reflexões sobre gênero e a produção do grupo guerrilla girls

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reflexões sobre gênero e a produção do grupo guerrilla girls
Modalidade: Comunicação oral, Apresentação Slides ou Pôster
GT: Artes Visuais
Eixo Temático: Múltiplas culturas, interculturalidade e inclusão: metamorfoses contemporâneas.
REFLEXÕES SOBRE GÊNERO E A PRODUÇÃO DO GRUPO GUERRILLA GIRLS
Camila Bourguignon de Lima (UEPG, Paraná, Brasil)
RESUMO:
Este artigo tem por objetivo apresentar a questão de gênero na poética do grupo de
artistas e ativistas Guerrilla Girls, contextualizando os objetivos de sua produção. Tem como base
o trabalho de conclusão de curso junto a Licenciatura em Artes Visuais da Universidade Estadual
de Ponta Grossa. Por meio de pesquisa bibliográfica constata-se, a partir das obras do coletivo, à
escassa incorporação em exposições de arte moderna e contemporânea, da produção artística de
mulheres artistas no sistema das artes visuais, tais como museus, galerias, bienais, e também na
historiografia. Os principais autores estudados foram Conceição (2009), Coutinho (2009), Santos
(2011), Simioni (2014), Stein (2011) e Guerrilla Girls (1989). A pesquisa é singular pelo fato de dar
visibilidade à uma poética que discute gênero, isto é, significa uma forma de refletir sobre o papel
da mulher na arte, na sociedade e na história.
Palavras-chave: Guerrilla Girls; Artes Visuais; Gênero
REFLECTIONS ABOUT GENDER AND THE PRODUCTION OF GUERRILLA GIRLS GROUP
ABSTRACT:
This article aims to present the question of gender in the poetics of the group of artists and
activists Guerrilla Girls, contextualizing the goals their production. Is based on the course
conclusion work with a degree in Visual Arts from the State University of Ponta Grossa. By means of
literature search it is verified, through the works of the collective, the scarce incorporation, into
modern and contemporary art exhibits, artistic production of women artists in the visual arts
system, such as museums, galleries, biennials, and also in historiography. The principal authors
studied were Conceição (2009), Coutinho (2009), Santos (2011), Simioni (2014), Stein (2011) and
Guerrilla Girls (1989). The research is unique in that it give visibility to a poetic that discusses
gender, that is, means a way of thinking about the role of women in art, society and history.
Key words: Guerrilla Girls; Visual Art; Gender
1 Introdução
O presente artigo aborda a temática de gênero associada às estratégias de
trabalho do grupo mundialmente conhecido Guerrilla Girls. Dentre as ações artísticas,
como pôsteres, performances e happenings, bem como conferências e produção de
livros, o coletivo denuncia situações de invisibilidade da mulher artista nas artes visuais.
O termo gênero, advindo do final da década de 1970, expressa reflexões sobre as
relações entre os sexos e sua constituição social. Importante destacar que tais relações
são, também, manifestações de poder e no caso das mulheres artistas, foco de atenção
do artigo, denotam importância em termos de pesquisa, pois as mulheres tiveram uma
educação artística sem autonomia, repressora, acarretando sua invisibiliadade no meio
artístico. Romper com este ocultamento tem sido a intenção do grupo Guerrilla Girls
demonstrando um posicionamento crítico junto aos museus, galerias, escritores e críticos
de arte (sistema da arte), a fim de reconhecer na história as mulheres artistas.
Assim, este artigo, através de pesquisa bibliográfica, demonstra a relevância das
mulheres artistas no âmbito das artes visuais, tendo como referência as produções do
grupo Guerrila Girls.
2 Desenvolvimento
A concepção de gênero é relevante para nortear compreensão da ausência das
mulheres artistas e de suas obras no contexto das artes visuais. Segundo Pedro e
Guedes (2010, p. 4),
mulheres que protagonizam causas femininas e que comparecem na cena pública
para reivindicar sobre questões que lhe dizem respeito e para colocar em pauta a
necessária discussão de gênero possibilitaram muitos avanços neste sentido. Um
grande avanço é, sem dúvida, a construção e a afirmação do próprio conceito de
gênero.
