XIV Assembleia Geral do Sínodo dos Bispos

Transcrição

XIV Assembleia Geral do Sínodo dos Bispos
SÍNODO DOS BISPOS
XIV ASSEMBLEIA GERAL ORDINÁRIA
[4-25 de outubro de 2015]
A vocação e a missão da família
na Igreja e no mundo contemporâneo
INSTRUMENTUM LABORIS
SIGLAS
AA
AG
CIC
CiV
DC
DCE
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GS
EdE
EG
EN
FC
IL
LF
LG
MV
NA
NMI
RM
Concílio Ecuménico Vaticano II, Decreto Apostolicam actuositatem (18 de
novembro de 1965)
Concílio Ecuménico Vaticano II, Decreto Ad gentes (7 de dezembro de 1965)
Catecismo da Igreja Católica (15 de agosto de 1997)
Bento XVI, Carta Encíclica Caritas in veritate (29 de junho de 2009)
Pontifício Conselho para os Textos Legislativos, Instrução Dignitas connibii (25 de
janeiro de 2005)
Bento XVI, Carta Encíclica Deus caritas est (25 de dezembro de 2005)
São João Paulo II, Carta Encíclica Dominum et vivificantem (18 de maio de 1986)
Concílio Ecuménico Vaticano II, Constituição Pastoral Gaudium et spes (7 de
dezembro de 1965)
São João Paulo II, Carta Encíclica Ecclesia de Eucharistia (17 de abril de 2003)
Francisco, Exortação Apostólica Evangelii gaudium (24 de novembro de 2013)
Beato Paulo VI, Exortação Apostólica Evangelii nuntiandi (8 de dezembro de 1975)
São João Paulo II, Exortação Apostólica Familiaris consortio (22 de novembro de
1981)
III Assembleia Geral Extraordinária do Sínodo dos Bispos, Os desafios pastorais
sobre a família no contexto da evangelização (24 de junho de 2014)
Francisco, Carta Encíclica Lumen fidei (29 de junho de 2013)
Concílio Ecuménico Vaticano II, Constituição Dogmática Lumen gentium (21 de
novembro de 1964)
Francisco, Bula Misericordiar vultus (11 de abril de 2015)
Concílio Ecuménico Vaticano II, Decreto Nostra aetate (28 de outubro de 1965)
São João Paulo II, Carta Apostólica Novo millennio ineunte (6 de janeiro de 2001)
São João Paulo II, Carta Encíclica Redemptoris missio (7 de dezembro de 1990)
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APRESENTAÇÃO
Está a terminar o período intersinodal, durante o qual foi confiada a toda a Igreja pelo Papa
Francisco a tarefa de “amadurecer, com verdadeiro discernimento espiritual, as ideias
propostas e encontrar soluções concretas para tantas dificuldades e os inúmeros desafios que
as famílias devem enfrentar” (Discurso no encerramento da III Assembleia geral
extraordinária do Sínodo dos Bispos, 18 de outubro de 2014).
Depois de ter refletido, na III Assembleia geral extraordinária do Sínodo dos Bispos de
outubro de 2014, sobre Os desafios pastorais sobre a família no contexto da evangelização, a
XIV Assembleia geral ordinária, que decorrerá de 4 a 25 de outubro de 2015, tratará o tema A
vocação e a missão da família na Igreja e no mundo contemporâneo. O longo caminho
sinodal aparece assim marcado por três momentos intimamente ligados: a escuta dos
desafios sobre a família, o discernimento da sua vocação, a reflexão sobre a sua missão.
À Relatio Synodi, fruto amadurecido na última Assembleia, juntou-se uma série de perguntas
para ver como o documento foi acolhido e pedir que fosse aprofundado. Constituiu isso os
Lineamenta, que foram enviados aos Sínodos das Igrejas Orientais Católicas sui iuris, às
Conferências Episcopais, aos Dicastérios da Cúria Romana e à União dos Superiores Gerais.
Todo o Povo de Deus foi envolvido no processo de reflexão e aprofundamento, graças
também à orientação semanal do Santo Padre, que com as suas catequeses sobre a família nas
Audiências gerais, e em várias outras ocasiões, acompanhou o caminho comum. O renovado
interesse pela família, suscitado pelo Sínodo, é confirmado pela ampla atenção que lhe foi
dada não só nos ambientes eclesiais, mas também pela sociedade civil.
Chegaram as Respostas dos sujeitos com direito, a que se juntaram ulteriores contributos, a
que se deu o nome de Observações, provenientes de numerosos fiéis (indivíduos, famílias e
grupos). Várias componentes das Igrejas particulares, organizações, agregações laicais e
outras instâncias eclesiais deram importantes sugestões. Universidades, instituições
académicas, centros de pesquisa e estudiosos particulares enriqueceram – continuando a fazêlo – o aprofundamento das temáticas sinodais com os seus Contributos – através de
simpósios, reuniões e publicações –, realçando também aspetos novos, conforme foi pedido
pela “pergunta prévia” dos Lineamenta.
O presente Instrumentum Laboris é composto pelo texto definitivo da Relatio
Synodi integrado pela síntese das Respostas, Observações e Contributos de estudo. Para
facilitar a leitura, assinale-se que a numeração contém tanto o texto da Relatio como as
integrações. O texto original da Relatio é identificado com o número dentro de parêntesis e
com o tipo itálico.
O documento articula-se em três partes, que mostram a continuidade entre as duas
Assembleias: a escuta dos desafios sobre a família (I parte) evoca mais diretamente o
primeiro momento sinodal; o discernimento da vocação familiar (II parte) e a missão da
família hoje (III parte) introduzem o tema do segundo momento, com o propósito de oferecer
à Igreja e ao mundo contemporâneo estímulos pastorais para uma renovada evangelização.
Lorenzo Card. Baldisseri
Secretário Geral do Sínodo dos Bispos
Vaticano, 23 de junho de 2015
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INTRODUÇÃO
1. (1) O Sínodo dos Bispos reunido com o Papa dirige o seu pensamento a todas as famílias
do mundo com as suas alegrias, as suas canseiras e as suas esperanças. De modo especial,
sente o dever dar graças ao Senhor pela generosa fidelidade com que tantas famílias cristãs
respondem à sua vocação e missão. E respondem com alegria e com fé, também quando o
caminho familiar as põe diante de obstáculos, incompreensões e sofrimentos. A essas famílias
vai o apreço, o agradecimento e o encorajamento de toda a Igreja e deste Sínodo. Na vigília
de oração celebrada na Praça de São Pedro, sábado, 4 de outubro de 2014, em preparação
do Sínodo sobre a família, o Papa Francisco evocou de maneira simples e concreta a
centralidade da experiência familiar na vida de todos, exprimindo-se assim: “Já desce a
noite sobre a nossa assembleia. É a hora em que de bom grado se regressa a casa para se
reunir à mesma mesa na consistência dos afetos, do bem que se fez e se recebeu, dos
encontros que aquecem o coração e o fazem dilatar, vinho bom que antecipa, nos dias do
homem, a festa sem ocaso. Mas é também a hora mais pesada para quem se vê cara a cara
com a própria solidão, no crepúsculo amargo de sonhos e projetos desfeitos. Quantas
pessoas arrastam os seus dias no beco sem saída da resignação, do abandono, se não mesmo
do rancor! Em quantas casas falta o vinho da alegria e, consequentemente, o sabor – a
própria sabedoria – da vida! Nesta noite, com a nossa oração, tornemo-nos voz de uns e de
outros: uma oração por todos”.
2. (2) Seio de alegrias e de provações, de afetos profundos e de relações por vezes feridas, a
família é verdadeiramente “escola de humanidade” (cf. GS 52), de que se sente uma forte
necessidade. Não obstante os muitos sinais de crise da instituição familiar nos vários
contextos da “aldeia global”, o desejo de família continua vivo, sobretudo entre os jovens, e
encoraja a Igreja, perita em humanidade e fiel à sua missão, a anunciar sem cessar e com
profunda convicção o “Evangelho da família”, que lhe foi confiado com uma revelação do
amor de Deus em Jesus Cristo e ininterruptamente ensinado pelos Padres, os Mestres da
espiritualidade e o Magistério da Igreja. A família tem para a Igreja uma importância muito
especial e, quando todos os crentes são convidados a sair de si mesmos, é necessário que a
família se redescubra como sujeito imprescindível para a evangelização. O pensamento vai
para o testemunho missionário de tantas famílias.
3. (3) Para refletir sobre a realidade da família, decisiva e preciosa, o Bispo de Roma
convocou o Sínodo dos Bispos, na sua Assembleia geral extraordinária de outubro de 2014,
reflexão a aprofundar, depois, na Assembleia geral ordinária, que terá lugar em outubro de
2015, bem como ao longo de todo o ano que medeia os dois eventos sinodais. “O reunir in
unum à volta do Bispo de Roma já é evento de graça, onde a colegialidade se manifesta num
caminho de discernimento espiritual e pastoral”: foi como o Papa Francisco descreveu a
experiência sinodal, indicando as suas tarefas na dupla escuta dos sinais de Deus e da
história dos homens, e na dupla e única fidelidade que daí deriva.
4. (4) À luz do mesmo discurso, recolhemos os resultados das nossas reflexões e dos nossos
diálogos nas três partes seguintes: a escuta, para olhar a realidade da família hoje, na
complexidade das suas luzes e das suas sombras; o olhar fixo em Cristo, para repensar com
renovada frescura e entusiasmo o que a revelação, transmitida na fé da Igreja, nos diz sobre
a beleza, a função e a dignidade da família; o confronto à luz do Senhor Jesus, para discernir
os caminhos com que renovar a Igreja e a sociedade no seu compromisso em favor da
família, fundada sobre o matrimónio entre homem e mulher.
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5. Conservando o precioso fruto da Assembleia precedente, o novo passo que nos espera parte
da escuta dos desafios sobre a família para dirigir o olhar para a sua vocação e missão na
Igreja e no mundo contemporâneo. A família, além de ser convidada a responder às
problemáticas atuais, é sobretudo chamada por Deus a tomar sempre uma nova consciência da
própria identidade missionária de Igreja doméstica, também ela “em saída”. Num mundo
muitas vezes marcado pela solidão e tristeza, o “Evangelho da família” é verdadeiramente
uma boa notícia.
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I PARTE
A ESCUTA DOS DESAFIOS SOBRE A FAMÍLIA
Capítulo I
A família e o contexto antropológico-cultural
O contexto sociocultural
6. (5) Fiéis ao ensinamento de Cristo, olhamos para a realidade da família de hoje em toda a
sua complexidade, nas suas luzes e nas suas sombras. Pensamos nos pais, nos avós, nos
irmãos e irmãs, nos parentes próximos e distantes, e na relação entre duas famílias que cada
matrimónio cria. A mudança antropológico-cultural influencia hoje todos os aspetos da vida
e exige uma abordagem analítica e diversificada. Sublinham-se em primeiro lugar os aspetos
positivos: a maior liberdade de expressão e o melhor reconhecimento dos direitos da mulher
e das crianças, pelo menos nalgumas regiões. Mas, por outro lado, há também a considerar o
crescente perigo representado por um individualismo exasperado, que desnatura os laços
familiares e acaba por considerar cada componente da família como uma ilha, fazendo
prevalecer, em certos casos, a ideia de um sujeito que se constrói segundo os próprios
desejos, tomados como um absoluto. A isso acrescente-se também a crise de fé, que atingiu
tantos católicos e que muitas vezes está na origem das crises do matrimónio e da família.
A mudança antropológica
7. Na sociedade hodierna constatam-se diferentes disposições. Só uma minoria vive, defende
e propõe a doutrina da Igreja Católica sobre o matrimónio e a família, vendo nela a bondade
do projeto criador de Deus. Os matrimónios, religiosos ou não, diminuem e cresce o número
de separações e de divórcios.
Vão-se difundindo o reconhecimento da dignidade de cada pessoa, homem, mulher e crianças,
e a tomada de consciência da importância das diferentes etnias e das minorias; estes últimos
aspetos – já difundidos em muitas sociedades, não só ocidentais – vão-se consolidando em
vários outros Países.
Constata-se, nos mais variados contextos culturais, o receio dos jovens de assumir
compromissos definitivos, como o de constituir uma família. Mais em geral, nota-se o
difundir-se de um individualismo extremo, que põe no centro a satisfação de desejos que não
levam à realização plena da pessoa.
O desenvolvimento da sociedade consumista separou sexualidade e procriação. Também esta
é uma das causas da crescente quebra de natalidade. Nalguns contextos, está ligada à pobreza
ou à impossibilidade de cuidar da prole; noutros, à dificuldade de querer assumir
responsabilidades e à ideia de os filhos poderem limitar a livre expansão de si mesmo.
As contradições culturais
8. Não são poucas as contradições culturais que incidem sobre a família. Esta continua a ser
imaginada como o porto seguro dos afetos mais íntimos e gratificantes, mas as tensões
provocadas por uma exacerbada cultura individualista da posse e do prazer geram, no seu
seio, dinâmicas de intolerância e agressividade por vezes incontroláveis. Pode-se acenar
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também a uma certa visão do feminismo, que considera a maternidade como pretexto para
explorar a mulher e um obstáculo à sua plena realização. Regista-se, depois, a crescente
tendência a conceber a geração de um filho como um instrumento de autoafirmação, a obter
por qualquer meio. Podem-se, por fim, recordar as teorias, segundo as quais a identidade
pessoal e a intimidade afetiva devem afirmar-se numa dimensão radicalmente desligada da
diversidade biológica entre homem e mulher.
Ao mesmo tempo, porém, pretende-se atribuir à estabilidade de um casal instituído,
independentemente da diferença sexual, a mesma titularidade da relação matrimonial
intrinsecamente ligada às funções paterna e materna, definidas a partir da biologia da geração.
A confusão não ajuda a definir a especificidade social dessas uniões, ao passo que atribui à
opção individualista a especial ligação entre diferença, geração e identidade humana. Impõese certamente um melhor aprofundamento humano e cultural, e não apenas biológico, da
diferença sexual, na consciência de que “a remoção da diferença [...] é o problema, não a
solução” (Francisco, Audiência geral, 15 de abril de 2015).
As contradições sociais
9. Acontecimentos traumáticos como os conflitos bélicos, o esgotamento dos recursos, os
processos migratórios, incidem cada vez mais na qualidade afetiva e espiritual da vida
familiar e são um risco para as relações no seio da família. As suas energias materiais e
espirituais são frequentemente levadas ao patamar da dissolução.
Há que falar também, em geral, das graves contradições criadas pelo peso de políticas
económicas irresponsáveis, bem como da insensibilidade de políticas sociais, inclusive nas
chamadas sociedades do bem-estar. De modo especial, os acrescidos encargos da manutenção
dos filhos, bem como o enorme agravamento das tarefas subsidiárias da assistência social dos
doentes e idosos, delegadas de facto às famílias, constituem um verdadeiro peso que
sobrecarrega a vida familiar.
Se se juntarem os efeitos de uma conjuntura económica desfavorável, de natureza bastante
ambígua, e o crescente fenómeno da acumulação de riqueza nas mãos de poucos e do desvio
de recursos que deveriam ser destinados ao projeto familiar, o quadro de empobrecimento da
família afigura-se ainda mais problemático. A dependência do álcool, das drogas ou do jogo
é, por vezes, expressão dessas contradições sociais e do mal-estar que daí advém para a vida
das famílias.
Fragilidade e força da família
10. A família, comunidade humana fundamental, mostra, hoje mais do que nunca,
precisamente através da sua crise cultural e social, quanto sofrimento provocam o seu
enfraquecimento e fragilidade. E quanta força pode ela encontrar, em si mesma, para fazer
face à insuficiência e à inação das instituições em relação à formação da pessoa, à qualidade
do vínculo social, ao cuidado das pessoas mais vulneráveis. Portanto, é extremamente
necessário valorizar de forma adequada a força da família, para poder apoiar as suas
fragilidades.
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Capítulo II
A família e o contexto socioeconómico
A família, bem insubstituível da sociedade
11. A família é ainda hoje, e será sempre, o pilar fundamental e irrenunciável do viver social.
Nela, de facto, convivem múltiplas diferenças, através das quais se estreitam relações, crescese no confronto e no mútuo acolhimento das gerações. Precisamente por isso, a família
representa um valor fundamental e uma riqueza insubstituível para o progresso harmonioso de
toda a sociedade humana, como afirma o Concílio: “A família é uma escola do mais rico
humanismo, [...] é o fundamento da sociedade” (GS 52). Nas relações familiares, conjugais,
filiais e fraternas, todos os membros da família criam laços sólidos e gratuitos, na concórdia e
no respeito mútuo, que permitem superar os riscos do isolamento e da solidão.
Políticas em favor da família
12. Sublinha-se que, sendo a família protagonista da edificação da cidade comum, e não uma
realidade privada, são necessárias políticas familiares adequadas, que a apoiem e promovam.
Além disso, sugere-se que se tenha presente a relação entre a assistência social e a ação
compensativa da família. Quanto às políticas familiares e aos sistemas de assistência social
que se revelam inadequados, dita ação compensativa redistribui recursos e funções para o bem
comum, contribuindo para reequilibrar os efeitos negativos da desigualdade social.
