Mieko Damasceno Wada - Entrevista
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Mieko Damasceno Wada - Entrevista
REVISTA CAMBIASSU Publicação Científica do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal do Maranhão - UFMA - ISSN 0102-3853 São Luís - MA, Ano XVIII, Nº 4 - Janeiro a Dezembro de 2008 Mieko Damasceno Wada: O REGGAE COMO INSTRUMENTO POLÍTICO NA CULTURA MARANHENSE Jornalista formada em 2005 pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA) e especialista em Jornalismo Cultural na Contemporaneidade, também pela UFMA. Entre suas experiências, estagiou na rádio Universidade FM e no jornal O Estado do Maranhão. Atualmente é editora das páginas "Maranhão" e "Consumidor" do jornal O IMPARCIAL. RESUMO: A pretensão é entender o reggae como um fenômeno político de massa, tendo em vista sua predominância tradicional nos bairros periféricos de São Luís, onde o nível de instrução de grande parcela da população é limitado. A idéia é perceber como esta manifestação cultural pode influenciar os seus adeptos na hora de escolher os seus representantes nos cargos em que concorrem, tendo como bandeira de luta o movimento regueiro, no Maranhão. A adesão de simpatizantes é resultante de vários artifícios de marketing, como a realização de eventos e festas, nos quais os representantes são simbolizados como heróis. O presente artigo visa abordar o reggae como apropriação política de uma cultura, citando casos de políticos que estão no poder executivo ou legislativo a partir do destaque conquistado no meio do reggae e de depoimentos de regueiros comprovando a sua opção política. PALAVRAS-CHAVE: Reggae - manipulação - política ABSTRACT: This paper consists on understanding the reggae as a mass political phenomenon in view their traditional predominance in the suburbs of São Luís where the education level of large sector of the population is limited. The idea is to see how this cultural event can influence their followers on the time to choose their representatives in the posts where compete, having as a fight flag the Reggae movement in Maranhão. The sympathizers entry is a result of various marketing tricks, as the realization of events and parties, in which representatives are symbolized as heroes. This article aims to discuss the reggae as a political ownership of a culture, quoting 142 REVISTA CAMBIASSU Publicação Científica do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal do Maranhão - UFMA - ISSN 0102-3853 São Luís - MA, Ano XVIII, Nº 4 - Janeiro a Dezembro de 2008 cases of politicians who are in the executive or legislature from the won prominence in the reggae class and of Regueiro’s testimonials proving their political choice. KEY-WORDS: Reggae - manipulation - politic 1 – INTRODUÇÃO A participação efetiva do povo nas questões pertinentes aos seus interesses deveria fundamentar a cidadania. Apesar desse principio ético, políticos do Maranhão, pressupostamente participantes do universo simbólico da cultura reggae, caracterizada pelo comportamento, estilo, ritmo, vestuário e música, estão se utilizando deste universo para conquistar o interesse das classes populares em favor dos seus projetos políticos. A conquista de votos nos períodos eleitorais e manutenção do poder simbólico como representantes desse segmento cultural formam os dois lados deste mesmo processo. Neste caso, o reggae como um produto cultural, torna-se moeda de troca política, passível de ser vendido a qualquer preço, em qualquer lugar, para qualquer um. É uma relação funcional, na qual o regueiro vota em quem está oferecendo festas gratuitas ou com bebidas vendidas a preço de custo ou ainda grandes “pedras”77 e, como contrapartida, recebem promessas de melhores condições de vida. Dentre os nomes que obtiveram ascensão política utilizando o reggae como moeda de troca no Maranhão está o atual deputado federal Pinto Itamaraty (PSDB), eleito em 2006 para a Câmara Federal com o total de 90.637 votos em todo o Maranhão, a quarta maior votação da legenda do Partido da Social Democracia Brasileira, de acordo com dados do Tribunal Regional Eleitoral (TRE-MA). José Eleonildo Soares, nome de batismo de Pinto, é proprietário de uma das maiores radiolas de reggae do Maranhão, a Itamarary, que já resultou na empresa Itamaraty Sonorizações e Diversões Públicas, cuja fundação data da década de 80. Na Câmara de Vereadores de São Luís atua o parlamentar Luís Fernando Santos Costa Ferreira, o Ferreirinha, proprietário da radiola Estrela do Som e do atualmente 77 Pedras; (músicas do ritmo assim denominadas por serem consideradas pelos apreciadores como de boa qualidade. Idealizada pelo jornalista e locutor Ademar Danilo, a palavra faz alusão à expressão pedra preciosa, de preciosidade). 