Donwload da Materia em pdf

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Donwload da Materia em pdf
Fotos: Arquivo Pessoal / Divulgação
Entrevista
José Luiz Ferreira
Nelson Cardoso
O músico Zé Luiz, como é conhecido, criou
com seus irmãos Paulo e Ocimar a fábrica de
amplificadores Meteoro. Sua personalidade
franca e despojada, por ser ímpar e
inconfundível, destaca-se em nosso segmento.
Nesta entrevista exclusiva para a Backstage,
ele conta como conseguiu aliar a alma de
músico à alma de empresário, narra um pouco
da história da Meteoro e principalmente da sua
trajetória como músico.
José Luiz, no início da fábrica Meteoro na década de 80
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de Músico e Empresário
Como e quando você começou a
ser músico?
J.L. Vim de uma família em que a
música sempre esteve presente, meu
pai era multiinstrumentista e influenciado por este ambiente, já aos 5
anos de idade, comecei a cantar e dedilhar minhas primeiras notas e
acordes no cavaquinho dele, que
sempre me incentivou. Portanto, lá
pelos 9 anos, mesmo pequeno, já
podia me considerar um músico.
Como e quando você teve, pela
primeira vez, o reconhecimento do
seu talento musical?
J.L. Sou de uma cidade do interior do Paraná, chamada Cornélio Procópio. Lá havia uma cena musical
muito forte, por incrível que pareça.
Meu pai tocava em um grande grupo musical e era dono de uma padaria,
onde todos nós, eu e meus irmãos
trabalhávamos e iniciamos nossas vidas profissionais, paralelas à música.
Existiam grandes músicos que
também tinham seus trabalhos paralelos e alguns que já estavam até
morando fora da cidade.
Este celeiro musical era uma realidade, isto você imagina em uma cidade do interior, na década de 60
Por estes motivos, a Prefeitura de lá
teve a iniciativa de fazer uma noite de
gala para prestigiar e homenagear estes
músicos, dos quais eu já fazia parte.
Foram convidá-los e localizaram
até os que estavam fora da cidade.
Você não tem idéia da emoção desta
noite, estávamos todos lá e sem receber um centavo, ninguém recebeu
cachê e não houve, para mim, um reconhecimento maior que esta homenagem que a nós foi prestada.
Este acontecimento foi tão marcante que, mais tarde, já com a Meteoro, decidi criar um evento, no Dia
do Músico, onde durante quatro anos
homenageamos pessoas que se relacionavam com o cenário musical
paulistano: roadies, técnicos, lojistas, bandas, enfim...Tudo isto por que, para mim, o maior reconhecimento de um músico é justamente
“Ninguém recebeu
cachê e não
houve, para mim,
um reconhecimento
maior que esta
homenagem que a
nós foi prestada.”
quando, no seu meio, ele é homenageado e agraciado com uma premiação, justa, pelo seu trabalho e pelo
desempenho do seu talento.
Qual foi o seu primeiro instrumento musical e como ele apareceu
na sua vida?
Zé Luiz (ao centro) com os irmãos Ocimar e Paulo
J.L. Como falei, meu pai era um
grande músico e em casa tínhamos
sempre vários instrumentos. Os
meus primeiros instrumentos foram
justamente o cavaquinho e o violão
dele, embora mais tarde, para minha
surpresa, vendo meu interesse pela
música, dom e responsabilidade, ele
procurou, lá na minha cidade (Cornélio Procópio/PR), um senhor com o
nome de Carmona, que hoje poderia
ser considerado um luthier, e mandou fazer uma guitarra para mim.
Rapaz...Você não tem noção do peso
que tinha aquela guitarra, o braço era
muito grosso e as cordas muito altas,
meus dedos eram pequenos e era um
sofrimento para tirar um som, entende? Os acordes com a perfeição que eu
queria ficavam difíceis.
Mas é aquela coisa, músico é engraçado, era um sonho... O meu pri-
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Entrevista
Aos 9 anos, José Luiz integrava o grupo Black Birds
meiro instrumento. E nada importava, o que realmente valia é que era
meu e você não faz idéia, eu dormia
com a minha guitarra e aquele
pedalzinho e gostava de acordar
olhando para eles, sabe aquela sensação indescritível e foi meu pai quem
me proporcionou tudo isto.
É legal porque hoje, aqui na Meteoro, sabendo desta importância e das
dificuldades que o músico tem para
ter seus instrumentos, temos um departamento que cuida de manter disponível para músicos e bandas, os
nossos amplificadores para empréstimo. Bandas e músicos iniciantes
podem ter no seu palco os amplificadores que grandes músicos e grandes
bandas do cenário nacional utilizam
em seus palcos e esta sensação é fantástica, é maravilhosa, para quem
ainda não tem a condição de tê-los
em definitivo.
