Primeiros princípios da Teosofia

Transcrição

Primeiros princípios da Teosofia
PRIMEIROS PRINCÍPIOS DE TEOSOFIA
C. Jinarajadasa
(Vice-Presidente da Sociedade Teosófica)
Vamos iniciar o nosso XIII volume com a publicação deste magnífico compêndio de Teosofia.
Os seus ensinamentos, apoiados pelas últimas afirmativas da ciência européia, são postos assim ao alcance da mentalidade ocidental.
Ao dedicado irmão Gastão de Castro, da Loja Jesus de Nazareth, é que devemos a tradução da obra. É ocioso dizer quanto lhe somos
agradecidos.
Do venerado Sr. C. Jinarajadasa, o competente e inspirado autor deste trabalho, obtivemos a graciosa permissão de publicar esta edição
brasileira de sua obra. Testemunhamos aqui toda nossa imensa gratidão.
R. P. Seidl.
PREFÁCIO
Este livro resultou de uma série de conferências dadas em Chicago, em 1909. Uma
tentativa foi então feita – a de expor a Teosofia a grandes auditórios, com o auxílio de
diagramas. Estes eram preparados em placas e depois projetados por uma lanterna.
Reconheceu-se ser uma notável vantagem para o auditório ver o diagrama e, ao mesmo
tempo, ouvir a exposição do conferencista.
Terminada a série de conferências, resolvi escrevê-las para serem publicadas. As placas
preparadas para os diagramas e os três primeiros capítulos apareceram, em 1910, no
Theosophic Messenger, órgão da Seção Americana da Sociedade Teosófica. Completar
os outros doze capítulos custou-nos onze anos.
Isso pôde dar uma idéia de quanto é ocupada a vida de um trabalhador teosófico, com
conferências, correspondências, trabalhos literários e viagens. Não lastimo, entretanto, a
demora em concluir a obra, se os anos que passaram tornaram mais profundos os meus
conhecimentos da Teosofia e, assim, me permitiram fazer uma exposição mais completa
do assunto.
Muitos teósofos cordialmente cooperaram comigo no plano do livro, e dentre todos,
devo os maiores agradecimentos ao Sr. Ralph E. Packard, que fez os diagramas em
Chicago, em 1909. A metade dos diagramas deste livro foi preparada por ele. Quando
terminava o seu dia de trabalho como desenhista de uma via férrea, consumia noites e
noites, durante três meses, trabalhando no meu empreendimento. Devo ao Sr. Cláudio F.
Bragdon dois diagramas, a fig. 67 e 78. As pinturas dos sólidos platônicos, fig. 81 e
104, foram belos modelos feitos pelo Sr. G. E. Hemus, de Aucland, cuidadosamente
fotografados pelo Sr. Ragnar Lindberg, dessa cidade.
As fig. 87, 88 e 103 foram desenhadas pelo Sr. E. Warner, de Sydney; devo a fig. 82 ao
Sr. Manuel F. Trevino, de Madrid.
Sou devedor de certos diagramas a várias publicações: a fig. 5, ao Sr. T. W. Gallovays,
em seu "First Course in Zoology"; as figs. 14 e 15, a "Knowledge and Scientifics News";
as figs. 21 e 24, a "Atlantis", de Scolt-EIliott (o mapa original foi desenhado pelo Sr. C.
W. Leadbeater); a fig. 48, a "Nature"; a fig. 94, aos editores dos quadros de "Mitologia
Indiana", de Ravi Varma; a fig. 105, a "Mineralogia Generale", de L. Bembicci
(Milão); a fig. 107, a "Country Life".
Devo também agradecer à Seção Americana por me ter cedido, graças à intervenção do
Dr. Weller Van Hook, Secretário Geral da Seção de 1807 a 1911, 65 clichês
empregados no livro, originariamente preparados para a Theosophic Messenger.
Todos os meus diagramas podem ser copiados, tal como estão, ou modificados como
melhor parecer a quem o reproduzir.
O índice foi preparado por Miss Mary K. Neff, a quem cordialmente agradeço a sua
contribuição.
INTRODUÇÃO
A Teosofia é a sabedoria que resulta do estudo da evolução da vida e da forma. Essa
Sabedoria não é nova, pois o estudo dos mistérios da natureza tem sido prosseguido
desde idades imemoriais por investigadores possuindo os requisitos precisos. Esses
investigadores – os Mestres de Sabedoria, como são chamados – são almas humanas
que no decorrer do processo evolutivo passaram do estágio humano ao período seguinte,
o do Adepto. Elevando-se até o Adeptado, o homem adquire o conhecimento por suas
investigações e suas experiências. Os conhecimentos obtidos até aqui por uma série
ininterrupta de Adeptos constituem a Teosofia, a Sabedoria Antiga.
O homem que se tornou Adepto cessa de ser um simples instrumento no processo
evolutivo; exerce, então, nesse processo, função de um mestre e de um diretor, sob a
inspeção de uma alta consciência chamada em Teosofia o Logos. Como colaborador do
Logos, pode ver a natureza sob o ponto de vista d'Este e observá-la não na qualidade de
criatura, mas, por assim dizer, como seu Criador. O resultado dessa observação é o que
constitui a Teosofia atual.
