Deixa me viver

Transcrição

Deixa me viver
Deixa me viver
1
© copyright Emanuel de Castro 2008
2
© copyright Emanuel de Castro 2008
Tradução de Orlanda Manuela Gonçalves De Araujo
3
© copyright Emanuel de Castro 2008
PREFÁCIO
A minha história é única, não me inspirei de um filme nem de um romance é simplesmente
a história da minha vida repleta de amizade, de amor, de angústia, e desespero. Os factos
mencionados são todos reais exepto alguns nomes que foram modificados com a intenção
de preservar a privacidade das pessoas.
Dir-me-ão vocês que hoje em dia, já há várias biografias publicadas sobre o mesmo tema,
no entanto estou convencido que vão descobrir que a minha é bastante diferente; não desejo
a ninguêm de passar por tudo aquilo que eu passei.
Eu quiz escrever este livro não apenas para livrar-me de certos pesadelos mas, ao mesmo
tempo para transmitir uma mensagem de amor e esperança ao leitor.
Gostaria de dizer pessoalmente àquelas pessoas que se identificarem comigo que nunca
desistam pois, a vida merece ser vivida.
Lembrem-se se estiverem desesperados há sempre um raio de esperança, uma pessoa que
gosta de si, pronta a dar-lhe a mão na altura em que sentirem encurralados. Há uma estrela
acima de cada um de vocês sigam-na, ela guiá-los-á durante a vossa existência.
Concerteza consideram a vida injusta e, muitas das vezes procuram entender porquê que
certas pessoas têem tudo e outras não têem nada. Parêm de se compadecerem, acreditem
que, enquanto um fôlego sair do seu corpo, por mais insignificante que seja, precisa lutar só
desta maneira, poderá alcançar uma vitória sobre a própria vida.
Fujam da solidão, procurem companhia haverá sempre alguém por perto, pronto à ajudá-lo.
Comuniquem as vossas experiências uns aos outros, e prestem atenção aos mais frágeis.
Aceitem a sua própria natureza pois acreditem que, o mais importante é o que está no fundo
do seu coração.
Podem crer que, se o futuro me reserva mais sofrimentos, eu estou preparado para enfrentálos, levantarei a cabeça eternamente até ao meu último suspiro e, se a morte estiver por
perto ficarei satisfeito por ter conseguido deixar esta obra aos meus familiares, aos meus
amigos e a vocês.
Com toda a minha afeição
Emanuel
4
© copyright Emanuel de Castro 2008
Como retratar numa obra tão pequena as alegrias todas, as vicissitudes, os sofrimentos, as
dores de um homem que luta há mais de 25 anos contra a própria morte.
Nesta síntese tentarei descrever o meu incrível percurso. Abatido com tantos infortúnios e
tantas desgraças levei durante estes anos todos, uma luta desenfreada para vencer a doença
causada pelo desaparecimento de seres muito queridos.
Foram tantas as vezes em que arrisquei a própria vida, entretanto recuperando a minha
coragem por completo retomei ânimo procurando a energia no amor dos meus próximos.
Apesar dos traumas provocados pela cobardia e pela crueldade de alguns homens
conhecidos no meio profissional, pelo abandono da minha mãe, pela separação com o amor
da minha vida, e pelo rancor acumulado com as doenças que tanto me destruíram, mantive a
mesma vontade de viver . Quero continuar a lutar para provar que, com esperança, fé em
Deus e, muita coragem não é impossível lutar e viver com estas terríveis doenças que tem
por nome: Sida e Cancro.
Devido á minha determinação e ao amor da minha vida sobrevivi a fim de partilhar com
vocês os bons e os maus momentos da minha existência.
O meu nome é Emanuel.
Nasci no Domingo 18 de Outubro de 1964 ao meio-dia, num lindo dia de Outono, numa
aldeia situada a Norte de Portugal.
Naquele dia, a minha pobre mãe que trabalhava com muito custo no campo dirigiu-se ao
hospital público para dar à luz à um menino que teria de enfrentar pela vida fora,
sofrimentos e desgostos.
Os meus pais tinham muito gosto em mim quando os vizinhos e os amigos lhes dirigiam
elogios de tão encantados que ficavam perante tão lindo bebé.
Eu era a quinta a criança da família, alias a última, uma vez que a minha mãe deu vida a
mais uma menina que infelizmente faleceu passados dezasséis dias.
A mãe tinha vontade de me mimar mais tempo, no entanto, mal eu nasci ela teve de ganhar
a vida, não tinha alternativa pois, havia bocas a sustentar.
Ela deixou-me no infantário até eu completar dois meses, entretanto, logo a seguir a uma
tragédia eu regressava ao domicílio familiar.
Alias, foi no próprio infantário, que eu sofri o meu primeiro trauma. Por uma razão
totalmente desconhecida uma enfermeira assistente usou pó ácido, em vez de talco, o que
assou por completo a zona do ânus e do pénis dos recém-nascidos que ela tratava de mudar.
O produto colocado provocou uma ferida nas primeiras crianças que gritavam com dores o
que alertou a atenção dela. Este foi tão corrosivo que, em certas crianças, o pénis ficou
5
© copyright Emanuel de Castro 2008
inteiramente descarnado.
Na altura por estar entre os últimos, o escaldão foi menos grave em contrapartida, a marca
do primeiro acontecimento trágico da minha vida ficou para sempre gravada em mim e
prejudicou uma parte da minha infância deixando uma sensação de mau estar.
Eu morava em Vizela, uma pequena aldeia perto de Guimarães situada a Norte de Portugal,
numa casa muito tosca, sem electricidade, nem água, desprovida de sanitários.
O chão da nossa humilde moradia era térreo e, nos dias de chuva, a água infiltrava-se pelo
telhado pouco estanque e escorria pelas paredes.
Dormíamos os quatro na mesma cama, dois ficavam à cabeceira, os outros dois aos pés da
cama para nos aquecermos mutuamente. Os próprios dedos dos pés das minhas irmãs
serviram-me algumas vezes de chupeta. O meu irmão mais velho dormia em cima de um
colchão pousado rente ao chão. Os colchões e as almofadas abarrotadas com palha
costumavam picar-nos o corpo todo, a maior parte das vezes nem dormíamos, e pela manhã
despertávamos como era habitual com pedaços de palha presas no cabelo.
Os sanitários ficavam situados do lado de fora da habitação na verdade, era uma pequena
barraca de madeira que abrigava uma fossa de rejeições, no interior havia duas tábuas de
madeira, agachados em cima daquelas duas tábuas, enquanto chovia do lado exterior,
cobríamos a cabeça com um saco de plástico para não ficarmos encharcados.
Quando tínhamos vontade de fazer as nossas necessidades, como não tínhamos papel
higiénico, velhos jornais ou meras folhas de couve resolviam o problema.
Quando o tempo ficava mais húmido, os próprios títulos da actualidade ficavam estampados
nos nossos traseiros pois a tinta escorria, as notícias não eram recentes pois os jornais já
datavam de algumas semanas.
Durante a noite fazíamos as nossas necessidades num penico colocado por baixo da cama
que ficávamos encarregados de esvaziar de madrugada.
A lida da casa era despachada num fechar de olhos, pudera ! dispúnhamos ao todo de três
camas no compartimento principal, de seis pratos e de dois potes na cozinha.
Minto, aquilo não era nenhuma cozinha, era o nome que dávamos ao lugar onde
cozinhávamos habitualmente pois, na realidade era um barracão com um forno em terra
usado principalmente para cozer o pão. A comida era preparada em potes de ferro colocados
préviamente em cima de brasa.
Para preparar uma sopa, ou outra refeição qualquer, a mãe precisava no mínimo de duas
horas, era costume comermos sopa e sardinhas assadas, guardávamos a carne para ocasiões
especiais tal como o dia da Páscoa.
No dia-a-dia ficávamos saciados com uns simples ovos no tacho e sopa de couves.
Para lavar a louça íamos buscar água á fonte esta ficava à meia milha de casa, as minhas
irmãs vinham carregadas com cântaros cheios de água á cabeça, envoltas em panos. Em dias
destinados a lavar a roupa elas costumavam ir e vir umas dez vezes ao dia, para elas era uma
distracção, estes eram os únicos momentos que ela dispunham para encontrar-se e divertirse com os seus colegas, ao mesmo tempo que enchiam os cântaros.
A pia situada junto à casa onde a roupa ficava a lavar, também servia para lavarmos os pés à
noite antes de nos deitarmos. Aos sábados á noite lavávamo-nos numa simples bacia de
alumínio, para de manhã cedo irmos asseados à missa do Domingo.
Embora fôssemos pobres a mamã insistia para que comparecêssemos sempre limpos diante
6
© copyright Emanuel de Castro 2008
do Senhor. O resto da semana usávamos uma simples toalha para nos enxugarmos. Aquecer
água quente para nos todos era complicado.
No verão era mais fácil a água ficava morna porém, no inverno as circunstâncias eram
outras, esperávamos horas a fio por água quente.
E o meu pai nesta história ? É verdade, nada vos contei ainda acerca do meu pai era um
homem esbelto, bastante alto, magro, muito engenhoso, ele era capaz de desmontar qualquer
objecto e consertava tudo com muita facilidade, ele também tinha um talento especial para
tocar uma infinidade de instrumentos de música, sem nunca ter assistido á uma só aula de
música, nem sequer uma simples partitura de música sabia ler . A mamã já me disse que
tenho parecenças com ele. Ele chamava-se Manuel e teve um papel central na minha vida,
infelizmente viveu pouco tempo.
O pai faleceu aos trinta e um anos, eu tinha na altura ano e meio. O papá não era nenhum
traste, a doença incitou-o a procurar a tasca da aldeia para gastar naquele sítio, o dinheiro
todo da casa no jogo da bisca.
As mulheres que ousavam entrar naquele armazém tinham por alcunha « mulheres com
bigode » elas eram as únicas a poder enfrentar os maridos, infelizmente, a mãe era
demasiadamente submissa logo não pertencia á comitiva.
O pai tuberculoso e ciente que estava para morrer, teimava e recusava obedecer a quem quer
que fosse, e muito menos à nossa mãe, a qual, a maior parte das vezes apanhava porrada
quando se negava a dar-lhe dinheiro para poder ir ter com os colegas.
Ele ficava fulo, e decidia arrastá-la pelos cabelos a fim de a obrigar a divulgar onde
escondia o dinheiro. A mãe nunca deu o braço a torcer, sabia de antemão que criar os filhos
era a prioridade dela e, quando ele entrava em crise ela procurava esconder-se em casa dos
vizinhos para escapar à surra. Ela não lhe guardava nenhum rancor porque tinha conciência
do sofrimento que ele aguentava. Apesar de ser maltratada por ele, ela continuava a amá-lo.
Antes de morrer o meu pai pediu-lhe perdão por todas as violências físicas e morais que ele
lhe tinha infringido e, desvaneceu na flor da idade, assistido por toda a família, tirando eu, o
mais novo, fiquei proibido de o ver no seu leito de morto, obrigaram-me a ficar perto da
porta juntamente com os vizinhos.
A mãe ficou numa miséria total, não tinha meios para comprar uma sepultura, por
conseguinte o pai foi enterrado numa vala comum, sem nome, nem sequer uma placa para
indicar a sua passagem no mundo terrestre.
Nada, um vazio imenso era como se ele nunca tivesse existido. Nem sequer uma foto.
Nadinha…
E eis a minha mãe viúva aos vinte e nove anos, com cinco filhos ao encargo e grávida de
novo. A vida castigou-a outra vez quando lhe arrancou dos braços a menina que embalava.
A mãe trabalhava numa fábrica de têxteis pagavam-lhe em escudos, o salário mensal era
equivalente a cinco euros. Com um salário tão miserável sustentar uma família de seis
pessoas tornava-se praticamente impossível.
7
© copyright Emanuel de Castro 2008
Como eu andava faminto, todos os dias lhe suplicava um naco de pão. A mãe começou a
ficar desanimada por ser incapaz de prover às nossas necessidades.
Felizmente uns vizinhos caridosos ofereciam-nos restos de sopa ou pão duro, que
molhávamos préviamente na água ou no café.
Sentía-me privilegiado por ser o mais novo da tribu. Os vizinhos achavam-me castiço e
querido, chamavam-me « Nelinho » diminutivo de Emanuel, davam-me sempre um pedaço
de pão ou uma tigela de sopa à mais e, eu não estava disposto a dividir pelos meus irmãos
tão famintos quanto eu.
O dono da mercearia da nossa aldeia tambêm era um homem bastante generoso dava-nos
crédito, na altura em que o pai ainda era vivo, a mãe logo que recebia a paga reembolsava
automaticamente ao fim do mês.
Entretanto, no dia em que ficou subentendido que ela deixara de ser uma pessoa digna de
confiança, por ser viúva, ela não parou mais de chorar.
As minhas irmãs tentavam consolá-la e, eu ficava triste não entendia exactamente aquilo
que estava a acontecer.
As minhas irmãs tinham uns lindos cabelos compridos, que estimavam acima de tudo mas,
uma noite, enquanto dormíam a mãe cortou-lhos com a ideia de os vender aos ciganos.
Na manhã seguinte ela tentou justificar em lágrimas, que a sua situação a obrigara a ter de
agir daquela maneira, e que urgia encontrar uma solução para nos alimentar. Mais o tempo
passava mais a mamã se via à rasca para tomar conta da vida, íamos crescendo mas o salário
não aumentava, os vizinhos ajudavam-nos como podiam.
A vida para eles também era difícil tinham vários filhos ao encargo e, a mamã não queria
que inspirássemos piedade, tinha muito gosto em nos.
A mãe foi tomando conciência que era imperativo encontrar uma solução. Pensou que, o
facto de se expatriar para França iria permitir-lhe encontrar algum trabalho melhor
remunerado.
Uma noite, eu estava deitado na cama quando ouvi a conversa que ela teve com as minhas
irmãs, ela explicáva-lhes que resolvia confiar os filhos mais novos à sua sogra.
Quando acordei de manhã ela já tinha partido. As minhas irmãs tentaram convencer-me que
ela tinha ido ao mercado, mas ela nunca mais apareceu. Eu esperei serenamente julgando
que ela acabaria por voltar tal como acontecía todas as vezes que ela fazía compras, daquela
vez, não aconteceu.
Recuando no tempo este episódio ocorreu num sábado do mês de Maio de 1968.
O choque foi tão violento que comecei a gaguejar. Sentia-me incapaz de formular
correctamente uma única frase. Porque sería que a mãe me abandonava? Eu não conseguía
entender tinha apenas quatro aninhos.
Separaram-me ao mesmo tempo das minhas duas irmãs mais velhas, a mamã, antes de partir
conseguiu empregá-las.
Tentem imaginar durante um só instante a coragem e a angústia da nossa mãe quando
chegou num país desconhecido onde estranhava a própria língua era a primeira vez que
deixava a sua aldeia. Onde é que ela encontrou forças para ir sozinha foi preciso ter muita
8
© copyright Emanuel de Castro 2008
coragem para nos deixar.
Ter de partir, sacrificar-se por nós devia ter sido muito difícil. Mamã gostavas muito de nós
para te veres forçada a ter de agir dessa maneira.
Ela foi para Estrasburgo e desnorteada, dormiu debaixo da ponte andou pelas ruas e, por
sorte encontrou uma portuguêsa que lhe deu alojamento.
Essa pessoa arranjou-lhe emprego, ou seja um contrato para fazer limpeza em escritórios
onde foi completamente explorada. Apesar de ela trabalhar quinze horas por dia, só recebia
o equivalente ao salário mínimo nacional em França.
Como a mãe não conhecía o valor do franco, a caseira sem escrúpulos extorquiu-lhe o
dinheiro que pôde, convenceu-a que a sua situação estava em conformidade com as dos
demais. Com o palavreado dela conseguiu enredá-la.
Quando a minha mãe compreendeu que ela andava a gozar com a cara dela, correu acertar
contas com ela insultou-a com todos os nomes de pássaros, até lhe deu um estalo.
A minha mãe ficou zangada pois, sabia que para sobrevivermos cada moeda tinha valor, era
a principal fonte de rendimento para a família em Portugal, e tinha a responsabilidade de
enviar todos os mêses o dinheiro à sua sogra.
Ela pediu a carta de séjour na Prefeitura de Estrasburgo e com auxílio de outras famílias
portuguêsas conseguiu finalmente alugar um estúdio na rua da Santa Madeleine perto do
centro da cidade.
Aos poucos e poucos começou a ter uma vida mais decente, mas o passado surgiu
novamente. A solidão causava-lhe um desgosto enorme e quando pensava nos filhos que
deixara na aldeia ficava com remorsos.
Contáram-me que por várias vezes tentou pôr fim à sua vida, atirando-se à água mas,
imaginar os filhos órfãos era para ela algo insuportável.
A seguir, a minha irmã Emília e eu fomos viver para casa da avó. A Celeste e a Mina
tinham na altura, respectivamente onze e nove anos quando foram contratadas por famílias
burguêsas como criadas.
O meu irmão António, o morgado da família trabalhava na fábrica de têxteis e ficou por
casa sozinho. Tinha quinze anos e conseguiu safar-se graças á generosidade dos nossos
vizinhos que lhe levavam comida a noite. A minha avó paterna teve sete filhos, e o facto de
ter de nos criar não a animava nem um pouco.
Pouco afectuosa passado alguns meses tornou-se má para com a minha irmã, e para comigo.
Ela embriagava-se, às escondidas para que o meu avó não se apercebesse de nada. Ela
começou a beber quando o filho mais novo partiu combater em Angola e nunca mais voltou
da guerra, a morte do meu pai agravou o caso.
O álcool permitia-lhe afogar as mágoas, nós éramos indulgentes para com ela, perder dois
filhos de maneira tão drástica, um a seguir ao outro era um desgosto para ela.
O filho morto em África era o meu padrinho, nunca o conheci. Tal como o meu pai, ele
havia prometido voltar são e salvo, por azar, nunca mais regressou. Mentira! Na realidade
ele voltou mas no interior de um caixão para ser enterrado em Vizela.
Todas as noites a avó obrigáva-nos à declamar quarenta « Avé Marias » com a intenção,
pelos vistos, de salvar as Almas do purgatório.
Quando ela adormecia para terminarmos mais depressa as ladaínhas, fazíamos avançar a
mão dela que segurava o terço para terminar a reza mais depressa.
O meu avô era um homem bom e honrado e gostava muito da gente. Era bastante sossegado
9
© copyright Emanuel de Castro 2008
e reservado, ele suportava com paciência o mau humor da mulher.
A avó mandava-nos trabalhar bastante á minha irmã e a mim. Mandáva-nos colher o milho,
fazer as vindimas, mungir as vacas, alimentar os porcos.
Ela repetia-nos a cada passo que todo o alimento tinha preço. Aos quatro e seis anos
respectivamente, a minha irmã Emília e eu já trabalhávamos como autênticos lavradores
dignos desse nome, naquela altura as crianças todas trabalhavam no campo.
A maior parte das crianças não ia à escola.
Porém, um dia ela decretou que não tinha mais paciência, nem forças para cuidar da gente e
entregou-nos a minha avó materna. O avô embora não estivesse de acordo com a decisão,
cansado das intermináveis lamúrias da mulher foi obrigado a aceitar.
A minha segunda avó era viúva também tivera dez filhos. O marido falecera-lhe há sete
anos atrás, a vida também não a poupou.
Felizmente alguns filhos já eram casados e não dependíam mais dela. A minha mãe que
emigrara nunca lhe causou problema algum, pelo contrário fazía-lhe imensa falta…..
A avó dava muito amor à toda a família até os genros achavam a sogra muito pacata e
compreensível. Ela dizia que sentia muita pena de nós.
Ela não suportava que ficassemos separados uns dos outros, em contrapartida reconhecia
sentir-se muito feliz por ser capaz de nos receber todos em casa dela embora ela tivesse
poucos rendimentos, mas infelizmente não cabíamos todos em casa dela.
Uma das recordações mais dolorosas aconteceu em 1969.
Durante a nossa estadía em casa da avó, eu ficava no quarto do meu tio, naquela tempo, ele
devia ter por volta de dezanove anos. Eu dormía na cama dele e todas as noites ele me pedia
para o masturbar, outras vezes ele punha o sexo dele entre as minhas coxas e fazia
movimentos de vai- vêm até ejacular. Foram tantas as vezes em que ele me forçou a fazer
coisas que ainda hoje me sinto incapaz de contar, e muito menos pôr por escrito, é algo que
não temos direito de impingir a uma criança, isto fica gravado para sempre na nossa mente
até ao fim da vida.
Durante a noite ele acordava-me e eu sentía-o esfregar-se nas minhas costas, as mãos dele
cheias de calos agarrávam-me com quanta força tinha quando atingia o orgasmo. Apetecíame gritar tanto e, ele tapava imediatamente a minha boca com a mão dele para tentar abafar
o mínimo som. As lágrimas corríam pelo meu rosto abaixo, o meu corpo tremía
inteiramente. Com a minha tenra idade eu tinha apenas cinco anos, não entendía nada, no
inicío julguei que, aquilo fosse uma reacção perfeitamente normal por parte de um adulto,
todavia eu temía a hora de nos deitarmos.
Todos os dias eu lavava-lhe os pés antes de voltar para o quarto e ele não tirava os olhos de
cima de mim, com ar de quem diz:
« Oh filhote, logo vais ter festa! »
Eu ficava todo encolhido naquela cama atemorizado, receando o momento em que o meu tio
ia ressurgir para aguentar novamente, os seus assédios. “ Meu pai! Porque não estavas ao
meu lado naquele instante, porque partiste tão de repente ? Mãe e tu, porque me
abandonaste? Porquê mãe?”
Na manhã seguinte, ele fazía-se perdoar-se oferecendo-me um rebuçado ou até mesmo uma
10
© copyright Emanuel de Castro 2008
moeda, e deixava subentendido que eu tería direito à mais iguais algumas, se permanecesse
de boca calada. Até hoje nunca revelei este terrível segredo a ninguém.
A minha irmã mais velha quando leu as minhas notas confiou-me que também foi ameaçada
por ele. Em contrapartida como ela opôs resistência e eventualmente não deu qualquer
possibilidade de entrada aos seus assédios, ele deixou de a importunar, ela repetia-lhe
constantemente:
« Se me tocas eu grito e vou fazer queixa à avó…»
Ambos recordamos a cena, lágrimas de amargura correm silenciosamente pelas nossas
faces.
Ele não foi o único a abusar de mim, outros vizinhos tambêm abusaram, porquê? Suponho
que como eu não tinha pai desfrutaram de nós escandalosamente , cientes que não corríam
riscos de ser castigados. Para eles eu era apenas, um menino pobre, para mais órfão, as
pessoas usufruíram de nos descaradamente. Os adultos constrangíam-me a masturbá-los
num canto, escondidos dos vizinhos, aliciavam-me com um simples rebuçado ou um pedaço
de pão, como eu sofría privações submetia-me à vontade daquela gente dissoluta, em troca
de comida.
Meu Deus é tão triste nada ter para comer e ficar à mercê de pessoas mais folgadas e sem
nenhuma dignidade!
Os dias foram passando monótonos e laboriosos. Mandavam-nos ir buscar lenha ao bosque,
agua à fonte, trabalhar no campo e, a minha tarefa diária consistía para mais, em lavar os
pés aos meus quatro tios.
De tanto comer caldo verde e beber água da fonte, a minha irmã e eu ficamos doentes.
Encontramos nas nossas fezes muitas vezes e às dezenas enormes lombrigas brancas que
medíam cerca de dez a vinte e cinco centímetros. O termo médico adequado é o de
«ascáris»; aquilo era assustador. Por vezes as lombrigas eram tantas que aparecíam as
dezenas e fazíam pressão para sair ao mesmo tempo, nessa altura pedíamos auxílio à nossa
avó. Ela desatava à correr para tentar extraí-las do nosso corpo.
Disseram-nos que, em certas pessoas elas chegavam a sair pela boca fora e asfixiavam-nas.
Ficávamos tão aflitos com aquilo que já nem me lembro do nome da substância milagrosa
que eliminou de vez essa infecção. Parecía um xarope com um gosto asqueroso, era
intragável mas foi remédio Santo.
Um dia a nossa gata pariu e o meu tio afogou os gatos todos. Eu escolhi o mais bonito,
como parecia morto pû-lo na palma da minha mão, como por encanto após alguns minutos,
o gatinho voltou à vida.
Fiquei estupefacto imaginei logo que possuía algum poder sobrenatural na realidade ele era
mais resistente que os outros todos.
Quando fiz seis anos fui para a escola. As raparigas íam de manhã, os rapazes à tarde.
Sentía-me privilegiado por poder assistir às aulas ao mesmo tempo que escapava à certas
tarefas diárias. Eu não gostava nada quando nos pedíam para ficarmos perto do gado à
espera dos seus excrementos, e de seguida recuperá-las quando ainda se conservavam
quentes, serviam para manter a porta do forno fechada e guardar o calor, deste modo ele não
se desperdiçava no ar, enquanto a avó cozia o pão. O cheiro não era agradável mas, o pão
11
© copyright Emanuel de Castro 2008
era saboroso
Na primária aprendi a ler e à escrever português. O material da escola resumía-se a um
quadro preto e um gíz. Naquela altura, não tínhamos livros, nem lápis, nem tinta, isto não
implica que tivesse sucedido na idade média ocorreu na aldeia, em Portugal, nos anos 70
naquela época.
A professora detinha os direitos todos e, tornava-nos a vida dura, o facto de ela ter estudado
e de nos transmitir o seus conhecimentos era suficiente para ser considerada uma pessoa
respeitável e respeitada pelas pessoas da aldeia.
Quando ela batía num aluno nenhum encarregado ousava apresentar queixa e, penso que a
maior parte das crianças não se atreviam sequer a fazer queixa aos pais, pois corriam o risco
de ser castigados pela segunda vez. Cada vez que dávamos uma resposta errada ela pegava
na palmatória e dáva-nos com ela na mão, serrávamos os dentes para não chorarmos, senão
o bolo era pior.
Lembro-me que ela nos pedía para pôr a mão em forma de boca de cisne e acertava-nos com
quantas forças tinha nas pontas das unhas. A dor era insuportável.
Tal como os colegas da minha turma tambêm levei paulada.
E todos nos fizemos chichi nas calças de tanto sofrer,ela tinha prazer em castigar-nos.
Mais a gente gritava mais ela sorría, naquela altura a educação era bastante rígida, hoje em
dia são os próprios alunos que agredem os professores.
À merenda comíamos pão e uma cebola cru com sal grosso. Uma vez ou outra, em vez da
cebola habitual comíamos um pepino …… não havia pão com nutella, nem kinder
surpresas. Talvez os faça sorrir mas, era mais nutritivo do que aquilo que damos, hoje em
dia dias aos nossos filhos.
Dáva-me bem com os colegas da turma, embora alguns alunos fizessem troça de mim por
causa da minha gaguez; a professora pelo contrário, embirrava menos comigo pelo fato de
eu ser gago. Lembro-me de ter recebido um postal da mamã que ela mandara pelos meus
anos tinha a imagem da Catedral de Estrasburgo.
Era a primeira vez, que os meus colegas e eu víamos uma igreja tão alta, para nós ela era
quarenta vezes maior do que a igreja da nossa aldeia, recordo de a ter trocado por uma
banana, fruta que eu nem conhecia.
A maior parte dos alunos íam para à escola descalços. Só usávamos sapatos quando íamos à
missa ou ao catecismo.
A missa do Domingo era sagrada! Tínhamos de estar « decentes » para assistir à celebração.
Tal como acontecia na escola o Sr. Padre também dava açoites nas crianças desobedientes
com uma vesteirada embora ele tivesse mais forças que a professora.
Este Santo Homem não suportava que o contrariassem. Quando ele passava por entre os
bancos mandava-nos beijar-lhe a mão e pedir-lhe a sua bênção.
Mal eu via que ele vinha em direcção a mim, prosternava-me no ladrilho,e simulava precisar
de absolvição, na verdade eu tinha pavor do pau dele, desconfiava que ele pudesse esconder
o seu instrumento de tortura por baixo da sotaina.
Pela Pascoa, a partir da sexta-feira Santa autorizavam-nos a colher as flores do jardim para
juntar as pétalas. Realizávamos um magnífico tapete com flores, frente ao pátio da nossa
porta que o Sr. Padre pisava com os pés quando nos trazia as suas graças e benzía a família
toda. Antes de ir embora ele metia ao bolso um envelope com uma pequena nota no interior,
12
© copyright Emanuel de Castro 2008
que a minha avó preparara cuidadosamente. As pessoas mais pobres davam algum dinheiro
miúdo.
Também era o único dia do ano em que comíamos carne, o prato tradicional da Páscoa era
cabrito … um regalo.
Eu guardava preciosamente os ossos para brincar poiseu não tinha carinho, comboio, ou
soldados de chumbo.
Com um pedaço de madeira e um elástico eu havia fabricado uma fisga para matar os
pássaros, estes devoravam as nossas espigas do milho e do centeio. Sei que não procedia
bem mas não havia outra solução, incumbia-nos salvar o pouco que restava da colheita da
avó, vivíamos daquilo.
A casa da avó tinha uma construção tosca, haviam penedos enormes de granito que não
tinham sido vedados com cimento ficavam empilhados uns em cima dos outros.
A luz do dia passava entre as frinchas.
A cozinha era a principal divisão da nossa casa em Vizela, havia um forno em barro no
centro da divisão com alguns panelos em ferro; só a latrina tinha melhor aspecto, a tábua
préviamente perfurada cobría a fossa já não ficava rente ao chão, havia sido instalada numa
estrutura em madeira era bem mais cómodo.
Como tínhamos falta de papel higiénico deixamos de utilizar as famosas couves e passamos
a utilizar o papel jornal que os meus tios compravam, as notícias eram recentes não havia
comparação possível com a casa anterior.
A medida que os dias iam passando eu pensava cada vez menos na minha mãe. Começava a
habituar-me aquela nova vida com a minha avó.
A consideração que ela nutria pela minha mãe aumentava cada vez mais.Eu sentia-me feliz!
Naquela altura supunha que mais tarde iria ser adoptado tal como acontece com aquelas
crianças acolhidas numa nova família.
Mas, numa quarta de manhã quando eu ia buscar água à fonte avistei ao longe uma mulher
diferente daquelas que é costume ver nas aldeias.
Ao mesmo tempo que o vulto dela se aproximava reparei no lindo vestido às cores que ela
trazia vestido, nos lindos sapatos e no penteado novo.
Ela era muito diferente das camponesas portuguêsas que andavam quase sempre vestidas de
preto e com um lenço à cabeça.
Cheio de curiosidade queria descobrir quem era aquela linda desconhecida.
Ela esboçou um lindo sorriso franco e eu fiquei a olhar para ela com cara de idiota, ao
mesmo tempo que olhava para trás de mim, convencido que ela se dirigía à uma outra
pessoa. O que é que aquela senhora queria de mim? Foi então que ela sussurrou:
« Nelinho, Nelinho! »
Como é que aquela mulher conhecia o meu nome, quem era ela? De repente começei a
tremer da cabeça aos pés. A minha alegria foi tanta que fiz chichi nas cuecas; lembro-me de
ter sentido alegria e não sofrimento, era ela! Reconhecí-a, não haviam dúvidas eu estava na
presença dela.
A minha mãe afinal regressava! Ainda hoje quando recordo esta passagem a minha alegria é
tanta que fico todo comovido.
Foi um dos dias mais bonito da minha vida. Corrí em direcção a ela para me refugiar nos
seus braços. Abraçando-me com força ela repetia soluçando:
13
© copyright Emanuel de Castro 2008
« Meu filho, meu menino, meu Nelinho, estás tão crescidinho »
Com voz trémula eu dizia:
« Oh! Minha mamã tive tantas saudades tuas, pensei que nunca mais voltava a ver-te,
mamã querida »
Naquele momento, eu queria que o tempo parasse para ficarmos os dois entrelaçados até à
eternidade.
Agarrava-me a ela e não conseguía mais desprender-me , ela deu-me a mão e na outra
trouxe uma mala pesada, e não era de cartão como faz referência a Linda de Sousa na
canção, fomos para a casa da minha avó.
Eu no cimo senti orgulho, notei que os meus camaradas ficaram com ciúmes de mim, os
meus pequenos olhinhos cintilavam de alegria. O meu coração pulava com força, a emoção
foi intensa.
Ao ver a minha mãe, a avó desatou a chorar, e ficaram abraçadas durante muito tempo. Aos
gritos saí disparado pela aldeia fora:
« A minha mãe voltou, a minha mãe voltou, na na na! Fiquei todo vaidoso, nesse dia com
tanta alegria e com uma grande dores na garganta de tanto gritar »
Em pouco tempo a casa ficou cheia de vizinhos desejosos de ver o filho pródigo.
A avó abriu uma garrafa de vinho trouxe para a mesa vinho verde, umas enormes broas de
pão e o presunto defumado que era uma delícia. Ela conservára-o preciosamente para uma
ocasião especial e ofereceu-o a toda aquela gente que se tinha deslocado para desejar as
boas vindas a sua querida filha.
A mãe trouxe prendas para oferecer às pessoas por quem tinha um carinho especial e
também rebuçados e chocolate francês que distribuiu as pessoas presentes.
No embrulho que ela me oferecera descobri algo de extraordinário: uma caixinha assim que
eu a agitava ela emitia um berro semelhante ao da vaca. Uma caixa que fazia « meuuuh
!meuuuh »!! Que coisa impressionante! Senti uma aflição era a primeira vez que me
ofereciam um brinquedo de verdade.
Com curiosidade quiz ver o que havia no interior da caixinha desmontei-a e de repente….
Silêncio …. Em dez minutos consegui quebrar o meu brinquedo.
Disfarçadamente consertei-o e eles julgaram que a caixa tinha um mecanismo defeituoso.
Eu era engenhoso exactamente como o meu pai.
Ao meio-dia a minha irmã Emília voltava da escola. Ficou em pânico ao ver tal alvoroço.
Assim que ela viu a mãe refugiou-se nos seus braços e chorou com quantas lágrimas tinha
em compensação, quando a mãe lhe deu um embrulho que continha uma boneca, pulou de
tão alegre que ficou. Era uma surpresa para ela, a primeira boneca da vida dela.
Na manhã seguinte a mãe entregou mais duas prendas às duas filhas mais velhas que
continuavam a trabalhar para duas famílias burguêsas.
Não imagino o que ela lhes deu, sei se não me engano que o meu irmão mais velho teve um
relógio. Ficamos todos felizes por ter recuperado a nossa mãe infelizmente a alegria ia
14
© copyright Emanuel de Castro 2008
terminar brevemente. Não sabíamos o que estava para acontecer.
Quinze dias mais tarde ela regressava para Estrasburgo.
Nesse dia, eu estava na escola o ronco do motor de um táxi estacionado frente ao novo
edifício chamou a minha atenção. De repente avistei a minha mãe curvada no banco de trás
do táxi, ela procurava-me avistar-me através dos vidros da sala de aulas,eu fiquei convicto
que ela ia embora sem se despedir de mim.
Num ímpeto, o meu sangue deu uma só volta, saltei pela janela fora, corri em direcção a
ela…mas…em vão. O carro arrancou subitamente e eu gritei com quanta força tinha:
« Mamã, mamã, fica comigo, por amor de Deus mamã, mãe não te vás embora, não me
deixes só, mamã não, mãezinha fica, fica. »
A Mamã pediu ao motorista que acelerasse, sofri mais uma vez com a separação. Eu não
entendia o motivo que forçava uma mãe a ter de separar-se dos seus filhos.
Só mais tarde compreendi que ela não teve escolha.
Daí a pouco, só vía aquele lençinho branco que ela agitava em sinal de despedida.
Depois de ter percorrido mais de trezentos metros, a minha vida padecia novamente, sentía
um desalento. A professora veio por mim e levou-me para dentro da sala de aulas e, pela
primeira vez, em vez de me dar um bolo estreitou-me fortemente nos braços para me
consolar.
Ela também era mãe e compreendia a minha aflição, as lágrimas deslizavam pela meu rosto
Chorei dois dias sem parar e, a minha gaguez acentuou-se mais ainda.
A minha avó tentou animar-me como podía dizendo:
« Nelinho, meu menino não te preocupes, a tua mãe foi embora outra vez para procurar
uma casa linda, ela em breve vai regressar e levar-te com ela para França, não chores
mais meu menino »
Eu não conseguia dar ouvidos aquilo que ela me dizia, os meus pensamentos ficaram
focalizados na minha mãe Porquê? Porque será que ela me abandonou outra vez?
Eu nem sequer sabia onde procurá-la, só sabia que ela voltara para França, onde fica a
França? Eu imaginava que ficava nos confins da terra.
A partir desse dia nunca mais fui o mesmo fiquei carente, senti-me abandonado mais uma
vez, será que ela amava os filhos para agir dessa forma?
Eu procurava uma explicação para tal atitude, em vão, não encontrava nenhuma resposta, só
estava certo de uma coisa eu morría com saudades dela.
O meu tio esse homem perverso deixou de me assediar, encontrou uma mulher pronta a
acalmar os seus ardores e decidiu casar, já tinha sete anos.
O seu casamento foi discreto pois a avó não tinha meios de pagar uma grande boda.
Finalmente a minha irmã e eu libertávamo-nos daquele indivíduo sádico, eu ficava feliz por
ter uma cama só para mim.
Alguns meses mais tarde a avó recebeu uma carta da mamã, ela mandava dizer que em
breve vinha buscar-nos para nos levar para França.
15
© copyright Emanuel de Castro 2008
No dia em que a avó nos deu a notícia,eu recuperei a minha alegria toda; sorrí de novo, o
resto era insignificante. Quando eu imaginava que a minha mãe voltava para nos levar com
ela o meu coração saltava de alegria.
O meu irmão António já tinha deixado Portugal para ir ter com ela para Estrasburgo, ela
conseguiu empregá-lo nas obras.
Um dia aquele momento que eu aguardava tanto chegou finalmente em Junho de 1972. oh!
Jamais esquecerei esta data, nessa altura a mãe apareceu de novo.
Ela cumpria o prometido! Não havia tempo a perder, precipitamos o acontecimento, ela
entregou uma certa quantia de dinheiro (importante sem dúvida) a um homem encarregado
de nos conduzir clandestinamente até a Espanha, lugar onde tínhamos planeado encontrarnos com ela, depois de atravessarmos a fronteira.
Sem perder mais tempo, fizemos as malas ou melhor uma mala para nós os quatro.
Despedimo-nos da família e dos amigos mais próximos, prontos para a aventura.
As minhas irmãs deram a sua demissão aos patrões respectivos e regressaram a casa da avó.
Podia ver-se nos nossos olhos um brilho de esperança e alegria ? Não havía mais nada a
recear se íamos de hora em diante permanecer unidos para sempre.
No dia da nossa partida chuviscava na nossa aldeia, sentímos um aperto no coração, mas o
coração da minha avó ficou cerrado. Ela tinha um desgosto imenso, que dor! Os seus
netinhos deixavam o ninho?
Eu abraçei-a nos meus bracinhos,e senti que o seu coração palpitava a toda a força,
enquanto eu a estreitava murmurava:
« Adeus bóbó, Adeus mãezinha; Adeus avó, não chores mais avó » Sentia tanto carinho
por ela que a minha própria alma ficava num profundo desalento ao vê-la naquele estado.
“(Adeus meus netinhos, que Deus vos guarde, não se esqueçam de mim)” dizia a avó.”
Avó eu nunca te esquecerei, nunca, nunca!!”
A mamã não tinha palavras para agradecer à mãe tudo o que ela havia feito por ela e por nos
ao longo desses anos todos, a avó dizia simplesmente:
« Vai minha filha, que Deus te ajude », sê forte minha filha, tenho tanto orgulho em ti.
Ambas desataram a chorar e nos também, em contrapartida estávamos felizes por ir embora.
Era um sentimento paradoxal, ficávamos divididos entre duas emoções: ora tristeza ora
alegria.
Que dia cheio de emoções!
Uma estafeta depositou-nos na fronteira Portuguesa. O homem tinha a missão de atravessar
o bosque connosco e conduzir-nos até a Espanha escondidos da alfândega.
Ele combinou com a minha mãe um determinado lugar e uma hora aproximada entretanto,
assim que meteu o dinheiro no bolso deixou-nos entregues a nos próprios.
Aquele homem sem escrúpulos largou-nos e procurou novas vítimas para expoliar o
dinheiro ganho com tanto suor anos a fio para poder fugir à ditadura de Salazar.
Ficamos completamente perdidos não sabíamos qual o caminho que devíamos tomar e eis
que numa bifurcação, a sorte rompí por um atalho seguido pelas minhas irmãs.
Por sorte fomos ter ao sítio previsto. Deparámos com a mãe totalmente assustada, ela
receava que a polícia alfândegária Espanhola nos tivesse reconduzido novamente à
fronteira.
Assim que ela nos avistou ficou aliviada; passado mais de duas horas à nossa espera.
16
© copyright Emanuel de Castro 2008
Depois destes sustos introduzimo-nos sorrateiramente no comboio em direcção à França, a
aventura prosseguia. Como viajávamos sem passaportes a mãe ficava ansiosa e, em cada
paragem, com medo que algum vigia surgisse para nos controlar, mandava esconder-nos
constantemente, eu escondía-me por baixo da saia dela, as minhas irmãs em um dos portabagagens e até na casa de banho.
A polícia pesquisou os vagões por várias vezes, penso que nos descobriram, contudo ela
resolveu afastar-se sem qualquer declaração. Provavelmente, que ela recebera ordens por
parte do governo português para ser menos severa para com os clandestinos. Naquela época,
havia falta de mão-de-obra em França.
Depois de trinta e seis horas de viagem, o comboio entrou na estação de Estrasburgo.
Recordo que tínhamos dificuldades em seguir a passada larga da minha mãe, ela caminhava
tão depressa para ir ao encontro do meu irmão, este entretanto aguardava a nossa chegada.
Em França ficámos boquiaberta perante os semáforos, os cães passeavam pelas ruas, com
coleiras ao pescoço, os carros eram espantosos, a Catedral era gigantesca. Aquele postal
veio-me a memória outra vez, diante de mim, eu descobria a mesma igreja, vi que na
realidade ela era mais alta e mais bonita.
Atordoados com o ritmo frenético daquela cidade, ouvíamos com muita atenção a nossa
mãe que não parava lisonjear este sítio magnífico.
Assim que abrimos a porta do apartamento, deparámos com o António eu tive dificuldades
para o reconhecer, ele cumprimentou-nos com alegria contida. Estávamos todos reunidos
…finalmente……passados quase três anos sem nos vermos!
Que alegria!
O meu irmão era agora um belo homem, embora bastante marcado pelo trabalho. Eu
achava-o tão diferente, trocámos meras palavras.
Ele foi sempre estranho bastante fechado, a morte do papá certamente que o afectou, julgo
que algo aconteceu naquele período de tempo em que ficámos separados da mamã. A minha
mãe mostrou-nos rapidamente o apartamento, dispúnhamos de um único compartimento, a
cozinha. A casa de banho ficava no primeiro andar do prédio, do lado exterior, como já não
era novidade para nos não estranhamos. Mas oh! Que Maravilha! Havia água corrente e
electricidade.
Era inacreditável! Foi a primeira vez que eu vi uma torneira e divertía-me com ela, ora a
abri-la, ora a fechá-la. A mamã mandou-me um raspanete e disse:
« Pára Nelinho não estás mais em Portugal, a água em França paga-se »
« Ai sim! Não sabia! Em Portugal a água jorrava da fonte sem parar. »
A nossa mãe tirou um mês de férias para ter tempo de organizar tudo com calma. A primeira
preocupação foi de nos inscrever na escola, era um verdadeiro quebra-cabeças dado que não
sabíamos falar francês.
Morávamos em Krutenau perto da faculdade de direito e de medicina. A mamã convencida
que as crianças de todas as idades tinham o direito de frequentar aquele estabelecimento,
cheia de determinação empurrou a porta com força, e pediu ao reitor da universidade para
17
© copyright Emanuel de Castro 2008
me aceitar numa turma.
Ele ficou perplexo, fitou-a e, ao ver que eu ainda era muito novinho julgou que talvez
estivesse diante de algum menino sobredotado e, com jeito conduziu-a á porta da saída
prometendo aceitar-me daí à…uns doze anos, recomendou-me que passasse primeiro o
12°ano. Nesse ano lectivo inscreveram-me na escola primária de Saint-Thomas , foi em
Julho de 1972. A escola ficava situada perto da « Pequena França ».
Vivíamos num estúdio este, era tão estreito que nos sentíamos oprimidos.
Deitámos os dois colchões no soalho de madeira, as minhas três irmãs ficaram com um
colchão, o meu irmão António e eu com o outro, a mamã entretanto dormia no sofá.
