Vivendo a Transição de Ambiente de Moradia - PPG

Transcrição

Vivendo a Transição de Ambiente de Moradia - PPG
UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS
CENTRO DE CIÊNCIAS DO AMBIENTE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DO AMBIENTE E
SUSTENTABILIDADE NA AMAZÔNIA – PPG/CASA
MESTRADO ACADÊMICO
VIVENDO A TRANSIÇAO DE AMBIENTE DE MORADIA:
Um estudo com moradores do Parque Residencial Manaus PROSAMIM
JANETH DE ARAUJO LEMOS
MANAUS - AM
2010
UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS
CENTRO DE CIÊNCIAS DO AMBIENTE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DO AMBIENTE E
SUSTENTABILIDADE NA AMAZÔNIA – PPG/CASA
MESTRADO ACADÊMICO
JANETH DE ARAUJO LEMOS
VIVENDO A TRANSIÇAO DE AMBIENTE DE MORADIA:
Um estudo com moradores do Parque Residencial Manaus PROSAMIM
Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Ciências do Ambiente e
Sustentabilidade na Amazônia - PPG/CASA,
como parte dos requisitos para obtenção do
título de mestre em Ciências do Ambiente,
área de concentração Política e Gestão
Ambiental.
Orientadora: Profa. Dra. Maria Inês Gasparetto Higuchi
MANAUS – AM
2010
Ficha Catolográfica
(Catalogação realizada pela Biblioteca Central da UFAM)
Lemos, Janeth de Araujo
L557v
Vivendo a transição de ambiente de moradia: um estudo com
moradores do Parque Residencial Manaus - PROSAMIM / Janeth de
Araujo Lemos. - Manaus: UFAM, 2010.
87 f.; il. color.
Dissertação (Mestrado em Ciências do Ambiente e
Sustentabilidade na Amazônia) –– Universidade Federal do
Amazonas, 2010.
Orientador: Profª. Dra. Maria Inês Gasparetto Higuchi
1. Habitação popular – Manaus (AM) 2. Espaço urbano Amazonas 3. Planejamento urbano I. Higuchi, Maria Inês Gasparetto
II. Universidade Federal do Amazonas III. Título
CDU 364.122.7(811.3)(043.3)
4
JANETH DE ARAUJO LEMOS
VIVENDO A TRANSIÇAO DE AMBIENTE DE MORADIA:
Um estudo com moradores do Parque Residencial Manaus PROSAMIM
Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Ciências do Ambiente e
Sustentabilidade na Amazônia - PPG/CASA,
como parte dos requisitos para obtenção do
título de mestre em Ciências do Ambiente,
área de concentração Política e Gestão
Ambiental.
Aprovado em ______/_____/_______.
BANCA EXAMINADORA
----------------------------------------------------------------Prof. Dra.Maria Inês Gasparetto Higuchi
----------------------------------------------------------------Prof. Dra. Ivani ferreira de Farias
5
----------------------------------------------------------------Prof. Dra. Iolete Ribeiro da Silva
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar agradeço a Deus pela oportunidade de fazer esse mestrado. Algo tão
desejado por mim.
Ao meu querido pai, Américo Agostinho de Araujo (in memorian) e minha querida mãe,
Jarina Gomes de Araujo, pelas árduas batalhas que travaram no curso de suas vidas para que
eu alcançasse esse meu objetivo.
Ao meu marido e aos meus filhos pelos momentos de compreensão e de renuncias. Obrigada
pelo incentivo e apoio nas horas difíceis.
À minha grande e querida orientadora Dra. Maria Inês Gasparetto Higuchi pelo incentivo,
apoio, paciência nos momentos de receios e dúvidas. Obrigada pelo carinho. Sem sua ajuda eu
não teria conseguido.
Ao PPG/CASA pela oportunidade de agregar novos conhecimentos e qualificação.
À professora Dra. Sandra do Nascimento Noda pelo incentivo e apoio.
Aos professores do Programa de Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazonia por
sua competência e dedicação.
Às professoras Dra. Maria do Perpetuo Socorro Chaves e Dra. Maria Ivani pela valiosa
contribuição na avaliação deste trabalho.
À professora Dra. Tatiana Schor pelo incentivo e pelas observações durante o curso.
Aos queridos colegas Maria Cristina, Emeline, Eduardo, José Maria e Michele pelas
colaborações técnicas e incentivos.
À minha estimada e querida amiga Joyce Mara pelo apoio e colaboração.
Aos participantes deste estudo pela receptividade e colaboração sem vocês não seria possível.
As secretárias do PPG/CASA Raimunda Albuquerque, Lívia chaves e Cleide pela
disponibilidade e ajuda.
Aos gestores do IGPI, Viviane, Andreza e Carlos Alessandro, pela disponibilidade, atenção e
colaboração no fornecimento de dados do Programa PROSAMIM.
As coordenadoras do curso de Psicologia do Centro Universitário Nilton Lins Professora
Janaina Braga e Andreina Sales pelo apoio e incentivo.
À Universidade Federal do Amazonas pela oportunidade da realização do curso.
Ao CNPQ pela concessão da bolsa com a qual tive o incentivo para a pesquisa.
7
RESUMO
LEMOS, Janeth Araújo. Vivendo a Transição de Ambiente de Moradia: Um Estudo Com
Moradores Do Parque Residencial Manaus – Prosamim. Dissertação de Mestrado.
Programa de Pós Graduação em Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na
Amazônia/CCA/UFAM. Manaus, 2010.
O ambiente de moradia pode ser definido como um espaço em que o ser humano
escolhe para habitar e nele desenvolver suas ações rotineiras e cotidianas como: descansar,
alimentar-se e conviver com seus pares ou vizinhos. Esse ambiente se constitui como um
espaço vital e muito importante para a existência do ser humano. Normalmente é um lugar
construído e planejado pelas vivências e oportunidades de seus ocupantes. Em muitos casos
esse lugar não expressa necessariamente um ambiente planejado e muito menos desejado. Isso
é muito comum nas grandes cidades onde o problema de moradia é bastante precário e longe
de expressar um uso ambiental sustentável. Atualmente o inchaço das grandes cidades
brasileiras tem gerado incontáveis problemas sociais e inúmeros problemas ecológicos. Em
Manaus essa situação não é diferente, porém com uma peculiaridade devido ao relevo com
uma rede hidrográfica bastante complexa. Numa tentativa de solucionar a carência
habitacional e proporcionar uma melhor qualidade de vida aos moradores das margens dos
igarapés, assim como melhoria na paisagem estética da Cidade o Governo do Estado do
Amazonas em 2003 começou a articular uma política fundiária que priorizava essas áreas. O
PROSAMIM, (Programa de Saneamento dos Igarapés de Manaus) passa a ser executado com
o objetivo de sanear os igarapés urbanos e proporcionar moradias dignas aos que residiam nas
margens desses igarapés, formando um cinturão de pobreza e insalubridade ambiental. Uma
das opções dos moradores foi à mudança aos conjuntos habitacionais, entre eles o Parque
Residencial de Manaus, construído nas imediações dessa área central. Essa mudança de
espaço e lugar trouxe à cidade um cenário diferente, esteticamente bonito e organizado. Mas
como essa transição foi concebida e vivida pelos moradores? Esse estudo faz uma análise
dessa experiência num novo espaço físico e das relações sociais de vizinhança. Analisa ainda
os sentimentos dos moradores, as dificuldades e expectativas em torno da transformação do
ambiente de moradia. O estudo foi desenvolvido por meio de observação participante e
entrevista semi-estruturada com 40 moradores de ambos os sexos, responsáveis pela unidade
doméstica, com idade superior a 25 anos de idade e que estavam morando no local há pelo
menos um ano O resultado da pesquisa mostra a satisfação com a nova moradia, a localização.
Um processo de construção de identidade com a nova configuração espacial, urbanística. Os
moradores se sentem autovalorizados no novo ambiente, onde agora possuem nova identidade
social de cidadão morador, com equidade social e possuidor de direitos e deveres fato que
possibilita sua inclusão social. As modificações físicas do ambiente de moradia trouxeram
novos dilemas quanto às relações de vizinhança, estabelecimento de novos papeis sociais e
compromisso com o novo ambiente de moradia.
Palavras Chave: Remanejamento de moradia; Prosamim; Espaço e Lugar de Moradia
ABSTRACT
LEMOS, Janeth Araújo. Living the Transistion of the Environment of Housing: A Study With
Inhabitants Of the Residential Park Manaus - Prosamim.. Program of After Graduation in
Sciences of the Environment and Support in the Amazônia/CCA/UFAM. Manaus, 2010.
The housing environment can be defined as a space where the human being chooses to
inhabit and in it to develop its routine and daily action as: to rest, to feed themselves and to
coexist its pairs or neighbors. This environment if constitutes as a vital and very important
space for the existence of the human being. Normally it is a place constructed and planned for
the experiences and chances of its occupants. In many cases this not express place necessarily
a planned environment much less desired. This is very common in the great cities where the
housing problem is sufficiently precarious and far from expressing a sustainable ambient use.
Currently the swell of the great Brazilian cities has generated countless social problems and
innumerable ecological problems. In Manaus this situation is not different, however with a
peculiarity due to the relief with a sufficiently complex hydrographic net. In an attempt to
solve the lack housing and to provide one better quality of life to the inhabitants of the edges
of igarapés, as well as improvement in the aesthetic landscape of the City the Government of
the State of Amazon in 2003 started to articulate one agrarian politics that prioritized these
areas. The PROSAMIM, (Program of Sanitation of the Igarapés of Manaus) passes to be
executed with the objective of saner igarapés urban and providing worthy housings to that
they inhabited in the edges of these igarapés, forming a belt of poverty and unhealthy ambient
. One of the options of the inhabitants was to the change to the rooms sets, between them the
Residential Park of Manaus, constructed in the immediacy of this central area. This change of
space and place brought to the city a different scene, aesthetic pretty and organized. But as
this transistion it was conceived and lived for the inhabitants? This study it makes an analysis
of this experience in a new physical space and of the social relations of neighborhood. It still
analyzes the feelings of the inhabitants, the difficulties and expectations around the
transformation of the housing environment. The study it was developed by means of
participant comment and interview half-structuralized with 40 inhabitants of both the sexes,
responsible for the domestic unit, with superior age the 25 years of age and that they were
liveing in the place has at least one year. It was found that the residents feel happy to live in
the center, which has easier access to public and private services. The PROSAMIM provide
social inclusion for residents where they are local people living in illegal and not recognized
and valued by society for resident status as a citizen worthy of a place that offers self-worth as
a social group. However, the physical changes in space configuration and new neighbors
bring new dilemmas and social conflicts as the need for a reconfiguration of social identity,
social commitments with the new environment and new institutions of social roles.
Words Key: relocation housing; Prosamim; Space and Place of Housing
LISTA DE FIGURAS
Figura 1- Mapa referente a.extensão dos principais Igarapés de Manaus ................................ 30
Figura 2 - Antigas residências: construções sobre o Igarapé de Manaus ................................. 31
Figura 3- Antigas residências: construções sobre o Igarapé de Manaus .................................. 32
Figura 4 – Maquete dos blocos de apartamentos apresentada aos moradores.......................... 34
Figura 5 - Vista das precárias condições ambientais da antiga área residencial. ..................... 36
Figura 6 - Área residencial “Buraco do Pinto” em ocasião de enchente .................................. 36
Figura 7 - Aterramento do Igarapé de Manaus; solo criado ..................................................... 43
Figura 8 - Fase de construção das Quadras I e II ..................................................................... 43
Figura 9- Planta geral da área do Parque Residencial Manaus Quadra I e II ........................... 44
Figura 10- Via principal do PRM ............................................................................................. 45
Figura 11 - Área de recreação infantil ...................................................................................... 46
Figura 12- Coleta de lixo seletivo na área externa dos blocos do Parque ................................ 46
Figura 13- Uma das praças do PRM visivelmente abandonada ............................................... 50
Figura 14– Lixo no chão ao redor das lixeiras no PRM ........................................................... 50
Figura 15 – Móveis quebrados abandonados nas calçadas do PRM ........................................ 51
Figura 16 - Horta de um morador em área publica do PRM .................................................... 53
Figura 17- Comércio interno na área publica do PRM ............................................................. 54
LISTA DE TABELA
Tabela 1 - Distribuição dos participantes por sexo e idade ...................................................... 40
Tabela 2- Distribuição dos participantes em função do nível de escolaridade ......................... 41
LISTA DE SIGLAS
PROSAMIM- Programa de Saneamento dos Igarapés de Manaus
IPAAM- Instituto de Proteção Ambiental do Estado do Amazonas
ARSAM- Agencia Regional de Serviço Público do Estado do Amazonas
AMOPARMA- Associação dos Moradores do Parque Residencial Manaus
SUSAM- Secretaria de Saúde do Estado do Amazonas
SETHAB- Secretaria de terras e Habitações
SUHAB- Superintendência de Habitação do Amazonas
PRM- Parque Residencial Manaus
PER- Plano Específico de Remanejamento
BID- Banco Interamericano de Desenvolvimento
UGPI- Unidade de gerenciamento do Programa dos Igarapés
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO..................................................................................................................
12
2. PRODUÇÕES DO ESPAÇO E LUGAR .......................................................................... 17
2.1. Lugar De Moradia.................................................................................................................... 22
2.2. Relações de Vizinhança no Ambiente de Moradia ................................................................ 25
3. CARACTERIZAÇÃO DO PROGRAMA PROSAMIM ................................................ 28
3.1 Aspectos Urbanísticos e Habitacionais do PROSAMIM ....................................................... 30
3.2 Assentamento das famílias........................................................................................................ 32
4. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA ......................................... 37
4.1 Moradores entrevistados .......................................................................................................... 40
5. PARQUE RESIDENCIAL MANAUS: LOCUS DA PESQUISA .................................. 42
5.1 Arranjo e organização espacial do PRM ................................................................................. 45
5.2 O uso social do espaço privado e coletivo ................................................................................ 47
6. NOVA FORMA DE MORAR E AS NOVAS SOCIALIDADES ................................... 55
6.1 Estar no centro: a centralidade do espaço social .................................................................... 55
6.2 Ter casa própria: a posse e propriedade da moradia ............................................................ 60
6.3 Morar numa casa de alvenaria: um novo status social adquirido ........................................ 63
6. 4 Refazer Vizinhos: a produção de novas relações de vizinhança .......................................... 64
7. CONFIGURAÇÃO DE UMA NOVA IDENTIDADE SOCIAL ................................... 68
7.1 Ocupar um espaço sem ter participado de sua construção: os percalços da apropriação e
apego ................................................................................................................................................. 69
7.2 Adotar novos papeis sociais no lugar novo: o compromisso socioambiental ....................... 73
8. CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................75
9. REFERÊNCIAS ................................................................................................................. 79
APÊNDICE 1 – Carta enviada à associação dos Moradores do PRM .............................. 85
APÊNDICE 2 – Roteiro de questões da entrevista semi-estruturada ............................... 86
ROTEIRO DA ENTREVISTA ............................................................................................. 86
APÊNDICE 3 – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ........................................ 87
ANEXO 1 – Protocolo de Aprovação no CEP UFAM ........................................................ 89
INTRODUÇAO
O ambiente de moradia pode ser definido como um espaço em que o ser humano
escolhe para habitar e nele desenvolver suas ações rotineiras e cotidianas como: descansar,
alimentar-se e conviver com seus pares ou vizinhos. Esse ambiente se constitui como um
espaço vital e muito importante para a existência do ser humano. O ambiente de moradia não
se limita apenas à construção que se habita, mas também o ambiente que forma uma
totalidade e que assegura um espaço conhecido e seguro. Assim, o ambiente de moradia se
constitui como um lugar físico dotado de aspectos biológicos e psicossociais. Por um lado
serve como proteção frente aos perigos externos e por outro, assegura um espaço pessoal onde
seus ocupantes se sentem “em casa”, familiarizados com esse lugar e as regras que circulam
nele.
É a partir do ambiente residencial, que inclui a casa e seu entorno imediato, como o
bairro, que temos a possibilidade de compreender como o ser humano se posiciona frente ao
mundo e compreender suas atitudes e comportamento em relação ao ambiente em que está
inserido. Assim, o ser humano ao ocupar um lugar para morar se apropria do mesmo, mesmo
que esse processo tenha tempos e formas diferenciadas. Ao transformar este espaço em lugar
de moradia o ser humano torna-o visível, para si e para os outros. A materialidade do lugar
torna visível vários aspectos da subjetividade presentes na sociedade em que faz parte, além
de sua própria história.
