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GRAFITE E PICHAÇÃO – QUE COMUNICAÇÃO É ESTA?
Dayse Martins da Cruz
Orientadora Educacional da Prefeitura Municipal de São José / SC.
E-mail: [email protected]
Maria Tereza Costa
Professora de Pós-Graduação em disciplinas relacionadas à Educação Especial e pesquisadora
no Instituto de Pesquisa Pelé Pequeno Príncipe - IPPPP, em Curitiba / PR.
E-mail: [email protected]
RESUMO: O foco deste artigo é o estudo do grafite e da pichação como elementos que fazem parte da rotina
visual dos habitantes das grandes cidades, onde muros, paredes e outros espaços públicos e privados são
testemunhos do registro de diferentes formas de expressão e inscrições urbanas. No caso de ambientes internos,
refere-se a observações realizadas em uma unidade escolar da rede de ensino da Prefeitura Municipal de São
José/SC, onde se constatou um número bastante elevado de pichações, evidenciando atos de transgressão através
do mau uso da escrita, enquanto elemento de comunicação e de desenvolvimento humano no processo de ensinoaprendizagem dentro da Escola.
PALAVRAS-CHAVE: Grafite. Pichação. Linguagem. Cultura. Contracultura. Transgressão. Escrita.
Comunicação. Escola.
GRAFFITI AND GRAFFITING – WHAT KIND OF
COMMUNICATION IS THAT?
ABSTRACT: The focus of this article is the study of graffiti and graffiting as elements that form part of the
visual routine of residents in big cities, where walls and other public and private spaces are witnesses of different
forms of expressions and urban inscriptions. In the case of indoor environments, it refers to the observations
carried out in a Municipal School in the Area of São José/SC, where an elevated number of graffiting was
perceived, showing acts of transgression through bad use of writing, as an element of communication and human
development in the teaching-learning process in the School.
KEYWORDS: Graffiti. Graffiting. Language. Culture. Anti-Culture. Transgression. Writing. Communication.
School.
INTRODUÇÃO
Vivemos, na atualidade, uma verdadeira crise de paradigmas culturais e sociais. Surge
uma nova maneira de perceber o mundo, perceber as pessoas no mundo, perceber as
diferentes formas de expressão e comunicação presentes neste mundo e as relações existentes
entre estas pessoas, bem como a importância destas relações para o crescimento pessoal e
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social. Em conseqüência, uma nova maneira de sentir, conhecer e expressar estes sentimentos
e conhecimentos vem adquirindo forma, sendo uma delas os variados registros gráficos em
espaços urbanos.
Se há uma nova forma de expressão fazendo parte da rotina visual das cidades e se
esta rotina é permeada por considerações positivas ou negativas com relação à existência
destes registros, a questão precisa ser pensada, discutida e estudada, objetivando obter uma
nova forma de conhecimento sobre o tema. Entendidos por alguns como arte e expressão de
sentimentos e por outros como agressão e violação de propriedades, o grafite e a pichação
merecem um estudo a partir de um novo enfoque que venha a elucidar, quando possível,
alguns equívocos com relação a eles.
Procurando esclarecer algumas questões básicas, entendemos que tanto o grafite
quanto a pichação precisam ser compreendidos em toda a sua dimensão, como um exercício
de autonomia dos componentes de uma sociedade. Como bem observado por Ramos
(1994:45), “as imagens tatuadas no corpo da cidade, e consideradas, na maioria das vezes,
como marginais à cultura, vão pouco a pouco nutrindo a cultura que as rejeita”.
GRAFITE E PICHAÇÃO PRESENTES NA HISTÓRIA
O grafite é considerado o mais antigo registro gráfico do ser humano. Desde os tempos
mais remotos, o homem já se comunicava através de uma produção artística registrada nas
paredes das cavernas, onde apareceram as pinturas rupestres, bem como de outras formas de
comunicação escrita. Historiadores documentam seu retorno em outros espaços e tempos da
Antiguidade, como na Grécia e em Pompéia. Em nossos tempos, temos como registro oficial
o aparecimento do grafite em Paris, em maio de 1968, a partir do movimento de opressão
política que resultou em rebeliões nas ruas. Com sua extrema liberdade de expressão e de
registro, pronuncia-se de forma democrática e descomprometida com qualquer limitação
espacial ou ideológica. Evidencia-se com marcas, logotipos, rabiscos, ícones e símbolos, que
separados ou reunidos, compõem determinadas significações que se dispersam e se agrupam,
formando grandes painéis que registram nomes, sobrenomes, palavras de ordem, de amor e
humor, mensagens, letras, imagens, poemas e provérbios, entre outros, configurando-se em
segmentos sociais que podem vir a ser lidos por todos. Num tumulto de registros simbólicos e
icônicos, vão pegando carona nos diferentes espaços urbanos, percorrendo a cidade e fazendo
história.
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“Grafite”, etimologicamente, designa o bastonete de grafita, mineral de
carbônio, usado na fabricação de lápis. Daí originou-se a expressão
grafismo, que, segundo a Enciclopédia Mirador Internacional, (1979: 5404)
(...) distingue-se de qualquer outra forma de atividade motora pela intenção
de registro, que aparece desde as primitivas inscrições das cavernas (Ramos,
1994, p. 13).
O Dicionário Aurélio registra que “grafito é inscrição, desenho feito pelos antigos
com estilete ou carvão nas paredes dos monumentos. A partir de 1987, o mesmo Dicionário
registra a grafia de grafite(s) com o significado de inscrição urbana”. Escrita de rua, arte
que expressa seus sentimentos, numa explosão de cores, estilos e formas. Esta palavra pode
