como nasce uma cultura de “conservação”?
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como nasce uma cultura de “conservação”?
6º MRANU - FAUTL faculdade de ARQUITECTURA, universidade técnica de Lisboa 6ºmestrado em reabilitação de arquitectura e núcleos urbanos fundamentos e história da conservação do restauro e da reabilitação COMO NASCE UMA CULTURA DE (OU DA) CONSERVAÇÃO? José Aguiar, Professor Associado, FA-UTL faculdade de ARQUITECTURA como nasce uma cultura de “conservação”? RENASCIMENTO Pio II (1405-1464), família senese Piccolomini; visita de 1459 a Corsignano sua terra natal (com Alberti e Giorgio Martini ?). Em 1462 nasce Pienza, com projecto final de Bernardo Gambarelli “il Rossellino” um seguidor de Alberti. - Uma catedral. - Palazzo Piccolomini no lugar do seu nascimento. Bloco quadrado com pátio ao centro, fachada meridional ocupada com galerias de onde se defruta o jardim e a paisagem. - Palácio do Cardeal Borgia (depois sede do bispado). - Palácio público. - Bloco de casas em linha, para os habitantes mais desfavorecidos. Toda a pequena cidade organiza-se de forma hierárquica em torno da igreja e do palácio papal. Os edifícios principais distinguem-se pela inteligência da sua regularidade não por uma imponência volumétrica, o prestígio cultural vale mais do que o exibicionismo ou a ostentação. José Aguiar, FAUTL 1 6º MRANU - FAUTL faculdade de ARQUITECTURA como nasce uma cultura de conservação? faculdade de ARQUITECTURA como nasce uma cultura de conservação? José Aguiar, FAUTL 2 6º MRANU - FAUTL faculdade de ARQUITECTURA como nasce uma cultura de conservação? faculdade de ARQUITECTURA como nasce uma cultura de conservação? José Aguiar, FAUTL 3 6º MRANU - FAUTL faculdade de ARQUITECTURA como nasce uma cultura de “conservação”? RENASCIMENTO Bula papal de Pio II (1405-1464, família senese Picolomini, o criador de Pienza): Cum albam nostram Urbem, de 28 de Abril de 1462, objectivo: salvaguardar os vestígios da antiguidade clássica! Quem se atrevesse a demolir ou quem convertesse “em cal” as pedras dos edifícios da Antiguidade, ainda que estes se situassem em propriedade privada era ameaçado de excomunhão! J. Rivera, Restauracion arquitectonica desde las origenes hasta nuestros dias. Conceptos, Teoria e Historia, em Teoria e historia de la retauracion, Master de Restauracion y Reahabilitacion del Patrimonio, Editorial Munill-Lería, Madrid, 1997, pp. 103-110. faculdade de ARQUITECTURA Esquema do redesenho da fachada da antiga Igreja de Santa Maria Novella, León Batista Alberti, 1470, Relações entre préexistências e obra nova, (AAVV.Teoria e Historia de la Restauracion, Madrid, Munilla-Lería,1997, p.105). Até ao século XVIII, restaurar significava, em grande medida, reutilizar uma construção disponível, a qual era recuperada e renovada de acordo com os paradigmas arquitectónicos e as normas construtivas vigentes nesse momento, ou seja: construindo interpretações contemporâneas do passado “Clássico”! como nasce uma cultura de “conservação”? José Aguiar, FAUTL 4 6º MRANU - FAUTL faculdade de ARQUITECTURA Rimini, Templo Malatestiano, Alberti, 145066, transformação do templo gótico de São Francisco, com fachada inspirada no Arco de Augusto, da mesma cidade. Miguel Ângelo converte as Termas de Diocleciano, em Roma, na Igreja de Santa Maria dos Anjos; o mesmo método foi retomado por Vanvitelli, em 1749, actualizando o mesmo templo; Bernini, procede a uma renovação linguística, implantando as célebres orelhas no Panteão, introduzindo-lhe os campanários e convertendo-o em igreja. o nascer de uma cultura de “conservação”? faculdade de ARQUITECTURA como nasce uma cultura de “conservação”? E depois do RENASCIMENTO? Paulo II (1417-1471), colecionador de arte e restaurador de monumentos, de partes do Forum Romano, do Coliseu e da coluna de Trajano (mas tortura o humanista Bartolomeo Platina acusando-o de, por amor ao classicismo e ao mundo antigo, promover uma visão materialista oposta ao catolicismo). Sisto V (1520-1590), coloca uma estátua de São Pedro no local onde antes estava a estátua de Trajano ...e dá a eternidade ao monumento (rectilíneas e pés de galinha). Roma no final do Quattrocento: F. Choay, L´Allégorie du patrimoine, Paris, Ed. du Seuil, 1992, pp. 37-50. José Aguiar, FAUTL 5 6º MRANU - FAUTL faculdade de ARQUITECTURA Depois do RENASCIMENTO Paulo III (Farnese, 1468-1549), reformula a colina do Capitolino (o Capidoglio, de Miguel Ângelo). Reorganização de um novo centro político para Roma (iniciado em 1538, por concluir na morte de Miguel Ângelo, só foi terminado em finais do século XVII). faculdade de ARQUITECTURA como nasce uma cultura de “conservação”? NEOCLACISSIMO (séc. XVIII) O classicismo setecentista reintroduz o interesse pela cultura da Antiguidade. Surge a HISTÓRIA DA ARTE (Winckelmann: Geschichte der Kunst des Altertums, Dresden, 1764) e o estudo para-científico da HISTÒRIA, afirma-se a noção de “monumento histórico”, factores que merecem uma enorme atenção por parte das academias (estude-se as “teorias da arquitectura” propostas por Milizia e Quatremère de Quincy). A arquitectura histórica passa a ser classificada dentro de estilos cuja cronologia é estabelecida com bases científicas (através da arqueologia), diferenciando-se metodológica e cronologicamente os objectos do passado através de uma análise formal e de uma crítica artística que utiliza metodologias cada vez mais rigorosos. José Aguiar, FAUTL 6 6º MRANU - FAUTL faculdade de ARQUITECTURA As novas e grandes escavações arqueológicas: Pompeia e Herculano, Paestum! A redescoberta da Grécia (com o recuo do império Otomano)! As grandes escavações arqueológicas: Pompeia e Herculano, Paestum. como nasce uma cultura de “conservação”? NEOCLACISSIMO (séc. XVIII) faculdade de ARQUITECTURA O impacto de Paestum. como nasce uma cultura de “conservação”? José Aguiar, FAUTL 7 6º MRANU - FAUTL A redescoberta do classicismo helénico: o regresso à Grécia! O regresso à Grécia depois do recuo do império Otomano! A Arqueologia e a História da Arte como ciência: o conhecimento objectivo dos monumentos! 1751/4, James Stuart e Nicholas Revett em Atenas, 1762 publicam edição com levantamentos rigorosos. Le Roy, 1758 desenhos/pinturas. Julien-David Le Roy, Vista do Parthenon, Atenas1758 faculdade de ARQUITECTURA «O passado é encerrado em limites precisos, surgindo, no mesmo momento, um novo espaço-tempo de distanciação para com a contemporaneidade. A noção de antiguidade adquire uma dimensão estética, a apreciação da beleza do passado introduz a necessidade de garantir a preservação de valores cuja consciência é, então, adquirida de forma intensa e definitiva pela cultura ocidental». JA, cor e cidade histórica. Porto, FAUP, 2003. como nasce uma cultura de “conservação”? NEOCLACISSIMO (surge a História científica da Arte) José Aguiar, FAUTL 8 6º MRANU - FAUTL faculdade de ARQUITECTURA como nasce a cultura de “conservação”? A NOSTALGIA! Gravuras de Piranesi (17201778): ricostruzione immaginaria della via Appia, Tomo II, Antichità Romane. Piranesi é (também) um Arqueólogo. faculdade de ARQUITECTURA A nostalgia e a dramática confusão entre preservação e reconstrução Gravuras de Piranesi (1720-1778): influenciam, mais tarde, o pré-romanticismo e o ruinismo romântico. A nostalgia alimentará revivalismos e conduzirá, segundo Paul Philipot, a uma dramática confusão entre preservação e reconstrução durante todo o século XIX: «To bridge the gap that the historical conscience opened between the past and the present, a new kind of contact developed, based on the feeling that the past has indeed been lost, but continues to live through nostalgia. This romantic nostalgia of the past, which replaced the traditional continuity between the past and the present combines historicism and nationalism and led, since the end of the 18th century, not only to various revivals of the past styles of art and architecture but also to an unfortunate confusion of preservation and reconstruction». P. Philipot, Philosophy, Criteria, Guidelines, em Proceedings of the Northamerican International Conference, Pennsylvania, 1972, p. 367. José Aguiar, FAUTL 9 6º MRANU - FAUTL faculdade de ARQUITECTURA como nasce uma cultura de “conservação”? OS IMPACTOS DA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL As tradições são postas em causa pela modernidade mas, no momento em que se anuncia um mundo novo, (re)descobre-se o valor do que se perde. Dessa nova consciência histórica, nascerá a necessidade de manter contacto com os testemunhos culturais do passado. A luta pela salvaguarda patrimonial coexistirá intimamente com o advento da própria modernidade, surgindo a «consagração» de um novo tipo de culto: o dos MONUMENTOS (F. Choay, L´Allégorie du Patrimoine. Paris: Ed. Du Seuil, 1992) Violet-le-Duc, Entretiens…; Galerie des Machines, 1889 faculdade de ARQUITECTURA como nasce uma cultura de “conservação”? OS IMPACTOS DA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL A procura de aproximações teoricamente mais sólidas conduzirá à gradual definição da nova disciplina a que os continentais (sobretudo os Italianos e os Franceses) chamarão Restauro e os Ingleses de Conservação. Diferença e disputa conceptual que ultrapassará em muito o século e a vida dos seus protagonistas: John Ruskin e Viollet-le-Duc. José Aguiar, FAUTL 10 6º MRANU - FAUTL faculdade de ARQUITECTURA REVOLUÇÃO FRANCESA: O ADMINISTRAR DA CONSERVAÇÃO Abbé Grégoire (bispo de Blois, 1750-1831): «Vocês não são mais do que os depositários de um bem do qual a comunidade tem direito a pedir-vos contas. Os bárbaros e os escravos detestam as ciências e destroem os monumentos artísticos; os homens livres amam-nos e conservam-nos». Surge a primeira carta de salvaguarda de um Estado moderno: medidas legais para deter o vandalismo ideológico (anti-monárquico, anti-clerical e anti-feudalista), de carácter iconoclasta, que aparece imediatamente após a Revolução Francesa. 