Fale-me da casa da Rita e de suas
andanças musicais neste local?
J.L. Êêêê, rapaz... Esta história
tem muita importância na minha formação como músico, mas principalmente como homem.
Bom... Como falei, comecei muito
pequeno e aos 9 anos integrava o grupo musical Black Birds junto com
Luquinhas, Sílvio Cunha, Carlos
Ferreira - o Carlinhos, meu irmão - e
Acir Carvalho, já aos 12 anos integrava profissionalmente este grupo
de baile da minha cidade e, naquela
época, o que a gente queria era tocar
e se contratavam, a gente ia.
A casa da Rita, por ser uma casa
para encontros amorosos, ficava um
pouco afastada do centro e, nos anos
60, as estradas não eram todas asfaltadas, era tudo um barro só. Nós tínhamos as dificuldades comuns para
toda banda. Tínhamos problemas
para nos deslocar até lá, mas as meninas eram tão legais, era tão bom
tocar ali, que fazíamos o seguinte:
tocávamos em um restaurante da cidade, para juntar a grana para pagar
o táxi do fim de semana.
Lembro-me de momentos muito
divertidos e como eu era pequeno ainda, as meninas tinham um carinho
muito grande comigo. Nós brincávamos muito, mas tinha sempre o lado
profissional e, além disto, era complicado, imagine só eu naquela idade
estar tocando ali, numa casa como
aquela, então, de vez em quando, chegava a polícia no local. Elas me protegiam, me escondiam, isto porque elas
Os Diplomatas, grupo musical da cidade de Cornélio Procópio, do qual Zé Luiz participou
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sabiam o quanto era importante eu
tocar. Era a maior correria, mas no final, dava tudo certo, enfim... Pulávamos a janela, uma loucura...
Como a cidade era muito pequena
e, pelo comércio e musicalidade do
meu pai, ele era bastante conhecido e
influente, acabou conseguindo uma
autorização para tocar profissionalmente, no local, como músico integrante do grupo.
“Meu pai era bastante
conhecido e influente,
acabou conseguindo
uma autorização
para tocar
profissionalmente,
no local, como
músico”
Mais do que isso, a importância
deste local foi realmente marcante
na minha vida, lembro-me de ter conhecido uma senhora com a qual
conversava muito, ela me dava conselhos e me mostrava muita coisa
sobre a vida. Chamava-se D. Ivone e
foi uma das pessoas mais marcantes
da minha vida, e por estas e outras
foi muito bom ir tocar naquele local.
Quantos anos você tinha e como
começou a sua vida de músico profissional?
J.L. Como disse, aos 12 anos de idade, da maneira mais divertida, na
casa da Rita, nas Rádios Cornélio
Procópio e Cruzeiro do Sul, no programa da Jovem Guarda, ao vivo,
além dos restaurantes, clubes, formaturas, na minha cidade e por todo
estado do Paraná.
A profissão torna o músico um
pouco andarilho, me fale desta época.
J.L. É verdade, esta é uma das
vantagens da nossa profissão. Viajávamos muito e foi como músico que
pude conhecer o meu país. Esta
oportunidade não tem preço, imagi-
ne só estar ao lado de grandes músicos, fazendo o que gostávamos, levando diversão e ainda conhecendo
os lugares que nos livros estudávamos. É uma escola, uma verdadeira
lição, inigualável, é viver a história
como ela realmente é.
Lembro-me de ter tocado em cidades, como no Mato Grosso do Sul,
que inauguramos a luz elétrica, isto
porque durante um bom tempo, tocávamos com a energia movida a
óleo diesel e era muito engraçado,
porque o show e o repertório dependiam de quando o óleo estava chegando ao fim.
Como nosso grupo era uma banda
de baile, tocávamos de tudo. Então,
as viagens eram cada vez mais constantes, não existia asfalto, como disse, na maioria dos locais que íamos,
eram caminhos complicados, geralmente de barro, tínhamos uma perua
e era nela que viajávamos.
Nesta época, aprendi muito e a me
disciplinar também. Afinal, não tí-
Para chegar aos locais onde faziam os shows,Os Diplomatas enfrentavam estradas precárias
nhamos roadies, técnicos, estas coisas, éramos nós mesmos que carregávamos nosso equipamento, instrumentos, montávamos o palco, passávamos o som e tudo isto imediatamente após chegarmos aos locais que
faríamos nossas apresentações.
