a unclos, o mar livre e as bandeiras de conveniência

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a unclos, o mar livre e as bandeiras de conveniência
A UNCLOS, O MAR LIVRE E AS BANDEIRAS DE CONVENIÊNCIA
A bandeira de conveniência, ou BdC, é uma prática comercial em que os
proprietários do navio registam os seus navios numa nação a que não
necessariamente pertencem. Esta prática ajuda a evitar, em especial, as regras
e regulamentos do seu país de origem, às vezes por razões menos boas.
Ocorre, em especial, um impacto directo desta prática nos profissionais
marítimos que têm de trabalhar em tais navios. A seguir elenco alguns dos
perigos das BdC, que todos os marítimos e quem está ligado ao sector, devem,
absolutamente, saber.
O que são Bandeiras de Conveniência (BdC – ou FoC, na sigla inglesa)?
Refira-se que o princípio da nacionalidade dos navios apresenta uma dicotomia
de aspectos:
i.
ii.
O aspecto de direito interno, que concerne às condições que fixa
cada Estado para outorgar o uso de seu pavilhão, e
O aspecto relativo ao direito internacional, que visa organizar a
juridicidade do navio em alto-mar, ligando a conduta do mesmo
ao ordenamento do Estado da Bandeira.
Considerando as condições e pressupostos adoptados pelos diversos países,
os registos das embarcações podem ser classificados em Registos Nacionais e
em Registos Abertos.
No Registo Nacional, o Estado que concede a bandeira mantém um efectivo
controlo sobre os navios nele registado, mantendo-os sujeitos à sua legislação.
Regra geral, os critérios adoptados para atribuição da nacionalidade dos navios
são:
i.
ii.
iii.
iv.
Da construção,
Da propriedade,
Da nacionalidade da tripulação, e
Critério misto – o critério misto vincula a concessão da bandeira a
uma diversidade de requisitos, como nacionalidade do
proprietário, da tripulação e do comandante. É o critério adoptado
por Portugal.
Os regimes Abertos dividem-se em Registos de Bandeira de Conveniência e
Segundos Registos.
Estamos perante um navio com Bandeira de Conveniência – BdC – quando
esse navio não tem qualquer vínculo entre o armador, proprietário e o pavilhão
da embarcação, ou seja, quando a propriedade beneficiária e o controlo do
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navio estão sediados em país ou países diferentes ao da bandeira que o navio
arvora.
Os Registos Abertos de Bandeiras de Conveniência (BdC), também
denominadas registos independentes, de complacência ou de favor, são
caracterizados por oferecerem total facilidade no seu registo, incentivos de
ordem fiscal e a não imposição de vínculo entre o Estado de Registo e o navio.
Por outro lado, tais Estados não exigem (nem fiscalizam), com o devido rigor, o
cumprimento e a adopção de normas e regulamentos nacionais ou
internacionais por parte das embarcações neles registados.
Para além das vantagens económicas oferecidas por esses registos e não
exigindo nenhum vínculo entre Estado de Registo e navio, esses países não
observam legislações e regulamentos severos respeitantes à segurança da
navegação nem a obrigação de fiscalizar os navios sob o seu registo, por não
serem signatários ou não cumprirem os preceitos da CNUDM III (ou UNCLOS
III – United Nations Convention on the Law of the Sea) e de outras convenções
internacionais de extrema importância no cenário da navegação e do transporte
marítimo, como a MARPOL, SOLAS, CLC, etc.
Neste contexto, a adopção de BdC por parte dos armadores conforma uma
estratégia empresarial que visa maior eficiência e capacidade concorrencial
(leia-se lucratividade), baixando os custos derivados das normas de direito que
interferem no custo do frete, em especial as normas de trabalho, tributárias e
relativas a segurança marítima e poluição marinha.
Com efeito, os navios que arvoram pavilhões de conveniência não contribuem,
para a economia dos Estados de Registo, não servindo o seu comércio externo
nem gerando fontes de receitas e divisas, salvo o pagamento dos direitos de
inscrição. Simultaneamente, não frequentam, com regularidade o seu porto de
matrícula. Ao invés, realizam o chamado “tráfego de terceira bandeira”, ou seja,
promovem um tráfego marítimo estranho ao do país cuja bandeira arvoram. Por
esta razão, as possibilidades concretas do controlo, fiscalização e inspecção do
navio por parte das autoridades desses Estados são, praticamente,
inexistentes.
O Segundo Registo (Second Register) ou Registo Internacional (Off Shore
Register), foi criado em alguns Países que já possuem registo nacional, como
forma de defender a sua frota mercante, oferecendo aos armadores vantagens
económicas similares às das bandeiras de conveniência. A grande diferença
para as primeiras é que este registo obriga os navios a todas as leis e
convenções internacionais sobre a segurança da navegação 1.
1
Exceptuando, nalguns países, as leis que regulam as convenções de trabalho, vinculativas
aos navios do registo nacional.
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São vários os países que permitem o segundo registo, Portugal incluído. Na
Europa, podemos citar os exemplos da Dinamarca, Bélgica, Inglaterra e,
Alemanha.
Portugal criou o seu Segundo Registo (na chamada Zona Franca da Madeira)
através do Decreto-Lei nº 96/89, de 28 de Março. No preâmbulo deste
dispositivo legal pode ler-se …”Pretende-se que este registo figure entre os
registos internacionais considerados de qualidade, tanto mais que os navios
que o vão utilizar arvorarão a bandeira portuguesa, pelo que se estabelece no
presente diploma que todas as convenções internacionais de que o Estado
Português seja signatário obrigarão também o Registo Internacional de Navios
da Madeira. Ainda com vista a assegurar a qualidade do registo terão de ser
garantidos sistemas eficazes de fiscalização dos navios.”…Já no que respeita
às tripulações, estabelece no seu Art. 22º: ”A contratação e as condições de
trabalho das tripulações deverão apenas obedecer ao disposto nas convenções
internacionais vigentes na ordem jurídica portuguesa sobre a matéria.”
Ficamos, assim, com a certeza de que a legislação convencionada portuguesa,
mais restritiva, sobre a contratação e condições de trabalho, não é aplicada
nesse registo.
Todos os navios navegam sob a jurisdição do país do seu registo. No entanto,
as muitas manipulações que podem ser feitas nos registos e documentos
legais podem fazer com que seja extremamente fácil, para tais navios, estarem
envolvidos no comércio ilegal. Foram relatadas situações em que embarcações
BdC tenham estado envolvidas situações menos claras, desde o tráfico de
drogas ao tráfico humano.
De qualquer forma, os navios de bandeira de conveniência têm vindo a causar
perdas económicas e evasão de divisas significativas aos países que
concedem Registos Nacionais 2. Outro aspecto que preocupa a comunidade
marítima internacional diz respeito à possibilidade dos navios de BdC além de
serem aproveitados no tráfico de drogas, armas e pessoas e no contrabando,
possam ser utilizados em ataques terroristas 3.
Porquê o recurso a bandeira de conveniência é generalizada nos navios
de carga?
O MV Rena, navio porta-contentores, com tripulação filipina, pertencente
a um armador grego, encalhou ao largo da Nova Zelândia, em Outubro
de 2011, tendo provocado um enorme derramamento de óleo
combustível pesado – no que foi considerado um dos piores desastres
2
Segundo um estudo da União Europeia, no conjunto das isenções às taxas de frete por
tonelada transportada e na redução dos custos laborais, os armadores economizam um valor
superior a um milhão de dólares por ano e por navio.
3
Segundo informações de “Inteligência Internacional”, a Al-Qaeda tem uma frota superior a 20
navios que, provavelmente, arvoram pavilhão de conveniência (BdC).
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ambientais da história da Nova Zelândia. Havia sido, anteriormente,
registado em Israel como ZIM AMERICA e, depois, em Malta, como
ANDAMAN SEA, antes de mudar para o registo da Libéria, em 2010.
Antes de encalhar, ao longo de 3 anos, havia sido detido após inspecção
PSC por várias ocasiões, incluindo uma detenção em Julho de 2011, na
Austrália, por 17 deficiências distintas.
O registo de navios é uma prática consagrada pelo tempo e faz-se desde que o
negócio marítimo foi reconhecido como essencial para o desenvolvimento
universal. Originalmente destinado a controlar os navios que transportavam
carga dos impérios marítimos europeus, como garantia de que os navios
estavam sendo construídos no país, com tripulações predominantemente
desse país e asseguravam o retorno das mais-valias aos cofres desses países.