Os colchões eram em esponja, que sensação agradável a de não ser mais repicado pela
palha, era tão confortável que nem apetecia sair da cama.
A mamã aproveitava os últimos dias de férias para visitar connosco a cidade de Estrasburgo.
Ela ainda não se desinvencilhava suficiente bem, no centro da cidade, embora conhecesse
de uma maneira global, os pequenos sítios turísticos tais como a « Pequena França » ou até
mesmo o « Bairro da Catedral ».
Ficámos subjugados com tanta beleza.
Visitámos com ela algumas galerias com escadas rolantes e elevadores, nunca vi tal
fenómeno, eu imaginava que elas nos conduziriam ao céu, era tudo tão diferente da aldeia
do meu país eu achava aquilo gigantesco, as luzes, as montras, pensava que tinha aterrado
no país das maravilhas.
Nunca vi tantos brinquedos na minha vida, comboios eléctricos, carros, descobri uma
caixinha igualzinha à minha, também fazia meuuuh, é claro, dava para entender que a mamã
não tinha meios para comprar sequer um brinquedo, alimentar-nos era a prioridade dela, de
qualquer forma ela tinha cinco filhos para criar.
Ela informou-se acerca do preço da renda de um apartamento no centro da cidade.
Apresentaram-nos um apartamento com três quartos, sem água quente nem casa de banho.
Voltávamos aos tempos antigos, as casas de banho ficavam situadas do lado exterior. O
novo apartamento ficava situado no terceiro andar, resultado, continuamos a utilizar o bacio,
caso decidíssemos assinar o contrato de arrendamento.
A mamã decidiu alugar o apartamento, e daí a quinze dias mudámos de casa.
Insisto na palavra « mudança » este não é um termo adequado a situação que se resumia à
transferir dois colchões, um pouco de louça e algumas roupas.
Se vissem o rosto dos caminhantes ao ver-nos andar com os pés descalços, e os colchões à
cabeça. Eles ficavam surpreendidos a olhar para a gente, até se viravam para trás para nos
observarem melhor, nos passávamos no meio deles impassíveis, não prestávamos a mínima
atenção.
Sim, ouviram bem! Descalços, pois tal como era costume em Portugal a mamã deixáva-nos
calçar os sapatos unicamente quando íamos à missa ao Domingo.
Nesse dia ficávamos contentes por encontrarmos os nossos compatriotas.
Aliás, foi à Comunidade Portuguesa que nos arranjou alguns móveis, para mobilharmos o
apartamento, uma mesa, cadeiras e em particular um armário de plástico que nos deu muito
jeito. Aos poucos e poucos íamos adquirindo o essencial.
18
© copyright Emanuel de Castro 2008
A mãe foi trabalhar de novo, entretanto encontrou um emprego para fazer limpeza no
reitorado de Estrasburgo, o meu irmão continuava a trabalhar nas obras.
As manas e eu aguardávamos impacientemente o início do ano lectivo para travarmos novas
amizades e aprendermos a falar francês.
O tempo não passava, a nossa mãe proibía-nos de sair quando ela se ausentava, a ideia que
pudesse perder-nos no meio da cidade afligía-a.
A minha irmã mais velha preparava as refeições, ela tinha muito jeito para cozinhar e a mãe
cansada de trabalhar o dia inteiro ficava satisfeita por não precisar de cozinhar para a
criançada toda. O meu irmão como era um rapaz vigoroso parecía menos cansado.
Depois do jantar e da oração da noite íamos todos deitar-nos, não tínhamos televisão e de
qualquer forma não havia mais nada para nos distrair.
Durante o período em que eu esperava entrar para a escola, ficava autorizado a descer ao
pátio e a brincar ao futebol com um vizinho de origem húngara que morava no primeiro
andar.
Ele era muito simpático, infelizmente eu não entendia nem uma só palavra do que ele dizia.
A mãe dele convidava-me várias vezes a ir lanchar à casa deles, ela preparava um género
de bolo de nozes bastante saboroso, e instalávamo-nos frente a televisão num salão
mobilado com muito gosto.
Ao ver as imagens a desfilar na televisão umas após as outras, a minha imaginação
fervelhava. Como era possível que os personagens pudessem caber todos numa caixa tão
pequena?
Eu dizia para mim que não devia tornar a fazer a mesma asneira, ao tentar desmontá-la, tal
como eu tinha procedido com a famosa caixinha da vaca oferecida pela mamã.
Vontade não me faltava, acreditem que eu não parava de matutar naquilo.
O pequeno ecrã não era novidade para as minhas irmãs, elas já tinham visto outros em casa
dos patrões delas, mas elas só tinham direito de limpar o pó.
Por fim, chegou o dia tão esperado! O inicio das aulas! Eu já tinha oito anos.
A mãe foi buscar o meu fato novo e os sapatos do Domingo, de tão apertados que eram o
calçado magoáva-me mas como tínhamos poucas possibilidades não podíamos comprar um
novo par. Fazíamos cálculos antes de qualquer despesa, tínhamos o sentido de poupança.
Ela acompanhou-me até à escola, eu era miúdo e ainda não me orientava sozinho no bairro.
Tive uma nova decepção quando vi as outras crianças vestidas com lindas roupas e cores
alegres, eu ia vestido de preto parecia que ia à um funeral.
Assim que ouvi o toque da campaínha e que deixei a minha mãe para ir ter com a
professora, as más lembranças do passado emergir de novo, assustado com a ideia de não
voltar a vê-la eu chorava agarrado á saia dela:
« Mamã não vais partir e deixar-me sozinho diz a verdade mamã ?»
A minha mãe, em pranto percebendo as minhas angústias tentou acalmar-me.
Ela percebeu que as constantes despedidas para França haviam sido para mim
verdadeiramente traumáticas.
« Não, não tenhas receio Nelinho, nunca mais volto a partir, ficarei sempre contigo,
prometo-te, prometo-te meu filho »
19
© copyright Emanuel de Castro 2008
Um sorriso radioso cobriu o meu rosto, não tinha mais nada a recear ela dizia a verdade.
Procurei a companhia dos outros alunos e só quando a professora me pôs a mão no meu
cabelo conseguiu ficar apaziguado. No entanto, quando vi a mãe afastar-se uma dúvida
surgiu no meu espírito,
« Conto contigo mamã, vejo-te no final das aulas, prometes »
A professora era muito carinhosa e paciente, eu desconfiava que ela escondesse alguma
régua na gaveta dela, tal como com a professora em Portugal.
Mas, ao contrário de Portugal as réguas em França não existiam era proibido bater nos
alunos, em compensação tinham direito à castigà-los, tudo isto acontecia sem maus tratos.
Uma vez as apresentações feitas ela perguntava os nomes de cada membro da família e as
respectivas profissões.
Eu tentava entender todavia era uma verdadeira mistura na minha cabeça.
« e o teu papá, que faz ele » retorquiu ela.
Eu respondia profundamente comovido:
«o meu papá? Papá morto »
Eu entristecia de novo sentia-me tão diferente …. Eu era o único da turma que não tinha pai.
O único menino gago e triste da turma.
A campainha tocou e saímos para o recreio. Eu saia disparado pela sala fora tirava os
sapatos que me magoavam demasiado e os meus amigos gozavam comigo, ao ver-me correr
descalço no alcatrão ainda quente para um mês de Setembro.
O primeiro dia ficou gravado em mim para sempre pois ao fim das aulas os pais vinham
buscar os filhos, eu ficava triste a olhar para eles quando eles os abraçavam.
Os meu olhos procuravam a mãe embora eu estivesse farto de saber que àquela hora ela se
encontrava no trabalho, eu percorría o trajecto sozinho até casa que ficava a uns setessentos
metros da escola.
A mamã ensinara-me o caminho a seguir, não era complicado só precisava tomar atenção
quando atravessava a estrada. Aquilo era tão diferente da minha aldeia lá, a minha única
preocupação era tentar não escorregar no esterco do gado.
Na escola tinhamos aulas de desporto e, com efeito éramos todos obrigados a participar. Ao
contrário dos outros eu não usava sapatilhas e não me atrevia sequer a pedir um par à minha
mãe coitada, ela já trabalhava tanto e via-se a rasca para ajustar as contas ao fim do mês.
Antes de cada aula eu tirava os sapatos sob o olhar estupefacto da minha professora.
Uma vez, ela apareceu diante de mim com um par de sapatilhas por estrear era provável que
pertencessem ao filho dela, eu tinha oito anos, fiquei feliz era o meu primeiro par de
sapatilhas e já sabia agradecer em francês, lembro-me de ter dito: « Merci madame ».
Sentía-me confortável no meu novo calçado, eram azuis com atacadores brancos.
A mãe a noite ficou admirada, quis saber de onde vinham os novos sapatos.
Quando lhe contei aquilo que acontecera vi-a limpar uma lágrima do canto do olho, para ela
era simplesmente inacreditável que uma professora da escola pudesse oferecer um par de
sapatilhas a um dos alunos! Nunca tal aconteceu em Portugal!
Ela não parou de elogiar os Franceses e chegou a conclusão que eles eram extremamente
bondosos.
20
© copyright Emanuel de Castro 2008
A minha vida escolar decorreu sem qualquer problema! Eu era o melhor aluno da turma em
matemática, a professora felicitou-me e disse-me que nessa disciplina eu tinha um avanço
relativamente aos outros alunos.
Recordo-me também a minha primeira consulta no médico, passei um exame ocular
colocaram na minha frente imagens com legendas em francês, em contrapartida eu soletrava
em português: Casa! Gato! Eu ficava indeciso pois «chat» em português era o nome que se
dava à uma bebida: « chá ». Ele tentava referir-se ao « chat »: Gato.
No fim da consulta o médico disse-me que eu não precisava usar óculos, depois de eu ter
articulado aquelas palavras todas, e ele diagnosticar-me uma vista excelente, fiquei feliz
embora duvide que ele tenha entendido o que eu disse. Lembro-me de ter ficado aliviado
com o facto da minha mãe não precisar gastar dinheiro em óculos.
Mesmo que ele me tivesse mandado usar óculos a mamã nunca poderia comprar-mos
Quando eu aprendi a dizer « chat » em francês, decidi fazer uma brincadeira à mãe e
comecei a insistir com ela para que me comprasse um « chat » de verdade, ela respondeume: « Porquê? Dói-te a barriga? Vai à casa de banho»,daí eu pressupôr que ela nem
conhecia o significado da palavra chat em francês,e julgava que eu queria tomar chá.
Aos poucos e poucos, adaptei-me a minha nova vida; Passados cinco meses já falava
correctamente em francês.
A Sra. Rassingnier, a nossa professora era impecável. O filho dela andava na mesma turma
que eu, ele conseguía ser sempre o primeiro da turma em todas as disciplinas com excepção
a matemática onde eu tinha melhores resultados que ele, a mãe dele ficava desanimada. Ela
repetia constantemente:
« Toma exemplo no Emanuel »
A professora gostava quando nos via brincar juntos no
recreio. No final do ano lectivo, como eu obtive bons
resultados ela passou-me de ano. Que felicidade!
Como eu era mais velho três anos que os outros alunos e para
recuperar o meu atraso relativamente a eles tive de estudar
mais para conseguir ser admitido na escola primária, fui
recompensado pelos meus esforços. Estávamos no final do
ano lectivo, para nos significava que íamos ficar fechados
dentro de casa, a mãe gastara tanto dinheiro em material
escolar e no vestuário para evitar que destoássemos ao lado
dos pequenos Franceses, resultado faltou o dinheiro para
pagar a viagem para Portugal e os nossos documentos ainda
não estavam em ordem. Como a mamã recebia o abono de
família e ao mesmo tempo receava que fugíssemos de casa,
enquanto ela andava a trabalhar, decidiu comprar-nos um
televisor a preto e branco,deste modo não haviam motivo
para queixas!
Ficávamos dias a fio estendidos frente ao pequeno ecrã, víamos os programas todos do
inicio ao fim e depois da refeição a mamã dava-nos a permissão para ver, uma vez mais, e
na companhia dela o filme da noite.
21
© copyright Emanuel de Castro 2008
A televisão mudou totalmente o curso da nossa vida, tínhamos tantos cuidados com ela que
já não imaginávamos sequer viver sem ela.
A casa estava sempre muito limpa e a televisão, no meio do restante mobiliário, brilhava de
tanto lustro que levava. Lembro-me dos primeiros filmes do Tarzan, ficávamos
aconchegados uns aos outros e seguíamos as suas aventuras palpitantes, víamos o filme num
silêncio total, só ouvíamos a mamã ressonar ela adormecia no sofá penso que andava
extenuada.
A entrada das aulas do ano lectivo de 1973, os mesmos alunos do ano anterior estavam
todos presentes, lembro-me de haver um novo aluno na minha turma, o nome dele era
François era um menino Parisiense, íamos ser os melhores amigos do mundo.
A Sra. Schmitt, a nossa professora era morena quarentona bastante dinâmica, era mãe de um
pretinho.
Eu ficava perplexo, não compreendia como era possível uma pessoa branca ter um filho de
cor? Eu era tão ignorante! Só haviam duas possibilidades ! Ou o marido dela era um homem
de cor ou então a criança era adoptada, na verdade era a primeira criança preta que eu via
em toda a minha vida,só mais tarde soube que era adoptada.
Também havia um marroquino, dois italianos e uma espanhola.
Aquela confusão de cores e de culturas deixava-me me confuso, eu cuidava que na terra só
existiam Portuguêses e Franceses.
E certo que eu tinha esperteza em diversas áreas, mas relativamente a outras era totalmente
ignorante, eu explico a situação! Na minha aldeia éramos todos brancos e falávamos todos a
mesma língua.
Eu encontrava bastantes dificuldades com o vocabulário e a gramática francêsa, colocar 2 m
em femme, e ter de pronunciar « a » apesar de se escrever com « e », era um bicho de sete
cabeças!
Entretanto, simpatizei com o François, ele era tão castiço com aqueles óculos redondos em
miniatura, ele andava sempre vestido a rigor. O pai dele era arqueólogo e trabalhava em
Paris , só regressava à casa aos fins de semana.
A mãe dele era professora de Francês na universidade de Estrasburgo, convidava-me várias
vezes à casa deles.
Eles viviam numa magnífica mansão situada a uns cinquenta metros do nosso apartamento,
a casa deles havia sido mobilada com requinte num estilo barroco com um ligeiro toque
contemporâneo.
A limpeza não era a especialidade da Sra. Grommer ela não tinha tempo para dedicar às
arrumações. Para mim era um regalo partilhar os jogos do meu amigo , eu descobria
brinquedos novos que tanta falta faziam em nossa casa.
Eu adorava ouvi-lo tocar música no seu magnífico piano.
O François tinha aulas de música há muito anos, e era um virtuoso de piano.
Recordo aquela vez em que o François trazia uma linda camisa vestida, eu cobiçava a
camisa , eu queria que ela fosse minha, decidi esfregá-la em trampa de cão, é obvio que eu
já calculava que a sua mãe ia deitá-la ao lixo.
Naquele dia, esperei pela camisa no fundo do prédio, escondido no hangar do lixo. Quando
recuperei a camisa fiquei muito vaidoso, corri até casa lavá-la, com a intenção de a vestir na
manhã seguinte; François! Ainda me lembro da tua cara quando me viste andar com ela!
Perdoa-me François, eu nunca tive nenhuma camisa em toda a minha vida, a tua era tão
linda ! Por favor, tenta compreender, não me julgues!
22
© copyright Emanuel de Castro 2008
De qualquer forma, só a ias vestir mais duas vezes, na tua idade já tinhas um guarda-roupa
espantoso !
A mãe dele sempre me paparicou muito. Foi com ela que descobri os primeiros sumos de
fruta, a Coca-Cola, os sumos de laranja, as águas com gás… fora de preço para a carteira da
mãe.
Provei as famosas panquecas de cereais, outras vezes lá me dava 0,20 ct euros para comprar
rebuçados.
Sentia-me sortudo por ser adoptado por aquela família rica, eu um menino emigrante!
A minha irmã Emília também conhecia uma colega oriunda de famílias ricas. A sua mãe de
vez em quando oferecía-lhe roupas de qualidade , a sua filha da mesma idade recusava
vesti-las. A minha irmã mais velha, a Celeste deixou os estudos e arranjou emprego num
hôtel-restaurante, regressava à casa uma vez por semana. Aos quinze anos , já sabia fazer
tudo: comida, costura, lavar a roupa… resumindo, ela tornou-se uma dona de casa perfeita.
A Mina, a minha terceira irmã como tinha mais idade que a maioria da turma só andou um
ano na primária, e passou directamente para o colégio.
Ela era uma aluna brilhante, no terceiro ano do colégio já falava correctamente o francês e
era a melhor aluna em matemática.
A Mina gostava de estudar e tinha muitas capacidades, o próprio director da escola
convocou a minha mãe para tentar convencê-la a pôr a filha a estudar.
Mas a mamã decidiu empregá-la.
O salário da minha mãe não era suficiente para cobrir as nossas necessidades. O meu irmão
conheceu uma jovem portuguêsa com dezasséis anos, saiu de casa para casar. Ele só tinha
dezanove anos ainda era bastante novo mas resolveu casar . A mamã nunca entendeu a
causa de tão súbita decisão.
A vida ia ficar mais complicada para ela uma vez que ia haver um salário a menos, pois era
costume o António entregar sempre metade do seu salário a mamã como qualquer filho que
partilha a casa familiar até partir. Hoje em dia a vida é diferente.
A Maria a mulher do meu irmão que posso acrescentar acerca dela? Era uma rapariga muito
complexa. Os pais dela emigraram nos anos 70; tiveram sete filhos e tal como a filha deles,
também eram pessoas bastante estranhas.
A Maria que tinha o mesmo nome da Virgem de Fátima não era nenhuma Santa.
Ela enfeitiçou o meu irmão a tal ponto que ele perdeu a personalidade dele por completo.
Ele afastou-se de nos e aproximou-se cada vez mais dos sogros.
O casamento dele não foi dispendioso, cingiu-se à uma cerimónia muito simples numa
igreja portuguesa e, uma refeição em casa dos sogros.
A mãe ficou sem jeito ao ver o comportamento daquela família sem escrúpulos,ela teve uma
conversa a sós com o meu irmão e não o felicitou pela escolha da noiva e disse-lhe de
modo convincente que, embora fôssemos gente simples tinhamos bons princípios
O único dos irmãos que dava vontade de conhecer era o Davis, rapaz calmo e diplomata.
Quando o António decidiu casar ficamos com mais espaço no apartamento, a parecer que
não facilitou-nos a vida.
As festas da Páscoa aproximavam-se e na pastelaria frente a casa do François estavam
expostos na montra uns ovos magníficos de chocolate que atraiam a minha atenção. Eu não
23
© copyright Emanuel de Castro 2008
arredava daquele sitio para fora, eles eram apetitosos,eu sabia que não podia comprá-los, na
altura, custavam, se não me engano 1,50 euros cada um, eu sonhava em oferecer um
daqueles ovos à minha mãe sentia-me a pessoa mais feliz do mundo.
Uma vez, uma senhora passou diante da loja e eu tive uma ideia .Porque não tentar
sensibilizá-la ? Valia a pena tentar!!! Começei a chorar e a gritar tanto que parecia que me
tinham dado uma tareia de todo o tamanho, aquela agitação chamou a atenção da Senhora:
« Que se passa contigo menino que aconteceu ? » perguntou ela.
Eu contei-lhe fingindo tristeza que, quando o meu pai faleceu, a mãe ficou sem dinheiro e
expliquei-lhe que se ela me via chorar era porque tinha realmente vontade de lhe oferecer
aquele ovo pelas festas, e apontei o dedo para um dos maiores que havia na montra.
Ela entrou na loja e decidiu comprá-lo .
Fiquei muito admirado o meu estratagema dava resultado.
Quando cheguei à casa, a mãe ainda não tinha voltado do reitorado.
Eu escondi debaixo da cama, o ovo préviamente embrulhado em papel jornal, aguardando
impacientemente o momento favorável da noite para lho oferecer e, convencido que a minha
surpresa ia agradar-lhe sentia-me o menino mais feliz do mundo.
Mas, quando a noite surgiu tive uma desilusão!!!
« Onde foste buscar este ovo? Onde o roubaste? Anda lá! Conta a verdade …
Tu não tens dinheiro é impossível que o tenhas comprado..»
O soalho estremeceu nos meus pés! Eu estava tão persuadido que ela ia ficar contente,
nunca imaginei que ela me fizesse tantas perguntas. Era a primeira vez que eu lhe oferecia
uma prenda.
Ela não soube que fiz espalhafato diante da senhora preferi calar-me, pois eu senti-a incapaz
de aceitar a verdade, decidi contar-lhe que a dona da padaria mo tinha dado de graça, porque
me vira andar horas à fio frente a sua loja.
A mãe administrou-me uma sova monumental, entretanto o ovo de chocolate foi devorado
pelas minhas irmãs que ficaram a chorar por mais.
Eu fiquei magoado e amuei num canto não quiz prová-lo. Eu fiquei muito ofendido com a
atitude da mãe, era a primeira vez que ela se atrevia a bater no seu menino, não passava de
um ovo de Pascoa!
Pelas festas das mães, a professora pediu aos alunos 0,50 euros para comprar flores e barro
para fabricarmos um vaso. Eu não me atrevia à pedir aquele dinheiro a mamã, equivalia ao
preço do pão da semana, o que é que eu resolvi fazer ? Decidi recorrer, uma vez mais, as
minhas artimanhas, eu expliquei soluçando, que não tinha dinheiro para pagar a prenda da
mãe. Imaginem o final da história…..!!!!
A mãe por uma vez aceitou a prenda com imensa alegria,ela sabia que eu havia realizado
aquela obra sozinho e, nunca desconfiou que eu havia simulado outra cena.
« é muito bonito Manu »…. Disse ela abraçando-me .
Manu? Na verdade ela raramente me chamava Nelinho mas, como eu estava a tornar-me
um homenzinho, ela considerou que aquele diminutivo se aplicava à criançada.
24
© copyright Emanuel de Castro 2008
Ela justificou que, de hora em diante, o homem da casa era eu. Eu fiquei com uma
responsabilidade enorme! Ao mesmo tempo fiquei orgulhoso de mim.
No ano seguinte mudamos de casa. Descobrimos um apartamento mais espaçoso, situado a
uns quatrocentos metros do anterior e, a mais ou menos, cinquenta metros do reitorado.
Mudamos-nos para lá, recorrendo à força dos nossos braços.
Da janela da nossa cozinha tínhamos uma vista directa sobre o local de trabalho da nossa
mãe, ela jubilava, o apartamento, era lindo e ficava mais perto dos filhos.
Eu também fiquei satisfeito era a primeira vez que dispunha um quarto só para mim e nunca
mais tivemos nenhum bacio por baixo da cama, os sanitários ficavam no andar de cima.
No andar de baixo vivia uma família muito simpática, os Thomas também eram Portuguêses
e tinham dois filhos: uma menina chamada Célia, praticamente da mesma idade que eu, e
um rapaz chamado Carlos, electricista.
Ele concertava os televisores dos clientes do seu patrão, sem referir aqueles que, por
iniciativa própria, ele ia reunindo em casa dele. Descobri com ele a primeira televisão a
cores.
Eu continuava a frequentar o meu amigo François, ele vinha de vez em quando a casa,
outras vezes, eu passava a noite em casa dele. Eu esperava ansiosamente, o final do ano
lectivo, a mãe prometera-nos passar férias em Portugal. Sentia saudades da avó, e do resto
da família faziam-me todos muita falta. A mãe costumava escrever à sua mãe como ela era
analfabeta era a minha tia quem ficava incumbida de lhe ler o correio e escrever a mãe.
O entusiasmo de regressar a pátria era tanto que até nos esquecíamos de dormir. Ja ha três
anos que não íamos a Portugal, no entanto parecia-nos uma eternidade.
Fomos de carro com um amigo da nossa mãe que morava em Portugal, em tempos ele era
vizinho da minha mãe. A esposa dele e os filhos tinham ficado no país e ele mandava-lhes
todos os meses parte do seu salário. Ele recebia um bom salário, por trabalhar nos arredores
de Kehl, perto da fronteira Alemã.
A mãe de vez em quando lavava-lhe a roupa e cozinhava para ele bons petiscos, em
compensação, ele retribuía o gesto prestando-nos pequenos serviços. A solidariedade entre
conterrâneos tinha muito valor.
Um sábado pelas quatro da manhã, tomamos rumo em direcção a Portugal, a mãe instalouse no banco da frente, junto ao conductor, nós os quatros íamos amontoados, no banco de
trás com as malas nos braços, de tão carregados que íamos parecía que o carro não
avançava, e ainda nos faltava percorrer 2200 quilómetros.
Após uma viagem desgastante chegámos inteiros à nossa aldeia. A avó esperava por nos
frente à porta. Ao contemplá-la reparei que ela tinha algumas rugas e vários cabelos
cinzentos, ele tinha mais de sessenta e cinco anos, todavia continuava bem conservada. A
minha avó era linda. Chorámos em conjunto como em tempos. Que reencontro!
Enquanto a mãe e a avó conversavam sossegadas nos escapámos para saudar a restante
família e os amigos que nos acharam numa forma excelente. Eles acharam-nos mais
rechonchudos e acharam que os ares da França haviam sido benéficos para nós.
Permanecemos mais algumas horas em casa da avó. Fomos até Vizela, aldeia da minha
infância,onde uma surpresa nos aguardava.
Encontramos a casa num estado deplorável, durante os três anos em que nos ausentámos
25
© copyright Emanuel de Castro 2008
ninguém se lembrou de limpá-la.
Depois de retirarmos as teias de aranha, mudado a palha dos colchões, e das almofadas a
casa ficou com melhor aspecto mas, continuava a não haver comparação possível com o
conforto que usufruíamos em Estrasburgo.
Alguns dos nossos vizinhos nunca saíram da aldeia, outros porém haviam mudado para uma
habitação mais decente.
O mês de Agosto foi triste. Esperávamos tanto em relação às férias, enganamo-nos
redondamente ficamos frustrados, foi uma pasmaceira era tempo remoto, e altura de virar a
página. As pessoas estavam tão diferentes, talvez tivessem inveja pelo facto da mãe nos ter
arrancado da miséria ou então, haviamos evoluído demais.
Passado um mês em Vizela ficamos satisfeitos por voltar para França, Sentíamos falta do
nosso apartamento, dos nossos hábitos, da televisão em particular .Viver aquele tempo todo
sem água, sem electricidade, sem gás, e sem televisão, era um sacrifício!
Já não éramos capazes de viver como antigamente, quando uma pessoa se habitua a um
mínimo de comodidade torna-se praticamente impossível voltar à viver como na Idade
Média.
Assim que chegamos ao domicílio, a mãe não perdeu tempo e retomou o trabalho; a minha
irmã e eu organizávamos tudo para ir para a escola.
Naquele ano,eu passei para a terceira classe da primária, já falava correntemente o francês,
antes de cada ano lectivo ficava ansioso, havia a probalidade da mãe do meu amigo François
ser permutada para a outra extremidade da Franca, e arriscava a perder para sempre o
contacto com ela.
A Sra. Jacob a nossa professora era jovem e linda; um pouco provocadora com as suas minisaias, é claro que não desagradava aos alunos subjugados pelas suas pernas compridas. Não
vimos o ano passar, tudo aconteceu tão rapidamente: o Natal, o Domingo e, as missas
Portuguesas, a catequese.
Foi o Sr. Pádre que me preparou para a minha comunhão solene oh! Que pena! Esqueci-me
de lhes contar a minha primeira comunhão, tanto faz, assunto encerrado.
Afinal não aconteceu nada de especial.
Nesse ano não regressamos ao país, eu não me preocupava pois , as férias anteriores não me
deixaram saudades, no entanto a avó fazia-me falta.
Em breve iamos ter uma imensa surpresa.
O amigo da mãe que tinha tido a bondade de nos levar para Portugal, no ano anterior
regressou como todos os anos para estar com a família e, de volta para França trouxe com
ele a avó, para passar algumas semanas connosco.
A mãe ficou muito satisfeita aproveitou a ocasião para apresentar o seu novo universo à sua
mãe.
A avó exausta por causa da viagem teve dificuldades em recuperar forças, passados três
dias,ela teve vontade de visitar Estrasburgo. Dado que era a primeira vez que eu deixava a
aldeia ela ficou entusiasmada com a beleza da cidade mas, era demasiada barulhenta para
ela.
A nossa mãe ofereceu-lhe uma bolsa e uns sapatos tentou acarinhá-la o máximo.
A avó ficava triste por não poder assistir à missa todos os dias como em Portugal.
Infelizmente o Padre português de Estrasburgo só celebrava a missa no Domingo.
Todas as noites ela rezava e pedia-nos para rezar o terço com ela. Ela proibia-nos de fingir
que rezávamos, quando ela adormecia era a mãe quem continuava a rezar as Avé Marias.
26
© copyright Emanuel de Castro 2008
Ela ficou na Alsace até inícios do mês de Novembro, já tínhamos recomeçado as aulas e a
nossa mãe o trabalho dela.
A avó passava dias inteiro sozinha em casa, nós, como éramos miúdos só lhe
dispensavamos meia hora. Ela ocupava-se da lida da casa e aguardava o fim da tarde para
estar connosco, ficou na Alsácia até ao mês de Dezembro.
Nesse ano, eu entrava na primária, o meu professor chamava-se Sr. Jacques Bohert.
Era muito autoritário e não suportava contrariedades.
Ele levava-nos várias vezes à piscina. Foi ele aliás quem me ensinou a nadar.
Desavergonhado ele exibia-se à nossa frente. Ele era tão peludo que parecía um macaco.
Penso que ele era um pouco exibicionista.
O Natal aproximava-se cada vez mais, eu adorava esse período em que a mãe nos oferecia
prendas e claro apenas coisas úteis: camisola, saia calça.
Em nossa casa não haviam futilidades. Nesse ano, preparávamo-nos para um inverno
rigoroso.
Não parávamos de alimentar o único fogareiro a carvão que aquecia a casa inteira, as
economias da mãe desapareciam por inteiro em combustivel.
O inverno durou até ao mês de Março. Finalmente, a primavera trouxe juntamente com ela
os primeiros raios de sol, e pela mesma ocasião, frente ao nosso apartamento, iniciavam
gigantescas obras de construção, construíam um grande centro comercial, « les Halles ».
Os nossos vizinhos incomodados com a poluição sonora não suportavam aquela barafunda
toda, nós as crianças, ao invés deles, explorávamos uma nova área de actividades,
brincávamos às escondidas no « grande prédio » e de vez em quando os empregados
repreendíam-nos.
As minhas duas irmãs a Celeste e a Mina tinham uma verdadeira paixão pela dança, elas
faziam parte de um grande grupo folclórico português.
Dois irmãos gémeos, o Manuel e o Clides, bastante altos e com cerca de vinte e um anos de
idade, pertenciam ao mesmo grupo. Os gémeos que nunca se separavam, conheceram as
minhas duas irmãs. Pensamos que ia ser divertido se duas irmãs casassem igualmente com
dois irmãos.
Imaginem vocês foi exactamente o que aconteceu!
A Celeste e o Manuel já saiam juntos há algum tempo, um dia, o seu pretendente
apresentou-se em casa da mãe para pedir a mão da minha irmã.
A nossa mãe aceitou o seu pedido por vir de boas famílias.
O banquete do casamento teve lugar no nosso apartamento e, na altura afastamos os móveis
para ganharmos espaço e receber o máximo de pessoas, eu fui escolhido como rapaz de
honor sentia muita honra.
Quando a Celeste casou ficamos sós os quatro no mesmo apartamento a Mina, a Emília, a
mãe e eu. Pouco tempo após o primeiro casamento, o Clides bateu a porta para pedir a Mina
em casamento. A mãe ficou feliz em relação à filha, ao mesmo tempo afligiu-se ao pensar
nas despesas que as bodas iam ocasionar ,o casamento ia decorrer em Portugal. Felizmente
os pais do Clides mais folgados que nos, tentaram animar a mãe prometendo ajudá-la nas
despesas.
Em Julho fomos com eles ao país para festejar o casamento.
A Mina levou o vestido do casamento da Celeste, era uma despesa a menos! Os festejos
27
© copyright Emanuel de Castro 2008
duraram dois dias, a ementa em Portugal era diferente da Françêsa, serviram-nos um imenso
leitão saboroso e a sobremesa hum; nem queiram saber! Guardarei uma recordação
agradável da cidade de Aveiro, em particular da Gafanha da Encarnação, esta pequena
aldeia ia ser a minha segunda residência em Portugal.
De volta para Estrasburgo o mesmo cenário do costume, a mãe recomeçava o trabalho dela
no reitorado, além disso, fazia limpeza num gabinete médico.
Antes de entrar na escola secundária,eu acompanhei-a quase todas as noites para evitar-lhe
certas tarefas mais dificeis, era um momento privilegiado em que eu podia aproveitar a
presença da mamã, nesses instantes conversávamos de tudo, certas vezes, eu disfarçava-me
de médico e dizia-lhe: « A senhora precisa descansar, trabalha demasiado, vá descansar
que eu ocupo-me do resto !!! ». A mamã achava piada as minhas brincadeiras, porém
nunca tinha um minuto de descanso; enquanto aquilo tudo não ficava desinfectado , não saia
do escritório, era muito responsável, uma vez por outra ajudava-a ora descia o lixo, ora
aspirava o chão; com jeito, a mamã ensinou a servir-me de um aspirador, de um pano de
limpar o pó, eu achava piada aquilo, divertia-me e aprendia ao mesmo tempo. Isso tudo, ia
ser útil para mim mais tarde, mas o que me divertia mais, não era aquilo!
Eu sonhava com os brinquedos todos que havia na loja perto do centro da cidade, nunca
mais me esqueci de um comboio eléctrico que andava de manhã a noite sem parar.
Eu ficava horas a fio a vê-lo girar e ficava êxtasiado diante daqueles brinquedos
todos,ingénuamente, imaginava que eram todos meus ! sonhava acordado antes de
despertar para a realidade, é obvio que já sabia que nunca ninguém me iria oferecer um
brinquedo daqueles!
O pai natal também passava em nossa casa mas, só oferecia um calção ou um par de meias
nunca nos dava nenhum brinquedo, eventualmente se eu tivesse mandado uma carta ao Pai
Natal, aposto em como ela nunca chegaria ao destinatário, ou então o próprio Pai Natal
nunca mais se lembraria de mim, « agradeço-te Pai Natal ! »
Em 1976 o Sr. Bourreau um ex-treinador de futebol era nosso professor. Só de ouvir o nome
dele ficavamos arrepiados, estávamos persuadidos que ele era mau, pelo contrario
descobrimos uma pessoa completamente diferente daquilo que esperávamos, era muito
bondoso.
A única ambição dele residia no facto de nos ver rivalizar com alunos de outras escolas para
concursos de atletismo, e acumularmos deste modo, o máximo de vitórias.
Uma das alunas, a Marie-Rose era recordista dos cinquenta metros, ela tinha potencial
suficiente para se tornar uma atleta de alto nível, mais tarde soube que ela foi campeã de
França na maratona. Detínhamos uma super equipa de basket e de andebol.
Derrotávamos as outras escolas no « inter-turmas júnior desportivo e no andebol ».
Eu era um aluno brilhante nessas duas disciplinas, mas, destacava-me no futebol.
Conhecem algum Português que não gosta de futebol? Eu não!
O Sr. Bourreau tinha orgulho nos alunos, e estimulava-nos constantemente, parecia ter uma
desforra relativamente ao passado.
Azar o meu, não tínhamos só aulas de desporto também nos mandavam aplicar nas outras
matérias e, naquele ano iniciamos aulas de alemão onde eu era um aluno medíocre.
Que ano espectacular! Apaixonei-me pela primeira vez, mais pareceu um namorisco
ficamos enamorados pouco tempo mas, jamais esquecerei o primeiro beijo da Maria
28
© copyright Emanuel de Castro 2008
Andrade. Eu já tinha a corpulência de um adulto a minha voz começava a muar e eu dava
muita atenção quando surgiram os meus primeiros pêlos, muito vaidoso eu penteava-os com
muito amor até conseguir um lindo bigode e obter uma aparência mais viril.
Isto sucedeu na altura em que eu fiz a minha comunhão solene.
E provável que, o ano de 1976 tenha sido dos mais marcantes, inclusive o de 1972.
Quanto mais nos aproximávamos do final do ano lectivo da quarta classe mais os alunos
ficavam tristes, o grupo ia ficar separado para sempre, Dado que, no inicio do ano lectivo
seguinte, alguns alunos iam ficar inscritos em vários colégios distintos, eles deixavam a
Alsácia para sempre, era o caso do meu amigo François, a sua mãe aceitara um emprego de
docente em Lyon.
Ela convidou-me para passar férias com eles numa grande mansão situada perto de
Gerardmer, nos Vosges e como não fazíamos contas de passar férias em Portugal eu aceitei
alegremente.
Mergulho, canoa, piscina, caminhadas, os dias eram curtos para nos dedicarmos a todas
essas actividades.
No fim das férias, as despedidas com o meu amigo François, o meu melhor amigo,
marcaram-me profundamente, era a ultima vez que nos víamos, ele ensinou-me a cultura
francêsa, os jogos de prendas, e ficamos por aqui!
A entrada das aulas em 1977 foi muito menos divertida, pois os alunos que entravam de
novo para o primeiro ciclo eram praxados pelos mais velhos.
Eles atiravam-nos pelas escadas abaixo, fechavam-nos dentro das casas de banho e riam às
nossas custas, satisfeitíssimos, por nos armarem uma cilada. Mudávamos de professor e de
sala de aulas, a todas as horas, eu detestava aquele regime . Nesse ano,nas aulas de línguas
escolhi o Português .
A minha mãe verificou que eu tinha um forte sotaque francês quando falava Português
apesar de há alguns anos atrás ter reparado o contrário comigo
O nosso professor de português chamava-se Sr. Pinton embora fosse francês era casado com
uma portuguesa. O sotaque dele em Português era bastante fraco, resultado não entendíamos
quase nada daquilo que ele nos dizia.
Simpatizei com dois irmãos turcos um deles andava na mesma turma que eu.
Costumávamos sair todos juntos e certas noites, os « Almeida » uma família portuguesa que
não pertencia a comunidade pastoral juntáva-se à nos. Tinham sete filhos e os rapazes
tinham todos jeito para jogar futebol.
Os membros da nossa família participavam com muita alegria na comunidade pastoral a
mamã e as minhas irmãs cantavam na coral e a pedido do irmão Jacques, eu dava catequese
a miúdos com seis anos de idade, depois da missa dominical.
Sentia-me valorizado no meu papel de professor de religião.
As crianças atinavam comigo e para apaziguar o ambiente, e tornar as aulas menos
monótonas, uma vez ou outra contava uma piada entra as « Avé Marias » e « os Padres
Nossos ».
Entretanto a Celeste deu a luz a um rapaz com uns olhos azuis magníficos chamado Filipe
era a segunda vez que eu era tio, dado que a mulher do meu irmão António teve uma
menina muito graciosa, pouco tempo antes, a quem deram o nome de Cristina.
29
© copyright Emanuel de Castro 2008
1978…1979 eu entrava para o segundo ano do ciclo tinha novos professores, excepto o Sr.
Pinton, fiel ao posto ele continuava a não aperfeiçoar o sotaque Português, os anos foram
decorrendo, condimentados, de longe a longe , com uma estadia em Portugal.
Uma noite, ouvi a minha mãe conversar com o Sr Manuel. Ela calculava regressar
definitivamente ao país.
A partir desse dia nunca mais fiz nenhum esforço na escola, de que me valia estudar se eu
tinha de regressar um dia para Portugal? Totalmente desmotivado, os meus resultados na
escola tornaram-se cada vez piores; começei a faltar as aulas.
A Mina, a minha outra irmã deu a luz a uma encantadora menina chamada Sandra e o meu
irmão António foi pai pela segunda vez de um menino chamado Gabriel . A família ia
aumentando, aos quinze anos tinha a honra de ser tio, pela quarta vez.
Quando terminei o segundo ciclo, os professores orientaram-me para um liceu técnicoprofissional para seguir uma formação de mecânico ou carpinteiro.
E para fazer vontade a mãe que já me imaginava a liderar uma empresa em Portugal optei
pela Carpintaria.
Em 1980 a Celeste teve mais uma menina a quem deu o nome de Elisabeth, uma ternura de
menina. Ela ficou contente por ter uma menina, no parto anterior já tinha tido um menino.
Eu tive dificuldades em adaptar-me ao licéu, na oficina de carpintaria só haviam rapazes,
resultado….. eu não via uma única rapariga em todo o dia. Eu só assistia as aulas de
carpintaria e às aulas de desporto, nas outras matérias faltava as aulas,eu almoçava na
cantina, as refeições eram agradáveis, e passava as minhas tardes a jogar futebol com os
colegas.
No fim do ano lectivo no meu boletim escolar assinalaram : « aluno brilhando pelas suas
ausências » deram-me um « o » de média tirando as aulas de marcenaria onde eu tinha 14
valores sobre 20 e em desporto 18 sobre 20.
E evidente que a mãe não tinha conhecimento de nada eu imitava a assinatura dela nas
fichas de ausência. Mamã, eu sei que não procedia correctamente.
No dia em que decidiste regressar à Portugal e que nos pediste para falarmos mais baixo, se
eu não tivesse ouvido a vossa conversa nunca teria desistido de estudar.
De qualquer forma eu não tinha jeito para ser carpinteiro, tinha amor aos dedos.
A Mina deu a luz a um menino, puseram-lhe o nome de José Miguel, ele era muito lindo.
Na nossa família tínhamos uma arte especial para fazer bébés espantosos.
A minha irmã Emília também deixou de estudar para ir trabalhar ela desejava ser autónoma
e não estava disposta a ter de seguir a mãe, determinada mais que nunca em regressar ao
país. A mamã tinha hipertensão e problemas respiratórios, o clima de Estrasburgo não era
benéfico para ela.
Partimos para Portugal com o Sr Manuel, amigo de longa data em Julho de 1980 oito anos
após a nossa chegada à França.
As despedidas foram difíceis era a primeira vez que eu deixava as minhas irmãs e os meus
30
© copyright Emanuel de Castro 2008
sobrinhos e o mais difícil era separar-me da Emília, entendia-me melhor com ela, a minha
relação com os outros irmãos não era tão forte, provavelmente o facto de convivermos na
mesma casa estreitou os nossos laços.
Ela já tinha dezoito anos, a mamã tinha muita confiança nela, talvez pelo facto de ver que
ela ia morar com a Mina, enquanto procurava um pequeno apartamento; desta vez a mamã
deixou-nos com a conciência tranquila embora as minhas duas irmãs mais velhas nunca
entenderam a decisão da mamã em querer regressar tão subitamente, e deixar os filhos e os
netinhos em França.
Há treze anos atrás ela tinha tido o mesmo comportamento para connosco, como já éramos
adultos as circunstâncias eram diferentes.
No meu caso, eu não tinha outra alternativa, como eu ainda não era maior via-me obrigado a
ter de seguí-la.
Ao descobrir em Portugal a casa espectacular que ficava a alguns quilómetros de Vizela que
o Sr. Manuel mandou construir e, que ficava geminada a dele fiquei menos desanimado.
Novos vizinhos, novos amigos e uma nova habitação equipada com casa de banho e agua
quente, esperei praticamente dezassete anos, até ter àgua quente.…. Era o inicio de uma
nova vida para ambos.
O Sr. Manuel, o amigo da mamã abrira um café no réz-do-chão da casa dele, todas as noites
a mãe e eu servíamos os clientes no bar, eles ficavam satisfeitos, eles apreciavam quando
era eu que os servia na sala. Eu sentia-me um estranho na nova aldeia, não conhecia
ninguém chamavam-me o Francês.
O negócio dava resultado, a mãe sentia-se satisfeita com o seu novo emprego, a vida
decorria sem problemas.
A mamã aproveitava a ocasião para pôr em prática os conhecimentos culinários que tinha
aprendido em França, os clientes eram bem tratados e ficavam saciados. Todavia, tudo
acabou no dia, em que a esposa do Sr. Manuel não suportou mais ter de passar para segundo
plano, como os clientes preferiam ser servidos pela minha mãe, para se vingar dela fez
circular na aldeia o boato, que a minha mãe era amante do marido dela, e que em tempos,
tinham tido uma relação quando trabalhavam em França.
Víbora, loura, peluda e linguaruda, foi ela que provocou tudo !
As pessoas tinham má língua, a mãe foi denegrida por todos os habitantes e era tratada de
« prostituta »; apregoavam que eu era filho bastardo do Sr. Manuel, mesmo tendo o mesmo
nome que o meu pai, o meu pai era outro.
Uma noite, os seus cunhados romperam pelo café dentro a toda a força com a intenção,
segundo eles de esclarecer a situação.
