as culturas asteca, maia e inca nos livros didáticos usados pelas

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as culturas asteca, maia e inca nos livros didáticos usados pelas
AS CULTURAS ASTECA, MAIA E INCA NOS LIVROS DIDÁTICOS USADOS
PELAS ESCOLAS PÚBLICAS DA REGIÃO DO VALE DO IVAÍ
Adriana Freitas de Andrade Oliveira
Thiago Caetano Custódio
Graduandos UEM – CRV
Resumo: A apresentação traz algumas conclusões de nossa pesquisa de iniciação
científica, ainda em andamento, na qual analisamos como os livros didáticos de História
utilizados em escolas da rede pública paranaense na região do Vale do Ivaí abordam as
culturas pré-hispânicas. Buscamos verificar se as sociedades indígenas americanas, e
particularmente suas relações culturais, são abordadas pelos livros de forma a contribuir
para o desenvolvimento de competências necessárias para a estruturação de uma
consciência histórica. O caminho metodológico consiste em observar se as narrativas dos
livros contemplam os principais pontos levantados por Jörn Rüsen em seu artigo “O livro
didático ideal” como imprescindíveis para a consolidação das capacidades necessárias à
formação de uma consciência histórica. As reflexões do historiador alemão têm contribuído
bastante para a renovação dos estudos sobre o ensino de História, ao pensar a didática
como parte do trabalho do historiador. Suas propostas teóricas coincidem com o ponto
central do projeto de ensino da Secretaria de Educação paranaense expresso nas
Diretrizes Curriculares, que é a formação de uma consciência histórica entre os estudantes.
Entretanto, temos verificado que os manuais didáticos utilizados em geral estão longe de
atender à proposta oficial. A ênfase que dão ao tema é quase que exclusivamente o aspecto
da exploração do trabalho, gerando uma abordagem bastante limitada no sentido da
compreensão das várias dimensões que caracterizam o processo histórico. Outro fato, ainda
mais alarmante, é a veiculação de informações incongruentes em alguns dos manuais
analisados.
Palavras-chave: Ensino de História; livros didáticos; América Pré-Hispânica.
Introdução/Justificativa
Este artigo apresenta alguns apontamentos decorrentes de uma pesquisa de
iniciação científica que encontra-se ainda em fase inicial e que tem o objetivo de
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analisar como os livros didáticos de História utilizados em escolas da rede
paranaense na região do Vale do Ivaí abordam as culturas americanas préhispânicas, com ênfase para os três principais complexos culturais americanos
existentes na época da chegada dos europeus: os astecas e os maias, que faziam
parte de uma “região cultural” conhecida como Mesoamérica e localizada em parte
das Américas do Norte e Central; e os incas, localizados na América do Sul,
principalmente na região dos Andes.
Uma leitura preliminar de livros de Ensino Fundamental e Medido utilizados
pela rede pública do estado do Paraná revelou que a temática em questão ocupa um
lugar bastante marginal dentro das atividades didáticas. Normalmente essas
sociedades são mencionadas apenas dentro do amplo contexto histórico aberto pela
expansão colonial europeia. Nessa perspectiva, a dimensão social do trabalho
indígena e de sua exploração pelos europeus é a principal abordagem realizada em
relação as populações indígenas pré-hispânicas.
No que diz respeito à temática cultural, em geral os livros apresentam poucas
referências que permitam aos professores e estudantes compreenderem de forma
complexa e mais abrangente a diversidade cultural existente neste continente muitos
séculos antes da “descoberta” europeia. Observamos que o tema das religiosidades,
por exemplo, que é um elemento central para a compreensão das sociedades préhispânicas, é algo pouco explorado pelos livros didáticos em geral.
Objetivos
A questão central da pesquisa é verificar se o tema das sociedades indígenas
americanas, particularmente no que diz respeito a suas culturas, é abordado pelos
livros didáticos de forma coerente com o propósito de “formação da consciência
histórica”, apontado como o principal objetivo do ensino de História pelas Diretrizes
Curriculares de 2008 que regem a Educação Básica do Estado do Paraná.