Nos tempos mais recentes, no entanto, tem-se revelado um meio conveniente
de estabelecer o título de propriedade de uma embarcação – por outras
palavras, quem é o “dono”. A documentação (pelo Estado bandeira), entretanto
facultada, fornece evidência definitiva da nacionalidade para fins internacionais
e oferece oportunidades de financiamento com a disponibilidade de hipotecas
preferenciais aos navios documentados 4.
Em simultâneo, o registo serve para determinar qual a lei do país que rege o
funcionamento do navio e da força de trabalho a bordo – conceitos-chave que
desempenham, hoje, um papel decisivo no direito internacional do mar.
Basicamente, o registo confere a nacionalidade ao navio e inclui-o na jurisdição
da lei do Estado de pavilhão.
Para uma empresa marítima, todas as decisões são tomadas com a finalidade
de alcançar o objectivo agregado da minimização dos custos e a maximização
da sua receita. Portanto, não será possível a um qualquer armador escolher
uma bandeira, sem considerar os benefícios fiscais que dela podem advir.
Todos sabemos que, para a participação em concorrência no mercado, o
registo aberto tem enorme influência, pelo que um armador também o vai
considerar.
Apesar do aumento contínuo da frota de navios em todo o mundo, tem
decrescido o número total de acidentes marítimos ao longo das últimas
décadas. No entanto, convém perceber quais as causas directas e indirectas
dos acidentes (e incidentes) que estão na sua génese. De entre elas, podemos
listar o tipo, dimensão e idade do navio, a sua área de tráfego e as condições
meteorológicas (ligadas ao tipo de incidente mais comum, o naufrágio). A
somar a estas, importa perceber o papel desempenhado pelos Estados de
4
O registo facilita as transacções financeiras dos navios, a sua compra e venda e a
constituição de hipotecas.
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bandeira e qual a sua quota-parte de responsabilidade nos acidentes de
transporte marítimo 5.
Os factores económicos, claro, têm impacto sobre a segurança do transporte
por mar, tendo à cabeça os tempos de descanso de tripulação associados ao
insuficiente número mínimo de tripulantes necessários para operar o navio.
Assim sendo, o desempenho do Estado de bandeira continua a ter um papel
importante na qualidade e segurança de embarcações marítimas por todo o
mundo.
Actualmente, os principais países de bandeira de conveniência são: Libéria,
Panamá, Honduras, Costa Rica, Bahamas, Bermudas, Singapura, Filipinas,
5
Os dados mais recentes mostram que o baixo desempenho de alguns Estados de bandeira
ainda é um factor associado – falha no controlo técnico do navio e a não ratificação de
convenções da IMO. Fonte: European Maritime Safety Agency (EMSA).
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Malta, Antígua, Aruba, Barbados, Belize, Bolívia, Birmânia, Camboja, Ilhas
Canárias6, Ilhas Caimão, Ilhas Cook, Chipre, Guiné Equatorial, Gibraltar,
Líbano, Luxemburgo, Ilhas Marshall, Maurícias, Antilhas Holandesas, San
Vicente, Santo Tomé e Príncipe, Sri Lanka, Tuvalu, Vanuatu, entre outros.
Segundo o Worldwatch Institute, 70% do total de tonelagem de carga
transportada pela frota mercante mundial são propriedade de países
desenvolvidos e 67% dessa tonelagem navega o mundo em navios de
bandeira de conveniência.
Concluímos, portanto, que cerca de 60% dos navios que navegam pelos mares
do mundo arvoram pavilhão de conveniência.
E na indústria, de charme e glamour, dos Cruzeiros é diferente?
Em Dezembro de 2013, o navio de cruzeiro Saga Ruby (registo Malta),
durante o seu último cruzeiro pela Saga Shipping Company, Ltd, quando
navegava para o Caribe, a partir de Southampton, teve que escalar as
Ilhas Canárias, devido a problemas nos geradores. Aí, foi confirmado
que um dos geradores estava com uma avaria grave que afectava todo o
sistema de ar condicionado do navio. Em vez de tentar navegar para o
Caribe, a Saga Shipping Company, Ltd anunciou que, “para conforto dos
passageiros, seria melhor mudar o itinerário e navegar no Mediterrâneo,
onde se poderia operar sem ar condicionado”. Solução, no mínimo,
interessante, esta de em vez de reparar o gerador se alterou a viagem
contratada com 557 passageiros…
6
Registo Especial das Ilhas Canarias, inicialmente criado como segundo registo, mas hoje
considerado como bandeira de conveniência. Especificamente, em Espanha, 54% dos navios
adoptam bandeiras de outros países, 45% o pavilhão do Registo Especial das Ilhas Canarias,
restando um 1% da frota no Registo Nacional da Espanha.
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Recentemente, foi reprovado numa inspecção surpresa executada por
um dos Centros de Controlo e Prevenção de Doenças (CDC) 7 dos
Estados Unidos, o navio de cruzeiro Silver Shadow 8 da linha de
cruzeiros de luxo SilverSea Cruises, Ltd. O que torna este incidente
notável (excêntrico, diria eu) é que os inspectores CDC descobriram que
a linha de cruzeiros estava envolvida “num esforço organizado de desvio
(acto de esconder) de mais de 15 carrinhos cheios de alimentos secos,
especiarias, alimentos enlatados, alimentos pré-cozinhados, leite, carnes
cruas, ovos pasteurizados, queijos de todos os tipos, produtos de
panificação, frutas cruas e legumes crus, além de vários utensílios de
cozinha, panelas e louças, para mais de 10 camarotes individuais,
através de dois ou três membros da tripulação de cozinha, com o intuito
de evitar a inspecção, por parte dos funcionários que desempenhavam
esse acto… Todos esses alimentos foram inutilizados (pelos inspectores
CDC) com o recurso a vazamento de cloro concentrado sobre eles,
como garantia de que não voltariam a ser utilizados”.
Sim, uma linha de cruzeiros de luxo, com categoria atribuída de 6 estrelas à
sua cozinha, foi literalmente “apanhada” a esconder carne, peixe, ovos e queijo
debaixo dos beliches, nos alojamentos da tripulação, na tentativa de enganar
os inspectores sanitários dos Estados Unidos! Na verdade, estes dois
exemplos revelam como alguns operadores exploram (de forma aviltante) os
navios, até ao último cêntimo.
Nestes últimos anos, apesar de toda a evolução das propostas, itinerários e
opcionais apresentadas e do surgimento de novas construções (com navios
sofisticadíssimos), o mercado tem vindo a sofrer enorme recessão, muito
devido aos incidentes que têm acontecido, transmitindo uma péssima imagem
à indústria. Porém, as tendências do mercado mundial de cruzeiros voltam,
agora, a apontar para o crescimento. Em 2014, segundo dados apresentados
pela Cruise Line Internacional Association (CLIA), o mercado mundial de
cruzeiros poderá atingir os 21,7 milhões de passageiros, através das cerca de
60 empresas operadoras, e, ou, armadoras presentes na indústria e com o
surgimento de mais de 20 navios novos. Isto poderá representar um aumento
de várias dezenas de milhões de euros de receitas a mais para este ano.
Os navios de passageiros têm sido registados longe dos países de operação. A
principal razão apresentada é a de evitar a proibição de determinadas
actividades a bordo, como o jogo e o consumo de álcool. No entanto, todos
sabemos que as razões principais são a menor exigência técnica, por parte dos
7
Relatórios CDC – Centers for Disease Control and Prevention – ao navio Silver Shadow do
operador Silverseas Cruises Ltd – a 17/06/2013 – dos 82 itens inspeccionados foram
levantadas 44 não-conformidades e, ou, violações.
8
Registado nas Bahamas.
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Estados de bandeira, a fuga aos impostos e a utilização de tripulação com
baixos índices de remuneração e condições de trabalho.
A bandeira das Bahamas tornou-se o registo padrão sendo, de longe, a
bandeira mais popular entre os navios de cruzeiro, actualmente, somando 83
navios sob a sua bandeira, com uma tonelagem de porte bruto aproximada de
5 milhões9. Só a Royal Caribbean International tem 15 navios acima de 70.000
tpb nesta bandeira. A seguir vem a NCL (Norwegian Cruise Line), com 10
navios nesta bandeira, mantendo o pavilhão dos EUA, apenas, ao navio Pride
of America.
Houve tempo em que muitos navios de cruzeiro arvoraram a bandeira
panamiana. Actualmente, apenas duas grandes operadoras de navios de
cruzeiro utilizam o registo Panama, a Carnival Cruise Lines e a MSC Cruises.
