"It is the economy, companheiro!": uma análise empírica da
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"It is the economy, companheiro!": uma análise empírica da
"It is the economy, companheiro!": uma análise empírica da reeleição de Lula com base em dados municipais André Carraro – UFPel Ari Francisco de Araújo Junior- IBMEC/MG Otávio Menezes Damé – UFPel Leonardo Monteiro Monasterio – UFPel / ISA- SAS Cláudio Djissey Shikida – IBMEC/MG "It is the economy, companheiro!": uma análise empírica da reeleição de Lula com base em dados municipais1 Resumo: Este trabalho discute os fatores que levaram a reeleição de Lula nas eleições presidenciais brasileiras de 2006. A aplicação dos métodos de econometria espacial mostrou o seu voto esteve concentrado nos municípios menos desenvolvidos. As evidências põem dúvidas acerca da interpretação de que o Programa Bolsa Família foi o determinante da vitória eleitoral de Lula. Esta decorreu, na verdade, dos ganhos de bem-estar da população mais pobres, beneficiada por mudanças no mercado de trabalho de trabalho, baixa inflação e do sucesso exportador da economia brasileira durante o primeiro governo Lula. Introdução No dia 29 de Novembro de 2006, mais de 59 milhões de brasileiros votaram na reeleição do presidente Lula, a maior votação recebida na história da democracia brasileira. Um ano antes, esse resultado poderia ser previsto por poucos, mesmo entre os companheiros2. Partindo de uma elevadíssima popularidade, Lula viu sua aceitação cair ao longo do governo, em meio a denúncias de corrupção, para vir a se recuperar nos meses que antecederam a reeleição. Em 2006, ele recebeu 61% dos votos válidos no segundo turno, o mesmo percentual que havia recebido quatro anos antes Esse desempenho eleitoral gerou uma discussão mais intensa sobre o comportamento eleitoral do que em outras campanhas. Percebeu-se que o perfil do eleitorado de Lula havia se alterado. Com base em dados estaduais, os analistas perceberam que o candidato Lula ganhava especialmente nos lugares menos desenvolvidos do país. Conforme era de se esperar, essa evidência foi interpretada de forma distinta de acordo com as simpatias eleitorais de cada um. Para os eleitores do PT tal padrão seria o resultado de um governo voltado para os mais pobres do Brasil. Já a oposição entendeu esse padrão como o resultado das políticas paternalistas do governo e/ou sinal de que o candidato Lula era a escolha dos menos instruídos, do Brasil do passado. Outros ainda enfatizaram o caráter geográfico entre os que apoiaram ou não a reeleição do presidente, sugerindo uma cisão norte-sul no país. Todas essas visões, conforme se argumenta, são insuficientes para a compreensão do fenômeno. Salvo exceções (Hunter e Power, 2007; Nicolau e Peixoto, 2007), ainda pouco esforço empírico foi feito para investigar os fatores que levaram a votação do candidato Lula. Esse artigo pretende ser um estudo exploratório que - se não responde definitivamente a questão - ao menos ilumina o tema através de uma análise econométrica rigorosa. A própria natureza dos dados eleitorais impõe limitações ao estudo, não obstante a análise de dados municipais é bem mais poderosa do que a investigação fundamentada no nível das unidades federativas. Assim, o objetivo desse artigo é testar como variáveis sociais e econômicas determinaram o voto para o candidato Lula na eleição presidencial de 2006 utilizando o instrumental da econometria e análise espacial. Atenção especial será dada aos resultados eleitorais do Programa Bolsa Família (PBF, doravante) e do boom das exportações pelo qual passou a economia brasileira. 1 Agradecemos a João R. Sanson (UFSC) e Pedro Henrique C. G. de Sant’Anna pelos comentários e críticas. Os autores são responsáveis pelos erros remanescentes. 2 Esse era o termo usual de tratamento na esquerda brasileira dos anos 1970 e entre membros do movimento sindical que estiveram na base de formação do Partido dos Trabalhadores. Para alcançar esses objetivos, esse artigo está estruturado em quatro seções. Na primeira apresenta-se uma revisão das hipóteses sobre a eleição de Lula. A segunda seção é dedicada à literatura e à aplicação dos métodos de análise econometria espacial, bem como sua aplicação à eleição de 2006. Na seção seguinte, são discutidos os determinantes da reeleição de Lula com base nos resultados empíricos obtidos. Considerações finais encerram o trabalho. 1. As hipóteses sobre a eleição de Lula A inesperada recuperação e a brutal mudança no perfil eleitoral de Lula exigem uma resposta. Hunter e Power (2007) reúnem as explicações para esses fenômenos em três categorias: a) Respostas distintas dos eleitores frentes aos escândalos: os eleitores mais pobres e com menor escolaridade teriam menor acesso às denúncias ou não repudiariam a corrupção com tanta virulência quantos outros segmentos da população. b) Fatores econômicos: os eleitores dos estratos mais baixos teriam retribuído com votos as melhorias das suas condições de vidas durante o governo Lula. c) Políticas sociais focalizadas: o PBF, em especial, teria sido a chave para se compreender a vitória no Lula. Veja-se cada uma dessas hipóteses em separado. O PBF faz parte do grupo de “Cash Transfer Programs” que se disseminou na América Latina a partir da década de 90. Herdeiro de programas já existentes no governo de Fernando Henrique Cardoso, o PBF, com o apoio do Banco Mundial, tornou-se a mais importante política social do Governo Lula3. Segundo o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS, 2007), o Bolsa Família é um programa de transferência direta de renda, com condicionalidades, que beneficia famílias pobres (renda mensal per capita de R$ 60,01 a R$ 120,00) e extremamente pobres (renda mensal per capita de até R$ 60,00). Ainda de acordo com as informações oficiais, o PBF pautar-se-ia na articulação de três dimensões para a superação da fome e da pobreza: redução da pobreza, por meio da transferência direta de renda à família; reforço ao exercício de direitos sociais nas áreas de Saúde e Educação, por meio do cumprimento das condicionalidades; programas complementares, voltados para a superação da situação de vulnerabilidade e pobreza. De acordo com a renda mensal per capita familiar e o número de crianças, os valores pagos pelo Bolsa Família podem variar de R$15,00 a R$95,00. Em Julho de 2006, o Programa atingia mais de 11 milhões de famílias com um benefício médio de R$61,43.