Um lugar de moradia é normalmente um lugar construído e planejado pelas vivências
e oportunidades que cada pessoa e sua família passa durante sua vida. Porém, em muitos
casos um lugar de moradia não expressa necessariamente um ambiente planejado e muito
menos desejado. Isso é muito comum nas grandes cidades onde o problema de moradia é
bastante precário e longe de expressar um uso ambiental sustentável. Atualmente o inchaço
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das grandes cidades brasileiras, onde os pobres vivem em lugares inóspitos a habitabilidade,
tem gerado incontáveis problemas sociais e inúmeros problemas ecológicos. Nas cidades da
Amazônia, em particular em Manaus, ocorrem fenômenos de ocupação muito semelhantes às
demais grandes cidades brasileiras, porém com uma peculiaridade devido ao relevo com uma
rede hidrográfica bastante complexa.
Manaus possui características geográficas peculiares na sua malha urbana, com a
existência de cursos d‟água em toda sua extensão, determinando todo o tecido urbano. Por
fatores culturais, socioeconômicos e geográficos a população manauara sempre ocupou as
margens dos igarapés, no entanto, alguns fatores intensificaram a ocupação como, por
exemplo, o processo migratório na década de 60, com a criação da Zona Franca de Manaus. A
ocupação desenfreada pela população nas margens dos igarapés acarretou diversos problemas
ambientais como poluição dos biomas aquáticos com grande quantidade de lixo domésticos
que obstruía o curso dos igarapés ocasionando alagações nas moradias, colocando em risco a
vida dos moradores e proliferações de doenças.
Constatam-se antagonismos sociais e econômicos na ocupação desses espaços, de um
lado os moradores com poucas condições econômicas e sociais e do outro temos
comerciários, empresários, uma classe social não subalterna, politicamente e economicamente
dominante. É notória a valorização do solo, quando grandes empreendimentos comerciais
atuam nesses locais, onde o fluxo de pessoas, comunicação e do comercio passa a ser intenso,
apesar das leis e normas ambientais que não permitem construções há menos de 40 metros de
distancia de igarapés/rios (PINHEIRO, 2008). Embora os grupos de maior poder aquisitivo
estejam concorrendo com esses espaços, ainda é a população de baixo poder aquisitivo que se
aglomera nessas margens e reproduzem paisagens sociais e ambientais precárias.
Numa tentativa de solucionar este problema, o Governo do Estado do Amazonas em
2003 começou a articular uma política fundiária para o saneamento dos igarapés com vistas a
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uma melhoria na estética paisagista da cidade e reassentamento dos moradores que vivem nas
margens e sobre os igarapés mais poluídos da cidade. Surge então o PROSAMIM - Programa
de Saneamento dos Igarapés de Manaus (www.prosamim.am.gov.br). As áreas dos igarapés
contempladas por esse programa sofrem uma substancial modificação da paisagem, onde os
cursos d‟água são realinhados em canais margeados por um gramado, praças, ciclovias,
calçadas e área de lazer. Com esse procedimento arquitetônico, a paisagem urbana de Manaus
é totalmente modificada, mesmo tendo críticas severas de ecologistas e ambientalistas.
Aos antigos moradores lhes é reservado opções de mudança, e uma delas inclui a
escolha a de morar nos Conjuntos Habitacionais que são construídos concomitantemente a
transformação da paisagem do igarapé. Trata-se de um lugar onde há vários prédios de dois
andares e apartamentos desenhados de forma padrão em tamanho e forma. A padronização
física tem implícito porém, uma matriz social bastante diversa e complexa, pois não se trata
apenas de um lugar físico, mas um ambiente simbólico de mudanças. Vários estudos
apontaram de forma conclusiva que o lugar onde uma pessoa mora não é meramente uma
construção física que protege e acolhe seu habitante, mas algo subjetivo fruto de projeções de
desejos, sentimentos e idealizações, onde a personalidade, comportamento do seu ocupante é
refletida na sua construção e organização.
Tendo então esse cenário socioambiental, este estudo tem por objetivo analisar a
transição de ambiente de moradia e suas implicações na vida dos moradores residentes no
Parque Residencial Manaus (PRM), Quadra I e II, como parte do PROSAMIM,
caracterizando o espaço físico do lugar e identificando as implicações dessa mudança nas
relações sociais vividas nesse ambiente de produção de um novo lugar de moradia.
A
compreensão dos fatores psicossociais e culturais presentes nessa situação da mudança de
moradia é o foco dessa pesquisa, por entender que o espaço residencial é construído
historicamente pelas pessoas ao longo de sua trajetória de vida, a partir de aspectos geofísicos
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e do repertório cultural de uso do ambiente. Considera-se, portanto, que esse cenário
socioambiental se constitui como relevância para o meio cientifico e população em geral,
onde poderemos subsidiar conhecimentos para a implantação de políticas publicas de moradia
considerando o homem como parte imprescindível na relação homem-ambiente.
O uso da observação participante como parte da metodologia permitiu uma inserção
no lugar e uma aproximação com os moradores no PRM. Foram realizados registros em diário
de campo e fotográfico do cotidiano dos moradores e o uso social da estrutura física desse
lugar, as manifestações de comportamento coletivo em atividades e eventos ocorrentes
naquele espaço. Após esse primeiro momento foram realizadas entrevistas semi estruturada
com os alguns moradores, onde pontos de interesses do pesquisador foram sendo explorados
ao longo do seu curso. Participaram dessas entrevistas 40 homens e mulheres, todos
moradores do PRM que optaram por residir nesse conjunto habitacional e permaneciam nele
por pelo menos um ano. Esses tinham idade superior a 25 anos, e se definiam responsáveis
pela unidade doméstica.
Essa dissertação foi organizada em capítulos de modo que no capítulo dois, são
apresentados argumentos para balizar a discussão teórica da pesquisa. Esses argumentos são
embasados em autores que conceituam o espaço de moradia como produção social ao longo
da trajetória humana e que consideram importante para a sua construção aspectos como o
cotidiano e as relações de vizinhança. Alguns tópicos são salientes nessa discussão, por
exemplo, a produção do espaço e lugar, lugar de moradia e sua importância para a vida de
seus moradores e as relações de vizinhança.
No terceiro capítulo me dedico a apresentar a formatação e configuração política do
PROSAMIM. No quarto apresento os procedimentos metodológicos da pesquisa, seguindo-se
dos capítulos que foram produzidos a partir das analises desenvolvidas neste estudo, onde
faço a caracterização espaço físico que serviu como lócus da pesquisa, mostrando as
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estruturas arquitetônicas e urbanistas do lugar e das construções coletivas e domesticas,
inserindo ainda o processo de assentamento ocorrido. Discuto de modo concomitante como os
moradores fazem uso dessa estrutura física como arena de acontecimentos sociais. Prossigo
no capitulo seguinte apresentando como esses acontecimentos são elaborados configurando
uma nova forma de morar e se relacionar com os demais moradores. No último capítulo
apresento aspectos constitutivos de uma nova identidade social que emerge no lugar e vai se
produzindo a partir dessa relação com o ambiente. Finalmente apresento as considerações do
estudo, onde pondero a inextricável associação de produção de pessoas ao mesmo tempo em
que se produzem lugares, de tal forma que é difícil dizer o que vem em primeiro lugar.
2. PRODUÇÕES DO ESPAÇO E LUGAR
Não se concebe o espaço como campo homogêneo de fluxos, mas possuidor de
controvérsias de opiniões e interesses dos atores sociais caracterizando uma dinâmica espacial
própria da sociedade capitalista dos dias atuais, incentivada por fatores econômicos típicos da
racionalidade do espaço contemporâneo, onde o controle está presente nas ações que
desencadeia o conflito pela posse de território. Na visão marxista que discute esses fatores, o
foco é centralizado na globalização ou na mundializaçao da economia que passa a ser uma
ferramenta importante para a consolidação do capitalismo. Os espaços são vistos como
mercadoria para a efetiva consolidação dos valores criados pelos grandes blocos econômicos.
Vemos, pois, que o mercado imobiliário predita o uso do espaço e seu valor econômico.
Castells (2001) afirma que o espaço aparece como uma mercadoria enquanto solo
urbano, disputado pelo mercado imobiliário e repassado para população através do lucro. As
estratificações sociais são beneficiadas de acordo com seu poder aquisitivo, ocasionando um
18
fenômeno atração-expulsão, onde as classes menos favorecidas economicamente são
empurradas para locais menos valorativos pelo mercado imobiliário causando uma dissolução
nos lugares de moradia e conseqüentemente modificando a relação espaço-ambiente. Essa
fragmentação gera no individuo um comportamento normativo do uso, das relações sociais,
impondo conflitos e confrontos, o cotidiano passa a ser o controlado e organizado conforme
uma lógica racional e burocrática do espaço.
A organização do espaço pelo Estado ou racionalização do espaço tem como objetivo
ordenar a ocupação e determinar as diversas formas de uso para os grupos sociais como
alternativas de suprir suas necessidades sociais. O espaço passa a ser então, normalizador e
condicionador do comportamento do grupo. Pode-se ter como exemplo, os conjuntos
habitacionais construídos pelo Estado, que determinam a forma de uso, isto é das atividades
que podem ou não ser realizadas pelos seus ocupantes. São modelos universais que tentam
homogeneizar as arquiteturas e comportamentos socialmente aceitos (MUXI, 2004).
Lefebvre (1999) e Tedesco (2003) ressaltam que o Estado deveria ter a função de
organizar a primazia do fator econômico sobre as relações históricas e sociais da sociedade,
onde o espaço da sociedade é controlado, se tornando o objeto de troca e de consumo como
coisas que podem ser negociáveis, e que o Estado se constitui como um gestor da sociedade
através da cotidianidade lucrativa, burocrática, consumista e estética do cotidiano. O ser
humano nas suas ações cotidianas demonstra uma preocupação com a economia, com a
produtividade que lhe é exigida. Suas atividades se constituem em reações de produção de
trabalho. O trabalho passa a ser um imperativo para sua funcionalidade como cidadão, o que
reflete na sua pratica sócio espacial, com atividades rotineiras que vem ao encontro dessa
exigência social vigente.
Já numa análise psicossocial, o espaço é caracterizado de forma mais abrangente, uma
vez que é a matriz da existência social e do enraizamento da estrutura do homem. Nessa
19
perspectiva o espaço é definido através de varias formas, seja como um lugar, um ponto de
referencia que no qual se situa algum objeto, um acontecimento ou uma atividade social
(FISCHER, s/d). Portanto, o espaço é um sistema de interdependências complexas entre os
objetos e o indivíduo que o nomeia e o valoriza conforme sua percepção. O espaço ao mesmo
tempo em que influencia a conduta do ser humano também sofre modificações na sua
funcionalidade e estrutura. O espaço dá condição para o desenvolvimento do comportamento
de apropriação baseado em uma organização social que produz fronteiras e limites das ações
do individuo. O valor de um lugar depende não só do controle psicológico que o individuo
possa ter, mas do nível social e econômico do qual ele pertence. Com as modificações da
estrutura física de morar, decorrente da fragmentação do espaço urbano gerado pelo
desenvolvimento socioeconômico local, as pessoas se defrontam com conflitos que podem
ocasionar grandes alterações funcionais e estruturais no seu modo de viver.
Corroborando com esse pensar Santos e Souza (1986), conceituam o espaço como
suporte para que o ser humano desenvolva suas funções de habitat, de alimentação, de
descanso, de trabalho, se diversão, de interações com os demais indivíduos e ambiente a sua
volta. Santos (2007) ressalta que a localização das pessoas em um lugar, o qual conceitua
como conjunto de objetos naturais e não naturais construídos pelo ser humano, e que é
resultado de forças de mercado capitalista e decisões do estado, independe, da vontade dos
indivíduos atingidos. São situações em que os indivíduos vêem-se forçados a aceitar pelas
circunstancias vivenciadas. A análise de um espaço vivido nos mostra a comunicação que
existe entre seus construtores, os diversos empregos e usos que seus habitantes fazem dele. A
forma de cada grupo social utilizar seu espaço é inerente também aos aspectos de sua cultura,
ou seja, de sua historia coletiva.
Segundo Santos (1981), quando um indivíduo se defronta com um espaço que não
ajudou a construir, a criar e que não conhece sua historia, ele se torna estranho em relação ao
20
mesmo, não faz parte dele, de suas relações sociais vivenciadas com seu grupo. Sua
identidade de lugar já não existe, foi desfeita. Mas, como um ser de capacidade de superação,
começa uma luta para reaprender, usando sua sensibilidade vai aos poucos substituindo seu
desconhecimento pelo conhecimento do entorno, deste novo espaço, embora de forma muito
segmentada e lenta. A adaptação requer a capacidade inconsciente de sentir–se pertencente a
esse espaço.
Fischer (s/d) nos alerta que qualquer arranjo ou organização espacial tem contido
sempre uma funcionalidade e uma hierarquia social, nos quais os vários grupos vivem e
interagem. Santos (1981) define pelo menos dois tipos de espaços. Em primeiro vem o espaço
familiar, área domestica com normas e valores desse grupo. Em segundo lugar vem o da
vizinhança, no qual o movimento de interação já é externo, cotidiano, após este vem o espaço
econômico no qual está ligado, o emprego, o trabalho, enfim a produção remunerada. As
interações sociais que ocorrem nesses espaços refletem comportamentos rotineiros, seja do
dia-a-dia ou eventuais.
Quando o ser humano se apropria do espaço com toda a sua subjetividade que
podemos definir de uma maneira “simplória” como sendo o modo de ser de cada um, como
seu comportamento, seu pensar e suas ideologias e concretiza isso, passamos então a nomear
de lugar de vida ou de existência. Um espaço quando é tomado pelo sentido a ele conferido
passa a se tornar lugar. Isto é, o espaço que é um conceito subjetivo tem sua face objetiva no
momento que se pode “tocá-lo”, passamos a nos referir a um espaço físico, um lugar a partir
do qual possam ser constadas suas propriedades físicas e geográficas.
Os limites impostos por comportamentos de apropriação é o que estabelecem o grau e
o nível de relações entre os indivíduos (FISCHER s/d). Assim, se pode ter uma relação social
mais próxima com os vizinhos, com parentes, e também ter uma relação social mais distante,
por exemplo, com os chefes e outras pessoas que se julga superiores, estabelecendo-se aí as
21
normas de convivência, de utilização de espaços numa hierarquia espacial. Pode-se assim,
conceituar apropriação como sendo um processo de enraizamento necessário à segurança do
ser humano, onde o eu se inscreve em um determinado ponto geográfico, o que proporciona
ao individuo sentimento de domínio de um lugar (MOURÃO e CAVALCANTE, 2006)
É por isso que Carlos (1992) insiste que para analisar um lugar é necessário levar em
consideração a tríade habitante-identidade-lugar. O habitante através do seu corpo se apropria
e faz uso deste, com suas sensações e ações, de desejos, de projeções e de identidade com o
outro. O corpo dá a condição do vivido, do experienciado, do trabalho e do lazer que vai aos
poucos tendo uma significância dada pelo uso diário. Através do corpo o ser humano se
apropria da rua, das calçadas, que se comunica que vai às compras enfim, atuando no mundo.
No lugar vivido o ser humano se reconhece como pertencente àquele lugar. O lugar dá a
natureza social da identidade que, segundo Silva (2000); Frago e Escolano (2001) seria fruto
da própria historicidade do ser humano e que estaria em constantes transformações. A
identidade social estaria enraizada no passado histórico e que mantém certa correspondência
com o lugar vivido. É nele que a historia se constrói, pela pratica social através do movimento
da vida e acumulação cultural e defendem que o lugar é um espaço construído por meio da
ação humana, com suas significações e concepções.
O lugar é, assim, um produto do ser humano com seu grupo social, com suas
hierarquias e seus conflitos de poder. Leff (2001) em seus estudos sobre habitat, ambiente e
cultura, reforça esse pensamento ao dizer que o habitat é o lugar construído pelos atores
sociais através de suas significações e praticas com a natureza e que a cultura não é
determinada pelo meio em que a população humana vive, mas que esta vai se reconfigurando
através do próprio modo de cada população que se apropria do ambiente nas suas
movimentações migratórias ou permanências geográficas.
22
Santos (2007) ao se referir às migrações, relata que esses são fenômenos de agressão,
pois requer do individuo uma nova adaptação, um processo árduo e lento. A
desterritorialização teria assim o sinônimo de alienação, estranhamento e desculturalização.
Mudar de um lugar para outro é confrontar-se com uma nova cultura, uma nova forma de
viver o seu cotidiano, e de criar novas concepções de lugar. A relação com o novo ambiente,
com a nova moradia pode criar uma relação conflituosa de perda e ao mesmo tempo de
aquisição de um novo fazer, um novo viver, o que demanda novas disposições físicas e
psicológicas do ser humano. Como então podemos caracterizar um espaço como lugar de
moradia?