Têm vindo a surgir registos (no sector de cruzeiro) noutros Estados, como
Bermudas e, mais recentemente, Malta e Portugal (MAR). Enquanto isso, uma
série de países, principalmente Itália e Holanda, têm visto os navios de cruzeiro
retornarem aos seus registos nativos. No inverso, a Grã-Bretanha viu,
recentemente, a P&O e a Cunard retirar navios emblemáticos para registo
Bermuda e Vanuatu (QE2). O pavilhão Bermudas abriga cerca de 22 grandes
navios de cruzeiro, perto de 2 milhões de tpb, não só à custa da P&O e
Cunard, mas também da Carnival e a Princess Cruises. Um dos truques de
marketing interessantes que a bandeira das Bermudas introduziu foi o de
permitir que os Comandantes possam realizar casamentos a bordo. Outra, é
que, muito embora a bandeira das Bermudas seja britânica 10, o seu registo tem
e cumpre legislação diferente, em especial no que se refere a Convenções
IMO. Isto é, evidentemente, um novo trunfo e fonte de receitas adicional para
as operadoras.
9
Somadas as frotas das “major” (Royal Caribbean, Carnival, NCL, Seabourn, Regent 7 Seas e
Hapag-Lloyd Cruises) representam, por si, mais de 80% da frota de cruzeiro com registo
Bahamas.
10
A “The Commonwealth of Nations”, vulgarmente conhecida como a Comunidade Britânica,
(British Commonwealth).
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A bandeira italiana voltou a ganhar influência significativa desde que a Costa
Crociere regressou ao registo nacional (registava anteriormente no Panamá),
trazendo a sua associada alemã Aida Cruises, pelo que esta bandeira europeia
convencional tem, agora, 24 cruzeiros registados, (com um pouco mais de 1,9
milhões de tpb).
Já com a bandeira alemã, apenas se mantém um navio de cruzeiro importante,
o Deutschland, de Peter Deilmann, sendo que a maioria da frota alemã está
registada nas Bahamas (Hapag-Lloyd ) ou Malta (TUI Cruises). Enquanto isso,
a suíça MSC Cruzeiros mantém os seus navios registados no Panamá.
A Holland America Line, por sua vez, que durante anos deixou a bandeira de
seu país de origem, para optar pelas do Panamá e das Bahamas, voltou e,
hoje, toda a sua frota foi devolvida à sua terra de origem e registada na
Holanda, embora na esfera de influência comercial da Carnival.
Navios de Cruzeiro com Bandeira
11
Europeia
Tonelagem (tpb)
30
25
Alemanha
22.560
França
16.000
Grecia
15.900
15
658.400
10
Holanda
Itália
1.901.000
Noruega
134.500
Portugal (MAR)
68.500
Russia
45.600
Suécia
35.000
UK
204.200
20
5
0
A. Costa
Uma bandeira que surgiu nos últimos anos é a de Portugal, através do seu
registo da Madeira (MAR – Madeira Register). Além da frota de quatro navios
que fazem base em Lisboa, da Portuscale Cruises, desde o ano passado,
também conta com a frota de dois navios da IberoCruceros, mais uma marca
comercial da Carnival Corp & PLC, o que, agora, dá a Portugal uma frota de
seis navios de cruzeiro.
Como atrás refiro, o Reino Unido é o perdedor dos últimos anos, já que viu toda
a frota da P&O e os “Rainhas” da Cunard fugirem para o registo Bermuda.
Ironicamente, os únicos navios com bandeira UK são os três navios ex-Sitmar,
11
Não inclui os navios ferry.
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que agora pertencem à subsidiária P&O Australia Cruises e um pequeno navio
de excursões de cariz científico da National Geographic, o Lord of the Glens.
É surpreendente como a bandeira norueguesa desapareceu, quase que
totalmente, dos navios de cruzeiro, já que, até há alguns anos atrás, a Fred
Olsen Cruise Lines ainda a usava. Hoje, mesmo com um registo aberto
offshore, que permite aos armadores noruegueses evitarem os pesados
impostos nacionais, o registo norueguês foi relegado para o tráfego costeiro
com a frota Hurtigruten.
Nomes e marcas como a Norwegian America Line, Norwegian Cruise Line,
Royal Caribbean Cruise Lines, Flagship Cruises e Royal Viking Line têm vindo
a desaparecer ou a serem adquiridas, ao longo dos anos por investidores
malaios e norte-americanos. A única que se mantém propriedade norueguesa é
a Fred Olsen, embora os seus navios estejam registados nas Bahamas.
O mesmo se passa com o registo grego, outrora áureo, por causa dos enormes
custos de vencimentos agora exigidos pelos sindicatos marítimos locais e pela
austeridade impulsionada pelo governo grego, em pleno quadro de resgate e
ajuda externa. Os armadores têm vindo a registar em Malta. As poupanças
decorrentes, desta substituição do registo grego pela bandeira maltesa, serão
da ordem dos 300 mil euros por navio, por mês 12.
Navios de Cruzeiro registados nas
principais BdC 13
Registo
Nº de
Navios
TPB
Bahamas
83
4.938.500
Panama
30
2.917.000
Bermuda
22
2.011.500
Malta
29
1.885.500
Ilhas Marshall
10
298.500
Portugal (MAR)
6
134.500
Vanuatu
2
70.500
Wallis Futuna Is
3
33.000
Palau
2
28.000
Chipre
2
19.500
Equador
8
17.000
Chile
5
12.800
Fiji
4
3.400
12
13
3%
15%
40%
16%
24%
Bahamas
Bermuda
Ilhas Marshall
Vanuatu
Palau
Equador
Fiji
Panama
Malta
Portugal (MAR)
Wallis Futuna Is
Chipre
Chile
A. Costa
Fonte: Cruise News, (14-03-2011).
Não inclui navios de tipo Ferry.
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O registo da Libéria, tão popular entre os proprietários americanos, está morto
para navios de cruzeiro. Junto com o Panamá, a Libéria costumava ser a outra
bandeira líder de conveniência, mas tem vindo a perder para os registos de
Malta e das Ilhas Marshall.
Podemos concluir, portanto, que na indústria de cruzeiros, o peso das
bandeiras de registo aberto é muito superior ao do registo convencional,
suplantando a influência relativa encontrada na indústria de transporte de
mercadorias.
Então, e na pesca também há BdC’s?
A organização ambientalista Sea Shepherd denunciou que barcos
japoneses mataram baleias no Santuário das Baleias do Oceano Austral,
zona que circunda a Antártida onde é proibida a caça comercial,
informou a imprensa local. A frota japonesa é formada por cinco barcos
que se encontram no interior da zona protegida, segundo a organização.
A Sea Shepherd divulgou imagens e fotografias de três baleias minke
mortas no convés do navio-fábrica Nisshin Maru, além de uma quarta
espécie, que estaria sendo abatida quando um helicóptero da Sea
Shepherd sobrevoou o navio. "É uma cena horrível, sangrenta e
medieval, que não tem lugar neste mundo moderno", disse o presidente
da Sea Shepherd Australia, Bob Brown, que acusou o governo
australiano de não cumprir a promessa de vigiar a área.
A maioria das operações de pesca industrial agem dentro da lei, mas alguns
vão para o mar com a intenção de roubar peixe. Fazem-no de várias formas:
não relatam ou escondem a captura, utilizam artes de pesca ilegal, pescam
sem licenças e, até mesmo, chegam a pintar novos nomes nos navios, em altomar, para evitarem a detecção pelas autoridades. Como se poderá confiar
quando o governo do Camboja 14 – que nunca teve qualquer controlo sobre os
navios sob a sua bandeira e, portanto, se pode considerar cúmplice das
actividades ilegais, praticados por esses navios em alto-mar – vendeu a
autoridade para registo de navios oceânicos, a uma empresa privada da Coreia
do Sul, por 6 milhões USD?
A pesca ilegal é uma enorme e perigosa ameaça à sustentabilidade da pesca
em todo o mundo. Algumas estimativas sobre a pesca ilegal e, ou, não
regulamentada causa perdas financeiras anuais de perto de 23.500 milhões
dólares em todo o mundo, sendo responsável por 20 por cento de todos os
peixes marinhos selvagens capturados, globalmente. Em algumas partes do
mundo, a situação é ainda mais grave. Por exemplo, na África Ocidental, os
cientistas calculam que a pesca ilegal representa 40 por cento de todo o peixe
capturado.
