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SEGUNDA RECIDIVA DE CORDOMA EM REGIÃO SACRA:
RELATO DE CASO E REVISÃO DE LITERATURA
VILHENA, Mathias Antonio Haruno. Discente do Curso de Graduação em Medicina.
RIBEIRO, Flávio Antonio de Sá. Professor do Curso de Graduação em Medicina.
Palavras-chave: Tumor, coluna vertebral, câncer, cordoma, tratamento.
INTRODUÇÃO
Cordoma é um tumor derivado do tecido notocordial pertencente ao grupo de
cânceres chamados de sarcomas, que incluem cânceres de osso, cartilagem, músculos e
outros tecidos conectivos. Possui uma incidência anual de 0,02 caso a cada 100.000
indivíduos (1,2) e uma prevalência de menos de 1 caso a cada 100.000 pessoas. A
notocorda desaparece no ser humano com aproximadamente 8 semanas de vida durante
o período fetal e evidências atuais sugerem que o cordoma se desenvolve a partir de
elementos notocordiais remanescentes. Os locais mais comuns de aparecimento do
tumor são o osso sacro (50%), base do crânio (30%), e segmentos móveis da coluna
vertebral (20%). Casos de tumores em localizações extraesqueléticas já foram descritos,
mas são muito raros (3). Representa 1 a 4% dos tumores ósseos malignos (4), no entanto
são os tumores mais comuns da coluna cervical e região sacra. A idade média de
diagnóstico é de 60 anos (2), mas os tumores de base de crânio costumam causar
sintomatologia em idade mais precoce, inclusive na infância (2,4). O tempo médio
desde a apresentação clínica até o diagnóstico é maior que 2 anos, dependendo, na
maioria das vezes do local do tumor. O cordoma é tipicamente um tumor de baixo
potencial metastático, mas muito agressivo localmente, tendo no subtipo nãodiferenciado sua capacidade máxima de invasão local (5). Entre 30 a 40% dos pacientes
possuem metástases, típicamente em um estado mais avançado de sua doença,
geralmente, depois de evidências de recidiva local. As metástases podem ocorrer nos
pulmões, fígado, ossos, subcutâneo, linfonodos, e outros sítios. De maneira geral, o
potencial de malignidade da doença está mais relacionado com sua agressão local do
que seu risco de metástases (6). Além disso, sua proximidade a tecidos nervosos e ao
arcabouço ósseo da pélvis dificulta a obtenção de margens de ressecção livres, o que
contribui para uma evolução desfavorável (6,7,8). Dos tumores de base de crânio, a
principal forma de apresentação é o acometimento dos pares cranianos devido ao
crescimento na região do clivus e seio cavernoso (9). Já nos tumores sacrais,
aproximadamente um terço dos pacientes relatam radiculopatia por irritação do nervo
ciático ou do canal iliolombar no momento do diagnóstico (10). A queixa mais
frequente é a dor na região lombar ou na nádega (2).
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OBJETIVOS
O presente estudo tem como finalidade discutir um caso de cordoma sacro
recidivado localmente pela segunda vez desde sua apresentação clínica, métodos
diagnósticos e conduta terapêutica associado a uma revisão literária. O trabalho se
justifica, uma vez que não existem relatos de casos de pacientes com uma segunda
recidiva tumoral de cordoma na literatura.
METODOLOGIA
Para realização deste trabalho foi feita uma revisão de literatura através de
artigos científicos sobre a temática que foram acessados nas bases de Scielo, Lilacs,
BVS, Google Acadêmico e PubMed. Os seguintes descritores foram aplicados:
cordoma, tumor coluna espinhal, cordoma coluna espinhal, diagnóstico cordoma,
manifestações clínicas cordoma, tratamento cordoma. Em inglês: chordoma, spinal cord
tumor, spinal cord chordoma, diagnosis chordoma, clinical features chordoma,
treatment chordoma.
RELATO DE CASO
Paciente B.L.S.S.N, masculino, 52 anos, branco, procedente de Saquarema- RJ,
comparece a consultório particular de cirurgia oncológica referindo laudo de uma massa
localizada na região glútea esquerda diagnosticada no final do ano de 2014 após
Ressonância Magnética (RM) de acompanhamento. No laudo encontramos a presença
de uma lesão expansiva ovalada com impregnação irregular pelo contraste, medindo
cerca de 5,4 x 3,6 x 4,5 cm acometendo a porção medial do músculo-glúteo máximo
esquerdo. Paciente apresentava-se sem queixas. Ao exame físico apresentava tumoração
palpável em região glútea esquerda de consistência fibroelástica, não aderida aos planos
profundos. Não demonstrava qualquer déficit sensitivo ou motor, deambulava sem
limitações. O paciente relatava história de 2 cirurgias prévias devido à excisão de
cordomas, tendo a primeira ocorrida em 2010 e a segunda em 2013, negando qualquer
complicação das mesmas. O caso índice ocorreu após a autopercepção de uma massa na
região lomboperineal, mais especificamente na região do cóccix, que não apresentava
dor ou parestesia. Após consulta com cirurgião oncológico e uma RM da região
abdominopélvica, o paciente foi submetido a uma cirurgia aberta para retirada do tumor.
