Estórias de Encantar - pt

Transcrição

Estórias de Encantar - pt
Oficinadaterra
Oficinadaterra
Os artesãos
*
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1º Prémio Nacional de Artesanato Contemporâneo
FiA2000
1ª Menção Honrosa Nacional Artesanato
Contemporâneo FiA2000
1º Prémio Nacional Artesanato Contemporâneo
FiA2001
1º Prémio Nacional Artesanato Contemporâneo
FiA2002
1º Prémio Nacional Bienal de Artesanato
Contemporâneo IEFP - Ministério Cultura
2003/2005
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Oficinadaterra
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“Uma nova forma de sentir o barro(...)”
Correio da Manhã - 29/08/2001
2003 -
“Peças que conversam em silencio... Falam sério,
com humor ... Inexplicavelmente descontraídas”
Cristina Pereira - revista Unibanco Nov- Dez
2004
“Da terra, do barro, Deus moldou o primeiro homem,
dele a primeira mulher. Pela Oficinadaterra, dois mil
anos depois, vi moldado o pensamento” Maria Luisa Baião sobre “Paixão” - Diario do
sul 5/4/2005
*
Dessa parceria resultou a exposição Estórias de Encantar, patente ao público entre 1 de Dezembro e 6
de Janeiro de 2008, no foyer do CCR. Mantendo-se fiéis a um trabalho de sucessos e honrarias que vem
sendo desenvolvido pela Oficina da Terra, as peças criadas para esta ocasião resultam do modo como estes
artesãos interpretaram, com recurso à moldagem do barro, alguns dos mais belos contos da literatura infantil
universal.
Contudo, a própria história que aqui vos contamos ficaria incompleta se apenas consistisse numa exposição
com a duração de um mês. Assim, o Município de Redondo e a Oficina da Terra decidiram editar este livro
com os mágicos contos de encantar que agora apresentamos, esperando contribuir para a renovação da
magia, tão característica da quadra natalícia.
*
“Este sucesso deve- se(...) à originalidade da sua
produção(...) e de romper com a visão antiquada
do artesanato”
J.P.S - Publico - 18/10/2001
“Cerâmica com alma”
Alma do design - publicação anual
instituto Português de design
Tiago Cabeça
Nasceu em Évora a 29 de Maio de 1970.
Em 1987 bolseiro da CGTP na União Soviética.
Curso de língua russa na faculdade preparatória
de Kiev - Ucrânia. Ingressou, sucessivamente, em
1989 no instituto politécnico de Vinitsa - Ucrânia
no curso de construção de computadores; 1990
por transferencia no Instituto Politécnico de Kiev
- Ucrânia, em programação de computadores; na
Universidade de Évora, em 1992 regressado já da
CEI, em Engenharia de Processos e Energia como
estudante - trabalhador nos mais variados ofícios
e profissões.
Frequentou Artes Plásticas, na Universidade de
Évora, aprendeu em 1999 os segredos da arte do
barro com os mestres Orlando Guimarães e António
Velho, da Olaria Guimarães/Velho em S. Pedro
do Corval - Reguengos de Monsaraz. Esculpe e
molda todas as peças da, por si criada com Magda
Ventura em 1999, oficina da terra.
Foi graças a uma feliz convergência de interesses que, a convite da Câmara Municipal de Redondo, a Oficina
da Terra se comprometeu com entusiasmo em realizar uma exposição de trabalhos inéditos em Redondo.
Por seu turno, a autarquia procurava assegurar a qualidade que tem sido seu apanágio na programação do
Centro Cultural de Redondo (CCR), em particular num mês com o simbolismo de Dezembro. Pensamos ter
atingido uma vez mais esse objectivo.
*
Magda Ventura
Nasceu em Reguengos de Monsaraz a 16 de
Novembro de 1976.
Participou em Workshops de pintura sobre olaria
tradicional em S. Pedro do Corval - Reguengos de
Monsaraz. Frequentou o Curso de Física e Química
da Universidade de Évora. Pinta e finaliza todas
*
as peças da, por si também criada, oficina da
terra.
*
Resta-nos terminar esta bela história, com a convicção de que o Natal significa, antes de mais, uma reedição
de valores e princípios que estas estórias de encantar nos trazem em cada frase que percorremos.
Feliz Natal a todos, são os votos do Município de Redondo.
O Presidente da Câmara Municipal
Branca de Neve e os Sete Anões......................................5
o gato das botas....................................................9
o soldadinho de chumbo...................................................13
os três porquinhos......................................15
A cinderela....................................................................19
o Nascimento de jesus....................................................21
Alice no país das Maravilhas..............................23
o flautista de hamelin.....................................................27
rapunzel .................................................29
gulliver .........................................................................32
joão e o pé de feijão..........................................34
joão, Maria e a casinha de chocolate.............................38
a história da Arca de Noé..............................40
pinóquio.............................................................................42
o gigante egoísta................................................................46
A pequena sereia..................................................51
Capuchinho vermelho.......................................................57
pedro e a Andorinha.........................................60
Há muitos séculos atrás, havia um reino
governado por uma rainha muito vaidosa e
má que era cruel com todos os seus vassalos. A rainha apenas se preocupava com a
sua beleza e conforto, sem se importar com
o sofrimento do seu povo. De tal forma,
que uma das suas vítimas predilectas era
a sua enteada, a princesa Branca de Neve.
A princesa era uma criada nas mãos da
malvada madrasta. Porém, embora sofresse,
a menina não se tornava triste nem infeliz.
Executava o seu trabalho diário com muito
empenho e alegria.
A madrasta praticava feitiçaria negra e tinha
um espelho mágico que consultava acerca
de tudo o que queria saber. Por ser tão
egoísta e vaidosa, interrogava frequentemente o espelho.
- Espelho mágico diz-me, quem é a mulher
mais bela do reino?
- Tu, minha rainha. Tu és a mais bela de
todas. - respondia o espelho.
E isto continuamente. No entanto, certo dia,
algo se alterou.
- Temo que tenhas deixado de ser a mais
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bela - respondeu-lhe.
A madrasta nem queria acreditar nos seus
ouvidos. O espelho continuou:
- Branca de Neve superou-te na beleza.
Furiosa, a rainha tomou uma decisão: mandou o caçador real passear Branca de Neve
pelo bosque e matá-la. O caçador recebeu
a ordem com muita amargura, pois amava a
menina como um pai ama a sua filha. Mas
nada disse à rainha, pois sabia que isso lhe
custaria a vida.
Naquela tarde, encantada com a luz e cor
da floresta, Branca de Neve passeava com
o seu amigo caçador. Ajoelhou-se no chão,
no meio de um campo de flores silvestres
e nesse instante, o caçador viu que seria
o momento certo para a matar. Desembainhou o cutelo e ergueu-o, mas vacilou.
A emoção e os sentimentos pela princesa
traíram-no. Ajoelhou-se aos pés de Branca
de Neve e pediu-lhe perdão. Confessou os
desejos mórbidos da rainha e pediu-lhe que
escapasse dali de imediato. A menina despediu-se do bom amigo com um abraço e
fugiu.
*
.
.
Branca de Neve correu desesperadamente
6
durante horas, por entre as árvores e arbustos. Estava tão assustada por estar sozinha
num lugar desconhecido e escuro, que
qualquer ruído a apavorava.
Ao fim de algum tempo, encontrou uma
casinha construída no tronco de uma árvore.
Bateu à porta mas ninguém respondeu. Empurrou a porta e entrou numa sala onde os
móveis eram muito pequenos. Parecia uma
casa de crianças. Mas, o que mais chamou
a atenção da princesa foi a sujidade que
havia por todo o lado, como se aquele local
jamais tivesse sido limpo. Decidiu limpar a
casa toda. Quando já estava tudo a reluzir,
Branca de Neve sentiu-se esgotada. Subiu
ao andar superior e deitou-se sobre três
pequenas camas, adormecendo num instante, dominada pelo cansaço.
*
Vindos do ermo do bosque, um grupo de
sete anões regressava a casa, após um
longo dia de trabalho. Mal entraram, assustaram-se. A casa estava tão limpa. Que
sucedera?!... Subiram ao andar superior e
a surpresa deixou-os boquiabertos. Uma
autêntica princesa dormia nas suas camas.
Branca de Neve acordou com o barulho,
contou-lhes tudo e pediu-lhes que a ajudassem a esconder-se da madrasta. Em troca, ela cuidaria das lides domésticas e prepararia todas as
refeições. Todos acabaram por concordar, comovidos com a história da
menina.
No castelo, a rainha questionou de novo o seu espelho. Mas para sua
surpresa e raiva, este voltou a dizer-lhe que Branca de Neve era muito
mais bela do que ela. Também acabou por a informar onde se escondia
a bela princesa.
Vermelha de ódio, a rainha resolveu tomar uma poção mágica que a
transformou numa velha. Preparou também uma maçã envenenada, que
daria a comer à princesa. O feitiço provocado pelo veneno só se quebraria, eventualmente, com um genuíno beijo de amor. Isso seria certamente coisa difícil para quem estivesse adormecido para todo o sempre
na floresta profunda.
.
Na manhã seguinte, os anõezinhos retornaram ao trabalho mas avisaram
a menina para não abrir a porta a ninguém, pois a rainha tinha espiões
em toda a parte. Passada uma hora, estava a princesa na sua lide doméstica, quando ouviu alguém bater à porta. Assustou-se inicialmente
mas era afinal uma inofensiva velhinha que se mostrava cansada e com
sede. Pediu-lhe água e Branca de Neve enterneceu-se, servindo-lhe generosamente um copo.
- Muito obrigada, menina. Em troca do teu gesto bondoso, ofereço-te esta
maçã vermelha. É a melhor e mais suculenta que tenho.
*
Quando os anõezinhos chegaram à gruta onde trabalhavam, ouviram um
estranho barulho e observaram que os morcegos não paravam de voar
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freneticamente em círculos. Perceberam de imediato que era um sinal,
um aviso de que algo não estava bem. Chamaram uma família de veados
e, montados sobre os lombos dos animais, empreenderam uma correria
desenfreada em direcção a casa.
Com Branca de Neve caída inanimada no chão depois de ter comido a
maçã, a rainha malvada tirou o disfarce e riu-se num esgar tenebroso
celebrando a vitória: era agora a mulher mais bela de todas! Ao pressentir a chegada dos anõezinhos, escapou-se perante a tristeza da floresta e
auxiliada pelos seus feitiços. Porém, os fortes ventos e chuvas invocados
pela rainha viraram-se contra ela e foi fulminada por um raio. A força
daquele fenómeno atirou a rainha para um abismo, desaparecendo para
sempre da face da Terra.
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Inconsolados pelo adormecimento da princesa, os anõezinhos prepararam
um leito majestoso, onde descansaria o corpo da Branca de Neve. Rodeada de flores, a menina jazia como que a dormir, embalada no pranto
dos seus amigos. Nisto, um ruído de cascos fez-se ouvir e num belo
corcel branco vinha montado um denodado cavaleiro. Era um príncipe
que vinha de um país longínquo, atraído pela beleza e triste história da
princesa.
Ao encontrá-la deitada debruçou-se sobre Branca de Neve e deu-lhe
um suave beijo de amor nos lábios. Aquele gesto desfez imediatamente
o feitiço da maçã envenenada e Branca de Neve acordou lentamente.
Todos se alegraram por ela estar viva. O príncipe tomou-a nos braços e
levou-a para o seu reino, tomando-a como sua esposa. Os anõezinhos
nunca deixaram de visitar a sua amiga. E todos viveram felizes e em paz
para sempre.
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Adaptação a partir do conto original dos Irmãos Grimm.
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Era uma vez um moleiro muito velhinho e
cansado. Certo dia, pressentiu que a sua
hora de partir para outro lugar estava a
chegar e decidiu repartir os seus bens pelos
três filhos. Ao mais velho, deu-lhe o moinho;
ao segundo, deixou-lhe o burro; e ao mais
novo, um gato. O terceiro filho sentiu-se
muito descontente com o que tinha herdado,
pois sabia que morreria à fome sem
trabalho e o gato não valia nada. Mas ao
sentir o seu novo dono em agonia, o gato
disse-lhe:
- Caro amo. Arranja-me um par de botas e
um saco e verás a boa sorte que o teu pai
te deixou. Acredita, meu amo, valho mais
que um moinho ou um asno.
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Mesmo não tendo ficado totalmente
convencido, o rapaz gastou todo o dinheiro
que tinha num belo par de botas e num
saco para o seu gato. Este calçou as
botas, pôs o saco às costas e dirigiu-se
a um prado verde. Antes de partir, meteu
farinha dentro do saco e algumas folhas de
couve. Quando chegou ao prado, abriu o
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saco e espalhou alguma farinha no chão.
Deitou-se ali ao lado, muito quieto e quase
sem respirar, fingindo-se morto. Seduzido
pelo cheiro da comida, um coelho enfiouse no saco. O gato pegou nele e levou-o à
presença do Rei, oferecendo-lhe o coelho.
- Sua Alteza, trago-vos aqui um manjar...
Um coelho bravo que o meu amo, o
Marquês de Carabás, lhe envia em seu
nome.
- Coelho bravo! - exclamou o Rei. - Adoro!
Diz ao teu amo que agradeço a sua
amabilidade e envia-lhe os meus mais
sinceros agradecimentos.