14
Com 200 navios registados em 2009, O Camboja foi o 3º maior fornecedor de bandeira de
conveniência para navios de pesca.
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A FAO – Organização para a Alimentação e Agricultura das Nações Unidas –
alertou que 75% das reservas populacionais de peixe de todo o mundo se
encontram sobre exploradas ou esgotadas e, portanto, são urgentes medidas
de gestão e conservação. Na tentativa de obviar a situação, alguns governos
têm vindo a impor limites às actividades das frotas de pesca em águas sob a
sua jurisdição.
A pressão sobre as reservas de peixe de todo o mundo é a mais alta de todos
os tempos, com as frotas de pesca enormes e modernas a utilizarem
tecnologia de ponta, tanto na localização como na captura, para pescarem em
locais que, até há poucos anos, estavam fora de alcance, fossem pela sua
profundidade, longinquidade ou perigosidade.
Actualmente, as frotas perseguem e capturam peixe em praticamente todas as
partes e oceanos do mundo, mesmo em locais considerados reservas e
santuários naturais. Navios de transformação enormes – autênticas fábricas
flutuantes – que processam, congelam e embalam – permitem que outros
navios menores pesquem e para eles descarreguem a captura, em alto mar e
continuem a pescar, indefinidamente. As populações de algumas espécies
estão tão depauperadas que, alguns cientistas, associam esta actividade com a
extinção, no passado, de algumas espécies animais – caso do búfalo norteamericano.
A forma como alguns interesses da indústria procuram evitar os controlos mais
rigorosos pelos países ribeirinhos é o registo dos navios em bandeiras de
conveniência. Segundo a lei internacional, o país cuja bandeira a embarcação
arvora é responsável por controlar as actividades desse navio, para garantir
que ele cumpre com as normas pertinentes, tais como a regulamentação da
pesca, as normas de segurança e de trabalho e muitos outros. No entanto, os
países BdC permitem que os barcos de pesca sob a sua bandeira – apenas
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com o pagamento de uma taxa – possam ignorar e violar das leis internacionais
de pesca. Estas embarcações "piratas" podem pescar como se as regras
estabelecidas pelos países dos seus proprietários e pelo direito internacional
não se aplicassem. Como exemplos, mais flagrantes, temos os registos
Honduras, Camboja, Panamá, Belize e São Vicente e Granadinas. Os navios
pesqueiros sob estas bandeiras têm vindo a ser considerados como os piores
criminosos dos países BdC.
É do conhecimento geral que estas frotas têm estado, particularmente, activas
na pesca de espécies de alto valor comercial, como o atum e a pescada negra.
Estas espécies encabeçam os preços no mercado japonês, onde o “sashimi”
de atum atinge mais de 100 US Dólares, o quilo.
No entanto, a estimativa do tamanho e do impacto das frotas BdC são difíceis
de avaliar, pois são muito fluidas, alterando nomes e bandeiras, facilmente e
com frequência, aos navios, movendo-se sem ser detectados, com o recurso à
utilização de “empresas de fachada”, para esconder a identidade dos seus
proprietários. Em 1999, uma organização regional de pesca, a Comissão
Internacional para a Conservação dos Tunídeos do Atlântico (ICCAT), estimou
que havia pelo menos 345 embarcações BdC a pescar atum, arvorando 16
bandeiras diferentes. Outra estimativa, esta da Lloyd (Maritime Information
Service) listou mais de 1300 navios de pesca, com mais de 24 metros de
comprimento, em bandeiras de conveniência.
Estes navios “piratas”, além de contribuírem para o problema da sobre pesca
global, também pescam em águas costeiras dos países em desenvolvimento
(p. ex, ao largo das costas da África) que não possuem meios adequados para
patrulhamento das suas águas, o que resulta em impactos prejudiciais, tanto
nas populações de peixe, como no emprego e segurança alimentar.
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A grande arma na luta contra a pesca ilegal poderá estar na obrigatoriedade de
afixação do número IMO nos navios e nos acordos do Estado do porto, aos
quais estes navios vão começar a estar sujeitos. Há, ainda, um consenso geral
de que, para tratar eficazmente a pesca pirata 15, os países deviam negar, aos
navios de pesca BdC e aos seus navios de apoio, o acesso aos portos e
instalações portuárias.
Bem, mas na super exigente e rigorosa indústria petrolífera, também é
assim?
A Deepwater Horizon era uma plataforma semi-submersível de
perfuração offshore posicionada em águas ultra-profundas16.
Propriedade da Transocean (havia sido encomendada pela R & B Falcon
– que mais tarde se tornou parte da Transocean – à Hyundai Heavy
Industries, na Coreia do Sul), era operada por uma empresa suíça sob
contrato com uma empresa de petróleo britânica (BP) e estava registada
em Majuro, Ilhas Marshall. A 20 de Abril de 2010, durante a perfuração,
explodiu numa bola de fogo visível a mais de 35 milhas (56 km) de
distância, matando 11 tripulantes. O incêndio resultante não pôde ser
extinto, acabando por se afundar a 22 de Abril, deixando o poço a jorrar
do fundo do mar, no que foi o maior derrame de petróleo no mar da
história dos EUA.
A principal responsabilidade pela segurança e inspecções da plataforma,
contudo, não pertencia às autoridades dos EUA, mas às da República das Ilhas
Marshall, um pequeno e pobre país do Oceano Pacífico. As Ilhas Marshall são
um labirinto de pequenos atóis (de área muito inferior à do campo petrolífero
onde operava a malfadada plataforma), que entregam a empresas privadas a
maioria das suas responsabilidades como Estado bandeira. Quando se
procurou saber o que sucedeu de errado na pior catástrofe ambiental da
história dos EUA, esta miscelânea internacional de autoridade dividida e
prioridades, por vezes conflituantes, emergiu como um factor crucial subjacente
ao acidente.
Sob a lei internacional, as plataformas de petróleo, como a Deepwater Horizon,
são tratados como navios, sendo que as empresas estão autorizadas a registá15
O nome técnico correcto é IUU – Illegal, Unreported and Unregulated Fishing. A pesca ilegal
refere-se a actividades exercidas por navios, nacionais ou estrangeiros, nas águas sob a
jurisdição de um Estado, sem a autorização do mesmo, ou em violação das suas leis e
regulamentos. A actividade de pesca não declarada é a que não tenha sido declarada ou que o
tenha sido de forma deturpada, à autoridade nacional competente. A pesca não regulamentada
refere-se a actividades numa área de uma organização de gestão da pesca regional, exercidas
por navios sem nacionalidade, ou por aqueles que arvorem pavilhão de um Estado que não
seja parte dessa organização.
16
Poço mais profundo na história, a uma profundidade vertical de 35.050 pés (10.683 m), no
bloco 102 do Keathley Canyon (campo de petróleo Tibre), a, aproximadamente, 250 milhas
(400 km) a sueste de Houston.
António Costa – Fevereiro de 2014
Página 14
las em lugares tão improváveis, quanto estranhos, como as Ilhas Marshall,
Panamá e Libéria – reduzindo o papel das autoridades, dos locais onde
operam, na fiscalização e aplicação de padrões segurança e outros. Essas
plataformas podem, pois, operar sob diferentes padrões mínimos de inspecção
estabelecidos nos tratados marítimos internacionais.
Alguns especialistas da indústria offshore, bem como alguns sobreviventes da
explosão, afirmam que o registo estrangeiro também havia provocado uma
estrutura de comando confusa e falta de pessoal, factores que poderão ter
contribuído para o desastre, já que os diferentes tipos de equipamentos são
classificados de formas diferente, pelo que as Ilhas Marshall atribuíram à
Deepwater Horizon uma categoria que lhe permitia níveis de lotação mais
baixos. Responsáveis da Transocean e das Ilhas Marshall rejeitam as
alegações, alegando que eram cumpridas todas as exigências da lei e que
operavam segundo os mais elevados padrões da indústria.
O fenómeno BdC criou, assim, um sistema pelo qual os Estados competem
pelos registos de navios, com políticas laxistas que prometem reduzir os
custos, mantendo os impostos, taxas e encargos muito baixos. Podemos,
portanto, inferir que, para evitar a responsabilidade e explorar lacunas na
legislação internacional, a indústria marítima usa como recurso comum e
generalizado o registo em “Estados de Bandeira de Conveniência” – países
onde é mais fácil registar navios e cujas legislações são permissivas. Neste
mercado, de conveniência ou registos abertos, vigora um regime de menor
responsabilidade e maior impunidade.