1790, cria-se a pioneira Commission des Monuments: a necessidade da execução prática de um inventário e o estabelecimento (em Março de 1793) de normas para a conservação das obras de arte e dos monumentos dão origem às «Instructions sur la manière d'inventorier et de conserver dans toute l'étendue de la République tous les objets qui peuvent servir aux arts, aux sciences, à l'enseignement». faculdade de ARQUITECTURA como nasce uma cultura de “conservação”? REVOLUÇÃO FRANCESA: ADMINISTRAR A CONSERVAÇÃO Ludovic Vitet (1802-1873), primeiro Inspecteur des Monuments Historiques (1830), antepassados dos actuais - “Architectes des Bâtiments de France” responsável de l'Académie des Inscriptions (1839), em 1831 restrutura o pioneiro Service de la Conservation des Monuments Historiques (apoiado por comissão de notáveis: Victor Hugo, Montalambert, Victor Cousin, barão Taylor, etc.). Victor Hugo: «Guerre au démolisseurs», em Revue de Paris, 1829 e 1832. José Aguiar, FAUTL 11 6º MRANU - FAUTL faculdade de ARQUITECTURA como nasce uma cultura de “conservação”? REVOLUÇÃO FRANCESA: ADMINISTRAR A CONSERVAÇÃO 1834, Prosper Mérimée (1803-1870), substitui e desenvolve o trabalho de Vitet. Em 1840 publica-se a primeira lista de monumentos classificados: 1000 monumentos inventariados e a necessitarem de atenção. O essencial encontra-se em: F. Rucker, Les origines de la conservation des monuments historiques en France (1790-1830) (tese de doutoramento apresentada na Faculté des Lettres, Université de Paris), Paris, 1913. Ver também F. Choay, ob. cit, 1992; ainda J. Jokilehto, ob. cit,. Imagens: Temple Saint-Jean de Poitiers, Joly-Leterme, 1840; Museu de Cluny, colecção de arte medieval Alexandre de Sommerard, 1844. faculdade de ARQUITECTURA Victor Hugo: «Guerre au démolisseurs», em Revue de Paris, 1829 e 1832: « À quoi servent ces monuments ? disent-ils. Cela coûte des frais d’entretien, et voilà tout. Jetez-les à terre, et vendez les matériaux. C’est toujours cela de gagné. Depuis quand ose-t-on, en pleine civilisation, questionner l’art sur son utilité ? Malheur à vous si vous ne savez pas à quoi l’art sert ! » José Aguiar, FAUTL 12 6º MRANU - FAUTL faculdade de ARQUITECTURA A regularização de Paris: o plano de Haussman! Ile de France, antes e depois dos projectos de Haussman. Baron Haussmann (1809-1891) faculdade de ARQUITECTURA Pierrefonds. Antes da intervenção de restauro realizada por Viollet-le-Duc. como nasce uma cultura de “conservação”? FRANÇA, O RESTAURO, O COMPLETAMENTO E A PROCURA DA UNIDADE ESTILÍSTICA! No início do segundo quartel do século XIX, em França, restaurar um monumento significa proceder à sua reconstrução, ou à reintegração das partes em falta, tendo por referência o (seu?) estilo original. Ludovic Vitet e Prosper Mérimée defenderam que o completamento “em estilo” se efectuasse através da cópia de motivos análogos existentes no próprio edifício ou em construções similares da mesma região. Surge a ANALOGIA como método, defendido por alguns …ainda hoje. José Aguiar, FAUTL 13 6º MRANU - FAUTL faculdade de ARQUITECTURA como nasce uma cultura de “conservação”? FRANÇA, O RESTAURO COMO PROCURA DA UNIDADE ESTILÍSTICA! O mais famoso defensor do Restauro Estilístico foi Viollet-le-Duc (1814-1879). É particularmente célebre a sua definição de restauro: «Restaurer un édifice, ce n´est pas l´entretenir, le réparer ou le refaire, c´est le rétablir dans un état complet qui peut n’avoir jamais existé à un moment donné». Eugène Viollet-le-Duc, Restauration, em Dictionnaire Raisonné de L´Architecture Française du XIe au XIIe Siècle, Tomo 8, Paris, A. Morel Éditeur, 1866, p.14. E. Viollet-le-Duc, Templo Neptuno, Paestum, 1836 faculdade de ARQUITECTURA como nasce uma cultura de “conservação”? FRANÇA, O RESTAURO ESTILÍSTICO: A PROCURA DA UNIDADE ESTILÍSTICA! Viollet-le-Duc investiga a lógica projectual da arquitectura, no processo de correspondência da regra (o estilo) com um tempo e as suas possibilidades técnico-formais. Acreditava que o conhecimento rigoroso da linguagem com que se exprime define o essencial valor artístico do monumento, e essa linguagem estabeleceria os critérios analógicos que deveriam presidir e guiar o projecto de restauro. O “completamento” permitia a reutilização funcional dos monumentos, atribuindo-lhes utilizações concretas enquanto arquitecturas, aspecto fulcral para a teoria de V.l.C. José Aguiar, FAUTL 14 6º MRANU - FAUTL faculdade de ARQUITECTURA como nasce uma cultura de “conservação”? FRANÇA E O RESTAURO ESTILÍSTICO Vivia-se em plena Revolução Industrial, mas estavam bem vivos em França os saberes milenares da construção, permitindo não só reparar como também reproduzir as soluções construtivas presentes nos monumentos, com práticas produtivas ancestrais. Bastava que existissem algumas peças para que fosse ainda possível reproduzi-las, ou repará-las, com métodos em grande medida similares aos originais. Estavam disponíveis as tecnologias da cal, da cantaria, dos estuques, da serralharia, e tantas outras. As tradições construtivas pré-industriais tinham uma morte anunciada mas, naquele momento histórico, ainda estavam disponíveis. Viollet-le-Duc reclama para o restauro um rigor a uma fidelidade estilística absoluta, sem lugar para criatividades, idiossincrasias ou opiniões pessoais. faculdade de ARQUITECTURA FRANÇA, O RESTAURO E A PROCURA DA UNIDADE ESTILÍSTICA! Viollet-le-Duc (1814-1879). Carcassonne, 1855-1879 José Aguiar, FAUTL 15 6º MRANU - FAUTL faculdade de ARQUITECTURA FRANÇA, O RESTAURO E A PROCURA DA UNIDADE ESTILÍSTICA! Viollet-le-Duc (1814-1879). Carcassonne, 1855-1879 Port d´Aude; , tour de l'Evêque, la tour Pinte,1853. faculdade de ARQUITECTURA como nasce uma cultura de “conservação”? INGLATERRA E A CONSERVAÇÃO ESTRITA «Restoration, so called, is the worst manner of Destruction.[...] Do not let us deceive ourselves in this important matter; it is impossible, as impossible as to raise the dead, to restore anything that has ever been great or beautiful in architecture». John Ruskin Ruskin condena a reinterpretação estilística e conjectural do restauro que acreditava comprometer a autenticidade do monumento enquanto documento e obra de arte, propõe em alternativa uma conservação estrita, apoiada em operações básicas de manutenção, afirma: «Take proper care of your monuments, and you will not need to restore them». (...) «But, it is said, there may come a necessity for restoration! Granted. Look the necessity full in the face, and understand ít on its own terms. lt is a necessity for destruction. (...) The principle of modern times (...) is to neglect buildings first, and restore them afterwards». J. Ruskin, The seven lamps of architecture. Kent: George Allen, 1880. Consulte-se, em particular, o capítulo designado “The Lamp of Memory”. José Aguiar, FAUTL 16 6º MRANU - FAUTL faculdade de ARQUITECTURA como nasce uma cultura de “conservação”? INGLATERRA E A CONSERVAÇÃO ESTRITA Nas concepções de Ruskin (bem como nas de Morris), as marcas do tempo faziam parte da essência do monumento; sob o ponto de vista ético: «We have no right whatever to touch them [os monumentos]. They are not ours. They belong partly to those who built them, and partly to all the generations of mankind who are to follow us (...)». J. Ruskin, ob. cit, p.197. A maior e mais profícua contribuição de Ruskin foi a sustentação ideológica da conservação estrita como metodologia de preservação patrimonial alternativa ao restauro. Mas Ruskin não propôs nenhum método concreto de salvaguarda patrimonial, ao contrário do envolvimento directo e operacional de Viollet-le-Duc. As suas reflexões constituem uma abordagem ideológica na qual coexistem aspectos profundamente idealistas e por vezes até fatalistas, visíveis, por exemplo, na apologia da passividade e da não-intervenção no monumento. Ideias muito próximas das posições e da sensibilidade do ruinismo. faculdade de ARQUITECTURA como nasce uma cultura de “conservação”? ITÁLIA, O RESTAURO DITO “ARQUEOLÓGICO” Leão XII (1723-1829), ao ordenar a reconstrução da Basílica de São Pedro, em Roma, estabele de forma muito precisa os critérios que deveriam presidir ao projecto: «Nenhuma inovação deve introduzir-se nas formas e nas proporções, nem nos ornamentos do edifício resultante, se não para excluir aqueles elementos que num tempo posterior à sua construção foram introduzidos por capricho da época seguinte». J. Rivera, Restauracion Arquitectónica desde los origenes hasta nuestros dias. Conceptos, Teoria e Historia, em Teoria e Historia de la Restauracion, Master de Restauracion y Rahabilitacion del Patrimonio. Madrid: Editorial Munill-Lería, 1977, pp.113-114 (tradução livre). O restauro do Coliseu, por ordem de Pio VII, com apoio da Accademia di San Luca, iniciado em 1807 e até 1826: Stern, Giuseppe Palazzi e Camporesi; a partir de 1823, Valadier. O restauro do Arco de Tito desenvolvido inicialmente por Stern (1817-1819) e, depois, por Giuseppe Valadier (entre 1819 e 1821), que Camilo Boito tomará como o exemplo mais paradigmático da sua concepção de restauro. José Aguiar, FAUTL 17 6º MRANU - FAUTL faculdade de ARQUITECTURA como nasce uma cultura de “conservação”? ITÁLIA, O RESTAURO ARQUEOLÓGICO «Por restauro arqueológico, na Itália da primeira metade do século XIX, entende-se o completamento ou a consolidação de monumentos, desenvolvidos com base em rigorosas análises prévias que permitem validar a sua recomposição. Trata-se de um processo no âmbito do qual se empregam elementos originais, através da anastilosis, e se procede ao preenchimento das lacunas por meio de reproduções simplificadas e distinguíveis; sem atingir, portanto, uma excessiva similitude formal, o que poderia conduzir à falsificação histórica, mas também sem uma excessiva diferenciação, que poderia perturbar a leitura estética do monumento. Esta concepção de restauro é surpreendentemente actual [JA]». faculdade de ARQUITECTURA ITÁLIA E O RESTAURO ARQUEOLÓGICO Restauro do Coliseo, (1807 a 1826). Restauro do Coliseu: terramoto afecta-o em 1806; (i) Raffaele Stern (1774-1820), propõe uma solução sólida e económica, contrapôs no lado sul do Coliseu, o mais afectado, um sólido muro de reforço (contraforte) estrutural. Sem desmontar ou demolir as partes afectadas, preencheu os ocos e vãos com geometria periclitante, utilizando na consolidação novos materiais (alvenaria de tijolo burro rebocado) distintos dos antigos, tanto pela sua natureza como pela sua forma e cor. José Aguiar, FAUTL 18 6º MRANU - FAUTL faculdade de ARQUITECTURA ITÁLIA E O RESTAURO ARQUEOLÓGICO Restauro do Coliseu: (ii) em 1823, Giuseppe Valadier remata a extremidade oposta do Coliseu voltada para o Forum, muito degradada. Utiliza uma solução diferente da de Stern, reconstitui parcialmente as zonas afectadas, completa a geometria dos arcos abatidos com formas similares às originais (reinterpretação). Em vez de travertino (construção original), utilizou a pedra apenas nas partes onde era necessária por razões estruturais (topo dos pilares, capitéis e cornijas); o grosso das novas estruturas foi feita em tijolo-burro, garantindo economia e esclarecendo a modernidade da intervenção (procedeu-se a uma integração cromática com o restante monumento em «patina a fresco» que, ao longe, as faria parecer cor do travertino). faculdade de ARQUITECTURA ITÁLIA E O RESTAURO ARQUEOLÓGICO Restauro do Coliseo, Raffaele Stern e Giuseppe Valadier (1807 a 1826). Poupança e urgência ou clareza na distinção entre novo e antigo? José Aguiar, FAUTL 19 6º MRANU - FAUTL faculdade de ARQUITECTURA Arco de Tito, Piranesi. ITÁLIA E O RESTAURO ARQUEOLÓGICO O restauro do Arco de Tito: Stern (supervisionado por Valadier e Camporesi) recupera as partes em falta desenvolvendo escavações arqueológicas no local e tentando recuperar peças originais reaplicadas noutras construções. As peças originais reintegraram-se na construção; as lacunas refizeram-se com um material pétreo diferente do primitivo, utilizando-se o travertino em vez do mármore. ITÁLIA E O RESTAURO ARQUEOLÓGICO José Aguiar, FAUTL Arco de Tito, antes, os estudos e depois do restauro (1817 a 1921). faculdade de ARQUITECTURA 20 6º MRANU - FAUTL faculdade de ARQUITECTURA ITÁLIA E O RESTAURO ARQUEOLÓGICO Arco de Tito, depois do restauro (1817 a 1921). As formas e os detalhes aplicados foram «essencializados», com formas simplificadas, por comparação com o nível de detalhe dos elementos arquitectónicos originais. Ao longe, o volume do arco restaurado restitui a forma do seu arquétipo; de perto, é óbvio o mútuo esclarecimento do que é novo e do que é antigo. Conserva-se a matéria e restitui-se o significado arquitectónico das formas. faculdade de ARQUITECTURA como nasce uma cultura de “conservação”? RESTAURO HISTÓRICO Luca Beltrami Positivismo do «com´era, dov´era», a reconstrução arquitectónica – ou, mais tarde, de cidades inteiras, como Varsóvia no segundo pós-guerra -, assente em métodos históricos fidedignos, recusando os critérios especulativos do restauro estilístico. Entendia ser dever do restaurador actuar reconstitutivamente, i.e. proceder à restituição dos elementos necessários à expressão da essencialidade artística de cada monumento, permitindo a sua leitura (forma e narrativa) aspecto considerado essencial enquanto obra de arte. Castelo SFORZESCO (Milão) José Aguiar, FAUTL 21 6º MRANU - FAUTL faculdade de ARQUITECTURA como nasce uma cultura de “conservação”? RESTAURO HISTÓRICO Luca Beltrami e a a questão do Campanile (a repristinação)! Campanile de São Marcos, Veneza faculdade de ARQUITECTURA como nasce uma cultura de “conservação”? RESTAURO HISTÓRICO Luca Beltrami e a a questão do Campanile! 