A história a respeito da construção do conceito de gênero originou-se a partir de
inúmeros questionamentos que se faziam sobre a direção que tomaria os estudos das
mulheres, que buscava uma reflexão histórica para justificar a igualdade de direitos entre
os sexos. Portanto, para deixarem o cenário da invisibilidade e um espaço na sociedade
apontado como secundário, as mulheres se organizaram, denominando o feminismo
como “[...] o movimento social que defende igualdade de direitos e status entre homens e
mulheres em todos os campos.” (SANTOS, 2011, p. 85-86).
Os estudos feministas, em meados da década de 1970,
tinham como objeto central “a mulher” no singular. Os trabalhos produzidos neste
período tinham a preocupação em explicar as causas da opressão feminina, da
subordinação da mulher na história do patriarcado. O feminismo tinha ainda neste
período um problema teórico-metodológico, não tinha um objeto formal que desse
conta dos fenômenos observados. (CONCEIÇÃO, 2009, p.740)
Para Conceição (2009), como resultado dessas reflexões que intencionavam traçar
as causas da opressão feminina, porém deslocando o objeto central “a mulher” para
objeto empírico, uma estruturação teórico-metodológica emergiu a fim de sustentar os
estudos sobre mulheres. Conforme afirma Santos (2011, p.86), as novas discussões
desencadearam uma análise da “[...] vida social a partir da experiência das relações de
gênero”, isto é, desponta nas ciências sociais uma concepção que “[...] desvinculava-se
do sentido da construção dos significados sociais femininos compreendidos apenas na
escala biológica.”
No que concerne ao termo gênero, este
[...] altera o enfoque nas discussões, pois se inaugura uma nova problemática no
campo feminista. O conceito de gênero promove um avanço nos estudos
feministas ao incluir tendências universais em relação ao masculino e feminino
com as especificidades históricas e culturais. (CONCEIÇÃO, 2009, p.740).
Conforme afirma Matos (2006), não é possível refletir a respeito de gênero fora do
contexto cultural, social e de um determinado espaço, tempo histórico, relações
econômicas, politicas e de poder. Assim, gênero é uma concepção que possibilita
compreender como as relações entre homens e mulheres se dão na sociedade e os
motivos que levam as mulheres a não serem reconhecidas em seu potencial como
artistas. Desse modo, conforme Grosenick (2003, p.7), o grupo Guerrilla Girls invade a
cena artística evidenciando a relação entre gênero e arte, já que não se trata mais de uma
temática experimental ou recente, mas de um impacto na arte do século XX, sendo este
duradouro a ponto de continuar influenciando a arte do século XXI.
Motivadas pela problemática, segundo Guerrilla Girls (1998), na obra “The Guerrilla
Girls’ bedside companion to the history of western art”, alguns livros de história como
“História da Arte” de Janson ou “Arte através dos tempos” de Gardner, apresentam o
conteúdo revisado com um maior número de mulheres artistas e artistas negras do
passado, entretanto não em situação de igualdade com consagrados artistas homens.
Isto também foi verificado por Simioni (2011, p. 376), onde atualmente se
frequentarmos as exposições de arte moderna ao redor do mundo, as coleções
permanentes de museus, galerias e bienais de artes são o reflexo “[...] da exclusão
feminina das principais instâncias de formação de carreiras artísticas ao longo dos
séculos XVIII e XIX – as academias de arte – [...]”, conforme já visto.
Ao tratar da relação entre arte e gênero, portanto observada de diferentes formas
pelo grupo, no debate sobre a relação da arte com os sistemas de poder e dominação,
caberia falar da relação da arte em um circuito de opressões conectadas, como a de raça,
de sexo e as disfarçadas. Questões como “qualidade” têm sido usadas como justificativa
para manter artistas de fora do circuito. Romaine Brooks para o Guerrilla Girls em
entrevista intitulada GUERRILLA GIRLS BARE ALL (1995) concedida ao site
(http://www.guerrillagirls.com) afirma:
Success in art is a matter of luck and timing as well as being good or having talent.