A UNCLOS III – United Nations Convention on the Law of the Sea 17
No sistema das bandeiras de conveniência, os registos estão divorciados da
fiscalização governamental. A Coreia do Norte tem um registo próspero, tanto
quanto a interior Mongólia, país sem costa. O registo da Libéria, o segundo
maior do mundo, floresceu mesmo durante mais de dez anos de guerra civil.
Alguns registos permitem que os donos de navios que mudem a bandeira
anterior num prazo de 48 horas, exigido pouco mais que uma assinatura ou o
preenchimento de um formulário online. Muitos nem sequer pedem que os
donos revelem as suas identidades.
A Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar III declara, através do
Princípio da Efectividade, a necessidade do Estado que concede o Registo
Livre exercer uma efectiva e concreta capacidade em governar ou controlar o
17
Os Estados Unidos, que estiveram entre as nações que participaram da terceira Conferência
das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, que decorreu de 1973 a 1982, que resultou no
tratado internacional conhecido como a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar
(UNCLOS), entrou em vigor em 1994, mas não a ratificou.
Portugal aprovou e ratificou, tendo sido publicada no Diário da República n.º 238/97, Série I-A,
1.º Suplemento, de 14 de Outubro de 1997.
António Costa – Fevereiro de 2014
Página 15
navio, sem a qual estará inabilitado para possibilitar o registo. No entanto,
muitos Estados não se sentem obrigados a respeitar as regras de cooperação
devido à incerteza de que os outros farão o mesmo, não havendo, assim,
expectativa de obediência recíproca das normas internacionais, devido a falta
de um poder superior que as aplique. Neste sentido, a citada Convenção
apresenta o Princípio da Cooperação Internacional, impondo a todos os
Estados o dever de cooperarem entre si para tomar as medidas que, em
relação aos seus respectivos nacionais, possam ser necessárias para a
conservação dos recursos vivos do mar.
Esta mesma Convenção, no seu Artº. 91, exige que haja um forte elo entre o
estado do pavilhão e o navio, preconizando que os estados signatários devem
estabelecer os requisitos necessários para a atribuição da sua nacionalidade a
navios, para o registo de navios no seu território e para o direito de arvorarem a
sua bandeira.
Como se deduz, de forma clara, a UNCLOS III, demonstra sem margem para
dúvida, que as BdCs são ilegais à luz do direito internacional, pela
demonstração de que não há vínculo genuíno entre o pavilhão do navio e a
nacionalidade do seu beneficiário efectivo. Mesmo assim – as bandeiras de
conveniência prosperam desde a adopção da Convenção.
Também a primeira convenção STCW da IMO, sobre competências da
tripulação, se mostrou totalmente ineficaz. Igualmente, a nova versão dá alguns
sinais de diluição, porque em relação às principais origens da oferta de
trabalho, os países mostram-se incapazes de apresentar padrões consistentes
e confiáveis de treino e os maiores Estados de bandeira do mundo (com maior
número de navios e tonelagem registada) – como o Panamá, Libéria e outros –
não demonstram qualquer interesse em treinar e formar as suas tripulações.
Da mesma forma, o código ISM projectado para vincular a responsabilidade
onde verdadeiramente ela se encontra – no armador – embora com alguns
pormenores positivos, sofre o mesmo desvio que a STCW. Isto prova o
falhanço claro das regras de cooperação impostas pela UNCLOS.
Neste estado de coisas, o Port State Control é a esperança, favorita de todos,
mas apenas porque oferece o que a própria IMO não pode fornecer, uma
inspecção credível. Infelizmente, como mais à frente explicarei, o Port State
Control (PSC) varia em qualidade e intensidade, conforme os Estados e
respectivas capacidades e limitações. Nem todos podem ser tão rigorosos
como os europeus (alguns) e australianos.
António Costa – Fevereiro de 2014
Página 16
Chegados aqui, questiona-se: por que falham a IMO e a regulamentação
que emite?
O Maritime Maisie 18, um navio tanque químico está sob reboque há sete
semanas, em águas entre o Japão e a Coreia do Sul. De 44.000
toneladas de porte bruto, colidiu com outro, a nove milhas náuticas de
Busan, Coreia do Sul, a 29 de Dezembro de 2013, o que lhe causou
rombo num dos tanques e provocou um incêndio. Cerca de 20.000
toneladas de produtos químicos e de 640 toneladas de óleo combustível
pesado ainda permanecem a bordo do navio.
O armador e a empresa de salvação contratada (Nippon Salvage) têm
vindo a desenvolver esforços para convencer, qualquer um desses dois
países, a fornecer um lugar de refúgio, onde a restante carga possa ser
descarregada em segurança, para outro navio. Até agora, não obtiveram
qualquer resposta positiva 19. Tanto a Coreia do Sul como o Japão, são
membros da Organização Marítima Internacional (IMO) – actualmente.
fazem parte da sua board – que adoptou orientações, não vinculativas,
sobre locais de refúgio para navios, há uma década atrás. Estas
orientações seguiram-se ao grave acidente do Prestige, na Europa.
Um porta-voz da INTERTANKO, associação de armadores, afirmou que
“Os Estados-Membros não estão a cumprir o espírito das suas
obrigações, com as preocupações locais a sobreporem-se ao interesse
geral”.
Este caso destaca a falta de consenso global sobre a designação de portos
seguros para os navios em perigo. Os dois países estão muito mais
preocupados com o risco de um derrame ou de poluição ambiental no porto, ou
nas suas águas, do que salvar o que se pode salvar, como se torna evidente.
As directrizes IMO são apenas directrizes. A política e as preocupações locais
assumem, sempre, a prioridade e torna-se difícil a sua implementação.
O Comité Maritime International, uma associação belga que agrupa várias
organizações de direito marítimo, apresentou (em 2009) uma proposta para
criar uma convenção IMO que apontasse para locais de refúgio obrigatórios.
Mas a IMO rejeitou, alegando que outras medidas – incluindo a convenção de
Nairobi 20 sobre a remoção de destroços – eram suficientes.
18
Propriedade da Tankers Aurora, transporta 29.337 toneladas de acrilonitrilo. Este produto é
facilmente inflamável, pode causar cancro e é altamente tóxico por inalação, em contacto com
a pele e por ingestão. É, ainda, Irritante para as vias respiratórias e pele, com o risco associado
de lesões oculares graves. Finalmente, é tóxico para os organismos aquáticos, podendo causar
efeitos nefastos a longo prazo no ambiente aquático.
19
A 12 de Fevereiro de 2014.
20
Entrada em vigor prevista para 2015.
António Costa – Fevereiro de 2014
Página 17
A IMO é, possivelmente, o único fórum global de estudo, construção e
lançamento de regulação que poderia permitir as reformas estruturais
profundas necessárias. No entanto, para ser eficaz (leia-se, bem sucedida) terá
de ser alterada a sua actual forma de constituição, já que se encontra
fortemente dependente, do ponto de vista financeiro, exactamente dos países
que mais prevaricam.
A avaliação anual de tonelagem registada constitui-se como base fundamental
da forma como a Organização Marítima Internacional é financiada. Em 2013,
pela primeira vez, a IMO publicou um relatório de contas completo, para os 12
meses anteriores. O documento especifica, em pormenor, como é financiada e
como é gasto esse dinheiro.
Cerca de 60% – perto de $USD 47.79M – do seu rendimento provém das
contribuições estatutárias 21. Estas contribuições, têm por base as informações
sobre a frota, originalmente fornecidas pela Lloyd Register (LR), subcontratada
pela IHS Maritime, derivando do cálculo da arqueação bruta total (GT) de cada
membro. Contam para este cálculo todos os navios, de 100GT ou superior (de
preferência medido no âmbito da Convenção Internacional de Arqueação
1969), dotados de propulsão própria (capazes de atingir uma velocidade
mínima de 7 nós), que tanto podem operar em águas nacionais como
internacionais. Na situação de afretadas em casco nu, num pavilhão diferente
do registo inicial, conta para o pavilhão com o qual estão a operar.
É, sem surpresa, que surge a bandeira do Panamá como o maior contribuinte
para o financiamento da IMO, com um valor aproximado de USD 9 milhões
(qualquer coisa como 18,63% do total), com a Libéria e as Ilhas Marshall
ocupando a segunda e terceira posições. Talvez, o mais inesperado, é o Reino
Unido surgir em quarta posição, isso devido às dependências britânicas
offshore, como Gibraltar, Ilha de Man e as Ilhas Cayman.
