uma publicação composta por alunos e professores do

Transcrição

uma publicação composta por alunos e professores do
uma publicação composta por
alunos e professores do
::Editorial::
ESPAÇOS DE CONVERSA
O tema do Página nessa edição é
escrever sobre o que não falamos. A idéia
surgiu numa conversa entre Brisa, Vitor,
Carol e eu quando discutíamos um assunto
muito polêmico aqui no Viver: o namoro.
Estávamos analisando o quanto eles (os
alunos) precisam de espaços privativos e o
quanto a Escola pode (ou não) disponibilizalo. Como éramos apenas nós quatro, logo
pensamos em chutar o pau da barraca
e fazer um Página bem polêmico para
exorcisar nossos demônios e tabus e, principalmente para provocar os pais a terem
conversas mais abertas com seus filhos.
O tempo passou e uma assembléia sobre
o tema “namoro no Viver” foi promovida.
Nossa (professores e coordenadores) idéia
era justamente promover uma conversa
mais franca e aberta aos adolescentes e discutirmos o espaço escolar, a conduta dentro
da escola e os desejos deles. Quem esteve
presente (as votações não foram de presença
obrigatória, como nas outras assembléias)
diverge em opiniões: uns acharam perda de tempo, outros acharam
válido. Não posso falar pelo Vitor, mas sei que ele não curtiu.
Por outro lado, eu gostei. A impressão que tive da assembléia
foi do quanto os próprios adolescentes (estou generalizando) são
resistentes a conversar e a “jogar limpo”. Eles, que queriam tanto
um espaço, não colocaram suas idéias e nem suas vontades. E, nós,
adultos, angustiados para fazê-los falar, falamos mais que eles... E
mesmo assim, achei bom. Gostei porque conversar com eles não
é tarefa fácil. Mas conversamos e, acima de tudo, deixamos alguns
pontos mais claros.
Demonstrar a eles nossa disposição para o diálogo é nossa tarefa.
Dos pais principalmente.
Agora, se você estiver esperando os textos que Vitor, Brisa e eu
queríamos fazer no começo do papo, esqueça! Os textos abordam
questões polêmicas (com exceção das colunas de despedida e
uma das críticas musicais), mas não os considero chocantes. Pelo
contrário, é muito difícil ser radical em questões controversas. Por
isso, lhe convido a refletir sobre os textos e responde-los (envie sua
participação ao [email protected]).
***
::Expediente::
Editores: Dani e Vitor (enxuto dessa vez, né?)
Valeu Vitor!
FINAL DE ANO. TEMPO DE REFLEXÃO E ALGUMAS DESPEDIDAS.
Maria Christina*
Como resumir em poucas palavras tantos
anos de convivência? Como traduzir a
mágica que se renova a cada período letivo,
como ao receber o 5º ano, tão pequenininhos e vê-los, em dezembro, já vislumbrando a adolescência? Como falar do prazer de
vivenciar cada personalidade se delineando,
se formando, se fortalecendo? E do carinho
dos alunos, seus abraços, beijos, brincadeiras, apelidos, e-mails? E do convívio dos
colegas, com os quais sempre aprendi alguma
coisa? E como falar da Anna e da Maria
Amélia, que me mostraram um lado tão
humano na direção de uma escola?
Deixo o Viver com o coração cheio de
lembranças boas e alegres que jamais se
apagarão.
Que todos da família Viver tenham um feliz
Natal e que em 2010 possam concretizar
seus sonhos e atingir suas metas.
* Maria Christina foi a professora de português do F2 que agora se despede do Viver.
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dezembro 2009
R
ecentemente aconteceu no Colégio
Viver a assembléia do namoro. Todos
embasados meio ao rebuliço e motivados
a possibilidade de libertação das regras
foram convocados a tal evento. Pouco do que
consegui observar do encontro, me intrigou.
Ouvi frases como: “mesmo que seja proibido
nós faremos” ou o que seria bom senso na
relação?”, “Na idade?”, “Na paixão?” Ou
mesmo “no namoro?” e “O que poderia ou
não poderia acontecer na escola?”.
Não vou escrever sobre esta assembléia,
nem mesmo sobre namoro. Quero escrever
sobre algo que não saiu da minha cabeça,
desde esse momento. Sobre que não está, ou
está sendo conversado em outros espaçosque não do o do Viver- sobre o que é uma
experiência saudável.