Esses Mestres de Sabedoria, esses agentes do Logos, dirigem o processo evolutivo em
todas as suas fases; tendo cada um deles, a vigilância de um departamento especial na
evolução da Vida e da forma. Constituem o que sé chama a Hierarquia ou a Grande
Fraternidade. Guiam a edificação e a desintegração das formas nos mares e na terra;
dirigem o crescimento e a queda das nações, dando, a cada uma, o que lhe convém da
Sabedoria Antiga, aquilo que pode ser assimilado. A Sabedoria, em certas
circunstâncias, é dada indiretamente, por intermédio de investigadores em busca de
conhecimentos, inspirando-os em inesperadas descobertas; algumas vezes é dispensada
diretamente como revelação. Esses dois métodos podem ser observados no nosso século
XX.
Em certas ocasiões, é indiretamente que os Mestres de Sabedoria, encarregados da
evolução de tudo que tem vida, dispensam a Sabedoria, a ciência dos fatos, guiando
invisivelmente e inspirando os investigadores no domínio da ciência; em outras, é
diretamente que dão-na em um corpo de doutrinas conhecido com o nome de Teosofia.
A Teosofia é, pois, em certo sentido, uma revelação; mas é a revelação de certos
conhecimentos dada pelos que os descobriram aos que ainda não os possuem. Não pode
ser, a princípio, senão uma hipótese para aqueles a quem é oferecida, e para os quais só
pela experimentação e pela prática se transformará em conhecimento pessoal.
A Teosofia, tal como nos é apresentada hoje, não compreende o conhecimento completo
de todos os fatos. Tem-se falado apenas de alguns fatos e de leis gerais, porém
suficiente para estimular-nos ao estudo e a novas investigações, apesar das inumeráveis
lacunas que faltam preencher. Temos entre nós trabalhadores que se estão esforçando
por suprimi-las, mas os conhecimentos de que estamos de posse são como uma gota
d'água comparada ao oceano, em relação aos que ainda restam ser descobertos ou
revelados. Entretanto, do pouco que conhecemos, embora muito incompleto, já se tem
maravilhosa fascinação, e revela em todas as coisas uma nova fonte de inspiração e de
beleza.
Em nossos dias, a Teosofia, tal como é expressa na literatura teosófica moderna, ocupase principalmente da evolução da vida. Porém, os conhecimentos concernentes à
evolução das formas, colhidos por todos os departamentos da ciência, fazem igualmente
parte da Sabedoria Antiga. Em qualquer dessas divisões, há claros a preencher, mas
quando ambas são vistas em uma luz conveniente, vê-se que mutuamente se completam.
Esta exposição da Teosofia, como toda obra de ciência, conterá necessariamente dois
elementos. Geralmente, um autor expõe os fatos aceitos pela maioria dos investigadores
científicos, porém insere ao mesmo tempo em sua obra o resultado de suas observações
ou as de um pequeno número de investigadores, que precisam ser comprovadas ou
retificadas. Algumas vezes, no desenvolvimento de sua exposição, poderá,
intencionalmente ou por falta de método científico, mesclar esses dois elementos.
Igualmente, no presente trabalho, enquanto as idéias principais podem ser consideradas
como "teosóficas", isto é, como uma exposição suficientemente correta dos
conhecimentos revelados pelos Mestres de Sabedoria, certas partes da obra não
merecerão essa honra. Mas, considerando-se finalmente que a descoberta da verdade é
uma coisa individual, tudo quanto se pode fazer é mostrar o caminho. As verdades
cientificamente reconhecidas e aquilo que pode não passar de pontos de vista pessoais e
errôneos, tudo tem de ser submetido à mesma verificação.
Ainda que a Teosofia, em suas idéias fundamentais, seja uma revelação, ela não
constitui autoridade para o indivíduo enquanto ele não a reconhece como tal. E já que
um homem deve estar preparado para viver ou morrer pela mais nobre hipótese da vida
que seu coração e sua mente percebem, esta obra é escrita para mostrar que tal hipótese
se encontra na Teosofia.
CAPÍTULO PRIMEIRO – EVOLUÇÃO DA VIDA E DA FORMA
Nada prepara melhor para a compreensão da Teosofia do que um esboço geral da
ciência moderna. A ciência, sabe-se, ocupa-se dos fatos que classifica e donde deduz
leis. A Teosofia cuida dos mesmos fatos; e ainda que possa classificá-los
diferentemente, suas conclusões, no conjunto, são idênticas. Quando diferem, não é
porque a Teosofia ponha em discussão os fatos asseverados pelos sábios, mas
simplesmente porque antes de pronunciar-se, tem em conta fatos adicionais que a
ciência moderna deixa de lado ou ainda não descobriu. Não há senão uma ciência, desde
que se estudem os mesmos fatos; o que é rigorosamente científico é teosófico, do
mesmo modo que o que é verdadeiramente teosófico está inteiramente em harmonia
com todos os fatos e, por conseguinte, é cientifico no mais alto grau.
A obra capital da ciência moderna é a concepção que ela oferece aos espíritos refletidos,
fazendo-lhes ver nos fenômenos da existência fatores de um grande processo chamado
Evolução. Procuremos compreender nas linhas gerais o que é a evolução sob o ponto de
vista científico, e não teremos nenhuma dificuldade em entender o que ela significa sob
a maneira de ver da Teosofia.