Why do white men seem to have all the luck? It's not just a happy accident. Thus
far, and throughout history, the system has been set up to support and promote the
work of white male artists. That is their luck. In the old days of Western culture, it
was patronage and the atelier system. It's not that different now, though patronage
doesn't come in the form of royal courts and the Roman Catholic Church, but in the
form of gallery owners, collectors, critics and museums who back certain artists.
Once enough money has been invested in a certain artist, everyone mobilizes to
keep that artist's name out front and consequently in history. The artists who make
it in this way begin to define quality. 1
1
Sucesso na arte é uma questão de sorte e momento, tanto quanto ser bom ou ter talento. Por que os homens brancos
parecem ter toda a sorte? Não é apenas um acidente feliz. Até agora, e ao longo da história, o sistema foi configurado
para apoiar e promover o trabalho de artistas brancos do sexo masculino. Essa é a sorte deles. Nos velhos tempos da
cultura ocidental, foi o patrocínio e o sistema de ateliês. Não é tão diferente agora, embora o patrocínio não venha sob a
De acordo com Lee Krasner para o Guerrilla Girls, artista e ativista, “the world of
High Art, the kind that gets into museums and history books, is run by a very small group
of people.” 2 E é esse grupo pequeno de gestores que determina a história da arte e o
critério de qualidade nas exposições. Termos como “gênio da pintura”, “mestres da arte”
ainda são vigentes. Grandes artistas da pintura e escultura como Geogia O’Keefee,
questionaram: “Why do we always have to be called ‘women artists’? They don’t call
Rembrandt and Van Gogh ‘male artists’” 3, ou Edmonia Lewis ao dizer: “Why does being
African-American and female make it twice as hard for my work to be remembered?” 4
(GUERRILLA GIRLS, 1998, p.7).
Ainda destacamos a produção de Artemisia Gentileschi pelo fato de não ter sua
obra e qualidade artística reconhecida nos livros de história de arte em situação de
igualdade com homens pintores do mesmo século (XVII). No entanto, sua ausência na
historiografia inspiram “[...] inúmeras monografias, artigos e livros dedicados a mulheres
artistas, bem como colóquios, revistas e debates acadêmicos [...] para refletir sobre as
produções artísticas, sua história e os limites da historiografia da arte tradicional.”
(SIMIONI, 2011, p.376).
À vista desta realidade, surge um coletivo de artistas mulheres que reinventa o
assunto ao apresenta-lo de modo inaugural: o grupo Guerrilla Girls. As artistas lutam
contra a discriminação de raça e gênero no mundo das artes visuais, do cinema e da
política. Ridicularizam atitudes homofóbicas, apoiam os direitos de gays e lésbicas,
problematizam sobre o aborto, estupro, os sem-teto, as guerras e as diversas formas
como o corpo da mulher é tratado ao longo dos anos. Questões motivadas por uma
história que envolva todas as experiências de uma cultura e não apenas a parte
masculina e branca5. Em público aparecem somente usando máscaras de gorila, ironias e
humor visual a fim de provocar discussões e mostrar que o feminismo pode ser divertido.
Se apropriam de nomes de artistas falecidas de destaque na história da arte ocidental
numa forma de homenageá-las, como Frida Khalo, Käthe Kollwitz, Eva Hesse, Georgia
O’Keeffe, Rosalba Carriera, Anais Nin, Meta Fuller ou Violette LeDuc.6
forma de cortes reais e da Igreja Católica Romana, mas na forma de galeristas, colecionadores, críticos e museus que
apoiam certos artistas. Uma vez que o dinheiro foi investido o suficiente em um determinado artista, todos se mobilizam
para manter o nome do artista lá na frente e, consequentemente, na história. Os artistas que fazem desta forma
começam a definir qualidade. (GUERRILLA GIRLS BARE ALL – AN INTERVIEW. 1995. Disponível em
<http://www.guerrillagirls.com/interview/>. tradução nossa).