1902 discussão internacional sobre estratégia mais adequada para o restauro do Campanile. As posições dividiam-se: renovar a torre e aproveitar para introduzir uma nova linguagem arquitectónica no quadro estilístico do Liberty, ou outra; reconstruir a torre de forma essencializada, mantendo apenas referências directas ao antigo volume e silhueta; proceder a uma reconstrução integral, mobilizando técnicas construtivas e materiais idênticos aos originais. José Aguiar, FAUTL 22 6º MRANU - FAUTL faculdade de ARQUITECTURA como nasce uma cultura de “conservação”? RESTAURO HISTÓRICO Luca Beltrami e a questão do Campanile! O projecto foi dirigido (mas não concluído) por Beltrami. Na reconstrução decide-se o recurso a soluções de reforço estrutural modernas, interior em betão armado, para diminuir o peso próprio da torre, uma das causas do desmoronamento (conseguindo poupar-se duas mil toneladas em relação ao original). Em termos de imagem, optou por se deixar sem o reboco a alvenaria de tijolo exterior, a qual era inicialmente revestida, mas cuja memória já se perdera no próprio original. As obras ficaram concluídas em Abril de 1912. faculdade de ARQUITECTURA como nasce uma cultura de “conservação”? RESTAURO HISTÓRICO Luca Beltrami: a questão do Campanile! Campanile de São Marcos, Veneza Em termos arquitectónicos o objecto reconstruído é, na realidade, factual. Uma cópia moderna aposta no próprio local do original, pouco ou nada incorporando da construção anterior. Brandi critica esta opção à luz das suas consequências teóricas: a adulteração da realidade e a irremediável afectação da autenticidade histórica e estética. «La copia è un falso storico e un falso estetico e pertanto può avere una giustificazione puramente didattica e rimemorativa, ma non può sostituir-se senza danno storico ed estetico all´originale. Nel caso del Campanile di San Marco, quel che importava era un elemento verticale nella Piazza [dimensão urbanistica]; la riproduzione esatta non era richiesta se non dal sentimentalismo campanilistico, è il caso di dirlo» [1]. [1] C. Brandi, Teoria José Aguiar, FAUTL del Restauro, Turim, Picola Biblioteca Einaudi, 1963 (2ª ed. de 1977) p.40. Ver também, neste documento, o capítulo referente a Cesare Brandi e à sua teoria de um restauro crítico. 23 6º MRANU - FAUTL faculdade de ARQUITECTURA como nasce uma cultura de “conservação”? No fim do século XIX não estava ainda disponível uma capacidade crítica suficientemente rigorosa, nomeadamente quanto ao controlo e utilização das fontes documentais. E hoje? Repristinação e Cópia Repristinação do Pavilhão da Alemanha, em Barcelona, de Mies. faculdade de ARQUITECTURA como nasce uma cultura de “conservação”? Repristinação vs. Cópia Repristinação do Cafe De Unie, Peter Oud,Roterdão, Holanda. José Aguiar, FAUTL 24 6º MRANU - FAUTL faculdade de ARQUITECTURA CAMILO BOITO E O RESTAURO FILOLÓGICO (OU RESTAURO MODERNO) Beltrami valorizou sobretudo a artisticidade como valor fulcral do monumento, Camilo Boito, sem negar a importância do valor de arte, destaca o valor primordial dos monumentos enquanto testemunhos duplos, i.e. para além da representatividade artística também como documento histórico; assim sustenta teoricamente a defesa de estratégias de conservação integral, opondo-se às teorias reconstitutivas - logo ao restauro em estilo - defendendo a necessidade da coexistência dos diversos tempos na vidas das arquitecturas; mas também, e ao contrário de Ruskin, defende a importância para a salvaguarda da reutilização dos monumentos. Foi particularmente marcante a sua contribuição para as resoluções do III Congresso degli Ingegneri e Architetti Italiani, realizado em Roma no ano de 1883 , de onde resultou a fixação dos conceitos base de uma teoria moderna do restauro, fixados na teoria operativa da I Carta Italiana do Restauro (dita Carta de Boito). faculdade de ARQUITECTURA - UTL CAMILO BOITO E O RESTAURO FILOLÓGICO Carta do Restauro 1883 (Carta di Boito), síntese: Os monumentos são considerados DOCUMENTOS privilegiados da história dos povos, além do seu valor específico enquanto ARTE; a alteração de monumentos não é admitida devido ao risco de conduzir, no futuro, a deduções históricas erróneas. Demonstrada a necessidade de intervir num monumento, este deveria ser «(...) antes consolidado que reparado, antes reparado que restaurado, evitando renovações e acrescentos». Considera-se O RESTAURO COMO UMA ACÇÃO IN EXTREMIS. Os acrescentos ou renovações da construção original só seriam admissíveis por motivos de força maior (exp., razões estruturais inequivocamente justificadas). Todas as novas partes deveriam ser executadas de forma a transmitirem um carácter distinto da construção original. i.e. IDENTIFICAR A CONTEMPORANEIDADE DOS ACRESCENTOS MAS SEM COLIDIR COM O ASPECTO E LEITURA ARTÍSTICA DOS MONUMENTOS. José Aguiar, FAUTL 25 6º MRANU - FAUTL faculdade de ARQUITECTURA - UTL CAMILO BOITO E O RESTAURO FILOLÓGICO, Carta do Restauro 1883 (Carta di Boito), síntese: Os materiais a utilizar deveriam ser distintos dos originais, identificando as partes acrescentadas e, se possível, datando-as, para não iludir futuros observadores. Considerou-se inaceitável proceder a depurações para atingir uma pretensa unidade estilística do monumento, e defendeu-se a preservação dos acrescentos e modificações introduzidos em épocas anteriores, desde que tenham valor histórico e artístico. As operações de restauro deveriam ficar registadas e arquivadas, com cópia deixada «In Loco» e outra em organismo centralizado, recorrendo à fotografia e a desenhos para registar as diversas etapas dos trabalhos e assim identificando claramente o que «....se conservou, consolidou, refez, renovou, modificou, removeu ou destruiu». A colocação de uma lápide no edifício deveria recordar a data e as principais obras do restauro. faculdade de ARQUITECTURA - UTL CAMILO BOITO E O RESTAURO FILOLÓGICO (OU RESTAURO MODERNO) Contribuição para as resoluções do III Congresso de 1883, em Roma Fonte: CERR - Carte, risoluzioni e documenti per la conservazione ed il restauro. Siena, Marzo, 2003 Voto conclusivo del 3° Congresso degli Ingegneri e Architetti Italiani tenutosi a Roma nel 1883; redação de Camillo Boito Carta del restauro (dita Carta del Boito) Roma, 1883 Voto conclusivo Considerando che i monumenti architettonici del passato, non solo valgono allo studio dell'architettura, ma servono, quali documenti essenzialissimi, a chiarire e ad illustrare in tutte le sue parti la storia dei vari tempi e dei vari popoli, e perciò vanno rispettati con scrupolo religioso, appunto come documenti, in cui una modificazione anche lieve, la quale possa sembrare opera originaria, trae in inganno e conduce via via a deduzioni sbagliate; la prima sezione del III Congresso degli Ingegneri ed Architetti, presa cognizione delle circolari inviate dal Ministero della Pubblica Istruzione ai Prefetti del Regno intorno ai restauri degli edifici monumentali, raccomanda le seguenti massime: 1. I monumenti architettonici, quando sia dimostrata incontrastabilmente la necessità di porvi mano, devono piuttosto venire consolidati che riparati, piuttosto riparati che restaurati, evitando in essi con ogni studio le aggiunte e le rinnovazioni. José Aguiar, FAUTL 26 6º MRANU - FAUTL faculdade de ARQUITECTURA - UTL 2. Nel caso che le dette aggiunte o rinnovazioni tornino assolutamente indispensabili per la solidità o per altre cause invincibili, e nel caso che riguardino parti non mai esistite o non piu esistenti e per le quali manchi la conoscenza sicura della forma primitiva, le aggiunte o rinnovazioni si devono compiere con carattere diverso da quello del monumento, avvertendo che, possibilmente, nell'apparenza prospettica le nuove forme non urtino troppo con il suo aspetto artistico. 3. Quando si tratti invece di compiere cose distrutte o non ultimate in origine per fortuite cagioni, oppure di rifare parti tanto deperite da non poter più durare in opera, e quando non di meno rimanga il tipo vecchio da riprodurre con precisione, allora converrà in ogni modo che i pezzi aggiunti o rinnovati, pure assumendo la forma primitiva, siano di materia evidentemente diversa, o portino un segno incisoo meglio la data del restauro, sicché neanche su ciò possa l'attento osservatore venire tratto in inganno. Nei monumenti dell'antichità o in altri, ove sia notevole la importanza propriamente archeologica, le parti di compimento indispensabili alla solidità e alla conservazione dovrebbero essere lasciate coi soli piani semplici e coi soli solidi geometrici dell'abbozzo, anche quando non appariscano altro che la continuazione od il sicuro riscontro di altre parti anche sagomate ed ornate. 4. Nei monumenti, che traggono la bellezza, la singolarità, la poesia del loro aspetto dalla varietà dei marmi, dei mosaici, dei dipinti oppure dal colore della loro vecchiezza o delle circostanze pittoresche in cui si trovano, o perfino dallo stato rovinoso in cui giacciono, le opere di consolidamento, ridotte allo strettissimo indispensabile, non dovranno scemare possibilmente in nulla coteste ragioni intrinseche ed estrinseche di allettamento artistico. faculdade de ARQUITECTURA - UTL 5. Saranno considerate per monumenti, e trattate come tali, quelle aggiunte o modificazioni che in diverse epoche fossero state introdotte nell'edificio primitivo, salvo il caso in cui, avendo un'importanza artistica e storica manifestamente minore dell'edificio stesso e nel medesimo tempo svisando e smascherando alcune parti notevoli di esso, si ha da consigliare la rimozione o la distruzione di tali modificazioni o aggiunte. In tutti i casi nei quali sia possibile, o ne valga la spesa, le opere di cui si parla verranno serbate, o nel loro insieme o in alcune parti essenziali, possibilmente accanto al monumento da cui furono rimosse. 