Por isto, na maioria das vezes, estávamos cansados pela viagem difícil e suas intempéries - uma vez a
nossa perua até capotou - e assim
sendo, como havia muita poeira e
barro nos caminhos, você imagina
como ficávamos sujos.
Mas não havia tempo para descanso e tam pouco banho, quando terminávamos de montar tudo, passar o
som, era a hora de correr, lavar o
rosto, as mãos, os pés e colocar uma
roupa limpa, a gravatinha, enfim... A
roupa de show e aí meu amigo era
paulada, ninguém segurava a gente e
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Entrevista
nós tocávamos muito e o melhor...
Felizes, muito felizes.
O engraçado é que sempre que
chegávamos nos locais dos shows,
estávamos realmente sujos e o pessoal que contratava acabava não
acreditando no som que fazíamos.
Aí sim, era difícil, um tempo muito difícil, mas em compensação muito gratificante e muito maravilhoso
de viver, viajar e fazer música, literalmente colocávamos o pé na estrada.
Como começou a surgir, na sua
cabeça, a Meteoro?
J.L. Depois disto tudo, passei
ainda por muitas coisas em Cornélio Procópio, toquei na Black Birds,
Os Rivais, Diplomatas, onde tínhamos como vocalista um primo nosso, o Márcio Aníbal... Ele tinha a
voz do céu, cantava muito, cantava
muito mesmo.
Ainda na minha cidade, toquei na
The Bad Boys Band e aí, como músico, senti necessidade, obviamente,
de sair de lá à procura de novos horizontes. Fui para Londrina (PR), toquei na New Sound, e para Presidente Prudente (SP) atrás do sonho que
Depois dos Bad Boys, Zé Luiz se mudou para Londrina
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tinha de tocar numa banda chamada Os Sombras. Este grupo,
eu dizia para mim mesmo sempre e para minha mãe, um dia
vou tocar com eles e você nem
sabe... Cheguei até a pedir a
uma estrela para que acontecesse e aconteceu. Passei um
tempo em Campinas (SP) e
foi só depois que vim para São
Paulo tocar com um grupo chamado Super Grupo. Nas horas vagas, comecei a dar aulas em um conservatório, em Guarulhos, do maestro Colacciopo, e isto durou muitos
anos, paralelo ao trabalho com o
grupo, porque já estava com família,
mulher e filhos.
Eu tinha muitos alunos, mas o
grupo começou a tocar e a viajar
muito, por isso constantemente tinha que faltar e aquilo me incomodava, então decidi e achei melhor sair
do conservatório.
Mesmo assim, o maestro e sua esposa, duas pessoas muito bacanas,
ainda me seguraram por mais um
ano, até que se tornou impossível
conciliar os dois trabalhos.
Só que meus alunos já estavam
bastante adiantados e acostumados
com minha técnica e alguns deles sabendo onde morava, foram pedir-me
que continuassem as aulas na minha
casa, decidi dar as aulas, mas sabe
como é, o boato se espalhou e até
vinham alunos de São Paulo.
Nos dias que não tinha ensaio ou
show, nas horas que sobravam e nas
semanas que ficava em casa, tinha
alunos o dia inteiro e só parava para
me alimentar.
Foi aí que minha família começou
a ficar louca com aquele som insistente, repetitivo, os mesmos acordes sempre, o que é comum para
quem está aprendendo a tocar e
como era tudo muito improvisado,
lá em casa, o que separava a aula da
sala era apenas uma cortina que havíamos colocado para manter a privacidade deles.
Por estes motivos, começaram a
questionar se não havia um jeito de
diminuir aquele som insistente o
Primeiro produto lançado pela Meteoro, em 1984, o
Meteoro Study Phone
tempo todo, foi ai que decidi procurar meu irmão Paulo e falar sobre
uma idéia que me veio à cabeça.
Paulinho, também músico, baterista, tinha trabalho fixo em uma grande
empresa, em eletrônica, na Phillips
do Brasil. Pedi que ele desenvolvesse
um ampli minúsculo e coloquei-o em
um fone de ouvido.
Era assim: o músico plugava na guitarra ou no baixo e só ele ouvia o som.
A partir daí, todos os alunos, que não
eram poucos, começaram a solicitar e
todos queriam comprar. E foi aí que,
me lembro muito bem, eram umas
oito horas da noite, fui à casa do Paulo
e disse para ele: "Paulinho, vamos
montar uma indústria!". Minha cunhada, Irene, ao ouvir aquilo quase
morreu de rir, afinal o Paulinho estava estabilizado, tinha um bom emprego e tudo aquilo só parecia um
sonho. Mas fui incisivo e acabei convencendo o Paulinho em montarmos
algo pequeno, funcionando na casa
dele, na garagem e o mais engraçado
é que o primeiro fone foi montado
em cima da máquina de costura da
minha cunhada.
