera, os maquinistas, gaffers, iluminadores etc...). Esse processo complexo,
minucioso e essencial é o que chamamos de “Decupagem”! Mas como realizar isso? Pode parecer impossível, mas não é. Muito
pelo contrário: embora demorado (especialmente em um longa metragem onde pode ser necessário decupar literalmente
centenas de cenas), é um processo prazeiroso para o fotógrafo e essencial para a equipe, pois somente agora será possível
efe vamente “visualizar” o filme.
O primeiro passo é reunir as referências, instruções e apontamentos fornecidos pelo diretor e, com base nisso, tentar
visualizar em detalhes cada cena! É literalmente um exercício cria vo de imaginação: será necessário que você consiga “enxergar”
as cenas do roteiro numa tela imaginária – sua cabeça. O fotógrafo deve ser capaz de assis r um filme que ainda não foi realizado.
Com a prá ca e com o aumento da bagagem cultural esse processo vai ficando cada vez mais rápido, eficaz e diver do. Quando
um diretor menciona que deseja uma cena “sombria, contrastada, introspec va e misteriosa”, por exemplo, você já terá dezenas
de imagens que lhe causaram essa sensação (em pinturas, fotografias ou filmes) e conseguirá propor diversas opções, como, por
exemplo, quadros barrocos que apresentam essas qualidades. Terá também vários filmes que criaram essas caracterís cas com
êxito através de recursos visuais e poderá usá-los como referência ou modelo (daí a importância extrema do estudo proposto na
primeira parte deste capítulo! Sem estudo, cultura e referências, não há modelos a seguir!). Ou ainda, se você não possuir
referências, vai pelo menos poder se apoiar nas teses propostas pelas teorias da imagem para compor seus quadros! Você já
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COMPOSIÇÃO DE IMAGENS, ENQUADRAMENTOS,DECUPAGEM E SHOTLIST
saberá responder, com segurança, que para provocar uma audiência com mistério e introspecção é necessário mover a
câmera assim ou assado, u lizar essa ou aquela lente e daí por diante. Após “visualizar” imaginariamente uma determinada cena, é
necessário que você transcreva essa visualização para o papel tal qual um compositor escreveria sua par tura para não esquecer
sua música, e isso é a tal “decupagem”. Exemplificando - vamos supor que a cena do roteiro narre o seguinte:
INT. ESCRITÓRIO DE ADVOCACIA. DIA
MALU (23) organiza documentos sobre uma mesa. MARIANA (19) entra correndo, esbarra em Malu e
derruba café sobre os documentos.
Agora você, como Diretor de Fotografia, (e SEMPRE, SEMPRE sob a orientação e acompanhamento do Diretor do filme) deverá
visualizar essa cena quadro a quadro, escolhendo quais os melhores ângulos, enquadramentos, movimentos de câmera e imagens
devem compor essa sequência. Por exemplo: suponhamos que você queira iniciar a cena “ambientando” a audiência e deixando
claro que se trata de um escritório de advocacia. Para tanto, poderia ser adequado um quadro que revelasse livros sobre
legislação, o nome do escritório etc. Na sequência, você deseja um quadro está co e bem fechado revelando somente os
documentos que estão sendo organizados pela personagem Malu. Em seguida, um quadro um pouco mais aberto que revele a
personagem por inteiro para que a audiência perceba sua organização. Con nuando, um plano bem “tremido” e movimentado
acompanhando a entrada de Mariana na sala. Em seguida, um plano fechado enfa zando o café caindo sobre os documentos.
Ok, digamos que você esteja sa sfeito com essas escolhas. Agora, como organizá-las e passa-las para o papel? Basta saber quais
são os elementos básicos e essenciais que devem ser levados em consideração: POSIÇÃO DA CÂMERA,
PLANOS/ENQUADRAMENTOS, ÂNGULOS, MOVIMENTOS DE CÂMERA e OBSERVAÇÕES ESPECIAIS referentes a
passagem de foco, acessórios etc. Vamos analisar um por um:
POSIÇÃO DA CÂMERA
A câmera pode assumir algumas posições dependendo daquilo que se passa diante da câmera, ou ainda do que a câmera
representa:
*
Posição Obje va: a câmera se limita a captar o que se passa diante dela, é testemunha imparcial. Sua função é descri va
e dramá ca. A mais comum dentre as "posições", aqui a câmera é o "olho" da audiência, que testemunha e observa sem
intervir.
*
Posição Subje va: a câmera assume a posição sica de um personagem, o espectador vê a ação através “dos olhos do
personagem”. O famoso "Ponto de Vista" bastante usado em filmes de suspense, por exemplo (lembram-se daquelas cenas
em que a mocinha aproxima a mão da maçaneta da porta, e tudo o que vemos é a mão dela, ou seja, conseguimos enxergar
somente aquilo que o personagem enxerga).
*
Posição Expressiva: a câmera não se limita apenas a descrever uma cena ou a mostrar uma cena com os olhos do
personagem. A câmera dá a determinado elemento ou personagem o máximo de expressividade ou simbolismo. Por
exemplo, em “Gritos e Sussurros” do diretor Ingmar Bergman, a cena em que duas personagens se posicionam na forma da
escultura Pietá, de Michelangelo, constrói um forte simbolismo que expressa a idéia central do filme, uma reflexão sobre o
egoísmo e a generosidade do homem.
PLANOS E ENQUADRAMENTOS
Os enquadramentos, ou a seleção dos planos a serem u lizados é outro dos aspectos fundamentais na criação de uma
decupagem pelo Diretor de Fotografia. Chama-se plano cada elemento imagé co que compõe uma seqüência de imagens em
um filme. As seqüências podem ou não ter a duração de uma cena, e quando são compostas por um único plano são chamadas de
plano-sequência. Ao se definir um plano, define-se o que o público verá na tela, e a escolha de planos para se contar a cena através
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COMPOSIÇÃO DE IMAGENS, ENQUADRAMENTOS,DECUPAGEM E SHOTLIST
de imagens permite infinitas combinações a cada instante. Selecionar que combinações serão mais belas ou funcionais para
uma determinada cena é uma das principais funções de um diretor de fotografia e tende a ficar cada vez mais refinada conforme a
experiência do profissional. A indústria adota uma certa padronização nos nomes dos planos baseada em que parte da
personagem/cenário está em quadro. Esta nomenclatura tem um certo grau de variação na interpretação e há infinitas
possibilidades de planos que não têm nomes. A nomenclatura e os planos clássicos podem ser um ponto de par da, mas não
podem nunca limitar a inven vidade dos diretores de fotografia.
Alguns dos planos mais usados podem ser divididos em:
Planos Descri vos - planos mais abertos, em que o obje vo é descrever a ação mais do que a psicologia ou a expressão da
personagem.
*
Plano Geral (PG ou Long Shot/Master Shot): Enquadra todo o ambiente onde está o objeto/personagem da filmagem
com este pouco definido ou destacado (pense nas grandes cenas de batalha onde pode-se ver toda a paisagem e todos os
batalhões guerreando, porém, nem sempre é possível divisar o mocinho).
*
Plano Aberto (PA ou Full Shot): Enquadra toda personagem com pouca ênfase no cenário ou naquilo que está ao redor
(imagine agora, na mesma batalha, os momentos em que a câmera aproxima-se do mocinho e podemos acompanhá-lo
lutando, porém deixamos de perceber em detalhes todas as outras lutas que acontecem ao redor).
Planos Dramá cos: Agora, o obje vo é descrever parte da ação sem abrir mão de mostrar as expressões das personagens.
*
Plano Americano (PAm, American Shot ou ¾ Shot): Muito usado em Hollywood nos anos 40/50, enquadra
aproximadamente dois terços ou três quartos da personagem.
*
Plano Médio (PM ou Medium Shot): Com título auto explica vo, enquadra aproximadamente metade da personagem.
Planos Psicológicos: Com esses enquadramentos, o obje vo é forçar a audiência a prestar atenção mais nos conflitos internos e
expressões das personagens do que nas ações.
*
Plano Próximo (PP ou Close Up): Enquadra aproximadamente um terço da personagem (o oposto do Plano Americano)
*
Primeiríssimo Plano (PPP ou Extreme Close Up): plano fechado no rosto da personagem.
*
Plano Detalhe (PD ou Insert): Mostra detalhe de parte significa va do objeto ou da personagem (por exemplo, um
enquadramento que revele somente o olho lacrimejante de uma personagem, sem, no entanto, revelar o rosto por trás).
MOVIMENTOS DE CÂMERA
Movimentar a câmera é um uso que diferencia o cinema da fotografia está ca e planejar estes movimentos é um dos elementos
que devem estar con dos da decupagem. A seguir alguns dos movimentos clássicos da câmera. Novamente, este deve ser um
ponto de par da para o diretor de fotografia, nunca um elemento de limitação. Panorâmica (Pan): movimentação da câmera em
torno de um eixo (esse eixo pode ser a própria câmera ou o objeto/personagem que está sendo gravado - nesse caso geralmente
a nomenclatura aparece como "Panorâmica Inver da"). Deriva do movimento resultante do uso de um tripé, mas não
necessariamente requer este acessório.
Panorâmica ver cal: também chamada de 'Tilt'. Travelling In/Out (comumente tratado como ZOOM IN ou ZOOM OUT):
movimentação da câmera sobre um eixo linear. Esse movimento deriva do uso de trilhos para se movimentar a câmera, mas não
necessariamente requer este po de acessório. Se um operador de câmera anda ao lado de uma personagem que também se
move ao longo de um eixo linear, ainda que não haja trilhos ou tripés e que o operador esteja com a câmera na mão, pode-se
considerar essa prá ca um "traveling". Trajetória ou Plano Sequência: movimentação onde a câmera percorre uma trajetória mais
complexa que pode ser a composição de alguns dos outros movimentos ou qualquer trajetória que se descreva fazer. É muito
comum em planos que se deseje ambientar a cena, passando por todo o ambiente.
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ÂNGULOS DE CÂMERA
ÂNGULO “NORMAL”: o que se chama de “ângulo normal” é a câmera na horizontal, mais ou menos na altura do olhar de um
homem de pé. É o ângulo pelo qual, na maior parte do tempo, vemos o mundo que nos cerca.
PLONGÉE (High Angle): a cena é filmada de cima para baixo.
CONTRA-PLONGÉE (Low Angle): a cena é filmada de baixo para cima.
CAMPO E CONTRA-CAMPO: dois personagens são mostrados alternadamente. Esse recurso é muito u lizado em cenas de
diálogos. Quando a câmera enquadra uma porção do ombro de uma das personagens também é comum u lizar a expressão "over
the shoulder" (sobre o ombro).
OBSERVAÇÕES ESPECIAIS:
Algumas decisões específicas também podem e devem ser incluídas na decupagem. Por exemplo:
*
Passagem de Foco (se desejarmos enquadrar determinado elemento mas fazer o foco "navegar" para outro plano).
*
Acessórios especiais (se desejarmos, por exemplo, uma panorâmica com u lização de uma grua para maior alcance).
*
Câmera na mão (se desejarmos propositalmente que certos movimentos ou quadros sejam realizados com a câmera
na mão).
Com base nessas informações e com o roteiro fornecido de modelo, vou transpor para o papel os planos escolhidos:
PLANO A: PD em CONTRA PLONGÉE revelando placa com nome do escritório.
PLANO B: Pan da esquerda para a direita sobre a mesa do escritório.
PLANO C: Trajetória - Iniciar em PD enquadrando documentos sendo organizados por Malu. Con nuar com TRAVELING OUT
até parar em PAm enquadrando Malu e a mesa.
PLANO D: (TRAJETÓRIA) PM em Mariana com TRAVELING acompanhando a entrada da personagem finalizando com ZOOM IN
e PD no café sendo derrubado sobre os documentos. (OBS.: Plano 4 deve ser realizado com câmera na mão).
ELABORAÇÃO DA SHOTLIST:
DIRETOR DE FOTOGRAFIA, ASSISTENTE DE DIREÇÃO E PRODUTORES
A decupagem é, portanto, o processo de organizar toda a sequência visual do filme no que diz respeito ao trabalho de câmera. Ao
concluir sua decupagem, porém, é essencial verificar qual a melhor ordem possível para gravar os planos de modo a o mizar o
tempo no SET de gravação. É fácil perceber que mudar câmeras , equipe e equipamentos de lugar pode levar tempo. Imagine
então re-ajustar luzes, trocar lentes etc? Toda essa logís ca entre planos deve ser estudada de antemão, dessa forma, evita-se que
a câmera fique indo e voltando para o mesmo lugar. Caso você planeje gravar três planos de um determinado eixo e outros cinco
planos de outro eixo, seria coerente agrupá-los de modo agravar na sequência tudo aquilo que exija os equipamentos em um lugar
determinado, assim, a troca e a movimentação só acontecerão uma única vez! Essa organização logís ca e composição da ordem
e sequência em que os planos serão gravados é o que chamamos de SHOTLIST e é um procedimento que deve ser desenvolvido e
supervisionado não apenas pela equipe de fotografia que planeja a decupagem com o diretor, mas também pelos Assistentes de
Direção e produtores, afinal de contas, eles são os responsáveis por administrar o tempo no SET de gravação. Para ver um
exemplo de esquema zação de SHOTLIST dentro de uma “Ordem do Dia”, consulte o capítulo 7. A título de exemplo, insiro aqui
um pequeno e simples modelo de “croqui” de uma locação com mapa do lugar, posição das personagens/atores e planejamento
de posicionamentos de câmera para elaboração da SHOTLIST. Nas legendas, onde lê-se PI entenda-se “Plano Individual” de uma
personagem, que pode variar entre PM ou PAm. Onde lê-se PC entenda-se “Plano Conjunto”, no caso um “Plano Aberto”
envolvendo mais de uma personagem no quadro. OTS devem ser entendidos como os já mencionados “Over the Shoulder” e PG
como os “Planos Gerais”. Esse modelo não possui detalhes de enquadramento (afinal NÃO é uma decupagem), mas sim apenas
os posicionamentos gerais de câmera para que seja possível compor uma SHOTLIST eficaz. No caso, essa cena foi gravada com
duas câmeras simultâneas. A decupagem conta com 11 planos dis ntos que foram organizados e ordenados em 6 posições
diferentes (cada nova posição é sempre marcada com uma letra, no caso desse croqui, por agrupar MAIS de um plano por posição
temos somente de “A” até “F” ) para facilitar e o mizar a logís ca (veja legenda):
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Pronto. De maneira bem simples e rudimentar, elaboramos a Decupagem e a ShotList de uma cena. A equipe de fotografia agora já
possui um “mapa” que determina como os enquadramentos e a câmera devem se comportar para registrar essa cena e qual a
sequencia mais eficiente para gravar os planos. É importan ssimo frisar que a Decupagem fornecida como exemplo está
estruturada de maneira simples para finalidade didá ca e que poderíamos ainda acrescentar diversas informações que podem ser
par cularmente relevantes (tais como uma lente específica que deve ser u lizada, uma alteração na velocidade do obturador ou
na taxa de quadros por segundo, abertura de diafragma, referências específicas de enquadramento com base nas teorias da
imagem etc.). Não há limites para aquilo que pode ser inserido numa decupagem. O importante é compor um documento que
ajude ao máximo na “Pré Visualização” do filme, assim, teremos a certeza de que toda a equipe estará trabalhando em conjunto
para um resultado imagé co comum! Isso, porém, levanta outra questão importante: uma decupagem é inteiramente elaborada
u lizando termos técnicos relacionados à fotografia. No entanto, para muitos integrantes da equipe um “PM com TRAVELING
finalizando com ZOOM IN e PD” não significa absolutamente NADA! Ou seja, dependendo da experiência e familiaridade da
equipe com terminologias fotográficas, a Decupagem pode falhar justamente em seu principal obje vo e não ajudar os outros
profissionais a “pré visualizar” o filme. Nesse caso, a solução mais comum, eficaz e recomendada é a u lização de um
“STORYBOARD”.
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Capítulo
COMPOSIÇÃO DE IMAGENS, ENQUADRAMENTOS,DECUPAGEM E SHOTLIST
PRÉ VISUALIZAÇÃO E STORYBOARD
Definindo de maneira rudimentar, uma “Storyboard” é uma “história em quadrinhos” de seu filme! Para cada plano da decupagem,
haverá um quadrinho correspondente, ou seja, para a decupagem que u lizamos como modelo, seriam necessárias quatro
ilustrações (uma equivalente a cada plano, correto?). Como o leitor já deve imaginar, não é um processo fácil de realizar. Há,
porém, diversas opções para a realização de storyboards e acreditem: vale muito a pena! É a forma mais concreta e segura de
garan r que toda a equipe saiba exatamente como a cena deve ser gravada. Tradicionalmente, os produtores contratavam
desenhistas profissionais (storyboard ar sts) que deveriam trabalhar em proximidade com o departamento de fotografia e
direção de arte e criar ilustrações que traduzissem em detalhes todas as imagens concebidas para o filme. O resultado desse
trabalho verdadeiramente artesanal (além de se tratar evidentemente de uma obra artís ca de grande valor por si só), serve não
apenas para visualizar o filme, mas também para verificar se realmente as escolhas de enquadramentos do fotógrafo foram as
melhores e mais consistentes de acordo com a linguagem proposta pelo diretor. Muitas vezes, somente ao analisar a Storyboard
o diretor cinematográfico consegue realmente compreender todo o “plano visual” do projeto num estágio onde ainda há tempo
para sugerir alterações e/ou modificações evitando perda de tempo e desentendimentos no SET de gravação. Logo, esbarramos
em outro problema: percebemos que Storyboards são úteis e, em muitos casos, essenciais. Mas e se você não conhecer um
desenhista competente? E se você mesmo não souber desenhar bem o suficiente para ilustrar suas escolhas de enquadramentos?
E se você não dispuser de tempo ou recursos econômicos para contratar um desenhista? Calma! Embora a elaboração manual e
artesanal de storyboards ainda seja uma prá ca rela vamente comum e muitíssimo respeitada na indústria audiovisual, já há
alterna vas para aqueles que não dispõe de um desenhista na equipe! Existem So wares específicos que podem ser facilmente
manipulados para compor suas StoryBoards! Programas como o StoryBoard Ar st ou o StoryBoard Quick podem providenciar
ferramentas de visualização mesmo para aqueles que não conseguem sequer desenhar um traço reto! Evidentemente, esses
so wares não conseguirão a ngir o nível de detalhismo e precisão de um desenhista, mas tenha a certeza de que são
extremamente úteis e prá cos!
Concluindo as técnicas de Pré-Visualização, algumas cenas ou sequências em filmes são par cularmente complexas e não
admitem erros! Exemplificando: se você pretende gravar uma cena de perseguição de automóveis,
roteios, combates
complexos, ba das de carro, janelas e copos quebrando e por aí a fora, seu planejamento deve ser ainda mais minucioso e preciso,
já que não será possível repe r vários takes ou tomadas, correto? Logo, sua decupagem deve ser “cirúrgica” para garan r que o
material gravado preencha as necessidades da sequência sem abrir margem para a necessidade de regravar algo. Nesses casos
específicos, pode ser que até mesmo uma StoryBoard detalhada não forneça a segurança necessária. Será possível pré-visualizar
virtualmente uma sequência inteira, incluindo movimentação de câmera e de personagens de modo a garan r que todo o
planejamento esteja perfeito? Sim! Através de um recurso que chamamos de “Anima cs”, ou seja: uma StoryBoard animada! É
como se você pudesse assis r a um desenho animado de seu filme antes mesmo de pisar no SET de gravação! Infelizmente, esse
recurso é complexo e certamente exigirá mais de seu orçamento, porém, dependendo do caso, certamente vale a pena.