Naquele dia eu estava na sala dos jogos a jogar bilhar foi então que reparei que um deles
agarrou a mãe e começou a arrastá-la pelos cabelos. Inesperadamente, surgi diante deles e,
com toda a força acertei com a ponta do taco na cabeça dele.
A mãe como era inocente não se sentia culpas, contudo, ficou arrependida de ter deixado a
França, ela supunha que ia ser feliz em Portugal.
Depois daqueles anos todos a trabalhar sem parar ficou desapontada e começou a achar que
nunca devia ter vindo para Portugal com o amigo, será que ela tinha algum fraquinho por
ele ? Ela nunca mais pôs os pés naquele café, durante o dia eu procurava emprego e, à
noite seguia aulas para aperfeiçoar o meu português.
Sentia-me cada vez mais deprimido nunca imaginei que regressar ao país significasse viver
31
© copyright Emanuel de Castro 2008
em tais condições e, tinha saudades das minhas irmãs.
De vez em quando, elas mandavam-me uma carta para me dar coragem; « Persevera Manu
e ajuda a mãe »; para a mãe tambêm era difícil viver sem a família por perto.
Por fim, arranjei um emprego de carpinteiro pagavam-me quinze euros por mês, trabalhava
dez horas por dia, assim que recebía o ordenado entregava o dinheiro a minha mãe, sobrava
pouco dinheiro para mim.
Em França o salário básico era de quinhentos euros, eu queria passar a carta de condução e
comprar um carro como qualquer jovem da minha idade, no entanto, como eu não tinha
dinheiro a situação era praticamente impossível.
Expliquei a minha situação às minhas irmãs e supliquei-lhes para me virem buscar e
levarem-me de volta para França. A mãe concordou comigo, tive de esperar um ano, até
completar dezoito anos. A vida é tão complicada! Há dez anos atrás eu chorava com todas
as lágrimas do meu corpo porque a minha mãe me abandonava e, agora só cismava em
voltar para França e deixá-la em Portugal! Era incompreensivel!
Enquanto eu esperava a partida para Estrasburgo, passava as noites todas em casa da vizinha
ela tinha sete filhos (dois rapazes e cinco raparigas).
O marido dela trabalhava na Alemanha e ela educava os filhos sozinha eu sentía-me bem
naquela família eram todos muito meigos. Essa família muito simpática na aldeia eram os
Lopes, enamorei-me de uma filha deles, não passou de uma paixoneta amorosa .
A propósito, também havia a família Pereira, tinham emigrado para La Rochelle e, logo que
podiam vinham passar férias a Portugal, eram as únicas famílias com quem eu conseguia
lidar.
Deixem-me contar-lhes uma boa piada? Um vizinho que tinha comprado um vídeo
gravador, aliás foi dos primeiros da aldeia a comprar um, contente, convidou cinco amigos e
ao mesmo tempo, convidou-me a mim também. Aproveitou a ocasião e alugou uma
videocassete para visualizarmo-la uns e outros, e passarmos juntos uma noite agradável.
Aguardávamos o instante em que o filme ia passar, quando o filme da sessão da noite
começou no entanto, sem desconfiarmos de nada, assistimos ao filme da sessão da noite.
Ele julgou que o dono da videoteca lhe entregara a cassete errada, entretanto vimos do inicio
ao fim, como uns nabos o filme da RTP 1 e no fim do filme, ao retirar a cassete para guardála na caixa, ele descobriu connosco que se esquecera de carregar na tecla PLAY, foi uma
galhofa autêntica!!!
Continuei a trabalhar na carpintaria por fim consegui um aumento de dois euros por mês o
que equivalia a dezassete euros por mês, uma quantia insignificante comparada com o que
eu ganhava, em tempos com os meus colegas, por volta de setenta euros por mês.
O meu patrão considerava que eu era novo demais e que sem um contrato anterior eu não
podia exigir nenhum aumento.
Ele explorou-me quanto pôde,eu trabalhava horas a fio …. Fabricava cerca de duzentas
cadeiras e uma dezena de mesas ao dia, de segunda ao sábado e, quando haviam
encomendas para entregar com urgência era obrigado a trabalhar ao Domingo.
As minhas irmãs chegaram no final do mês de Julho e como eu decidia voltar com elas dei a
minha demissão ao gerente.
A Elisabeth e o José Miguel estavam mais crescidos e a menina Sandra a minha sobrinha
predilecta era agora uma menina cheia de vida, fiquei feliz por ver-nos novamente reunidos.
32
© copyright Emanuel de Castro 2008
As minhas irmãs anunciavam-nos o nascimento do terceiro filho do meu irmão, um menino
chamado Daniel.
Em 1980 ou 1981 a mãe e eu fomos à Gafanha da Encarnação visitar as minhas irmãs
hospedadas em casa dos sogros: a Sra. Maria e o Sr. João, eram pessoas simples e bondosas.
Para ser sincero nunca vi homem tão justo, tão bom, tão honesto e respeitoso quanto ele, ele
era aquele pai que qualquer criança sonha ter, um verdadeiro gentleman!
As férias foram bastante laboriosas:
Os meus cunhados prosseguiam com a construção de uma casa geminada com três andares,
na Gafanha da Encarnação perto de Aveiro.
A família inteira participou na colocação dos alicerces, cada qual tinha uma tarefa própria As
mulheres na cozinha e os homens mãos a obra, eu trabalhava pela manhã, pela tarde
acompanhava as mulheres à praia e, a noite encontrávamo-nos para saborear verdadeiros
festins.
Talvez não fosse nenhum palácio mas, de qualquer forma era uma casa sumptuosa com dez
quartos, quatro casas de banho, duas cozinhas, quatro salões de fato, depois de terminar as
obras ela tornou-se na maior casa da aldeia.
A mãe partilhava a felicidade das minhas irmãs no entanto, quando ela recordava que em
breve íamos todos embora entristecia.
A separação ia ser difícil para todos nós sabíamos com antecedência, que lhe iríamos causar
muita pena, eu ficava triste por vê-la naquele estado, no entanto, era importante que ela
aceitasse de uma vez por todas que havia chegado a nossa vez de construirmos a nossa
própria vida, tal como acontecera com ela no passado.
As minhas irmãs deixaram Portugal e viajaram acompanhadas das suas respectivas famílias,
resultado ficamos com falta de lugar no carro, em consequência não pude ir com elas, tive
de tomar o comboio para Estrasburgo, a mãe comprou-me um bilhete e juntamente com a
minha tia Micas levou-me até ao Porto.
Saliento que ela foi sempre a minha tia preferida, sentia-me mais próximo dela.
Durante o trajecto de Guimarães ao Porto eu tinha um nó na garganta e o coração apertado
por saber que tinha de me despedir delas. Quando cheguei à estação de Campanhã e antes
de embarcar no comboio, ouvia a mãe gritar:
« Adeus meu filho, sê um homem e porta-te bem »
O comboio partiu e eu seguia com os olhos enquanto pude, vi-a agitar o lencinho branco.
Eu ficava confrontado com a mesmo cenário de sempre, A separação causava tristeza.
Perguntava a mim mesmo o que a vida me ia reservar .
Após vinte e oito horas de viagem o comboio chegou à estação de Estrasburgo, nesse dia a
chuva caía cerrada aquele tempo triste deprimia-me.
Como previsto fiquei hospedado em casa da minha irmã Emília ela arranjara um T1 situado
no andar de cima do estalajadeiro « Italiano-Espanhol »ela instalou-se no quarto e deixou o
salão à minha inteira disposição.
Fui auxiliar na empresa de construção dos gémeos. O trabalho era custoso principalmente
quando o termómetro descia abaixo de zero, eu já não estava habituado a invernos tão rudes.
Quando recebi o meu primeiro salário cerca de 530 euros o meu coração encheu-se de
alegria. Não perdi mais tempo e corri abrir uma conta no banco.
33
© copyright Emanuel de Castro 2008
O trabalho decorria naturalmente aceitávamos todo o género de trabalho até os menos
lucrativo; haviam filhos para criar foi então que o Clides arranjou uma nova obra de
construção em Nice para empreender aquela obra eram necessários seis a nove meses
Pediram-nos para restaurarmos uma mansão do século XIX. Fomos os três juntos na estafeta
após um trajecto de quinze horas, ficamos boquiaberta uns e outros diante da suposta
mansão, termo inadequado que o nosso cliente ousava atribuir à quatro muros, iniciamos as
obras decorria tudo sem problemas!
A vida era complicada, os meus cunhados dormíam em cima de placas de polistirene ao
luar; eu tinha a sorte de poder agasalhar-me num recinto instalado por eles para guardar o
material de construção para a restauração do prédio.
Deparamos com a falta de água e problemas nas sanitas, os problemas com o raio das
sanitas perseguiam-nos!
Com um balde transportávamos a àgua à superfície de um poço que havia no terreno, de
seguida fazíamos um grande fogaréu no campo e aquecíamos àgua, o que nos permitia tirar
a maior sujidade em nos, antes de irmos à centro para tomarmos um copo a noite.
As construções avançavam a um ritmo impressionante, enquanto o Clides aguardava a todo
o momento o cheque do seu cliente que já tinha atraso, avisaram-no, na última da hora que o
cliente não conseguira angariar o capital necessário para tal investimento.
Quando nos deram a novidade ficamos em estado de choque, o ambiente ficou electrico, e
os dois irmãos não paravam de se rejeitar a culpa mutuamente. Eu não fiz nenhum
comentário, pois o problema não me dizia respeito, eu não passava de um manobra.
O Clides resolveu parar as obras e regressar à Estrasburgo. A empresa atravessou um grave
período de crise provocado por esse episódio. Durante cerca de dois meses as entradas de
dinheiro ficaram bloqueadas era primordial solver as dívidas , passado algum tempo fui
despedido pelos meus cunhados, impossibilitados de me entregar o meu ordenado.
A Emília conheceu um jovem pertencente à equipa de futebol Portuguesa. Ela estava
completamente apaixonada por ele ; Eu fiquei contente por ver que ela frequentava um
rapaz respeitável e bonito, ele era contabilista numa empresa de demolição.
A minha irmã e eu arranjamos um novo apartamento em Schiltigheim, um T2 bastante
espaçoso cujo renda era mais barata que a anterior.
O seu pretendente vinha comia varias vezes connosco e reparei que a minha irmã ficava
aborrecida de me ver por perto. Suponho que não a incomodava, mas, ela foi perdendo a
paciência de me ver andar sempre atrás deles…
Resolvi arranjar um pretexto para ir embora,eu não queria ser um estorvo para eles, ela
merecia viver plenamente a sua vida amorosa, em tempos ela também sofreu.
Consegui persuadí-la que tinha alugado com os meus colegas asiáticos um apartamento no
centro da cidade.
Com a afeição que eu tinha por ela, decidi partir rumo à aventura, sem nenhum destino,
A única bagagem que eu levava era uma bolsa com produtos de toilette e algumas roupas.
Essa minha resolução ia ter muitas consequências na minha vida. Foi o princípio da época
mais tumultuosa da minha existência.
Fui em direcção à cidade e penetrei numa sala de jogos chamada « LAS VEGAS », situada
em Estrasburgo e não na América.
Ficam desde já a saber que aquela sala era o recinto dos bandidos embora eu estivesse
prevenido, decidi jogar bilhar para distrairum pouco. Tinha esperanças de arranjar algum
34
© copyright Emanuel de Castro 2008
colega pronto a dar-me abrigo por algum tempo. As pessoas ao meu redor não pertenciam
ao meu círculo de amizades e eu não me atrevia a pedir a um estranho para me dar dormida.
Esperei a hora do encerramento da sala e as 22 horas fui ao cinema.
No fim do filme escondi-me na casa de banho e esperei que encerrassem as portas do
cinema e preparei uma dormida entre duas filas dos sofás para passar a noite.
Acordei de manhã com os gritos da empregada de limpeza, ela ficou tão assustada quando
me viu. Sai disparado pela sala fora e corri em direcção a saída para evitar que ela tivesse
tempo de alertar alguém.
Eu passava os dias todos na sala de jogos, era o meu sítio predilecto começei a ter fama de
ser bom jogador, mal os asiáticos souberam, não perderam tempo para fazer apostas
comigo. A maioria das vezes, os meus parceiros de jogo eram turcos ou ciganos e quando as
apostas redobravam, eles recusavam prosseguir o jogo e pagar a multa, e brigavam a noite
toda. A polícia vinha pôr ordem, ela era mais tolerante em relação aos asiâticos e, mais
severa para com os turcos,estes já eram descriminados.
Dividíamos a fortuna embora desconfiássemos dos chinêses, eles eram bastante hipócritas e
desonestos, na altura de fazer contas, eles sumiam. Para os asiáticos, um tostão é um tostão,
eles tem fama de gostar de desafios, a especialidade deles é fazer palpites nos jogo: duas
moscas que combatem em duelo é motivo para apostas.
Eu era indulgente para com eles, eles convidavam-me, a cada passo, para comer em casa
deles e por vezes, quando se desforravam convidavam-me ao restaurante, eu aproveitava
para passar uma noite agradável depois de ganhar ao bilhar.
Durante o dia arranjava sempre algo para fazer mas, a noite, vagabundeava pelas ruas de
Estrasburgo à procura de um lugar aconchegante para passar a noite. Isto ocorreu no mês de
Fevereiro, as noites eram geladas. Por fim, eu descobri uma garagem situada perto do
quarteirão turístico « A Pequena França » este sítio viria a ser a minha morada principal.
Para ser franco, tornei-me simplesmente num sem abrigo embora exteriormente ninguêm
notasse .
Na verdade, ninguém desconfiava onde eu morava, as pessoas, pelo contrário, supunham
que eu tinha um bom alojamento porque quando eu os visitava,eu aparecia sempre num
estado impecável.
Quando os meus acessórios começavam a ganhar sujidade,eu deitava-os ao lixo uns e outros
evitava assim, a tarefa de os lavar e andar com a roupa amarrotada. Apesar de me encontrar
na miséria,eu era extremamente maníaco .
Um grupo de quatro jovens nativos do continente chinês convidaram-me um dia a associarme a eles, mais tarde a quadrilha incluía doze indivíduos.
Mandei fazer uma tatuagem com um dragão no braço comprei também umas botas a
cowboy, um blusão e umas luvas de cabedal pretas para ser admitido no gang. Tínhamos
todos alcunhas: Cabeça de boi, Escorpião, Viúva negra, Serpente, Tigre, a minha alcunha
era a de Dragão branco por ser o único que não tinha origem asiática.
O grupo era constituído por campeões de boxing-thai, de kung-fu, e de taeckwondo à tarde,
expunham-nos as suas melhores técnicas marciais, e a noite eu dava o meu melhor lutando
contra grupos rivais, eles surgiam as dúzias, a maior parte do tempo éramos nos os
vencedores, costumávamos treinar nos parques sorrateiramente não queríamos dar nas
vistas. treinávamos e aperfeiçoávamos o nosso estilo.
35
© copyright Emanuel de Castro 2008
Com pedaços de cana-da-índia pré-fabricados com navalhas, debruçados a volta de uma
mesa baixa fumávamos diariamente haxixe até ficarmos drogados e cairmos no chão.
Sentíamo-nos fortes e invencíveis, os mestres do mundo… Enfim, era aquilo que
supúnhamos na altura.
Drogado com haxixe e alcool tornei-me num péssimo jogador e como raramente ganhava ao
bilhar, o dinheiro faltou era um círculo vicioso, por estar dependente à droga sentía cada vez
mais a falta dela por sorte, os meus camaradas não me abandonavam e alimentavam-me.
A nivel humano, os asiâticos nunca abandonam uma pessoa que eles respeitam. Depois do
haxixe passei para a cocaína e mais tarde, já enalava heroína. Proibía-me de me injectar eu
tinha medo de ficar viciado para sempre .
De dia para dia fui ficando cada vez mais vulnerável e resolvi parar definitivamente com a
droga, começei a fumar tabaco.
Entretanto, inscreví-me num clube de boxing- tai, conhecia o professor de vista, em tempos
frequentámos a mesma sala de jogos mas nunca imaginei que aquele homem com uma
estatura tão baixa, ou seja, 1 metro e 55 cm, tivesse sido um mestre de boxing-tai ele
chamava-se Tid e tinha sido campeão na Tailândia do sul, outrora , também conheci o
Thierry, um rapaz alto, caridoso, e outro chamado Kham, um tailandês que tinha muito jeito
para a boxe eu sentía-me no meu elemento,o boxe,o kung fu, todos esses desportos asiáticos
inspiravam-me.
Convivia cada vez menos com a quadrilha. Quando a noite caia, saía sozinho para uma
discoteca em voga, nem sempre, quando tinha algum dinheiro.
Conquistava facilmente as raparigas e por isso arranjava sempre alguêm disposto a oferecerme uma bebida ofereciam às rodadas, eram pessoas desconhecidas que me achavam
querido, resultado as saídas eram cada vez mais baratas.
As discotecas só fechavam, por volta das seis da manhã.Quantas vezes adormeci naquele
sítio, e despertava com o próprio porteiro a chamar por mim, eu aproveitava aquelas horas
todas passadas num meio caloroso, pois na minha garagem, dormia em cima de cartões
húmidos e, no dia seguinte era difícil recuperar.
Engataram-me cada vez mais, no início era uma maneira de arranjar dormida num sítio
quente e tomar uma duche, mais tarde aceitava ir para a cama por 45 euros. Outras vezes
pagavam-me 80 euros, dependia do aspecto do cliente, como eu não tinha rendimentos era
um dinheiro fácil de ganhar .
Dormia com casais, participava em orgias e outras vezes, algo que me dava asco eu
satisfazia os caprichos de alguns perversos. Tornei-me num autêntico gigolô, no verdadeiro
sentido do termo, começei a ficar viciado em sexo, o facto de me sentir tão cobiçado
alimentava o meu ego; Durante o dia eu frequentava o gang, e a noite a besta de sexo
entrava em acção.
Frequentava gente cada vez mais selecta, convivia com a burguesia Estrasburguêsa da noite
eles davam-me abrigo e vestíam-me em troca de uma noite agitada em todos os sentidos do
termo, muito vaidoso arranjava a ir para a discoteca de borla, comia e tinha bebidas de
graça.
Quando estamos na rua sem nada para comer e sem um tostão no bolso será que temos o
direito de declinar tal convite? Embora tudo tenha um preço na vida pois, considero que não
há nada de borla, eu dava a cara, pagava com o corpo, e o sexo. Arranjava uma maneira que
comprovava realmente a minha existência, embora tivesse a sensação que o meu corpo já
36
© copyright Emanuel de Castro 2008
não me pertencia; e que estava entregue ao dinheiro,eu estava a venda em cada esquina de
um bar ou de uma discoteca. Chegaram a propor-me fazer filmes pornográficos para
amadores por 200 euros. Mas só de imaginar que as pessoas podiam reconhecer-me ficava
assustado, não queria que gente conhecida ou os meus próprios familiares descobrissem que
eu aceitava participar nesse género de filmes.
Uma noite num estabelecimento inaugurado recentemente eu estava instalado no bar quando
um homem com cerca de trinta anos surgiu de repente e pediu a barmaid para me oferecer
um copo . Ao mesmo tempo, que eu tentava agradecer-lhe o gesto que ele tinha tido para
comigo notei que ele queria apanhar-me na sua rede. Ele era um homem muito alto, com
porte atlético, e tinha uns lindos olhos verdes. As bairmaids ficaram embasbacadas diante
daquele personagem . Elas tinham ciúmes porque ele só tinha olhos para mim. Ele
ofereceu-me mais um copo e pediu-me para passar a noite com ele em troca de um maço de
notas.
Ao todo havia cerca de 2000 euros. Quando vi tanto dinheiro fugi,eu arriscava a encontrarme frente a um inspector da guarda civil. O ambiente nocturno influencia-nos, é cheio de
luzes,de ouropel mas temos que ficar alerta, pois há sempre o risco que o ambiente degenere
de um momento para o outro.
Disseram-me mais tarde, que o tipo era neto do empresário de uma grande garagem, fiquei
arrependido de ter recusado o seu convite. Quem sabe se eu tivesse aceite a proposta dele,
talvez tivesse arranjado a minha vida.
A medida que eu ia frequentando aquele ambiente de sexo e dinheiro começava a reparar
que aquela gente era muito hipócrita e superficial, começei a desligar daquilo, fiquei farto
de ter de satisfazer os fantasmas daqueles depravados.
Uma noite, enfadado com a minha própria vida regressei a garagem para fazer o contorno da
minha vida. Quando cheguei a garagem, fiquei surpreso, todos os meus acessórios haviam
sumido, alguém encontrara o meu esconderijo e roubara os únicos bens que me restavam.
Recordo que cruzei na rua dois rapazes que carregavam um saco as costas;
E se aquilo me pertencia ?
Passei à frente deles e apanhei-os em flagrante, eles eram mais ou menos da minha idade.
Um jovem turco disse-me:
« que queres ?»
E eu respondi excedido:
« quero aquilo que me roubaste »
E a resposta foi instantânea:
« isto agora pertence-me! »
« o quê ?»
Fiquei tão furioso que dei um pontapé no rosto daquele que me tinha provocado, ele ficou
estendido no chão a cuspir sangue pela boca fora, depois, agarrei no segundo que tentava
ajudar o colega dele e, apertei-lhe a garganta com toda a força. Ele quase sufocou, acredito
que sentindo-se cada vez mais fraco rendeu-se. Lembro-me que a respiração dele como
ficou cada vez mais ofegante alertou-me. Foi nessa altura, que a polícia certamente avisada
pelos vizinhos apareceu para tentar apartar-nos uns dos outros, de algemas nos punhos
levaram-me ao posto da polícia.
37
© copyright Emanuel de Castro 2008
Mandaram-me passar a noite na prisão, no dia seguinte tive de comparecer no tribunal.
Nessa noite arranjei dormida mas, naquelas circunstâncias paguei-as caras!
Propuseram-me um advogado incumbido de me defender, entretanto calhou-me um velho
tresloucado com falta de sexo que se atirava aos jovens ele propôs-me visitá-lo a saída da
prisão.
O simples facto de ser advogado não lhes dá direito de aproveitar-se dos jovens, aquela era
a minha defesa ele tentava tirar proveito do cargo que exercia voluntariamente e no final
atraía os jovens para a cama dele. Depois de ter cumprido a sua missão, de os tirar da prisão
para fora, persuadía-os que era o melhor meio que eles tinham para retribuir o serviço de
defesa, eu estou certo daquilo que digo, PALAVRA DE HONRA pois a mim também me
armou a mesma cilada, não menciono o nome dele pois ele continua a advogar no tribunal
de Estrasburgo.
Soltaram os dois ladrões e acusaram-me a mim de ser o agressor, eu um sem abrigo
aplicaram-me quinze dias de reclusão total e mais três anos de prisão condicional dos quais
três meses à provação, por uma simples rixa aplicaram-me uma pena por ter recorrido a
agressão .Quem sabe, se eu tivesse assaltado algum banco qual seria a minha pena?
omitiram o facto que era eu a principal vítima desta história.
Na prisão foi horrível éramos ao todo vinte e cinco indivíduos, dividíamos a mesma cela,
Nem sei qual era o mais doido ! Eu era um cordeirinho no meio de todos aqueles
delinquentes. Um matara a sua mulher … outro assaltara um banco eram todos trintões, e
aguardavam a sentença do juiz para serem julgados.
O cabecilha do bando impunha as leis, ele subjugava os restantes prisioneiros a respeitar as
suas ordens, aquele depravado constrangia-os a terem relações sexuais com ele, mandava
lamber-lhes os pés, eles obedeciam e nem reclamavam.
No dia em que eu cheguei ele disse-me num tom sarcástico:
« tu, vais trabalhar para mim !»
Eu respondi:
« eu só fico aqui quinze dias, não te iludas, nem penses que vais mandar em mim! »
« sabes com quem estas a falar, meu? Retorquiu ele
« sei, com um peste, não me provoques senão vais ter encrencas!!!»
Mal acabei de falar, ele estava prestes a dar-me um estalo, por sorte, desviei-me dele com
jeito.
« praticas algum desporto de combate ? » perguntou.
Respondi que sim, e avisei-o que se ele tinha vontade de lutar eu estava de acordo, apercebime que os combates da rua ajudaram-me a enfrentar o meu medo. Fiquei indignado. Ele
acalmou-se, imaginou que estava perante algum mestre e perguntou-me se podíamos ser
amigos.
Suponho que o impressionei pois, nos anos oitenta esse tipo de desporto era pouco corrente
na cidade de Estrasburgo, Só haviam dois clubes de karaté, a boxing-thai e, o kung- fu estas
38
© copyright Emanuel de Castro 2008
disciplinas eram praticamente desconhecidas, eram uma novidade no ocidente, graças aos
célebres filmes do Bruce Lee, tão adulado pela juventude. Uma manhã quando acordei na
minha cela, vi que no chão escorria sangue. Quando reparei que ele ainda respirava
corremos avisar o vigia o qual, por sua vez pediu que transportassem o agonizante ao
hospital. Fiquei muito chocado com este drama e, fiz a promessa de nunca mais participar
em nenhum sarilho, para não ter de acabar algum dia, no mesmo sítio. Depois de passar
quinze dias de encarceramento total começei a reflectir de maneira diferente.
Percebi que a liberdade não tinha preço, que sensação quando o vigia abre a porta da prisão!
Parecia que tinha passado três anos de encarceramento, hoje não consigo entender as
pessoas que conheceram o meio carceral, e quando ficam soltas voltam a fazer os mesmos
erros, e voltam a ser encarceradas, no meu caso, só estive quinze dias na prisão foi uma
lição para mim, compreendi e abri os olhos ! a prisão é um verdadeiro INFERNO a nossa
liberdade não tem preço poder ir onde queremos, não há nada melhor! De qualquer forma
nunca mais devia cometer nenhum delito eu arriscava a passar três meses de reclusão sem
contar com a nova pena.
A tardinha fui à garagem mas, a porta estava fechada à chave, decidi dormir na sala de
espera da estação com outros sem abrigos. Estava frio e a cada momento os controladores
vinham expulsar-nos. Eu vagueava pelas ruas e durante toda a noite procurava um sitio para
dormir no quentinho por vezes dormia entre dois cartões ? Em cima de um banco público,
onde estavam os meus amigos? Enfim era o que eu pensava pois quando estamos na rua os
amigos esquecem-se de nos, sentímo-nos abandonados, nunca pedi esmola mesmo se por
vezes roubava alguma sande aqui ou ali, só para me alimentar um pouco, podia ter ido para
casa das minhas irmãs mas, tinha orgulho demais para pedir.
Eu fui estúpido! Sabia eventualmente que as minhas irmãs me teriam aberto a porta e dado
uma cama, comida mas era mais forte do que eu! talvez tivesse vergonha? Ou orgulho?
Sentia-me culpado por ter caído tão baixo.
Senhor! Que desgraça! Ajude-me meu Deus eu pensava na minha casa em Portugal, o meu
quarto e se eu voltasse viver para Portugal?
Sentia-me tão reles, eu que vinha duma família simples com dignidade recusava que a
minha vida acabasse como a daqueles espeluncas!
Pensava na minha pobre mãe que sofrera tanto para nos dar uma boa educação, fiquei com
vontade de gritar:
« Perdoa-me mãe, vê naquilo que eu me tornei, tu que tanto orgulho tinhas no teu
Nelinho !» eu que te tinha prometido quando me despedi de ti «não nunca mais farei
asneiras !» menti-te mãe peço-te desculpas !
Eu queria ser de novo uma pessoa respeitável de quem ela não precisava envergonhar-se.
Decidi esforçar-me para conseguir ser alguém.
Quando saí da prisão, perdi de vista a quadrilha, a situação em que eu me encontrava era
complicada demais. Se eu tinha vontade de mudar de vida, o melhor era começar já.
Começar por evitar certas companhias. Ou então corria o risco de cair outra vez na mesma
armadilha. Uma noite num bar conheci um contabilista ele trabalhava no maior circo do
mundo : « O American Circus ».
39
© copyright Emanuel de Castro 2008
Assim que simpatizamos, ele deu-me um bilhete para assistir ao espectáculo. No dia
seguinte dirigí-me ao circo instalado na Praça da Estrela, não muito distanciado do centro de
Estrasburgo. No final do espectáculo impressionado com as representações dos artistas fui
ver o meu novo colega para lhe explicar que queria arranjar emprego « calhas mesmo bem
!» disse ele, estamos com falta de pessoal. Ele levou-me para junto do director que me
animou imediatamente a fazer parte de uma banda e mostrou-me uma caravana que eu devia
partilhar com mais seis pessoas.
Na primeira noite, não consegui adormecer, de tão atrapalhado que andava com a minha
nova vida. Contornei o capitel e analisei-o à superfície sob todas as perspectivas.
Na manhã seguinte pediram-me para varrer as pistas, aprendi a alimentar os animais,
alimentar os cavalos, os elefantes, as zebras, felizmente o domesticador ficava encarregado
de alimentar os felinos, teria ficado inseguro caso me tivessem pedido para entrar nas jaulas
deles.
Após sete dias passados em Estrasburgo o circo voltou de novo para Nancy pertencia agora
a gente nómada do circo. Mais tarde subia de posto, o director pediu-me para acolher os
clientes e instalá-los nas bancadas todos os dias haviam duas representações uma as 14:30 e
outra as 20:30.
O aparato era grandioso; havia uma tal cumplicidade entre os artistas e os animais, um dia
soube que a direcção procurava um barman, encantado com o posto, entreguei a minha
candidatura e fui aceite. Instalaram o bar num camião onde os telespectadores, antes do
espectáculo começar, podiam tomar café, chá e comprar rebuçados de todas as variedades
possíveis, durante o intervalo. Também era o lugar onde os artistas se encontravam depois
do espectáculo antes de se recolherem nas suas caravanas. Por falar em caravanas posso
dizer-vos que dava para adivinhar, relativamente a superfície e ao luxo de que usufruíam,
quais os artistas com melhor remuneração.
A caravana do director obviamente era a mais linda tinha um interior em mármore
importado de Itália, um sauna, e um jacuzzi, O circo pertencía a um Italiano que explorava a
réplica nos Estados Unidos, a única diferença é que os artistas Americanos nunca se
deslocavam; ficavam sedentarizada em Dallas.
470 pessoas trabalhavam no circo não era tarefa fácil conhecer o pessoal todo, todavia já
tinha simpatizado com alguns artistas em particular «os Rastelli » palhaços de geração em
geração eram os meus favoritos. Encontrava-me perante verdadeiros génios, apesar de
disfarçarem completamente o seu aspecto humorístico.
Eles eram tão cómicos com os trajes deles que conseguiam fazer-me rir as gargalhadas
quando me visitavam no bar.
Também havia um mágico que me ensinava algumas dicas com os baralhos de cartas entre
dois clientes ele desvendáva-me alguns segredos.
A cada intervalo ia ensaiar com os trapezistas, os malabaristas, os acrobatas, eu também
tinha vontade de ser artista, mas não se é artista de um dia para o outro, é preciso começar
durante a primeira infância, são anos de trabalho, de sacrifício, e de sofrimento, a gente não
dá conta quando vemos uma prestação julgamos que é fácil mas tentem fazer o mesmo; com
todo o meu respeito, senhores artistas!
40
© copyright Emanuel de Castro 2008
Errávamos de cidade em cidade e, cada vez que parávamos num lugar deparávamos sempre
com os mesmos problemas de canalização e de electricidade ou com a falta de espaço, pois
tratava-se de um imenso circo que podia acolher mais de 4000 pessoas. Ao todo eram
necessárias doze horas para pô-lo em pé e oito para o desmontar. Participávamos todos,
inclusivé mulheres e crianças, cada pessoa tinha uma função própria.
Alimentavam-me, davam-me um tecto, lavavam a minha roupa e no final do mês,
entregavam-me um salário de 450 euros, que eu nem sequer tinha ocasião de gastar
Com a minha primeira paga comprei roupas para mim, acessórios, e produtos de toilettes
para ficar com melhor apresentáção.
Eu comia na cantina do circo todos os dias, a ementa variava, também tinha a sorte de ser
convidado, de vez em quando, à mesa de certos artistas e de jantar ao restaurante, com os
jovens acrobatas. Estes quando bebiam demais faziam cambalhotas na rua, eram muito
engraçados.
Uma vez, um dos trapezistas que tinha fumado erva, não se encontrava na melhor forma,
para realizar o triplo salto tentou por três vezes, em vão ele nem conseguia agarrar as mãos
do colega, e caía sempre na rede. Eu imaginava o pior caso se ele tivesse caído no chão. O
nosso director seguiu a cena com olhar crítico e não felicitou a sua prestação.
Os artistas eram pagos segundo os riscos que tomavam; Quanto mais a prestação era
perigosa maior era a paga. Um trapezista Americano na altura, em que trabalhava sozinho,
sem rede, e sem cinto de segurança recebia, naturalmente o melhor salário.
A cada instante, ele arriscava a vida dele, fiquei realmente com a impressão que lhe dava
prazer desafiar a morte. Ele costumava fazer dois números espectaculares, um deles era
conhecido pela : « roda da morte » era uma grande roda que rodava a mais de quinze
metros do chão. O artista corria no sentido contrário da roda, mantinha o ritmo de olhos
fechados, ele desafiava as próprias leis da atracão física, era uma proeza! Ele ganhou o
titulo do « melhor show no ano de 1983 ». Cada ano « o American Circus » mudava os
espectáculos, enquanto certos artistas partiam outros chegavam só ficavam os familiares tais
como os: « os três fratellini » e os « rastelli » A neta dos rastelli, contorcionista tinha uma
agilidade extraordinária, ela conseguia dobrar e contorcer o corpo como queria, ela era um
espectáculo era o orgulho da família.
Haviam três pistas, a pista central, estava destinada aos melhores números, onde qualquer
artista sonhava actuar um dia, haviam mais duas pistas situadas nas extremidades reservadas
as prestações menos espectaculares.
Os artistas sentiam ciúmes uns dos outros por vezes, semeavam a discórdia, outras vezes,
procuravam-me para ter novidades com a intenção de bisbilhotar, eu mantinha-me neutro
para evitar conflitos.
Ao todo tínhamos 120 cavalos, 20 tigres, 10 leões, 5 panteras negras, 10 elefantes e uma
multidão de outros animais, os clientes podiam visitar a colecção de animais por 1,50 euros,
Eu venerava o nosso director, era necessário ter um talento especial para organizar até ao
último pormenor uma empresa daquele tamanho merece uma reverência!
Após ano e meio passado no circo, fiquei mais equilibrado, tinha o reconhecimento do meu
trabalho ; por conseguinte faltava-me o essencial, a minha família. Quando eu via os outros
artistas com os familiares sentia-me só. A minha família nem sabia onde procurar-me,
41
© copyright Emanuel de Castro 2008
nunca mais tinha dado noticias, desde a minha partida para Estrasburgo,eu queria voltar
para casa precisava vê-los.
Quando dei a minha demissão ao director, ele quis guardar-me, felicitou-me pelo trabalho
realizado e, propôs-me aumento, disse-me que a mulher dele me estimava, e ofereciam-me
uma cama na própria caravana deles. Era uma honra e um privilégio para mim, mas, nada
mais podia reter-me, queria voltar para a minha família. Passadas algumas horas as pessoas
já sabiam de tudo, todos os artistas vinham ver-me pessoalmente para me dissuadir de partir
havia sido adoptado por eles, e creio bem que foi a primeira vez, há já muitos anos que eu
não me sentia tão amado. No entanto, a minha decisão estava tomada.
Em Bordéus recuperando alguns bens pessoais despedi-me com um nó na garganta, da
malta toda.
Sabia que deixava para sempre, gente fantástica, sentiam-se tristes por me ver partir.
Ao afastar-me do circo eu chorava tanto que pensei dar meia-volta, porquê ir embora?
Sentia-me tão bem ao lado deles.
Na estação de Bordéus continuava a soluçar perguntava a mim próprio, se era
verdadeiramente o meu desejo,de entrar naquele comboio com destino à Estrasburgo.
Vinha angustiado por voltar a ver a minha família, quando cheguei a Estrasburgo procurei
um quarto num hotel, a espera de encontrar algo melhor. Tinha algumas economias. Estava
muito comovido por reencontrar os meus amigos e as minhas irmãs Celeste e Mina por
mero acaso, cruzámo-nos na rua elas ficaram surpreendidas por voltarem a ver-me.
Abraçei-as acanhado, depois desta longa ausência estranhávamos a presença uns dos outros.
Não lhes contei nada acerca do meu passado longe de Estrasburgo, não tinha vontade de
contar aquilo que fiz.
Fiquei a saber que a Emília estava grávida e esperava uma menina. Corri até a casa dela
para lhe dar os parabéns, e contei-lhe a minha história ela não queria acreditar, ficou
espantada.
Fiquei feliz porque ela e o seu namorado, eram proprietários de um lindo apartamento. Não
me senti arrependido de a ter deixado, na altura necessária mesmo se foi uma calamidade
para mim. Eu encontrava-a feliz e o facto de ela ser mãe tornava-a radiosa.
Um professor de kung- fu vietnamita que cruzei pouco tempo depois propôs-me coabitar
com ele. Aceitei a sua proposta por ser menos dispendiosa do que o quarto num hotel.
Ele dava aulas em diversas salas, eu ensaiava com ele mais de seis horas por dia, graças à
agilidade que adquiri no circo pediu-me para ser o seu assistente após alguns meses.
Quando ele tinha algum impedimento era eu quem o substituía.
A tradução da palavra « kung fu » realização do homem pelo trabalho « o que significa: o
trabalho requer muito esforço e se aceitas cumprí-lo o teu trabalho será de qualidade »
Praticar o kung fu não era apenas favorável para o corpo, era uma nova filosofia de vida, eu
estava preparado para passar a étapa seguinte, e quem sabe ! talvez fosse a minha vez de
divulgar essa arte, a outras pessoas, e abrir o meu próprio clube (dojo). Depois das aulas
íamos por vezes beber um copo « ao bar dos aviadores » inaugurado recentemente. Era um
42
© copyright Emanuel de Castro 2008
bar frequentado em grande parte por estudantes, os quais depois de simpatizarmos uns e
outros propuseram-nos fazer uma publicidade ao clube; Eu ia várias vezes saber novidades
da minha irmã Emília o parto era em breve, ela estava impaciente de dar à luz, engordara 13
kg a mais.
Quando a pequena Joana nasceu eu fui tio pela oitava vez perguntava a mim próprio quando
ia ser pai, primeiro precisava encontrar a mulher da minha vida, relativamente ao casamento
e a uma vida de família não haviam obstáculos na minha vida; eu, tinha a impressão de ter
dado a volta às experiências todas da vida, mas a trajectória da minha vida ia brevemente
tomar um novo rumo.
Eu costumava frequentar de maneira assídua « o bar dos aviadores» a Michelle, a patroa era
uma pessoa bastante acolhedora, apareceu um cargo de barman como eu já conhecia bem a
profissão, propus-lhe pôr-me à prova, os horários iam das 18 horas as 4 horas da manhã.
Não era fácil trabalhar àquele ritmo, mas precisava ganhar a minha vida, queria manter as
resoluções que havia prometido cumprir quando eu errava pelas ruas.
Tentava recuperar o máximo durante o dia e ficar em forma à noite, não queria que a minha
patroa ficasse desapontada comigo, ela tinha muita confiança em mim, entretanto como eu
trabalhava a noite acumulei o cansaço e não era produtivo durante o dia, assim, não me
restava tempo para praticar o kung fu.
Andava despreocupado o ambiente no bar era simpático as relações eram boas entre os
barmains e os garçons.
A equipa toda bebia em serviço, eu começei a imitá-los para não ser tratado de desmancha
prazer, eu que já não bebia álcool há mais de um ano.
A partir desse dia recomecei a beber e a drogar-me .Após o serviço o pessoal saía para a
discoteca, eu descarrilei novamente! Todo esse caminho percorrido em vão! A carne é fraca,
eu voltava a ser a « besta de sexo » só que desta vez já não o fazia por dinheiro… mas pelo
prazer.
Eu gastava o meu salário de barman 900 euros mais 230 euros de gorjeta nas caixas para
consumo de drogas. Ao fim do mês não me sobrava mais dinheiro,eu caminhava em
direcção à uma catástrofe, o meu passado infeliz não me servia de lição. Porque voltava a
deprimir?
Só pensava em copular com quem quer que fosse, não importava o lugar onde podia
acontecer, nas casas de banho do edifício entre dois intervalos.
Uma noite em Janeiro de 1986 conheci uma miúda, ela devia ser toxicodependente como eu
de qualquer forma não hesitei e curti com ela aquela noite.
Imaginei várias vezes, que um dia podia apanhar a sífilis ou outra doença venérea, todavia
quando eu topava com uma miúda que alinhava comigo, as minhas dúvidas desapareciam.
Voltando à minha conquista, depois da penetração ela sangrou, não fiquei alarmado era uma
reacção normal por parte de uma rapariga virgem. Sentia-me exausto e sem apetite.
Comecei a sentir um vazio em mim,eu pensei que tinha apanhado alguma constipação ou
então eram as directas com álcool e haxixe .
43
© copyright Emanuel de Castro 2008
Um sábado à noite sentado junto ao bar, uma jovem loira trintona devorando-me do olhar
perguntou:
« és flexível? »
Não entendi o sentido da pergunta mas respondi-lhe descontraído .
« claro que sou flexível em que sentido?»
« anda ter comigo quando acabares o trabalho! »
Fiquei sem voz durante um momento, enquanto trabalhava observei-a, ela parecia ser uma
rapariga equilibrada, inteligente, e imprevísivel.
Antes de sair do estabelecimento ela veio ter comigo para me dar a morada dela ao mesmo
tempo pediu-me para ir ter com ela depois do meu serviço. Dava para entender que ela tinha
um fraquinho por mim, afinal porque não tentar, não tinha nada a perder .
Depois do encerramento, os meus colegas pediam-me para passar a noite com eles.
Avisei-os que tinha um impedimento, quando me dirigia à sua casa ,perguntava a mim
próprio, quem era ela? que pretendia ela de mim?
Quando cheguei frente ao prédio reparei que a porta estava aberta, toquei a campainha e
percorri os três andares a toda a pressa e quando cheguei frente ao apartamento dela notei
que a porta estava entreaberta ela dizia para mim:
« entre! »
O meu coração pulava com toda a força, eu fiquei ansioso com aquilo que eu ia descobrir. O
ambiente « ZEN » do apartamento atraiu-me, um cheiro intenso a incenso provinha do
quarto dela deparei sobre uma cama com um espectáculo como nunca vira antes, descobriaa nua na cama:
« o que pretende de mim? »
Achei que a minha pergunta era estúpida! Dado o contexto a pergunta era despropositada
pois a situação era claríssima!
Portanto eu não esperava aquilo, fiquei surpreendido, ela explicou-me que tinha uma sala de
desporto chamada « SIGNES » e era professora de yoga.
Como ela projectava fazer um filme sobre o tema do yoga e, quando ela me viu no bar, a
minha aura agradou-lhe. Passei a noite toda a discutir com ela acerca do seu projecto , soube
então porque ela fazia referência à minha flexibilidade.
Depois de tomarmos o pequeno-almoço juntos, saímos para visitar a sua sala e fazer as
primeiras avaliações das minhas capacidades. Ela desistiu de me entregar um papel na
película, segundo ela, eu não tinha flexibilidade suficiente. As posturas do yoga requerem
uma agilidade fora do normal, algo que eu não tinha, embora fizesse o espargarte, era
44
© copyright Emanuel de Castro 2008
insuficiente. Era praticamente necessário ser-se contorcionista exactamente como a míuda
do circo.
No início da tarde essa mulher chamada Mónica, convidou-me para dar um passeio no
parque e seguiu-se um jantar no restaurante onde ela me propôs coabitar com ela.
É evidente que a proposta foi precipitada todavia, como o apartamento dela ficava perto do
meu local de trabalho concordei logo, nessa mesma noite fomos recuperar o meu saco à casa
do meu amigo e levá-lo para casa dela.
Os dias foram passando e embora no inicio eu não me sentisse demasiadamente atraído pela
Mónica aprendi a apreciar a sua inteligência e, a sua serenidade, como eu era um vulcão em
ebulição, a tranquilidade dela acalmava-me.
Sería ela a mulher da minha vida ? Será que em breve ia ter uma família, e filhos?
Era uma enigma,eu não sabia o que o futuro me reservava. A Mónica era fantástica com a
sua incrível agilidade ensinou-me o «Kama-Sutra» era a primeira vez que ouvia falar nisso,
ao descobrir as variadíssimas posições, muitas vezes esquisitas, sentia-me tal inexperiente
na matéria, eu que pensava ser perito na área do amor estava enganado, precisava rever a
minha educação sexual por completo. Sinceramente, aquilo não me desagradava; pelo
contrário era surpreendente e misterioso ele tinha tanta imaginação e fazia tantas proezas
que eu perdia a cabeça.
