QUANDO OS HERÓIS DO CAPITALISMO AMERICANO VIRAM

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QUANDO OS HERÓIS DO CAPITALISMO AMERICANO VIRAM
30/5/2011
QUANDO OS HERÓIS DO CAPITALISM…
NEGÓCIOS
Nº EDIÇÃO: 253
| 03.JUL - 10:00 | Atualizado em 04.03 - 17:21
QUANDO OS HERÓIS DO CAPITALISMO
AMERICANO VIRAM VILÕES
Falcatruas destroem mito da elite empresarial dos EUA
Por Ricardo Grinbaun
O pensador comunista Karl Marx dizia que a história só se repete como farsa. Os capitalistas
americanos acabam de provar o contrário: a farsa se repete como história. Com o escândalo
das contas mascaradas da WorldCom, vem à tona mais um episódio de euforia financeira,
especulação desenfreada e fraude. Desde o surto de investimentos em tulipas, em 1630, na
Holanda, o padrão se repete. Quando uma bolha especulativa estoura, surgem denúncias de
desvios e desfalques. O mesmo está acontecendo nos Estados Unidos, em dezenas de
empresas como a WorldCom, a Enron e a Arthur Andersen. Desta vez, porém, há uma
diferença. Quem hoje é tratado como vilão, até pouco tempo atrás era herói. Uma geração de
executivos que foi venerada por ter resgatado da decadência o capitalismo americano agora
enfrenta a descrença pública e os tribunais. “Os executivos são as estrelas cadentes do
capitalismo americano”, disse à DINHEIRO, Richard Tedlow, professor da faculdade de
administração de Harvard.
São nomes como o de Gay Winnick, presidente da Global Crossing, empresa que chegou a um
faturamento de US$ 1 bilhão em tempo recorde, ou o de John Rigas, presidente da Adelphia
Communications, uma das vedetes entre as empresas de novas tecnologias de comunicação.
Eles representavam o que o capitalismo americano tinha de melhor nos anos 90: dinamismo,
inovação, confiabilidade. Foram essas qualidades que atraíram bilhões de dólares em
investimentos para as Bolsas de Valores, levaram a um ciclo de alta no mercado acionário que
durou uma década e permitiram aos EUA impor seu modelo econômico e empresarial para todo
o mundo.
Agora, vem a público que Winnick, da Global Crossing, embolsou US$ 735 milhões em bônus
nos últimos três anos, mas sua empresa entrou em concordata e é suspeita de ter mentido
nos balanços. Descobriu-se também que a Adelphia, de Rigas, manipulava os resultados
financeiros, concedendo empréstimos para os próprios donos da empresa. Rigas pediu
demissão e, na terça-feira da semana passada, a Adelphia entrou em concordata. Mas o que
mais preocupa os americanos é que Winnick e Rigas não são exceções. A lista de estrelas
cadentes é enorme, inclui presidentes de empresas como a Dynergy e da Qwest, e cresce a
cada dia. “Quantos mais escândalos teremos? Hoje, é impossível saber”, disse à DINHEIRO,
Peter Temin, professor de história da economia do Massachusetts Institute of Technology.
O que já está claro é que o escândalo iniciado quando as falcatruas da Enron vieram à tona,
em 14 de agosto do ano passado, marcou uma tendência. O número de investigações aberto
pela SEC (Security Exchange Commission), a xerife do mercado acionário americano, chegou a
570 no ano passado - recorde em uma década. Mais de 150 empresas reconheceram
problemas em sua contabilidade e pediram revisão das contas - o triplo dos casos registrados
no início da década de 90. Até a Xerox e a Microsoft tiveram de refazer sua contabilidade.