Finalmente, como um úl mo “ ro de misericórdia”, há também prá cas “guerrilheiras” e bastante eficazes para a elaboração de
StoryBoards, como, por exemplo, compor sua “história em quadrinhos” através de fotografias! Ou seja: o Diretor de Fotografia
pode literalmente ir aos locais e cenários de gravação e, com a ajuda de colegas e/ou membros da equipe representando as
personagens, rar fotos equivalentes aos enquadramentos e planos que deverão ser u lizados na cena! Ainda que seja um
recurso aparentemente simplório e rús co, ao organizar as fotos na sequência cronológica, mesmo os integrantes da equipe que
não possuem in midade com termos e técnicas fotográficas vão saber o que o departamento de fotografia está buscando.
Assim como na Decupagem, sinta-se livre para adicionar informações relevantes na sua storyboard. É comum e prá co que os
“quadrinhos” ou fotografias sigam a mesma numeração dos planos da decupagem. Você também pode legendar cada quadrinho
não somente com o número do Plano, mas também com uma passagem do roteiro. Exemplificando: em um dado momento, você
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Capítulo
COMPOSIÇÃO DE IMAGENS, ENQUADRAMENTOS,DECUPAGEM E SHOTLIST
in midação e poder provenientes dessa personagem. Pois bem, supondo que na sua decupagem esse é o Plano E, você pode, se
desejar, escrever “Plano E” sob o quadrinho ou foto da StoryBoard e ainda citar uma frase do roteiro que essa personagem estaria
falando nesse momento (hipoté camente ilustrando: sob a foto, há a legenda “Plano E: Contra-Plongée em PAm de Jorge no
momento em que ele diz “Isso está terminado!”). Com isso, encerramos as técnicas básicas de Pré-visualização: O Diretor de
Fotografia analisa a proposta de linguagem concebida pelo Diretor, busca a melhor forma de traduzir os conceitos e idéias para
imagens – ou seja: planos, enquadramentos, ângulos e movimentos - visualiza internamente cada cena e traduz essas imagens de
maneira técnica e específica para a “decupagem”. A par r da decupagem elabora-se a StoryBoard para que todos possam antever
um mesmo filme.
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INTRODUÇÃO
A ILUMINAÇÃO
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Capítulo
INTRODUÇÃO A ILUMINAÇÃO
Ao planejar a iluminação de um filme, um fotógrafo deve ponderar sobre dois aspectos essenciais: 1) o que a luz DEVE fazer versus
2) o que a luz PODE fazer! O primeiro aspecto possui uma resposta simples: a luz DEVE iluminar de maneira adequada e coerente
tudo aquilo que se deseja mostrar ou revelar em uma cena. Já o segundo aspecto é mais complexo: o que a luz PODE fazer? Há
várias respostas para essa pergunta. A luz pode criar atmosferas diversas, acentuar climas e sensações, provocar reações diversas
na audiência. Enfim, as POSSIBILIDADES de u lização da iluminação são virtualmente infinitas e podem alterar completamente a
percepção dramá ca do filme! Desta forma, antes mesmo de adentrar em aspectos técnicos e fórmulas iniciais, sugiro ao leitor
que, mais uma vez, procure construir um vocabulário artís co e um leque variado de referencias no que diz respeito ao impacto
provocado pela composição e uso da luz em pinturas, fotografias e filmes a fim de ampliar sua sensibilidade artís ca e percepção
daquilo que a luz PODE fazer. Como dica de iniciação didá ca, vale a pena estudar os pintores do renascimento e do barroco com
atenção especial aos que deram ênfase à u lização de contrastes entre luz e sombra para criar efeitos dramá cos em suas
pinturas (o conhecido “chiaroscuro”). As obras do italiano Caravaggio (1571 – 1610) são referencia unânime no quesito! Além
disso, obras primas da cinematografia como “O Falcão Maltês” (1941) de John Huston, “Apocalipse Now” (1979) de Coppola,
“Coração Satânico” (1987) de Alan Parker e “Minority Report” (2002) de Spielberg mostram como a luz pode criar ou enfa zar
atmosferas. Após estudar e digerir pausadamente os exemplos citados, con nuemos avaliando aspectos técnicos:
PRINCÍPIOS BÁSICOS DE ILUMINAÇÃO
QUANTIDADE X QUALIDADE
Quan dade (ou seja, força e potência) não tem nenhuma ligação com qualidade (ou seja, cor e luminâncias). A “qualidade” (ou
po) da luz é medida em kelvin (ºK), e é justamente essa “qualidade” ou “temperatura” em ºK que irá determinar a “cor” da luz. Já a
“potência” ou, como é mais comumemte denominada a “força” da luz deverá determinar sua “intensidade” (e isso é o que
avaliamos através dos wa s). Geralmente, luzes com temperaturas mais elevadas na escala ºK se aproximam mais do espectro
azulado no leque de cores, enquanto luzes com temperaturas mais baixas tendem mais para os espectros alaranjados e
amarelados (basta lembrar e visualizar, por exemplo, um quarto durante o dia com a janela aberta e a luz acesa. A luz do sol, que
entra pela janela e é muito mais forte em termos de temperatura, produz raios azulados enquanto as lâmpadas manufaturadas
industrialmente geralmente produzem tonalidades mais alaranjadas-amareladas). Dessa forma, de acordo com a escala medida
em ºKelvin, classificamos a “qualidade” ou “temperatura” da luz, o que resultará em impacto esté co diretamente na “cor” dessa
luz. As principais classificações são:
LUZ SOLAR (ou Daylight): 5.500ºK (espectro de cor azulada-esbranquiçada)
TUNGSTÊNIO: 3.200ºK (espectro laranja-amarelado);
LUZ FLUORESCENTE: 2.700 – 6.500ºK;
LUZ DE SÓDIO A VAPOR: ao redor de 2.100ºK;
LUZ NEON: muita variação para que se possa determinar;
Por conta dessas classificações, é mais comum e seguro u lizarmos fontes de luz solar ou lampadas de tungstênio para nossas
gravações. Isso não significa, de maneira alguma, que não possamos experimentar ou compor com outros pos de luzes como
LED (cada vez mais adotadas na indústria por conta de sua economia e durabilidade) ou manipuladas por Kino-Flo, significa
apenas que os resultados podem ser mais ou menos previstos e controlados. Já a “força” ou energia elétrica exigida e consumida
pela lâmpada pode ser medida em Wa s (lembre-se que a lâmpada de uma sala pode ser de 30W ou 100W. Ela irá preservar suas
qualidades de cores, porém será mais ou menos potente, iluminando mais ou menos o ambiente). Para calcular com segurança a
potência de luzes empregadas em determinado ambiente, é imprescindível a presença de um eletricista qualificado!
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Capítulo
INTRODUÇÃO A ILUMINAÇÃO
MANIPULAÇÃO
Além de compreender as diferenças entre os “ pos” de luz (ou seja: qualidade e potência), é necessário para um fotógrafo saber
manipular essas luzes para obter o resultado artís co desejado. Surge então um novo grande desafio já que não há respostas
absolutas criadas ou pré-estabelecidas em função do efeito que se deseja criar! Aqui, a experiência é rainha, e, com bastante
frequência, quanto mais experiência, mais tempo o fotógrafo levará para iluminar adequadamente determinado ambiente
(pessoalmente já ouvi relatos de fotógrafos “demorando” três dias para afinar uma iluminação específica para uma cena
determinada!). Há, no entanto, certas “formulas” ou “equemas” iniciais que podem auxiliar o fotógrafo ou iluminador iniciante,
mas o resultado deverá ser afinado e manipulado de acordo com cada caso e cada cena!
ILUMINAÇÃO EM 3 PONTOS
A “formula” mais popular e segura para um iniciante é a formula da “Iluminação em três pontos”, que consiste em compor um cena
adequadamente iluminada de forma técnica e artís ca com base em três focos dis ntos de luz. Ilustrando: O Primeiro “Ponto” de
luz deve ser aquele que ilumina tudo aquilo que deve ser “mostrado” ou “revelado” na cena, ou seja, é a luz principal ou “Key Light” .
O Segundo “ponto” de luz (ou Fill Light) é aquele que serve para controlar, equilibrar e contra-balancear as sombras rígidas
provocadas pelo “Ponto 1” ou ainda pela “Key Light” e deve estar posicionado no eixo oposto porém não “espelhado” à Key Light,
ou seja, não “contrário” à Key Light, mas adjacente. Finalmente, o Terceiro “Ponto” de luz (ou “Back Light”) deve estar posicionado
em oposição quase direta à Key Light ou “Luz Principal”, com a finalidade de destacar o objeto/personagem do fundo ou ainda
acentuar no publico a sensação de “tridimensionalidade” inexistente numa tela de cinema ou video. É bastante comum u lizar a
“Back Light” apontada diretamente para o fundo do cenário, separando agressivamente o objeto gravado do fundo. Com isso,
criamos uma espécie de “Triângulo” envolvendo a cena gravada.
USO DE LUZ E ILUMINAÇÃO EM 4 PONTOS
Finalizando os conceitos básicos de manipulação de luz, é importante compreender os termos LUZ DIRETA ou INDIRETA,
REBATIDA ou REFLETIDA (ou seja, as fontes de luz apontadas diretamente ou não para o objeto ou personagem em foco, bem
como o redirecionamento dos raios de luz através de acessórios como refletores ou rebatedores), LUZ DURA ou DIFUSA
(lâmpadas com ou sem a u lização de filtros) e acessórios e equipamentos como o Fresnel (lente que permite controlar em maior
ou menor grau o foco direcional da luz). Se o obje vo em seu filme é reproduzir uma iluminação realista e verossímil, então tudo
deverá ser iluminado seguindo a dinâmica real, ou seja, com predominância de luz INDIRETA, REBATIDA, REFLETIDA e DIFUSA
(ou será que você tem o hábito de conversar com seus amigos e apontar uma lanterna para o rosto deles? Isso seria a “luz direta”
ou “Dura”). Do contrário, se o obje vo for uma luz composta e desenhada para uma finalidade esté ca específica (como os filmes
“Noir”, por exemplo, que privilegiavam imagens dramá cas repletas de contrastes entre claro e escuro e formas determinadas por
sombras milimétricamente calculadas!), então o “design” da luz deverá seguir regras próprias de acordo com as referencias
estabelecidas fazendo uso de fresnéis e filtros diversos para criar sombras e texturas. Lembre-se ainda de “brincar” com os
elementos apresentados. Muitas vezes, fazer uma iluminação em “2 pontos” pode já ser o suficiente caso o obje vo seja criar
contrastes e “degradés” no rosto de uma personagem. Em outras situações, pode ser necessário fazer uso da iluminação em “4
pontos” ou “four-point ligh ng” onde além da Key Light, da Fill Light e de uma Back Light apontada para o fundo, adiciona-se uma
segunda Back Light (nesse caso também chamada de “Hair Light”) apontada diretamente para as costas ou cabelo da personagem
a fim de criar um contorno dimensional. Para os efeitos dramá cos de “contra-luz” também é possível explorar uma única fonte de
luminosidade! Desenvolva suas referências, saiba com precisão o resultado que você deseja alcançar e, munido desses conceitos
essenciais, aventure-se e faça testes até chegar na iluminação correta.
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Capítulo
INTRODUÇÃO A ILUMINAÇÃO
PRE-LIGHTING
Assim como na decupagem fotográfica, onde todos os detalhes referentes à u lização da câmera devem ser registrados e
anotados para uma adequada pré-visualização de seu filme, lembre-se de dispensar o mesmo tratamento à iluminação, ou seja,
não deixe para testar e decidir como manipular as luzes no momento da gravação. Visite as locações com antecedência e realize
com bastante tempo todos os testes de luz que desejar. Ao criar algo que o sa sfaça, registre tudo num documento detalhado:
crie um mapa do lugar com indicações precisas de posicionamento, altura, ângulo, qualidade e potência das luzes. Tire fotos não
apenas dos próprios refletores mas também do efeito que eles produzem em quadros específicos. Tenha certeza que a
elaboração desse documento de “Pre-Ligh ng” irá economizar horas preciosas nos dias de gravação! Segue aqui um modelo
simples de mapa e documento de Pre-ligh ng que compus para meu longa metragem “BLACK&WHITE”, u lizando membros da
equipe nas posições que os atores deveriam ocupar:
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DIREÇÃO DE ARTE
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DIREÇÃO DE ARTE
Já percebemos que, enquanto o "Diretor Cinematográfico" é o condutor de um filme, apontando caminhos, afinando
performances e, fundamentalmente, estabelecendo a linguagem artís ca do projeto (que servirá de base para o desenvolvimento
do trabalho de todos os outros profissionais da equipe), o "Diretor de Fotografia", juntamente com sua equipe, é responsável por
"registrar" toda essa história da melhor maneira possível através das lentes. Mas ainda há um laço desatado: quem é o responsável
por criar todo o mundo concreto onde o filme deve desenrolar-se? Quem será o responsável por detalhar em minúcias tudo que
deve estar presente em cada cenário ou locação? Ou ainda definir as cores, materiais e texturas de móveis e objetos de cena de
modo a valorizar a história e a linguagem concebidas pelo Diretor? Ainda há mais: os tecidos e adereços de cada figurino, de cada
personagem, cena após cena, como planejá-los? Quais as melhores escolhas de paletas de cores, contrastes, referências, moda,
regionalismos e tendências visuais? Finalizando, um desafio ainda maior: imagine um "filme de época" (seja uma história dos anos
60, um romance dos anos 50 ou uma batalha épica de períodos medievais), quem fará a pesquisa de cenários, objetos, figurinos,
maquiagem, cabelo, apetrechos, ferramentas, armas, culinária da época e por aí a fora? Parece um trabalho hercúleo, não é
mesmo? E é de fato. O profissional responsável por essa monumental tarefa que mescla pesquisa e conhecimento à criação
ar s ca detalhada é o "Diretor de Arte" (em inglês, essa nomenclatura varia entre Art Director e Produc on Designer, por razões
que serão explicadas mais adiante). Evidentemente, esse ofício é demais para uma única pessoa (especialmente em um longametragem de grandes proporções), portanto, assim como o Diretor de Fotografia possui uma equipe para auxiliá-lo, também o
Diretor de Arte trabalhará com uma equipe à sua disposição (os termos técnicos, as responsabilidades e o tamanho dessa equipe
variam bastante de acordo com o escopo de cada projeto, mas abordaremos em breve os principais componentes e suas funções).
Em linhas gerais, o trabalho de um Diretor de Arte pode ser descrito quase como "paralelo" ao trabalho de um Diretor de
Fotografia. Explicando: Após discu r em detalhes e compreender toda a proposta da linguagem artís ca do filme com o Diretor, o
Fotógrafo então traduz todas as suas escolhas para o "Projeto de Fotografia" que será, em resumo, a soma complexa de todos os
elementos e referências necessárias para registrar a história em imagens (decupagem, shotlist, equipamentos, lentes, iluminação
etc.). Comumente esse projeto é retocado, afinado e ajustado até ser aprovado pelo Diretor como o projeto final, ou seja, aquele
que de fato irá à cabo durante a produção. Já no SET de gravação, o Fotógrafo então é responsável pela realização primorosa do
projeto concebido por parte de sua equipe subordinada. Pois bem, em linhas gerais, o trabalho de um Diretor de Arte pode ser
definido da mesma forma: após discu r em detalhes toda a proposta artís ca concebida pelo Diretor Cinematográfico, o Diretor
de Arte deverá então explorar as melhores opções de modo a criar esté camente cada detalhe do novo mundo fictício, seja esse
mundo realista, contemporâneo ou não, agregando-os e somando-os no que chamaremos de "Projeto de Arte" . Ao estabelecer
todo o conjunto proposto, esse Projeto de Arte deverá também ser afinado e ajustado até ser aprovado pelo Diretor
Cinematográfico (que, lembremos, é o responsável pela "unicidade" e coesão ar s ca do filme). Ao transitar para o SET de
gravação, da mesma forma que o Fotógrafo, também o Diretor de Arte e sua equipe devem garan r que o projeto seja executado à
risca. Acredito que o leitor já consiga antecipar a quan dade incrível de trabalho que espera um Diretor de Arte! A título de
curiosidade e a fim de ilustrar a questão ambígua da nomenclatura: no filme "E o Vento Levou" (clássico de 1939 dirigido por Victor
Flemming), o trabalho do Diretor de Arte William Menzies foi tão essencial para a composição imagé ca do projeto que o
Produtor David Selznick achou que o título mais justo seria "Produc on Designer". Desde então, é bastante comum encontrar os
dois termos nos créditos de um projeto. Mas deixemos a introdução de lado e vamos à prá ca: três questões essenciais devem ser
abordadas.
*
QUE TIPO DE CONHECIMENTO TÉCNICO E ARTÍSTICO UM DIRETOR DE ARTE DEVE DOMINAR E CONHECER
PARA DESEMPENHAR SUA FUNÇÃO?
*
COMO CRIAR/ELABORAR UM PROJETO DE ARTE?
*
QUAL A EQUIPE BÁSICA/ESSENCIAL PARA O DEPARTAMENTO DE ARTE DE UM FILME?
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DIREÇÃO DE ARTE
1) QUE TIPO DE CONHECIMENTO TÉCNICO E ARTÍSTICO UM DIRETOR DE ARTE DEVE DOMINAR E CONHECER PARA
DESEMPENHAR SUA FUNÇÃO?
Não há limites para os campos de estudo, pesquisa e criação que esse profissional pode explorar para realizar seu trabalho com
maestria. É fácil imaginar que para compor e criar todo um mundo fictício é necessário uma dose enorme de conhecimento e uma
capacidade apurada para traduzir esses conhecimentos de maneira artís ca e coerente com a proposta do filme. Adotemos, por
exemplo, um filme como "Coração Valente" (Braveheart, dirigido e protagonizado por Mel Gibson em 1995), um Drama histórico
situado na Escócia medieval. Cada peça de vestuário (de camponeses, aristocratas, nobres, guerreiros, soldados ou religiosos)
deve ser minuciosamente pesquisada. Depois, obedecendo o rigor histórico, cada figurino deve ser composto de modo a servir
cada personagem individualmente. A seguir, cada ferramenta, utensílio domés co, talheres, bolsas, es los de penteados e armas
devem também passar pelo mesmo processo. As locações e cenários seguem na fila e daí por diante. Tudo ainda deve ser
catalogado e organizado de acordo com cada cena (já que as personagens trocam de figurino e u lizam diversas ferramentas e
armas ao longo da história). Agora imaginem um filme como, por exemplo, "Alien, o Oitavo Passageiro" (dirigido por Ridley Sco
em 1979). Nesse caso, absolutamente TUDO deve ser criado do zero, já que seria impossível fazer uma "pesquisa" sobre
espaçonaves tripuladas no futuro! Nesse caso, o trabalho minucioso da pesquisa é subs tuído pelo da criação ar s ca. Muito
bem, para conseguir dar conta dessas tarefas, toda cultura e conhecimento artís cos serão bemvindos, no entanto, é bastante
latente algumas necessidades essenciais que TODO Diretor de Arte competente deve dominar: conhecimento amplo de História
da Arte (ocidental e oriental) em todas as suas manifestações esté cas (é indispensável que um Diretor de Arte saiba diferenciar,
por exemplo, uma pintura expressionista de um quadro cubista, bem como é indispensável que ele saiba quais elementos
par culares caracterizam cada tradição ar s ca); é também primordial possuir conhecimentos básicos de arquitetura (e saber
diferenciar uma catedral gó ca de uma igreja rococó); um Diretor de Arte deve também conhecer a fundo as teorias de imagem ou composição imagé ca - e as diversas teorias das cores; conhecer o máximo possível sobre história e técnicas de Fotografia,
possuir ao menos noções básicas de desenho bem como interesse e compreensão acerca da moda, sua evolução e tendências.
Finalmente, vale frisar que o Diretor de Arte deve ser um cinéfilo inveterado e desprovido de pré-conceitos, a fim de acumular um
vocabulário enorme de referências artís cas cinematográficas. Tudo isso será essencial mais tarde para compor e elaborar um
projeto de arte sólido, artís co e coerente. Esse é o primeiro passo para transformar-se em um Diretor de Arte (ou Produc on
Designer) de sucesso. Que sirva de estímulo o fato de que, hoje em dia, todas essas informações são acessíveis e estão disponíveis
gratuitamente no mundo virtual, portanto, basta ter vontade!