ser grafada também como grafitti (Ferreira, 1985, p. 1083).
A palavra usada e a escolha da grafia vêm do italiano – graffito – identificando
inscrições ou desenhos feitos em épocas antigas, os quais de forma ainda rudimentar
utilizavam pedras de ponta ou carvão para riscar em paredes, rochas, etc. O termo graffiti
designa plural e refere-se a desenhos. Graffito designa singular e representa a técnica
utilizada, ou seja, pedaço de pintura no muro utilizando um contraste entre claro e escuro.
O grafite tem seu registro histórico também nos murais da antiguidade, mais
precisamente nos túmulos dos faraós egípcios, com predomínio da função decorativa e
requinte de técnicas utilizadas, narrando fatos que entrelaçam imagem e texto. Também os
primeiros cristãos, em reuniões secretas, deixavam seus registros em forma de grafite com os
símbolos da Igreja nas catacumbas romanas.
O século XX testemunhou pintores mexicanos utilizando a técnica da pintura mural
para decorar edifícios públicos. O pintor Bernardo Carnada, procurando tornar a arte pública,
publicou em 1905, um manifesto a esse respeito. Passados 15 anos, Siqueiros, em Barcelona,
apelando para os artistas americanos, chama a atenção para a necessidade de levar a arte às
multidões. Os murais das fachadas de alguns edifícios brasileiros testemunham, a partir dos
anos 50, temas relativos à nossa história e nossa arte, como por exemplo, Di Cavalcanti, na
fachada do Teatro da Cultura Artística no centro de São Paulo. A pintura muralista, em
consonância com a pop art, já apontava para a origem do grafite como uma autêntica
expressão humana, o qual tem sua consagração como linguagem artística nos anos 90, cuja
trajetória, rumo ao 3º milênio, conquista espaço na mídia, nas novelas de TV, em manchetes
de jornais e inclusive na Bienal.
Também a pichação tem seus registros históricos nas paredes das cidades antigas.
Podemos citar as paredes de Pompéia com registros diversos, entre os quais xingamentos,
cartazes eleitorais, anúncios e poesias. Na Idade Média, a Santa Inquisição perseguia e
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castigava as bruxas, cobrindo-as com piche. Paredes de conventos eram pichadas por padres
de ordens distintas e não simpáticas. Desta mesma forma, quando se queria atacar uma
pessoa, pichava-se a parede de sua casa, denunciando suas más qualidades.
“Pichação é dístico, em geral de caráter político, escrito em muro de via pública”
(Ferreira 1985: 1083). “PICHAÇÃO, palavra cheia de conotações pejorativas: pichar implica
em maledicência. Pichação associar-se-ia, nesse sentido a poluição visual urbana” (Ramos
1994, p. 19). Ação ou efeito de pichar; escrever em muros e paredes; aplicar piche em; sujar
com piche (Gitahy 1999:19). Da mesma forma, é interessante perceber a derivação da palavra.
Pichar, assim, significa: “Criticar asperamente” (Barsa 1997, p. 33).
O material básico tanto para o grafite quanto para a pichação é a tinta em spray, a qual
ingressa no Brasil, conforme registros, a partir dos anos 50. Descendente da tinta usada sob
pressão de uma bomba compressora, como a utilizada na pintura automotiva, o spray permite
maior liberdade de movimentos e maior velocidade. A história da revolta dos estudantes em
Paris, em1968, registra a presença do spray para fixar nos muros da cidade as reivindicações
que eram gritadas nas ruas.
No Brasil a pichação, que durante os anos de ditadura militar entrou em decadência
pela força da censura e do autoritarismo, surgiu com frases de protesto, humor e frases
enigmáticas. Por ser considerada ilegal e subversiva, de caráter político, esta atividade
acontecia sempre à noite, evidenciando a necessidade de materiais que contribuíssem com a
rapidez necessária para a sua execução. Com sua popularização, perdeu um pouco de seu
caráter político, tornando-se espaço para declarações de amor, piadas ou registros de nomes
de seus autores.
Gitahy (1999, p. 23) lembra que Ivan Sudbreck, um dos principais artistas de rua da
geração 80 do graffiti, dizia entusiasmado: “A arte sempre será o reflexo social de um povo”.
No que se refere ao nosso país, é reflexo de um povo oprimido, vitimado pelo desrespeito em
seus direitos humanos, como a falta de trabalho, habitação, saúde, educação, segurança, lazer,
etc., manifestando-se em resposta cada um à sua maneira, por atitudes consideradas lícitas ou
não. O que nos cabe, enquanto cidadãos que vivenciam esta forma de expressão, é
compreendê-la enquanto manifestação humana, o que nos permitirá a não-repressão a esta
atividade, que comparada às diversas formas de violência que assistimos no nosso dia-a-dia,
como a política, a social e a ecológica, deixa de ser uma barbárie.
O grafite e a pichação utilizam como suporte para sua realização não só os muros da
cidade, mas também postes, viadutos, pontes e outros espaços como paredes e carteiras
escolares, tendo por natureza a crítica social, o questionamento e o diálogo com o público,
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onde o grafiteiro e o pichador manifestam-se como sujeito e agente, em seu contexto
histórico-social e econômico, na tentativa de mudar o que está posto.
Em ambientes públicos, como nos aponta o professor Arlindo Machado1 (in Ramos
1994:18), a pichação tem seus registros em São Paulo na década de 70, com as inscrições
anônimas nas paredes, usadas para divulgar o lançamento de uma nova raça canina no País: o
Cão Fila. Logo após, apareceram rabiscos de amor, palavrões, propaganda política,
pornografia, etc. Eram utilizados muros, viadutos e paredes como suporte para esta forma de
comunicação.
Para Gitahy (1999, p. 17-8), são de dois tipos as características da linguagem do
grafite:
Estéticas:

Expressão plástica figurativa e abstrata

Utilização do traço e/ou da massa para definição de formas

Natureza gráfica e pictórica

Utilização, basicamente, de imagens do inconsciente coletivo,
produzindo releituras de imagens já editadas e/ou criações do próprio artista

Repetição de um mesmo original por meio de uma matriz (máscara),
característica herdada da pop art

Repetição de um mesmo estilo quando feito à mão livre.
Conceituais:

Subversivo, espontâneo, gratuito, efêmero

Discute e denuncia valores sociais, políticos econômicos com muito
humor e ironia

Apropria-se do espaço urbano a fim de discutir, recriar e imprimir a
interferência humana na arquitetura da metrópole

Democratiza e desburocratiza a arte, aproximando-a do homem, sem
distinção de raça ou de credo

Produz em espaço aberto sua galeria urbana, pois os espaços fechados
dos museus e afins são quase sempre inacessíveis.
Desta forma, tanto o grafite quanto a pichação vão disputando espaços para a sua
inclusão, vão registrando, com signos e símbolos, a história de um povo. Esta história se
insere no cenário da cidade, dizendo a esta mesma cidade coisas suas que ela própria tenta
esconder. Nas palavras de Ramos (1994, p. 43), “o espaço visual da cidade se altera, ganha
uma outra dimensão pela ação de grupos ou indivíduos que por ali passam e imprimem sua
marca. O muro vira mural... suporte para manifestações de todo e qualquer cidadão”.
1
MACHADO, Arlindo. A Ilusão Espetacular, 2ª ed. São Paulo: Apostila PUC, 1988.
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GRAFITE OU PICHAÇÃO – ENCONTROS E DESENCONTROS
A Lei Ambiental nº 9.605, de âmbito federal, que entrou em vigor no início de 1998,
conceitua grafite e pichação como sendo a mesma coisa e declara crime contra o meio
ambiente passível de penalidades, classificando tanto o grafiteiro como o pichador como
vândalos. O grafiteiro Binho afirma que “antes, era considerado contravenção pintar um
espaço privado, seja com vandalismo ou uma pintura bonita. Hoje, é crime, e isso é
complicado. Não adianta reclamar do que é certo e do que é errado, porque é óbvio que, se
eu não posso pintar o muro de sua casa, e se pintar, você tem direto de correr atrás”. Para
Binho, “esta lei colocou os jovens que estão fazendo pintura, numa posição complicada,
porque eles vão parar na FEBEM, vão aprender coisa ruim, vão para outros caminhos. Essa
lei é uma tentativa errada de brecar o GRAFITTI, mas isso só vai fazer com que o
vandalismo se torne mais forte, e as atitudes artísticas fiquem mais inibidas. Só dificulta a
melhoria do cenário da cidade”.2
Cabe considerar também neste estudo a presença das pichações nos espaços urbanos e
suas semelhanças ou diferenças com o grafite. Tanto um quanto o outro utiliza a transgressão
e a cidade como suporte, fazem uso dos mesmos materiais e têm como meta a interferência no
espaço urbano, subvertendo valores de forma espontânea, gratuita e efêmera. No entanto,
seguidores destas manifestações artísticas entram em contradição quando se trata da
similaridade ou distinção entre grafite e pichação. Alguns se esforçam em encontrar
diferenças entre ambos, registrando-as na escolha do material, na autorização para a
efetivação desta arte ou na tomada do espaço alheio, enquanto outros definem o grafite como
uma evolução da pichação, a partir de estudos e aprimoramento dos recursos utilizados.
Outra distinção colocada pelos grafiteiros e estudiosos do tema se refere à origem das
manifestações, aparecendo o grafite como originário das artes plásticas, caracterizando-se
pela força da imagem, enquanto que a pichação aparece como originária da escrita,
privilegiando a palavra ou a letra.
O grafite pode ser encontrado no traçado de linhas simples, algumas vezes registrando
uma escrita ligeira, outras se apresentando com formas coloridas e muito bem elaboradas,
cujo significado nem sempre é aparente e pode servir de código cifrado e secreto entre os
participantes do movimento, como fazendo parte de um jogo.
2
Binho trabalha com Comunicação Visual, faz trabalhos ligados às Artes Plásticas, essencialmente Grafitti, a
Cultura do Grafitti do Hip-Hop.
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Na pichação, onde a escrita alfabética nem sempre se faz presente, podemos encontrar
tanto letras hipoicônicas bem elaboradas, quanto traçados considerados rabiscos, escolhendose como suporte monumentos, igrejas, prédios, e o próprio grafite bem elaborado como
cenário preferencial.
Conforme Gitahy (1999, p. 24), a pichação “é uma guerra feita com tinta, todos se
conhecem e se identificam pelo tipo de código pichado. Um grande abaixo-assinado para a
posteridade, no qual cada um que participa deixa sua marca”. (...) “A pichação aparece
como uma das formas mais suaves de dar vazão ao descontentamento e à falta de
expectativas”.
Outra questão que vem marcando a distinção entre estas duas formas de expressão
urbana esta registrada no uso do termo “grafitar” pelos grafiteiros e pela mídia impressa, cujo
objetivo é distinguir “grafite” de “pichação”, esta última com conotações pejorativas e
associada à poluição visual urbana. No Jornal do Brasil de 7 de março de 1988, Reynaldo
Roels Jr. registrou: “Grafite não é pichação. O grafite é, em geral, um artista plástico que
assina a obra da mesma forma como põe seu nome em uma tela. Os integrantes do
TupinãoDá, por exemplo, trabalham também com escultura, pintura, desenho e cinema. Já o
pichador costuma ser alguém sem conhecimento de artes plásticas, que usa os muros da
cidade para queixar-se de dificuldades, mandar recados ou, simplesmente, escrever seu
nome” (Ramos 1994, p. 20).
De qualquer forma, tanto um quanto outro se encontram estampados no cenário das
cidades, seja em espaços públicos ou privados, marcando muros, mãos e mentes daqueles que,
no papel de sujeito ou agente, fazem parte deste mesmo cenário. As imagens, consideradas
por muitos habitantes como marginais à cultura, vão pouco a pouco fazendo parte dos centros
urbanos, vão se instalando no seio da própria cultura que não as reconhece e marcam presença
despertando a atenção sobre si a partir da provocação, da transgressão, bem como de uma
comunicação lúdica por meio de um laboratório artístico. Por exemplo, encontramos na
Revista SB nº 10 (Revista Original da Cultura Hip-Hop) a mensagem que registramos abaixo:

“Que defendam os ideais da Cultura Hip-Hop.

Que pintem pela arte, não só pela autopromoção.

Que levem brilho a locais desolados e iluminem os becos.

Que coloquem suas obras em grandes galerias e não esqueçam
de pintar nas ruas.

Que façam quadros, esculturas, instalações, saiam em revistas,
televisões e continuem humildes.

Que não atropelem a arte.
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
Que utilizem a estética do Graffiti e, no futuro, após a evolução,
não esqueçam de que cultura o seu conhecimento veio”.
A PICHAÇÃO NO AMBIENTE ESCOLAR
Poluição visual refere-se à aparência que fica em paredes, portas, cadeiras, carteiras
escritas dentro de um ambiente escolar. Verificamos isso ao freqüentar uma unidade escolar
da rede municipal de São José, onde constatamos diversas manifestações escritas, dentre elas
desenhos, palavras, frases, símbolos de times de futebol, registradas em fotografias como
elementos para estudo, levando-nos a imaginar os seguintes questionamentos: mesmo cientes
da transgressão às normas de disciplina, quais seriam as motivações que levaram estes alunos
e alunas a utilizar o espaço escolar para escrever, sendo a escola um ambiente propício a
apropriado para desenvolver a escrita e a oralidade de forma não anônima? Ainda, segundo
Ramos (1994, p. 47), “na pichação, não há qualquer gesto estético qualitativo obrigatório,
nem quanto à forma e nem quanto ao conteúdo (...) o processo é aleatório e anárquico,
permite que qualquer um possa atuar utilizando (giz, carvão, caneta, corretivo, tinta)
escrevendo, desenhando, pintando ou rabiscando”.
As pichações interferem no ambiente escolar de forma a agredir aqueles que não
participam desta manifestação. Observa-se que entre alguns alunos e alunas existe uma certa
reprovação, diante da transgressão às normas de conduta dentro do ambiente escolar, para a
preservação dos recursos materiais em bom estado de conservação. Contudo, mesmo com a
proibição, o fato ocasionalmente toma proporções que saem do controle da escola.
Acreditamos que quem pratica tal ato pretende se comunicar, reivindicando ou
exigindo uma atenção a si ou às suas idéias, ainda que de forma distorcida ou delinqüente.
Afinal, o pichador invoca e propõe uma atitude de “delito” na escola.
Ao que tudo indica, a escola acaba ficando alheia a essas manifestações ao demonstrar
preocupação com o ato ou o rito, meramente com a situação do proibitivo, deixando de lado a
interpretação e intencionalidade da mensagem, inclusive sequer querendo questionar se está
cumprindo ou não com sua função social enquanto orientadora comportamental e aliada no
acompanhamento da educação familiar.
Talvez seja por isso que a escrita acaba deixando de ser comunicativa, tornando-se
uma escrita morta, na medida em que os alunos parecem não acreditar neste tipo de escrita, na
qual não se exige a sua participação, diante da simples cobrança da repetição e da cópia,
provocando uma desmotivação no processo ensino-aprendizagem.
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A escrita deveria atuar como um significativo complemento da oralidade. O que
vemos nos ambientes escolares, onde os jovens “não têm vez e nem voz”, são manifestações
intempestivas utilizadas por eles, a exemplo da pichação, que é interpretada como um mero
ato de indisciplina. Cabe à escola, enquanto instituição, buscar meios de ouvi-los, através do
acompanhamento de profissionais, pois esses alunos e alunas indisciplinados que praticam o
ato da pichação alguma coisa querem dizer.
Corrobora Vasconcellos (1998, p.132) afirmando que “o aluno poderia estar tentando
dizer ao professor com os constantes atos de indisciplina, possivelmente que a escola que aí
está não lhe proporciona alegria, satisfação e tampouco uma aprendizagem consistente,
estando, dessa maneira, muito distante de suas aspirações e necessidade”.
Uma escola preocupada com as manifestações empregadas pelos jovens deve ter como
princípio uma educação libertadora, onde procure trabalhar em prol da transformação
humana, do crescimento de cada estudante em indivíduo e cidadão. É necessário promover
um ambiente com diálogo constante entre todos os segmentos da escola, da direção aos alunos
e alunas, bem como toda comunidade onde a escola está inserida. De acordo com Faundez
(1994, p.117), “esse diálogo deve ser criativo, crítico e permanente, para superar e não para
destruir”.
Com isso, é preciso tanto o aluno quanto o professor (a equipe escolar) trabalharem
para dar conta satisfatoriamente da tarefa social específica que lhes cabe. Afinal, graças à
interdependência entre ambos, não mais é fundamental para o professor um elevado grau de
satisfação, ou seja, um patamar de “sucesso” no processo de ensino, quanto também seja
necessário, e muito, para o aluno atingir boas médias escolares num ambiente propício a sua
formação saudável como indivíduo, na busca por melhores oportunidades de trabalho, e no
campo social, durante a vida adulta, galgada desde a vida escolar.
A iniciativa de ampliação dos espaços de participação extraclasse para os alunos e
alunas, professores e comunidade – através da prática desportiva, organização de grupos de
teatro, trabalhos culturais, atividades artísticas, passeios e viagens, encontros ecumênicos