(MDS, 2007). Em termos efetivos, a dimensão do PBF que mais teve destaque foi, sem dúvida, a transferência direta de renda. Qual é o efeito eleitoral de um programa de cash transfer? A literatura sobre o caso do México é bem mais abundante do que a brasileira. Molinar e Weldon (1994) e Bruhn (1996) investigaram os resultados do PRONASOL nas eleições de 1991: enquanto os primeiros encontraram evidências de que o programa foi relevante para a recuperação eleitoral do PRI, a segunda autora encontrou resultado oposto. Dion (2000), usando uma metodologia econométrica mais rigorosa, sustentou que, apesar do PRONASOL ter sido distribuído com critérios políticos, não rendeu os frutos eleitorais esperados. Sobre o PROGRESA, o programa social do Governo Zedillo (1994-2000), Menocal (2001) mostrou que a distribuição do benefício continuou sendo orientada por critérios políticos. Por sua vez, De La O (2006) estima que o PROGRESA teria o efeito de quatro pontos percentuais na votação de uma seção eleitoral. No Brasil, a hipótese que atribui o sucesso de Lula ao PBF já estava sendo levantada antes das eleições. A ONG Contas Abertas (2006) afirmava três meses antes do segundo turno das eleições: Com a proximidade das eleições, a corrida para ampliar o número de beneficiados pelo Bolsa Família está em ritmo acelerado. Os pagamentos destinados às "transferências de renda com condicionalidades" cresceram 56% em apenas um mês. O salto foi de R$ 632,4 milhões em junho para R$ 990,6 em julho deste ano. O valor gasto em julho foi 3 Hall (2006) apresenta uma visão crítica abrangente do PBF. 73% maior que a média orçamentária do programa nos últimos seis meses, que ficou em torno de R$ 573,6 milhões. Nicolau e Peixoto (2007) analisaram os determinantes do voto em Lula nas últimas eleições através de testes econométricos e mostraram-se convictos do efeito bolsa-família. O trabalho é similar a este artigo por compartilhar, grosso modo, parte da base de dados utilizada pelos autores, bem como suas preocupações em torno dos determinantes das eleições de Lula. Devido a essas semelhanças, seus resultados serão contrastados aos aqui obtidos na próxima seção. Hunter e Power (2007) também consideram a hipótese da Bolsa Família como o fator mais relevante para a vitória de Lula. No tocante às explicações econômicas, vale atentar para mudanças na economia brasileira que podem ter contribuído para a vitória de Lula. Dados revistos pelo IBGE mostram que o crescimento do PIB, apesar de longe de espetacular, foi maior do que se acreditava. No primeiro Governo Lula, o PIB cresceu 3.3% a.a., ao invés dos 2.6% a.a. da série de dados original. Apesar de ainda baixa, essa taxa de crescimento foi quase um ponto percentual superior ao Governo anterior de Fernando Henrique Cardoso e, em 2006, o PIB cresceu 3.7%. Parte desse crescimento foi estimulado pelo notável crescimento das exportações brasileiras que quase duplicaram no período, passando de US$ 73 bilhões para US$137,5 bilhões (ALICEWEB, 2007). Motivado pelo aquecimento da demanda mundial, esse boom exportador teve possivelmente efeitos eleitorais. Em comentário sobre a votação de Lula, Samuel de Abreu Pessôa afirmou: "O presidente foi bem sucedido nas eleições porque distribuiu renda sem crescer, atendendo à demanda da maior parte dos eleitores. O grosso da melhora da qualidade de vida não veio do Bolsa Família nem do aumento do salário mínimo. É uma soma do choque externo, com aumento de preços de commodities, que valorizou o câmbio e tornou a comida muito mais barata, e de uma série de avanços técnicos, associados à Embrapa e outras coisas, que também baratearam muito o custo da comida no Brasil”. Haveria assim, uma cadeia causal através da qual as exportações levariam a um aumento dos salários reais dos mais pobres, os quais, reconhecendo seus ganhos de bem-estar, apoiariam Lula. Por fim, tem-se a hipótese de que os eleitores possuiriam um comportamento diferencial frente às denúncias de corrupção. Hunter e Power (2007) consideram que as amplas disparidades regionais e a baixa penetração de revistas e jornais fariam com que parte dos eleitores, especialmente os mais pobres, não soubesse das denúncias de corrupção. Uma pesquisa mostrou que na região Nordeste 43% dos entrevistados se diziam desinformados sobre essas acusações, enquanto no Sudeste esse indicador não passava de 25% (Hunter e Power, 2007, p.12). Além disso, ainda segundo os autores, pesquisas de opinião mostrariam que a tolerância com o patrimonialismo cairia de acordo com o nível educacional dos entrevistados (Hunter e Power, 2007, p.11). Em suma, os pobres teriam votado no Lula por ignorância ou indiferença frente às acusações de corrupção. 