Marxismo e o tratamento da categoria mercado mundial - NIEP-MARX

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Marxismo e o tratamento da categoria mercado mundial - NIEP-MARX
Marx e o Marxismo 2015: Insurreições, passado e presente
Universidade Federal Fluminense – Niterói – RJ – de 24/08/2015 a 28/08/2015
TÍTULO DO TRABALHO
MARXISMO E O TRATAMENTO DA CATEGORIA MERCADO MUNDIAL
AUTOR
INSTITUIÇÃO (POR EXTENSO)
Sigla
Vínculo
Alexis Saludjian
Instituto de Economia da Universidade IE/UFRJ
Professor
Federal do Rio de Janeiro
Adjunto
RESUMO (ATÉ 150 PALAVRAS)
Longe de ter sido esquecida, a categoria mercado mundial teve um papel importante nos debates marxistas
do final do século XIX e de todo o século XX. Apresentaremos nesse artigo alguns aspectos centrais em
análises clássicas e do pós-segunda guerra mundial sobre este tema no âmbito do marxismo. Notadamente,
nos ocuparemos das contribuições de Rudolf Hilferding, Rosa Luxemburgo, Nikolai Bukharin Vladimir Lênin,
León Trotsky e Ernest Mandel.
PALAVRAS-CHAVE (ATÉ 3)
Imperialismo, Mercado Mundial, Marxismo
ABSTRACT (ATÉ 150 PALAVRAS)
Far from being forgotten, the world market category played an important role in the end of the Marxist
debates of the nineteenth century and throughout the twentieth century. We present in this article some
central aspects in classical analysis and the post World War II on this issue in the Marxism. Notably, we
present the contributions of Rudolf Hilferding, Luxemburg, Nikolai Bukharin Vladimir Lenin, Leon Trotsky and
Ernest Mandel and the treatment of the world market category of these authors.
KEYWORDS (ATÉ 3)
Imperialism, World Economy, Marxism
EIXO TEMÁTICO
Mercado Mundial
Marxismo e o tratamento da categoria mercado mundial 1
Alexis Saludjian
Professor do IE/UFRJ
(versão de trabalho)
Longe de ter sido esquecida, a categoria mercado mundial teve um papel importante nos
debates marxistas do final do século 19 e de todo o século 20. Não cabe aqui detalhar cada um dos
autores nem entrar em detalhes de cada um das teorias desses autores2. O objeto dessa seção é expor
o tratamento da categoria mercado mundial e do desenvolvimento desigual, em autores marxistas e
avaliar se esse tratamento corresponde à análise tal como tratamos nas seções anteriores.
Teoricamente, os marxistas vão discutir a partir do início do século 20, dessa nova fase do sistema
capitalista caracterizada pela expansão colonial, pela concentração de grandes Trusts e pelos
grandes bancos . O dinamismo do debate crítico sobre a nova fase do desenvolvimento capitalista se
deve ao revisionismo de E. Bernstein, K. Kautsky na Alemanha e o debate que seguiu a tese de
Tugan-Baranovsky sobre desproporção e possibilidade de um desenvolvimento capitalista sem
crises na Rússia.
O Debate clássico
R. Hilferding
O primeiro autor que se destaca no início do século 20 nos debate sobre o “novo” estágio do
desenvolvimento capitalista – o Capitalismo financeiro- é R. Hilferding com a obra “Capital
Financeiro” (1910). Nesse livro, o autor austríaco estuda a interpenetração crescente entre Capital
Industrial e Capital bancário estudando especialmente o caso do desenvolvimento capitalista
alemão, mostrando as diferencias com o capitalismo da GB e dos EUA 3. Na última parte da obra
dela, no capitulo XXI, Hilferding discute do capitalismo concorrencial e trata da questão do Livre1
Esse artigo é uma parte de um artigo escrito junto com os Professores M. D. Carcanholo e F. Miranda. Uma primeira
versão de esse artigo em co-autoria foi apresentado em 2014 no congresso do IIPPE em Nápoles.
2
Alem dos trabalhos originais de cada um dos autores, existem trabalhos recentes sobre isso ver H. Corrêa, Tese de
doutorado, 2012. (UFF).