Sistema sob suspeita. Os números de casos, porém, não contam toda a história. Existem
mais de dez mil companhias com ações negociadas em Bolsas nos EUA e é impossível saber
quantas delas falsificaram dados. O mais preocupante é que os escândalos atingiram algumas
das companhias mais veneradas do país e o governo falhou em detectar e coibir as fraudes. “É
uma situação como nunca houve antes”, diz Roberto Teixeira da Costa, ex-preisdente da CVM,
a SEC brasileira. “Empresas fraudaram, analistas mentiram, auditorias se omitiram e todo o
sistema foi colocado sob suspeita.”
A confiança nas empresas e no sistema financeiro americanos foram colocadas em xeque. E
não é à toa. Para Temin, do MIT, a sequência de escândalos revela um perigoso padrão de
comportamento das empresas nos anos 90. “Truques contábeis como os da Enron, agindo - e
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às vezes ultrapassando - nos limites da lei viraram rotina”, disse Temin. Dennis Kozlowski,
presidente da Tyco International, é um exemplo de comportamento ousado, testando os
limites da lei. Seu crime? Kozlowski foi indiciado sob a acusação de ter simulado a transferência
de obras de arte, avaliadas em US$ 13 milhões, para outro estado americano para não pagar
US$ 1 milhão em impostos. Samuel Waksal, presidente da companhia de biotecnologia ImClone
Systems é outro exemplo. Recentemente, Waksal pediu demissão, foi preso e corre o risco de
pegar 75 anos de cadeia. Ele é acusado de ter avisado primeiro seus parentes, e depois os
investidores, sobre a decisão da vigilância sanitária americana de rejeitar um remédio contra o
câncer produzido pela ImClone - o que derrubaria os preços das ações da empresa.
O que explica tanta ousadia? Para muitos analistas americanos a explicação se resume a uma
palavra: ambição. A festa especulativa e o dinheiro fácil nas Bolsas na década de 90
alimentaram os desejos de enriquecimento rápido e diminuíram as preocupações legais e éticas
dos executivos. O ambiente ajudava. Enquanto a Bolsa subia, e todo mundo ganhava dinheiro,
ninguém se preocupava em levantar o tapete e ver se havia sujeita. Os próprios investidores,
auditores e os xerifes do mercado se davam por satisfeitos enquanto as empresas
distribuíssem lucros generosos. Com o estouro da bolha, os resultados minguaram e os
problemas começaram a aparecer.
Mas há ainda outra explicação para a farra financeira. Nos anos 80, os EUA enfrentaram a
recessão e o medo de serem superados pela nova potência emergente: o Japão.
Trabalhadores pediam boicote aos carros japoneses, mais eficientes e mais baratos dos que os
americanos. Quando as companhias americanas deram a volta por cima e superaram suas
rivais japonesas, executivos e empresários como Jack Welch, da GE, Lou Gerstner, da IBM, e
Bill Gates, da Microsoft, se tornaram heróis nacionais. Alçados à condição de estrelas, os
executivos passaram a conceder a eles mesmos salários e bônus cada vez mais altos. Virou
moda entre os dirigentes de grandes companhias incluir no seu pacote de remuneração ações
das empresas que comandavam. Quanto mais subissem as cotações, mais o executivo
ganhava. Não é à toa que eles passaram a se preocupar mais com resultados a curto prazo e
menos com a estratégia a
longo prazo.
Crash de 1929. O caso mais notório é o de Kenneth Lay, presidente da Enron. Nos últimos
três anos, Lay sustentou que a empresa ia bem e garantiu que não estava convertendo suas
ações em dinheiro. Nesse período, as cotações estiveram em alta e Lay fez o contrário do que
havia dito: embolsou US$ 100 milhões ao vender as ações que havia ganho de bônus da
empresa - que estava quebrada. Depois de episódios como o da Enron, surgiu um movimento
nos Estados Unidos para limitar as bonificações em ações e estabelecer novas regras de
mercado. O medo dos especialistas é que seja tarde demais. “É muito difícil ganhar a confiança
dos investidores e muito fácil perder”, disse Tedlow, de Harvard. “Depois dos escândalos que
ocorreram no crash da Bolsa em 1929, a Bolsa só voltou a recuperar o antigo nível em 1963”.