Entendo que uma experiência saudável
é toda aquela que respeita nossos desejos,
nossos princípios e o ambiente em que vivemos. A adolescência é uma fase conhecida
como o momento de quebra de regras, e isso
não é a toa. Pois tão jovem percebemos que
o mundo se modifica com nossas atitudes,
que nosso próprio corpo pode ser limite
para nossas experiências, que existe uma
busca incessante para descobrir o lugar
que nos pertence, o lugar que nos sentimos
seguros e acolhidos, o lugar que podemos
ser nós mesmos, sem muita pentelhação
ou explicação. Sobretudo na adolescência
percebemos que muitas das regras sociais
que permeiam tudo ao nosso redor, como a
hora que comemos, tomar banho, fazer lição
de casa, vir para escola, absolutamente a
maioria das situações que seguimos não foi
criada por nos, porem pode ser manipulada
de acordo com a nossa vontade.
texto: Brisa
Nessa fase tão rica nos ligamos a música, a ensinamentos, a
festas e encontros (pois eles são únicos mesmo), possivelmente a
religiões, a paixões de todos os tipos, normalmente bastante extremistas, e sexo também, pois além da mudança corporal que vivemos,
aparece de forma clara nossos desejos. Acontece que vem sobrando
para a escola a tarefa de conversar sobre temas muitos falados, como
sexo, por exemplo.
Penso que a possibilidade de termos esse tipo de conversa em
casa, é também a possibilidade que nossos pais têm de trazer a
tona a própria experiência que eles tiveram. Penso que muitos não
conversam com seus filhos por pura proteção, porque não querem
que seus filhos vivam coisas que eles viveram, pois pais quase sempre desejam o melhor, o ambiente mais saudável, a conversa mais
segura, e fracassados da possibilidade de não ter o melhor momento,
deixam de fazer. Deixam de lado, algo essencial para o desenvolvimento dos seus filhos.
Conheço muitos pais também que acham que esse tipo de
conversa não pode ter e pronto. E seus filhos são obrigados a tirarem
suas dúvidas em outros espaços, as vezes esses lugares podem não
ser um continente tão saudável quanto o da casa.
Percebo que a dificuldade de conversar com os adolescentes é
uma via de mão dupla, pois a assembléia do namoro não foi uma conversa simples. Revelou para nós uma onipotência bastante presente
na idade, no qual, ora tudo podia ora nada podia. Me lembro de um
pedido de bom senso por parte dos docentes, em relação a namorar na escola, esse pedido foi refutado por muitas falas como- “se
não namorarmos aqui vamos namorar onde?”. Estou defendendo
portanto, que bom senso começa na segurança de termos segredos,
amigos mais próximos, namorados (as) especiais, ou até beijos na
boca irreverentes, mas que essas experiências devem ser construídas no seio seguro, pois está é a possibilidade de entender de forma
saudável as vivencias da idade. Assim a conversa como sempre é
a forma mais difícil e mais segura de criar o melhor território de
desenvolvimento, tanto em casa quanto no Viver.
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ILUSÕES GORDUROSAS
texto: Danielle
desenho: Vitor
Aprendi uma coisa valiosíssima com
uma amiga: é possível preparar um excelente
almoço sem uma única gota de óleo. Refogo
a cebola, o frango, faço arroz (integral ou
branco) sem nadinha de gordura. Mas,
confesso: não resisto a uma colherinha de
manteiga no purê de mandioquinha e ainda
tenho uma latinha no armário para garantir
uma porção de bananas à milanesa ou bolinhos de arroz. De todo o modo, já sei que, se
estivesse disposta, poderia perfeitamente
passar a vida sem nem precisar untar uma
assadeira (já que dispomos de tecnologia de
teflon).
Aprendi a cozinhar com minha avó.
Mineira, generosa e doceira, D. Rosa jamais
poderia conceber a possibilidade de erradicarmos aquele brilho de nosso prato sujo de
restos de comida. E eu, graças a essa amiga
(que coincidentemente leciona ciências aos
nossos alunos), vivo livre do pensamento
que meu jantar estaria arruinado porque o
óleo acabara!