Consideremos primeiro a grande nebulosa de Órion. É uma massa caótica de matéria em
um estado de calor intenso, tendo milhões e milhões de quilômetros de diâmetro.
É uma massa vaga, nebulosa, cheia de energia, mas de energia que, tanto como
podemos julgar, não realiza nenhum trabalho útil.
Que acontecerá a essa nebulosa? Conservar-se-á sempre nesse estado de caos, ou virá a
mudar no futuro? A mudança provável, o próximo período, podemos imaginá-lo
lançando um olhar sobre a nebulosa em Canes Venatici.
Vemos a nebulosa tomar um movimento espiral. Gira, e a sua matéria tende a se agregar
em volta de um núcleo.
Com o tempo, a massa esférica achatar-se-á, e à proporção que se for contraindo, anéis
de matéria destacar-se-ão sucessivamente do núcleo central, tendendo a resfriar-se.
Enquanto milhões de anos se escoam, esses anéis de matéria despedaçar-se-ão, por sua
vez, e os elementos de cada um deles reunir-se-ão em volta de algum centro, e, em lugar
de um anel, teremos um planeta, conservando o movimento original da nebulosa e
girando de ora em diante à volta de um sol central. Ainda é possível que, sem partir-se
em anéis, a nebulosa, ao girar, projete partes de si mesma, as quais, condensando-se, se
tornarão planetas.
Qualquer que seja o processo, a nebulosa caótica do começo tornar-se-á um sistema
solar perfeitamente organizado, com seu sol central e planetas gravitando ao redor dele,
inteiramente como o Sistema Solar em que vivemos.
Qual será o estágio seguinte? Quando a nebulosa for um sistema solar, os elementos
químicos mais leves aparecerão. O hidrogênio, o carbono, o azoto, o oxigênio, o
fósforo, o cálcio, o ferro e outros elementos serão presentes; formarão certas
combinações, depois a vida fará sua primeira aparição. Uma parte da matéria
apresentar-se-á sob forma de protoplasma, primeira forma da vida, e nos períodos
seguintes, esse protoplasma arranjar-se-á em grupos e em combinações, tomando a
forma de organismos vegetais e animais.
Examinemos, em primeiro lugar, o que lhe sucede enquanto se transforma em
organismos vegetais.
Desde o princípio, poderemos distinguir duas atividades nessa matéria viva; a primeira é
que o organismo deseja conservar sua vida o maior tempo possível, o que consegue pela
nutrição; a segunda é que deseja produzir outro organismo semelhante a si. Sob o
impulso desses instintos, haverá evolução, isto é, assim, de simples que era, veremos o
organismo assumir uma estrutura complexa. O processo prosseguirá de estágio em
estágio, até que gradualmente apareça no planeta um reino vegetal, tal qual temos em
nossa Terra.
Cada um dos períodos sucessivos terá por ponto de partida o período precedente, e será
mais bem organizado que esse, para prolongar sua existência e produzir descendentes.
Cada um será mais “evoluído” do que o que lhe precedeu. Dos organismos unicelulares,
bactérias, algas, cogumelos, desenvolver-se-ão plantas com esporos, aptas a disseminar
seus descendentes de uma nova maneira.
Mais tarde, um melhor método de propagação será evoluído, a reprodução por grãos;
mais tarde ainda, aparecerá o estágio da planta com flores, em que o organismo
individual poderá, com o mínimo de dispêndio de energia, conservar inteiramente sua
vida e ao mesmo tempo produzir um número considerável de descendentes.
De período em período, o organismo cresce em complexidade, porém essa mesma
complexidade permite-lhe “viver” de uma maneira mais satisfatória, isto é, produzir
descendentes com um menor dispêndio de energia, prolongar sua própria vida, e gerar,
ao mesmo tempo, um tipo de descendentes com potencialidade de expressão de sua
natureza, novas e maiores que as de seus progenitores.
Um processo de evolução similar produz-se para o protoplasma, que dá origem então ao
reino animal. Partindo dos protozoários, organismos unicelulares muito simples,
achamos, grau por grau, os diversos grupos de invertebrados. Dos organismos
unicelulares aos organismos multicelulares com tecidos, sistema nervoso, sistema
circulatório, a complexidade vai aumentando de grupo a grupo.
Chegamos então a uma nova etapa na construção dos organismos, com o envolvimento
do tronco central nervoso pelas vértebras, o que nos dá os vertebrados.
Dos répteis, uma ordem de vertebrados, vem os mamíferos; entre os mais elevados
mamíferos, aparecem os primatas. Nessa última ordem do reino animal, o homem é o
mais altamente organizado.
Os dois instintos de conservação e de propagação encontram-se no reino animal.
Quanto mais complexa se torna a estrutura, melhor preparado fica o organismo para
adaptar-se a seu mutável ambiente, e mais apto para viver e produzir organismos
semelhantes, com um dispêndio cada vez menor de energia. Mas entre os principais
vertebrados aparece um novo elemento de vida.