2.1. Lugar De Moradia
As construções arquitetônicas de moradia tiveram ao longo da historia humana
diversas formas influenciadas pelas necessidades e desejos do ser humano, fazendo parte,
portanto, de sua cultura e de um dado momento histórico. Dentre os aspectos influenciadores
pode-se salientar o fator econômico que se constitui a principal causa da mobilidade social de
moradia, um fenômeno urbano comum na nossa sociedade. Garnier (1997) e Valle e Oliveira
(2003) ao se referirem a esse tema mencionam dois grupos populacionais: um com maior
poder aquisitivo que tende a se afastar do centro e ocupar terrenos espaçosos, com
construções de moradias confortáveis e o segundo em relação às pessoas menos favorecidas
economicamente que se aglomeram nos centros urbanos em habitações que ocupam às vezes
mais de uma família e com condições precárias de moradia. Assim, a maioria das pessoas com
menos poder aquisitivo prefere morar próximo ao local de trabalho ou que tenha maior
facilidade de acesso a serviços públicos (RIBEIRO FILHO, 1999).
23
Alguns autores nos apresentam uma tipologia de ambientes residenciais que inclui
desde casa, o bairro e até as relações de vizinhança (ARAGONES E AMERIGO, 2002;
FICHER, s/d). Os autores ressaltam que existem poucos estudos que contemplem essa
temática, o que dificulta a implantação de políticas públicas sociais que visem uma melhor
relação individuo-ambiente, um espaço que funciona como suporte para o desenvolvimento
das ações cotidianas e que se denomina como sendo seu lugar de vida, sua casa, seu habitat.
Na visão biológica o habitat tem um significado de espaço de relações e interações das
espécies, é o que dá condições para a sobrevivência. Habitar num espaço é ter um território,
seu enraizamento de pertencer, é a sua casa, em suas mais diversas formas, seja apartamento,
alojamento, quarto, e outros. A casa tem diversas representações e varia conforme o tempo e o
espaço, no entanto, a casa continua sendo uma realidade com dimensões físicas e simbólicas.
Com relação ao aspecto físico, as variações que ocorrem na construção da casa/apartamento,
no bairro como internamente depende da cultura da localidade, assim como, a função que
cada compartimento da casa/apartamento possui. Aqui cultura deve ser vista como um corpo
de conhecimentos, de idealizações e praticas que direcionam o comportamento dos atores
sociais.
Durante a historia da humanidade, o ser humano teve diversas formas de morar, de se
alojar, ligado a fatores físicos e climáticos. A necessidade de ter um lugar significa proteção
contra riscos de toda natureza. A casa, o lugar, corresponde de forma concreta os sentimentos
de propriedade, de pertencimento, poder e status social. Mas, também de abertura ou
fechamento da comunicação com o outro. Segundo Carlos (2001), o ser humano se percebe a
partir de sua casa, sendo esta o ponto central da sua posição geográfica no mundo. A sua
forma arquitetônica possui um conteúdo social construído ao longo da sua historia, na qual se
apóia sua ação e percepção de vida. Assim, sua construção revela a própria identidade do
24
homem refletida pela sua memória, tornando-se agora presente. Um fenômeno desprezado
pelas propostas de operações urbanas, que balizam as políticas públicas de moradia.
Outro aspecto é a composição de objetos e acessórios que expressam a personalidade e
o status socioeconômico de cada morador. Esses indícios nos levam a considerar que a casa
representa a própria imagem do dono e, portanto incluem nela um sistema de valores sociais e
morais. Nos estudos de Higuchi (1999; 2003), constata-se a importância que os grupos sociais
que habitam um determinado lugar dão à construção de sua moradia para referenciar
significados e valores socioculturais. A casa, segundo a autora, representa para seus ocupantes
concepções de status social, que o diferencia e ao mesmo tempo os aproxima do seu meio
social. Através da construção e da aquisição do material os moradores mostram suas
capacidades de crescimento sócio econômicas, o que interfere nas suas relações de
vizinhança, de contato e de reafirmação de uma identidade social e pessoal. A casa representa
uma identidade pessoal e social, a materialização dos seus desejos, dos seus projetos, ao
mesmo tempo em que ela é a proteção do eu corpóreo e imaginário. A casa proporciona ainda,
a leitura da vivencia, de práticas diárias que estruturam o relacionamento social dos ocupantes
entre si e entre os demais da vizinhança.
Identidade social é o aspecto do autoconceito que o ser humano adquire através do
conhecimento de seu pertencimento a um grupo ou grupos sociais com sentimentos de
valoração. Assim o entorno físico pode se constitui como ponto importante para construção de
sua identidade. O termo pode receber diversas denominações sendo mais comum identidade
de lugar e identidade social urbana (MOURÃO e CAVALCANTE, 2006).
O espaço de moradia se constitui, dessa forma, o centro da existência humana com
significações físicas, psicológicas e culturais, contendo uma familiaridade do mundo vivido,
uma expressão da identidade sociocultural que reflete um status social e pertencimento.
Wiensenfeld (2001), também postula que o espaço de moradia como expressão de identidade
25
social de seus moradores. Definindo identidade social como a interação e compartilhamento
de símbolos e significações similares entre os grupos. Tuan (1980), inclui nesse cenário a
emoção, introduzindo o termo topofilia como uma relação afetiva que o homem desenvolve
com o seu ambiente material através de símbolos e valores culturais.
Por outro lado, a casa também pode existir apenas através do imaginário, onde a
materialização não é possível devido às condições econômicas de seus habitantes como no
caso de moradores de rua. Nesse caso, segundo Santos e Duarte (2002), esse fenômeno recebe
o nome de “casa ausente”. As autoras verificaram que quanto mais tempo os indivíduos vivem
nas ruas mais a casa perde sua concretude, ficando apenas no imaginário. Porém observam-se
limites claro estabelecidos de convivência onde se constata um grande significado simbólico.
Não ter um lugar, é não ter uma raiz, uma identidade de lugar. Isso envolve ainda uma rede de
relações com os que estão fixados na proximidade, dando referência à sua própria localização
física e social. Essa rede se caracteriza como relações de vizinhança.
2.2. Relações de Vizinhança no Ambiente de Moradia
As relações sociais de vizinhança envolvem trocas no plano das vivências, de
sentimentos, comportamentos e percepções. A vida é construída em conjunto com o outro,
com o coletivo compartilhado na rotina do fazer. É através das mesmas que há superação das
necessidades, e da reafirmação do posicionamento frente do vivido.
As relações de
vizinhança têm uma estreita relação com o cotidiano do individuo, sendo um comportamento
social aceito e praticado durante toda existência humana. Certeau e Pierre (2005), definem
cotidiano como as ações, atividades rotineiras que se impõe à vida da cada um, pressionando
para o fazer, seja, bom ou não. São os compromissos que nós assumimos na nossa vida que se
relaciona com o modo de ser e de se posicionar no mundo.
26
Ainda segundo Certeau e Pierre (ibid), a organização da vida cotidiana acontece
através de duas formas: a) comportamentos do individuo que se torna visível nas ruas, pelo
seu vestuário, acenos, saudações de cortesias, ritmo de andar de freqüentar determinado
lugares no bairro; b) os benefícios simbólicos que esses comportamentos tem para seus
autores sociais. Esses estão balizados pela cultura de cada um. Assim a organização da vida
cotidiana, nos mostra a relação estabelecida de convivência que existe no bairro. A
convivência requer um contrato social que obriga seus usuários a respeitar a vida cotidiana.
Dessa forma Tedesco (2003), ressalta que o cotidiano se constitui o lugar para analise social,
sendo este o lócus da sociabilidade humana, formado por simbolismo da realidade ou do
imaginário, constituindo-se como uma teia que compõe o vivido.
Com o desenvolvimento econômico, as operações urbanas executadas pelos gestores
governamentais têm trazido para a cidade, palco da urbanização, rápidas transformações na
malha urbana, justificadas pelo aspecto político, econômico, social e ambiental. Dessa forma,
o espaço de moradia ganha novas configurações, com construções racionais que buscam
valorizar o espaço e atender a nova ordem capitalista, que tem em grande parte, o espaço
como mercadoria lucrativa no mercado imobiliário. Guattari e Kolnilk (2007), em suas
colocações sobre a historia e a subjetividade do ser humano, consideram que a ordem
capitalista é projetada na realidade do mundo e na realidade psíquica do ser humano na forma
e nos modos de relações humanas, na maneira como se trabalha, como se ama. Ela fabrica os
movimentos corpóreos, subsidiando a relação do homem com o mundo e consigo mesmo.
Desse modo, o ser humano, toma como verdade esse conhecimento construindo crenças e
aceitando como a ordem do mundo, como uma idéia de vida organizada.
Esses valores e funcionalidades não se instalam num vácuo, mas no cotidiano é que
estes estabelecem, através de relações diversas. Sposito (2001), considera o cotidiano por si só
uma categoria de analise explicativa da realidade, tendo em vista que é através dele que o ser
27
humano se relaciona e planeja suas atividades. Isso seria uma forma de apropriação da vida,
do lugar, resumindo-se numa pratica social, como que o lugar passa a ser preenchido pelas
relações sociais; Sendo assim quando analisamos o lugar não podemos reduzir apenas ao
aspecto econômico, como é postulado numa perspectiva histórico-material.
Pinheiro (2008) e Gouvéa (2008) constataram em suas pesquisas que a sociabilidade
dos moradores a margem dos igarapés de Manaus, teve alterações significativas
principalmente nas relações de vizinhança em decorrência da nova forma de morar. Muitas
famílias foram remanejadas para outros espaços de moradia e muitas delas optaram em locais
próximos como forma de evitar o distanciamento físico e afetivo dos vizinhos de longa data.
Outras famílias permaneceram no mesmo local de moradia, mas em terrenos construídos pelo
programa, como é o caso de alguns moradores do Conjunto Residencial Manaus. Nesse caso
os motivos da permanência foram: a localização central, onde os serviços públicos são mais
acessíveis como posto médico, transportes, a proximidade com os parentes e as relações de
vizinhança. A socialidade entre os vizinhos é ponto relevante para o apego ao lugar, onde a
identidade social se faz presente criando simbolismo compartilhado entre a comunidade
pesquisada. Como vimos anteriormente, a casa é algo além da materialidade, é algo sonhado e
projetado pelos moradores. A chegada da nova moradia trouxe alguns questionamentos,
euforia e estranhamentos entre os moradores, afinal tudo foi modificado desde dimensão
física até a dimensão psicológica. A idealização da nova moradia não foi compartilhada entre
os moradores, mas sim pelas ações governamentais que pouco ouvidos foi dado aos
interessados.
O ser humano, ser social por natureza, tem a necessidade de compartilhar idéias,
pensamentos, sentimentos, ideologias e ações, procurando através da comunicação, interações
de convivência e de ajuda frente às dificuldades que o próprio curso de vida lhe impõe. Assim
é factício que o homem relaciona-se com pessoas próximas estabelecendo laços de amizade e
28
companheirismo. O fator vizinhança é um fenômeno que segundo Aragones e Amerigo
(2002), subsidia a compreensão da relação casa-bairro, o sentimento de pertencimento a um
lugar pelo ser humano e que está relacionado com o grau de proximidade que este tem com
seus vizinhos, quanto menor for à distância física, maior a possibilidade de uma relação
afetiva. A proximidade conduz segundo a autora, à afetividade. O bairro seria a área com um
nível intermediário de organização social entre a vivência do individuo e a cidade, seria então
uma zona de intermediação entre um espaço micro e um macro, onde existem vários serviços
e onde se estabelece laço afetivo entre as pessoas que também habitam nesse espaço, o qual a
autora chama de esquema sócio espacial. E que proporciona aos indivíduos sentimentos de
pertencimento e de identidade.
O que dizer daquelas pessoas, cujo local de moradia é transferido para um ponto
geográfico diferenciado, com estrutura e organização modificados? O poder público por meio
de programas de habitação e desenvolvimento se torna um agente expressivo de mudança de
espaço e lugar. Através de obras da engenharia civil modifica a paisagem urbanística com
construções de moradia para população que habitava locais considerados de risco nas margens
dos igarapés que cortam as principais vias urbanas da cidade. Para compreender o processo
socioambiental nessa mudança é importante caracterizar a obra de engenharia presente no
Programa PROSAMIM.
3. CARACTERIZAÇÃO DO PROGRAMA PROSAMIM
Em 2003 o Governo do Estado do Amazonas começa a articular uma política
fundiária com o objetivo de conter as invasões e o crescimento da população que ocupa as
margens dos igarapés. Manaus tem duas principais bacias hidrográficas, a Bacia de São
Raimundo e a Bacia dos Educandos, sendo a escolhida para intervenção das operações do
29
Programa, a Bacia dos Educandos, por ter um maior número de contingente populacional
ribeirinho e índice de doenças por veiculação hídrica se constituindo em risco social e
ambiental. Assim, através da lei No. 2785 foi autorizado o empréstimo para a execução do
Programa junto ao BID- Banco interamericano de Desenvolvimento no valor 140 milhões de
dólares, o valor total da obra foi orçado em 200 milhões de dólares. O Programa tem como
parceria organizações Governamentais e não Governamentais como Prefeitura Municipal de
Manaus, Manaus Energia, Águas do Amazonas, IPAAM, ARSAM, SUSAM, SETHAB e
SUHAB. O principal objetivo do Programa é a implantação de sistemas macro e micro
drenagem para recuperar a capacidade de drenagem dos igarapés e de escoamento das águas
pluviais nas áreas de intervenções; reordenamento urbano com vias urbanas, equipamento
urbano, melhoria na habitação; reassentamento e realocação da população nas áreas de risco.
O Programa beneficia 21.326 famílias ribeirinhas totalizando 102.365 habitantes. Sendo que
35.827 estão em áreas de risco.
A Bacia dos Educandos área de intervenção do Programa, é composta pelos Igarapé do
Quarenta, Igarapé do Mestre Chico, Igarapé da Cachoeirinha e Igarapé de Manaus, esse
ultimo localizado na área central da cidade, com sua nascente formada por três olhos d‟água
na base de uma encosta, dentro de uma propriedade particular (Figura 1). Ao longo de seu
percurso, o Igarapé de Manaus corta importantes vias da cidade, e concentra em sua bacia
uma população de cerca de 15.000 habitantes. A Bacia dos Educandos tem aproximadamente
36 mil moradores que se encontram em situação de potencial risco, distribuídos nos seguintes
bairros: Armando Mendes, Betânia, Cachoeirinha, Centro, Colônia Oliveira Machado,
Crespo, Distrito Industrial I e II, Educandos, Japiim, Morro da Liberdade, Petrópolis, Praça
14 de Janeiro, Raiz, Santa Luzia, São Francisco, São Lázaro e Zumbi dos Palmares conforme
dados fornecidos pela UGPI.
30
Figura 1- Mapa referente a.extensão dos principais Igarapés de Manaus
Fonte: www.prosamim.am.gov.br, 2009
3.1 Aspectos Urbanísticos e Habitacionais do PROSAMIM
Manaus teve grande influencia européia no uso do espaço urbano durante seu
processo de colonização, embora também tenha tido influencia da própria constituição
geográfica através de ocupação da sua população para moradia as margens dos igarapés que
corta a malha urbana de Manaus. Pode-se, portanto, observar na paisagem urbana de Manaus,
construções habitacionais baseadas em modelos internacionais e construções típicas da
própria região como as chamadas palafitas, casas construídas sob as águas. Historicamente as
construções de casas às margens dos igarapés sempre fez parte da cultura local, onde a
população utiliza as águas dos rios para suprir suas necessidades e também seu lazer. O
consumo de produtos industrializados gerado pela globalização da econômica não era tão
significativo como é hoje, não havendo, portanto, uma grande quantidade de produção de
resíduos sólidos, fruto do consumismo atual. É fato que esse foi um fator relevante para a
poluição e contaminação do leito dos igarapés de Manaus.
31
Nos anos 70 Manaus se torna um pólo atrativo através da criação da Zona Franca de
Manaus, quando um grande contingente populacional migra para a cidade a procura de
oportunidade de trabalho e maiores condições econômicas. Manaus, portanto, passa a abrigar
em seu solo urbano imensos contingentes de pessoas vindas de outras regiões e do interior do
estado.
As populações com menos valor aquisitivo passam a ocupar terrenos menos
valorizados pelo mercado imobiliário de Manaus, vivendo em áreas de risco e degradando o
leito dos igarapés com seus dejetos sólidos ou através de águas servidas (Figura 2 e 3).