Mas não estou aqui para levantar
bandeiras lights nem de convencê-lo a
passar tahine no pão francês. Estou aqui
para lembrá-lo que tem coisas que a gente
faz porque aprendemos com nossas avós
(ou com nossos tios ou professores ou com
livros, ou nem mesmo nos lembramos quem
nos ensinou) e a gente simplesmente encara
isso como um fato, um padrão. Tampouco
quero filosofar, então me dêem licença para
chamar esses padrões de paradigmas.
Para ilustrar onde quero chegar com
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tudo isso, cito as palavras de minha
querida colega, também articulista desse
pretensioso jornal escolar, Srta. Ana Clara
Buchmann em seu texto “Fases” (Página
Aberta, junho de 2009), no qual abordava
a dificuldade da escolha da profissão.
Aninha lembrava-se de sua animação
em se tornar artista, mas ao expressa-la,
receberia a negativa imediata dos adultos,
muda, exprimida apenas por caretas. O
texto é muito mais que isso e aborda de
forma bastante legítima a experiência
angustiante de ser jovem demais para
decidir a vida inteira num ofício. Mas essa
pequena passagem me pegou. Ficou ecoando aqui dentro.
Acontece que, além de não utilizar óleo
para cozinhar arroz, eu sou artista.
Meus pais jamais verbalizaram que
meu futuro seria morar debaixo da ponte
nem padecer de inanição. Mas também
não alimentaram a expectativa de que eu
morasse num loft milionário em Nova Iorque ou vendesse obras a cifras absurdas.
De todo modo, não precisaria ter
ouvido essas frases de ninguém. O medo
de ser pobre e a fantasia de enriquecer
já estão impregnadas na minha mente
desde sempre. O mito de ser um Picasso
é um pesadelo que poderia acompanhar
qualquer ser humano. Pablo Picasso foi
um sujeito paupérrimo que se tornou uma
das maiores referência no que fazia e foi
retribuído com muito, muito dinheiro.
Contudo, não se iludam! Do mesmo
jeito que Picasso fez parecer
pintar muito fácil ele enganou
todo mundo dizendo que ganhar
dinheiro com pinturas seria banal.
O mesmo se aplicaria a qualquer profissão. Há seres humanos
notáveis que conseguiram o
mesmo feito de Pablo Picasso:
ganham muito dinheiro facilmente executando o que fazem de
melhor.
Do mesmo modo que podemos
viver sem óleo de soja para estalar
ovos, acredito que agora seja um
bom momento para nos livrarmos
desse pensamento de que determinadas profissões garantem
um sustento mais abundante que
outras. Quando nossos alunos
ou filhos se interessam por ser
alguma coisa: bombeiro, bailarina, piloto, aeromoça, costureira,
secretário, advogada, médico,
cozinheiro, cientista, cabeleireira... Já é um lindo sinal: há alguém
com quem se identificar. Há uma
vontade de SER alguém! Portanto,
não precisamos, 1: imaginar que
essa seja a única coisa que ele fará
na vida; 2: acreditar que a escolha
decidirá o saldo de sua conta
bancária e, finalmente, 3: que o
dinheiro ou a profissão ditarão sua
felicidade.
Se você tem conflitos em relação às escolhas profissionais
que fez e ainda faz, converse com seu filho, mostre para ele que as
perguntas que nos fazemos são preciosas companhias para toda
a vida. Passar na prova do vestibular não nos licencia de conviver
com um ponto de interrogação na consciência. Acho isso muito
mais valioso que as certezas. E você?
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::Discoteca Básica::
ECHO & THE BUNNYMEN
texto: Cassiano
texto: Rodrigo Barcelos
Como estou vadiando aqui vou postar* sobre uma banda
que gosto muito: Echo & The Bunnymen. Eles são mais
um quarteto inglês genial dos anos 70, aquela época
em que surgiam várias bandas boas. Eles foram muito
influenciados pelos Beatles (até gravaram uma versão de
All You Need Is Love), The Velvet Underground (a banda
que foi acolhida por Andy Warhol) e The Doors, bandas
também muito boas, e influenciaram The Jesus and
Mary Chain (note a smelhança no esquema dos nomes)
que eu gosto também e o The Mission e o Interpol que
eu nuca ouvi. Os álbuns deles (a maioria) tem uma coisa
em comum: a luz. É sempre uma daquelas luzes que
parecem uma lanterna, mas só um pouco maior. Aqui
alguns exemplos:
Crocodiles - 1980
Ocean Rain - 1984
Membros:
Ian McCulloch Vocais
Will Sergeant Guitarra
Les Pattinson Baixo
Pete de Freitas Bateria
Evergreen - 1997
Curiosidade: Quando Ian e Will formaram a banda, se
chamava apenas Echo. Só passou a se chamar Echo
& The Bunnymen com a entrada de Les Pattinson, e
quando conseguiram um contrato com uma gravadora,
conseguiram o baterista Pete. Eles se desfizeram e se
refizeram em 97, sem o baterista, que tinha morrido em
um acidente de moto em 89. Rendeu bons discos, mas
nada que se compare a época de 80.