"Se contemplamos a vida em ação nas suas formas ascendentes, vemos nos seres mais
baixos as energias totalmente absorvidas em sua conservação e na da raça. Todo
melhoramento no organismo, realizando uma economia qualquer, torna mais fácil a
conservação da vida; disto resulta que as energias tiradas de certa quantidade de
nutrição são largamente suficientes para manter a vida do indivíduo e permitir-lhe
reproduzir-se; há mesmo sobra de energia não aproveitada. Se passamos a tipos de
seres mais elevados, com estruturas mais desenvolvidas, vemos essa sobra de energia
tornar-se cada vez maior, e verificamos que, nos tipos superiores, se passam longos
intervalos que não são consagrados à procura de nutrição, durante os quais não é raro
que a energia não usada seja espontaneamente despendida nessa atividade agradável
das faculdades, que chamamos diversões. Essa verdade geral, devemos reconhecê-la
como se aplicando à vida nas suas formas culminantes – à vida humana como a
qualquer outra. Encarada sob certo aspecto, o progresso da humanidade é um meio de
isentar do labor diário uma soma de vida sempre maior, para haver uma reserva
sempre crescente para o repouso – para a aquisição de conhecimentos agradáveis,
para as satisfações estéticas, as viagens, as diversões" (Herbert Spencer, “Life I”, p.
477).
O processo que se vem operando da nebulosa caótica de outrora ao homem atual, que
pensa, se move e deseja, chama-se Evolução. O caos tornou-se um cosmos, onde os
acontecimentos se desenrolam com uma ordem que o espírito humano pode exprimir
sob forma de leis; o que era instável, adharma, converteu-se em estável, dharma.
Vemos no diagrama abaixo, como o Uno torna-se a Multiplicidade, como a desordem se
transforma em ordem.
PRINCÍPIOS DA EVOLUÇÃO
Spencer
Do Homogêneo
Indefinido
Simples
Ao Heterogêneo
Definido
Complexo
Aos Organismos superiores e sociedades
Dos Organismos inferiores e sociedades
organizadas rudimentarmente, compostas
organizadas, compostas de
de numerosas partes semelhantes,
numerosas partes diferentes,
desempenhando funções semelhantes
desempenhando funções
dessemelhantes
De Uma série de partes semelhantes
simplesmente justapostas
Do Caos
Do Adharma
Da Desordem
A
Um todo feito de partes
dessemelhantes, dependentes umas
das outras
Ao Cosmos
Ao Dharma
À Ordem
Não há verdadeiramente nenhuma inteligência que tenha percebido os começos do
processo e o tenha seguido consecutivamente até a época atual, para poder descrever,
segundo sua observação direta, cada etapa de evolução, e dizer que ela é um fato. Só
podemos reconstruir o processo pela observação das diferentes variedades de nebulosas,
pelo estudo da estrutura dos organismos extintos e vivos, reunindo um apêndice aqui,
uma asa ali. Ninguém pode afirmar que o Universo tenha surgido, subitamente, em toda
a sua complexidade, há alguns milhares de anos, exatamente antes do início da tradição
histórica; e nem também afirmar que o Universo cesse de existir amanhã.
Mas o homem não poderia contentar-se em assinalar os curtos momentos do presente
que pode reter sua consciência; tem necessidade de uma concepção da natureza
postulando um passado e um futuro. No processo chamado Evolução, tal passado e tal
futuro são admitidos tendo-se por base exclusivamente a analogia, de maneira que, sob
certo ponto, a teoria da Evolução é apenas uma hipótese, porém é até aqui a hipótese
mais satisfatória na história da humanidade, e uma vez aceita, mostra a Evolução por
toda parte e aos olhos de todos.
Por mais fascinante que seja o estudo do cosmos à luz da evolução, tal qual a ciência
moderna o ensina, nem por isto deixa de apresentar um lado triste: o papel
insignificante, representado pelo indivíduo no drama eterno. Em seu trabalho evolutivo,
a Natureza prodigaliza suas energias, construindo forma após forma. Mas que terrível
dissipadora parece ser, produzindo uma quantidade de forma excedendo de muitos os
meios de subsistência que ela lhes dá. Ela não leva em conta o tempo, e o indivíduo não
tem quase importância, a não ser pelo tempo que vive. Durante o curto prazo de vida do
indivíduo, a natureza lhe sorri, o acaricia, como se tudo houvesse disposto para o seu
bem-estar. Mas, depois que executou o ato para o qual o impelira, depois que produziu
descendentes, ou tem, durante sua vida, modificado ligeiramente o ambiente em
proveito de outrem, a morte o arrebata e é aniquilado.
O que nos inspira "eu sou eu mesmo", que nos compele a viver, a lutar, a procurar a
felicidade, isso cessa de existir, porque não somos nós que somos importantes, é a
espécie.
"Tão cuidadosa com a espécie como sem cuidado com a vida individual.
O que é feito do Nínive e Babilônia, da glória da Grécia e da grandeza de Roma?
Tudo como um xadrez feito de Dias e Noites,
Onde os homens são peões, a mando do Destino,
Que os põe aqui e ali, ameaça-os e após os mata,
E de novo repõe cada qual nos lugares."
A evolução, vista sob este aspecto, é pavorosa: é um processo mecânico, sereno em sua
onipotência, tanto quanto impiedoso. Entretanto, é decididamente um processo, e não é
talvez lógico levar em conta as considerações pessoais que nos conduzem a achá-lo
agradável ou não. Mas, como somos homens e mulheres dotados da faculdade de pensar
e de desejar, é certo que introduzimos o elemento pessoal em nossa concepção da vida.