143 REVISTA CAMBIASSU Publicação Científica do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal do Maranhão - UFMA - ISSN 0102-3853 São Luís - MA, Ano XVIII, Nº 4 - Janeiro a Dezembro de 2008 fechado Espaço Aberto, um salão de reggae bastante popular na década de 90. Ele busca, em 2008, a reeleição para a Câmara de Vereadores, com jingles no ritmo do reggae e letras atribuindo-lhe a propriedade da radiola Estrela do Som, de grande aceitação junto à “massa regueira”78. Do mesmo modo, o atuante da causa reggae, locutor e jornalista Ademar Danilo é outro que inclina sua candidatura, em 2008, ao público regueiro, com peças publicitárias nas cores vermelha, amarela e verde - cores da Jamaica, país de origem do reggae - e com expressões típicas desse público, a exemplo de “Vibrações Positivas para São Luís”. Ele também é proprietário de uma casa de festa especializada no ritmo, a Chama Maré, antes denominada Espaço Cultural África. Entre suas políticas públicas para a juventude, em propagandas veiculadas no site de relacionamentos Orkut, está “Cultura popular e reggae”. Na lista das metas já cumpridas está o primeiro programa especializado em reggae do Brasil. É bom lembrar que Ademar Danilo já obteve um primeiro mandato como vereador, em 1992, inaugurando no Maranhão essa mistura entre política/reggae/cultura. Estes três casos de sucesso, demonstram que o público responde às propostas dos candidatos, a partir de um processo de reconhecimento mútuo, entendendo-os como seus verdadeiros representantes no poder legislativo. Em São Luís, apesar da herança do reggae ser originária da Jamaica, o estilo de vida e o engajamento político na luta pela valorização negra continuam a ser apenas uma bandeira de um movimento cultural, já que há raras políticas públicas voltadas para este segmento populacional que tenham sido provocadas pelos representantes citados. Segundo SILVA (1995, p.70), “em São Luís, as pessoas estão ligadas apenas ao ritmo e não procuram se informar nem sequer sobre Bob Marley, que é considerado o mais importante cantor de reggae do mundo”. Ainda de acordo com o autor, “embora São Luís seja considerada a Jamaica Brasileira, pela força que o reggae tem junto à população e ao volume de massa regueira, na Bahia o movimento é menor, mas existe 78 Massa regueira; (termo bastante utilizado por DJs de programas radiofônicos). 144 REVISTA CAMBIASSU Publicação Científica do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal do Maranhão - UFMA - ISSN 0102-3853 São Luís - MA, Ano XVIII, Nº 4 - Janeiro a Dezembro de 2008 mais consciência. As pessoas estão mais envolvidas com a questão política do reggae”. (SILVA, 1995 p.70) 2 – A CHEGADA DO REGGAE EM SÃO LUÍS E A SUA APROPRIAÇÃO PELA POPULAÇÃO Gênero musical que tem suas origens na Jamaica, o reggae teve o seu auge na década de 1970, quando se espalha pelo mundo e chega ao Maranhão. Antes, na década de 1950, surgem os grandes nomes que influenciariam o ritmo, como Delroy Wilson, Bob Andy, Burning Espear e Johnny Osbourne, e as bandas The Wailers, Ethiopians, Desmond Dekker e Skatalites. Nesta época, a grande parte das rádios da Jamaica, de propriedade de brancos, se recusava a tocar reggae, por sua natureza política de emancipação dos negros. Somente a partir da década de 1970, o reggae toma corpo com cantores que se tornam famosos com esse estilo musical como Jimmy Cliff e Bob Marley. O reggae, como a música folclórica da Jamaica é, portanto, uma mistura de vários estilos, gêneros musicais e ritmos africanos como o ska, o calipso e o merengue. Segundo SILVA (1995, p. 59), o ritmo foi trazido ao Maranhão por Riba Macedo ou José Ribamar da Conceição Macedo, cujo primeiro contato com o reggae se deu através do paraense Carlos Santos, que vendia discos usados num sistema conhecido como feirão de discos, quando fazia pesquisa de mercado em São Luís. Tocando o ritmo em radiolas de reggae conhecidas na época, a exemplo das promovidas pelos radioleiros Carne Seca e Nestábulo, Riba Macedo agradou o público com a novidade, que dançava o ritmo novo mesmo sem saber se era música lenta, cadenciada, internacional. A inserção do ritmo no Maranhão coincide com a penetração do rock, da discoteque e do funk nas regiões Sul e Sudeste do país, mas aqui foram as canções de Jimmy Cliff que fizeram com que o ritmo fosse conhecido, seguidas de sucessos como I Shot the Sheriff (versão de Eric Clapton), Peter Tosh com Legalize It e No Woman, No Cry de Bob Marley. 