ligados à identificação religiosa e informação preventiva antidrogas, DSTs etc. – além de
assumirem caráter formativo, desencadeiam nos alunos o “gosto pela escola”, ao passo que
também os dirigentes e educadores escolares conseguem não criar tantos empecilhos à
organização dos alunos, reforçando a liberdade de expressão orientada.
Certamente, ainda pode ser investigado se existem fatores alheios que ocasionem
interferências nesse processo salutar descrito acima, referindo-nos mais ao ambiente
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estrutural, tais como: barulho externo, temperatura elevada, falta de ventilação, iluminação
precária, disponibilidade de espaço para movimentação (pátio amplo), falta de limpeza, entre
outros. Se tais atributos não estiverem satisfatoriamente equacionados na escola,
invariavelmente favorecem atitudes indisciplinares dos estudantes.
Os alunos e alunas podem não estar conseguindo verbalizar suas angústias, temores ou
insatisfações próprias, manifestando os seus sentimentos através de recursos como a pichação,
com o propósito de instalar mensagens para serem compreendidas.
De acordo com Ramos (1994, p. 55), a pichação pode ser considerada “violação dos
padrões culturais pré-estabelecidos. Indiferentes, alheios, provocadores, questionadores dos
momentos político/sociais e dos espaços da cidade, os grafites/pichações são manifestações
(...)”. Com uma linguagem própria, necessita ser compreendida não somente como um ato
de transgressão ou uma disputa entre professor versus aluno. Para tentar resolver esta questão,
é necessário organizar o trabalho coletivo em sala de aula, na realização e na construção do
conhecimento, ou seja, a educação na prática de forma a estabelecer uma relação “ganhaganha” entre professor e aluno.
A sala de aula, como lugar privilegiado da vida pedagógica, por si mesma deve ser
capaz de gerar outra vida, vivenciada pelo professor e seus alunos, em tempo parcial e
determinado, na idealização da complexa trama da existência humana, a fim de que sejam
encaminhados pelo processo educativo que a escola fornece. É necessário que o professor
entenda, ao entrar em sala de aula, que não está entrando sozinho; com ele entram seus
colegas (os funcionários), as regras, todas as suas vivências, enfim, a Escola, na sua forma
mais universal de ser, que naquele momento é por ele representada, bem como a matéria que
ele leciona.
Aquilo que para o professor pode ser considerado óbvio no espaço da sala de aula,
para os alunos pode não estar tão claro. “O porquê” de estar naquele espaço é fundamental
que seja pautado em objetivos comuns, que se fundem entre professor e alunos, em que
postulem parâmetros comuns de conduta, sendo já discutidos entre a equipe técnica da escola.
Esses parâmetros podem ser iniciados pelas normas internas da escola, sendo discutidos por
todo o segmento escolar, onde a participação contínua de todos se torna fundamental.
Se pensarmos em sala de aula na visão de um espaço coletivo, onde os alunos se
conhecem durante o período de tempo que estão juntos e seus objetivos não são comuns,
dessa forma estabelecem-se suas próprias regras de funcionamento, quando não houver um
preparo antecipado, no qual a classe tenha uma interação entre seus membros. Portanto, cabe
ao professor e a toda a escola proporcionar um espaço para que os alunos e as alunas possam
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expor com responsabilidade seu desejo de aprender e de estudar, assumidos pelo sujeito
(educando). Caso isto não ocorra harmoniosamente, o professor que está ali para coordenar o
processo não pode ser o único responsável. O professor pode, junto aos seus alunos e alunas,
realizar um levantamento das necessidades da classe e da escola, iniciando o processo de
elaboração das normas, a ser fixado em lugar visível, ou registrar em caderno/agenda para que
a família também participe, monitore e possa opinar, assumindo a co-responsabilidade de seus
filhos que lhe é devida. É necessário, ainda, que a classe possa rever e refletir em conjunto,
através de debates e avaliações periódicas, podendo haver possibilidades de mudança caso a
classe manifeste necessário.
De acordo com Moraes (1995, p. 26), “a educação deve permitir a cada indivíduo
encontrar seu estilo; ser ele mesmo, para além da espontaneidade incoerente, para além das
normas prontas e acabadas e dos lugares comuns; ser ele mesmo, assimilando o que cada
cultura ofereça de verdadeiramente humano”.
Assim,
reafirma-se
a
reflexão
e
o
propósito do dever de respeitar que “cada um é cada um” com suas experiências, vivências,
culturas, passando a ser o grande desafio da escola o de recuperar a função social que lhe
cabe, na remuneração do seu papel em cumprir de forma democrática a transmissão do
conhecimento, sem pautar as atividades primordialmente nos resultados, mas sim nos
fundamentos do processo ensino-aprendizagem.
GRAFITE NA PONTA DA LÍNGUA
Reportagem do Caderno G, do Jornal Gazeta do Povo - Paraná, de 11 de novembro de
2001, apresenta um apanhado do vocabulário e dos conceitos utilizados pelos grafiteiros.3

Writer – Graffiteiro, praticamente da arte do grafite, escritor urbano.