* texto extraído
do blog do
Rosley: http://
rosleyocioso.
multiply.com
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::Discoteca Básica::
INDEFENSÁVEL
dezembro 2009
Para o texto polêmico da vez escolhi a defesa do
indefensável: o Funk Carioca.
François Truffaut, um grande cineasta e
crítico de cinema, disse uma vez que somos
muito mais exigentes e cruéis com o produto
local do que com o estrangeiro, porque este
já vem contaminado: Sabemos de antemão
quem é o diretor do filme, conhecemos, às
vezes pesoalmente, os atores, sabemos suas
opiniões políticas e o contexto social em que
aquela obra surgiu. Dos gringos, não sabemos nada disso e, por isso mesmo, somos
muito menos exigentes com eles.
Então, em primeiro lugar, tentemos
encarar o funk carioca sem essas opiniões
contaminadas. O que nos sobra? Uma batida
eletrônica, extremamente dançante, com
um grave que vibra dentro do peito e que,
ainda por cima, é absolutamente brasileira.
Como diria a letra já clássica: “É som de preto, de favelado, mas quando toca, ninguém
fica parado (tá ligado?)”.
Agora um pouco de história:
Em Nova York, no fim dos anos 70, a
música negra estava numa encruzilhada: O
Funk (de James Brown e Sly Stone) estava
saturado; a Disco já tinha passado por duas
modas, virado filme com o John Travolta e
ninguém mais aguentava; a Garage Music
(um disco mais eletrônico, só de DJs) estava
engatinhando e parecia que não iria muito
além da garagem. Neste momento, um
grupo alemão, de música eletrônica, influenciado pelos experimentos eruditos de
Stockhausen, veio tocar na cidade e mudou
tudo: O Kraftwerk.
Neste show estavam Afrika Bambataa,
Kurtis Blow, Mantronix e vários outros inventores do Rap e do
Electrofunk. Essa nova sonoridade, totalmente dançante, eletrônica e influenciada por esses alemães malucos foi o que chegou no
Rio de Janeiro no começo dos anos 80 e que virou febre dos bailes
da periferia. Uma das principais equipes de som que promoviam
estes bailes era a Furacão 2000, que logo começou a produzir suas
próprias faixas, criando o Funk Carioca.
Até a virada do ano 2000, esta era a música da periferia carioca,
mas esta música atingiu as rádios de classe média e virou mania
nacional. Nacional? Não! Com o aparecimento do novo Electro (de
Miss Kyttin e DJ Hell) em Paris, Berlim e Nova York, o funk carioca
virou mundial. Hoje em dia há bailes funk até em Tóquio e os shows
de Tati Quebra Barraco e Dj Marlboro são disputadíssimos. A cantora Ânglo-Singalesa Mia e seu marido, o DJ inglês Diplo, são alguns
dos responsáveis pela popularização do funk e de outros rítmos
dançantes do 3o mundo como o Dancehall da Jamaica, o Reggaeton
da américa latina e o Kuduro de Ângola.
Agora o último argumento. Ouça o “Créu” e repare no seguinte:
a música é composta por samples de atabaque e berimbau e da voz
do MC. Mais nada. É música eletrônica feita só com instrumentos
acústicos absolutamente afrobrasileiros. Se pensarmos nos ideais
tropicalistas dos anos 60, o Créu é praticamente um manifesto!
Quando Gilberto Gil chegou ao Rio de Janeiro e ouviu Jorge Ben pela
primeira vez, ele disse a Caetano Veloso que ia voltar para a Bahia,
porque aquele rapaz fazia tudo que eles queriam, misturando samba
e rock, sem nunca ter pensado a respeito, nem gastado os anos de
estudo dos bahianos.