2. A Análise Espacial do Comportamento Eleitoral 2.1 Falácia Ecológica e a Literatura de Análise Espacial de Eleições Na ausência óbvia de dados individuais referentes às escolhas eleitorais, é importante que os resultados agregados por unidade espacial sejam interpretados com cautela para que não se incorra na "falácia ecológica". Em dados agregados, as relações que são válidas pelos grupos podem não sê-las para os indivíduos. Por exemplo, se nos municípios com maior parcela de pobres o candidato X foi vitorioso, isso não implica que os pobres nele votaram. É possível que os não-pobres desses municípios sejam mais propensos a votar nesse candidato do que em outros locais. A correlação positiva entre o número de pobres e a votação ao nível dos indivíduos levaria a conclusão equivocada de que X é o candidato dos pobres. Esse problema é conhecido na análise eleitoral pelo menos desde o trabalho de Robinson (1950). Assim, como neste trabalho a unidade de análise são os municípios brasileiros e não os indivíduos, as inferências obtidas se referem aqueles e não a esses. Mais precisamente, a falácia ecológica está relacionada com o que os geógrafos chamam de MAUP (Modifiable Areal Unit Problem) (Haining, 2003). Este problema remete ao fato de que uma estatística ou relação depende do recorte geográfico utilizado, mesmo quando os dados originais sejam os mesmos. Assim, o que é válido na esfera estadual, pode não o ser no nível dos municípios ou mesmo nas zonas eleitorais. Qualquer agregação dos dados tende a mascarar as diferenças internas das unidades observadas. Obviamente, os municípios brasileiros não são internamente homogêneos em seu comportamento eleitoral. Contudo, na ausência de dados individuais, o nível municipal foi escolhido por ser o mais desagregado no qual se tem dados socioeconômicos capazes de iluminar as razões das escolhas eleitorais nas últimas eleições. Entender o comportamento e as preferências dos eleitores é um tema que está cada vez mais presente na literatura da Ciência Política e Economia. Cientistas políticos entendem que uma adequada interpretação dos resultados de uma eleição pode ser utilizada como ferramenta estratégica para interpretar os movimentos eleitorais e prever os resultados de campanhas futuras. Já os economistas entendem que as escolhas eleitorais podem ser analisadas a partir da suposição de que indivíduos racionais votam com base em incentivos e preferências. Ao contrário de outras ações nas quais os comportamentos podem ser observados diretamente, no caso das eleições outros métodos são utilizados para a compreensão das escolhas dos agentes. Pesquisas de opinião são freqüentemente utilizadas como medidas das preferências eleitorais e como mecanismo de realização de previsões quanto ao resultado futuro da eleição. Kamakura et al (2006) chama atenção para três limitações desse método. Primeiro, pesquisas de opinião são baseadas, geralmente, em amostras pequenas que podem não refletir a heterogeneidade dos eleitores; segundo, a simulação de uma eleição por meio de uma pesquisa de opinião captura uma preferência estática ao invés de capturar a preferência revelada do eleitor; e terceiro, essas pesquisas refletem mais a posição do eleitor em relação ao tema em discussão no dia em que é entrevistado do que uma posição política que sinalizaria o resultado da eleição. Como alternativa ao método de pesquisas de opinião, foram desenvolvidos mais recentemente macro-modelos de análise das preferências dos eleitores baseados em informações políticas e econômicas. Brown e Chapell (1999) e Mach e Jackson (2005) utilizam variáveis relacionadas com o emprego para analisar o desempenho eleitoral. Fair (1988) desenvolveu um modelo com variáveis macroeconômicas para prever o desempenho dos Partidos Democrata e Republicano nas eleições presidenciais dos Estados Unidos da América entre 1916 a 1984. Em seu resultado, taxa de inflação e taxa de crescimento da renda per capita demonstraram ser importantes para o desempenho eleitoral. Esses modelos implicitamente assumem a hipótese de que os resultados de uma eleição são diretamente afetados pelo desempenho econômico do país. Dessa forma, a preferência dos eleitores em uma dada eleição seria um espelho das suas preferências por políticas econômicas (intervenção ou liberalismo, inflação ou emprego, abertura comercial ou protecionismo). No entanto, nenhum desses métodos considera a questão geográfica como variável a ser utilizada para examinar o desempenho de um candidato ou partido. Para O’Laughlin (1994) a heterogeneidade espacial torna-se importante quando regiões produzem efeitos sobre o resultado das eleições que não podem ser observados quando analisados nacionalmente. Segundo Kim et al (2003), como uma extensão da “ignorância geográfica”, nenhum desses métodos é capaz de alertar para a existência de correlações espaciais que podem levar a estimativas viesadas ou ineficientes quando métodos econométricos tradicionais são utilizados. Um outro motivo pelo qual aspectos geográficos assumem importância é a dependência espacial. Esta se refere ao comportamento no qual a ação realizada em um determinado local condiciona a ação em locais vizinhos, gerando um efeito de contágio em relação às regiões vizinhas4 (O’Loughlin, 1994, p. 359). Em certo sentido a análise do desempenho de um candidato ou de um partido utilizando a técnica da geografia espacial conecta o resultado de uma eleição com o local onde o eleitor vive, gerando uma análise espacial do desempenho político. Dentro desse conceito, um número ainda relativamente pequeno de trabalhos utiliza a análise espacial na avaliação do desempenho dos candidatos em eleições. Entre eles, O’Laughlin (1994) analisou os resultados dos votos para o partido nazista na Alemanha de 1930 explorando o contexto geográfico, concluindo que as circunstâncias regionais afetavam o comportamento do eleitor. Pattie (1995), ao analisar os resultados das eleições gerais na Inglaterra de 1992, encontrou como resultado que as condições locais do mercado imobiliário estavam fortemente relacionadas com o desempenho eleitoral dos partidos. West II (2005) utilizou o instrumental da análise de dados espaciais para investigar o desempenho dos partidos turcos nas eleições de 1999 e 2002. Seu principal objetivo foi utilizar variáveis geográficas, econômicas e sociais para analisar a divisão política do país. Além de mostrar a diferença de concentração de votos entre as eleições, West II (2005) conclui que a Turquia poderia ser dividida em três grandes regiões, em termos eleitorais. Essas diferentes regiões apresentariam importantes diferenças econômicas e com elevada votação para partidos com forte identificação cultural. No entanto é em relação às eleições americanas que se encontra uma literatura mais vasta que analisa o desempenho eleitoral pela perspectiva