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Na manhã seguinte o gato praticou o
mesmo esquema de caça e capturou duas
gordas perdizes. De imediato levou-as ao
Rei, tal como tinha feito com o coelho. O
rei rejubilou de alegria. Ficou tão curioso
com este desconhecido que lhe enviava
deliciosas peças de caça, que mandou
preparar a sua carruagem a fim de visitar
o tal marquês, fazendo-se acompanhar da
princesa, sua filha.
O gato foi logo ter com o seu amo e disse.
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lhe:
- Meu senhor, a sua sorte está a chegar...
Mas terá de seguir os meus conselhos para
a alcançar. Venha comigo até ao rio e fique
lá a banhar-se no lugar que eu indicar.
Confie e deixe o resto por minha conta.
O rapaz fez tudo o que o gato lhe disse.
Quando passava a carruagem real, o gato
desatou a gritar:
- Socorro, socorro! Acudam!
- Que aconteceu? - perguntou o Rei
enquanto mandava parar a carruagem.
- Dois ladrões roubaram a roupa e os
pertences do meu nobre amo! - disse o
gato.
Solidário com tal incómodo, o Rei mandou
uns servos ao palácio, para lhe trazerem
um dos seus fatos. Depois de ataviado
com as reais vestes, a elegância do rapaz
não deixou indiferente a princesa que, de
imediato se apaixonou pelo rapaz. Também
o Rei se sensibilizou com o «marquês» e
convidou-o para um passeio.
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Apercebendo-se que o seu plano triunfava,
o gato antecipou-se e chegou antes da
carruagem a um campo onde ceifavam
alguns camponeses e disse, num tom
ameaçador:
- Ouçam, o Rei está quase a chegar
aqui. Se não lhe disserem que toda esta
pradaria pertence ao Marquês de Carabás,
transformo os vossos corpos em banha
triturada.
Quando o Rei passou e perguntou quem
era o dono dos campos, os camponeses
responderam em coro:
- Pertencem ao Marquês de Carabás!
- Mas que belas terras tem você! - disse o
Rei para o filho do moleiro.
O rapaz sorriu incomodado e o Rei
murmurou ao ouvido da filha:
- Eu também era assim tímido na minha
juventude...
O gato corria continuamente à frente da
carruagem. Ameaçava e instruía todas as
pessoas que encontrava no caminho. Dentro
da carruagem, o Rei estava maravilhado e
perplexo com tamanha riqueza de um nobre
tão jovem.
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O gato prosseguia na sua corrida.
Atravessou uma densa mata e chegou à
porta de um enorme e magnífico castelo,
no qual vivia um gigante. Este gigante
era muito rico e, na verdade, era ele o
verdadeiro dono de todos os campos
semeados e da mata. O gato, sem perder a
coragem, bateu à porta e disse ao gigante:
- Caro gigante, ouvi histórias magníficas a
seu respeito. É mesmo verdade que tendes
o poder espantoso de vos transformardes
em qualquer tipo de animal?
- Claro que sim. - respondeu o gigante
transformando-se num leão.
- Oh, incrível. - fingiu surpreender-se o
gato - Mas a verdadeira arte reside em
nos tornarmos tão pequenos que ninguém
dá pela nossa presença. Por acaso...
conseguirias transformar-te num ratinho?
- É para já! - assentiu o gigante,
transformando-se num rato.
Perante isto, o gato nem esperou um
segundo. Cravou-lhe logo as suas unhas e
devorou-o com uma dentada.
Desceu até à porta do castelo, pois pelos
seus cálculos e previsões, naquele preciso
momento a carruagem real chegava. Abriu a
.
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porta e disse:
- Sejam bem vindos, ilustres senhores, ao castelo do
Marquês de Carabás!
- Meu Deus! - exclamou o Rei com admiração - Mas que
exuberante castelo tem o senhor! Peço-lhe a delicadeza
de ajudar a minha querida filha a descer da carruagem.
O rapaz, ofereceu timidamente a sua mão à princesa e o
rei murmurou-lhe novamente ao ouvido:
- Eu também era assim tímido na minha juventude...
.
Naquele meio tempo, o gato foi à cozinha e mandou
preparar um esplêndido e rico banquete com os melhores
alimentos e vinhos que por ali havia. Depois do Rei ter
visitado todo o castelo, entraram na sala de jantar e
sentaram-se à mesa.
Após o almoço, o Rei diz discretamente ao Marquês:
- Nobre rapaz, és tão tímido e charmoso como eu era nos
meus tempos de juventude. Mas já entendi que gostas
muito da minha filha, assim como ela gosta de ti. Porque
não a pedes em casamento?
O pretenso Marquês fez uma vénia ao Rei e, corando,
pediu a princesa em casamento, como lhe tinha dito o
Rei. Depois do casamento, o afortunado filho do moleiro
nunca mais se separou da princesa. Nem do gato das
botas.
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Adaptado de Os mais belos contos de Perrault, Editora Civilização, 1993
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Era uma vez um menino chamado Pedro.
Ele era órfão e, por isso, vivia com os seus
avós maternos. Numa manhã muito especial
Pedro fez anos. Ele ficou muito feliz com
a prenda que seus avós lhe ofereceram.
Nunca tinha visto nada igual: era uma caixa
cheia de soldadinhos de chumbo.
.
Estranhamente, um dos soldadinhos só
tinha uma perna. Por ser diferente de todos
os outros, o menino decidiu tirá-lo da caixa
e colocou-o em cima do seu armário de
brinquedos, ao lado de uma bonita bailarina
que se equilibrava graciosamente numa só
perna. Nesse instante, tão próximos um do
outro, nasceu um grande amor entre eles.
Bem no alto do armário, o soldadinho não
imaginava o mal que o espreitava. No dia
seguinte, foi violentamente empurrado por
um boneco que estava louco de ciúmes
por também amar a bailarina. Em desequilíbrio e após um par de trambolhões, o soldadinho de chumbo tombou janela fora e foi
transportado pelo vento. O infeliz caiu num
canteiro, entre flores lilases. Bem perto, dois
meninos jogavam à bola e, um deles, viu
algo a brilhar.
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Chamou o seu amigo e foram ver o que
luzia tanto. Ficaram muito felizes com o
achado. Então um deles disse:
- Tive uma grande ideia! Vamos metê-lo
dentro do meu barquinho de papel e pô-lo a
navegar na água deste ribeirinho.
Infelizmente, a corrente de água era muito
forte e o soldadinho de chumbo foi empurrado até ao interior de um esgoto.
Perseguido por ratos e outros seres das
profundezas dos esgotos, o soldadinho conseguiu bater-se com bravura, escapando por
mais de uma vez a morte certa. No entanto,
já no rio, o frágil barquinho de papel acabou
por não resistir, naufragando. O soldadinho
de chumbo não podia escapar a esse azar
e afundou-se. O pior era que ele não conseguia nadar. Mas, embora se afundasse
cada vez mais, por nada deste mundo
queria terminar a sua vida daquela forma e
naquele lugar, longe da sua doce bailarina.
Sem o saber, a sua sorte havia de mudar
novamente, pois um peixe que por ali passava, engoliu-o num ápice julgando tratar-se
de uma bela refeição.
No outro dia, Pedro teve uma surpresa. Em
cima da mesa da cozinha estava o seu soldadinho de chumbo. A sua avó tinha acabado de retirá-lo da barriga de um peixe que
estava a ser confeccionado para o almoço e
que tinha sido comprado no mercado nessa
manhã. Era uma grande coincidência.
Porém, novo azar bateu à porta daquele
infeliz soldadinho. No meio da brincadeira, o
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rapaz deixou escapar o soldadinho da mão
voando para junto da lareira. Aproveitando
a ocasião, o boneco ciumento empurrou
o soldadinho para o fogo, cujas chamas
proibiram o rapaz de se aproximar, mal se
apercebeu do sucedido.
O soldadinho de chumbo começou lentamente a derreter no calor daquele inferno,
procurando despedir-se da bailarina com o
olhar. Já quase sem fôlego o soldadinho
vacilava em profunda tristeza e no preciso
momento em que se preparava para lançar
um último olhar em redor, foi surpreendido
pela presença dela, que ali estava, para o
amar. Estavam novamente juntos. Beijaramse pela primeira vez, enquanto eram consumidos pelas chamas.
No dia seguinte, a avó de Pedro limpava
a lareira e, entre as cinzas, encontrou um
pequeno coração de chumbo, mas que
brilhava intensamente. Parecia uma pedra
preciosa e era tudo que restara do soldadinho, fiel até o último instante ao seu grande
amor.
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Adaptado de Barnabé, J. ; Novos Contos Maravilhosos; Porto,
Livraria Civilização Editora, 2004
Era uma vez três irmãos porquinhos que
viviam perto de um bosque. O mais velho
era muito sensato e trabalhador mas os seus
irmãos só pensavam em dançar, cantar e
brincar.
O fim do Verão já estava a chegar e o Sabichão, o irmão mais velho, avisava-os todos os
dias assim:
- Manos, olhem que o Inverno não tarda em
chegar e ainda não começaram a fazer os
vossos abrigos. Cautela! Olhem que com o
frio, desce das montanhas o lobo esfomeado
à procura de comida... Vocês passam os dias
a cantar e a brincar mas quando o lobo vier,
a brincadeira será outra.
- O lobo? Nós não temos medo de nada.
- disse Bolota, o irmão do meio, a troçar.
- Ai é? Então como é que vão safar-se do
lobo mau se nem têm uma casa forte? - perguntou o Sabichão. - Sigam o meu exemplo...
a minha casita já está quase pronta! Despachem-se e construam as vossas também.
*
Pouco preocupados, os dois irmãos lá foram
construir as suas casas. Uma para cada um.
Fartura, o mais novo, acabou a sua casa
numa semana:
- A minha casa está pronta, é de palha e foi
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muito fácil de construir!
Por seu turno, o porquinho Bolota decidira
fazer a sua casinha em madeira.
- Só mais meia dúzia de tábuas e estará pronta - dizia ele para si, cheio de
confiança.
*
O tempo passou rapidamente e numa bela
manhã, a neve tinha coberto todos os campos de branco. Fartura e Bolota divertiamse a brincar com a neve:
- Vamos andar de trenó! - desafiava Fartura
- Tu empurras!
- Está bem! - concordou Bolota.
Sabichão, que era o mais previdente, lá ia
recordando os seus irmãos do perigo que
correriam caso não fossem mais atentos:
- Não se afastem muito de casa! Olhem que
o tempo dos lobos já chegou...…
- És mesmo chato... nunca queres brincar
connosco. Só pensas em trabalho. - disse
Fartura.
*
Nisto, os dois irmãos subiram uma encosta
para a descer em trenó. Porém, como Sabichão previu, o lobo rondava aquela zona e
já os observava ao longe, camuflado pelas
.
16
árvores, aproximando- se cada vez mais.
Já muito perto, o lobo faminto saltou por detrás de uma árvore e saudou-os, mostrandolhes a assustadora boca cheia de dentes
aguçados. Aterrorizados, os dois porquinhos
entraram em pânico e deitaram a correr
num atropelo até à casa mais próxima. Era
a casa de palha de Fartura. O lobo inspirou
fundo e soprou com toda a sua força, já a
pensar no belo petisco que iria comer. A
frágil casinha de palha resistiu quatro segundos e voou pelo ar. Nada restou, apenas
os dois porquinhos abraçados um ao outro
a tremer.
- Vamos mano, depressa! - disse Bolota
enquanto fugia - Vamos para a minha casa!
É muito resistente,fi-la toda em madeira!
*
Já dentro de casa, Bolota tentava acalmar o
seu irmão que tremia de medo:
- Acalma-te. O lobo bem pode soprar com
todo o seu fôlego, que esta, ele não deita
abaixo!
O lobo encheu novamente os pulmões e
não perdeu mais do que seis segundos para
mandar aos ares a casinha de madeira,
como se fosse um baralho de cartas. Horrorizados, os dois porquinhos fugiram a sete
pés até à casa do Sabichão.
- Somos nós, mano, abre rapidamente a
porta! - disse fartura - O lobo destruiu as
nossas casas!
- Ah foi? Vocês não passam de dois
preguiçosos! Construíram as vossas casas
de qualquer maneira e ainda se admiram
que o lobo as tenha mandado abaixo? Ca-
beças de alho xoxo! Felizmente que construí
esta casa, sólida como um castelo. Aqui, o
lobo não entra! - sentenciou o irmão mais
velho.
Ao ver que eram três, os porquinhos que
estavam prestes a servir-lhe de refeição, o
lobo sorriu e pensou: - “ora viva ... há anos
que não tinha um almoço tão abastado
como o que vou ter hoje”.
Encheu uma vez mais os pulmões de ar e
soprou, soprou, soprou... até se cansar.
- Bolas, a porta nem tremeu.
Tentou mais uma vez... e nada. Quase a
desmaiar de tanto soprar, o lobo reconheceu a derrota:
- Ganharam... vocês ganharam... desisto.
Vou-me embora.
Bolota e Fartura puseram-se aos pulos a
festejar o anúncio do lobo.
Mas Sabichão sabia que o lobo era matreiro
e não desistia assim tão facilmente:
- Parem! Não festejem ainda! - disse Sabichão - Não sabem que o lobo é manhoso?