2
O mundo da Hight Art [arte atemporal que agrada a intelectualidade e tem reconhecimento da comunidade artística],
do tipo que fica em museus e livros de história, é gerido por um grupo muito pequeno de pessoas. (GUERRILLA GIRLS
BARE ALL – AN INTERVIEW. 1995. Disponível em <http://www.guerrillagirls.com/interview/>. tradução nossa).
3
Por que nós sempre temos que ser chamadas de “mulheres artistas”? Eles não chamam Rembrandt e Van Gogh
“artistas masculinos”. (tradução nossa).
4
Por que ser Africano-Americano e do sexo feminino torna isso duas vezes mais difícil para o meu trabalho ser
lembrado? (tradução nossa).
5
A terminologia “branca” é utilizada pelas próprias Guerrilla Girls.
6
Esta reflexão foi elaborada com base nos seguintes textos e vídeos: 1) Guerrilla Girls, artistas e ativistas feministas de
NY (Disponível em <http://www.estadao.com.br/noticias/arteelazer,guerrilla-girls-artistas-e-ativistas-femininas-de-ny/>.);
2) Vídeos sobre o grupo Guerrilla Girls (Disponíveis em <http://www.guerrillagirls.com/videos/>.); 3) Entrevista
concedida para
o Confessions of the Guerrilla
Girls,
publicado
em
1995, (Disponível
em
<http://www.guerrillagirls.com/videos/>.)
Diante da relação entre arte e gênero que envolve a poética do Guerrilla Girls, cabe
detalhar a biografia e a produção artística do grupo. É relevante explicitar que poética “[...]
leva em conta a constituiçãode significado a partir de como a obra é feita.” (REY, 1996,
p.5). Concorda-se com Rey (1996, p. 5) ao afirmar que é necessário conhecer “[...] a
proposta e o modo de trabalhar do artista [...]” para compreender suas obras.
As Guerrilla Girls, no intuito de conscientizar o público sobre o feminismo e
questões de gênero, desenvolve performances7, happenings8, palestras, pôsteres,
matérias para revistas, outdoors, adesivos, escrevem livros, projetos destinados a museus
e objetos, como camisetas, que podem ser adquiridos no site do Guerrilla Girls
(http://www.guerrillagirls.com). Diante das diversas temáticas abordadas pelo grupo, é
relevante esclarecer que esta pesquisa opta por analisar a produção do Guerrilla Girls que
foca na discriminação de gênero e na participação minoritária das mulheres no mundo
das artes visuais, ou seja, em museus, galerias, bienais e centros culturais.
Segundo
comunicado
em
Our
Story
Guerrilla
Girls
2014
(http://www.guerrillagirls.com), “over 55 women have been members [do Guerrilla Girls]
over the years, some for months, some for decades. [...] The mystery surrounding our
identities
has
attracted
attention.”9
Em
Frequently
Asked
Questions
(http://www.guerrillagirls.com), elas reforçam esse “mistério” explicita na frase: “We could
be anyone; we are everywhere.”10 Por todas as participantes as participantes do grupo
serem mulheres é frequente elas levantarem questões sobre a ausência de homens no
grupo. Isto é observado na entrevista com Frida Kahlo, fundadora e uma das principais
artistas ativistas do grupo, quando destaca que o Guerrilla Girls “[...] started out as a
female empowerment group and [...] needed to be all-female for that.” 11
No entanto, atualmente andam reconsiderando a questão. Isto porque, comunicam
no web site (guerrillagirls.com) de estarem cientes dos inúmeros homens apoiadores da
luta contra o sexismo. O grupo gostaria de inclui-los, apesar de certo receio, pois segundo
Käthe Kollwitz, não é fácil encontrar homens dispostos a trabalhar sem receber crédito e
bonificação por isso. Além disso, argumentam que independente do sexo, as pessoas não
precisam fazer parte do grupo Guerrilla Girls para promover seu próprio ativismo. Käte
Kollwitz e Frida Kahlo encorajam a todos a começar criticando as injustiças políticas, no
mundo da arte, e sociais da própria comunidade ou cidade onde moram.