O desafio da solidão e da precariedade
13. (6) Uma das maiores pobrezas da cultura atual é a solidão, fruto da ausência de Deus na
vida das pessoas e da fragilidade das relações. Existe também uma sensação geral de
impotência em relação à realidade socioeconómica que, muitas vezes, acaba por esmagar as
famílias. Isso sucede pela crescente pobreza e precariedade do trabalho, por vezes vivida
como um verdadeiro pesadelo, ou por uma fiscalidade demasiado pesada, que certamente
não encoraja os jovens ao matrimónio. Não raramente, as famílias sentem-se abandonadas
pelo desinteresse e a pouca atenção por parte das instituições. As consequências negativas do
ponto de vista da organização social são evidentes: da crise demográfica às dificuldades
educativas, da fadiga de acolher a vida nascente ao sentir a presença dos anciãos como um
peso, até à difusão de um mal-estar afetivo, que, por vezes, termina em violência. É
responsabilidade do Estado criar as condições legislativas e de trabalho, para garantir o
futuro dos jovens e ajudá-los a realizar o seu projeto de fundar uma família.
O desafio económico
14. A vida familiar concreta está estreitamente ligada à realidade económica. Muitos
observam que, nos nossos dias, a família pode facilmente ser afetada por múltiplas
vulnerabilidades. Do ponto de vista da economia, os problemas mais relevantes são os
relacionados com salários insuficientes, desemprego, insegurança económica, falta de um
trabalho digno e de segurança no lugar de trabalho, tráfico de seres humanos e escravatura.
Na família reflete-se de modo particularmente agudo o efeito da insuficiência económica, que
a impede de crescer: falta uma casa própria, não se geram filhos, os que existem têm
dificuldades em estudar e tornar-se independentes, é-lhes negada a serena projeção do futuro.
Para superar tal situação, impõe-se uma mudança estrutural de perspetiva da parte de toda a
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sociedade, como nos recorda o Papa: “O crescimento equitativo exige algo mais do que o
crescimento económico, embora o pressuponha; requer decisões, programas, mecanismos e
processos especificamente orientados para uma melhor distribuição dos rendimentos, para a
criação de oportunidades de trabalho, para uma promoção integral dos pobres que supere o
mero assistencialismo” (EG 204). Uma renovada solidariedade intergeracional começa pela
atenção aos pobres do presente, antes dos pobres do futuro, tendo em especial consideração as
necessidades das famílias.
O desafio da pobreza e a exclusão social
15. Um desafio de especial relevância vem dos grupos sociais, por vezes bastante numerosos,
caracterizados por situações de pobreza, não só económica mas, muitas vezes, também
cultural, capazes de impedir a realização de um projeto de vida familiar adequado à dignidade
da pessoa. Há também que reconhecer que, apesar das enormes dificuldades, muitas famílias
pobres procuram viver com dignidade o seu quotidiano, confiando em Deus, que não desilude
nem abandona.
Também foi observado que o atual sistema económico produz diversas formas de exclusão
social. São várias as categorias de pessoas que se sentem excluídas. Uma característica
comum é que, muitas vezes, os “excluídos” são “invisíveis” aos olhos da sociedade. A cultura
dominante, os meios de comunicação social, as maiores instituições não raramente
contribuem para manter – ou mesmo piorar – essa “invisibilidade” sistemática. A propósito, o
Papa Francisco questiona-se: “Porque […] nos habituamos a ver como se destrói o trabalho
digno, se despejam tantas famílias, se afastam os camponeses, se faz guerra e se abusa da
natureza?”. E responde: “Porque neste sistema o homem, a pessoa humana foi deslocada do
centro e substituída por outra coisa. Porque se presta um culto idolátrico ao dinheiro. Porque
se globalizou a indiferença!” (Discurso aos participantes no Encontro mundial dos
Movimentos populares, 28 de outubro de 2014).
A exclusão social enfraquece a família e torna-se uma séria ameaça para a dignidade dos seus
membros. Deveras preocupante é a condição dos filhos, que são como se a priori fossem
punidos por causa da exclusão e, muitas vezes, tragicamente marcados para sempre por
privações e sofrimentos. São verdadeiros “órfãos sociais”.
O desafio ecológico
16. Do ponto de vista da ecologia, os problemas realçados derivam do acesso insuficiente à
água por parte de muitas populações, da degradação ambiental, da fome e má nutrição, dos
terrenos não cultivados ou devastados, da cultura do “usa e deita fora”. As situações descritas
incidem, muitas vezes de forma pesada, nas dinâmicas da vida familiar e na sua serenidade.
Por essas razões, também graças ao impulso do Papa Francisco, a Igreja deseja e colabora
para que haja um profundo repensar da orientação do sistema mundial, através de uma cultura
ecológica capaz de elaborar um pensamento, uma política, um programa educativo, um estilo
de vida e uma espiritualidade. Uma vez que tudo está intimamente ligado, há que aprofundar
os aspetos de uma “ecologia integral”, que inclua não apenas as dimensões ambientais, mas
também as humanas, sociais e económicas, para o progresso sustentável e a salvaguarda da
criação.
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Capítulo III
Família e inclusão
A terceira idade
17. Muitos põem em evidência a condição das pessoas em idade avançada no seio das
famílias. Nas sociedades evoluídas, o número dos idosos tende a aumentar, ao passo que
diminui a natalidade. A riqueza que eles representam nem sempre é adequadamente
valorizada. Como recordou o Papa Francisco: “O número dos idosos multiplicou-se, mas as
nossas sociedades não se organizaram suficientemente para lhes deixar espaço, com o justo
respeito e a concreta consideração pela sua fragilidade e a sua dignidade. Enquanto somos
jovens, somos levados a ignorar a velhice, como se fosse uma enfermidade, da qual nos
devemos manter à distância; depois, quando envelhecemos, especialmente se somos pobres,
doentes e sós, experimentamos as lacunas de uma sociedade programada sobre a eficácia que,
consequentemente, ignora os idosos. Mas os idosos são uma riqueza, não podem ser
ignorados” (Audiência geral, 4 de março de 2015).
18. Especial atenção requer a condição dos avós na família. São o anel de ligação entre as
gerações, assegurando a transmissão de tradições e usos, onde os mais novos podem descobrir
as próprias raízes. Além disso, garantem, de forma discreta e gratuita, um precioso apoio
económico aos jovens casais e tomam conta dos netos, transmitindo-lhes também a sua fé.
Muitas pessoas, sobretudo nos nossos dias, podem reconhecer que é precisamente aos avós
que devem a sua iniciação à vida cristã. Isso testemunha como, no seio da família, com o
suceder-se das gerações, se comunica e se conserva a fé, tornando-se uma herança
insubstituível para os novos núcleos familiares. Aos idosos é devido, portanto, um sincero
tributo de gratidão, apreço e hospitalidade da parte dos jovens, das famílias e da sociedade.
O desafio da viuvez
19. A viuvez é uma experiência bastante difícil para quem viveu a opção matrimonial e a vida
familiar como dom no Senhor. Apresenta, porém, ao olhar da fé também algumas
possibilidades que devem ser valorizadas. Assim, por exemplo, no momento em que se
encontram a viver essa dolorosa experiência, alguns mostram que sabem canalizar as próprias
energias ainda com maior dedicação para os filhos e netos, encontrando nessa experiência de
amor uma nova missão educadora. O vazio deixado pelo cônjuge falecido é, de certa forma,
preenchido pelo afeto dos familiares que valorizam as pessoas viúvas, permitindo-lhes
conservar assim a preciosa memória do próprio matrimónio. Ao contrário, os que não podem
contar com a presença de familiares a quem dedicar-se e de quem receber afeto e
proximidade, devem ser apoiados pela comunidade cristã com especial atenção e
disponibilidade, sobretudo se se encontram em condições de necessidade.
A última fase da vida e o luto em família
20. As pessoas em idade avançada têm consciência de estar na última fase da existência. A
sua condição repercute-se em toda a vida familiar. O confrontar-se com a doença, que, muitas
vezes, acompanha o prolongar-se da velhice e, sobretudo, o enfrentar a morte, que se vê
próxima e é vivenciada na perda das pessoas mais queridas (o cônjuge, os familiares, os
amigos), constituem os aspetos críticos dessa idade, que levam a pessoa e toda a família a
redefinir o próprio equilíbrio.
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A valorização da fase conclusiva da vida é hoje tanto mais necessária, quanto, ao menos nos
Países ricos, se procura de todas as formas afastar o momento da passagem. Perante uma
visão negativa desse período – que considera apenas os aspetos do declínio e da progressiva
perda de capacidade, autonomias e afetos –, podem enfrentar-se os últimos anos valorizando o
sentido da finalização e integração de toda a existência. É também possível descobrir uma
nova declinação generativa com a entrega de uma herança, sobretudo moral, às novas
gerações. A dimensão da espiritualidade e da transcendência, unida à proximidade dos
membros da família, constituem recursos essenciais para que também a velhice possa estar
imbuída de um sentido de dignidade e de esperança.
Especial cuidado requerem também as famílias que passam pela experiência do luto. Quando
se perdem crianças e jovens, o impacto sobre a família é particularmente dilacerante.
O desafio da deficiência
21. É preciso dedicar uma atenção especial às famílias das pessoas com deficiência que,
surgindo de improviso na vida, gera um desafio, profundo e inesperado, e rompe os
equilíbrios, os desejos e as expetativas. Tal situação provoca emoções contrastantes, que
devem ser geridas e elaboradas, impondo, ao mesmo tempo, tarefas, urgências e necessidades
novas, funções e responsabilidades diferentes. A imagem da família e todo o seu ciclo vital
são profundamente alterados. Contudo, a família poderá descobrir, juntamente com a
comunidade cristã a que pertence, diversas capacidades, competências imprevistas, novos
gestos e linguagens, formas de compreensão e de identidade, no longo e difícil caminho de
acolhimento e exercício do mistério da fragilidade.
22. Semelhante processo, já por si extremamente complexo, torna-se ainda mais árduo nas
sociedades em que sobrevivem formas impiedosas de estigma e preconceito, que impedem o
encontro fecundo com a deficiência e o emergir da solidariedade e do acompanhamento
comunitário; um encontro que, na realidade, pode constituir, para cada um e para toda a
comunidade, uma ocasião preciosa de crescimento na justiça, no amor e na defesa do valor de
cada vida humana, a partir do reconhecimento de um profundo sentido de comunhão na
vulnerabilidade. Deseja-se que, numa comunidade realmente acolhedora, a família e a pessoa
com necessidades especiais não se sintam sós e descartadas, mas se lhes permita encontrar
alívio e apoio, nomeadamente quando as energias e os recursos familiares venham a faltar.
23. A este propósito, tenha-se presente o desafio do chamado “depois de nós”: entendemos as
situações familiares de pobreza e solidão, ou o recente fenómeno de, nas sociedades
economicamente mais evoluídas, uma maior longevidade permitir às pessoas portadoras de
necessidades especiais sobreviver, com grande probabilidade, aos próprios pais. Se a família
conseguir aceitar com olhar de fé a presença no seu seio de pessoas com deficiência, poderá
também ela ajudá-las a não viver essa sua necessidade apenas como um limite e a descobrir
nela o seu valor diferente e original. Poderá ser assim garantida, defendida e valorizada a
qualidade possível de cada vida, individual e familiar, com as suas necessidades, com o seu
direito a iguais dignidade e oportunidade, a serviços e cuidados, a companhia e afetividade, a
espiritualidade, beleza e plenitude de sentido, em todas as fases da vida, desde a conceção ao
envelhecimento e fim natural.
O desafio das migrações
24. Muitos se mostram preocupados com o impacto que tem sobre a família o fenómeno
migratório, que envolve, em modalidades diferentes, populações inteiras em diversas partes
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do mundo. O acompanhamento dos migrantes exige uma pastoral específica, dirigida às
famílias em migração, mas também aos membros dos núcleos familiares que ficaram nos
lugares de origem; isso deve ser concretizado no respeito das suas culturas, da formação
religiosa e humana donde provêm. Hoje, o fenómeno migratório provoca feridas trágicas em
massas de indivíduos e famílias “em excesso”, em diversas populações e territórios, que
legitimamente procuram um futuro melhor, um “novo nascimento” quando, onde nasceram,
não é possível viver.
25. As diversas situações de guerra, perseguição, pobreza, desigualdade, que geralmente são a
causa da migração, aliadas às peripécias de uma viagem, que, muitas vezes, põe em risco a
própria vida, marcam de forma traumática os indivíduos e os seus sistemas familiares. No
processo migratório, de facto, as famílias dos migrantes encontram-se inevitavelmente
dilaceradas por múltiplas experiências de abandono e divisão: em muitos casos, o corpo
familiar é dramaticamente desmembrado entre os que partem para abrir caminho e os que
ficam à espera de um regresso ou de um reajuntamento. Os que partem encontram-se
afastados da própria terra e cultura, da própria língua, dos laços com a família alargada e com
a comunidade, do passado e do tradicional evoluir do próprio percurso de vida.
26. O encontro com um novo País e com uma nova cultura torna-se ainda mais difícil quando
não existem condições de autêntico acolhimento e aceitação, no respeito dos direitos de todos
e de uma convivência pacífica e solidária. A sensação de estar fora do seu País, a saudade das
origens perdidas e as dificuldades de uma autêntica integração – que passa através da criação
de novos laços e do projeto de uma vida que ligue passado e presente, culturas e geografias,
línguas e mentalidades diferentes – mostram-se hoje, em muitos contextos, ainda não
superadas e denotam novos sofrimentos, inclusive na segunda e terceira geração de famílias
migrantes, alimentando fenómenos de fundamentalismo e de recusa violenta da cultura de
acolhimento.
Uma ajuda preciosa para superar tais dificuldades vem precisamente do encontro de famílias,
e um papel determinante nos processos de integração têm-no muitas vezes as mães, através da
partilha da experiência de crescimento dos próprios filhos.
27. As experiências migratórias tornam-se também particularmente dramáticas e
devastadoras, para as famílias e os indivíduos, quando feitas à margem da legalidade, quando
promovidas por circuitos internacionais de tráfico de seres humanos, quando envolvem
crianças não acompanhadas, quando obrigam a permanências prolongadas em lugares
intermédios entre um País e outro, entre o passado e o futuro, e a estadias em campos de
refugiados ou centros de acolhimento, onde não é possível iniciar um percurso de
enraizamento nem delinear um novo futuro.
Alguns desafios especiais
28. (7) Há contextos culturais e religiosos que apresentam desafios particulares. Nalgumas
sociedades, ainda está em vigor a prática da poligamia e, nalguns contextos tradicionais, o
costume do “matrimónio por etapas”. Noutros contextos, mantém-se a prática dos
matrimónios combinados. Nos Países onde a presença da Igreja Católica é minoritária, são
numerosos os matrimónios mistos e com disparidade de culto, com todas as dificuldades que
comportam, em termos de configuração jurídica, de batismo e de educação dos filhos e no
respeito recíproco do ponto de vista da diversidade da fé. Nestes matrimónios, pode correr-se
o perigo do relativismo ou da indiferença, mas também pode existir a possibilidade de
favorecer o espírito ecuménico e o diálogo inter-religioso, numa harmoniosa convivência de
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comunidades que vivem no mesmo lugar. Em muitos contextos, não só ocidentais, vai-se
difundindo amplamente a prática da convivência antes do matrimónio ou mesmo de
convivências não orientadas para assumir a forma de um vínculo institucional. A isso juntase frequentemente uma legislação civil que compromete o matrimónio e a família. Devido à
secularização, em muitas partes do mundo a referência a Deus diminuiu fortemente e a fé
deixou de ser partilhada a nível social.
A família e as crianças
29. (8) São muitas as crianças que nascem fora do matrimónio, sobretudo nalguns Países, e
muitas as que, depois, crescem só com um dos pais ou num contexto familiar alargado ou
reconstituído. O número dos divórcios cresce e não é raro o caso de escolhas feitas
unicamente por fatores de ordem económica. As crianças são muitas vezes objeto de disputa
entre os pais e os filhos são as verdadeiras vítimas das separações familiares. Os pais estão
muitas vezes ausentes, não só por razões económicas, onde ao contrário se sente a
necessidade de que eles assumam mais claramente a responsabilidade dos filhos e da família.
A dignidade da mulher precisa ainda de ser defendida e promovida. De facto, hoje, em muitos
contextos, o ser mulher é alvo de discriminação, e até o dom da maternidade é muitas vezes
penalizado, em vez de ser apresentado como um valor. Não se devem esquecer também os
crescentes fenómenos de violência, de que as mulheres são vítimas, muitas vezes e,
infelizmente, também no seio das famílias, e a grave e difusa mutilação genital da mulher
nalgumas culturas. A exploração sexual da infância constitui, outrossim, uma das realidades
mais escandalosas e perversas da sociedade atual. Também as sociedades atravessadas pela
violência resultante da guerra, do terrorismo ou da presença da criminalidade organizada
conhecem situações familiares deterioradas e, sobretudo nas grandes metrópoles e suas
periferias, cresce o chamado fenómeno dos meninos da rua. E as migrações são um outro
sinal dos tempos, que se deve enfrentar e compreender, com todo o peso de consequências
sobre a vida familiar.