O samba também já foi discriminado e, um dia, teremos orgulho
do funk carioca.
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AS CRIANÇAS TÊM SUPER-PODERES
texto: Denis desenho: Vitor
Para Nietzsche o homem é o único, dentre os animais, capaz de
medir e calcular o poder do outro. Por muito tempo acreditei que os
Super – Heróis atraiam tanto o interesse das crianças pelo simples
fato delas serem as únicas a não terem poder algum na escala da nossa hierarquia social. Uma hierarquia onde o poder, antes centralizado nas mãos de um governante absoluto, agora passa a ser distribuído
por todos os cidadãos no sistema democrático (DEMOCRACIA = poder para todos). Uma democracia que permite ao patrão utilizar de
todo seu poder para explorar e dar ordens ao seu empregado, que não
raramente chega à casa bêbado e utiliza todo o seu poder agredindo
a sua esposa, que por conseguinte dirige todo o seu poder castigando
os seu filho mais velho, e este, por não ter empregados, mulher, ou
filhos para descontar toda sua irá, direciona todo seu poder sobre o
irmão mais novo, com as mais variadas agressões verbais e físicas.
Esta criança, por fim, por não ter ninguém mais para se apoderar,
apenas aspira com admiração, chegar a ser quem sabe, um Super –
Herói com os seus Super Poderes.
Este ano está sendo um ano marcante, como todos os são aqui no
Colégio Viver é verdade. Porém, este ano mudei de idéia. Foi neste
ano que conheci uma figurinha carimbada. Opa, corrigindo a mim
mesmo, mais uma figurinha carimbada, entre tantas outras que se
misturam ao nosso corpo de alunos.
Como sempre fui um ser - humano um tanto quanto introspectivo, para não dizer calado, não foi raro em minha vida as vezes que
acabei me aproximando de pessoas que adoram falar. Sempre me dei
muito bem com este tipo de nossa espécie, acredito que realmente
sou um bom ouvinte e tenho prazer em escutar quem sempre tem
algo interessante a dizer. Neste caso, a pessoa que me chama muito a atenção pelas suas idéias, tem lá em torno dos seus seis anos de
experiência de vida. Não o bastante, ele já era famoso por encantar
os professores no nosso delicioso Viverzinho e agora já está sendo extremamente notado por todo o ensino fundamental do Colégio Viver.
As coisas que ele me fala, têm me deixado encantado a tal ponto,
de me dar forças para estar sentado aqui agora, completamente esgotado após um dia de muito trabalho, disposto a escrever um artigo
para o nosso jornal Página Aberta. A este ilustre e inteligentíssimo
aluno deram o nome de Rodrigo Noffs.
Durante as nossas conversas, na grande maioria das vezes iniciadas quando me aproximo para tentar convencê-lo a voltar para a sala
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de aula, acabo indo embora surpreso com a
quantidade de coisas que ele foi capaz de me
ensinar em uma única conversa.
Para ilustrar o que estou dizendo vou
lhes contar dois dos nossos últimos diálogos.
Há alguns dias atrás fui pedir ao Rodrigo
para que retornasse a sala de aula. Ele estava
descalço, com a roupa toda de terra, sentado no meio do mato ao lado da cozinha do
colégio. Quando me aproximei, ao invés de
responder ao meu chamado, como de costume, mudou o foco da conversa para um tema
completamente diferente. O assunto de sua
preferência, naquele momento, eram as formigas que o cercavam. Ele me pediu para que
eu as observasse. Inexperiente, pedi para
que tomasse cuidado para não ser picado
por uma delas. Como pude ser tão ingênuo?
Rapidamente ele me explicou, muito calmo e
tranqüilo, que elas o conhecem tão bem que
jamais o picariam, pois estão muito familiarizadas com a sua pessoa, inclusive ele até
fala com elas, coisa que eu jamais poderia
fazer, e por tanto, deveria me afastar para
não assustá-las. Assim, dei dois passos para
trás, enquanto ele com o dedo indicador em
cima de uma das formigas me explicava que
estava apenas fazendo carinho nela e, se ela
saía correndo depois, era porque após receber suas caricias, já sabia para onde deveria
ir. Apenas para registro, ele realmente não
foi picado.