Na
concepção
de
ensino
apresentada
nesse
documento
oficial
o
conhecimento do “outro” – de outras sociedades no tempo e no espaço – e de suas
experiências temporais deve ser um aspecto privilegiado no ensino de História,
tendo em vista a importância central que as relações de alteridade desempenham no
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processo de constituição da identidade social e da própria consciência histórica. E o
próprio estudo dos temas da disciplina História – entendida como estudo das
diversas sociedades humanas no tempo – deve se constituir em um espaço
privilegiado para a abordagem de temas relevantes para a compreensão do mundo
atual, como o é a temática da diversidade cultural. (SEED-PR, Diretrizes Curriculares
da Educação Básica. História, 2008).
No caso da história dos povos indígenas, devemos destacar ainda a
importância central que esse tema assume para a formação humana no mundo
atual. A forma como a história da sala de aula trabalha a diversidade cultural deve
contribuir para o desenvolvimento de conceitos, reflexões e atitudes que ajudem os
alunos a compreenderem e se posicionarem de forma adequada num mundo
multicultural, em que as relações entre diferentes povos e culturas já fazem parte de
nosso cotidiano e tem se intensificado a cada dia.
Portanto, nossa pesquisa privilegia o aspecto cultural na análise dos livros
didáticos. Inicialmente selecionamos os seguintes livros, tendo em vista seu amplo
uso nas escolas da região do Vale do Ivaí:
ENSINO FUNDAMENTAL
BOULOS Jr. Alfredo. História – Sociedade & Cidadania. São Paulo: FTD, 2009, 1ª
edição. (4 volumes).
DREGUER, Ricardo; TOLEDO, Eliete. Novo História: conceitos e procedimentos.
São Paulo: Saraiva, 2009, 2ª edição. (4 volumes).
EDITORA MODERNA (org). Projeto Araribá. História. São Paulo, 2006, 1ª edição.
PNLD 2008 a 2010. (4 volumes).
ENSINO MÉDIO
BRAICK, Patrícia Ramos; MOTA, Myriam Becho. História: das cavernas ao terceiro
milênio. São Paulo: Moderna, 2010, 2ª edição. (3 volumes)
COTRIM, Gilberto. História Global: Brasil e Geral. São Paulo: Saraiva. PNLD 2009 a
2011. (Volume único).
SEED-PR. História. Ensino Médio. Publicação da Coordenação do Livro Didático
Público da Secretaria de Estado da Educação do Paraná, 2006. (3 volumes).
VAINFAS, Ronaldo et ali. História. São Paulo: Saraiva, 2010, 1ª edição. PNLD 2012
a 2014. (3 volumes).
VICENTINO, Cláudio; DORIGO, Gianpaolo. História Geral e do Brasil. São Paulo:
Scipinone, 2011, 1ª edição. (3 volumes).
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Resultados
Como nossa análise do material levantado ainda está em andamento, neste
texto abordaremos apenas dois livros didáticos, um do Ensino Fundamental e outro
no Ensino Médio.
O primeiro livro, intitulado Novo História: conceitos e procedimentos, foi
selecionado para ser analisado aqui porque nos chamou a atenção o fato dele trazer
na capa exatamente a imagem de um glifo asteca.
Trata-se de um livro produzido por Ricardo Dreguer e Eliete Toledo. A contracapa do livro informa que ambos os autores são historiadores, formados Bacharéis
em História pela Universidade de São Paulo, e que lecionam em colégios das redes
pública e privada. O livro é voltado ao 7º ano do Ensino Fundamental que está em
sua 2ª edição, revista e ampliada, publicada em 2009 pela editora Saraiva.
O outro livro que será analisado é um material didático voltado ao Ensino
Médio, intitulado apenas História; foi elaborado por historiadores de peso, sendo
todos eles doutores pela USP ou pela Universidade Federal Fluminense e todos
atuando como professores do curso desta mesma instituição fluminense.