Ele me disse que não poderia deixar o emprego e que eu deveria tomar conta de tudo, durante o dia, à
noite, ao largar do serviço, ele iria
para produção. Eu fazia as placas e as
desenhava a mão uma por uma, colocava no preclorêto de ferro... Uma
loucura... Você tinha de ver... E a coi-
sa foi crescendo saímos da casa do
Paulo para uma salinha de 5m por 5m
onde fazíamos tudo, decidimos dar
um nome ao equipamento que se
chamou Meteoro Study Phone, cada
vez mais pedidos chegavam. Lembro-me do nosso primeiro pedido, de
fones, foi para as Casas Tommasi,
por intermédio do sr. José Roberto,
guardo até hoje a cópia do pedido.
Mas continuávamos com o grupo e
foi quando apareci com isto em um
ensaio, os músicos enlouqueceram e
falaram: "Ô, Zé, você que mexe com
eletrônica, essas coisas, por que não
faz uns amplis pra gente tocar? Este
incentivo era o que faltava para partirmos para algo ainda maior, aluguei uma casinha em Guarulhos e
tudo isto provocou uma conversa
ainda mais longa com o Paulo.
Na época, tinha acabado de chegar
ao Brasil os cubos Roland, que faziam o maior sucesso e nos motivaram
a fazer um cubo no estilo, embora o
nosso tenha surgido da idéia de um
outro ampli, um Yamaha, que era
grande. Então nós reduzimos e fizemos o nosso no estilo cubo, daí surgiu o RX 100, o primeiro ampli Meteoro, lembro que era muito legal o
som dele.
“Ô, Zé, você
que mexe
com eletrônica,
essas coisas,
por que não
faz uns amplis
pra gente tocar?”
Decidimos investir em propaganda. Eu já sentia o quanto era importante anunciar, para você ver, eu desistir de fazer Faculdade de Engenharia Cartográfica, e entrei em Desenho
Técnico e Publicitário o que sempre
me deu esta noção de publicidade
para minhas campanhas que até hoje,
sempre acompanho e aí mesmo com
uma salinha de 5 por 5m, já tínhamos um anúncio de meia página na
revista Som 3.
Qual foi o primeiro produto que
você fez?
J.L. Foi justamente o Meteoro
Study Phone.
Fale-me um pouco das dificuldades no início da Meteoro.
J.L. Como nós tocávamos, grana
não era problema, tudo que a gente
ganhava com as vendas investíamos
em peças e fazíamos mais aparelhos.
Uma de nossas dificuldades foi com
relação aos componentes. Por sermos uma empresa muito pequena e
fabricantes de pequeno porte, não tínhamos e não éramos ainda interessantes para os grandes fabricantes,
assim sendo, tínhamos que comprar
em lojinhas de eletrônica.
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sa foi crescendo saímos da casa do
Paulo para uma salinha de 5m por 5m
onde fazíamos tudo, decidimos dar
um nome ao equipamento que se
chamou Meteoro Study Phone, cada
vez mais pedidos chegavam. Lembro-me do nosso primeiro pedido, de
fones, foi para as Casas Tommasi,
por intermédio do sr. José Roberto,
guardo até hoje a cópia do pedido.
Mas continuávamos com o grupo e
foi quando apareci com isto em um
ensaio, os músicos enlouqueceram e
falaram: "Ô, Zé, você que mexe com
eletrônica, essas coisas, por que não
faz uns amplis pra gente tocar? Este
incentivo era o que faltava para partirmos para algo ainda maior, aluguei uma casinha em Guarulhos e
tudo isto provocou uma conversa
ainda mais longa com o Paulo.
Na época, tinha acabado de chegar
ao Brasil os cubos Roland, que faziam o maior sucesso e nos motivaram
a fazer um cubo no estilo, embora o
nosso tenha surgido da idéia de um
outro ampli, um Yamaha, que era
grande. Então nós reduzimos e fizemos o nosso no estilo cubo, daí surgiu o RX 100, o primeiro ampli Meteoro, lembro que era muito legal o
som dele.
“Ô, Zé, você
que mexe
com eletrônica,
essas coisas,
por que não
faz uns amplis
pra gente tocar?”
Decidimos investir em propaganda. Eu já sentia o quanto era importante anunciar, para você ver, eu desistir de fazer Faculdade de Engenharia Cartográfica, e entrei em Desenho
Técnico e Publicitário o que sempre
me deu esta noção de publicidade
para minhas campanhas que até hoje,
sempre acompanho e aí mesmo com
uma salinha de 5 por 5m, já tínhamos um anúncio de meia página na
revista Som 3.