Figura 2 - Antigas residências: construções sobre o Igarapé de Manaus
Fonte: UGPI, 2009
32
Figura 3- Antigas residências: construções sobre o Igarapé de Manaus
Fonte: UGPI, 2009
Essa paisagem passa a incomodar gestores, ambientalistas e a cidade de modo geral.
Nem tanto pela condição das famílias, mas principalmente pelo aspecto visual e ambiental,
que estaria “enfeiando” uma cidade que seguia a passos largos para um reconhecimento
dentro de uma escala de progresso, baseado num arranjo sanitário mínimo. Além disso,
problemas econômicos também foram sendo associados nessa necessidade de mudanças no
espaço urbano. Para a transformação da geografia degradada seria necessário também a
mudança do endereço daquelas famílias. Com isso deu-se início ao processo de remoção da
população.
3.2 Assentamento das famílias
O PROSAMIM em suas operações tem como objetivo intervir na ordenação urbana e
no uso racional do solo, como já foi mencionado anteriormente, dessa forma, a população foi
reassentada e relocada. Assim como a criação de vias de acesso e de equipamentos
urbanístico, como Parques de lazer e serviços públicos e implantação junto às famílias
33
afetadas. Além disso, prevê várias atividades de educação ambiental como reciclagem de
material e processo seletivo do lixo.
Para o reassentamento das famílias foi criado o PER - Plano Especifico de
Remanejamento, com as seguintes opções aos moradores afetados: a) Bônus moradia no valor
de R$ 21.000,00, para compra de outra moradia no mercado local ou regional com boas
condições de conservação com serviços públicos; b)indenizações em dinheiro aos
proprietários a serem feitas de acordo com a avaliações feitas pela equipe técnica baseados no
valor do mercado imobiliário e as benfeitorias realizada pelo morador; c) realocamento de
inquilinos ou morador cedido em conjuntos habitacionais criados pelo Governo do Estado
como no caso de famílias que optaram em morar no Conjunto João Paulo II e Nova Cidade e
d) morar em terrenos criados através do aterramento dos Igarapés proprietários ou inquilinos.
Na fase transitória, entre a retirada das famílias e uma solução definitiva por parte
dos gestores, foi concedida uma bolsa transitória no valor de R$ 250,00 para as famílias. As
bolsas foram dadas para as seguintes alternativas de moradia: aluguel; hospedagem em hotel
ou pensão e acolhida em casa de parentes.
Objetivando preparar a população remanejada, o PROSAMIM criou plano de
educação junto às famílias executando oficinas pedagógicas, onde a comunidade era orientada
e preparada para o novo ambiente de moradia. As famílias recebiam uma “Cartilha do
Proprietário” onde continha deveres e direitos do morador. Além disso, no contrato
estabelecido entre os moradores e o Governo do Estado para aquisição do imóvel ficou
estabelecido que somente depois de 10 anos, é que o morador poderia se considerar
legalmente proprietário do imóvel, não podendo durante esse tempo fazer qualquer tipo de
negociação com o imóvel residencial. Durante esse tempo o morador estaria de posse apenas
do Termo de Concessão de Uso homologado pelo Governo do Estado. A figura 4 mostra a
tipologia habitacional mostrada às famílias que seria construída pelo PROSAMIM.
34
Figura 4 – Maquete dos blocos de apartamentos apresentada aos moradores
Fonte: UGPI, 2009
Com o objetivo de melhorar a qualidade de vida da população com influencia direta
e indireta dos igarapés, o PROSAMIM, divulgou vários projetos e planos, tais como: Plano
Específico de Remanejamento; Plano de Participação Comunitária; Projeto de Comunicação
Social e Educação Ambiental; Projetos de Engenharia; Projeto de Viabilidade Sócioeconômica; Avaliação Ambiental Estratégica; Planos de Controle Ambiental e o Plano de
Fortalecimento Institucional.
Antes das intervenções a área hoje denominada Parque Residencial Manaus era
chamada de “Buraco do Pinto”, por se caracterizar pela grande quantidade de lama depositada
sob as residenciais construídas. Eram moradias sem infra-estatura, com forte odor de dejetos
emitidos por esgotos a céu aberto. As vias de acesso se davam por rústicas passarelas de
madeiras construídas pelos próprios moradores para circularem aos vários pontos da
localidade a pé, uma vez que não era possível o acesso de veículos. As famílias eram em sua
maioria oriunda do interior. No período das cheias ocorriam alagações que invadiam as
residências, da mesma forma que a infestação de insetos e outros animais como ratos, cobras e
35
jacarés. Apesar de ser uma área de risco a população mostrava afeto pela localidade fato esse
constatado pela pesquisadora Gouvéa (2008) e pesquisa de campo realizada pelo próprio
PROSAMIM. Apesar de reconhecerem as dificuldades, havia nos moradores fortes laços de
vizinhança e apego ao lugar. Nas proximidades da localidade havia serviços públicos como
telefonia, água potável, correio e médico da família. As figuras seguintes 6 e 7 nos mostram
como era essa localidade.
As construções eram na sua maioria de madeira, embora também tivesse casas mistas
e de dois andares que eram construídas sem planejamento prévio. Os custos dos serviços
públicos eram inexistentes ou irrisórios, pois, as contas de água eram taxadas e os pontos de
energia elétrica em sua maioria eram ilegais, os chamados “gatos”. Uma realidade que aqueles
moradores vinham vivenciado em seu cotidiano há anos, senão décadas.
Por falta de espaço adequado, a socialização diária entre os moradores se dava nas
pontes ou em seus cruzamentos, onde pequenos grupos de pessoas se juntavam para conversar
e compartilhar idéias. Do mesmo modo também era com as crianças, que mesmo vivendo em
um ambiente inóspito faziam desses caminhos seu espaço de brincadeiras, se assemelhando a
outras localidades construídas sobre igarapés imundos (CRUZ, 2008). A população sempre
viveu na expectativa de modificação dessa realidade, existiam rumores que em algum tempo,
haveria uma intervenção operacional de engenharia pelo o Estado nessa localidade, porém,
nada era visivelmente concreto, até que em 2003 o Governo do Estado inicia o projeto.
36
Figura 5 - Vista das precárias condições ambientais da antiga área residencial.
Fonte: UGPI, 2009
Figura 6 - Área residencial “Buraco do Pinto” em ocasião de enchente
Fonte: UGPI, 2009
Era nesse espaço que a vida se produzia e reproduzia. Não havia necessariamente um
encantamento por essas condições degradantes, mas apenas um estado conformista de que
aquele era o espaço possível, de tal forma que este ethos ambiental se caracteriza como
“passividade suportiva” nos termos que Lemos (2009) descreve em seus estudos. Nesse
37
sentido, ao ter a notícia que o lugar de moradia seria transformado, os moradores geravam
expectativas diversas, algumas com euforia, outras com desconfiança. Os que optaram por
morar no conjunto habitacional a ser construído esperavam ansiosos pelo novo lugar, o
Parque Residencial Manaus.
4. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA
Este estudo com ênfase qualitativa, de caráter descritivo exploratório se deu no ano
de 2009. Gil (2002) coloca que a pesquisa exploratória proporciona ao pesquisador maior
familiaridade com a problemática levantada, o que pode facilitar na criação de hipóteses.
Ainda segundo o autor, a pesquisa descritiva visa à descrição das características de uma
determinada população ou fenômeno, e, ainda, o estabelecimento de variáveis. Portanto, o
presente estudo está inserido nesta classificação, pois, se caracteriza como aquela que busca
conhecer e interpretar a realidade sem nela interferir e procurar entender um fenômeno
particular.
Como já apresentado anteriormente, o PROSAMIM ofereceu aos moradores com
residências em áreas de risco algumas opções: a)indenização no valor de R$ 21.000,00;
b)apartamento no conjunto habitacional em área a ser construída através do aterramento do
Igarapé Manaus, e b)uma casa a ser adquirida pelo morador e paga pelo governo do Estado no
valor de 21.000,00 em qualquer localidade da cidade e que preenchessem alguns requisitos
impostos pelo governo. Esse estudo se refere apenas aos moradores que optaram pelo
apartamento no PRM.
O estudo foi apresentado aos moradores do PRM por meio de carta (Apêndice 1)
solicitando a autorização e que foi prontamente aprovado. O procedimento para a coleta de
informações foi realizado em momentos distintos, porém inter-relacionados e complementares
38
entre si. Inicialmente por meio da observação participante foram coletados dados que
subsidiaram toda a caracterização física do ambiente, bem como o uso social de forma
naturalística, isto é, uma inserção na localidade, de forma que aquele espaço fosse apreendido
na sua forma cotidiana. Neste momento, tentou-se observar os aspectos da realidade sem uma
intervenção direta, mesmo que minha presença, por si só representava uma alteração naquele
cotidiano. As impressões e sensações, bem como conversas informais e vivências tornaram
possível uma revisão por ocasião da segunda parte da pesquisa, que envolveu visitas
domiciliares para entrevistas com os moradores.
A observação participante foi realizada desde a fase exploratória, onde, através da
observação dos fenômenos ocorridos no dia a dia dos participantes foram registrados. A
observação participante oportunizou maior conhecimento e compreensão do comportamento
social, assim como, os fenômenos em si relacionados. Este método se constitui como
ferramenta importante para colher dados de forma natural com recursos que a própria natureza
oferece, com a possibilidade de maior interação entre o pesquisador e os sujeitos a serem
pesquisados. Mesmo que não estruturado, a observação participante requer planejamento das
ações a serem executadas, assim como conhecimento prévio do campo de pesquisa, e registros
de comportamentos, eventos e atividades (MALINOWSKI, 1975).
Durante este procedimento foram registrados no diário de campo observações
abrangentes sobre a localidade e o uso social dos moradores, as quais subsidiaram a busca de
respostas a perguntas feitos por meio das entrevistas semi estruturadas que seguiu um roteiro
(Apêndice 2) bem como na análise conjunta dos dados, permeando assim, a compreensão da
realidade na nova forma de morar dos participantes da pesquisa.
Após a aprovação do projeto de pesquisa submetido ao Comitê de Ética de Pesquisa
em Seres Humanos – CEP (Anexo 1), da Universidade do Amazonas, em acordo com a
resolução do Conselho Nacional de Saúde ( CNS) 196/96, de agosto de 2008, é que foram
39
realizadas as entrevistas semi-estruturadas. Gil (2002), Minayo (1994) e Triviños (1992),
colocam que as entrevistas semi-estruturadas são guiadas por relações de pontos de interesse
que o entrevistador vai explorando ao longo de seu curso e que a estratégia para a realização
de entrevistas em levantamentos deve considerar a especificação de dados que se pretende
obter e a formulação das perguntas.
As entrevistas foram realizadas entre os meses de novembro e dezembro de 2009. O
contato com os entrevistados se deu nas próprias residências, após o convite e aceitação em
participar da pesquisa. Apresentou-se então o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
(TCLE) (Apêndice 3) que foi assinado para então dar inicio a entrevista seguindo o roteiro pré
estabelecido. O tempo de cada entrevista foi em torno de trinta minutos, onde os participantes
tinham livre expressão sobre o assunto com isso buscou-se esclarecimentos para a
compreensão e analise do estudo. O horário da entrevista era combinado com o participante,
de acordo com sua disponibilidade e no local escolhido pelo participante, normalmente na
sala ou em frente à sua casa. As entrevistas foram gravadas em acordo firmado anteriormente
com os participantes e posteriormente transcritas e analisadas. Após a transcrição as
gravações foram destruídas.
O método para análise das informações foi o de análise de conteúdo proposto por
Bardin (2004), esse método visa estudar a comunicação entre os indivíduos, possibilita o
desvendamento do discurso latente, o conhecimento acerca dos sentimentos, idéias, conceitos
e valores nem sempre estão manifestos nas palavras.
Os dados foram sistematizados a partir da definição das categorias obedecendo às
etapas: Pré análise, descrição analítica e a interpretação referencial. Com relação a essas
etapas, Bauer (2002) e Ferreira (s/d) afirmam que na pré-análise é momento em que o
pesquisador organiza o material, escolhe os documentos a serem analisados, formula as
hipóteses ou questões norteadoras e elabora indicadores. A fase seguinte diz respeito à
40
codificação onde as unidades de analise são agrupadas, e a ultima fase é interpretação dos
dados, é necessário que o pesquisador se reporte aos referenciais teóricos pertinentes à
investigação, pois esses possibilitam o embasamento para o estudo e interpretação.
Através da analise de conteúdo das entrevistas foi possível apreender os significados
que os moradores dão a essa forma de morar, assim como a importância das relações de
vizinhanças e os aspectos que compõem a socialidades dos moradores nesse novo ambiente.
4.1 Moradores entrevistados
Sexo
Masc
Fem
Total
25 a 34 anos
-
10
10
35 a 44 anos
4
15
19
45 a 54 anos
3
3
6
55 a 64 anos
-
1
1
Mais de 65 anos
1
3
4
8
32
40
20%
80%
100%
Faixa Etária
Total
Percentual
Tabela 1 - Distribuição dos participantes por sexo e idade, 2010
41
Observa-se que há um número substancialmente maior de entrevistados do sexo
feminino. Esse fato se deu em razão da ausência dos homens na casa nos horários de
realização das entrevistas. Os homens são o principal provedor de alimentos e sustento das
necessidades da família e por isso assumem o papel de se responsabilizar com o trabalho
remunerado. Muitas mulheres são donas de casa e se ocupam com o trabalho doméstico e o
cuidado com os filhos, permanecendo a maior parte do tempo em casa.
As mulheres em sua maioria se autodenominam como dona de casa. Outras exercem
as profissões de assistentes administrativas, auxiliares de enfermagem e auxiliares de limpeza.
Os homens, alguns são vigilantes, motoristas de ônibus, aposentados e outros não possuem
profissão definida, vivendo de “bicos” um termo utilizado por eles para designar prestação de
serviços sem especialização como limpeza de arcondicionados, serviços elétricos em
domicílios. Apenas duas possuem o curso Superior em Serviço social e Pedagogia.
SEXO
NÍVEL DE
ESCOLARIDADE*
TOTAL
MASC
FEM
EFC
-
04
04
EMI
02
02
04
EMC
04
12
16
SI
-
03
03
SC
-
02
02
TOTAL
08
32
40
* EFI- Ensino Fundamental Incompleto; EFC- Ensino Fundamental Completo; EMI- Ensino Médio incompleto;
EMC- Ensino Médio Completo; SI- Superior incompleto; SC- Superior Completo.
Tabela 2- Distribuição dos participantes em função do nível de escolaridade, 2010
42
De modo geral os entrevistados possuem um bom nível de escolaridade. Constata-se
que a maioria dos moradores tem escolaridade relativa ao ensino médio incompleto (04) e
ensino médio completo (16), mas algumas pessoas estão fazendo curso superior (03) ou já
possuem ensino superior completo (02). Esse fato supostamente deveria auxiliar para a
formação critica dos moradores a respeito de aspectos relativos à qualidade de vida e o
ambiente em que vivem.
Muito das relações e interações que ocorrem nesse novo espaço de moradia,
entretanto, não parecem estar centrados apenas na escolarização. Sabe-se que as relações entre
moradores são complexas e vários aspectos concorrem para que esta dimensão se manifeste
em diversas formas, como veremos na seguinte seção.
5. PARQUE RESIDENCIAL MANAUS: LOCUS DA PESQUISA
O Parque Residencial Manaus (PRM) fica localizado na zona sul da cidade, foi
inaugurado em outubro de 2007, construído em solo criado a partir do aterramento do Igarapé
Manaus. Na primeira fase do Programa foi construída a quadra I e II. As figuras seguintes
mostram os diversos momentos da operação. As figuras 7 e 8 mostram as operações de
engenharia, o aterramento do Igarapé de Manaus, para construção dos blocos de apartamentos
residenciais do PRM. A Figura 10 mostra a planta das respectivas quadras habitacionais.
43
Figura 7 - Aterramento do Igarapé de Manaus; solo criado
Fonte: UGPI, 2009
Figura 8 - Fase de construção das Quadras I e II
Fonte: UGPI, 2009
Figura 9- Planta geral da área do Parque Residencial Manaus Quadra I e II
Fonte: UGPI, 2009
5.1 Arranjo e organização espacial do PRM
Foram entregues 49 blocos de apartamentos térreos e apartamentos duplex divididas
em quadras à população que optou por unidades habitacionais construídas em solo criado. O
PRM foi dividido em 2 quadras, 1A e 1B. A Quadra I A possui 273 unidades habitacionais e a
Quadra 1B 123 unidades; A Quadra II A, 81 unidades e a Quadra B 90 unidades, totalizando
567 unidades. Tais construções são apenas para fins residenciais, conforme orientação da
Unidade Gestora do Programa. Cada apartamento possui 54 metros de área construída com
dois quartos, sala, cozinha, um banheiro e área de serviço. No local existem áreas destinadas à
recreação infantil, quadra esportiva, um centro comunitário e várias áreas de convivência
coletiva externa, serviço de coleta de lixo seletiva (Figuras 11 e 12). As quadras são divididas
por uma via principal (figura 10), a Avenida Igarapé de Manaus e via secundária , a Dr.