No mês de Fevereiro tirei oito dias de férias para fazer esqui com os meus amigos, as dores
tornaram-se cada vez mais intensas e, mais vivas e as diarreias mais frequentes, certos dias
fiquei incontinente.
Resultado a minha estadia virou uma tragédia! Os meus amigos não percebiam o que me
estava a acontecer eu também não, aliás. Resolvi consultar um médico durante a minha
estadia. Ele diagnosticou uma simples gastro e deu-me sete dias de alta.
Enviei o atestado médico ao meu patrão e decidi prolongar a minha estadia nos desportos de
inverno julgando que o ar saudável ajudaria a restabelecer-me .
De regresso a casa, a Mónica achou que o meu estado havia piorado. Ela achou-me mais
magro,ela tinha razão eu, com efeito, havia perdido cinco quilos em quinze dias;
Fui despedido por falta profissional, por mero acaso, a Michelle não recebeu o meu atestado
médico.
Pensei processá-lo mas, desisti.
Debilitado e cansado não tinha energias suficientes para empreender as etapas necessárias
para procurar emprego.
O verão passou e o meu estado piorou sentia-me doente e angustiado no meu íntimo, eu
pressentia que tinha algo de grave, mas não queria acreditar, é estranha essa lucidez acerca
da nossa própria realidade ;
A Daniela, uma amiga da Mónica que morava no mesmo prédio era directora num
laboratório de análises. Ela aconselhou-lhe a fazer uma análise de sangue e ver de uma vez
por todas de onde vinha o meu problema;
45
© copyright Emanuel de Castro 2008
Alguns dias depois eu estava no quarto a ver televisão quando a Daniela e a Elisabeth uma
outra laboratorista bateram à nossa porta, o olhar fugidío, em silêncio, entregou-me os
resultados das análises.
No dia 1 de Dezembro de 1986 as 22 horas e 30 ela anunciava-me que eu estava
infectado com o vírus do SIDA.
Assim que me deram a notícia aterradora o meu sangue gelou ! Não! Não é possível! É um
pesadelo! O olhar apavorado da Mónica confirmava a realidade ! não havia erro ! Havia
sido contaminado pelo vírus mortal originário da África transmissível pelos macacos assim
como pelos homossexuais. As poucas relações que eu tive com os homens haviam sido
fatais para mim, sería a toxicodependente?
Eu transpirava angustiado o meu ritmo cardíaco acelerou-se sufocava e tremia inteiramente,
dizia:
« vou morrer, oh! Meu deus, vou morrer! »
A Mónica em pranto tomou-me em seus braços para me consolar. Eu continuava a repetir:
« Vou morrer, vou morrer! » Ó nossa Senhora de Fátima vou morrer » oh! Santa
Virgem Maria, vou morrer! Mamã, mamã, vou morrer, Emília, Celeste, Mina, António,
vou morrer, meus amigos eu vou morrer!
Que sensação esquisita, a de saber que os nossos dias estão contados! Quanto tempo me
restava para viver? Alguns dias? Algumas semanas? Ou alguns meses? Quando eu recebi a
terrível notícia quase desfaleci.
« Porque me havia de calhar a mim mas porquê eu, meu Deus sou jovem demais para
morrer » Não quero morrer agora, ainda acabei de chegar, só cá ando há 22 anos, meu
Deus, rogo-vos Não, agora, Não, concedei-me mais algum tempo de vida, mais alguns
anos tenho tantas coisas para realizar neste mundo, rogo-vos, rogo-vos, meu Deus agora
não, não por favor!
A noite foi horrível! A pior em toda a minha vida, é inexprimível, é uma sensação
intraduzível, só as pessoas que passaram por lá é que sabem o que aquilo é, doía-me o
coração, as entranhas, eu transpirava, o meu coração saltava com tanta força que, a qualquer
momento julgava que ia ter algum enfarte.
Senti uma agonia e vi a minha alma deixar o meu corpo para o outro mundo, durante um
curto instante tal como no filme GHOST onde vemos o actor deixar o seu próprio corpo, e
o seu corpo surgir frente à prometida, portanto nesse dia não era só um filme era a minha
própria vivência, enfim, nesse dia tudo isso fez sentido, a imagem da mamã e da família a
46
© copyright Emanuel de Castro 2008
soluçar recolhidas diante do meu caixão tomar conta do meu espírito,eu imaginava a
seguinte inscrição gravada na sepultura:
« Emanuel de Castro nasceu a 18 de Outubro de 1964 morto em ? .. .. ? 1986 »
Pensava no meu pai, na minha família desaparecida, nos meus amigos, em breve pai vou
para junto de ti e conhecer-te! Deixaste-nos aos 31 anos eu só tenho 22 nem sequer fui
capaz de viver um pouco mais do que tu oh! Pai, como é no além ? a morte, o além
angustiavam-me; jamais esquecerei aquele dia como é possível esquecer oh não! É
impossível! Nunca mais quero tornar a viver aquele momento e não o desejo a ninguém!
Após ter passado o resto da noite a ver desfilar na minha mente a minha vida e a persuadirme que estava para morrer, ao mesmo tempo que ia vomitando as minhas entranhas e
agonizando, tremendo inteiramente, rezava a Deus Nosso Pai e a Virgem Maria e tentava
acreditar, lembrava-me que em breve ia despertar daquilo tudo e realizar que não passava de
um pesadelo!
A Mónica ficou tão angustiada quanto eu, contactou as relações nos quatro cantos do
mundo; Contactou também os mestres do yoga para saber se existia algum remédio contra o
vírus, as respostas eram sempre negativas, não havia tratamento possível, a morte era a
única solução. A Mónica procurava resignar-se, não havia tratamento para o meu problema,
eu comecei a perguntar-me se teria infectado alguém ?
Era misterioso! Nem sabia como procurar as minhas inúmeras conquistas, eu tinha certas
dúvidas em relação a toxicodependente, porém não havia certeza absoluta, podia ter sido
contagiado por outra pessoa, a partir do dia que me deram a notícia, comecei a deprimir e
fiquei na fossa, as diarreias não cessavam, emagreci cada vez mais, a Mónica repetia
constantemente:
« continua a lutar, não te rendas, praticas o kung fu, tens uma mente resistente, podes
conseguir! »
Que treta! Como lutar contra algo inevitável, significava combater a minha própria morte,
resistir ao próprio destino? De que forma havia de proceder para não morrer, era
inintelígivel.
Eu decidi hospitalizar-me, sem saber porquê. Já sabia com antecedência aquilo que os
médicos me iam dizer, talvez quizesse morrer simplesmente. Eu queria evitar que a Mónica
assistisse a minha lenta agonia. Os médicos mandaram-na fazer imediatamente, um teste
despistagem avisaram-na que os resultados iam demorar.
Um especialista dos MST detectou gangliões por baixo das axilas e na garganta e o
veredicto foi imediato. Ele anunciou-me que me restavam quinze dias ou três semanas de
vida, a notícia foi assustadora, nessa altura, as últimas forças que eu tinha sumiram , só tinha
quinze dias para viver!
« Meu Deus! Só quinze dias de vida,eu não tinha tempo de avisar todos, nem de ver os
47
© copyright Emanuel de Castro 2008
meus parentes reunidos, os meus amigos Meu Deus !concedei-me mais algum tempo,
tempo para me despedir deles!» despedir-me daqueles que eu amo, mamã vou morrer sem
voltar a ver-te não, meu Deus? Tende compaixão de mim, suplico-vos, minha mãe não,
concedei-me este último pedido queria voltar a vê-la uma última vez...
Quando soube da triste realidade podia ter virado as costas a Deus, dizer-lhe o que eu
pensava a respeito Dele, desabafar com Ele,eu não podia acusá-lo a Ele, eu fazia um último
pedido: que me concedesse mais algum tempo só mais algum tempo, era a minha última
vontade antes de ir para junto do meu Pai, dos meus antepassados, dos meus amigos…….
No hospital eles isolaram-me num quarto, as visitas eram proibidas só os médicos
préviamente protegidos com batas desinfectadas,e com máscaras, e luvas podiam
aproximar-se de mim. Os internos apareciam às dezenas ao meu redor, como se eu fosse um
animal em vias de extinção, porquê ? Eu precisava acima de tudo de reconforto, de simpatia,
ainda estava vivo, continuava a ser um homem, um ser vivo, sim, continuava a viver,
embora soubesse que ia morrer, queria morrer com dignidade e não como um animal, eles
evitavam tocar-me e cumprimentar-me, faziam o relatório, ponto final, eles sentíam-se
ultrapassados pois, o sida em 1986 era um flagelo, o equivalente a peste na Idade Média.
Como eles ainda ignoravam tudo acerca da doença, tentavam descobrir se era transmissível
por vias respiratórias, sanguíneas; pela saliva ou por picadas de mosquitos. Nem um copo de
água me ofereciam, eu, bebia directamente da garrafa. De dia para dia eu degenerava, os
médicos impotentes não sabiam como tratar-me, eu era uma cobáia, estava a mercê da
medicina ;A Mónica quando me visitou ficou chocada ao ver no estado em que eu me
encontrava e as condições no hospital. Ela procurou imediatamente um médico, ele avisou-a
que me restava pouco tempo de vida, que me encontrava na quarta fase do vírus (HIV), a
fase terminal, ou seja, em finais de vida, era um ser humano na mesma, eu supliquei-lhe que
me tirasse de lá, eu só tinha um desejo, de regressar à Portugal e morrer nos braços da mãe.
Ela não acreditou nos médicos nem na eminência da minha morte ela assinou a quitação e
levou-me para casa, como proceder com esse destrutivo HIV ? Ela telefonou à
Emília,minha irmã, não foi fácil ter de lhe anunciar que o irmão dela havia contraído o
síndrome da imunodeficiência adquirida e em breve ia morrer, ela andava grávida de três
mêses o impacto provocou um parto prematuro.
« Perdoa-me Emília, perdoa-me, sinto-me culpado de te ter feito perder essa criança,eu
nunca desejei tal coisa, peço-te desculpas minha irmã, minha querida irmã !»
As minhas outras duas irmãs ficaram aflitas quando se lembraram que tinham de prevenir a
nossa mãe. A Mina redobrando coragem ficou incumbida de telefonar a mãe, o principal era
poupá-la como ela sofria de hipertensão, o choque podia ser fatal. A mãe ouviu a notícia à
muito custo, ficou tão alarmada que teve de alertar os vizinhos, a sua tensão ficou tão alta
ela arriscava a ter um enfarte de um momento ao outro.
A mãe quase morreu por minha causa! Se lhe tivesse acontecido algo eu ter-me ia sentido
culpado o restante dos meus dias.
48
© copyright Emanuel de Castro 2008
« Perdão mamã, por te ter feito sofrer tanto, sei que te causei muito sofrimento, não
merecias aquilo, a culpa não foi tua, depois deste incidente a tua vida nunca mais foi
igual, no entanto, eu sou o teu filho, e sei que me amas, se pudesses terias dado a tua vida
por mim. No dia em que me disseste aquelas palavras eu senti-me amado profundamente,
já sabia que me amavas mas nunca imaginei que fosse a tal ponto eu também te amo,
mãe !»
Hoje em dia, há muitos pais que quando descobrem que o filho deles contraiu o vírus (HIV)
do sida, rejeitam-no imediatamente, por vezes ignoram-nos, o amor que você sente pelo seu
filho nunca deve mudar, pelo contrário, é nessa altura que eles mais precisam de vocês, de
sentí-los próximos. Se um dos seus filhos lhe anuncia que é seropositivo, podem crer que, a
situação é difícil para ambos, tente abraçá-lo porque não há palavras que possam transcrever
a dor, só com muito carinho é que poderá confortá-lo na sua imensa dor, é esse amor que me
mantém em vida hoje em dia, não esqueçam!
É evidente, que a minha mãe tentou ocultar aos vizinhos a minha doença, eles nunca iriam
entender, ficou subentendido que eu tinha uma doença incurável, imaginem os rumores….
Naquela altura, os Portugueses tinham preconceitos relativamente ao Sida, para eles só
havia duas possibilidades, ou estes eram homossexuais ou toxicodependentes também não
procuro afirmar o contrário, é fundamental explicar àqueles provincianos ignorantes e
puritanos que não é pelo facto de pertencermos a uma dessas duas categorias que corremos
o risco de ser contaminado !
As minhas irmãs prometeram à nossa mãe ficar em contacto comigo e ver como evoluía a
doença , caso piorasse, elas prometeram repatriar-me, por avião, e passar os meus últimos
dias ao lado dela. Entretanto, a Mónica ouviu falar de um magnetizador instalado perto do
nosso apartamento ele tinha fama de ter curado certas pessoas com cancro e outras doenças
incuráveis. Ela telefonou-lhe para marcar uma consulta com urgência, tive sorte ! Uma
pessoa que morava perto de mim e que ia zelar por mim. Desci de 75 quilos para 56, os
meus ossos já se notavam, pouco restava do playboy que seduzia as raparigas.
Era insuportável a ideia de ficar reduzido à um legume,eu preferia desaparecer de uma vez
por todas, antes de perder inteiramente a minha dignidade , várias vezes, sentáva-me no
parapeito da janela do quarto piso e ouvia uma voz que me impelia:
« Anda lá, Manu, salta, coragem, nesta terra só há sofrimento, porquê viver este inferno,
de qualquer forma, não há mais esperança para mim, já sabes há muito que estás
condenado, os teus dias estão contados. Agora só no outro mundo é que poderás
encontrar a felicidade » !
Porém, a morte assustava-me, ainda não me sentia suficientemente farto da vida para pôr a
minha vida em perigo Aos meus olhos, não basta ter coragem para suicidar-se suponho que,
por fim quando o sofrimento se torna insuportável, as pessoas vulneráveis e frágeis perdem
o juízo e procuram libertar-se do sofrimento. Esta solução mórbida não saía da minha
cabeça no entanto, logo que eu pensava na minha família, na minha pobre mãe que não
merecia sofrer mais,eu deixava imediatamente de pensar nisso,eu persuadía-me a mim
próprio que o principal era nunca desistir, e que graças ao curador ainda havia esperança. A
Mónica levou-me à casa dele, não faltava gente na sala de espera, e confirmaram-nos que
ele tinha realmente capacidades para curar.
Eu observava os pacientes, o olhar vazio deles assustava-me, alguns tinham queimaduras de
terceiro grau, outros pareciam autênticos zumbies,eles aguardavam todos em silêncio a vez
49
© copyright Emanuel de Castro 2008
deles, então, o Jean-Marc apareceu subitamente atrás da porta, eu tinha muita fé naquele
homem. Só o facto de me encontrar na presença dele as minhas angústias desapareciam, já
há muito que eu não me sentia tão bem. Emanava dele uma serenidade e uma paz, que
capacidade de controle perante tanto sofrimento! Ele era realmente fora de série! Ele sorriu
para mim e deu-me uma mãozada, era diferente do hospital, lá os médicos evitavam tocarme, julgo que ele tentava persuadir-me que não me ia abandar e que ia lutar ao meu lado,
com todas as forças.
Finalmente, surgia uma claridade, alguém em quem eu podia confiar após essas semanas
cheias de dúvidas e desesperos.Ele pediu-me para me deitar no sofá ,falou-me com voz
calma eu fazia um esforço para resistir ao sono, as minhas pálpebras fechavam-se sem eu
querer e eu resistia ao sono.
Então ele pôs as mãos dele em cima de mim durante cerca de meia hora,eu senti aquela
energia invadir o meu corpo, até de olhos fechados dava para adivinhar qual a parte do
corpo que ele magnetizava.
Era incrível! Eu dizia para mim próprio « este homem tem mãos de Deus ».
Depois da primeira consulta senti-me com mais forças, fiquei tão calmo que própria
Mónica ficou surpreendida quando veio ter connosco no fim da consulta. O Jean-Marc
pediu-me para ir vê-lo todos os dias, durante três meses, a consulta era de trinta euros,eu fiz
as contas e duvidei que pudese pagar as consultas foi então que ele me certificou que por ser
para mim era de graça « De graça, mas porquê? » Eu não percebia,” porque “ disse ele,”
um dia, precisarei de ti e nessa altura retribuir-me-ás de graça “. Eu fixei-o, indignado
não entendia nada do que ele me contava. Então ele explicou-me que pressentiu que eu
também tinha dons de curador e que podia ajudar os outros. Fez-se luz! A história do gato
não era fruto da minha imaginação! Foi o meu fluido que fez o pequeno animal escapar a
morte.
Não conseguia acreditar eu também podia aliviar os seres humanos. Emanuel quer dizer em
hebraico « Deus está contigo » mas não ao ponto de deter tal poder!
Por milagre nos dias seguintes as disentrias pararam, fiquei com melhor aspecto e
recuperei o apetite. Eu consultava o Jean-Marc diariamente, a sala de espera estava saturada
de gente. Algumas pessoas sem dinheiro pagavam a consulta com presuntos, maças,
laranjas. Ele nada lhes pedia nada em troca mas, aceitava de bom grado as prendas; O JeanMarc só comia uma laranja por dia , magnetizava-a préviamente antes de a comer; Ele não
comia nada antes do jantar.
Não sei como ele era capaz de aguentar aquela dieta rigorosa, certamente que com a calma
que ele tinha nem sentia fome, prova que a fome está muitas vezes, ligada ao stress e que
nos alimentamos para acalmar as nossas tensões.
Por fim, recebemos os resultados da Mónica, por sorte eram negativos, que alívio.
Esta longa espera era quase insuportável,sabes Mónica! Se tivesses contraído o síndrome da
imunodeficiência adquirida; não imagino o que teria feito, não sei!
Obrigada meu Deus por teres poupado a pessoa que eu amo.
Aos poucos e poucos,eu recuperei oito quilos em dois meses; Senti-me com força suficiente
para ensinar o kung fu no ginásio da Mónica.
50
© copyright Emanuel de Castro 2008
Praticar o kung-Fu não só era vital para o meu corpo como tambêm para o meu espírito.
A musculação revalorizava-me na minha imagem, poder sair de casa e ver outras pessoas, e
esquecer a minha doença.
Depois de ter feito imprimir panfletos publicitários distribuímo-los aos comerciantes do
bairro.
A primeira aula correu bem uma dezena de adolescentes passeavam diante da sala de
desportos fiquei surpreendido por ver que eram tantos. Imagino que devem ter ficado
decepcionados ao ver-me, elesjulgavam que topariam com um professor super- musculoso
como o Jean Claude Van Dame, eu confiava em mim, sentia-me capaz de lhes ensinar essa
arte.
Saíram satisfeitos da primeira aula, eles felicitaram-me pela minha flexibilidade e a minha
agilidade.
No fundo senti muito orgulho revalorizou-me. Decidi ensinar também o kung-fu às quartasfeiras, a crianças com mais de seis anos de idade estes salários permitiam-me viver de novo
de maneira decente. Consultava várias vezes o Jean-Marc, Sentia-me tão bem que certos
dias acreditava que os médicos tinham errado ao anunciar-me a minha morte.
A Mónica passou as festas de natal de 1987 com os pais dela; Eu, com as minhas irmãs que
ficaram encantadas por voltarem a ver-me com tão bom aspecto.
A Mina grávida de oito meses preparou a refeição de Natal para toda a família, coitada da
Mina! Eu observava-a da cozinha, a barriga já era bem visível, atarefada no forno.
Doía-me o coração ao ver que ela sofria, mas, orgulhosa ela recusou que a ajudassem. Ela
tinha gosto de organizar essa noite para as pessoas que amava. É verdade que ela tinha arte
para acolher, na decoração és a melhor, e a tua árvore de Natal foi sempre a mais bonita.
Eu ocupava-me dos meus sobrinhos para que não incomodassem a cozinheira. Já fazia tanto
tempo que eu não me divertia com a cambada toda, eles eram tão lindos.
Foi uma noite mágica, repleta de emoções,eu aproveitei cada minuto, as prendas, os
parentes, o cheiro das velas, os bons petiscos da Mina, o ambiente respirava a felicidade.
Tentei reter as lágrimas fiquei tão comovido com a reunião familiar! Custava acreditar que
eu podia ter perecido há meses atrás. Contudo faltava o mais importante, a minha mãe não
estava connosco, o telefonema que passamos para lhe desejar um feliz natal não chegou
para nos consolar da sua ausência.
Eu tinha tanta vontade de a enlaçar nos meus braços não a via há pelo menos três longos
anos, tinha muitas saudades dela.
Eu sentia-me culpado por tê-la abandonado porém não tive outra escolha era obrigado a
trabalhar, a falta de meios e por fim a doença.
« um dia compreenderas mamã, que eu não me esqueci de ti, os meus pensamentos
estavam sempre contigo !»
Em Janeiro de 1988 trouxe um pouco de felicidade a Mina, ela teve uma menina chamada
Jéssica. Fui tio pela nona vez, os italianos são conhecidos por terem muitos filhos julgo que
os portugueses não ficam atrás, já estou à ouvi-los:
51
© copyright Emanuel de Castro 2008
« Que querem vocês, são pessoas do sul ! » na realidade os nossos laços famíliares são
mais fortes do que os Franceses, por essa razão desejamos ter uma maior descendência.
Eu já não via o Jean-Marc há pelo menos um mês, pouco tempo depois tive uma recaída
sentia dores nos intestinos.
As diarreias voltaram, tive sensações estranhas no ânus. O que estava acontecer comigo?
Consultei um gastro-enterólogo que me diagnosticou a doença de «CROHN» ou seja uma
inflamação no intestino delgado, doença incurável.
Normalmente são as pessoas por volta dos 50 ou 60 anos que sofrem dessa infecção, eu só
tinha 24 anos. O azar continuava a perseguir-me começava a acreditar que Deus queria
castigar-me pelos meus erros.
No horóscopo chinês era o ano do Dragão, os chinêses previam para as pessoas nascidas sob
o signo do Dragão, ou um ano excepcional com prosperidade e felicidade, ou um ano de
infortúnios. Não levei muito tempo a compreender que eu pertencia ao segundo grupo.
No mês de Março uma manhã ao despertar, fiquei sem poder mexer-me, as minhas
articulações estavam todas bloqueadas. A Mónica reparou que eu havia inchado durante a
noite, ela ajudou-me a levantar e trouxe-me para a casa de banho para fazer a toilette.
Eu não conseguia escovar os dentes, em pânico eu gritava com dores e perguntava-lhe:
« Mónica o que me esta a acontecer ? os últimos dias da minha vida chegaram? Que se
passa ó meu Deus ? Será que é a fase terminal da doença?
Que pergunta tão descabida ela sabia tanto quanto eu. Ela resolveu marcar consulta no
osteopata, este muito surpreendido informou-me que eu tinha a gota, era pouco corrente, ele
não sabia como havia de me tratar, e outro médico aconselhou-me a internar-me no hospital
para fazer exames.Eu não queria ir parar ao hospital , arrisco a ser tratado como uma cobaia,
injectar-me veneno, fazer testes em mim, ao longo do dia; Não, Não, e Não; Como nos
laboratórios onde fazem testes aos ratos, não lhes darei esse prazer. A mesma ideia não saía
da minha cabeça só queria ver de novo o Jean-Marc, o meu magnetizador é claro!
Consultei novamente o Jean-Marc, quando cheguei ao consultório fiquei mais confiante;
dizia para mim, como tinha ele a certeza que não era grave, que força! De onde vem essa
força que tem dentro de si, Jean-Marc? Acha realmente que eu também um dia terei a
mesma energia que si? Ele magnetizou-me durante uma hora; no final da consulta disse-me:
« Não te preocupes manu daqui a quinze dias voltas a levantar-te!»
As duas semanas seguintes foram um verdadeiro calvário, a Mónica alugou uma cadeira de
rodas para facilitar os deslocamentos; eu continuei a dar aulas de kung-fu para não penalizar
os alunos; ela depositou-me frente ao consultório e veio por mim no fim das aulas, Santa
mulher!
Considero ter tido muita sorte por receber o apoio dela, contrariamente a alguns homens
consumidos pela doença e rejeitados pelas mulheres; sem ela não sei o que teria feito! Ela
tinha muito mérito! Para além de ser boa companheira era a minha enfermeira.
Durante quanto tempo ainda ela ia suportar o meu flagelo, a minha degeneração, as minhas
angústias? Os alunos não entendiam aquilo que me estava a acontecer eu achava-me que
tinha obrigação de os informar.
52
© copyright Emanuel de Castro 2008
Eu, o professor de kung-fu ia contra os princípios desta disciplina da qual o lema é o
seguinte:
« procurem treinar-se a fim de conseguir um espírito são num corpo são » .
Eu contrariava os critérios que a disciplina exigia, o meu corpo atlético não obedecia mais,
nem sequer tinha forças para levantar os braços e explicar-lhes por gestos, as diferentes
técnicas. Comecei a usar fraldas por causa da minha incontinência.
A maior parte das vezes, era tarde demais para ir à sanita, e dava aulas sentado em cima das
minhas próprias fezes. Eu torcia para que não fossem fedorentas e para que os meus alunos
não se sentissem incomodados com o mau cheiro.
Não imaginam o meu estado de espírito naqueles momentos sentia-me tão humilhado, um
pobre enfermo dependente de uma mulher de quem esperava profundamente alguma dose
de paciência e coragem para se ocupar de um indivíduo que ela arrastava como um
empecilho há já alguns meses.
Mas será que eu tinha o direito de impingir um sacrifício tão grande à pessoa amada?
Afinal era o meu calvário e não o dela.
Passados quinze dias, tal como havia previsto o magnetizador. Uma noite, enquanto via
televisão constatei que já podia mexer os dois pés ao mesmo tempo; As dores sumiram
completamente; eu tentava mover-me sozinho da cadeira de rodas sem o auxílio da Mónica,
ela não seguiu a cena.
Chamei-a e ela surgiu de repente, à minha frente imaginou o pior; ela ficou surpresa, e fitoume com um sorriso, eu mantinha-me em pé, junto à minha cadeira de rodas, com um sorriso
vitorioso.
Incrível Jean-Marc! As suas previsões realizavam-se.
O meu magnetizador era vidente! Como é que ele conseguiu, eu nem procurava explicações,
de qualquer forma não havia nada para entender. Ficar-lhe-ei eternamente grato, sem o
apoio dele, o pior podia ter acontecido, sei que algumas pessoas pensam que os
magnetizadores são charlatões.
Eu no início hesitei mas, acreditem que existem pessoas capazes de curar verdadeiramente.
eu sou um exemplo de que eles existem, senão já teria morrido e a minha autobiografia
nunca teria existido.
A Emília anunciou-me que ia dar à luz em breve,a outra menina, não!! Não me digam que
os Portugueses só sabem multiplicar-se !!!
Já ouvi isto algures!!! Com efeito, o ano de 1988 foi intenso emocionalmente e ainda não
sabem o resto. Eu emagreci novamente, atrofiava-me, as minhas coxas tinham o diâmetro de
uma garrafa. Sentado frente ao espelho do meu quarto, eu olhava para mim e sentia aversão
desse corpo desgracioso, ia parecendo cada vez mais, um prisioneiro do campo de
concentração da segunda guerra mundial.
O meu aspecto assustava-me ! eu podia contar as minhas costelas todas, eu parecia
transparente de tão magro que estava, que angústia. Lembro-me de ver defuntos nos caixões
mais gordos do que eu. Eu avisei a Mónica que precisava ir à minha terra já não via a minha
mãe há muito tempo, a sua presença ia ajudar a restabelecer-me.
Eu sabia que ela não ia discordar, não ter de se preocupar mais comigo ia permitir-lhe
descansar e espairecer. Eu havia pedido ao meu melhor aluno para me substituir nas aulas
53
© copyright Emanuel de Castro 2008
de kung-fu, entretanto expliquei a todos que estava doente e que ia ausentar-me para
convalecer.
Na véspera da minha partida, eu telefonei a mamã para prevení-la da hora em que chegava
eu estava diferente, e queria evitar o choque quando ela me visse, fui de avião até ao Porto.
Na alfândega aéroportuária, o aduaneiro ao controlar os passaportes olhou para mim, várias
vezes, tentava comparar-me com a fotografia. Afinal, já não haviam grandes semelhanças
eu era a sombra de mim mesmo.
Quando ele reparou que estava perante um enfermo não hesitou deixou-me a passagem
livre. Eu tinha tantas dificuldades para conseguir deslocar-me com a minha mala que eu
parava constantemente para recuperar a respiração. Eu fiquei sem forças ao chegar no hall
que dava para o exterior. A mamã ficou paralizada com o choque, ela sussurava:
«Ai meu Deus! Meu filho estás num estado? Vieste ver a tua mãe antes de morrer? !!! Ai
meu filho! »
Assim que eu a vi desatei a chorar, era mais forte que eu. Mamã eu não queria que me
visses naquele estado, teria dado tudo para que tivesses uma outra imagem de mim. As
pessoas que esperavam os parentes próximos, ficavam felizes por se reencontrarem, mas, tu
ficaste triste, e para esconder as lágrimas que iam dentro de ti, deixaste correr uma única
lágrima na tua face. Porém essa lágrima era tão intensa, tão preciosa, dessa lágrima
emanava um desalento e um desespero tão profundo era semelhante ao de uma mãe quando
vê o próprio filho morrer diante dos seus olhos. Ela estreitou-me nos braços com muita
força, tal como quando eu era criança e que ela me reencontrou pela primeira vez em casa
da avó.
O coração dela pulsava contra o meu à toda a força, e ela não foi capaz de conter por mais
tempo a sua imensa dor. As lágrimas caíam, o seu lencinho branco já não enxugava as
lágrimas todas, as lágrimas caíam pela camisa abaixo.
Entre o Porto e Guimarães estreitei-a murmurando:
« ó minha mãezinha, amo-te, amo-te tanto !»
Ela respondia :
« eu também te amo tanto meu filho, meu Nelinho »
Sentia-me tão bem, eu não receava mais nada, se tivesse que sucumbir naquele instante
estou certo que teria partido, sem sofrer, ela pôs o braço dela no meu ombro e disse-me:
«Vais ficar bem meu filho, vais ficar bem, agora eu estou ao teu lado, não te preocupes
vais ficar bem » prometo que tomo conta de ti, também te amo !»
« eu também te amo mamã! »
Na aldeia ficaram a saber que eu tinha chegado. Eu sabia que os comentários iam afluir e
embora soubesse antecipadamente que era inevitável, mostrei indiferença, eu estava com a
mãe era o essencial para mim. As pessoas que ignoravam a minha doença diziam
cinicamente:
«Oh coitado! Ele está tão magro, deve passar fome, em França !»
Logo após a minha chegada a família, os amigos, os vizinhos, visitaram-me. Como já a
algum tempo que eu não os via, fiquei comovido, É tão bem rever os próximos, mesmo se
por um curto instante é enternecedor.
54
© copyright Emanuel de Castro 2008
Houve alegria e as lágrimas em abundância. Algumas pessoas da aldeia tinham pena por
ver-me tão magro e debilitado, outros pelo contrário, apressaram-se a dizer:
« Não é nada disso, é a droga » que querem vocês! Há pessoas maledicentes, são felizes
assim, teêm orgulho daquilo que são, e das suas fofocas. Nunca mudaremos o mundo haverá
sempre criaturas sádicas alegrando-se da infelicidade dos outros.
Eu cuidei de mim, fiz longos passeios pelos montes, alimentei-me de maneira sã, é obvio
que a mamã não parou de cozinhar para mim, dava-me massa ao meio dia, arroz e, sopa de
legumes à noite. Oh mamã! Sei que acreditas no seguinte: “ Para manter a saúde basta
comer correctamente « mas ouve mamã ! » concordo que saciar a fome é essencial mas,
empanturrar tambêm é demais.
“ Isto não muda nada mamã, continua a ser como és “.
Embora continuasse com diarreia , jà não corria à casa de banho. A mamã deu-me um
medicamento muito eficaz, por falar nisso, deixei de o tomar passado pouco tempo .
Pois, azar meu desde o início da minha doença tive prisão de ventre, foi a única vez na
minha vida, mas em tais circunstâncias, poder passar um dia sem ir à casa de banho era
milagre.
Quando as cólicas apareciam, chegava a ir vinte vezes por dia, ou seja, uma vez por hora ou
de meia em meia hora.
Continuo a falar em sanitários é estranho, como este sítio me perseguiu pela vida fora. Ao
consultar uma obra acerca dos « SONHOS » dizem que sonhar com sanitários não é
coincidência, eles afirmam o seguinte :
“ Tomará conhecimento de notícias desagradáveis, problemas de saúde, humilhações,
injúrias…!”
Não sei se devemos acreditar nessas afirmações todavia reconheço que é impressionante.
Aos poucos e poucos recuperei forças ,as minhas feições voltaram e ganhei cores a minha
mãe ficou satisfeita.
Ela não queria que eu voltasse para Estrasburgo, ela receava que era a última vez que me
via.
Ela dizia que o meu lugar era ao lado dela, e que só ela podia cuidar de mim, e que a minha
vida era em Portugal. Ah! As mães são sempre as mesmas, elas julgam que conhecem os
filhos melhor que ninguém, não pretendo afirmar o contrário, mas eu precisava voltar para
França.
A Mónica estava à minha espera e, eu já tinha saudades dela, e sabia que se precisasse de
ajuda o Jean-Marc estaria disponível.
Em três meses recuperei 60% das minhas capacidades físicas, no inicio fiquei na
expectativa, mas quando fiquei separado da Mónica compreendi que a amava
profundamente, já não era capaz de viver sem ela.
A mamã ficou triste com a minha decisão, porém resignou-se a minha saúde ia ficando
deteriorada e em França eu podia tratar-me melhor . Deixei o meu número de telefone aos
amigos que me apoiaram durante essa estadia.
Como de costume fiquei dorido quando me despedi da minha mãe ! Durante o trajecto entre
Guimarães e o aeroporto eu tive um nó na garganta e dores no estômago.
Quando cheguei à Estrasburgo, a Mónica aguardava a minha chegada no aeroporto, ela teve
uma surpresa quando viu a minha metamorfose . Ela achou-me novamente atraente e
sedutor, senti-me revalorizado .
É verdade que eu estava mais gordo, de qualquer forma, nunca mais ia recuperar o físico do
passado, ela exagerava um pouco…tentava agradar-me.
55
© copyright Emanuel de Castro 2008
Eu contei-lhe as minhas vivências, até ao último pormenor, os bons momentos passados na
minha terra.
Disse-lhe que a mamã tinha vontade de a conhecer, ela ficou encantada com a notícia, ela já
sabia o que a mãe tinha passado em tempos .
Eu continuei a dar aulas de kung- fu, estava ansioso por ver os meus alunos. Estavam todos
presentes e vi caras novas. Felicitei-os pelos seus esforços e pela sua seriedade pois aquele
tempo em que eu me ausentei eles respeitaram o aluno que me substituiu.
Era a prova que nem todos os jovens são mimados embora muitas pessoas acreditem no
contrário. Fiquei novamente motivado, senti-me mais forte e com mais energias como em
tempos. Quase, pois como eu tinha o síndrome da imunodeficiência adquirida (HIV) e a
doença de CROHN, oh não! A vida fica alterada, nunca mais é a mesma, os seus desejos, os
sonhos, os próprios projectos desaparecem.
Como projectar-me no futuro se ele não existe, basta viver o dia-a-dia esperando que o
sofrimento diminue e aproveitar os momentos todos que saboreamos na terra. Entretanto,
anunciavam numa revista de artes marciais a chegada em França dos monges Shaolin,eles
ensinavam as técnicas do kung-fu era inacreditável.
Os monges de Shaolin em França era inédito! Que surpresa!
Os adeptos de artes marciais sabem que os monjes são mestres na sua arte de combate eu
não queria perder a ocasião de os ver em Paris.
Não perdi tempo para me inscrever no estágio que ia decorrer.
A Mónica, os amigos, e os meus alunos ao ver o meu entusiasmo animaram-me a participar.
O Gilles, um amigo da Mónica que morava em Paris e que também praticava o kung-fu
oferecia-me alojamento enquanto estagiava, para mais ele queria conhecer-me para
conversarmos sobre a nossa mutua paixão.
Eu tomei o comboio, estava impaciente de reencontrar os meus heróis. O Gilles esperava
por mim na estação de l’Est ele agitava um cartaz com a seguinte inscrição « Manu de
Estrasburgo para Shaolin » era divertido!
Ele era jovem e simpático, tinhamos mais ou menos a minha idade . Simpatizámos
imediatamente, os nossos conhecimentos de kung-fu eram ligeiramente diferentes, ele
praticava o win-tsun eu o wushu, eram ramos da própria arte de kung-fu de Shaolin
O Gilles também ficou inscrito no estágio. A Mónica não sabia de nada,ela tentou fazer-me
uma surpresa mas qual não foi o meu espanto quando ela me revelou que eles também
haviam contraído o HIV. Pura coincidência! Dois professores de kung-fu portadores do HIV
nada é impossível neste mundo.
Ele tinha os mesmos simptomas deste flagelo que ataca prioritariamente a flora intestinal.
O Gilles morava em Paris nos arredores do 13° bairro era lá que o estágio ia decorrer. A
“soirée” das artes marciais decorreu na mesma noite no palácio de omnisdesporto em
Bercy. A sala estava abarrotada de pessoas,ao todo eram cerca de 14000, das quais 70%
eram adeptos de desportos de combate.
Quando os monges entraram na sala, o público entrou em delírio pareciam hipnotizados,
para a maior das pessoas era a primeira vez que elas assistiam à exibição dos monges num
“tatami” eu não desviava os olhos daqueles homens que difundiam um « chi » intenso, na
gíria fala-se de : « energia interna » O meu coração batia a toda a velocidade eu tive a
impressão que actuava com eles . Foi grandioso ! As ovações multiplicaram-se, as pessoas
56
© copyright Emanuel de Castro 2008
ficaram excitadas quando viram os monges praticarem a grande arte, foi uma noite
memorável!
Na manhã seguinte o estágio começou na sala de desporto no 13 ° bairro, perto da casa do
Gilles,foi melhor assim, evitou-nos ir de mêtro, pois nas horas de afluência eu sentia-me
angústiado, tinha sempre medo de ter uma vontade urgente de ir à casa de banho.
Apetecia-me tanto ver os monges, talvez pudesse tocá-los, e cumprimentá-los
pessoalmente, dissuadiram-nos de fazê-lo, todavia eu esperava que acontecesse, as 500
pessoas provenientes dos quatro cantos da Europa aguardavam a chegada dos grandes
Mestres, era obrigados a pôr o kimono e esperamos calmamente que os monges entrassem
na sala, alguns alunos estavam convencidos que eram o Jackie Chan e tentavam
impressionar os outros.
O Gilles e eu ficamos sossegados à espera no nosso canto, eu morava perto da casa do
Gilles; Quando eles abriram a porta um silêncio profundo invadiu a sala, podiamos ouvir
uma mosca a voar, os mestres estavam prontos a mostrar-nos as suas técnicas de combate de
Shaolin foi muito intenso e cansativo, até eu que estava habituado à treinar já nem sentia o
meu corpo.
Tive dores musculares e cãimbras, doíam-me as articulações e as minhas coxas como eram
estreitas ainda era pior no final do dia o Gilles e eu, só pensávamos em voltar ao
apartamento e deitar-nos na cama.
O primeiro dia foi arrasante, no segundo dia, o Gilles desistiu do estagio,não tinha mais
forças, eu tambêm estava cansado,porém esforçei-me por ir ao fim da formação, apesar de
já não sentir o meu corpo; Na véspera, o dia havia sido complicado e extenuante; Eu
procuro nunca desviar-me da regra seguinte : “ só em último caso é que devemos desistir” .
Qual não foi a minha surpresa ao chegar no dia seguinte e constatar que mais de metade dos
participantes haviam desertado! Só ficaram mais de 200 participantes sob os 500 inscritos
no inicio;
Os dias seguintes foram tão cansativos como os primeiros; técnicas com os pés, varredelas,
tão, kata. Sete horas a fio, por dia nunca pensei possuir a energia suficiente para participar
nos ensaios, para mais eu nem tinha recuperado os músculos estavam tão moles que eu
deslocava-me em cadeiras de rodas.
O grau de dificuldade das técnicas aumentava cada vez mais; muitos alunos desistiam a
meio das aulas, apetecia-me desistir de tudo mas, dizia para mim:
“« manu faz um esforço tens de ir até ao fim, se queres o teu diploma de formação »”
No fim do estágio éramos apenas uma centena e ficamos todos quebrados; os monges
fizeram uma última demonstração para agradecer, por fim entregaram-nos os diplomas.
Quando o monge « shi-de-you » grande mestre do templo chamou por mim quase desmaiei,
que momento inesquecível!
Eu recuperei o meu diploma e segurei-o com força, eu receava que pudessem tirar-mo , fui
para casa todo contente , exibindo o precioso documento, o Gilles felicitou-me,ele ficou
com remorsos por não ter ido até ao fim da formação.
De volta para Estrasburgo eu fiquei com vontade de ensinar aos meus alunos tudo o que eu
tinha aprendido no estágio.Eu sonhava em ter um carro mas até hoje o dinheiro fez-me
sempre falta; inscrevi-me em formação intensiva na escola de condução dos arredores.
Depois da primeira lição as diarreias e as cãimbras apareceram de novo ! Durante todo o
período das aulas, ou seja, cerca de três meses tive de usar fraldas, eu ficava muito
57
© copyright Emanuel de Castro 2008
angustiado, receava que o monitor enalasse os meus gazes mal-cheirosos . Em tempos, no
circo, eu já tinha tido ocasião de conduzir carros e camiões, eu tinha mais facilidades; no dia
do exame de código tomei um medicamento para parar a diarreia.
Eu precisava evitar o stress e tentar ficar concentrado, foi em vão, pois no exame, tive uma
vontade urgente de ir à casa de banho, deixei a sala e corri à casa de banho, em
consequência chumbei no exame de código, eles não iam esperar por mim, algumas
semanas, mais tarde tentei passá-lo outra vez e, dessa vez correu tudo bem. Passei o exame
de condução à primeira tentativa, agradeço a Deus por não ter tido problemas de
incontinência nesse dia.
O exame passou-se bem, fiquei ainda mais feliz quando o inspector me entregou em mãos
próprias a carta de condução, felicitando-me.
A Mónica estava certa que eu ia passar o exame dessa vez, e emprestou-me o carro dela
como ela dava aulas de yoga na Saverna, naquele dia foi ela quem me foi buscar de carro,
senti-me vanglorioso.
Ao ver-me chegar ela ficou muito emocionada , sentiu-se tão feliz quanto eu, festejamos o
acontecimento com amigos, eles brindaram com champanhe, eu com àgua, tentava estancar
as minhas diarreias, já que todas as bebidas alcoólizadas faziam-me correr com urgência
àquele sitio que jã conhecem!
Em Julho de 1989 a Mónica e eu decidimos ir para são Francisco na Califórnia, nos Estados
Unidos, foi uma viagem interminável, doze horas de avião, felizmente com escala em Nova
York .
Ela queria reencontrar a sua amiga pintora para organizar-lhe exposições em França.
Quando chegámos a São Francisco ficamos tão exaustos que desistimos de passar por
turistas, precisávamos recuperar da diferença de horário.
No dia seguinte, eu descobri essa cidade sensacional que só conhecia através dos filmes.
A Mónica visitava a sua amiga todos os anos,ela falava correntemente o inglês ao contrário
de mim, por sorte ela tinha faculdades para traduzir;
Os Americanos da Costa Oeste são pessoas simpáticas, mais liberais em relação aos
françêses e menos rígidos!
A amiga dela a Frederika, uma artista-pintora belga com cerca de 60 anos, era casada com
um Russo que emigrara na Califórnia, ela era uma pessoa fora de série ;
Ela tinha tatuagens da cabeça aos pés e vários percings… parecia uma marginal…por
conseguinte era uma artista conhecida no mundo inteiro os seus quadros eram lindíssimos.
Resultado, fora as minhas diarreias não houve mais nada a assinalar durante a minha
estadia.
De volta para Estrasburgo eu precisava organizar a entrada, resolvi não só dar aulas em
Estrasburgo,como tambêm dar aulas de kung-fu na Saverna, uma pequena aldeia muito
burguêsa a 50 km de Estrasburgo.
Foi lá que a Mónica nasceu, e passou uma grande parte da sua existência, ela regressara à
sua terra para dar aulas de yoga, aliás foi ela quem me arranjou uma sala.
O Gilles instalou-se no nosso apartamento no mês de Setembro, entregámos-lhe a chave do
apartamento para ele poder sair quando quizesse; a sua saúde deterioráva-se cada vez mais
58
© copyright Emanuel de Castro 2008
ele tinha os mesmos sinptomas que eu.