Qual foi o primeiro produto que
você fez?
J.L. Foi justamente o Meteoro
Study Phone.
Fale-me um pouco das dificuldades no início da Meteoro.
J.L. Como nós tocávamos, grana
não era problema, tudo que a gente
ganhava com as vendas investíamos
em peças e fazíamos mais aparelhos.
Uma de nossas dificuldades foi com
relação aos componentes. Por sermos uma empresa muito pequena e
fabricantes de pequeno porte, não tínhamos e não éramos ainda interessantes para os grandes fabricantes,
assim sendo, tínhamos que comprar
em lojinhas de eletrônica.
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Entrevista
Além do custo ficar altíssimo, não
podíamos ter uma condição diferenciada e não havia jeito de adquirir estes
componentes com uma margem de
erro pequena na fabricação. Isto nos
dava muita dor de cabeça e complicava a parte eletrônica dos nossos aparelhos, além dos desperdícios com as
peças que não se adequavam, por
exemplo, na parte eletroacústica.
Além disso, outros problemas foram
surgindo, eu não concordava de forma alguma ir até uma loja e comprar
50 falantes para guitarra. Isto não
existe. Cada amplificador, cada gabinete é um conjunto e o falante tem
que ser desenvolvido para aquele
produto específico.
Mas tivemos, em nosso caminho
grandes parceiros e amigos que acreditaram e acreditam no nosso trabalho e muitos deles continuam conosco e nos ajudaram a vencer estas
dificuldades.
Por exemplo, nesta história dos
falantes, me lembro que por intermédio do sr. Barion, da Bravox, começamos a desenvolver os falantes,
mas ainda comprávamos muito
pouco e não ficava viável, para empresa, fazer esta parceria conosco,
na época, para você ver as dificuldades de fabricação.
“Compramos uma
fábrica já existente
e em duas
semanas ela
começou
a rodar, com
antigos
funcionários”
Aí resolvemos montar uma fábrica
de falantes, aconselhados por amigos.
Compramos uma fábrica já existente
e em duas semanas, ela começou a rodar, com antigos funcionários... Meu
amigo... Foi outro problemão, constatamos que não era nada daquilo e
que não era tão fácil assim.
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Paulo Roberto produzindo o RX100
Depois... O que eu gostava mesmo era de pegar meus cubos, colocar no carro e sair para vender. Nunca vou esquecer uma grande venda,
talvez o primeiro grande pedido que
recebemos, foi para o Torau (loja),
ele fez o pedido e na minha total ingenuidade e inexperiência, antes
mesmo de entregar todos os aparelhos, precisando do dinheiro, fui lá
receber, ele vendo que não havia
maldade e sim total desconhecimento do processo, mandou fazer
um cheque para me pagar.
Com o crescimento da empresa,
começamos a fazer bons parceiros,
não posso esquecer as dificuldades
para colocar um aparelho nacional,
de fabricação caseira no mercado.
Mas no nosso caminho encontramos tanta gente legal, foram muito
amigos e percebiam que, estávamos
realmente a fim de fazer algo de músicos para músicos e que durante todos
estes anos, foram nossos parceiros e
nos ajudam até hoje nos dando o feed
back, extremamente necessário para
qualquer empresa, do que o nosso
consumidor final deseja e principalmente o que acha dos equipamentos.
Estas dificuldades nos fizeram ver
o quanto os lojistas, são importantes
e como é bom tê-los ao nosso lado.
A coisa começou a ficar ainda
mais louca... Eu ia para o banco,
Entrevista
comprava peças... montava os aparelhos... contratava gente... cuidava de
tudo, sempre com a ajuda do meu irmão Paulo e ainda saía para vender.
Começamos a sentir outras grandes dificuldades, não entendíamos
nada da parte administrativa, contratação, estas coisas e acontecimentos
como o do Torau começavam a nos deixar constrangidos. Era necessário que
nos organizássemos com relação a
prazo de pagamento, cobrança, gerenciar as vendas, cadastrar nossos
clientes e nos planejarmos melhor.
Foi aí que nosso irmão caçula, o
Ocimar (saxofonista) , entrou na empresa, como funcionário, para cuidar
de toda esta parte e você não acredita, em pouquíssimo tempo ele arrumou a casa. Sua garra, força de vontade e determinação eram tantas que
chamei o Paulinho e disse: " Irmão
vamos colocá-lo como nosso sócio!"