O papel das mulheres
30. De várias partes assinalou-se que os processos de emancipação da mulher puseram em
grande evidência o seu papel determinante no crescimento da família e da sociedade. Porém, é
verdade que a condição feminina no mundo está sujeita a grandes diferenças resultantes
sobretudo de fatores culturais. Não se pode pensar que situações problemáticas se resolvam
simplesmente com o fim da emergência económica e o advento de uma cultura moderna,
como provam as difíceis condições das mulheres em diversos Países de desenvolvimento
recente.
Nos Países ocidentais, a emancipação da mulher requer um repensar das funções dos cônjuges
na sua reciprocidade e na comum responsabilidade pela vida familiar. Nos Países em vias de
desenvolvimento, à exploração e violência praticadas sobre o corpo das mulheres e ao
trabalho que se lhes impõe também durante a gravidez, acrescentam-se muitas vezes abortos e
esterilizações forçadas, bem como as consequências extremamente negativas de práticas
ligadas à procriação (por exemplo, aluguer do útero ou mercado dos gâmetas embrionários).
Nos Países avançados, o desejo do filho “a todo o custo” não levou a relações familiares mais
felizes e sólidas, mas em muitos casos agravou de facto a desigualdade entre mulheres e
homens. A esterilidade da mulher representa, segundo os preconceitos presentes em várias
culturas, uma condição socialmente discriminatória.
Pode contribuir para o reconhecimento do papel determinante das mulheres uma maior
valorização da sua responsabilidade na Igreja: a sua intervenção nos processos de decisão; a
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sua participação, não só formal, no governo de algumas instituições; o seu envolvimento na
formação dos ministros ordenados.
Capítulo IV
Família, afetividade e vida
A importância da vida afetiva
31. (9) Neste quadro social que foi delineado, encontra-se em muitas partes do mundo, nos
indivíduos, uma maior necessidade de cuidar da própria pessoa, de se conhecer
interiormente, de viver melhor em sintonia com as próprias emoções e os próprios
sentimentos, de procurar relações afetivas de qualidade; essa justa aspiração pode abrir ao
desejo de se empenhar na construção de relações de doação e reciprocidade criativas,
responsabilizadoras e solidárias como as familiares. O perigo individualista e o risco de
viver em chave egoística são relevantes. O desafio que se põe à Igreja é ajudar os casais no
amadurecimento da dimensão emocional e no desenvolvimento afetivo, através da promoção
do diálogo, da virtude e da confiança no amor misericordioso de Deus. O compromisso total,
que o matrimónio cristão exige, pode ser um forte antídoto à tentação de um individualismo
egoísta.
A formação da afetividade
32. Pede-se que as famílias se sintam diretamente responsáveis pela formação afetiva das
jovens gerações. A velocidade com que se dão as mudanças da sociedade contemporânea
torna mais difícil o acompanhamento na formação da afetividade para o amadurecimento de
toda a pessoa. Isso requer também agentes pastorais devidamente formados, não só com um
conhecimento profundo das Escrituras e da doutrina católica, mas também dotados de
adequados instrumentos pedagógicos, psicológicos e médicos. Um conhecimento da
psicologia da família ajudará a transmitir com eficácia a visão cristã: tal esforço educativo
deve começar já na catequese da iniciação cristã.
Fragilidade e imaturidade afetivas
33. (10) No mundo atual, não faltam tendências culturais que parecem impor uma afetividade
sem limites, de que se querem explorar todos os meandros, mesmo os mais complexos. De
facto, a questão da fragilidade afetiva é de grande atualidade: uma afetividade narcisista,
instável e mutável, que nem sempre ajuda os sujeitos a alcançar uma maior maturidade. É
preocupante uma certa difusão da pornografia e da comercialização do corpo, favorecida
por um uso distorcido da internet, e há que denunciar a situação das pessoas que são
obrigadas a praticar a prostituição. Neste contexto, os casais ficam, por vezes, incertos,
hesitantes, e a custo encontram os modos para crescer. São muitos os que tendem a ficar nas
fases primárias da vida emocional e sexual. A crise do casal desestabiliza a família e pode
acarretar, através das separações e dos divórcios, sérias consequências para os adultos, os
filhos e a sociedade, enfraquecendo o indivíduo e os laços sociais. Também a quebra
demográfica, resultante de uma mentalidade anti-natalista e promovida pelas políticas
mundiais de saúde reprodutiva, não só determina uma situação, em que o revezar das
gerações já não é assegurado, mas corre o risco de levar, com o tempo, a um
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empobrecimento económico e a uma perda de esperança no futuro. O progresso das
biotecnologias teve também um forte impacto sobre a natalidade.
O desafio bioético
34. De várias partes se sublinha que a chamada revolução biotecnológica no campo da
procriação humana introduziu a possibilidade técnica de manipular o ato gerador, tornando-o
independente da relação sexual entre homem e mulher. Assim, a vida humana e a
genitorialidade tornaram-se realidades componíveis e decomponíveis, sujeitas
predominantemente aos desejos do indivíduo ou de casais, não necessariamente
heterossexuais e regularmente casados. Tal fenómeno apareceu nos últimos tempos como uma
novidade absoluta na cena da humanidade, e está a ter uma difusão cada vez maior. Tudo isso
tem profunda repercussão na dinâmica das relações, na estrutura da vida social e nos
ordenamentos jurídicos, que intervêm para procurar regulamentar práticas já em ato e
situações diferenciadas.
O desafio para a pastoral
35. (11) Neste contexto, a Igreja sente a necessidade de dizer uma palavra de verdade e de
esperança. Há que partir da convicção de que o homem vem de Deus e que, portanto, uma
reflexão capaz de repropor as grandes interrogações sobre o significado do ser homem pode
encontrar um terreno fértil nas expetativas mais profundas da humanidade. Os grandes
valores do matrimónio e da família cristã correspondem à procura que atravessa a existência
humana, mesmo num tempo marcado pelo individualismo e pelo hedonismo. Há que acolher
as pessoas com a sua existência concreta, saber apoiar essa procura, encorajar o desejo de
Deus e a vontade de sentir-se plenamente parte da Igreja, também em quem fez experiência
do fracasso ou se encontra nas situações mais diversificadas. A mensagem cristã traz sempre
em si a realidade e a dinâmica da misericórdia e da verdade, que em Cristo convergem.
36. Na formação para a vida conjugal familiar, os agentes pastorais deverão ter presente a
pluralidade das situações concretas. Se, por um lado, há que promover realidades que
assegurem a formação dos jovens para o matrimónio, por outro, há que acompanhar os que
vivem sem constituir um novo núcleo familiar, muitas vezes permanecendo ligados à família
de origem. Também os casais que não podem ter filhos devem ser objeto de uma especial
atenção pastoral da parte da Igreja, que os ajude a descobrir o plano de Deus sobre a sua
situação, ao serviço de toda a comunidade.
Há uma ampla solicitação de que seja esclarecido que com a categoria de "afastados" não
deve ser entendida uma realidade de excluídos ou de afastados: são pessoas que Deus ama e
que são alvo da ação pastoral da Igreja. Deve haver para todos um olhar de compreensão,
tendo presente que as situações de afastamento da vida eclesial nem sempre são desejadas;
muitas vezes a elas se é levado e às vezes são até suportadas por causa de comportamentos de
terceiros.
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II PARTE
O DISCERNIMENTO DA VOCAÇÃO FAMILIAR
Capítulo I
Família e pedagogia divina
O olhar para Jesus e a pedagogia divina na história da salvação
37. (12) Para “verificar o nosso passo no terreno dos desafios contemporâneos, a condição
decisiva é manter o olhar fixo em Jesus Cristo, deter-se na contemplação e adoração do seu
rosto [...]. Na verdade, todas as vezes que voltamos à fonte da experiência cristã, abrem-se
novas estradas e possibilidades inimagináveis” (Papa Francisco, Discurso por ocasião da
Vigília de oração em preparação para o Sínodo sobre a família, 4 de outubro de 2014). Jesus
olhou com amor e ternura para os homens e mulheres que encontrou, acompanhando os seus
passos com verdade, paciência e misericórdia, ao anunciar as exigências do Reino de Deus.
A Palavra de Deus em família
38. Olhar para Cristo significa, antes de mais, pôr-se à escuta da sua Palavra: a leitura da
Sagrada Escritura, não só nas comunidades, mas também nas casas, permite evidenciar a
centralidade do casal e da família no projeto de Deus, e leva a reconhecer como Deus entra no
concreto da vida familiar, tornando-a mais bela e vital.
Não obstante as diversas iniciativas, ainda se encontra nas famílias católicas a falta de um
contato mais direto com a Bíblia. Na pastoral da família há que evidenciar sempre o valor
central do encontro com Cristo, que emerge naturalmente quando se está radicado na Sagrada
Escritura. Assim, recomenda-se sobretudo que nas famílias se encoraje uma relação vital com
a Palavra de Deus, capaz de orientar para um verdadeiro encontro pessoal com Jesus Cristo.
Como modalidade de aproximação às Escrituras aconselha-se a “lectio divina”, que representa
uma leitura orante da Palavra de Deus e uma fonte de inspiração para o agir quotidiano.
A pedagogia divina
39. (13) Dado que a ordem da criação é determinada pela orientação a Cristo, é necessário
distinguir, sem os separar, os diversos gaus, através dos quais Deus comunica à humanidade
a graça da aliança. Em razão da pedagogia divina, segundo a qual a ordem da criação
evolui para a da redenção por etapas sucessivas, há que compreender a novidade do
sacramento nupcial cristão em continuidade com o matrimónio natural das origens. Entendese, portanto, aqui o modo de agir salvífico de Deus, tanto na criação como na vida cristã. Na
criação: porque tudo foi feito por meio de Cristo e em vista d’Ele (cf. Col 1,16), os cristãos
têm “a alegria de descobrir e estão prontos a respeitar as sementes do Verbo que aí se
encontram escondidas; devem seguir atentamente a transformação profunda que se verifica
entre os povos” (AG 11). Na vida cristã: enquanto, com o batismo, o crente é inserido na
Igreja mediante a Igreja doméstica, que é a sua família, realiza o “processo dinâmico, que
avança gradualmente com a progressiva integração dos dons de Deus” (FC 9), mediante a
constante conversão ao amor, que salva do pecado e dá plenitude de vida.
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Matrimónio natural e plenitude sacramental
40. Tendo presente que as realidades naturais devem ser compreendidas à luz da graça, não se
pode esquecer que a ordem da redenção ilumina e realiza a da criação. O matrimónio natural,
portanto, compreende-se plenamente à luz da sua realização sacramental; só fixando o olhar
em Cristo se conhece em plenitude a verdade das relações humanas. “Na realidade, o mistério
do homem só se esclarece verdadeiramente no mistério do Verbo Incarnado. […] Cristo, novo
Adão, na mesma revelação do mistério do Pai e do seu amor, manifesta perfeitamente o
homem ao próprio homem e descobre-lhe a dignidade da sua vocação” (GS 22). Em tal
perspetiva, é particularmente oportuno compreender em chave cristocêntrica as propriedades
naturais do matrimónio, que são ricas e múltiplas.
Jesus e a família
41. (14) O próprio Jesus, referindo-se ao plano primigénio sobre o casal humano, reafirma a
união indissolúvel entre o homem e a mulher, embora dizendo que “pela dureza do vosso
coração Moisés permitiu-vos repudiar as vossas mulheres, mas no princípio não era assim”
(Mt 19,8). A indissolubilidade do matrimónio (“Não separe, portanto, o homem o que Deus
uniu” Mt 19,6) não deve ser entendida antes de mais como “jugo” imposto aos homens, mas
como um “dom” feito às pessoas unidas em matrimónio. Dessa maneira, Jesus mostra como
a condescendência divina acompanha sempre o caminho humano, cura e transforma o
coração endurecido com a sua graça, orientando-o para o seu princípio, através do caminho
da cruz. Dos Evangelhos emerge claramente o exemplo de Jesus, que é paradigmático para a
Igreja. Jesus, de facto, assumiu uma família, deu início aos sinais na festa nupcial de Caná,
anunciou a mensagem sobre o significado do matrimónio como plenitude da revelação que
recupera o projeto originário de Deus (Mt 19,3). Mas, ao mesmo tempo, pôs em prática a
doutrina ensinada, manifestando assim o verdadeiro significado da misericórdia. É o que
aparece claramente nos encontros com a samaritana (Jo 4,1-30) e com a adúltera (Jo 8,111), em que Jesus, com uma atitude de amor para com a pessoa pecadora, leva ao
arrependimento e à conversão (“vai e não voltes a pecar”), condição para o perdão.
A indissolubilidade, dom e tarefa
42. O testemunho de casais que vivem em plenitude o matrimónio cristão destaca o valor
desta união indissolúvel e suscita o desejo de realizar sempre novos caminhos de fidelidade
conjugal. A indissolubilidade representa a resposta do homem ao desejo profundo de amor
recíproco e duradouro: um amor “para sempre”, que se torna escolha e dom de si, de cada um
dos cônjuges entre si, do casal em relação ao próprio Deus e aos que Deus lhes confia. Nessa
perspetiva, é importante celebrar na comunidade cristã os aniversários de matrimónio para
recordar que em Cristo é possível e belo viver juntos para sempre.
O Evangelho da família oferece um ideal de vida que deve ter em conta a sensibilidade do
nosso tempo e as reais dificuldades em manter os compromissos para sempre. Requer-se aqui
um anúncio que dê esperança e que não esmague: cada família saiba que a Igreja nunca a
abandona, em virtude do “vínculo indissolúvel da história de Cristo e da Igreja com a história
do matrimónio e da família humana” (Papa Francisco, Audiência geral, 6 de maio de 2015).
O estilo da vida familiar
43. Emerge de várias partes o convite a promover uma moral da graça que leve a descobrir e a
florescer a beleza das virtudes próprias da vida matrimonial, entre as quais: respeito e
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confiança recíprocos, acolhimento e gratidão mútuos, paciência e perdão. Na porta de entrada
da vida da família – afirma o Papa Francisco – “estão escritas três palavras […]: ‘com
licença’, ‘obrigado’, ‘desculpa’. Estas palavras abrem realmente o caminho para viver bem na
família, para viver em paz. Trata-se de palavras simples, mas não tão fáceis de pôr em prática!
Elas encerram em si uma grande força: o vigor de proteger o lar, até no meio de inúmeras
dificuldades e provações; ao contrário, a sua falta gradualmente abre fendas, que até o podem
fazer ruir” (Francisco, Audiência geral, 13 de maio de 2015). Em suma, o sacramento do
matrimónio abre um dinamismo que inclui e sustém os tempos e as provas do amor, que
exigem um gradual amadurecimento alimentado pela graça.
A família no plano salvífico de Deus
44. (15) As palavras de vida eterna que Jesus deixou aos seus discípulos incluíam o
ensinamento sobre o matrimónio e a família. Esse ensinamento de Jesus permite distinguir,
em três etapas fundamentais, o projeto de Deus sobre o matrimónio e a família. No início, há
a família das origens, quando Deus criador instituiu o matrimónio primordial entre Adão e
Eva, como sólido fundamento da família. Deus não só criou o ser humano homem e mulher
(Gen 1,27), mas também os abençoou para que fossem fecundos e se multiplicassem (Gen
1,28). Por isso, “o homem deixará o seu pai e a sua mãe e se unirá à sua mulher, e os dois
serão uma só carne” (Gen 2,24). Esta união foi danificada pelo pecado e tornou-se a forma
histórica de matrimónio no Povo de Deus, a quem Moisés concedeu a possibilidade de passar
um atestado de divórcio (cf. Dt 24, 1ss). Era a forma que prevalecia nos tempos de Jesus.
Com a sua vinda e a reconciliação do mundo decaído graças à redenção por Ele operada,
terminou a era inaugurada com Moisés.
União e fecundidade dos cônjuges
45. Foi afirmado que a valorização do ensinamento contido na Sagrada Escritura poderá servir
de ajuda para mostrar como, desde o Génesis, Deus imprimiu no casal a própria imagem e
semelhança. Nesta linha, o Papa Francisco recordou que “não apenas o homem em si mesmo
é imagem de Deus, não só a mulher em si mesma é imagem de Deus, mas também o homem e
a mulher, como casal, são imagem de Deus. A diferença entre homem e mulher não é para a
contraposição, nem para a subordinação, mas para a comunhão e a geração, sempre à imagem
e semelhança de Deus” (Audiência geral, 15 de abril de 2015). Alguns evidenciam que no
plano da criação está inscrita a complementaridade do carácter unitivo do matrimónio com o
procriador: o unitivo, fruto de um livre consenso consciente e meditado, predispõe à atuação
do procriador. Além disso, a ação geradora deve ser compreendida na ótica da procriação
responsável e, a nível de projeto, do compromisso de cuidar dos filhos com fidelidade.