Durante a operação parte de seu sacro foi removida para aumentar as margens de
segurança. A análise histopatológica revelou tumoração pardo-acastanhada, firme,
medindo cerca de 7,0 x 6,0 x 6,0 cm exibindo superfície externa lisa e bosselada aderida
em parte a tecido ósseo. O estudo microscópico demonstrou proliferação de células com
núcleos arredondados, por vezes alongados, citoplasma amplo, distribuídas em
pequenos ninhos em meio a matriz mixóide, sugestivo de cordoma apresentando
margens livres de comprometimento neoplásico (R0). No segundo episódio, houve a
retirada cirúrgica de três cordomas, um localizado região glútea esquerda e outro dois na
região glútea contralateral, o primeiro apresentava-se como um nódulo pardoacastanhado, elástico, medindo 3,0 x 3,0 x 0,3 cm. Os outros dois apresentavam-se
como nódulos pardo-acastanhados com áreas mixóides, o maior medindo 3,6 x 3,0 x 2,5
cm e o menor 1,3 x 0,7 x 05 cm. Os limites cirúrgicos estavam livres de neoplasia à
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microscopia (R0). Não houve radioterapia neoadjuvante/ adjuvante em ambos os casos.
Desde então, o paciente passou a realizar RMN periódicas de 6 em 6 meses para rastreio
de possíveis recidivas. Quando questionado sobre outras comorbidades, o paciente
referiu ser portador de distúrbio depressivo, já sob controle estando em
acompanhamento psiquiátrico. Não possuía história familiar de neoplasias.
Como preconizado pelo consenso mundial de condutas em cordoma foram
solicitados na avaliação inicial do tumor uma Tomografia computadorizada (TC) e uma
Ressonância magnética (RM) de toda coluna espinhal que demostraram uma lesão
expansiva ovalada com impregnação irregular pelo contraste, medindo cerca de 5,4 x
3,6 x 4,5 cm acometendo a porção medial do músculo-glúteo máximo esquerdo, sem a
presença de metástases a distância.
Figura 1 - Corte axial de uma RM pré-operatória demonstrando uma capitação heterogênea de contraste
de uma massa arredondada localizada na região glútea esquerda. Figura 2 - Corte coronal de uma RM
pré-operatória demonstrando tumoração em região glútea esquerda associado a sinais de edema
locorregional.
A avaliação do gene Brachyury foi positiva. Solicitamos um PET scan para
avaliação desde o crânio até o terço distal das coxas que revelou após a fusão das
imagens metabólicas às imagens anatômicas um aumento do metabolismo da glicose
radiomarcada em lesão expansiva, com densidade de partes moles, associada a
hiperconcentração periférica do radiotraçador, com área metabolicamente ativa medindo
cerca de 6,1 x 5,0 cm nos maiores diâmetros axiais, situada junto a musculatura glútea
esquerda e estendendo-se até a borda anal do mesmo lado (SUVmax 4,3).
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Figura 4 – Exame PET-scan demonstrando lesão expansiva, com densidade de partes moles, associada a
hiperconcentração periférica do radiotraçador, com área metabolicamente ativa medindo cerca de 6,1 x
5,0 cm nos maiores diâmetros axiais, situada junto a musculatura glútea esquerda e estendendo-se até a
borda anal do mesmo lado (SUVmax 4,3).
Assim, diante de um paciente com uma provável segunda recidiva tumoral, foise ponderado que apesar de o paciente possuir duas abordagens cirúrgicas prévias,
ambas com margens livres de neoplasia, este nunca havia realizado radioterapia
adjuvante. Portanto, apesar de a chance de cura nos casos de recidiva tumorais ser
pequena, o tratamento cirúrgico seguido por radioterapia foi a conduta traçada para este
paciente. Uma vez que o tumor localizava-se perto do reto, foi explicado ao paciente
que o melhor tratamento seria a retirada em bloco da lesão, permitindo margens de
segurança livres de invasão tumoral, e que isto poderia acarretar na excisão cirúrgica,
também, do reto. Após o consentimento do paciente, foi planejado uma ressecção em
bloco da lesão associado à radioterapia adjuvante.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O cordoma apesar de ser um tumor raro, é o principal tipo tumoral encontrado na
coluna cervical e sacra. Necessita de uma abordagem altamente especializada com o uso
de exames modernos para a melhor decisão terapêutica. Apesar da indisponibilidade de
tais tecnologias, recursos não devem ser poupados, uma vez que a excisão completa da
lesão com margens peritumorais livres de invasão corresponde a melhor chance de cura
do paciente. A detecção precoce de metástases tumorais, não inviabiliza a possibilidade
de cura, sendo também indicada a retirada cirúrgica destas. Mesmo o paciente sem
possibilidade cirúrgica, a radioterapia está indicada para melhora da qualidade de vida
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do paciente. Novos estudos encontram-se em desenvolvimento para incrementar o
arsenal terapêutico contra os cordomas. Pesquisas moleculares são promissoras. A
proteína produzida pelo gene brachyury e sua cascata estimulatória são o principal alvo
de tais pesquisas. Atualmente, não existe indicação quimioterápica nestes tumores.
Como demonstrado nos últimos anos, tecnologias modernas associadas ao
aprimoramento das técnicas cirúrgicas, culminaram em um melhor prognóstico para
pacientes vivendo com cordoma, mesmo com o enorme hiato científico encontrado
devido a condição rara do tumor.
Nosso paciente apresentava uma segunda recidiva de um cordoma sacral, ou
seja, um tumor avançado no qual não evidenciamos sinais de invasão de órgãos
adjacentes. Este foi submetido a uma ressecção tumoral em bloco que obteve margens
microscópicas livres de neoplasia (R0) e encaminhado a radioterapia pós-operatória.
Atualmente, o paciente encontra-se assintomático, ainda sob supervisão do Dr. Flávio e
sem sinais de recorrência tumoral pelas RM periódicas.
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