Esse livro foi selecionado pelo fato de ter como um de seus autores o
historiador Ronaldo Vainfas, reconhecido por seus trabalhos sobre a colonização
espanhola e sobretudo ao papel da religiosidade na constituição de movimentos de
resistência cultural indígena. Além de Vainfas, o professor Jorge Ferreira e as
professoras Gerorgina dos Santos e Sheila de Castro Faria integram a equipe que
formulou esse material didático, também editado pela Saraiva, sendo sua 1ª edição
datada de 2010.
Começaremos a análise pelo livro do Ensino Fundamental. Como já
mencionamos, a primeira coisa que nos chamou a tenção foi ver o destaque dado a
uma imagem retirada de uma fonte asteca, bem na capa de um livro didático. Pelas
leituras que vínhamos fazendo nós sabíamos que a História da América, de uma
forma geral, não é um tema assim tão valorizada na Educação Básica brasileira,
então achamos esse fato muito significativo.
Esse livro didático, voltado ao 7º ano do Ensino Fundamental, compreende
três grandes unidades temáticas, cujo eixo articulador é a cultura. A primeira trata do
1820
Oriente e Ocidente, dos séculos VI ao XIII, e aborda os Impérios Carolíngio e
Bizantino; o Mundo Islâmico; diversos impérios e reinos africanos e a Europa feudal,
com ênfase na importância da Igreja.
A segunda unidade aborda a crise do feudalismo, o Renascimento e a
Expansão Marítima, além das Reformas religiosas. Na terceira parte o tema é o
“contato entre culturas”, e aborda os contatos europeus com a África, a China e a
América, a partir do século XV.
Algo que nos chamou muito a atenção é que, tanto a África quanto a China
foram abordadas – cada uma em um capítulo – de forma a destacar suas
especificidades culturais antes do contato com o europeu, o que favorece aos alunos
a percepção de que havia seres humanos e história nos continentes africano e
asiático muito antes da chegada dos europeus a essas regiões. Entretanto, a
mesma abordagem não é consagrada ao caso da América, que permanece invisível
na narrativa do livro didático até que vem a ser abordada exatamente na unidade
temática “contato entre culturas”, leia-se: contato dos europeus com outras culturas.
A própria forma de estruturação da narrativa do livro didático induz o
estudante a assimilar que a história do continente americano só teria se iniciado ou
só faria sentido a partir do momento em que ocorre esse “contato” com a cultura
europeia. Vale ressaltar que a América não tem lugar na maneira dicotômica a partir
da qual o livro divide as culturas. Na primeira unidade, em que são analisados cada
complexo cultural regional, o título que dá sentido à narrativa é “Oriente e Ocidente
...” e as subdivisões sugerem que o mundo islâmico, a África e a China fazem parte
do Oriente, enquanto os impérios carolíongio e bizantino e a Europa feudal
representam o Ocidente. Nesse formato bipartido, onde situar a América?
Outra ideia que se pode induzir da estrutura do próprio livro é que somente a
história ocidental contém transformações autodetermindas, já que a segunda
unidade do livro intitula-se “Mudanças no Ocidente” e o mesmo não é feito para o
Oriente. Isso sem contar que a América permanece invisibilizada até o século XV.
As mudanças históricas das sociedades orientais somente surgem na
narrativa do livro didático dentro de uma unidade temática que aborda os “Contatos
entre culturas”, e que trata mais propriamente do contato dos europeus com outros
1821
grupos humanos. Somente nesse momento a América surge na história do livro,
num capítulo intitulado “América: século XV e XVI”.
Assim, as histórias de África, China e Mundo Muçulmano são tratadas de
forma específica – a em um capítulo cada uma – e, em seguida, são novamente
abordadas (outra vez em um capítulo cada) em seu contato dom os europeus. Já no
caso da América, apenas um capítulo é dedicado a diversas sociedades e culturas
que habitavam o continente quando da chegada dos europeus, sendo esse capítulo
subdividido em: “Povos das Américas do Norte e Central” e “Povos da América do
Sul”.