Têm-se constatado que existe uma impotência generalizada da IMO em
fiscalizar o cumprimento das normas pertinentes que publica. Isto sucede
porque, na realidade, os interesses marítimos se têm vindo, gradualmente, a
afastar de países desenvolvidos para países em desenvolvimento. Assim, o
peso considerável das bandeiras de registo aberto, tanto sob o aspecto do
financiamento, como no aspecto da sua governança (tendo países como o
Panamá e do Bangladesh no seu “board”), é um enorme handicap para o êxito
que seria lícito esperar desta organização.
A última fronteira – o Port State Control
O “San Marco” era um graneleiro Panamax construído em 1968, que
anteriormente havia pertencido a uma série de companhias de apenas
21
Taxas pagas pelos 170 Estados membros e três membros associados (Ilhas Faroé, Hong
Kong e Macau).
António Costa – Fevereiro de 2014
Página 18
um navio. Em Março de 1991 foi vendido a uma companhia chamada
“Sea Management”, por $3.2 milhões de dólares, tendo operado sob
propriedade de outra companhia, a “Shipping of Nicosia”, com sede em
Chipre.
Em Maio de 1993, foi detido pela Guarda Costeira Canadiana (CCG) por
problema estrutural e deficiências nos meios de combate a incêndio e de
salvação. Após este incidente, o clube de P&I retirou-lhe a cobertura.
Como o proprietário não pretendia proceder de imediato às reparações,
a sua sociedade classificadora, a Bureau Veritas (BV), retirou-lhe a
classe, após inspecção.
Seguidamente, o navio foi inspeccionado por um superintendente da
Hellenic Register of Shipping (HRS), para uma transferência de
classificadora e que o considerou em “boa condição e com boa
manutenção”. Foram emitidos, então, novos certificados de classe
limpos (pela HRS), sem qualquer recomendação de reparação.
No final de Junho, do mesmo ano, a CCG permitiu ao “San Marco” partir
de Vancouver, a pedido do armador 22. Porém, embora o HRS tivesse
emitido um certificado de classe limpo, o CCG apenas permitiu que o
navio saísse a reboque e não tripulado. Após sair das águas
canadianas, e à revelia das autoridades, foi suspenso o reboque e
colocada uma tripulação a bordo, com recurso a um helicóptero.
Daí em diante, o navio continuou a operar, sem reparação e com
certificados da HRS limpos. Obviamente, se o Controlo de Estado de
Porto Canadiano tivesse o poder legal de exigir as reparações antes da
partida, o navio estaria impedido de operar em condições deficientes e
perigosas para a navegação. Como não foi o caso, o “San Marco”
conseguiu passar pela malha da segurança.
Em Novembro de 1993, quando navegava 150 milhas ao largo da costa
Sul-Africana, numa viagem de Marrocos para a Indonésia, perdeu duas
secções de chapa de 14x7 metros, uma de cada lado do porão de carga
No.1 e as 5.000 toneladas de carga nele contidas. O navio procurou
abrigo em Cape Town e foi imediatamente detido pelo Departamento de
Transporte. Como não era possível continuar a operar sem despender
uma quantia significativa nas reparações, o navio foi subsequentemente
vendido para sucata, em leilão público.
Este caso ilustra como armadores, sociedades classificadoras, seguradores e
estado bandeira não têm feito, correctamente, o seu trabalho. Se todas as
partes envolvidas agissem de forma responsável e prudente, o controlo do
22
A CCG não tinha qualquer poder legal para obrigar o proprietário a proceder às reparações
localmente.
António Costa – Fevereiro de 2014
Página 19
estado do porto não seria necessário. Os mecanismos de controlo aplicados
pelos estados bandeira e sociedades classificadoras provaram não serem
suficientes na erradicação dos navios não conforme com os padrões definidos
para a indústria.
Muitos registos não têm capacidade e, ou, vontade para monitorizar a
segurança e as condições de trabalho nos navios, ou para investigar acidentes.
Em lugar disso, são concedidos por sociedades de classificação privadas,
certificados de segurança de navios. Os proprietários podem escolher a
sociedade que quiserem – e os piores, previsivelmente, escolhem as menos
exigentes.
O Estado de Porto refere-se à autoridade que um país exerce no controlo
regulador sobre o navio comercial registado noutro país ou pavilhão que está
de escala em porto desse país. Esta autoridade só é exercida quando esses
navios operam nas águas territoriais desse país e visa eliminar a operação de
navios sub-standard através de um sistema harmonizado de controlo portuário.
Obedece a um Código de Boas Práticas que engloba três princípios
fundamentais, segundo o qual todas as acções das PSCO’s são julgadas por:
•
•
•
Integridade Moral, como assunção de honestidade e independência a
influências de corrupção;
Profissionalismo, ao aplicar as normas de conduta profissional e
técnicas aceites 23;
Transparência, o que implica abertura e responsabilidade.
O Port State Control tem vindo a ser um importante factor dissuasor no mundo
do transporte marítimo. Os acordos regionais (MOU’s) nesta área foram
fortalecidos nas zonas onde está implementado, tendo sido alargado a novas
áreas. Actualmente, tornou-se quase impossível, a um armador, encontrar
portos onde os navios poderão operar sem a preocupação de estar sujeito a
inspecção por parte do estado do porto ou da possibilidade de detenção.
•
•
•
•
•
•
•
•
•
Paris MOU (Europe and North Atlantic region)
Acuerdo de Viña del Mar (Latin American region)
Tokyo MOU (Asia-Pacific region)
Caribbean MOU (Caribbean region)
Mediterranean MOU (Mediterranean region)
Indian Ocean MOU (Indian Ocean region)
Abuja MOU (West and Central African region)
Black Sea MOU (Black Sea region)
Riyadh MOU (The Gulf region)
23
Para os PSCO’s as normas de comportamento são estabelecidas pela autoridade marítima e
o consentimento geral dos Estados do porto (MOU’s regionais a que pertencem)
António Costa – Fevereiro de 2014
Página 20
Na zona de influência do Paris MOU pode ser recusado o acesso de navios a
qualquer porto na região do memorando se houver contornado uma detenção
ao não indicar, ou falhar a reparação no estaleiro indicado.
Após o acidente do “Erika” é mais difícil para um navio navegar entre os portos
europeus em incumprimento de exigências impostas pelo controlo do estado do
porto. A CE exige aos estados de porto europeus, como lei europeia, conferir a
conformidade com o ISM e a Convenção STCW, exigindo a detenção imediata
de um navio que apresente qualquer falha no cumprimento dessas duas
convenções, tal como se o navio não tivesse um certificado de classe. Esse
estado poderá permitir ao navio navegar, para evitar congestionamento no
porto, mas é-lhe exigido notificar os outros estados de forma adequada. Neste
caso, os outros estados membros poderão recusar o direito de entrada nos
seus portos até à completa conformidade do motivo que levou à detenção
original.
O PSC tem tido um papel cada vez mais importante no “policiamento” das
frotas mundiais, pelo que os operadores enfrentam a crescente ameaça de
inspecções de controlo pelos estados de porto. No entanto, na prática, têm sido
experimentados alguns dos problemas:
•
•
•
Como qualquer outro sistema executado por seres humanos, o sistema
de controlo de estado pode ser adulterado;
Infelizmente, o PSC não tem uma aplicação uniforme em todas as áreas,
às vezes, nem mesmo dentro da mesma região do MOU;
Tal como o número de MOU’s aumentou, também o número de países
aderentes aumentou. Isto gera um risco de maior variação de padrões
de inspectores e inspecções 24. Mesmo com o estabelecimento de um
padrão internacionalmente uniforme de competência para os
inspectores, não acontecerá necessariamente uma solução, já que tal
padrão poderá estar também sujeito a diferentes interpretações.
A USCG tem vindo a alertar para a dificuldade de se conseguir fazer
inspecções adequadas e rigorosas a navios de cruzeiro, já que as suas
estadias em porto são muito curtas e se encontram sobre pressão de milhares
de passageiros que, facilmente, “perdem a paciência” com atrasos que, para
eles, após o pagamento de elevadas verbas pelas excursões, “são dificilmente
explicáveis”.