3
Desenvolvimento na GB vs Alemanha/EUA : Industrial individual (sociedades por ações na GB) vs
sociedades anônimas com apoio dos bancos (credito de capital na Alemanha).
2
comercio e do protecionismo da Inglaterra e do resto da Europa. Com o capitalismo monopolista,
o protecionismo é benéfico para as indústrias mais poderosas com capacidade de concorrer no
mercado mundial através de cartéis4. Um dos pontos essenciais da obra é como a
estrutura/especificidade do Capitalismo financeiro ( Concentração e centralização, bancos,
capitalismo. Industrial) tem conseqüências sobre a expansão mundial do capitalismo - o
imperialismo (capítulo XXII). O Imperialismo é relacionado com as contradições do
desenvolvimento capitalista e com as crises: A abertura de novos mercados permite, para o autor,
acabar com uma depressão através do papel da exportação de capital, das colônias e dos mercados
dependentes (Hilferding, 1910, p. 299)
Assim do ponto de vista do funcionamento do Capitalismo financeiro (e dos cartéis) no
espaço econômico em expansão, o livre-comércio permite uma redução dos custos de produção mas
ao mesmo tempo anula a possibilidade de um lucro extra ( como acontece com o protecionismo). O
Livre-comercio para cartéis e o aumento território econômico permite um maior lucro do cartel mas
se considerar a taxa de lucro, o livre comércio resulta nocivo e supérfluo para o capital (p. 295). O
autor se interessa mais à concorrência entre países capitalistas avançados (Grã Bretanha, Estados
Unidos, França e especialmente o caso do “novo” país capitalista avançado, Alemanha) e como
esses impérios se expandem à escala mundial através dos grupos industriais monopolistas apoiados
pelo capital bancário. Não tem um estudo profundo dos países dependentes a pesar de existirem
elementos que tratam dessa temática (cap. 22, p. 304 por exemplo). Para Hilferding, o Capitalismo
financeiro se traduz pela submersão do mundo no capitalismo (Hilferding, 1910, p. 303). “Portanto,
a política do capital financeiro persegue três objetivos: primeiro, a criação do maior território
econômico possível. Segundo, este é fechado pelas muralhas do protecionismo contra a
concorrência estrangeira. Terceiro, converte-se assim o território econômico em área de exploração
para as associações monopolistas nacionais.”(p. 306). Sem falar em Dependência nem em
desenvolvimento desigual, Hilferding chega a tratar rapidamente das relações de exploração entre o
país que exporta capital e esse que recebe capital sublinhando que o desenvolvimento capitalista
não se deu de modo autóctone em cada país isoladamente; pelo contrário, com o capital foram
simultaneamente importadas produção capitalista e relações de exploração e isso sempre no grau
alcançado no país mais avançado (Hilferding, 1910, p. 303). Para Hilferding, a expansão territorial
do capitalismo financeiro, mas do que uma área de venda de bens, é sobre tudo uma
oportunidade/necessidade para que o valor-capital possa gerar mas lucro (Hilferding, 1910, p. 302).
Assim, ele se aproxima mais de Marx (Livro III, cap. 15) e será seguido por N. Bukharin tal como
veremos a seguir.
4
Isso gera um Lucro extra: « tributo impingido à toda a classe consumidora interna ». Ver ( Hilferding, 1910,
p. 289-291)
3
N. Bukharin
O livro, A Economia Mundial e o imperialismo (1916), foi escrito durante a primeira Guerra
Mundial e crítica à visão de Kaustky do “superimperialismo pacífico”5. Bukharin começa o livro
definindo a noção de Economia Mundial e o processo de internacionalização do capital6.