7
Forma de arte que combina elementos do teatro, das artes visuais e da música. A performance liga-se ao happening
(os dois termos aparecem em diversas ocasiões como sinônimos), sendo que neste o espectador participa da cena
proposta pelo artista, enquanto na performance, de modo geral, não há participação do público. (PERFORMANCE.
2011. Disponível em <http://www.itaucultural.org.br>.)
8
O termo happening é criado no fim dos anos 1950 pelo americano Allan Kaprow para designar uma forma de arte que
combina artes visuais e um teatro sui generis, sem texto nem representação. Nos espetáculos, distintos materiais e
elementos são orquestrados de forma a aproximar o espectador, fazendo-o participar da cena proposta pelo artista.
(HAPPENING. 2009. Disponível em <http://www.itaucultural.org.br>.)
9
Mais de 55 mulheres foram membros ao longo dos anos, algumas há meses, algumas há décadas. [...] O mistério em
torno de nossas identidades tem atraído atenção. (OUR STORY - GUERRILLA GIRLS 2014. Disponível em
<http://www.guerrillagirls.com/press/ourstory/>
e
FREQUENTLY
ASKED
QUESTIONS.
Disponível
em
<http://www.guerrillagirls.com/interview/faq/>. tradução nossa).
10
Nós podemos ser qualquer uma; nós estamos em todo lugar. (FREQUENTLY ASKED QUESTIONS. Disponível em
<http://www.guerrillagirls.com/interview/faq.shtml>. tradução nossa).
11
[...] começou como um grupo de empoderamento feminino e [...] precisava ser só de mulheres para isso.
(GUERRILLA GIRLS BARE ALL – AN INTERVIEW, 1995. Disponível em <http://www.guerrillagirls.com/interview/faq/>.
tradução nossa).
Nos anos 60 e 70, período de lutas feministas, as Guerrilla Girls, especificamente 7
mulheres, atentaram para o sistema da arte como âmbito a ser conquistado pelas artistas.
Por conseguinte, pensaram em estratégias para combater estereótipos da mulher, para
que o foco fosse na temática sobre as minoritárias exposições, em museus e galerias, de
obras de arte feitas por artistas mulheres e não nas personalidades do grupo.
No mesmo período uma das participantes do grupo escreveu num papel “[...] the
word in English ‘gorilla’ – the animal – is kind of like ‘guerrilla’ – the freedom fighter – and
we thought ‘oh my God’ this is it.” 12. Isto é, a representação da palavra “gorilla” – gorila
em português – com a palavra “girl” – menina em português – atribuiu identidade ao
coletivo de mulheres.
Em 1984, o Museu de Arte Moderna de Nova Iorque iniciou uma exposição que
reúniu 195 obras produzidas de 1975 até o ano da exibição, constituídas de expoentes
artistas da época. Intitulada “An International Survey of Recent Painting and Sculpture”13
(FACT SHEET, 1984, p.1), contava com 169 artistas, destes apenas 13 eram mulheres.
Käthe Kollwitz aponta que “all the artists were white either from Europe or the US. That
was bad enough, but the curator, Kynaston McShine, said any artist who wasn’t in the
show should rethink ‘his’ career. And [...] obviously the guy was completely prejudiced.” 14
Segundo o relato Stein (2011) no artigo Guerrilla Girls and Guerrilla Girls
BroadBand: Inside Story, as Guerrilla Girls se sensibilizaram com os dados que
mostraram que menos de 10% de mulheres artistas na exposição, e se uniram para ações
de protesto por meio de pôsteres ao redor de galerias e em caixas de correio. Entretanto
este ato é considerado ofensa federal nos Estados Unidos como alega o grupo. Este
protesto de colar cartazes na cidade fez com que essas ativistas se fortalecessem como
um grupo, chamando cada vez mais a atenção das pessoas.