A família, imagem da Trindade
46. (16) Jesus, que reconciliou todas as coisas em Si, levou o matrimónio e a família à sua
forma original (cf. Mc 10,1-12). A família e o matrimónio foram remidos por Cristo (cf. Ef
5,21-32), restaurados à imagem da Santíssima Trindade, mistério donde provém todo o
verdadeiro amor. A aliança esponsal, inaugurada na criação e revelada na história da
salvação, recebe a plena revelação do seu significado em Cristo e na sua Igreja. De Cristo,
através da Igreja, o matrimónio e a família recebem a graça necessária para testemunhar o
amor de Deus e viver a vida de comunhão. O Evangelho da família atravessa a história do
mundo, desde a criação do homem à imagem e semelhança de Deus (cf. Gen 1, 26-27) até à
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realização do mistério da Aliança em Cristo no fim dos séculos com as núpcias do Cordeiro
(cf. Ap 19,9; São João Paulo II, Catequeses sobre o amor humano).
Capítulo II
Família e vida da Igreja
A família nos documentos da Igreja
47. (17) “Com o decorrer dos séculos, a Igreja não deixou faltar o seu constante ensinamento
sobre matrimónio e família. Uma das expressões mais altas deste Magistério foi proposta
pelo Concílio Ecuménico Vaticano II, na Constituição pastoral Gaudium et spes, que dedica
um capítulo inteiro à promoção da dignidade do matrimónio e da família (cf. GS 47-52). Ele
definiu o matrimónio como comunidade de vida e de amor (cf. GS 48), colocando o amor no
centro da família, mostrando, ao mesmo tempo, a verdade deste amor face às diversas formas
de reducionismo presentes na cultura contemporânea. O ‘verdadeiro amor entre marido e
esposa’ (GS 49) implica a doação recíproca de si, inclui e integra a dimensão sexual e a
afetividade, correspondendo ao desígnio divino (cf. GS 48-49). Além disso, a Gaudium et
spes, no número 48, frisa a radicação dos esposos em Cristo: Cristo Senhor ‘vem ao encontro
dos cônjuges cristãos no sacramento do matrimónio’, e com eles permanece. Na encarnação,
Ele assume o amor humano, purifica-o, leva-o à plenitude, e doa aos esposos, com o seu
Espírito, a capacidade de o viver, permeando toda a sua vida de fé, esperança e caridade.
Deste modo os esposos são como que consagrados e, mediante uma graça própria, edificam o
Corpo de Cristo e constituem uma Igreja doméstica (cf. LG 11), de modo que a Igreja, para
compreender plenamente o seu mistério, olha para a família cristã, que o manifesta de modo
genuíno” (IL 4).
A dimensão missionária da família
48. À luz do ensinamento do Concílio e do Magistério pós-conciliar, sugere-se que se
aprofunde a dimensão missionária da família como Igreja doméstica, que se radica no
sacramento do Batismo e se realiza exercendo a própria ministerialidade no seio da
comunidade cristã. A família é por sua natureza missionária e aumenta a sua fé no ato de a
transmitir aos outros. Para realizar percursos que valorizem o papel missionário que lhes foi
confiado, é urgente que as famílias cristãs redescubram o chamamento a testemunhar o
Evangelho com a vida sem esconder aquilo em que creem. O próprio facto de viver a
comunhão familiar é uma forma de anúncio missionário. Deste ponto de vista, há que
promover a família como sujeito da ação pastoral mediante algumas formas de testemunho,
entre as quais: a solidariedade com os pobres, a abertura à diversidade das pessoas, a
salvaguarda da criação, o compromisso na promoção do bem comum a partir do território
onde vive.
A família, caminho da Igreja
49. (18) “Em continuidade com o Concílio Vaticano II, o Magistério pontifício aprofundou a
doutrina sobre o matrimónio e sobre a família. Em particular o Beato Paulo VI, com a
Encíclica Humanae vitae, evidenciou o vínculo íntimo entre amor conjugal e geração da vida.
São João Paulo II dedicou à família uma atenção especial através das suas catequeses sobre
o amor humano, da Carta às famílias (Gratissimam sane) e sobretudo com a Exortação
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Apostólica Familiaris consortio. Nestes documentos, o Pontífice definiu a família ‘caminho da
Igreja’; ofereceu uma visão de conjunto sobre a vocação do homem e da mulher para o
amor; propôs as linhas fundamentais para a pastoral da família e para a presença da família
na sociedade. Em particular, ao tratar a caridade conjugal (cf. FC 13), descreveu o modo
como os cônjuges, no seu amor recíproco, recebem o dom do Espírito de Cristo e vivem o seu
chamamento à santidade” (IL 5).
A medida divina do amor
50. (19) “Bento XVI, na Encíclica Deus caritas est, retomou o tema da verdade do amor entre
homem e mulher, que só se ilumina plenamente à luz do amor de Cristo crucificado (cf. DCE
2). Ele reafirma como ‘o matrimónio baseado num amor exclusivo e definitivo torna-se o
ícone do relacionamento de Deus com o seu povo e, vice-versa, o modo de Deus amar tornase a medida do amor humano’ (DCE 11). Além disso, na Encíclica Caritas in veritate, ele
evidencia a importância do amor como princípio de vida na sociedade (cf. CV 44), lugar no
qual se aprende a experiência do bem comum” (IL 6).
A família em oração
51. O ensinamento dos Pontífices convida a aprofundar a dimensão espiritual da vida familiar
a partir da redescoberta da oração em família e da escuta em comum da Palavra de Deus, da
qual brota o compromisso de caridade. Para a vida da família é de fundamental importância a
redescoberta do dia do Senhor, qual sinal do seu profundo radicar-se na comunidade eclesial.
Além disso, proponha-se um acompanhamento pastoral adequado que faça crescer uma
espiritualidade familiar encarnada, como resposta às perguntas que nascem do viver
quotidiano. Considera-se útil que a espiritualidade da família seja alimentada por fortes
experiências de fé e, de modo especial, pela fiel participação na Eucaristia, “fonte e cume de
toda a vida cristã” (LG 11).
Família e fé
52. (20) “O Papa Francisco, na Encíclica Lumen fidei, ao tratar o vínculo entre a família e a
fé, escreve: ‘o encontro com Cristo, o deixar-se conquistar e guiar pelo seu amor alarga o
horizonte da existência, dá-lhe uma esperança firme que não desilude. A fé não é um refúgio
para gente sem coragem, mas a dilatação da vida: faz descobrir um grande chamamento – a
vocação ao amor – e assegura que este amor é fiável, que vale a pena entregar-se a ele,
porque o seu fundamento se encontra na fidelidade de Deus, que é mais forte do que toda a
nossa fragilidade’ (LF 53)” (IL 7).
Catequese e família
53. Muitos consideram necessária uma renovação dos percursos catequéticos para a família. A
esse respeito, procure-se valorizar os casais como sujeitos ativos da catequese, sobretudo em
relação aos próprios filhos, em colaboração com sacerdotes, diáconos e pessoas consagradas.
Tal colaboração ajuda a considerar a vocação ao matrimónio como uma realidade importante,
para a qual há que preparar-se adequadamente durante um conveniente período de tempo. A
integração de famílias cristãs sólidas e ministros de confiança dá credibilidade ao testemunho
de uma comunidade que se dirige aos jovens a caminho das grandes opções da vida.
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A comunidade cristã renuncie a ser uma agência de serviços, para se tornar o lugar onde as
famílias nascem, se encontram e juntas se confrontam, caminhando na fé e partilhando
percursos de crescimento e de intercâmbio recíproco.
A indissolubilidade do matrimónio e a alegria de viver juntos
54. (21) O dom recíproco, constitutivo do matrimónio sacramental, está radicado na graça
do batismo, que estabelece a aliança fundamental de cada pessoa com Cristo na Igreja. No
acolhimento recíproco e com a graça de Cristo, os nubentes prometem um ao outro dom
total, fidelidade e abertura à vida, reconhecem como elementos constitutivos do matrimónio
os dons que Deus lhes oferece, levam a sério o seu mútuo compromisso, no seu nome e
perante a Igreja. Assim, na fé é possível assumir os bens do matrimónio como compromissos
reforçados pela ajuda da graça do sacramento. Deus consagra o amor dos esposos e
confirma a sua indissolubilidade, dando-lhes ajuda para viverem a fidelidade, a integração
recíproca e a abertura à vida. Portanto, o olhar da Igreja dirige-se aos esposos como ao
coração de toda a família, que, também ela, fixa o próprio olhar em Jesus.
55. A alegria do homem é expressão da realização plena da própria pessoa. Para propor a
unicidade da alegria que brota da união dos cônjuges e da constituição de um novo núcleo
familiar, é oportuno apresentar a família como um lugar de relações pessoais e gratuitas, o que
não acontece assim noutros grupos sociais. O dom recíproco e gratuito, a vida que nasce e o
cuidar de todos os seus membros, das crianças aos anciãos, são apenas alguns aspetos que
tornam a família única na sua beleza. É importante fazer amadurecer a ideia de que o
matrimónio é uma escolha para toda a vida, que não limita a nossa existência, mas torna-a
mais rica e plena, também nas dificuldades.
Através desta escolha de vida, a família constrói a sociedade não como a soma dos habitantes
de um território, nem como o conjunto dos cidadãos de um Estado, mas como autêntica
experiência de povo, e de Povo de Deus.
Capítulo III
Família e caminho para a sua plenitude
O mistério criatural do matrimónio
56. (22) Na mesma perspetiva, fazendo nosso o ensinamento do Apóstolo segundo o qual toda
a criação foi pensada em Cristo e em vista d’Ele (cf. Col 1,16), o Concílio Vaticano II quis
manifestar apreço pelo matrimónio natural e pelos elementos válidos presentes nas outras
religiões (cf. NA 2) e nas culturas, não obstante os seus limites e carências (cf. RM 55). A
presença dos semina Verbi nas culturas (cf. AG 11) poderia ser aplicada, de certa maneira,
também à realidade matrimonial e familiar de tantas culturas e pessoas não cristãs. Há,
portanto, elementos válidos também nalgumas formas fora do matrimónio cristão – sempre
fundado sobre a relação estável e verdadeira de um homem e uma mulher –, que, em todo o
caso, consideramos estarem a ele orientadas. Com o olhar posto na sabedoria humana dos
povos e das culturas, a Igreja reconhece também essa família como a célula basilar
necessária e fecunda da convivência humana.
57. A Igreja tem consciência do alto perfil do mistério criatural do matrimónio entre homem e
mulher. Daí que procure valorizar a originária graça criatural que envolve a experiência de
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uma aliança conjugal sinceramente intencionada a corresponder a essa vocação originária, e a
praticar a sua justiça. A seriedade da adesão a esse projeto e a coragem que o mesmo exige
são apreciadas sobretudo hoje, em que o valor dessa inspiração, que atinge todos os laços
criados pela família, é posto em causa ou até criticado e eliminado.
Por isso, também no caso de o amadurecimento da decisão de chegar ao matrimónio
sacramental da parte de conviventes ou casados civilmente esteja ainda num estado virtual,
incipiente ou de gradual aproximação, pede-se à Igreja para não abdicar do dever de encorajar
e apoiar tal processo. Ao mesmo tempo, será bom mostrar apreço e amizade por esse
compromiaao já assumido, reconhecendo os elementos de coerência do mesmo com o plano
criatural de Deus.
Em relação às famílias formadas por uniões conjugais com disparidade de culto, cujo número
está a aumentar não só nos territórios de missão, mas também nos Países de longa tradição
cristã, sublinha-se a importância de desenvolver um adequado cuidado pastoral.
Verdade e beleza da família e misericórdia para com as famílias feridas e frágeis
58. (23) Com íntima alegria e profunda consolação, a Igreja olha para as famílias que se
mantêm fiéis aos ensinamentos do Evangelho, agradecendo e encorajando o testemunho que
dão. Pois é graças a elas que se torna credível a beleza do matrimónio indissolúvel e fiel
para sempre. Na família, “que poderia chamar-se Igreja doméstica” (LG 11), amadurece a
primeira experiência eclesial da comunhão entre pessoas, em que se reflete, pela graça, o
mistério da Santíssima Trindade. “É aqui que se aprende a fadiga e a alegria do trabalho, o
amor fraterno, o perdão generoso e sempre renovado e, sobretudo, o culto divino, pela
oração e o oferecimento da própria vida” (CIC 1657). A Sagrada Família de Nazaré é o seu
admirável modelo, em cuja escola “se compreende a necessidade de ter uma disciplina
espiritual, se queremos seguir os ensinamentos do Evangelho e sermos discípulos de Cristo”
(Beato Paulo VI, Alocução em Nazaré, 5 de janeiro de 1964). O Evangelho da família nutre
também as sementes que ainda esperam para amadurecer, e deve cuidar das árvores que
secaram e que precisam que não sejam negligenciadas.
A íntima ligação entre Igreja e família
59. A bênção e a responsabilidade de uma nova família, selada com o sacramento eclesial,
comporta a disponibilidade de se tornar apoiantes e promotores, no seio da comunidade cristã,
da qualidade geral da aliança entre homem e mulher: no âmbito do vínculo social, da geração
dos filhos, da proteção dos mais fracos, da vida comum. Tal disponibilidade exige uma
responsabilidade que tem direito a ser apoiada, reconhecida e apreciada.
Em virtude do sacramento cristão, toda a família torna-se, para todos os efeitos, um bem para
a Igreja, que, por sua vez, pede que seja considerada um bem para a própria família que nasce.
Nessa perspetiva, será certamente um dom precioso, para o hoje da Igreja, a humilde
disposição a considerar de modo mais equitativo essa reciprocidade do “bonum ecclesiae”: a
Igreja é um bem para a família e a família é um bem para a Igreja. A defesa do dom
sacramental do Senhor envolve a responsabilidade do casal cristão, por um lado, e a da
comunidade cristã, por outro, cada qual na forma que lhe compete. Perante o surgir da
dificuldade, também grave, de proteger a união matrimonial, o discernimento dos respetivos
deveres e das relativas falhas deverá ser lealmente aprofundado pelo casal com a ajuda da
comunidade, para se compreender, avaliar e reparar o que tenha sido omitido ou descuidado
por ambas as partes.
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60. (24) A Igreja, como mestra segura e mãe solícita, embora admita que para os batizados
não há outro vínculo nupcial além do sacramental, e que toda a rutura deste é contra a
vontade de Deus, também é consciente da fragilidade de muitos dos seus filhos, que sentem
dificuldade no caminho da fé. “Portanto, sem diminuir o valor do ideal evangélico, é preciso
acompanhar, com misericórdia e paciência, as possíveis etapas de crescimento das pessoas,
que se vão construindo dia após dia. […] Um pequeno passo, no meio de grandes limitações
humanas, pode ser mais agradável a Deus do que a vida externamente correta de quem passa
os seus dias sem enfrentar grandes dificuldades. A todos deve chegar a consolação e o
estímulo do amor salvífico de Deus, que age misteriosamente em cada pessoa, para além dos
seus defeitos e das suas quedas” (EG 44).
A família, dom e tarefa
61. A atitude dos fiéis para com as pessoas que ainda não chegaram à compreensão da
importância do sacramento nupcial seja expressa sobretudo através de uma relação de
amizade pessoal, acolhendo o outro como ele é, sem o julgar, respondendo às suas
necessidades fundamentais e, ao mesmo tempo, testemunhando o amor e a misericórdia de
Deus. É importante ter consciência de que todos são fracos, pecadores como os outros,
mesmo sem deixar de afirmar os bens e valores do matrimónio cristão. Além disso, há que
adquirir a consciência de que a família no plano de Deus não é um dever, mas um dom, e que
hoje a decisão de receber o sacramento não é algo já decidido desde o início, mas um passo a
amadurecer e uma meta a atingir.
Ajudar a alcançar a plenitude
62. (25) Para uma abordagem pastoral às pessoas que contraíram um matrimónio civil, que
estão divorciadas e voltaram a casar ou que simplesmente convivem, compete à Igreja
revelar-lhes a pedagogia divina da graça nas suas vidas e ajudá-las a alcançar a plenitude
do plano de Deus para elas. Seguindo o olhar de Cristo, cuja luz ilumina todo o homem (cf.
Jo 1,9; GS 22), a Igreja dirige-se com amor aos que participam na sua vida de forma
incompleta, reconhecendo que a graça de Deus age também nas suas vidas, encorajando-as a
praticar o bem, a cuidarem um do outro com amor e a estarem ao serviço da comunidade em
que vivem e trabalham.
63. A comunidade cristã mostre-se acolhedora com os casais que se encontram em
dificuldade, também através da proximidade de famílias que vivem o matrimónio cristão. A
Igreja põe-se ao lado dos cônjuges em risco de separação, para que redescubram a beleza e a
força da sua vida conjugal. No caso de se vir a consumar um doloroso fim da relação, a Igreja
sente o dever de acompanhar esse momento de sofrimento, para que não se acendam ruinosas
contraposições entre os cônjuges, e sobretudo os filhos venham a sofrer o menos possível.