145 REVISTA CAMBIASSU Publicação Científica do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal do Maranhão - UFMA - ISSN 0102-3853 São Luís - MA, Ano XVIII, Nº 4 - Janeiro a Dezembro de 2008 Mesmo com a boa aceitação do ritmo jamaicano na capital maranhense, a conscientização da população e o despertar para os problemas sociais trazidos no estilo musical não coincidem. Uma das justificativas para a diferença de comportamentos entre a Jamaica e o Maranhão está no inglês, língua em que são cantadas as músicas importadas, cujas letras falam de questões sociais, assuntos religiosos e problemas típicos de países pobres, mas boa parte do público maranhense nunca entendeu e até hoje não entende porque não teve nem tem acesso à língua inglesa. A influência do movimento rastafári, que defende, por exemplo, a idéia de que os afro-descendentes devem ascender e superar sua situação através do engajamento político e espiritual, também não foi assimilado proporcionalmente pelos maranhenses com a chegada do reggae. Contudo, a familiaridade com o ritmo foi garantida, sobretudo, por meio da dança, explicada pela semelhança que traz com o merengue, música estrangeira – da Guiana -, e o forró nordestino, fator que também pode explicar a forma de dançar aos pares adotada no Maranhão, diferentemente da Jamaica, onde os movimentos de braços e pernas elevados fazem alusão à ascensão, à prosperidade. O reggae começou a ser aceito e tocado inicialmente nas festas realizadas na periferia da cidade, junto com as músicas chamadas estrangeiras. O ritmo foi inicialmente marginalizado, uma vez que foi adotado como criação da população negra, estratégia diversificada de vida e de manifestação lúdica do povo negro no Maranhão, mas acabou caindo no gosto das demais classes sociais por conta da indústria cultural79, a exemplo de universitários, poetas, artistas e estudiosos. Segundo Adorno & Horkheimer (1997), na Indústria Cultural, tudo se torna negócio. Enquanto negócio, seus fins comerciais são realizados por meio de sistemática e programada exploração de bens considerados culturais. “Atualmente, a atrofia da imaginação e da espontaneidade do consumidor cultural não precisa ser reduzida a mecanismos psicológicos. Os próprios produtos (...) paralisam essas capacidades em 79 Indústria cultural; (nome dado a empresas e instituições que trabalham com a produção de projetos, canais, jornais, rádios, revistas e outras formas de descontração, baseadas na cultura, visando o lucro. Sua origem se deu através da sociedade capitalista que transformou a cultura num produto comercializado) 146 REVISTA CAMBIASSU Publicação Científica do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal do Maranhão - UFMA - ISSN 0102-3853 São Luís - MA, Ano XVIII, Nº 4 - Janeiro a Dezembro de 2008 virtude de sua própria constituição objetiva” (ADORNO & HORKHEIMER, 1997, p. 119). O jornalista Ademar Danilo atribui a aproximação de pensadores e intelectuais ao reggae ao seu ingresso na universidade quando, já amante do ritmo jamaicano, passa a integrar o grupo de literatura “Academia dos Párias”, e leva os integrantes da trupe, isto é, a pequena burguesia, a espaços considerados guetos culturais. Para o jornalista, a sua adesão ao ritmo funciona como fator de estímulo para a formação de uma opinião pública favorável. Um marco histórico importante que consolidou a simpatia entre a população e o reggae ocorreu em 1986, fato que serviu como divisor de águas na aceitação do ritmo por parte da população em geral: a polícia invadiu o clube Espaço Aberto e, sem motivações plausíveis, agrediu boa parte dos presentes. Como o período era de pós-ditadura, a notícia de repressão instigou a mídia a reagir, fazendo com que o fato ganhasse grande repercussão. Após o ocorrido, foi realizado um protesto na Praça Deodoro, com a radiola de reggae Arco-Íris do Som, em um movimento que contou com a adesão do Diretório Central de Estudantes da Universidade Federal do Maranhão e outros grupos sociais. A partir de então, ir ao reggae passou a ser sinônimo de resistência. Virou programa de universitários, intelectuais, poetas. 