Para planejar suas produções artísticas passaram a se se reunir no sótão de Frida
Khalo para compartilhar ideias, projetos, novos cartazes e planejar palestras. Contrataram
uma tesoureira amiga, um arquivista, uma advogada e ainda com o apoio de Meret
Oppenheim, famosa artista do movimento surrealista nas artes visuais, num próposito de
negociar aparições na mídia, TV e revistas. Sucessivamente começaram a enviar
portfólios para museus e propostas de show-aulas para universidades, nascendo assim o
grupo Guerrilla Girls.
O primeiro pôster produzido pelo grupo, “What do these artists have in common”,
listou artistas masculinos que não se incomodavam com a participação minoritária de
artistas mulheres.
12
[...] a palavra em inglês “gorila” – o animal – é tipo como “guerrilha” – a liberdade de luta – e nós pensamos “oh meu
Deus” é isto. (GUERRILLA GIRLS’ RETROSPECTIVE IN BILBAO ALHONDIGA, 2013. Disponível em
<http://www.guerrillagirls.com/videos/>. tradução nossa).
13
O Levantamento Internacional de Pintura e Escultura Recentes. (FACT SHEET, 1984, p.1. Disponível em
<https://www.moma.org/>. tradução nossa).
14
Todos os artistas eram brancos, ou da Europa ou dos EUA. Isso era ruim suficiente, mas o curador, Kynaston
McShine, disse que qualquer artista que não estava no show devia repensar “sua” carreira. E [...] obviamente o cara foi
completamente preconceituoso. (GUERRILLA GIRLS BARE ALL – AN INTERVIEW, 1995. Disponível em
<http://www.guerrillagirls.com/interview/>. tradução nossa).
What do these Artists Have In Common? 1985.
Pôster de Guerrilla Girls.
Fonte: <http://www.guerrillagirls.com/>
Copyright © 1985 by Guerrilla Girls
Ainda para Stein (2011), à medida que o Guerrilla Girls consolidava carreira,
alguns jovens artistas e estudantes se engajavam mais sobre diversos tipos de
discriminação. Contudo, no final dos anos 90, estes jovens que viram Nova Iorque se
tornar o centro do poder do mundo, por conta da globalização. Eles perceberam que
podiam fazer ações menos tradicionais das usuais manifestadas pelas Guerrilla Girls
quando se dirigiam ao público. Essas críticas se fortaleceram e em meados dos anos
2000 surgia um segundo grupo a partir do Guerrilla Girls, denominado Guerrilla Girls
BroadBand. Este é formado por 4 ex-participantes do original Guerrilla Girls, constituído
por uma nova geração de feministas e artistas negras, que propõe novas manifestações
pessoais e políticas para o público.
Em 2001, um terceiro coletivo fundamentado a partir do Guerrilla Girls surgia,
nominado Guerrilla Girls on Tour (GGOT). Este grupo tem como foco de crítica à
discriminação no teatro. Vale ressaltar que esta companhia feminista é vista como a turnê
do grupo Guerrilla Girls, no entanto, o coletivo original de fato, são enfáticas em dizer que
“they are not. Some of GGOT’s appearances have been erroneously publicized as gigs
with the Guerrilla Girls. Not true.” 15 No dia 28 de março de 2010, os três coletivos,
Guerrilla Girls, Guerrilla Girls BroadBand, Guerrilla Girls on Tour, receberam de Yoko Ono
Lennon o prêmio Courage Awards em mérito aos esforços contra o preconceito por
artistas mulheres no sistema da arte, abordados com humor e inteligência. Assim sendo,
diante da semelhança entre eles, é importante ressaltar que tanto o Guerrilla Girls on Tour
como Guerrillas Girls BroadBand são organizações completamente independentes do
objeto de estudo deste trabalho, o original Guerrilla Girls. 16
15
Elas não são. Algumas das aparições das GGOT’s têm sido erroneamente divulgadas como apresentações com o
Guerrilla Girls. Não é verdade. (GUERRILLA GIRLS BARE ALL – AN INTERVIEW, 1995. Disponível em
<http://www.guerrillagirls.com/interview/faq/>. tradução nossa).