Pensou, pensou, pensou e, olhando para a
chaminé disse:
- a chaminé é a única entrada possível para
a casa. Se o lobo tentar entrar por aqui...
Vai esperá-lo uma grande surpresa!
né abaixo. Assim que caiu no caldeirão com
água a ferver, soltou um enorme grito e
saiu espavorido pela porta que Sabichão lhe
abrira entretanto.
Os três porquinhos festejaram finalmente,
cantando e dançando de felicidade.
Quanto ao lobo, acabou a noite sentado
num riacho, lamentando o seu azar.
E os dois porquinhos preguiçosos aprenderam uma lição de que nunca mais se
esquecerão.
*
Adaptado de Os três porquinhos in
Duval, Marie e Jost, Alain; Viagem ao país dos contos; Porto, Livraria
Civilização Editora, 2004
Os três irmãos acenderam a lareira e
puseram um caldeirão com água a ferver.
Sabichão acertou em cheio. Depois de se
recompor, o lobo regressou e escalou agilmente a parede até à chaminé. Chegado lá
acima, nem hesitou e enfiou-se pela chami*
17
Era uma vez uma jovem rapariga chamada
Cinderela. A sua mãe morreu quando Cinderela tinha seis anos e, passados uns
tempos, o seu pai, um comandante de um
navio, casou com a viúva Violante, mãe de
Hortense e Raimunda. Elas eram as três
muito egoístas, feias e invejavam a beleza,
graça e a bondade de Cinderela. Não lhe
entregavam nada do que o seu pai lhe
enviava, obrigando-a a trabalhar como uma
escrava e a vestir as roupas gastas e velhas das suas irmãs.
A rapariga cozinhava, varria e limpava o dia
todo. Para piorar a situação, as suas irmãs
chamavam-na constantemente:
- Cinderela, traz-me um copo com água!
- gritava Hortense.
- Cinderela, engraxa os meus sapatos! - ordenava Raimunda.
Mesmo sofrendo tanta humilhação, ela
nunca se queixava. Nem mesmo ao seu pai,
nos pequenos períodos de tempo em que
ele ficava em casa.
*
Certo dia, a família recebeu um convite para
um grandioso baile no palácio real. O filho
do Rei procurava uma donzela para casar.
*
18
- Tenho a certeza de que o príncipe se vai
apaixonar por mim... - disse Raimunda.
- Tu?! Alguma vez?! Nem em sonhos! És
horrivelmente feia! - sentenciou Hortense,
desdenhando a própria irmã. A pobre Cinderela não teve descanso, atarefada a
trabalhar e a preparar as irmãs para o baile.
Coseu bainhas, engraxou sapatos, penteouas, pintou-as, engomou-lhes os saiotes e
vestidos e ainda limpou as suas jóias.
Mas Cinderela também queria ir ao baile
e perguntou inocentemente às irmãs se as
poderia acompanhar. Hortense e Raimunda
limitaram-se a troçar dela.
Quando pediu o mesmo à madrasta, esta
dirigiu-se à cozinha, agarrou num saco
cheio de ervilhas e despejou-o entre as
cinzas da lareira.
- Querida Cinderela... -começou com ironia
- Podes ir ao baile depois de apanhares
todas as ervilhas.
- Após a madrasta ter saído da cozinha,
Cinderela correu para a janela e chamou
pelos seus amigos passarinhos que, de
imediato voaram para dentro da cozinha e
ajudaram-na a apanhar as ervilhas.
Em seguida, Cinderela levou as ervilhas à
madrasta mas esta respondeu secamente:
- Com ervilhas ou sem ervilhas, não vais ao
baile. Estás imunda e desalinhada. O teu
lugar é na cozinha, não numa festa chique
com damas e cavalheiros.
Depois de nova humilhação, Violante e as
suas duas filhas partiram numa carruagem
para o baile, abandonando Cinderela no
chão a chorar. Chorou tanto que sentia a
sua face queimada. Mas nem por isso conseguia parar de chorar.
*
Subitamente, um clarão de luz azul encheu
a cozinha e dele surgiu uma fada:
- Cinderela, não chores mais. - disse a
fada - Apesar do que te disseram, irás ao
baile. Traz-me uma abóbora e reúne alguns
dos teus amiguinhos no pátio. Num ápice,
Cinderela juntou tudo o que lhe fora pedido
pela fada que, sorrindo, tocou na abóbora
com a varinha mágica. Plim! Transformou-a
numa majestosa carruagem. Seis ratinhos
foram transformados em lindos cavalos
brancos atrelados à carruagem e um outro
converteu-se num elegante cocheiro.
- Agora és tu, minha linda menina! - disse a
fada.
A sua magia envolveu Cinderela num lindo
vestido cor-de-rosa, decorado com contas
de ouro. E, num toque final, presenteou a
pequena com uns admiráveis brincos de
diamantes e uns delicados sapatinhos de
cristal.
- Estás pronta, minha querida.
Mas não te esqueças que
quando baterem as doze
badaladas no relógio, o encanto
termina. E tudo voltará ao mesmo.
*
19
inho, recolhendo-o com amor.
- Não me irei esquecer das tuas palavras.
- prometeu Cinderela.
Quando entrou no salão de baile, todas as
pessoas se calaram, espantadas com tanta
beleza. Todos se perguntavam quem seria
aquela donzela e de onde viera.
Até as irmãs de Cinderela não a reconheceram. fizeram-lhe uma vénia, pensando
tratar-se de uma princesa estrangeira.
Mal a viu, o príncipe não resistiu e foi ao
seu encontro.
- Quem sois vós? Nunca vos tinha visto
antes. - disse-lhe o príncipe.
*
Nessa noite, o príncipe só dançou com Cinderela. Encantado com aquela moça, apaixonou-se perdidamente por ela. Cinderela
estava tão feliz que se esqueceu do tempo
que passava e do aviso da fada. Só quando
o relógio começou a dar as doze badaladas
é que se lembrou.
Sem dizer nada, correu para fora do palácio. Ao descer a monumental escadaria perdeu um dos sapatinhos, mas já não havia
tempo para o apanhar.
O príncipe correu atrás dela mas sem
sucesso. Porém, observou algo que brilhava
num degrau. Aproximou- se e viu o sapat-
20
Depois daquela noite, o príncipe decidiu
percorrer todo o reino com o sapatinho de
cristal, prometendo casar-se com a jovem a
quem servisse o sapato. Experimentou-o em
centenas de raparigas mas todas tinham o
pé demasiado grande ou demasiado pequeno. finalmente chegou a casa de Cinderela.
Hortense e Raimunda tentaram enfiar o pé
no sapatinho mas também não conseguiram.
- Posso experimentar? - perguntou então
Cinderela com timidez.
- Sua Alteza não tem tempo a perder contigo... - respondeu a madrasta - vai imediatamente para a cozinha!
- Não faz mal. - interrompeu o príncipe,
calçando o sapato no pé de Cinderela. Para
espanto de todos, o sapato serviu na perfeição.
- Mas tu não foste ao baile! - resmungaram
espantadas Hortense e Raimunda.
Cinderela tirou o outro sapato do bolso,
provando definitivamente ser ela a donzela
desconhecida.
- És mesmo tu... - murmurou o príncipe com
os olhos a brilhar. Deu-lhe a mão e levou-a
para o palácio. Passados três dias casaram
e viveram felizes para sempre.
*
*
Há cerca de dois mil anos viveu numa terra
chamada Belém na antiga Judeia, uma
jovem muito bela e com um coração de
ouro, chamada Maria.
Ela estava casada com o carpinteiro José.
A dada altura, Maria ficou grávida de uma
criança muito especial. Tão especial, que
os anjos de Deus a visitaram para anunciar
a chegada dessa criança e o seu nome:
Jesus. Era o filho de Deus Todo-poderoso e
a alma de Maria fora escolhida de propósito.
Jesus seria o Messias, um guia intemporal
.
.
dos homens, uma luz para todos no
caminho da salvação.
Do longínquo Oriente, três Reis Magos
decidiram ir ao encontro do menino que iria
nascer em Jerusalém. Sabiam que seria
o novo Messias, anunciado em livros de
profecias antigas. Consultaram os astros
e, em sonhos, anjos disseram-lhes para
seguirem uma estrela que os orientaria até
ao recém-nascido.
Certo dia, pouco antes da anunciada
*
Adaptado do livro Cinderela; Colecção A Minha Biblioteca de Contos
Clássicos, Hong Kong, Tormont International Ltd., 1995
21
chegada da criança, José e Maria tiveram
que viajar de burro até Belém. Maria estava
quase a ter o seu menino mas mesmo
assim não quis deixar de acompanhar o seu
esposo. Na noite que chegaram a Belém,
todas as estalagens e hospedarias da
cidade estavam cheias. José e Maria não
tinham onde dormir e ela estava prestes
a dar à luz. Foram para fora da cidade e
encontraram um velho estábulo de vacas.
Entre as palhas Maria preparava-se, com a
ajuda de José, para ter o seu filho.
.
`
As primeiras contracções, apareceram dois
anjos que a ajudaram no parto. Nessa
mesma noite. num prado de pastagem,
dormiam ao relento um grupo de pastores,
que tomavam conta dos seus rebanhos.
De repente, um anjo de Deus apareceulhes. Ele estava rodeado de uma luz tão
intensa que os pastores sentiram muito
medo, pois nunca tinham visto nada assim.
O anjo acalmou-os com a sua voz suave e
melodiosa:
- Venho anunciar-vos a Boa-Nova. Hoje,
na cidade de Belém, nasceu o vosso
Salvador. Sigam-me! - disse, indicando-lhes
22
o caminho.
Juntou-se a este anjo uma multidão de anjos
que cantavam a Grande Prova de Amor que
Deus tinha dado a toda a humanidade. O
menino nasceu e Maria envolveu-o em faixas
de tecido, deitando-o em seguida numa
manjedoura coberta de palha.
Guiados pela estrela que ficou a brilhar
em cima do estábulo, os Reis Magos
aproximaram-se e encontraram o Menino
Jesus com a Mãe, inclinando-se de imediato
em sinal de respeito e agradecendo aos céus
pela imensa alegria que tinham. Ajoelharamse junto a Jesus e ofereceram prendas
dignas de um rei: ouro, mirra e incenso.
Passado pouco tempo chegaram os pastores.
Eles estavam nervosos mas felizes, na
presença do Menino Jesus. Contaram a
todos os que estavam no estábulo o que
lhes tinha acontecido nessa noite. Todos
os que ouviram ficaram maravilhados com
a graça do acontecimento e agradeceram
a bênção de Deus, em nome de todos os
homens.
.
.
Adaptado de Evangelho Segundo São Mateus (1,18-25; 2, 1-12 );
Evangelho Segundo São Lucas ( 2,1-20); in Biblia Pastoral; vol.II,
Alfragide, Ediclube, 1999
Era uma vez uma menina chamada Alice.
Ela vivia numa casa de campo perto de
um lago. Adorava e respeitava todos os
animais. Sempre desejou e tentou que os
animais falassem com ela. Um dia, sentouse debaixo de uma árvore por causa do
calor que fazia e foi invadida por uma
estranha sonolência. Fechou os olhos e
adormeceu.
Quando acordou, viu um enorme coelho
branco que corria velozmente pelo prado.
Poderia ser perfeitamente natural, se o
coelho não fosse tão diferente de todos
os que conhecia. Vestia roupa humana e,
de quatro em quatro passos, consultava o
relógio de bolso e dizia:
- Estou atrasado! Já estou atrasado!
Alice ficou perplexa com aquilo, mas seguiu
o curioso coelho.
- Olá, senhor coelho! - perguntou Alice
*
23
- onde vai com tanta pressa?
- Não tenho tempo de lhe responder. Estou
atrasado.
- Atrasado para quê?
- Para um encontro muito especial. Já estou
atrasado. - disse, desaparecendo por um
buraco entre as raízes de uma árvore.
Alice enfiou a cabeça no buraco mas não
conseguia ver nada. Aproximou-se mais um
pouco e, de repente, o chão desapareceu
debaixo dela.
*
A menina caiu num abismo sem fim. E a
sensação de pânico só desapareceu quando
Alice se apercebeu que, na verdade, estava
a flutuar suavemente. A escuridão foi
gradualmente desaparecendo para dar lugar
a uma galeria ricamente decorada ainda no
interior da árvore. finalmente, depois dessa
queda interminável, Alice aterrou no chão
da galeria e encontrou-se numa ampla sala
circular.
*
que poderia ter visto ou imaginado. Também
viu estranhos seres que dançavam mas
decidiu continuar a caminhar, pois eles
pareciam loucos.
Alice deu-se conta que era muito pequenina
e decidiu procurar novamente o coelho
branco. Talvez ele a pudesse ajudar a voltar
ao tamanho normal e, assim, voltar para
casa.
Correu pela floresta e lá encontrou o
apressado coelho branco que acabara de
passar atrás de uns juncos. Sem hesitar,
a menina foi atrás dele. Mas o coelho,
repetindo a mesma cantilena, desapareceu.
.
.
*
Viu o coelho desaparecer atrás de uma
portinhola, a única saída daquele espaço.
Mas Alice era demasiado grande para
atravessar a portinhola. Olhou à volta e viu
uma caixa de bolachas e um frasquinho
verde com um líquido. O instinto levou-a a
escolher o frasquinho. Revelou-se, então, a
opção certa. Começou a reduzir de tamanho
até ficar com o tamanho de um insecto.