O autor chega a discutir a fase do capitalismo do início do século 20 como um
desenvolvimento subordinado ao capital financeiro e que combina dois tipos de centralização. “O
primeiro, quando uma unidade econômica absorve outra similar. O segundo, a centralização
vertical, quando uma unidade econômica assimila outra pertencente a um ramo estranho. No
segundo caso, estamos em presença de um “ complemento econômico ”, ou de uma unidade
econômica combinada” […] Se um truste capitalista nacional se anexa uma unidade que,
economicamente, o completa – como, por exemplo, um país agrário - , obtemos uma unidade
econômica combinada. (Bukharin, 1916, p. 112- 113). (Nossos grífos). Esse ponto é essencial para
entender a Lei do desenvolvimento desigual e combinado mas não é estudado em profundidade pelo
autor. Para concluir sobre o aporte de N. Bukharin sobre a categoria de mercado mundial e de
economia mundial, vale a penar ressaltar que esse autor se mostra respeitoso das ideias de Marx no
que diz respeito à importância da taxa de lucro como regulador de toda a circulação.
V. I. Lênin
Em grande medida V. I. Lênin se baseará na obra de N. Bukharin para escrever o livro dele
(Imperialismo, estágio supremo do capitalismo, 1917). H. Corrêa, num trabalho recente, sublinha
que o autor aporta um olhar relevante sobre a temática do desenvolvimento desigual.
“Frequentemente destaca-se que esse ponto da teoria leninista contém o que se considera ser uma
das principais “descobertas teóricas” atribuídas ao autor: o conceito de desenvolvimento desigual.
Não é nossa intenção retomar aqui o debate sobre os rumos e a importância que tal conceito viria a
adquirir, no entanto convém observar que a formulação, ainda que breve, de Lênin baliza grande
parte do que se debateu posteriormente: de um lado, ele adverte que a maciça exportação de capital
5
Crítica (junto com Hilferding) ao « superimperialismo » de Kautsky : fatalismo, utópico e reformismo
(Bukharin, 1916, cap. 12). Sobre o superimperialismo de Kautsky, ver (Corrêa, 2012).
6
Ele afirma que “ há nesse processo de intercâmbio/troca, uma relação de mercado regular entre uma multidão
de unidades econômicas dispersas nos pontos geográficos mais afastados. A divisão mundial do trabalho e a troca
internacional implicam, nessas condições, a existência de um mercado mundial e de preços mundiais” (p. 22) . Bukharin
continua: “Podemos definir a economia mundial como um sistema estável de relações de produção e de relações
correspondentes de troca, que abarcam o mundo em sua totalidade” (Bukharin, 1916, p. 24). No capitulo V, Bukharin
expressa o processo de formação de lucro é uma necessidade absoluta por parte do capitalismo financeiro e não o
processo de produção em massa (de mercadoria que é o intermediário do objetivo final). « A taxa de lucro constitui o
princípio regulador de toda a circulação ». Ver Bukharin, 1916, p. 74.
4
forneceu “uma sólida base para o jugo e exploração imperialista da maioria dos países e nações do
mundo, para o parasitismo capitalista de um punhado de Estados riquíssimos” (LÊNIN, 1979, p.
622); de outro, o autor considera a inversão capitalista no estrangeiro sob o prisma de acelerar o
desenvolvimento daquelas regiões: “a exportação de capitais repercute-se no desenvolvimento do
capitalismo dentro dos países em que são investidos, acelerando-o extraordinariamente”. (Ibidem, p.
623)” (Corrêa, 2012, p. 89). Ainda segundo Corrêa, “O desenvolvimento desigual e a exportação de
capital mostram qual a política internacional do capital financeiro: a partilha do mundo pelas
grandes potências imperialistas, nos termos de Lênin. De acordo com o autor, a simples ligação
entre os mercados interno e externo dos países capitalistas, estabelecida já com o desenvolvimento
do mercado mundial antes mesmo do capitalismo financeiro, cria condições vantajosas para a
partilha do mundo pelo capital, que busca controlar as fontes de matérias-primas, suprimir a
concorrência, ampliar os trustes e cartéis internacionais.” (Corrêa, 2012, p. 89)
Finalmente, nessa mesma linha de análise, podemos citar os aportes nessa linha de L.
Trotsky sobre a economia mundial e a Revolução Permanente (a escala mundial) para quem, o
capitalismo na fase imperialista era caracterizado por um desenvolvimento desigual e combinado
(Marx, Bukharin) e no qual a economia mundial era mais do que a mera soma das economias
nacionais (Bukharin)7. Voltaremos a mobilizar a caracterização de desenvolvimento desigual e
combinado na seção sobre E. Mandel. O aporte de L. Trotsky a esse debate foi durante muito tempo
ocultado por conta da propaganda estalinista.