6. Dovranno eseguirsi, innanzi di por mano ad opere anche piccole di riparazione o di restauro, le fotografie del monumento, poi di mano in mano le fotografie dei principali stati del lavoro, e finalmente le fotografie del lavoro compiuto. Questa serie di fotografie sarà trasmessa al Ministero della pubblica istruzione insieme con i disegni delle piante degli alzati e dei dettagli e, occorrendo, cogli acquarelli colorati, ove figurino con evidente chiarezza tutte le opere conservate, consolidate, rifatte, rinnovate, modificate, rimosse o distrutte. Un resoconto preciso e metodico delle ragioni e del procedimento delle opere e delle variazioni di ogni specie accompagnerà i disegni e le fotografie. Una copia di tutti i documenti ora indicati dovrà rimanere depositata presso le fabbricerie delle chiese restaurate, o presso l'ufficio incaricato della custodia del monumento restaurato. 7. Una lapide da infiggere nel monumento restaurato ricorderà la data e le opere principali del restauro. Camillo Boito José Aguiar, FAUTL 27 6º MRANU - FAUTL faculdade de ARQUITECTURA - UTL GIOVANNONE E O RESTAURO CIENTÍFICO Gustavo Giovannoni licenciou-se em Arquitectura (aluno de Boito), Engenharia e História, introduziu o ensino da História em cursos de Engenharia e foi co-fundador da Scuola Superiore d´Architettura di Roma onde introduziu o estudo do Restauro nos cursos de Arquitectura (no tronco comum e em áreas de especialização). Foi pioneiro na sustentação teórica do CONCEITO DE PATRIMÓNIO URBANO e no desenvolvimento do enquadramento urbanístico para a salvaguarda dos (mal) chamados Centros Históricos, nomeadamente o quadro da sua integração num sistema de planeamento moderno polinuclear. Giovannonni teve um papel vital no desenvolvimento da teoria Moderna do Restauro, influenciando decisivamente a Carta de Atenas do Restauro de 1931 e as vitais «Norme per il restauro dei monumenti, de 1932 (desenvolvidas no seguimento da redacção da Carta de Atenas de 1931) comummente designadas como CARTA ITALIANA DEL RESTAURO DE 1932 (como tal aprovada pelo Consiglio Superiore Per le Antichità e Beli Arti em 1932) culminando nas Istruzione per il restauro dei monumenti, (desenvolvidas em conjunto com outros especialistas) e publicadas em 1938. As suas teses sobre conservação foram expressas em múltiplas publicações das quais se destacam: Città vecchia ed edilizia nuova e Questioni di architectura nella storia e nella vita, de 1929; e, assim como Il restauro dei monumenti, de 1945. faculdade de ARQUITECTURA - UTL GIOVANNONE E O RESTAURO CIENTÍFICO Por Restauro Científico, entendeu uma teoria que implicava uma diversa metodologia de abordar o problema da CONSERVAÇÃO, que defende dever ser orientada para a sobrevivência da AUTENTICIDADE dos monumentos enquanto documentos históricos e enquanto obras de arte, pelo que recusa a sua renovação de acordo com paradigmas arquitectónicos contemporâneos, considerando que estes afectavam drasticamente a salvaguarda desses valores. Nesse sentido, Giovannoni defendeu o recurso à CIÊNCIA para esclarecimentos das questões vitais, sustentando o PRINCÍPIO DA INTERVENÇÃO MÍNIMA, contrapondo ao Restauro interpretativo e excessivo a prática de uma Consolidação Estrita e a necessidade de uma manutenção regular dos monumentos. José Aguiar, FAUTL 28 6º MRANU - FAUTL faculdade de ARQUITECTURA - UTL GIOVANNONE E O RESTAURO CIENTÍFICO Giovannoni aceitava a dualidade da existência de monumentos vivos e de monumentos mortos (já antes defendida pelos teóricos franceses). MONUMENTOS MORTOS: ruínas, vestígios arqueológicos, vestígios de antigas fortificações; toda a edificação que é testemunho de uma cultura desaparecida, cujo uso original se desvaneceu no tempo, assim como qualquer veleidade de reutilização funcional. MONUMENTOS VIVOS: os que mantêm o seu uso original (como as catedrais da nossa cultura europeia cristã), aqueles que podem ser reutilizados de acordo com programas adequados, ou usos similares, permitindo que a sua adaptação funcional decorra com um mínimo de alterações. Retoma a essência do pensamento de Boito, considerando existirem cinco modelos possíveis de actuação projectual em monumentos[1], susceptíveis de ordenação (moral) hierárquica e sequencial: (i) à consolidação, seguir-se-ia (ii) a recomposição, (anastylosis) só depois (iii) a remoção de acrescentos ou desmontagem de partes não originais, finalmente (iv) o completamento, e, num significativo último lugar, (v) a inovação, apenas quando imprescindível!!! [1] Compilados por G. Santoro, Il contributo italiano alla definizione concetuale e metodologica del restauro, em Restauro, n.º 43, 1970. Consultar ainda G. Giovannoni, Norme per il restauro dei monumenti, em Bolettino d´Arte, Janeiro, 1932, ou ainda J. Jokilehto, ob. cit, pp. 638-639. faculdade de ARQUITECTURA - UTL GIOVANNONE E O RESTAURO CIENTÍFICO A Consolidação, seria a actuação primordial do Restauro, idealmente a única operação a que se deveria continuamente recorrer! Baseava-se em critérios culturais mas fundamentava-se em bases científicas e técnicas. Desenvolvia-se com o objectivo de garantir a continuidade material e física dos edifícios. Aceitava-se que a consolidação de um monumento pudesse ser efectuada com novos materiais e tecnologias (como o betão armado) desde que provada a sua imprescindibilidade e desde que estas soluções ficassem ocultas. A Recomposição (ou anastylosis) implicava a recolha dos fragmentos dispersos e a sua remontagem nas suas posições originais, recuperando a imagem parcial, ou total, do monumento. Pressupunha o Completamento, pois é muito frequente faltarem partes substanciais dos materiais originais, assentava em sólidas bases documentais e desde que o número e a importância das partes em falta não fossem determinantes, ou dominantes, por relação com as persistências ainda autênticas. José Aguiar, FAUTL 29 6º MRANU - FAUTL faculdade de ARQUITECTURA - UTL GIOVANNONE E O RESTAURO CIENTÍFICO A Remoção ou desmontagem de acrescentos e partes não originais, apenas admitida quando os elementos ou acrescentos fossem espúrios e o seu desaparecimento não afectasse a legibilidade do edifício enquanto documento histórico-artístico. A Inovação seria apenas admitida quando a sua inevitabilidade fosse provada. As novas partes (completamento, alteração por inovação ou não) deveriam poder identificar-se claramente, desaconselhando o mimetismo estilístico e defendendo que os materiais de construção deveriam ser diversos dos originais. A formalização de partes em falta, evitaria a falsificação estética e histórica através do esquematismo no detalhe e da essencialização formal nos volumes arquitectónicos (colocando em local visível a data da realização do Restauro). Giovannoni é um defensor primordial da importância da salvaguarda do contexto onde se inserem os monumentos, realçando a estreiteza dos laços que unem os monumentos à arquitectura menor, «arquitectura povera», formadora da matriz urbana e ambiental que os enquadra e rodeia. Esta reflexão conduz Giovannone, pioneira e antecipadamente, à procura de soluções urbanísticas para os problemas dos núcleos urbanos históricos dando origem às bases da Conservação do Património Urbano. faculdade de ARQUITECTURA-UTL Do MONUMENTO à CIDADE COMO PATRIMÓNIO: a amplificação dos conceitos! Como diz Choay, o conceito “Património Urbano” surge quatro séculos depois do conceito de “património histórico” e é um contributo específico da cultura europeia! Ocorre em contra-corrente às transformações da revolução industrial, no confronto com o inevitável processo de urbanização moderna. Ao surgir o “urbanismo” como disciplina surge também, por contraste e diferença, um novo olhar sobre a arquitectura da cidade pré-industrial. Hoje acrescentamos à cidade-património, a paisagem, os territórios humanizados e património intangível (dos saberes). F. Choay, L´Allégorie du Patrimoine, Ed. Du Seuil, Paris, 1992. José Aguiar, FAUTL 30 6º MRANU - FAUTL faculdade de ARQUITECTURA a invenção do conceito de património o momento “memorial” urbano: «To this day, the interest of their [Itália e França] fairest cities depends, not on the isolated richness of palaces, but on the cherished and exquisite decoration of even the smallest tenements of their proud periods. The most elaborate piece of architecture in Venice is a small house at the head of the Grand Canal, consisting of a ground floor with two stories above, three windows in the first, and two in the second (...)». Cf. J. Ruskin, The seven lamps of architecture, Londres, 1856 (facsímile da segunda edição de 1880), pp.181-182. F. Choay, L´Allégorie du Patrimoine, Ed. Du Seuil, Paris, 1992. José Aguiar Arq., Professor Associado, FAUTL faculdade de ARQUITECTURA património urbano: o momento “memorial” Ruskin: a cidade histórica como repositório das ligações “memoriais” com as gerações precedentes, com as quais defende estreitas ligações de identificação cultural, não só no espaço como no tempo, contra as transformações radicais do momento histórico que vive. Contra o processo de evolução histórica, no quadro de um vasto combate cultural contra a cultura da máquina (Romantismo). Pioneiro na defesa da importância contextual dos lugares para a inserção dos monumentos e grandes edifícios públicos: «II importe peu que vous possédiez une foule de beaux monuments publics s´ils ne s´allient pas, s´ils ne s´harmonisent pas avec l´ensemble des maisons. Ni l´esprit, ni l´oeil ne prendront un nouveau collège, un novel hôpital, ou tout autre nouvel établissement, pour toute une ville». J. Ruskin, Conférences sur l´architecture et la peinture, (1854), em Les Secteurs sauvegardés ont 30 ans, Colloque international, ICOMOS FRANCE, Dijon, 1992 (tradução francesa). José Aguiar, FAUTL 31 6º MRANU - FAUTL faculdade de ARQUITECTURA a invenção do conceito de património o momento “memorial” urbano: John Ruskin, foi pioneiro da militância pela preservação das cidades históricas europeias (Oxford, Lucerna, Ruão, Génova, Florença, Veneza, Siena); teoriza a inclusão, como património edificado a preservar, de conjuntos urbanos históricos, da arquitectura anónima que, ao longo de inúmeras gerações construiu cidade, ampliando, de forma decisiva, o conteúdo tipológico do próprio conceito de monumento histórico. José Aguiar Arq., Professor Associado, FAUTL faculdade de ARQUITECTURA-UTL património urbano: o momento “memorial” William Morris, manifesto da Society for the Protection of Ancient Buildings (SPAB), a integração no conceito de património de uma larga variedade de edificações antigas, lançando as bases da conservação do património vernacular: «If, for the rest, it be asked us to specify what kind of amount of art, style, or other interest in a building, makes it worth protecting, we ansewer, anything which can be looked on as artistic, picturesque, historical, antique, or substantial: any work, in short, over which educated, artistic people would think it worth while to argue at all». Cf. W. Morris, manifesto da Society for the Protection of Ancient Buildings, Londres, SPAB, 1877. José Aguiar, FAUTL 32 6º MRANU - FAUTL património urbano: o momento “historicista” Sittte introduz noção de «cidade histórica-artística», em «Der Stadtbau nach seiner kunstlerischen Grundsatzen»: «Nem mesmo a moderna história da arte, que aborda toda e qualquer insignificância, dedicou um espaço à construção