Machado.
Figura 10- Via principal do PRM
Fonte : UGPI, 2009
46
Figura 11 - Área de recreação infantil
Fonte: UGPI, 2009
Figura 12- Coleta de lixo seletivo na área externa dos blocos do Parque
Fonte: UGPI, 2009
47
O novo lugar à época de sua inauguração foi elogiado pela bela estética e pela
aparente organização espacial. Esses aspectos ficam mais evidentes quando comparados ao
antigo lugar. A paisagem, sem sombra de dúvida orgulha não apenas o morador, mas também
o cidadão de Manaus, que vê a mudança como progresso e beleza. Muito embora o modelo
arquitetônico seja questionado e o tamanho desses espaços não atenda a expectativa e
necessidade do morador, percebe-se uma transformação plástica externa agradável.
5.2 O uso social do espaço privado e coletivo
Externamente as residências são praticamente iguais, isso porque apesar da proibição
de modificar a área externa alguns moradores ignoraram essa norma e modificaram-na,
colocando grades de proteção nas portas, janelas ou nas áreas consideradas por eles como
sendo de sua residência (área de circulação coletiva). Internamente a maioria das residências
teve modificações no material de revestimento, de cor e de equipamentos como portas e pisos.
Algumas são nos térreos e outras duplex. Os moradores dos andares térreos geralmente são
idosos ou pessoas com problemas físicos que não podem subir escadas. Existem muitas
queixas com relação aos moradores dos andares superiores por conta de infiltrações,
vazamentos e canos quebrados nas lajes pré-moldadas que não podem ser molhadas ou
alargadas. Na verdade, poucos reconhecem que este problema não é necessariamente do mau
uso ou displicência do morador, mas devido à péssima qualidade do material de construção.
Outras queixas são em relação a barulho, pois mesmo não elevando o volume da conversa ou
do rádio e TV, tudo pode ser ouvido pelo vizinho, pois as paredes são finas e nada isolam em
termos de barulho e calor. Algumas queixas se referem ao arranjo espacial que não conforma
uma prática cultural do Amazônida, que é a verticalidade da habitação. Uma moradora do
48
andar térreo estava particularmente incomodada em ter alguém morando “em cima de sua
cabeça”.
Apesar de muitas transformações consideradas boas, os moradores reclamam da falta
de serviço público como correios, telefone público, iluminação, segurança e posto de saúde,
mesmo que no antigo lugar isso também fosse deficiente. Na área do PRM não há telefones
públicos, nem entrega de correios. As correspondências são entregues na Associação dos
Moradores e o seu presidente, ou seu vice, se encarrega de entregar aos moradores.
A Associação de Moradores do Parque Residencial Manaus (AMOPARMA), foi
criada por incentivo da UGPI como forma de cumprir com um dos objetivos que é a
participação comunitária dos moradores. Porém, a AMOPARMA é relativamente inoperante e
à época dessa pesquisa passava por uma serie de dificuldades como, por exemplo, a adesão
dos moradores, dificuldades burocráticas como seu registro nos órgãos públicos e falta de
verba para conservação da área externo do PRM, como os parques recreativos, praças, quadra
e dos próprios apartamentos.
A conservação do PRM atualmente é por conta de cada morador, que envolve a
limpeza das áreas de circulação, praças e a quadra de esporte. A quadra de esporte é um dos
equipamentos de lazer mais utilizado pelos moradores e visitantes e seu uso é intenso a
qualquer hora do dia. O barulho produzido pelos usuários tem sido motivo de queixas por
muitos moradores, que reclamam que pelo fato de não haver regras definidas de uso e
horários específicos muitos usuários se excedem tanto no barulho como nos horários
reservados ao descanso noturno dos moradores. Mesmo não possuindo iluminação a quadra é
utilizada constantemente e, segundo os moradores, em alguns casos não como espaço de
esporte, mas para atividades ilícitas como tráfico de drogas e encontro de marginais. Observase que esse uso amedronta seus moradores, principalmente os que têm filhos adolescentes ou
crianças, os quais evitam utilizar tais áreas de lazer por temer retaliações dos marginais. Na
49
área externa na quadra há um uso mais socialmente aceito, mesmo que não seja permitido
pelas normas do IGPI. Alguns moradores montam bancas de vendas de alimentos como
churrasco e bebidas, usando a energia dos postes públicos. Essas bancas são também
encontradas em outros pontos do PRM.
Assim, da mesma forma que a falta de regras consensuadas, a falta de segurança no
PRM é motivo de reclamação junto ao UGPI. O órgão de gestão, entretanto, estimula a
participação e envolvimento dos moradores para o estabelecimento de regras de convivência
por meio da AMOPARMA, porém alega que questões de segurança fogem às suas atribuições
e, portanto, as reclamações deveriam ser enviadas aos órgãos de Segurança Publica do Estado.
Com a falta de mobilização e participação coletiva, no entanto, ainda é incipiente, de modo
que tais questões ainda estão para ser resolvidas.
Diante desses aspectos, os espaços coletivos manifestam um distanciamento dos
moradores, deixando-os de certa forma descuidados. Esse descuido fica evidente na paisagem
interna das praças e parques recreativos para as crianças (Figura 13). Observa-se lixo
espalhado entre os brinquedos e próximos às lixeiras. Mesmo tendo um conjunto de lixeiras
seletivas, o lixo é displicentemente jogado sem atenção e cuidado. É comum encontrar-se
cadeiras velhas, portas e outros objetos jogados próximos a área da coleta de lixo (Figuras 14
e 15).
50
Figura 13- Uma das praças do PRM visivelmente abandonada
Fonte: Janeth Lemos, 2009
Figura 14– Lixo no chão ao redor das lixeiras no PRM
Fonte: Janeth Lemos, 2009
51
Figura 15 – Móveis quebrados abandonados nas calçadas do PRM
Fonte: Janeth Lemos, 2009
Assim, percebe-se o uso do espaço pelos moradores em não conformidade com as
diretrizes traçadas pelo projeto PROSAMIM. São comportamentos sociais e compromisso
ambiental ainda pautado em hábitos pouco orientados aos cuidados com o entorno. Sendo isso
de conhecimento da UGPI, há alguns programas e agentes que estão se ocupando com um
programa de educação ambiental, mas que ainda tem poucos resultados visíveis de
transformação de comportamento coletivo com o lugar de moradia.
Existe uma heterogeneidade no local tanto pela forma da população se apropriar do
espaço quanto pela existência de diversos grupos socioeconômicos. Apesar da construção do
PRM ter sido destinado a pessoas menos favorecidas economicamente, percebe-se a
existência de pessoas com distintivo poder aquisitivo. Por outro lado, muitos moradores
dizem não ter condições econômicas de continuar vivendo nesse local, isso devido às
despesas que adquiriram com o novo imóvel, como taxa de luz, água e taxa de esgoto. Por
isso, mesmo que proibido, há famílias que pensam em vender o imóvel por falta de recursos.
52
Pode-se observar através dos seus pertences e dos hábitos de consumo que neste lugar
há um mosaico complexo de grupos sociais, relações e usos do espaço. Como nos diz Santos
(2004) as pessoas aos poucos vão colocando no lugar um pouco de si, seus valores no novo
lugar e assim tornando o novo em algo familiar, com a “cara” dos que lá estão. A ordem e
organização vão aos poucos sendo estruturadas pelos seus ocupantes, o que nem sempre vem
ao encontro do que ficou estabelecido pela UGPI. Durante as conversas com os moradores
percebe-se uma divisão entre os moradores, um parcelamento social, nos termos de Fischer
(s/d). Há uma definição de lugares específicos e destinados a determinados serviços com seu
respectivo valor e significado moral. Há os lugares perigosos, dos evangélicos, dos marginais,
dos pais de família, e assim por diante. Esses lugares indicam o acesso que pode ser mais ou
menos restritos aos moradores e aos estranhos ao lugar. Por exemplo, um morador de um
determinado bloco não freqüenta o bloco X porque é “perigoso”, mantendo-se assim afastado,
não participando de atividades promovidas naquele local, tentando com isso se distanciar
desses espaços caracterizados como desvalorizantes.
Não há ampla clareza do que seja espaço público e privado dentro do PRM, isso
provavelmente devido à falta de delimitação concreta entre blocos e residências. O que se
observa são pessoas circulando pelas diversas áreas do PRM, e se aproximando de forma
constrangedora nas janelas e portas das residências. Isso é motivo de constrangimento para os
moradores, já que, pelo acordo feito entre os moradores e o UGPI não cabe ao morador fazer
qualquer alteração na parte externa do bloco ou de sua residência, ou seja, trocar janelas ou
colocar grades de proteção, uma vez que a residência não seria verdadeiramente exclusiva do
morador, antes de passados os 10 anos de habitação. Pelas falas dos moradores nota-se uma
insatisfação relacionada a essa situação, visto que muitos expressam essa insegurança de
posse.
53
Figura 16 - Horta de um morador em área publica do PRM
Fonte: Janeth Lemos, 2009
Assim, é interessante perceber que alguns moradores fazem uso do espaço publico
coletivo como espaço privado, como é o caso de um morador que fez uma horta e a cercou
como forma de impedir o uso por outros (Figura 16), ou abrindo uma pequena taberna para
venda de guloseimas e pequenos objetos, ação proibida pelos gestores (Figura 17). Outros
também cercam as áreas de circulação coletiva, fazendo um espaço privado, uma extensão de
sua residência. Portanto, percebe-se ainda uma produção do espaço não consolidada, onde as
regras impostas e as necessidades dos moradores ainda são confrontadas de forma conflituosa.
54
Figura 17- Comércio interno na área publica do PRM
Fonte: Janeth Lemos, 2009
As áreas de convivência coletiva como as praças, apesar de funcionalmente bem
equipadas, são pouco utilizadas pelos moradores, somente uma minoria faz uso. A maioria
dos moradores continua com os antigos hábitos de se reunir com seus pares e vizinhos em
frente de suas residências. No final da tarde é comum ver pessoas sentadas em frente às suas
residências ou parados na calçada para a troca de alguma conversa.
Durante a semana o fluxo maior de pessoas é pela parte da tarde, aonde as crianças e
as senhoras vão às ruas ou ficam em frente de suas casas conversando. Nos finais de semanas,
particularmente no sábado pela manhã é o horário em que as donas de casa fazem faxinas
enquanto ouvem musicas geralmente em volume alto ou saem para as compras de
supermercado. À tarde os homens sentam nos pequenos bares ou comércios onde vendem
cervejas e ficam conversando, alguns jogam bola na quadra esportiva do PRM. Outros,
preferem se reunir em grupos aos sábados à tarde para jogar dominó nas esquinas dos blocos
tomando cerveja e conversando.
55
Sob a ponte situada na Rua Leonardo Malcher que divide o espaço do PRM alguns dos
moradores homens a usam estrategicamente para se reunirem e jogar dominó, acompanhados
de aperitivos de cerveja ou cachaça. Os usuários desse espaço já são conhecidos como
Amigos da Ponte.
Esse nome, entretanto não é necessariamente positivo, pois seus
freqüentadores não são bem visto pelos demais moradores, que os chamam de “pé inchados”,
uma referência ao uso demasiado de bebida alcoólica. À noite têm um movimento grande de
venda de alimentos como churrasquinhos com farofa, cerveja e muito bate papo nas ruas, as
crianças ficam brincando enquanto suas mães conversam. No domingo não é tão diferente,
embora, a atividade na quadra esportiva seja maior. É nesse ambiente que a vida está se
reproduzindo com seus momentos e relações diversificadas entre opostos, e que esse estudo se
localiza.
6. NOVA FORMA DE MORAR E AS NOVAS SOCIALIDADES
A transformação na forma arquitetônica e urbanística no PRM trouxe para os
moradores uma serie de modificações em nível de comportamento individual e coletivo. No
nível individual pode se citar a necessidade de adaptação na nova casa/apartamento, tornar-se
familiar com o novo arranjo espacial e conseqüente mobilidade interna, além de uma nova
configuração de socialidades entre os moradores internos e os da cidade.
6.1 Estar no centro: a centralidade do espaço social
Morar no centro significa para os moradores ter supostamente melhor acesso a
serviços públicos como escola para os filhos, médicos, hospitais, assim como trabalho e
comércio e agencias financeiras como bancos.
Em termos pragmáticos, a questão de
56
deslocamento é muito importante, pois morar no centro é fazer economia com transportes,
pois, todos da família podem se locomover sem precisar de transporte.
O espaço é dividido de acordo com fator econômico do ser humano, isso significa que
muitas vezes ocorre o que Corrêa (2002), chama de segregação espacial nas grandes cidades.
As pessoas com maior valor aquisitivo tendem a ocupar espaços mais valorizados pelo
mercado econômico, enquanto outros ocupam espaços menos atrativos, lugares não raro,
inóspitos para habitação. Geralmente os serviços oferecidos pelo Poder Público não são
suficientes para a demanda populacional, ocorrendo um desserviço à população e acarretando,
portanto, dificuldades na vida diária de seus ocupantes.
Na cidade de Manaus isso também ocorre, conforme estudos de Oliveira (2003), as
populações com menor poder aquisitivo ocupam terrenos inapropriados para moradia e muitas
vezes sem qualquer infra-estrutura, como fornecimento de água potável, luz elétrica e
saneamento básico, escolas e serviços médicos essenciais para sobrevivência e bem estar da
população, é o caso, por exemplo, dos ribeirinhos da área central da cidade de Manaus. Ainda
conforme o mesmo autor, na cidade de Manaus, é um fator cultural a ocupação de terrenos a
margem dos igarapés, mesmo que esta ocupação pouco se assemelhe ao aspecto cultural de
moradia à margem do curso d‟água. Geralmente esses terrenos sofrem alagações e as
residências ficam imersas, porém isso de alguma forma é considerado “parte de sua vida”
pelos moradores, e se conformam em utilizar estratégias peculiares para enfrentar os
problemas ocasionados pelas cheias como, por exemplo, a maromba, que é a gradativa
elevação do soalho, na medida em que as águas sobem, o soalho vai se aproximando do
telhado e os moradores se acomodam nesse restrito espaço.
Na cultura amazônica, a cheia é um ciclo esperado, bem como a vazante. Acontece
que na cidade esse ciclo adquire configuração diferenciada, onde a sujeira e poluição passam
a estar presente, dificultando ainda mais a vida do ribeirinho. O alto consumo de produtos
57
industrializados na cidade e os hábitos de despejo dos resíduos num igarapé que não tem
capacidade de suporte para tamanhas quantidades e a negligência dos serviços públicos torna
essa realidade bastante problemática.
Apesar de toda a precariedade, muitos moradores desses lugares são resistentes em
deixar esse tipo de residência. Isso ocorreu com os moradores do PRM, os quais relataram que
ocorreram varias tentativas por parte do poder público de retirá-los daquele lugar. Os motivos
da resistência em deixar o local são muitos. Em primeiro lugar está a proximidade e a
localização central do comércio, onde há maior fluxo de serviços, assim como um acesso
facilitado. Esse dado teria sido a justificativa do Governo do Estado em criar um solo, através
do aterramento das margens do Igarapé de Manaus e sua canalização, oportunizando aos
antigos moradores a permanência na mesma localidade, porém com serviços de saneamento
básicos. Essa iniciativa, apesar de socialmente interessante, tem recebido críticas de vários
ambientalistas e sociólogos. Oliveira (2003) é bem critico com relação a essas soluções
encontradas pelo governo do Estado de modernizar a cidade e de solucionar a carência de
moradia de Manaus, onde os igarapés que cortam a cidade são aterrados modificando e
descaracterizando a configuração paisagística regional. Segundo o autor, são intervenções
paisagistas urbanísticas baseadas em modelos internacionais, não valorizando aspectos
regionais e até ambientais. Entretanto, esse problema ambiental parece ser secundário para as
pessoas que viviam num ambiente insalubre, mesmo com as chamadas características naturais
alteradas pela ocupação humana.
Nesse novo lugar de moradia há um amplo repertório de aspectos positivos. A escolha
da opção pelo apartamento atual no PRM se deve, de forma unânime, aos mesmos fatores
apresentados pelo poder público, ou seja, permanecer na mesma localidade pela facilidade de
serviços e seu acesso. Para os moradores essa realidade que os toca de modo direto e imediato
é apresentada com base nas suas mais prementes necessidades de vida e trabalho.
