BANGLADESH E O SEU BANCO COMUNITÁRIO Carlos Daniel

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BANGLADESH E O SEU BANCO COMUNITÁRIO Carlos Daniel
BANGLADESH E O SEU BANCO COMUNITÁRIO
Carlos Daniel Baioto*
*Carlos Daniel Baioto é professor de pós-graduação em gestão cooperativa na
Unisinos, São Leopoldo, RS. É consultor nas áreas de projetos de tecnologias sociais e
cooperativismo. Este artigo foi publicado na Revista Mundo Jovem, De olho na
corrupção - Edição N° 431, Ano 2012 - Outubro de 2012.
A comissão julgadora do premio Nobel da Paz reconheceu, no ano de 2006, a
grandiosidade do trabalho do indiano e professor em economia Muhammad Yunus,
por construir as bases de uma nova racionalidade, quanto a forma de compreender
desenvolvimento econômico e social a partir do capital. Foi responsável por construir
inovadoras formas de gestão de credito e mecanismos de romper, não só a pobreza mas
sua continuidade. Yunus é responsável pela construção das bases do banco popular de
microcrédito - o Banco Grameen, palavra que na Índia representa “aldeia”.
A
justificativa deste reconhecimento se deu em função dos resultados gerados da
experiência do microcrédito em contribuir para o desenvolvimento sustentável e a paz,
em umas das regiões mais pobres do mundo, o interior da Índia.
Estes reconhecimentos alem de dar maior visibilidade a uma experiência de
inovação social e econômica de alto impacto, demonstra a importância de
reconhecermos as múltiplas possibilidades humanas, em encontrar soluções eficazes
para problemas sistêmicos, possibilitando a construção de novos contratos sociais
mais sustentáveis e condizentes com as necessidades da sociedade do século XXI.
Também demonstra múltiplas possibilidades que surgem quando
ampliamos as
compreensões de vida em sociedade para alem do pensamento limitado e reducionista
das teorias sócio Darwinista, que justificam as desigualdades sociais e econômicas
como naturais.
Muhammad Yunus, conhecido como ‘o banqueiro dos pobres’, fundou, em
1978, um dos primeiros bancos de microcrédito no mundo, em Bangladesh, o Grameen
Bank.
Com esta experiência ele quebrou muitos paradigmas reconhecidos como
verdades inquestionáveis:
demonstrou
o distanciamento entre
o conhecimento
acadêmico de seu país em relação as necessidades e a realidade social e econômica;
inverteu a lógica de crédito bancário formal que avalia a população pobre como não
apta a receber crédito; questionou a cultura de submissão da mulher na sociedade
indiana; demonstrou que a mais fatores a serem levados em consideração entre o
subdesenvolvimento e a pobreza de populações inteiras do que apenas a incapacidade
para o trabalho; demonstrou a importância do investimento no micro empreendedorismo
como forma de desenvolvimento local sustentável.
Reconhecido como um importante intelectual com uma vasta carreira acadêmica
o Prof. PhD em economia Muhammad Yunus, percebeu que as respostas e verdades
retiradas
dos livros teóricos acadêmicos tinham pouca ou nenhuma eficácia
no
combate à pobreza das sociedades. Em entrevista para um jornal Britânico, em 2005,
Prof. Yunus afirma: “Comecei a achar que minhas aulas eram uma sala de cinema onde
podíamos relaxar tranqüilizados pela vitória certa do herói ”. Porem, quando se voltou
para o mundo real avaliou que com novos modelos de credito, as pessoas menos
favorecidas poderiam aplicar o credito de forma empreendedora em seus micro
negócios de modo que pudessem gerar sua própria renda, aumentando sua qualidade de
vida. Yunus critica também a ineficiência dos modelos formais de desenvolvimento,
defendidos pelo Banco Mundial, para ele, existe um distanciamento entre os valores
destinados e a eficácia dos resultados gerados as populações pobres dos países
atendidos.
Yunus (2008), defende que a pobreza não decorre de preguiça, baixa formação
educacional ou problemas pessoais, mas sim de uma lógica limitada e determinista
sobre: sentidos de crédito, desenvolvimento social e econômico e dos direito humanos.
É importante compreender que o Grameen Bank, alem de uma empresa social,
rentável e sustentável, no formato de banco, é uma instituição de luta pela efetividade
da Declaração dos Direitos Humanos, pois tão importante quanto o direito à
alimentação e à moradia é o acesso ao crédito e a vida digna.
A instituição visa atuar contra a discriminação e violência nas mulheres
indianas. A ação do banco objetiva a construção de comprometimento coletivo como
forma de desenvolvimento, por isto tem em sua metodologia de trabalho, condicionar
suas relações com os clientes na confiança mútua. Pequenos grupos de mulheres (as
mulheres correspondem a 95% dos clientes) responsabilizam-se umas com as outras
para garantir o retorno do empréstimo (mais de 96% dos empréstimos são retornados no
prazo). As mulheres são excluídas social e economicamente na cultura indiana, então o
privilégio de receber credito financeiro (30 dólares iniciais como microcrédito) sem
exigir nenhuma documentação nem garantias.
As finalidades da liberação do credito é adequado ao seu contexto, no entanto
há diretrizes respeitadas pelas unidades como: incentivo ao financiamento de habitação,
liberação de credito a microempresas em valores maiores para compra de equipamentos
de trabalho, bolsas de estudos a filhos dos membros do Banco de forma prioritária a
mulheres.
Quanto aos princípios
A base da estrutura de gestão deste banco diferente é pautada em princípios
flexíveis ao local onde a agência está instalada e de redução máxima das burocracias
presentes no sistema forma. Esta são
algumas das diferenças do sistema de
microcrédito bancário do Grameencredit - do Banco Grameen, desenvolvido por
Yunus. Este sistema difere em vários outros pontos da racionalidade dos bancos
formais, sem deixar de manter sua sustentabilidade econômica.
Segue um conjunto de características próprias:

Reconhecimento do acesso ao credito como um dos direitos humanos, bem
como, a necessidade deste credito ser facilitado.