3 – A ASCENSÃO DOS DONOS DE RADIOLA E SUAS PROJEÇÕES POLÍTICAS Desde a inserção inicial do reggae no mercado de São Luís, a posse de músicas específicas jamaicanas tem se mostrado sinônimo de poder entre os proprietários das radiolas e os apreciadores. As radiolas de som sempre foram o meio utilizado para a oferta do ritmo ao público, possibilitando, inclusive, uma projeção de liderança e de agente mobilizador aos proprietários de radiolas. Desta forma, a busca por incrementos tecnológicos e musicais tanto nos equipamentos, quanto na discografia começou a ser uma corrida pelo reconhecimento dos públicos. Na década de 70, radiolas com duas caixas de som, com capacidade equivalente a 50 watts, eram suficientes para proporcionar um som de qualidade e uma boa festa. Atualmente, uma boa radiola é composta por 40 a 50 caixas e nunca é o bastante. Entre as radiolas mais antigas, 147 REVISTA CAMBIASSU Publicação Científica do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal do Maranhão - UFMA - ISSN 0102-3853 São Luís - MA, Ano XVIII, Nº 4 - Janeiro a Dezembro de 2008 destacam-se “Águia do Som”, “Trovão Azul”, “Diamante Negro”, “Amarelona”, “Voz de Ouro Canarinho”. As radiolas continuam sendo as grandes difusoras do reggae e o seu grande sustentáculo. Esses sistemas de som contam, em média, com 24 a 36 caixas por conjunto, que é chamado de paredão ou coluna. Cada radiola possui, aproximadamente, quatro paredões que podem se subdividir conforme a necessidade. A Itamaraty, uma das mais populares do Maranhão, subdivide-se em Itamaraty 1, 2 e 3, ou seja, doze paredões de som cada. A subdivisão de uma radiola possibilita a participação em vários eventos em um só dia, e, principalmente, a obtenção de maior lucro.80 Tendo consciência da possibilidade de conquistar o poder através de um trabalho de projeção e de visibilidade entre os regueiros, muitos proprietários de radiolas e mesmo líderes de movimentos da causa reggae passaram a lutar para serem os representantes políticos desse público, apresentando como projeto social ofertas de entretenimento e lazer gratuitos ou baratos. A partir de então, a mística histórica de rupturas do reggae transformou-se em objeto de perpetuação político-partidária, difundida pela mídia de massa e pela máquina pública legal, salvo algumas exceções. Trata-se do uso político do apreço pelo reggae, ou seja, do uso político da emoção, que comporta os aspectos da agitação e da propaganda. É a famosa distinção trabalhada pelos bolcheviques e assim resumida por Plékhanov (1987, p.76): “O propagandista inculca muitas idéias em uma só pessoa ou em um pequeno número de pessoas; o agitador só inculca uma idéia ou um pequeno número de idéia; por outro lado, ele as inculca a toda uma massa de pessoas”. 4 – A AUTORIDADE CARISMÁTICA DO REGGAE 80 Somente na capital, há mais de 80 delas, enquanto no estado podem chegar a mais de 400 radiolas. 148 REVISTA CAMBIASSU Publicação Científica do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal do Maranhão - UFMA - ISSN 0102-3853 São Luís - MA, Ano XVIII, Nº 4 - Janeiro a Dezembro de 2008 O movimento reggae passa a ser controlado por esses representantes que dividem entre si o território de difusão dos seus projetos políticos, normalmente em bairros periféricos ou guetos políticos de onde saem para se tornarem candidatos, em uma movimentação endógena, isto é, de dentro para fora do espaço reggae. Esse fluxo possibilitou da parte dos públicos uma aceitação quase natural, já que estes vêem nos candidatos, representantes muito próximos dos seus universos cotidianos. Este é o caso do atual deputado federal Pinto Itamaraty, proprietário da empresa Itamaraty Sonorizações e Diversões Públicas, surgida a partir da consolidação da radiola Itamaraty. Eleito em 2006 para a Câmara Federal com 90.637 votos em todo o Maranhão, ele abdicou de seu cargo no Consórcio de Alumínio do Maranhão, a Alumar, para se dedicar à radiola herdada do pai, nos anos 80, quando investiu toda a indenização recebida da Alumar no equipamento de som. Com a disponibilidade de entretenimento para as classes C, D e E, Pinto Itamaraty adquiriu verdadeira relação de idolatria com os regueiros, conforme afirmou o funcionário responsável pelo Marketing da radiola, Marcos Vinícius da Silva, também DJ de reggae, locutor da rádio Universidade FM e engajado politicamente. “Existem facções dentro