urbana (...)». [ 1]. Sitte, consciente da inevitabilidade das mudanças provocadas pela técnica, deplora a «beleza urbana» que se perde, tanto quanto a que não se produz. Procura determinar as bases de uma nova e mais qualificada estética urbana, apta a representar e satisfazer as necessidades da nova era industrial. [1] Camillo Sitte, A construção da cidade segundo seus princípios artísticos, Editora Ática, 1889 (tradução brasileira de 1992, com base na tradução francesa), p.95. património urbano: o momento “historicista” Sitte é primeiro dos «morfólogos urbanos»: estuda, in situ, dezenas de cidades antigas (paradigma da forma urbana: o desenho dos espaços públicos, da praça pública). Espaços analisados fenomenologicamente através das suas configurações formais, articulação entre volumes e vazios, riqueza formal das diferenças ou continuidades. Importância do contexto: «Parecemos incapazes de conceber uma nova igreja noutra posição que não seja a do centro do lugar onde ela será erguida, mantendo desimpedido todo o espaço à sua volta. Contudo, essa disposição tem apenas desvantagens. Do ponto de vista estético, ela é mais desfavorável, porque o efeito da obra não se concentra em lugar algum; ao contrário, dispersa-se à sua volta. Uma construção isolada desta maneira permanecerá sempre como uma torta exposta sobre uma bandeja». Mas, para Sitte a cidade histórica era desadequada para os novos usos que a cidade moderna tinha de resolver, reserva-lhe o papel de museu, de contentor da cultura histórica e do prazer estético: a visão da cidade como facto artístico, induz o tema da “cidade-museu”, “cidade-morta” ou ainda à noção, ambivalente, de “ville d´art”»[2]. [1] Camillo Sitte, A construção da cidade segundo seus princípios artísticos, Editora Ática, 1889 (tradução brasileira de 1992, com base na tradução francesa), p.95. [2] F. Choay, ob. cit, (1992b) p.6. José Aguiar, FAUTL 33 6º MRANU - FAUTL património urbano: o momento “integrador” Gustavo Giovannoni, «Vecchie città, edilizie nuova», primeira enunciação do conceito de “património urbano” [1]. Para Giovannoni a arquitectura menor consistia, no seu conjunto, num novo tipo de «monumento», um monumento colectivo: a cidade histórica (definida pela sua estrutura, morfologia, paisagem e imagem urbanas, as quais deveriam ser sujeitas a leis de protecção e a critérios de restauro similares aos já existentes, à época, para os monumentos). Advinha o «desurbanismo» dos nossos dias e reclama para os antigos núcleos históricos valores de uso actualizados, inserindo-os nas novas teias de organização territorial. O papel da cidade histórica deveria ser compatível e complementar das novas estruturas e escalas do planeamento moderno. Nova concepção que transfere os valores do património urbano do espaço do museu para o espaço do quotidiano, atribuindo-lhes valor de uso. [1] Veja-se em G. Giovannoni, Città vecchia ed edilizia nuova, em Nuova Antologia, Milão, 1913 (reeditado por Unione Tipografico-editrice, Turim, 1931). património urbano: o momento “integrador” Condições (segundo Giovannoni) para que a reapropriação dos centros históricos fosse possível: 1. a renúncia a uma vocação de centralidade única dos CH no contexto territorial, ou, no mínimo, inclusão dos CH´s na lógica de um sistema urbanístico polinuclear; 2. a total compatibilidade dos usos atribuídos para os CH com as características específicas da sua morfologia, escala e capacidades do seu parcelamento, propondo funções vocacionados pela modicidade da escala dos C.H., pela complexidade e riqueza morfológica dos seus tecidos (ou seja: lugares de utilização diversificada, convivial e de permanência, com funções de proximidade e de encontro); José Aguiar, FAUTL 34 6º MRANU - FAUTL património urbano: o momento “integrador” Condições (segundo Giovannoni) para que a reapropriação dos centros históricos fosse possível: 3. a supressão de edificações ou construções “parasitas” como oportunidade para revitalizar os tecidos e o funcionamento da cidade histórica (diridamento); 4. na introdução de novas construções, o respeito absoluto pela tipologia cadastral e pelos condicionamentos (por exemplo, volumetrias) da morfologia existente. faculdade de ARQUITECTURA - UTL AS CARTAS ESSENCIAS Fonte: MRANU 1883, Boito Primeira Carta italiana do Restauro 1931, Carta de Atenas do Restauro 1933, Carta de Atenas do Urbanismo 1932, I Carta Italiana do Restauro 1964, ICOMOS Carta de Veneza 1972, II Carta Italiana del Restauro 1972 1972, ICOMOS, Convenção para a Protecção do Património da Humanidade 1975, Carta da Conservação Integrada Amsterdão 1985, Convenção para a Salvaguardia do Património Architectónico da Europa 1987, ICOMOS Carta Internacional para a Salvaguarda das Cidades Históricas, Washington 1999, ICOMOS Carta do Património Vernacular, México ICOMOS Recomendações Análise, Conservação e Restauro Estrutural 2003, Nova Carta de Atenas (do Urbanismo) José Aguiar, FAUTL 35 6º MRANU - FAUTL faculdade de ARQUITECTURA - UTL CARTA DE ATENAS DO RESTAURO, 1931 (Conclusões da Conferência Internacional de Atenas sobre a restauração dos Monumentos) Consequência da conferência internacional para o estudo de métodos científicos aplicáveis ao exame e preservação de obras de arte ocorrida em Roma, em Outubro de 1930. Realizou-se em Atenas, entre 21 e 30 de Outubro de 1931 convocada pelo Conselho Internacional dos Museus (directo antecessor do actual International Council of Museums - ICOM, fundado em 1946). Representaram-se 20 países e dela resultou a Primeira Carta Internacional do Restauro ao ser adoptada pelo Comité Internacional para a Cooperação Intelectual e aprovada pela Liga das Nações como Recomendação aos Estados-Membros (10 de Outubro de 1932). Entre as principais repercussões da Carta de Atenas de 1931, destacam-se as seguintes[2]: - uma nova praxis conservativa. No processo gradual de desenvolvimento de uma teoria disciplinar para a conservação, a Carta de Atenas marca o termo da fase de maior influência do restauro estilístico, evoluindose, a partir daqui, no sentido da conservação estrita; o modelo de conservação pressuposto pela Carta influencia directamente o processo de reestruturação das políticas de conservação em diversos países europeus, como foi o caso de Itália, onde influencia directamente a redacção da Carta del Restauro de 1931, ou ainda o caso de Espanha, onde inspirou a lei de 13 de Maio de 1933, de defesa e conservação do património histórico-artístico[3]. [1] O texto original foi traduzido para Português por António Reia Cabrita et. al em 1986. (Relatório LNEC Proc. 86/11/8782) [2] Sobre o impacto da Carta de Atenas do Restauro consulte-se J. Jokilehto, ob. cit., pp. 415-418 e também M. Justícia, ob. cit., pp.22-24. [3] Regulamentada por Decreto de 16 de Abril de 1936. faculdade de ARQUITECTURA - UTL CARTA DE ATENAS DO RESTAURO, 1931, recomendações: - evitar o restauro baseado em restituições integrais em favor da conservação estrita através da sua manutenção regular (art. II), fomentando a preservação dos vestígios das diversas épocas históricas representadas (art. II, 2º parágrafo); -os monumentos são considerados bens públicos pelo que, na sua gestão, se defende a primazia do interesse colectivo sobre o privado (art. III); -recomenda-se uma utilização funcional adequada às características dos monumentos (art. II); -desencoraja-se a remoção das obras de arte do seu contexto físico e defende-se, sempre que possível, a sua manutenção in situ, legitimando a anastylosis, no caso das ruínas, e desde que os novos materiais utilizados na recomposição sejam claramente reconhecíveis (art. IV); - nas acções de restauro, aceita-se a utilização judiciosa de técnicas e de materiais modernos (como o betão) acreditando nas suas vantagens estruturais e porque permitiriam a preservação in situ dos monumentos, e desde o seu uso não conduzisse à alteração do aspecto exterior dos monumentos (art. V); José Aguiar, FAUTL 36 6º MRANU - FAUTL faculdade de ARQUITECTURA - UTL CARTA DE ATENAS DO RESTAURO, 1931, recomendações: - recomenda-se o recurso à ciência e uma prática pluridisciplinar no restauro, assim como a difusão dos resultados obtidos através de publicações (art. VI), aconselha-se a produção e divulgação de estudos sobre os procedimentos metodológicos mais adequados à conservação de monumentos históricos (art. VIII, 3º parágrafo); - recomendam-se cuidados especiais com a envolvente dos monumentos, que deverão respeitar «(...) o carácter e a fisionomia da cidade, em especial nas proximidades dos monumentos antigos, onde o ambiente deve ser objecto de um cuidado especial. Igual respeito deve ter-se com determinadas perspectivas especialmente pitorescas.» (...). Recomenda-se ainda «a supressão de toda a publicidade, de toda sobreposição abusiva de postes e fios telegráficos, de toda a indústria ruidosa e intrusa nas proximidades dos monumentos artísticos e históricos». (art. VII); - recomenda-se a realização, em cada Estado, de inventários, incluindo o registo fotográfico e de dados referentes a cada monumento, num arquivo central onde se proceda à compilação da documentação útil à conservação. faculdade de ARQUITECTURA - UTL I CARTA ITALIANA DO RESTAURO 1932 «Norme per il restauro dei monumenti, (como tal aprovadas pelo Consiglio Superiore Per le Antichità e Beli Arti, em 1932), desenvolvidas pelo Grupo Italiano (direcção de Giovannone) no seguimento da redacção da Carta de Atenas de 1931. Grande parte do conteúdo da Carta del Restauro relaciona-se directamente com o ideário de Boito, retomado pelo próprio Giovannoni, sobressaindo uma grande proximidade com as práticas metodológicas de disciplinas próximas, como a museologia e a arqueologia. As grandes novidades conceptuais encontram-se no destaque dado à salvaguarda do ambiente e da envolvente dos monumentos, na necessidade da adequação do programa aos monumentos, evitando introduzir-lhes alterações aquando da sua reutilização. Princípios e recomendações fundamentais. - máxima importância à manutenção e consolidação (Ponto 1); - condiciona-se o recurso ao ”ripristino” à certeza histórica, comprovada em vestígios existentes no próprio monumento (Ponto 2); exclui-se o completamento, aceitando apenas a anastylosis como forma de recomposição de partes desmembradas (Ponto 3); - apenas se admitem utilizações próximas das originais para os monumentos vivos, evitando profundas adaptações e, sobretudo, amplas alterações em partes essenciais (Ponto 4); José Aguiar, FAUTL 37 6º MRANU - FAUTL faculdade de ARQUITECTURA - UTL I CARTA ITALIANA DO RESTAURO 1932 -exige-se a conservação de todas as partes e elementos históricos, ou artísticos, independentemente da sua época, recusando o desejo de unidade estilística ou de retorno à forma primitiva, apenas aceitando a remoção de elementos que perturbem uma adequada apresentação do monumento, após atenta consideração que ultrapasse o mero juízo pessoal do autor do projecto de restauro (Ponto 5); - estabelece-se um respeito objectivo pelas diversas fases do percurso temporal do monumento e pelas suas condições ambientais, condenando tanto os esventramentos como a nova construção «...invasora pela sua massa, cor e estilo» (Ponto 