2) COMO CRIAR E ELABORAR UM PROJETO DE ARTE
Diferentemente da elaboração e redação de Roteiros cinematográficos que seguem uma formatação técnica específica e rígida,
não existe uma formatação padrão para um Projeto de Arte. A forma como o projeto será apresentado deve variar bastante de
acordo com o escopo, tamanho e necessidades do projeto bem como de acordo com as capacidades da equipe de arte.
Discu remos mais adiante possibilidades de formatações e apresentações, mas o essencial, assim como na “Decupagem”, é o
conteúdo e a clareza com que ele está exposto. Além disso, é crucial que o Diretor de Arte entenda que a elaboração de um
projeto não pode basear-se somente na pesquisa! É essencial aliar o resultado da pesquisa com a proposta de linguagem criada
pelo Diretor do filme. O resultado dessa “mistura” será o projeto de arte! Mas comecemos pelo final (acreditem, é mais fácil
compreender dessa forma!) abordando diretamente o “conteúdo” essencial para logo em seguida avaliar maneiras coerentes de
“chegar” a esse “conteúdo”. Um Projeto de Arte deve conter absolutamente TUDO que será “visto” num filme, ou ainda, disposto
e composto de maneira visível. Explicando de maneira resumida porém prá ca, é possível dividir a informação em três grandes
categorias: a) CENÁRIOS E LOCAÇÕES, b) PERSONAGENS E FIGURINOS e finalmente, c) OBJETOS E ADEREÇOS. Essa divisão
já é bastante auto-explica va, mas vamos aos detalhes:
CENÁRIOS E LOCAÇÕES: É essencial que toda a equipe cinematográfica seja capaz de “pré” visualizar cada locação ou cenário.
Isso será uma ajuda imprescindível para que o fotógrafo afine melhor sua Decupagem assim como para que o Diretor possa
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DIREÇÃO DE ARTE
ensaiar com mais precisão e coerência a performance dos atores/personagens. Desta feita, cada locação, seja um pequeno
quarto de apartamento ou o saguão de um teatro grandioso, deve estar detalhadamente descrita num Projeto de Arte. São
essenciais dados como dimensões, altura do pé direito, cores das paredes, chão e teto, texturas, janelas, móveis presentes e suas
disposições etc...além disso, de acordo com a necessidade artís ca do filme, é necessário apontar qual o estado do local, se as
paredes estão gastas, se há infiltração e por aí a fora. Caso o filme seja rodado em “locação real” e não em um cenário ou estúdio,
como, por exemplo, num parque ou numa rua, ainda assim é importante tomar nota do maior número possível de dados sobre o
lugar a fim de situar a equipe. Caso seja necessário realizar qualquer alteração no local, o procedimento deve estar bastante
detalhado no Projeto de Arte. É bastante comum e altamente recomendado completar o Projeto de Arte com referências visuais.
Ilustrando: caso a locação já exista, seria conveniente inserir várias fotos significa vas no projeto (sem jamais deixar de anotar e
escrever os dados acima). Caso a locação seja fictícia e ainda precise ser “produzida”, uma boa medida seria inserir imagens como
“referência” visual (ou seja, fotos e ilustrações de locais parecidos) ou ainda desenhos e/ou composições digitais.
PERSONAGENS E FIGURINOS: Seguindo a mesma lógica, TODOS os figurinos de CADA personagem devem estar
detalhadamente compostos e listados no Projeto de Arte. Pense num grande editorial de moda bastante artís co e conceitual e
será possível ter uma ideia precisa. Se a personagem “X”, por exemplo, u liza cinco figurinos diferentes ao longo do filme (e
determinar quantos figurinos são necessários para cada personagem TAMBÉM é uma das responsabilidades da equipe de arte!),
cada um desses cinco figurinos deve estar devidamente descrito: quais as peças, po de tecido, cores, estado do figurino (se o
figurino es ver, por exemplo, desgastado por uma batalha, isso também entra na alçada dessa mesma equipe de arte que deverá
“desgastar” o figurino ar ficialmente! Haja trabalho!) até os mínimos detalhes como meias, cadarços etc... assim como no item
acima, aqui também vale a u lização de imagens para enriquecer o projeto e garan r que seja executado de maneira correta.
Ainda no item “personagens”, vale inserir toda e qualquer personalização composta individualmente como tatuagens,
maquiagens especiais, penteados exó cos ou específicos, enfim, tudo que compuser o “visual” de cada personagem. DICA: É
essencial realizar todo esse processo em contato e comunicação direta com o Diretor Cinematográfico, para que ele possa, dessa
forma, discu r tudo que está sendo elaborado junto aos atores. É interessante que um ator saiba dados da aparência de sua
personagem o quanto antes, afinal de contas, cada detalhe pode afetar as escolhas e composição da performance.
OBJETOS E ADEREÇOS: Finalmente compõe-se uma lista qualita va e descri va de todos os objetos de cena que devem estar
presentes no filme: cigarros e suas marcas, caderninhos, livros, diários, armas, malas, bolsas e maletas, estojos de maquiagem,
brinquedos, barbeadores, enfim, tudo aquilo que as personagens precisam para realizar as cenas. IMPORTANTE: a função de um
Diretor de Arte não é somente “listar” os objetos (atenção especial para o adje vo “qualita vo” ao descrever a lista). Aqui é
importante saber exatamente quais são os objetos e em que estado se encontram. Um simples estojo de maquiagem pode
denotar uma garota simples da periferia ou uma madame que só u liza produtos importados, correto? Assim como um revólver
calibre 38 enferrujado pode ser perfeito para um po de personagem enquanto uma pistola israelense Desert Eagle calibre .50
cromada pode ser a indicação para outra personagem. Por isso essa lista não é somente logís ca, mas sim artís ca, já que envolve
decisões esté cas que podem influenciar diretamente na maneira como a audiência percebe a história. Seguindo o mesmo
processo de antes, recomenda-se inserir o maior número possível de referências visuais para descrever os objetos e adereços.
Muito bem, até aqui é fácil perceber como essas são as informações essenciais e básicas para um Projeto de Arte. Agora, no
entanto, surge outra questão: como chegar à essas informações? Como escolher os figurinos ou selecionar as melhores locações
e objetos? Nas aulas ministradas na Escola de Cinema, em São Paulo, recomendamos aos alunos um processo cons tuído de três
etapas dis ntas para a elaboração de um Projeto de Arte. A soma dessas três etapas deve resultar no projeto. São elas: A)
absorção e discussão da linguagem proposta pelo diretor, B) pesquisa factual e, finalmente, C) elaboração do resultado.
Na primeira etapa (absorção e discussão da linguagem proposta pelo Diretor), o Diretor de Arte deve discu r em detalhes toda a
linguagem estabelecida pelo Diretor até ter a certeza de compreender e assimilar tudo. Um Diretor competente e experiente
geralmente vai apresentar ao Diretor de Arte muitas referências visuais que retratem a esté ca almejada para o projeto. Essas
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referências podem vir desde obras de arte até mesmo de outros filmes e serão essenciais para que o Diretor de Arte possa
realmente “criar” e compor aquilo que o Diretor deseja. Ilustrando: uma farsa ou drama urbanos rela vamente contemporâneos
podem ser contados e descritos através de vários visuais diferentes. Se desejamos retratar a frieza, o desgaste e distanciamento
das relações, por exemplo, podemos optar por cores frias e neutras, figurinos desbotados e maquiagens pálidas como no
belíssimo filme “O Leitor”, dirigido por Stephen Daldry e brilhantemente protagonizado por Kate Winslet (direção de arte de
Brigi e Broch). Por outro lado, se desejarmos enfa zar a superficialidade da sociedade atual, a hipocrisia e as distorções de
valores, podemos optar por um visual composto por cores contrastadas e saturadas aliadas a locações geometricamente bizarras
como o brilhante trabalho mostrado em “Edward, Mãos de Tesoura” , dirigido por Tim Burton, protagonizado por Johnny Depp e
com Direção de Arte de Bo Welch. Sei que os dois filmes mencionados possuem roteiros radicalmente diferentes, ainda assim,
escolhi extremos opostos apenas para ilustrar como uma circunstância urbana pode ser composta de mil maneiras variadas,
dando ênfase a determinadas caracterís cas e valores que podem alterar completamente a percepção dramá ca da audiência.
Após compreender o que está na “mente” do Diretor, é momento para que o Diretor de Arte inicie sua pesquisa factual, nossa
segunda etapa. Em linhas gerais, o que isso significa é bastante simples embora o processo de realização possa ser demorado.
Preservando ainda o filme “O Leitor” como exemplo, antes de começar a criar, compor e fazer escolhas coerentes com a
linguagem proposta, é mister que o Diretor de Arte conheca profundamente toda a realidade retratada e descrita no roteiro. A
história de “O Leitor” acontece num determinado país, em um momento específico da História e com personagens de extrações
sócio-culturais e polí co-economicas também bastante específicas. O Diretor de Arte precisa então coletar referências de
costumes, roupas, objetos, locações, decoração, ícones culturais, moda, penteado, culinária, utensílios, adereços, enfim, tudo que
seja “factualmente” per nente ao universo retratado na Obra. É importante frisar que nessa segunda etapa não deve haver
criação, somente pesquisa e observação detalhista! O Diretor de Arte transforma-se literalmente em um “expert” naquilo que
toca as circunstâncias propostas pelo roteiro.
Finalmente chegamos à terceira etapa, quando o Diretor de Arte de fato começa a criar e compor. Aqui, o que deve ser feito é um
“amalgama”, uma mistura entre a pesquisa factual e a linguagem proposta pelo Diretor. Ao combinar elementos e referências
conceituais como paletas de cores, pinturas, fotografias e tendências artís cas com fatos concretos surgidos durante a pesquisa,
começa a surgir uma realidade nova, uma criação ar s ca original: o Projeto de Arte! Para ilustrar melhor essa terceira etapa –
vamos supor que o Diretor Cinematográfico proponha ao Diretor de Arte um filme cuja linguagem deve ser fria, sombria, distante
e sem vida e que se passa no sul da Itália dos anos 40. No entanto, ao realizar a pesquisa, o Diretor de Arte percebe que
tradicionalmente as cores, lugares e figurinos da Sicília eram tons quentes, vivos e saturados, ou seja, o extremo oposto daquilo
que o Diretor deseja imprimir em sua fita. Bom, como resolver a questão? Aí entra a Arte e a criação! O Diretor de Arte deve ser
capaz de unir a linguagem à pesquisa, criando uma realidade artís ca que faça a ponte entre o factual e o fictício. Deve u lizar os
elementos descobertos em sua pesquisa e testar misturá-los às referências fornecidas pelo Diretor do filme, o que deve resultar
em várias possibilidades de locações e figurinos. Cada vez que o Diretor de Arte chegar a um resultado que julgue coerente e
sa sfatório, esse resultado deve ser mostrado para o Diretor. Juntos, ambos devem fazer ajustes e refinar as propostas até que se
chegue ao Projeto de Arte oficial. Quanto à formatação e apresentação desse projeto, reitero o que foi dito no início do ar go, não
existe um padrão oficial, o essencial é que o projeto seja claro e reflita em detalhes toda a realidade visual e esté ca do filme. Já vi
e trabalhei diversas vezes com projetos de arte bastante simples, elaborados em um editor de texto comum como o Word. Nesse
caso, o Diretor de Arte explicava e detalhava em pormenores todos os elementos que deveriam estar presentes em cada locação
e figurino e, sempre que possível, inseria imagens e fotos como referência. Também já vi e trabalhei com projetos mais refinados,
onde além da descrição textual havia um verdadeiro compêndio imagé co com desenhos, projeções e fotos reais ilustrando
lugares, cenários e figurinos. Em grandes produções hollywoodianas ou mesmo produções européias e brasileiras de grande
orçamento, é comum o Projeto de Arte ser “engordado” com maquetes de locações par culares, projeções digitais em 3D,
bonequinhos em miniatura com testes de figurino, próteses de latex com testes de maquiagem e efeitos e daí por diante.
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Evidentemente, essa é a melhor forma de compor um Projeto de Arte, já que assim pode-se literalmente ver tudo que estará a
posteriori no filme! No entanto, dinheiro para realizar esses projetos pomposos e detalhistas nem sempre é fácil de conseguir!
Dessa forma, apele para os projetos mais simples mas nem por isso menos caprichosos e detalhados. O essencial é que o
conteúdo seja claro, organizado, e, principalmente de acordo com a soma da pesquisa realizada pela equipe de arte com a
proposta artís ca (ou linguagem) elaborada pelo diretor cinematográfico. Dentro de cada subdivisão que compõe o projeto, o
diretor de arte poderia especificar, organizar e ilustrar todos elementos importantes para a execução de sua proposta.
Exemplificando: supondo que seu roteiro envolva uma locação denominada “Escritório de Luciana”. Este escritório precisa estar
devidamente detalhado e explicado em seu projeto. O Diretor de Arte deve u lizar o nome da locação (exatamente da mesma
forma como aparece o roteiro, para evitar confusões com a equipe de produção) como cabeçalho. Em seguida, poder-se-ia incluir
um ou dois parágrafos conceituais explicando os elementos artís cos de linguagem apontados como essenciais pelo Diretor do
Filme. Na sequência, poderiam ser incluídos mais um ou dois parágrafos explicando e resumindo os dados ob dos pelo Diretor de
Arte através de sua pesquisa (e, evidentemente, esses parágrafos poderão ser ilustrados sempre que necessário). Finalmente,
realizando a síntese entre os parágrafos acima, o Diretor de Arte pode então apresentar aquilo que deve ser a proposta final para o
“Escritório de Luciana”, e essa proposta deve conter não somente uma explicação verbal mas também o máximo possível de
referências visuais e imagé cas, sejam elas desenhos ou fotos. Se possível, uma maquete seria ideal (embora exija um orçamento
de Arte um pouco engordado) ou, na impossibilidade, uma projeção digital em 3D. Finalizando, é imprescindível que haja uma lista
técnica DETALHADA de tudo que compõe a locação: dimensões, cores, objetos, móveis etc... Agora vamos começar a abordar
outro aspecto do projeto de arte: a Quebra Logís ca. Até este ponto, inserimos unicamente dados referentes à pesquisa e à
criação ar s ca, mas nem só de pesquisa e criação se faz um filme, correto? Um Projeto de Arte completo e seguro deve também
conter informações logís cas essencias que auxiliem toda a equipe de produção. Em conjunto com parte designada da equipe de
arte/produção (reiterando que pouco mais adiante abordaremos a composição básica da equipe de arte), o Diretor de Arte deve
acrescentar a cada item de seu projeto todas as informações prá cas relacionadas às necessidades e ao calendário de gravação
do filme! Ou seja, após detalhar toda a composição da locação “Escritório de Luciana”, deve-se acrescentar:
1. um cronograma com as datas de gravações nessa mesma locação, bem como
2. o número exato de cenas a serem gravadas ali. É ainda bastante apropriado apontar também
3. um ou mais números de telefones dos “responsáveis” por aquela locação (mesmo com a sempre crescente u lização de
e-mails e mecanismos virtuais de comunicação, jamais abra mão de uma forma simples e direta de comunicação, essa
dica é valiosa!), bem como
4. endereço, mapa (sim, mapas! Para o caso da equipe se deslocar separadamente para o local) e...
5. lista de eventuais pendências (por exemplo, suponha que um determinado sofá ainda não tenha sido localizado ou ob do
pela equipe de Arte, insira esse dado em seu projeto junto ao nome do responsável por tal tarefa até que o sofá esteja
devidamente disponível).
Desta feita, começamos a perceber que um Projeto de Arte bem realizado acaba contendo muito mais do que somente
informações ar s cas. Ele também contém todos os dados necessários para que a equipe “u lize” de fato tudo aquilo que está no
papel. Mais uma vez, vale frisar que listar todas essas informações NÃO é função/responsabilidade exclusiva do Diretor de Arte,
mas sim dos membros da equipe que trabalham sob sua supervisão. No entanto, numa equipe enxuta e com orçamento reduzido,
o Diretor de Arte pode precisar “atacar” de “Produtor de Arte” também, certo?
Vamos agora abordar o item PERSONAGENS E FIGURINOS: assim como no item “locações”, aqui também há necessidade de
realizar uma Quebra Logís ca do projeto de arte, porém, como é bastante comum que personagens u lizem mais de um figurino
por filme, a organização de dados logís cos pode ser um tanto mais complexa! Con nuando com nosso exemplo, vamos supor
que o Diretor de Arte esteja inserindo em seu projeto tudo sobre a personagem “AMANDA”. Suponhamos também que o Diretor
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DIREÇÃO DE ARTE
de Arte tenha verificado que “Amanda” precisará de seis figurinos diferentes ao longo do roteiro. Inicialmente, o projeto pode
seguir o mesmo padrão do projeto de locações, ou seja: em poucos parágrafos, pode-se explicar primeiramente tudo que o
Diretor do filme concebeu para essa personagem quando da elaboração de sua proposta artís ca ou linguagem. Em seguida, o
Diretor de Arte pode listar tudo que foi descoberto em sua etapa de pesquisa. Num terceiro momento, o “visual” da personagem
(resultado das expecta vas do diretor combinadas às pesquisas da equipe de arte) deve ser explicado e detalhadamente ilustrado
(é comum Diretores de Arte inserirem paletas de cores que representem o universo imagé co atrelado a cada personagem). O
complexo, no caso das personagens, é que essa terceira etapa deve ser realizada cuidadosamente para CADA um dos figurinos!
No caso de nosso exemplo, seis figurinos! E, evidentemente, a “quebra logís ca”, ou seja, a compilação de dados prá cos,
também transforma-se em algo mais extenso. Para facilitar o trabalho da equipe, segue aqui uma lista suges va de organização:
1. um número deve ser atribuído a cada figurino;
2. Em seguida, após detalhar e ilustrar em pormenores o que cons tui cada figurino, é necessário também listar TODAS as
cenas do filme em que esse figurino será u lizado bem como;
3. associar ao cronograma de gravação, ou seja, QUANDO esses figurinos serão necessários.
4. Caso o mesmo figurino seja u lizado em mais de uma cena, é importante marcar no Projeto de Arte se na cena “Y”, por
exemplo, o figurino deve parecer mais sujo ou amassado do que na cena “X”. Da mesma forma, se um determinado
figurino corre o risco de se danificar (suponha uma cena onde a personagem derruba café em sua roupa, por exemplo), é
bom que esse dado também esteja apontado no projeto para que haja mais exemplares idên cos do mesmo figurino (ou
você pretende congelar a produção, lavar, secar e passar a roupa entre cada tomada?).
5. Assim como nas Locações, é importante também anotar eventuais pendências nos projetos de figurinos (imagine que
determinada calça ou camiseta ainda não esteja disponível ou tenha sido enviada à uma costureira para ajuste, anote
endereço, telefone e contato da pessoa responsável e/ou em posse da peça de figurino).
Caso todos os figurinos já estejam disponíveis para a equipe durante a préprodução (o que é ideal!), o procedimento mais
seguro é separá-los individualmente por números e e quetá-los de acordo com as cenas ou datas em que serão
u lizados. Alguns atores podem solicitar os figurinos com antecedência para experimentá-los e/ou se habituar a trajes
específicos. Nesse caso, insira nas “pendências” específicas que o ator “X” está em posse do figurino “Y” e se compromete
a trazê-lo no dia “D” (evidentemente com autorização do Diretor de Produção para tal procedimento). Lembre-se: todo
cuidado é pouco! Imagine fazer todo esse processo com cada figurino e para cada personagem! E lembrem-se que na
sessão de “Personagens” o Diretor de Arte deve ainda inserir dados sobre caracterizações específicas tais como
penteados, maquiagens, tatuagens etc... Seguindo a mesma logica dos figurinos, isso deve estar listado e detalhado cena
a cena com todoas as marcações logís cas per nentes. É um trabalho bastante detalhista e complexo, daí a incrível
responsabilidade e peso do Diretor de Arte!