E quando consideramos a evolução, a perspectiva que ela nos oferece sob o ponto de
vista individual não é animadora. Somos nela como bolhas à superfície do mar,
nascendo sem que nossa vontade se tenha pronunciado, e cessamos de existir depois de
seguirmos os aperfeiçoamentos de um processo sobre o qual nenhuma inspeção temos.
"Somos da mesma substância de que se formam os sonhos, e nossa curta vida acha-se
envolta em um sonho".
Existe uma concepção do processo evolutivo suscetível de mostrar uma perspectiva
mais animadora? Sim, e é a que oferece a Teosofia em sua doutrina da Evolução da
Vida através da evolução das formas.
Quando o sábio moderno examina a natureza, nota dois elementos inseparáveis: a
matéria e a força. Quanto a um terceiro elemento, que chamamos vida, ele o considera
como o efeito da ação recíproca dos dois primeiros. Vê na matéria as possibilidades da
vida e da consciência, porém nenhuma é suscetível de existir, em sua opinião,
independente da matéria. Em suas linhas gerais, tal concepção é correta, mas segundo a
Teosofia, necessita de uma modificação, a qual podemos exprimir da maneira seguinte:
do mesmo modo que não vemos matéria sem força, e que nenhuma força se nos mostra
sem operar sobre a matéria, embora uma não seja o produto da outra, assim também
uma relação análoga existe entre a vida e a matéria – são inseparáveis, sem que qualquer
delas seja resultante da outra.
Há no Universo, tipos de matéria mais sutil que a conhecida por nossos sentidos, e que
permanecem imponderáveis aos nossos instrumentos mais delicados. Numerosas formas
de energia existem também, das quais apenas algumas são conhecidas do homem. Dá-se
o nome de Vida a uma dessas formas de energia, que age de combinação com certos
tipos de matéria hiperfísica. Essa vida evolui, isto é, torna-se lentamente cada vez mais
complexa em sua manifestação.
As atividades da vida adquirem sua complexidade, construindo organismos nessa
matéria, que percebemos por intermédio de nossos sentidos. Essas atividades da vida
efetuam-se ainda de outros modos, mas por ora limitaremos nossa atenção aos que os
nossos sentidos podem perceber. À vida devem os elementos químicos o fato de
permanecerem reunidos durante um certo período, como organismos vivos.
Enquanto ela mantém assim os elementos, ganha em complexidade pelas experiências
que recolhe, por intermédio do invólucro que a encerra. O que consideramos a morte do
organismo não é outra coisa senão a retirada da Vida que, por certo tempo, vai existir
separada das formas baixas de matéria, embora permanecendo associada a variedades
hiperfísicas de matéria. Enquanto que, com a morte de um organismo, a Vida se retira
dele, as experiências por que passou por intermédio desse organismo subsistem, sob
forma de novas tendências; são transmutadas em uma nova capacidade para construir as
formas, a qual, por ocasião de um esforço próximo, será utilizada para edificar um novo
organismo.
Considerando apenas a forma, não vemos senão um lado da evolução, porque em toda
forma há uma vida. Quando morre uma planta, a Vida que a mantém, que a impele a
reagir em resposta às excitações do meio, não morre. Quando uma rosa murcha e tornase pó, sabemos que sua matéria não se destrói. Cada partícula subsiste ainda, porque a
matéria não pode ser aniquilada. Passa-se o mesmo com a Vida que com esses
elementos químicos organizou a rosa. Só momentaneamente ela se retira, para
reaparecer logo, em vias de produzir outra rosa. A experiência que a primeira rosa
adquiriu do calor solar e das tempestades, da luta pela existência, será gradualmente
utilizada para compor uma segunda rosa, mais bem dotada para viver e propagar sua
espécie.
Da mesma maneira que um organismo individual é uma unidade em um grupo mais
vasto, também a Vida que se oculta no íntimo desse organismo faz parte de uma "almagrupo".
Por trás dos organismos do reino vegetal, há a alma-grupo vegetal, reservatório
indestrutível das forças vitais que se tornam mais e mais complexas, edificando formas
vegetais. Cada uma das unidades de vida dessa alma-grupo, quando aparece na Terra
em um organismo, vem provida da soma total da experiência adquirida por toda almagrupo com a construção dos organismos precedentes; cada unidade, pela morte do
organismo, volta à alma-grupo e lhe dá como contribuição o que adquiriu em
capacidade de reagir, conforme métodos novos, às excitações exteriores. Verifica-se o
mesmo no reino animal, cada espécie, cada gênero, cada família tem seu compartimento
especial na alma-grupo animal coletiva. Para o homem, o princípio é o mesmo, porém
como já ultrapassou o estado em que o indivíduo pertence a uma alma-grupo, cada
homem é uma vida individual e, ainda que esteja unido de maneira mística a todos os
seus semelhantes em uma Fraternidade da Humanidade, trilha a sua senda particular,
modela o seu próprio futuro. A menos que não seja de seu agrado fazê-lo, conserva para
si a sua experiência, sem dividi-la com os outros.
Na natureza a morte não existe, se se entende por morte a transformação em um nada. A
vida refugia-se por algum tempo em seu invólucro hiperfísico, conservando, como
novos poderes de edificar as formas, os resultados das experiências por que passou. As
formas que aparecem e desaparecem sucessivamente são portas por onde ela entra e sai
no drama da Evolução. Nenhuma fração de experiência se perde, do mesmo modo que
nenhuma partícula de matéria se destrói.