espacial. Kim et al. (2003) utiliza a metodologia espacial para estudar o desempenho eleitoral dos partidos democrata e republicano nas eleições presidências norte-americanas de 1988-2000, destacando o crescimento do voto dos democratas em regiões urbanas e do leste, enquanto os candidatos do partido republicano possuem melhor desempenho nos estados do oeste e em áreas rurais. Wing e Walker (2005), utilizam o instrumental de análise espacial para investigar os efeitos das características da população e da região no desempenho dos candidatos para a eleição presidencial de 2004. Seus resultados corroboram com a hipótese de uma polarização geográfica do eleitorado norte-americano. Os votos para os candidatos republicanos apresentaram uma significativa auto-correlação espacial com a formação de um cluster eleitoral na região das montanhas e na região do centro-oeste do território norte-americano. Os resultados das regressões espaciais indicaram uma probabilidade maior de voto para candidatos republicanos nas regiões com participação maior de brancos, com formação escolar entre a secundária e o curso superior não concluído e, com famílias mais numerosas. Todos esses trabalhos supõem que a geografia afeta o desempenho político. Estados ou municípios não são apenas entidades organizacionais do território de uma nação (Gelman et all, 2005): eles possuem diversidades culturais e políticas que precisam ser considerados quando da análise do desempenho de um candidato ou partido em uma eleição nacional. 2.2 Análise Exploratória de Dados Espaciais Os dados aqui analisados sobre a votação municipal no candidato Lula no pleito presidencial de 2006 têm como fonte primária o sítio do Tribunal Superior Eleitoral (TSE, 2006). Os dados são municipais, totalizando 5507 observações. A Análise Exploratória de Dados Espaciais (Exploratory Spatial Data Analysis), doravante ESDA, é o conjunto de técnicas utilizadas para descrever distribuições espaciais de variáveis, descobrir padrões de correlação espacial ou apontar a ocorrência de clusters, ou mesmo apontar outliers (ANSELIN, 1995). Para o trabalho presente, a ESDA terá a utilidade de permitir a identificação dos chamados hotspots, ou seja, os municípios com alta participação de votos no candidato Lula. 4 Na literatura de análise espacial, essa dependência é chamada de "friends and neighbours effect". A Figura 1 mostra a distribuição da variável "Votos Lula%" por município no segundo turno das eleições de 2002 e 2006. É evidente a diferença na distribuição espacial de seus votos. Em 2002, tem-se um mosaico, sem qualquer grande concentração espacial dos seus eleitores. Na eleição seguinte, já surge um padrão espacial definido e há uma faixa central de baixos valores que corta o Brasil de norte a sul. Pode-se notar também que apesar da região Nordeste concentrar municípios com elevadas votações no candidato Lula, há, dentro do mesmo estado, ampla variação no percentual de votos recebidos. [FIGURA 1] Para um exame melhor do padrão espacial vale a pena examinar o Gráfico e o Indicador de Moran para a distribuição dos votos em 2006. O diagrama de dispersão de Moran (Moran scatterplot) representa o valor padronizado de uma variável para cada uma das unidades nas abscissas e, no eixo das ordenadas, a média do valor padronizado da mesma variável para os vizinhos destas unidades. Neste trabalho, o critério de vizinhança se baseia em uma faixa de 50 km de distância. Qualquer município cujo centro estiver a tal distância (ou menos) do centro de outro será considerado vizinho. Desta maneira, observações com valores acima da média, com vizinhança também acima da média, ocuparão o primeiro quadrante. Já aqueles abaixo da média, com vizinhos na mesma situação ocupam o terceiro quadrante. O quarto e segundo quadrantes são ocupados, respectivamente, por “ilhas” de valores elevados cercados por valores baixos, e vice-versa. Caso não haja qualquer autocorrelação espacial, as observações estarão bem distribuídas nos quatro quadrantes. O valor do Indicador de Moran corrobora o que sugere o Gráfico 1 e a hipótese de ausência de correlação espacial foi rejeitada a menos de 1% de significância5. [GRÁFICO 1] Como auxiliar na percepção de padrões espaciais, o indicador de Moran local identifica os municípios nos quais houve aglomerações estatisticamente significativas de valores altos (baixos). A Figura 2 evidencia a aglomeração central de valores Low-Low enquanto, enquanto os clusters High-High tendem a se localizar numa longa faixa a leste. [FIGURA 2] 2.3 Econometria Espacial – Dados e Especificação A análise econométrica é feita com base nos dados do Atlas do Desenvolvimento Humano do Brasil (PNUD, 2003), Tribunal Superior Eleitoral (2006) e Ministério do Desenvolvimento Social (2006). O Atlas fornece as variáveis explicativas incorporadas nas regressões e tem como fonte primária os dados do Censo Demográfico de 2000. As informações são representativas ao nível municipal. Os valores monetários são expressos em reais de 1º de agosto de 2000. Além disso, os dados sobre a votação municipal no candidato Lula são os mesmos já descritos na seção anterior. Devido à criação de municípios, existem diferenças entre a malha municipal utilizada no Censo de 2000 e a atual. Portanto, há falta de informações para uma pequena parcela das observações. Em econometria espacial, uma forma de superar esse problema é substituir o valor não disponível pelo seu lag espacial (Bhati, 2004). Esse procedimento, que se apóia na Lei de Tobler (1970), tem o problema de inserir autocorrelação espacial nos dados. No caso presente, isso não pôde ser realizado, uma vez que há observações contíguas faltantes. Assim, seguiu-se uma prática ainda mais simples: imputou-se a média das observações no lugar dos valores faltantes. Devido ao pequeno número de municípios em que esse procedimento foi necessário, espera-se que esta imputação não tenha gerado viés na estimação. O passo inicial é a estimação do seguinte modelo de regressão