Do ponto de vista histórico essa divisão, baseada na geografia, não serve
para explicar os diferentes complexos culturais que existiam no continente no século
XV. Como se sabe, no caso do centro do atual México e de grande parte da América
Central, desde o século I foi se formando um conjunto semelhante de características
culturais entre diversos povos que passaram a constituir um espaço cultural que
atualmente é denominado de “Mesoamérica”.
Durante séculos diferentes grupos étnicos e várias sociedades indígenas se
desenvolveram nessa região, cujos principais traços podem ser expressos por: vida
sedentária baseada na agricultura do milho, desenvolvimento de sistemas de
calendário e escrita, tendência à centralização política e, do ponto de vista religioso,
a prática em maior ou menor escala de sacrifícios humanos rituais.
Deve-se mencionar ainda o fato de que os diferentes povos que habitavam a
Mesoamérica (como os maias e os astecas, por exemplo), mantinham contato,
principalmente por meio de trocas comerciais, e tinham consciência de suas
semelhanças culturais e que, inclusive, desenvolveram ao longo do tempo uma
visão de superioridade em relação aos povos que habitavam mais a norte do
continente. Os astecas, por exemplo, chegaram a criar uma palavra com sentido
pejorativo para se referir aos povos do norte, que eles chamavam de chichimecas.
Todas essas informações encontram-se acessíveis em língua portuguesa em
livros especializados, porém de fácil aquisição e leitura, produzidos tanto por
historiadores brasileiros quanto por estrangeiros. Para citar apenas alguns
exemplos, temos o livro do historiador brasileiro Educardo Natalino dos Santos,
intitulado Deuses do México indígena, publicado em 2002, no qual se explica em
1822
detalhes e profundidade a formação histórica da Mesoamérica. A tradução do livro
do historiador francês Jacques Soustelle, Os astecas na véspera da conquista
espanhola, traduzido para o português em 1990.
Mas o livro didático não faz qualquer referência a esses ou outros textos
historiográficos e situa na mesma subdivisão todos os grupos indígenas das
“Américas do Norte e Central”, o que inclui tanto astecas e maias quanto diversos
povos que habitavam o território dos atuais Estados Unidos, tais como os inuítes e
sioux, que eram caçadores e coletores, e outros povos agrícolas, como os
alonquinos e iroqueses.
No caso dos povos da Mesoamérica (conceito que não é citado no livro
didático), apenas os maias e astecas são mencionados, dando-se destaque para as
cidades maias e o império dos astecas. No caso destes últimos o livro chega a
mencionar a importância da religião em sua organização social, ilustrando tal fato
inclusive com uma estátua em cerâmica, representando um guerreiro. Entretanto, o
livro não desenvolve qualquer tipo de explicação mais específica sobre a
religiosidade de nenhum dos povos indígenas pré-hispânicos, dando maior destaque
à sua estrutura social e, principalmente, a forma como foi desenvolvida a exploração
colonial espanhola sobre esses povos.
A análise histórica da vida na América pré-hispânica e do período colonial
basicamente a partir de uma ótica material, principalmente da exploração do
trabalho, é uma abordagem muito recorrente em livros didáticos brasileiros. Mas no
caso do livro do Ensino Médio que analisamos, a presença do historiador Ronaldo
Vainfas, especialista em movimentos cultural-religiosos de resistência à colonização,
tínhamos a expectativa de houvesse maior espaço dedicado ao tema da cultura.
Infelizmente nossas expectativas se frustraram. O livro direcionado aos
estudantes do 1º ano do Ensino Médio nem ao menos menciona as sociedades
americanas anteriores à chegada dos europeus, mas já parte do tema “Impérios e
sociedades coloniais”. A colonização espanhola é descrita como “O império dos
metais”, indicando claramente a perspectiva a ser adotada.
