Os efeitos dos fatores hormonais nos tecidos periodontais The

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Os efeitos dos fatores hormonais nos tecidos periodontais The
ISSN 1806-7727
Os efeitos dos fatores hormonais nos tecidos
periodontais
The effects of sexual hormone factors in
periodontal tissues
Maria Dalva de Souza SCHROEDER*
Constanza Marin ODEBRECHT**
Maurício Colin Barbosa CORDEIRO***
Claudia Gastaldi de M. M. Lopes CORREA****
Endereço para correspondência:
Maria Dalva de Souza Schroeder
Universidade da Região de Joinville (UNIVILLE)
Departamento de Odontologia
Campus Universitário, s/n.º – Bom Retiro
Joinville – SC – Caixa Postal 246
* Professora da disciplina de Periodontia e Atividades Clínicas do curso de graduação em Odontologia da UNIVILLE.
** Professora da disciplina de Periodontia e Atividades Clínicas do curso de graduação em Odontologia da UNIVILLE.
*** Professor da disciplina de Periodontia e Atividades Clínicas do curso de graduação em Odontologia da UNIVILLE.
**** Professora da disciplina de Endodontia e Atividades Clínicas do curso de graduação em Odontologia da UNIVILLE.
Recebido em 13/10/05. Aceito em 31/10/05.
Palavras-chave:
gengivite; fatores
hormonais; placa
bacteriana.
Keywords:
gingivitis; factors sexual
hormones; dental
plaque.
Resumo
Os autores apresentam um caso clínico de gengivite associada à placa
bacteriana, provavelmente influenciada por fatores hormonais (puberdade).
São abordados no presente relato os aspectos clínicos, bem como o resultado
obtido após a realização de tratamento adequado.
Abstract
The authors present a clinical case of gingivitis associated to dental plaque,
probably influenced by sexual hormones (puberty) factors. Clinical aspects,
as well as the results after adequate, treatment are approached in the
present report.
50
Schroeder et al.
– Os efeitos dos fatores hormonais nos tecidos periodontais
Introdução
A doença periodontal tem sido definida como
aquela que apresenta uma série de alterações que
afetam as estruturas do periodonto de proteção e
sustentação, com características infecciosas
dependentes da agressividade dos fatores da placa
bacteriana em relação à resposta imunológica do
hospedeiro [7, 9]. As doenças periodontais
comumente conhecidas são a gengivite e a
periodontite. A gengivite é uma doença inflamatória
que acomete o periodonto de proteção, enquanto a
periodontite resulta na perda de inserção e/ou
reabsorção do osso alveolar. Os fatores hormonais
são aqueles que atuam sobre o corpo em
determinadas fases da vida de um indivíduo, sendo
capazes de modificar a resposta dos tecidos à irritação
bacteriana, influenciando o progresso, a intensidade
e a resposta da doença periodontal ao tratamento.
As alterações nos níveis de hormônios durante
a puberdade, a gestação e a menopausa podem
modificar a resposta do hospedeiro em relação à
placa bacteriana, aumentando a intensidade de
progressão da doença periodontal [1, 2, 8].
A puberdade é caracterizada por uma série de
mudanças fisiológicas no organismo, fase na qual
podem ser detectadas algumas alterações
transitórias no metabolismo tecidual [7, 11].
A incidência de gengivite alcança seu extremo
na puberdade, mesmo que o índice de placa se
mantenha o mesmo no indivíduo. Alguns autores
demonstraram que o desequilíbrio na secreção de
certos hormônios em homens e mulheres na
adolescência é um dos fatores que promovem a
gengivite na puberdade, podendo iniciar na infância
e progredir na adolescência, porém sem resultar na
perda de dentes na fase adulta [1, 2, 7, 8].
Entretanto alguns estudos na literatura têm
mostrado que a influência da higiene oral na
condição gengival durante a puberdade poderia ser
mais importante do que o aumento dos níveis de
hormônios esteróides [9, 11, 14].
A alta concentração de hormônios sexuais no
tecido gengival, saliva e fluido crevicular gengival
poderia exacerbar a resposta tecidual, e os
hormônios esteróides parecem ser capazes de
influenciar a flora bacteriana normal induzindo
alterações na flora subgengival, aparecendo
comumente a gengivite na puberdade (30%) e na
gravidez (75%) [3, 5, 10].