6); -na consolidação, nos acrescentos, na reintegração total ou parcial ou ainda para a utilização prática do monumento, o critério da introdução de elementos novos deve ser o seguinte: limitarse a sua introdução ao mínimo possível, fornecendo-lhes um carácter de grande elementarismo e simplicidade, assim como de correspondência com o esquema construtivo; admite-se apenas a continuação de formalizações similares no prolongamento «(...) de linhas existentes, nos casos em que se trate de expressões geométricas privadas de individualidade decorativa» (Ponto 7); - recomenda-se que os acrescentos sejam assinalados, com o emprego de materiais diferentes dos primitivos, adoptando «(...) marcas de contorno simples [...] ou aplicações de siglas ou epígrafes, de modo a que nunca uma restauração realizada possa conduzir a engano os estudiosos e representar uma falsificação de um documento histórico» (Ponto 8); faculdade de ARQUITECTURA - UTL I CARTA ITALIANA DO RESTAURO 1932 - considera-se legítimo empregar métodos construtivos modernos para reforço estático quando os meios construtivos análogos aos antigos não garantam os objectivos pretendidos, e recomenda-se a substituição dos conhecimentos empíricos pelos científicos (Ponto 9); - nas escavações e explorações, recomenda-se a conservação, in situ, das obras antigas encontradas (Ponto 10); - defende-se a necessidade de uma documentação precisa que acompanhe os trabalhos, tais como diários do restauro, ilustrados com fotos e desenhos, de forma a que todos os elementos e fases das obras fiquem registados de modo permanente e seguro (Ponto 11); - recomenda-se a realização de reuniões regulares para troca de experiências e a publicação de notícias de âmbito científico, extraídas dos diários de restauros (nas recomendações finais). José Aguiar, FAUTL 38 6º MRANU - FAUTL faculdade de ARQUITECTURA - UTL A RENOVAÇÃO DEPOIS DA II GRANDE GUERRA A necessidade de recuperar rapidamente as cidades europeias, para realojar milhões de pessoas e permitir o relançamento da sua economia, obrigou a actuações de extrema urgência e à aplicação de métodos expeditos de reconstrução de monumentos (por exemplo, Montecassino), ou mesmo de cidades históricas completamente destruídas, ou grandemente afectadas pela guerra (como Varsóvia, Génova, Colónia, Bruxelas, Nápoles, etc.). Daqui resultou, na prática, o abandono dos métodos de restauro anteriores à guerra. A oposição do MODERNO à cidade histórica CARTA DE ATENAS 1933 IV congresso do CIAM, Novembro de 1933, Redacção do Grupo CIAM-France em 1941. Paris, Annales Techniques, 1945 (tradução livre). O património arquitectónico [monumentos e conjuntos urbanos] deveria ser «(...) salvaguardado: - SE o seu valor arquitectónico correspondesse a um interesse geral; - SE a sua conservação não provocasse o sacrifício das populações mantidas em condições insalubres; - SE fosse possível remediar a sua presença prejudicial por medidas radicais: por exemplo o desvio de elementos vitais da circulação(...)» Recomenda-se ainda: «(...) a destruição de acrescentos e construções de menor importância em torno dos monumentos o que permitiria [sic] criar superfícies verdes>>. José Aguiar, FAUTL ZAC´s parisienses! 39 6º MRANU - FAUTL Da aversão do MODERNO à cidade histórica Le Corbusier, legenda: como lidar com o “problema” dos centros históricos! Em: Maneiras de Pensar o Urbanismo. Lisboa: Europa-América, 1977 da NOSSA AVERSÃO ainda recente à cidade histórica Porto: Planos de renovação urbana dos anos 50 e 60 propondo a DEMOLIÇÃO da RibeiraBarredo, hoje inscrita na Lista do Património Mundial da Unesco. José Aguiar, FAUTL 40 6º MRANU - FAUTL o primado da RENOVAÇÃO URBANA Plan Voisan, e Unité faculdade de ARQUITECTURA - UTL A RECONSTRUÇÃO DE VARSÓVIA A reconstrução de Varsóvia foi uma necessidade política e psicológica, reinstituindo a cidade histórica como o monumento referencial de uma nação cuja cultura foi intencionalmente atingida. Era economicamente e eticamente desejável proceder à construção de réplicas dos antigos edifícios, reconstruindo os “centros históricos” perdidos? Seria esta a oportunidade perdida de renovar as cidades europeias de acordo com os princípios de uma teoria urbanística contemporânea (ou seja, moderna, segundo os princípios da Carta de Atenas do Urbanismo)? Execução prática com tecnologias pré-industriais, por referência a provas documentais anteriores à guerra, utilizando levantamentos e desenhos rigorosos ou, na sua falta, diverso tipo de iconografia, fotografias e mesmo pinturas famosas (como as de Bernardo Berllotto). Por vezes recorria-se aos próprios vestígios (nos restos da trama cadastral) quando escasseavam outras fontes. Manteve-se a morfologia urbana anterior, mas a correspondência das novas construções para com as antigas é apenas exterior, os interiores foram significativamente modernizados. O modelo nova-cidade-cópia-da-antiga-cidade levantava interrogações incómodas tanto no campo da conservação urbana, como para a nova disciplina do urbanismo. José Aguiar, FAUTL 41 6º MRANU - FAUTL França, Lei Malraux 1962 “Secteurs Sauvegardés”, “Plan de sauvegarde et mise en valeur”, POS – Planos de Ocupação do Solo. Operações-modelo de preservação de espaços urbanos de grande valor, considerados como património nacional da França, intervindo com grande profundidade e vasto suporte financeiro, debaixo de um forte controlo por parte do Estado central. Política restritiva da reconstrução, da demolição e da alteração do existente. RESTAURO CRÍTICO E TEORIA DO RESTAURO DE CESARE BRANDI Contestação aos projectos cópia e à renovação, pelo grupo italiano (Carlo Argan, Renato Bonelli, Roberto Pane e Cesare Brandi), torna-o protagonista de uma nova escola de pensamento da qual resultou (quase directamente) uma nova carta internacional de restauro, ainda hoje válida - a Carta de Veneza de 1964 - e uma nova carta italiana, a Carta del Restauro de 1972. Cesare Brandi, Teoria del Restauro. Turim: Piccola Biblioteca Einaudi, 1963 «A qualidade do restauro depende directamente do juízo crítico da artisticidade do objecto sobre o qual incide» Segundo a teoria de Brandi - e este princípio é aplicável à arquitectura ou a qualquer outra arte -, quando deparamos com uma obra de arte, o seu lado funcional não representa mais do que um lado concomitante ou secundário, face a outros aspectos tomados como primordiais, respeitantes a essa obra enquanto obra de arte. Assim, o restauro, estará sempre estreitamente ligado à avaliação crítica da própria artisticidade do objecto sobre o qual incide. José Aguiar, FAUTL 42 6º MRANU - FAUTL RESTAURO CRÍTICO E TEORIA DO RESTAURO DE CESARE BRANDI «o restauro constitui o momento metodológico do reconhecimento da obra de arte, na sua consistência física e na sua dupla polaridade estética e histórica, com vista à sua transmissão ao futuro» O reconhecimento, ou a possibilidade de ler e proceder a esse reconhecimento de obra de arte, de acordo com um processo rigoroso, torna-se o principal imperativo moral da conservação. faculdade de arquitectura, recuperação e reabilitação arquitectónica Mas o que é ARTE? José Aguiar, FAUTL 43 6º MRANU - FAUTL Laocoon (Via delle Sete Sale) restaurado por Montorsoli (fragmentos transformados numa obra Maneirista). Laocoon depois da descoberta de fragmentos (braço) em falta. Reintegrava-se, continuando a faltar outros fragmentos, ou mantinha-se a composição de Montorsoli? BRANDI: RESTAURA-SE A “MATÉRIA” E NÃO A “FORMA” RESTAURO CRÍTICO E TEORIA DO RESTAURO, CESARE BRANDI A importância da consistência física da obra de arte, da sua materialidade, enquanto meio específico da manifestação da imagem. A matéria com que se formulou uma obra de arte torna-se ela própria parte da história e não poderá ser substituída por outra matéria, mesmo que física e quimicamente idêntica, sem uma grave perda de valor para a obra de arte. É sobre esse material constitutivo que deverá incidir o indispensável conhecimento científico e técnico do seu comportamento no tempo, para a selecção de procedimentos técnicos e materiais a utilizar no processo do seu restauro. Surge, dessa reflexão, o primeiro axioma brandiano: apenas se restaura a matéria da obra de arte! Esculturas to templo de Aphaia em Aegina, depois da eliminação dos restauros de Thorvaldsen, sendo impossível deixar as esculturas num puro “estado arqueológico”, foi necessário proceder a reintegrações e até à sugestão de formas para permitir a sua apresentação e leitura. RESTAURO CRÍTICO E TEORIA DO RESTAURO, CESARE BRANDI «o restauro deve permitir o restabelecimento da unidade potencial da obra de arte, sem produzir um falso histórico ou um falso artístico e sem anular os traços da passagem da obra de arte pelo tempo» Para Brandi, a matéria da obra de arte possui, enquanto «epifania da imagem», uma bipolaridade fundamental: «aspecto» e «estrutura». Estes normalmente não se contradizem, mas podem existir conflitos. A sua resolução, como no caso do conflito entre a instância histórica e a instância estética, apenas poderá ser conseguida, segundo Brandi, com a prevalência do aspecto sobre a estrutura. José Aguiar, FAUTL 44 6º MRANU - FAUTL Esculturas to templo de Aphaia em Aegina, sendo impossível deixar as esculturas num puro “estado arqueológico”, foi necessário proceder a reintegrações e à sugestão de formas para permitir a sua apresentação e leitura: reparar nos escudos! Fonte: Paul PHILIPOT, Restoration from the Perspective of the Humanities. Getty, 1996. RESTAURO CRÍTICO E TEORIA DO RESTAURO, CESARE BRANDI Esculturas to templo de Aphaia em Aegina, depois da eliminação dos restauros de Thorvaldsen, era impossível deixar as esculturas num puro “estado arqueológico”, o escudo, o pescoço e o joelho são interpretações modernas para permitir a sua “apresentação” e leitura. Fonte: Paul PHILIPOT, Restoration from the Perspective of the Humanities. Getty, 1996. «o restauro deve permitir o restabelecimento da unidade potencial da obra de arte, sem produzir um falso histórico ou um falso artístico e sem anular os traços da passagem da obra de arte pelo tempo» José Aguiar, FAUTL 45 6º MRANU - FAUTL RESTAURO CRÍTICO E TEORIA DO RESTAURO DE CESARE BRANDI «...a conservação dos acrescentos deve considerar-se regular e excepcional a [sua] remoção» Um acrescento constitui sempre um novo testemunho do fazer humano, portanto da própria história. A remoção de um acrescento (o que constitui também um acto histórico), resultará sempre na «...destruição de um documento e não se documenta a si mesma», pelo que pode conduzir à obliteração de uma importante etapa histórica. A distinção entre acrescento e reconstrução esclarece-se ao considerar-se que o objectivo da reconstrução, ao contrário do acrescento - que se documenta sempre a si próprio -, é abolir um lapso de tempo. O processo de abolição do tempo, através das reconstruções, pode ocorrer, segundo Brandi, de acordo com os seguintes modelos: (i) simulando o processo criativo original, refundindo o velho e o novo de uma forma tal que não permite sequer distinguir os dois momentos, que resultam num falso histórico, eticamente inadmissível; (ii) ou absorver a obra pré-existente, usando-a para criar uma nova