Não o bastante, hoje, enquanto eu almoçava no refeitório do colégio, sentado ao meu
lado, o Rodrigo dava mais uma demonstração
de como homem e natureza poderiam ter
uma relação muito mais próxima, diferente
da qual estamos acostumados a ver atualmente. Ele rabiscava um mapa represen-
tando o caminho das abelhas.
Enquanto desenhava ia me contando um episódio em que foi
atacado por uma abelha má, mas
reagiu rapidamente e com seus super poderes congelou a abelha no
ar, esta imóvel, caiu e padeceu.
Eu respondi a ele que jamais
havia visto isso em toda minha vida, e ele respondeu
que foi justamente assim que
aconteceu. Então, perguntei a
ele se ele realmente tinha superpoderes, ele me respondeu que
sim, claro.
Não muito convencido, perguntei se ele
poderia me demonstrar um dos
seus poderes. Ele
olhou para mim
quieto e pensativo.
Ao ver sua expressão tristonha, como
quem acabara de ser
desmascarado, pensei ter cometido um
grande erro com meu
inútil desafio, que no
fundo buscava apenas
trazer para realidade
todo o seu mundo de
criatividade, encanto e
fantasia. Será que é realmente este o papel da escola?
Quantas respostas negativas esta visão de
mundo racional já não nos trouxe? Servenos de exemplo um mundo onde a ciência
levou a tecnologia a limites que trouxeram conseqüências catastróficas para a
própria vida no planeta, chegando inclusive a ser uma ciência irracional, um pa-
radoxo. Para minha sorte o Rodrigo foi ligeiro demonstrou
como realmente possui super-poderes. Com alguns
gritos, agitando o braço direito com o indicador apontado para frente afastava os mosquitos que o cercavam
dês do inicio de nossa conversa, possivelmente atraídos pela eterna mistura de roupa e barro que o Rodrigo
sempre utiliza para se cobrir. Ai então, confiante
e determinado ele olhou para mim e respondeu:
Ta vendo como eu possuo super-poderes? Olha
como os mosquitos se afastam quando jogo meu
feitiço para cima deles!
Ele realmente conseguiu! Provou para mim e para
ele, que ele possuía Super – Poderes de verdade!
Assim eu aprendi com o Rodrigo, que
ele, assim como todas as crianças, possuem
realmente super-poderes. Poderes que
conseguem transformar toda realidade a
sua volta em um mundo fascinante que
muitos adultos não conseguem mais
enxergar. Quem dera se este mundo,
o nosso mundo, fosse administrado
com todo este afeto, com toda esta
pureza, sem a dureza e a chatice racional de adultos endurecidos pelo
sofrimento da vida. Talvez assim
ele poderia ser transformado
em algo tão maravilhoso como
o mundo da imaginação destas
crianças.
Não defendo aqui, de maneira alguma, o maniqueísmo da filosofia Humanista que se mantém
míope ao não enxergar além do
bem e do mal. É sempre perigoso
imaginar um mundo perfeito, pois
se ele fosse possível o que não seriamos
capazes de fazer para obtê-lo. Porém, acredito
que podemos sim construir para os nossos descendentes um futuro muito melhor do que os
prognósticos afirmam se não tomarmos outro
rumo.
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H
MAS E O NADA?
texto: Rodrigo Barcelos
Bem, na minha vida já ouvi muitas vezes falar de algo chamado
“o nada”, um lugar que não seria um lugar, e que seria só preto,
ou só branco, enfim. Mas, como seria esse tal de nada? Ele teria
gravidade? Oxigênio? Fim? Começo? Para mim, nunca existirá
nada que possa ser chamado de nada (desculpe o trocadilho, foi
acidental). Como alguém chegaria no nada? Haveria um jeito de sair
de lá? Talvez a pessoa morresse ao chegar no dito nada, por isso não
há como saber se ele existe. Havia uma teoria de que a terra seria
“para dentro” (é a teoria da terra invertida) e, se cavássemos a crosta
terrestre, acharíamos o nada absoluto. No nada, acho que sua alma
ficaria no escuro, sem nada o que fazer, sem um corpo, um local
totalmente desconhecido, sem algum significado. Por isso acho o
nada impossível. O que você acha?