R. Luxemburg
Deixamos para analisar a obra de Rosa Luxemburg separadamente dos demais autores do
mesmo período pela maneira diferente de tratar da categoria mercado mundial e da polêmica que
ela gerou8. Rosa Luxemburg mobilizou os esquemas de reprodução que Marx desenvolveu no Livro
II de O Capital e os criticou por, na opinião dela, se tratar de uma representação de um sistema
capitalista unicamente composto por capitalistas e trabalhadores. Na discussão sobre a reprodução
ampliada, a autora sublinha o que ela aponta como o “erro de Marx”. Segundo a autora, é
fundamental integrar os países não capitalistas (ou menos desenvolvidos) para poder “equilibrar” os
esquemas de reprodução e entender como o capitalismo continua se desenvolvendo engolindo o
« O marxismo procede da economia mundial, considerada não como simples adição de suas unidades
nacionais, mas como uma poderosa realidade independente, criada pela divisão internacional do trabalho e pelo
mercado mundial, que, em nossa época, domina do alto os mercados nacionais. As forças produtivas da sociedade
capitalista já ultrapassaram, há muito tempo, as fronteiras nacionais. A guerra imperialista não foi senão uma das
manifestações desse fato .» (Trotsky, 1929, p. 4). Para ver o artigo recente sobre essa temática ver (T. Camarinha
Lopes).
8
Ver Rosdolsky 1968 ou Mandel 1976.
7
5
mundo não capitalista até acabar e assim inevitavelmente acabar. Com a falta de mercados entre os
países/ regiões capitalistas mais avançadas e a crescente capacidade do capitalismo monopolista, a
demanda em mercadorias do setor II (bens de consumo) dos países não capitalistas/menos
desenvolvidos seria essencial ao desenvolvimento capitalista. A conquista de espaços/mercados
para vender essas mercadorias seria assim a solução para que o capitalismo imperialista continue se
desenvolvendo. A explicação da fase imperialismo do capitalismo é o subconsumo de bens nos
países capitalistas. A procura de mercados externos se explica pela necessidade das mercadorias
realizar o valor através da compra de mercadorias.
A autora desenvolve uma análise muito rica de detalhes sobre o desenvolvimento capitalista
à escala mundial e a evolução das relações entre países capitalistas mais avançados e países não
capitalistas (e como esses são progressivamente “incorporados ao sistema capitalista). Ela distingue
três etapas: a luta contra a economia natural, a luta contra economia mercantil para impor a
Produção capitalista, e finalmente na fase imperialista característica do final do século 19 e início
do século 20, a luta concorrencial do capital sobre o mercado internacional. De maneira original,
ela mostra no capitulo 30 (do volume II) como os empréstimos internacionais outorgados por
instituições bancárias dos países capitalistas mais desenvolvidos a países não capitalista (ou
atrasados em termos de nível de desenvolvimento das forças produtivas) geram condicionalidades
no desenvolvimento desses países atrasados e uma relação de dependência9. Sem a expansão para
fora dos países antigamente capitalista, o desenvolvimento se bloquearia provocando um derrame
do sistema capitalista incapaz de obter mercados externos suficientes para a sua produção. A teoria
de Rosa Luxemburg é eminentemente internacionalista e considera corretamente a categoria
mercado mundial como um fundamento do desenvolvimento capitalista. Tanto é assim que na hora
de estudar o esquemas de reprodução de K. Marx no Livro II, ela vai cobrar o Marx pela ausência
do mercado mundial na análise sem perceber, como vários autores já apontaram 10, que ela não
percebe o nível de abstração em que Marx desenvolve sua análise nessa parte específica de O
Capital. Ela cobra o Marx por não incluir uma categoria essencial como é o mercado mundial num
nível de abstração onde a presencia deste não se justifica. Os esquemas de reprodução não
pretendem representar o “sistema capitalista” no nível concreto e sim se situam, como o próprio
Marx alerta, num alto nível de abstração onde ele está preocupado com os mecanismos de
“In the Imperialist Era, the foreign loan played an outstanding part as a means for young capitalist states
to acquire independence. The contradictions inherent in the modern system of foreign loans are the concrete
expression of those which characterise the imperialist phase. Though foreign loans are indispensable for the
emancipation of the rising capitalist states, they are yet the surest ties by which the old capitalist states maintain
their influence, exercise financial control and exert pressure on the customs, foreign and commercial policy of the
young capitalist states. Pre-eminently channels for the investment in new spheres of capital accumulated in the
old countries, such loans widen the scope for the accumulation of capital; but at the same time they restrict it by
creating new competition for the investing countries. “ (Luxemburg, 1913, p. 401).