Além disso, o Ocimar, não podia
ficar sozinho e foi aí que meu cunhado João (Diretor de Fábrica da Meteoro) veio para ajudar a organizar os
departamentos.
Arrumada a casa começamos a diluir outras dificuldades, a venda para
o Brasil, um país demograficamente
extenso. Sentíamos a necessidade de
Primeiro amplificador da
Meteoro, lançado em 1985
76 www.backstage.com.br
ter representantes em alguns estados, era complicado e caro para nós,
ainda, termos uma boa estrutura, foi
aí que veio para nós, outras gratas
surpresas e mais pessoas fantásticas
que nos ajudaram e ajudam (muitos
dos que começaram conosco ainda
estão na casa). Eles quebraram barreiras que não foram poucas e
“Nossa filosofia
foi, e é até hoje, a
de fazer
equipamentos com
os quais os
músicos toquem e
consigam tirar deles
o melhor som”
paradigmas. Recordo-me de quantas
vezes depois de rodar uma cidade inteira, levando meus amplis no braço
e mostrando loja em loja, tivemos
que dividir uma única refeição em
um quarto de hotel, bem simples,
como com meu parceiro "Preto"
(Hércules, Representante Interior de
São Paulo/Rio) e nunca ouvi destes
parceiros uma reclamação ou desânimo, pelo contrário, sempre confiantes, cheios de elogios e com
uma vontade danada de
ver nossos produtos na
vitrine, bem colocados,
vendendo bem e sendo assim credibilizados por
eles, que já estavam no
mercado representando
outras marcas.
Começamos a pensar que
precisávamos associar nossa marca a formadores de
opinião, grandes músicos,
afinal sentíamos ainda dificuldades em consolidá-la.
Mais surpresas, mais parceiros e acima de tudo grandes amigos, também neste meio,
encontramos no caminho.
Nossa filosofia foi e é até hoje, a
de fazer equipamentos com os quais
os músicos toquem e consigam tirar
deles o melhor som para suas características musicais e que amplifiquem da forma exata o que conseguem, através dos seus talentos, tirar do instrumento que tocam.
Com esta filosofia cheguei junto
de grandes músicos, os quais respeito e os convidei para ir até a fábrica,
tocar nos nossos amplis, dar opiniões e com alguns desenvolvi amplificadores que estão aí no mercado e
hoje compõem os back lines de grandes bandas, do nosso riquíssimo cenário nacional e que nos prestigiam
usando nossos aparelhos.
Tenho como amigos, parceiros e
grandes responsáveis por estes trabalhos, músicos como o Mello
Júnior (guitarrista) hoje nosso Especialista de Produtos, Celso Pixinga
(baixista), conosco há 12 anos,
Hélcio Aguirra (guitarrista), que me
ajudou muitíssimo quando comecei
a desenvolver nossa linha de valvulados, Andreas Kisser (guitarrista),
menino tão bom que o coração de
músico dele chega a nos emocionar
sempre que estamos juntos, Mozart
Melo, grande professor e muitos que
gostaria de citar, e a todos que fazem
esta grande família que é hoje a Meteoro Amplifier.
Você sempre apoiou os músicos
no início da carreira. Fale um pouco
dos Mamonas Assassinas.
J.L. É como falei, sou músico, né?
Sei a dificuldade de saber que tenho
talento, meu som é bom e não ter
equipamento para mostrar meu trabalho, para que possam me reconhecer! Já pensou nisto?
Vixe, Maria, isto é muito ruim e
vai dando um desânimo. Então os
meninos eram assim, eles não tinham equipamento e eram uma grande banda, aqui de Guarulhos (SP),
eles usavam o nome de Utopia e faziam um rock, na época, muito parecido com o Barão Vermelho, tocavam
muito bem, mas no mercado musical
já existiam muitas bandas no estilo
deles. Estes meninos eram como
nós, quando tínhamos o nosso gru-
Entrevista
po, nunca tiveram ajuda de ninguém
e faziam tudo sozinhos. Não tinham
roadies, técnicos, tocavam com instrumentos emprestados e pegavam
equipamento aqui na fábrica, para fazer seus shows, eles praticamente
pagavam para tocar... Quer dizer...
Eles pagavam para tocar, mesmo.
Mas tinham um grande potencial, o
Dinho, era exatamente aquela pessoa
do palco, brincalhão, extrovertido, inteligente, e vinha muito aqui, às vezes
ficava uma tarde inteira, sentado na
recepção, com aquele jeitão, para trocar umas idéias comigo, sempre pedia
desculpas por estar ali, imagina. Um
dia, ele chegou na fábrica, muito desiludido com as coisas que estavam
acontecendo, de ter de tocar cover, de
não gostarem quando eles tocavam as
músicas deles e de estar na realidade
pagando para tocar nos lugares, por
que os gastos para ir tocar e mostrar
suas músicas ficavam altos.