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texto: Murilo
desenho: Vitor
Na sociedade preconceituosa que
vivermos, os homossexuais não são olhados
muito bem. São vistos por olhos preconceituosos. Mas afinal, qual é o problema? Por
que esse preconceito? É diferente, sim, de
fato, mas porque implicar com o assunto,
com tais pessoas? O que eu mais admiro
neles é essa grande coragem de ser, e assumir a todos, sabendo que o choque que terá
não será um dos melhores, mas fazem isso,
pois não se importam com o que os outros
pensam, e se decidem virar homossexuais é
porque de fato gostam e não se atraem pelo
sexo oposto.
As pessoas escolhem quem elas gostam,
pois se identificam com tais e as acha
atraente. Como diz a frase: “Gosto é gosto,
e ninguém discute”. O direito é seu de
escolher.
Eu, acho estranho um relacionamento
homossexual , mas de qualquer forma, a
palavra “gay” não pode ser levada como
xingamento. E o que que é estranho em um
relacionamento homossexual? o fato de um
homem beijar um homem? ou uma mulher
beijar outra mulher? É isso? Pois então, e se
fosse com você ? E se fosse na sua família?
Seria da mesma forma esse olhar? E qual a
intenção de xingar alguém de gay? Qual é a
ofensa?
11
::filme::
OS FILMES QUE FALAM DAS COISAS INDIZÍVEIS
texto: Maria Amélia
texto e diagramação: Ligia
Trocamos o telhado de caixinhas de leite por um
de fibra de vegetal com betume. As paredes agora
serão de plantas vivas. Já plantamos as mudas e
as veremos crescere durante o ano. O chão, como
antes, é de barro batido.
VENHAM VER COMO FICOU NOSSA CASINHA!!
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dezembro 2009
Já que a idéia básica dessa edição era tratar
das “coisas que não falamos”, resolvi falar de
alguns filmes que tratam de temas incômodos. Fui pensando em alguns óbvios: violência familiar, morte, preconceitos. E algumas
cenas começaram a vir à minha mente.
Lembrei de um filme francês (“Há quanto
tempo que te amo”) que trata da relação
entre duas irmãs, separadas por 15 anos
pela prisão da irmã mais velha. Há tantos
segredos, coisas não ditas por serem demasiadamente terríveis, censuras escondidas.
Durante o filme inteiro há pistas de todas as
mentiras, que só no final se encaixam como
em um quebra-cabeças.
Não posso dizer mais nada, para não estragar a
narrativa do próprio filme, mas recomendo.
Relações familiares são muitas vezes cheias
de segredos, coisas que preferimos não dizer para não criar julgamentos ou mágoas
entre aqueles que tanto queremos, mas que
ficam como fantasmas a rondar pela casa.
Outro filme, pesadíssimo, mas sensível e excelente, que trata do mesmo tema é o inglês
“Segredos e mentiras”, cujo próprio título já
justifica ele estar aqui citado.
Preconceito é outro tema que deu origem a
muito filme bom. De todos escolho um que
foi pouco divulgado e que toca com maestria em um tema particularmente delicado:
a identidade sexual de um menino. Tratase de “Minha vida em cor de rosa”, história
comovente sobre um garoto que pensa que é
uma garota - e age como tal. Não se trata de
tachá-lo de homossexual, já que ele é muito
jovem (7, 8 anos). Trata-se de uma identifi-
cação total com o universo feminino – daí a referência do título. Os
pais preocupam-se com a opinião dos vizinhos e não sabem o que
fazer. Mas aos poucos, de alguma forma, todos vão se acostumando e
aprendendo a viver com a diferença.
Há diretores que falam de verdades ocultadas o tempo todo, entre os
quais Bergman está bem colocado. Traições, loucura, desejos e repressões, culpas, tudo isso constitui a matéria básica sobre a qual o
diretor sueco se debruça. Há quem não consiga aguentar seus filmes,
seja pelo peso, pelo tom psicanalítico ou pelo ritmo, mas eu particularmente acho que só pela fotografia e direção de atores já vale o
ingresso.
Depois de tanto não dizer muito para não estragar o encanto dos próprios filmes, fico com a sensação de que estou aqui só fazendo uma
lista de títulos, e não um artigo. Mas há um filme que eu gostaria de
“estragar” contando em grande parte o enredo: Paranoid Park.
Trata-se de um filme de Gus van Sant sobre um menino skatista de 16
anos que se envolve em um acidente com trágicas consequências. A
culpa e o medo de enfrentar as punições o fazem entrar em um mutismo e um isolamento sem fim. Aquela verdade, trancada dentro dele,
tem um efeito corrosivo, destruidor.