Eu apresentei-lhe o João-Marco com esperanças que ele pudesse ajudá-lo; o Gilles tomou
consciência que tinha de modificar muita coisa, em especial a sua higiene de vida, ele ia
comigo às aulas todas.
Os novos alunos de Saverna eram todos simpáticos,eram mais calmos e mais atenciosos
relativamente aos de Estrasburgo, uma vez ou outra, eu comia em casa dos pais da Mónica,
a sala ficava a pouco mais de dois metros da sua residência.
A mãe dela era bem-disposta, o pai dela menos,ele era director de uma empresa de
transportes internacional e director do conselho de administração de um banco.
Ele era proprietário de várias casas, apartamentos, e comércios no centro da cidade, ele
tinha um orgulho desmesurado,e era imperialista. Durante os sete anos que partilhei ao lado
da Mónica ele nunca me dirigiu uma palavra.
Ele não entendia que a sua filha perdesse tempo com um Português, um simples professor
de desporto, Ele preferia vê-la frequentar um advogado ou um médico.
A Mónica nunca lhes disse nada acerca da minha doença, creio que o pai dela teria feito
tudo para acabar com a nossa relação; também conheci um mágico, o Alex ele era de
origem Portuguêsa.
Ele procurava um colega, fazia contas de montar um espectáculo, ele tinha muito talento e
vinha à casa para ensinar.
Eu continuava com a mesma paixão pela magia, veio-me a memória a época dourada em
que eu trabalhava no circo; comecei a ficar atrapalhado com a minha vida.
Entre o kung-fu e a magia não me sobrava tempo para cuidar de mim, aprendi rapidamente
a arte do ilusionismo.
O Alex achou-me excelente nesta área, passado algum tempo fui eu que lhe ensinei novas
técnicas da minha autoria;
O Gilles permaneceu connosco dois meses, não me sobrava muito tempo de tão ocupado
que eu andava com os meus dois passatempos . Esqueci a doença parecia que ela já não
fazia parte de mim;
A Mónica entretanto assinou contratos com a « Warner Home Vídeo » a vida corria sem
problemas! Graças às importantes somas de dinheiro mudámo-nos para o centro da cidade
para um apartamento com cerca de 220 metros quadrados com uma vista espectacular para o
cais e a Catedral.
Comprámos um carro novo, a última aparelhagem de alta fidelidade, um vídeogravador, e
uma televisão. Até contratamos uma empregada .
À alguns anos atrás eu nunca imaginei que iria ter uma pessoa ao meu serviço, a empregada
era Portuguesa, ela lembrava-me as minhas irmãs, várias vezes tentei ajudá-la nas tarefas
mais pesadas, eu não queria ser de maneira alguma, daqueles patrões chatos,eu tinha um
carácter muito diferente, embora a Mónica nunca suspeitou que eu a ajudasse no seu
trabalho .
Por vezes, eu oferecía-lhe um café enquanto aspirava ou lavava o chão. Habituei-me
rapidamente ao luxo e adorava aquilo.
Os fins de semana íamos para Londres, Lisboa, Paris, jantávamos no quatro estrelas do
Michelin, na Torre d’Argent, chez Maxime’s, Torre de Montparnasse com vista sobre Paris
inteiro.
Com dinheiro permitiamo-nos todo o tipo de extravagâncias, por vezes apareciamos no
59
© copyright Emanuel de Castro 2008
restaurante com velhos jeans usados e logo que apresentávamos a Gold Cart ou a American
Express,nessa altura, olhavam para nos com uma cara diferente é verdade que o dinheiro
compra tudo, enfim quase tudo ,pois a saúde e a felicidade não tem preço.
Em todo o caso é melhor ter dinheiro do que ser pobre e doente, mesmo que o dinheiro sirva
apenas para gastar em tratamentos e manter-nos saudáveis.
A Mónica subiu na estima do pai dela ,ele apreciava quando ela era mediatizada, deste
modo, ele podia vê-la nos programas televisivos e nos jornais; As pessoas da Saverna
falavam dela, era fundamental quando elas acrescentavam …a filha do director do Conselho
da Administração do Banco.
A partir daquele momento convidaram-na para assistir as noites mundanas. Eu obrigava-me
à acompanhá-la, lembrava-me as minhas relações do passado, das pessoas insignificantes,
superficiais, hipócritas que só pensam no DINHEIRO, enquanto tens algum dizem :«” Bom
dia meu amigo” » logo que há falta dele desviam-se de ti para não se sentirem obrigados a
cumprimentar-te . Bando de hipócritas!
Eu começei a aborrecer-me das noites em que a Mónica brilhava enquanto eu bocejava,
esperando que ela tivesse vontade de voltar para casa. A nossa relação era diferente, eu
fiquei farto de a seguir nos bastidores e ser fantoche.
Eu continuava a dar aulas de kung-fu e assistia o Alex durante os seus espectáculos de
magia, no dia do meus anos.
A Mónica ofereceu-me um Golf descapotável isto confirmava que os negócios corriam bem,
para mim, a sua notoriedade foi um trampolim devo-lhe muito, as consequências foram
benéficas para mim no campo da celebridade. Os seus amigos perguntavam-lhe:
« porque perdes tempo com um gajo destes »
Ela respondeu-lhes que sentia amor por mim,conseguem imaginar o espanto deles como é
que uma mulher daquelas conseguiu ficar apaixonada por um gajo como eu, para além de
ser sidaíco era esqueléctico.
Fiquei muito furioso e com vontade de lhes bater, todavia eu tentei acalmar-me para evitar
as críticas; para aquela gente eu não passava de um desgraçado; que indivíduos tão
pretensiosos e arrogantes!
Eles ficavam no seu pedestal, eles eram imperialistas, pensavam que me fazia um favor por
me dirigir a palavra.
A Mónica gozou com a situação e teve vontade de exagerar, pediu-me para casar com ela,
eu pensei que ia ficar fulminado por um raio, como é que ela podia casar com um homem
que tinha os seus dias contados?
De onde vinha essa famosa decisão? Já não tínhamos relações sexuais há muito tempo
acontecia raramente só quando o meu estado de espírito o permitia.
Embora eu tomasse as devidas precauções ficava aterrorizado com a probabilidade de a
contaminar deliberadamente. Era preferível que a nossa relação se limitasse à carícias e
beijos só assim eu me sentia seguro, embora tivesse sempre medo de sangrar das gengivas
quando lavava os dentes ou descobria sangue na minha saliva.
Então porquê esse casamento insensato, além do mais nem podíamos ter filhos, eu não
entendia a decisão dela.
60
© copyright Emanuel de Castro 2008
A Mónica dizia sentir-se muito feliz ao meu lado, ela afirmava que eu era o responsável
pelo sucesso dela e que por essa razão ela tinha recuperado confiança nela própria, eu
aceitei o seu pedido de casamento, persuadindo-me que eu também tinha direito a alguma
felicidade;
Com o seu sucesso ela tinha os homens todos aos seus pés, entretanto eu era o… pobre
pateta que ela havia escolhido como marido e, eu sentia vaidade; afinal eu era um homem
como todos os outros, eu tinha qualidades e defeitos, não obstante eu havia sido
contaminado com essa terrível doença.
Eu preveni os meus familiares, eles não entenderam a decisão da Mónica; acharam que era
um acto corajoso e que era uma grande prova de amor;
A mamã ficou tão feliz connosco; ela sentia gratidão por essa mulher, ela tinha zelado por
mim; ela afirmava que no dia em que ela viesse a morrer, eu ia sofrer menos com a sua
ausência e, que a Mónica era a companheira ideal….
Talvez ! mas quem cozinhava era eu pois, para ela o amor não passava pelo estômago como
todos temos tendência para acreditar, ela nem sabia cozinhar um ovo no tacho quando ela
tentava fritar um ovo eu deitava o taxo ao lixo, ela deixava-o queimar a tal ponto que o
tacho ficava irrecuperável.
Ela era mulher de negócios mas era péssima na cozinha, não podemos exigir tudo, a mulher
perfeita não existe, concordam comigo? Se não concordarem, avisem!
As poucas vezes em que não íamos ao restaurante era eu quem cozinhava , o nosso
casamento estava previsto para Setembro de 1990 ;Como era o mês de Fevereiro restavanos tempo suficiente para os preparativos, de qualquer forma quando há dinheiro tudo se
negocia mais facilmente.
Procuramos um chalé nos Alpes, queríamos fazer esqui conjuntamente com um bando de
colegas. A Mónica não era principiante, os seus pais tinham um chalé e quando ela era mais
nova, uma vez por ano iam todos fazer esqui , , eu tinha jeito para fazer esqui.
Quando ela me anunciou os nomes dos colegas que deviam acompanhar-nos tive uma
desilusão ao anunciar-me que iamos passar aqueles dias com dois casais de novos-ricos.
Felizmente, ela convidou a Daniela a directora do laboratório das análises médicas, foi ela
quem me revelou o diagnóstico da minha doença e, nessa altura, ela tornou-se na nossa
melhor amiga ela frequentava um Japonês fui eu que os apresentei, mais tarde casaram e
tiveram filhos muito lindos,tal como num conto de fadas,tambêm existem príncipes
asiáticos !
Eu pedi ao Hung, um restaurador Chinês que me tinha apoiado quando eu tive sarilhos a fim
de nos acompanhar e desanuviar,ele havia divorciado há pouco tempo e andava desnorteado
era a primeira vez que ele fazia esqui.
O chalé era bastante confortável … os burguêses não ficaram satisfeitos aquela sua atitude
não me surpreendeu. Segundo eles os quartos eram horríveis, a casa de banho de mau gosto
e ,pelos vistos faltava um sauna .Era inacreditável vê-las desencaixotar os lençóis de seda e
o « guarda-roupa » completo, na última moda.
Divertímo-nos imenso com o Hung durante a sua estadia toda foi uma galhofa, ensinar-lhe a
esquiar era missão impossível, o material alugado ficou danificado de tantas vezes cair.
61
© copyright Emanuel de Castro 2008
Não conseguíamos segurá-lo em pé nos seus esquis , creio que em todo o tempo em que eu
pratiquei aquele desporto, foi a primeira vez que eu vi uma pessoa tão desajeitada ,as vezes
em que ele caía na neve já nem tem conta,ele levantáva-se e tornava a cair. Não
conseguíamos impedí-lo ele queria aprender a esquiar e ele não desistia apesar dos
sofrimentos que passava;
A sua combinação de neve estava tão rota que em certos sítios via-se a costura.
Tentar explicar-lhe como servir-se do tira traseiro, abrandar, parar no fim da pista era uma
aventura ! Sagrado hung! Durante aqueles dias , eu pus de lado graças a ti, os meus
problemas de saúde tirando as minhas eternas diarreias.As famosas diarreias que me
estragaram um pouco a minha estadia no esqui.
Por vezes, as necessidades eram tão urgentes que eu era obrigado a deixar a pista e, procurar
uma esquina, desviado dos olhares dos outros esquiadores.
Como eu não tinha papel higiénico fazia bolas de neve que aliviavam o meu ânus; este
estava tão inflamado que a maior parte das vezes já era tarde demais; então nessa altura, eu
ia ao chalé; tentava esconder-me para não passar perto das pessoas; e não empestar com os
meus cheiros;
Uma vez no chalé eu tirava a roupa enquanto tomava duche aproveitava e lavava as minhas
celouras,eu vestia três ou quatro pares para não sujar a minha combinação de neve;
Os amigos da Mónica aqueles burguêses novos-ricos eram sempre os primeiros a
recolherem-se em casa, e exclamavam ao mesmo tempo: « oh ! aqui tresanda para
caramba » . Eu no meu canto sentia-me embaraçado; eu imaginava que tinha acabado de
inventar o último perfume à moda : « DIAREIAS DO EMANUEL DE CASTRO » ficam
avisados desde já, que nunca descobrirão esse perfume em nenhum comércio e em nenhuma
perfumaria, não existe eu sou o único a conhecer o segredo de fabricação, o qual, não o
desvendo a ninguêm.
Eu estou certo de que teria sucesso nos lojas de disfarces para fazer partidas, peidos
engarrafados, aconselho os inventores, a inventarem uma combinação de neve com um
bacio no interior. Bem fora isso tudo, regra geral sentia-me razoável e feliz; a Mónica, a
neve, o esqui, os amigos; tudo era perfeito.
Nunca pensei viver isso tudo, eu que já devia estar morto segundo os médicos, a vida era
realmente bela mas eu ainda tinha muito que sofrer.
No mês de Maio fomos até Cascais, para organizar a nossa despedida de solteiro. Tinhamos
previsto uma cerimónia unicamente com os amigos, reservamos um hotel « quatro estrelas »
para uma dezena de dias no mês de Agosto; com discoteca e piscina incluívé.
Era essencial surpreender o bando de burguêses e os realizadores da Warner em Paris
conhecimentos profissionais da Mónica.
Eu pedi a mamã para nos reunirmos todos, apesar da distância ela veio a correr eu fiquei tão
feliz por voltar a vê-la! Eu estava contente por ter ao meu lado as duas mulheres da minha
vida.
A mamã dispunha de um quarto equipado com jacuzzi com vista directa sobre o mar. Era
inacreditável nunca vi tanto luxo na minha vida, eu fiquei orgulhoso da mamã, ela jantou
nos maiores restaurantes, ela desenrascava-se muito bem parecia que pertencia à alta
sociedade.
Embora, ela não entendesse como podíamos esbanjar tanto dinheiro antes do nosso
casamento.
62
© copyright Emanuel de Castro 2008
Também era a minha opinião mas não a da Mónica, não podíamos contradizê-la, ela tinha
muito carácter, e para ser franco, era agradável viver como gente fina, não importava por
quanto tempo !
Ficamos três dias, de seguida reconduzimos a mamã à estação. As despedidas desta vez,
custaram menos pois tínhamos previsto encontrar-nos durante o mês de Setembro quando
casássemos,este ia realizar-se na Saverna.
Caso o meu livro venha a ser exportado longe de França, a Saverna fica na Alsácia de
França, é claro! Abro um pequeno parêntese:
Ao escovar os dentes acabo de perder outro dente só me restam os da frente, cá para mim o
melhor é não sorrir demasiado,e dar tempo à clínica dentária para me acrescentar o dente
que falta;
Em Junho e Julho de 1990 tive muitos problemas de disentria ! Estes agravaram-se
certamente foram desencadeados pela excitação do nosso casamento, eu preveni o Thiebaut
o meu melhor aluno casado há pouco com a Anifa uma doçura de menina,eles faziam parte
do clube.
Ele ficou espantado, via-me correr com frequência aos sanitários porêm nunca suspeitou da
minha doença.
Ele não revelou o segredo aos outros alunos. Para findar o ano organizamos uma noitada
chinêsa. No mês de Agosto fui no meu descapotável para Portugal.
A Mónica combinou comigo ir de avião daí a15 dias para os primeiros festejos do
casamento. Conduzir durante 2200 km no meu estado não era aconselhável.
Eu passava o tempo à procurar sanitários, de duas em duas horas eu fazia uma pausa, e em
casos de urgência fazia em plena natureza! E efectivamente as urgência aconteceram.
Por falar em urgência eu fiquei, a algumas centenas de quilómetros de Portugal , com uma
vontade tão grande,eu não tive tempo de sair do carro e borrei as calças todas, foi horrível
felizmente era uma aldeia parei o carro entre duas árvores, desviado dos carros e, quando
eu desfiz a minha bagagem para procurar umas calças e um calção, peguei na garrafa de
água e um rolo de papel absorvente que trazia no meu carro e um farrapão.
Foi o que valeu para me limpar vagamente pois o sítio não era apropriado para fazer aquilo
calmamente,finalmente percorri os 300 km que me restavam com um cheiro à
merda,apetecia-me vomitar tudo o que eu tinha engolido.
Quando cheguei à Portugal a mamã entendeu logo, ela pressentiu o que tinha acontecido
Abraçei-a com cuidado e corri tomar duche. Depois disto tudo tive tempo para estreitá-la
outra vez nos meus braços,depois de jantar uma boa sopa quente deitei-me.
Foram precisos dois dias para me recompôr da viagem.
Esse ano marcou-me em particular! Fui com a minha comadre Emília e o Nel passar uma tarde
à praia de Varzim situada a 40 km da minha aldeia.
Tenho o privilégio de ser o padrinho da filha deles, da Paula Cristina. A nossa frente, um
conjunto de crianças brincavam na àgua juntamente com os pais deles eu divertia-se a contálos, havia o pai e a mãe mais oito meninos.
Eu olhei para eles, e pareciam tão pobres eles não tinham fato de banho usavam cuecas, eu
revi-me quando eu era garoto rodeado dos meus irmãos e irmãs cheio de privações, esta
recordação partia-me o coração.
Nesse dia, o calor era demais e os miúdos não tinham nada para beber, alguns pediam
comida ele as pessoas não ligavam quando eles choravam.
63
© copyright Emanuel de Castro 2008
As pessoas todas olhavam para eles com ar crítico mas nenhum deles se lembrou de dividir
as guloseimas ou os frutos que eles distribuíam em grande quantidade aos seus filhos,eu
dizia cá para mim « bando de egoístas » será que vocês náo tem um pouco de piedade pelo
próximo!
O vendedor ambulante de gelados que agitava uma campainha trouxe-me novamente à
realidade, fiz-lhe sinal e pedi-lhe para oferecer à cada um daqueles meninos um gelado
gigantesco e no fim que viesse ter comigo era eu quem pagava a despesa .
Ele olhou para mim incrédulo,e vendo que eu insistia não perdeu mais tempo e entregou um
gelado com o seu aroma preferido à cada um dos bambinos, que se agitavam em volta dele.
Eu avisara-o que era essencial que os pais pensassem que a iniciativa de oferecer gelados
provinha do próprio vendedor; com um brilho nos olhos eles pegaram no gelado e
chuparam-no; penso que era o primeiro gelado que eles provavam na vida deles .
A despesa foi pouca gastei apenas 1,50 euros, no entanto tive vontade de chorar ao ver as
caras alegres das pobres crianças; Dar é tão simples! Basta um pequeno gesto para
transmitir um pouco de alegria; um sorriso, uma mãozada, uma moeda, todos estes gestos
são um consolo.
Infelizmente nos nossos dias; as pessoas são tão fechadas,não querem saber da infelicidade
dos outros; não se preocupam com a pobreza; ouvimo-las várias vezes dizerem com ar de
desdém « eles que trabalhem » elas não procuram saber a razão dessas pobres pessoas se
encontrarem na penúria .
Nesse dia eu fiz uma boa acção e fiquei contente.
São Pedro ficar-me-á grato,é o que eu espero no dia em que eu aparecer á porta dele.
Nesse mesmo dia encontrei uma amiga a quem deixei o meu número de telefone entretanto
ela nunca mais me telefonou, perguntei-lhe o motivo ela disse-me que o número que eu lhe
tinha dado era impossível de discar no seu telefone.
Fiquei confuso pois eu deixara-lhe os seguintes números: 88 32 76 e eu fiquei estupefacto
quando ela me explicou que os únicos números que ela tinha no seu telefone : iam de 0 a 9 e
que ela não conseguia discar os seguintes pares de números : 88 32 na altura usavam-se os
écrans redondos, lembram-se?
Não é nenhuma treta, é a verdade, coitada devia ser o primeiro telefone que ela tinha na vida
dela e, pelos vistos ela não sabia utilizá-lo.
Ela fez-me rir as gargalhadas, é tão bom rir!
Alguns dias mais tarde, a mamã e eu fomos à Gafanha da Encarnação para casa das minhas
duas irmãs já instaladas com os filhos na casa nova.
Eu fazia contas de passar algum tempo até a chegada da Mónica senti alegria por estar de
novo com a família residente nos Estados Unidos.
A Laida e o José que tinham vindo casar a filha,a Margaret com o Zelito um bom rapaz da
aldeia, infelizmente eu não pude assistir a cerimonia pois a minha despedida de solteiro
estava marcada para a mesma data, eu preferia passar mais tempo com eles mas eu tinha de
partir para acolher os convidados em cascais.
Os dez dias que passamos no hotel desfilaram a toda a velocidade era um sítio paradisíaco.
A Mónica não passou despercebida, eles ficaram impressionados com o luxo do restaurante
e o conforto nos quartos: ela gastou muito dinheiro mas parecia feliz por satisfazer as
vontades dos seus amigos, a minha mulher e eu concordamos em prolongar a nossa estadia,
mais tarde, com a familia toda vimos as fotografias do casamento da minha prima , a
cerimónia, na América foi grandiosa .
Recordei de repente que em breve iria pôr a aliança no dedo da Mónica; eu tambêm receava
o momento da oficialização.
64
© copyright Emanuel de Castro 2008
A Mónica foi de avião para fazer os preparativos do nosso casamento, eu fiquei mais algum
tempo, depois fui de carro até França, eu ficava angustiado quando pensava na longa
viagem que eu tinha de percorer ; quando os recêm-casados resolveram passar a lua-de-mel
em França eu senti alívio.
A minha prima Margaret que nascera em Estrasburgo desejava ir a Portugal para mostrar a
cidade onde ela tinha nascido ao marido como ele não conhecia esta cidade, queria
descobrir aquele lugar que tanto ouvira falar na família. Ele estava com pressa de chegar,
ele conduziu a viagem toda, eu percorri cerca de 100 km . Como durante as viagens era
sempre eu quem conduzia o carro achei agradável ter um motorista só para mim .
Eu estendi-me no banco de trás, descalço , os dedos dos pés a abanar, aproveitei e
contemplei a vista paradisíaca, antes disso, eu nunca tinha reparado na beleza do paiságem,
de tão compenetrado ao volante, o ambiente no carro era agradável!
Cantávamos muito alto, batendo com os pés e as mãos, eramos indiferentes aos olhares dos
outros condutores.
Em casa, a Mónica e eu, em convidados que se prezam, deixámos o nosso quarto à
disposição do casal de apaixonados e dormimos no sofá-cama do salão, muito menos
confortável, porêm,só ficaram algum tempo, pois eles resolveram passar o resto das férias
em casa da minha irmã Mina.
De repente, eu fiquei tão indisposto que quiz que o Jean-Marc me examinasse quando eu
cheguei ao consultório deparei frente ao pátio da porta trancada com uma montanha de
correio, o que tinha acontecido durante a minha ausência.
Eu fiquei chocado quando soube que ele partiu para outra região, houve uma pessoa que me
explicou mais tarde o motivo que o levou a tomar aquela decisão,mas o respeito que eu
tenho por pessoa não tentarei expor as razões da sua partida, nesse dia entrei novamente em
depressão ! Eu perdi mais de seis quilos em apenas quinze dias.
Eu pensei que o melhor seria anular o casamento, fiquei com medo de não poder participar
à cerimónia, os convites já haviam sido enviados, o restaurante já estava reservado, a minha
mãe veio no carro com as minhas irmãs, faltava pouco tempo para a celebração, ela
percebeu logo que havia um problema, depois de tantas hesitações eu decidi manter a data
do casamento.para a ocasião transformei a mamã de cima abaixo, eu sabia antecipadamente
que ela ia ser inspeccionada de cima abaixo.
Cabeleireiro, esteticista, trocar e vestir roupas nas boutiques, a revisão foi completa, era
primordial apresentar-la impecávelmente para ela poder rivalizar com os burguêses da
Saverna. O resultado foi espantoso!
Que elegância! A metamorfose foi total !
Eu senti orgulho por apresentar a mãe bem trajada à minha futura sogra. Esta, assim que a
viu tentou dissimular a inveja que sentia; ela imaginou certamente, que ia topar com uma
Portuguêsa com uma mala de cartão às costas, da qual ela sentiria vergonha diante das suas
amigas hiuppies.
No dia do meu casamento,o desespero de não aguentar durante os vinte e cinco minutos
tempo que ia durar a cerimónia tomou novamente conta de mim.De cinco em minutos eu
corría à casa de banho: imodium e fraldas, isso não diminuia as minhas angústias. Eu vi-me
para conseguir seguir o discurso do Presidente da Câmara.
Muito tenso eu tentei aguentar durante algum tempo mas, quando chegou a minha vez de
assinar o meu nome no livro,” pernas para que vos quero !“ eu corri em direcção a saída,
65
© copyright Emanuel de Castro 2008
sob o olhar divertido dos convidados.
Eles devem ter pensado que era um pretexto para evitar de pôr o anel no dedo da Mónica. A
mamã e a Emília perceberam que eu sofria e choraram por me ver naquele estado.
Em geral um casamento é um dia feliz, para mim não passava de mais um dia de
sofrimento. A minha mulher veio ter comigo à casa de banho eu só sabia pedir desculpas,
ela tentou consolar-me e garantiu-me que ninguém se pronunciara acerca do incidente.
Os pais da Mónica continuavam sem estar ao corrente da minha doença: a Mónica nunca
lhes disse nada.
Imaginem se o Senhor seu Pai desconfiasse de algo, teria tomado medidas sérias para acabar
com o casamento, e ao mesmo tempo teria explicado à sua filha com um sotaque Alsaciano:
« Yo Monique, pára com essas brincadeiras, minha filha! Que andas a fazer com um
Português adoentado ?,”
podes ter a certeza que ele não te dará nenhum dinheiro», e concerteza que ele teria dito
mais alguma coisa .
Saiba Senhor meu ex-sogro, nem só o dinheiro é importante na vida, desconfio que conheça
o significado da palavra: AMOR e COMPAIXAO, NÃO, ! Sabe o querem dizer estas duas
palavras ? elas não fazem parte do seu vocabulário, infelizmente!
O restaurante gastronómico que os pais da Mónica escolheram estava à altura da sua
reputação, a representação da orquestra perfeita, as prendas luxuosas, a mais prestigiosa foi
um cavalo de corrida de raça apurada, estava fora de preço.
A Mónica montava a cavalo desde pequena, óbvio que os nossos valores não eram os
mesmos….
O meu vaivém, a minha contradança repetida na sala de festas em direcção a casa de banho
começou a incomodar certos convidados que me avisavam vulgarmente :
«Manu pára de ir cagar á casa de banho e anda lá para cortar o bolo »!
Eu fiquei desatinado tratei-os à todos de estúpidos,eu fiquei com vontade que eles se
engasgassem com um pedaço de biscoito.
A festa prolongou-se até as três da manhã eu, entretanto da passagem pela Câmara até ao
final da noite fartei-me de correr à casa de banho.
Tudo o que eu engolia expelia-o imediatamente ;precisava encontrar uma solução o mais
rápido possível, àquele ritmo eu já começava a ficar desidratado.
Foi um autêntico calvário haviam rastos de sangue nas fezes, o meu ânus estava tão irritado
que eu sofria o martírio embora usasse o papel higiénico mais macio. Passado dez dias,
houve uma terceira cerimónia em Plobsheim,uma pequena aldeia que costeia o Rhin, para
às pessoas que não puderam assistir aos festejos anteriores.
Os meus alunos e os da Mónica estavam presentes éramos ao todo, cento e cinquenta
pessoas haviam varias nacionalidades, havia cerveja e champanhe em abundância. Foi uma
noite espectacular!
As chalupas que deslizavam pelo Rhin emitiam sons extensos de sirene para nos saudarem.
Houve três cerimónias só num mês,só para um casamento é obra; ficamos exaustos.
Com o dinheiro que me ofereceram no dia do casamento comprei a panóplia toda do
perfeito mágico.
Eu estava com vontade de modificar; Eu pedi à mulher do Thiebaud para me assistir nos
66
© copyright Emanuel de Castro 2008
meus espectáculos, ela ficou encantada com o meu convite, ela sonhava subir ao palco
desde pequena.
A Anifa era uma rapariga muito linda, simpática e bem-disposta,era originária da Lorraine e
os pais eram Argelinos ela foi uma assistente ideal para mim.
No fim das aulas da noite faziamos repetições em casa.
A Mónica achou que eu tinha talento e incentivou-me sempre a fazer magia, ela considerava
que essa arte podia ajudar a realizar-me
Se não fosse a minha doença podia ter sido um grande artista como o David Copperfield!
Primeiramente dei-me a conhecer em Estrasburgo e nos arredores. Sem parar, a Anifa e eu
cumulávamos a levitação, a mala das Índias, a catalépsia, os anéis chinêses; repetimos tantas
vezes que passado dois meses sentíamo-nos perfeitamente preparados para o nosso primeiro
espectáculo,este ia ter lugar num grande restaurante chinês famoso pelas suas variedades
nocturnas. Nessa noite, os alunos de Estrasburgo e da Saverna estavam todos presentes. O
Thiebaud, estava bastante tenso era a primeira vez que ele via a mulher subir ao palco.
É claro que com o stress eu corria para a casa de banho; a angústia de ficar incontinente,
durante o espectáculo, invadiu-me de novo.
Felizmente a prática das artes marciais e do yoga ajudaram-me a vencer os obstáculos.
A Mónica não assistiu à primeira sessão, ela tinha ido para Paris assinar um contrato para
um novo filme.
Ela telefonou-me e tentou animar-me e prometeu-me que ia pensar em mim, durante a
representação, o meu estado agravou-se; entretanto, ouvi falar de um acupunctor residente
em Besançon,eu decidi consultá-lo.
Embora eu já soubesse que não havia cura para o Sida eu tentava recuperar um pouco de
energia para ter uma vida o mais normal possível.
Depois, de tantos esforços para poder realizar o meu espectáculo de magia eu só pedia para
que não me aparecessem mais surpresas .
O meu sistema imunitário era vulnerável, a mínima gripe podia acabar comigo,eu sabia que
a minha vida estava presa por um fio,era preciso ter cautela.
O acupunctor aliviou-me e receitou-me um remédio muito esquisito. Era uma mistura de
cornos de veados, e de casca de árvores da China, ele pediu-me para fervê-los durante duas
horas.
A poção era repugnante era semelhante à bava de sapo, dava vontade de vomitar, depois de
algumas semanas começou a fazer efeito.
Durante três meses a minha vida ficou ritmada com as minhas idas e voltas de Besançon à
Estrasburgo, as aulas de kung-fu e as repetições de magia.
Várias vezes ao despertar eu tinha como um véu diante dos meus olhos, a luz do dia
obrigáva-me a fechar os olhos.
Seria o efeito das ervas medicinais ou era o meu vírus que mutava ? Não entendia nada,
nada mais me surpreendia, eu só tinha surpresas.
Apesar de todos esses inconvenientes eu recuperei alguma energia .
Embora a Mónica não dissesse nada, dava para notar que ela não andava bem, já ha séis
meses que não tinhamos remações,tinha tanto medo de poder contaminá-la e, aliás não tinha
67
© copyright Emanuel de Castro 2008
nenhum desejo .Todavia eu concordava com ela, para qualquer recém-casado, as relações
sexuais são essenciais, escusado será dizer que elas contribuem a cimentar o amor.
Por vezes eu esforçava-me mas, sem prazer era impossível satisfazê-la.
Eu deisitia frustrado e perguntava-me onde estava : « à besta de sexo » dos fastos anos.
Mas, como é possível dar amor quando nos sentimos incapazes de nos amar-mos a nós
próprios? Com receio de a perder, uma noite, propus-lhe para procurar outro homem. Era
inacreditável!
Ela tinha a liberdade de satisfazer os seus desejos sexuais com quem quizesse.
É muito difícil dizer à mulher que amamos para procurar outro homem porém, eu estava
disposto à tudo para salvar o nosso casamento, embora eu soubesse que ia sofrer de a ver
com outro homem. A Mónica recusou e disse-me:
« Manu, enquanto vivermos juntos serei sempre fiel para contigo ! » era a prova que ela
me amava profundamente.
Nas festas do fim do ano decidimos passar a lua-de-mel na Itália.
Alugámos um quarto num hotel perto da praça de São Marcos, no centro da cidade de
Veneza. Quando chegamos, fiquei decepcionado! Onde estava a Veneza romântica que eu
conhecia através de filmes?
Das águas, melhor dizendo do lodo provinha um cheiro à peixe podre, as ruas estavam
cheias de lixo, os Venezianos, eram antipáticos, a reputação era um exagero !
Para mais, a vida era caríssima, era uma autêntica ratoeira para os turistas.
Como a cidade havia sido construída em cima da água, ressentíamos o frio e a humidade
especialmente nesta época do ano. Eu não fiquei surpreso quando os primeiros sinptomas da
gripe apareceram; Dos oito dias que tiramos para passar férias, durante cinco dias fiquei
estendido na cama.
« Ver Veneza e morrer » adaptava-se perfeitamente à minha situação, para ser franco, não
posso afirmar que tenha guardado boas recordações daquele lugar.
A Mónica tambêm ficou frustrada com a viagem e, cansada com as minhas intermináveis
indisposições, ela ficou cada vez mais taciturna. Trocámos breves palavras.
Arrependida certamente com o casamento, ela duvidava se ia ter força suficiente para
continuar o caminho ao lado de um enfermo.
Será que o nosso amor podia superar os inconvenientes da minha enfermidade?
Eu vi que ela ficou triste, senti uma frustração ao ver que eu não podia torná-la feliz.
Informaram-na que uma das suas películas não resultara ! Nova decepção! Ela contava
vender milhões delas. Ela ficou tão furiosa que explodiu .
A mamã telefonou-me para me avisar que a minha avó estava muito doente. Oh não! Eu não
queria de modo algum que a minha avó tão doce e atenciosa, uma segunda mãe para mim,
falecesse tão repentinamente. A nossa relação era privilegiada, ela dizia que dos trinta netos
que tinha eu era o seu preferido.
Eu pedia a Deus e a Virgem Santíssima um milagre para poder salvá-la.
A mamã pouco convencida trouxe a avó para sua casa para cuidar melhor dela. Em
Portugal, contrariamente à França evitamos colocar as pessoas idosas nos asilos. Não é só
68
© copyright Emanuel de Castro 2008
devido a falta de meios financeiros, é também porque consideramos que eles fizeram tantos
sacrifícios por nós, quando éramos pequenos que temos a responsabilidade de nos
ocuparmos deles. Esta notícia deprimiu-me tanto que eu enfraqueci.
Como se não bastasse alguns dias depois anunciaram-me que o Cyril, um amigo meu
morrera com o Sida.
Ele ainda era jovem e atraente, ele tinha vinte e um anos apenas , ele soube da doença dele
há dez meses atrás. Eu encontrei-o no « Bar dos aviadores » eu perguntava porque seria que
Deus o tinha levado, ele era tão novo ainda, ele gostava tanto de viver, ” raios partam a
doença! Porquê ele e porquê eu ?” Maldito sida! Destróis o meu corpo lentamente,toda a
minha vida se dissolve por tua causa.”
“ Estás dentro de mim e eu odeio-te, ouves ! eu odeio-te!”
O comportamento da Mónica mudou, de dia para dia fechava-se , concerteza, fartou-se da
vida de casal, cansada de ter de cuidar de mim eternamente, ela aspirava a um outro futuro
com um homem saudável e equilibrado.
Uma manhã o telefone tocou era a minha mãe que me avisava que a avó agonizava.
Embarquei no primeiro avião para ir ter com ela, as minhas irmãs devido a razões
financeiras não puderam deslocar-se.
Eu queria despedir-me dela antes que ela morresse.
O carro que eu alugei no Porto não foi fácil de conduzir, a minha preocupação era tanta, eu
tinha tanto medo que ela falecesse ante de eu chegar que defequei na fralda a viagem toda ,
eu já estava habituado à usá-las .
Após esta viagem interminável eu cheguei a casa da avó, eu sentia uma aflição no coração
ao ver a família toda discutir frente a porta com os vizinhos . Eu imaginava o pior, só temia
que ela já tivesse partido. Graças a Deus! Ela ainda estava viva? eu peguei na mão dela e
segurei-a com muita força contra o meu coração,eu dizia:
« bóbó oh! Bóbó, sou eu o Nelinho »
Ela tentou levantar-se com calma, os olhos meio-abertos, ela já não me reconhecia,ela tinha
a boca entreaberta porque tinha dificuldades para respirar.
O padre já lhe havia dado a extrema-unção julgando que era quase o fim, a mamã abatida
sem forças aos pés da cama soluçando, não parava de repetir :
« minha mãe, mãe não me deixe, não me deixe minha mãe!”
Velamos a noite toda pela avó à espera do ultimo suspiro mas era tão robusta que lutou e
tivemos uma surpresa na manhã seguinte, a sua respiração voltou ao normal e as suas faces
ficaram coradas, e os seus olhos abriram-se aos poucos e poucos , e bebeu alguns golos de
água era incompreensível!
Voltei a lembrar-me uma vez mais das palavras do Jean-Marc será que eu tinha realmente
um fluido em mim? Será que quando segurei as suas consegui transmitir-lhe o resto da
minha energia ?
Ela não foi capaz de falar e estava quase cega por causa dos diabetes mas que importa!
Talvez seja uma falta de gratidão da minha parte mas eu queria que ela permanecesse
69
© copyright Emanuel de Castro 2008
connosco. Nunca suspeitei em nenhuma altura que ela preferia livrar-se dos seus
sofrimentos, a mamã mimou-a,ela preparou-lhe chás, com muito cuidado eu ajudei-a à lavála e a mudar-lhe a fralda.
Eu era especialista na matéria! Alternadamente e sem descanso permanecemos ao pé da
cama dela quinze dias à fio e aos poucos ela ficou mais forte.
Enquanto eu tomava conta da minha avó, esqueci os meus problemas pessoais.
Perguntava-me se seria melhor esperar que ela morresse ou regressar para junto da Mónica,
a mamã aconselhou-me a ir para junto da minha mulhe ,eu fiquei com pena mas como era
preciso continuar as dar aulas eu decidi voltar para França. Felizmente, o Thiebaud ajudoume e substituiu-me durante as minhas frequentes ausências, de outra forma os alunos teriam
desistido .
O meu primo acompanhou-me ao aeroporto , o avião só descolava às 22 horas e 30 devido a
um problema técnico, o avião só levantou do Porto a 1 da manhã .
Levantamos voo em poucos minutos quando as luzes se apagaram e o avião começou a
estremecer o piloto pediu-nos para pôr os cintos de segurança por causa das turbulências.
As vibrações aumentaram, as hospedeiras preocupadas olhavam umas para as outras
apavoradas.Elas pediram-nos para ficar em posição de alerta, a cabeça sobre os joelhos, o
avião estremeceu, eu pensei que a carlinga ia explodir, que angústia! Pareceu que o avião ia
despenhar-se,eu não queria morrer naquelas circunstâncias, os meus conterrâneos e eu
rezavámos baixinho .
Podem crer que as minhas fraldas ficaram completamente usadas !! As pessoas estavam
todas em estado de choque quando chegaram a Paris. Alguns protestaram violentamente
………. Eles juraram que era a última vez que entravam num avião, outros beijaram o
chão. Com o atraso, perdi a correspondência para Estrasburgo e passei a noite num hotel.
No dia seguinte tomei o comboio e contei o meu desastre.
A Mónica garantiu que nunca tinha sido confrontada com esse tipo de problemas e , no
entanto já tinha dado volta ao mundo . Apesar de termos cuidado da avó até ao fim, ela
deixou-nos a 18 de Setembro de 1991. Eu fazia anos no mês seguinte. A mamã deu-me a
triste noticia. Eu fiquei abatido por não ter ficado ao lado dela a apoiá-la.
Apeteceu-me voltar ao país para assistir ao funeral,mas ela dissuadiu-me :
« acabou, já não podes fazer mais nada pela bóbó, reza por ela! »
E afinal não era necessário torturar-me ainda mais, eu preferia continuar a lembrar-me dela
como uma pessoa valente e afectuosa. Para mim, ela era a melhor avó do mundo a
recordação que eu tenho dela ficara para sempre gravada no meu coração. Novo choque
para mim! Os meus nervos não aguentaram, crises de angústia,o coração que palpitava.
Fiquei completamente deprimido, recusava alimentar-me. a Mónica deu-me sempre apoio
apesar de estar farta,volto a repitir, eu nunca agradecerei suficientemente essa mulher pelo
seu apoio, eu baixei os braços, recusava os contratos para os meus espectáculos de magia.
Nunca mais fui as aulas, eu estava mais uma vez no precipicio , como eu precisava reagir
fui ver novamente o acupunctor, fui de carro e percorri 500 km no mesmo dia. Tomei
novamente riscos na estrada.
70
© copyright Emanuel de Castro 2008
Ele receitou-me um novo tratamento de fitoterapia mais repugnante do que o anterior mas
bastante eficaz . Fiquei mais calmo e as tensões desapareceram.
Algum dias mais tarde, a mamã decidiu visitar os seus netos para tentar esquecer os mêses
terríveis que passara com a sua mãe. Não conseguiamos consolá-la, ela chorou todas as
noites confiava-nos que se sentia completamente desamparada desde a morte da avó. As
minhas irmãs convidaram-na a ficar em Estrasburgo mais algum tempo, ela passou de um
apartamento para o outro para não dar despesas à um só casal. Ela passou pouco tempo
connosco, ela dizia-nos que como a Mónica não entendia o português e como ela já náo
sabia falar frances, sentia-se menos a vontade connosco.
Eu julgo que foi um simples pretexto, ela notou que já não nos entendiamos como primeiro
e estava muito infeliz por minha causa.
Uma tarde no mês de Junho 1992 a Mónica pediu-me o divórcio; já há muito que eu receava
esse momento e embora tivesse sido preparado para essa eventualidade , eu tive dificuldade
em aceitar a sua decisão, eu fiquei assustado a olhar para ela, será que ela dizia a verdade
ou procurava simplesmente dar-me tanga para ver a minha reacção?
Não podia acreditar que ela queria abandonar-me depois de ano e meio de casamento! Não!
A Mónica não podia fazer tal coisa!
Comecei a tremer com todos os meus membros e da minha boca não saiu mais nenhum
som. Eu procurava o seu olhar, eu queria ter a certeza que ela não estava a divertir-se
comigo, não! Ela era sincera, ela disse-me-me que tinha sido um erro casar comigo e que
precisava finalmente retomar o fio da vida dela, e eu o que ia acontecer comigo ? Quem iria
cuidar de mim? Quem iria ser o meu guia espiritual ? Não!
Os nossos caminhos não podiam separar-se tão de repente, eu amava-a com todo o meu
coração, eu dizia-lhe ao soluços :
« não! Mónica não me abandones, não posso viver sem ti! Não! Mónica não faças isso eu
amo-te ! »
Ela tinha dificuldades em conter a emoção, as lágrimas corriam-lhe pela face, depois pediume desculpas por me deixar só com todos os meus sofrimentos.Muito lúcida ela estava farta
de exercer o papel de enfermeira e tentando persuadir-me que ela também tinha o direito de
existir. Eu não tinha o direito de ser tão egoísta com ela e pedir-lhe para que ela se
sacrificasse por mim . Repentinamente, todas as feridas que eu procurara cicatrizar durante
tantos anos tornaram a abrir-se, o passado voltava à superficie, como a anos atrás, na altura
em que a minha mãe me abandonava, as angústias todas e as emoções invadiram-me
novamente.
« doenças! Divórcio! Meu Deus não achas que eu já paguei bem os meus erros »
Com tudo aquilo que eu tenho de suportar agora, peço-vos para que intercedeis por mim,
acabe com o meu sofrimento, por amor de Deus concedei-me um pouco de répito, eu não
peço a lua apenas aquilo que qualquer homem normalmente constituído pode fazer, tais
como respirar, contemplar a aurora, o pôr do sol, comer, viver o mais decentemente
possivel com a minha doença ou seja! Ter direito à um mínimo de felicidade »
Peguei no carro com o coração despedaçado parei numa floresta nos arredores de
Estrasburgo . Gritei com toda a força para evacuar a minha tristeza.
« Mas porquê eu, porquê eu meu Deus ? Eu estou cansado de sofrer não me tireis a
mulher que eu amo, o que vai ser de mim sem ela?»
71
© copyright Emanuel de Castro 2008
Já não me lembro quanto tempo fiquei naquele sitio, meditando nas palavras que a Mónica
me dissera, já nem conseguia pensar , eu fiquei zangado com o mundo inteiro e comigo
também por não ter sido capaz de salvar o nosso casamento, que pena ! Sozinho com o meu
desespero fui para a casa da minha irmã Emília, a mamã também estava lá, ela permanecia
em França mais algum tempo, eu tentei dissimular a triste notícia e parar de chorar, em vão
eu não conseguia parar de soluçar , era dificil consolar-me, num desabafo não parei de
repetir:
«oh! Mama, porque será que a vida é tão dura! Porquê mamã?»
« a vida continua meu filho »respondeu ela « não baixes os braços, eu estou contigo as
tuas irmãs também estão ao teu lado !»
Ela não ficou zangada com a Mónica, e disse-me que eu me tinha apoiado demasiado nela, e
não tinha feito nenhum esforço para assumir a minha vida, na altura em que eu fiquei
doente, e que a paciência tinha limites. Embora ela me tivesse amado, os sentimentos
desaparecem de tanto dar sem receber, eu acenava com a cabeça ao mesmo temo que
escutava a minha mãe. Tudo o que ela dizia tinha fundamento, durante seis anos a minha
mulher deu-me abrigo, cuidou de mim, consolou-me, ela ficou esgotada e ansiava por algo
melhor. Cansada de ter de enfrentar tantas responsabilidades, ela fartou-se de maternar um
menino doente.