Relato do caso clínico
A paciente S. S. M., de 15 anos, compareceu à
clínica odontológica da UNIVILLE com sinais e
sintomas clinicamente de uma gengivite severa. Feita
a anamnese completa, observou-se que o estado geral
da paciente era normal. Ela apenas relatou que alguns
meses atrás sua gengiva costumava ficar muito
vermelha quando menstruava e que procurou o
dentista porque esta estava sangrando muito. Feito o
exame radiográfico, constatou-se que não havia perdas
ósseas, o que mostrava não se tratar de periodontite
agressiva. A presença de placa bacteriana e cálculo
era generalizada em todos os sítios da boca, indicando
que a paciente não tinha um controle eficiente de
higiene oral e necessitava de tratamento periodontal e
acompanhamento profissional com instrução de
técnicas de higiene oral, para que o problema fosse
debelado e controlado. A figura 1 apresenta o exame
clínico inicial, em que se constatou hiperplasia gengival
generalizada com acúmulo de placa bacteriana.
Figura 1–Hiperplasia gengival generalizada com acúmulo de
placa bacteriana
Sinais e sintomas
•
•
•
•
•
Presença de sangramento gengival durante
a escovação sem sintomatologia dolorosa;
O exame clínico extra-oral apresentava-se
normal;
O exame clínico intra-oral apresentava
hiperplasia gengival generalizada em toda
a boca, com pouca presença de cálculo
supragengival;
O IPV (índice de placa visível) e o ISG
(índice de sangramento gengival) estavam
alterados em todos os sextantes da boca.
No exame radiográfico não foi evidenciada
nenhuma alteração óssea.
Diagnóstico
Doença gengival associada à placa modificada
por fatores hormonais (puberdade).
RSBO v. 2, n. 2, 2005 –
Tratamento realizado
•
•
•
•
•
Terapia periodontal básica;
Raspagem supra/subgengival;
Alisamento corono-radicular;
Aplicação tópica de flúor;
Educação em saúde com instrução de
higiene oral.
Resultados
Após tratamento realizado, a paciente retornou
em duas semanas, denotando sinais de saúde
periodontal. Não foram observados aumento de
sangramento gengival e placa visível, e a paciente
não apresentava mais hiperplasia gengival
generalizada (figura 2).
51
autores [9, 11]. Entretanto essas alterações ocorrem
sem haver necessariamente um aumento no acúmulo
da placa bacteriana na gengiva [7, 11, 14, 15].
Os desequilíbrios endócrinos sistêmicos
produzem importante impacto no equilíbrio
periodontal, alterando a resposta do hospedeiro ante
a placa bacteriana e na cicatrização da ferida
periodontal [2, 3, 6, 7].
A saúde dos tecidos periodontais encontrase intimamente ligada ao equilíbrio entre fatores
agressores e protetores do periodonto [1, 4, 9]. A
ocorrência da doença gengival e/ou periodontal
está relacionada à susceptibilidade do hospedeiro
e, na presença de placa bacteriana, poderá
exacerbar-se quando associada a fatores ou
condições sistêmicas, como as produzidas pelos
hormônios sexuais femininos, produzindo um
desequilíbrio na homeostasia do periodonto [1,
3, 4, 5, 7, 15].
É importante que o paciente mantenha um
excelente controle de placa para reduzir o risco de
desenvolver problemas periodontais nessa fase da
vida e durante o uso de outros tipos de terapia
hormonal que possam alterar o equilíbrio fisiológico
da gengiva [1, 6, 11, 12, 13, 15].
Conclusão
•
Figura 2–Ausência
de hiperplasia gengival generalizada
Discussão
A placa bacteriana e a doença periodontal
estão devidamente correlacionadas [10]. A
gengivite que se desenvolve durante a puberdade
representa um resultado da ação de irritantes
locais e da alteração do metabolismo tecidual do
periodonto, provocado pelos distúrbios
hormonais que ocorrem nesse período. Tais
condições contribuem para diminuir a resistência
local, favorecendo a ação dos produtos da placa
bacteriana [2, 3, 6, 9].