Há uma cena, que me abala particularmente, na qual ele quase chega a contar para seu pai, mas não consegue. Fiquei pensando se meu
filho tivesse feito algo realmente grave, se chegaria a me contar. As
coisas que não são ditas... Por mim, não me importo que ele esconda
coisas, isso é apenas o normal. Mas espero que quando ele precise
mesmo de falar algo para alguém, que ele possa contar comigo, sem
medo.
A solução dada no filme é lindíssima, de qualquer jeito: ele escreve
para uma amiga, e, a pedido dela, queima a carta antes que ela leia,
mas com isso a confissão está feita e ele pode refazer sua vida.
Grandes ou pequenas, há várias coisas que são ou parecem muito
difíceis de serem compartilhadas, discutidas, ou expressadas por
palavras. Há momentos que um bom abraço “fala” mais. Porém, em
geral, uma conversa franca desfaz nós e angústias com mais eficácia
que simples gestos. Portanto, agradeço a todos aqueles que com sua
arte dão exemplos e motivos para falarmos de coisas que normalmente ficam presas na nossa garganta.
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::Despedidas::
Troca de bilhetes entre Vitor e Adriene, alunos do 9º ano
desenho: Vitor
Adriene,
Tive uma enorme vontade de te escrever este bilhete, como se sente
com o final disso tudo? Com o final do NOSSO Viver? Eu não sei,
acho ótimo dar esse passo grande, é libertador, sim, mas só agora,
no final do ano, percebo como deixei de aproveitar valiosíssimas
coisas por pensar desse jeito, acho que se eu tivesse encarado de verdade o fim a coisa não seria tão ruim assim.
Tinho,
Realmente, acho que o que mais marcou esse ano foi como cada um
se empenhou ao máximo pra tornar tudo diferente. Às vezes fazemos
isso pra tentar tornar tudo menos inesquecível, pra marcar. Todos
fazendo o gênero “estou fazendo o que me dá na telha” mas na
verdade tudo tinha propósito, tudo que era aparentemente confuso
fazia sentido. Nossas revoluções... Acho que atingimos nossa meta.
Conseguimos! Marcamos cada fato, tornando tudo tão mágico...
tão... único. Começo a encarar os fatos, não me sinto bem admitindo que isso realmente acabou, nem gosto de admitir que preferia que
nada disso estivesse acontecendo, mas é necessário, como você disse
“é libertador”, uma liberdade que tenho medo de enfrentar.
Devo parar com exageros né? Afinal não tenho motivos não é?
Vamos voltar a nos ver, ou melhor, não vamos parar de se ver.
Acredito nisso, preciso acreditar nisso.
Adriene,
o tempo é curto, amanha tenho que
entregar todas as minhas coisas do Página Aberta à Dani, podemos conversar
outra hora, ok? Beijos
Ei Tinho,
Sinto-me realmente mal em ter que deixar tudo isso pra traz, odeio
falar dessas coisas, começo a chorar.É como se tivesse finalizado uma
coisa importante na minha vida e sei que é isso. Queria ter aproveitado mais as coisas, tudo sabe? Ter deixado pra lá algumas discussões bestas e ter ganhado tempo. Eu realmente não quero encarar o
fim. É mais fácil pra mim assim, sempre finjo que o problema não
existe, mas quando encaro já é tarde demais. Acho q o tarde de mais
já chegou, e agora não adianta mais nada, né? Sim, NOSSO viver
acabou, espero que A GENTE não acabe.
Adriene,
Eu também não gosto de falar dessas coisas, não sei, pega um lado
meu tão não visto pelas pessoas. É, mesmo com esse sentimento de:
“poderia ter feito mais”, acho que esse 9º ano foi melhor do que eu
imaginava, usamos a particularidade de cada um para podermos
mudar, juntos, o que queríamos, as meninas no futebol, o namoro
na escola e acho que escrever isso é uma maneira de fingir que nada
acabou, afinal, estamos aqui, onze horas da noite, trocando cartas
para colocar no Página Aberta, confesso que sempre tive vontade de
fazê-lo, eu iria terminar essa carta com: “Voltaremos a nos encontrar”. Mas não quero que paremos.
14
dezembro 2009
15
tirinha
Vitor
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