Ela pensou que o facto de estar casado ia ajudar-me a amadurecer, passou-se exactamente o
contrário . Sem nenhuma ambição eu agarrei-me às saias dela ; Parecia que eu não parava
de procurar a mãe que tanta me faltara durante a minha infância, eu regressei à casa
desalmado.
A Mónica estava em estado de choque com tantas emoções, baralhada ela tentava evitar o
meu olhar.
Quando eu lhe disse que aceitava o divorcio abracei-a nos meus braços e estreitei-a com
força, eu pedi-lhe perdão por não ter sido capaz de lhe dar a felicidade que ela merecia. Ela
não quiz chorar e agradeceu a minha compreenssão, ela disse que se sentia culpada de me
deixar sozinha com o meu sofrimento.
« Mónica, se me estás a ler hoje acredita que nunca te desejei nenhum mal, tu eras o sol
da minha vida, o melhor que me aconteceu nesta terra ficar-te-ei grato eternamente por
teres cuidado de mim, serás para sempre o meu grande amor, nunca conseguirei
esquecer-te e espero deveras que tenhas encontradoe a tua felicidade. Se não houvesse o
raio da doença talvez ainda continuassemoss juntos, no entanto, o destino contrariou os
nossos planos,eu queria tanto que me tivesses dado um filho. Não esqueças que eu
continuo sempre ao teu lad, se tiveres algum problema eu estou a tua disposição,
telefona-me a qualquer hora, pois serás sempre a minha amiga, fica bem meu amor e
obrigada do fundo do meu coração, por tudo, por tudo!
Eu pedi-lhe mais algum tempo antes de nos separarmos para saber o que eu ia fazer da
minha vida.
Ela aceitou mais uma vez, eu verifiquei que ela possuia imensas qualidades. Um coração
bom, coragem, honestidade e compaixão
72
© copyright Emanuel de Castro 2008
« Que mulher espectacular ! »
Mais uma vez, a minha vida tomava um novo rumo,eu perguntava a anifa a minha assistente
de magia se ela estava com vontade de fazer uma tournée em Portugal durante as férias, não
tínhamos feito nenhum contrato por conseguinte, tínhamos esperanças de encontrar
relações na altura certa eles iam certamente aparecer .
Como já há muito tempo que eles não tinham férias, o Thiebaut e ela a minha proposta
encantou-os.
Eu também contava que, com a distância a Mónica mudasse de ideias relativamente ao
divórcio.
A mamã que regressara finalmente a Portugal aguardava impacientemente a nossa chegada.
Eu transportava a panóplia do mágico no carro e pus-me a caminho para esta viagem
interminável que iria mais uma vez tirar-me as energias todas.
A Anifa devia encontrar-se com o Thiebault daí a dez dias ela estava livre a partir do final
do mês de Julho.
Pela primeira vez as minhas diarreias atenuaram-se , mas a reabilitaçao era impossivel.
O meu ânus estava tão ulcerado, e a dor persistia, no entanto devido a todas essas
reviravoltas na minha vida a primeira coisa que eu fiz ao chegar à minha terra, foi recolherme na campa da avó, só depois fui ao encontro da mamã, eu sabia onde podia encontrá-la
pois, eu conhecia o pequeno cemitério da aldeia de cor, durante as minhas férias ia várias
vezes lá para rezar por um primo e outras pessoas importantes para mim.
Eu tive uma nova crise de lágrimas, tantas recordações!
Vi a minha infância toda desfilar à minha frente, o dia em que ela nos convidou à casa dela,
quando eu me despedi antes de vir para França a doença dela, eu pensava constantemente
naquela que contara realmente na minha vida!!!
« Tenho tantas saudades tuas avó descansa em paz avó, na tua nova morada não existe
nem miséria, nem sofrimento,deita um olhar, de vez em quando para a terra e ampara o
teu Nelinho. Amo-te de todo o meu coração minha mãezinha!!»
A mamã quiz ir ao Santuário de Fátima ,ela disse-nos que tinha feito uma promessa à
Virgem Maria, e precisava cumprí-la a minha tia acompanhou-nos.
No Santuário de Fátima invadiram-me sentimentos estranhos, eu olhei para a estátua da
Virgem Santíssima. Fiquei arrepiado e senti-me investido de uma grande força interior.
De repente entrei numa espécie de transe, recordo-me de ter ficado no mesmo estado
quando eu me drogava.
Eu ouvia uma voz serena que me falava seria fruto da minha imaginação ou era real? Não
importa eu sentia-me uma tranquilidade e comecei a rezar.
“ Nossa Senhora de Fátima, ajude-me, suplíco-vos ! dái-me forças para enfrentar os
novos obstáculos que eu terei de enfrentar, prometei ficar ao meu lado nos momentos
difíceis.
Cuide da minha vida, do meu destino, do meu caminho!
Aliviai o meu sofrimento por favor ! tende piedade de mim, oh! Nossa Senhora de
Fátima. Já sei que a minha doença é incurável, eu não espero nenhum milagre, dai-me
73
© copyright Emanuel de Castro 2008
coragem e forças para viver durante muito tempo ainda, sem sofrimento . E perdoai-me
também por todas aquelas pessoas a quem eu ofendi ! ”
A minha mente reintegrou o meu corpo quando a mamã me abraçou , ela também dirigiu
uma oração a virgem Maria:
« Nossa senhora de Fátima ajude o meu filho ele não merece isso tudo »
Ao contemplar a sua estátua, eu tive a impressão que ela sorria para mim e que me dizia:
« Não tenhas medo Emanuel eu zelarei por ti ! »
Naquele dia, eu compreendi que com a fé, apesar de todo o meu sofrimento, todas as
infelicidades, ela estaria ao meu lado.
Ficamos ajoelhados durante cerca de meia hora , diante do Santuário unidos no mesmo
fervor. Eu dei graças a Deus e a Virgem Maria por compartilharmos esse instante
privilegiado.
Eu nunca me senti tão feliz e tão sereno, alguns dias mais tarde, a Anifa e o Thiebault
desceram do autocarro eles estavam exaustos, imaginem uma viagem de trinta horas
dormindo apenas cinco horas, é desgastante !
No entanto, eles ficaram felizes por passar algum tempo em Portugal. Um dos meus primos
que frequentava o ambiente nocturno, organizou uma entrevista com o dono de uma
discoteca, perto de casa, a maior discoteca do Norte de Portugal.
Eu não sei como ele o convenceu, mas era necessário que ele estivesse a altura a fim de não
o desapontar e evitar que o acusassem desnecessariamente.
Fui convocado pelo gerente da discoteca, mostrei-lhe a minha arte encadeando, truques com
cartas, moedas e outros jogos de magia onde eu era especialista.
Ele ficou encantado com o meu talento e arranjou-me um contrato. Na manhã seguinte, ele
mandou colar nas paredes da cidade, cartazes com a minha foto e a da Anifa onde estava
escrito :
« Espectáculo de grande ilusão » « sábado a noite no PENHA CLUB »
A mamã ficou orgulhosa e gritava aos passageiros « é o meu filho » e apontava em direcção
a mim, três dias antes do show eu senti a pressão aumentar, fiquei excitado, imaginem só!
Um espectáculo em uma das discotecas mais reputadas do país .
Que honra! Que glória! A Anifa e eu repetíamos o show sob o olhar experiente do Thiebault
Nas ondas da rádio local os DJ faziam propaganda, a todas as horas.
Os vizinhos felicitaram-me, é tão esquisito, há algum tempo atrás eu era apenas um
drogado e, agora ia tornar-me uma star, como a vida é estranha!
A mamã receava por mim , ela achava que eu não era capaz , nunca tinha visto o meu
espectáculo,
Ela repetia : « E se tu não és capaz meu filho? »
Eu respondi com ar confiante :
« Não te preocupes mamã vai correr tudo lindamente »
2000 pessoas estavam à espera para assistir ao show, era necessário manter o controle e
evitar os falhanços .
74
© copyright Emanuel de Castro 2008
Eu convidei gente conhecida e alguns vizinhos, amigos e alguns famíliares meus, a maioria
nunca tinha posto os pés numa discoteca.
A Anifa e eu anseosos preparávamos tudo até ao último pormenor na loja.
O Thiebault como de costume ficava calado, ele não queria enervar-nos ainda mais .
Eu rezei uma última oração à Santa Virgem para que o show corresse bem, e acima de tudo
para que os meus problemas de saúde ou melhor as diarreias desaparecessem. A mamã
juntamente com a família e os amigos davam-me forças.
Na sala as pessoas eram tantas que davam empurrões uns aos outros.
O D.j depois do lançamento da banda anúncio que anunciava o início do show,
apresentámo-nos sob os aplausos do público, com as nossas roupas brilhantes .
Os primeiros minutos, o meu coração saltitava com força, durante alguns segundos senti-me
embaraçado e indeciso perante essa multidão em delírio, porêm rapidamente, recorrendo às
minhas técnicas de relaxamento adquiridas no yoga, tentei novamente, e apresentei-lhes um
espectáculo que fazia inveja aos profissionais.
Que êxito ! O ambiante era exitante, os espectadores batendo com as mãos e os pés
reclamaram ! Foi espectacular. No fim do show eu peguei no micro pela última vez, e
dirigindo-me à minha mamã que chorava de alegria :
« Mamã, dedico este show em especial para ti, agradeço-te por me teres apoiado sempre,
ofereço-te o cachet desta noite ! »
E a sala inteira comovida levantou-se e, aplaudiu-me interminavelmente. Muito comovido
com estas provas de afecto que me consolaram,, eu senti muita vaidade e uma profunda
satisfação. Que noite memorável !
Depois desse espectáculo tornei-me a mascote da cidade. É incrível como só o facto de
ouvir falar pode fazer com que ganhem fama rapidamente, uma fulgurosa notoriedade.
Num mês, graças à minha representação, as discotecas todas quizeram contratar-me. Eu
assinava uma dezena de contratos sem precisar de passar nenhum exame. Por cada noite, o
cachet do artista equivalia à cinco meses de salário de um empregado Português .
Bastante dinheiro relativamente à um trabalho que nos apaixonava!
Aprendemos a ficar mais descontraídos à medida que fomos encadeando as noites.
Passamos a última semana de férias em casa das minhas irmãs, para descansar um pouco
antes de voltar para França.
Na volta, a Anifa e o Thiebault regressaram comigo de carro; a Anifa ia à frente o
Thiebault atrás.
Eu escondi-o numa mala para podermos passar a fronteira clandestinamente, como eu
transportava o meu material de magia ficamos com menos espaço no carro. Coitado do
Thiebault! Parecia um animal em cativeiro, como o calor era demais, de vez em quando, a
mulher dava-lhe água e batata frita para que o trajecto fosse menos penoso para ele .
Uma vez em Estrasburgo, depois de ter deixado os meus amigos em casa e despedir-me
deles, eu só esperava o seguinte ,ver a Mónica e ouvi-la dizer que havia mudado de ideias e
que já não queria divorciar . Infelizmente, ela não mudou de ideias. Durante a minha
ausência ela ficou encarregada de recuperar os documentos do divórcio. Eu fiquei
decepcionado em relação à Mónica, no entanto, respeito a tua decisão, meu amor.
75
© copyright Emanuel de Castro 2008
Alguns dias mais tarde, propuseram-me um emprego de mágico num cabaré que ia abrir em
FORBACH. Eu achei que seria uma ocasião para me reconstruir e deixar definitivamente a
Mónica, eu sabia que a separação ia ser dolorosa, mas,com a distância, quem sabe talvez
conseguisse esquecê-la mais depressa.
Durante a minha estadia em Portugal eu havia recuperado confiança em mim, eu cheguei a
conclusão que com boa vontade eu era capaz de administrar a minha própria vida sem pedir
assistência continuamente.
Não obstante, a ideia de deixar a Mónica aterrorizava-me, entregue a mim próprio eu
sentia-me como um leãozinho órfão, caminhando perdido pela selva, a mercê dos
predadores.
Teria eu força suficiente para continuar a luta sem o apoio da minha mulher ?
Eu avisei a Anifa e o Thiebault que, de um momento para o outro, ia arranjar um emprego
em Forbach.
Fiquei com uma dúvida, quem iria substituir-me para dar aulas?
Pensei que o Thiebault fosse capaz de assumir essa responsabilidade, mas ele recusou a
minha proposta e arranjou um pretexto, ele não tinha vontade de ocupar-se de duas escolas
ao mesmo tempo, a de Estrasburgo e a de Saverna.
Resolvemos tudo de uma vez por todas, prevenimos os alunos que as aulas iam acabar em
breve.
Eu tentei explicar que eu já não me sentia capaz de continuar a dar aulas.
Com o passar dos anos ficamos amigos, eles ficaram tristes por ter de mudar de clube para
continuar a dedicar-se a sua actividade preferida , tinhamos formado uma boa equipa !
No dia em que nos despedimos, eles desejaram-me muitas felicidades, e alguns deles
prometeram que viriam aplaudir-me em Forbach.
A Anifa não queria que os nossos caminhos tomassem cursos diferentes, ela adorava
assistir-me durante os espectáculos.
Depois de ela pedir demissão no seu emprego de secretária, pouco lucrativo, ele decidiu
prosseguir esta aventura comigo .
O Thiebault, como estava no fundo do desemprego não se opôs. Como a Anifa ia receber
dois salários juntos, ele não ficou preocupado pelo facto de não arranjar logo outro
emprego na região, numa altura em que a taxa de desemprego era muito elevada.
A ruptura com a Mónica foi difícil, eu fiquei doente só de saber que a perdia para sempre,
eu não podia crer que ela preferia acabar com a nossa relação. Ainda era difícil de digerir!
Foi difícil de aceitar ! Alguns alunos ajudaram-me moralmente e, tambêm me ajudaram a
mudar de casa .
Eu aproveito o momento para desejar-lhes uma boa jornada e agradeço-lhes o apoio que me
deram . Eu dei um abraço caloroso à Mónica, beijei-a, ela desejou-me “ boa sorte” .
Algumas separações viram dramáticas, connosco não havia animosidade no ar. Despedímonos com uma opressão no coração mas sem ressentimentos, era natural . Nós sabíamos que
cada um de nos tinha que percorrer um caminho pessoalmente.
A Anifa, o Thiebaut e eu alugamos uma casa em Forbach, esta ficava à alguns quilómetros
do nosso local de trabalho. A Anifa levou-nos de carro ao cabaré, as obras ainda não
76
© copyright Emanuel de Castro 2008
tinham terminado.
Os nossos patrões queriam transformar uma discoteca em cabaré.
Para não atrasar a data da inauguração , participamos voluntariamente nas obras
trabalhamos com pincéis e martelos, mas se soubéssemos o que iria acontecer depois
certamente nunca teríamos começado as obras.
Com efeito, o nosso agente artístico o Sr.Yves-Wetzel fez falcatroa, ele aliás ainda me
deve 3000,00 euros , eu já sei, que nunca mais os vejo .
Devido à devoção e a eficácia do pessoal, a data da inauguração foi respeitada. No dia da
estreia a sala ficou completa! As personalidades locais estavam todas presentes, o
presidente da Câmara de Forbach, partilhamos as lojas com um grupo que provinha ,
segundo eles do : « Moulin Rouge » Parisiense.
Depois da sua estreia no palco, eu observei essas meninas, será que elas vinham mesmo do
famoso Cabaré Parisiense?
Eu tinha certas duvidas, embora elas tivessem uma grande camada de maquilhagem e,
vestissem roupas exuberantes, elas não pareciam profissionais.
O Sr.Yves-Wetzel para fazer uma boa propaganda ao novo estabelecimento, era
perfeitamente capaz de as ter recolhido nas espeluncas Parisienses.
Eu não acreditava que ele tivesse adiantado uma tão grande quantia de dinheiro nas
despesas de alojamento, nas refeições e nas representações de todos esses artistas, enquanto
que eles já debatiam acerca do preço do nosso cachet, este, todavia, não era exorbitante .
No inicio, o ambiente foi bastante simpático ; travamos imediatamente conhecimento com
os artistas. Eu comprara em leasing, uma « estafeta », pagável em três anos, julgando que
com o meu salário, eu reembolsaria facilmente as mensalidades.
O Sr. Yves-Wetzel mandáva-nos trabalhar das 18 horas até às 5 da manhã, e podem crer
que não era digno de confiança .
No nosso contrato estipulava que comprometíamo-nos a fazer um espectáculo de magia,
enquanto que o nosso director pedia-nos para alêm disso, para nos ocupar-mos, eu da
recepção e a Anifa dos guarda-roupas; e pior , o Thiebault que não entendia nada em
contabilidade ficou encarregado da gestão do bar ; certamente o Sr. Yves-Wetzel procurava
uma cobertura em caso de fiscalização .
Isto cheirava à vigarice! Por sorte ainda tinhamos alguns contratos fora do cabaré :
espectáculos para crianças, animações para as delegações das empresas,
estes permitiram-nos pagar o aluguer da nossa residência. Passado três meses, fomos para a
falência . Congestionaram os salários e eu, para mais tinha um empréstimo à pagar.
Fizemos o último espectáculo no dia 31 de Dezembro de 1992. Nessa noite, tinham
convidado gente famosa nomeadamente a Patrícia kaas , uma conterrânea Alsaciana e o
Bernard Montiel . A Patrícia era pouco conversadora, será que ela já era convencida ? Eu
não ponho em causa o seu talento de cantora .
O Bernard, menos reservado cortejou-me, disse-me que eu era bonito e deu-me os parabéns
pelas minhas proezas .Eu penso que ele teria apreciado que eu lhe tivesse dado aulas
particulares.
Embora ele tivesse muita popularidade, não me apetecia responder as suas tentativas de
aproximação, eu já tinha dado demais nesta área , e continuo a paga-las caras.
77
© copyright Emanuel de Castro 2008
Foi uma noite espectacular sem dúvida, bastante desgastante, pois como o cabaré fechava
durante alguns dias, tinhamos feito duas representações na mesma noite. O descanso era
bem merecido . O trabalho nocturno é desgastante , eu já estava habituado, quanto aos
meus dois amigos foi uma descoberta.
Eu aproveitei esses dias de férias para visitar as minhas irmãs em Estrasburgo ; A Anifa e
o Thiebault visitaram os pais.
De volta ao cabaré, o pessoal foi convidado para uma mesa redonda que o nosso caro Sr.
Yves-Wetzel havia posto no meio da pista.
Como é costume no music-hall, eles faziam uma rotação, guardavam certos artistas e
despachavam outros . Em seguida, para dar mais vigor ao espectáculo recrutavam novos .
Eu assistia a essa reunião que não me dizia respeito, o meu contrato caducava ao fim de três
anos. Ainda me sobrava tempo para procurar um novo patrão . Eu fiquei mais que satisfeito,
as pessoas apreciavam o nosso desempenho, e apesar de ocuparmos empregos que nada
tinham a ver com a nossa verdadeira vocação, contentávamo-nos de cumprir o nosso
trabalho correctamente.
A grande surpresa ! inscreveram-nos na lista dos expulsos.
Veredicto : Os três licenciados por falta profissional .
Motivo : Queixamo-nos várias vezes do mão funcionamento da empresa e tentamos
destabilizar o resto do pessoal sobre o qual tínhamos uma má influência .
E, cúmulo da história, ele despediu-nos, sem nos pagar o mínimo tostão, pelos vistos, não
tinham mais dinheiro na caixa registradora .
“ Agora chega, Sr. Yves-Wetsel, o Sr. foi longe demais ! Nunca desconfiou que o
insignificante mágico ia aperceber-se rapidamente das suas acções poucos escrupulosas.
Quando o Sr. verificou que nos nunca aceitaríamos participar nos seus esquemas , preparou
esse estratagema e com receio que os accionários do music-hall, honestos fabricantes de
móveis instalados nos Vosges, viessem a descobrir as suas fraudes, o Sr. preferiu despedirnos.”
Os nossos contratos eram fictícios, só existia um exemplar das nossas folhas de paga, deste
modo, escapava aos cargos fiscais” .
O Sr.Yves calculou tudo ao último pormenor ; Foi um impostor, infelizmente soubemos
tarde demais.
Ele tinha dívidas, pela França toda; centenas de milhões de euros. Os meus amigos e eu
ficamos desesperados, a minha situação era pior do que a deles. Eu tinha o empréstimo do
carro à pagar e não queria vendê-lo.
Era o meu instrumento de trabalho, fazia-me falta para transportar o meu material sem este,
eu não podia continuar com os meus espectáculos.
Eu só tinha uma solução, a de regressar a Estrasburgo e viver com uma das minhas irmãs e,
pedir à mãe do Thiebault para hospedar os meus amigos enquanto não arranjavam um novo
emprego.
Eu sentia-me culpado por ter incentivado a Anifa a demitir-se do emprego de secretária para
me seguir nesta aventura.
Porêm, o mal estava feito era necessário encontrar uma solução. A Anifa, por sorte foi
repescada pelo antigo patrão, e eu vaguei pelos bares, restaurantes e discotecas à procura de
novos contratos. Quando eu fiz os meus cálculos, cheguei a conclusão que se eu arranjasse
um emprego seguro tirando as minhas representações ao fim de semana, o problema ficaria
78
© copyright Emanuel de Castro 2008
resolvido; podia viver de forma decente e reembolsar o meu empréstimo.
Infelizmente, os meus planos desmoronaram-se, e passar de um emprego de artista para
empregado de restaurante ,não foi fácil, custa regredir !
Uma noite, eu marquei um encontro numa discoteca para assinar um contrato, infelizmente
quando eu vi uma pista tão minúscula, vi que era impossível exibir-me naquele
estabelecimento com todo o meu material.
Eu tomei um copo embora, eu não apreciasse a música techno que o Dj passava ,
haviam muitas pessoas e o ambiente era agradável.
Perto de mim, dois homens estavam sentados à mesa. Um deles, fixou-me com insistência e
lançou-me sorrisos tímidos.
Passado pouco tempo, ele começou a conversar comigo, disse-me.
« Que cara é essa ? Anda lá, sorri ! »
Eu sorri e olhei para ele com ar divertido.
« Ah ! Sim Senhor, está muito melhor acrescentou ele, quando temos um lindo sorriso
como o teu , há-que aproveitar ! “ .
Senti-me lisonjeado com o galanteio desse homem, soube que eles eram Canadianos, tropas
militares em estacionamento na Alemanha. Aquele que me interpelou era um homem
sedutor, um trintão com um forte sotaque Canadiano,eu um prazer ouví-lo.
Ele ofereceu-me gentilmente uma bebida, eu reparei que o seu companheiro não era viril é
provável que ele fosse bissexual ou gay. Achei-os muito simpáticos, sociáveis, conversei
com eles, pelo menos duas horas; eles levantaram-se e regressaram à base militar.
O meu admirador pareceu triste ao despedir-se de mim, eu também aliás, apetecia-me
passar a noite com eles, pois eles eram extremamente simpáticos, todavia, eu fiquei até ao
encerramento da discoteca. Uma hora mais tarde, eu avistei o homem que tentara cortejarme, ele surgia novamente à minha frente; eu fiquei feliz ao vê-lo de novo, e perguntei-lhe
porque tinha voltado atrás ?
« Por causa de ti, retorquiu ele ! como vi que eras lindo, fiquei com vontade de te
conhecer melhor ! »
Ele disse-me que se chamava André, era casado e pai de família, ele era caporal e vinha do
Québec. Bastante perturbado ele confessou que era a primeira vez que ousava aproximar-se
de um homem; ele não entendia porque agia daquela maneira, nunca se sentiu atraído por
nenhum homem.
Ele ficou muito confuso ao descobrir um outro aspecto da sua personalidade , tomamos um
copo juntos e tivemos uma conversa a sério, eu sentia-me muito bem ao lado dele.
Na altura do encerramento da discoteca, ao ver que ele estava embriagado, eu convidei-o a
passar a noite na minha estafeta, em cima de um velho colchão que servia para arrumar as
caixas de magia. Como eu tambêm estava um pouco embriagado, já não estava lúcido de
todo. Eu liguei o aquecedor e deitei-me ao lado dele, meio adormecido, de repente ele
estreitou-me nos seus braços, Não tentei desviar-me . Há muito tempo que já não me sentia
tão bem. Ficamos enlaçados como um casal de apaixonados, depois dormimos
profundamente cerca de três horas.
79
© copyright Emanuel de Castro 2008
Quando eu acordei, o André convidou-me a tomar o pequeno-almoço no café da esquina.
Ele preveniu-me que ficava apenas quinze dias na Alemanha e que voltava novamente ao
Québec. Eu fiquei muito decepcionado ! Nunca imaginei apaixonar-me por ele. Também foi
a primeira vez para mim, apesar de já ter dormido, uma vez ou outra , com homens por
dinheiro, nunca tinha sentido nenhuma atracção por nenhum deles….algo incrível!
O meu amor pelo André foi tão intenso, não tinha comparação possível com aquele que eu
sentia pela Mónica, no entanto, eu tambêm sentia afecto por ele.
Eu fiquei baralhado, desconfiava se não estaria a tornar-me gay; será que, toda a minha
vida, tinha sido bissexual e tinha recalcado os meus impulsos ? E o meu amor pela Mónica
como explicar isso tudo!
Apesar de tudo eu amei-a. Vida misteriosa e imprevisível ! Ao analisar a situação, eu
descobri algumas respostas , a falta de afecto, problemas psicológicos devido as ausências
repetidas da minha mãe, a falta do meu pai, e a partida da minha esposa.
Por fim,eu decidi que o melhor era não aprofundar o assunto, a cismar, o que importava era
encontrar a felicidade.
Isto não punha em causa a minha virilidade, nem os meus talentos de mágico, nem o facto
de eu ser professor de artes marciais. Eu vivi uma experiência semelhante a de muitos
homens, que embora tenham tido princípios bastante rígidos, os impulsos sexuais foram
mais fortes. O André antes de voltar para a caserna pediu-me para ir ter com ele à noite, no
restaurante chinês. O meu coração vibrou de alegria, o meu maior desejo era estar com ele
outra vez, para continuar a nossa deliciosa e divertida aventura, excitante e empolgante.
Eu passei em casa da Emília para tomar um banho de chuveiro e dormir um pouco , andava
cheio de sono. Quando a noite caíu, eu vesti-me com muita elegância, parecia que eu ia à
um primeiro encontro galante e encontrámo-nos , mais uma vez, felizes da vida, à hora e no
lugar combinado. Ele disse-me que também sentia o mesmo por mim, e que não tinha
parado de pensar em mim, um só instante ! Tinha mais quinze dias de férias, ele decidiu
passá-los inteiramente comigo, antes de fugir para o Canadá.
As palavras do André confortaram-me o coração, não obstante, eu não pude esconder a
verdade àquele homem. Sou demasiado honesto, precisava avisá-lo sobre o meu SIDA, e as
minhas outras doenças.
Eu tomei coragem e avisei-o acerca dos meus problemas de saúde, tive receio que ele me
abandonasse, quando descobrisse a minha terrível história. Ele não tirou os olhos dos meus
lábios, ouviu-me atentamente, absorvendo cada palavra .
A emoção acentuou a minha gaguez. De repente, o rosto dele ficou sombrio, ele raspou a
garganta, muito perturbado e ficou calado.
Eu fiquei bastante preocupado, fitei-o tentando adivinhar os seus pensamentos. Vi que ele
apercebeu-se do perigo que corria, por fim aceitou a realidade. Ele puxou a cadeira para
junto de mim, pôs as mãos nos meus ombros e desatou a chorar amarguradamente .
Com o coração destroçado, ele acariciou-me a mão, ignorou completamente os clientes
indiscretos, que olhavam para nos insistentemente e pérfidamente como quem diz:
« Olhem só para estes dois paneleiros ! »
Eu não fiquei embaraçado ao testemunhar-lhe a minha gratidão.
Afinal de contas, eu havia encontrado uma pessoa atenciosa e sincera que me compreendia e
apoiava a minha alma solitária, vítima de uma profunda tristeza…. E qual o problema se
era um homem. Era exactamente o que eu procurava , um amigo, um pai, o irmão que eu
80
© copyright Emanuel de Castro 2008
nunca tive, alguém que pudesse entender-me e amar-me tal como eu era, eu tinha medo de
ficar só.
Terminamos a noite num quarto do hotel não para nos dedicarmos a práticas sexuais mas,
simplesmente para nos enlaçarmos,eu sentia-me profundamente feliz, a nossa relação foi
intensa estávamos numa perfeita simbiose .
No dia seguinte, ele insistiu em levar-me para a Alemanha para visitar a base militar, eu
fiquei contente porque ia conhecer finalmente, o ambiente no qual, ele tinha vivido, nestes
últimos anos. Para mais, a entrada era proibida as pessoas que não pertenciam ao serviço
Com o passe que ele havia recuperado em casa de um oficial superior , eu introduzi-me nos
edifícios todos. Ele aconselhou-me dizer que eu era da família, de qualquer forma
espiavam-nos, a caserna tinha câmaras em todo o lado.
Eu fiquei impressionado com a vastidão do sítio, a disciplina e o rigor que reinavam no
recinto do quartel. No meu caso, como eu não tinha feito o serviço militar escapei à todas
aquelas regras. Os equipamentos que permitiam aos militares evadirem-se daquele
ambiente austero eram diversos: cinema, patinagem, cabeleireiro, bares, armazéns de
alimentos e lojas de roupas, restaurantes. Era incrível eles tinham pensado em tudo!
O André apresentou-me os amigos todos, homens muito bem-dispostos fizeram-me rir com
os seus sotaques Canadianos, aquele lugar era tão diferente do meu mundo, era fascinante!
O André, em poucos dias ficou a saber da minha vida toda. Ele ofereceu-se para pagar duas
mensalidades de crédito do meu carro ou seja, equivalia a 1100 euros.
Eu fiquei sem jeito. Ele insistiu tanto que eu aceitei a sua oferta, pensei que caso eu não
conseguisse encontrar novos contratos seria incapaz de pagar as próximas prestações,
porque sem a estafeta eu não podia trabalhar.
No fim de semana depois do nosso encontro tive um contracto para cumprir. Convidei-o ele
mais um grupo de amigos à assistirem a um espectáculo de micromagia, não foi necessária a
ajuda da Anifa .
Os nossos olhares cruzaram-se no final do show, os seus olhos , cor verdes jade exultaram
de alegria, ele dirigiu-me um largo sorriso que transmitia que tinha orgulho de mim .
Os quinze dias que eu passei com ele foram inesquecíveis.
A Mónica, entretanto pediu-me para passar em sua casa para assinar os papéis do divórcio
Eu pedi ao André que me acompanhasse para apresentá-lo a minha ex-mulher e apoiar-me
nessa negociação. Não foi fácil voltar a entrar nesse apartamento no qual, tínhamos vivido
tantos anos de felicidade. As recordações desfilavam à medida que eu ia subindo as escadas.
O André adivinhou , outra vez , os meus pensamentos, ele sabia que o momento, em que eu
consentisse divórciar, seria crucial que uma parte da minha vivencia ia desabar .
Porém, não havia outra alterntiva era necessário regularizar a situação. Ao assinar o meu
nome no fim da página, quase desfaleci ; o André tocou-me no ombro e disse-me.
« Não te preocupes Manu, vai correr bem »
A Mónica observou-nos perplexa, é óbvio que ela já tinha topado que algo se passava entre
nos .
81
© copyright Emanuel de Castro 2008
Na véspera da sua partida o André organizou uma festa de despedida. Já sabia que era a
última vez que nos viamos ; tentei não pensar demasiado no assunto, para viver
intensamente os últimos instantes de felicidade.
Ele tinha duas alternativas voltar para junto da sua família no Québec ou ficar comigo.
Será que ele podia abandonar a sua mulher , o filho que esperava com impaciência pelo
pai,para viver em França ? A escolha era difícil !
Eu desejava de todo o meu coração que ele não partisse, mas uma vez mais a mesma
pergunta surgiu exactamente como para a Mónica, será que eu tinha o direito de lhe pedir
um sacrifício tão grande ?
Ia perder um amigo fora de série, e embora eu tivesse os seus dados pessoais, eu nunca me
atreveria a incomodá-lo com respeito pela sua mulher e pelo filho assim que ele já estivesse
reunido junto dos seus.
Eu desejava tanto que esta última noite nunca mais terminasse. Falámos até de madrugada
pesamos os prós e o contras, nos nunca descobrimos a solução para o nosso problema.
Ele havia colado a sua foto numa cassete da Celine Dion; era uma das minhas canções
preferidas: « l’amour existe encore! » as palavras são as seguintes :
« Quando adormeço contra o teu corpo, as minhas incertezas desaparecem, o amor
ainda existe.
Para amar-te de uma vez para sempre, para amar-te custe o que custar, apesar desse
sofrimento que se propaga , e que destrói o amor .»
Eu tinha a sensação quando ouvia a Céline que ela se dirigia directamente a mim .
O texto adaptava-se perfeitamente à minha situação, evocava a doença e traduzia
exactamente a complexidade dos sentimentos que eu sentia por esse homem.
É estranho, há certas canções que parecem dirigir-se pessoalmente a nos, identificámo-nos,
elas teêm muitas vezes, tantas semelhanças com as nossas vidas.
Eu conseguia entender exactamente aquilo que o meu amigo tentava explicar-me.
« Que importa a cor, a religião, a aparência física ou até mesmo o sexo da pessoa, que
importa a deficiência, a doença! O mais importante nesta terra, é amar e ser
correspondido; eu senti algo muito forte pelo André, eu nunca pensei que algum dia
pudesse vir a sentir esse género de pulsões por um homem mas, o amor e a amizade
são tão preciosos, que importa se acontece com dois homens ou com duas mulheres »
No dia seguinte, acompanhei-o ao aeroporto, sentia-me muito triste; Um silêncio total
pairava no carro. Não haviam palavras para exprimir a dor intensa que sentíamos, a nossa
alma estava ferida.
No momento em que eu vi o avião levantar voo, o chão desmoronou-se sob os meus pés,
tinha um nó na garganta, torcia-me com dores pois as cólicas surgiram de novo.
Difícil regresso à realidade! Então pela segunda vez, passado algum tempo fiz o ponto da
situação, como conseguir reconstruir-me depois dessa nova decepção?
Desilusão, estava mais uma vez só, a solidão assustava-me , tinha medo de acabar os meus
dias sozinho e se algo inesperado acontecia, como ia desenrascar-me sem ninguém para
apoiar-me, ajudar-me ou animar-me.
Depois de algum tempo , o André telefonou para casa da Emília para ter novidades minhas.
Naquele dia, não estava em casa, e nunca soube o que ele tinha para me dizer. Ele disse a
minha irmã que telefonava outro dia, todavia nunca mais tentou contactar-me , a única
recordação que eu tenho desta terna amizade é a cassete da Celine Dion que guardo
preciosamente, embora ela seja inaudível, pois, a fita está usada de rodar tanto. Quando eu
vejo essa artista no ecrã, não consigo deixar de pensar no André. Eu queria tanto que
82
© copyright Emanuel de Castro 2008
ficássemos amigos. A minha doença estabilizou-se, tirando as diarreias que persistiam mas,
eu já estava habituado a lidar com essa deficiência.
O dia a dia voltou, eu continuava a morar em casa da minha irmã vivendo das
representações de alguns pequenos espectáculos que me permitiram pagar o crédito da
minha estafeta.
Uma tarde, no mês de Março eu voltei a encontrar-me com um colega que tinha perdido de
vista, contou-me que tinha aberto uma loja numa pequena cidade da Alsácia do Norte, há já
bastantes anos.
Quando soube que eu não tinha nenhum emprego estável, convidou-me para trabalhar com
ele, disse que precisava de alguém que o substituisse durante as suas ausências. Era uma
oportunidade rara, fiquei maravilhado com a oferta aprendi rapidamente a conhecer os
produtos expedidos para os quatro cantos do mundo.
O trabalho era agradável, como os clientes não se precipitavam à porta, não havia stress, eu
preferia ver mais movimento pois os dias não passavam era uma monotonia.
Após algumas semanas , eu fiquei decepcionado com o restaurante , o meu patrão começou
a chatear-me, sem qualquer motivo, houve uma reviravolta completa! ele rebaixava-me
constantemente frente aos seus clientes e os amigos, isto tudo para não esquecermos que era
ele o patrão.
Eu compreendi que estava perante uma pessoa pretensiosa e autoritária, ele tinha um
enorme complexo de inferioridade que o impelia a assediar-me à toda a hora, tudo o que eu
fazia o incomodava, este vil personagem nunca estava contente.
Ele provocava-me por tudo e por nada, e ficava feliz quando via que eu me escondia para
chorar no fundo da loja.
Eu tentava não dar importância aos ataques sucessivos, pois financeiramente eu precisava
guardar aqule emprego.
O meu patrão que tambêm era de Estraburgo para nao ter de fazer um trajecto de 85 km
diariamente e ficar deparado com os habituais engarrafamentos na auto-estrada alugara um
apartamento ao pé do armazém .
Eu aceitei coabitar com ele, pagávamos tudo a meias, eu aproveitei a ocasião, persuadi-me
que, assim, não ia ter mais despesas com a gasolina e podia levantar-me mais tarde . A ideia
foi desastrosa, eu nunca devia ter aceitado tal proposta. A noite, eu ficava trancado no
apartamento, tínhamos desavenças o Sr. tinha sempre razão, para ele eu era um parvo,
desprovido de inteligência .
Aquele enigma da humanidade humilhou-me sempre , de qualquer forma, ele era o patrão
eu não tinha o direito de o contestar.
Uma manhã, eu acordei com uma erupção de borbulhas, fiquei com comixão na anca
esquerda, não fiquei preocupado , pensei que estava perante uma simples alergia provocada
por algum alimento ingerido.
Entretanto, durante o dia a dor aumentava, surgiu uma erupção na minha coxa , eu fiquei
totalmente paralisado do lado esquerdo. A febre aumentou , qual era o problema desta vez ?
Peguei na lista telefónica e marquei consulta num generalista . O médico, como tinha
certas dúvidas acerca do meu diagnóstico, mandou-me consultar um dermatólogo, depois de
me examinar, diagnosticou-me um « zona » ou algo semelhante à varicela, mandou-me
tomar antibióticos. A partir desse dia, certamente por causa deste filho da mãe, a minha
83
© copyright Emanuel de Castro 2008
saúde deteriorou-se, passado um mês, apanhei uma flebite, e os dentes ficaram
descarnados. O meu sistema imunitário ficou debilitado, cansado, e vulnerável fiquei
exposto ao mínomo vírus. Os antibióticos que ele me receitou davam-me sono, o médico
deu-me um tratamento para coagular o sangue e recomendou-me descanso .
Eu não dei importância às suas recomendações e continuei a trabalhar para não exasperar o
meu querido patrão. O unico aspecto positivo que eu tive com o meu contrato, levou-me a
conhecer um casal , eles eram donos de um restaurante e costumavam vir ao armazém
abastecerem-se em café, no fim do trabalho, eu tomava café no estabelecimento deles .
A Liliane era uma patroa meiga, sorridente e muito esperta . A sua bondade era tanta que
aquecia o coração. O marido dela o Jean-Paul era bastante autoritário certamente, por causa
dos seu passado militar, ele mandava no pessoal todo com muita arrogância.
Ele atormentava-nos para que ficasse tudo nas devidas condições, ele não suportava
nenhuma falha, senão tornava-se mao carácter, ao segundo aviso despedia logo .
Caso a pessoa resistisse era pior. A comida era razoável, eu jantava lá, várias vezes,
entendíamo-nos bem.
Simpatizamos logo de inicio, mais o tempo passava , mais eu apreciava a companhia deles.
A Liliane era toda ouvidos, havia tanta cumplicidade entre nos que até o meu passado lhe
contei e, mais tarde, disse-lhe que tinha o Sida ? O facto de termos o mesmo amigo
contaminado com a mesma doença aproximava-nos.
Conheci mais pessoas alegres: o Patrick, a Astride, o Philippe, embora eles tivessem mais
idade do que eu , tinham alma de criança. Eles eram muito divertidos, conseguiam divertir
uma sala inteira.
O Jean-Paul organizava noites com temas diferentes, nessa ocasião eu produzia-me, o
Patrick como pertencia à um grupo de músicos também actuava.
A Liliane apresentou-me uma prima, a Judith davamo -nos muito bem, mais tarde, ela
apoiou-me bastante.
Eu prometera emprestar ao meu cunhado a minha estafeta , assim ele podia ir de viagem à
Portugal com a sua pequena família, depois de reflectir um pouco achei que o melhor era
aproveitar aquela viagem para fazer uma visita à minha mãe e espairecer um pouco. O
Zona tirava-me as energias todas, surgia uma ocasiao para recuperar forças em Portugal.
O meu patrão telefonou-me e avisou-me para eu me preparar à profundas mudanças no
trabalho, assim que voltasse.
O que seria que esse individuo maquiavélico andava a tramar nas minhas costas ?
Já nada me assustava estava preparado para a” boa surpresa “. Quando voltei fiquei
siderado, disseram-me que ele abrira um novo restaurante e que o Jean Paul era o sócio dele.
O restaurante ficava perto do meu local de trabalho, a fachada do restaurante datava da
última guerra. Por fora parecia em bom estado mas a parede interior não era funcional
precisava ser reajustada. Adivinhem quem ficou encarregado das obras ? Fui eu.
Durante mais de dois meses de manhã à noite pintei,pus ladrilho. A Liliane ficou
encarregada da decoração interior, pôs novos cortinados, louças, toalhas de mesa, e outras
acessórios. Eu coloquei um palco para os meus espectáculos de magia pensando que seria
uma boa maneira de atrair a clientela .
O resultado foi espantoso ficamos muito orgulhosos com o resultado, o ano de 1995 era
cheio de expectativas, finalmente, conseguia ter um palco .
No dia da inauguração convidei familiares e amigos juntamente com os freguêses da aldeia.
Estes curiosos passavam o tempo a vigiar-nos e levavam o diagnóstico aos outros dois
restauradores da praça. Após a primeira semana, apercebi-me que iamos ter muitas
84
© copyright Emanuel de Castro 2008
dificuldades para trazer animaçao ao restaurante.
Como eu não era conterrâneo e não falava o dialecto da região, o Alsaciano senti que eles
nao nos achavam capazes de incutir bom ambiante ao novo estabelecimento. As pessoas da
aldeia já frequentavam estes dois outros restaurantes que existiam há anos, a especialidade
deles era a « tarte crestada » o pior é que nao podiamos contar com a clientela .
Eu apresentei os meus espectáculos de magia, a Anifa e o Thiebault eram meus assistentes,
ele concordava que a mulher continuasse sendo a minha assistente apesar da má experiência
que tivemos em Forbach. A Albina, uma amiga minha Portuguêsa era divertida e meiga, em
tempos fora casada com o irmão da minha cunhada , como ele ia buscá-las de carro,
podiamos actuar nos fins-de-semana. O Sr. meu patrão não encarou com os meus amigos, o
contrário ter-me ia surpreendido. Ele queria que eu fizesse o meu pequeno espectáculo
sozinho, pelos vistos, os meus três amigos, embora não recebessem nenhum salário traziam
despesas suplementares ao estabelecimento comendo e bebendo de graça.
Eu nao fiz caso das suas alusões , ele podia ficar satisfeito por nao ter de pagar as despesas
da gasolina da Albina, era eu quem lhes dava o dinheiro para as despesas da gasolina .
Contratamos a Judite para fazer horas extras no fim-de-semana, depois do encerramento as
galhofa nao cessavam !
Era o melhor momento da noite, reuniamo -nos em volta de uma mesa para beber o último
copo e contar piadas;
A maior parte das vezes, as cenas acabavam quase sempre num delírio, entre a Albina e a
Anifa nao sei qual era a mais cómica .
Por sorte, ainda tínhamos direito a alguns instantes de divertimento pois a vida nao era facil
.
Passados dois mêses, o restaurante já nao dava lucro, o pessoal todo da aldeia passou a
frequentar novamente os outros dois estabelecimentos.
A assistência era pouca mesmo com o meu show de magia, ao pôr as contas em dia na
caixa, a quantia nem sequer cobriu as despesas do investimento, era desesperante !
Eu sentia-me culpado, imaginava que o meu espectáculo era péssimo, e que as pessoas nem
sequer iriam deslocar-se para ver algo tão medíocre.
A Albina e a Anifa felizmente afirmavam o contrário, eu nao estava nada bem e não teria
aguentado a mínima crítica.
Uma tarde, no mês de Fevereiro quando estava a tomar o meu duche vi que a minha perna
estava inchada e roxa.