Abriu a porta e foi ter ao jardim mais belo
*
24
Decepcionada, Alice descobriu uma lagarta
que fumava em cima de um cogumelo e
pensou que talvez ela a pudesse ajudar.
- Por favor, senhora lagarta, ando à procura
de alguma coisa que me faça crescer. Sabe
onde posso encontrá-la?
- Julgas que sou algum posto de
informação? - respondeu a lagarta a fazer
anéis de fumo com a boca. mas como
não pareces ser daqui, irei ajudar-te... se
comeres do lado esquerdo do cogumelo,
cresces. Se comeres do outro, encolhes.
Alice colheu um pedacinho de cada lado...
e, ao experimentar um dos pedacinhos,
recuperou a estatura original. Apesar disso,
dispôs-se a guardar dois bocadinhos de
cogumelo, um de cada lado, pois naquele
país louco tudo poderia acontecer.
Continuou a sua procura. Tinha mesmo de encontrar o coelho branco,
pois só ele a poderia tirar daquele lugar. Em cima de uma árvore enorme
distinguiu algo que brilhava e aproximou-se, curiosa com aquele fenómeno.
ficou espantada ao perceber que o que brilhava era um enorme sorriso. Aos
poucos, uma cabeça foi-se formando em redor do sorriso. Era a cabeça de
um gato. Depois apareceu o corpo e, por fim, o rabo.
- Olá, Alice! - disse o gato sempre a sorrir.
- Olá! Quem és tu? - perguntou a menina com receio.
- Sou o Gato de Cheshire. - disse a bizarra criatura - E tu és a Alice e
andas à procura do caminho que te leve de volta a casa.
- É verdade! - respondeu Alice - Que me queres?
- Tens piada! - disse o gato a rir - o Gato de Cheshire a querer alguma
coisa de alguém! Enfim - se queres encontrar o caminho, pergunta à rainha;
vais encontrá-la lá dentro. - disse, apontando para um tronco.
*
*
*
No tronco da árvore onde se encontrava o Gato de Cheshire, abrira-se
uma porta que dava para um jardim. Alice entrou. Viu de imediato o coelho
branco que tocava uma corneta.
- A Rainha de Copas! - anunciou solenemente.
- Alice observou a rainha. Era uma mulher muito gorda e enorme, com cara
de antipática. Dava a impressão que passava o dia a meter medo a todos
os seus súbditos. Parou diante de Alice e perguntou:
´
- Sabes jogar croquet? Sim? Optimo!
Então vamos jogar uma partida!
Sem querer, Alice viu-se a jogar a partida de croquet mais absurda em
toda a sua vida. Os tacos eram flamingos, que se mantinham muito hirtos
enquanto a rainha batia na bola e encolhiam-se sempre que era a vez da
menina. Ainda por cima, a bola era um ouriço batoteiro.
Todos pareciam estar contra a Alice. Moviam-se para a menina perder o
jogo e a Rainha de Copas ganhar. Como isso não aconteceu, esta acabou
zangada aos gritos exigindo que cortassem a cabeça de Alice.
O Rei de Copas pediu timidamente à sua esposa para que Alice fosse
.
25
julgada previamente. A rainha anuiu e Alice foi conduzida à
sala de audiências por dois guardas.
Assim que começou o julgamento, a menina reparou que as
coisas não corriam a seu favor. Como era inútil defender-se,
a menina encolheu os ombros e levou as mãos aos bolsos.
Subitamente, os seus dedos encontraram os pedacinhos de
cogumelo que faziam encolher ou diminuir. Como não sabia
qual dos dois a aumentaria, pôs os dois pedacinhos na boca.
Cresceu tanto de tamanho que bateu com a cabeça no tecto
da sala.
- Que estava a dizer Sua Majestade? - perguntou com ironia.
- Nada, querida, nada - disse a rainha com um sorriso amarelo
- foi tudo um erro lamentável. Desculpa. Estava errada mas,
felizmente, dei-me conta a tempo...…
- Não é verdade! - berrou Alice - o que acontece é que,
agora a situação se modificou. Agora já não sou uma menina
pequena, manipulável e inofensiva. Não é verdade?
Com um pontapé, Alice mandou pelos ares o exército de cartas
que fazia a guarda.
A rainha estava a tremer de medo e nem se atreveu a
responder à afronta. No entanto, algo de inesperado aconteceu:
a menina voltou a encolher. Nesse instante, a rainha aproveitou
e mandou a sua guarda apanhá-la novamente. Alice correu
com todas as suas forças, fugindo dos seus perseguidores.
A menina gritava de medo, quando sentiu uma mão no seu
ombro. Era a sua mãe a acordá-la do terrível pesadelo.
Suspirou de alívio, abraçou a mãe e foi tomar o pequenoalmoço descansadamente.
*
Há muitos, muitos anos, a cidade de
Hamelin na Alemanha sofreu uma enorme
praga de ratos. Eram tantos que atacavam e
roíam tudo e todos. E por onde passavam,
devoravam toda a comida, deixando as
casas e as lojas completamente destruídas.
Os habitantes da cidade não conseguiam
expulsar todos aqueles malditos bichos que,
aos poucos, tomavam conta da cidade.
Desesperado com esta situação e depois de
ter tentado exterminar aqueles malditos, o
povo juntou-se e foi pedir auxilio ao Rei. O
porta-voz popular disse:
- Sua Majestade, precisa de fazer algo...
A cidade vai ficar deserta e em ruínas
se Vossa Alteza não acabar com esta
*
calamidade que se abateu sobre nós.
Então, o Rei fez anunciar em todo o reino
que daria como recompensa uma bolsa
recheada de moedas de ouro a quem
conseguisse livrar a cidade da praga de
ratos.
Muitos tentaram a sua sorte mas sem
sucesso. Até que um dia, um estranho
desconhecido apresentou-se no palácio real:
- Meu senhor, sou um flautista e o meu
nome não interessa... mas prometo-vos
restabelecer a ordem na cidade, livrandovos dessa praga.
.
Agastado por tantos insucessos, o Rei
anuiu e deu ordem para que o flautista
.
Walt Disney; Bambi e Alice no País das Maravilhas; Leon, Evergraficas, 1988
26
27
começasse o seu trabalho o mais depressa
possível. Nesse preciso instante, o flautista
abandonou o palácio real, produzindo uma
melodia irresistível com a sua flauta.
Aquele som era mágico e, hipnotizados pelo
som, os ratos seguiram o flautista até fora
da cidade.
O flautista encaminhou-os até um rio e,
como que enfeitiçados pela música, os
ratos entregaram-se às águas, morrendo
afogados.
Hamelin, que o seguiram para fora da
cidade. Nem uma só criança ficou.
O Rei, muito arrependido e amargurado com
o que tinha feito, procurou o flautista entre
os bosques. Fora de si, ajoelhou-se junto a
uma árvore pedindo perdão a chorar. Gritou
que tinha duas bolsas cheias de moedas de
ouro, pedindo-lhe a devolução das crianças.
Só teve como resposta o silêncio. Há
muito que o flautista desaparecera daquele
bosque.
Apesar deste sucesso, quando o flautista foi
ao palácio real reclamar a sua recompensa,
o Rei recusou:
- Só te posso dar meio saco de moedas de
ouro. Qualquer um podia ter tocado flauta
e levado os ratos daqui para fora. Portanto,
caro flautista, ou levas isto ou nada.
O flautista fez então uma vénia ao Rei e
abandonou o castelo em silêncio. Andou
pelas ruas da cidade e tocou outra melodia
mágica. Outro feitiço poderoso fora lançado,
desta vez sobre todas as crianças de
Infelizmente, o arrependimento do Rei veio
tarde demais. E é por isso que ainda hoje,
não vivem ratos na cidade de Hamelin. Nem
crianças...
.
.
.
.
.
*
.
.
.
.
.
Conto adaptado de “O Flautista de Hamelin” - Irmãos Grimm
Barnabé, J.; Novos Contos Maravilhosos; Porto, Livraria Civilização
Editora, 2004
Era uma vez um lenhador que vivia numa
cabana de madeira. Era casado e vivia em
plena felicidade com a sua esposa. E era um
momento de imensa alegria porque esperavam o
nascimento do primeiro filho.
Ao lado da cabana deste casal vivia uma bruxa
maléfica. Era uma criatura muito egoísta. Não
ajudava nem gostava de ninguém. Tinha um
quintal cheio de frutas e legumes deliciosos e
suculentos, capazes de encher um castelo com
manjares divinais. Mas a bruxa, por ser egoísta,
construiu um muro altíssimo à volta de todo o
seu quintal, para que ninguém soubesse o que lá
havia.
*
*
Na casa do lenhador havia uma janela de onde
se via todo o quintal da bruxa. Nessa janela, a
esposa do lenhador passava horas a olhar para
os rabanetes do quintal da bruxa. Os rabanetes
eram tão coloridos e grandes que a esposa do
lenhador ficava com água na boca só de os ver.
Só pensava em comê-los.
*
Certo dia, a esposa ficou doente, tão doente, que
não conseguia comer nada do que o seu marido
lhe preparava com tanto amor. Ela só pensava
nos rabanetes da bruxa vizinha.
*
28
29
Por amor e preocupado com a doença da
sua esposa, o lenhador resolveu ir roubar
alguns rabanetes. Esperou que a noite
chegasse, saltou o muro da casa da bruxa
e correu em silêncio até aos rabanetes.
Conseguiu levar uma mão cheia deles. Os
rabanetes eram tão deliciosos que a sua
esposa não resistiu e quis comer mais.
Conformado, o lenhador ia em silêncio todas
as noites, buscar rabanetes ao quintal da
bruxa, na esperança de que a sua esposa
apresentasse melhoras visíveis. Com o
tempo, ela começou, de facto, a aparentar
estar curada da doença.
Porém, uma noite enquanto o lenhador
colhia rabanetes, surge a bruxa com os
olhos vermelhos, ladeada pelos seus corvos
negros.
- Vejam bem... - disse - Agora já
descobrimos quem nos anda a roubar os
legumes!
O lenhador sentiu-se infeliz e tentou explicar
à bruxa. Mas ela não o quis sequer ouvir.
Em troca dos rabanetes roubados exigiu o
bebé que estava para nascer! O pobre do
lenhador, cheio de medo e remorsos, não
lhe conseguiu dizer que não.
Passaram alguns meses após este encontro
e uma linda menina nasceu num belo dia
de sol. O lenhador e a sua esposa radiavam
de felicidade com a sua filha. Cuidavam e
*
30
tratavam dela com imenso carinho e afecto.
Mas a bruxa pressentiu que a menina
já tinha nascido e foi buscá-la. Os pais
choraram e imploraram de joelhos, para que
a bruxa não levasse o seu tesouro de amor.
Nada disto adiantou. O coração da bruxa
era negro e insensível. Levou a menina nos
braços e deu-lhe o nome de Rapunzel.
Os anos passaram e Rapunzel crescia bela
e graciosa. Um dia, enquanto penteava
e entrançava os cabelos doirados da
menina, a bruxa malvada e egoísta pensou:
“Rapunzel está a ficar cada vez mais bonita
e atraente... Irei prendê-la numa torre alta
no meio da floresta, sem portas, para que
ninguém ma roube. Usarei as suas longas
tranças para subir à torre, sempre que
queira”.
Assim aconteceu. Rapunzel começou a viver
presa na torre. Passava os dias a pentearse e a cantar com os únicos amigos que
poderia ter ali, uns passarinhos. Quando a
bruxa a ia visitar gritava-lhe: - Rapunzel,
atira as tuas tranças, quero ver-te! A menina
atirava as tranças e assim, a bruxa trepava
até ao cimo da torre.
*
.
Num belo dia, um príncipe explorava aquela
parte da floresta. Ouviu uma melodia
cantada por Rapunzel e de imediato se
sentiu atraído por aquela doce voz. Seguiu
o som do canto e encontrou a torre.
.
Contornou-a e apercebeu-se que esta não
tinha nenhuma entrada. A pessoa que tinha
aquela doce voz estava presa certamente.
Um restolhar avisou-o que alguém se
aproximava e escondeu-se. Chegava a
bruxa: - Rapunzel, atira as tuas tranças!
gritou a malvada.
O príncipe acabara de descobrir o segredo
para entrar na torre.
Na noite seguinte voltou e imitou a voz da
bruxa: - Rapunzel, atira as tuas tranças! A
donzela assim o fez. Mas quando o príncipe
saltou da janela diante dela, ela assustouse. Nunca tinha visto um homem.
- Quem és tu? - perguntou Rapunzel
amedrontada.
O príncipe pediu-lhe desculpas por a ter
assustado e sussurrou-lhe que se tinha
encantado pela sua voz. A rapariga ficou
enternecida. falaram por muito tempo
e, desse dia em diante, começaram a
encontrar-se em segredo.
*
No entanto não há bem que dure sempre
- Um dia, enquanto puxava a bruxa, a
donzela queixou-se:
- É bem mais pesada do que o príncipe! para imediatamente se arrepender, levando
as mãos à boca.
A bruxa ficou furiosa ao descobrir os
encontros dos dois. Cortou as tranças de
Rapunzel. Chamou os seus corvos negros
e ordenou-lhes que a levassem para o
deserto, para ela viver sozinha por lá.