linear, por mínimos quadrados ordinários: 5 Os mesmos testes foram realizados para a eleição de 2002. Nesse caso, não houve indicação de autocorrelação espacial. r llula i = α + δX i + ε i em que i = 1, ..., n são municípios; llulai é o logaritmo natural da proporção de votos ao r candidato Lula município i no pleito de 2006; X i é um vetor de variáveis explicativas expressas em logaritmos; α , δ são os parâmetros a serem estimados e ε i é o erro aleatório seguindo as hipóteses usuais (não-autocorrelação, homocedasticidade e distribuição normal). A composição do vetor X, seguido de suas definições, é a que se segue: a) Distância do município à capital do estado - Distância euclidiana; b) Desigualdade – Desigualdade de renda, medida pelo índice de Gini, em 2000 c) Densidade demográfica - Densidade demográfica do município em 2000 em habitantes por quilômetro quadrado; d) Renda per capita – Renda per capita municipal em 2000 em R$; e) Mortalidade infantil – Percentual de crianças mortas antes de completarem 5 anos de idade em 2000; f) Analfabetismo – Percentual de pessoas de 15 anos ou mais, analfabetas no município em 2000;6 g) Votação de Lula em 2002- Fração dos votos válidos que o candidato Lula recebeu no segundo turno das eleições de 2002. h) Bolsa Família - Número de famílias atendidas pelo PBF em Julho de 2006 em relação à população total, pobres, e indigentes. O valor foi multiplicado por quatro, tamanho médio das famílias, para que se tivesse um indicador de número de indivíduos beneficiados com o programa. Devido às características dos dados levantadas de forma preliminar na seção anterior, optouse por ir além da econometria tradicional e utilizar o instrumental de econometria espacial. Quando efeitos espaciais existentes são ignorados o resultado é a obtenção de estimadores viesados e/ou inferências equivocadas. Duas especificações espaciais são aqui testadas: o modelo de defasagem espacial e o de erro espacial. Formalmente: Modelo de erro espacial: r llula i = α + δX i + ε i εi= λWεi+ ui Modelo de Defasagem espacial: r llula i = ρWllulai + α + δX i + ε i No modelo de erro espacial, λ é um escalar do coeficiente do erro e ui ~ N (0, σ2I) e W é a mesma matriz binária de vizinhança utilizada nas estatísticas de Moran. Já no modelo defasagem espacial, acrescenta-se entre as variáveis explicativas do modelo clássico a componente ρWllulai, 6 Em termos ideais, estariam disponíveis dados sobre as características da população municipal contemporâneos às ultimas eleições presidentes. Porém, como o Censo de 2000 (IBGE, 2003) é a única fonte de dados adequada a presente análise, precisa-se supor que as características municipais se mantiveram ou mudaram sem um viés determinado nos seis anos que separam o Censo das eleições recentes. ou seja, a média (do log) da votação do candidato Lula nos municípios vizinhos. Em ambos os modelos, a estimação é executada através de máxima verossimilhança. Na busca da especificação apropriada seguiu-se a estratégia proposta por Florax et al (2003). Os autores recomendam estimar o modelo clássico, testar para a existência de autocorrelação espacial. Em caso positivo, seguir o procedimento de escolha entre o modelo de erro e o de lag espacial. Ainda seguindo as recomendações daqueles autores, quando ambos os testes espaciais do multiplicador de Lagrange (erro e lag) forem significativos deve ser feita a correção espacial relacionada com o maior valor do teste. 2.4 Resultados Econométricos A Tabela 1 apresenta os resultados do modelo clássico. TABELA 1 – DETERMINANTES DO PERCENTUAL DE VOTOS NO CANDIDATO LULA POR MUNICÍPIO EM 2006 (MODELO CLÁSSICO) I Constante -0.043 (-0.658) Distância 0.009 (0.017) Desigualdade 0.124 (0.000) Densidade demográfica 0.050 (0.000) Renda per capita -0.154 (0.000) Mortalidade Infantil 0.037 (0.000) Analfabetismo 0.024 (0.022) Bolsa Família por População 0.066 (0.000) Votação do Lula em 2002 0.018 (0.063) LM (lag) 861 (0.000) LM (error) 1948 (0.000) 2 R 0.677 Teste F 348 Log Likelihood 2005 Akaike Information Criterion -3942 Schwarz Information Criterion -3717 FONTE: CÁLCULOS DOS AUTORES. Nota: Valores p entre parênteses. As dummies estaduais foram omitidas. Os resultados indicam que a que a votação de Lula é sempre inelástica nas variáveis. A maior delas, em valor absoluto, é a renda per capita (e é a única cuja relação é inversa: um aumento de 1% na renda per capita diminui a votação do candidato em -0.154%), seguida pelas proxies de desigualdade (relação positiva com os votos recebidos pelo candidato), Bolsa Família, densidade demográfica, mortalidade infantil, analfabetismo e distância da capital do estado. No caso presente, os testes de diagnóstico indicaram a presença de autocorrelação espacial no modelo clássico e indicam que o modelo de erro espacial deve ser escolhido em detrimento do de lag espacial. O valor do teste de LM para o modelo de erro espacial é bem mais elevado do que para o modelo de defasagem. Na Tabela 2, o modelo II apresenta os resultados da estimação do modelo de erro espacial com as mesmas variáveis do modelo inicial. O fato de o modelo de erro espacial ser o mais adequado indica que a especificação clássica desconsiderou que o processo avaliado não corresponde espacialmente às unidades de análise. No caso presente, isso significa que as fronteiras municipais não delimitam precisamente o fenômeno dos determinantes da votação de Lula. 7 Vale refletir sobre o resultado referente ao PBF. Nesse modelo inicial, obteve-se que as suas transferências, medidas em termos per capita, teriam efeito positivo na votação de Lula. Nesse sentido, o resultado aqui é semelhante ao obtido por Nicolau e Peixoto (2007). Após analisar correlação linear entre a variável Bolsa Família per capita e a votação de Lula, os autores afirmam (Nicolau e Peixoto, 2007): Esses números indicam que Lula obteve percentualmente mais votos nos municípios que receberam mais recursos per capita do Bolsa Família. Para os que ainda duvidavam dos efeitos