Aí, meu fio... chamei o Dinho na
minha sala e falei: "Dinho, você presta atenção, você é um artista, sua
banda é legal, mas você tem que ter
um pouco mais de paciência!"
Não sei por que resolvi contar
uma história que havia acontecido
comigo, comecei assim...
“Chamei o Dinho na
minha sala e falei:
Dinho você presta
atenção, você é um
artista, sua banda é
legal, mas você tem
que ter um pouco
mais de paciência!”
"Nada nesta vida de músico é fácil.
Quando cheguei em São Paulo fiz fazer um trabalho com uma grande
banda, antes disto, eu só tocava rock
in roll e tinha me desligado um pouco das leituras musicais e este grupo
era muito grande, já renomado, tocavam com muitos arranjos e só tocavam pedreiras do tipo: Glen Miller,
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Frank Sinatra e outros grandes nomes. Era tudo com partitura não
dava para ser intuitivo e fazia muito
tempo que não lia aí... foi trave... só
trave, na certa. Após o primeiro fim
de semana, fizeram uma reunião em
uma grande mesa e o sr. Erlon José
me disse: "Sinto muito, mas você é
muito ruim para tocar conosco!"
Aquilo me deu um desespero, precisava do emprego, estava com a minha
família e o pior, eu sabia e conhecia
muito bem meu potencial como músico, olhei para o cara e pedi, por favor,
para que ele me desse uma chance para
mostrar que eu conseguiria estar ali no
meio daqueles grandes músicos que
faziam parte do grupo. Por isso, eu
agradeço ao Maestro Karan e a todos
aqueles músicos que me deram uma
nova oportunidade. Mas o melhor
você não sabe, Dinho e não vai acreditar, um ano e meio depois eu era o Diretor Musical do grupo e 15 anos depois fui o dono deste grupo, que pertencia à empresa Rearte Traipú, a qual
tenho muito carinho!"
Não sei por que lhe contei esta história, só sei que olhei para o Dinho e
ele estava com os olhos cheios d´água
e me pediu para trazer a banda dele
aqui na Meteoro, para que eu contasse
esta história para eles e aí... É lógico,
né?... Concordei, mesmo sem entender muito bem e assim ele o fez. Vieram todos os integrantes da banda
aqui e contei a história novamente.
Passou um tempo e me chega o
Dinho com aquele jeitão dele, com
uma fita cassete na mão e umas músicas bem alegres e divertidas numa
gravação muito ruim, feita em casa,
com muito vazamento e me disse:
"Zé... vê aí o que você acha?"
Disse que era muito legal porque o
país em que vivemos é muito alegre,
mas que seria melhor fazer uma demo
em um estúdio. Foi quando montamos
um equipamento em um barzinho chamado Lua Nua, de um grande amigo, o
Valdir aqui em Guarulhos mesmo e
eles levantaram uma grana para fazer a
demo. Encaminhamos para um pessoal
do mercado fonográfico que gostou,
mas eles queriam ver ao vivo.
Aí, rapaz... Montamos o equipamento novamente, no mesmo bar,
desloquei meu técnico de som preocupado com a voz do Dinho, por que
nas músicas deles o grande barato do
som eram as letras e fui para lá. Sentado, na mesa, com o pessoal, após
as primeiras músicas já estava com a
certeza do contrato firmado, foi muito legal, legal mesmo.
“Um ano e meio
depois eu era o
Diretor Musical do
grupo e 15 anos
depois fui o dono
deste grupo, que
pertencia à empresa
Rearte Traipú”
Mas gostaria de deixar claro aqui
uma coisa, ninguém, mais ninguém
mesmo ajudou estes garotos, eles fizeram tudo sozinhos com a força da
família e sabe por que tô dizendo
isto, por que depois que as coisas
acontecem e estouram aparecem
sempre os pais da criança. Tiveram
muita sorte mesmo assim, um amigo o Rick Bonadio e sua equipe fizeram um trabalho com eles e o pessoal da 89 FM, na época, deu a maior
força quando deixaram eles tocarem
no show em prol da campanha contra
a aids. Veja só, só tinham feras, mas
a maioria rock pesado, metal e colocaram os moleques lá no meio com o
trecho da música... "Me passaram a
mão na bunda e eu não comi ninguém...", inserido na chamada do
evento, aquilo foi um estouro, você
nem imagina!