Além disso, essa vida evolui, como acaba de ser dito, e sua Evolução faz-se por
intermédio de formas. O propósito de uma porção dada da Vida da alma-grupo é de
manifestar-se por certas formas que devem dominar todas as outras, em conseqüência
de uma maior adaptabilidade ao seu ambiente, associada à faculdade de responder com
uma sensibilidade extrema aos estímulos interiores da própria vida. Cada parcela de
uma alma-grupo, cada tipo de vida-grupo, cada classe e cada ordem demandam esse
mesmo fim; daí a guerra feroz que se observa na Natureza. Ela tem "os dentes
ensangüentados e uma presa nas garras", mas a luta pela existência não é a destruição
que aparenta ser.
As formas são destruídas, mas unicamente para serem reconstruídas em novas formas.
A Vida vai e vem, porém passo a passo ela se aproxima mais da forma que busca.
Nenhuma Vida é perdida – o desperdício é somente em aparência; e a luta tem por
objetivo determinar quais são as melhores formas em um meio continuamente variável.
Quando as formas mais convenientes a um dado meio evoluíram, a porção
correspondente da alma-grupo verte então sua vida nelas com uma intensidade e uma
fecundidade que marcam uma época do seu domínio; e quando o meio de novo muda, a
procura de formas ainda mais adequadas é recomeçada mais uma vez.
Todas as porções das almas-grupos nos reinos vegetais e animais estão, pois, em guerra;
é a luta pela sobrevivência do mais apto. E apesar disso, nessa luta, não há uma só vida
que seja aniquilada, e a vitória alcançada por um tipo não é em benefício particular
desse tipo, mas proveitosa à totalidade da Vida que buscou essa forma, na qual entrevia
um melhor intermediário para a manifestação de suas energias latentes.
A Vida evolui por períodos. Em primeiro lugar, constrói formas na matéria hiperfísica,
e então chamamo-la vida elemental. Depois, utilizando-se da experiência de construtor
que adquiriu, "anima" os elementos químicos, tornando-se a alma-grupo mineral.
Em seguida, edifica o protoplasma, vivifica formas vegetais, mais tarde formas animais.
No período seguinte, achamo-la no homem, em vias de formar indivíduos capazes de
pensar e de amar, do sacrifício e do idealismo, porque "o humilde verme, esforçando-se
por tornar-se um homem, penosamente percorre, uma por uma, as espirais da forma". E
o homem não é o último anel da cadeia.
Para bem compreender todo esse processo cósmico que vai do átomo ao homem, há um
elemento que é preciso ter em conta. Não obstante a matéria evoluir do homogêneo para
o heterogêneo, do indefinido para o definido, do simples para o complexo, a vida não
evolui do mesmo modo. A evolução da matéria é um contínuo arranjo; a da vida, uma
libertação e um inteiro desenvolvimento. De uma maneira incompreensível para nós, na
primeira célula de matéria viva se acham Shakespeare e Beethoven. Talvez milhões de
anos sejam necessários à Natureza para reconciliar a substância; milhões de anos, no
decurso dos quais, a seleção prossegue, até que a agregação conveniente seja
encontrada, e que Shakespeare e Beethoven possam surgir do seio da Natureza para
representar o seu papel em uma cena de seu drama. E neste meio tempo, por milhões de
anos, a Vida encerrava em si, misteriosamente, esses gênios. Em sua evolução a Vida
não recebe, dá; porque por trás dela, formando seu coração e sua alma, há alguma coisa
de maior ainda: uma Consciência.
Na plenitude de seu Poder, de seu Amor e de sua Beleza imensos, essa Consciência
dotou a primeira parcela de Vida de tudo quanto ela é. Assim como para um ponto
invisível podem convergir todos os raios luminosos emanados do panorama grandioso
oferecido por uma cadeia de montanhas, do mesmo modo cada gérmen de vida é um
foco dessa Existência sem limites. Em cada célula, Ela reside em sua plenitude; sob Sua
direção, à hora prescrita, Shakespeare e Beethoven surgem, e a isso chamamos
Evolução.
Se o estudo da evolução das formas, segundo a ciência moderna, ampliou e coordenou
nossas concepções precedentes do Universo, o estudo da evolução da Vida ainda é mais
maravilhoso em suas conseqüências. Com efeito, novos elementos de complexidade da
evolução aparecem no aspecto vida, e a sua tomada em consideração nos arrasta a uma
nova apreciação do processo evolutivo.
O primeiro dos motivos produzindo essa complexidade é o fato que, nas formas
estudadas pelo homem de ciência, há muitas correntes paralelas de Vida em vias de
evoluir, e de que cada uma é quase independente das outras em seu desenvolvimento.
Uma dessas correntes é a da humanidade; outra corrente, paralela a esta, é a que segue a
evolução dos Devas ou Anjos.