do reggae, mas a richa é entre os próprios apreciadores do ritmo, geralmente por preferência de radiola. Eles têm verdadeiro fanatismo pela Itamaraty e, claro, o deputado federal Pinto Itamaraty usa isso como ferramenta para a obtenção de votos, uma vez que leva entretenimento para esse público. Trata-se de um problema social, que favorece a situação” 81 (SILVA 2008, s/p). De acordo com Marcos Vinícius, o primeiro a se projetar politicamente a partir do reggae foi o atual candidato a vereador pelo Partido dos Trabalhadores, Ademar Danilo que, nos anos 80, conseguiu mobilizar a “massa regueira” em torno de suas propostas, algumas direcionadas especificamente para tal público. Segundo Francisco Weffort (2002), “a cultura tem que ser encarada como prática de Estado se nós quisermos projetar para o futuro uma imagem do lugar de nosso país em um mundo globalizado”. 81 Informação fornecida por Marcos Vinícius, que é radialista e servidor da Fundação Sousândrade, em 2008. 149 REVISTA CAMBIASSU Publicação Científica do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal do Maranhão - UFMA - ISSN 0102-3853 São Luís - MA, Ano XVIII, Nº 4 - Janeiro a Dezembro de 2008 “As relações entre grupos dominantes e dominados que, ao menos no mundo ocidental já não se estabelecem prioritariamente a partir da etnia, se configuram principalmente a partir das posições econômicas e sociais, visíveis nos rituais de produção de objetos artísticos e na maneira como se efetivam sua circulação e consumo” (WEFFORT, 2002, p.57). Outro exemplo de resultados concretos que a mobilização do público regueiro pode resultar em representação política é o vereador do PSL, Ferreirinha da Estrela do Som, que, como o nome sugere, é proprietário de uma radiola de reggae no Maranhão, uma das mais populares. Luís Fernando Santos Costa Ferreira, o Ferreirinha da Estrela do Som, é vereador de primeiro mandato, pelo PSL, e em 2008 tentou a reeleição, também com propostas direcionadas aos apreciadores. Seus jingles são releituras de sucessos do ritmo jamaicano. Filho de lavrador, Ferreirinha chegou a estudar até o segundo grau. Em São Luís, foi açougueiro, frentista, gerente de posto de gasolina e, hoje, é empresário, um dos pioneiros na realização de festas de reggae no Estado. Por conta desta atividade, fez inúmeras viagens a países da Europa e à Jamaica para pesquisar e comprar os melhores lançamentos em disco vinil e CD de reggae para enriquecer sua vasta coleção discográfica do gênero, antes de assumir um cargo no parlamento municipal. Apesar de ser representante dos simpatizantes desse gênero musical na Câmara, voltou seu mandato também para atender demandas do esporte amador, de segurança pública, de policiais militares e bombeiros, e de ocupantes do solo urbano. Já o jornalista e candidato à Câmara de Vereadores em 2008, Ademar Danilo, tem em seu currículo um mandato de vereador de São Luís, assumido aos 19 anos, em 1992. Desde os 13 anos era apreciador do reggae, quando passou a ir para as festas em clubes próximos à sua casa, na Vila Ivar Saldanha, a exemplo do Rock Clube (Alto de São Benedito) e no Pop Som (Jordoa). Conhecido na época como “discoteca lenta”, o ritmo despertou maior curiosidade em Ademar quando começou a estudar inglês, onde teve acesso a revistas inglesas que traziam matérias sobre os cantores que estavam explodindo na Inglaterra, como Bob Marley e Peter Tosh. 150 REVISTA CAMBIASSU Publicação Científica do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal do Maranhão - UFMA - ISSN 0102-3853 São Luís - MA, Ano XVIII, Nº 4 - Janeiro a Dezembro de 2008 “Passei da preferência lúdica para o fascínio intelectual, uma vez que comecei a conhecer as mensagens de resistência, luta e valorização do povo negro, contra a dominação política, em favor da paz” (DANILO 2008, s/p))82. Com o ingresso na universidade, logo se envolve com o movimento literário e estudantil. Em 1984, recebe o convite do então diretor da Mirante FM (à época a mais elitizada das rádios), Celso Borges, para apresentar o primeiro programa especializado em reggae do pais, o Reggae Night, o que acabou suscitando assombro, uma vez que o veículo de comunicação não visava as categorias mais baixas. O programa ia ao ar aos sábados, às 23h, e tinha ainda como apresentador o agora líder da banda Tribo de Jah, Fauzi Beydoun. A partir disso, Ademar Danilo se manteve no rádio com programas de reggae até 2002 e, em