O diagnóstico diferencial com outros tipos de
patologias periodontais é importante, para se ter
uma diretriz básica no tratamento a ser realizado
com controle da placa bacteriana pelo paciente e
pelo profissional [1, 9, 12].
O aumento da concentração dos hormônios
sexuais femininos na circulação pode desencadear
um processo reacional na gengiva, segundo alguns
•
•
Existe uma interação entre os hormônios
sexuais e os tecidos periodontais durante
a puberdade, exercendo assim um papel
importante no estabelecimento e na
progressão da gengivite, quando esta for
induzida pela placa bacteriana.
O diagnóstico diferencial com outras
doenças é fundamental para instituir o
tratamento adequado.
A terapia periodontal básica deverá ser
capaz de eliminar a resposta inflamatória,
e o controle de manutenção do tratamento
será feito por intermédio de instruções de
higiene oral eficiente.
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52
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ISSN 1806-7727
Retratamento endodôntico de incisivo central
inferior com “ilha de dentina” e portador de
lesão periapical: relato de caso
Endodontic retreatment of inferior central
incisor with “dentin island” and periapical
lesion: case report
Renata Grazziotin SOARES*
Luis Eduardo Duarte IRALA**
Alexandre Azevedo SALLES***
Orlando LIMONGI****
Endereço para correspondência:
Renata Grazziotin Soares
Rua Pinheiro Machado, 2.463 – sala 6 – Bairro São Pelegrino
Caxias do Sul – RS – CEP 95020-412
E-mail: [email protected]
*Aluna do curso de Especialização em Endodontia da Sociedade Brasileira de Cirurgiões-Dentistas SOBRACID/SOBRACURSOS,
Porto Alegre (RS).
** Especialista em Dentística Restauradora. Especialista e Mestre em Endodontia. Professor de Endodontia da Universidade Luterana
do Brasil/ULBRA, Canoas (RS), e da SOBRACID/SOBRACURSOS, Porto Alegre (RS).
*** Especialista e Mestre em Endodontia. Professor de Endodontia da ULBRA, Canoas (RS), e da SOBRACID/SOBRACURSOS, Porto
Alegre (RS).
**** Especialista, Mestre e Doutor em Endodontia. Professor de Endodontia da ULBRA, Canoas (RS), e da SOBRACID/SOBRACURSOS,
Porto Alegre (RS).
Recebido em 12/10/05. Aceito em 31/10/05.
Palavras-chave:
anatomia; retratamento;
incisivo.
Resumo
Na Endodontia é de extrema importância que o profissional tenha
conhecimento minucioso da anatomia interna dos dentes, a fim de obter
sucesso nos seus tratamentos, evitando acidentes e complicações. No
presente trabalho foi apresentado um caso clínico em que havia sido
concluída a endodontia de um incisivo central inferior há mais de um ano,
no entanto não regrediram os sinais e os sintomas, bem como persistia a
imagem radiolúcida indicativa de lesão periapical. Após encaminhamento
ao endodontista para retratamento, constatou-se a presença de um segundo
canal não tratado. Isso vem a aclarar que a consciência meticulosa da
anatomia dos canais radiculares e das suas possíveis variações ajuda
sobremaneira o profissional, desde a cirurgia de acesso até a obturação.
Soares et al.
– Retratamento endodôntico de incisivo central inferior com “ilha de dentina” e portador de lesão periapical: relato de
caso
54
Keywords: anatomy;
retreatment; incisor.
Abstract
In endodontics, it’s of extreme importance that the professionals have
meticulous knowledge of the teeth inner anatomy, in order to have success
in their treatments, avoiding accidents and complications. In this study
one clinical case, which had the endodontic treatment of an inferior central
incisor finished just about one year, was reported, however, the signs and
symptoms hadn’t receded, as well as persisted the radio lucid image
indicating the periapical lesion. After forwarding the patient to the
endodontist for retreatment, the presence of a second non-treated canal
was verified. That comes to clarify that the meticulous conscience of the
root anatomy of the canals and of their possible variations is of extreme
help for the professional, from the access surgery to the filling.