16
Informações retiradas dos seguintes textos: 1) Reinventin the “f” word: feminism
<http://www.guerrillagirls.com/admin/moreherstory/>. tradução nossa); 2) Stein, G. (2011,
<http://ggbb.org/sites/guerrillagirls/>. tradução nossa).
(Disponível
Disponível
em
em
Vale ressaltar que “fomentar a discussão pública sobre tais temas [...] é também
uma postura muito bem vinda, contribuindo para o adensamento do campo de pesquisas
e reflexões em história da arte na contemporaneidade [...].” (SIMIONI, 2011, p.387). A
exemplo disso, no ano de 1989, o cartaz “Do women have to be naked to get into the Met.
Museum?”17, trazia a porcentagem de artistas mulheres com obras expostas, comparado
ao número de obras que tinham o nu feminino como temática nas seções de arte
moderna e contemporânea do Metropolitan Museum of Art em Nova Iorque.
Do you have to be naked to get into the Met. Museum? 1989.
Pôster de Guerrilla Girls.
Fonte: <http://www.guerrillagirls.com/>
Copyright © 1989, 1995 by Guerrilla Girls
As artistas descobriram, a partir da contagem do número de nus femininos versus
nus masculinos, e artistas masculinos versus artistas femininos, que menos de 5% são
artistas mulheres nas seções de arte moderna, em contrapartida, 85% das obras com nus
são do sexo feminino. (GUERRILLA GIRLS, 2014, p.11). Numa recontagem, 22 anos
depois da primeira, no ano de 2011, as artistas se depararam com pouco progresso.
Somente 4% das exposições de arte moderna e contemporânea contavam com artistas
mulheres, porém, ainda era significativo o número de nus femininos como temática das
obras expostas nessas mesmas seções: 76%, como ilustra a imagem abaixo.
17
“As mulheres têm que ficar nuas para entrar no Met. Museu?” (tradução nossa).
Do you have to be naked to get into the Met. Museum? 2011.
Pôster de Guerrilla Girls.
Fonte: <http://www.guerrillagirls.com/>
Copyright © Guerrilla Girls
Para Frangenberg (2003, p.75),
chamar ao Guerrilla Girls “rainha das cotas” seria um erro. Elas não pediram que
50% dos artistas expostos fossem mulheres ou membros de minoria, apenas
afirmaram que o seu numero atual era inferior a 10%. Se alguém precisa de uma
máscara de King Kong para entrar num museu, o museu tem razão para o afastar.
Todos os membros do Guerrilla Girls queriam que os museus e as galerias
refletissem um quadro verdadeiro da história cultural, não apenas a parte da
contribuição masculina.
Desde então, as contribuições produzidas pelo grupo para o sistema das artes
visuais foram inúmeras. Uma das mais influentes é por se tornarem referência diversas
pessoas que querem fazer seu próprio ativismo. Independente se as injustiças, condições
e reivindicações são diferentes em cada lugar, as estratégias de crítica utilizadas pelo
Guerrilla Girls encorajam grupos em diversas partes do mundo a fomentar a mudança.
Por se tornarem um fenômeno mundial, acabaram tendo suas obras expostas nos
mesmos museus que criticaram ao longo da carreira, como o MoMa de Nova Iorque e o
Tate Modern em Londres, entretanto, este fato não desvaloriza a temática e o teor crítico
que produzem. Se trata de uma escolha que fizeram pensando em levar a mensagem à
um público mais amplo, para além da cidade de Nova Iorque, invadindo diversas cidades
como Roterdã, Cidade do México, Belfast, Bilbao, Istambul, Atenas, Xangai e Montreal.
(FIGUEIREDO, 2011).