9
10
Ver novamente Rosdolsky 1968, J. Valier, ou Mandel 1976 .
6
circulação e o processo de produção altamente simplificados sem em nenhum momento deixar de
analisar em outro nível de abstração o desenvolvimento capitalista mundial.
A morte de V. I. Lênin em 1924, a dominação de J. Stalin e os afastamentos de L. Trotsky e
N. Bukharin no final da década de 1920 (entre muito outros) terminaram enfraquecendo os debates
teóricos tanto na URSS quanto nos países onde os Partidos Comunistas eram comandados desde
Moscou . Isso afetou muito o desenvolvimento da teoria marxista, engessada pelo estalinismo num
contexto de Guerra Fria e na dominação da URSS sobre o bloco socialista.
O debate no pos- Segunda Guerra Mundial
Se o marxismo oficial/estalinista apagou a discussão do imperialismo e da dinâmica do
desenvolvimento capitalista (por conta da teoria do comunismo em um pais só e pela teoria de
capitalismo monopolista de Estado), pelo menos dois grupos de autores apresentaram teses relativas
à expansão do capitalismo à escala mundial incorporando a categoria mercado mundial no centro
do arcabouço teóricos deles.
No livro, O Capitalismo Tardio (1972), Mandel critica da versão estalinista engessada de
Marx da URSS, a proposta soviética de desenvolvimento pretensamente “socialista” em um só país
está baseada numa interpretação errada da teoria de Marx. Para ele, tanto no nível mais concreto
quanto no nível analítico a teoria de Marx é diretamente mundial integrando assim integralmente a
categoria mercado mundial. A Lei do valor opera no mercado mundial em Marx, mesmo se o autor
concorda com que Marx “ não o analisou sistematicamente em O Capital”, Marx discutiu esse
problema em várias ocasiões, (Mandel, 1972).11 O segundo capitulo da obra de Mandel (“The
Structure of the Capitalist World Market”) é inteiramente dedicada à analisar o movimento efetivo
do capital à escala mundial a partir de uma “troca constante, exploradora, metabólica como esse
meio não capitalista” (Mandel, 1972, p. 29) mas também a coerência da teoria de Marx para tratar
analiticamente o capitalismo mundial. Criticando autores que vêm na diferença de taxa de lucro
uma contradição com a Lei do valor de Marx e tentam assim anular a relevância de Marx para
discutir o capitalismo à escala mundial, Mandel defende a coerência da teoria de Marx e a sua
relevância para discutir o desenvolvimento do capitalismo mundial. Trata-se, como vimos na seção
1 (Marcelo), de entender a diferencia de níveis de abstração entre o Capital em geral do Livro I e a
Ver Também (Rosdolsky, 1968, p. 22): “ Finally, as far as the original Books IV-VI (state, foreign trade, world
market) are concerned we should like to refer here to the section from Volume III of Capital which has already been
cited, where Marx excludes the question of 'Competition in the World Market' from the scope of his research for
Capital”.
11
7
discussão sobre a pluraridade de capitais no Livro III. Para Mandel, a crítica desses autores que
querem invalidar a relevância de Marx se deve à incapacidade desses para entender a diferencia de
níveis de abstração na obra de Marx como bem foi apontado por Rosdolsky (1968, p. 67, ed.
francesa).
Nesse pós-segunda Guerra Mundial, as relações entre países capitalistas avançados e países
do Terceiro Mundo se tornam fundamental para entender o processo de desenvolvimento capitalista
mundial12.