Introdução
Para a realização de um tratamento endodôntico
correto pressupõe-se o conhecimento da anatomia
interna do elemento dental. Executar um tratamento
de canal sem a consciência detalhada da anatomia
dentária favorece a ocorrência de insucessos (Scaini
et al. [10]).
Dentes que normalmente são portadores de
uma raiz e um canal podem exibir variações nesse
número, tornando a terapia de canal mais
trabalhosa e, às vezes, levando à ocorrência de
acidentes que provocam o fracasso do tratamento
(Bramante et al. [2]).
O incisivo central inferior é o menor dente da
arcada dentária humana. Apresenta uma raiz
fortemente achatada no sentido mésio-distal, com
sulcos longitudinais em suas faces proximais. Em
conseqüência, o canal radicular também é bastante
achatado no sentido próximo-proximal, o que lhe
confere uma acentuada dimensão vestibulolingual
(Soares e Goldberg [12]; Roldi et al. [9]).
Em virtude desse grau de achatamento
radicular, é comum notarem-se “ilhotas de dentina”
ou bifurcações do canal (Picosse [8]).
O acentuado achatamento mésio - distal
determina a divisão do canal radicular em dois:
um vestibular e outro lingual. Na maioria das
vezes, esses canais convergem para um único
forame apical. Em alguns casos, no entanto,
seguem trajetórias independentes e terminam
apicalmente em forames separados. Cohen e
Burns [3], ao analisarem os incisivos inferiores
do sentido proximal, encontraram diversas
variações na anatomia do conduto radicular,
conforme mostra a figura 1.
Figura 1 – Variações na anatomia dos canais de incisivos inferiores.
Fotografia do livro Caminhos da polpa (Cohen e Burns [3])
Apesar de suas pequenas dimensões, o canal
radicular do incisivo central inferior não oferece
dificuldades à realização do tratamento endodôntico,
uma vez que é, quase sempre, retilíneo. Todavia,
quando da presença de dois canais, os
procedimentos operatórios tornam- se mais
complicados (Soares e Goldberg [12]).
Pécora et al. [6] estudaram a anatomia interna
de 300 incisivos centrais inferiores por meio de
diafanização e constataram a seguinte porcentagem
de distribuição dos tipos de canais encontrados nos
incisivos centrais inferiores: 68% para um conduto,
29,67% para um canal que se divide e se une em
nível apical, terminando em apenas um forame, e
2,33% para dois canais distintos com dois forames.
A técnica da diafanização para estudo da
anatomia dos canais dos dentes incisivos inferiores
também foi a metodologia empregada por Malvar
et al. [5]. Estudaram tanto incisivos centrais como
laterais e concluíram que a anatomia interna desse
grupo de dentes é complexa, sendo encontradas
RSBO v. 2, n. 2, 2005 –
altas incidências de dois canais. Além disso,
afirmaram que a ocorrência de canais laterais,
acessórios e anastomoses é maior nos incisivos
centrais do que nos laterais.
Já de acordo com Roldi et al. [9], os incisivos
centrais inferiores apresentam 100% de chance de
ter uma raiz, 73,4% dos dentes apresentam um
conduto e 26,6% têm dois canais, incluindo
elementos com um e dois forames.
Relativamente aos fracassos endodônticos,
Bramante e Garcia [1] afirmam que, segundo tem
mostrado a literatura, um grande percentual dos
insucessos dos tratamentos endodônticos se deve a
canais deficientemente obturados.
É importante lembrar que a sobrevivência ou
não dos microrganismos em um canal radicular está
na dependência das medidas de desinfecção
empregadas, da escassez de nutrientes, da
possibilidade ou não de atingir com a
instrumentação as distintas áreas do conduto, do
uso de agentes antissépticos e, finalmente, da
resistência intrínseca do organismo. Eventuais
microrganismos que persistam no canal, após sua
obturação, poderão ser reativados, caso ocorra
percolação entre o material obturador e a parede
do canal, levando nutrientes a eles.