All City – É considerado aquele que escreve por toda a cidade ou pelo
país. Pode se referir a um writer individualmente ou uma crew (gangue).
Tem que fazer todo o tipo de escrita (piece, bomb, tag) em todos os locais
(muros, trens),

Toy – Wryter inexperiente ou que copia grafites alheios. Uma
definição antiga de Toy é “trouble on your system”, ou seja, “roubam seu
esquema”.

Tagger – Quem não é writer, quem nunca fez um piece (grafite com
mais de três cores). Só faz assinaturas. Pichadores também são chamados de
scribblers.

Old Shool – O início, os precursosres do grafite, os que inventaram os
estilos clássicos de grafitar.
3
Retirado do texto de Marcos Zibordi no jornal acima citado.
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
New School – A nova escola, que está atuando hoje em dia,
aprimorando os conhecimentos.

Fresh – Representante da new school ou new schooler.

Bite – Aquele que copia o desenho ou até mesmo o estilo dos outros
writers.

Fame – Fama, alguns bons grafiteiros (old school) merecem isso,
como Dondi, Phase 2, Dream (R.I.P.), entre outros.

Piece – Grafite feito por um writer com mais de três cores.

3D style ou Computer Style – Tridimensional, com letras de alto teor
de complexidade. Criado por Phase 2, é atualmente usado por grafiteiros
como Daim, Loomit, Delta, Joker.

Mural ou produção – Feita por um writer ou uma crew. Envolve no
mínimo dois pieces e alguns bonecos.

Roll call – Assinatura de todos os grafiteiros ou da crew, depois de
feita uma produção.

Wildstyle – Um estilo complicado, com letras entrelaçadas, dos mais
difíceis de se fazer.

Background – Fundo de um piece ou de uma produção. Destaca e
preenche mais o desenho e apaga qualquer outra coisa que havia no local
antes.

Tag – O básico do grafite, a assinatura do writer. Logotipo. Tags
podem ser continuadas com prefixos “One”, “Ski”, “Rock”, “Em” ou “Er”.
Geralmente são feitos com marcadores, mas também podem ser feitos com
spray.

Tag Reto – Chamada também de pichação. Tipo de assinatura criada
em São Paulo.

Tagging Up – Tagear algum lugar difícil.

Bomb – Grafite rápido ou ilegal, geralmente feito na noite nos lugares
de difícil alcance.

Stickers, etiquetas – Forma de bombardear os lugares públicos, onde
seria muito flagrante usar um marcador. Usam-se então adesivos que foram
taggiados antes, que na maioria das vezes diz “hello, my name is...”.

Throw Up – Vômito, estilo simples de letra, usado nos Bombs.
Geralmente feito em duas cores.

Getting Up – Fazer um bomb, catar um lugar.

Going Over – Largar fora, fugir, correr da polícia.

Bubble Letters – Tipo, estilo de letras em forma de bolha. Estilo
criado por Phase 2.

Back to Back – Muro preenchido de ponta a ponta. Quando é um
trem, chama-se whole car.

Whole Car – Um lado do trem pintado completamente.

Insides – Tagear, bombardear os trens, ônibus e outros por dentro.

Window Down – Piece feito pela janela de um trem ou ônibus.

Buff – Termo usado quando se remove o piece ou bomb. Geralmente
em trens, onde é possível limpar.

Character – Boneco, desenho no qual se representa um ser vivo,
podendo ser humano ou não, karak.

Fade – Cores claras, ou que transitam transparência.

Dope – Termo de rap/hip-hop que quer dizer “louco”, “doido”.
Dependendo do uso, dope quer dizer droga ou drogado.

Piecebook – O livro com sketchs dowriter. Também chamado de
blackbook, sketchbook ou writer’s bible.

Outline – Desenho feito em piecebook, sketch.

Cap – Bico do spray do qual depende o traço. Pode ser fino (skinny)
ou grosso (fat).
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
Marker – Marcador, pincel atômico.

Homemade Ink – Tinta para marcador feita em casa.

Griffin – Feltro, usado na construção de marcadores caseiros.

Funzine – Uma mini-revista de grafite, sem fins lucrativos, apenas
para divulgar e divertir. O primeiro zine de grafite foi o International Graffiti
Times, criado por Phase 2.

Flicks – Fotos. Também flick (singular) e flix (plural).

Krylon – Marca de spray, com logotipo de cinco círculos coloridos.
Muito usado por writers pelo bom preço e quantidade de cores.

Rack – Roubar tinta ou marcadores. Como a tinta é muito cara, alguns
writers roubam os materiais para pintar.
“Para ser um writer de verdade, é preciso mais que uma idéia na cabeça e uma lata de
spray na mão” (Marcos Zibordi). O grafiteiro, conforme Ramos (1994, p.53), “é como um
coreógrafo do urbano, que tem a cidade como pano de fundo, como cenário, e os seus
transeuntes e/ou habitantes como expectadores da cena cotidiana”.
NA HISTÓRIA DO GRAFITE BRASILEIRO, ALGUNS NOMES:

Ivan Sudbreck, que ficou conhecido por suas caras redondas que apareciam no
buraco da Avenida Paulista, em São Paulo.