Como estava sozinho no apartamento fiquei aflito, pois quando eu me movia ela inchava
mais . Eu não entendia aquilo que me estava a acontecer, não conseguia mexer a perna, tive
de me arrastar para poder telefonar quem me socorreu foi o Jean-Paul.
Ele apareceu imediatamente, quando viu o estado da minha perna chamou logo a
ambulância. O diagnóstico foi rápido, tive uma recidiva devido à flebite Quando passei o
scanner o médico disse-me que eu tinha uma embolia pulmonar, e achou-me bemaventurado por safar-me dessa. Foi mais um pavor na minha vida passei mais uma vez perto
da morte.
Para descobrirem o sítio onde a veia estava obstruida, ataram-me os pés e as mãos, e fiquei
suspenso com a cabeça para baixo, as coxas para cima e abertas, como um porco pronto
para a matança. Ao injectarem-me um produto esbranquiçado no ânus eles encheram-me de
ar com um soprador , para tentarem analisar o que eu tinha dentro do meu corpo; A dor foi
tão horrenda quase desmaiei . Eles torturaram-me eu perguntava a mim próprio quando ia
85
© copyright Emanuel de Castro 2008
acabar aquele martírio . Nessa altura, um dos médicos apareceu com ar vitorioso e anunciou
que detectara o garro com sangue, caramba ! Que alivio!
Fiquei hospitalizado durante uma semana inteira para fluidificar o sangue e deixar o garro
desfazer-se por si próprio, as circunstâncias obrigaram-me à pôr dois dias de alta.
De todas as maneiras, eu sabia que depois de sair do hospital retomaria imediatamente a
minha actividade.
Preveniram-me que o meu patrão já dizia no restaurante que eu fingia estar doente, para ele,
eu tinha arranjado um pretextopara ter dias de folga, grande cabrão.
Tive de ser cauteloso, uma recaída era fatal, tinha uma insuficiência venérea como muitos
familiares meus, doença venérea hereditária se eu pudesse viver sem ela, nem sequer falo no
resto.
Ao sair do hospital nao dei ouvidos ao médico retomei imediatamente o trabalho, os
médicos tinham-me aconselhado a descansar. Continuei a servir a mesa do restaurante como
se nada fosse para não atrair a ira do patrão. Durante quase um mês, fiz papel de enfermeiro,
todos os dias dava injecções em mim próprio.
A afluência ao restaurante apesar de todos os nossos esforços diminuiu bastante, no entanto,
a “ tarte crestada “era deliciosa. Os únicos dias em que enchiamos o depósito era quando a
equipa de futebol ou a minha família juntamente com os amigos vinham visitar-nos. Nessas
noites eu dava o meu melhor para apresentar os meus shows, a minha intenção era
proporcionar-lhes uma noite agradável e dar-lhes vontade de voltar.
Quando o patrão fazia as contas e a receita era ridicula, eu já sabia que nao escapava à
criticas.
« O teu show é péssimo, não vales nada, não queres trabalhar preguiçoso ! »
Mais uma vez, o culpado era eu, muitas vezes chorava as escondidas e refugiava-me no
álcool para esquecer os meus problemas. Todavia não tinha pedido nada a ninguém, a ideia
do restaurante não era minha , eu não precisava arcar com as culpas todas, eu tinha as costas
largas para me acusarem de tudo e mais alguma coisa. O patrão fez as contas,e tornou a
contar o dinheiro da caixa; as cargas fiscais eram tantas, nao pode pagar-nos, as despesas
eram para as matérias-primas, não tinhamos nenhum beneficio, ele nao conseguia entregarme o meu salário. Por causa disto tudo, nao consegui pagar o empréstimo da minha estafeta.
Um dia, o meirinho confiscou-mo apesar de ter pago o meu empréstimo quase por inteiro,
fiquei doente, o pior é que acontecia tudo às minhas custas. Adeus meu carinho, era
vermelho.
Foi mais forte que eu precisei explodir mas o meu patrão impassível nem respondeu.
« Tens comida e tecto então cala a boca ! »
Sim, eu calei-me não tinha outra alternativa, a situação podia agravar-se, deixamos o
apartamento da cidade para fazer economias e instalamo-nos noutro situado no primeiro
andar de um restaurante , no entanto não conseguíamos levantar a situação.
A noite quando bebia demasiado as angústias apareciam de novo telefonava a Albina para
me confortar e pedir auxilio.
Era a única pessoa a quem eu podia falar, não queria que as minhas irmãs soubessem da
minha situação, por causa do meu sofrimento moral bebia cada vez mais.
86
© copyright Emanuel de Castro 2008
A solidão pesava-me o álcool era o meu único amigo. Enterrava-me cada vez mais , no
entanto podia ter tirado lições do meus erros passados amaldiçoei-me por ser tão fraco
tremia, um pouco de reconforto era a única coisa que eu pedia. Por vezes, falava comigo
próprio:
« Manu, o que tu fazes é importante, continua! Não baixes os braços! »
Infelizmente não foi o que aconteceu as intermináveis repreensões. Como viver com um
patrão que vos assedia de manha a noite?
Eu esquecia os meus problemas quando subia ao palco.
Quando as luzes se apagavam tinha de aceitar a realidade que a noite tinha corrido mal e
que a clientela nunca ia aparecer abri outra garrafa de whisky para esquecer
….esquecer….só queria esquecer tudo uma vez por todas!
No dia em que fiz 32 anos convidei os meus amigos e a minha família foi uma noite
fabulosa! Fiquei rodeado das pessoas todas que eu adorava para variar da tradicional «tarte
crestada » servi-lhes um couscous, um show fazia parte do programa da noite.
Gostei de produzir-me naquela noite não me faltavam espectadores, uma enorme surpresa
esperava por mim, a Anifa inventou um número de cabaré inédito, a minha assistente estava
mais experiente, ela foi espectacular!
A mamã tinha previsto visitar-nos no Natal, eu fiquei bastante feliz mas ao mesmo tempo
receava que ela desse conta que eu me embriagava. Tentava reduzir o álcool mas era dificil.
Ela ficou hospedada em casa da minha irmã, devido a intensidade da emoção.
Quando a vi de novo não aguentei, desatei a chorar, ela percebeu imediatamente que eu
estava deprimido e aconselhou-me após ter ouvido atentamente o meu testemunho de
abandonar imediatamente o meu patrao e arranjar um novo trabalho.
O conselho foi judicioso, inteligente! Por conseguinte ela esqueceu-se que se eu mudasse de
emprego automaticamente tinha de arranjar um novo alojamento eu podia ter continuado
com os meus espectáculos, se ainda fosse dono da minha estafeta, não sejamos masoquistas.
Convidei-a a provar a nossa “tarte flambée “e a assistir ao espectáculo o último que ela tinha
visto já ia há bastante tempo.
Como previsto ela chegou no sábado a noite, acompanhada da família toda.
A Anifa e o Thiebaud ficaram encantados por voltar a vê-la, eles nunca esqueceram a sua
delicadeza durante a estadia em Portugal.
A Albina também ficou contente por voltar a vê-la, elas já se tinham encontrado na família
do meu cunhado, naquela altura ela ainda era casada .
Fiquei bastante nervoso quando subi ao palco, eu desejava que a minha mãe ficasse contente
e ouvi-la dizer no fim do espectáculo.
« correu muito bem, meu filho, parabéns! Progrediste muito ! »
Estas palavras inspiravam-me confiança ao mesmo tempo, as minhas dúvidas desapareciam.
O restaurante estava cheio o meu entusiasmo era grande, reservei para a minha mãe a
melhor mesa frente ao palco assim ela ficou nas primeiras filas para ver melhor o filho dela.
87
© copyright Emanuel de Castro 2008
Após o espectáculo de 40 minutos : «A grande ilusão» tivemos meia hora de intervalo, os
artistas podiam recuperar , estava tudo programado . As pessoas que assistiam à segunda
parte do programa, pediram uma garrafa; isto aumentou a receita, eu prossegui com o meu
espectáculo de « momo transformista » durou cerca de 30 minutos, suei bastante, o sucesso
dependia da rapidez com a qual eu trocava de roupas e de maquilhagem.
No próprio palco eu observava a minha mãe muito admirada e comovida ela esforçava-se
para não chorar, ela não queria destabilizar-me em vão! A emoçao foi mais forte que ela .
Nao conseguia concentrar-me, só pensava nela; aquela que tinha chorado tanto pela vida
fora, nessa noite ela só foram lágrimas de felicidade .
Quando fiz de « momo » transformei-me em cinco personagens diferentes, no inicio
apresentei-me com um fato de « PIERROT » cheio de palhetas e, no fim cantei uma canção
do Leo Ferré disfarçado em velho corcundo e cambaleante ; com a maquilhagem ninguêm
me reconhecia .
Mas o momento mais intenso da noite foi sem dúvida alguma, o momo sobre a canção de
Charles Aznavour intitulada : « Segundo eles » eu tirava a maquilhagem e cantava no
palco: “Comme ils disent”
“J'habite seul avec maman,dans un très vieil appartement....”
« Moro só com a mamã num apartamento muito velho »…..
O texto significava tanto para mim que eu desatava aos soluços olhava para a minha mãe ela
chorava mais ainda.
Uma ovaçao veio coroar o meu triunfo.
As pessoas procuraram-me para me felicitarem por ter sido capaz de transmitir tantas
emoções
« é um excelente actor », disseram , aquilo não era cinema nenhum; esta canção era uma das
mais lindas do repertório do Charles; és formidável! É um regalo ouvir as suas canções, para
dizer a verdade gosto delas todas, és um grande artista!
Infelizmente aquilo nao era comédia minha, era a minha vida toda, nao importa, os elogios
aqueceram-me o coração.
Aproveitei para respirar com a minha família durante um bom quarto de hora, achei que
como a minha mae estava de passagem, ela merecia estar connosco e, para nao variar, no
final da noite as repreensoes do costume continuaram.
« Grande preguiçoso oportunista ! »
Só me apetecia arrancar os olhos àquele filho da mãe,... lembrar-lhe que quando a família
dele ou os amigos vinham jantar ele bebia e ria as gargalhadas toda a noite!
Nessa altura, ele entregava-me o trabalho todo sem remorsos, de qualquer forma, ele nunca
estava satisfeito.
Será que ele invejava os meus talentos de mágico, nunca entendi o que se ia na cabeça dele,
quando julgava era tão duro, amargo, negativo, vingativo e irracional .
88
© copyright Emanuel de Castro 2008
Ele nao deixava ninguêm criticar as ideias dele.
Evitavamos discutir com aqueles que tinham uma opinião diferente da nossa, já sabiam que
nao adiantava contradizê-lo.
Aquele indivíduo maquiavélico, nojento deu cabo de três anos da minha vida , odeio-o
tanto! Como fui capaz de aguentar esse tempo todo, Como é que eu consegui?
Uma noite, fomos ao centro os dois para afastar-nos daquela aldeia mortifora, depois de
uma noite bem regada, ficou ainda mais teimoso do que quando estava sóbrio, pegou no
volante, que angústia !
Ele andou aos ziguezagues, a toda a velocidade, pelo caminho que atravessava o bosque,
fazia pioes nas curvas. Eu vigiava-o do canto do olho; os cabelos no ar, apertava os
lábios,eu cheirava à vinho a kilometros de distância.
Ele nao conseguia abrir os olhos e rogava pragas aos outros condutores.
A toda a hora, pensei que iamos cair num rego ou esbarrar numa árvore. Cheio de medo
mandei-o parar o carro tencionava pegar no volante .
Como ele não queria ouvir nada carregou louco de raiva a fundo no acelerador. Por pouco
vomitava as tripas, quando pensava que àquela velocidade, se tivessemos um acidente de
viaçao nunca conseguiriamos salvar-nos.
Morrer daquela maneira, enquanto eu lutara tanto para sobreviver com as minhas doenças,
era uma parvoice !
Uma vez mais, aquele egoista individuo não mostrava compaixão pelo próximo. Ele era
senhor da sua vontade , eu só me queixava tentava sensibilizá-lo, quando de repente, ele
deu uma guinada no travao de mao que me ia projectando pelo pára-brisas fora, se não
tivesse cinto e oh! Milagre, parou no mesmo instante,
Finalmente, ficou mais sensato!
Num momento de lucidez, devia ter chegado a conclusao que o melhor era entregar-me o
volante .
Tomei fôlego tirei o cinto rapidamente , e empurrei a porta com receio que o carro
arrancasse de novo . Ainda não tinha dado a volta ao carro que ele disparou de forma brusca
e repentina abandonado-me na rua.
Levei uma chuvada de todo o tamabho no meio da floresta , às duas da manha, o
apartamento ficava à cinco quilometros, numa estrada onde era praticamente impossivel
encontrar outros automobilistas . Aliás, nao avistei nenhum carro durante a minha marcha
forçada.
Tinha esperanças que ele se arrependesse e voltasse para trás para me vir buscar era
escusado ! Ouvi-o roncar, as paredes tremeram quando empurrei à porta para tràs.
Em primeiro lugar, apeteceu-me tirá-lo da cama para fora, mas afinal de contas, achei que
era melhor deixá-lo cozer a bebedeira , tinha acumulado tanta raiva nos ultimos mêses,
concerteza, ao ver o seu sorriso sarcástico, nao ia poder controlar-me .
Vou contar-lhes outra anedota para ficarem com uma melhor ideia acerca deste repugnante
personagem !
Um dia, estava eu lavar a louça quando molhei o chão , sem dizer palavra, ele saiu da
cozinha e surgiu de novo, passado pouco tempo com a espingarda de caça na mão
Com um olhar cheio de ódio ele amaçou que me matava, apontando a espingarda em
direcção a mim e vociferante.
89
© copyright Emanuel de Castro 2008
« Voltas a deixar cair outra vez, outra gota de água no mosaico e és um homem morto” .
Não acreditava no que eu ouvia, aquele que eu considerava meu amigo e que eu estimava
em tempos atrás, estava diante de mim com a intençao de me matar. Não haviam duvidas,
estava frente à um desequilibrado pensava outra vez na mamã, já era altura de deixar esse
maluco antes que se gerasse algo de irrecuperavel .
Pelas festas de natal, e pelo ano novo que costumam festejarem-se geralmente com a
familia, fecharamos o restaurante. Fiquei feliz, era uma ocasiao para ser acarinhado pela
minha mãe.
Como andava esgotado moralmente e físicamente, tinha necessidade disso.
Eu senti que estava a ficar sem energias parecia que estava a chocar alguma doença. Penso
que quando estamos doentes da para sentir as coisas acontecerem caímos doentes.
Tive de desenvolver todos os meus esforços para me levantar de manha, só me apetecia
ficar aconchegado na cama para deixar de cismar .
Eu tornava a examinar, sem parar, o pessimismo que nao saia da minha cabeça, perguntava
a mim proprio qual seria o meu novo sofrimento, se ia ser capaz de a enfrentar.aquela
sensaçao de sentir que a nossa vida esta suspensa por um fio que se pode romper a toda a
hora .
Entao, estimulava-me para nao ficar ainda mais deprimido.
A minha mãe voltou para Portugal no mês de Fevereiro, mais uma separação!
Como o restaurante não corria nada bem, o humor do patrão tornou-se cada vez mais
rabugento, como eu era o seu bode expiatorio, zombou de mim quanto pôde.
Começavamos a organizar jantares dançantes......sem sucesso, as pessoas nao se deslocaram
Seguido de uma sala de jogos, onde infelizmente fiquei sozinho à jogar horas inteiras só
para fazer algum barulho e fingir que havia muita gente no restaurante.
Eu achava piada aquilo por vezes nas minhas tristes noites. Bêbado jogava ao flipper pela
até de manha cedo, aquilo só incomodava o proprietário que dormia do outro lado da
parede e que nao parava de berrar « pouco barulho !», eu deixei-o berrar, só queria bater o
meu recorde da véspera.
E para terminar , sugerimos entregar as nossas próprias “ tartes crestadas“ num raio de dez
quilómetros, foi um mau plano! As quatro ou cinco encomendas que tinhamos para entregar
na direcçao oposta não nos enriqueceram especialmente quando descontamos a gasolina.
Depois de tentarmos tudo para endireitar a situação, tivemos que admitir que tínhamos
falhado redondamente.
Pelos vistos, os clientes nomeadamente os habitantes da aldeia nao estavam à vontade com
o facto de eu não perceber o Alsaciano ai está, « acertamos em cheio » era a única
explicaçao ! Não era preciso procurar mais, nós não éramos Alsacianos.
Eles não encaravam com os portuguêses nem com o patrão.
Naquela parvonia atrasada e racista eles não nos facilitavam a vida; eles só queriam que a
gente desaparecesse dali o mais depressa possivel, Eu certo que se nos tivéssemos aberto
uma casa com meninas, com uma pista de dança , os velhos todos da aldeia teriam corrido
em cadeiras de rodas ou de bengalas para fazerem mimar-se ; e se tivessemos feito algum
réclame, de certeza que as pessoas da cidade teriam aparecido, quando há pornografia
funciona sempre . Quando imagino a cena desato a rir de bom grado embora esteja
desesperado.
90
© copyright Emanuel de Castro 2008
No mês de Julho decidia regressar a Portugal com alguns amigos que tinham alugado um
caravana; guiei o meu carro pela estrada fora ; uma Ford oferecida por pessoas com coração
que infelizmente e tenho muita pena não fazem mais parte do meu circulo de amigos devido
a circunstâncias que eu não desvendarei, entretanto, volto a repetir, foram pessoas muito
importantes para mim e se a dada altura tive de pôr um termo à nossa amizade , é porque a
sobrevivência de um casal estava em jogo.
Sentimentos de dúvida ou incompreensão suspeitas podem muitas vezes mudar o rumo da
existência, contudo análises pertinentes e diálogos sensatos seriam suficientes para manter
boas relações com a família e os amigos. Deveriamos fazer tudo para conservar o mais
importante , a amizade e o amor ?
Em Portugal aproveitávamos todas as coisas boas que esse país nos podia oferecer :
Os bons ares, tomar banho, comida sã com produtos da terra e do mar.
A noite também era bastante alegre, apanhavamos valentes bebedeiras com copadas de
vinho do porto ou outra bebida, como sempre quando eu regressava à casa.
Devem achar que não era conveniente no meu estado, porêm se eu não descontraia, de vez
em quando, o que é que ficava nesta terra ?
Várias vezes as minhas imprudências tiveram graves repercussoes na minha saúde, como
aquelas diarreias (por falar nisso, nunca mais falei nelas ) que continuavam a afectar tanto a
minha vida.
Volto ao mesmo assunto! Cada vez que eu limpava o traseiro, até via estrelas. Se eu estou
sempre a falar no mesmo é para vos explicar até que ponto isso estragava o meu dia-a dia .
Estava eu a dizer que fazíamos a festa com a família e os amigos da Gafanha,a pequena
aldeia onde as minhas irmãs residiam.
Os jovens muito simpáticos e bastante abertos acolhiam-me sempre de braços abertos; ao
contrario de Guimarães a minha aldeia de origem, na qual, fora alguns membros da minha
família eu já não conhecia quase ninguém.Todos os meus colegas de antigamente já tinham
casado e já nao frequentavam os cafés.
A Gafanha da Encarnação, no verao a aldeia foi invadida por forasteiros principalmente por
Americanos que riam às gargalhadas na praia, parecia que estávamos nos USA.
Este sítio evoluiu muito nos anos noventa, estabeleceram-se alguns bares e restaurantes
típicos, muitas discotecas, com fama de serem originais;
Abertura à uma hora e meia - encerramento às oito horas. Depois de termos dançado toda a
noite toda, podíamos tomar o pequeno-almoço no salão de chã, tomar novamente o aperitivo
num café e recomeçar até dar a volta completa ao bairro, porém para uma pessoa doente
como eu não era fácil seguir o ritmo, para recuperar era mais dificil do que para os outros.
A mamã não gostava nada das minhas fugidas nocturnas, eu sabia que ela tinha razão,
todavia não conseguia impedir-me de ir ter com os colegas.
Durante a minha permanência em Portugal perdi novamente peso não pelo facto de novos
problemas de saúde se sobreporem aos antigos, mas a falta de apetite, que surgiu depois do
cansaço acumulado pelas diversas saídas, fez sumir os poucos quilos laboriosamente
recuperados ao logo do ano.
91
© copyright Emanuel de Castro 2008
Alias, quando chegamos à Gafanha, as minhas angústias desapareceram como por magia;
Senti-me protegido perto da minha mãe; eu procurava não abusar da sorte; os tratamentos
dispendidos no meu país não estavam muito apropriados a minha doença e para conseguir
rapatriar-me em França caso houvesse urgência precisava de uma boa segurança que eu era
incapaz de pagar.
Enfim naquele ano, em 1997 as férias foram bastante calmas.
Como acordava cedo para servir de guia e fazer o papel de intérprete aos meus amigos, que
não entendiam nem uma palavra de português, ficava com pouca força para fazer directas.
De volta à França; tive uma péssima surpresa. Durante a minha ausência o Jean-Paul e o
meu patrao fecharam o estabelecimento de vez; fiquei outra vez na rua sem apartamento
nem emprego.
Os meus bens pessoais, os fatos e o material de magia ficaram empilhados na garagem do
Jean-Paul. Eu senti-me alegre e assustado ao mesmo tempo, bastante satisfeito por esta
aventura terminar, e não precisar de lidar mais com o meu carrasco.
Paralelamente sentia-me angustiado por não ter mais um domicilio.
Mas eu perdoava-te, já nao estou magoado, de todas as maneiras desejo que fiques em paz ,
e que o resto da tua vida te traga felicidade.
Pois tirando aquilo tudo que eu tive que sofrer por tua causa, sei que existe uma parte em ti
que é boa, é pena que eu não a possa ter visto, tenho a certeza que também tinhas os teus
problemas. Ora, meu amigo, está tudo esquecido, nao falemos mais no assunto, cuida de ti !
O casal de amigos que tinha ido comigo para Portugal ofereceu-me amavelmente um
alojamento.
Achei que a ideia não era nada má, de qualquer forma era apenas uma etapa passageira eu
fazia contas de encontrar o mais depressa possível um emprego.
Com efeito; a minha inércia durou pouco . Passado pouco tempo o Jean-Paul arranjou-me
um lugar de barman na cervejaria dele.
Fiquei feliz, sempre achei que aquele lugar era simpático. Havia um bom contacto entre o
patrão e os empregados.
ele só era exigente num ponto, exigia performance, lembrem-se o Jean-Paul supervisionava
tudo, com a idade foi ficando cada vez mais exigente.
Não é nenhuma crítica o carácter intransigente dele ajudava-o a levar como queria a barca
dele. O negócio dele corria bem.
As coisas entravam novamente em ordem. O meu moral ficou mais optimista, finalmente,
conseguia ter uma vida normal. Infelizmente novas dificuldades esperavam por mim.
Passado três mêses depois de ter conseguido o emprego, apareceu-me uma flebite seguiramse outras duas. Perdi outro dente era sinal que o meu corpo ia enfraquecendo, enquanto eu
tentava encontrar uma solução para os meus problemas de saúde; recebi um telefonema que
me me avisava que um amigo meu morria com Sida.
O Fred, o meu amigo com quem eu trabalhei no bar dos aviadores e com o qual saia
regularmente. A Mónica gostava muito dele, eles conheciam-se, ele era um tipo porreiro.
Ele descobriram que ele tinha o Sida e morreu passado três mêses . Porquê tão de repente.
Meu Deus lá foi outro amigo, perguntava-me quando ia chegar a minha vez.
92
© copyright Emanuel de Castro 2008
Poucos dias depois, as minhas gengivas descarnaram-se e, os meus dentes caíram uns atrás
dos outros fiquei aterrado.
Cada vez que um dente caia ficava desesperado era como se perdesse um pedaço da minha
pessoa. Desatava a chorar gritando: « Meu Deus como é que eu vou ficar »; Sorrir; comer;
como ia conseguir subir ao palco, outra vez sem dentes. Um mágico sem dentes, nunca na
vida vou conseguir encontrar quem compre o meu espectáculo e o meu momo.
Um Pierrot sem dentes « já me imaginava no palco » para grande desespero das pessoas que
viravam costas gritando. « Meu Deus que horror»! a nivel psicologico o moral recebe um
choque.
Físicamente também ficamos desgastados embora continue a ser jovem, sem dentes; dãolhe logo dez anos a mais. Eu que tinha a mania de lavar os dentes quatro a cinco vezes ao
dia. Costumava ter um lindo sorriso aliás sempre tive um sorriso lindo.
A policlínica dentária de Estrasburgo preparou-me uma placa dentária para colocar dentes
falsos. Não era nada estético, será que ia suportar esta prótese, eu que vomitava com um
cabelo na boca. Não tinha dinheiro para pagar implantes, eles iam ajudar-me a revalorizarme, e iam passar praticamente despercebidos ; Atrás do meu bar eu esforçava-me para não
sorrir tanto, receava assustar a clientela.
A Liliane, a patroa aconselhou-me à consultar o seu médico era amigo da família.
Ele pediu-me para fazer uma análise sanguínea no hospital publico de Estrasburgo, era
necessário analisar os meus CD4.
Devem ignorar o significado deste termo médico; os CD4 são leucócites, sao os primeiros a
serem atacados pelo vírus do sida, e vai enfraquecendo progressivamente as defesas
imunitárias.
Quinze dias depois da análise ao sangue, o médico disse-me que os meus T4 estavam muito
baixos, tinha 10 T4 e que um individuo bem constituido costuma ter entre 500 e 1000 .
Fiquei a pensar como é que eu tinha conseguido escapar às outras doenças como o cancro da
pele ou dos pulmões. Com tão poucas reservas uma simples gripe podia ter-me levado desta
para melhor.
De facto, tinha realmente um anjo da guarda que me protegia. Os próprios médicos não
conseguiam acreditar. Eles já tinham visto casos de pessoas que tinham morrido com muitos
mais T4 do que eu, para eles eu era um miraculado.
Um tratamento de tritérapia foi colocado no lugar urgentemente; Eu nao ficava sossegado
ao pensar que toda a minha vida dependia desses medicamentos. Vinte e seis pílulas para
tomar, em duas doses, até ao fim da minha vida para deixar-me continuar essa luta
interminável, que calvário !
Já dava para imaginar os efeitos secundários : dores de estômago, problemas nos rins,
enxaquecas, e …. diarreias. Será que ainda tinha forças para ultrapassar isso tudo ?
« Manu; tu ainda não estas farto deste sofrimento todo ? Queres ser um cobaia, por
quanto tempo ainda? Será que ainda nao deste conta que és um objecto para as
experiências deles? Que estes tipos nao se importam com os teus sentimentos; com as
dores que porque passas, porque não lhes dizes para procurarem outra vítima pronta a
servir a sua belissima causa ? »
93
© copyright Emanuel de Castro 2008
Mas será que devia resignar-me. Só tinha 33 anos, só mais dois anos do que o meu pai
quando nos deixou . Apesar disso, a tuberculose pode-se curar sem problemas com
antibióticos . Porque é que ele não fez o que o médico lhe disse ? Podiamos ter aprendido a
conhecer-nos, teria tido a sorte de o ver envelhecer.
O péssimismo tomava outra vez conta de mim :
« Foi melhor assim Manu, os teus problemas de certeza que o teriam magoado, este
homem tão orgulhosoda sua descendência; poderia ele enfrentar todas essas verdades?»
Eu estava a passar pelo mesmo que o meu pai, mas a minha escolha era diferente. Era
necessario continuar a lutar, ainda tinha coisas para viver.Eu não podia abandonar a minha
família, a minha mãe se soubesse que eu tinha morrido nunca poderia sobreviver . Pedia
ajuda a Deus esperando que Ele me desse aquela energia que eu recebi quando rezei à Santa
Virgem de Fátima.
«Santa Maria, Suplico-vos não me abandoneis ! Dai-me a força suficiente para continuar
a minha vida, faça com que eu seja um modelo de coragem para os outros doentes;
Permita que eu possa mostrar-lhes que com um minimo de vontade e acompanhado da
vossa bondade, eles consigam enfrentar os seus problemas todos.
Meu Deus, Suplico-vos com toda a minha alma, ajudai-me !».
Tinha motivos para ficar preocupado, os efeitos secundários da triterapia nao demoraram a
aparecer, fiquei tao doente julguei que ia morrer.
Nos primeiros dias do tratamento, estava nas nuvéns , perda de memória, enjoos;
enxaquecas, os suores frios faziam parte do meu dia-a-dia.
Já nem conseguia dormir, passava a maior parte da noite na casa de banho, vomitava as
entranhas, vomitava sangue e para não variar continuava com essas diarreias que não me
davam descanso nenhum.
Não quiz que os meus amigos soubessem das minhas angústias, eles já me hospedavam
então porquê impôr-lhes as minhas lamentaçoes. Eu estava sozinho,tao só, ninguêm podia
ajudar-me !
Só havia uma saida para os meus problemas, precisava regressar a Estrasburgo a casa da
minha irmã Celeste. Em tempos, já tinhamos pensado neste caso,
ela dizia-me que nos momentos mais importantes, só podemos contar com a família. O s
Portuguêses sao muito unidos, eles ajudam-se uns aos outros e nunca abandonam um
familiar.
Era a melhor solução, pelo menos em casa dela não ia ficar sozinho, ela ia tomar conta de
mim e ficar com os meus sobrinhos não era mٌ á ideia.
Em casa da minha irmã fiquei muito mais sereno ; fiquei no quarto do Filipe, com vinte
anos já era um rapaz interessante . Passávamos as noites a ver televisão, a comentar a
actualidade, era bastante enriquecedor.
Ele tinha muita confiança em mim, pedia conselhos sobre assuntos que não podia abordar
com os pais dele.
94
© copyright Emanuel de Castro 2008
O apoio do meu sobrinho nao tinha preço. O José, o meu outro sobrinho visitava-me a cada
passo. Ele mais o Filipe fizeram tudo o que podiam para que eu pudesse esquecer a minha
doença . Quando era altura de tomar os medicamentos eles davam-me coragem, andor tio
Manu, é para o teu bem.
sabemos que é difícil mas queremos que fiques connosco ainda por mais tempo, és o nosso
tio preferido, não queremos perder-te tio.
« Obrigado, caros sobrinhos; pela vossa bondade, a vossa compreensão; conseguiram
várias vezes,fazer-me esquecer essa tritérapia difícil de engolir ….. Estou tao orgulhoso
de vocês; conseguem iluminar os meus dias tristes! »
Acredito que sem a minha família já não existiria, eles deram-me forças para continuar a
minha luta. Penso que as pessoas sós e abandonadas deixam-se morrer devem lembrar-se
de que vale continuar a viver ninguém tera saudades minhas.
Sigam o meu conselho se algum dia você tiver alguma doença grave; não fique só a cismar
na doença procure a sua família. Aceite a ajuda deles, a solidão é o pior que pode acontecer
nos momentos de dor.
Passados dois meses fiz outra análise. Os meus T4 tinham aumentado para 250, por isso
mesmo, o vírus manteve-se “ em estado de inércia “ retomei gosto pela vida.
Até tive vontade de recomeçar os meus espectáculos da magia, nessa altura, o médico
aconselhou-me a pôr-me em invalidez.
Quando ouvi aquela palavra fiquei aflito. Para mim invalidez significava infirmidade ou
seja a « incapacidade de se assumir completamente » .
Comecei a tratar dos complicados e intermináveis papéis administrativos.
Tentava levar uma vida sã, reduzir o alcool, as refeições e o sono a horas, e apesar de todos
os meus esforços, um abcesso no anus reconduziu-me ao hospital durante 5 dias.
Acabava de resolver o problema, passados dois meses ,tive uma recidiva, e fui operado sob
anestesia geral.
Nesse ano fui para Portugal. O Yves, um amigo de longa data que também morava em
Estrasburgo combinou que ia ter comigo, juntamente com o Thierry, um ex-aluno meu.
Não consegui fazer o papel de guia como era costume.
O Thierry dormiu em casa e como não tinhamos espaço suficiente, o Yves dormiu no hotel.
Só o facto de ter de o ir buscar de manha e de trazê-lo a noite já me cansava . Ir para a
discoteca, nem pensar ! Sei que eles gostariam que eu tivesse feito mais esforços, mas
infelizmente no meu estado era impossível.
Por isso , desculpem-me meus amigos se eu nao pude cumprir os meus deveres !
Fiquei preocupado ainda tinha que percorrer 2200 kilometros na volta. Nem sequer tinha
tido tempo de recuperar da ida .
Guiei o carro, num lugar inconfortável. Tive que fazer abstracção das minhas terriveis dores
e concentrar-me apenas na estrada. Não se esqueçam que eu não ia sozinho no carro. O meu
sobrinho Filipe e o Thierry precisavam regressar à Estrasburgo.
Tive que fazer uma paragem durante o trajecto por causa do sofrimento.
95
© copyright Emanuel de Castro 2008
Resolvi fazer uma visita à uns amigos que moravam na La Rochelle e aproveitava para
passar alguns dias com eles.
Com as baterias recarregadas o resto da viagem foi menos complicado.
No dia em que cheguei fui hospitalizado, outra vez , por causa de um abcesso no anus, nova
anestesia e colocaram-me um tubo de escoamento.
Ao fazer as contas, já tive que passar uma dezena de intervençoes todas ligadas ao mesmo
problema.
Quando sai consultei um angióloguo este quando me auscultou perguntou-me como é que
eu podia viver naquele estado. O meu ânus estava infectado, com as minhas diarreias
repetidas não era possivel curarem-me.
A única solução foi desviar a trajectória das fezes para permitir ao ânus cicatrizar da melhor
maneira. Eu ouvia com atenção aquilo que o médico me tentava explicar. Foi então que ele
me explicou que tinham que me colocar urgentemente uma estomia, ou melhor um ânus
artificial no minimo durante um ano.
Quase desmaiei quando ouvi aquilo, para mais prevenia-me que como eu andava frágil, a
operação era arriscada, podia morrer por causa do HIV.
Já me imaginava a caminhar com um saco de merda…. Na barriga.
As perguntas desfilavam a toda a pressa, na minha mente. Será que enquanto eu dormia
haviam riscos daquilo se desprender , será que aquilo ia explodir, como é que eu ia fazer
para conseguir esvaziar aquilo. Será que eu podia esconder aquilo debaixo da roupa.
Um pressentimento avisou-me que o meu sofrimento não terminava por ai.
Eu decidi precipitar as coisas e redigi uma carta a minha família caso a minha operação
corresse mal.
Queria testemunhar-lhes todo o meu amor e a minha gratidão por tudo aquilo que me
tinham dado nestes anos todos.
Tentava encorajar as minhas irmãs e os meus cunhados a tomarem conta da nossa mãe,
chorei tanto nesse dia.
« Oh! Meu Deus custa tanto sofrer ! »
A família inteira ficou reunida a minha volta para me consolar. Quando lhes li a minha carta
consegui ver nos rostos deles uma grande comoção, até o meu cunhado que nunca chorava
tinha dificuldades para conseguir reter as lágrimas .
Naquela noite nao consegui dormir parecia que eram os ultimos instantes da minha vida.
Deixei a casa com um medo terrível no estómago perguntava a mim mesmo se teria a sorte
de voltar a casa.
Quando cheguei à clínica tomaram imediatamente conta de mim, com as análises ao HIV e
os electrocardiogramas isso não me deixava muito tempo para me lastimar sobre o meu
destino.
96
© copyright Emanuel de Castro 2008
O cirurgião anunciou-me que a operação iria ocorrer entre as nove e as dez horas da manha
do dia seguinte. No quarto sentia-me tão só. A minha vida desfilava na minha mente. Os
meus erros, tinha consciência que também tinha feito boas acções e rezava para que estas
me ajudassem a ganhar o céu; rogava à Deus com toda as minhas forças.
« Senhor, seja feita a tua vontade, a minha vida de hora em diante pertence-Te.
Posso pedir-te na Tua imensa bondade para assistir o cirurgiãoao longo da operação, e
conceder-me mais algum tempo de vida junto dos meus ?.
« Meu Deus ficar-Te -ei grato eternamente »
As nove e trinta como previsto eu estava deitado na mesa das operaçoes. Aquele produto
que o anestesista me injectou fez efeito rapidamente .
Enquanto permaneci inconsciente vi o famoso túnel branco diante de mim, senti um
impulso que me impelia a avançar para poder alcançar aquela luz que me cegava a vista, de
tão resplandescente que era.
Sentia-me tão bem portanto sabia que depois de ter percorrido aquele longo corredor até ao
fim, não podia voltar atrás.
Lutei convencido que a minha hora ainda nao tinha chegado.
Quando acordei senti o corpo tenso e tiritava de frio.
Uma enfermeira sorriu para mim e garantiu -me que tudo tinha corrido bem .
Mentira ! Estive entre a vida e a morte, o túnel branco era a passagem para o outro mundo.
A minha volta só haviam tubos e máquinas saía lentamente do infinito para regressar à crua
realidade. A morfina que me administraram não era suficiente para me aliviar das dores.
Nessa altura, senti umas dores violentas.
Quando voltei a mim, a primeira coisa que eu lembrei foi de me palpar para ver se eles
tinham colocado a bolsa .
Com efeito, estava mesmo lá, também tinha uma sonda no meu pénis e outra na boca; Nao
percebi a utilidade de todo este equipamento.
A minha família tentava saber algo sobre o meu estado, ficaram descansados assim que
souberam que a intervenção tinha corrido bem.
A enfermeira só deixava entrar duas pessoas de cada vez. A intenção era boa ela queria que
eu descansasse.
Ela disse-lhes para porem luvas, uma máscara e uma blusa para evitar ser contaminado por
micróbios .
Mal olhava para eles desatava a chorar fui incapaz de conversar com eles tentava fazer-me
compreender com gestos.
As minhas irmãs seguraram-me a mão e diziam :
« Vais correr tudo bem ; Manu; nos amamos-te »
E estas palavras penetraram directamente no meu coração.
97
© copyright Emanuel de Castro 2008
Obrigada, irmas adoradas pela vossa presença, a vossa ajuda nestes momentos difíceis, eu
amo-vos com todo o meu coração.
Que consolaçao quando estamos bem rodeados,só faltava a mamã. Precisava tanto da
presença dela ao meu lado.
Passados cinco dias na sala de reanimação voltei para o meu quarto, continuavam a dar-me
morfina. Um kinésiterapeuta vinha ver-me todos os dias, estava encarregado de me
remuscular pois tinha perdido muitos kilos.
Assim que a enfermeira retirou o penso da estómata, não consegui desviar os olhos daquele
buraco , no meio do abdómen que horror. Aquilo era repugnante, um sentimento de nojo
invadiu-me nunca tinha visto algo tão horrendo.
Ia ser tao difícil conseguir aceitar que de hora em diante aquilo faria parte da minha pessoa.
Adivinhando o que eu estava a pensar, ela procurava reconfortar-me;
« Ora, tente acalmar-se! Não é nenhuma catástrofe! Nem o fim do mundo. Há tantas
pessoas que já passaram pela mesma intervenção que você, e estao bem »
« Mas, nunca se esqueça que existem regras básicas de higiéne a respeitar »
Senti-me desamparado e impotente exactamente como um miúdo a quem se ensina a limpar
o traseiro pela primeira vez;
Foi difícil aceitar que dai para a frente, os excrementos iam sair atraves dum orificio na
barriga. Depois de ter passado 34 anos a fazer aquilo de maneira natural.
Tive de aceitar a realidade, de uma vez por todas, a minha vida estava a mudar, nunca mais
ia ser o mesmo.
A vontade do mundo nao era suficiente, eu nao me sentia capaz de fazer aquilo.
Quando a enfermeira fazia os curativos eu fechava os olhos, recusando aprender os gestos
primordiais : desprender e esvaziar o meu saco, limpar a sujudade do orifício, pôr o saco
outra vez .
Pensava a cada passo, nos homens casados e estomizados , que tinham de dormir com a
mulher, a mesma cama . Deviam ficar inseguros ao tentar honrar a companheira, com receio
de enfrentar o olhar delas.
Tambêm pensava nas mulheres, coitadas. Elas tambêm precisavam de ter coragem para
conseguirem passar o resto da vida delas com um homem afectado com esse tipo de
infirmidade. Imaginava no momento de copularem e felicitava a Mónica por ela se ter
lembrado de acabar com a nossa relaçao antes da intervençao.
Nao queria que ela me visse nesse estado de declinio fisico .
Passados 20 dias no hospital, a balança indicou menos 10 quilos. Eu era um esqueleto
ambulante !
Tinha dores nos ossos , nao conseguia segurar-me nas pernas.
98
© copyright Emanuel de Castro 2008
A minha irmã veio por mim para me levar para casa ,deram -me uma grande surpresa . A
mamã tinha chegado ! Ela chegou no dia 18 de Outubro, no dia dos meus 34 anos ;
Nao tenho palavras que possam descrever a minha felicidade ao vê-la .Ora a rir ora a chorar,
ela disse.
« Estou ao teu lado, meu filho; nao chores mais, não te preocupes, em breve vais
levantar-te ”.
Eu respondi com tristeza.
« Mas, olha para mim mamã, já viste no que eu me tornei ? Ainda consegues reconhecer
o teu filho?»
« E claro que sim, acrescentou ela, para mim seras sempre o mesmo : Meu pequeno
Nelinho, meu filho eu amo-te ! »
Nelinho! Sabia tão bem ouvir aquele nome sair da boca dela, de novo , voltava a ser a
criança que ela amava.
Estar com a minha mãe era a prenda mais bonita que as minhas irmãs podiam oferecer-me
pelo meu anos.
Fiquei feliz por ela tomar conta de mim durante a minha convalescença.
Nao há nada mais forte que o amor de uma mãe. A minha mãe é tudo para mim, é a pessoa
que eu mais amo neste mundo, apesar disso garanto-vos que já cortei o cordão umbilical há
muitos anos atrás, inteiramente talvez nao, mas o meu amor por ela é tao intenso . Mas, isto
tudo é natural ! Ela é a minha mãe ! ».
Ela cuidou muito bem de mim, de manha a noite, ocupava-se de tudo, das refeições, da
minha toilette. Era ela quem limpava a minha bolsa quando a enfermeira estava ausente.
Eu sentia-me embaraçado por ela se ocupar dessa tarefa.
Aquilo não a incomodava, o meu orifício no abdómen nao a impressionava sequer. Uma
mãe afinal é capaz de tudo, por amor ao filho .
Aos poucos e poucos, comecei a habituar-me ao meu ânus artificial, por conseguinte, nao
parava de pensar : Como namorar com um saco preso na barriga ?
fazer desporto, como ?e natação
A mamã passou três meses em França depois decidiu voltar para Portugal. Eu próprio era
quem fazia os meus curativos, toilette, pôr do saco etc...
Só uma coisa me incomodava, era o mau cheiro que provinha daquele sítio.
E claro que a minha bolsa dá cabo da minha vida, muitas vezes as coisas não correm como
queriamos. Quantas vez acordei num charco de merda, porque a bolsa soltara-se. Quantas
vezes tive que ir mais cedo para casa nas noitadas porque a bolsa se tinha desprendido e as
rupturas não tem fim.
99
© copyright Emanuel de Castro 2008
No comboio, no autocarro, no metro, no carro ;……. Nessas alturas mais vale ter uma
sobressolente , infelizmente isso é raro, pois tudo pode acontecer e quando lhes acontece,
garanto-lhes que se sentem mal, só temos que fazer uma coisa , mudar de roupa.
Já cheguei a mudar-me nas posições todas, como um contorcionista :
no carro; na casa de banho; no comboio- não é nada fácil – especialmente em movimento,
até na natureza.
E claro, nessa ocasiao não devem passar ao meu lado, nunca conseguirao aguentar o cheiro
que emana dali. Imaginem que soltaram um peido, já mete nojo, entao 1000 peidos
libertados de uma só vez . Comparada com isso Hiroshima não é nada !
10 anos apos o meu estomato, a minha família, os meus próximos, ainda nao somos capazes
de suportar esse cheiro imundo ; Este é de tal forma persistente que dá a sensação de que
estamos diante de uma fossa de nitreira .
Até hoje ainda não encontrei nenhum produto que pudesse dissimular o cheiro e, no entanto
já experimentei as marcas todas de bombas desodorizantes que existem no mercado. Mesmo
se a cada passo, tenho direito a comentários do estilo :
« Meu Deus. Manu, cheira tão mal! »
Tenho pena de lhes impor estes cheiros, por vezes pergunto-me como é que eles tem tanta
coragem para viver ao meu lado. Eles sao obrigados a ter de me suportar com as minhas
doenças e, como se isso nao bastasse, eu contamino-os.
Digo-lhes já que tenho um cunhado fora de série . Em 8 anos ele nunca se queixou uma só
vez , Alias, considero que durante todo este tempo, conversamos raras vezes de homem para
homem. Gostaria tanto que ter uma relação diferente com ele, ir ao futebol ou ao cinema,
beber um copo ou conversar simplesmente.