Finalmente chegamos à terceira unidade do projeto: os Objetos/Adereços. Acredito que a essa altura o leitor já deve imaginar
como proceder, pois tudo segue o mesmo princípio da exposição ar s ca seguida pela organização logís ca. Os objetos devem
ser devidamente apresentados e ilustrados (tais como locações e personagens, guardando-se as devidas proporções) e
posteriormente listados e organizados por cena e calendário junto à informações prá cas como local de armazenamento, nome e
contato do responsável e daí por diante. Assim como acontece com os figurinos, o ideal seria organizar todos os objetos de um
filme ainda na etapa de Pré-produção, assim seria possível separá-los e armazená-los em caixas ou outro po de contâineres
e quetados de acordo com cenas e datas de u lização.
Haja trabalho! No longa-metragem “Alguém Qualquer” realizado por mim entre 2011 e 2012, o Projeto de Arte (idealizado pela
Diretora de Arte e Atriz Amanda Maya) resultou em dois livros enormes! Além disso, havia uma grande sala/estúdio no prédio da
Escola de Cinema inteiramente dedicado à equipe de Arte, assim cada figurino e cada objeto ficava devidamente organizado e
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Capítulo
DIREÇÃO DE ARTE
armazendo de acordo com as cenas do filme e datas de u lização. Tudo isso coordenado por uma equipe de arte composta por
cinco pessoas – o que me leva ao úl mo assunto desse capítulo:
3) QUAL A EQUIPE BÁSICA / ESSENCIAL PARA O DEPARTAMENTO DE ARTE DE UM FILME?
É importan ssimo frisar que essa equipe deve variar muito de acordo com o tamanho e escopo do projeto, ainda assim, vamos
falar pelo menos das funções mais básicas e essenciais: Diretor(a) de Arte ou Produc on Designer: Como já explicamos e
detalhamos anteriormente, esse é o profissional responsável por criar visualmente tudo que está na cabeça do Diretor do filme,
aliando a linguagem proposta à pesquisa e finalmente chegando ao projeto de arte. Para realizar toda a complexa etapa de
“Quebra Logís ca” do projeto (os procedimentos prá cos listados acima), o Diretor de Arte precisará contar com a ajuda dos
“PRODUTORES DE ARTE”, os “braços e pernas” do Diretor de Arte que, se por um lado não precisarão realizar toda a pesquisa e
etapa de criação, por outro lado servirão como “motores” para a materialização e organização do Projeto de Arte. Bastante obvio
de supor, a equipe de arte também deverá trabalhar em bastante proximidade com os Produtores de Locação (para todas as
informações logís cas que diga respeito aos cenários e locações, bem como para a liberação e autorização de uso dos locais!) e
com os Produtores de Objetos, que serão sica e materialmente responsáveis pela obtenção, localização e guarda dos objetos de
cena e adereços necessários ao filme. Além desses profissionais, outros com títulos e funções bastante auto-explica vas podem
ser necessários para a realização do filme: maquiadores, cabeleireiros, cenógrafos, pintores, carpinteiros e por aí a fora. Num
projeto de baixo orçamento, no entanto, é bastante comum que o próprio Diretor de Arte e os Produtores de Arte sejam também
os responsáveis por todas essa outras funções.
Muito bem, seja uma grande produção ou um filme independente, agora você já sabe com elaborar um projeto de arte, como
organizá-lo e rá-lo do papel! Lembre-se: orçamento baixo JAMAIS deve significar Projeto de Arte desleixado! Por mais simples e
limitado que seja, um Projeto de Arte bem feito e bem acabado é essencial para o bom resultado final de seu filme, além de
transmi r segurança a toda equipe.
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PROTOCOLO DE GRAVAÇÃO
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PROTOCOLO DE
GRAVAÇÃO
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Capítulo
PROTOCOLO DE GRAVAÇÃO
Por incrível que possa parecer, muitas vezes já testemunhei um Diretor gritando “Ação” antes que a Câmera es vesse
gravando, assim como também já testemunhei editores sofrendo por encontrar desencontros enormes entre o arquivo de
video e as referências anotadas nas planilhas do Logger ou Assistente de Direção! Tudo isso resulta em atraso e confusão na
realização de nossa Arte, atrasos e confusões que podem ser facilmente evitados ao adotar-se um “Protocolo” padrão de
gravação! Embora aos olhos de um principiante o Protocolo possa parecer uma formalidade desnecessária, acreditem: tal
procedimento é essencial para a boa organização de seu material. Importante: através das décadas tal protocolo já modificouse e adaptou-se dezenas de vezes, portanto, descrevo aqui aquele que parece ser o mais prá co e contemporâneo:
ETAPAS PARA GRAVAR UMA CENA/TAKE
1) A.D. : “Todos na posição 1, vamos para o Lock Up”
Assistente De Direção avisa todos, de modo que todos escutem porém sem atrapalhar a concentração dos atores, que as posições finais para
gravação devem ser assumidas (início da cena). Após isso o A.D. aguarda e verifica até que todos assumam suas posições e confirmem
pron dão. Após as confirmações, procede para…
2) A.D. : “Atenção todos, vamos gravar um take. Silêncio no Set. SOM/ÁUDIO…”
3) Microfonista ou técnico de som Direto confirma: “SOM/Áudio Gravando.” (Speed)
4) A.D. chama: “Câmera”
5) Operador de Câmera confirma: “Câmera Gravando” (Speed)
6) A.D. chama: “Claquete” (para o segundo Assistente de Câmera)
Após esse chamado, caso já não esteja devidamente posicionado em quadro, o Segundo A.C. é orientado pelo Operador de Câmera para que
a claquete INTEIRA esteja devidamente enquadrada e focada. Ao receber confirmação, o Segundo A.C. anuncia:
7) Segundo A.C. anuncia: “Nome do Filme, Cena, Take, Claquete”
Após chamar a “Claquete”, o Segundo A.C. “bate a claquete” . OBS.: Atenção para cenas que exijam interpretações dramá cas ou complexas
- comunicar o departamento de som para claquete em volume baixo.
8) Diretor: após a claquete e saída do Segundo A.C. de quadro, SE NECESSÁRIO, o diretor pede/chama “Todos estabelecidos” para garan r
que foco esteja reajustado e equipe em silêncio completo.
9) A.D. ou Diretor: “Ação no Background” (para o caso de extras/figurantes numa cena)
10) Diretor ou A.D.: “Ação”
11) Diretor (ou outro profissional qualificado) : “Corta”
Após verificar se o take foi válido, o A.D. avisa a equipe se:
12) A.D. : “Todos de volta à posição 1, vamos fazer outro take.” ou “Con nuando para…”
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PROTOCOLO DE GRAVAÇÃO
LOGÍSTICA E DINÂMICA DE GRAVAÇÃO NO SET: Master Shots, Reac on
Shots e Inserts.
Além de realizar esse protocolo por razões de segurança e organização, existe também uma dinâmica padrão que visa minimizar
os problemas de con nuidade, garan r a cobertura de material adequado para editar e montar as cenas e também auxiliar a
performance dos atores: ao gravar seus takes, procure sempre realizar a cena do INÍCIO ao FIM ao invés de fragmentá-la! A
fragmentação dificulta muito a performance dos atores e provoca dores de cabeça intermináveis no departamento de
con nuidade! A princípio, pode parecer que isso irá aumentar o tempo de gravação, mas de fato isso auxilia bastante e economiza
tempo e problemas! Além disso, é importante garan r que, dentre os planos gravados, haja sempre um “Master Shot” ou Plano
Geral da cena, em que a câmera enquadre absolutamente tudo que acontece sem privilegiar ou focar exclusivamente em apenas
uma das personagens. Esse é um plano de segurança que pode vir muito a calhar no momento da edição! Além do Master Shot, é
importante ter “Planos Individuais” ou “Reac on Shots” de todas as personagens, mesmo no momento em que elas não possuem
falas ou ações. Lembre-se que muitas das coisas mais interessantes que podem surgir numa performance acontecem justamente
quando uma personagem está reagindo à outra, ou seja, precisamente no momento em que ela não está falando! Logo, não
registre seus atores somente nos momentos em que eles falam seus diálogos! Frisando a dica inicial, ao compor o plano de uma
personagem determinada de acordo com a decupagem e shotlist, grave a cena do INICIO ao FIM. Finalmente, lembre-se de inserir
em seu planejamento de cenas “Planos Detalhes” ou “inserts”. O Plano Detalhe é um dos elementos dramá cos que mais
diferencia o cinema da televisão e do teatro, e, portanto, deve ser valorizado! Evidentemente, a realização dos Planos Detalhes é a
única que foge à regra de gravar a cena por inteiro, portanto, exige bastante atenção dos con nuístas. Observar essa dinâmica de
gravação deve garan r que você tenha material suficiente e adequado para montar e editar suas cenas com segurança!
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CAPTAÇÃO DE SOM
DIRETO PARA CINEMA
INDEPENDENTE
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Capítulo
CAPTAÇÃO DE SOM DIRETO PARA CINEMA INDEPENDENTE
Antes de abordar técnicas contemporâneas de captação de som, vamos compreender certos elementos básicos
essenciais:
1) O que significa Som Direto ou ADR? “Som Direto” é o nome que damos ao áudio gravado no próprio SET através dos
microfonistas ou operadores de “boom”, enquanto ADR é a sigla para “Addi onal Dialogue Recording” ou “Addi onal Dialogue
Replacement” e é o nome empregado para o áudio “dublado”, ou seja, os diálogos que são regravados em estúdio. Para se obter
um som cristalino e completamente profissional em seu filme, não tenha dúvidas de que grande parte dos diálogos (se não todos!)
deverão ser regravados e dublados em um ambiente controlado. Para os iniciantes, muitas vezes essa informação parece
chocante, mas acalme-se: a maioria dos filmes que você assiste por aí possui o som inteiramente refeito – o que significa diálogos
regravados através de dublagem. Isso ocorre porque no SET de gravação é comum enfrentar problemas que danificam a
qualidade do som captado (interferências externas, som de carros, buzinas, vento etc.), dessa forma, o “Som Direto” serve apenas
como referência para a montagem e edição da cena, quando então os arquivos serão enviados para o engenheiro de som que
deverá coordenar com os atores o processo de dublagem ou ADR. Já vi muitos diretores (especialmente no Brasil onde a prá ca
de ADR não é muito comum – o que resulta em filmes com qualidade de som duvidosa) torcerem o nariz para o processo de
dublagem, alegando que os atores não conseguiriam reproduzir suas falas exatamente da forma que o fizeram no SET de
gravação. Ora, isso faz parte do trabalho e das responsabilidades profissionais do ator bem treinado: uma vez que ele assista a
cena editada com o áudio provisório de referência, o ator deverá ser capaz de reproduzir tecnicamente todas as escolhas feitas
durante a gravação. O consagrado ator “Marlon Brando” era famoso por gostar par cularmente das sessões de dublagem, já que
era sua chance e oportunidade de melhorar ainda mais certas escolhas vocais para suas personagens! Mas abordaremos mais a
questão da dublagem ou ADR quando entrarmos na etapa de Pós-produção. Por enquanto, vamos depositar nosso foco no SET
de gravação e na captação do Som Direto: nem todos os filmes (ou todas as cenas) exigem dublagem. Pode ser possível obter Som
Direto de grande qualidade durante uma produção (especialmente se as cenas forem gravadas em ambientes silenciosos ou
controlados como estúdios), o que descartaria o processo de ADR. Além disso, é também comum que cineastas independentes
possuam pouco tempo e dinheiro para as longas e intrincadas sessões de dublagem, o que os forçará a u lizar o Som Direto na
edição final de seus projetos. Nesse caso, todo cuidado é pouco e a gravação de áudio no SET deve ser minuciosamente planejada
e realizada com rigor para garan r a melhor qualidade possível.
2) Tradicionalmente, para o cinema registrado em película, todo o áudio é captado em gravadores externos e posteriormente
sincronizado durante a montagem/edição. Isso ocorre pois u lizando-se bons gravadores externos é possível u lizar mais canais
(ou seja, mais microfones espalhados pelo SET), bem como realizar ajustes de volume e equalização que geralmente as câmeras
não permitem. Evidentemente, também é possível registrar o som na própria câmera (determinados pos de filme/película
possibilitam a gravação de áudio, assim como nas câmeras de vídeo), mas, conforme já citado anteriormente, os controles e
ajustes de áudio da câmera sempre serão inferiores aos controles disponíveis em gravadores externos criados especificamente
para esta tarefa. Além disso, ao conectar mais cabos e unir os microfonistas aos operadores de câmera, toda a movimentação no
SET pode ficar menos livre e mais arriscada, correto? Finalmente, após o processo de captação de som de maneira independente,
os arquivos de áudio são transferidos para a “ilha de edição” e sincronizados com os arquivos de vídeo. Para realizar o processo de
sincronização, dois elementos são fundamentais: as planilhas do “Logger” ou do “Assistente de Direção”, onde será possível
verificar quais são os arquivos de áudio e imagem correspondentes (conforme já vimos anteriormente nas sessões dedicadas aos
AD´s e Loggers), e a imagem e som da claquete, que servirá como referência fácil para sincronia (o movimento da claquete e o som
produzido pela “claquetada” são fortes e claros, assim, basta localizar na imagem – seja película ou vídeo – o momento preciso da
“ba da” da claquete e “arrastar” a onda sonora correspondente no arquivo de áudio para o mesmo lugar e voila! – a cena estará
sincronizada!). Ainda no quesito sincronia, hoje em dia existem so wares e plug-ins que realizam a sincronia automa camente,
no entanto, por segurança, não descarte a claquete!
Após esclarecer esses dois conceitos básicos, o cineasta independente deverá fazer uma escolha importante: o “Som Direto”
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Capítulo
CAPTAÇÃO DE SOM DIRETO PARA CINEMA INDEPENDENTE
será registrado na própria câmera ou através de gravadores externos? Assim como no Cinema tradicional registrado em película,
no Cinema Digital as duas opções são possíveis, porém apresentam vantagens e desvantagens: registrar o áudio diretamente na
câmera será mais simples, prá co e barato, além do fato de que vídeo e som já estarão sincronizados. Por outro lado, as câmeras
possuem recursos bastante limitados de controle de áudio e os cabos de conexão entre câmera e microfone podem representar
um grande entrave de movimentação em seu SET! Portanto, se for possível, opte pela gravação externa independente. Hoje em
dia é possível encontrar gravadores portáteis e robustos a preços acessíveis (em seguida você verá as especificações técnicas
mínimas necessárias para um bom gravador). Finalmente, há uma terceira opção de gravação externa e independente de Som
Direto: o áudio pode ser registrado diretamente num Laptop, para tanto, basta obter uma placa externa de áudio (que possibilite
conectar microfones profissionais à seu computador) e instalar um so ware de gravação como ProTools, Adobe Audi on,
SoundBooth, Cubase ou outro equivalente de sua preferência.
IMPORTANTE: Caso você opte por gravar o Som Direto separadamente (o que provavelmente seria mais indicado), lembre-se
de registrar ou “logar” CADA arquivo de áudio gravado com o nome ou número do arquivo e sua correspondência em arquivo de
vídeo! Assim, ao capturar ou “descarregar” seus arquivos de vídeo e áudio em seu computador, basta consultar sua planilha para
verificar qual arquivo de som corresponde a cada arquivo de vídeo. Todo cuidado é pouco! Falhas ao anotar essas
correspondências e equivalências podem representar dores de cabeça e atrasos enormes durante a edição! Por outro lado, caso
você opte por gravar o som diretamente em sua câmera, verifique antes que ela possua “entradas” para canais de áudio com
plugues XLR ou ainda, no jargão popular, entrada “canon”. Explicando: todo cabo de áudio possui plugues de conexão, certo? Há
uma grande variedade de plugues no mercado, sendo os mais comuns os chamados P10 ou “banana” (encontrados, por exemplo,
em cabos de guitarra), os P2, P1 ou “mini” (encontrados nos cabos de headphones, por exemplo) e finalmente os plugues XLR ou
“canon” (encontrados em cabos de microfones profissionais, esses plugues são caracterís cos por possuírem três “pininhos” de
um lado e três “buraquinhos” do outro”). Indiscu velmente, as conexões XLR são superiores por diversas razões e a transmissão
dos sinais de áudio é mais confiável, robusta e balanceada (a título de curiosidade, a sigla XLR representa os canais “direito” ou R –
right, esquerdo ou L-le , e o “Terra” ou X). Portanto, fica aqui a dica: se a sua câmera NÃO possui entradas de áudio XLR, NÃO
grave o som de seu filme diretamente na câmera! Invista um pouquinho e compre um gravador externo com entradas XLR, pois o
resultado será certamente incomparável. Caso sua câmera possua entradas para microfone u lizando conexões P2 ou “Mini” (o
que é bastante comum nas populares câmeras DSLR), não adianta comprar um adaptador P2 - XLR! Não gaste seu dinheiro à toa,
afinal de contas, o áudio será eventualmente transmi do à câmera através do sinal das entradas P2. No lugar de um adaptador,
compre um gravador externo.
Finalmente, independente de gravar o Som Direto na câmera ou em um gravador externo (cujas especificações técnicas serão
abordadas a seguir), vai aqui uma lista essencial que deve ser rigorosamente observada para garan r a melhor qualidade possível
na captação do som em seu projeto:
· U lize um bom microfone! Lembre-se, o barato sai caro. Jamais procure economizar ao comprar um
microfone, isso será um inves mento necessário e duradouro. Descarte também os microfones que já vem
com as câmeras. Embora alguns possam ser razoáveis, jamais podem ser comparados à microfones
profissionais específicos comprados separadamente.
Dê preferência à microfones direcionais
condensadores (também conhecidos como “shotgun”). Algumas marcas conhecidas e confiáveis incluem
Sennheiser, AKG, Rode, Shure, Audio Technica e Superlux. Não são microfones baratos (os preços geralmente
começam ao redor de algumas centenas de dólares), mas valem cada centavo. Garanta que a conexão do
microfone é XLR e verifique se ele precisa de alimentação de energia. Caso energia seja necessária (o que
acontecerá na maioria dos casos), garanta que sua câmera ou gravador externo possua o recurso de “enviar”
energia para o microfone (recurso geralmente conhecido como “Phantom Power”).
· Compre bons cabos e bons Headphones para monitoração. Lembre-se que o sinal de áudio será transmi do
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CAPTAÇÃO DE SOM DIRETO PARA CINEMA INDEPENDENTE
através dos cabos, portanto não faz sen do comprar microfones maravilhosos e cabos ruins! Além disso,
cabos quebram com facilidade, portanto, aproveite que aqui o inves mento não será tão salgado e compre
cabos de reserva (sugiro também que você sempre tenha em mão ferramentas adequadas para reparar cabos
no SET de gravação!).
· Compre uma “vara de boom” leve e comprida. A vara de boom é literalmente a “vara” em cuja extremidade
você deverá encaixar seu microfone. É essencial que ela seja comprida assim o microfonista pode ficar fora do
plano enquadrado pela câmera e ainda assim aproximar bastante o microfone dos atores. É ainda essencial
que ela seja feita de material muito leve (cabos de vassoura estão portanto descartados) já que o microfonista
provavelmente ficará segurando essa vara em posições nem sempre agradáveis por horas e horas!
· Garanta que o microfone esteja o mais próximo possível dos atores (sem invadir o “quadro”) e aponte sempre
o microfone diretamente para a boca dos atores! Pode parecer uma informação óbvia, mas ao longo das horas
de gravação é possível que o microfonista se distraia e deixe de apontar o microfone para a direção ideal. Em
situações de diálogos, o microfonista deve pra car movimentar a vara de boom sem produzir ruídos de modo
a acompanhar sempre o ator que es ver falando. Dependendo da movimentação da cena e das personagens,
isso pode exigir bastante prá ca e até mesmo ensaios!