58
...eu escolhi morar aqui porque sempre morei no centro, eu moro aqui há
mais de 40 anos, eu não me acostumo morar noutro lugar, aqui é perto de tudo,
da escola dos meus filhos, do comercio, dos hospitais e agente não precisa pegar
ônibus, eu vou a pé para a igreja e pro meu trabalho. Eu já morei em bairro,
mas não me acostumei, chegava sempre atrasada no emprego e as vezes a gente
não tinha dinheiro para pegar o ônibus, agora tá bom, não moramos mais no
alagado e eu gosto mesmo é de morar aqui que é centro.
Em todas as cidades que eu morei sempre morei no centro, quando nós
chegamos aqui viemos morar aqui na Ipixuna, não era bem dentro do
igarapé,mas os fundos da casa dava para o igarapé. E quando chovia o nosso
quintal ficava alagado e não dava para as crianças brincarem, eu gosto daqui
só porque é perto de tudo, mas não gosto da casa. A nossa antiga casa era
maior.
....eu vim do Pará para trabalhar aqui na cidade, então minha amiga que já
morava aqui me chamou pra ficar na casa dela e eu estou aqui até hoje, isso faz
mais ou menos 12 anos. Não moro mais com ela, hoje moramos eu e minha
família, eu gosto porque é centro, perto de tudo. É difícil, a gente conseguir uma
casa aqui no centro pelo valor que o Prosamim oferecia, era só R$ 21.000,00,
então, tivemos que ficar com o apartamento.
No bairro é ruim, os ônibus demoram e a gente tem que ter dinheiro todo dia
pra pegar ônibus. Eu trabalho não muito perto daqui, mas dá pra ir a pé. Pra
mim, morar aqui é melhor.
Conforme Corrêa (2002) e Castell (2000) a área central da cidade sempre aglomerou
diversos serviços, sendo utilizada como integradora para outras áreas e serviços da cidade.
Isso foi criado nas cidades medievais quando o centro era área de concentração de toda
econômica praticada na região. Porém, com o crescimento das cidades houve a necessidade de
descentralizar o comércio, e assim, atualmente podemos constatar bairros independentes da
área comercial. O centro, onde toda a rede comercial se articulava deixa de ser o integrador
das estratégias do capitalismo, do consumo para uma parcela da sociedade que domina as
relações econômicas majoritárias. Ao afastar os que detêm maior poder aquisitivo, os de
poucos recursos se satisfazem com as redes de comercio popular, que dinamizam e permitem
o acesso direto aos bens.
As áreas valorizadas para as residências passam também por modificações, os com
maior poder aquisitivo residem em áreas com melhor infra-estrutura e serviços distantes do
centro comercial e de sua poluição, barulho e congestionamento. Geralmente são lugares com
terrenos amplos, silenciosos e com grandes áreas de lazer como no caso de condomínios
59
luxuosos. Por outro lado, os cidadãos com menor poder aquisitivo passam a ocupar áreas do
centro para moradia como estratégia para acesso a serviços públicos e privados (OLIVEIRA,
2003; CARLOS, 1992).
Ao se referirem estar “perto de tudo” quer dizer facilidade e acesso aos serviços
públicos como disponibilidade de transportes coletivos, escolas, postos de saúde, serviços
bancários e de correios entre outros e privados. É ter visibilidade enquanto cidadão que pode
usufruir de seus direitos. É ainda fazer parte socialmente de um grupo ativo, que tem altivez
em enquanto cidadão. É não ser marginalizado pelo governo do Estado que muitas vezes não
atende as demandas das populações que moram na periferia. É ter como garantia uma
vivencia menos sofrida socialmente. É oportunizar aos filhos um futuro diferente do seu,
onde, terão oportunidade de mobilidade social, alcançando um status social mais elevado.
Mesmo diante de constantes infortúnios como doenças, desemprego e moradia precária e
insegura, morar no centro ainda é melhor. Pois, assim, eles teriam maiores chances de
resolver e suprir suas necessidades mais prementes. Seria uma forma de não se sentir mais
inseguro como cidadão, visto que o papel do Estado não vem sendo cumprido, uma vez que,
este não cria condições de maiores igualdades sociais entre as populações dos diversos
segmentos sociais.
Constatamos a satisfação dos moradores por permanecerem no mesmo local. O
PROSAMIM veio ao encontro da vontade dos moradores, possibilitando aos mesmos uma
nova visibilidade enquanto cidadãos. Já não moram em um local inóspito, mas sim em um
local com estrutura e equipamentos urbanísticos que possibilita aos moradores opções de lazer
e de convivência social em toda sua expansão espacial. A nova visibilidade urbanística trouxe
para os moradores uma nova imagem perante a sociedade, agora não são mais vistos como a
escoria, o lixo e a clandestinidade de uma sociedade. Onde quem morava ali era visto como
pessoas que sujavam e “enfeiavam” a cidade de Manaus, que produzia lixo que causava mau
60
cheiro em seu entorno. A modificação na estética urbanística proporciona ainda modificação
para a própria imagem que o cidadão tem si e entre seus pares. Hoje, eles moram no PRM e
não mais no “buraco do pinto”, um nome dado em referencia a grande quantidade de lama que
existia em baixo da casa no ciclo da seca.
Atualmente são cidadãos que moram num lugar da cidade, e não num espaço de
invasão, produzindo um cenário degradante social e ambientalmente. Assim, passam de uma
condição de menos valia perante a sociedade e passam a ser cidadãos que vivem de forma
digna perante toda a sociedade amazonense.
6.2 Ter casa própria: a posse e propriedade da moradia
A natureza da busca da pertença e posse dos objetos é uma questão historicamente
construída pelas sociedades. Embora haja diferenças culturais evidentes na forma de
manifestar e reivindicar tal pertença há uma universalidade reconhecida acerca da propriedade
que inspira a garantia da liberdade de um indivíduo, de um grupo ou de uma nação. A posse
de bens como parte importante na vida dos seres humano é bastante antiga, na visão religiosa
a bíblia já se mencionava o respeito pela a propriedade. No livro de êxodo encontramos essa
citação. "Não roubarás... Não cobiçarás a casa do teu próximo, não desejarás a sua mulher,
nem o seu escravo nem a sua escrava, nem o seu boi, nem o seu jumento, nem coisa alguma
que pertença a teu próximo." (Ex 20, 15- 17). Assim, o reconhecimento da posse da casa se
estabelece como algo sagrado.
Na visão filosofia do direito de Hegel citado por Christino (s/d) o indivíduo tem o
direito à propriedade como desiderato da liberdade do cidadão. Assim, o homem para se sentir
liberto necessitaria ter a propriedade e a posse de seus bens. Outros filósofos como Locke e
Rousseau já defendiam o direito a propriedade. Para Rousseau toda a desigualdade social
entre os seres humanos teria sua origem no status de propriedade.
61
Na perspectiva jurídica o Estado legaliza através de leis, o direito à propriedade
privada (ANDRIOLI, 2007). Segundo Comparato (2010), a propriedade privada tem sua
origem no constitucionalismo moderno, como um direito humano, cuja função consiste em
garantir a subsistência e a liberdade individual contra as intrusões do Poder Público. No Brasil
Benjamin Constant em 1815, por sua vez defendia que a propriedade seria a mais importante
garantia aos homens o exercício dos direitos políticos frente ao Poder Público e demais
aspirações de cidadania. Tais aspectos históricos foram sendo impregnado no ethos de
cidadania contemporânea, de tal forma que o acesso à propriedade é um direito absoluto da
pessoa humana.
Na constituição federal de 1988 do Brasil, Dos Direitos e Garantias Fundamentais a
casa segue esses fundamentos liberais de garantia à proteção do dono e sua segurança: “a casa
é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do
morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o
dia, por determinação judicial”. Com base nesses fundamentos filosóficos e jurídicos do
direito de propriedade e do direito à propriedade o indivíduo incorpora um direito inexorável
de proteção e segurança pessoal.
Esse princípio de proteção e segurança está presente de forma vívida entre os
moradores do PRM. Para os moradores ter casa é poder dormir tranqüilo, sem medo de que
alguém venha toma-lhe algo tão sonhado e idealizado por ele. É não mais pagar aluguel, ter
mais despesas. É ter um canto pra dormir e viver. É também uma demonstração de poder, de
status social frente aos seus pares.
eu agora moro no que é meu. O governo diz que a gente não pode mexer,
modificar, mas eu não me importo. Antes eu não tinha casa, morava de aluguel.
Essa casa atende minhas necessidades, ela é pequena, mas tá bom, né?
...o meu sonho sempre foi dar uma casa pra cada filho, a gente precisa ter nosso
canto. Agora eu tô feliz, cada um tem sua casa e eu tenho também essa daqui.
Cada um foi pro seu canto.
62
...eu morava numa casa cedida pela firma em que meu marido trabalhava, mas
ela não era nossa. Com o dinheiro que ele ganhava não dava pra gente comprar
uma. Isso que o governo fez foi muito bom. Agora nós podemos morar no que é
nosso, a gente também não paga aluguel. Foi uma grande ajuda pra pessoas
pobres.
Entretanto, mesmo constatando a melhoria proporcionada nesse imóvel, percebe-se
que pelo fato de que a casa está alienada ao poder público por 10 anos, e por isso o morador
não recebe a titulação definitiva do imóvel, boa parte dos moradores não sente por completo
essa propalada segurança e proteção. A alienação e regras de uso instituídas pelo Governo se
aproximam de uma situação de inquilinato, porém sem os direitos previstos nesse quesito e
numa compreensão confusa do “direito enviesado” pela concessão temporária.
....só acho ruim, porque a gente não pode mudar nada, mas eu gosto de morar
aqui, não tem mau cheiro. Lá tinha uma fossa bem enfrente da nossa casa e lá
quando alagava, era horrível, as crianças não podiam brincar. Agora é
diferente, tudo limpo. Tenho uma boa varanda e eu me sento aqui e fico olhando
o movimento. O meu marido diz que essa casa não é nossa, porque nós ainda
não temos o documento, mas eu acho que é sim, o governo não pode mais nos
tirar daqui. Ele não nos deu nada, ele apenas trocou por essa daqui. É
obrigação dele.
Os sentimentos de insegurança sobre a definitiva propriedade é assim um aspecto de
insatisfação sobre esse novo espaço de moradia. Outros fatores que contribuem para o
agravamento desses sentimentos são as imposições e restrições feitas pelo órgão gestor do
PRM no sentido de impedir a venda do imóvel, mas de torná-lo com “sua cara”. Não poder
modificar o que lhe pertence é algo incompreensível para os moradores que almejam pintá-la
com a cor de sua preferência, ou colocar algum adereço externo. Esse tipo de regra para o
Governo do Estado é uma forma de controlar um uso coletivo, até então não existente para
esses moradores, além de auxiliar numa mobilização coletiva para as decisões entre todos.
Resta saber como essas questões vão ser superadas por esses moradores que sempre viveram à
sua própria sorte, longe dos benefícios e direitos sobre sua moradia.
63
A materialização do sonho de morar em casa própria traz consigo outros valores
socioculturais que estão inevitavelmente impregnados nela. Uma das mais fortes expressões
da sociedade liberal é a manifestação do status social que a casa proporciona ao seu ocupante.
Essas características vão desde a localização da casa, o tamanho e a forma arquitetônica e, de
modo particular em Manaus, o material utilizado.
6.3 Morar numa casa de alvenaria: um novo status social adquirido
Para Barchelard (2008) a casa pode ser comparada a uma concha que envolve e
protege um corpo, dá segurança, onde ele se alimenta, descansa e ali se desenvolve criando
condições para sair e relacionar-se com o externo.
A casa não existe apenas na sua
materialidade mas também nos aspectos subjetivos que ela representa ao seu ocupante e como
ele se posiciona perante os demais cidadão (Higuchi, 1999; 2003). Fischer (s/d) nos apresenta
os significados que a casa incorpora como um cenário mnemônico da vida de seu ocupante.
Esses significados são necessariamente tornados visíveis de alguma forma, se manifestam na
forma visual da casa. O material utilizado na construção das residências ganha importância
quando este é um material universal utilizado em grande escala pela maioria da população.
Como cimento e cerâmica. Segundo Higuchi (2003) o material de construção das casas
demonstra um nível sócio econômico de seus moradores, aproximando e ao mesmo tempo
diferenciando um dos outros num determinado grupo social ou lugar.
Tal qual Higuchi (1999; 2003) discutiu em seus estudos, a casa de alvenaria significa
para o morador do PRM que este progrediu na vida, ascendeu a um status social mais elevado
no seu meio social.
...eu olho às vezes pra minha casa e penso que é um sonho, eu sempre sonhei
com uma casa de alvenaria, as janelas são bonitas, eu gosto da minha casa.
Quando a assistente social passou lá onde eu morava, eu morava com minha
64
sogra, eu não acreditei e meus vizinhos também não, aí eu fiquei pensando, eu
vou lá ver essa construção. Quando eu vi, eu disse pro meu marido, é melhor a
gente optar pelo apartamento. E minha sogra não quis, achou melhor à
indenização, ela foi morar na Grande Vitoria, mas não se acostumou e hoje ela
chora muito, mas não tem mais jeito.
....minha casa é boa, só mora eu. Antes morava todo mundo junto, era uma casa
grande de madeira. Essa daqui é melhor. É de alvenaria e cada um mora no que
é seu
O Estado através de suas ações de reassentamento e remanejamento pelo
PROSAMIM, trouxe para esses moradores e suas as famílias, além da melhoria física, uma
inclusão social. A realização do sonho de ter e morar na sua própria residência, não mais
necessitando ter despesas com aluguel e viver sob ameaça do despejo, foi coroada pela forma
embutida na construção. Sair de uma casa de madeira à beira de um igarapé poluído sem
endereço, para um prédio moderno em terra firme, com acesso asfaltado e toda a urbanização
própria transforma sobremaneira o status social como cidadão, com registro de residência
formal.
6. 4 Refazer Vizinhos: a produção de novas relações de vizinhança
Tradicionalmente ter vizinho é poder compartilhar as atividades cotidianas do lugar,
é pedir algo quando necessário, é conversar sobre os mais diversos assuntos, assim como ter
idéias e sentimentos comuns. É também compartilhar os problemas, obter ajuda na criação
dos filhos. Nas grandes cidades, entretanto, essa concepção de vizinhança vem sendo
desconstruída e em muitos casos, ter vizinho é apenas ter pessoas que moram “ao lado”, e não
raro pouco contato é feito, seja em nome da privacidade ou pela falta de tempo para encontros
(ARAGONES E AMÉRIGO, 2002).
Mesmo com as novas configurações nas relações de vizinhança nas grandes cidades,
moradores de menor poder aquisitivo ainda se relacionam com bastante intensidade. No caso
do PRM o fato de terem reuniões periódicas com o gestor público e de estar dividindo um
espaço bastante exíguo, interagir com outros que dividem esse espaço são inevitáveis. Esse
65
processo entretanto, é permeado por momentos e situações de insegurança nas relações que
estão sendo reconstruídas entre os moradores do PRM. Com novos vizinhos, os moradores
vivenciam sentimentos de perda de referencia, de familiarização e amizade.
...lá aonde nós morávamos, nós éramos muito chegados com nossos vizinhos,
meus filhos chamavam eles de vó e vô. Aqui não nós somos distantes uns dos
outros.
...nosso relacionamento com vizinhos mudou pra pior. Nós lá não tínhamos
problemas, nos entendíamos bem. Aqui as pessoas não respeitam. Nossos
vizinhos eram como minha família.
...aqui eu fico só observando, sou mais distante dos vizinhos. Aqui a gente se
fecha cada um na sua casa e pronto. As vezes eu acho que é bom porque não tem
muita fofoca.
....aonde eu morava meus vizinhos eram como nossos irmãos, tinha mais
amizade, aqui é diferente. É bom dia e boa noite e só. Agora meus amigos são
meus filhos. Aqui eles são grosseiros, só falam gritando. Meus vizinhos eram
mais solidários. A vizinha tá precisando disso vamos ajudar, fazer um bingo.
Aqui não tem isso. Todos são novatos, a gente não conhece quem é quem.
lá aonde eu morava a gente fazia novena, eram meus amigos, acho que até
meus irmãos. Meu marido morreu de tristeza nunca se conformou, ele quando
veio pra cá chorava muito. Eu também. Nossos amigos foram embora, uns foram
pro João Paulo, outros pra Santa Etelvina. Agora já estou me conformando, não
tem jeito, o governo quis assim.