O próprio Tedlow acha que é cedo demais para imaginar uma crise como a de 1929, mas uma
coisa é certa. Assim como na época do crash, o velho padrão das bolhas especulativas se
repetiu. “É difícil identificar se a prevalência da especulação realmente aviltou os padrões morais
ou se a decadência moral da época simplesmente se manifestou por meio da especulação.
Entretanto, está claro que a especulação e a fraude financeira andaram frequentemente
juntas”, escreve o ex-estrategista de investimentos do banco inglês Lazard Brothers, Edward
Chancellor, no livro “Salve-se quem puder - uma história da especulação financeira”, referindose a uma das muitas bolhas especulativas da história americana, ocorrida no final do século 19.
O risco EUA
Luiz Fernando Sá
Em chamas: Bush, impassível, enquanto Wall Street treme
Nada menos que 80 milhões de americanos têm uma história para contar – uma história de
confiança e risco. Durante anos, eles confiaram nas empresas e nos analistas de mercado de
seu país. E, por conta disso, patrocinaram, com suas economias, o crescimento da mais
fulgurante economia do mundo. Investiram seu futuro em ações, aconselhados por jovens
estrelas do mercado financeiro. Acreditavam que rapazes tão prósperos, consumidores do que
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há de mais luxuoso, munidos de poderosos arsenais de informação disponíveis, deveriam
saber de tudo e os guiariam pelos caminhos da riqueza. Em suas mãos, supunham,
caminhariam a salvo pela acolhedora Wall Street, bem longe da selvageria financeira das
economias de segunda linha, das tempestades dos mercados emergentes, aqueles habitados
por empresários inescrupulosos, executivos ineptos e dirigentes corruptos. Imaginavam como
devia ser difícil viver em lugares em que os ralos das fraudes drenavam, da noite para o dia,
anos de esforço dos trabalhadores. Não sabiam sequer onde essas terras se encaixavam em
um mapa, mas eram advertidos a manter seus dólares à distância dos países classificados,
segundo os códigos de seus gurus, com índices de risco de quatro dígitos e sinais negativos
que lembram notas baixas em boletins escolares.
Ninguém contou, no entanto, aos 80 milhões de investidores americanos que o pesadelo
estava ali, no antigo porto seguro das blue chips de Wall Street. Ninguém os avisou que, por
trás das imponentes colunas da Bolsa de Nova York, escondiam-se empresários
inescrupulosos, executivos ineptos e dirigentes corruptos. Traídos, eles foram descobrir que o
risco EUA existia quando as suas próprias economias já haviam escoado pelo ralo das fraudes.
E que os elegantes senhores a quem confiavam seu futuro na verdade tramavam em benefício
próprio. Descobriram, de forma traumática, que até mesmo os endereços tidos como os mais
respeitáveis do seu sistema financeiro haviam sido corroídos pela ambição desenfreada. O que
dizer quando a antes honorável casa J. P. Morgan – aquela que se atribui o poder de julgar a
economia alheia a partir de fórmulas matemáticas e não na realidade de cada país – é flagrada
fazendo empréstimos fraudulentos para a Enron, justamente a empresa que deflagrou a crise
de moralidade no mercado americano? O risco maior não estaria em acreditar em quem decreta
o risco Brasil, o risco Argentina, o risco Nigéria?
Wall Street está em chamas enquanto o presidente George W. Bush, impassível, enxerga
perigo apenas em homens de turbantes e rende-se às pressões de oligarquias retrógradas,
concedendo subsídios bilionários a setores improdutivos como a siderurgia e a agricultura.
Enquanto combate terroristas no deserto afegão, fundamentalistas do capital promovem outro
atentado ao orgulho americano, destruindo a confiança dos investidores em suas empresas.
Osama Bin Laden não faria melhor.
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