Missão: auxiliar famílias pobres em especial as mulheres, tendo como base a
ajuda mutua.

Baseado exclusivamente na construção de redes de confiança e apoio, mantendo
ausente do processo de credito qualquer assinatura de contrato ou garantia
jurídica.

Empréstimo como forma de estimulo à geração de postos de trabalho e ao
empreendedorismo individual ou a construção de casa própria.

Rejeição a modelos bancários tradicionais que reafirmam a miséria dificultando
o crédito a população pobre.

Adoção do principio que o banco é que deve ir as pessoas e não o contrario, pois
este tem fundo social. O serviço de crédito é oferecido na porta das casas da
população pobre.

O empréstimo é consentido ao tomador (beneficiário do credito) que se unir a
um grupo de tomadores, que ficam moralmente responsáveis pela liquidação da
dívida junto ao banco.

Ausência de limites de vezes que o mesmo tomador pode solicitar de
empréstimo. Uma vez pago o debito fica automaticamente liberado novo crédito.

Baixo valor das parcelas dos empréstimos a ser pagos semanalmente ou
quinzenalmente.

Empréstimos vinculados a planos de poupança.

Utilização de taxa e juros menores que os indexadores locais uma vez que as
operações do Grameencredit devem ser auto – sustentáveis.

Construção de “capital social” através da construção de grupos e centros de
desenvolvimento de lideranças locais e multiplicadores. A ênfase é fortalecer a
formação de ativos de “capital humano” com base em formação continuada.
Como conseqüência desta forma de gestão, atualmente 96% do capital financeiro
do Banco Grameen é constituído por tomadores e apenas 6% da parceria com o poder
publico local. As agencias do Banco contam com centros de formação permanente de
lideranças e empreendedorismo.
Mesmo com todas estas diferenças o Banco de microcrédito tem demonstrado
sua vitalidade de empreendimento economicamente sustentável. Sendo um dos poucos
bancos indianos que manteve sua conta positiva na crise bancaria internacional em
2008.
O Banco Grameen quanto aos resultados obtidos
No ano do reconhecimento dos resultados obtidos pela experiência do Banco
Grameen, através do premio Nobel da Paz, Yunus apresentou a mídia interessada os
resultados obtidos em números da trajetória do Banco popular.
Do seu lançamento em 1978 até 2006 os números demonstram a eficácia e efetividade
da proposta, reconhecida por muitos inicialmente como utópica. Apresenta:

Aproximadamente 12 mil funcionários.

Mais de US$ 5,7 bilhões em empréstimos principalmente voltados a agricultores
sem terra ou agricultura familiar.

Aproximadamente 2,4 milhões de famílias beneficiadas pelos microcréditos.

Cerca de 7,5 milhões de clientes, sendo 97% mulheres.

Cerca de 12 milhões de pessoas saíram da linha da miséria, aproximadamente
10% da população do país.

Desenvolvimento do banco de microcrédito em 68 mil unidades em todo pais.

O índice de inadimplência chega na media de 1% .
Consideração finais
A experiência do microcrédito no modelo do Banco Grameen tem servido de
referencia para outros pais como forma de combater a pobreza. Entre os países que
adotaram os mesmos princípios, estão: os EUA no governo do Bill Clintom, com
agencias em Nova York, Dakota do Sul e Chicago; Europa, Oriente Médio e Oceania;
vários países africanos e da América Latina. No Brasil surgiram vários modelos de
micro crédito, inclusive em agências públicas e privadas. No entanto o Grameen
representa características muito especificas, sendo a eficácia reconhecida tanto pelo
premio Nobel em 2006, concedida a Yunus, quanto pelas agencias internacionais de
desenvolvimento, entre elas o Banco Mundial. Também em 2006, na reunião da Cúpula
Global de Microcrédito o modelo de proposto por Yunus é reconhecido como gerador
de desenvolvimento social e econômico sustentável. Neste encontro se definiu as metas
de ampliação do número de famílias atendidas por este sistema de crédito para 175
milhões até 2015. Este acordo foi assinado não só pelos países membros, mas por
agências internacionais de apoio e fomento.
As experiências de microcrédito tem tido seu reconhecimento como forma de
gerar as bases do desenvolvimento sustentável, dados estatísticos demonstram a
abrangência e efetividade de implementação de programas similares: Banco popular,
banco solidário, microcrédito e moeda social. No entanto alguns questionamentos
continuam a se apresentar, como o distanciamento da formação acadêmica demandas
sociais
das
por inovações tecnologias de desenvolvimento que incluam as
populações mais pobres. A historia de Muhammad Yunus, bem como, os resultados
obtidos pela experiência do Grameem
demonstram as múltiplas possibilidades da
aproximação do conhecimento acadêmico em gerar inovação social e econômica,
quando as barreiras formais são eliminadas, canais de comunicação são abertos e a
vontade de fazer a diferença é estimulada.

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