Inocentemente, sem saber nada, o príncipe
foi visitar Rapunzel. A bruxa má, matreira,
segurava as tranças enquanto o príncipe
subia. Quando ele chegou à janela, a bruxa
olhou-o nos olhos, riu-se macabramente
e, acto contínuo, atirou as tranças para o
chão. Ele caiu da janela desamparado sobre
uma roseira que lhe arranhou os olhos,
cegando-o.
Todavia, não desistiu de procurar Rapunzel.
Caminhou cego e perdido entre vales e
montanhas, a gritar pelo seu amor. Sem se
aperceber, chegou ao deserto. Escondida
numa gruta, Rapunzel ouviu o seu príncipe
a gritar por ela e correu ao seu encontro.
Abraçou-o mas ao aperceber-se que ele
estava cego, chorou amargurada. Duas
lágrimas escorreram para dentro dos olhos
do príncipe. Milagrosamente ele voltou a
ver.
O jovem casal, junto para não mais se
separar, partiu para o palácio do príncipe.
Muito felizes casaram. Mandaram chamar
os verdadeiros pais de Rapunzel para viver
com eles. A bruxa má, ao saber disto tudo,
raivosa e a espumar de veneno, fechou-se
na torre e nunca mais de lá saiu.
*
Adaptação de um conto dos irmãos Grimm.
31
Gulliver era um marinheiro, cujo navio naufragou. Após ter lutado durante horas contra
a violência das ondas e da tempestade,
ele conseguiu finalmente alcançar terra
firme. Exausto, adormeceu profundamente.
Ao acordar, apercebeu-se que tinha todo
o seu corpo amarrado por cordas sem se
poder mexer. À sua volta aglomeravam-se
pequenos homezinhos, não mais altas que
*
*
uma polegada. Ao tentar libertar-se, aqueles
seres desferiam uma chuva de Flechas
minúsculas, tão dolorosas como agulhas.
Informado pelo povo, o imperador de Lilliput
estava ansioso por conhecer o gigante e
ordenou que o trouxessem à sua presença.
Os súbditos construíram então um atrelado
grandioso com vinte e quatro rodas para
deslocar Gulliver. E foram usados mil e
duzentos cavalos para o puxar.
Vencido o receio inicial, o imperador recebeu-o e graças ao seu carácter pacífico,
Gulliver ganhou a confiança do imperador e
os seus conhecimentos tornam-se preciosos
para ele. Na verdade, uma grande ameaça
pesava sobre o seu reino: o império vizinho
de Blefescu preparava-se para um ataque
marítimo. Para vencer o inimigo, Gulliver
engendrara um plano que consistia em arrastar para fora do porto os navios inimigos,
deixando o império vizinho sem navios de
ataque. Dito e feito.
Após esta acção bem sucedida, o imperador de Blefescu dirigiu-se ao soberano de
Lilliput propondo-lhe a paz entre os dois
impérios. Foi logo aceite pelo imperador de
Lilliput, que via nesse acordo grandes vantagens. Gulliver participou nas negociações
com óptimas sugestões que agradaram aos
dois soberanos. O marinheiro foi tão útil
que o imperador de Blesfescu simpatizou de
imediato com ele.
*
*
Após estes sucessos, Gulliver tornou-se
o preferido do imperador. No entanto, por
ciúmes e invejas, alguns ministros conspiraram contra ele, pedindo ao imperador que
o castigasse severamente. Felizmente, um
32
cortesão que gostava muito de Gulliver,
avisou-o que a tempo.
Alertado pelo grave perigo que corria,
Gulliver foi pedir refúgio ao imperador de
Blesfecu, que o recebeu calorosamente. A
vida em Blefescu era tranquila, o marinheiro
escrevia as suas memórias e dava longos
passeios à beira-mar. Num desses passeios,
identificou no mar um barco virado ao contrário.
Conseguiu recuperá-lo e, em menos de um
mês, com a ajuda dos habitantes, preparou
o barco para a travessia. Tantas manifestações de afecto entristeceram a sua despedida. Apenas o consolava a ideia de poder
rever a sua família e amigos, de quem
sentia muitas saudades. No dia seguinte, de
madrugada, Gulliver fez-se ao mar, esperando-o novas e excitantes aventuras, mas
isso são outras histórias.
*
Adaptado de SWIFT, J.; As Viagens de Gulliver; Vila Nova de Gaia,
Edições Gailivro, 2002
33
Era uma vez uma pobre viúva que vivia com o
seu filho João. O dinheiro mal dava para eles
comerem e, além disso, possuíam apenas uma
vaca que era o seu único sustento.
Quase sem comida em casa, João lembrouse que seria melhor vender a vaca. A mãe
consentiu e pediu ao seu filho que a levasse para
o mercado da vila. No mercado, um homem de
aspecto estranho propôs-lhe ficar com a vaca em
troca de uns feijões que dizia serem mágicos.
João consentiu e voltou para casa todo contente
com o negócio. A mãe, quando viu o que o rapaz
tinha feito, chorou e atirou os feijões pela janela.
João pediu desculpa à mãe e tentou consolá-la.
*
*
*
No dia seguinte, o rapaz acordou cedo e viu que
alguma coisa estava a fazer sombra à janela do
seu quarto. Saiu e ficou abismado com o que
viu: os feijões que a sua mãe tinha deitado fora,
tinham crescido imenso, para lá das nuvens.
Encorajado pela descoberta, decidiu trepar por
ali acima e, ao cabo de umas horas, chegou a
um lugar estranho. Ali encontrou uma bela fada,
elegantemente vestida de branco e possuidora de
um sorriso encantador.
*
34
- Lembras-te do teu pai? - perguntou a fada.
- Não. Quando pergunto coisas sobre ele, a minha mãe começa a chorar e não
me diz nada.
- Eu era a fada madrinha do teu pai. Mas quando ele precisou mais de mim,
eu não tinha o meu poder e por isso ele morreu. - lamentou-se a fada, para de
seguida revelar: - O teu pai era uma pessoa muito boa. Era rico e respeitado.
Contudo, teve uma infelicidade. Um gigante que o teu pai tinha ajudado muito
acabou o trair, roubando-o e matando-o. Em seguida, ameaçou a tua mãe
para que ela nunca contasse o que se passou. Caso contrário, vocês os dois
seriam mortos por ele. O meu poder só reapareceu no dia em que foste vender
a vaca. Encaminhei o mago, para trocar os feijões contigo. E fui eu, quem
fez crescer muito depressa o pé de feijão. O malvado gigante vive aqui e tu
deves livrar o mundo deste monstro cruel. Para isso, tens que lhe tirar todas as
riquezas que, afinal, pertenciam ao teu pai.
- Que devo então fazer? - questionou o menino.
- Segue esta estrada até encontrares um palácio dourado. E quando lá
chegares, age conforme a tua intuição. Boa sorte!
*
A fada desapareceu e João caminhou até ao sol se pôr. Avistou o palácio
dourado e, à porta, encontrava-se uma mulher. Ele pediu-lhe um lugar para
dormir, deixando-a surpreendida, pois não era comum ver um humano por
aquelas bandas. Mas a mulher respondeu-lhe que o seu marido, o gigante, Ficava muito nervoso e irado com humanos por perto. João insistiu com a
mulher, que acabou por o fazer entrar no castelo. Entraram e ela conduziu-o a
um quarto, oferecendo-lhe comida e bebida. Subitamente, ouviram uma batida
forte na porta de entrada.
- É o meu marido! Se ele te encontra aqui, mata-nos aos dois. - disse a mulher
assustada.
- Esconda-me no forno.- pediu aterrorizado o João.
O gigante era enorme e horrível. Ordenou à sua mulher para que ela que
trouxesse uma galinha. Ela obedeceu e colocou-a na mesa.
- Põe um ovo! - ordenou o gigante.
35
Receosa, a galinha pôs imediatamente um ovo.
- Põe outro maior!
Cada vez que ele ordenava, a galinha punha um ovo maior do que o
anterior, parecendo não ter fim. Com tanto ovo devorado, o gigante
adormeceu num sofá junto à lareira. Ressonava tão alto como uma
metralhadora.
*
Passada uma hora, João saiu do forno, agarrou a galinha e fugiu
desenfreadamente com ela, deslizando pelo pé de feijão.
Ao chegar a casa, mostrou a galinha à sua mãe e com todos os
ovos vendidos, João e a mãe venceram as dificuldades durante uns
meses.
*
Um dia, João resolveu voltar ao palácio do gigante para trazer mais
riquezas. Disfarçou-se com roupas velhas e pintou a cara. Subiu
o pé de feijão e encontrou a mesma mulher à porta do palácio
dourado. Pediu-lhe abrigo por uma noite, mas a mulher negou- lho,
contando-lhe que, certo dia, acolhera um menino e ele tinha roubado
um dos tesouros do gigante. No entanto, João insistiu tanto que a
mulher acabou por o deixar entrar. Quando ele acabou de comer na
cozinha ela escondeu-o num armário velho. O gigante chegou a casa
à hora habitual. Sentou-se à lareira e gritou:
- Mulher! Sinto o cheiro de carne fresca!
- Dei carne fresca aos corvos.- disse a mulher atrapalhada,
disfarçando o medo.
- Traz-me qualquer coisa para me distrair.- exigiu o gigante - As
minhas sacas de ouro!
Eram duas grandes e pesadas sacas, repletas de moedas de ouro.
A mulher despejou-as na mesa e o gigante começou a contá-las,
ordenando à mulher que saísse. finalmente, o gigante arrumou-as no
saco e adormeceu.
O menino aproveitou a ocasião e saiu do esconderijo, carregando
as duas sacas, uma em cada ombro. Eram tão pesadas que levou
dois dias a chegar a casa. Ao chegar a casa, deu o dinheiro à mãe,
o qual lhe permitiu viver comodamente durante alguns anos. Durante
esse tempo, João procurou não visitar o gigante.
Porém, um dia decidiu preparar-se para mais uma viagem. Arranjou
um disfarce melhor e diferente do que usara da última vez.
Quando chegou ao palácio, encontrou novamente a mulher à porta. A
custo, conseguiu convencê-la a dar-lhe abrigo e a esconder-se num
caldeirão. Quando o gigante chegou a casa, devorou a sua refeição
e sentou-se à lareira. Ordenou que sua mulher lhe trouxesse a sua
harpa. Era a harpa mais bela e original que João tinha visto. O
gigante colocou-a na mesa e disse:
- Toca!
Imediatamente a harpa começou a tocar uma melodia doce e bela.
Fazendo com que o gigante adormecesse num instante. João saiu
do caldeirão e largou a correr como um raio com a harpa encantada
nos braços. Mas ao ver-se em mãos estranhas, a harpa gritou por
socorro:
- Meu senhor! Meu senhor, socorro!
O gigante acordou e foi atrás de João. O menino correu tão depressa
que alcançou num tempo mágico o pé de feijão. Desceu por ele
abaixo e correu a buscar um machado a casa. Nessa altura já o
gigante descia o pé. João começou a abater pela raiz o pé de feijão,
o qual não resistiu ao peso do gigante que acabou por se estatelar
no jardim, desfazendo-se em pó.
Mais tarde, a fada apareceu à mãe de João e contou-lhe tudo o que
se tinha passado. Nunca mais faltou dinheiro ou comida na casa de
João. E ele, por fim, podia ouvir as histórias do seu pai contadas
pela sua mãe.
*
*
36
Adaptado do conto original de Jonathan William Von Hapsburg
37
e os dois irmãos perderam-se.
Deambularam pela Floresta à procura do caminho que os levasse a casa.
Alguns dias depois, os irmãos avistaram um corvo branco que os guiou
até uma grande clareira. Ali havia uma casinha de chocolate. Esfomeados,
quando viram a casinha, correram aliviados e excitados para junto dela em
busca de segurança e alimento. Começaram por morder as esquinas da
casa e a experimentar várias partes das deliciosas paredes. Nisto, foram
surpreendidos por uma velhinha corcunda com ar carinhoso, que os convidou
amavelmente a entrar.
Era uma vez dois irmãos chamados João e
Maria. Viviam com o pai, um lenhador pobre,
e com a madrasta. O pai dificilmente os
conseguia sustentar e a madrasta detestavaos. Pressionado pela extrema pobreza a que
tinha chegado e pela maldade da esposa, o
lenhador decidiu um dia levar os seus dois
filhos pela mão e abandoná-los no meio de
uma densa e tenebrosa floresta. Mas o filho, ao
aperceber-se do plano e esperto por natureza,
marcou o caminho de casa até à floresta com
pedrinhas. Assim, os dois meninos acharam
com muito facilidade o caminho de volta a
casa.
*
*
.
*
.
Mas no dia seguinte, o pai levou-os por
outro caminho e evitou que João marcasse
o percurso com pedrinhas. Maria estava
assustada, porém o rapaz acalmou-a,
confessando-lhe muito baixinho, para que o pai
não ouvisse, que estava a deitar migalhas de
pão ao longo de todo o trajecto. No entanto,
diversos pássaros comeram todas as migalhas
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Em pouco tempo Joãozinho e Maria descobriram que as aparências
iludem. A velha corcunda era afinal uma bruxa monstruosa, que erguia
casinhas deliciosas, para enganar as crianças que se perdiam. Depois de
aprisionadas, as crianças eram engordadas com doces pela bruxa, para
depois as vir a comer. Porém, sem desistirem de se libertar, João e Maria
procuravam enganar a bruxa, que era muito má de vista.