Por fim, nessa época, nosso estande na Expomusic tinha shows, ao
vivo, e o sonho do Dinho sempre foi
tocar lá no meu estande, imagine só?
No meio de toda a ascensão rápida,
estourando nas paradas de sucesso
de todas as rádios do Brasil, eles foram até a feira e tocaram no meu
estande, aquilo foi uma loucura ain-
Entrevista
Zé Luiz, em 1987, o começo da Meteoro em feiras
da maior, quase derrubaram a cabine
e acabou que foram feitas mais de
uma apresentação.
Eu acredito que o sucesso da Meteoro se deva à soma da alma do músico
com a alma do empresário. Como
você trabalha estas duas almas?
J.L. Na verdade elas são uma coisa
só e o músico para mim é como um
médico com um paciente para ser
operado, quando se sobe no palco e
se conta... 3... 4... É assim... Paulada, muito som e uma emoção indescritível. Eu me orgulho muito de ser
músico. Hoje quando viajo a negócios, no Brasil ou fora do meu país e
vou preencher, minha ficha, nos hotéis, no item profissão, com muito
orgulho mesmo, preencho: "músico"
e sabe por quê? Escute bem o que eu
lhe digo: "Não existe aparelho que
meça precisamente o som e qualidade de um equipamento como a sensibilidade de um grande músico".
Portanto, as duas almas estão aliadas e somam-se ao gosto sonoro
criando uma identidade e é isto que
faz a Meteoro ter o som dela, muito
próprio, dela, muito dela, entende?
Sei que você tem uma imensa admiração pelo sr. Cristalino. Quem é e
o que representa para você?
J.L. Rapaz, agora você me pegou
80 www.backstage.com.br
de jeito. Bom... Um grande homem,
um vencedor, amigo, um músico fantástico, a tradução mais verdadeira
do dom divino que Deus nos dá.
Um filho de índios, mineiro de Teófilo Otoni, que teve em sua companheira a força para aprender o que ela
lhe ensinou, que olhava um instrumento perguntava o que era, como
“Hoje, quando viajo
a negócios e vou
preencher minha
ficha nos hotéis, no
item profissão, com
muito orgulho
mesmo, preencho:
"músico”
se tocava e saía tirando notas do
mesmo e fazendo música. Eu ficava
impressionado em ver a facilidade
com que ele tocava quase todos os
instrumentos. Com perfeição, ele tocava todos, muito bem.
Tocava em regionais, tinha muito carinho pelos seus músicos,
para você ter uma idéia um dos
maiores saxofonistas da época, o
Bucck Pitman, trabalhou na orquestra dele.
Cristalino Ferreira era meu pai!
Aquele que desde muito cedo me ensinou a respeitar a música e a profissão. Aquele que me incentivou sempre a tocar. Um homem que respeitava acima de tudo sua mulher e seus
filhos e mais... Você poderia mexer
com quem fosse, mas não mexesse
com sua família... Meu fio, o homem
virava bicho, Vixe Maria, você nem
acredita no que ele seria capaz de fazer.
Para você ver, me lembro do
quanto a música era importante
para ele, porque nunca ouvi minha
mãe falar um "aí" que fosse sobre
isto, pelo contrário, saíamos para
tocar e era como aquela imagem que
todo garoto tem quando vai para escola. Da mãe que leva até o portão,
para pegar a perua escolar, sabe
como é? Com a gente era a mesma
coisa, aliás, era ela quem fazia nossas roupas de shows e ela, que é
muito linda, uma princesa até hoje,
sempre ia nos levar até a perua
quando esta chegava.
Então... O sr. Cristalino era esse
homem que era respeitado em casa e
na cidade que morava, mas principalmente como músico, isto porque você
imagine só ser músico naquela época,
em 60 e em uma cidade do interior,
mas ele era muito firme, cresci vendoo tocar e tocando com ele uma das coisas mais importantes que ele me falou
foi: "Meu filho, nesta nossa profissão,
você vai se deparar com muitas coisas
boas e ruins. Nunca caia em nenhum
vício, você tem a música no sangue
que veio de mim, para você tocar você
não precisa disto"!
Que mais posso dizer? Só sei que
aos 14 anos de idade perdi este amigo, companheiro. Um homem de fibra, músico, que me ensinou também e principalmente a ser honesto e
verdadeiro nas minhas atitudes e fazer disto a minha vida, alguém que
mostrou e fez entender o verdadeiro
valor da família. Por isso, um dos
nossos amplificadores mais completos leva seu nome uma homenagem
nossa àquele que nos deixou estas lições que nós temos na alma e principalmente no sangue.