do programa no sucesso eleitoral de Lula os números são contundentes (Grifos nossos) Mais adiante os autores usaram um modelo de regressão linear – sem a consideração de efeitos espaciais – com dummies regionais, IDHM-Renda e Bolsa Família per capita como variáveis explicativas da votação de Lula. A partir de seus resultados eles asseveram (Nicolau e Peixoto, 2007): Ainda que outros fatores (regiões e o IDHM–Renda) sejam mantidos constantes, pode-se afirmar que a cada 100 Reais de aumento per capita do Bolsa Família traz um acréscimo de 3 pontos percentuais na votação de Lula nos municípios. Em outros termos, independentemente de qual a região do país o município está localizado e de sua situação socioeconômica, o Bolsa Família teve um impacto positivo na votação do presidente eleito. As afirmações são algo audaciosas para um trabalho preliminar baseado em especificação econométrica questionável. A variável Bolsa Família per capita está correlacionada com o percentual de pobres na população. Esta, por sua vez, é correlacionada com a votação de Lula, fazendo com que seja mais do que esperado que a votação de Lula esteja correlacionada com a parcela de beneficiados pelo Bolsa Família na população. Correlação não implica em causalidade e há uma possível variável que intermedeia (o percentual de pobres no município) a relação entre a proxy da Bolsa Família e a votação de Lula. A utilização da variável IDH-Renda pode não ser suficiente como controle e seria mais prudente usar outras proxies que capturassem o alcance do programa8. Assim, ao invés de considerar a população total do município, consideraram-se adicionalmente os atendidos pelo programa em relação à população pobre (Modelo III) ou à indigente (Modelo IV). 7 Foram feitas estimações clássicas e de defasagem espacial para todos os modelos citados. Os testes sempre sugerem a existência de autocorrelação espacial e - pelos critérios presentes – o modelo de erro espacial seguiu como o mais apropriado. Por razões de síntese, optou-se por não apresentar tais resultados, os quais podem ser solicitados aos autores. 8 Os autores estimam que um aumento de R$100 na variável da Bolsa Família per capita implicaria em 3 pontos percentuais na votação de Lula. Esse efeito é, na verdade, mais baixo do que parece a primeira vista. Por estar em termos per capita, esse aumento na votação só seria conseguido com um gasto de cerca de R$19 bilhões, mais do que valor acumulado que foi despedido no PBF de 2003-2006. Além disso, não está claro, no anexo do artigo, o método de estimação utilizado. Para este tipo de dado (longitudinal), os estimadores obtidos permanecem não-viesados, mas não são eficientes. TABELA 2 – DETERMINANTES DO PERCENTUAL DE VOTOS NO CANDIDATO LULA POR MUNICÍPIO EM 2006. (MODELO DE ERRO ESPACIAL) II III IV Constante Distância Desigualdade Densidade demográfica Renda per capita Mortalidade Infantil Analfabetismo Votação do Lula em 2002 Bolsa Família por População Bolsa Família por Pobres Bolsa Família por Indigentes -0.448 (0.000) -0.003 (0.656) 0.041 (0.129) 0.039 (0.000) -0.109 (0.000) 0.035 (0.047) 0.053 (0.000) 0.023 (0.005) 0.041 (0.000) -0,476 (0,000) -0,002 (0,645) 0.075 (0.006) 0.039 (0.000) -0.130 (0.000) 0.017 (0.021) 0.069 (0.000) 0.023 (0.005) -0,488 (0,000) -0,003 (0,655) 0.063 (0.025) 0.038 (0.000) -0.121 (0.00i0) 0.025 (0.053) 0.069 (0.000) 0.022 (0.005) 0.012 (0.062) -0.003 (0.549) 0.649 (0.000) 1278 (0.000) 0.757 2607 -5146 -4921 0.643 0.650 (0.000) (0.000) LR do erro/ lag 1240 1288 (0.000) (0.000) 2 R 0.759 0,758 Log Likelihood 2625 2608 Akaike Information Criterion -5182 -5149 Schwarz Information Criterion -4957 -4924 FONTE: CÁLCULOS DOS AUTORES. Nota: Valores p entre parênteses. As dummies estaduais foram omitidas. λ Em geral, mantêm-se as baixas elasticidades das variáveis obtidas no modelo I. Além disto, pode-se verificar que a elasticidade para a densidade demográfica, a elasticidade-renda per capita e a elasticidade-distância não variam muito entre os modelos, nem em termos de sinais e nem em termos de magnitude. Também se verifica alguma variação no valor absoluto da elasticidadeanalfabetismo e na elasticidade da desigualdade, sem alteração de sinais. A variável “Votação do Lula em 2002” – é positiva e significativa. Isso indica que, a despeito das mudanças que sofreu o perfil do eleitorado, com os devidos controles, houve uma continuidade espacial no apoio ao candidato entre as duas eleições. Entretanto, seu impacto sobre a votação do candidato em 2006 é tão ou menos importante do que, por exemplo, o da densidade demográfica ou da mortalidade. Quanto ao efeito eleitoral do PBF, no modelo II o sinal é positivo e significativo, tal como no modelo espacial, mas a elasticidade é ainda menor. Já no modelo III, o coeficiente relativo ao Bolsa Família por pobres é positivo e significativo a 10%, mas não a 5%. No modelo IV, finalmente o parâmetro estimado para a proxy relativa a Bolsa Família por indigentes não é estatisticamente distinto de zero, além de ter o sinal alterado em relação às especificações anteriores. Esses resultados fazem com que o impacto positivo do Bolsa Família, com os devidos controles, não seja tão espetacular e confiável estatisticamente quanto poderia parecer numa primeira análise. 