A nostalgia em relação aos amigos feitos pela vizinhança antiga se contrasta com o
caminho a ser percorrido nessa nova construção. Há que se conhecer quem é o vizinho, como
serão nas suas necessidades e na ajuda mútua, tão necessária aos que não dispõem de capital e
poder. Esse tempo para conhecer, se familiarizar e estabelecer redes de amizade com seus
vizinhos ocasiona uma lenta produção de lugar, assim como a materialização física desses
laços no ambiente que os distinguirá como moradores de um certo local, dando-lhes uma
identidade de lugar específica (FISCHER, s/d).
Nesse processo de reconstrução das relações de vizinhança observa-se um certo
estranhamento com algo que lhes parecia conhecido. Se por um lado as pessoas que moravam
no antigo lugar eram umas às outras familiares, por outro os graus de intimidade eram
diferenciados. Um vizinho próximo pode ter sido deslocado para uma dos prédios mais
66
distantes, enquanto que o ocupante do seu lado era um morador do antigo lugar cujo contato
era raro. Essa situação passa a ser comum no novo lugar e requer de cada um a produção de
novos laços de vizinhança. Essa construção de rede social, entretanto encontra alguns
aspectos de dificuldade como Carlos (1992) e Santos (1981) comentam. Esses autores
defendem que nos dias atuais em razão das modificações ocorridas nas grandes cidades pelo
processo de globalização, os seres humanos cada vez menos se socializam entre si, o ritmo
acelerado de viver, o cotidiano causa no individuo sentimentos de estranhamento e de
reconhecimentos. A falta de familiaridade com as pessoas próximas causa insegurança, o
desconhecido é visto como perigoso, as pessoas tendem a criar mecanismos de controle para
enfrentar o dia a dia.
Para diminuir o distanciamento entre si, os moradores passam a lançar mão de
repertórios comportamentais que permitam a aproximação com outros que se identifiquem e
possam vir a consolidar novas relações. Ao estar nesse novo lugar os moradores recriam o
espaço físico em territórios coletivos. Tão logo um território se estruture por meio de
delimitações cognitivas seguindo uma dialética do dentro-fora, há o reconhecimento de zonas
subjetivas que permite identificar alguns círculos de mais ou menos intimidade. Fischer (s/d)
discute esse fenômeno e sustenta que a partir desse “posicionamento” no espaço, as relações
de inclusão ou exclusão veiculadas pela oposição dentro-fora, vão formando significados que
incidem sobre as territorialidade produzidas neste novo lugar de moradia..Em outras palavras,
há que se refazer novas relações de vizinhança, de modo a identificar os que estão dentro
desse circulo semântico de maior ou menor intimidade. Esse processo não é simples e nem
fácil, ao contrário, traz a melancolia da perda do antigo lugar e, por conseguinte exacerbar as
deficiências do novo lugar e a salientar os aspectos bons vividos lá:
....no final da tarde a gente coloca nossas cadeiras aqui mesmo na frente de casa
e agente fica conversando. Eu não gosto de sair de casa, quando tinha algum
curso que o Prosamim dava eu participava mais agora acabou.
67
...o centro comunitário nunca funcionou, ele serve só de abrigo pro bêbados.
Isso tá abandonado. No inicio, o Prosamim deu alguns cursos de capacitação,
mas agora acabou. Não tem nada. Tinha um professor de esportes que dava aula
pra crianças aí na quadra, mas agora acabou porque a quadra não é coberta e
o sol é muito forte, as crianças não suportam. A noite só tem adulto que vem de
fora , que não moram aqui e tomam a quadra as crianças não podem brincar.
...às vezes no final do mês tem campeonato de futebol e eu vou ver meu marido
jogar.
...hoje meu filho reclama porque ele não conhece mais ninguém, os amigos dele
a maioria não moram mais aqui e também porque tem muita gente estranha e
ele não pode mais jogar e brincar com os amigos. Antes era pouca gente todo
mundo se conhecia, meu filho tinha um time de futebol.
...no final de semana meu marido coloca uma mesinha aqui mesmo na rua e fica
jogando e bebendo com os amigos. Sábado e domingo à tarde as pessoas
começam a beber na frente mesmo de suas casas, jogam dominó. Às vezes jogam
bola.
Como podemos perceber através da fala dos entrevistados existem dois grupos
distintos quanto ao uso do espaço e sua sociabilidade. Um grupo que se identifica com seu
local, tem familiaridade com ele, faz uso do equipamento urbanístico proposto pelo governo
e, portanto reproduz a satisfação dessa mudança. Outro grupo que ainda não se sente inserido
nesse espaço social e que se vê envolvido num processo de refazer novas relações com
pessoas que outrora moravam próximo, mas pertenciam a círculos de amizade distanciados.
Atrelada a essa situação de conviver lado a lado com estranhos há o sentimento da
perda dos antigos vizinhos. O fato de ter pessoas que lhes são estranhas ao seu lado que não
fizeram parte de suas historias de vidas, mesmo que conhecidas, reacende o desejo de nunca
terem saído do antigo lugar onde sabiam tudo, pois participaram da sua construção física e
social. Esse esforço apresenta certa dificuldade de superar antigos critérios de inclusãoexclusão para a tessitura de uma nova rede social e identidade social.
68
7. CONFIGURAÇÃO DE UMA NOVA IDENTIDADE SOCIAL
Na formação de um lugar de moradia, seus ocupantes vão se situando não apenas
numa área geográfica, mas configurando também sua posição social a partir desse espaço, sua
identidade social. A identidade social segundo Valera e Vidal (2002) é um conjunto de
crenças, informações e sentimentos que sentimos sobre nos mesmos. Esse repertório de
conhecimento se constrói a partir de nossas capacidades individuais, mas configurada por
meio de nossas interações e relações sociais. Esses aspectos constitutivos passam por sua vez,
a ser reguladores das nossas interações e relações sociais, e que resultam em ultima instância
como parâmetros para sabermos quem somos e quem são os outros. Em outras palavras, a
identidade social é produto e produtora de nossa existência social num determinado grupo
social ou lugar (MOURÃO e CAVALCANTE, 2006).Essas características são vitais para o
indivíduo ganhar forças para lutar e ser ativo na sociedade, provocando as mudanças
favoráveis para si e para seu grupo social (SANTOS, 2007).
A habilidade de personalizar (ocupar e sinalizar) um lugar de moradia configura uma
identidade social que passa a ser compartilhada pelo grupo de ocupantes. Essa identidade
social é apresentada pelos vários autores como identidade de lugar (PROCHANSKY et al.,
1983; VALERA E POL, 1994; SEYFERTH, 1994; PRETTY, et al., 2003; BROWN, et al.,
2003; MANZO, 2003; STETS E BIGA, 2003; SANTOS e BASTOS, 2005). A identidade de
lugar é uma derivação da identidade social, que é constituída na interação como o entorno
físico e social, que definem o pertencimento a uma categoria de localidade (área, bairro,
cidade, interior, estado, país). Tal pertencimento fornece elementos simbólicos e evocam
comportamentos, valores e significados comuns aos grupos que são provenientes destes
espaços e estabelece uma posição numa escala de valores positivos ou negativos que são
69
compartilhados por outros grupos externos. Por exemplo para distinguir um brasileiro de
outro estrangeiro, é comum a referência que aquele é alegre e sossegado. Ou ainda, o morador
de periferia é de moral duvidosa. Essas referências podem tanto ser valorizantes ou
desvalorizantes, de modo que em certos momentos é difícil identificar se tal valor é atribuído
ao ocupante ou ao lugar (FISCHER, s/d).
No caso específico dos moradores do PRM constata-se que a mudança de moradia
implicou também uma nova configuração da identidade social. O antigo lugar de moradia
poderia ser muito bem retratado como não lugar, nos termos de Marc Auge (1994). Não havia
necessariamente um lugar de moradia, uma vez que o espaço concreta e simbolicamente era
flutuante. Apesar de expressarem uma posse no antigo lugar, havia implicitamente a certeza
que um dia teriam de sair daquele lugar, seja pela irregularidade da ocupação ou pela falta de
habitabilidade. Aquele espaço, portanto era um lugar de passagem, de parada temporária para
a família. Essa condição cunhada no lugar imprimia nos ocupantes semelhante caracterização
desvalorizante. Ao mudar para um novo lugar essa identidade também começa a ser refeita.
7.1 Ocupar um espaço sem ter participado de sua construção: os percalços da
apropriação e apego
O espaço de moradia dessas pessoas foi totalmente modificado tanto na sua estrutura
quanto na sua funcionalidade. A sua configuração paisagista agora surge para os moradores
como algo estranho a eles. As casas bem delineadas, as ruas para carros (no antigo lugar só
havia apenas passarelas estreitas que ligavam as casas à rua principal). A vizinhança foi
também modificada, restando um espaço construído com a mínima participação dos
moradores do local, onde eles somente puderam escolher o bloco de apartamentos em que
70
iriam morar. Assim, para essas pessoas, há um sentimento de perda de identidade social,
porque perderam a referencia social de grupo.
Não é surpreendente então que os moradores do PRM vivenciem atualmente certo
estranhamento do espaço de morar. A transição não ocorreu com a participação no
planejamento e construção da casas. Esses moradores receberam tudo pronto, mesmo que
tenham eventualmente participado de reuniões para decidir essa mudança. Em suas falas
podemos perceber a insatisfação por não terem sido solicitados a participar das decisões de
construção do lugar que iram habitar. Nada lhes foi compartilhado seja do tipo de material
utilizado na construção das habitações, seja da disposição física dos equipamentos urbanos
como quadra esportiva, local das lixeiras, nem de opções de escolha do apartamento ou dos
vizinhos que gostaria que tivesse próximo: ....eu gostaria era de poder mudar o piso, colocar
cerâmica e também pintar, mas agora a gente não pode, mas assim que a gente puder nós
vamos ajeitar.
A configuração do PRM foi uma decisão do Governo do Estado e mesmo tendo uma
melhoria concreta, a nostalgia das relações sociais antigas fazem desmerecer a nova
construção doméstica e comunitária, uma vez que esta só se completa com a dimensão social.
Isso alterou completamente a vida de seus antigos habitantes assim como os que agora
habitam nele. Os moradores podem até reconhecer as melhorias, mas algo os incomoda.
Essa casa é boa, é de alvenaria, mas é muito quente. O sol bate de frente não tem
árvores, a gente não vê mais pássaros, aqui antes do governo fazer isso, tinha até
tucano, a gente sempre via os passarinhos, agora não tem.
uma casa pra cada um e não esses apartamentos que fica um e em cima do outro.
Eu não gosto, não gosto de ninguém em cima da minha cabeça. Ele poderia ter
deixado umas árvores, porque isso aqui é muito quente.
...se eu pudesse tiraria essa quadra de esportes daqui e colocaria um posto médico
ou um posto policial. Eu mudaria também essa minha cozinha, ela é muito pequena.
Nós precisamos de mais iluminação, aqui é muito escuro a noite e agente tem medo.
Aqui já houve até assassinato. Eu quase não saio, fico aqui mesmo enfrente de casa,
observando...
71
Pela ausência de participação efetiva na construção do lugar de moradia, os
moradores são resistentes em fazer o uso do espaço, através das praticas sociais. As queixas e
reclamações são referentes à necessidade de colocar nesse espaço suas características
personalizadas.
O fato de não ter participado da construção física do lugar e não ter tido participação
na reestruturação da rede de vizinhança observa-se que o processo de apropriação do lugar é
moroso. Segundo Santos (1981) o tempo de moradia é essencial para o desenvolvimento do
apego ao lugar. São as trocas de experiências, idéias e sentimentos entre as pessoas próximas
que ajuda na construção do apego ao lugar. Apego ao lugar significa o sentimento de ser
aceito pelos seus vizinhos, de compartilhar idéias, sentimentos, problemas e atividades
(TUAN, 1980) e de poder também fazer uso do espaço a partir de sua vontade.
O espaço de moradia vai aos poucos de tornando um lugar, um território reconhecido,
à medida que ocorrem ações de seus habitantes em relação a esse espaço como entre si
(CARLOS, 2001). Os moradores começam a modificar seu ambiente e a modificar-se através
de ações compartilhadas. Aos poucos o espaço toma forma que identifica o estilo de ocupação
daqueles que lá habitam. São características singulares de um grupo social sendo cunhadas na
construção.
Fischer (s/d), Valera e Pol (1994), Valera e Vidal (2002) nos mostram que a
personalização de um lugar estimula os sentimentos de apego, favorecendo assim uma auto
estima pessoal e comunitária. Valera e Vidal (ibid) citam vários estudos que mostram que a
decoração externa da casa aumenta o contato como os vizinhos e aprofunda o apego à
localidade. A apropriação do espaço se dá através das ações realizadas pelos ocupantes de um
determinado território de forma a estabelecer uma relação de pertencimento e de
enraizamento. Há limites estabelecidos que norteiam os comportamentos de seus habitantes,
72
proporcionando sentimento de posse. Os sentimentos de posse advêm da apropriação. Há
segurança “do que é seu”.
Os atuais moradores do PRM passam por um momento transitório de reconhecimento
do ambiente social e físico. As queixas e reclamações são tentativas de impregnar o lugar com
suas características, necessidades e preferências pessoais, porém há uma espera que o governo
tome uma providência.
Eu demorei a me acostumar, tudo é igual. Eu não sabia qual era minha casa, todas
são iguais. O barulho é muito grande, passa muito carro, as pessoas gritam
chamando umas as outras, lá aonde eu morava não era assim, todo mundo se
conhecia,o barulho era mais no final de semana, aqui é todo dia. Tiraram a casinha
do médico, agora agente tem que ir pro posto de saúde, o prosamim disse que ia
colocar novamente mais até hoje não tem.
...tu sabia que nós não existimos pro correio, é nós não temos CEP, nós não somo
cadastrado, como isso pode ser?
... a gente não pode colocar grade nas portas, mas eu coloquei, aqui é muito
perigoso, o governo fez até uma cartilha que dizia o que a gente podia ou não fazer,
mas ninguém leu. A gente tinha que pegar lá, então eu não fui. Se a casa é nossa,
então, a gente pode fazer o que quiser.
... eu não participo da associação, porque ela não faz nada, não funciona e eu não
gosto e não vou com a cara do presidente. Aqui, as pessoas quando estão na frente
do pessoal do Prosamim, prometem se comportar bem, respeitar uns aos outros,
mas depois fica uma bagunça novamente. Outra coisa que eu não gosto é porque a
encanação da casa de cima passa dentro da minha casa e quando eles dão
descarga, molha toda minha sala. Eu já reclamei pro Prosamim, mas até hoje eles
não consertaram. Essa paredes são muito frágil, elas estão até rachadas, eu tenho
medo que de repente isso possa cair.
....eu não participo de nada não. Associação de moradores que existe, não funciona.
Eu não vou com a cara do presidente. Parece que ele não é muito interessado.
...eu não participo de nada e nem meus filhos. Aqui tem muita droga. Essa
quadra só tem marginal, eles passam a noite toda jogando e faz muito barulho. Aqui
tudo é muito agitado.
A dificuldade de se localizar nesse continuum social de “quem sou eu aqui” mostra
que uma nova identidade social há que ser reconstruída. Nos relatos obtidos fica evidente
certo estranhamento pelo novo lugar e novo status social que agora se acham engajados. São
sentimentos de insegurança e incerteza frente ao desconhecido, mostrando como reação um
distanciamento nas relações entre moradores.
73
A chegada do novo traz segundo Santos (2008) um impacto forte aos seus habitantes,
a introdução de novas variáveis muda as relações anteriormente existentes e ao mesmo tempo
há o estabelecimento de outras. No caso dos moradores do PRM, a nova configuração física e
social trouxe um vazio no relacionamento afetivo antes bem delimitado. No momento
observa-se um esforço psicossocial destas pessoas para novamente terem um código de
sentimentos e comportamentos próprios desse novo espaço.