Ou seja, durante e após o tratamento
endodôntico, problemas inerentes à anatomia do
dente e à instrumentação muitas vezes contribuem
para a manutenção ou a recidiva de um processo
periapical. Canais extranumerários, por exemplo,
podem passar despercebidos pelo profissional, que
não executará seu tratamento, podendo levar ao
aparecimento ou à perpetuação de uma lesão
perirradicular (Bramante et al. [2]).
A presença de uma lesão em um exame
radiográfico não tem muito significado. É fundamental
que se analisem, antes de optar por um retratamento,
o tempo decorrido do tratamento anterior, o tamanho
atual da lesão e os sinais e sintomas. Decidir por um
retratamento apenas porque o dente exibe uma área
radiolúcida apical, sem considerar esses fatores, pode
fazer com que se incorra no erro de realizar uma
terapêutica sem necessidade.
Indispensável é que, em razão das variações
anatômicas canaliculares, diante de um fracasso
endodôntico, se verifique se o dente não é portador
de dois canais e se certifique de que apenas um deles
tenha sido obturado (Bramante e Garcia [1]).
Desse modo, a meta do presente trabalho foi
relatar o caso clínico de um incisivo central inferior
(dente 31) que apresentava lesão periapical, bem
como sinais e sintomas persistentes após um ano da
conclusão da terapia endodôntica; quando do
retratamento, observou-se a presença de um segundo
canal não tratado.
55
Caso clínico
A endodontia do dente 31 havia sido concluída
há mais de um ano, porém o paciente apresentava
fístula (figura 2), dor à palpação na mucosa da região
apical e imagem radiográfica compatível com lesão
periapical (figura 3).
Figura 2 – Aspecto clínico
Figura 3 – Radiografia de diagnóstico
Após encaminhamento ao endodontista para
retratamento, constatou-se a presença de um segundo
canal não tratado que se dividia em sua parte mais
larga – em decorrência de uma “ilha de dentina” – e
se unia novamente, terminando em um forame apical.
A radiografia de confirmação da odontometria
(figura 4) após a desobturação mostra a presença
da “ilha de dentina” no terço médio da raiz.
Figura 4 – Confirmação da odontometria após desobturação
Soares et al.
– Retratamento endodôntico de incisivo central inferior com “ilha de dentina” e portador de lesão periapical: relato de
caso
56
Confirmada a presença de dois canais, a
abertura coronária deve ser ampliada para
possibilitar a máxima liberdade do instrumento na
direção vestibulolingual (Cohen e Burns [3]). O
instrumento, ao ser inserido no canal, deve ter sua
ponta encurvada e voltada para o lado lingual, onde
geralmente se encontra o canal extranumerário
(Bramante e Garcia [1]).
Os passos da cirurgia de acesso para os incisivos
inferiores são esquematizados no desenho (figura
5), segundo Pécora et al. [7]. Em razão da existência
do canal lingual no dente 31, a abertura foi ampliada
(figura 6).
Figura 7 – Limas memórias posicionadas nos condutos
O hidróxido de cálcio (nome comercial: Calen®)
foi empregado como curativo de demora e
permaneceu por 7 dias, com a intenção de contribuir
para a máxima redução da microbiota endodôntica,
conforme a figura 8 (Siqueira Jr. et al. [11]).
Figura 5 – Passos da cirurgia de acesso para incisivos inferiores,
conforme Pécora et al. [7]
Figura 8 – Fase de medicação intracanal com hidróxido de cálcio
Após esse período, havendo regressão da fístula
e da sintomatologia, procedeu-se à obturação dos
canais com o cimento endodôntico Sealer 26 ®
(figura 9).
Figura 6 – Abertura coronária ampliada
Após a desobturação, a instrumentação dos dois
canais foi feita pela técnica coroa-ápice sem pressão
(Soares e Goldberg [12]), auxiliada pela irrigação
com hipoclorito de sódio a 2,5% associado ao EDTA
(Siqueira Jr. et al. [11]; Lopes et al. [4]). A
modelagem do batente apical foi feita até o
instrumento de calibre 25 no canal vestibular e até
o instrumento de calibre 30 no conduto lingual. A
fotografia (figura 7) mostra as referidas limas
memórias posicionadas nos canais.