· Caso seja necessário (especialmente em caso de gravações externas), adquira acessórios para reduzir o
impacto e o som do vento em sua gravação. É fácil encontrar “protetores” de microfones também conhecidos
como “zeppelin”, “windshield”, windscreen ou “Wind muffs”. Geralmente são capas leves (algumas com feltro
sinté co) que envolvem o microfone e podem auxiliar bastante em caso de vento!
· Garanta que todos os membros da equipe estão com seus celulares desligados e, se necessário, peça para que
todos (exceto os atores, obviamente) removam seus sapatos e u lizem meias para andar pelo SET. Isso
minimiza bastante os ruídos e chiados indesejados. Verifique também objetos de cena como cadeiras de palha
ou outros móveis que possam fazer muito barulho. Se possível, livre-se deles ou os subs tua! Lembre-se de
fazer essa verificação ANTES do dia da gravação.
· Realize testes de gravação de áudio nos cenários e locações escolhidas, assim você saberá de antemão se há
problemas específicos de barulho que precisam ser abordados (som de geladeira, interferência de rádio etc.).
· Sempre grave pelo menos um minuto de SOM AMBIENTE em cada locação u lizada (som ambiente consiste
no som natural de cada lugar, sem que ninguém esteja falando ou produzindo barulho). O som ambiente pode
ser necessário no momento de montar/editar o filme e preencher lacunas (por exemplo, ao apagar o som de
uma buzina ao fundo, você precisará “enxertar” o buraco de som com um “pedaço” de som ambiente daquela
locação).
· Caso você precise comprar um gravador externo de áudio, dê preferência à um gravador que possua entradas
XLR, recurso de Phantom Power para alimentar microfones e capacidade de gravação em 24bits/96kHz (as
mesmas preferências podem ser verificadas numa placa de áudio caso você prefira gravar o som diretamente
em seu laptop).
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A SEGUNDA
UNIDADE
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A SEGUNDA UNIDADE
Após explorar detalhadamente todas as funções e responsabilidades essenciais de uma equipe de cinema bem como os passos
que cada profissional deve percorrer para garan r que seu filme seja realizado, é chegado o momento de explorarmos uma
espécie de “equipe paralela” comumente empregada na realização de grandes projetos: a equipe de “Segunda Unidade”.
Tradicionalmente, uma equipe de Segunda Unidade possui duas funções principais:
* Gravar material adicional que não exija a presença do elenco – há uma enorme diversidade de “cenas” que podem ser inseridas num
filme e que não precisam contar necessariamente com os atores principais. Por exemplo: planos de ambientação ou paisagem (basta
lembrar dos momentos tão comuns nos filmes em que somente imagens de uma determinada cidade aparece, ou ainda, imagens de um
campo, estrada ou área rural que visam unicamente “ambientar” a audiência com relação ao lugar onde a história acontece, sem que haja
personagens presentes ou ações específicas. Os famosos e populares “planos” ou “filmagens” aéreas também podem se enquadrar
facilmente nessa categoria), “inserts” (detalhes que devem aparecer nos filmes para garan r que a história faça sen do e fique coesa ou
“amarrada”. Por exemplo, suponha que um “serial killer” dirija sempre um carro preto com a placa “KILL999”, pode ser necessário gravar
várias tomadas somente da placa do carro arrancando ou estacionando para u lização na edição do filme. Evidentemente, não é
necessário que o elenco esteja presente para essas gravações), e qualquer outro po de sequência que não exija a presença sica dos
atores. Delegar uma equipe exclusiva para cobrir e gravar esse po de material pode economizar bastante tempo e dinheiro, já que o
Diretor pode estar com seu elenco e toda sua equipe de primeira unidade gravando as cenas com as personagens ao mesmo tempo em
que outra equipe grava todo o material adicional.
* Filmes com sequências par cularmente perigosas ou arriscadas também exigem os esforços dessa equipe exclusiva: perseguições de
carros ou motos, roteios, lutas ou brigas físicas extenuantes, explosões etc. na maioria das vezes não precisam e nem devem ser
gravadas com o elenco principal, a fim de zelar pela segurança de todos. Manusear armamentos (ainda que especialmente preparados
para cinema), preparar explosivos ou automóveis em rota de colisão são habilidades delicadas que exigem conhecimento específico e
atenção de profissionais que se dediquem exclusivamente ao planejamento e execução de tais sequências. Equipes de dublês, “armeiros”
(ou responsáveis tá cos, oficiais e legais por armas de fogo), peritos em explosões e pilotos especializados também integram a equipe de
Segunda Unidade e somente eles podem garan r que sequências arriscadas resultem em gravações de êxito, aliando segurança ao visual
desejado pelo Diretor. Vale ressaltar aos cineastas independentes que, além de arriscado e perigoso, a manipulação de explosivos ou
armas de fogo (bem como réplicas ou simulacros) por parte de civis é ilegal! Ao planejar ou gravar cenas que envolvam tais ar fícios, não
pensem duas vezes antes de entrar em contato com profissionais da área. Mesmo sequências aparentemente inofensivas u lizando
armas brancas (como facas ou espadas), bastões ou combate corpo a corpo podem resultar em lesões ou problemas desnecessários.
Existe uma técnica específica bastante popular nos Estados Unidos e Europa chamada “STAGE COMBAT” ou “SCREEN COMBAT”
(combate para palco ou tela), que consiste especialmente em criar situações de violência com aparência extremamente real SEM no
entanto colocar os atores ou dublês em risco. Há mitos bastante difundidos na indústria audiovisual brasileira de que tapas, socos e
chutes em cinema ou teatro devem ser reais. Há também o mito de que é possível gravar cenas de luta ou briga com movimentos lentos e
depois acelerá-los no processo de edição. Atenção cineastas: são apenas mitos! Os atores são contratados e convidados para atuar, e
violência física não faz parte da arte da interpretação! Por outro lado, tentar gravar golpes lentamente para acelerá-los depois também
não funciona. A imagem fica falsa e a qualidade dos movimentos fica irreal e mecânica. Isso explica, em parte, por que as cenas de ação da
televisão e do cinema nacional (com algumas exceções, é claro!) ainda deixam tanto a desejar para as sequências de ação dos seriados
televisivos ou filmes estrangeiros. Para aqueles que se interessam em dominar o assunto, as técnicas de “Stage Combat” ou “Screen
Combat” bem como treinamento tá co com armas de fogo e armas brancas para u lização em cinema ou teatro são matérias e disciplinas
regulares abordadas nos cursos do Ins tuto Stanislavsky no La n American Film Ins tute (LAFilm).
Como o leitor já deve ter percebido é também essencial que todo o material produzido e gravado pela equipe de Segunda Unidade
esteja em harmonia artís ca com o material gravado pela equipe de Primeira Unidade. Sendo assim, uma equipe completa de
Segunda Unidade também deve contar com um Diretor, Diretor de Fotografia, Assistentes de Direção e por aí a fora. Além disso, é
fundamental que os Diretores e fotógrafos das duas unidades estejam em constante comunicação para que o material siga a
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Do Roteiro ao Lançamento - Por Tristan Aronovich
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A SEGUNDA UNIDADE
mesma proposta de linguagem artís ca e possa ser facilmente integrado no processo de montagem e edição. Logo, em grandes
produções, é bastante comum verificar que a equipe de Segunda Unidade é tão extensa quanto a equipe de Primeira Unidade. O
tamanho e as responsabilidades dessa equipe, porém, serão determinadas pelo escopo par cular de cada projeto
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A PÓS -PRODUÇÃO
MONTANDO EDITANDO
SEU FILME
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A PÓS -PRODUÇÃO - MONTANDO EDITANDO SEU FILME
Chegamos à uma das etapas mais demoradas e tecnicamente complexas da realização cinematográfica: a Pós Produção. Embora
nessa fase aconteça a etapa mais incrível da “magia” do cinema (já que literalmente começamos a ver o filme surgir frente aos
nossos olhos!), a Pós também exige uma dose enorme de paciência, conhecimento técnico-matemá co em áreas diversas além
de grande sensibilidade artís ca, e é provavelmente essa soma complexa de fatores que faz da Pós o maior “cemitério” de filmes
de todos os tempos ( é comum ver projetos que foram planejados, criados, préproduzidos e completamente gravados para depois
serem abandonados na etapa de Pós produção devido à falta de domínio técnico, mão de obra especializada – know-how – ou até
mesmo falta de paciência para percorrer todos os passos finais da realização cinematográfica).
AS ETAPAS DA PÓS PRODUÇÃO
1) Captura ou Transferência, “encodagem” e back up de arquivos de arquivos – Nesse estágio inicial da Pós produção, todo o
material gravado em fitas ou registrado em cartões e HDs deve ser transferido para o computador e organizado de modo a
facilitar o trabalho de montagem de edição. É também frequente a necessidade de “encodar” determinado po de arquivo
para que o processo transcorra de maneira suave de acordo com a máquina e so ware adotado para a montagem do
projeto (para explicar de maneira prá ca e simplificada, “encodar” seria o equivalente a “converter” ou transformar um po
de arquivo em outro. Determinados so wares de montagem e edição podem trabalhar melhor com arquivos específicos
que nem sempre correspondem ao arquivo criado pelas câmeras, daí a necessidade de “encodá-los”). Os profissionais mais
a vos nessa etapa geralmente são o Assistente de Edição, o Logger ou até mesmo o Assistente de Direção em produções
mais modestas.
2) Montagem e Edição: Nesse estágio, os “takes” ou “tomadas” aprovados pelo Diretor começam a ser colocados na ordem
correta obedecendo a cronologia do filme (montagem). Na sequência, pequenos ajustes, melhorias e transições começam a
ser realizados para aprimorar a dinâmica, ritmo e fluência narra va (edição). Após concluída a Montagem inteira do projeto,
é comum (e recomendado) revisar e fazer todos os ajustes necessários, o que dá origem à diversos “cortes” de um mesmo
filme. Trabalham, nessa etapa, os montadores, editores e seus assistentes.
3) Colorização: Ao determinar o corte defini vo do filme, é chegado o momento de refinar a cor do projeto, ajustando e
equilibrando cenas ou takes que porventura possuam desníveis na cor e luminosidade (o que geralmente chamamos de
“correção” de cor) ou mesmo criando visuais (ou “looks”) específicos de acordo com as necessidades artís cas do projeto (o
que é comumente ba zado de “tratamento” de cor). Esse é um trabalho cirúrgico e demorado que exige so wares
específicos e justamente por essa razão é prudente iniciar essa fase somente após a conclusão da montagem e edição, a fim
de evitar perda de tempo tratando a cor de materiais que podem acabar sendo descartados. O profissional da vez é o
“Colorista” e seus assistentes.
4) ADR ou Dublagem: Conforme já mencionamos no capítulo dedicado à captação de som direto, grande parte do áudio de
uma produção profissional será subs tuída por um áudio gravado em condições controladas, ou seja, em um estúdio. O
elenco irá assis r às cenas já editadas e aprovadas para o corte oficial do filme para então dublar as vozes e diálogos das
personagens. Essa etapa é bastante complexa e sua duração pode variar bastante de acordo com o tamanho do elenco e
quan dade de diálogos no filme, e por isso mesmo é comum haver uma equipe razoavelmente grande para cuidar dessas
gravações. Os so wares u lizados também são específicos (geralmente os mesmos u lizados para gravação e edição de
música) e os profissionais são técnicos e engenheiros de som.
5) Folley ou Sonoplas a: Assim como os diálogos são refeitos, também são refeitos e regravados todos os sons gerais de um
filme (sons de passos, portas se abrindo e fechando, objetos caindo, ros, barulhos de rua e carros etc.). Da mesma forma,
técnicos e engenheiros de som serão responsáveis por criar ou regravar de modo ideal todos os sons, ruídos, chiados e
barulhos necessários ao filme.
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A PÓS -PRODUÇÃO - MONTANDO EDITANDO SEU FILME
6) Mixagem e masterização: Uma vez regravados diálogos e sonoplas a, é essencial equilibrar todos os volumes, sincronizar
os sons e dividir os canais cena à cena (mixagem). Finalmente, é preciso verificar que o volume do filme como um todo
esteja equilibrado (masterização). Con nuam a vos os técnicos e engenheiros de som.
7) Encodagem e Exportação: Finalmente, como todo o filme editado, colorizado e sonoramente tratado, é chegado o
momento de criar um arquivo único, e o po e tamanho desse arquivo irá variar de acordo com as especificidades da
exibição: Blu-Ray, DVD, Internet, telas de cinema etc. Cada mídia irá necessitar de um formato específico de arquivo, e,
mais uma vez, os editores e seus assistentes entram em jogo para transformar todo o filme em um arquivo que atenda às
necessidades de cada mídia.
8) Produção de Lançamento: filme pronto e embalado, é momento de fazê-lo chegar ao público através dos distribuidores e
exibidores. Para tanto, é necessário planejar uma estratégia sólida para lançar o produto no mercado. Volta a cena um dos
produtores encarregados exatamente de tocar adiante esse etapa: o Produtor de Lançamento e seus assistentes.
Evidentemente, o formato e workflow da Pós Produção pode variar bastante de acordo com o tamanho, orçamento e
necessidades técnicas e artís cas de cada projeto. A lista aqui apresentada é somente o modelo essencial de uma
produção profissional (seja ela independente ou não) que deve ao menos garan r um padrão de qualidade e acabamento
bastante sa sfatório para seu projeto.
A FERRAMENTA DE OFÍCIO DA PÓS PRODUÇÃO: A “ILHA DE EDIÇÃO”
O computador representa para os montadores, editores e coloristas o mesmo que a câmera e as lentes representam para os
Diretores de Fotografia e Operadores de Câmera. Muitas vezes a dinâmica do trabalho e as possibilidades de resultados
dependem diretamente do desempenho das máquinas e tecnologias u lizadas, portanto, antes de explorar o “workflow” da Pós
Produção é importante compreender o que determina a qualidade de performance de uma “Ilha de Edição” bem como os prérequisitos essenciais e necessários para que você adquira ou monte sua própria máquina (IMPORTANTE: para evitar um texto
ilegível e repleto de teor tecnológico complexo – o que exigiria diversos capítulos e vocabulário específico – procuro aqui
simplificar ao máximo os termos e conceitos essenciais para que essa informação fique acessível ao leitor e editor de vídeo/áudio
e possa ser u lizada de imediato) :
1) Apple (MAC) ou PC?
Essa é a pergunta que não quer calar e há anos gera acaloradas discussões no segmento profissional entre usuários de
máquinas poderosas. Há todo po de mitos e frases feitas para defender a plataforma Apple ou os populares PCs (por
exemplo: o sistema operacional MAC OS é mais estável que o Windows, por outro lado, PCs são mais baratos e
customizáveis. Não há vírus para computadores da Apple, por outro lado, a manutenção e upgrade em PCs é acessível etc.).
Além disso, dados da própria indústria/mercado incen vam tais discussões através de estatís cas que ajudam a confundir
ainda mais o usuário iniciante: é inques onável a constatação de que a grande maioria dos editores de vídeo bem como
designers acabam optando pela plataforma Apple (devido a estabilidade do sistema), enquanto os adeptos de Games
extremos ou profissionais de animação 3D (casos que exigem uma performance aceleradíssima do computador) acabam
optando por PCs que parecem oferecer mais flexibilidade de customização. Logo, chega-se à uma sinuca de bico: qual
plataforma será melhor ou mais vantajosa? Caros leitores, permitam-me ser honesto com vocês: trabalho assiduamente
como editor de áudio e vídeo há mais de uma década e há um dado que não muda jamais – computadores são
computadores e sempre (sim, sempre!) apresentarão problemas e oferecerão dores de cabeça intermináveis aos usuários!
Já montei e editei filmes de longa metragem u lizando a plataforma PC e u lizando a plataforma Apple e, sem exceção,
precisei lidar com diversos problemas e situações angus antes. Não há uma solução mágica e aqueles que defendem
cegamente uma plataforma ou outra são os vendedores e fabricantes (que obviamente querem lucrar com seus produtos)
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ou usuários ainda iniciantes que não acumularam experiência suficiente para perceber que computadores sempre
apresentarão complicações à medida que forem expostos à trabalhos e projetos complexos e exigentes. Portanto, não se
preocupe tanto com a “Marca” de seu computador. Leia atentamente os próximos tópicos, descubra o que faz de um
computador uma máquina potente, adquira a melhor máquina que seu orçamento permi r, seja extremamente cuidadoso
com seu novo “brinquedo” e divirta-se! Vale aqui uma dica: se possível, procure ficar familiarizado com as duas plataformas
(Apple e PC), dessa maneira, você estará preparado para qualquer po de projeto!
2) Processadores
Pode-se dizer que o processador (ou, para ser preciso, o “microprocessador”) é o “cérebro” de um computador. O
processador é um circuito integrado responsável por realizar cálculos e consequentemente “tomar decisões” : de modo
resumido, o processador “recebe” informações digitais, processa tais informações de
acordo com a sua memória para em seguida apresentar resultados. Recentemente, para aprimorar o desempenho desse
“cérebro” ar ficial, popularizou-se o processador com mais de um núcleo (mul nucleados) ou ainda sistemas com
mul processadores. Com base nessas informações básicas (e para não transformar esse texto num complexo ar go de
informá ca/eletrônica) basta afirmar que, nesse caso, quanto mais, melhor! Quanto maior for a velocidade (capacidade de
desempenho) do processador, ou ainda, quanto maior for o número de processadores que você puder obter em sua
máquina, melhor será a performance de sua “Ilha de Edição”. Os principais fabricantes de processadores hoje em dia no
mercado são a Intel e a AMD, e para comparar o desempenho desses pequenos circuitos integrados basta acessar sites
especializados na net como www.tomshardware.com ou www.clubedohardware.com.br .
3) Memória RAM
A Memória RAM (ou “Random Access Memory” : memória de acesso aleatório) é u lizada pelo processador para armazenar
e acessar os arquivos e programas que estão sendo processados e por essa razão possui um efeito enorme e essencial
sobre o desempenho da máquina. A capacidade da memória é medida em Bytes, kilobytes, megabytes, gigabytes ou
terabytes e até a data de elaboração deste livro os pos mais populares (e rápidos) são as memórias DDR3 e DDR5. De
maneira simples e direta, assim como no caso dos processadores, aqui também vale a regra: quanto mais, melhor!
4) Placa de Vídeo (ou Placa Gráfica Aceleradora)
Pense na Placa de Vídeo como uma espécie de “mini computador” dentro do seu computador! No entanto, esse “mini
computador” é dedicado única e exclusivamente ao processamento de gráficos e vídeos! As placas de vídeo mais
sofis cadas possuem processador e memória próprios (daí a analogia com um “mini computador”) e podem gerar um
impacto enorme na velocidade e desempenho do processamento de vídeo em sua “Ilha de Edição”. É importante salientar
que podemos encontrar placas de vídeo “On-Board” (já associadas à Placa-Mãe do computador) e as placas “Off-Board”
(componentes separados que serão “acoplados” à Placa-Mãe). Dê preferência às placas Off-Board, que são
incomparavelmente superiores em velocidade e desempenho! Em linhas gerais, você pode avaliar a capacidade de uma
placa de vídeo da mesma maneira que avalia a capacidade de um computador: através da velocidade do processador e da
quan dade de memória RAM. Dentre os principais fabricantes encontram-se as populares ATI, nVidia e Matrox.