Eles não sabem como utilizar certos instrumentos urbanísticos como as praças
construídas nas áreas coletivas, como também não havia o hábito de se deslocar para certas
atividades sociais, tudo era feito no restrito perímetro da casa, de uma janela pra outra, de uma
porta para a passarela. Agora há um parcelamento do espaço, cada ação tem uma área
destinada para seu uso social. Esse parcelamento pode ser positivo ou negativo, dependendo
de como esses moradores possam se sentir parte desse novo lugar, uma vez que a forma de
ocupação dos espaços pelos seres humanos depende da cultura e hábitos que cada grupo
social possui (Fischer, s/d). Oliveira (2000) vai mais adiante, dizendo que se o arranjo físico
se distanciar muito da cultura de seus ocupantes, é provável que estes se sintam cada vez mais
estranhos nesse lugar. Entretanto, esse processo de apropriação demanda tempo e é dinâmico,
dependendo de uma interação das pessoas entre si e destas com o lugar. Com o tempo nova
configuração social e física poderá se estabelecer
7.2 Adotar novos papeis sociais no lugar novo: o compromisso socioambiental
O papel social se constitui num fato importante para a manutenção da organização
social. Através desses papéis sociais podemos estabelecer códigos de conduta que nos dão
uma segurança nas relações sociais que são estabelecidas num grupo e num lugar
determinado. Cada indivíduo exerce funções específicas na sociedade em que vive. O
74
estabelecimento dessas funções depende da cultura vigente, como valores, crenças,
sentimentos e idéias. Com relação ao ambiente de moradia o papel social a ser desempenhado
por cada morador depende do local habitado e dessa forma sabem o que cada ocupante deve
fazer nessa convivência (MICHENER, 2005).
A modificação realizada através do PROSAMIM na vida dos moradores do PRM
onde eles passam da condição de pessoas excluídas e desvalorizadas socialmente pelo fato de
morarem em lugares desvalorizantes, em função de ter ocupado uma área proibida, de morar
num lugar sujo e insalubre, para um lugar planejado, habitável e organizado, esses moradores
passam a ser vistas como cidadãos, moradores num lugar que orgulha a cidade. Há um
endereço e uma condição física valorizante. Essa situação ambiental garante ao ocupante um
papel social valorizado. Ocorre, portanto uma mudança também no papel social dessas
pessoas. Agora com direitos de cidadania adquiridos, os deveres também aparecem para ser
incorporados no cotidiano dessas pessoas.
A função do papel social e seu desempenho dependem de fatores cotidianos, das
praticas sociais, através do processo de imitação do comportamento de seus pares. Aos poucos
os seres humanos vão incorporando novos papeis que lhe são impostos (HELLER, 2000).
Agora o morador deve cuidar desse ambiente coletivo de moradia. Se antes o morador não
tinha essa responsabilidade já que o local era sujo mesmo e se constituía como um lixão do
centro da cidade, onde tudo ali era jogado sem ter uma identificação de autores, agora isso
toma uma nova forma. A cobrança do cuidado passa a ser cobrada pela cidade que os admitiu
como “novos moradores”.
O compromisso social com o ambiente requer responsabilidades compartilhadas. É ter
que incorporar hábitos novos e uma sensibilidade ambiental que até então não havia. A esse
“novo cidadão” será cobrado algo além do que os demais cidadãos de Manaus têm de mostrar.
A recente produção do espaço coletivo ainda não parece ter permitido a tecitura de “acordos”
75
para o desempenho do papel social de cada morador no que concerne ao cuidado ambiental.
Magnani (2000) discute que esses papéis terão que ser negociados na convivência coletiva.
Esses moradores vivem relações de articulações mínimas, onde a iniciativa ainda é tomada
pelo órgão público que administra o PRM, mesmo que este manifeste que “agora os
moradores tem que se organizar”. O morador do PRM terá que incorporar atitudes de
sustentabilidade ambiental imediatamente, como uma condição inegociável. Deverá contribuir
efetivamente para uma melhor qualidade de vida sua e de seus pares. Deverá construir uma
consciência de seu papel enquanto cidadão. Um novo repertório de deveres a serem
cumpridos tem inserido claramente os deveres ambientais.
O compromisso social com o ambiente segundo Leff (2003) requer dos cidadãos um
novo pensar, uma revolução dos conceitos. É necessária a incorporação de uma nova cultura
que valorize o ambiente, que promova a sustentabilidade ambiental. Para que isso ocorra o ser
humano precisa ser ativo e livre nas suas práticas sociais. Não é possível haver educação
ambiental sem a participação ativa da cidadania. Para os moradores do PRM mais um desafio
lhes é apresentado. Se essa adoção de comportamentos socioambientais não é fácil para
qualquer pessoa, para os moradores do PRM, nesse momento é mais um aspecto novo.
Com as reuniões do UPGI foram desenvolvidas aulas de educação ambiental aos
moradores. Hábitos simples como jogar o lixo nas lixeiras, varrer a frente de suas casas e não
jogar o lixo no esgoto foram repetidamente enfatizados como uma ordem interna. Esses
hábitos estão sendo incorporados de forma bastante lenta e produzindo um novo repertório
coletivo sem, contudo trazer satisfação incondicional. Constata-se que os papéis sociais de
cuidado do coletivo é algo a ser construído com muito esforço.
...Aqui se eu pudesse civilizaria as pessoas, eles pensam que ainda estão no
igarapé, jogam tudo na rua. Meu vizinho joga o lixo dele pela janela. Nós
mesmos temos que cuidar disso aqui. Se não um dia isso aqui vai alagar
também. As pessoas jogam muito lixo no esgoto. Um dia quando choveu muito e
minha casa alagou, o esgoto entupiu, o Prosamim veio e teve que quebrar o
esgoto.
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...na frente daqui de casa fede muito. Os vizinhos colocam o lixo muito antes do
carro passar, aí os cachorros vão lá e rasga o saco e espalhar todo lixo. Eu
sempre tenho “bom ar” aqui em casa porque se chegar alguém aqui em casa
pode pensar que o fedor é daqui.
....eu sempre varro a aqui na frente, junto o lixo, mas é só eu. As pessoas não
fazem isso, eles não se acostumaram a cuidar da frente de suas casas. Nós é que
temos que limpar, porque quem vai limpar?
... o Prosamim diz que é proibido criar animais, mas as pessoas criam e não
juntam o cocô dos seus bichos. Aí fica um fedor, as crianças pisam quando vão
brincar.
Lemos (2009) faz uma ampla discussão sobre compromisso ambiental, onde o
caracteriza como uma categoria analítica para chegar a compreender o ethos
socioambiental que um indivíduo ou grupo possui. A autora defende que em muitos
casos esse compromisso é uma agenda complexa e que está estreitamente associado
com outros aspectos de cidadania individual e coletiva. Ferrara (1999) já discutiu essa
atitude em contextos diferenciados, onde os moradores “se negam” a protagonizar um
envolvimento coletivo em prol de algo que lhes traga maior qualidade de vida, por
entenderem que essa responsabilidade seria do poder publico. No caso dos moradores
do PRM, pode-se caracterizar uma aparente fragilidade do compromisso ambiental
que se concentra mais na falta de articulação coletiva do que na espera do
cumprimento das responsabilidades do governo. De qualquer forma, esses moradores
ainda estão necessitando da mediação do poder público para estabelecer essas
articulações coletivas para a autonomia necessária nesse novo lugar. As articulações
por sua vez, dependem também da clareza dos papéis sociais que esses moradores
devem assumir, mas que ainda mostram-se confusos.
77
8. CONSIDERAÇOES FINAIS
A questão de moradia no Brasil tem sido foco de Políticas Sociais do governo que
objetivam atender as carências habitacionais do povo brasileiro. Os conjuntos visam
maximizar um maior numero de unidades habitacionais que possam suprir o déficit
habitacional. Assim, a construção de conjuntos habitacionais populares tem tido um
crescimento significante nestes últimos anos. Geralmente, são conjuntos projetados com
arquitetura moderna, baseados em modelos internacionais que tendem a racionalizar o espaço.
De forma que todo espaço seja planejado para cada atividade a ser realizada pelo morador.
São residências padronizadas externamente e internamente. Os espaços públicos seguem, não
raro, modelos estranhos aos seus futuros moradores. São espaços que não contemplam relação
concreta com a história do lugar, e esta terá que ser construída gradativamente pelo morador.
Em Manaus a construção do Parque Residencial Manaus é um exemplo dessa nova
forma de morar. Nota-se uma padronização na construção das residências e um parcelamento
de lugares como forma de melhor direcionar as atividades de seus usuários como encontros
sociais, para atividades recreativas e esportivas e usos domésticos. No entanto, essa forma
objetiva na construção presente do ambiente de moradia é incompleta quando analisamos as
vivencias de seus habitantes. Nesse lugar aos poucos as regras impostas vão sendo
reconstruídas e reconfiguradas pelos moradores. A tentativa de produção de lugar vai
tomando formas que manifestam as relações de seus moradores com o novo ambiente. As
atividades cotidianas ganham nova forma, mesmo que distintas daquelas desejadas e
projetadas pelos governantes. São formas peculiares da pratica social que estão na percepção
e vivencia de cada morador. São atividades diárias que nos permitem observar a produção
desse novo espaço de morar, como estender roupas nas grades, colocação de comercio nas
78
vias publicas do conjunto, a não utilização adequada das lixeiras para seleção do lixo; a
utilização das ruas pelas crianças e jovens; as conversas realizadas em frente das residências
em vez da utilização das praças locais construídas para socialização dos moradores. A
contradição existente entre o que planejado pelo governo e o mundo vivido pelos moradores
mostram a indissociabilidade do lugar e as pessoas que vivem nele. Aos poucos o espaço
vazio vai sendo preenchido pelo modo de vida de cada um, se tornando aquele espaço num
território distinto e reconhecido.
Os moradores do PRM são pessoas vindas de lugares inóspitos que carregaram a
esperança de uma vida melhor. São pessoas que lutaram pela casa própria, pelo não
pagamento do aluguel e condições insalubres, não quer dizer que estes moradores encerraram
suas necessidades, ao contrario a nova configuração espacial do local trouxe novas
perspectivas sociais, estabelecimentos de nova identidade social e uma agenda de
compromissos socioambientais. A imagem dos moradores perante a sociedade modificou-se
passando de uma condição marginal, de alguém que vive à margem da sociedade para a
condição de cidadão incluído socialmente, reconhecido e valorizado pela sociedade Manaura.
A mudança física do lugar de moradia em sua estética paisagística traz uma beleza que é
reconhecida na cidade e por sua vez reconhecendo esses “novos cidadãos”. Assim, o
PROSAMIM por meio do PRM proporciona uma nova realidade social para essas pessoas.
Esse estudo aponta a importância das políticas públicas de habitação popular em
incluir não apenas a necessidade premente da efetiva participação dos futuros moradores, mas
de um processo de mediação que auxilie essas pessoas na reconstrução das novas articulações
sociais e compromissos coletivos de forma a amenizar o impacto do novo na vida dos
moradores. A participação mais efetiva dos futuros moradores traz consigo sentimentos de
identidade social e pessoal ao novo ambiente de moradia, favorecendo o sentimento de
apropriação, apego e principalmente de compromisso socioambiental com o ambiente.
79
9. REFERÊNCIAS
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84
APÊNDICES
85
APÊNDICE 1 – Carta enviada à associação dos Moradores do PRM
UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS
CENTRO DE CIÊNCIAS DO AMBIENTE
Programa de Pós-Graduação em Ciências do Ambiente e
Sustentabilidade na Amazônia – PPG/CASA
Mestrado A
ASSOCIAÇAO DOS MORADORES DO CONJUNTO RESIDENCIAL
MANAUS
Ilmo. Sr(a).
Presidente da Associação dos moradores do Parque Residencial Manaus
NESTA
Prezado(a) Senhor(a),
Ao cumprimentar V.Sa. vimos solicitar vossa colaboração no trabalho de pesquisa que estou
desenvolvendo como aluna do Curso de Pós-graduação em Ciências do Ambiente e
Sustentabilidade na Amazônia cujo titulo é PROSAMIM: vivendo a transição de ambiente de
moradia, sob orientação da Profa. Dra. Maria Inês Gasparetto Higuchi. O objetivo desse
estudo é caracterizar o espaço físico do Parque residencial Manaus e verificar como as
pessoas vivem e se sentem nesse novo lugar.
Na certeza de vossa colaboração, agradeço em nome da Universidade Federal do
Amazonas e do curso que ora estou cursando e ressaltar a importância da contribuição dessa
Unidade de gestão para o desenvolvimento dos trabalhos da comunidade científica frente às
demandas sociais e ambientais. Se o senhor estiver de acordo, por favor, assinar abaixo.
----------------------------------Presidente
Atenciosamente,
Janeth de Araujo Lemos
-------------------------------Vice- Presidente
Mestranda do CCA/UFAM
Tel
99825398
86
APÊNDICE 2 – Roteiro de questões da entrevista semi-estruturada
UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS
CENTRO DE CIÊNCIAS DO AMBIENTE
Programa de Pós-Graduação em Ciências do Ambiente e
Sustentabilidade na Amazônia – PPG/CASA
Mestrado Acadêmico
ROTEIRO DA ENTREVISTA
Nº. da Entrevista:
Dados Pessoais: Iniciais do nome:
Escolaridade:
Idade:
Estado civil:
Sexo:
Tempo de residência no local:
Questões norteadoras
O BAIRRO/ PARQUE RESIDENCIAL MANAUS
1.
2.
3.
4.
5.
Por que você optou em morar aqui?
Você está satisfeita com sua escolha?
O que você mais gosta daqui?
O que você mudaria?
Quais os lugares que você mais freqüenta nessa proximidade?
A CASA
1. O espaço físico atende as suas necessidades e de sua família?
2. Aqui você mora numa casa diferente da antiga. O que mudou? Como vocês se
ajeitaram aqui? O que você mais gosta da casa?
3. O que você mudaria? Por que?
A VIZINHANÇA/COTIDIANO
1
2
3
4
5
Você sabe o nome de seus vizinhos? Você os conhece daqui ou do outro lugar onde
vocês moravam?
Onde você costuma se encontrar com seus vizinhos? Onde? Com que freqüência?
Você participa da Associação dos Moradores? Tem alguma outra atividade que vocês
participam aqui nesse local? Qual delas você se sente melhor (ou porque não
participa)?
Você acha que houve mudanças no seu jeito de se relacionar com os vizinhos nesse
lugar?
Existe alguma regra imposta pelo governo que vocês devem seguir enquanto moram
aqui? Isso é bom pra você e sua família?
87
APÊNDICE 3 – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS
CENTRO DE CIÊNCIAS DO AMBIENTE
Programa de Pós-Graduação em Ciências do Ambiente e
Sustentabilidade na Amazônia – PPG/CASA
Mestrado Acadêmico
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
A pesquisadora Janeth de Araújo Lemos, solicita sua colaboração para realizar as
atividades do seu projeto de pesquisa como aluna do programa de pós-graduação em Ciências
do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia da UFAM que se chama “PROSAMIM: vivendo
a transição de ambiente:”A pesquisa tem como orientadora a Dra. Maria Inês Gasparetto
Higuchi.
Para isso é muito importante a sua participação respondendo uma entrevista com perguntas
sobre o ambiente e a transformação do local, modo como as pessoas lidam com as questões
ambientais como, por exemplo,a transformação que ocorreu no local de moradia pelas obras
do PROSAMIM, como os moradores percebem isso e se fazem uso dos parques e áreas de
lazer , se existe atividades propostas pela associação e se seus associados participam de suas
atividades ,como é feita a conservação do Parque. Com as informações a pesquisadora quer
conhecer a mudança na vida dos moradores e como isso afetou as relações de vizinhança e
suas convivências dos respectivos moradores do Parque Residencial Manaus, Quadra I e II do
Programa Social e Ambiental dos Igarapés de Manaus-PROSAMIM, decorrente dessa nova
forma de morar.
Sua participação na pesquisa é voluntária, não terá nenhuma despesa e nada receberá
em troca. O benefício em participar é ajudar na construção do conhecimento acerca da
temática vislumbrando a busca de estratégias para enfrentamento da mesma.
Seu nome não será registrado e nem divulgado, sendo garantido sigilo de sua
identidade. As informações que você der serão utilizadas apenas na realização deste projeto.
Caso você ache que alguma informação dada não deva ser divulgada, a pesquisadora jamais a
utilizará. Mesmo após a sua autorização, você tem o direito e a liberdade de retirar seu
consentimento em qualquer fase da pesquisa independente do motivo e sem qualquer prejuízo
a sua pessoa. Se você concordar nós gravaremos em áudio as entrevistas que serão depois
transcritas e analisadas. Se você tiver qualquer dúvida ou quiser saber qualquer informação
mais detalhada pode fazer contato com a pesquisadora Janeth de Araújo lemos, pelos
telefones: 99825298
88
CONSENTIMENTO PÓS-INFORMAÇÃO
Eu, ________________________________________ entendi o que a pesquisa vai fazer e
aceito participar de livre e espontânea vontade. Por isso dou meu consentimento para inclusão
como participante da pesquisa e afirmo que me foi entregue uma cópia desse documento.
Data ___/___/___.
________________________________
Assinatura do (a) entrevistado (a)
Impressão do Polegar
89
ANEXO 1 – Protocolo de Aprovação no CEP UFAM

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