É de desejar que nas dioceses se promovam percursos de participação progressiva para as
pessoas conviventes ou unidas civilmente. Partindo do matrimónio civil, chegue-se ao
matrimónio cristão, depois de um período de discernimento, que acabe por levar a uma opção
verdadeiramente consciente.
64. (26) A Igreja olha com apreensão para a desconfiança que tantos jovens têm no
compromisso conjugal, sofre pela precipitação com que tantos fiéis decidem pôr fim ao
vínculo assumido, criando um outro. Estes fiéis, que fazem parte da Igreja, precisam de uma
atenção pastoral misericordiosa e encorajadora, distinguindo de forma adequada as
situações. Os jovens batizados devem ser encorajados a não hesitar perante a riqueza que o
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sacramento do matrimónio dá aos seus projetos de amor, fortes do apoio que recebem da
graça de Cristo e da possibilidade de participar plenamente na vida da Igreja.
Os jovens e o receio de casar
65. Muitos jovens têm hoje receio de vir a fracassar perante a perspetiva matrimonial, até
pelos muitos casos de fracasso matrimonial. Daí a necessidade de discernir mais atentamente
as motivações profundas dessa renúncia e desânimo. Pense-se que, de facto, em muitos casos,
tais motivações têm a ver precisamente com a consciência de um objetivo que – embora
também apreciado e até desejado – se afigura desproporcionado num razoável cálculo das
próprias forças, ou na dúvida insuperável de perseverar nos próprios sentimentos. Mais do
que a incapacidade da fidelidade e estabilidade do amor, que permanecem objeto de desejo,
muitas vezes é a ânsia – ou mesmo angústia – de não poder assegurá-las que leva à recusa.
Utiliza-se a dificuldade, por si superável, como prova da impossibilidade radical. Além disso
e por vezes, aspetos de conveniência social e problemas económicos ligados à celebração das
núpcias influem na decisão de não casar.
66. (27) Nesse sentido, uma dimensão nova da pastoral familiar hodierna consiste em prestar
atenção à realidade dos matrimónios civis entre homem e mulher, aos matrimónios
tradicionais e, com as devidas diferenças, também às convivências. Quando a união atinge
uma notável estabilidade através de um vínculo público e é caraterizada por um afeto
profundo, pela responsabilidade para com a prole e pela capacidade de superar as
dificuldades, pode ser vista como uma ocasião a acompanhar em ordem ao sacramento do
matrimónio. Muitas vezes, porém, a convivência estabelece-se sem haver em vista um
possível futuro matrimónio e sem intenção alguma de estabelecer uma relação institucional.
67. (28) Imitando o olhar misericordioso de Jesus, a Igreja deve acompanhar com atenção e
solicitude os seus filhos mais frágeis, marcados pelo amor ferido e perdido, restituindo-lhes
confiança e esperança, como a luz do farol de um porto ou de um archote trazido para o meio
das pessoas, para iluminar os que perderam a rota ou se encontram no meio da tempestade.
Conscientes de que a maior misericórdia é dizer a verdade com amor, temos que ir além da
compaixão. O amor misericordioso, como atrai e une, também transforma e eleva; convida à
conversão. É assim que entendemos a atitude do Senhor, que não condena a mulher adúltera,
mas pede-lhe para não voltar a pecar (cf. Jo 8,1-11).
A misericórdia é verdade revelada
68. Para a Igreja, trata-se de partir das situações concretas das famílias de hoje, todas
necessitadas de misericórdia, a começar pelas que mais sofrem. Na misericórdia, de facto,
brilha a soberania de Deus, com que Ele é fiel sempre de novo ao seu ser, que é amor
(cf. 1Jo 4, 8), e ao seu pacto. A misericórdia é a revelação da fidelidade e da identidade de
Deus consigo mesmo e, assim e ao mesmo tempo, demostração da identidade cristã. Por isso,
a misericórdia nada tira à verdade. Ela mesma é verdade revelada, e está intimamente ligada
às verdades fundamentais da fé – encarnação, morte e ressurreição do Senhor – e sem elas
cairia no nada. A misericórdia é “o centro da revelação de Jesus Cristo” (MV 25).
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III PARTE
A MISSÃO DA FAMÍLIA HOJE
Capítulo I
Família e evangelização
Anunciar o Evangelho da família hoje, nos vários contextos
69. (29) O diálogo sinodal deteve-se sobre algumas instâncias pastorais mais urgentes, cuja
concretização confia a cada Igreja local, em comunhão “cum Petro et sub Petro”. O anúncio
do Evangelho da família é uma urgência para a nova evangelização. A Igreja é chamada a
fazê-lo com ternura de mãe e clareza de mestra (cf. Ef 4,15), na fidelidade à kénose
misericordiosa de Cristo. A verdade encarna-se na fragilidade humana, não para a
condenar, mas para salvá-la (cf. Jo 3,16 -17).
Ternura em família – ternura de Deus
70. Ternura significa dar com alegria e provocar no outro a alegria de sentir-se amado.
Exprime-se de modo particular no dirigir-se com especial atenção às limitações do outro,
sobretudo quando estas emergem de forma evidente. Tratar com delicadeza e respeito
significa curar as feridas e restituir esperança, de modo a reavivar no outro a confiança. A
ternura nas relações familiares é a virtude quotidiana que ajuda a superar os conflitos
interiores e relacionais. A propósito, o Papa Francisco convida-nos a refletir: “Temos a
coragem de acolher, com ternura, as situações difíceis e os problemas de quem vive ao nosso
lado, ou preferimos as soluções impessoais, talvez eficientes mas desprovidas do calor do
Evangelho? Quão grande é a necessidade que o mundo tem hoje da ternura! Paciência de
Deus, proximidade de Deus, ternura de Deus” (Homilia da Missa da Noite na Solenidade do
Natal do Senhor, 24 de dezembro de 2014).
71. (30) Evangelizar é uma responsabilidade de todo o povo de Deus, cada um segundo o seu
ministério e carisma. Sem o testemunho alegre dos cônjuges e das famílias, Igrejas
domésticas, o anúncio, mesmo se correto, corre o risco de não ser compreendido ou de se
afogar no mar de palavras que carateriza a nossa sociedade (cf. NMI 50). Os Padres
sinodais sublinharam repetidas vezes que as famílias católicas, em força da graça do
sacramento nupcial, são chamadas a ser, elas mesmas, sujeitos ativos da pastoral familiar.
A família, sujeito da pastoral
72. A Igreja deve infundir nas famílias um sentido de pertença eclesial, um sentido do “nós”,
onde nenhum membro é esquecido. Todos sejam encorajados a desenvolver as próprias
capacidades e a realizar o projeto da própria vida ao serviço do Reino de Deus. Toda a
família, inserida no contexto eclesial, redescubra a alegria da comunhão com outras famílias
para servir o bem comum da sociedade, promovendo uma política, uma economia e uma
cultura ao serviço da família, também através do uso das redes sociais e dos meios de
comunicação social.
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Recomenda-se a criação de pequenas comunidades de famílias que sejam testemunhos vivos
dos valores evangélicos. Nota-se a necessidade de preparar, formar e responsabilizar algumas
famílias que possam acompanhar outras a viver cristãmente. Há igualmente que recordar e
encorajar as famílias que se tornam disponíveis para viver a missão “ad gentes”. Por fim,
assinala-se a importância de ligar a pastoral juvenil à pastoral familiar.
A liturgia nupcial
73. A preparação das núpcias ocupa a atenção dos nubentes durante muito tempo. Deverá
prestar-se a devida atenção à celebração do matrimónio, a realizar preferencialmente na
comunidade de pertença de um ou ambos os nubentes, realçando sobretudo o seu carácter
propriamente espiritual e eclesial. Com uma participação cordial e festiva, a comunidade
cristã, invocando o Espírito Santo, acolhe no seu seio a nova família para que, como Igreja
doméstica, se sinta parte da mais vasta família eclesial.
Muitas vezes, o celebrante tem aí a oportunidade de se dirigir a uma assembleia formada de
pessoas que raramente participam na vida eclesial ou que pertencem a outra confissão cristã
ou comunidade religiosa. É, portanto, uma preciosa ocasião para anunciar o Evangelho da
família, que seja capaz de suscitar, inclusive nas famílias presentes, a redescoberta da fé e do
amor que vêm de Deus. A celebração do matrimónio é também ocasião propícia para convidar
muitos à celebração do sacramento da Reconciliação.
A família, obra de Deus
74. (31) Será decisivo realçar o primado da graça e, portanto, as possibilidades que o
Espírito dá no sacramento. Trata-se de fazer experimentar que o Evangelho da família é
alegria que “enche o coração e a vida inteira”, porque em Cristo somos “libertados do
pecado, da tristeza, do vazio interior, do isolamento” (EG 1). À luz da parábola do semeador
(cf. Mt 13,3), a nossa função é cooperar no semear: o resto é obra de Deus. Não se esqueça,
por outro lado, que a Igreja, que prega sobre a família, é sinal de contradição.
75. O primado da graça manifesta-se em plenitude quando a família dá razão da própria fé e
os cônjuges vivem o seu matrimónio como uma vocação. A esse respeito, sugere-se que se
apoie e encoraje o testemunho crente dos cônjuges cristãos; se ativem sólidos percursos de
crescimento da graça batismal, sobretudo na fase juvenil; se adotem, na pregação e na
catequese, uma linguagem simbólica, experiencial e significativa, inclusive através de
encontros e cursos específicos para os agentes pastorais, de modo a atingir efetivamente os
destinatários e educá-los a invocar e a reconhecer a presença de Deus entre os cônjuges
unidos no sacramento, num estado de constante conversão.
Conversão missionária e linguagem renovada
76. (32) Por isso, pede-se a toda a Igreja uma conversão missionária: é necessário não ficar
num anúncio meramente teórico e desligado dos problemas reais das pessoas. Nunca se deve
esquecer que a crise da fé trouxe uma crise do matrimónio e da família e, como
consequência, interrompeu-se a transmissão da mesma fé de pais para filhos. Perante uma fé
forte, a imposição de certas perspetivas culturais que enfraquecem a família e o matrimónio
não tem incidência.
77. (33) A conversão deve fazer-se também na linguagem, para que esta seja efetivamente
significativa. O anúncio deve levar à experiência de que o Evangelho da família é uma
XIV Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos [Roma, 4-25 de outubro de 2015] - Instrumentum Laboris
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resposta às expetativas mais profundas da pessoa humana: à sua dignidade e à realização
plena na reciprocidade, na comunhão e na fecundidade. Não se trata apenas de apresentar
uma legislação, mas de propor valores, respondendo à necessidade que se sente deles, hoje
constatada também nos Países mais secularizados.
78. A mensagem cristã deve ser anunciada privilegiando uma linguagem que dê esperança. Há
que usar uma comunicação clara e convidativa, aberta, que não moralize, julgue ou controle;
que dê testemunho do ensinamento moral da Igreja e seja, ao mesmo tempo, sensível às
condições de cada pessoa.
Como muitos já não compreendem o Magistério eclesial sobre diversos temas, sente-se a
urgência de uma linguagem que seja entendida por todos, nomeadamente pelos jovens, que
possa transmitir a beleza do amor familiar e fazer compreender o significado de termos como
doação, amor conjugal, fecundidade e procriação.
A mediação cultural
79. Para uma transmissão mais apropriada da fé, sente-se a necessidade de uma mediação
cultural, capaz de exprimir com coerência a dupla fidelidade ao Evangelho de Jesus e ao
homem contemporâneo. Como ensinava o Beato Paulo VI: “A nós especialmente, Pastores da
Igreja, incumbe o cuidado de recriar com ousadia e prudência, e numa fidelidade total ao seu
conteúdo, os modos mais adaptados e eficazes de comunicar a mensagem evangélica aos
homens do nosso tempo” (EN 40).
Hoje, de modo especial, é necessário pôr o acento na importância do anúncio alegre e otimista
das verdades da fé sobre a família, recorrendo inclusive a equipas especializadas, peritas na
comunicação, que saibam ter na devida conta as problemáticas resultantes dos estilos de vida
de hoje.
A Palavra de Deus, fonte de vida espiritual para a família
80. (34) A Palavra de Deus é fonte de vida e espiritualidade para a família. Toda a pastoral
familiar deverá deixar-se modelar interiormente e formar os membros da Igreja doméstica
através da leitura orante e eclesial da Sagrada Escritura. A Palavra de Deus não é só uma
boa nova para a vida privada das pessoas, mas é também um critério de juízo e uma luz para
o discernimento dos diversos desafios com que se confrontam os cônjuges e as famílias.
81. À luz da Palavra de Deus, que pede discernimento nas situações mais diversificadas, a
pastoral deve ter em conta que uma comunicação aberta ao diálogo e livre de preconceitos é
necessária sobretudo em relação aos católicos que, em matéria de matrimónio e família, não
vivem ou não estão em condições de viver em plena sintonia com o ensinamento da Igreja.
A sinfonia das diferenças
82. (35) Ao mesmo tempo, muitos Padres sinodais insistiram sobre uma atitude mais positiva
em relação às diversas experiências religiosas, sem omitir as suas dificuldades. Nestas
diversas realidades religiosas e na grande diversidade cultural que carateriza as Nações, é
oportuno começar por apreciar as suas possibilidades positivas e, à luz das mesmas, avaliar
limites e carências.
83. A partir da constatação da pluralidade religiosa e cultural, deseja-se que o Sínodo
conserve e valorize a imagem de “sinfonia das diferenças”. É posto em evidência como, no
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seu complexo, a pastoral matrimonial e familiar deva estimar os elementos positivos que se
encontram nas diversas experiências religiosas e culturais, que representam uma “praeparatio
evangelica”. Através do encontro com as pessoas que iniciaram um caminho de consciência e
responsabilidade com os autênticos bens do matrimónio, poder-se-á estabelecer uma efetiva
colaboração para a promoção e a defesa da família.
Capítulo II
Família e formação
A preparação para o matrimónio
84. (36) O matrimónio cristão é uma vocação que se acolhe com uma adequada preparação
num itinerário de fé, com um discernimento maduro, e não deve ser considerado apenas
como uma tradição cultural ou uma exigência social ou jurídica. Por isso, é necessário
realizar percursos que acompanhem a pessoa e o casal, de modo que à comunicação dos
conteúdos da fé se una a experiência de vida oferecida por toda a comunidade eclesial.
85. Para fazer compreender a vocação ao matrimónio cristão, é indispensável melhorar a
preparação para o sacramento e, sobretudo, a catequese pré-matrimonial – por vezes pobre de
conteúdos –, que é parte integrante da pastoral ordinária. É importante que os esposos
cultivem responsavelmente a sua fé, baseada no ensinamento da Igreja apresentado de forma
clara e compreensível.
Também a pastoral dos nubentes deve inserir-se no compromisso geral da comunidade cristã,
apresentando de modo adequado e convincente a mensagem evangélica sobre a dignidade da
pessoa, a sua liberdade e o respeito pelos direitos humanos.
86. Na mudança cultural em curso, são muitas vezes apresentados, se não impostos, modelos
que contradizem a visão cristã da família. Daí que os percursos formativos devam oferecer
itinerários de educação que ajudem as pessoas a exprimir de forma adequada o próprio desejo
de amor na linguagem da sexualidade. No atual contexto cultural e social, em que a
sexualidade muitas vezes é desligada de um projeto de amor autêntico, a família, embora
permanecendo como espaço pedagógico privilegiado, não pode ser o único lugar de educação
à sexualidade. É necessário, por isso, estruturar verdadeiros percursos pastorais de apoio às
famílias, destinados tanto aos indivíduos como aos casais, com especial atenção à idade da
puberdade e da adolescência, onde se ajude a descobrir a beleza da sexualidade no amor.
É assinalada nalguns Países a presença de projetos formativos impostos pela autoridade
pública, que apresentam conteúdos contrários à visão propriamente humana e cristã: em
relação a eles, deve afirmar-se decididamente o direito à objeção de consciência da parte dos
educadores.
A formação dos futuros presbíteros
87. (37) Foi repetidamente lembrada a necessidade de uma radical renovação da prática
pastoral à luz do Evangelho da família, superando as óticas individualistas que ainda a
caracterizam. Para isso, várias vezes se insistiu sobre a renovação da formação dos
presbíteros, dos diáconos, dos catequistas e dos outros agentes pastorais, mediante um maior
envolvimento das próprias famílias.
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88. A família de origem é o seio da vocação sacerdotal, que se nutre do seu testemunho. É
amplamente constatada uma necessidade crescente de integrar as famílias, nomeadamente a
presença feminina, na formação sacerdotal. Sugere-se que os seminaristas, no decurso da sua
formação, vivam convenientes períodos na própria família e sejam guiados na realização de
experiências de pastoral familiar e na aquisição de um adequado conhecimento da situação
atual das famílias. Tenha-se também presente que alguns seminaristas provêm de contextos
familiares difíceis. A presença dos leigos e das famílias, também nas realidades do Seminário,
é considerada benéfica, para que os candidatos ao sacerdócio compreendam o valor da
comunhão entre as diversas vocações. Na formação para o ministério ordenado não se pode
descurar o desenvolvimento afetivo e psicológico, mesmo participando diretamente em
percursos adequados.