TIPOS DE EVOLUÇÃO
III- DEVAS
HUMANIDADE
Homens Perfeitos Anjo ou Deva
Homem
Espírito da Natureza
(astral)
Animal
Espírito da Natureza
(etérico)
Vegetal
Animal
Mineral
Vegetal
III
Essência
Elemental
Vida das
Células
Mineral
IV
V VI VII
Elementos químicos;
átomos
Como já mencionamos, a vida humana, em seus períodos anteriores, foi vida animal,
vida vegetal, vida mineral e vida elemental. Todavia, uma parte dessa mesma vida
mineral, que é desviada para outro canal, passa através das formas vegetais, anima-as,
depois passa pelas formas de "espíritos da natureza" (as fadas da tradição), para rematar
nos Anjos ou Devas.
Existe outra corrente paralela, mas da qual pouco se sabe, a da vida das células com as
fases que precedem e seguem esse período. Há, provavelmente, também uma corrente
de vida distinta, que passa pelos elétrons, íons e elementos químicos. Outros tipos de
evolução existem ainda em nosso planeta, mas devido à deficiência de informações a
respeito, deixá-los-emos de lado, por ora.
A vida utiliza-se dos organismos feitos de matéria sólida, líquida e gasosa; mas utilizase também das formas construídas de matéria mais tênue, pertencendo a um quarto
estado dito "radiante" (chamado etérico, pelos teósofos), assim como dos tipos de
matéria ainda mais rarefeita – a matéria astral e a matéria mental. Do reino mineral,
elevam-se seis correntes distintas; convergem para o Adepto ou Homem Perfeito, para
os Devas sem formas (arûpa) ou Anjos superiores, para um tipo de entidades sublimes
chamadas Dhyân-Chohâns. Dessas seis correntes, duas não se utilizam da matéria
física, senão nos seus estados sutis ou etéricos (primeira e terceira coluna do diagrama),
depois, como silfos, edificam formas na matéria astral. Outra corrente constrói
organismos que vivem na água, enquanto três outras se servem de formas que vivem na
terra. Uma única dessas seis correntes de Vida conduz à humanidade; as outras cinco,
aos Devas, uma linha de evolução paralela.
Convém, pois, notar cuidadosamente que a evolução da Vida tem suas fases
antecedentes, sua hereditariedade, poder-se-ia dizer, que às vezes é totalmente distinta
da hereditariedade das formas. O fato de que os mamíferos e os pássaros se
desenvolveram partindo das formas reptilianas, indica somente uma origem comum das
formas. Enquanto as algas marinhas, os cogumelos, as ervas e os musgos têm uma
hereditariedade física comum (provêm todos de organismos aquáticos unicelulares), a
Vida que por eles passa segue, todavia, quatro correntes separadas. Do mesmo modo,
enquanto os pássaros e os mamíferos têm uma ancestralidade física comum, a Vida que
anima os pássaros animará, em um período ulterior, criaturas etéreas, as fadas da
superfície da terra; depois, as fadas da matéria etérica superior, para terminar nas fadas
astrais e nos devas; porém a vida dos mamíferos passa ao reino humano.
Antes de deixar as formas etéreas que habitam as profundezas da terra e dos mares,
convém notar que uma forma etérica, composta de "matéria radiante", passará através
da rocha sólida ou da água e ali viverá, do mesmo modo que o ar pode passar através de
uma pilha de lenha e ocupar os espaços deixados pelas ramas. As substâncias mais
densas que conhecemos são permeáveis aos tipos etéricos da matéria, e os organismos
constituídos dos últimos tipos não têm nenhuma dificuldade de viver no seio da terra ou
do mar e não são afetados pelo calor ou pela pressão, que tornariam a vida impossível a
criaturas físicas ordinárias.
A mesma diferenciação geral da vida se observa se consideramos a humanidade
isoladamente. A corrente de Vida, que deve mais tarde tornar-se a humanidade,
manifesta traços rudimentares de especialização, mesmo em suas fases de início,
quando aparece como vida elemental, mineral e vegetal, porém se evidencia mais
claramente quando atinge o reino animal. Essa vida, destinada a tornar-se humana,
compreende sete tipos fundamentais, apresentando, cada um, modificações mais ou
menos acentuadas, sob a influência dos outros.
Esses tipos persistem através de todos os reinos que precedem o humano. A vida que
anima os cães é distinta da que anima os gatos; a que anima o elefante é, por sua vez,
distinta das outras duas. A vida do cão evoluiu nas formas de lobos, de chacais e de
outros caninos, antes de alcançar o cão domestico – sua mais alta forma de encarnação.
Da mesma maneira, outros tipos de vida animal, tais como o gato, o cavalo, o elefante, o
macaco, tiveram as suas primeiras "encarnações" nas formas mais selvagens e préhistóricas das mesmas famílias.
Esse assunto será tratado mais detalhadamente no capítulo sobre a evolução dos
animais.
Quando passamos ao estudo desses tipos no momento em que se manifestam entre a
humanidade, uma perspectiva magnífica abre-se diante de nós. Não é preciso senão um
pouco de imaginação, com efeito, para ver a vida canina entrando na humanidade e
manifestando-se como tipo de alma devocional. A classificação que apresenta o quadro
de modo algum é definitiva; antes é dada a título de indicação do que como chave
absolutamente correta do mistério dos temperamentos. Os sete tipos estão claramente
assinalados; nem um é superior aos outros, ou melhor, todos são necessários no grande
drama da Evolução; e cada um é grande no limite justo em que, como contribuição ao
conjunto, ocasiona o desenvolvimento da Vida divina e da consciência, que foi para ele
previsto pelo Logos.