seguida, foi para a televisão, a princípio com a apresentação do programa África Brasil Caribe, na TV Tropical, em 1998. O envolvimento de Ademar Danilo com mobilizações acontece desde sua infância, ao participar da luta contra a poluição gerada pela empresa Merc no bairro onde morava, quando a comunidade conseguiu a instalação de filtros nas chaminés da empresa. Na escola e na universidade participou do movimento estudantil, da reconstrução da União Nacional dos Estudantes - Une, da greve da meia-passagem, em 1979, e da fundação do Partido dos Trabalhadores (PT), no mesmo ano. Em 1992, foi eleito com aproximadamente 1.500 votos. À época, usou como slogan de campanha “Ecologia, saúde e alegria” e, como sub-slogan, “É uma pedrada”, fazendo clara alusão ao reggae, adotando a expressão por ele próprio criada, que se refere a pedra preciosa, preciosidade. “Tive uma atuação forte no movimento moradia, onde fiz parte da fundação da Vila Cascavel, Residencial Primavera e Brisa do Mar. Também fui criador do Conselho Municipal de Turismo, quando já propunha o reggae como produto turístico, pois ele não é política pública, é elemento de aglutinação” (DANILO 2008, s/p)83. 82 83 Informação fornecida por Ademar Danilo, em 2008, por meio de entrevista. Informação fornecida por Ademar Danilo, em 2008, por meio de entrevista. 151 REVISTA CAMBIASSU Publicação Científica do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal do Maranhão - UFMA - ISSN 0102-3853 São Luís - MA, Ano XVIII, Nº 4 - Janeiro a Dezembro de 2008 Proprietário do clube Chama Maré, que também já recebeu a denominação de Espaço Cultural África, Ademar Danilo integra ainda a equipe África Brasil Caribe, em parceria com os DJs Neto Miller e Jose de Jah. Ele classifica o rádio como mola propulsora para sua candidatura e conseqüente eleição, uma vez que o veículo o projetou no meio regueiro. Tanto Pinto Itamaraty como Ferrerinha e Ademar Danilo se projetaram como políticos com o que Max Weber (1994) classificou de poder carismático, ou autoridade carismática, quando a aceitação advém da lealdade e confiança nas qualidades normais de quem governa. Isto é, um líder ou chefe que personifique um carisma invulgar ou excepcional, levando subordinados a aceitar a legitimidade da sua autoridade. A dominação carismática é um tipo de apelo que se opõe às bases de legitimidade da ordem estabelecida e institucionalizada. O líder carismático, em certo sentido, é sempre revolucionário, na medida em que se coloca em oposição consciente a algum aspecto estabelecido da sociedade em que atua. Para que se estabeleça uma autoridade desse tipo, é necessário que o apelo do líder seja considerado como legítimo por seus seguidores, os quais estabelecem com ele uma lealdade de tipo pessoal. Uma prova de que, mesmo sendo claro o poder de mobilização que a categoria pode alcançar, a eleição de candidatos a partir da massa regueira não significa que esta camada popular tenha consciência da sua organização, ou que veja nesse poder uma ferramenta para cobrança de políticas públicas direcionadas, uma vez que muitos ainda trocam o voto apenas pela possível garantia de entretenimento. A identificação com o perfil do candidato é outro fator preponderante, ligado pelo apreço ao reggae. É o voto da massa, atraída pela política do pão e circo 84. 84 Política do pão e circo; (Trata-se de metodologia política adotada na Roma Antiga, surgida a partir do crescimento urbano, quando vieram também os problemas sociais. A escravidão gerou muito desemprego na zona rural, pois muitos camponeses perderam seus empregos. Esta massa de desempregados migrou para as cidades romanas em busca de empregos e melhores condições de vida. Receoso de que pudesse acontecer alguma revolta de desempregados, o imperador criou a política do Pão e Circo. Esta consistia em oferecer aos romanos alimentação e diversão. Quase todos os dias ocorriam lutas de gladiadores nos estádios ( o mais famoso foi o Coliseu de Roma ), onde eram distribuídos alimentos. Desta forma, a população carente acabava esquecendo os problemas da vida, diminuindo as chances de revolta). 