Para o autor, o capitalismo do pós segunda Guerra Mundial, chamado de tardio ou
“Spätkapitalism” em alemã (e titulo original da obra de 1972), consegue compensar a tendência à
queda da taxa de lucro graças, nos países do Terceiro Mundo, a um crescimento do exercito
industrial de reserva e a redução significativa nos salários reais13 É interessante notar que a
discussão de R. M. Marini sobre a superexploração da força de trabalho é perfeitamente compatível
com esse ponto tal como discutido por Mandel14.
Assim, num sistema capitalista estruturalmente em desequilíbrio, sem que exista
nivelamento efetivo das taxas de lucro, o mercado mundial capitalista universaliza a circulação
capitalista de mercadorias mas não a produção capitalista de mercadorias. Isso faz com que as
manifestações do imperialismo devem ser explicadas pela falta de homogeneidade da economia
mundial capitalista. Com o capitalismo tardio assistimos a um desenvolvimento do
subdesenvolvimento15: “The accumulation of capital itself produces development and under
development as mutually determining moments of the uneven and combined movement of capital.
The lack of homogeneity in the capitalist economy is a necessary outcome of the unfolding laws of
motion of capitalism itself.”(Mandel, 1972, p. 85).
Mandel define a Troca desigual como um mecanismo de exploração das colônias e semi-
ver Mandel, 1972, capítulos 2 , 10 e 11. Como o Mandel nota, “ Furthermore, the 'drain' or net outflow of
value towards the metropolitan countries at the expense of the countries economically dependent on them, continues to
operate unabatedly. Moreover, it can be claimed without exaggeration that this net transfer of value is even larger today
than in the past, not only because of the transfer of the dividends, interest and directors' salaries of the imperialist
corporations and the increasing debts of the underdeveloped countries but also because of the aggravation of unequal
exchange. This brings us on to the problem of differences in levels of productivity. Unequal exchange on the world
market, as Marx makes clear in the 22nd chapter of the First Volume of Capital is always the result of a difference in the
average productivity of labour between two nations. » (Mandel, 1972, p. 66).
13
“ An unfavourable relationship of forces on the labour market, due to a growing industrial reserve army, may
make it impossible effectively to organize the mass of the industrial and mining proletariat in trade unions. As a result,
the commodity of labour-power is in its turn not only sold at its declining value, but even below this value. In this way
it becomes possible for capital, given reasonably favourable political conditions, to compensate any tendency for the
rate of profit to fall by achieving a further increase in the rate of surplus-value through a significant reduction in real
wages. This happened in Argentina in 1956-60, Brazil in 1964-66 and Indonesia in 1966-67. ” (Mandel, 1972, p. 67).
14
É nesse período que entram os debates da CEPAL original e da TMD (já citados por E. Mandel na obra de
1972).
15
Fazendo referência direta a uma expressão de economista A. Gunder Frank na obra de 1970.
12
8
colônias pelos Estados metropolitanos que se tornou a regra geral depois do início da fase
imperialista. Assim, segundo o autor, “a Troca Desigual significa que colônias e as semicolônias
tendiam a trocar quantidades cada vez maiores de trabalho nativo (ou produto do trabalho) por uma
quantidade constante de trabalho metropolitano (ou produtos do trabalho)” (Mandel, 1972, p. 244).
Se no período imperialista clássico, a troca desigual era quantitativamente menos importante do que
a produção direta e a transferência de superlucros das colônias (os superlucros das colônias eram a
principal forma de exploração metropolitana sendo a troca desigual apenas uma forma secundária),
no período do capitalismo tardio; a troca desigual é uma das principais formas de exploração
colonial. (A produção direta de superlucros nas colônias tem um papel secundário). (Mandel, 1972,
p. 245). Essa mudança é ligada a uma série de transformações estruturais da economia capitalista
mundial e do movimento internacional de capital (Mandel, 1972, p. 245).
Mandel pergunta: De onde vem a perda ou ganho de valor subjacente à troca desigual ?.