Condições de vida a bordo – o ITF, a ILO e a MLC
No início de 2007, um monte de sucata de 35 anos de idade, com o
nome de “Al Manara”, teve uma avaria na máquina e andou à deriva
durante 18 dias, antes de ser salvo pelas Autoridades do Porto de
24
O controlo de estado do porto nunca é tão efectivo em diversos locais do mundo, quanto
num porto europeu, devido a capitais insuficientes e a falta de pessoal treinado.
António Costa – Fevereiro de 2014
Página 21
Seicheles. O navio não tinha qualquer certificado válido e encontrava-se
infestado com ratos. Os 20 tripulantes eram originários da Índia, da
Birmânia, da Somália, do Iraque, da Ucrânia, do Sudão e da Etiópia, não
eram pagos havia sete meses e tinham ficado sem comida.
Casos, como este, sublinham um problema comum para os marinheiros, em
todo o mundo: enfrentam uma posição legal muito mais complexa que qualquer
trabalhador que trabalhe em terra. Hoje, a bandeira de conveniência encontrase largamente difundida e cobre mais de metade da frota mundial.
A posição vulnerável dos marítimos há muito foi reconhecida. Podem estar
largos meses em alto mar e o seu lugar de trabalho também lhes serve de
casa. Isto pode tornar o trabalho, em tais navios, muito mais perigoso e menos
vantajoso, não valendo o esforço.
Porém, o que é conveniente para o armador pode revelar-se muito diferente
para os tripulantes. A quem podem pedir ajuda?
•
•
•
•
•
Ao estado de bandeira? Provavelmente não, o dinheiro que ganham é
pago pelas companhias, com sedes nos mais variados lugares e
regimes offshore.
Ao seu próprio país? Mesmo que haja alguma representação no porto
estrangeiro, vai ser um processo burocrático longo, incerto e, se calhar,
votado ao fracasso.
Ao estado do porto? O seu principal interesse reside na cobrança de
dívidas ao porto e mandar embora o navio.
Ao país sede do armador? O sistema está construído para disfarçar a
sua identidade.
À agência de contratação que engajou o tripulante? Uma estratégia
arriscada, pois pode ficar “marcado” e nunca mais conseguir outro
trabalho.
A Convenção da OIT sobre o Trabalho Marítimo, 2006 (MLC), adoptada na 94ª
sessão marítima da Conferência Internacional do Trabalho, entrou em vigor em
Agosto de 2013. A MLC garante um trabalho digno a 1,2 milhões de
trabalhadores marítimos em todo o mundo, assim como cria condições de
concorrência leal para os armadores, ao regular as questões fundamentais que
envolvem este sector, nomeadamente, a idade mínima de admissão ao
emprego, condições de trabalho, alojamento e alimentação, segurança e bemestar, cuidados de saúde e protecção social.
A Organização Internacional do Trabalho tem redigido, ainda, regulamentos
especiais para os marítimos, que cobrem a protecção contra o tratamento
degradante ou desumano, o direito de associação e adesão a sindicatos, bem
como o acesso a terra para o tratamento médico e lazer.
António Costa – Fevereiro de 2014
Página 22
Mas os instrumentos internacionais vigentes são cegos, a menos que alguém
obrigue o seu cumprimento. Dado o facto que as bandeiras de conveniência
surgiram para contornar os regulamentos, os armadores encontram nelas o
refúgio perfeito, sendo que os navios abaixo dos padrões tendem a ser
tripulados por marítimos sem experiência, que frequentemente são vítimas de
abuso.
Todas as repetidas tentativas de reforma, durante estes últimos anos, têm
esbarrado num facto muito simples: enquanto a maioria dos marítimos vêm de
países relativamente pobres, a maioria dos armadores são de países ricos e,
ou, considerados desenvolvidos. Baixar os níveis das condições de trabalho a
bordo, devido a regulamentos incapazes, não faz mais sentido, actualmente.
A Formação na CEE e a política de emprego
Franklin Drilon, líder parlamentar nas Filipinas, alertou que 80 mil
marítimos filipinos podem vir a perder os seus empregos se a União
Europeia (UE) levar por diante a ameaça de deixar de reconhecer a
respectiva certificação segundo as Normas de Formação, Certificação e
Serviço de Quarto (STCW), após a última auditoria às instalações de
formação de marítimos, levada a efeito pela Agência Europeia da
Segurança Marítima (EMSA).
Avisou, ainda, que o número de marítimos afectados pode subir aos 300
mil se outros países seguiram o exemplo da UE, pedindo uma reforma
da legislação, com carácter de urgência, antes que a EMSA lance as
conclusões no mais recente relatório de auditoria. A legislação proposta,
procura reforçar os poderes da Philippines Maritime Industry Authority
(Marina) na área de formação e certificação dos marítimos do país e
melhorar as competências e competitividade dos próprios marítimos
filipinos.
Uma vez finalizado o relatório EMSA, a Comissão Europeia irá tomar uma
decisão sobre a questão do reconhecimento, embora a mesma esteja, ainda,
sujeita a um parecer dos estados membros da UE.
Na realidade, no documento “Transportes Marítimos”, da Comissão Europeia,
sobre
“Política
Marítima
da
EU”,
publicado
em
http://ec.europa.eu/maritimeaffairs, pode ler-se a dado passo:
“A frota dos transportes marítimos da Europa continua a enfrentar uma
concorrência injusta de embarcações e operadores abaixo dos padrões,
sob bandeiras que não respeitam as suas obrigações ao abrigo da lei
internacional.
Através das suas relações externas, a União Europeia deverá pressionar
para se conseguir um maior cumprimento das regras acordadas e as
António Costa – Fevereiro de 2014
Página 23
suas políticas industriais, fiscais e de concorrência podem desempenhar
um papel no nivelamento das actividades.
A falta crónica de mão-de-obra qualificada no sector marítimo pode ser
resolvida com a revisão das políticas sociais relativamente às condições
de trabalho que facilite a mobilidade do emprego através de ligações
estreitas entre as políticas de formação, investigação e industriais e
aumentando o perfil e nível de atracção do sector marítimo,
especialmente, nas áreas de transporte marítimo e pescas”.
A comunidade marítima europeia enfrenta um grande desafio na formação de
um número suficiente de jovens para suprir adequadamente as necessidades
actuais e futuras das frotas comerciais dos Estados-Membros União Europeia.
Há também uma enorme e crescente procura por marítimos europeus treinados
e qualificados (oficiais) para trabalhar nos numerosos e variados sectores
industriais e, que, até certo ponto, dependem de um fluxo constante de
marítimos qualificados em conformidade com as Normas de Formação,
Certificação e Serviço de Quarto (STCW) da IMO.
O estudo “Career Mapping Update 2013 (CM2)” efectuado pela ECSA 25 e pela
ETF26, financiado pela Comissão Europeia, destina-se a responder a estes
desafios. As suas principais conclusões apontam para:
•
•
A maioria dos marítimos estagiários (tanto nacionais UE como não UE)
candidatam-se à formação marítima para, apenas, início das suas
carreiras no mar. As vantagens de uma futura carreira em terra, no
cluster marítimo, não se apresentam, na maioria das vezes, na lista de
razões para o ingresso na formação marítima.
Embora uma proporção significativa dos estagiários marítimos espere
permanecer no mar até a sua aposentação (como seria de esperar), a
maioria anseia sair do mar, antes disso, com a maioria a perspectivar 10
a 15 anos como a sua expectativa de tempo no mar, o que corresponde
aos actuais índices de tempo real no mar realizado por ex-marítimos
activos, antes de se transferirem para terra.
Das razões apontadas para a intenção de se transferirem para terra, os
marítimos europeus activos salientaram a pobre vida social conseguida a
bordo, o tempo e o custo de obtenção das qualificações marítimas mais
elevadas, melhores perspectivas de carreira a longo prazo em terra e a
necessidade de um novo desafio. Por sua vez, os não europeus colocaram
mais ênfase nos baixos salários e condições de trabalho no mar e uma
alteração das circunstâncias domésticas.
25
26
European Community Shipowners' Associations.
European Transport Workers' Federation.
António Costa – Fevereiro de 2014
Página 24
Quando, eventualmente, se pretendem transferir para terra, a grande maioria
dos profissionais marítimos activos desejam permanecer no mercado de
trabalho, onde as suas qualificações marítimas e conhecimento são úteis.
Aliás, têm consciência clara sobre o tipo de trabalho que gostariam de fazer em
terra. Não surpreende, pois, que os postos de trabalho em terra mais populares
lhes sejam as posições mais familiares, a partir de sua experiência no mar,
como superintendentes e gestores de operações, ao contrário de outros postos
de trabalho com os quais se sentem menos familiarizados, embora inseridos
nos clusters marítimos.