A formação do clero e dos agentes pastorais
89. Na formação permanente do clero e dos agentes pastorais é recomendável que se continue
a cuidar, com instrumentos apropriados, da maturidade da dimensão afetiva e psicológica, que
ser-lhes-á indispensável para o acompanhamento pastoral das famílias. Recomenda-se que o
serviço diocesano para a família e os demais serviços pastorais intensifiquem a sua
colaboração em ordem a uma mais eficaz ação pastoral.
Família e instituições públicas
90. (38) Foi igualmente sublinhada a necessidade de uma evangelização que denuncie com
franqueza os condicionamentos culturais, sociais, políticos e económicos, como o excessivo
espaço dado à lógica do mercado, que impedem uma autêntica vida familiar, criando
discriminações, pobreza, exclusões, violência. Daí que se desenvolva um diálogo e uma
cooperação com as estruturas sociais, e se encorajem e se apoiem os leigos a se
comprometerem, como cristãos, nos âmbitos cultural e sociopolítico.
91. Considerando que a família é “a célula primeira e vital da sociedade” (AA 11), ela deve
redescobrir a sua vocação de apoio à vivência social em todos os seus aspetos. É
indispensável que as famílias, através da sua agregação, encontrem as modalidades para
interagir com as instituições políticas, económicas e culturais, para se construir uma sociedade
mais justa.
A colaboração com as instituições públicas nem sempre é fácil em todos os contextos. De
facto, o conceito que muitas instituições têm da família não coincide com o cristão ou com o
seu sentido natural. Os fiéis vivem em contacto com diferentes modelos antropológicos, que
não raramente influem e modificam de forma radical a sua maneira de pensar.
As associações familiares e os movimentos católicos deveriam trabalhar em conjunto, a fim
de chamar a atenção das instituições sociais e políticas para as reais instâncias da família e
denunciar as práticas que comprometem a sua estabilidade.
O compromisso sociopolítico em favor da família
92. Os cristãos devem comprometer-se diretamente no contexto sociopolítico, participando de
forma ativa nos processos de decisão e levando para o debate institucional as instâncias da
doutrina social da Igreja. Tal compromisso favoreceria a elaboração de programas adequados
para ajudar os jovens e as famílias carenciadas, em risco de isolamento social e de exclusão.
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Nos diversos contextos nacionais e internacionais é útil repropor a “Carta dos direitos da
família”, pondo em evidência a sua ligação com a “Declaração universal dos direitos do
homem”.
Indigência e risco de usura
93. Nas diversas famílias que vivem em condições de indigência económica, devido ao
desemprego ou à precariedade laboral, ao elevado número de filhos ou à falta de assistência
socio-sanitária, não raramente acontece que alguns, não podendo ter acesso ao crédito, se
tornem vítimas da usura. A esse respeito, sugere-se a criação de estruturas económicas de
adequado apoio para ajudar tais famílias.
Guiar os nubentes no caminho de preparação para o matrimónio
94. (39) A complexa realidade social e os desafios que a família hoje é chamada a enfrentar
exigem um maior compromisso de toda a comunidade cristã na preparação dos nubentes
para o matrimónio. Há que recordar a importância das virtudes. Entre elas, a castidade é
condição preciosa para o crescimento genuíno do amor interpessoal. Sobre esta necessidade,
os Padres sinodais são unânimes em sublinhar a exigência de um maior envolvimento de toda
a comunidade, privilegiando o testemunho das próprias famílias, além de uma inserção da
preparação ao matrimónio no caminho de iniciação cristã, sublinhando a ligação do
matrimónio com o batismo e os outros sacramentos. Foi, ao mesmo tempo, posta em
evidência a necessidade de programas específicos para a preparação próxima do
matrimónio, que sejam uma verdadeira experiência de participação na vida eclesial e
aprofundam os diversos aspetos da vida familiar.
95. Recomenda-se um alargamento dos temas formativos nos itinerários pré-matrimoniais, de
modo que estes se tornem percursos de educação à fé e ao amor. Deveriam ter a fisionomia de
um caminho orientado para o discernimento vocacional pessoal e de casal. Para o efeito,
impõe-se a criação de uma melhor sinergia entre os vários âmbitos pastorais – juvenil,
familiar, catequese, movimentos e associações –, capaz de qualificar o itinerário formativo em
sentido mais eclesial.
São várias as vozes que insistem na exigência de uma renovação da pastoral da família no
quadro de uma pastoral de conjunto, capaz de abraçar todas as fases da vida com uma
formação completa, que inclua a experiência e o valor do testemunho. Os percursos de
preparação para o matrimónio sejam propostos também a casados, de modo a acompanhar os
nubentes antes das núpcias e nos primeiros anos de vida matrimonial, valorizando assim a
ministerialidade conjugal.
Acompanhar os primeiros anos da vida matrimonial
96. (40) Os primeiros anos de matrimónio são um período vital e delicado, no qual os casais
crescem conscientes dos desafios e do significado do matrimónio. Daí a exigência de um
acompanhamento pastoral que continue depois da celebração do sacramento (cf. FC, parte
III). É de grande importância nesta pastoral a presença de casais de esposos com
experiência. A paróquia é considerada o lugar onde casais experientes podem ser postos à
disposição dos mais jovens, com o eventual contributo de associações, movimentos eclesiais e
novas comunidades. Há que encorajar os esposos a uma atitude fundamental de acolhimento
do grande dom dos filhos. Deve sublinhar-se a importância da espiritualidade familiar, da
oração e da participação na Eucaristia dominical, encorajando os casais a se reunirem
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regularmente para promover o crescimento da vida espiritual e a solidariedade nas
exigências concretas da vida. Liturgias, práticas devocionais e Eucaristias celebradas para
as famílias, sobretudo no aniversário do matrimónio, foram indicadas como sendo vitais para
favorecer a evangelização através da família.
97. Não raramente, nos primeiros anos de vida conjugal, dá-se uma certa introversão do casal,
com o consequente isolamento do contexto social. Daí que seja necessário fazer sentir a
proximidade da comunidade aos jovens esposos. É unânime a convicção de que a partilha de
experiências de vida matrimonial ajuda as novas famílias a amadurecer uma maior tomada de
consciência da beleza e dos desafios do matrimónio. A consolidação da rede relacional entre
os casais e a criação de laços significativos são necessárias para o amadurecimento da
dimensão familiar. Já que, muitas vezes, são sobretudo os movimentos e grupos eclesiais a
oferecer e garantir tais momentos de crescimento e formação, deseja-se que, sobretudo a nível
diocesano, se multipliquem os esforços para acompanhar de forma constante os jovens
esposos.
Capítulo III
Família e acompanhamento eclesial
Cuidado pastoral dos que vivem em matrimónio civil ou em convivências
98. (41) Continuando a anunciar e a promover o matrimónio cristão, o Sínodo encoraja
também o discernimento pastoral das situações de muitos que já não vivem esta realidade. É
importante entrar em diálogo pastoral com essas pessoas, a fim de evidenciar os elementos
da sua vida, que possam levar a uma maior abertura ao Evangelho do matrimónio na sua
plenitude. Os pastores devem identificar elementos que possam favorecer a evangelização e o
crescimento humano e espiritual. Uma sensibilidade nova da pastoral atual consiste em
colher os elementos positivos presentes nos matrimónios civis e, feitas as devidas diferenças,
nas convivências. É necessário que, na proposta eclesial, embora afirmando com clareza a
mensagem cristã, se indiquem também elementos construtivos nas situações que a ela não
correspondem ou já não correspondem.
99. O sacramento do matrimónio, como união fiel e indissolúvel entre um homem e uma
mulher chamados a se acolherem reciprocamente e a acolher a vida, é uma grande graça para
a família humana. A Igreja tem o dever e a missão de anunciar essa graça a toda a pessoa e em
todo o contexto. Deve também ser capaz de acompanhar os que vivem no matrimónio civil ou
em convivência na descoberta gradual das sementes do Verbo que aí se encontram
escondidas, para as valorizar até à plenitude da união sacramental.
A caminho do sacramento nupcial
100. (42) Notou-se também que, em muitos Países, um “número crescente de casais convive
ad experimentum, sem um matrimónio nem canónico nem civil” (IL 81). Nalguns Países, isso
verifica-se sobretudo no matrimónio tradicional, concertado entre famílias e, muitas vezes,
celebrado em várias etapas. Noutros Países, porém, cresce o número dos que, depois de
terem vivido juntos por um longo período de tempo, pedem a celebração do matrimónio na
Igreja. A simples convivência é, muitas vezes, preferida por causa da mentalidade geral
contrária às instituições e aos compromissos definitivos, mas também pela espera de uma
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segurança existencial (trabalho e salário fixo). Noutros Países, por fim, as uniões de facto
são muito numerosas, não só pela recusa dos valores da família e do matrimónio, mas
sobretudo pelo facto de que casar-se é considerado um luxo, pelas condições sociais, levando
a miséria material a viver em união de facto.
101. (43) Todas estas situações devem ser enfrentadas de forma construtiva, procurando
transformá-las em oportunidades de caminho para a plenitude do matrimónio e da família à
luz do Evangelho. Trata-se de acolhê-las e acompanhá-las com paciência e delicadeza. Para
esse fim, é importante o testemunho atraente de autênticas famílias cristãs, quais sujeitos da
evangelização da família.
102. A opção pelo matrimónio civil ou, em diversos casos, pela convivência muitas vezes não
é motivada por preconceitos ou resistências em relação à união sacramental, mas por
situações culturais ou contingentes. Em muitas circunstâncias, a decisão de viver juntos é
sinal de uma relação que se quer estruturar e abrir a uma perspetiva de plenitude. Essa
vontade, que se traduz num laço duradouro, sério e aberto à vida, pode ser considerada uma
condição para encetar um caminho de crescimento aberto à possibilidade do matrimónio
sacramental: um bem possível a anunciar como dom que enriquece e fortifica a vida conjugal
e familiar, mais do que como ideal de difícil realização.
103. Para ir ao encontro dessa necessidade pastoral, a comunidade cristã, sobretudo a nível
local, deve empenhar-se em reforçar o estilo de acolhimento que lhe é próprio. Através da
dinâmica pastoral das relações pessoais, é possível tornar concreta uma sã pedagogia, que,
animada pela graça e de forma respeitosa, favoreça a abertura gradual das mentes e dos
corações à plenitude do plano de Deus. Nesse âmbito, tem papel importante a família cristã
que testemunha com a vida a verdade do Evangelho.
Cuidar das famílias feridas (separados, divorciados não recasados, divorciados recasados,
famílias monoparentais)
104. (44) Quando os esposos têm problemas nas suas relações, devem poder contar com a
ajuda e o acompanhamento da Igreja. A pastoral da caridade e a misericórdia tendem a
recuperar as pessoas e as relações. A experiência mostra que, com uma ajuda adequada e
com a ação de reconciliação da graça, uma grande percentagem de crises matrimoniais é
superada de forma satisfatória. Saber perdoar e sentir-se perdoados é uma experiência
fundamental na vida familiar. O perdão entre os esposos permite viver um amor, que é para
sempre e nunca passa (cf. 1 Cor 13,8). Por vezes, porém, torna-se difícil para quem recebeu o
perdão de Deus ter a força de dar um perdão autêntico que regenere a pessoa.
O perdão em família
105. No âmbito das relações familiares, a necessidade da reconciliação é praticamente
quotidiana, por várias razões. As incompreensões provocadas pelas relações com as famílias
de origem, o conflito entre diferentes costumes enraizados, a divergência sobre a educação
dos filhos, a ânsia causada pelos problemas económicos, a tensão que surge pela perca do
emprego: eis alguns dos motivos correntes que geram conflitos, para a superação dos quais é
necessária uma constante disponibilidade para compreender as razões do outro e perdoar-se
reciprocamente. A árdua arte da recomposição da relação necessita não só do apoio da graça,
mas também da disponibilidade para pedir ajuda externa. Neste campo, a comunidade cristã
deve mostrar-se verdadeiramente pronta.
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Nos casos mais dolorosos, como o da infidelidade conjugal, é necessária uma verdadeira obra
de reparação, para a qual é preciso estar disponível. Um pacto quebrado pode ser
restabelecido: há que educar-se para essa esperança desde a preparação para o matrimónio.
Recordam-se aqui a importância da ação do Espírito Santo no cuidado das pessoas e das
famílias feridas e a necessidade de caminhos espirituais acompanhados por ministros
experientes. É verdade, de facto, que o Espírito, “que é chamado pela Igreja ‘luz das
consciências’, penetra e enche ‘as profundezas dos corações’ humanos. Mediante esta
conversão no Espírito Santo, o homem abre-se ao perdão” (DeV 45).
“O grande rio da misericórdia”
106. (45) No Sínodo ecoou com clareza a necessidade de escolhas pastorais corajosas.
Reconfirmando com vigor a fidelidade ao Evangelho da família e reconhecendo que a
separação e o divórcio são sempre feridas, que provocam profundos sofrimentos nos
cônjuges que os vivem e nos filhos, os Padres sinodais aperceberam-se da urgência de
caminhos pastorais novos, que partam da efetiva realidade das fragilidades familiares,
sabendo que estas, muitas vezes, são mais “recebidas” com sofrimento do que escolhidas em
plena liberdade. Trata-se de situações diversas por fatores tanto pessoais como culturais e
socioeconómicos. É necessário um olhar diferenciado, como sugeria São João Paulo II (cf.
FC 84).
107. Cuidar das famílias feridas e fazer-lhes experimentar a infinita misericórdia de Deus é
considerado por todos um princípio fundamental. A atitude a ter com as pessoas envolvidas é,
porém, diversificada. Por um lado, há quem considere necessário encorajar os que vivem
uniões não matrimoniais a percorrer a estrada do regresso. Por outro lado, há quem apoie tais
pessoas, convidando-as a olhar para a frente, a sair da prisão da raiva, da desilusão, do
sofrimento e da solidão, para se pôr de novo em caminho. Certamente, afirmam outros, é uma
arte de acompanhamento, que exige um discernimento prudente e misericordioso, bem como
a capacidade de colher no concreto a diversidade de cada situação.
108. Não se esqueça que a experiência do fracasso matrimonial é sempre uma derrota, para
todos. Por isso, depois da tomada de consciência das próprias responsabilidades, cada um tem
necessidade de reencontrar confiança e esperança. Todos têm necessidade de dar e receber
misericórdia. Há que promover, todavia, a justiça em relação a todas as partes envolvidas no
fracasso do matrimónio (cônjuges e filhos).
A Igreja tem o dever de pedir aos cônjuges separados e divorciados que se tratem com
respeito e misericórdia, sobretudo para o bem dos filhos, aos quais não se deve causar
ulteriores sofrimentos. Alguns pedem que também a Igreja mostre uma atitude análoga em
relação aos que tenham quebrado a união. “Do coração da Trindade, do íntimo mais profundo
do mistério de Deus, brota e flui incessantemente a grande torrente da misericórdia. Esta fonte
nunca poderá esgotar-se, por maior que seja o número daqueles que dela se abeirem. Sempre
que alguém tiver necessidade, poderá aceder a ela, porque a misericórdia de Deus não tem
fim” (MV 25).
A arte do acompanhamento
109. (46) Cada família deve ser, antes de mais, escutada com respeito e amor, tornando-se
companheiros de viagem como Cristo com os discípulos no caminho de Emaús. Aplicam-se
de modo especial a estas situações as palavras do Papa Francisco: “A Igreja deverá iniciar
os seus membros – sacerdotes, religiosos e leigos – nesta ‘arte do acompanhamento’, para
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que todos aprendam a descalçar sempre as sandálias diante da terra sagrada do outro (cf. Ex
3,5). Devemos dar ao nosso caminhar o ritmo salutar da proximidade, com um olhar
respeitoso e cheio de compaixão, mas que ao mesmo tempo cure, liberte e anime a
amadurecer na vida cristã” (EG 169).
110. Muitos apreciaram a referência dos Padres sinodais à imagem de Jesus que acompanha
os discípulos de Emaús. Estar próximo da família como companheira de caminho significa,
para a Igreja, assumir uma atitude sábia e diferenciada. Por vezes, há que permanecer ao lado
e escutar em silêncio; outras vezes, ir à frente para indicar o caminho por onde prosseguir;
outras vezes ainda, pôr-se atrás para apoiar e encorajar. Numa afetuosa partilha, a Igreja faz
suas as alegrias e esperanças, os sofrimentos e angústias de cada família.
111. Sublinha-se que, neste âmbito da pastoral familiar, o maior apoio é dado pelos
movimentos e associações eclesiais, nos quais a dimensão comunitária é mais afirmada e
vivida. Ao mesmo tempo, também é importante preparar especificamente os sacerdotes para
esse ministério da consolação e da cura. De várias partes vem o convite a criar centros
especializados, onde sacerdotes e/ou religiosos aprendam a cuidar das famílias, sobretudo das
feridas, e se comprometam em acompanhar o seu caminho na comunidade cristã, que nem
sempre está preparada para desempenhar adequadamente semelhante tarefa.