- Mostra-me o teu dedinho. - pedia ela nas suas habituais inspecções aos
meninos.
E João, pelas grades da jaula onde estavam, estendia-lhe um pauzinho
delgado fingindo ser o seu dedo.
- Ainda estás muito magrinho. Tens de comer mais. - dizia a bruxa.
*
*
Mas chegou finalmente o dia em que se conseguiram libertar e, estando a
bruxa distraída a tirar bolos do forno, deram-lhe um forte empurrão lá para
dentro. A velha, entre gritos lancinantes, esvaiu-se no fumo da chaminé.
Joãozinho e Maria levaram todos os tesouros escondidos da bruxa e, com
a ajuda do corvo branco, encontraram rapidamente o caminho para casa. A
sua madrasta tinha morrido, mordida por uma cobra venenosa e seu pai vivia
sozinho e muito arrependido com o que tinha feito aos seus queridos filhos.
Quando os viu a abrir a porta, chorou de felicidade.
Com todas as riquezas que trouxeram de casa da bruxa má viveram felizes
para sempre.
*
*
Adaptado de Hansel e Gretel dos irmãos Grimm. Fonte Wikipedia.
39
Noé era um excelente pai de família. Não
havia ninguém igual a ele no mundo inteiro.
Era o homem mais justo e puro de coração.
Era um homem honesto que adorava e
temia Deus acima de tudo.
No entanto, o Criador dos Universos sentiase arrependido de ter dado a terra aos
homens, pois estes tinham-se esquecido
do seu lado divino e de salvaguardar um
coração puro, ao contrário de Noé. Os
homens viviam entre mentiras e violência de
todo o género e forma. A espécie humana
não podia continuar a existir assim, em
constante malvadez e perdição. Por isso,
Deus decidiu destruir o mundo para o poder
refazer numa segunda tentativa.
Para nosso bem, lembrou-se Deus do seu
amado e querido servo, Noé. Pediu-lhe
que construísse uma arca, deu-lhe todas
as medidas e dimensões, para que ele e
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a sua família se salvassem e não fossem
arrastados pelas águas que inundariam o
mundo.
Noé começou a construir a arca e todos
os seus vizinhos troçavam dele. Não
acreditavam nas suas palavras, nas palavras
que Deus transmitira. Não obstante, não
esmoreceu e continuou a trabalhar no
projecto divino.
Chegou o dia marcado e juntamente com
a família de Noé (a sua mulher, filhos e
esposas), a mando de Deus, entraram na
arca um casal de cada espécie animal.
Também embarcaram todo o tipo de
alimentos e sementes. fecharam as portas e
o dilúvio começou.
*
Durante quarenta dias e quarenta noites
a chuva caiu sem parar. Os mares e
os oceanos subiram. As montanhas
esgueiraram-se para debaixo do azul do
mar. Todos os seres vivos que não estavam
dentro da arca desapareceram.
Após os quarenta dias, a chuva parou e
fez-se silêncio no mundo dos homens.
A arca ainda navegava sem direcção sobre
as águas e todos os seres que estavam lá
dentro não sabiam onde estavam. Viviam
angustiados, porém, confiavam que Deus
não os tinha esquecido ou abandonado.
Certo dia, Noé lembrou-se de soltar um
corvo e este não voltou. Passaram mais
alguns dias e Noé largou uma pomba e esta
também não retornou. Passaram mais sete
dias e Noé resolveu soltar nova pomba,
a qual regressou à barca com uma folha
nova de oliveira. O sinal de que as águas
secavam sobre a terra vinha materializado
naquela pequena folha.
A Arca de Noé encalhou, pouco tempo
depois disso, numa rocha que se revelou
uma montanha quando as águas baixaram.
Tinha chegado o dia de, homens e animais,
voltarem a povoar a terra.
Noé prometeu a Deus que não deixaria
novamente o coração dos homens tornarse impuro. Deus prometeu a Noé que não
voltaria a tomar medidas tão drásticas. Noé
agradeceu a Deus, erguendo um altar em
sua honra. Deus abençoou Noé e todos os
seus descendentes. No céu surgiu um arcoíris, o sinal da aliança eterna entre Deus, os
homens e todos os outros seres vivos.
*
Fonte: Bíblia Gen 6:11, até Gen 9:19.
41
Era uma vez uma pequena aldeia italiana.
Vivia neste lugar um senhor chamado
Gepeto. Era considerado um dos melhores
relojoeiros do mundo. Gepeto vivia em paz,
dedicado ao seu trabalho mas, sempre
houvera algo que o entristecera: sempre
desejara muito ter um filho. Infelizmente,
não tinha mulher e já se achava muito velho
para arranjar uma. Convencido que, de
carne e osso, não lograria ter descendência,
decidiu construir um boneco que seria o
mais perfeito de todos! Quase humano!
Seria o filho que o bom Gepeto nunca tivera
- Deu-lhe o nome de Pinóquio.
*
*
Nessa mesma noite especial em que
Gepeto terminou o seu boneco e o baptizou,
uma fada madrinha visitou a sua oficina.
Sem Gepeto dar por ela, aproximou-se de
Pinóquio tocou-lhe com a varinha mágica e
disse:
- A partir de agora terás vida em ti. Acorda
boneco! Não te esqueças que deves ser
sempre bom e verdadeiro como a vida que
te estou a dar. - aconselhou a fada.
*
Na manhã seguinte, Gepeto ficou sem
palavras ao ver o seu filho de madeira
a brincar na sua oficina. Pensou que
era melhor para o seu menino de
madeira começar a frequentar a escola.
Acompanhou-o, Pepe, o grilo falante.
*
*
.*
42
No caminho para a escola encontraram a D.
Raposa e a D. Gata.
- Porque é que vais para a escola? Não
sabes que existem por aí certos lugares
bem mais interessantes e alegres? Anda,
vem connosco. - convidou a raposa.
- Não lhe dês ouvidos! - avisou-o o sensato
Pepe.
Porém, o inexperiente Pinóquio para quem
a vida era uma excitante novidade, decidiu
seguir as duas malandras. Estas levaramno a Strombóli, o anafado e untoso dono de
um teatro de marionetas.
- Oh, que belo boneco vem à minha
presença - Se ficares comigo, farei de ti o
artista mais famoso do mundo. - segredoulhe ao ouvido o interesseiro Strombóli.
Seduzido por aquelas promessas, o menino
de madeira acedeu, entusiasmado:
- Que bom! Vou ser artista de circo! Vou
ser famoso!
*
Depois de alguns ensaios, o espectáculo
começou. Sem dúvida que Pinóquio era a
estrela da noite, principalmente pelos seus
erros e enganos. A sua inocência brilhava
por todo o pequeno palco e isso reverteu
em risos e gargalhadas no público. Os
outros bonecos eram hábeis na sua arte
mas Pinóquio era o rei das asneiras.
No final do espectáculo Pinóquio quis ir
para casa mas Strombóli já tinha outros
*
planos:
- Onde pensas que vais?! - interrogou
Strombóli. - Nem penses que me escapas.
ficas preso nesta jaula! Agora és meu.
Vales mais do que diamantes.
*
Para sorte do menino, o grilo Pepe vira
tudo o que se tinha passado e correu num
fôlego, a avisar a fada madrinha. Esta, de
imediato enviou uma borboleta mágica para
salvar Pinóquio.
Depois de o ter salvo, a borboleta
perguntou-lhe onde vivia ele.
- Não tenho uma casa. - respondeu-lhe
Pinóquio, mentindo.
A borboleta não queria acreditar naquilo e
voltou a fazer-lhe a mesma pergunta. Mas
ele dava-lhe sempre a mesma resposta,
crescendo-lhe cada vez mais o nariz. E
quanto mais mentia, mais lhe crescia o
nariz.
Assustado com aquele estranho fenómeno,
Pinóquio soluçou:
- Que se passa com o meu nariz?!... Não o
quero assim!...
- Se é isso que queres, terás de te portar
bem e não mentir mais. Voltarás para a
tua casa e para a escola. - ordenou-lhe a
borboleta mágica.
Durante uns tempos, Pinóquio portou-se
bem. No entanto, foi sol de pouca dura
porque não parava de mentir. Nem o seu
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nariz parava de crescer...…
Passaram-se uns tempos e, certo dia a caminho da escola, foi novamente
interpelado pela D. Raposa. Mais uma vez esta voltou a desafiá-lo para que a o
acompanhasse à Ilha dos Jogos. Incapaz de resistir, lá foi outra vez atrás dela.
Assim que chegou à ilha, começaram a crescer-lhe as orelhas e transformou-se
em burro. Todos os meninos que ali estavam, também tinham faltado à escola e,
por essa razão, tinham tido o mesmo fim.
Apavorado com a situação, valeu-lhe o Grilo, que lhe disse:
- Anda Pinóquio. Vem comigo. Conheço uma porta secreta. Tu não te queres
transformar em burro, pois não? Olha que eles te levam para um curral.
- Sim meu amigo, vou contigo. - retorquiu-lhe o menino boneco. fugiram todos os
burricos dali para fora, voltando aos poucos à sua forma de rapazinhos:
- Nunca mais faltamos à escola! - prometeram todos em coro.
*
*
Quando Pinóquio e Pepe chegaram a casa, Gepeto não estava. Estranharam
muito pois sabiam que o relojoeiro nunca se afastava e decidiram ir à sua
procura. No porto haviam alguns marinheiros que lhe disseram ter visto Gepeto
lançar-se ao mar num bote:
- Pobre do Gepeto, alguém lhe disse que o filho andava a boiar no mar alto!
Pinóquio ficou horrorizado de culpa porque aquela notícia era o resultado de
tantas mentiras que pregava a todos na aldeia. O seu pai estava sozinho no
meio do mar e das ondas grandes. E a culpa era toda sua!
Como o grilo Pepe era um ser muito esperto e luminoso de ideias, ajudou
Pinóquio a construir uma jangada em três tempos.
Sem demoras, o menino meteu-se ao mar e o grilo seguiu-o. O coração
apertava-se-lhe de medo mas também de culpa.
*
*
tinha sofrido um naufrágio no decurso de uma tempestade
medonha e, também ele, fora engolido pelo bicho gigante.
Abraçados, um ao outro, Gepeto e Pinóquio choraram felizes
por se reencontrarem.
Mas dentro da baleia fazia muito frio, era quase como estar
numa caverna gigantesca, cheia de correntes de ar. Para se
aquecerem resolveram acender uma fogueira. Era de facto
uma boa ideia mas o fumo libertado causou mal-estar na
baleia. As náuseas eram tão grandes que a baleia acabou
por mandar tudo lá para fora.
Nadaram os três para os destroços do barco que ainda
Flutuavam por perto. Mais aliviada, a baleia mergulhou
para as profundezas. E eles puderam voltar para terra em
segurança.
Já em casa, Pinóquio disse ao seu pai:
- Perdoa-me paizinho, fui um idiota.
Gepeto abraçou-o carinhosamente. A partir desse dia,
Pinóquio nunca mais mentiu e revelou-se tão dedicado e
bondoso com todos, que a fada madrinha, no dia do seu
primeiro aniversário, o transformou num menino de carne e
osso. Num menino a sério!
Pinóquio e seu velho pai viveram, desde então, felizes para
sempre.
Adaptado de As Aventuras de Pinóquio - Carlo Lorenzini, sob o pseudónimo de Carlo Collodi.
Passaram alguns dias no mar. Enquanto navegavam e remavam, chamavam
por Gepeto, mas nunca tiveram resposta. Certo dia, já muito distantes da costa,
avistaram uma baleia.
- Ai, ai, ai!... A baleia vem contra nós! - gritou Pepe a tremer de medo. Pinóquio salta para a água! Vamos…
Mas não foram a tempo. A baleia abriu a enorme boca e de um trago, foram
engolidos deslizando até à sombria barriga do animal. Qual não foi a sua
surpresa quando, detrás de uma costela, encontraram Gepeto! O relojoeiro
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45
jardim.
- Este jardim é meu e de mais ninguém! Que fazem aqui? - gritou furioso, o
gigante.
Foi tão grande o susto, que as crianças fugiram espavoridas.
- Fiquem todos a saber: não permito que ninguém venha para o meu jardim!
Então, construiu um muro altíssimo que dava uma volta ao jardim e afixou nele
o seguinte aviso: “É proibida a entrada! Os transgressores sofrerão severos
castigos!”
Era mesmo muito egoísta este gigante e a sua atitude deixou as crianças sem
sítio para brincar.- O espaço ideal para elas era mesmo o jardim do gigante. Mas
como não podiam para lá ir, todos os dias depois das aulas vagueavam à volta
do muro, recordando as brincadeiras maravilhosas que ali faziam.
.
Num tempo distante da nossa era, a
Terra era habitada por todo o género de
seres, entre os quais se contavam uns
seres mágicos. Perto de uma pequena
povoação, entre os vales, vivia um gigante
muito egoísta. Todas as tardes, quando
terminavam as aulas, um grupo de crianças
ia brincar para o jardim deste gigante.
Era um jardim maravilhoso, coberto de
relva macia. Por todo o lado viviam belas
e exóticas flores de todas as cores, tão
luminosas como as estrelas do céu.