As preocupações mais importantes, nesta matéria, apresentados pelos
marítimos europeus, têm a ver com os poucos empregos alternativos
disponíveis em terra, com a perspectiva de diminuição do seu padrão de vida e
com a dificuldade em encontrar informação concreta sobre postos de trabalho
alternativos.
O estudo aponta, ainda, como prioridades, a importância de mais apoio aos
marítimos nas suas futuras carreiras através da melhoria das suas
qualificações e garantia de alguma estabilidade de emprego, maior
financiamento para o estudo/formação com vista a um futuro emprego em terra
e, finalmente, mais informação sobre a disponibilidade de empregos em terra.
Aliás, o estudo “A estratégia da União Europeia para o transporte marítimo
(2009-2018)” dedica uma especial atenção aos recursos humanos,
sublinhando, uma vez mais, a escassez de pessoal qualificado para tripular os
navios, que se está a tornar crítica na Europa, e as dificuldades em atrair
jovens para uma carreira ligada ao mar, “propondo a este propósito que a EU
adopte um conjunto de acções que se resumem no seguinte:
•
•
•
Pôr em prática um conjunto de medidas positivas, tendo por base um
ensino náutico de qualidade, que assegure uma perspectiva integrada
de carreira no mar e em terra, devidamente adequado às necessidades
dos armadores e das actividades sectoriais;
Promover a imagem do transporte marítimo e a dignidade profissional
dos marítimos, designadamente e no que a estes diz respeito, mediante
uma aplicação eficaz e generalizada da Convenção Consolidada Sobre
Trabalho Marítimo, da OIT;
Promover um melhor uso das tecnologias de informação e comunicação
e a adopção de outras medidas de forma a melhorar as condições de
trabalho, de saúde, higiene, qualidade de vida a bordo e formação”.
Os marítimos em embarcações BdC estão sempre numa espécie de área
incerta, onde nunca se sabe o que pode acontecer a seguir. Principalmente,
falta-lhes protecção para qualquer imponderável que lhes suceda. O trabalho
em navio BdC pode pôr em perigo a sua carreira por várias causas – doença,
António Costa – Fevereiro de 2014
Página 25
lesão física, instabilidade mental, falta de pagamento ou de descanso, etc. O
custo humano deste sistema é, inaceitavelmente, alto. Longas horas de
trabalho e programações portuárias extenuantes, raramente permitem que os
tripulantes tenham tempo suficiente para descansar.
O profissional do mar trabalha talentos, destreza, conhecimento técnico,
capacidade de resolução de problemas e ética de trabalho, o que o torna
altamente desejável, nalguns casos essencial, em trabalhos em terra dentro do
cluster marítimo. Mas, muitos não conseguem fazer a transição do mar para a
terra facilmente, particularmente aqueles que atingiram uma posição sénior por
alguns anos, com salários mais elevados.
Embora algumas empresas pareçam oferecer orientação e apoio para ajudar
os marítimos a gerir a transição mar/terra, muitas outras, se não a maioria,
precisam de fazer um investimento substancial nesta matéria.
Segurança da navegação internacional
A 11 de Fevereiro de 2014, difundido pela MI News Network:
A MPA 27 está preocupada com uma série de incidentes em águas de
Singapura. Na sequência das recentes três colisões, das quais
resultaram derrames de óleo, a Autoridade Marítima e Portuária de
Singapura está a conduzir investigações para determinação das causas
das colisões e se existem problemas sistémicos que precisam ser
abordados. Enquanto se aguarda o resultado dessas investigações, a
MPA vai implementar várias medidas, com efeito imediato, para
minimizar incidentes marítimos futuros.
A MPA irá realizar briefings para a comunidade marítima para reforço da
importância da segurança da navegação no Estreito de Singapura e
dentro das suas águas portuárias. Estes briefings, realizados em
parceria com a Singapore Shipping Association, será destinado aos
armadores, gestores de navios, afretadores de navios e agentes de
navegação, que têm canais directos para a transmissão de mensagens
de segurança para os comandantes e oficiais dos navios, enfatizando a
importância da segurança da navegação e de manter a vigilância
durante a navegação.
O Centro de Operações Controlo Portuário (POCC) 28, também, irá iniciar
transmissões sobre a importância da segurança da navegação e
vigilância no Estreito de Singapura e dentro de nossas águas portuárias.
27
28
Maritime and Port Authority of Singapore.
Estações de VTS.
António Costa – Fevereiro de 2014
Página 26
A MPA está seriamente preocupada com os recentes incidentes em
águas de Singapura. Estamos a trabalhar com a Singapore Shipping
Association (SSA) para a tomada de medidas imediatas para aumentar o
nível de consciencialização da segurança da navegação na comunidade
de transporte.
Os acidentes marítimos, muitos deles envolvendo derramamentos de óleo
mineral e, ou, óleo combustível pesado, têm sido um catalisador para a
regulamentação de protecção ambiental ao longo dos últimos 40 anos. O risco
ambiental está ligado ao tipo e quantidade de substâncias oleosas e, ou,
perigosas derramadas e à sensibilidade da área marinha afectada. Pode ser
feita uma clara ligação entre a protecção ambiental e a segurança do
transporte, com os acidentes a serem objecto de cobertura dramática por parte
da mídia, provocando uma resposta negativa da sociedade civil e “musculada”
de alguns políticos.
Estes acidentes vão-nos relembrando os potenciais perigos envolvidos no
transporte e apontando os holofotes às suas principais causas, incluindo o
papel desempenhado pelos Estados de bandeira.
Conclusão
Os navios de registo aberto têm dominado as listas do transporte marítimo
abaixo de padrões aceitáveis, o mau desempenho em segurança, os maustratos da tripulação, a poluição do ambiente marinho e da pesca ilegal, não
regulamentada e não declarada em alto-mar.
Devido à disponibilidade de procedimentos de registo pobres e laxistas e
controlos precários ou inexistentes, determinados Estados e organizações
internacionais têm levantado preocupações sobre o potencial uso de
embarcações em actos criminosos e terroristas. O registo BdC tornou-se muito
fácil e, totalmente, legal esconder as identidades dos proprietários dos navios.
Alguns Estados de bandeira usam, até, a promessa de anonimato como uma
atracção ao anunciar os seus serviços de registo. A natureza global da
indústria, as dificuldades ligadas à jurisdição do Estado de bandeira,
combinados com uma tradição de sigilo, pode tornar impossível o rastreio da
propriedade e o fazer cumprir o direito internacional.
É importante notar, no entanto, que a bandeira de conveniência não é,
necessariamente, uma coisa má. Mas, invariavelmente, tem levado a
resultados com implicações muito graves.
A globalização não pode ser razão para que os Estados não assumam a
responsabilidade pelos navios no seu registo. A Convenção das Nações
Unidas sobre a Lei do Mar é clara e específica, quando afirma que deve haver
um “vínculo genuíno” entre o navio e sua bandeira. Basta cumpri-la.
António Costa – Fevereiro de 2014
Página 27
Neste contexto, de indústria global, responsável pelo transporte de mais de
80% das mercadorias trocadas, comercialmente, em todo o mundo, os Estados
de bandeira, costeiros e de porto, as escolas de ensino náutico, os armadores,
os afretadores, os agentes de gestão de tripulações, as seguradoras e as
sociedades de classificação, de entre outros, têm um papel muito importante a
desempenhar na formação da imagem da actividade do Transporte Marítimo,
na procura de minimizar (se não excluir) as práticas laissez-faire 29 actualmente
instaladas.
Fontes:
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―
U.S. Department of Transportation
ITF – The International Transport Workers' Federation
WWF International
IMO – International Maritime Organisation
EMSA – European Maritime Safety Agency
Comissão Europeia (estudos)
ECSA – European Community Shipowners' Associations
Maritime and Port Authority of Singapore
Southampton Solent University
Shipping Statistics and Market Revue, 2012 – Institute of Shipping
Economics and Logistics
Revista digital “Transportes em Revista”
Los Angeles Times
Nature – International Weekly Journal of Science
gCaptain – http://www.gCaptain.com
Marine Insight – http://www.marineinsight.com
29
Laissez-faire é hoje a expressão-símbolo do liberalismo económico, na versão mais pura do
capitalismo de que o mercado deve funcionar livremente, sem interferência e com apenas os
regulamentos suficientes à protecção dos direitos de propriedade.
António Costa – Fevereiro de 2014
Página 28

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