entidade, no que será sempre um testemunho do presente em que ocorre. Deste processo resultará algo que, no futuro, poderá até constituir-se como monumento, mas que, como prática, não pertence sequer ao campo do restauro, ou da conservação do património. RESTAURO CRÍTICO E TEORIA DO RESTAURO DE CESARE BRANDI Na Teoria de Brandi, o Restauro resolve-se num processo metodológico, que se centra numa cuidadosa análise crítica, de base filológica e científica, do seu próprio objecto, de que resulta o esclarecimento da autenticidade com que a imagem da obra de arte foi transmitida e qual o estado da matéria da qual essa imagem resulta. São os resultados desse processo analítico que suportam a tomada de decisões. A especificidade do método, ou seja a sua fundamentação num processo de análise crítica, justificou a classificação desta teoria como de Restauro Crítico. José Aguiar, FAUTL 46 6º MRANU - FAUTL RESTAURO CRÍTICO E TEORIA DO RESTAURO DE CESARE BRANDI A Teoria do Restauro de Brandi fundamenta-se na salvaguarda da autenticidade histórica e estética, porque: - faz depender as acções de restauro de um enfoque muito rigoroso no conhecimento do objecto, obtido através de uma cuidadosa avaliação estética e histórica; - defende a intervenção mínima e a preferência pela manutenção que evita o próprio restauro, obrigando ao respeito pelos materiais originais e à aceitação de toda a história do objecto; - concebe a intervenção de restauro como parte integrante da história do próprio objecto, obrigando, em consequência, ao registo preciso das acções havidas; Brandi realça a importância do problema da “apresentação” das aqruietcturas e das obra de arte, defendendo o equilíbrio crítico entre os valores estéticos e históricos, de que resultará o restauro da unidade estética sem falsificações, e esclarecendo o problema da pátina, da reintegração das lacunae e das adições; preocupa-se ainda com o problema do contexto, com o impacto do ambiente espacial que rodeia a obra-de-arte, assim como com a importância do ambiente paisagístico e urbanístico da envolvente dos monumentos, defendendo a manutenção dos seus valores essenciais. faculdade de ARQUITECTURA - UTL 1964, CARTA DE VENEZA SOBRE A CONSERVAÇÃO E O RESTAURO DE MONUMENTOS E SÍTIOS Maio de 1964, Veneza, II Congresso Internacional de Arquitectos e Técnicos dos Monumentos Históricos. UNESCO, Conselho da Europa, ICCROM e ICOM, participam 61 países da Europa, América, África, Ásia e Oceânia. Na mesma reunião funda-se o ICOMOS. De uma análise conceptual realçam-se os seguintes aspectos: - a definição do conceito de monumento histórico passa a englobar «(...) não só as criações arquitectónicas isoladamente, mas também os sítios, urbanos ou rurais (...)» (art. 1); - a preocupação que se estende à necessidade de qualificação e de preservação das envolventes «(...) sempre que o espaço envolvente tradicional subsista, deve ser conservado, não devendo ser permitidas quaisquer novas construções, demolições ou modificações que possam alterar as relações volumétricas e cromáticas» (art. 6); - considera-se que «(...) um monumento é inseparável da história de que é testemunho e do meio em que está inserido», pelo que se recusam as remoções do todo ou de parte do monumento excepto por exigências de conservação (art. 7); José Aguiar, FAUTL 47 6º MRANU - FAUTL faculdade de ARQUITECTURA - UTL 1964, CARTA DE VENEZA SOBRE A CONSERVAÇÃO E O RESTAURO DE MONUMENTOS E SÍTIOS -no importante problema da reutilização funcional, opta-se claramente por adequar o programa ao monumento «(...) sem alterar a disposição ou a decoração dos edifícios», recusando implicitamente o seu inverso, ou seja, a alteração do monumento para responder ao programa; - realça-se a essencialidade da manutenção para a conservação dos monumentos (art. 4); - determina como objectivo essencial do restauro «(...) a preservação dos valores estéticos e históricos do monumento ... Determinando que O RESTAURO DEVE TERMINAR NO MOMENTO EM QUE AS CONJECTURAS COMECEM! faculdade de ARQUITECTURA - UTL CARTA ITALIANA DO RESTAURO DE 1972 Art. 4º. Entende-se por salvaguarda toda e qualquer medida conservativa que não implique a intervenção directa sobre a obra; entende-se por restauro toda e qualquer intervenção destinada a manter em eficiência, a facilitar a leitura e a transmitir integralmente para o futuro as obras e os objectos definidos nos artigos precedentes [obras de arte, monumentos, conjuntos, centros históricos, os jardins e parques]. Art. 6º. Com relação aos fins a que, pelo art. 4°, devam corresponder as operações de salvaguarda e restauro, proíbem-se indistintamente para todas as obras de arte a que se referem os artigos 1º, 2º e 3º: 1) completamentos em estilo ou analógicos, ainda que com formas simplificadas e mesmo quando existam documentos gráficos ou plásticos que possam indicar qual fosse o estado ou devesse ser o aspecto da obra acabada; 2) remoções ou demolições que apaguem a passagem da obra através do tempo, a não ser quando se trate de alterações limitadas, deturpadoras ou incongruentes, em relação aos valores históricos da obra, ou de completamentos em estilo que falsifiquem a obra; 3) remoção, reconstrução ou recolocação em lugares diversos dos originais; a menos que isso seja determinado por superiores razões de conservação; 4) alteração das condições acessórias ou ambientais nas quais chegou até os nossos tempos a obra de arte, o conjunto monumental ou ambiental, o conjunto decorativo, o jardim, o parque etc.; 5) alteração ou remoção das pátinas. José Aguiar, FAUTL 48 6º MRANU - FAUTL faculdade de ARQUITECTURA - UTL CARTA ITALIANA DO RESTAURO DE 1972 Art. 4º. Entende-se por salvaguarda toda e qualquer medida conservativa que não implique a intervenção directa sobre a obra; entende-se por restauro toda e qualquer intervenção destinada a manter em eficiência, a facilitar a leitura e a transmitir integralmente para o futuro as obras e os objectos definidos nos artigos precedentes [obras de arte, monumentos, conjuntos, centros históricos, os jardins e parques]. Art. 6º. Com relação aos fins a que, pelo art. 4°, devam corresponder as operações de salvaguarda e restauro, proíbem-se indistintamente para todas as obras de arte a que se referem os artigos 1º, 2º e 3º: 1) completamentos em estilo ou analógicos, ainda que com formas simplificadas e mesmo quando existam documentos gráficos ou plásticos que possam indicar qual fosse o estado ou devesse ser o aspecto da obra acabada; 2) remoções ou demolições que apaguem a passagem da obra através do tempo, a não ser quando se trate de alterações limitadas, deturpadoras ou incongruentes, em relação aos valores históricos da obra, ou de completamentos em estilo que falsifiquem a obra; 3) remoção, reconstrução ou recolocação em lugares diversos dos originais; a menos que isso seja determinado por superiores razões de conservação; 4) alteração das condições acessórias ou ambientais nas quais chegou até os nossos tempos a obra de arte, o conjunto monumental ou ambiental, o conjunto decorativo, o jardim, o parque etc.; 5) alteração ou remoção das pátinas. faculdade de ARQUITECTURA - UTL CARTA ITALIANA DO RESTAURO DE 1972 Art. 7º. (…) admitem-se as seguintes operações ou reintegrações: 1) adição de partes acessórias com função estática e reintegrações de pequenas partes historicamente confirmadas, a executar, segundo os casos, determinando de modo claro o perímetro das integrações ou adoptando material diferenciado, embora harmónico, claramente distinguível a olho nu, em particular nos pontos de ligação com as partes antigas, além disso assinalados e datados onde possível; 2) limpezas que, para as pinturas e esculturas policromadas, não devem nunca atingir a camada cromática, respeitando a pátina e eventuais vernizes antigos; para todas as outras categorias de obras, não se deverá chegar à superfície nua da matéria de que são feitas as próprias obras; 3) anastiloses documentadas com segurança, recomposições de obras fragmentadas, sistematização de obras com lacunas, reconstituindo os interstícios de pouco importância com técnica claramente distinguível a olho nu, ou com zonas neutras realizadas a nível diverso das partes originais, ou deixando à vista o suporte original, contudo, nunca integrando ex novo zonas figuradas nem inserindo elementos determinantes para a figuratividade da obra; 4) modificações e novas inserções com finalidade estática e conservativa na estrutura interna, ou no substrato, ou suporte, contanto que o aspecto, depois de completada a operação, não sofra alteração, nem cromática nem para a matéria, tal como é observável à superfície; 5) nova ambientação ou instalação da obra, quando já não mais existam ou tenham sido destruídas a ambientação ou a sistematização tradicional, ou quando as condições de conservação exigirem a sua transferência. José Aguiar, FAUTL 49 6º MRANU - FAUTL faculdade de ARQUITECTURA - UTL CARTA ITALIANA DO RESTAURO DE 1972 Art. 8°. Qualquer intervenção na obra, ou mesmo na área envolvente, para os efeitos do disposto no art. 4º [salvaguarda e restauro], deve ser executada de tal forma, com tais técnicas e materiais, que possa garantir que, no futuro, não tornará impossível uma eventual nova intervenção de salvaguarda ou de restauro. Além disso, toda a intervenção deve ser previamente estudada e justificada por escrito (último parágrafo do art. 5º) e do seu andamento deverá ser elaborado um diário, que será seguido por um relatório final, com a documentação fotográfica de antes, durante e depois da intervenção. Deverão, ainda, ser documentadas todas as pesquisas e análises eventualmente realizadas com o auxílio da física, da química, da microbiologia e de outras ciências. De toda esta documentação será conservada uma cópia no arquivo da Superintendência competente e uma outra cópia será enviada ao Instituto Central de Restauro. Art. 9º. O uso de novos procedimentos de restauro e de novos materiais, em relação aos procedimentos e materiais cujo uso está em vigor ou, pelo menos aceite, deverá ser autorizado pelo Ministro da Instrução Pública, segundo parecer fundamentado do Instituto Central de Restauro, ao qual também competirá promover acções junto do próprio Ministério para desaconselhar materiais e métodos antiquados, nocivos ou, de qualquer modo, não testados, sugerir novos métodos e o uso de novos materiais, definir as pesquisas que se devam providenciar com equipamentos e com especialistas que não fazem parte do equipamento e do pessoal à sua disposição. faculdade de ARQUITECTURA - UTL CARTA ITALIANA DO RESTAURO DE 1972 Anexos: Instruções para a Salvaguarda e o Restauro das Antiguidades Instruções para o Procedimento de Restauros Arquitectónicos Instruções para a Execução de Restauros Pictóricos e Escultóricos Instruções para a Tutela dos «Centros Históricos» José Aguiar, FAUTL 50 6º MRANU - FAUTL faculdade de ARQUITECTURA - UTL CARTA ITALIANA DO RESTAURO DE 1972 Instruções para a Tutela dos «Centros Históricos» As intervenções de restauro nos Centros Históricos têm a finalidade de garantir - com meios e instrumentos ordinários e extraordinários - o permanecer no tempo dos valores que caracterizam estes conjuntos. O