Ele afirma que “Marx responde com muita clareza a essa questão que corresponde à aplicação da
teoria geral do valor do trabalho ao comércio internacional (p. 248). Na era do capitalismo, a torca
desigual deriva da troca de quantidades desiguais de trabalho e dentro dos limites da economia
capitalista mundial existem duas fontes de troca desigual” (Mandel, 1972, p. 248):
- O trabalho dos países industrializados é considerado mais intensivo (produtor de mais valor) no
mercado mundial do que o dos países subdesenvolvidos;
- Não ocorre nenhum nivelamento entre as taxas de lucro no mercado mundial onde coexistem
preços nacionais de produção (taxas médias de lucro).
A. Emmanuel e S. Amin
Na década de 1970, esse ponto da Troca Desigual deu lugar a um debate entre E. Mandel e
outros autores como A. Emmanuel , S. Amin para quem Marx era incapaz de aportar elementos de
respostas satisfatórios e que terminaram desenvolvendo o que Mandel chamou de “teoria eclética
combinando Marx e Ricardo » (p. 248) com « numerosas contradições »(p. 249)16. Na obra O
Sem entrar em detalhes nesse debate, lembremos que A. Emmanuel trabalha sobre o problema do “terms of
trade” (Emmanuel, 1962, p. 27) e propõe discutir a troca desigual. Ele publica em 1962 um livro que abre o debate no
pós-segunda Guerra Mundial e discute “um modelo de intercambio a partir dos esquemas da taxa geral de lucro de
Marx” (p. 43). O autor defende que o modelo de Marx só se aplica ao caso de uma economia nacional mas carece de
relevância no caso internacional. Ele afirma que “Marx no ignoraba esta limitación de su esquema, pero , segundo su
método, que consistía em limitar em cada etapa de un estudio los datos de un problema como si los outros datos no
existieran, há hecho abstracción em essa etapa de la diferencia de las tasas de plusvalor.”(p. 47 e p. 54-55). Assim para
Emmanuel, numa Nota Bene no final do artigo de 1962 (p. 60-65), a teoria de Marx sobre o qual o seu estudo da troca
desigual é baseada, estaria cindida em duas partes: Numa primeira parte onde Marx trata do valor, mais-valor e salário
(sem diferencia de composição orgânicas dos capitais nas diferentes ramas) para o Livro I e uma segunda parte em
termos de preços de produção no Livro III onde Marx introduz a diferencia das composições orgânicas como dado real
16
9
Capitalismo Tardio de 1972, Mandel fez críticas à visão da troca desigual de S. Amin e A.
Emmanuel. Segundo Mandel, os autores (A. Emmanuel e S. Amin17) partem da hipótese de que
existe uma imobilidade internacional da força de trabalho e uma mobilidade internacional do
capital o que levaria a um nivelamento internacional das taxas de lucro (formação de preços
uniformes da produção em escala mundial) e assim o capital fluiria para os países de salários mais
baixos. O autor belga afirma que « longe de explicar o subdesenvolvimento estrutural, essa
hipótese implica
no sentido
ricardiano clássico, a
impossibilidade do
desenvolvimento »
(Mandel, 1972, p. 249). A hipótese de nivelamento internacional das taxas de lucro não se sustenta
nem teórica nem empiricamente já que pressupõe uma mobilidade internacional perfeita de capital
o que é frontalmente contestado pela lei do desenvolvimento desigual e combinado: « no modo de
produção capitalista , condições desiguais de desenvolvimento determinam tamanhos diferentes de
mercados internos e ritmos irregulares de acumulação do capital” (Mandel, 1972, p249)
Assim para Mandel, ao contrario do que A. Emmanuel e S. Amin concluem, a troca desigual
leva a uma transferência de valor (quantidade de trabalho), não contra, mas em consequência da
Lei do valor (p. 255)18.
Elementos de conclusão
Nos resta a avaliar a maneira com que os autores citados mobilizaram a categoria mercado
mundial nas suas análises e se eles o fazem tal como analisamos nas seções anteriores. Podemos
do regime capitalista (p. 61). A necessidade de “atualizar”/ “melhorar” a teoria de Marx se daria pelo caráter incompleto
e não desenvolvido da teoria de Marx, ou seja o contrário do que argumentamos na primeira seção (Marcelo). O
economista egípcio de tradição maoista, S. Amin (1970, p.99), em acordo com A. Emmanuel sobre a irrelevância de
Marx para tratar da economia mundial, afirma « No hay en Marx una teoria de la acumulación en escala mundial. Esta
teoria no aparece sino en ocasión de la acumulación primitiva, pero como la prehistória del modo de producción
capitalista”. Novamente em outro trecho: “Marx no estudia la cuestión de los intercambios internacionales” (Amin,
1970, p. 112) . S. Amin também critica o determinismo e eurocentrismo de Marx (p. 128-129).