5) Placa de Áudio (ou Interface de Áudio)
A Placa de Áudio representa para o processamento de som o mesmo que a Placa de Vídeo representa para o
processamento de imagens, ou seja, é um componente essencial para os estágios de gravação, edição e mixagem de
sonoplas a, diálogos e trilhas sonoras (inclusive para a possibilidade de editar e mixar em múl plos canais). É possível
contar com Placas de som “internas”, diretamente acopladas à Placa-Mãe de sua máquina, no entanto, para ser capaz de
conectar um mixer ou microfones profissionais à seu computador, a opção mais coerente seria uma Placa de Áudio externa
(ligada ao computador através de conexões como USB ou FireWire). Hoje em dia, uma das opções mais populares e
acessíveis dentre os editores e engenheiros de som independentes são os modelos oferecidos pela M-Audio. É também
possível adaptar um gravador profissional de áudio como uma interface para seu computador, matando “dois coelhos com
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uma cajadada só”. Por exemplo, os gravadores portáteis da TASCAM ou o popular e eficaz ZOOM H4N ou H5N podem ser
conectados ao seu computador e u lizados como uma interface “analógicadigital”.
6) Armazenamento (Hds)
Esse tópico é bastante simples e auto explica vo: arquivos de vídeo (especialmente os arquivos em alta definição) ocupam
um espaço assustadoramente grande em seu computador, portanto, garanta que sua máquina possua muito espaço em
Disco Rígido (Hard Disk ou “HD”). Lembre-se dessa máxima dos editores de vídeo: espaço em HD nunca é demais! Ao
editar um projeto certamente você deverá fazer cópias de segurança (back up), portanto, acumule espaço. Para alegria dos
editores, os preços de HDs internos ou externos tem caído bastante nos úl mos anos, o que torna possível a aquisição de
bastante espaço de armazenamento. O úl mo projeto de longa-metragem que editei ocupou o assombroso espaço de 5
TeraBytes! Lembre-se apenas que, ao optar por HDs externos (conectados a seu computador via USB, FireWire, eSata ou
demais conexões), a formatação u lizada para plataformas Apple será diferente da formatação u lizada pelas plataformas
PC (o que pode gerar complicações nas transferências de arquivos).
7) Cuidados essenciais (máquinas dedicadas)
Um computador de alto desempenho (seja ele um Macintosh ou um PC) é um equipamento caro e delicado, portanto, todo
cuidado é pouco! A dica mais importante e essencial para preservar sua ilha de edição funcional por bastante tempo é
transformá-la numa máquina dedicada e exclusiva, ou seja: não u lize essa máquina para funções co dianas e secundárias
como verificar seus e-mails, redigir textos, navegar na internet, baixar músicas, fotos ou filmes, acessar redes-sociais, jogar
games etc. Se necessário, compre um outro computador mais barato para essas funções e a vidades do dia-a-dia e u lize
sua Ilha de Edição somente para editar! Dessa forma, você evita poluir e sobrecarregar seu computador com elementos
desnecessários que eventualmente podem prejudicar o desempenho da máquina! Para prolongar a vida ú l de sua Ilha,
lembre-se também de periodicamente reformatá-la (a periodicidade depende muito da intensidade de uso), e, por favor,
instale somente os so wares e programas importantes e essenciais para seu trabalho! Se optar pela plataforma PC, seja
ainda mais cauteloso com vírus, e jamais conecte qualquer HD externo ou pendrive sem antes fazer um scaneamento para
vírus em uma outra máquina secundária. Outra prá ca interessante ao optar pela plataforma PC é realizar o processo de
Desfragmentação de Disco sempre que necessário.
Muito bem, agora você sabe que o que realmente importa para uma boa “Ilha de Edição” é o Processador, quan dade de
Memória RAM, Placa de Vídeo e Áudio e capacidade de armazenamento. Evidentemente, há diversos outros detalhes e
periféricos que poderiam entrar nessa lista como placas externas de captura, monitores, monitores de áudio, mesas para
colorização e etc. O universo de componentes e tecnologias para edição de áudio e vídeo é virtualmente infinito e as novidades
vão surgindo diariamente em ritmo frené co. Não há limites para o quanto você pode gastar para aprimorar sua máquina ou Ilha
de Edição. Procurei, portanto, listar apenas os tópicos essenciais que devem assegurar de maneira sólida seu trabalho na PósProdução.
ESCOLHENDO UM SOFTWARE DE EDIÇÃO
Quais so wares de edição devem ser u lizados? Assim como no tocante a hardware e plataformas, é importan ssimo salientar
que hoje em dia há diversos so wares de edição de vídeo equivalentes, ou seja, com os mesmos recursos e possibilidades de
finalização. Desta forma, é impossível afirmar qual vem a ser o “melhor” so ware. É necessário que cada editor conheça um pouco
de cada um para somente então poder optar por aquele que mais lhe agrada, portanto, vamos tentar realizar um pequeno “raioX”
compondo um panorama sobre as principais ferramentas de edição disponíveis no mercado no momento da elaboração deste
livro.
No universo do cinema independente, não há dúvidas de que os so wares mais u lizados para montagem de vídeo são o
Avid, Final Cut, Adobe Premiere Pro e Sony Vegas. Todos esses programas servem um mesmo propósito: através deles, é possível
organizar arquivos de vídeo (os “takes” ou “tomadas”), sequenciá-los compondo a montagem do projeto e trabalhar com recursos
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essenciais de edição como cortes, fusões, efeitos básicos de correção de cor, recursos básicos de tratamento de áudio, inserção
de títulos ou créditos etc. além da capacidade de “exportar” o projeto editado para diversos formatos. Além disso, é curioso
perceber que até mesmo as interfaces desses so wares são rela vamente parecidas! Portanto, é uma tarefa rela vamente
tranquila “migrar” de um so ware para o outro após adquirir fluência e domínio nas mecânicas e funcionamento de algum deles.
Mas se todos esses so wares cumprem essencialmente o mesmo papel, como escolher o mais adequado para seus projetos?
Segue aqui uma lista de sugestões que podem auxiliar o editor iniciante a escolher um so ware com mais segurança:
1) Verifique a compa bilidade com a plataforma física escolhida: ao optar por trabalhar com a plataforma Apple ou com a
plataforma PC, automa camente você reduz suas possibilidades de escolhas. Explicando: há alguns so wares que não
operam nas duas plataformas. O popular Final Cut, por exemplo, roda somente no sistema operacional da plataforma
Apple. Outros so wares, como o Adobe Premiere Pro, possuem versões tanto para PC como para Apple.
2) Verifique a variedade de CODECS e formatos aceitos pelos so wares de edição: conforme já mencionado
anteriormente, certas câmeras geram arquivos de imagem que podem não ser reconhecidos pelo so ware de edição.
Nesse caso, o resultado é dor de cabeça e tempo perdido para o montador, já que os arquivos deverão ser “encodados”,
ou melhor, “transformados” em um po de formato compatível com o programa de edição. Dessa forma, antes de optar
por um so ware, procure saber com quais câmeras você irá trabalhar com mais frequência (RED, HDSLRs, Alexa,
XDCAM etc.) e verifique se existe compa bilidade com o so ware de edição.
3) Verifique o desempenho do so ware com relação à renderização e processamento de efeitos: cada programa de edição
aproveita de maneira su lmente diferente a memória disponível em sua máquina. Além disso, a comunicação entre o
so ware e a placa de vídeo também pode acontecer de maneira mais ou menos eficaz. O impacto direto que isso pode
provocar em seu trabalho é o aumento ou redução do tempo de espera para o processamento de certos efeitos ou
recursos de vídeo e áudio, também conhecidos como o processo de “renderizar”. Caso o programa seja “pesado” ou não
aproveite de maneira eficaz a memória de seu computador, o processo de edição pode transformar-se numa verdadeira
tortura! Ao aplicar um determinado filtro de cor numa sequência de vídeo, por exemplo, naturalmente você deseja
verificar o resultado! Parece um conceito bastante simples e óbvio, certo? Pois é, no entanto, é bastante comum que
certos so wares exijam que você renderize a sequência primeiro para somente então poder visualizá-la! Haja paciência!
Você aguarda o tempo de renderização, verifica, e, caso não tenha gostado do resultado, remove o filtro. Nesse caso, o
tempo de espera foi completamente perdido! Alguns programas possuem recursos de “background render” que
permitem prévisualizar um grande gama de efeitos e filtros pra camente em tempo real. Outros so wares podem ser
“acelerados” com placas externas como a Matroxx ou Black Magic. Concluindo, antes de optar por um programa, não
esqueça de verificar o desempenho de render associado à capacidade da máquina!
4) Comunicação e compa bilidade com outros so wares: além dos so wares de montagem e edição de vídeo, é bastante
comum em projetos cinematográficos exis r a necessidade de u lizar outros programas para realizar tarefas
específicas, por exemplo: Adobe A er Effects para composições, animações e “efeitos especiais”, Color ou Da Vinci para
colorização, Pro Tools, Adobe Audi on, Cubase ou Logic para tratamento de áudio e por aí a fora. Algumas vezes, pode
ser bastante complicado levar arquivos de projeto de um so ware para outro, dependendo da compa bilidade e
capacidade de comunicação entre os diferentes programas. Portanto, caso você vá trabalhar com outros so wares, é
uma boa dica (que pode economizar tempo e dor de cabeça!) verificar a compa bilidade entre eles!
5) Capacidade de Exportação: uma vez que você tenha concluído sua edição, onde seu projeto será exibido? Cinema?
Televisão? Internet? Você pretende gravar DVDs ou Blu-Rays a par r do projeto editado? Essas são perguntas
essenciais que um montador/editor deve se fazer ao escolher um determinado programa. Cada so ware possui a
capacidade de “exportar” o projeto editado em uma variedade limitada de formatos. No entanto, é importante salientar
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que o formato exigido para gravar um Blu-Ray, por exemplo, é diferente do formato exigido para a gravação de um DVD.
Além disso, é também bastante comum que fes vais de cinema exijam os filmes em formatos específicos para exibição.
Emissoras e canais de televisão também podem exigir material em determinados formatos. Logo, lembre-se também de
verificar quais são as possibilidades de exportação do so ware escolhido! Seria muito frustrante terminar um projeto e
descobrir que seu programa de edição não exporta o filme no formato exigido pelo cliente!
6) Experimente pessoalmente os so wares antes de comprá-los! Não confie unicamente na palavra dos vendedores ou
fabricantes (afinal, eles farão de tudo para vender seu “peixe” à você, certo?) e também não se deixe levar por editores
faná cos que defendem demais um determinado programa em detrimento de outro, afinal de contas, cada profissional
tem suas próprias preferências pessoais. O ideal é verificar os itens acima e colocar um pouco a mão na massa! Verifique
suas necessidades específicas e explore um pouco os programas para descobrir com segurança qual deles é o mais
agradável de acordo com suas preferências! Muitos desses so wares disponibilizam versões gratuitas (os famosos
“demo” ou “trial versions”) justamente para que você possa realizar um “test-drive” antes de optar. Finalmente, lembrese
também que é saudável desenvolver a capacidade de trabalhar com qualquer um desses so wares, de modo a ampliar
suas possibilidades no mercado de trabalho.
RECURSOS ESSENCIAIS DOS SOFTWARES DE EDIÇÃO
Após abordar as caracterís cas essenciais e requisitos que pesam na escolha de um so ware de edição, é chegado o momento de
explorar as principais ferramentas disponíveis em cada programa para realizar a montagem de um projeto. Conforme
mencionamos anteriormente, os so wares de edição profissional mais populares no mercado (Avid, Final Cut, Adobe Premiere
Pro etc.) possuem recursos básicos semelhantes e a diferença reside nos detalhes (codecs aceitos, formatos de exportação,
agilidade de render, compa bilidade com outros so wares ou hardwares e por aí afora). Logo, é possível abordar elementos
comuns à quase todos esses programas – elementos esses que são o fundamento essencial da montagem cinematográfica. Ao
compreender esses elementos e adquirir fluência em sua mecânica e manipulação, a tarefa de transitar pelos diversos programas
(se e quando necessário) fica rela vamente fácil. Vamos então conferir os principais componentes que integram a “INTERFACE”
dos so wares de edição:
Pasta de “PROJETO”: Via de regra, todos os principais programas de edição possuem uma pasta ou “FOLDER” ina vo que
organiza e disponibiliza todos os arquivos que serão u lizados em seu projeto, ou seja, todos os arquivos de vídeo gravados em
sua câmera (seja em cartão, HD ou fita) que você deseja u lizar em seu projeto devem ser transferidos para o seu computador e
precisam estar “disponíveis” para manipulação no so ware de edição. Isso pode ser feito essencialmente de duas formas: ou
você “captura” os arquivos diretamente da câmera já u lizando o programa escolhido para editar (nesse caso os arquivos já
estarão automa camente disponíveis na pasta de “Projeto”) ou você “importa” os arquivos já existentes no computador para essa
pasta. Seja como for, acostume-se desde cedo a manter sua pasta de projeto o mais organizada possível. É comum que editores
iniciantes transformem suas pastas de projeto numa verdadeira bagunça, o que apenas dificulta o fluxo de trabalho
(especialmente quando o trabalho é dividido com assistentes de edição). Geralmente é possível criar subdivisões e outras pastas
dentro do folder de “Projeto”, desta maneira, pode-se catalogar os arquivos por cena, dia, takes etc. Além dos arquivos de vídeo, é
importante lembrar que outros elementos como músicas, fotos, logomarcas etc. necessários para o projeto também deverão ser
disponibilizados nessa pasta. Esse folder, no entanto, não serve apenas para disponibilizar e organizar arquivos, ele também é um
grande auxiliar para conferir dados importantes sobre cada arquivo (geralmente na pasta de projeto é possível verificar a
resolução, o frame rate e outras caracterís cas dos arquivos). Assim, antes mesmo de iniciar o processo de edição, já é possível
perceber se há qualquer incoerência de formatos.
TIMELINE ou SEQUENCE: Como próprio nome diz, a “Linha do Tempo” ou “Sequência” é a área da interface do so ware de
edição onde você pode colocar os arquivos e clips de vídeo na sequência correta do filme, ou seja, é o lugar onde a “Montagem”
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acontece. Geralmente, essa “ meline” aparece no formato de “trilhas” ou pistas divididas em canais de áudio e vídeo, e para
começar a montar, cortar ou sequenciar seu filme basta “arrastar” os arquivos selecionados na pasta de projeto e “larga-los” na
posição desejada na sequencia (o famoso mecanismo de “drag and drop”).
Ao serem “largados” na meline, os arquivos
aparecem representados por “ ras” coloridas e podem ser livremente manipulados sem comprometer os arquivos originais (que
permanecerão disponíveis no folder de Projeto).
ABA de FERRAMENTAS (geralmente aparece como “Tools” nos so wares com menus em língua inglesa): Para manipular os
arquivos dispostos na meline é necessário dispor de certas “ferramentas”. Por exemplo: para “cortar” um clip de vídeo ou de
áudio geralmente é necessário clicar sobre uma lâmina para transformar a seta do mouse numa “gilete” em miniatura! Somente
com essa “lâmina” a vada será possível realizar um corte. Já para arrastar arquivos conjuntos sobre a meline pode ser necessário
acessar uma seta dupla e daí por diante. Todas essas ferramentas de manipulação (lâmina, setas duplas etc.) geralmente
encontram-se disponíveis numa pequena aba in tulada “Tools” ou ferramentas. Largue alguns clips de vídeo e áudio em sua
meline, acesse a aba de ferramentas e divirta-se descobrindo o que cada uma delas pode fazer!
MONITORES: Obviamente, é necessário que haja “telas de monitoração” em seu so ware para que você possa assis r àquilo que
está editando! Pois bem, geralmente esses so wares disponibilizam pelo menos duas dessas “telas” ou monitores – um deles
permite que você assista os arquivos brutos, em sua forma original e sem qualquer alteração, enquanto o segundo monitor está
associado à meline e permite que você assista os arquivos já modificados e na ordem disposta sobre os canais e trilhas da
sequência.
PASTA de EFEITOS E TRANSIÇÕES: Além de realizar cortes e colocar os clipes de áudio e vídeo na sequência desejada, muitas
vezes é também necessário manipular os arquivos com filtros e/ou efeitos. Desde efeitos e transições mais simples como uma
sobreposição de imagens ou a inserção de eco ou reverberação num clip de áudio até alterações mais sofis cadas como correção
e manipulação de cores, efeitos de chromakey ou equalizações no som, geralmente todos os recursos disponíveis num so ware
podem ser encontrados numa pasta de efeitos ou transições. Para aplicar os efeitos, basta selecioná-los e arrastá-los sobre os
clipes e arquivos desejados na meline. Lembre-se, no entanto, que ao adicionar muitos efeitos e filtros em seu projeto, você
estará obrigando seu computador a u lizar mais tempo de processamento e render, já que todos os efeitos devem ser
processados.
EFFECT CONTROLS: Muitos filtros e efeitos já possuem um pre-set automá co, ou seja, não requerem manipulação (por
exemplo: ao jogar sobre um clipe de vídeo um efeito de “Black & White” suas imagens automa camente serão conver das para
branco e preto). Outros efeitos, porém, exigem manipulação (filtros de correção de cor, por exemplo, exigem que o editor altere
manualmente as cores até chegar no resultado desejado). Para realizar essas alterações manuais, é necessário acessar a pasta de
controle de efeitos. Essa pasta irá demonstrar ao editor todos os recursos disponíveis em cada filtro ou efeito bem como as
ferramentas para realizar alterações.
MIXER de ÁUDIO: Ao adicionar várias camadas ou canais de áudio em seu projeto (por exemplo: um canal para diálogos, um canal
para efeitos sonoros e outro canal para música), é possível controlar os volumes separadamente bem como controlar o PAN,
determinando quais pistas serão direcionadas ao canal direito e quais pistas serão direcionadas ao canal esquerdo. Esses
controles podem ser efetuados de maneira bastante intui va na janela de MIXER de Áudio comum em so wares profissionais de
edição. Basta acessá-la e manipular os controles livremente para chegar ao equilíbrio de som desejado.
CONSIDERAÇÕES SOBRE INTERFACES: Esses recursos, abas e pastas são o passo inicial básico e essencial para aventurar-se
no ofício da montagem e edição. Mantenha em mente que alguns desses nomes podem aparecer alterados de acordo com o
so ware escolhido! Além disso, ao perceber a quan dade de janelas e abas com as quais um editor trabalha para montar seu filme,
fica fácil compreender porque as “Ilhas de Edição” geralmente contam com dois monitores! Para isso, é essencial que seu
computador disponha de uma placa de vídeo razoável.
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A PÓS -PRODUÇÃO - MONTANDO EDITANDO SEU FILME
KEY FRAMES e AUTOMAÇÃO
Um recurso bastante ú l e presente em diversos so wares profissionais de montagem e edição é a capacidade de “automa zar”
determinadas funções. Basicamente o que isso significa é criar um ponto A (inicial) – ou um “Key Frame” – e estabelecer um
parâmetro desejado para determinado recurso visual e logo em seguida estabelecer um ponto B (final) – outro “Key Frame” – com
o mesmo recurso visual ajustado para um novo parâmetro. O so ware, consequentemente, deverá realizar o processo de
“interpolação” unindo em curva constante e gradual o ponto A ao ponto B. Ilustrando de modo prá co: imagine que você tenha
uma cena específica em seu filme onde deseja aplicar um “efeito” através do qual as imagens comecem bastante coloridas (com
cores vivas e saturadas) e grada vamente vão “perdendo” as cores até eventualmente transformarem-se em imagens em branco
e preto. Isso é perfeitamente possível através do recurso de automação com “key frames”. Bastaria para tanto aplicar um filtro de
vídeo básico que controle a saturação das cores e proceder da maneira já explicada, ou seja, estabelecer um “key frame” inicial
(ponto A) com o filtro ajustado de modo a saturar bastante a imagem, e logo em seguida estabelecer o ponto ou momento da cena
em que você deseja ver as imagens completamente em branco e preto. Nesse ponto seria estabelecido o segundo “key frame”
(ponto B) com o filtro já ajustado para uma saturação de cores extremamente reduzida. Ao pressionar o play ou o preview de sua
sequencia ou meline, o so ware passará a realizar a interpolação automá ca, ou seja, unir os parâmetros iniciais do ponto A até
a chegada aos parâmetros finais determinados no ponto B. À isso damos o nome de “automação”. Geralmente esse recurso pode
ser controlado na mesma aba de sua interface onde os parâmetros dos efeitos e filtros são ajustados, e, aqui, sua imaginação será
o limite: quando o so ware disponibiliza a opção de manipular “key frames”, pra camente tudo pode ser automa zado em seu
processo de montagem e edição: efeitos de cor, efeitos de iluminação e sombras, volume e efeitos de áudio, textos ou créditos
criados no gerador de títulos, formas criadas que podem inclusive ser movimentadas criando animações básicas (o gerador de
títulos do Adobe Premiere Pro, por exemplo, possui um leque rela vamente vasto de formas geométricas que podem ser
inseridas em sua imagem. Desta maneira, é possível criar formas, texturizá-las e movimentá-las, ou seja, realizar animações como
objetos voadores, projéteis, sombras que se movem etc. meus alunos da Escola de Cinema chegaram ao ponto extremo de criar
batalhas alienígenas com óvnis disparando raios laser e gladiadores com sabres de luz! Tudo isso usando recursos básicos de “key
frames” e automação). Evidentemente, para u lizar tais recursos é essencial garan r que o computador e o so ware sejam
capazes de oferecer a “pré visualização” em tempo real. Seria impossível automa zar diversos “key frames” sem verificar o
resultado para realizar possíveis ajustes. Se você deseja abusar desses recursos, fique atento à esse fato e cer fique-se de que o
so ware escolhido é capaz de oferecer o preview dos efeitos aplicados à meline ou sequência.