Maurício Villaça, que falava de sua indignação quando do assassinato de
garotos que foram flagrados fazendo pichação. Ficou conhecido por seus imensos
murais e por sua preocupação em registrar nos muros sua visão com relação ao que
acontecia no país.

Keith Haring e Jean Michel Basquiat foram importantes grafiteiros do metrô
nova-iorquino. Keith Haring tornou-se um dos artistas mais conhecidos nos anos
80 por levar o grafite, que antes era exclusivamente das ruas, becos e guetos, para
o convívio de galerias, museus e bienais. No Brasil, participou da Bienal de São
Paulo em 1983. No reconhecimento da importância do desenho enquanto forma de
comunicação humana que ultrapassa gerações, Keith Haring diz: “Cresci numa
confortável sala de classe média, vendo rios de televisão e sabendo das guerras
pelas páginas do ‘Life Magazine’. Mas, mesmo com computadores, satélites e
‘vídeo-tapes’, o homem continua a ter medo das coisas ancestrais, como o medo
da morte. Por isso, decidi voltar ao desenho, que mudou pouco desde a préhistória. E ainda guarda a mesma clareza”.
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Grafite e Pichação – Que Comunicação é Esta?

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Celso Gitahy, grafiteiro e escritor, coloca entre outras coisas que “talvez, um
dia, todo centro urbano, apesar de caótico, possa se tornar uma grande galeria de
arte a céu aberto”.

Alex Vallauri, que trabalhava também com máscaras vazadas, foi o principal
precursor do grafite no Brasil. Durante os anos 70, usou-o para fazer surgir
primeiramente uma intrigante botinha preta, de cano alto e salto agulha, à qual
posteriormente foi sendo acrescentada uma luva preta, depois óculos escuros anos
50, na seqüência um biquíni de bolinhas, e finalmente o aparecimento de uma bela
mulher latina. Este grafiteiro foi de extrema importância para o grafite brasileiro,
tanto que o dia 26 de março tornou-se o Dia Nacional do Graffiti, em homenagem
à sua morte, que ocorreu em 1987.

Carlos Matuck investigou diferentes formas de construção de máscaras. Usou
grampos de grampeador, produzindo máscaras incríveis.