152 REVISTA CAMBIASSU Publicação Científica do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal do Maranhão - UFMA - ISSN 0102-3853 São Luís - MA, Ano XVIII, Nº 4 - Janeiro a Dezembro de 2008 Na verdade, trata-se do enfraquecimento do poder popular, provocado pela desorganização da coletividade e pela conseqüente falta de cidadania, tornando o povo massa de manobra de um pequeno grupo que gera uma política apenas assistencialista, mantendo a população na condição de mera beneficiaria e não de cidadã. Desta forma, a sociologia marxista caracteriza massa de manobra uma camada social carente de consciência política, constituída por operários que vivem na miséria extrema e por indivíduos direta ou indiretamente desvinculados da produção social. 5 – O PERFIL DO ELEITOR REGUEIRO “Regueiro tem que votar em regueiro”. Com essa prerrogativa, muitos eleitores destinam seu voto, direito como cidadão da escolha de seu representante no poder público, a candidatos que têm trajetória no reggae ou desenvolveram suas campanhas eleitorais a partir do movimento direcionado pelo ritmo. Dados dos últimos processos eleitorais apontam para uma clara utilização do movimento regueiro como curral eleitoral. Prova disso pode ser constatada no Processo nº. 3299 movido pelo Ministério Público Eleitoral contra os candidatos a deputado federal e estadual José Eleonildo Soares (“Pinto Itamaraty”) e Carlos Alberto Franco de Almeida, respectivamente, em 2006. A ação de investigação judicial alega abuso de poder econômico, quando: “os investigados divulgaram suas propagandas eleitorais em “dobradinha”, tendo se utilizado da realização de festas, na capital e em diversos municípios do interior do Estado, com a utilização da denominada “Radiola de Reggae Itamaraty”, de propriedade do candidato Pinto da Itamaraty, para promover suas candidaturas. Nos referidos eventos, eram afixados cartazes com a propaganda eleitoral dos investigados, bem como divulgado pela radiola, durante a festa, o jingle de campanha, consistente em um reggae, em que eram mencionadas suas candidaturas, seus números e feito pedido expresso de votos, através do disc-jóquei” (BRASIL. Ministério Público Eleitoral. Processo nº. 3299/2007). Ainda segundo o texto do processo contra os candidatos Pinto Itamaraty e Alberto Franco constam dos autos que na cidade de Axixá, em 12/08/2006, à noite, houve uma festa em que o próprio candidato Pinto da Itamaraty esteve presente. É o que se colhe dos depoimentos tomados na Promotoria Eleitoral da 31ª Zona: 153 REVISTA CAMBIASSU Publicação Científica do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal do Maranhão - UFMA - ISSN 0102-3853 São Luís - MA, Ano XVIII, Nº 4 - Janeiro a Dezembro de 2008 “que no dia doze de agosto estava presente em uma festa que ocorria no Povoado Ruy Vaz, município de Axixá, tendo chegado por volta das 22h; Que era uma festa de reggae promovida pela “Radiola Itamaraty”; Que não tinha cobrança de taxa de entrada, tendo sido realizada na Praça do Povoado; (...) Que tem conhecimento que a “Radiola Itamaraty” é de propriedade do Vereador de São Luís “Pinto da Itamaraty”; Que durante a festa foi tocado um reggae com propaganda dos candidatos a Deputado Estadual e Federal, respectivamente, Alberto Franco e “Pinto da Itamaraty”; Que o DJ da Festa entre as músicas falava que esta era uma promoção do Vereador “Pinto da Itamaraty”, além de que dizia que “regueiro tem que votar em regueiro”, no caso “Pinto da Itamaraty”; Que o candidato “Pinto da Itamaraty estava no local, tendo-o visto chegar (...)” [BRASIL. Ministério Público Eleitoral. Processo nº. 3299/2007. SANTOS, fl. 20]. A partir de pesquisa de campo aplicada nos bairros periféricos da cidade, a exemplo do Sá Viana e Bairro de Fátima, nos dias 15, 16 e 17 de maio de 2008, na qual foi levantada a questão “Você já votou em algum candidato que defende a causa reggae?” foi possível constatar que um número significativo de freqüentadores de festas do ritmo votou em candidatos que se sustentam no apoio à causa para angariar votos. Todos os regueiros optam a partir da mesma linha de raciocínio: querem um representante deles no poder. “Sei que assim pelo menos terei a garantia de que tem um regueiro representando a gente. Logo, por gostar do ritmo, buscará mais incentivo às festas de reggae e à população que gosta, assim como melhorias para os bairros onde obteve maior votação” 85, (Araújo 2008, s/p). Estatísticas levantadas em pesquisa realizada no período de 8 a 25 de agosto de 2008 apontam que, pelo menos, 31% dos freqüentadores de festas de reggae votam ou já votaram em candidatos como Pinto Itamaraty, Ferreirinha ou Ademar Danilo. Para tanto, foram ouvidas 118 pessoas, das quais 35 votaram em um dos candidatos acima citados, sendo 21 mulheres. Os jovens são os principais eleitores dos candidatos que apóiam a causa reggae, já que 25 pessoas com idade entre 18 e 30 anos afirmaram em pesquisa que escolhem como seus representantes candidatos como Pinto Itamaraty, Ferreirinha e Ademar Danilo. Eleitores na faixa etária de 31 a 60 anos apresentaram significativa rejeição a tais candidatos: apenas 8,4% votam em favor, ou seja, 10 das 118 pessoas ouvidas. 