Se examinarmos ao redor de nós as almas devotas, distinguiremos as que se dirigem
diretamente a Deus, em seu coração e pensamento, e outras para quem Deus permanece
uma idéia vaga, a menos que Ele seja concebido sob a forma de uma encarnação ou de
mediador, tal como Jesus ou Krishna. Há também almas de tipo devocional que são
influenciadas pelo aspecto dramático da vida e que desejarão o martírio, não por
vaidade ou pelo anelo de chamar a atenção sobre si, mas porque, para elas, uma vida de
devoção é irreal, desde que não seja continuamente dramática. No espírito de um
Tolstoi, o amor de Deus e o desejo de viver uma vida no Cristo implicarão uma
identificação ostensiva com os pobres e oprimidos, um papel a representar em uma
situação dramática; para essas almas, é preciso que a vida seja dramática, se deve ter sua
inteira significação.
O tipo afetuoso tem também variantes. Há aquele cuja vida é concentrada no amor de
uma alma – os Romeus e as Julietas –, prontos a tudo renunciar pelo ser amado. Outros
não são capazes senão de um amor menos intenso, mas deleitam-se em estendê-lo ao
círculo mais vasto de pais, filhos, amigos, e são atraídos pelas atividades filantrópicas.
O tipo dramático, do qual uma variante foi mencionada acima, é tanto mais interessante
quanto a miúdo é incompreendido. Para os indivíduos desse tipo, a vida só é real
quando é uma tragédia ou uma comédia. A felicidade não é para eles felicidade, desde
que não se encontre enredada a um drama em que a alma representa um papel
importante; a aflição não é aflição, senão quando abundantes lágrimas a ela se mesclam,
a exemplo dos Nióbidas.
Uma parte dos indivíduos desse tipo será atraída para o teatro, e encontrarão em uma
dupla concepção da vida o contraste entre o eu e o não-eu. Outros, influenciados pelo
tipo filosófico, voltar-se-ão para a carreira de autor dramático, enquanto que as almas do
tipo dramático, que tendem para as realizações, acharão um grande atrativo na carreira
das armas ou na vida de chefe de partido.
Entre as do tipo científico, facilmente se distinguem as duas variantes: a teórica e a
prática.
Uma terceira variante, manifestando uma disposição reverencial, é atualmente menos
comum: é a da alma que, cheia de zelo pelas investigações científicas, não cessa de
sentir que o Universo é a morada de Deus. O sábio, que propende para efeito teatral em
seus métodos, é influenciado pelo tipo dramático, e a sua maneira de proceder não é
necessariamente o resultado da vaidade ou do desejo de se pôr em evidência, mas,
porque assim se manifesta o temperamento que lhe foi dado por Deus.
Encontra-se visível em muito chefe de partido político a variante dramática de tipo
realizador. Neste, vê-se também um tipo magnético, suscetível de inspirar uma profunda
confiança a seus subordinados, mas desprovido de qualquer inclinação pelo efeito
teatral, e preferindo conservar-se na sombra, contanto que o trabalho se faça. Há pouco
a dizer do tipo filosófico; as diferentes maneiras pelas quais os filósofos desenvolvem as
suas concepções da vida correspondem ao que eles próprios são como expressão da vida
única. Herbert Spencer e Haeckel, Ruskin e Carlyle, Aristóteles, Platão, Spinoza e
outros representam bem algumas das numerosas variantes do tipo.
Outro tipo, muito pouco compreendido, engloba as pessoas que o simbolismo atrai. A
vida somente é real para elas quando expressa sob uma alegoria. São João, o autor de
"Revelação", deleitando-se com os símbolos e as alegorias, é um exemplo deste tipo.
Uma modificação sua acha-se naqueles em que a religião só parece real quando aliada a
um cerimonial. Os paramentos sacerdotais, as procissões, o incenso e as genuflexões
fazem parte da vida dos seres pertencentes a este tipo.
O Logos exercita os seus filhos de muitos modos para ajudá-lo na obra comum, mas
perante Ele, todos são iguais. Ele traçou um caminho para cada um, e a cada um
incumbe seguir a sua rota, caminhando de mãos dadas a todos os outros, que percorrem
a mesma via.
O assunto é realmente fascinador, e bastante dissemos para ser feita uma idéia da
evolução da Vida e para servir de ponto de partida a reflexões e observações instrutivas.
Esta rápida exposição da criação, partindo da constelação de Órion para chegar ao
homem, mostra, pois, um processo evolutivo em incessante trabalho, a passagem da
Unidade à multiplicidade. Não é uma multiplicidade onde cada qual se esforçaria para
realizar os seus fins pessoais, porém um conjunto onde cada um gradualmente se
compenetra de que a sua mais alta possibilidade de expressão depende do serviço a
outrem prestado. Não se trata, na evolução da forma, de uma série de partes semelhantes
simplesmente justapostas, mas de um todo constituído de partes dessemelhantes em que
uma depende das outras; do mesmo modo para a evolução da vida, ela se não limita a
um único temperamento, um único credo, um único modo de adoração, mas tem por
característica a diversidade nos temperamentos, nos credos e nas maneiras de servir, que
se unem para cooperar com o Logos na realização do que Ele decidiu em relação a nós.

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