Desta forma, como afirma Coutinho (2009, p.74), com o crescente o interesse do
público, da crítica e dos meios de comunicação, se cria um complexo campo de reflexão
sobre o ocultamento de inúmeras outras mulheres ainda sem voz. Oportunizar a reflexão
sobre os diferentes tipos de arte e em especial sobre o lugar das mulheres artistas no
contexto dos séculos XX e XXI se torna relevante para o meio acadêmico, considerando o
que o grupo Guerrilla Girls defende, ou seja, pesquisar sobre este lugar da mulher na arte
é também pesquisar sobre o papel da mulher na história.
Certamente, os novos projetos de revisão nas exibições de arte moderna e
contemporânea em museus e galerias do mundo todo devem ao ativismo das Guerrilla
Girls. O grupo afirma não interromper o ativismo no mundo da arte até que as produções
de mulheres artistas e artistas negros sejam reconhecidas, exibidas e preservadas pelas
instituições de arte. Afinal, segundo o coletivo em entrevista concedida à ISTOÉ (2010),
“não se pode contar a história das artes visuais sem incluir as diferentes vozes que fazem
parte dela”.
3 Metodologia
Este artigo é fruto de pesquisa bibliográfica. Segundo Gil (1999), este procedimento
possibilita estudar e sistematizar materiais já elaborados e divulgados em meios
acadêmicos. Utiliza também leitura de imagem. Conforme Pillar (1999), significa perceber,
compreender e interpretar os elementos formais que uma obra de arte possui. Os
resultados foram sistematizados de forma a articular referencial teórico às reflexões
decorrentes da análise das imagens selecionadas para a pesquisa.
4 Resultados e análise
A trajetória do grupo mostra que a produção dos anos 90 em diante passou a
contar com maior participação artística, cultural, social, politica e econômica das mulheres
no cenário das artes visuais. (COUTINHO, 2009, p.68). Ainda para Coutinho (2009, p.69),
a revisão e análise dos modelos deterministas do passado forneceram criações plurais,
mas que permaneceram discutindo o campo do feminino. As Guerrilla Girls dissociadas
das convenções, ao assumirem seus lugares de sujeito social, intensificaram seu papel de
produtoras de significados. O coletivo convencido de seu compromisso com a arte e a
revisão da história, “[...] se mantém alerta aos condicionamentos ainda persistentes, mas
seguem atuantes nos anseios de igualdade de direitos.”
Diante da multiplicidade de poéticas que abordam, percebe-se que, desde 1985,
fogem dos meios de expressão tradicionais nas artes visuais, realizando protestos, livros
de atividades, palestras em universidades, instalações que contam com a intervenção do
público e imagens com características de anúncios. Atualmente, se dedicam às causas
humanas tanto quanto às feministas, visando colaborar na construção de subsídios
teóricos e práticos para a implementação de políticas de incorporação das mulheres em
exposições de arte contemporânea.
5 Considerações
Conforme sintetiza Coutinho (2009), consequência do comprometimento social e
político, a arte do coletivo Guerrilla Girls abarca a indignação de artistas à certificação da
hegemonia masculina no sistema da arte e traduz as inúmeras reflexões originadas dos
estudos de gênero, dos movimentos feministas e de muita pesquisa. Quer dizer, sua
produção é um marco de transgressão ao sistema patriarcal nos mais variados aspectos e
segmentos sociais.
Referências
CONCEIÇÃO, A. C. L. da. Teorias feministas: da “questão da mulher” ao enfoque de gênero.
Paraíba. p. 738-757, 2009. Disponível em <http://www.cchla.ufpb.br/>. Acesso em: 28 abr. 2014
COUTINHO, A. S. Poéticas do feminino/ Feminismo na Arte Contemporânea: Transgressões
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Camila Bourguignon de Lima
Aluna do curso de Licenciatura em Artes Visuais da Universidade Estadual de Ponta Grossa.
Desenvolve trabalho de conclusão de curso com a temática “Guerrilla Girls: expressões de gênero
nas artes visuais” e iniciação científica (PIBIC-Fundação Araucária) ano 2012/13 com a temática
“A condição feminina expressada nas artes visuais pelas artistas nos séculos XX e XXI”.
http://lattes.cnpq.br/4267203023241684

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