Também haviam doze pessegueiros que,
com a alvorada da Primavera, floresciam
em tons de pérola e rosa e, no Outono,
vergavam os seus ramos com o peso de
exuberantes frutos.
Os pássaros pousavam nas árvores e
cantavam tão docemente que as crianças
paravam os seus jogos só para os escutar.
- É tão bom estar aqui! - diziam
alegremente umas às outras.
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.
Certo dia, após sete anos de visita ao
seu amigo Ogre que vivia na Cornualha,
o gigante regressou a casa. Mas para sua
irritação, tinha crianças a brincar no seu
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Novamente chegou a Primavera e, por toda a terra, rebentaram flores e
cantarolaram aves. Estranhamente, só no jardim do gigante continuava o Inverno.
As aves não queriam ir para lá cantar, pois não havia alegria de crianças e, as
árvores e as flores, recusaram-se a florir. Os únicos elementos contentes eram a
Neve e a Geada.
- A Primavera esqueceu-se deste jardim! - exclamavam elas satisfeitas - podemos
ficar aqui a governar todo ano!
A Neve cobriu a relva com o seu denso manto branco e a Geada pintou todas
as árvores de prata cristalina. Convidaram o Vento do Norte para ir, também ele,
habitar o jardim. Este aceitou o convite e pediu ao Granizo para o acompanhar.
Os dois, diariamente durante três horas, rugiam e rufavam nos telhados, partindo
telhas e depois faziam corridas diabólicas por todo o jardim.
- Não percebo porque é que a Primavera não vem... - pensava o Gigante
deprimido, sentado à janela a olhar para o seu jardim branco.
- Espero que o bom tempo venha depressa...
Mas a Primavera e o Verão nunca mais voltaram. Nem mesmo com a chegada
do Outono aquele jardim era presenteado com frutos maduros e viçosos.
- O Outono é muito egoísta. - dizia o gigante, cada vez mais infeliz, olhando para
a Geada, o Vento Norte, o Granizo e a Neve, que dançavam alegremente no seu
jardim.
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Numa bela manhã, o gigante despertou ao som de uma música
doce e encantadora. Soava tão calmamente aos seus ouvidos
que, por momentos, pensou que seriam os músicos da corte
que passavam. Era um rouxinol que lhe cantava à janela. Há
tantos anos que não ouvia o canto das aves no seu jardim, que
lhe pareceu a melodia mais bela alguma vez escutada.
Os elementos invernais deixaram de se ouvir, abandonando o
jardim. E a casa, era agora percorrida por um perfume intenso e
delicioso.
- Oh, chegou finalmente a Primavera! - exclamou, saltando
da cama em direcção à janela que abriu de rompante. Olhou
para fora e os seus olhos arregalaram-se espantados. Viu um
espectáculo deslumbrante. O jardim estava cheio de crianças
que tinham entrado por buracos abertos no muro e tinham
escalado para cima das árvores. E as árvores estavam tão
alegres com o regresso delas que, para festejar o reencontro,
cobriram-se de flores e balançavam suavemente de felicidade.
As aves voavam e chilreavam alegremente, as flores, por entre
a relva, espreitavam e riam.
Contudo, o Inverno ainda ali estava arrumado a um canto,
próximo de um menino muito pequenino que não conseguia
subir a uma árvore e chorava compulsivamente. A pobre árvore
continuava tristemente coberta de gelo.
- Sobe meu querido - convidava a árvore. Mas a criança não
conseguia. Emocionado com aquele cenário que observava da
janela, o gigante enterneceu-se e reconheceu:
- Tenho sido tão arrogante e egoísta... - Agora sim, percebo
porque é que a Primavera nunca mais chegava. Vou derrubar o
muro e, de hoje em diante, o meu jardim será para sempre das
crianças.
.
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.
Desceu então as escadas, abriu a porta e saiu para o jardim de
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braços abertos. Mas ao pressentir aquele enorme gigante e depois das
promessas feitas, as crianças fugiram horrorizadas. De imediato, o Inverno
regressou ao jardim. Só a pequena criança não fugiu, porque chorava
de costas viradas para o gigante. Ao vê-la, aproximou-se com cautela,
pegou-lhe com todo o carinho e colocou-a em cima da árvore. Nesse
instante, a árvore encheu-se de flores, vieram os pássaros a cantar e o
menino abraçou gigante. Ao verificarem que o gigante já não era mau, as
restantes crianças voltaram a correr, trazendo atrás deles a Primavera.
- Meus queridos meninos, vocês são a alegria deste jardim, agora ele
é vosso! - proclamou o Gigante. De seguida, foi buscar uma enorme
picareta e derrubou o muro. E a partir daí, as crianças iam brincar para o
jardim todos os dias.
.
.
Contudo, certo dia, ao estranhar a ausência do seu primeiro amiguinho, o
gigante perguntou às crianças:
- Aonde está o vosso amiguinho mais pequeno? Aquele que eu ajudei a
trepar a árvore.
- Não sabemos nada dele - respondeu uma menina - Foi embora.
- Embora?! Se algum de vocês o vir, digam-lhe para aparecer por cá. Mas
as não sabiam como o encontrar, deixando o gigante muito triste.
- Gostava tanto de voltar a vê-lo para brincar com ele! - repetia o gigante,
sempre que se lembrava do seu amigo tão especial.
Os anos passaram e o gigante foi envelhecendo e enfraquecendo. Como
já não podia brincar, sentava-se numa poltrona a ver as crianças a
brincar, contemplando o jardim.
- Tenho flores lindíssimas - dizia - mas as crianças são as mais belas de
todas.
.
Numa manhã de Inverno, enquanto se vestia, olhou pela janela. Algo
tinha chamado a sua atenção. No canto mais afastado do jardim, estava
uma árvore revestida de flores douradas e brancas e debaixo da árvore
estava o menino, que ele tanto amava. Cheio de alegria, o gigante desceu
apressadamente a escada, atravessou a relva e aproximou-se da criança,
.
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mas ao vê-lo ficou verde de raiva. O menino apresentava nas palmas das
mãos e nos pés, feridas profundas a sangrar.
- Quem se atreveu a magoar-te? - gritou o gigante com cólera. - diz quem
foi, que eu irei já matá-lo com a minha espada.
- Não - respondeu o menino - estas feridas são de amor.
- Como?! Mas quem és tu afinal? - quis saber o gigante, enquanto se
ajoelhava perante a criança.
O menino sorriu e respondeu:
- Um dia deixaste-me brincar no teu jardim. Hoje, irás comigo para o meu.
Chama-se Paraíso. Nessa tarde, depois da escola, as crianças correram para
o jardim. Encontraram o seu amigo gigante estendido no chão debaixo da
árvore, todo coberto de flores douradas e brancas.
.
.
.
Adaptado de “O gigante egoísta” - Oscar Wilde
Lá bem longe dos olhares do mundo
terreno, onde o mar é profundamente azul e
brilhante, onde as nossas cabeças e olhos
não conseguem penetrar verdadeiramente,
num lugar mágico e único, vivia o povo dos
oceanos.
O rei desse reino tinha seis filhas. Eram
todas muito bonitas, donas das vozes mais
enigmáticas e belas de todos os oceanos.
Porém, a filha mais nova era diferente das
suas irmãs. Tinha uma beleza única naquele
mundo. A sua pele lembrava a fineza e
delicadeza de uma pétala de rosa e os seus
olhos reflectiam a doçura e vivacidade da
cor dos oceanos, conjugado com o azul do
céu.
Estas irmãs, princesas dos oceanos, não
tinham pernas como as meninas da terra.
Em vez disso, tinham caudas de peixe.
Eram sereias.
*
*
*
,
A princesa mais nova era entre todas,
a mais interessada e curiosa pela vida
e histórias dos habitantes da terra. Sem
confessar a ninguém, ela sonhava em poder
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subir até à superfície. Desejava conhecer tudo sobre os barcos, as pessoas,
as cidades e os animais desse mundo desconhecido para ela.
- Minha querida... quando completares 15 anos - dizia-lhe a avó - poderás
subir até à superfície e sentares-te nos rochedos. Verás então o luar, os
barcos, as cidades e as florestas.
.
Passaram-se anos e quando pequena sereia completou 15 anos ficou
entusiasmada com a ideia de poder finalmente observar mais de perto o
mundo dos homens. Subiu até à superfície e pela primeira vez viu o céu,
o sol brilhante, as nuvens flutuantes... Viu também um navio que passava.
Curiosa com tal coisa nunca vista, seguiu a embarcação. Através dos vidros
das vigias, conseguiu identificar objectos estranhos e interessantes, assim
como seres humanos ricamente vestidos.
*
*
.
*
Mas houve um que a seduziu de imediato, era o mais belo ser que já tinha
visto em toda a sua vida. Era um príncipe. A pequena sereia permaneceu
durante horas a contemplá-lo, apaixonando-se perdidamente. Só despertou do
encantamento quando uma forte tempestade começou a agitar a embarcação.
Era de tal forma feroz aquela força da natureza, que acabou por fazer lançar
o príncipe borda fora. Ao ver aquilo, a princesa entrou em pânico porque
sabia das histórias da avó como são frágeis os homens dentro do mar. Num
segundo, mergulhou na sua direcção, agarrou-o nos braços com todo o seu
amor e transportou-o em segurança até à praia mais próxima. Ao amanhecer,
o príncipe ainda permanecia inconsciente. Ela olhava-o ternamente e sorria.
Mas de repente aparece no areal um grupo de moças. Num ápice, a sereia
escondeu-se por detrás de um rochedo e entre a espuma produzida pelas
ondas. As moças viram o jovem náufrago deitado na areia e foram pedir
ajuda. Quando o príncipe acordou já no palácio, não se recordava de muito
nem que espécie de milagre o tinha salvo.
Entretanto, a pequena sereia voltou para casa num silêncio triste. E quando
as suas irmãs lhe perguntavam acerca da sua primeira visita à superfície, ela
nada dizia.
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Por diversas vezes, a jovem princesa voltou à praia onde tinha deixado o
seu príncipe, mas ele nunca mais ali voltou. Aquela profunda tristeza não
era indiferente às irmãs que de tanto insistirem, conseguiram que ela lhes
confessasse a razão de tanto sofrimento.
No entanto, uma amiga sabia quem ele era e onde morava. Ao saber disso, a
princesa cobriu-se de alegria pois podia nadar até bem perto do palácio onde
vivia o príncipe. Escondida, observava o seu amado ao longe, desejando viver
com ele.
A curiosidade sobre os humanos aumentara ainda mais e um dia resolveu
perguntar à sua sábia avó se eles também morriam.
- Claro, minha querida. Morrem como nós morremos. Nós podemos viver
trezentos anos e quando abandonamos o nosso corpo, somos transformados
em espuma do mar. Por seu turno, os humanos vivem menos mas possuem
uma alma eterna.
- Eu seria capaz de dar tudo para ter uma alma imortal como os humanos!
suspirou a pequena sereia.
- Se um homem te amar verdadeiramente... se ele concentrar todos os seus
pensamentos e todo o seu amor em ti, prometendo ser-te fiel para sempre,
então uma parcela da sua alma irá transferir-se para o teu corpo. Ele dar-teá uma nova alma. Mas tal coisa nunca acontecerá! A tua cauda de peixe, que
para nós é um símbolo de suprema beleza, é considerada uma aberração no
mundo dos homens.
A pequena sereia suspirou olhando para a sua cauda, desejando muito mais
ter duas pernas em vez da cauda.
*
Embora parecesse utópico o seu desejo, a princesa não conseguia deixar
de pensar em ter uma alma imortal e viver com o seu adorado. Como única
possibilidade de cumprir esse desejo, procurou a bruxa do mar. Esta bruxa
era conhecida em todos os oceanos, por tornar reais os sonhos de todos
aqueles que a procuravam. Mas havia um preço a pagar pelos desejos
concedidos...
Quando chegou, a bruxa já a esperava com um estranho sorriso:
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- Doçura... sei muito bem o que queres. Fica a saber que és uma
louca por quereres duas pernas. Nem imaginas a infelicidade que isso
te trará! Mesmo assim, irei preparar-te uma poção mágica. Mas essa
transformação que irás sofrer vai ser muito dolorosa. Cada passo que
deres, será como se andasses sobre facas afiadas. E a dor será tanta
que pensarás que os teus pés foram dilacerados. Querida... estás
pronta e disposta a sofrer tudo isto?
- Sim. Estou pronta! - respondeu a princesa, pensando no príncipe e
na alma imortal.
- Pensa melhor, minha querida. Depois de teres tomado a poção,
nunca mais poderás voltar a ser uma sereia. E se o príncipe se casar
com outra rapariga, tu nunca terás uma alma imortal e morrerás no dia
seguinte ao seu casamento.
A pequena sereia aceitou as condições e sem dizer uma única palavra,
observou a bruxa do mar a preparar a poção.
- Aqui está pronto o teu desejo... mas antes de to dar... aviso-te que
o preço é bem alto... quero a tua bela voz como troca. Tu nunca mais
poderás falar ou cantar.
A princesa hesitou por um segundo, contudo não desistiu. Lembrou-se
do seu príncipe e agarrou a poção que a bruxa lhe estendia. Não quis
voltar para o seu castelo, pois não poderia revelar os seus intentos
às suas irmãs, avó ou ao seu pai. Olhou ao longe o castelo que a viu
nascer e crescer, deitou uma lágrima e nadou até à praia.