Além dessa limitação o livro também incorre em algumas incoerências
teóricas, ao afirmar, por exemplo que “as relações de trabalho adotadas [pelos
espanhóis] se basearam nas antigas formar de tributação vigentes entre os povos
1823
locais.” E que “de certo modo, [...] a encomienda não era um sistema assim tão
novo, pois continuava baseado nas antigas relações de trabalho que os aldeãos
eram obrigados a fazer com os soberanos locais antes da conquista.” Ainda
segundo o livro didático, uma prova dessa pretensa manutenção do sistema de
exploração do trabalho encontra-se no fato de que “tais relações eram conhecidas
pelos mesmos nomes que as designavam no passado”, como era o caso da mita na
antiga região dominada pelos incas. (VAINFAS et all., 2010, p. 286-7).
A primeira crítica que pode ser feita é a de que, ainda que as nomenclaturas
os próprios sistemas de exploração do trabalho tivessem sido mantidos, a conquista
espanhola implicou na desestruturação das relações sociais e de poder das antigas
sociedades indígenas. A nova situação, ou seja, a absorção desses territórios e sua
exploração pelo sistema colonial cujo agente explorador pertencia a uma outra
cultura simplesmente inviabilizou, por exemplo, o antigo sistema milenar de
reciprocidades existente nos Andes. Essa região, aliás, desconhecia qualquer tipo
de sistema de tributação, o que existia entre os astecas, por exemplo, e que foi
generalizado no livro didático como todas as sociedades colonizadas pelos
espanhóis.
A esse respeito, vale mencionar que a antiga mita incaica (um tipo de
prestação rotativa do trabalho) tinha sua base num amplo sistema de reciprocidade,
pelo qual o chefe da comunidade ou o próprio inca podia recrutar o trabalho devido a
sua contrapartida tanto na defesa militar da comunidade quanto no seu suprimento
em caso de más colheitas ou outras intempéries naturais. Durante a colonização
espanhola dos Andes a noção de trabalho rotativo foi aceita pelos espanhóis em
decorrência da fortíssima resistência dos indígenas da região andina em assimilar a
ideia de pagamento de tributos em espécie, algo inexistente em sua experiência
histórica. Apesar de o nome mita continuar sendo usado, a denominação oficial
dessa nova forma de exploração de trabalho, que já não se assentava em qualquer
tipo de reciprocidade, era o vocábulo espanhol repartimiento.
Mais uma vez, deve ser destacado o fato de que todas essas informações
que nos permitem criticar a abordagem do livro didático podem ser encontradas em
materiais de fácil acesso em língua portuguesa. Citamos, a título de exemplo, a
excelente coletânea de fontes e comentários de fontes realizadas por historiadores
1824
especializados em temas das sociedades pré-hispânicas e/ou da colonização
espanhola, reunidos no 1º volume de uma obra mais vasta intitulada América Latina
de colonização espanhola, organizada no final dos anos 70 por dois dos principais
fomentadores dos estudos hispano-americanos no Brasil: os professores Anna Maria
Martinez Corrêa e Manoel Lelo Bellotto. Outra referência importante para o caso dos
Andes é o trabalho do peruanista francês Henri Favre, intitulado a Civilização inca,
mas que trata também de vários grupos do complexo cultural andino. Esse trabalho
já foi traduzido para o português há mais de duas décadas.
Procuramos ressaltar a relativa facilidade de se encontrar referências
bibliográficas pertinentes à temática dos povos pré-hispânicos em língua portuguesa
tendo em vista ser o não conhecimento de bibliografia especializada em português
um dos principais argumentos para a não atualização historiográfica a respeito.
Considerações finais
Como procuramos mostrar, apesar da existência de uma produção
historiográfica significativa, essa produção não foi incorporada pelas narrativas dos
livros
didáticos,
que
apresentam
diversos
elementos
limitadores
de
uma
compreensão complexa e consistente da experiência histórica do “outro”, nesse
caso das sociedades indígenas.
A veiculação de informações incongruentes e a ênfase no aspecto da
exploração do trabalho apontam para uma abordagem bastante limitada no sentido
do conhecimento da alteridade. Embora os livros que analisamos estejam sendo
utilizados pelas escolas da rede pública paranaense, pode-se observar que suas
abordagens são incompatíveis com as Diretrizes Curriculares que regem a educação
no Paraná, já que esse documento enfatiza que as relações de identidade e
alteridade são essenciais para processo de formação da consciência histórica e que,
por isso, o estudo de diversas sociedades no tempo e no espaço deve ser um
aspecto privilegiado no ensino da História nas escolas públicas do estado do
Paraná.