Os separados e os divorciados fiéis ao vínculo
112. (47) Um discernimento especial é indispensável para acompanhar pastoralmente os
separados, os divorciados, os que foram abandonados. Há que acolher e valorizar,
sobretudo, o sofrimento dos que sofreram injustamente a separação, o divórcio ou o
abandono, ou que foram obrigados pelos maus tratos do cônjuge a romper a convivência. O
perdão pela injustiça sofrida não é fácil, mas é um caminho que a graça torna possível. Daí a
necessidade de uma pastoral da reconciliação e da mediação através também de centros de
escuta especializados a instituir nas dioceses. Do mesmo modo, deve sempre sublinhar-se que
é indispensável assumir de forma leal e construtiva as consequências que a separação ou o
divórcio têm sobre os filhos, sempre vítimas inocentes da situação. Eles não podem ser um
“objeto” a disputar, e devem procurar-se as melhores formas para que possam superar o
trauma da separação familiar e crescer o mais serenamente possível. Em todo o caso, a
Igreja deverá sempre pôr em relevo a injustiça que deriva, muitas vezes, da situação de
divórcio. Deve dar-se especial atenção ao acompanhamento das famílias monoparentais e,
sobretudo, há que ajudar as mulheres que tenham de arcar sozinhas com a responsabilidade
da casa e a educação dos filhos.
Deus nunca abandona
113. De várias partes faz-se notar que a atitude misericordiosa com aqueles cuja relação
matrimonial se rompeu exige que se dê atenção aos diferentes aspetos objetivos e subjetivos
que provocaram a sua rutura. Muitas vozes evidenciam que o drama da separação dá-se
muitas vezes ao cabo de longos períodos de conflitualidade que, no caso de haver filhos,
causaram ainda maiores sofrimentos. A isso segue-se a ulterior prova da solidão, na qual vem
a encontrar-se o cônjuge que foi abandonado ou que teve a força de interromper uma
convivência caracterizada por contínuos e graves maus tratos sofridos. Trata-se de situações
para as quais se espera uma especial assistência da parte da comunidade cristã, sobretudo em
relação às famílias monoparentais, onde, por vezes, surgem problemas económicos resultantes
de um trabalho precário, da dificuldade de manter os filhos, da falta de uma casa.
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A condição dos que não enveredam por uma nova união, mantendo-se fiéis ao vínculo,
merece todo o apreço e apoio da Igreja, que tem o dever de lhes mostrar o rosto de um Deus
que nunca abandona e é sempre capaz de restituir força e esperança.
A simplificação dos processos e a relevância da fé nas causas de nulidade
114. (48) Um grande número de Padres sublinhou a necessidade de tornar mais acessíveis e
ágeis, se possível totalmente gratuitos, os processos para o reconhecimento dos casos de
nulidade. Entre as propostas foram indicadas: a superação da necessidade da dupla sentença
conforme; a possibilidade de estabelecer uma via administrativa, sob a responsabilidade do
bispo diocesano; um processo sumário, a realizar nos casos de nulidade notória. Alguns
Padres, porém, mostram-se contrários a essas propostas, porque não garantiriam um juízo
confiável. Há que insistir que, em todos estes casos, trata-se do apuramento da verdade sobre
a validade do vínculo. Segundo outras propostas, deveria também considerar-se a
possibilidade de dar relevo ao papel da fé dos nubentes em ordem à validade do sacramento
do matrimónio, tendo como ponto firme que, entre batizados, todos os matrimónios válidos
são sacramento.
115. Há um vasto consenso sobre a oportunidade de tornar mais acessíveis e ágeis,
possivelmente gratuitos, os processos de reconhecimento dos casos de nulidade matrimonial.
Quanto à gratuidade, alguns sugerem que se crie nas dioceses um serviço estável de
aconselhamento gratuito. Quanto à dupla sentença conforme, é vasta a convergência no
sentido de a superar, ressalvada a possibilidade de recurso por parte do Defensor do vínculo
ou de uma das partes. Por sua vez, não encontra consenso unânime a possibilidade de um
processo administrativo sob a responsabilidade do bispo diocesano, com alguns a realçar os
seus aspetos problemáticos. Regista-se, ao invés, uma maior concordância sobre a
possibilidade de um processo canónico sumário nos casos de nulidade notória.
Quanto à importância da fé pessoal dos nubentes para a validade do consenso, nota-se uma
convergência sobre a importância da questão e uma variedade de posições no seu
aprofundamento.
A preparação dos agentes e o incremento dos tribunais
116. (49) Sobre as causas matrimoniais, a simplificação do procedimento, pedida por muitos,
para além da preparação de suficientes agentes, clérigos e leigos com dedicação prioritária,
exige que se sublinhe a responsabilidade do bispo diocesano, que na sua diocese poderia
encarregar consultores, devidamente preparados, que pudessem aconselhar gratuitamente as
partes sobre a validade do seu matrimónio. Essa função poderia ser desempenhada por um
secretariado ou por pessoas qualificadas (cf. DC, art. 113, 1).
117. Apresenta-se a proposta de, em cada diocese, garantir gratuitamente os serviços de
informação, aconselhamento e mediação, ligados à pastoral familiar, à disposição sobretudo
de pessoas separadas ou de casais em crise. Um serviço assim qualificado ajudaria as pessoas
a percorrer o percurso judicial, que na história da Igreja resulta ser o caminho de
discernimento mais acreditado para verificar a real validade do matrimónio. Além disso, de
diversas partes pedem-se um incremento e uma maior descentralização dos tribunais
eclesiásticos, dotando-os de pessoal qualificado e competente.
XIV Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos [Roma, 4-25 de outubro de 2015] - Instrumentum Laboris
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Linhas pastorais comuns
118. (50) As pessoas divorciadas, mas que não voltaram a casar, e que muitas vezes são
testemunhas de fidelidade matrimonial, devem ser encorajadas a encontrar na Eucaristia o
alimento que as sustente no seu estado. A comunidade local e os Pastores devem acompanhar
essas pessoas com solicitude, sobretudo quando há filhos ou é grave a sua situação de
pobreza.
119. Segundo diversas vozes, a atenção aos casos concretos deve ser conjugada com a
necessidade de promover linhas pastorais comuns. A sua falta contribui para aumentar a
confusão e divisão, causa um doloroso sofrimento nos que vivem o fracasso do matrimónio e
que, por vezes, se sentem injustamente julgados. Por exemplo, constata-se que alguns fiéis
separados, que não vivem numa nova união, consideram pecaminosa a própria separação,
abstendo-se assim de receber os sacramentos. Há também casos de divorciados recasados
civilmente, que, encontrando-se, por diversas razões, a viver em continência, não sabem que
podem receber os sacramentos num lugar onde a sua condição não é conhecida. Há também
situações de uniões irregulares de pessoas que, no foro interno, optaram pelo caminho da
continência e podem, portanto, receber os sacramentos, procurando não provocar escândalo.
São exemplos que confirmam a necessidade de dar indicações claras da parte da Igreja, para
que os seus filhos, que se encontram em situações particulares, não se sintam discriminados.
A integração dos divorciados recasados civilmente na comunidade cristã
120. (51) Também as situações dos divorciados que voltaram a casar exigem um atento
discernimento e um acompanhamento de grande respeito, evitando toda a linguagem e
atitude que os faça sentir discriminados, e promovendo a sua participação na vida da
comunidade. Cuidar deles não é para a comunidade cristã um enfraquecimento da sua fé e do
seu testemunho sobre a indissolubilidade matrimonial, mas, ao contrário, precisamente nessa
atenção, se exprime a sua caridade.
121. De muitas partes pede-se que a atenção e o acompanhamento em relação aos divorciados
recasados civilmente se orientem para uma sua integração cada vez maior na vida da
comunidade cristã, tendo presente a diversidade das situações na sua origem. Mantendo-se
válidas as sugestões do n.º 84 da Familiaris consortio, devem ser repensadas as formas de
exclusão atualmente praticadas no campo litúrgico-pastoral, no educativo e no caritativo. Uma
vez que esses fiéis não estão fora da Igreja, propõe-se que se reflita sobre a oportunidade de
eliminar tais exclusões. Além disso, e sempre para favorecer uma sua maior integração na
comunidade cristã, há que prestar uma atenção específica aos seus filhos, dado o
insubstituível papel educativo dos pais, em nome do proeminente interesse do menor.
Seria bom que esses caminhos de integração pastoral dos divorciados recasados civilmente
fossem precedidos de um oportuno discernimento da parte dos pastores sobre a
irreversibilidade da situação e a vida de fé do casal em nova união; fossem acompanhados de
uma sensibilização da comunidade cristã em ordem ao acolhimento das pessoas interessadas e
se realizassem segundo uma lei de gradualidade (cf. FC, 34), respeitadora do amadurecimento
das consciências.
O caminho penitencial
122. (52) Refletiu-se sobre a possibilidade de os divorciados e recasados terem acesso aos
sacramentos da Penitência e da Eucaristia. Diversos Padres sinodais insistiram em favor da
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disciplina atual, pela relação constitutiva entre a participação na Eucaristia e a comunhão
com a Igreja e com o seu ensinamento sobre o matrimónio indissolúvel. Outros exprimiramse em favor de um acolhimento não generalizado à mesa eucarística, nalgumas situações
particulares e com condições bem definidas, sobretudo tratando-se de casos irreversíveis e
ligados a obrigações morais para com os filhos, que viriam a sofrer injustamente. O eventual
acesso aos sacramentos deveria ser precedido de um caminho penitencial, sob a
responsabilidade do bispo diocesano. A questão precisa de ser aprofundada, tendo bem
presente a distinção entre situação objetiva de pecado e circunstâncias atenuantes, dado que
“a imputabilidade e a responsabilidade de um ato podem ser diminuídas ou anuladas” por
diversos “fatores psíquicos ou de carácter social” (CIC 1735).
123. Relativamente à referida problemática, existe uma concordância sobre a hipótese de um
itinerário de reconciliação ou via penitencial, sob a autoridade do bispo, para os fiéis
divorciados recasados civilmente, que se encontram em situação de convivência irreversível.
Em referência ao n.º 84 da Familiaris consortio, sugere-se um percurso de tomada de
consciência do fracasso e das feridas por ele provocadas, com arrependimento, verificação da
eventual nulidade do matrimónio, empenho de comungar espiritualmente e propósito de viver
em continência.
Outros entendem a via penitencial como um processo de clarificação e de nova orientação,
depois do fracasso vivido, acompanhado por um presbítero designado para o efeito. Tal
processo deveria conduzir o interessado a uma honesta avaliação da própria condição, em que
também o mesmo presbítero pudesse amadurecer uma sua avaliação para poder exercer o
poder de ligar e desligar de modo adequado à situação.
Em vista do aprofundamento sobre a situação objetiva de pecado e a imputabilidade moral,
alguns sugerem que se tenha em consideração a Carta aos Bispos da Igreja Católica sobre a
receção da Comunhão Eucarística da parte de fiéis divorciados recasados da Congregação
para a Doutrina da Fé (14 de setembro de 1994) e a Declaração sobre a admissão à Sagrada
Comunhão dos divorciados recasados do Conselho Pontifício para os Textos Legislativos (24
de junho de 2000).
A participação espiritual na comunhão eclesial
124. (53) Alguns Padres defenderam que as pessoas divorciadas e recasadas ou conviventes
possam recorrer frutuosamente à comunhão espiritual. Outros Padres perguntaram porque
não podem aceder à sacramental. Pede-se, portanto, um aprofundamento desta temática
capaz de fazer emergir a peculiaridade das duas formas e a sua relação com a teologia do
matrimónio.
125. O caminho eclesial de incorporação a Cristo, iniciado com o Batismo, inclusive para os
fiéis divorciados e recasados civilmente realiza-se por graus através de uma conversão
contínua. Nesse percurso, são várias as modalidades de os convidar a conformar a sua vida
com o Senhor Jesus, que, com a sua graça, os mantém na comunhão eclesial. Como sugere
ainda o n.º 84 da Familiaris consortio, entre essas formas de participação recomendam-se a
escuta da Palavra de Deus, a participação na celebração eucarística, a perseverança na oração,
as obras de caridade, as iniciativas comunitárias em favor da justiça, a educação dos filhos na
fé, o espírito de penitência, tudo apoiado pela oração e testemunho acolhedor da Igreja. Fruto
dessa participação é a comunhão do crente com toda a comunidade, expressão da real inserção
no Corpo eclesial de Cristo. No que se refere à comunhão espiritual, há que recordar que esta
pressupõe a conversão e o estado de graça e está ligada à comunhão sacramental.
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Matrimónios mistos e com disparidade de culto
126. (54) As problemáticas relativas aos matrimónios mistos reapareceram com frequência
nas intervenções dos Padres sinodais. Nalguns contextos, a diversidade da disciplina
matrimonial das Igrejas ortodoxas levanta problemas, sobre o que se impõe uma reflexão no
âmbito ecuménico. Analogamente, para os matrimónios inter-religiosos será importante o
contributo do diálogo com as religiões.
127. Os matrimónios mistos e os matrimónios com disparidade de culto apresentam múltiplos
aspetos de criticidade e de difícil solução, não tanto a nível normativo como no lano pastoral.
Indicam-se, por exemplo, a problemática da educação religiosa dos filhos; a participação na
vida litúrgica do cônjuge, tratando-se de matrimónios mistos com batizados de outras
confissões cristãs; a partilha de experiências espirituais com o cônjuge que pertence a outra
religião ou também não crente em procura. Deveria, portanto, elaborar-se um código de bom
comportamento, de modo que um cônjuge não ponha obstáculo ao caminho de fé do outro.
Daí que, no intuito de enfrentar de forma construtiva as diversidades em matéria de fé, se
deva prestar especial atenção às pessoas que se unem nesses matrimónios, e não apenas no
período que precede as núpcias.
128. Alguns sugerem que os matrimónios mistos sejam incluídos nos casos de “grave
necessidade”, em que é dada a possibilidade a batizados fora da comunhão plena com a Igreja
Católica, mas que partilham a sua fé sobre a Eucaristia, de serem admitidos à receção desse
sacramento na falta dos seus pastores (cf. EdE 45-46; Pontifício Conselho para a Promoção da
Unidade dos Cristãos, Diretório para a Aplicação dos Princípios e Normas para o
Ecumenismo, 25 de março de 1993, 122-128), tendo em conta também os critérios próprios da
comunidade eclesial a que pertencem.
A peculiaridade da tradição ortodoxa
129. A referência que alguns fazem à prática matrimonial das Igrejas ortodoxas deve ter
presente a diversidade do conceito teológico de núpcias. Na Ortodoxia, há a tendência a
inserir a prática de abençoar as segundas uniões na noção de “economia” (oikonomia),
entendida como condescendência pastoral em relação aos matrimónios fracassados, sem pôr
em discussão o ideal da monogamia absoluta, ou seja, da unicidade do matrimónio. Essa
bênção é, em si mesma, uma celebração penitencial para invocar a graça do Espírito Santo, a
fim de curar a fraqueza humana e levar os penitentes à comunhão com a Igreja.
A atenção pastoral às pessoas com tendência homossexual
130. (55) Algumas famílias vivem a experiência de ter no seu seio pessoas com tendência
homossexual. A tal propósito, interrogámo-nos sobre qual devia ser a atenção pastoral
oportuna perante essa situação, tendo presente o que a Igreja ensina: “Não existe nenhum
fundamento para equiparar ou estabelecer analogias, mesmo remotas, entre as uniões
homossexuais e o plano de Deus sobre o matrimónio e a família”. E, do mesmo modo, os
homens e as mulheres com tendências homossexuais devem ser acolhidos com respeito e
delicadeza. “Deve evitar-se para com eles qualquer atitude de injusta discriminação”
(Congregação para a Doutrina da Fé, Considerações sobre os projetos de reconhecimento
legal das uniões entre pessoas homossexuais, 4).
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131. Sublinha-se que toda a pessoa, independentemente da sua orientação sexual, deve ser
respeitada na sua dignidade e acolhida com sensibilidade e delicadeza, tanto na Igreja como
na sociedade. Deseja-se que os projetos pastorais diocesanos dediquem uma atenção
específica ao acompanhamento das famílias em que vivam pessoas com tendência
homossexual bem como a essas mesmas pessoas.
132. (56) É absolutamente inaceitável que os Pastores da Igreja recebam pressões nesta
matéria e que os organismos internacionais condicionem as ajudas financeiras aos Países
pobres à introdução de leis que instituam o “matrimónio” entre pessoas do mesmo sexo.
Capítulo IV
Família, geração, educação
A transmissão da vida e o desafio da quebra da natalidade
133. (57) Não é difícil constatar o difundir-se de uma mentalidade que reduz a geração da
vida a uma variável da projeção individual ou de casal. Os fatores de ordem económica têm
um peso, por vezes, determinante, contribuindo para a forte quebra da natalidade, que
enfraquece o tecido social, compromete a relação entre as gerações e torna mais incerto o
olhar sobre o futuro. A abertura à vida é exigência intrínseca do amor conjugal. Nesta
perspetiva, a Igreja apoia as famílias que acolhem, educam e circundam de afeto os filhos
portadores de deficiência.