*
*
Ao beber a poção, soltou um gemido quase surdo mas cheio de
dor. Sentiu como se uma lâmina lhe atravessasse toda a sua cauda.
Desmaiou com a intensidade da dor. Acordou com o príncipe a
observá-la. Ele estendeu-lhe a mão docemente e guiou-a até ao seu
palácio. Tal como a bruxa do mar lhe tinha dito, a cada passo que
agora dava, sentia que pisava lâminas aguçadas.
A beleza da sereia encantava o príncipe. Ela começou a acompanhálo por todos os lugares. À noite, dançava para ele e os seus olhos
enchiam-se de lágrimas, num misto de dor e alegria. Aqueles que a
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viam dançar ficavam hipnotizados com a sua leveza e graça natural,
julgando que ela chorava emocionada entre os movimentos da sua
arte.
Infelizmente, o príncipe não pensava casar-se com ela. Ele ainda
esperava encontrar a linda rapariga que o salvara na praia depois
do naufrágio e por quem se apaixonara. A verdade é que ele tinha
perdido a memória e nem por sombras imaginava que a tinha diante
de si todos os dias.
*
A família do príncipe queria que ele desposasse a filha do rei vizinho e
planeou uma viagem para que ele a conhecesse. O príncipe, a menina
muda e uma comitiva real seguiram em viagem para o reino vizinho.
Quando a princesa o viu, exclamou:
- Mas, foi este o rapaz que encontrei na praia.
Cravado por aquela revelação, o príncipe não se conteve:
- Meu Deus! foste tu, foste tu que me salvaste. Finalmente encontrei a
minha amada!
*
*
Não era mentira nenhuma, esta princesa era uma das raparigas que
encontraram o rapaz, mas não foi ela quem o salvou verdadeiramente.
Para desgraça da sereia, a princesa apaixonou-se igualmente pelo
príncipe. De tal maneira que marcaram o casamento para o dia
seguinte. Perante isto, todo o sacrifício ao qual a sereia se submeteu
foi em vão.
Depois do casamento, toda a comitiva da boda voltou de navio para
o palácio do príncipe. A sereia ficou acordada esperando o terrível
amanhecer. Aguardava o primeiro raio de sol que a viria matar.
Subitamente irromperam das águas as suas cinco irmãs, de faces
pálidas e sem as suas fartas e longas cabeleiras, nadando junto ao
navio. Nas suas mãos traziam um objecto brilhante.
- Querida irmãzinha, nós demos à bruxa do mar os nossos cabelos em
troca desta adaga. Deves enterrá-la no coração do príncipe. Só assim
*
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escaparás da morte e poderás voltar para o teu reino como sereia. Vai
depressa, deves matá-lo antes do nascer do sol.
A sereia agarrou na faca e dirigiu-se ao quarto do príncipe mas, ao vêlo, o seu coração saltou de aflição. Não conseguiu, não teve coragem de
matá-lo. O sol nascia. Caminhou lentamente até à borda do navio e chorou.
Respirou fundo, mergulhou no oceano azul e, ao misturar-se com as ondas,
sentiu que o seu corpo se diluía em espuma.
.
Uma adaptação de um conto original de Hans Cristian Andersen.
Era uma vez uma menina que vivia numa
aldeia perto de uma floresta. Sempre que
saía, usava uma capa com um capuz
vermelho e, por isso, era conhecida na
aldeia por Capuchinho Vermelho.
Um dia, a sua avó ficou doente e a mãe de
Capuchinho Vermelho pediu-lhe para levar
um cesto com bolinhos para a sua avó.
Ela vivia dentro da floresta, por isso a sua
mãe avisou-a para ir sempre pela estrada,
evitando assim os perigos.
.
*
.
Mas a menina, ao ver um campo de flores
na floresta, lembrou-se que a avó iria adorar
um ramo e esqueceu-se dos conselhos da
sua mãe. Colheu flores aqui e ali e acabou
por se afastar da estrada, deparando-se
com o lobo, que estava disposto a comêla nesse instante, não fora a presença de
alguns lenhadores.
- O que é que faz por aqui sozinha uma
menina? - perguntou o lobo.
- Vou visitar a minha avó, que está doente
em casa.
- E ela mora longe? - perguntou novamente
.
.
.
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o lobo.
- Sim, por detrás daquela colina acolá.
- Ah ... muito bem - disse o lobo - Eu também lhe quero fazer uma visita. Veremos quem chega mais
cedo. Tu vais por este caminho e eu vou por aquele. O lobo deitou a
correr pelo caminho mais curto e a menina foi pelo caminho mais longo,
entretendo-se a perseguir borboletas coloridas e a juntar raminhos de
flores.
.
Entretanto, o lobo não demorou a chegar a casa da avó e bateu à
porta. Truz! Truz! Truz!
- Quem é? - perguntou a avozinha.
- É a sua neta, a Capuchinho Vermelho - fingiu o lobo, imitando a voz
da menina. - Trago-lhe uns bolinhos que mandou a minha mãe.
- Entra minha querida. - convidou a avó.
O lobo entrou e a pobre avozinha nem teve tempo de dizer uma
palavra antes de ser engolida. Arrotando de satisfação, o lobo vestiu
uma camisa de noite, envergou uma touca e uns óculos da avozinha
e deitou-se na cama esperando outra refeição ... Pouco tempo depois,
Capuchinho Vermelho bateu à porta. Truz! Truz!
*
O lobo puxou os lençóis até ao nariz e perguntou com voz trémula:
- Quem é?
- Sou eu, a sua neta - respondeu a menina.
- Entra minha querida e anda dar um abraço à avó - guinchou o lobo.
Capuchinho Vermelho pousou o cesto na mesa mas foi surpreendida por
aqueles braços descomunais que se escondiam debaixo do lençol.
- Avozinha, porque tens uns braços tão grandes?
- São para te abraçar melhor - respondeu o lobo.
- E porque tens os olhos tão grandes? - perguntou novamente
Capuchinho Vermelho.
- São para ver melhor a minha netinha - redarguiu com impaciência o
lobo.
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- Também tens as orelhas maiores, avó - notou a menina
com estranheza.
- Sim... são para te ouvir melhor, minha querida.
- E que grande nariz tens tu - exclamou Capuchinho.
- É para te cheirar melhor, mas anda dar um abraço à avó - disse o lobo, abrindo os braços. E nesse momento, o lençol
destapou-lhe completamente a cara.
- Oh! E porque tens tu uns dentes tão grandes? - interrogou
a pequena, cada vez mais admirada.
- São para te comer melhor! - rugiu o lobo, saltando da
cama. Numa dentada, Capuchinho Vermelho juntou-se à
sua avó dentro da barriga do lobo. Satisfeito com o almoço,
deitou-se para uma pequena sesta. Porém, ressonava tão
alto que acabou por chamar a atenção de um caçador que
passava.
- Mas que estranho roncar vem da casa da avozinha...
Decidiu verificar e bateu à porta mas o lobo, que dormia
profundamente, não acordou. O caçador abriu uma janela e
assim que viu o lobo, pegou na sua espingarda e deu-lhe
um tiro. No entanto, das entranhas do lobo vinham vozes
clamando por socorro. Abriu a barriga do lobo e libertou a
Capuchinho Vermelho e a avó, sãs e salvas.
*
Aprendida esta lição, a pequena nunca mais deu ouvidos a
estranhos e passou a escutar com atenção os conselhos da
mãe.
Adaptado do livro Capuchinho Vermelho; Colecção A Minha Biblioteca de Contos Clássicos,
Hong Kong, Tormont International Ltd., 1995
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Pedro era um rapazinho de Évora, de seis anos,
cheio de vida e curiosidade.
Com o cabelo castanho torrado, sempre
desgrenhado, como se o vento o acordasse
logo de manhã para brincarem juntos. Tinha uns
enormes olhos azuis, para que nada do mundo lhe
escapasse. Pedro tinha a carinha de um anjinho - e
o saber de quatro ou cinco...
De manhã, levantado da cama, Pedro engolia um
grande copo de leite frio e três torradas, antes de
se escapulir porta fora. Quando o pai e a mãe
davam por ele, num sorriso meio resignado, já o
petiz pulava o muro do quintal e abalava bairro
adiante, a caminho dos amigos e das novas
aventuras do dia.
Jogava à bola como nenhum. Subia às árvores
do parque atrás de folhas para alimentar os seus
bichos de seda e descia-as de um pulo, fugindo
do jardineiro que lhe vociferava furioso. Surripiava
maçãs nas bancas do mercado matinal e conhecia
todos os bandidos e malandretes por quarteirão
e façanhas. Não havia segredos para ele. Tinha
histórias de fugir. Como aquela em que, certo dia,
chegou à mãe com um enorme saco de plástico
cheio de água a cheirar a podre, recolhida no lago
dos patos:
- Mãe, olha - um cágado!
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Viera carregado com o bicho desde o
parque infantil, sozinho, através de meia
cidade.
E valia lá a pena ficar de castigo.
Escapando-se, na vez seguinte retornava:
- Mãe, olha - um osso!
De visita à capela dos ossos, o mariola
trouxera um fémur.
Toda aquela energia angustiava a mãe,
sempre preocupada com as travessuras do
pequeno.
*
Certa vez no café do bairro, Simão, o irmão
adolescente, pagou cheio de orgulho, uma
Coca-Cola a cada um:
- Bebe devagarinho que tem borbulhas.
- aconselhou paternalista o irmão mais
velho.
Pedro sorveu aquela bebida boa e
açucarada como se tivesse atravessado
o deserto durante quarenta dias. No
final, manda um grandessíssimo arroto,
justamente quando Simão limpava,
delicadamente, a boca com um
guardanapinho. Todos no café se voltaram
com tamanho arroto.
Claro que ninguém desconfiou que tivesse
sido o anjinho de olhos grandes azuis...
*
*
A mãe deitava as mãos à cabeça e, em
frente às directoras dos colégios por onde
Pedro passava, uns a seguir aos outros,
encolhia os ombros:
- Eu lamento imenso - Sabe como são os
garotos…
- conta disso, o pobre Pedro levava nesses
colégios tantas orelhadas, que até lhe
ferviam as orelhas. Hoje, os miúdos assim
são considerados vivos e curiosos. Naquela
altura eram só marotos. Apesar de todas
essas rocambolescas aventuras em que se
metia, a mãe amava-o muito, bem como ao
irmão, pois claro.
Certo dia, estava Pedro empoleirado numa
amoreira recolhendo folhas, quando viu uma
andorinha caída no chão, desajeitada. Era
uma andorinha jovem e ainda não tinha
muito jeito para voar. Certamente caíra do
ninho durante uma das tentativas que as
aves fazem para aprender a voar. Ficar ali
no chão significaria ser atropelada ou pisada
a qualquer momento por alguém que não a
visse. Poderia até ser comida por um gato
ou cão vadio. Não iria durar muito com
certeza.
*
*
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Pedro desceu da árvore e apanhou o bicho.
O primeiro impulso seria levar a ave para
casa, no entanto pareceu-lhe ouvir:
- Naquela árvore. Coloca-me naquela
árvore.
Se há coisa boa nestas idades é que
nada parece estranho, nem mesmo
vozes de animais. Por isso, Pedro achou
normalíssimo a andorinha falar com ele,
mesmo que em pensamento. E, como que
atarefado para continuar as brincadeiras, fez
o que ela lhe pediu sem dar a isso mais
que um momento de atenção. Ao trocarem
um olhar rápido o passarinho pareceu
agradecer-lhe:
- Obrigado.
Eram feitos do mesmo vento e movimento.
É assim mesmo às vezes. Os iguais
reconhecem-se por entre uma multidão de
diferentes.
Finalmente, Pedro encheu o saco de folhas
de amoreira e meteu-o às costas. Já
anoitecia. Satisfeito pela generosa colheita,
encaminhou-se para casa, bastando-lhe
apenas atravessar na passadeira a avenida
grande.
*
Sete anos se passaram depois daquele
episódio. Sei que a andorinha aprendeu
a voar e também sei, que todos os
anos retorna da sua volta de mundos e
aventuras ao mesmo local onde foi salva.
Por coincidência ou não, fez o ninho
junto à janela do quarto do rapaz agora
adolescente que, adormecido, a recebe
todas as primaveras e, adormecido também,
se despede dela todos os Outonos. E
assim permanece, desde aquele dia na
passadeira da avenida. Foi o dia do carro
em velocidade e das folhas de amoreira
espalhadas, esvoaçando pelo ar. Esse
foi o dia em que Pedro adormeceu
profundamente. Adormeceu e ficou menino
para sempre.
Ficha técnica
*
Autoria de Tiago Cabeça e Magda Ventura
Baseado nas vidas reais de Pedro, Simão e Tomás
*
Concepção de esculturas
Tiago Cabeça
Concepção de cores
Magda Ventura
Fotografia Tiago Cabeça
Pesquisa textos e adaptação Teresa Fernandes
Revisão e adaptação de textos
Alexandre Varela
Design gráfico e paginação
Hugo Marques
Tiago chinelo
Pintura de peças Magda Ventura
Albertina Ventura
Teresa Fernandes
Ricardo Falcão
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Copyright © Oficinadaterra 2007 - Todos os direitos reservados
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