Figura 9 – Obturação dos canais
Referências
Considerações finais
1
Segundo Bramante e Berbert (apud Bramante
e Garcia [1]), alguns sinais radiográficos podem
levar à suspeita da presença de canais extras, tais
como: descentralização da imagem radiolúcida
representativa do canal radicular; estreitamento
abrupto da imagem do canal em um dos níveis da
raiz; dificuldade de visualização da imagem do canal
em toda a sua extensão. No entanto, em casos
indicados para retratamento, essa constatação fica
difícil, por causa da presença de material obturador
no conduto radicular tratado.
Scaini et al. [10] deixam claro que nem sempre
uma tomada radiográfica será suficiente para a
detecção das variações morfológicas, em função da
sobreposição de imagens. As radiografias deverão
ser feitas com uma incidência mésio ou distorradial
(Bramante et al. [2]).
No que tange à cirurgia de acesso, a eliminação
do ombro lingual constitui o desgaste
compensatório nos incisivos inferiores. Ainda pode
ser necessária a remoção do esmalte na base do
triângulo que fica para incisal, proporcionando um
acesso reto e liberando o instrumento para
trabalhar de forma correta em todas as paredes do
canal radicular. Nesses desgastes podem ser
utilizadas as brocas Endo Z ou pontas diamantadas
cilíndrico-cônicas, tal como foi empregado no caso
clínico exposto. O desgaste compensatório adicional
no sentido cervicoincisal é imperioso para facilitar
a localização e o preparo dos canais vestibular e
lingual (Roldi et al. [9]).
Embora seja possível obter uma redução
considerável no número de células bacterianas da
luz do canal principal pelo efeito químico-mecânico
da instrumentação e da irrigação, microrganismos
podem permanecer viáveis em regiões inacessíveis
a estes. Um medicamento intracanal dotado de
atividade antimicrobiana, no caso o hidróxido de
cálcio, por permanecer mais tempo no interior do
canal radicular, tem maiores chances de atingir
áreas não afetadas pela instrumentação (Siqueira
Jr. et al. [11]).
O conhecimento das variações anatômicas dos
canais radiculares ajuda sobremaneira o
profissional, desde a cirurgia de acesso até a
obturação, e é uma rota segura para obter muito
sucesso nesses procedimentos e evitar situações
desagradáveis (Pécora et al. [7]).
1
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1– Normas gerais
1.1 – A Revista Sul-Brasileira de Odontologia tem publicação semestral,
e a divulgação dos artigos é feita em português ou inglês.
1.2 – Os artigos enviados para publicação devem ser originais, não
sendo permitida a sua apresentação simultânea em outro
periódico (meio impresso e/ou eletrônico). A revista terá direitos
autorais reservados sobre o trabalho publicado, em português
ou inglês, e é permitida a sua reprodução ou transcrição com a
devida citação da fonte.
1.3 – Os trabalhos que envolvam seres humanos, incluindo órgãos
(dentes) e/ou tecidos isoladamente, bem como prontuários
clínicos ou resultados de exames clínicos, deverão estar de
acordo com a resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde
e seus complementos e ter sido aprovados pelo Comitê de
Ética da Instituição. É necessário enviar uma cópia da aprovação
do Comitê de Ética e anexar o número do protocolo na seção
“material e métodos”.
1.4 – Os trabalhos deverão ser enviados em três vias: uma em
DISQUETE (ou CD) e duas cópias impressas, acompanhadas
cada uma das respectivas figuras. Recomenda-se que os autores
retenham uma cópia em seu poder.
1.5 – Todos os autores deverão assinar uma Declaração de
Responsabilidade Pública pelo conteúdo.
2 – Apresentação dos artigos
2.1 – Os trabalhos devem ser apresentados em folhas de papel tamanho
A4, corpo 12 pontos, Times New Roman, com espaço duplo,
margens laterais de 3 cm e margens superior e inferior com 2,5
cm, com no máximo 20 (vinte) laudas (incluindo as figuras), com
25 (vinte e cinco) linhas cada. Os trabalhos deverão ser digitados
(Word 6.0 ou versão superior) e entregues também em disquete
(ou CD), devidamente identificado.