PLUGINS
Mesmo com a grande variedade e riqueza de recursos disponíveis nos so wares de edição profissionais, ainda assim é comum
desejarmos determinado efeito ou aplicação que não se encontra dentre os filtros originais do programa. Cenas de ação e batalha,
por exemplo, podem exigir a inserção digital de fumaça ou até mesmo explosões. Outras cenas podem exigir a inserção digital de
água ou chuva e por aí a fora. Tais recursos geralmente não estão prontamente disponíveis nos pacotes básicos oferecidos pelos
so wares, mas não há razão para pânico! É possível “turbinar” seu so ware de edição e adicionar recursos espetaculares criados
por fabricantes terceirizados. Tais recursos e efeitos são o que chamamos de “Plugin” (s). Há diversos fabricantes no mercado,
muitos deles especializados em recursos específicos e outros mais genéricos que oferecem “pacotes” de efeitos que podem ser
facilmente adicionados ao seu so ware de edição. Para descobrir quais os plug-ins disponíveis para seu programa de escolha,
faça uma busca na internet inserindo o nome do so ware mais a palavra “plugin” e divirta-se! Antes de efetuar um compra, no
entanto, cer fique-se de que o plugin atende as necessidades de seu projeto e, se possível, acesse fóruns de edição para sondar o
resultado desses efeitos. Alguns plugins podem ser um verdadeiro pesadelo no quesito funcionalidade!
ENCODAGEM E EXPORTAÇÃO
Ao concluir a edição de seu projeto, será necessário “exportá-lo”, ou seja, transformá-lo em um arquivo único que possa ser
transferido para um disco rígido, um DVD, um BluRay ou até mesmo somente para visualização na internet. Existe um verdadeiro
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A PÓS -PRODUÇÃO - MONTANDO EDITANDO SEU FILME
universo de formatos possíveis e recomendados para a visualização de arquivos de vídeo (AppleProRes – LT, HQ – .AVI, H.264,
H.265, Quick me, MP4 etc.) logo, a opção mais segura é verificar com os veículos de exibição qual o formato adequado para o
suporte de seu arquivo, ou seja, caso seu filme precise ser transferido para um Blu-Ray, é conveniente perguntar ao responsável
pela “autoração” do Blu-Ray qual o formato mais adequado para seu trabalho. Caso seu filme vá ser exibido em salas de cinema
digitais, é bastante comum que os exibidores necessitem de um padrão de arquivo in tulado DCP (Digital Cinema Package), que
obedece requisitos rigorosos da indústria. Geralmente, para casos em que a exibição pode ser realizada a par r do próprio disco
rígido, formatos como AppleProRes 422 HQ (MAC) ou Uncompressed .AVI (PC) são indicados, pois preservam bastante a
qualidade dos arquivos – o único “problema” é o tamanho! Por serem formatos muito ricos em informação, geralmente os
arquivos são verdadeiramente enormes (portanto não se assuste se um vídeo de 2 horas resultar em um arquivo com cerca de
500GB!). Concluindo, verifique cautelosamente as possibilidades de exportação do seu so ware. O Final Cut, por exemplo,
possui a capacidade de exportar diretamente de sua interface, enquanto o Adobe Premiere Pro u liza os recursos do Adobe
Media Encoder.
CORTES, TRANSIÇÕES E DICAS DE COMO USÁ-LOS
Na “sequência” ou “ meline” do seu so ware de edição, onde a montagem é realizada, é possível fazer a transição de um clipe de
vídeo para o outro de diversas maneiras diferentes: cada programa apresenta literalmente centenas de firulas e efeitos para que o
usuário divirta-se escolhendo uma forma de realizar a passagem de um “take” (ou cena) à outro. Vou, portanto, ater-me somente
aos recursos mais comumente u lizados nas produções profissionais: corte seco, fusão, fade in ou fade out e como usá-los.
Corte seco, como o próprio nome já indica, é a transição direta de um clipe de vídeo para o outro, sem qualquer po de
efeito ou “firula”, ou seja, você simplesmente “cola” um clipe de vídeo ao outro. Essa é a forma mais comum de transição, pois
preserva o ritmo natural da obra editada e não chama atenção para a “montagem” (o que muitos montadores/editores julgam uma
qualidade importante de seu trabalho). Vale frisar que para a perfeita u lização dessa transição, é crucial que a gravação tenha
sido realizada com o máximo de cuidado com a con nuidade, já que os cortes secos evidenciam tudo em “tempo real” – não há
como disfarçar bem erros de con nuidade quando a ação é con nuada em fluxo. DICA: Esse po de corte flui perfeitamente bem
quando inserido no meio de uma a vidade/ação/movimento realizada por alguma personagem ou objeto gravado. Por exemplo:
se uma personagem for apanhar uma xícara de café para beber um gole, um bom momento para “cortar” o arquivo de vídeo e colálo a outro seria no meio do movimento do ator (evidentemente, isso pressupõe que o editor possua outro clipe de vídeo desse
mesmo momento porém gravado de ângulo diferente). Outra dica valiosa para disfarçar eventuais problemas de con nuidade é
cortar um clipe e colá-lo à outro gravado em um eixo diferente. Por exemplo: citando o mesmo exemplo do café já mencionado, se
houvesse algum po de problema de con nuidade e o editor dispusesse de vários ângulos de cobertura da mesma cena, ao cortar
de um ângulo frontal para um lateral os problemas de con nuidade seriam atenuados pois a percepção visual da audiência é
subme da à uma alteração brusca sem rompimento no fluxo de ação.
Já a “fusão” acontece quando uma imagem se sobrepõe a outra enquanto o “fade out” e o “fade in” acontecem,
respec vamente, quando a imagem escurece ou “surge” de uma tela escura. Tais recursos podem ser privilegiados em momentos
onde é necessário transmi r a sensação de uma passagem de tempo maior. Tanto as fusões quanto os fades desaceleram
bastante o ritmo da montagem, portanto, use esses recursos com cuidado e somente nos momentos em que um ritmo um pouco
mais lento for desejado ou em algum momento específico de sua narra va. O fade out naturalmente também é muito usado para
provocar a sensação de encerramento e conclusão: seja do filme como um todo ou de algum momento específico que necessite
um fechamento.
ÁUDIO: DUBLAGEM, SONOPLASTIA, MIXAGEM E MASTERIZAÇÃO
Agora que encerramos os fundamentos da montagem e edição de vídeo, resta abordar questões essenciais do áudio.
Inicialmente, é importante lembrar que geralmente TODO o som de um filme profissionalmente gravado será refeito, logo, o
áudio gravado no próprio SET de gravação servirá somente como referência ou guia para as regravações realizadas de modo
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controlado em estúdio. Uma das primeiras etapas deve ser a regravação dos diálogos (dublagem ou “ADR” – Automated Dialogue
Replacement ou Addi onal Dialogue Recording). Com o filme já editado, os atores deverão assis r suas cenas e ensaiar suas falas
de modo sincronizado com o que vêem e escutam na tela. Para que tal processo transcorra com facilidade, é crucial que os atores
possuam boas noções de ritmo e domínio de melodia (já que esses serão elementos fundamentais para reproduzir com precisão
as falas de suas personagens). Em seguida, o técnico de ADR grava as falas da maneira que achar conveniente (seja fala por fala,
diálogos inteiros etc.) e logo em seguida subs tui as falas registradas no SET pelas falas gravadas no estúdio, verificando
minuciosamente a sincronia. Pra camente qualquer so ware profissional de áudio (como o Pro Tools, por exemplo) pode ser
u lizado para as gravações. Cer fique-se apenas de que o so ware dispõe da capacidade de também monitorar o vídeo de modo
adequado, afinal de contas, durante a gravação tanto o ator quanto o técnico de ADR deverão assis r ao vídeo.
Na sequência, todos os outros sons con dos na cena também deverão ser gravados e inseridos no filme: sons de passos,
movimento de objetos, portas abrindo, carros passando, ros, “som ambiente” etc. Como uma cena simples pode conter
literalmente centenas de sons, é comum que os editores de áudio e sonoplas a (comumente chamados de folley ar sts) escutem
a cena cuidadosamente e façam uma lista detalhada de todos os sons necessários, compondo uma espécie de “decupagem”
sonora. Para inserir os sons necessários no seu filme, geralmente há duas opções: ou você pode gravar verdadeiramente cada um
dos sons em um estúdio de folley ou você pode fazer uso de arquivos de som já prontos e disponíveis em “bancos de som”. Se for
optar por u lizar arquivos pré-prontos, apenas cer fique-se de que a qualidade dos arquivos seja adequada para as exigências de
seu projeto (evite arquivos de áudio muito comprimidos como os populares mp3, já que, para realizar tal compressão, muitas
frequências sonoras são desperdiçadas. Para seu filme, você certamente irá desejar o som mais rico possível!). Para encontrar
centenas de bancos de som disponíveis (inclusive alguns inteiramente gratuitos) basta fazer uma busca na internet. Alguns
so wares como o “Soundtrack” também possuem um vasto arquivo de samplers de áudio com opções que variam de passos e
ba das na porta até explosões e armas laser!
Agora é chegado o momento de mixar esse áudio. De modo resumido, isso significa ajustar minuciosamente todos os
volumes: personagens mais distantes da câmera evidentemente devem possuir o volume de seus diálogos um pouco mais baixo
do que aqueles que se encontram próximos à câmera. É necessário ainda cuidar para que o folley fique alto o suficiente para que
seja ouvido e percebido sem, no entanto, prejudicar a compreensão clara das falas. Finalmente, muitas vezes é também
necessário realizar a “automação” dos volumes através de key frames, exatamente como abordamos no vídeo anteriormente, o
que significa programar alterações intencionais de volume em determinados momentos. Por exemplo: se um personagem, ao
caminhar, distancia-se cada vez mais da câmera, é coerente que o som de seus passos também fique cada vez mais baixo, correto?
Para isso, o processo de automação será necessário. Nos so wares profissionais de áudio o processo de automação é feito de
modo similar à automação de efeitos nos so wares profissionais de vídeo. Ainda nesse momento é adequado inserir e ajustar o
volume da trilha sonora.
Finalmente, ao concluir o ajuste de volumes de cada cena, é necessário “masterizar” o volume de seu filme. Equivalente ao
processo de masterização de um CD, é importante ouvir o som de todas as cenas para cer ficar-se de que o “mix” está
equilibrado tanto no volume geral como no balanço entre os elementos, ou seja, a relação entre as falas, o folley e a música.
Muitas vezes, ao ouvir uma cena individualmente ela parece estar perfeita, no entanto, ao inseri-la em uma sequencia com
outras cenas, pode-se perceber variações nos volumes, daí a importância do processo de masterização.
Ao concluir a masterização, o som de seu filme está pra camente pronto! Lembre-se apenas de manter sua edição de áudio
organizada para que você possa exportar separadamente os arquivos de diálogos, folley e trilha sonora, ou seja, ao mixar e
masterizar, procure separar seu áudio em três pistas separadas. Não apenas isso facilitará muito seu trabalho para eventuais
ajustes e correções como também é comum que fes vais e distribuidoras exijam o áudio separado dessa forma para que possam,
por exemplo, remover os arquivos que contém somente as falas para subs tuí-los por dublagens em outras línguas.
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DISTRIBUIÇÃO E
LANÇAMENTO
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DISTRIBUIÇÃO E LANÇAMENTO
Agora que cobrimos todas as etapas técnicas e artís cas essenciais para a realização de seu filme, chegamos a uma das etapas
mais complexas de todas (para aqueles que achavam que o pior já havia passado!): lançar o seu filme comercialmente!
Ou seja, colocá-lo no mercado.
Evidentemente, com o avanço recente das mídias virtuais e redes sociais há muitas formas alterna vas de fazer com que o
público assista seu filme: vimeo, youtube, ne lix, netmovies, amazon, hulu, divulgação em facebook etc. No entanto, meu
obje vo nesse livro não será o de abordar tais meios já que o lançamento nas plataformas virtuais está em franco processo de
evolução e experimentação. Devo me ater somente ao que parece ser o obje vo mais comum e sólido dentre os cineastas
(independentes ou não): fazer com que o filme a nja o maior público possível nas salas de cinema e, de preferência, conseguir
com que esse filme seja lançado por uma empresa distribuidora de peso. Para iniciar a abordagem a esse assunto vou parafrasear
E. Sherman, meu professor de “Business of Film” no California Ins tute of the Arts em Los Angeles e verdadeiro “guru” da indústria
cinematográfica: ao longo de suas aulas, Sherman afirmava que “...há somente uma coisa sobre a qual eu tenho certeza absoluta
na indústria de cinema: ninguém sabe de absolutamente NADA!”. O que Sherman queria dizer com isso é que não há fórmulas
absolutas. Tudo é baseado em riscos, conjecturas e hipóteses, e, se por um lado existem etapas que sem dúvidas podem auxiliar
enormemente o processo de lançamento comercial de um filme, por outro lado não há nada que possa garan r cem por cento o
êxito mercadológico de um projeto. Mantenha isso em mente ao ler esse capítulo! Toda a informação apresentada a seguir é
baseada em anos e anos de aulas e bibliografia especializada no assunto bem como na minha experiência pessoal e profissional
em quatro filmes de longa metragem (que u lizarei como “case studies”) além do exemplo recente do interessantíssimo longa
metragem independente norte-americano “A Lonely Place For Dying” que servirá como modelo de métodos alterna vos para
lançamento no circuito de cinemas. Via de regra, há três caminhos fundamentais que geralmente servem de plataforma para o
lançamento de filmes independentes: 1) o conhecido (embora penoso!) “circuito dos fes vais”, 2) a negociação direta com
distribuidores ou ainda 3) a “auto-distribuição”. Na primeira opção (circuito de fes vais), a expecta va é a de que o filme provoque
repercussão ao ser selecionado (e quem sabe premiado) em diversos fes vais. Tal repercussão pode gerar interesse no público e
crí ca e, consequentemente, nos distribuidores. A segunda opção (e a mais comum dentre filmes comerciais de médio e grande
orçamento) é pular a etapa dos fes vais e passar direto para negociação com os distribuidores. Finalmente – se nada mais der
certo! – há ainda a opção ousada e arriscada da auto-distribuição, onde os cineastas ou produtores assumem as rédeas e
batalham diretamente nas salas de cinema (exibidores) o espaço para seus filmes. Vamos discu r em mais profundidade cada uma
dessas opções, mas antes, é importante entender um pouco mais sobre a relação entre produtores e distribuidores (o elo mais
delicado de todo o processo de realização cinematográfica!): para que um filme seja exibido em uma sala de cinema, é necessário
que um distribuidor represente esse filme e o leve até o exibidor interessado. Nos Estados Unidos, uma das maneiras mais
comuns e tradicionais de conseguir o interesse de um distribuidor é através das “cabines” ou exibições fechadas (private
screenings). Em resumo (simplificado): produtor envia um trailer de seu filme para distribuidores e os convida para uma exibição –
geralmente em uma sala de cinema alugada especificamente para tal finalidade. Os distribuidores que perceberem potencial
comercial no trailer vão à sessão e, caso se interessem pelo filme, podem fazer uma oferta ao produtor. Fechando negócio, o
distribuidor promove o filme ao máximo através de uma campanha estratégica direcionada ao público alvo. Após gerar interesse
do grande público, o distribuidor então negocia as porcentagens de lucro com os exibidores (salas de cinema). Nesse modelo de
mercado, o distribuidor arriscase bastante, afinal de contas, elaborar e realizar uma campanha de divulgação não é tarefa fácil
nem barata, e, se após a campanha o filme for um fiasco na bilheteria, o prejuízo fica também com o distribuidor. Já no extremo
oposto, quando o filme fatura alto, quem mais ganha também é o distribuidor. Evidentemente todo esse processo é bastante
complexo e foi descrito aqui de maneira simplista – apenas para que se compreenda o mecanismo básico.
O grande desafio e problema é que no Brasil a relação produtor-distribuidor-exibidor não funciona assim e parece operar de
maneira bastante aleatória (para desespero dos cineastas, que parecem concordar em unanimidade que o grande abismo na
indústria cinematográfica encontra-se justamente nessa etapa). Em primeiro lugar, é bastante raro conseguir trazer distribuidores
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DISTRIBUIÇÃO E LANÇAMENTO
para uma cabine ou exibição fechada de seu filme. Geralmente, as empresas distribuidoras solicitam uma cópia do filme completo
para que possam assis r e avaliar (tal procedimento deixa os cineastas bastante nervosos, afinal de contas, o filme nem foi
lançado e já há cópias circulando. Além disso, não há como saber se o filme foi assis do em condições adequadas!). O mais
curioso, no entanto, vem depois: caso a empresa distribuidora se interesse pelo filme, é comum que ela peça ao produtor uma
verba de comercialização! Isso mesmo! Nesse caso, o produtor/cineasta precisa “pagar” para que seu filme seja distribuído (e essa
verba de comercialização não é pequena! Pense em algumas dezenas de milhares de reais!). Nesse cenário bastante problemá co,
o distribuidor não arrisca nada e apenas lucra dos dois lados: recebe dinheiro do produtor/cineasta para divulgar o filme além de
receber valores de lucro da bilheteria das salas de cinema. Isso gera ainda outra consequência desastrosa: já que o distribuidor
possui seu lucro assegurado e não tem nada a perder, também não existe grande preocupação com retorno de público (o que
pode explicar as campanhas de divulgação virtualmente inexistentes para grande parte dos títulos nacionais). Não possuo
qualificação para dizer o quanto esse procedimento é lícito ou legal, possuo apenas experiência suficiente para saber que é
bastante comum e ineficiente. Evidentemente, há exceções, e também pode ser possível que a empresa distribuidora manifeste
interesse genuíno pelo filme. Nos casos ideais, o contato entre o produtor e o distribuidor é realizado na fase de pré-produção, e,
não raro, o distribuidor pode inclusive injetar verba adiantada no projeto – o que geralmente configura um procedimento
ba zado de “co-produção” (a empresa distribuidora assumiria o título de co-produtora do filme). No entanto, especialmente no
Brasil, é bastante comum que, antes do fechamento de qualquer negócio, as distribuidoras aguardem até perceber e avaliar o
desempenho do filme no circuito dos fes vais (onde já pode ser possível vislumbrar a reação do público e da crí ca especializada).