José Carratu, Jaime Prades e Rui Amaral, pertencentes ao grupo TupiNãoDá,
da Vila Madalena em São Paulo.
GRAFITE E PICHAÇÃO NA ATUALIDADE
Na atualidade, percebe-se grande preocupação dos órgãos oficiais com relação ao
grafite e à pichação. Universidades brasileiras têm também investido neste tipo de
manifestação humana, buscando não só o sentido de melhor compreender seus significados,
mas também, a partir da elaboração de pesquisas, presentear a comunidade com novas
significações a respeito do tema.
Projetos vêm sendo desenvolvidos por universidades, prefeituras municipais, escolas e
outros órgãos oficiais, envolvendo crianças e jovens. Estes órgãos não só contratam
grafiteiros para que estes ministrem cursos a grupos de crianças, adolescentes, jovens e
demais interessados, como também são responsáveis por toda a infra-estrutura necessária a
esses cursos, como divulgação, materiais, espaço físico, etc. Além dessas ações, os grafiteiros
também conquistaram espaço na mídia, em revistas, jornais, televisão, empresas, participação
em exposições, inclusive na Bienal, e em outros espaços onde esta arte está sendo
compreendida, divulgada e esclarecida à população, com investimentos que procuram tirá-la
da condição única de marginalidade, da condição de contracultura, neste caso entendida de
forma pejorativa. Conforme Linz (2002), “numa primeira análise (...) contracultura é o que
vai de encontro à cultura, ou seja, os questionamentos quanto aos moldes determinados pela
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sociedade; o que vai de encontro à rede de convenções e instituições impostas por esta
sociedade, tentando modificá-las de algum modo”. No entanto, conforme a Enciclopédia
Barsa (1997:33), cultura “é o modo de vida de um povo, o ambiente que um grupo de seres
humanos, ocupando um território comum, criou na forma de idéias, instituições, linguagens,
instrumentos, serviços e sentimentos”.
Conforme podemos constatar, a definição de cultura acima registrada cabe
perfeitamente a esta forma de comunicação humana.
Conforme nota do jornal Folha de S. Paulo, a Universidade de São Paulo, em maio de
2002, começou a preparar “a primeira cooperativa brasileira de grafiteiros, tradicionalmente
desorganizados, alguns deles ex-pichadores. A maioria deles nem imaginava que aquela arte
poderia tornar-se uma profissão – até porque vivem perseguidos pela polícia e são encarados
como marginais, obrigados, muitas vezes, a fazer suas intervenções de madrugada”.
Professores e alunos de diversas faculdades passaram a oferecer gratuitamente assessoria aos
interessados em transformar esta arte nos muros, considerada, por muitos, como marginal, em
uma profissão remunerada.
Outro investimento a ser citado como exemplo é o do SESC-Paraná, que através do
Projeto “Pichação é a maior sujeira! Deixe sua arte fora dessa” organizou cursos envolvendo
crianças, adolescentes, jovens e adultos interessados na tentativa de consagrar a arte do grafite
e contribuir para a diminuição da pichação desenfreada considerada como vandalismo. Entre
várias ações, além da oferta de recursos humanos para ministrar os cursos, o SESC-Paraná
contou com parcerias para oferta do material necessário, divulgação do projeto, elaboração e
distribuição de revistas, gibis e demais informativos. A revista Sescílio (p. 8), informa em sua
coluna “Você sabia?”: “Que não se sabe quem, nem quando foram feitos os primeiros
grafites. Há quem diga que os primeiros foram feitos pelos homens das cavernas.... Que quem
for pego pichando o patrimônio público ou privado, fica sujeito à penas que variam de um a
dois anos de cadeia ou trabalhos para a comunidade... Que o spray contém o gás CFC, um
dos principais causadores da deteriorização da camada de ozônio...”
Escolas também têm desenvolvido projetos envolvendo a questão do grafite e da
pichação. Como exemplo podemos citar o projeto elaborado pela profª Patrícia Adriane Elias4
e desenvolvido em uma escola municipal de Curitiba-PR, o qual teve por meta a abordagem
sobre os diferentes gêneros da arte nas ruas, para que o aluno não só compreendesse sua
4
ELIAS, Patrícia Adriane. Professora e Arte-Educadora da Rede Municipal de Ensino de Curitiba, Graduada em Educação Artística com
ênfase em Computação Gráfica. Pós-Graduada em Arte-Educação. Pós-Graduanda em Arte-Terapia.
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Grafite e Pichação – Que Comunicação é Esta?
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função social, como também tivesse clara a função dos elementos que caracterizam a
linguagem plástica no Grafite. O referido projeto teve por objetivos:
(...) vivenciar e reconhecer a produção artística da humanidade ultrapassando
paradigmas impostos pela cultura dominante, bem como reconhecer a
importância da conservação e preservação do patrimônio cultural; relacionar
a produção artística da humanidade com o contexto socioambiental do
estudante como forma de comunicação representativa de diferentes
contextos sociais e ideológicos; identificar a interferência cultural na
organização do espaço e sua representação pelas artes, para então
ressignificar forma e conteúdo a partir da imaginação criadora, com
autonomia.
Percebe-se assim a grande preocupação dos órgãos oficiais em dar ao grafite a
condição de reconhecimento enquanto arte, e aos grafiteiros, a saída da marginalidade para
um mundo de respeito e dignidade.
CONCLUSÃO
A linguagem do grafite e da pichação faz parte do cenário das grandes cidades. Não
podemos mais ignorar a sua presença, assim como não podemos e nem devemos ignorar esta
forma de comunicação que nasce no anonimato, mas aos poucos vai adquirindo identidade
com outras pessoas, outros grupos, outras comunidades e se tornando uma forma real de
comunicação entre muitos.
Contestada por alguns e respeitada por outros, esta linguagem ao longo de tempos e
espaços distintos traz consigo e em seus registros parte da história da humanidade que,
agregada a outros valores próprios de cada época, escreve a história de homens e mulheres
que, de uma forma ou de outra, colocam nas paredes, muros, postes, viadutos, portas,
cadeiras, carteiras, etc., inscrições que representam mensagens de amor, humor, protestos,
políticos ou não. De qualquer forma, registros que contam o sentimento das pessoas sejam
elas crianças, jovens, ou adultos, não importa, mas que sem dúvida criam tribunas onde
podem dizer aquilo que nos espaços convencionais ainda não é permitido.
As imagens que vemos estampadas em ambientes externos e internos nada mais
representam que vozes que clamam por serem ouvidas e entendidas na dimensão do
entendimento de que existe algo mais e além do que os códigos escritos formais que a
população está habituada a decifrar.
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Após as considerações de diversos protagonistas desta leitura diferenciada a respeito
do grafite e da pichação e sem o desejo de esgotar o assunto, fica um desafio: que sejamos nós
a olhar com outros olhos estes signos escritos, na tentativa não de fazer a crítica infundada,
mas, se esta for necessária, que seja a partir do entendimento e da decifração destes códigos
que definem e testemunham o registro de palavras de ordem, de amor, de humor, mensagens,
letras, imagens, poemas, provérbios, enfim, uma forma ilimitada de comunicação humana.
Essa maneira de arte voltada para as grandes massas precisa ser entendida em toda a
sua dimensão, pois se configura em espaços de diálogo da cidade com a cidade, na busca da
permanência da mensagem a partir da provisoriedade do registro de um tipo de arte que
exercita a comunicação e faz propostas ao meio de forma interativa. As cidades são mais que
suporte. Transformam-se em um conjugado de desenhos, signos, letras, cores e tintas que, na
ilusão do movimento, surpreendem o imaginário humano.
Tomamos emprestadas as palavras de Gitahy (1999, p.77-8) quando diz que,
(...) há tantos que de tão acostumados com seus caminhos conhecidos os
percorrem distraidamente: o que é importante emudece e fica invisível.
Precisamos recuperar nossos sentidos sem que nos mutilemos, separando
corpo da mente e do espírito. (...) Todo o processo artístico é relativamente
lento, pois depende da intimidade alcançada entre homem e trabalho para
que os resultados estéticos sejam satisfatórios. Talvez, um dia, todo o centro
urbano, apesar de caótico, possa vir a ser uma grande galeria de arte a céu
aberto.
As características que concedem especificidade ao grafite e à pichação como uma
distinta forma de escrita e comunicação conferem aos espaços urbanos um novo significado.
São enigmas que instigam, a todo o tempo, sua decifração.
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processos de alfabetização. Trad. Lólio Lourenço de Oliveira. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1994.
LINHAS, Florianópolis, v. 9, n. 2, p. 95 – 112, jul. / dez. 2008.
Grafite e Pichação – Que Comunicação é Esta?
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Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993.
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1, n. 2.
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11/11/2001.
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em sala de aula e na escola. 10ª ed. São Paulo: Libertad, 1998.
Recebido: Agosto/2003
Aprovado: Agosto/2007
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