restauro não se limita, por isso, a operações destinadas a conservar apenas os caracteres formais de obras de arquitectura ou de ambientes singulares, mas também se alarga à conservação substancial das características de conjunto do inteiro organismo urbano e de todos os elementos que concorrem para definir tais características. Para que o organismo urbano em questão possa ser adequadamente salvaguardado, também na sua continuidade no tempo e no desenvolvimento no seu interior de uma vida civil e moderna, é necessário, antes de mais nada, que os Centros Históricos sejam reorganizados no seu mais amplo contexto urbano e territorial e nas suas relações e conexões com futuros desenvolvimentos: isto também com o fim de coordenar as acções urbanísticas de maneira a obter a salvaguarda e a recuperação do centro histórico a partir do exterior da cidade, através de uma adequada programação das intervenções territoriais. Poderá ser configurado assim, através dessas intervenções (a desenvolverem-se mediante instrumentos urbanísticos), um novo organismo urbano, em que se subtraiam do centro histórico as funções que não forem compatíveis com a sua recuperação em termos de saneamento conservativo. faculdade de ARQUITECTURA - UTL CARTA ITALIANA DO RESTAURO DE 1972 Instruções para a Tutela dos «Centros Históricos» Os elementos construtivos que fazem parte do conjunto devem ser conservados não apenas nos seus aspectos formais, que qualificam a sua expressão arquitectónica ou ambiental, mas também nas suas características tipológicas, como expressão de funções que caracterizaram, ao longo do tempo, o uso desses próprios elementos. Os principais tipos de intervenção urbanística são: a. Reestruturação urbanística. É entendida como verificação e, eventualmente, correcção onde necessário, das relações dos «centros históricos» com a estrutura territorial ou urbana com a qual formam uma unidade. É de particular importância a análise do papel territorial e funcional que o centro histórico desenvolveu ao longo do tempo e no presente. Nesse sentido, deve-se dedicar especial atenção à análise e à reestruturação das relações existentes entre centro histórico e desenvolvimentos urbanísticos e construtivos contemporâneos, sobretudo do ponto de vista funcional, com particular referência à compatibilidade de funções directoras. A intervenção de reestruturação urbanística deverá empenhar-se em libertar os Centros Históricos dos destinos funcionais, tecnológicos ou, em geral, de usos que provoquem um efeito caótico e degradante deles próprios. José Aguiar, FAUTL 51 6º MRANU - FAUTL faculdade de ARQUITECTURA - UTL CARTA ITALIANA DO RESTAURO DE 1972 Instruções para a Tutela dos «Centros Históricos» Os principais tipos de intervenção urbanística são: b. Reordenamento viário. Refere-se à análise e à revisão das ligações viárias e dos fluxos de tráfego que incidam sobre a estrutura, com o fim predominante de reduzir os aspectos patológicos e de reconduzir o uso do centro histórico a funções compatíveis com as estruturas do passado. Deve ser considerada a possibilidade de instalação de equipamentos e de serviços públicos estritamente ligados às exigências de vida do centro. c. Revisão do mobiliário urbano. Diz respeito às ruas, às praças e a todos os espaços livres existentes (pátios, espaços interiores, jardins, etc.) com o objectivo de obter uma ligação homogénea entre edifícios e espaços externos. faculdade de ARQUITECTURA - UTL CARTA ITALIANA DO RESTAURO DE 1972 Instruções para a Tutela dos «Centros Históricos» Os principais tipos de intervenção no edificado são: 1. Saneamento estático e higiénico dos edifícios, tendente à manutenção da sua estrutura e a um uso equilibrado da mesma; a intervenção deve ser realizada em função das técnicas, das modalidades e das directrizes a que se referem as instruções para conduzir restauros arquitectónicos. Neste tipo de intervenção é de particular importância o respeito das qualidades tipológicas, construtivas e funcionais do organismo, evitando as transformações que alterem suas características. 2. Renovação funcional dos organismos internos, a permitir só onde for indispensável para fins de manutenção em uso do edifício. Nesse tipo de intervenção é de importância fundamental o respeito das qualidades tipológicas e construtivas dos edifícios, proibindo-se todas as intervenções que alterem as suas características, tais como o esvaziamento da estrutura construtiva ou a introdução de funções que deformem excessivamente o equilíbrio tipológicoconstrutivo do organismo edificado. Os instrumentos operativos dos tipos de intervenção supracitados são essencialmente: - planos directores gerais, que reestruturem as relações entre centro histórico e território e entre o centro histórico e a cidade no seu conjunto; - planos de pormenor relativos à reestruturação do centro histórico nos seus elementos mais significativos; - planos de execução sectorial, referentes a um quarteirão ou a um conjunto de elementos organicamente reagrupáveis. José Aguiar, FAUTL 52 6º MRANU - FAUTL faculdade de ARQUITECTURA - UTL 1975 - Carta Europeia do Património Arquitectónico e o Conceito de Conservação Integrada Salvaguardar os antigos tecidos urbanos através: «(...) da acção conjugada de técnicas de restauro e da procura das funções apropriadas...). A conservação integrada deve ser, por conseguinte, um dos pressupostos importantes do planeamento urbano e regional. Convém notar que a conservação integrada não exclui a introdução de arquitectura contemporânea em áreas que contenham edifícios antigos, desde que o contexto existente, as proporções, as formas, a disposição dos volumes, e a escala sejam integralmente respeitados e sejam utilizados materiais tradicionais.» Art. 7º. faculdade de ARQUITECTURA - UTL 1976 – CONCEITO DE REABILITAÇÃO URBANA INTEGRADA Comité de Ministros do Conselho da Europa, Resolução (76) 28 “sobre a adaptação de leis e regulamentos às exigências da conservação integrada do património arquitectónico”. Secção I, Art.º 2º: A reabilitação é definida como a forma pela qual se procede à integração dos monumentos e edifícios antigos (em especial os habitacionais) no ambiente físico da sociedade actual, «(...) através da renovação e adaptação da sua estrutura interna às necessidades da vida contemporânea, preservando ao mesmo tempo, cuidadosamente, os elementos de interesse cultural.» A reabilitação urbana deveria ser realizada segundo os princípios da conservação integrada e constituir um dos aspectos fundamentais a ter em conta no planeamento regional e urbano. José Aguiar, FAUTL 53 6º MRANU - FAUTL faculdade de ARQUITECTURA - UTL 1976 – CONCEITO DE REABILITAÇÃO URBANA INTEGRADA Comité de Ministros do Conselho da Europa, Resolução (76) 28 “sobre a adaptação de leis e regulamentos às exigências da conservação integrada do património arquitectónico”. Secção I, Art.º 2º: A reabilitação é definida como a forma pela qual se procede à integração dos monumentos e edifícios antigos (em especial os habitacionais) no ambiente físico da sociedade actual, «(...) através da renovação e adaptação da sua estrutura interna às necessidades da vida contemporânea, preservando ao mesmo tempo, cuidadosamente, os elementos de interesse cultural.» A reabilitação urbana deveria ser realizada segundo os princípios da conservação integrada e constituir um dos aspectos fundamentais a ter em conta no planeamento regional e urbano. NOVA CARTA DE ATENAS 2003 Contradição estrutural: a cidade de amanhã já existe hoje! A Nova Carta de Atenas 2003, A visão do C.E.U. sobre as Cidades do séc. XXI. Lisboa, 20 de Novembro de 2003. Tradução portuguesa: Professor Paulo Correia (coordenador do Grupo de Trabalho da Carta); e Dr.ª Isabel Costa Lobo. O C.E.U. apresentou para o novo Milénio, e cito: «(…) uma Visão de uma rede de cidades em que estas: Conservarão a sua riqueza cultural e a sua diversidade, resultantes da sua longa história; (…) Contribuirão de maneira decisive para o bem-estar dos seus habitants e, num sentido mais lato, de todos os que as utilizam»; (Introdução – 2 dos 4 pontos -, p. 5). «O planeamento estratégico do território e do urbanismo são indispensáveis para garantir um Desenvolvimento Sustentável hoje entendido como a gestão prudente do espaço comum, que é um recurso crítico, de oferta limitada e com procura crescente nos locais onde se concentra a civilização.» (Introdução, p.6) A visão futura: uma cidade coerente no tempo! «A cidade de amanhã já existe hoje. (…) Qual é, então, o problema de base das cidades hoje? É a falta de coerência na continuidade de evolução no tempo, que afecta as estruturas sociais e as diferenças culturais. Isto não significa somente a continuidade das características dos espaços construídos, mas também a continuidade da identidade, que é um valor muito importante a salvaguardar e promover num mundo sempre tão dinâmico». (p. 9). José Aguiar, FAUTL 54 6º MRANU - FAUTL A NOVA CARTA DE ATENAS 2003 O PROBLEMA passa A SOLUÇÃO Contradição Estrutural: a cidade de amanhã já existe hoje! A COERÊNCIA ECONÓMICA Globalização e regionalização [especialização] As actividades económicas são hoje influenciadas pela combinação de duas forças principais: a globalização e a especialização (local e regional). (...) Haverá uma procura crescente de produtos raros e requintados e de serviços associados a processos específicos de produção tradicional (...)». (p. 14) Vantagens competitivas «Para uma cidade que procure a coerência, capitalizar os seus atributos culturais e naturais, gerindo os valores herdados da História, promovendo a sua singularidade e diversidade, tornar-se-á cada vez mais uma vantagem significativa». (p. 15) Referências essenciais: ARGAN, Giulio Carlo; FAGIOLO, Maurizio, Guia de história da arte (Florença, 1977). Lisboa: Estampa, 1992. BRANDI, C., Teoria del Restauro. Turim:, Picola Biblioteca Einaudi, 1963 (2ª ed. de 1977). CARBONARA, G., Trattato de restauro architettonico. Turim: Ed. UTET, 1997 CONSELHO DA EUROPA, Guidance on urban rehabilitation. Estrasburgo: COE, 2004 CHOAY, F., L allégorie du patrimoine. Paris: Ed. du Seuil, 1992. CESCHI, C., Teoria e storia del restauro. Roma: Mario Bulzoni editore, 1970. CHOAY, Françoise, L allégorie du patrimoine. Paris: Ed. du Seuil, 1992. JOKILEHTO, J, A history of architectural conservation, The contribution of English, French, German and Italian thought towards an international approach to the conservation of cultural property, (dissertação de doutoramento). York: The University of York, 1986. JUSTICIA, M., Antología de textos sobre restauración. Jaén: ed. Universidade de Jaén, 1996. PHILIPOT, P., Historic preservation: philosophy, criteria, guidelines, em Proceedings of the northamerican int. regional conference. Pennsylvania, 1972. RIEGL, A., Le culte moderne des monuments, Son essence et sa genèse (1903). Paris: Éditions du Seuil. RIVERA, J., Restauracion Arquitectónica desde los origenes hasta nuestros dias. Conceptos, Teoria e historia, em Teoria e historia de la restauracion, Master de restauracion y rehabilitacion del patrimonio. Madrid: Editorial Munill-Lería, 1997. José Aguiar, FAUTL 55
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