17
Nesse debate também entra C. Bettelheim.
18
Ao contrario do que A. Emmanuel discute na Nota Bene do artigo de 1962 ao qual nos referimos
anteriormente, essa análise das fontes da troca desigual está de acordo tanto com a teoria do valor de Marx (livro 1)
quanto com o processo histórico real (livro 3). Baixo essa visão, a análise das fontes da troca desigual, “possibilita
entender e explicar a coexistência de altas taxas de lucro e baixos salários, a acumulação de capital e a produtividade
do trabalho nos países subdesenvolvidos, enriquecimento relativo das metrópoles às expensas das colônias e das
semicolônias, pela transferência de valor resultante da troca de quantidades desiguais de trabalho no mercado
mundial”. (Mandel, 1972, p. 255). Seguindo Mandel, podemos acrescentar: Tudo isso sem precisar recorrer a um
ecletismo neo-ricardiano.
10
listar os autores que não recorrem à teoria do valor tal como discutimos na seção sobre a Lei do
valor e o mercado mundial.
Hilferding considera que o capitalismo financeiro monopolista teria como contornar as
dificuldades ligadas ao desenvolvimento capitalista concorrencial (pelo poder da aliança do capital
industrial e do poder bancário), dando à análise dele um caráter determinista pouco compatível com
o nosso entendimento do desenvolvimento desigual do e no capitalismo. A categoria mercado
mundial aparece como conseqüência da capacidade crescente do capitalismo financeiro e como via
de superar os limites do capitalismo.
Rosa Luxemburg trata a dinâmica capitalista com um certo determinismo explicando a
irrelevância da Lei do valor na economia mundial (“o erro de Marx” segundo ela). Ela discute do
derrame do sistema capitalista numa visão catastrofista e inelutável. Essa visão incompatível com a
visão de Marx da Lei do valor na economia mundial, não desmerecer em nada a militância dela e a
riqueza da análise dela sobre a gênese do subdesenvolvimento e a relação de dependência desses
com os países mais avançados.
Bukharin trata de algum tipo de contradição na hora de discutir o protecionismo/ livrecomércio (num nível mais concreto) no capitalismo mundial mas o tratamento analítico é
relativamente pouco desenvolvido (pelo menos na obra de 1916) e a defesa dele no período
estalinista da capacidade do desenvolvimento soviético independente do capitalismo mundial (a tese
do socialismo em um país só/ num único país) tende a mostrar que ele tampouco desenvolveu
corretamente a análise do desenvolvimento desigual e a Lei do valor no capitalismo mundial. Tal
como vimos, Lênin se baseia na análise de Bukharin integrando as contradições próprias ao
desenvolvimento desigual do capitalismo mundial mas de maneira muito sucinto pelo menos na
obra de 1917.
E. Mandel entendeu corretamente a teoria do valor e a sua pertinência para analisar o
capitalismo mundial (economia mundial). Ele criticou duramente os neo-ricardianos da troca
desigual– que, como era de se esperar, não seguiram a Lei do valor à escala mundial de Marx na
análise deles- e contra os estalinistas. E. Mandel também tentou resgatar a discussão em termos de
desenvolvimento desigual e combinado de L. Trotsky.
Não resta dúvida de que as análises desses intelectuais serviu para definir as suas estrategias
de luta contra o capitalismo (Rosa Luxemburg, V. I. Lênin, L. Trotsky, N. Bukharin) e tomaram
parte como militantes de processos de luta política contra o imperialismo sem priorizar uma
discussão analítica profunda da categoria mercado mundial na obra de Marx. Essa discussão é non-
11
obstante essencial para definir estratégias de lutas contra o capitalismo a partir da crítica da
economia política.
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