Isso nos leva para a segunda opção/caminho para o lançamento de seu filme:
CIRCUITO DE FESTIVAIS
Ao concluir seu filme, é importante gerar interesse e expecta va. Queremos que o público e a crí ca comentem sobre o filme, e,
quem sabe, se for possível conquistar até mesmo algum espaço num veículo de mídia! Para a ngir tais metas, uma das opções
mais controladas (vejam bem: “controladas” não significa “fácil”!) é a trajetória no circuito de fes vais. Escolhi a palavra
“controlada” pois o realizador/produtor do filme não necessita intermediários para cumprir essa etapa. Você mesmo pode
planejar sua estratégia, escolher os fes vais, submeter seu filme, torcer e aguardar pelos tão desejados louros! No entanto, antes
de sair a rando para todos os lados, observe a seguir dicas valiosas que podem transformar sua experiência no circuito de
fes vais em um momento produ vo e benéfico para a carreira do seu filme:
A) Faça uma pesquisa extensa e um levantamento de todos os fes vais para os quais o seu filme poderia ser enviado (muitos
fes vais trabalham com categorias específicas como curtas, longas, filmes de horror etc.). Uma excelente fonte de
consultas para fes vais nacionais é o site: knoforum.org após listar os fes vais interessantes, verifique necessidades
logís cas como por exemplo o formato exigido para a exibição do filme (alguns fes vais somente aceitam cópias em BluRay, outros em DVD, outros em DCP etc.), os prazos e custos para submissão do filme e FIQUE ATENTO para o caso do
fes val exigir inedi smo! Ao ser aceito em um fes val que exige obras inéditas, você automa camente estará abrindo mão
da par cipação em outros eventos e fes vais. Para os produtores e realizadores, essa é uma exigência chata e
problemá ca, mas muitos fes vais trabalham dessa maneira.
B) Após selecionar os fes vais que parecem interessantes, faça um trabalho de “dete ve”: inves gue a fundo os fes vais –
procure conversar com outros cineastas que já tenham par cipado de tais fes vais, faça todas as perguntas que quiser aos
organizadores e, se possível, tente conversar com pessoas que tenham ido ao fes val como “público” e não como
cineastas! Procure saber também o que o fes val oferece em termos de prêmios e estrutura (passagens, estadia etc.). Essa
inves gação é importan ssima, afinal de contas, há tantos fes vais mal organizados e mal estruturados que podem não
valer o esforço e o custo do envio de seu projeto! Há fes vais que não possuem estrutura adequada para exibições
decentes e seu filme pode ser prejudicado por um projetor ruim, uma sala abafada ou um sistema de som falho. Há ainda
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fes vais que parecem valorizar mais a presença de celebridades do que os próprios filmes. Fique atento e não submeta seu
filme a fes vais assim – uma exibição ruim pode
causar mais danos do que benefícios ao seu projeto (além de desrespeitar todo seu trabalho e esforço de anos sobre um
filme!).
C) Prepare seu material promocional! Aqui, infelizmente, é chegado o momento de, mais uma vez, abrir a carteira e inves r um
pouco mais de dinheiro. De nada adiante ir a um fes val se o público não sabe sobre seu filme. Assim, crie pôsteres, cartazes
e banners para poder enviar à comissão organizadora do fes val ou simplesmente para espalhar pela cidade que sedia o
fes val (de preferência em lugares estratégicos e próximos ao local da exibição de seu filme). Não esqueça de incluir no
pôster as datas e horário de suas sessões/exibições. Além disso, leve cartões de visita/negócios! Não há nada mais chato do
que conhecer uma pessoa interessante em um fes val e precisar ouvir ou falar a famigerada frase “Puxa, meus cartões
acabaram!”. O limite para a criação e produção de material promocional será seu bolso! Enquanto houver dinheiro, faça
cartazes, cartões postais, camisetas, brindes relacionados ao filme etc. Só lembre de não gastar tudo em um único fes val.
D) Ao ser aceito em um fes val, procure gerar/criar interesse para seu filme. Além do material promocional, u lize as redes
sociais, crie blogs e sites, convide o público local, tente entrar em contato com a mídia local! Se você possuir amigos na área
de publicidade e marke ng, converse com eles e levante idéias! Só cuide para não “desgastar” o filme, ou seja, gerar e
disponibilizar conteúdo demais cedo demais.
E) Tenha paciência e controle suas expecta vas: levar um “Não” em um fes val não é o fim do mundo! O início é sempre a fase
mais difícil e a espera até ser aceito em um primeiro fes val parece interminável. Mantenha a calma e o bom humor e,
eventualmente, algum fes val irá se interessar pelo seu filme e convidá-lo (mas, geralmente, para que isso aconteça, é
bastante comum ouvir dezenas de “Nãos” antes!). Finalmente, ao ser selecionado, lembre-se que isso por si só já é um
prêmio! Não crie expecta vas com relações a prêmios, pois a seleção oficial já significa muito! Alguns fes vais recebem
literalmente milhares de filmes todos os anos. Ser escolhido dentre milhares já é um grande trunfo!
Ter uma boa trajetória no circuito de fes vais pode significar gerar interesse por parte dos distribuidores, mas lembre-se:
isso NÃO é garan a de distribuição! Apenas aumenta suas chances e, no mínimo, leva seu filme a públicos diversos – o que já é
uma experiência e tanto! A indústria cinematográfica está cheia de histórias de filmes que foram literalmente comprados por
grandes distribuidores em fes vais: A Bruxa de Blair, os premiadíssimos Crash e Guerra ao Terror dentre muitos outros! Quem
sabe seu filme pode ter a mesma sorte? Para ilustrar bem a questão do circuito de fes vais, vou u lizar a princípio dois de meus
úl mos projetos como “Case Studies” e, finalmente, para ilustrar o processo de “self distribu on” ou “auto distribuição”, vou
u lizar como case study o longa independente “A Lonely Place for Dying” do diretor americano Jus n Evans.
CASE STUDY #1: SEM FIO (ou “quando as fórmulas não funcionam”!)
No ano de 2008, após ter realizado dois filmes de longa metragem nos Estados Unidos, finalizei o longa SEM FIO no Brasil. O
projeto era (e ainda é!) bastante ousado e nada ortodoxo. Como a história no roteiro tratava de relações caó cas e jovens
desgarrados na vida urbana contemporânea (com todos os ingredientes que o “caos” e o “desgarramento” podem sugerir), eu
optei por levar às telas uma linguagem visual que refle sse esse conteúdo. Também por se tratar de um roteiro rápido, caó co
e agressivo, seria incoerente gravar o filme u lizando uma linguagem tradicional, então optei por arriscar bastante. Foi um
risco calculado e, até onde eu podia conceber, um risco que certamente traria vantagens ao filme. Bom, o tempo mostrou que
esse risco foi verdadeiramente uma faca de dois gumes: muitos colegas cineastas e até mesmo parte do público comparavam e
associavam o SEM FIO à filmes como “Trainspo ng” de Danny Boyle ou “Requiem para um Sonho” de Darren Aronofsky, logo,
é fácil perceber que não é um filme de fácil digestão e assimilação. Ainda assim, eu acreditava que o filme possuía todos os
elementos necessários para a ngir grande êxito junto ao público: uma história ágil, um Rock Star no papel da personagem
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DISTRIBUIÇÃO E LANÇAMENTO
principal (o cantor Nasi, ex-vocalista do IRA! protagonizou o longa em uma performance brilhante), trilha sonora bastante
contemporânea incluindo uma música do grupo “O Teatro Mágico”, cenas de luta e vale tudo contando inclusive com a
par cipação de “Gibi”, ex-campeão mundial de Muay-Thai (e todos nós sabemos como eventos à la UFC geram público hoje
em dia). Logo, passei à realização de cabines (ou exibições fechadas) para distribuidores convidados – antes mesmo de tentar
inserir o filme no circuito de fes vais. O resultado das cabines foi invariavelmente o mesmo: o distribuidores achavam o filme
“ousado” e arriscado demais, preferindo esperar os fes vais para avaliar a reação do público. Dessa forma, embarcamos na
segunda etapa: o circuito de fes vais. Foi um período maravilhoso para o filme. O SEM FIO foi selecionado e premiado em
fes vais importantes do Brasil e do mundo, incluindo uma sessão histórica na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo
(com lotação máxima esgotada e uma enorme fila de espera!) e um pomposo prêmio de “Excelência em Cinema” conquistado
no Fes val Internacional do Canadá, em Vancouver. Com tudo isso, acreditamos que tínhamos a faca e o queijo na mão, e que
era somente uma questão de tempo até choverem propostas de distribuidores. Ledo engano. O SEM FIO foi de fato adquirido
por uma distribuidora e lançado no circuito comercial, no entanto, sem qualquer po de grandiloquência ou glamour! Foi uma
distribuidora pequena e uma temporada pra lá de modesta, com retorno de bilheteria ainda mais modesto – modesto até
demais para quan ficar! Evidentemente, isso deu um nó na minha cabeça, afinal de contas, tínhamos atravessado todas as
etapas com grande êxito para, no final das contas, alcançar um retorno de mercado mínimo. Com isso, só conseguia lembrar
das palavras do meu professor no California Ins tute of The Arts em Los Angeles, quando ele afirmava que “...a única coisa que
eu sei é que na indústria de cinema ninguém sabe de absolutamente nada.”. Ele estava certo. Tínhamos um filme ousado e
premiadíssimo nas mãos (contando inclusive com prêmios internacionais de prestígio),
nhamos uma distribuidora,
repercussão de mídia razoável incluindo matérias em diversos canais de televisão e ar gos em jornais e revistas, atores e
famosos no elenco... ainda assim tudo isso não foi o suficiente para garan r o êxito do projeto no circuito comercial. O case
study do SEM FIO serve para mostrar como não há, de fato, regras ou fórmulas fixas que possam garan r o sucesso de um
filme. Mas que isso não sirva para desanimar os cineastas e produtores. Vou passar agora a outros dois case studies bem
diferentes, com estratégias únicas e que parecem estar funcionando muito bem: meu outro longa realizado em 2011 (“Alguém
Qualquer”) e o longa já mencionado “A Lonely Place for Dying”. A questão agora - pelo menos para mim e para minha equipe era avaliar tudo que havia sido feito e planejar estratégias diferentes para um próximo projeto. E foi o que tentamos fazer, o
que nos leva à nossa próxima analise:
CASE STUDY #2: ALGUÉM QUALQUER (criando estratégias personalizadas)
Durante todo o processo atravessado com o longa SEM FIO (onde procuramos seguir à risca toda a car lha de lançamento para
filmes independentes), um fato chamou muito a nossa atenção: enquanto o filme angariava louros e gerava repercussão nos
principais fes vais de cinema do Brasil (incluindo a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo e o Fes val Internacional do
Rio), a grande mídia parecia não se interessar pelo projeto. Evidentemente, isso frustrou muito a equipe, afinal de contas, estamos
falando dos maiores eventos de cinema em território nacional! Fizemos tudo que estava ao nosso alcance, chegamos a contratar
uma assessoria de imprensa especializada e ainda assim pouquíssimos veículos de comunicação se mostraram interessados. No
entanto, assim que o filme foi selecionado para um fes val internacional e conquistou o prêmio de "Excelência" no Canada
Interna onal Film Fes val, repen namente começamos a receber convites para matérias, entrevistas, programas de televisão
etc. Foi, também, somente após o prêmio no Canada que recebemos a proposta de uma pequena distribuidora nacional. Com isso
em vista (e dispostos a não repe r os mesmos resultados!), decidimos apostar numa estratégia inversa quando chegasse o
momento do próximo projeto. No ano de 2012, escrevi, dirigi e editei o longa-metragem "Alguém Qualquer" - finalizado em
meados de 2012. Junto à minha equipe de lançamento e produção execu va (dirigida pela também atriz e integrante da equipe
Amanda Maya), decidimos começar exclusivamente pelo circuito internacional de fes vais. Essa é uma escolha que
evidentemente sai mais cara (custos de envios e submissões à fes vais estrangeiros são sempre bastante salgados!), porém, a
trajetória com o longa SEM FIO nos mostrou que basta um reconhecimento ou prêmio internacional para que a mídia e o público
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se interessem pelo projeto. Para o "Alguém Qualquer", tal estratégia parece ter dado certo! Em menos de seis meses, acumulamos
prêmios de peso na Universidade de Harvard (o prêmio "Curator's Choice"), na California Film Comission (o prêmio "Gold Award"),
no pres gioso Sedona Interna onal Film Fes val ("Humanitarian Award") e no Logan Interna onal Film Fes val, onde fomos
agraciados com o prêmio top de "Melhor Filme" - isso sem contar com a par cipação como seleção oficial em outros fes vais
como o Fargo Interna onal Film Fes val e o Beloit Interna onal Film Fes val. O projeto parece ter agradado em cheio o público
norte-americano, e, o que é melhor, essa trajetória de êxito nos rendeu abertura de conversas e negociações com três
distribuidoras diferentes em potencial além de ampla divulgação em território nacional e internacional (com direito a matérias em
jornais do Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Brasília, Alagoas, Vale do Paraíba, Nova York etc.). Finalmente, em Janeiro de 2016
(data da escrita deste ar go) o longa “Alguém Qualquer” alcançou um êxito comercial bastante razoável: além de ter sido finalista
para representar o Brasil no Oscar® em 2016, o filme estreou em salas de cinema em São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre para
em seguida começar a ser exibido intensamente em diversos canais de televisão como Sony, Fox, FX, Paramount, Turner, Prime
Box Brasil e outros!
Finalmente, além de todas as "pseudo" fórmulas e caminhos já testados e apresentados para o lançamento de filmes, há ainda
uma opção que tem se popularizado cada vez mais: o famoso "faça você mesmo" ou ainda, em inglês, a popular expressão "Do It
Yourself". Com a recente explosão das mídias digitais, streamings virtuais e redes sociais, todo o universo tradicional de
divulgação, exibição e relação com o público parece estar de pernas pro ar. Some-se a isso uma nova geração de cineastas
independentes cansados de um caminho cheio de inseguranças e dificuldades e a receita explosiva está pronta! Como sempre, os
caminhos não são fáceis, exigem tempo, dedicação e muitas vezes dinheiro, mas novas portas estão certamente se abrindo. Para
ilustrar esse úl mo - e extremo - cenário, u lizo mais um exemplo:
CASE STUDY # 3: A LONELY PLACE FOR DYING
(o caso da "self distribu on" ou ainda o famoso DIY – Do It Yourself)
Em 2008, o cineasta Jus n Eugene Evans gravou seu longa metragem "A Lonely Place for Dying" (Um Lugar Solitário para Morrer) ainda sem previsão de estréia no Brasil. Durante dois anos, o thriller de espionagem ambientado durante a guerra fria conseguiu
um feito impressionante: foi selecionado para 46 fes vais conquistando 29 prêmios! Para Jus n Evans, isso só podia significar
uma coisa - distribuição garan da! Ledo engano (exatamente como no meu caso com o longa-metragem Sem Fio!). Não surgiram
propostas de distribuição e o cineasta ficou a ver navios. No entanto, após inves r 200 mil dólares na realização do filme, Jus n
Evans decidiu par r para o ataque e criar uma estratégia sólida para auto-distribuir seu projeto. Inicialmente, Evans e seu me
trabalharam por seis meses reunindo informações relevantes acerca de cidades estratégicas, número de salas de cinema,
densidade demográfica, preços de anúncios pagos etc. Em seguida, munidos desses dados e de um Business Plan sólido,
conseguiram conquistar a ajuda de três inves dores que acreditaram no potencial do filme e dos números levantados ao longo dos
seis meses anteriores. Dessa forma, Evans construiu um pequeno me de lançamento e agendou diretamente exibições em 20
salas de cinema em cinco estados diferentes. Ao trabalhar com salas de cinema em cidades menores, conseguiu um acordo de
divisão de 50/50 na bilheteria e se comprometeu a caprichar na divulgação com material promocional impresso e anúncios pagos
na mídia local. Quase como conseqüência direta, mecanismos virtuais de exibição (iTunes, Amazon etc.) manifestaram interesse e
fizeram ofertas interessantes à Evans, que aceitou. Finalmente, a par r do dia 12 de Fevereiro de 2013 (quase cinco anos após a
produção!!) o filme foi disponibilizado nos EUA, Australia, Canada, Irlanda, Nova Zelândia e Reino Unido. Em breve, deverá ser
lançado no México, Rússia e Ucrânia. Jus n Eugene Evans admite ter plena consciência de que seu filme não é nenhum
blockbuster e ainda não representa um sucesso comercial, porém, vinte salas de cinema e nove países são muito mais do que a
grande maioria dos filmes brasileiros pode sonhar como plataforma de exibição e lançamento! A Lonely Place For Dying é prova
irrefutável de que os tradicionais modelos de distribuição podem estar com seus dias contados. Concluindo, espero ter oferecido
ao cineasta independente um panorama atual e realista das possibilidades de planejamento, produção, lançamento e distribuição:
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cobrindo de maneira simples e prá ca todos os principais aspectos técnicos e artís cos per nentes a realização, finalmente
chegando à questões de lançamento e distribuição - das "cabines" e exibições par culares diretamente para os distribuidores
(private screenings) até a opção extrema do "faça você mesmo". É, sem dúvida, um caminho longo e desafiador, mas é possível e
vale muito a pena. O importante é manter a calma e saber que não há fórmulas concretas e certeiras: num momento acentuado de
transformação tecnológica e midiá ca, freqüentemente os cineastas precisam inventar seus próprios caminhos e às vezes contar
com uma pequena dose de sorte! A cada novo projeto, tenha certeza de que os obstáculos e desafios serão assustadores, e uma
vontade enorme de desis r pode aparecer. Quando isso acontecer, lembre-se dos mo vos que o levaram a começar a fazer filmes
e resgate sua inspiração e seu amor pela sé ma arte! Cinema não é uma ciência exata, é uma arte complexa e exigente porém
apaixonante. Trabalhar com cinema é ingressar numa fábrica de sonhos: muitas vezes perdemos o controle e a compreensão, mas
ao mesmo tempo, somos inundados de mágica e realização. Aos que ingressam nessa jornada longa, assustadora e maravilhosa,
boa viagem
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O AUTOR
TRISTAN
ARONOVICH
Tristan Aronovich é cineasta, ator e músico. Seus úl mos projetos foram lançados
por gigantes do cinema como SONY, FOX, Paramount dentre outros além de uma
nomeação como finalista ao Oscar® 2016 para representar o Brasil com o longa
"Alguém Qualquer", filme que lhe rendeu elogios de crí ca como "...digno de Charles
Chaplin..."(O Estado de SP) e "...impecável, excepcional..." (Globo News). Estudou,
como convidado com bolsa integral, na Harvard University, Stetson University,
Arizona State University e California Ins tute of The Arts (CalArts). Conquistou
prêmios como cineasta, ator e músico no mundo inteiro incluindo “Excelência em
Cinema” (Canadá Interna onal Film Fes val), “Gold Award” (Califórnia Film
Comission), “Prêmio Humanitário” (Sedona Interna onal Film Fes val), “Melhor
Filme” (Logan Interna onal Film Fes val) além de prêmios nos pres giosos Guitar
Founda on of America (EUA), Berklee Open Music Fes val (EUA) e Simone Salmaso
Compe
on (Itália). Suas performances e trabalhos foram descritos como “...ágil,
empolgante, botando para quebrar...” pelo jornal norteamericano San Antonio Express
News e como “...digna de um Oscar...” por Marjo-Riikka Makela (Chekhov Studio
Interna onal). Já realizou sete filmes de longa-metragem além de dezenas de curtas,
videoclipes e documentários.
Ministrou aulas na Arizona State University, Califórnia Ins tute of The Arts, USP (Universidade de São Paulo), Faculdade Belas
Artes e Faculdade Mauricio de Nassau. É diretor e professor do La n American Film Ins tute (www.lafilm.com.br) e autor do livro
"Fazendo Cinema”.
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