De acordo com o documento oficial que rege a educação no Paraná, a
“constituição de uma identidade” por parte dos jovens estudantes apresenta-se
1825
como um aspecto central dentro do objetivo geral de “formação da consciência
histórica”. Ainda segundo as Diretrizes, “a constituição desta identidade se dá na
relação com os múltiplos sujeitos e suas respectivas visões de mundo e
temporalidades em diversos contextos espaço-temporais”. (SEED-PR, Diretrizes
Curriculares da Educação Básica. História. 2008, p. 56-7).
Outro aspecto importante a ser destacado é que o fato de contar com a
colaboração de historiadores renomados não impede que um livro didático veicule
generalizações excessivas e mesmo incongruências históricas inclusive ao tratar de
temas a respeito dos quais esses mesmos historiadores possuem reconhecidos
estudos especializados. Aliás, chama a atenção o fato de que na narrativa do livro
didático não aparece qualquer referência explícita a trabalhos historiográficos.
Sem dúvida, essa situação nos remete ao lugar marginal que a produção
didática ocupa na agenda dos historiadores e mostra que ainda estamos distantes
da compreender a realidade evocada pelo historiador alemão Jörn Rüsen (2011), um
dos poucos a entender a didática como parte integrante da produção historiográfica
e a realizar trabalhos congruentes com essa perspectiva. Como ele nos alerta: “os
profissionais [da História] deve[ria]m [...] [ser] conscientes de que o saber histórico
tem [...] uma função de orientação cultural na vida de sua sociedade e que o
cumprimento dessa função é [...] [parte] do trabalho histórico científico”. (RÜSEN,
2011, p. 110)
Referências
Fontes
Ensino Fundamental
BOULOS Jr. Alfredo. História – Sociedade & Cidadania. São Paulo: FTD, 2009, 1ª
edição. (4 volumes).
DREGUER, Ricardo; TOLEDO, Eliete. Novo História: conceitos e procedimentos.
São Paulo: Saraiva, 2009, 2ª edição. (4 volumes).
EDITORA MODERNA (org). Projeto Araribá. História. São Paulo, 2006, 1ª edição.
PNLD 2008 a 2010. (4 volumes).
Ensino Médio
BRAICK, Patrícia Ramos; MOTA, Myriam Becho. História: das cavernas ao terceiro
milênio. São Paulo: Moderna, 2010, 2ª edição. (3 volumes)
1826
COTRIM, Gilberto. História Global: Brasil e Geral. São Paulo: Saraiva. PNLD 2009 a
2011. (Volume único).
SEED-PR. História. Ensino Médio. Publicação da Coordenação do Livro Didático
Público da Secretaria de Estado da Educação do Paraná, 2006. (3 volumes).
VAINFAS, Ronaldo et ali. História. São Paulo: Saraiva, 2010, 1ª edição. PNLD 2012
a 2014. (3 volumes).
VICENTINO, Cláudio; DORIGO, Gianpaolo. História Geral e do Brasil. São Paulo:
Scipinone, 2011, 1ª edição. (3 volumes).
Bibliografia
CORRÊA, Maria Martinez; BELLOTTO, Manoel Lelo. América Latina de
colonização espanhola. São Paulo: Hucitec, 1991.
FAVRE, Henri. A civilização Inca. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1987.
RÜSEN, Jörn. O livro didático ideal. In: SCHMIDT, Maria Auxiliadora; BARCA,
Isabel; MARTINS, Estevão de Rezende (orgs.). Jörn Rüsen e o ensino da História.
Curitiba: Ed. UFPR, 2011.
SANTOS, Eduardo Natalino. Deuses do México indígena. São Paulo: Palas
Atenas, 2002.
SOUSTELLE, Jacques. Os astecas na véspera da conquista espanhola. São
Paulo: Companhia das Letras, 1990.
1827

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