85 Informação fornecida por meio de entrevista, em 2008, pela moradora do Bairro de Fátima, assídua eleitora dos “candidatos regueiros”, Maria do Carmo Lemos. 154 REVISTA CAMBIASSU Publicação Científica do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal do Maranhão - UFMA - ISSN 0102-3853 São Luís - MA, Ano XVIII, Nº 4 - Janeiro a Dezembro de 2008 Contudo, a proximidade do pleito de 2008 e a intensificação da campanha eleitoral de demais candidatos, dentro dos bairros, fora das festas de reggae semanais, a comunidade passou a diversificar a escolha. Alguns preferiram apostar em um representante que fosse do próprio bairro. No Sá Viana, dos 58 entrevistados, 13 afirmaram votar em Zé Carlos, um candidato à Câmara de Vereadores de São Luís que já realizou várias ações no bairro. Ele foi universitário da Universidade Federal do Maranhão e, desde então, destina projetos de lazer e cidadania para o bairro. “Nem eu nem ninguém da minha família votou nesse pessoal do reggae, porque sei que só querem se eleger às nossas custas e depois nem lembram de nosso bairro. Alguém já fala ‘lá vai, doido’ ou ‘lá vai outra pedra’, já estimulando a violência, não merece me representar politicamente” (informação verbal)86. 6 – CONSIDERAÇÕES FINAIS Muitos tentam mobilizar o público regueiro e poucas ações concretas podem ser registradas pelos representantes políticos por eles eleitos. No poder legislativo municipal, a regulamentação do ônibus corujão, em 1992, solicitada pelo então vereador Ademar Danilo, pode ser citada como única medida direcionada aos apreciadores do ritmo, uma vez que são em grande maioria membros da classe baixa, ou seja, não tem veículo próprio. Para um próximo mandato, Ademar Danilo estipulou como meta atuar de maneira expressiva em políticas direcionadas à proteção de crianças, adolescentes e jovens. Prometeu buscar também a criação do Conselho Municipal de Comunicação e de concurso público na área. Apesar da atuação parlamentar ainda estar aquém da estruturação necessária às políticas públicas direcionadas ao reggae, um trabalho já começa a sinalizar mobilização pela causa. Desenvolvido pela Secretaria Municipal de Turismo, o Projeto São Luís, Ilha do Reggae visa à consolidação do reggae de São Luís como produto turístico de qualidade, potencializando assim, sua capacidade de gerar trabalho e renda para as pessoas que formam a cadeia produtiva do reggae, ou seja, quem tem no reggae, uma 86 Informação fornecida por Raimundo Nonato, 44 anos, morador do Sá Viana, 155 REVISTA CAMBIASSU Publicação Científica do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal do Maranhão - UFMA - ISSN 0102-3853 São Luís - MA, Ano XVIII, Nº 4 - Janeiro a Dezembro de 2008 forma de trabalho. O projeto realiza a discussão e estudo do reggae para além da sonoridade, com seminários intitulados “Reggae em Debate”, que têm caráter itinerante e são desenvolvidos em escolas, universidades, união de moradores, entre outros espaços de uso comum da comunidade. O tema “A Influência de Bob Marley no Reggae do Maranhão” serviu de base para as discussões que aconteceram no seminário promovido pelo GDAM e a AGRUCOREM, no dia 8 de maio, o qual reuniu pessoas ligadas ao reggae. O objetivo do evento, realizado na semana em que é comemorada mais um ano da morte de Robert Nesta Marley, ou simplesmente Bob Marley, foi suscitar discussões no sentido de refletir-se sobre o reggae no Maranhão, verificando de que modo os poderes públicos vêm investindo no movimento enquanto cultura. Estiveram envolvidos representantes da Comissão Integrada de Reggae, Centro de Cultura Negra, do GDAM. BIBLIOGRAFIA http://conexao-reggae.blogspot.com/ http://br.geocities.com/reggaenightbr/historia http://pt.wikipedia.org/wiki/Coronelismo http://tonydmaz.blogspot.com/2007/09/reggae-in-maranho-style-jamaica.html BRASIL, Marcus Ramúsyo de Almeida. Percurso Histórico das Mídias de Reggae em São Luís – MA: 30 anos. 2006. 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