As nossas conversas resumem-se a :« Olá » de manha e «Olá» pela noite, e apesar disso, sei
que ele gosta de mim . Já me disseram que ele exaltava a minha coragem no café, e quando
chega a casa, fecha-se, faz de conta que eu não existo :
« És tão estranho Manuel nao consigo entender-te . Aprendi a conhecer-te com o tempo.
Acho que és um resmungão com um coração de ouro . E pena que não consigas abrir-te
mais um pouco.
Meti-me na vossa vida de casal e muitas vezes tenho a sensaçao de ser um parasita.
E por este motivo que eu fico isolado à noite deixando-vos a sós.
Prefiro tomar as minhas refeições no meu quarto para que vocês se reencontrem, não
tenho que partilhar a vossa intimidade.
Preciso que saibas desde já Manuel, não me podia calhar melhor cunhado ; o resto da
minha vida não chega para testemunhar-te toda a minha gratidão. »
Já agora mando uma pequena mensagem para a minha irmã celeste;
« Minha cara irmã o meu coração transborda de amor por ti ; Nunca te disse isto antes
por vergonha ou simplesmente porque essas coisas são mais fáceis de escrever.
A tua delicadeza, a tua indulgência e a tua bondade foram um motor para mim, dão-me
força para viver!
És tão dedicada as vezes demais; as vezes, sinto-me obrigado a ser duro contigo pois
preocupo-me com a tua saúde tão preciosa quanto a minha, ou mais ainda.
100
© copyright Emanuel de Castro 2008
Não quero que te aconteça nenhuma infelicidade, eu não iria suportar o facto de te
perder, tu muito menos que as minhas outras irmãs!
Tu és o meu equilíbrio, a minha razão de viver, só tu consegues substituir a mamã
quando ela não está, a ausência dela pesa-me.
Espero que nunca venhas a sofrer; não mereces sofrer. Minha cara Celeste, sem ti eu
não sou nada por isso peço desculpas pelas minhas bicada, não são dirigidas
pessoalmente à tua pessoa ; é a minha maneira de evacuar todo o sofrimento que guardo
em mim.
Ninguém é perfeito ! Com todos a minhas vivências, eu muito menos que os outros.
Já tiveste mil razoes de me mandar embora, pelo contrário continuaste a dar-me apoio,
nunca te esquecerei. Só desejo uma coisa, minha adorada irma, poder coabitar ao teu
lado, por muito tempo .
Prometo de hora em diante, farei tudo para controlar os meus nervos, para que não
percas o teu delicioso sorriso, minha irmã Celeste, amo-te ternamente.
Esta é para ti, Mina
Obrigada por tudo, estás sempre ao meu lado quando me sinto mal. És a mais robusta das
irmãs. Nunca conseguirei agradecer-te pelo amor que me dás. Amo-te minha irmã, desejo
que vivas a vida à fundo, faz o que te apetece, Mimi; penso em ti; ok.
E tu Emília, a minha irmã mais nova, és mais velha que eu dois anos mas, para mim és a
minha irmãzita. Também ficaste ao meu lado para tudo até para mais, mimas-me com o
teu amor, com a tua amabilidade, gostas de me ver feliz quando me dás prendas,
preocupas-te comigo, gostaria de ver-te mais feliz, mais alegre !!!
Amo-vos as três ; Amo-vos de verdade.
« António; tu o meu irmão, só tenho pena de uma coisa, nunca procuras ter novidades
minhas, saber se estou bem ou mal.
Moramos apenas a alguns quilómetros um do outro, e só te vejo, de dois em dois anos em
Portugal.
Nunca nos telefonas; nem à mamã; nem pelas festas; nem quando ela faz anos ; nem
pelo Natal e muito menos no Ano Novo. Não consigo entender-te, é o mesmo sangue que
corre nas nossas veias.
O que se passou dentro de ti e no teu coração? a gente mal se conhece e, no entanto,
amo-te. Quando nos cruzamos na rua, fico feliz ao ver que tens saude . Quanto à tua
escolha, meu irmão, será que nao és influenciado por outra pessoa, ou pela tua mulher ?
Mas o homem e o chefe da família és tu? Será que tens medo dela? »
A minha história podia acabar aqui.
As diarreias, a doença de Crohn, as fraldas , as horas passadas nas casas de banho tudo isso
já ia a tanto tempo. Julguei que uma vez que me implantassem o estómata, os meus
problemas iam acabar.
Acreditem! Enganei-me. Um mês mais tarde, apareceu-me outro abcesso no mesmo local .
101
© copyright Emanuel de Castro 2008
O médico hospitalizou-me novamente, acordar de manha tornou-se cada vez mais difícil,
talvez por causa da anestesia .
Não admira, ainda não tinha eliminado o produto da intervenção anterior que já me
injectavam de novo esse veneno sujo.
Dessa vez, o cirurgião decidiu fazer uma biopsia da zona infectada. Mais tarde , descobriu
que eu tinha um Cancro no ânus.
Não conseguia entender porquê que ele não tinha feito análises primeiro, ter-me-ia evitado
estas recidivas todas.
Oh meu Deus! Por favor, outro nao! Mais um cancro porquê, porquê ? Já sofri tanto, porquê
tanto sofrimento . Diga-me, Senhor?
Aflito, telefonei imediatamente as minhas irmãs, eu pedi-lhes para dar um salto, o mais
rápido possível.
Quando elas souberam a terrível noticia ficaram aterradas. O médico explicou-me as étapas
todas que eu ia ter que passar, comecei uma radioterapia para eliminar as metástases. Sabia
que ia ser complicado, por causa do sítio onde o cancro se tinha declarado.
Na primeira sessão consultei um radiólogo ainda me faltavam mais 30 . Ficou muito sério e
disse-me que eu corria o risco de ser estéril.
Deu-me vontade de rir, a notícia era tão absurda, eu já não tinha relações há tantos anos.
Para outro homem, o facto de não poder procriar yeria sido dramático. No meu caso, já
sabia que não podia ter filhos. Por esse motivo, a esterilidade nao foi uma preocupação. Ia à
clinica duas vezes por semana, para as sessões de radioterapia.
Fui sempre sozinho, sem ninguém para me acompanhar. Precisava tanto da presença de
alguém, alguém que me apoiasse. Mas, eu não queria incomodar a minha família, nao queria
que eles perdessem o emprego por minha causa, Não, não podia fazer isso. Os doentes todos
iam acompanhados com pessoas que conheciam, eu levava a minha própria sombra comigo,
não tinha ninguém que me desse a mão, ninguém sorria para mim, nem um pequeno sorriso.
Precisava de alguém que me apoiasse, só isto já tinha valor aos meus olhos.
Fiquei farto de esperar aquelas horas todas, pela minha vez, olhava à minha volta, nunca
imaginei que haviam tantas pessoas vítimas dessa doença tão vil. Era assustador, pessoas de
todas as idades esperavam calmamente num ambiente fúnebre que me arrepiava todo.
Eram todos muito sossegados, conversavam pouco. Porquê desabafar, falar dos seus
problemas, depois de saber perfeitamente que os outros pacientes estavam ali pelo mesma
razao.
Quando o médico chamou por mim, mandou-me tirar a roupa, e apresentar-me nu, parecia
uma minhoca diante dos médicos. A maior parte das vezes eram internos, passou-se a
mesma coisa quando tive o Sida, inspeccionaram-me da cabeça aos pés, eles pareciam que
estavam diante de uma espécie rara em extinção. Antes, nunca teria ficado embaraçado mas,
hoje em dia, com a minha bolsa de merda senti-me completamente diminuido.
Concerteza, não era a primeiro vez que eles viam um caso como o meu. Porém, isso não
me interessava tratava-se da minha pessoa e do meu orgulho, da minha dignidade. Tinha de
pô-la de lado, trancá-la no armário, onde se muda a roupa, o que não é fácil quando somos
um ser humano.
102
© copyright Emanuel de Castro 2008
As 10 primeiras sessões passaram-se normalmente. A partir da 11 °, o raio posicionado
constantemente no meu ânus, para melhor localizar a zona infectada começou a queimar-me
a pele. Podia cheirar-se a cada instante, um cheiro à carne chamuscada como quando se
tiram as penas à galinha…..
Serrava os maxilares, a dor era atroz, só queria que aquilo acabasse . Contava os minutos
que passavam e quando o médico desactivou o lazer, disse-me:
« Acabou Sr. Castro, é menos uma »
Ao fim das 30 sessões, o meu ânus ficou completamente queimado, não era nenhuma
trajédia, de qualquer forma, eu não queria pavonear-me com o rabo ao léu, num campo de
nudistas. Imagino que com o meu traseiro queimado, e o meu saco de merda suspenso a
minha barriga teria assustado os naturistas todos. Se tiverem vontade de ficar sozinhos num
canto da praia longe dos olhares dos veraneantes, chamem por mim, acreditem, quando me
virem nu, passado cinco minutos fica tudo deserto à minha volta.
Ia frequentemente à clínica para fazer controlos, todas as partes queimadas começaram a
cicatrizar regularmente. Enfim, nao tive sarilhos, foi um obstáculo à menos, até quando?
Agradeço o serviço de radioterapia, apreciei muito a competência e a bondade do serviço
médico. Embora tenha simpatizado com eles, queria vê-los longe.
Pouco tempo depois, apercebi-me que o meu estómato tinha mudado de aspecto .
Apareceram crostas e em certos sítios, haviam feridas abertas.
As bolsas já nao estavam adapatadas ao diâmetro do orifício, cada vez que eu tomava duche
ou quando eu limpava a bolsa, tinha dores insuportáveis, deparei-me com um novo
problema .
Ninguém me avisou que alguns mêses depois da intervenção, o estómato ia modificar e,
isto, dependia das flutuações do peso. Como eu engordei alguns quilos essa mudança devia
ser natural.
Devia ter pensado em medir o meu estómato para adaptar o diâmetro interior do protector
cutâneo em função da forma e da altura.
Isto é a prova que nos hospitais andamos muito mal informados até em França. aconteceu o
mesmo com a dilatação ; Um estomaterapeuta disse-me mais tarde que era necessário dilatálo uma vez por ano, por causa que o orifício tinha tendência a fechar-se.
Os estomatizados nunca devem esquecer essas regras, caso contrário, em caso de obstrução
podem morrer.
Praticamente foi aquilo que me aconteceu. A minha última dilatação data do mês de Junho
de 2005, deram-me anestesia geral aliás, aconteceu a mesma coisa das outras vezes, pois já
vou na minha 23° pequena ou grande operação. Quando me lembro que na altura, o
cirurgião me avisou que eu ia precisar da bolsa durante pelo menos, um ano.
A cada intervenção ficava angustiado, a última marcou-me bastante, o cirurgião fez uma
biopsia e detectou um Cancro no meu estómato, tive que ser operado novamente para
eliminar as metástases.
Fiquei traumatizado quando descobri a horrível cicatriz na minha barriga creio que um
agricultor teria sido mais meticuloso ao abrir a barriga de um porco. A minha barriga se é
103
© copyright Emanuel de Castro 2008
que ainda se pode chamar assim ficou aberta de uma ponta a outra, enormes pontos de
sutura seguravam, como podiam os meus pedaços de carne.
Fiquei furioso, zanguei-me com o cirurgião, realmente foi um trabalho mal feito.
Depois fiquei resignado, imaginei que se eu me encontrava naquele estado devia ser pelo
facto de ele ter coçado demasiado para eliminar as metástases. O aspecto estéctico é
secundário, o essencial era acabar com o Cancro. As cicatrizes com o tempo foram
desaparecendo.
Ao todo precisei de 5 meses, até ficar com uma barriga com aspecto mais normal.
Nao parava de cismar, quando é que os meus problemas iam terminar. Porque é que eu tinha
tantos obstáculos para enfrentar nesta vida .
Deprimido, e cansado precisava descnsar, queria tanto que Deus Nosso Senhor me
concedesse pelo menos viver 3 anos , sem precisar de ser operado .
Ia ser o mais feliz dos homens.
Infelizmente Ele não ouviu as minhas preçes, os sarilhos continuaram. Fiz gengivites, à
repetiçao, em seguida tive uma oclusão intestinal, fiquei três mêses sob cortisona. Imaginem
o estado da minha cabeça passados três meses, fiquei tao inchado, parecia uma mula.
Se eu tivesse contado as horas que passei no hospital, nos ultimos 8 anos e creio que ainda
nao acabou, só ficarei em paz na hora da morte. Que vida de m.....!
Com tudo aquilo que eu cagei na minha vida podia ter enchido uma piscina olímpica.
Não, não suporto essa ideia, Manu, tens que continuar a lutar, lembra-te que és um modelo
de coragem para milhares de pessoas, não podes baixar os braços.
Há já algum tempo que o meu estado estabilizou. Os resultados ao HIV estão correctos
apesar dos meus T4 aumentarem e baixarem constantemente, a nivel geral ando bem, não
detectaram mais nenhum vírus nem Cancro.
A cada exame sanguíneo tenho sempre medo, fico à espera dos resultados com o medo na
barriga. Quando as notícias sao boas, fico com um sentimento de alívio e felicidade e
apetece-me continuar a lutar.
No serviço médico A do Hospital de Estrasburgo, o pessoal da recepção é bastante
simpático e, reconheço que o trabalho deles não é fácil. Estao confrontados dia a dia com a
miséria humana e com indivíduos que nao respeitam ninguêm, tratam-nos muitas vezes de
pestiferados.
Eles continuam sorridentes e simpáticos, e fazem tudo para ajudar os doentes.
As enfermeiras também são simpáticas, agradeço-lhes imenso, sem elas e sem o meu
médico já não andaria por cá.
Volto a lembrar a essas monstruosas pessoas que as agridem que, a doença deles seja ela,
qual fôr, não lhes dá direito de ofender o próximo.
Penso que escolhi o médico mais competente e simpático do serviço, o doutor Hess-Kempf
não digo o nome dela, é uma mulher linda que tem mais ou menos a minha idade e está
sempre disponível para me ouvir.
Ela é de uma bondade extrema, com um humor sempre igual, sinto-me bastante à vontade
com ela. E uma alegria ter uma tão grande cumplicidade com o próprio médico.
104
© copyright Emanuel de Castro 2008
Posso confiar-lhe os meus problemas, as minhas preocupações, ela também já me fez muitas
confidências, também já se abriu comigo apesar disso tudo, ela também tem os seus
problemas. Gosto muito dela e não queria nem por nada mudar de terapeuta.
Torno a falar nesses pacientes que passam a vida a queixarem-se para ser franco não os
entendo; Em França, a medicina é uma das melhores do mundo, a nossa cobertura social é
sem duvida a melhor do mundo, superior à maior parte dos outros países até nos próprios
USA, eles não tem as mesmas vantagêns que a gente, e acreditem estou bem informado uma
parte da minha família e amigos vivem lá. Sem dinheiro não há tratamento, tudo se paga, o
seguro da doença é exorbitante, os hospitais aceitam-nos, de outra forma morrem.
Em Portugal, a menos de duas horas de avião da França, a medicina é bastante diferente de
todas os outros países da Europa, é mais ou menos como nos Estados Unidos, se não
tiverem dinheiro nao o tratam , nao imaginam sequer em que condições, o seu nome fica na
lista de espera, a espera de ser admitido no hospital.
O prazo é tão longo que, entretanto pode morrer, é horrível o dinheiro dirige o mundo se
tiver algum consegue um quarto em 24 horas, se fôr pobre infelicidade sua , será que é
necessário nascer rico para ter direito a viver ?
Esses médicos, sao um bando de ladrões, não admira que andem com Audis ou Mercedes.
Aqui os médicos andam com um Renault Clio muito velho, e por vezes vao a pé.
Por esse motivo, eu certifico-me que tudo está em ordem antes de voltar para o meu país, ao
mínima alerta, regressaria à França pois não gostaria de ser hospitalizado lá. Oh não!
Quase encurtei as minhas férias por mais de uma vez, mas felizmente as coisas
recompuseram-se logo a seguir.
No meu país é fácil encontrar parceiros sexuais, certas pessoas quando estao bêbadas
perdem completamente a cabeça , depois é só escolher. Já fui convidado mas nao me senti à
vontade, receava que descobrissem o meu estómato. Por essa razao, recuso
sistematicamente qualquer relação, não é por isso que fico frustrado de viver . Já não tenho
relações sexuais há já pelo menos 12 anos.
Eu que andava completamente obcecado com isso, eu o animal do sexo. Já foi há tantos
anos só me ficam as recordações, mas aos poucos e poucos, isso tudo desaparece da minha
memória.
Depois da minha operação e já primeiro, muitas coisas modificaram.
A abstinência não é fácil porque eu também tenho, como a maior parte dos homens
impulsos e necessidades felizmente a masturbação acalma os ardores.
Fico consolado, quando vejo que ainda consigo agradar apesar de tudo o que eu passei ainda
me acham um rapaz atraente fico deslumbrado e aceito o elogio. Não pensem que me sobe a
cabeça, representa um pequeno estimulo a nivel moral, ajuda-me a enfrentar melhor a
doença.
Todos os factores positivos sao benéficos, gosto de valorizar a minha aparência, é muito
importante para mim tenho o sentimento de estar em pé de igualdade com o resto da gente
masculina.
105
© copyright Emanuel de Castro 2008
Gostaria de conseguir ultrapassar o passo esquecer estes estómatos ? Acabar com o meu
orgulho e encontrar alguém capaz de me amar apesar de todas os meus defeitos.
O meu médico aconselhou-me a ter uma relação, seria essencial para a minha felicidade.
Tenho de aceitar que sou demasiado novo para viver como esses monges do mosteiro de
Shaolin formados unicamente nas técnicas do kung- fu e de meditação.
Ensinaram-lhes a empalidecer quando ouvissem falar no tigre não é do animal que eu quero
falar, falo dos adeptos do kung-fu, sabem que o tigre é um eufemismo para os budistas que
designa a mulher.
Apesar de ter uma paixão por essa grande arte não procuro fugir ao tigre como os meus
irmãos seculares de Shaolin, que tenho a certeza que preferiam acabar com o celibato, se
tivessem escolha .
E que é fácil tomar uma decisão destas, é preciso dar tempo ao tempo, penso que virá o dia,
antes de me tornar um velho corcunda, nessa altura deixarei todos os meus preconceitos
quando o momento propicio chegar, a frustração acumulada ao longo destes anos todos, não
irá provocará nenhum descarrilamento passional.
Faço um pedido, se está interessada, o meu coração está livre. Tenho um físico bastante
atraente, para mais o botox esse produto milagroso eliminou os estigmas da minha doença.
Rejuvenesci pelo menos 10 anos, foi uma iniciativa maravilhosa por parte do meu médico
que achou que as minhas faces estavam cavadas.
O resultado é surpreendente, agora pareço um jovem , isto sem exagerar, antes do
tratamento já me davam menos idade.
Sem dúvida que tenho um comportamento narcísico, e então qual o problema em querermos
sentir-nos bem na nossa pele, é a primeira vez já há muito.
O ano passado o meu sobrinho, o José Miguel casou com uma linda jovem chamada Lúcia
Tive a honra de ser escolhido como testemunha. O casamento foi sublime, o meu sobrinho
estava lindíssimo no seu smoking e a mulher, um espéctaculo no seu lindo vestido branco .
Apercebi-me que os anos passaram à uma velocidade louca, ainda me lembro de ele nascer
e agora estava casado.
Fiquei triste quando ele foi embora ,era como se tivesse perdido um ser muito caro.
Sei que ele não está muito longe, que hei-de voltar à vê-lo, é consoante a sua
disponibilidade, mas partilhamos tanta coisa juntos. Ele apoiou-me nas étapas todas da
minha doença, nunca esquecerei. Dei-lhe muito carinho, aquilo que eu nunca poderia dar ao
meu próprio filho. Para ele eu era como um segundo pai . A casa ficou tão vazia quando o
Filipe e o José partiram para viverem a sua vida .
« José Miguel se tu soubesses como sinto a tua falta, nunca esqueças estou sempre ao teu
lado, tu tambêm estiveste ao meu lado . Desejo-te tudo de bom ao lado da Lúcia »
Tambêm nao me esqueço da minha sobrinha Sandra :
106
© copyright Emanuel de Castro 2008
« Eu sei, minha querida que a tua vida não foi fácil . Procuravas desesperadamente a
alma gémea, eu sei que isso te fazia sofrer e, como eu me encontrava na mesma situação,
quem podia entender-te melhor do que eu ? eu encontrei-a, mas ela desapareceu;
Lembro-me que quando eras pequenina, eu ficava derretido quando balbuciavas « Tio
manu ».
Não esqueças os teus pais? Eles ajudaram-te muito, e pensa no tio Manu, de vez em
quando, mesmo se eu era duro contigo quando tinha bebido demasiado.
Podes contar comigo, minha cara Sandra, quando tiveres algum problema na tua vida,
lembra-te do tio Manu, ele está sempre ao teu lado » .
Sou o tio mais babado da terra, os meus sobrinhos e sobrinhas tem personalidades tao
diferentes, apesar disso, eles teêm uma coisa em comum : a alma generosa.
« Filipa, Joana, Marina, Elisabeth e Jessica vocês são um espectáculo.
Obrigada pelo amor que me deram, sei que durante a adolescência, preferimos fazer
outras coisas do que partilhar os dias com um tio doente.
Vocês cuidavam sempre de mim, sem vocês ao meu lado o fardo teria sido muito mais
pesado.
Estou orgulhoso de vocês, agora são adultos responsáveis e equilibrados e serao capazes
de enfrentar os problemas da vida.
O ano de 2006 foi para mim um ano forte em emoções, eu estava a navegar na internet com
um colega quando travei conhecimento com um amigo de Montpellier, no sul da França o
André. Enquanto eu passava as minhas noites no meu quartinho que já ocupava há 10 anos,
travamos uma grande amizade, graças à webcam podíamos ver-nos, falar de tudo e mais
alguma coisa.
Disse-lhe aquilo que eu tinha, ele também confessou que era seropositivo e que vivia
sozinho. Durante mais de 2 meses assistimos ao nosso próprio episódio da noite das 23
horas até às duas da manhã.
Decidimos encontrar-nos após uma curta estadia no esqui, só para ficarmos mais corados.
O nosso encontro foi muito lindo e emocionante, ele estava à minha espera na estação de
Montpellier todo janota e sorridente, foi mágico. Conheci finalmente o meu futuro
companheiro, depois de termos passado 15 dias juntos à contar as nossas vidas e a tentar
conhecer-nos. Descobri que o André era um rapaz meigo, delicado e sensível ?
Ele aceitava-me aquilo que eu era, e para mim era muito importante.
Nunca pensei encontrar alguêm capaz de se interessar por mim e amar-me apesar da minha
enfermidade, da minha bolsa, da minha prótese, o meu vírus. Finalmente encontrei um bom
rapaz. Não! Tenho muita pena, nao é uma mulher, mas pouco importa.
Sentia-me feliz e bem na minha pele.
Os 10 anos de solidão passados num quarto sozinho com a Net e a televisão como
passatempos deixaram-me algumas sequelas, mas, a partir de agora, nunca mais fico
sozinho.
Vocês que estão sós, que se sentem mal consigo próprios, os vossos defeitos nao tem
importância. Haverá sempre alguém perto de si, mesmo que vocês sejam do mesmo sexo . Para mim o sexo é secundário . Já passei essa fase, só procuro ser feliz, não viver sozinho
107
© copyright Emanuel de Castro 2008
como um ermita. Quando somos dois, sabe melhor rir, chorar, comer, dividir, é
maravilhoso. Mesmo se as pessoas dizem « oh! dois homens juntos » deixai-os falar.
Finalmente compreendi que o ” diz que disse “ é-me indiferente. Amo o André à minha
maneira. Amo a minha família, a minha mãe, os meus amigos, e tu, André também te amo
como um amigo.
E isso o amor e a amizade entre duas pessoas que se respeitam. A família é algo de
fantástico, é uma coisa boa.
Estão perto da gente quando precisamos deles, e vice-versa. Mas a família não é tudo,
pensem em vocês e na vossa felicidade, pois merecem-na.
O André deixou a linda cidade de Montpellier e instalou-se comigo num apartamento não
muito retirado do Centro de Estrasburgo. Para ele não foi nada fácil deixar a linda cidade
natal do sul, todavia, quando há amizade, é possivel deixar tudo e mais alguma coisa, desde
que o amor ou a amizade sejam fortes e sinceros.
Sim finalmente sou FELIZ, obrigado meu Deus, nunca imaginei ter alguma felicidade, só
isto mudou totalmente a minha vida, a minha maneira de ser. Ah, a vida a dois, é
maravilhoso partilhar, dar e receber, sao três palavras dificéis de descrever, é realmente
magnífico.
Em suma, estou indisponível, aparecem demasiado tarde, penso que é um bom amigo,
sincero. Desejo-o com toda a minha alma, rimos muito os dois juntos e também temos
zangas é a vida, é o essencial da vida com os bons e os maus momentos. Mas a vida é tão
bonita, é pena que ela seja tão curta, deveríamos viver 300 anos ou mais. Vou aproveitar
cada momento que passo junto com ele, e se o futuro nos separa nunca se sabe, - haja o que
houver, serás sempre o meu amigo.
O José e a Elisabeth já são pais, Pois sim ! Já é a sexta vez que sou tio-bisavô, estou feliz; E
tu Sandra, quando fazes o séptimo ? A família cresce, outros já faleceram, alguns tios, os
pais dos meus cunhados. Cada falecimento causa um grande sofrimento, mas a vida
continua.
Em 2007 tive uma hérnia outra vez, a operação correu bem. Daqui à pouco, vou ter que
fazer outra operação bastante complicada . Fico ansioso, mas quero continuar a minha luta,
sem parar até ao fim. Para mim, para a minha família, os meus amigos e vocês.
O André e eu fomos de férias no mês de Agosto a Portugal. Gosto muito do meu país, as
sardinhas, o bacalhau e o caldo verde. A mamã também gosta muito dele, e os meus amigos
também.
Informei toda a gente que andava a escrever a minha biografia. Como eu não tennho o
talento de um escritor, não pretendo de forma alguma ganhar um prémio literário.
Esta obra, foi uma oportunidade de exprimir por palavras e frases simples os meus maiores
ressentimentos e amarguras.
108
© copyright Emanuel de Castro 2008
É uma excelente terapia, ajuda-nos a desvendar segredos, eu deixei que me vissem tal como
sou, mas ainda tenho muitos segredos. Pois, todos nós temos um jardim secreto, não pensem
que eu vos contei tudo. Ninguém consegue contar a vida toda de uma ponta à outra, mas a
minha maior mensagem consiste no AMOR foi aquilo que eu quiz transmitir neste livro.
Fico orgulhoso de poder deixar uma mensagem de esperança aos doentes que me hão-de ler.
Dedico desde já um dos meus livros à Virgem de Fátima, Ela ao estender-me a mão tão
delicadamente, ajudou-me à enfrentar os sofrimentos todos.
« Oh! Santa Mãe de Deus, obrigado pelo vosso apoio nos momentos mais cruciais.
Coloco a minha alma aos vossos pés, Venero-vos e Adoro-vos.
Sem a vossa ajuda nunca teria conseguido suportar todas as minhas dores . Bendita
sejais ó mãe do Cristo !
Suplico-vos, Amparai-me sempre, eu, pobre pecador até a hora da minha morte ! »
Deixei de fumar passados 20 anos de dependência dessa droga.
A minha decisão é salutar, no que diz respeito à minha doença e a minha carteira, quando
vejo o preço dos cigarros hoje em dia !
Enquanto fazia desporto não sentia demasiado o efeito nefasto do tabaco, a partir do dia em
que deixei de correr e especialmente quando me transplantaram a minha stomia, tudo
mudou, tinha dificuldade em fazer um trajecto de 20 metros, e para conseguir subir as
escadas, tive que parar a cada patamar para recuperar o fôlego.
Frente ao computador, eu fumava sistematicamente cheguei a fumar dois maços de tabaco
por dia.
Tornou-se uma invalidez e perigoso a falta de oxigénio diminuia as minhas defesas naturais.
Foi uma vez, quando andava a escrever este livro que surgiu uma compreensão súbita e fico
satisfeito com isso. Sinto-me diferente, recuperei a sensação do gosto e do olfacto.
No que diz respeito ao último não foi necessariamente vantajoso, pois quando não tinha
olfacto evitava-me cheirar o mau cheiro quando mudava a bolsa.
Hoje em dia, consigo entender melhor os comentários das pessoas que utilizaram a casa de
banho depois de mim.
Actualmente, com alguma distância considero que foi um desperdício. O dinheiro reduzido
em pó podia ter servido para comprar coisas mais úteis, mas que querem vocês na altura,
com o cigarro conseguia acalmar as minhas angústias. Por essa razão, não foi nada fácil
para mim parar com este vício.
Se eu quero preservar o restante do meu capital saúde por mais algum tempo, fico proibido
de tocar no tabaco.
Não me arrependo desta decisão, fico feliz por ter desligado do vicio e teimar.
Não suporto a minha prótese dentária, ela dá-me cabo da minha vida expulso-a uma 50
vezes ao dia. Se o meu livro tiver saida só desejo uma coisa, pôr dentes novos, pôr dentes
109
© copyright Emanuel de Castro 2008
postiços.
Sei que sao muito caros, estou pronto à investir, mesmo a fazer um empréstimo, pois custame viver assim, isto impede-me de sair, ver, conhecer pessoas pois, tenho de me esconder
para não ter de vomitar.
Muitas vezes perco coisas lindas da vida por nao ter prótese. Se eu pudesse viver sem eles,
fa-lo-ia mas,vocês sabem, sem dentes sinto-me rebaixado e, não é lá muito estético, dentes
postiços lá em cima, saco com merda em baixo,rabo queimado, será que eu ainda tenho
algo de normal. Só peço para ter um lindo sorriso e mostrar as pessoas que gosto de viver, e
para que eu possa viver de forma mais decente, conseguir um pouco de respeito.
Será que há algum dentista com bom coração que seja capaz de concretizar o meu sonho ?
Dentes, alguns dentes, sem próteses.
Espero que um destes dias encontrem uma vacina contra o Sida. Eles descobrem tantas
coisas extraordinárias, estou certo que num futuro próximo, um sábio superior conseguirá
descobrir a fórmula mágica.
«Vocês que contraíram esta terrível doença horrivel, esperem com paciência por este
dia. Coragem e enquanto este dia não chega, sejam cuidadosos, tomem precauções para
não contaminar outrém.
Saibam que se não tomarem as devidas precauções e, caso os vossos parceiros ocasionais
ficarem infectados pelo HIV, a doença deles ficará sempre na sua consciência, é um acto
criminal bastante dificil de suportar, pior ainda se você tinha conciência que era portador
seropositivo.
Se não querem proceder como esta escumalha que se vinga da sua doença contaminando
outros sigam, os meus conselhos. Ser honesto com os outros é uma das maiores virtudes
especialmente quando se trata de salvar vidas ».
Por isso, enquanto aguardam pela vacina, cuidado, especialmente nas noites regadas com
álcool ou com estupefacientes onde se fazem conhecimentos que duram uma noite. Pois sei
que, nessas alturas, a gente julga que nada pode acontecer connosco, sentimo-nos
invencíveis, o mais forte.
Pois ficamos mais vulneráveis, nessas alturas mais frágéis.
Pensem em proteger-se, não sejam egoístas pensem na pessoa que está consigo, pois não
está escrito na sua testa nem na do outro « eu sou seropositivo », mesmo que você o seja e o
outro !
Por isso, cautela pois esse curto instante de prazer, pode estragar-lhe o resto da sua vida.”
E não se esqueçam a triterapia não cura o sida, ajuda-o apenas à sentir-se melhor, a
sobreviver.
Quantas e quantas pessoas ainda morrem por causa disso, nos nossos dias, mesmo com
antiretrovirais e esses medicamentos não devem ser tomados ligeiramente, os efeitos
nefastos são bastantes, tais como: enxaquecas, náuseas, vómitos, dores de barriga, diarreias,
febre, erupções cutâneas, inchaços ou comichões, aumento do número de algumas enzimas
no fígado, dores nas articulações, dores musculares, sensações de vertigem, tosse,
simptomas nasais, cansaço, insómnias, queda do cabelo, anemia, redução da taxa dos
glóbulos vermelhos, falta de ar, modificação da pigmentação no interior da boca,
110
© copyright Emanuel de Castro 2008
queimaduras no estômago, dores no peito, alteração do tecido muscular, problemas no
fígado, tal como : aumento do volume do fígado, aumento de gorduras no fígado, e
inflamação no fígado e no pâncreas, alteração da textura das unhas e da pele, suores,
simptomas pseudo-gripais, sonolência, vontade frequente de urinar, aumento do volume dos
seios nos sujeitos de sexo masculino, dores torácicas, arrepios, falta de apetite, alteração do
gosto, formigueiros, convulsões, falta de concentração, depressão e sentimento de
ansiedade, etc… não esquecer que para algumas pessoas: A MORTE.
SIM A MORTE ; Então
Façam tudo para que não necessitem de ingurgitar antiretrovirais eles vão dar cabo da sua
vida , o resto da sua vida, um simples preservativo conseguirá evitar todos estes efeitos
indesejávéis ;
A todos os outros doentes que sofrem de doenças graves nunca desistam, continuem a
baterem-se lutem até ao fim, sejam positivos. O mental tem muita influência.Sejam
perseverantes, sei não é fácil mas nada se consegue alcançar facilmente neste mundo, é
preciso ir à luta para conseguir um lugar, para provar que existimos e que queremos viver.
Agarrem-se à vida.
A todas as pessoas que se queixam disto ou daquilo parem de se lastimarem. Pensem nos
outros, nàqueles que sofrem em silêncio, nessas crianças que sofrem de doenças órfãs, a
todos aqueles que lutam de verdade para ficarem vivos, então as dores de cabeça, as dores
de dentes, esqueçam isso tudo, fiquem satisfeitos por ter saúde, desejo-vos que assim
permaneçam toda a vossa vida. Mas, mesmo assim fiquem atentos !
Espero que não tenha chocado demasiado a minha família. Sei que vão descobrir outras
facetas escondidas, mas não julguem as minhas irmãs, os meus sobrinhos ! Mamã, eu ainda
sou o teu Nelinho. aceitem-me como eu sou e fiquem felizes por mim. Eu amo-vos,
continuei qempre a amar-vos, vocês significam tudo para mim. A nossa família é muito
unida, fiquemos assim por mais tempo . Tenho muito orgulho em vocês todos, vocês são
tudo o que eu tenho no mundo, vocês, as minhas irmãs, os meus sobrinhos, e os meus
sobrinhos em terceiro grau, a mamã a minha família, os meus amigos.
AMO-VOS !
Em conclusão voltando ao prefácio
As pessoas infectadas pelo sindrome da imuno-deficiência adquirida, pelo Cancro ou outras
infecções;
« Lutem ! Ainda podem encontrar satisfações nesta terra.
Não desesperem, de certeza que virão dias melhores.
Os sábios trabalham dia e noite. eles não vos abandonam pois as estatísticas são
alarmantes, o Sida faz efeitos desastrosos inimagináveis.
Pensem em tomar precauções com um preservativo, é a única solução para salvar a vida
de uma pessoa inocente.
111
© copyright Emanuel de Castro 2008
Fico com muita pena de não o ter utilizado em 1986. Só perdia alguns segundos, estes terme-iam poupado estes sofrimentos todos.
Que inconsciência! Um pequeno momento de prazer para anos de calvário.
É tarde demais para ficar com remorsos. Eu sofro imenso as consequências da minha
imprudência.
Eu perdoo à pessoa que me contaminou. só espero que não foi deliberadamente, de
qualquer forma prefiro não saber.
Peço-vos, não façam o mesmo erro que eu, os anúncios da publicitade, as escolas
informam-no com frequência, da presença do sida neste mundo.
É uma verdadeira calamidade, ouçam com atenção os conselhos que lhes dão, e mesmo
se eu repito o mesmo, comprem preservativos, ao preço em que estão, não teêm
desculpas.
Suplico-vos !
« tomem precauções »
Desejo-lhes de todo o meu coração :
« Boa sorte e que Deus vos dê saúde
»
E caso, se sintam sós, e precisarem de ajuda,eu cá estou para estender-lhes a mão, podem
contactar-me por e-mail à seguinte morada :
[email protected]
Porque Neldragon, Nel de Nelinho, dragão é o meu signo chinês 142 , porque o 141 e o
143 já tinham sido ocupados por outra pessoa.
Vamos, coragem, e se eu puder ajudar-vos, levantar-vos o moral fá-lo-ei com alegria!
Escrevam também as vossas impressões acerca da minha autobiografia, isto talvez me
ajude a dar seguimento, se Deus quiser, hei-de escrever outra quando completar 30 anos de
luta.
Entretanto, vocês que sofrem, lutem vocês merecem, continuem o vosso combate até ao fim
Que Deus vos guarde!
Emanuel Leite de Castro
Gostaria de agradecer a minha família e os meus amigos sempre prontos à apoiar-me nos
momentos difíceis.
A Minha Mae.
112
© copyright Emanuel de Castro 2008
A Celeste, a Mina a Emília, o António , o Filipe, o José ,a Lúcia, a Sandra, a Elisabeth, o
Nuno, a Jessica, a Joanna, a Marine, a Cristina, o Gabriel o Daniel.
O Clides, o Manuel, o Alberto .
Aos filhos mais novos , a Lara e o Hugo-Miguel,Matteus e os outros futuros sobrinhos
A minha ex-mulher, a Mónica
A Daniela e Elisabeth às duas auxiliares de laboratório,
Obrigado a ti Daniela pelo teu apoio face a minha doença.
Minha tia micas, es a minha preferida e uma segunda mae para mim, meu grande amigo e
tio António “sempre gostei de vocé tio”vocé me ajuda muito e me faz bem o meu moral, um
grando abraço a minha tia Rosa; tio Manuel, tia Ceu tio Fernando. Os meu primos e primas
Lisabeth, o To-zé, o Paulo e Sonia, Miguel ,Carma, Adao,Miguel,
Fatinha,Filipe,flora,Susana,Mancinho,Catarina Rui,Miguel,Fernando do
porto,Carla,Filipe,Maria Lourdes e todos os outro primos porra a tantos que ja nem me
lembro deles todos.
A Laida, o Zé o Joao e Maria,Antonio e Teresa, a Margaret,Tiago,Mélanie, o Zelito, o
Danny a Michele e as filhas, o Emanuel a Lourdes o Paulo a Nathalia o Gabriel o
Marcos,Marcelo,perdro César,
A Lili, a minha cabeleireira, e à Albina sempre pronta para me fazer rir, continuem sempre
assim raparigas, não mudem, Adé a ti também . As três irmãs cómicas a valer, amo-vos !
Os amigos de França :
O Thiebaud, a Anifa, a Judith, o Thierry, o Jean-Eric, o Sebastião, a Maria, o Jean-Marie, o
Yves , a Laetitia, a Sotha, a Maniseng , o Papa e a Mamã Thailong, a Liliane, o Jean-Paul, a
Ana e o Hung, o Noie, o Soumeth, o Lee, o Chino, o Thierry, a Nelly, o Kham, à Faty de La
Rochelle, a Pan, o Tid, o Mitsoulu, o Gilles, o Carlos, o Filipe, o Manuel, o Claude , o
Bruno, o Sacha, a Caroline , e se entretanto esqueci alguêm, peço desculpas, estão em
pensamento.
Penso muito na minha amiga Judith sempre pronta a ajudar-me e a compartilhar momentos
inesquecíveis.
Os amigos de Portugal :
A patela, a Suelly, a Cristina, o Rui, a Catarina, o Nuno, o Pilas, o Batista, o João-Manel, o
Ricardo, o Carlos, o Ferreira, o Fernando, o Bina, o Dino da Cave da Gafanha da
Encarnação, o Alberto, o Ferreira, o Folitas, o João, a Lola, a Anna Maria, o Luís o José, o
Paulo Carlos, a Emília, o Nel, o Carlos do oliveira Bar, o Rui, o meu amigo José de tours, o
Rosa, a Leonor, o Fernando e a Belém, o To, o André, a Micinhas e Sr Lopes, a Cristina, a
Minha afilhada, a Cláudia.
A todas as Marias e a todos os Manéis, pois conheço bastantes.
Se um dia quizerem visitar Portugal, a Gafanha da Encarnação eu passo lá as minhas férias
Acreditem é muito giro, uma pequena aldeia de pescadores. Os meus amigos Dino e Bina
113
© copyright Emanuel de Castro 2008
da CAVE acolhem-nos no seu lindo bar- restaurante. Para mais, eles tem quartos lindos
para alugar, à preços razoáveis.
Já agora é Gafanha da Encarnação, não é Carmo, nem Da Nazaré.
Agradeço imenso o Sebastião, o meu farmacêutico .
Obrigada Astrid, por todo o trabalho que tiveste.
Liliane, obrigado por tudo, não há palavra que possam exprimir a tua bondade e a tua
generosidade.
Sebastião, agora és meu amigo, no local onde trabalhavas , apercebeste-te logo daquilo que
eu tinha, mas para além do doente, viste um ser humano, gostei imeditamente da tua
gentileza, na farmácia das VIGNES tu eras o mais simpático.
Passamos horas a procura dos melhores produtos tais como as bolsas, os
complementos,tinhas uma paciência de Santo, e agradeço-te, mais uma vez pelas noites que
passamos juntos, meu amigo !
Aos meus Médicos :
A Dra. Hess-Kempf, o Dr. Christian Loeb, o Dr. Reibel, o Dr Lantz, o Dr. Partisan, o Dr.
Urban.Dra Beranrd-Henry
Um pensamento afectuoso para os meus amigos que sucumbiram com o sida ou o cancro.
O Dominique 35anos (faleceu com o sida ) o Fred 33 anos (falecido com o sida ) o Alain 30
anos (falecido com o sida) a Virgil 25 anos (falecida com o sida) a Cyril 28 anos (falecida
com o sida) a Sandra 20 anos(falecida com o sida) a Joel 40 anos(falecida com o sida) o
Pascal 26 anos (falecido com o sida) o Claude 22 anos (falecido com o sida) o Didier 30
anos (falecido com o sida) o Jacques 45 anos (falecido com o sida) o Luc 24 anos (falecido
com o sida) a Betty 32 anos(falecida com o cancro) o Sérgio 31 anos (falecido com o sida) o
Patrick 20 anos (falecido com o sida a Michele N 63 anos (falecida com o cancro) a
Michelle C 45 anos (falecida com o cancro)
A minha cabeleireira e grande amiga Romi morreu no ano 2008 en julho,fiquei tao triste ao
aprender a tua morte,descansa em paz minha amiga. E a vocé Miquinhas Lopes minha
segunda mae e grande amiga..
Um grande pensamento ao meu tio Alcides morto com o cancro. Gostava tanto de você
sempre foi meu grande amigo, descansa em paz tio.
Um pensamento aos meus outros e primos e Tios que ja nao estao desse mundo, Miguel,tio
Nequa,primo Carlos, a Milinha de Vizela nossa amiga.
O meu magnetizador, o Jean-Marc (morreu com um enfarte). Foi em 2007 que eu fiquei a
saber que ele tinha morrido, nunca pensei que ele morresse tão depressa. Obrigado meu
amigo, obrigado por tudo o que fizeste por mim, sem ti, não existiria, mas creio que com o
bem que fizeste, foste para o paraíso directamente. Tens a tua estrela, ela há-de brilhar
sempre nos nossos corações, no meu e no dos demais.
114
© copyright Emanuel de Castro 2008
A VOCÊS TODOS !
« Do céu protegei-me ! Nunca esquecerei os momentos maravilhosos passados na
companhia uns dos outros, mesmo se eu não vos acompanhei na vossa viagem final,
estou convosco em espirito. A nossa amizade é eterna, garanto-lhes que quando chegar a
minha hora , quando Nosso Senhor chamar por mim, ficarei feliz por reencontrá-los no
além.
Que Deus vos guarde, descansem em paz ! ».
Papa, Avó , Avô, protegei-me tambêm ! Tenho tantas saudades vossas, mas perdoai o meu
egoísmo, ainda não quero morrer já, lutarei com todas as minhas forças contra a minha
doença para conseguir prolongar a minha passagem na terra.
À minha Mãe, às minhas irmãs, aos meus amigos !
Agradecimentos a minha amiga Orlanda Manuela Gonçalves De Araujo por ter traduzido o
meu livro “ Por amor à vida
A ultima notiçia,
Neste mez de julho 2008 o André vai ir de novo para a terra dele, e eu vou continuar a
minha vida sozinho mas ficamos amigos para sempre.
Adeus amigo....
Emanuel De Castro
115
© copyright Emanuel de Castro 2008
116
© copyright Emanuel de Castro 2008

Documentos relacionados