3. Discussão das hipóteses para a eleição de Lula De acordo com os resultados econométricos a votação de Lula foi maior nos municípios mais pobres, desiguais, com mais analfabetos. Porém não houve evidências robustas de que o Programa Bolsa Família – por si só - teve efeito na votação de Lula. Veja-se à hipótese de Hunter e Power (2007) de que haveria respostas distintas dos eleitores frentes aos escândalos. Na verdade, divide em duas teses: a) os eleitores de Lula não estavam informados acerca dos escândalos; b) se estavam, não se importaram tanto com o fato quanto outros segmentos da sociedade. A análise econométrica aqui feita põe dúvidas em relação à tese (a). Seria de se esperar que, se a distância da capital do estado funcionasse como proxy para o acesso à informação, os municípios mais distantes fossem os de maior apoio ao candidato Lula. Em nenhuma das regressões houve suporte teórico para essa tese9. Quanto à parte (b) da hipótese, os métodos aqui adotados nada podem afirmar quanto a sua pertinência. Se as duas hipóteses não parecem suficientes para explicar o fenômeno em questão, resta ver a hipótese econômica levantada por Pessôa (2007) e por Hunter e Power (2007), ou seja, os ganhos de bem-estar econômico dos mais pobres teriam sido os responsáveis pela eleição de Lula. Tomando-se a variação dos índices de preço, é notável a diferença nestes de acordo com as faixas de rendas consideradas. Observando o período entre a posse de Lula em Janeiro de 2003 e as eleições ocorridas em 2005, o Índice de Preços ao Consumidor Ampliado (IPCA), que considera as rendas das famílias até 40 salários mínimos, aumentou 24% (IPEA, 2007). No mesmo intervalo, o preço da cesta básica calculado pelo DIEESE teve aumentos bem menores: nas capitais do Rio Grande do Sul e de São Paulo esse indicador teve uma elevação de 8.5% e 10.4%. Em Recife e Fortaleza, capitais de Pernambuco e Ceará, a cesta básica teve uma variação nesse período de 4% e -3%, respectivamente. No primeiro estado, Lula recebeu 82% dos votos do segundo turno e no segundo, 75%, Mesmo controlando para outros fatores, a analise econométrica mostrou, ver Anexo, que esses estados foram os que mais apoiaram Lula em 2006. Estudo recente do IPEA (2007) mostrou que a desigualdade no mercado de trabalho já vinha caindo entre 2001 e 2004. De acordo com a pesquisa (IPEA, 2007, p. 14): As estimativas apresentadas mostram um crescimento anual de 7,2% para os 10% mais pobres, apesar de a renda per capita brasileira ter declinado 0,9% a.a. no mesmo período. Se tomarmos a renda média dos 50% mais pobres, observaremos que essa cresceu 2,4% a.a., ao passo que a renda média dos 50% mais ricos declinou 1,4% a.a. Ainda segundo o estudo, a mais importante causa da redução da desigualdade deu-se no mercado de trabalho. Estimou-se que a maior homogeneidade educacional e espacial, entre outros fatores, teria sido responsável por 42% da redução do Índice de Gini no período. O PBF teria sido responsável por 10% dessa queda. Admite-se que os gastos com esse programa cresceram após 2004 e que possivelmente tenham contribuído ainda mais para a queda da desigualdade. Isso não anula, contudo, o fato de que os ganhos de renda mais pobres no Brasil já estava ocorrendo por motivos não relacionados com políticas ou programas sociais do governante no poder à época. Ainda no tocante à hipótese econômica, decidiu-se testar o impacto direto das exportações estaduais. A metodologia econométrica utilizada neste artigo não nos permite testar esse possível canal. Avaliaremos um efeito mais simples: a possibilidade de que o boom exportador, por estar concentrado em alguns estados, teria tido efeitos eleitorais também concentrados. Tomando 2003 como ano de referência, a Tabela 3 mostra que o aumento das exportações foi bastante disperso entre as unidades federativas. 9 Há que se lembrar que 90.3% dos domicílios brasileiros possuem televisão (IBGE, 2005) e que as denúncias contra o governo Lula foram amplamente cobertas pelas principais redes de comunicação do país. TABELA 3 – EXPORTAÇÕES BRASILEIRAS POR UNIDADE FEDERATIVA – 2003-2006 EM MILHÕES DE DÓLARES AMERICANOS. Taxa de Crescimento 2003-2006 UF 2003 2006 RONDONIA 98 308 215% ACRE 5 18 233% AMAZONAS 1300 1523 17% RORAIMA 4 15 301% PARA 2678 6708 151% AMAPA 20 128 554% TOCANTINS 46 204 347% MARANHAO 740 1713 132% PIAUI 59 47 -20% CEARA 761 957 26% RIO GRANDE DO NORTE 310 372 20% PARAIBA 168 209 24% PERNAMBUCO 411 780 90% ALAGOAS 361 693 92% SERGIPE 39 79 103% BAHIA 3259 6772 108% MINAS GERAIS 7434 15638 110% ESPIRITO SANTO 3535 6720 90% RIO DE JANEIRO 4844 11470 137% SAO PAULO 23074 45930 99% PARANA 7153 10002 40% SANTA CATARINA 3696 5966 61% RIO GRANDE DO SUL 8013 11774 47% MATO GROSSO 2186 4333 98% GOIAS 1102 2092 90% DISTRITO FEDERAL 15 66 343% MATO GROSSO DO SUL 498 1004 102% FONTE: ALICEWEB (2007). Existem informações sobre as exportações em nível municipal. Contudo, esses dados tendem a apresentar distorções. Por exemplo, municípios nos quais se localizam refinarias ou pólos petroquímicos, apresentam valores elevadíssimos e os dados não refletem o efeito que se busca identificar. Também vale ressalvar que não foi possível usar dados de PIB estadual, pois dados estaduais só estão disponíveis até 2004 e dois anos-chave para nossa análise seriam desconsiderados. Nesse caso, decidiu-se por uma estratégia distinta. Ao invés de inserir variáveis referentes às exportações nas regressões espaciais, optou-se por cotejar os valores obtidos com as dummies10. Nos gráficos abaixo, tem-se os efeitos das dummies estaduais11 versus duas proxies do boom exportador: o nível das exportações per capita das UF em 2006 e sua taxa de crescimento entre 2003 e 2006. Foram observadas unidades federativas como o Amapá em que houve fortes elevações nas suas exportações e, de fato, apoiaram Lula maciçamente. Mas a dummy referente ao Amazonas teve efeito positivo semelhante, apesar do baixo crescimento das suas exportações. Em suma, ambos gráficos mostram que não há relação linear evidente entre as variáveis e, portanto, os efeitos das dummies estaduais não parecem estar relacionados com o boom exportador.12 10 A unidade geográfica de referência para a dummy é o estado de Roraima. Ou seja, todos os valores dos gráficos dizem respeito ao efeito estadual relativamente a este estado. Uma outra opção seria fazer o gráfico computando Roraima como a constante estimada da regressão, mas isto não alteraria a dispersão observada. 11 Isto é, o antilog-1 dos estimadores associados as dummies estaduais. Esses valores são basicamente semelhantes entre os modelos estaduais e escolheu-se a especificação IV como referência para essa seção. 