2.2 – Tabelas e quadros deverão ser numerados em algarismos
romanos, com apresentação resumida e objetiva, para
compreensão do trabalho.
2.3 – Figuras (desenhos, fotografias e gráficos) deverão ser
numeradas em algarismos arábicos. Imagens deverão ser
apresentadas como fotografias ou arquivos digitais
identificados e em preto e branco. As figuras também deverão
ser entregues nas cópias impressas. As figuras, tabelas e
gráficos e suas legendas deverão estar inseridas no próprio
texto. Radiografias poderão ser enviadas digitalizadas, desde
que apresentem boa qualidade de imagem.
2.4 – A numeração de páginas deve constar no canto inferior direito,
sem contar a página de rosto.
3 – Estrutura do trabalho
3.1 – Abertura
• Título do trabalho: em português e em inglês – corpo 14 pontos,
letras maiúsculas.
• Nome do(s) autor(es): nome completo, e no final asteriscos
indicativos das notas de rodapé. Exemplo: Érica Lopes FERREIRA*.
• Enviar endereço do autor principal para correspondência, bem
como e-mail.
• Notas de rodapé: principal titulação dos autores, bem como a instituição
de origem. Exemplo: Luiz Fernando FARINIUK*. Na nota de rodapé:
*Professor adjunto da PUC/PR, Doutor em Endodontia.
• Resumo: Deve indicar resumidamente o que foi feito, em um só
parágrafo.
• Palavras-chave: 3 a 5 expressões que identifiquem o conteúdo do
trabalho.
• Abstract: resumo em inglês.
• Keywords: palavras-chave em inglês.
• Artigos em inglês também devem conter um resumo e palavraschave em português.
3.2 – Texto
• Devem constar introdução, material e métodos, resultados,
discussão, conclusão, referências bibliográficas.
• Os nomes de medicamentos e materiais registrados, bem como de
produtos comerciais, devem aparecer entre parênteses, após a
citação do material, e somente uma vez (na primeira).
3.3 – Referências:
• As referências devem ser listadas em ordem alfabética de nomes,
com letras minúsculas numeradas em ordem crescente.
• A menção das referências no texto deve ser feita entre colchetes e
numerada de acordo com a lista de referências (podendo ser
acrescida dos nomes dos autores e data de publicação). Se houver
dois autores, devem-se citar ambos no texto, separados pela
conjunção “e”. Se houver mais de dois autores, citar o primeiro
autor seguido da expressão et al.
• Já na listagem das referências, quando houver mais de seis
(6) autores deve-se acrescentar et al.
• Periódicos:
Wilcox L R. Thermafill retreatment with and without chloroform
solvent. J Endod 1993 Feb; 19 (4): 563-6.
Wilcox L R, Juhlin J J. Endodontic retreatment of Thermafill versus
laterally condensed gutta-percha. J Endod 1994 Jul; 20 (6): 115-7.
Baratto-Filho F, Ferreira E L, Fariniuk L F. Efficiency of the 0.04
taper ProFile during the re-treatment of gutta-percha-filled root
canals. Int Endod J 2002 Ago; 35 (8): 651-4.
• Livros:
Soares I J, Goldberg F. Endodontia técnica e fundamentos. Porto
Alegre: Artmed; 2001. p. 201-5.
• Capítulos de livros:
Valle L L, Costa Filho A S. Tratamento endodôntico em dentes
com rizogênese incompleta. In: Berger C R. Endodontia. Rio de
Janeiro: Publicações Científicas, 1989, p. 199-209.
• Teses:
Baratto Filho F. Estudo “in vitro” da capacidade de limpeza do
canal radicular com achatamento através de instrumentação rotatória
e com irrigação com hipoclorito de sódio em três diferentes
concentrações – Análise histológica. [Dissertação – Mestrado].
Ribeirão Preto: Universidade de Ribeirão Preto; 2002.
• Obras da internet:
Morse S S. Factors in the emergence of infectious diseases. Emerg Infect
Dis [serial online] 1995 Jan-Mar [cited 1996 Jun 5]; 1(1): [24 screens].
Available from: URL:http://www.cdc.gov/ncidod/EID/eid.htm.

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