134. Recordou-se que é necessário continuar a divulgar os documentos do Magistério da
Igreja que promovem a cultura da vida, perante a crescente difusão da cultura de morte.
Sublinha-se a importância de alguns centros que investigam sobre a fertilidade e a
infertilidade humana, e que favorecem o diálogo entre bioeticistas católicos e cientistas das
tecnologias biomédicas. A pastoral familiar deveria envolver mais os especialistas católicos
em matéria biomédica nos percursos de preparação para o matrimónio e no acompanhamento
dos cônjuges.
135. É urgente que os cristãos comprometidos na política promovam opções legislativas
adequadas e responsáveis em ordem à promoção e defesa da vida. Como a voz da Igreja se faz
escutar a nível sociopolítico sobre esses temas, assim é necessário que se multipliquem os
esforços para entrar em acordo com os organismos internacionais e nas instâncias de decisão
política, a fim de promover o respeito pela vida humana desde a conceção à morte natural,
com especial atenção para com as famílias com filhos portadores de deficiência.
A responsabilidade geradora
136. (58) Também neste âmbito, é necessário partir da escuta das pessoas e explicar a beleza
e a verdade de uma abertura incondicional à vida como algo de que o amor humano precisa,
para vivê-lo em plenitude. É sobre esta base que pode assentar um adequado ensinamento
sobre os métodos naturais para a procriação responsável. Isso ajuda a viver de forma
harmoniosa e consciente a comunhão entre os cônjuges, em todas as suas dimensões,
inclusive na responsabilidade geradora. Há que redescobrir a mensagem da Encíclica
Humanae vitae do Beato Paulo VI, que sublinha a necessidade de respeitar a dignidade da
pessoa, na avaliação moral dos métodos de regulação da natalidade. A adoção de crianças,
XIV Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos [Roma, 4-25 de outubro de 2015] - Instrumentum Laboris
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órfãs e abandonadas, acolhidas como próprios filhos, é uma forma específica de apostolado
familiar (cf. AA, III,11), várias vezes lembrada e encorajada pelo magistério (cf. FC, III,II;
EV, IV,93). A escolha da adoção e da entrega exprime uma fecundidade especial da
experiência conjugal, não só quando esta é marcada pela esterilidade. Essa escolha é sinal
eloquente do amor familiar, ocasião para testemunhar a própria fé e restituir dignidade filial
a quem dela foi privado.
137. Tendo presente a riqueza de sabedoria contida na Humanae vitae em relação às questões
que a mesma aborda, emergem dois polos que requerem uma constante conjugação. Por um
lado, o papel da consciência entendida como voz de Deus que ecoa no coração humano
educado a escutá-la; por outro, a indicação moral objetiva, que impede que se considere a
geração como uma realidade em que arbitrariamente se decide, prescindindo do plano divino
sobre a procriação humana. Quando prevalece a referência ao polo subjetivo, facilmente se
corre o risco de escolhas egoístas; no outro caso, a norma moral é vista como um peso
insuportável, não correspondendo às exigências e possibilidades da pessoa. A conjugação dos
dois aspetos, vivida com o acompanhamento de um guia espiritual competente, poderá ajudar
os cônjuges a fazer escolhas plenamente humanizadoras e conformes à vontade do Senhor.
Adoção e acolhimento
138. Para dar uma família a tantas crianças abandonadas, muitos pediram que se desse maior
ênfase à importância da adoção e do acolhimento. A esse respeito, foi evidenciada a
necessidade de afirmar que a educação de um filho se deve basear na diferença sexual, aliás
como a procriação. Portanto, também aquela tem o seu fundamento no amor conjugal entre
um homem e uma mulher, que constitui a base indispensável para a formação integral da
criança.
Perante as situações, em que o filho por vezes é querido “para nós mesmos” e de qualquer
maneira – como se fosse um prolongamento dos próprios desejos –, a adoção e o acolhimento,
retamente entendidas, revelam um aspeto importante da genitorialidade e da filiação, uma vez
que ajudam a reconhecer que os filhos, tanto naturais como adotivos ou confiados, são
“diversos de nós” e há que acolhê-los, amá-los, cuidar deles, e não apenas “pô-los no mundo”.
Partindo desses pressupostos, a realidade da adoção e do acolhimento deve ser valorizada e
aprofundada, inclusive dentro da teologia do matrimónio e da família.
A vida humana, mistério intocável
139. (59) Deve-se ajudar a viver a afetividade, inclusive na ligação conjugal, como um
caminho de amadurecimento, no cada vez mais profundo acolhimento do outro e numa
doação cada vez mais plena. Nesse sentido, há que insistir sobre a necessidade de oferecer
caminhos formativos que alimentem a vida conjugal e sobre a importância de um laicado que
ofereça um acompanhamento feito de testemunho vivo. É de grande ajuda o exemplo de um
amor fiel e profundo, feito de ternura e respeito, capaz de crescer no tempo e que, no seu
concreto abrir-se à geração da vida, faz a experiência de um mistério que nos transcende.
140. A vida é dom de Deus e mistério que nos transcende. Daí que não se devam de maneira
nenhuma “descartar” os inícios e a fase terminal. Ao contrário, é necessário assegurar a essas
fases uma especial atenção. Hoje, demasiado facilmente “o ser humano é considerado, em si
mesmo, como um bem de consumo, que se pode usar e depois deitar fora. Assim teve início a
cultura do ‘descartável’ que, aliás, chega a ser promovida” (EG, 53). A esse respeito, é função
da família, apoiada por toda a sociedade, acolher a vida nascente e cuidar da sua fase última.
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141. Quanto ao drama do aborto, a Igreja afirma, antes de mais, o carácter sagrado e
inviolável da vida humana e empenha-se concretamente em favor da mesma. Graças às suas
instituições, oferece aconselhamento às grávidas, apoia as raparigas-mães, presta assistência
às crianças abandonadas, está próxima dos que sofreram com o aborto. Aos que trabalham nas
estruturas de saúde recorda-se a obrigação moral da objeção de consciência.
Do mesmo modo, a Igreja não só sente a urgência de afirmar o direito à morte natural,
evitando o excesso terapêutico e a eutanásia, mas também cuida dos idosos, protege as
pessoas portadoras de deficiência, assiste os doentes terminais e conforta os moribundos.
O desafio da educação e o papel da família na evangelização
142. (60) Um dos desafios fundamentais, que hoje se põe às famílias, é certamente o da
educação, que se torna mais exigente e complexa pela realidade cultural atual e pela grande
influência dos meios de comunicação social. Devem ser tidas na devida conta as exigências e
as expetativas das famílias, que são capazes de ser, na vida quotidiana, lugares de
crescimento, de concreta e essencial transmissão das virtudes, que dão forma à existência.
Isso significa que os pais podem escolher livremente o tipo de educação a dar aos filhos,
segundo as suas convicções.
143. Há consenso unânime em afirmar que a primeira escola de educação é a família e que a
comunidade cristã serve de apoio e integração nesse papel formativo insubstituível. De várias
partes, considera-se necessário encontrar espaços e momentos de encontro para encorajar a
formação dos pais e a partilha de experiências entre famílias. É importante que os pais sejam
envolvidos de forma ativa nos caminhos de preparação para os sacramentos da iniciação
cristã, na qualidade de primeiros educadores e testemunhas de fé para os seus filhos.
144. Nas diferentes culturas, os adultos da família conservam uma função educativa
insubstituível. Porém, em muitos contextos assiste-se a um progressivo enfraquecimento do
papel educativo dos pais, devido a uma presença invasiva dos meios de comunicação social
no seio da esfera familiar, para além da tendência a delegar esse compromisso a outros
sujeitos. Pede-se que a Igreja encoraje e apoie as famílias na sua obra de participação
vigilante e responsável em relação aos programas escolares e educativos que envolvem os
seus filhos.
145. (61) A Igreja desempenha um papel precioso de apoio às famílias, partindo da iniciação
cristã, através de comunidades acolhedoras. Pede-se-lhe, hoje mais do que ontem, tanto nas
situações complexas como nas ordinárias, que apoie os pais no seu compromisso educativo,
acompanhando as crianças, os adolescentes e os jovens no seu crescimento, através de
caminhos personalizados capazes de os introduzir no sentido pleno da vida e de provocar
escolhas e responsabilidades vividas à luz do Evangelho. Maria, na sua ternura, misericórdia
e sensibilidade materna, pode saciar a fome de humanidade e de vida, pelo que é invocada
pelas famílias e pelo povo cristão. A pastoral e uma devoção mariana são um ponto de
partida oportuno para anunciar o Evangelho da família.
146. Cabe à família cristã o dever de transmitir a fé aos filhos, fundado no compromisso
assumido na celebração do matrimónio. Ele deve ser desempenhado ao longo da vida
familiar, com o apoio da comunidade cristã. De modo especial, as circunstâncias da
preparação dos filhos para os sacramentos da iniciação cristã são ocasiões preciosas de
XIV Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos [Roma, 4-25 de outubro de 2015] - Instrumentum Laboris
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redescoberta da fé da parte dos pais, que voltam ao fundamento da sua vocação cristã, vendo
em Deus a fonte do seu amor, que Ele consagrou com o sacramento nupcial.
O papel dos avós na transmissão da fé e das práticas religiosas não deve ser esquecido: são
apóstolos insubstituíveis nas famílias, com o conselho sábio, a oração e o bom exemplo. A
participação na liturgia dominical, a escuta da Palavra de Deus, a frequência dos sacramentos
e a caridade vivida farão com que os pais deem aos próprios filhos um testemunho claro e
credível de Cristo.
XIV Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos [Roma, 4-25 de outubro de 2015] - Instrumentum Laboris
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CONCLUSÃO
147. O presente “Instrumentum Laboris” é fruto do caminho intersinodal nascido da
criatividade pastoral do Papa Francisco, que, em coincidência com o quinquagésimo
aniversário do encerramento do Concílio Vaticano II e da instituição do Sínodo dos Bispos
por parte do Beato Paulo VI, convocou, à distância de um ano, duas Assembleias sinodais
diferentes sobre o mesmo tema. Se a III Assembleia geral extraordinária do outono de 2014
ajudou toda a Igreja a focalizar “Os desafios pastorais sobre a família no contexto da
evangelização”, a XIV Assembleia geral ordinária, programada para outubro de 2015, será
chamada a refletir sobre “A vocação e a missão da família na Igreja e no mundo
contemporâneo”. Não se pode também esquecer que a celebração do próximo Sínodo se situa
à luz do Jubileu extraordinário da Misericórdia proclamado pelo Papa Francisco, que terá
início a 8 de dezembro de 2015.
Também neste caso, o grande número de contributos chegados à Secretaria Geral do Sínodo
dos Bispos mostrou o extraordinário interesse e a ativa participação de todos os componentes
do Povo de Deus. Embora a síntese que se apresenta não possa dar uma ideia plena da riqueza
do material enviado por todos os Continentes, o texto está em condições de espelhar de forma
fiável a perceção e as expetativas de toda a Igreja sobre o tema crucial da família.
Confiamos os trabalhos da próxima Assembleia sinodal à Sagrada Família de Nazaré, que
“nos compromete a redescobrir a vocação e a missão da família” (Francisco, Audiència geral,
17 de dezembro de 2014).
Oração à Sagrada Família
Jesus, Maria e José,
em Vós contemplamos
o esplendor do verdadeiro amor;
a Vós, com confiança, nos dirigimos.
Sagrada Família de Nazaré,
tornai também as nossas famílias
lugares de comunhão e cenáculos de oração,
escolas autênticas do Evangelho
e pequenas Igrejas domésticas.
Sagrada Família de Nazaré,
que nunca mais se faça nas famílias
experiência de violência, egoísmo e divisão:
quem ficou ferido ou escandalizado
depressa conheça consolação e cura.
Sagrada Família de Nazaré,
que o próximo Sínodo dos Bispos
possa despertar, em todos, a consciência
do carácter sagrado e inviolável da família,
a sua beleza no projeto de Deus.
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Jesus, Maria e José,
escutai, atendei a nossa súplica.
Ámen.
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ÍNDICE
APRESENTAÇÃO
INTRODUÇÃO [1-5]
I PARTE
A ESCUTA DOS DESAFIOS SOBRE A FAMÍLIA
Capítulo I - A família e o contexto antropológico-cultural
O contexto sociocultural [6]
A mudança antropológica [7]
As contradições culturais [8]
As contradições sociais [9]
Fragilidade e força da família [10]
Capítulo II - A família e o contexto socioeconómico
A família, bem insubstituível da sociedade [11]
Políticas em favor da família [12]
O desafio da solidão e da precariedade [13]
O desafio económico [14]
O desafio da pobreza e a exclusão social
O desafio ecológico [16]
Capítulo III - Família e inclusão
A terceira idade [17]
O desafio da viuvez [18-19]
A última fase da vida e o luto em família [20]
O desafio da deficiência [21-23]
O desafio das migrações [24-27]
Alguns desafios especiais [28]
A família e as crianças [29]
O papel das mulheres [30]
Capítulo IV - Família, afetividade e vida
A importância da vida afetiva [31]
A formação da afetividade [32]
Fragilidade e imaturidade afetivas [33]
O desafio bioético [34]
O desafio para a pastoral [35-36]
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II PARTE
O DISCERNIMENTO DA VOCAÇÃO FAMILIAR
Capítulo I - Família e pedagogia divina
O olhar para Jesus e a pedagogia divina na história da salvação [37]
A Palavra de Deus em família [38]
A pedagogia divina [39]
Matrimónio natural e plenitude sacramental [40]
Jesus e a família [41]
A indissolubilidade, dom e tarefa [42]
O estilo da vida familiar [43]
A família no plano salvífico de Deus [44]
União e fecundidade dos cônjuges [45]
A família, imagem da Trindade [46]
Capítulo II - Família e vida da Igreja
A família nos documentos da Igreja [47]
A dimensão missionária da família [48]
A família, caminho da Igreja [49]
A medida divina do amor [50]
A família em oração [51]
Família e fé [52]
Catequese e família [53]
A indissolubilidade do matrimónio e a alegria de viver juntos [54-55]
Capítulo III - Família e caminho para a sua plenitude
O mistério criatural do matrimónio [56-57]
Verdade e beleza da família e misericórdia para com as famílias feridas e frágeis [58]
A íntima ligação entre Igreja e família [59-60]
A família, dom e tarefa [61]
Ajudar a alcançar a plenitude [62-64]
Os jovens e o receio de casar [65-67]
A misericórdia é verdade revelada [68]
III PARTE
A MISSÃO DA FAMÍLIA HOJE
Capítulo I - Família e evangelização
Anunciar o Evangelho da família hoje, nos vários contextos [69]
Ternura em família – ternura de Deus [70-71]
A família, sujeito da pastoral [72]
A liturgia nupcial [73]
A família, obra de Deus [74-75]
Conversão missionária e linguagem renovada [76-78]
A mediação cultural [79]
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A Palavra de Deus, fonte de vida espiritual para a família [80-81]
A sinfonia das diferenças [82-83]
Capítulo II - Família e formação
A preparação para o matrimónio [84-86]
A formação dos futuros presbíteros [87-88]
A formação do clero e dos agentes pastorais [89]
Família e instituições públicas [90-91]
O compromisso sociopolítico em favor da família [92]
Indigência e risco de usura [93]
Guiar os nubentes no caminho de preparação para o matrimónio [94-95]
Acompanhar os primeiros anos da vida matrimonial [96-97]
Capítulo III - Família e acompanhamento eclesial
Cuidado pastoral dos que vivem em matrimónio civil ou em convivências [98-99]
A caminho do sacramento nupcial [100-103]
Cuidar das famílias feridas (separados, divorciados não recasados, divorciados recasados,
famílias monoparentais) [104]
O perdão em família [105]
“O grande rio da misericórdia” [106-108]
A arte do acompanhamento [109-111]
Os separados e os divorciados fiéis ao vínculo [112]
Deus nunca abandona [113]
A simplificação dos processos e a relevância da fé nas causas de nulidade [114-115]
A preparação dos agentes e o incremento dos tribunais [116-117]
Linhas pastorais comuns [118-119]
A integração dos divorciados recasados civilmente na comunidade cristã [120-121]
O caminho penitencial [122-123]
A participação espiritual na comunhão eclesial [124-125]
Matrimónios mistos e com disparidade de culto [126-128]
A peculiaridade da tradição ortodoxa [129-]
A atenção pastoral às pessoas com tendência homossexual [130-132]
Capítulo IV - Família, geração, educação
A transmissão da vida e o desafio da quebra da natalidade [133-135]
A responsabilidade geradora [136-137]
Adoção e acolhimento [138]
A vida humana, mistério intocável [139-141]
O desafio da educação e o papel da família na evangelização [142-146]
CONCLUSÃO [147]
Oração à Sagrada Família
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