12 Testou-se também a relação entre exportações estaduais e as dummies e, mais uma vez, não houve relação. [GRÁFICOS 2 E 3] Os gráficos acima nos levam a crer que os possíveis efeitos das exportações sobre a eleição de Lula não se deram ao nível dos estados. A relação se parece mais com o que foi explicado por Pessôa (2007), ou seja, as exportações geraram uma melhoria dos salários reais por meio dos impactos no nível de preços. 4.Conclusões O que determinou a reeleição à presidência do candidato Lula? Os resultados obtidos mostram que - de fato - o candidato foi mais votado nos municípios menos desenvolvidos do Brasil. A análise econométrica sugere que a votação de Lula esteve inversamente relacionada com a renda per capita do município e diretamente com a taxa mortalidade infantil, analfabetismo e desigualdade. A distância da capital do estado não se mostrou significativa em termos estatísticos. Apesar da mudança radical no padrão espacial do eleitorado de Lula, a votação recebida em 2002 nos municípios mostrou-se, com os devidos controles, relacionada com sua votação em 2006. O PBF mostrou alguma evidência de impacto positivo na eleição, porém os resultados não se mostraram robustos. Mesmo se significativo fosse, o valor do estimador seria bem menor do que o necessário para que essa fosse a variável-chave para a compreensão da eleição de Lula. Há que se questionar, portanto, as análises que atribuem a este programa a responsabilidade integral pela reeleição. Dentre os grupos de explicações apresentadas por Hunter e Power (2007), aquela que destaca os fatores econômicos é a que tem maior apoio nos dados. A queda na desigualdade e os ganhos renda dos setores mais pobres da população parecem ter sido os determinantes. Tal como o estudo do IPEA (2007) demonstrou, há uma tendência recente de queda na desigualdade da distribuição de renda e os estratos mais baixos seriam os maiores beneficiados. Boa parte desses ganhos não decorreu diretamente de políticas do primeiro governo Lula e sim de mudanças estruturais e demográficas pelo qual passa a economia brasileira. Os ganhos de renda dos mais pobres foram preservados graças a uma taxa de inflação muito baixa. Mais do que isso, mostrou-se que os preços tenderam a ser mais estáveis para produtos relacionados com os bens consumidos pelas camadas mais pobres e nas capitais dos estados menos desenvolvidos. Apesar de não haver evidências de efeitos diretos do boom exportador sobre os resultados eleitorais, esse comportamento dos preços sugere que o mecanismo sugerido por Pessôa (2007) de fato ocorreu. Ou seja, o aumento das exportações elevou os salários reais dos mais pobres, através de mecanismos cambiais. Ainda de acordo com essa explicação, ao que parece, o eleitor mediano brasileiro percebeu que o primeiro governo Lula esteve comprometido com a estabilização dos preços. Nesse cenário, os eleitores optaram por votar no candidato que lhes pareceu mais comprometido com a continuação da redistribuição. Por mais que a PBF sinalize aos recebedores esse compromisso, seria pouco crível que Lula teria um desempenho eleitoral semelhante caso a economia estivesse estagnada, com inflação alta ou concentrando renda. Nesse contexto, a recuperação e reeleição de Lula deixam de ser um enigma tão grande. Os eleitores, de fato, agradeceram com votos seus ganhos de bem-estar, no dizer de Hunter e Power (2007). Essa gratidão, contudo, não foi totalmente merecida. As mudanças estruturais, demográficas e educacionais que amenizaram a concentração de renda já estavam em curso quando Lula chegou ao poder e foram ampliadas graças a uma economia mundial em ótimo momento. É irônico que seu sucesso eleitoral seja o resultado de políticas econômicas antitéticas às promessas históricas do Partido dos Trabalhadores. Afinal, foi a política monetária conservadora e a maior integração com a economia internacional que ampliaram os ganhos dos mais pobres e permitiram a vitória nas urnas em 2006. 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Acesso em: 19 abr. 2007 Figura 1 – Percentual de votos válidos para o candidato Lula por município nos segundos turnos das eleições presidenciais de 2002 e 2006 Eleições de 2002 Eleições de 2006 Fonte: TSE (2007) Figura 2 – Clusters com I de Moran local significativos a 99 % do percentual de votos no candidato Lula nos municípios. FONTE: CÁLCULO DOS AUTORES . Gráfico 1 – Plot de Moran do percentual de votação do candidato Lula. FONTE: CÁLCULO DOS AUTORES. GRÁFICO 2 – EXPORTAÇÕES PER CAPITA EM DÓLARES AMERICANOS E EFEITO DAS DUMMIES SOBRE A VOTAÇÃO EM 2006 90% AP 80% AM 70% 60% MA 50% PE TO CE PI BA RN 40% ES RJ MG PB 30% GO AL RO 20% PRPA SE SC 10% AC MT SP RS MS 0% 0 500 1000 FONTE: CÁLCULO DOS AUTORES E ALICEWEB (2007). 1500 2000 2500 GRÁFICO 3 – TAXA DE CRESCIMENTO DAS EXPORTAÇÕES 2003-2006 E EFEITO DAS DUMMIES SOBRE A VOTAÇÃO. 90% AP 80% AM 70% 60% MA 50% PE CE RN 40% TO ES BA RJ MG PB 30% GO AL PR 20% SC 10% RS RO PA SE MT SP MS AC 0% 0% 100% 200% 300% 400% 500% 600% FONTE: CÁLCULO DOS AUTORES E ALICEWEB (2007) ANEXO Tabela A.1 - Valor das Dummies referentes a Unidades Federativas AC AL AM AP BA CE ES GO MA MG MS MT PA PB PE PI PR RJ RN RO RS SC SE SP TO I -0.015 0.052 0.465 0.461 0.228 0.246 0.239 0.156 0.301 0.225 0.011 0.037 0.102 0.180 0.243 0.239 0.070 0.308 0.181 0.052 -0.032 0.062 -0.030 -0.003 0.266 * * * * * * * * * * * * * * * NOTA: RR e TO são as referências. * significativas a 5%. II 0.068 0.217 0.518 0.597 0.334 0.345 0.336 0.239 0.411 0.310 0.035 0.070 0.158 0.298 0.371 0.332 0.165 0.331 0.328 0.148 0.053 0.123 0.128 0.073 0.350 * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * III 0.072 0.234 0.515 0.609 0.357 0.369 0.354 0.244 0.433 0.324 0.040 0.073 0.163 0.329 0.394 0.357 0.171 0.330 0.354 0.172 0.055 0.117 0.157 0.072 0.370 * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * IV 0.076 0.238 0.509 0.602 0.357 0.372 0.357 0.246 0.432 0.328 0.042 0.071 0.163 0.329 0.396 0.357 0.175 0.331 0.356 0.169 0.060 0.119 0.157 0.079 0.366 * * * * * * * * * * * * * * * * * * * *