Suprema Lex

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Suprema Lex
Suprema Lex
revista de direito canônico
número 01 • janeiro/junho • 2011
GRÃO-CHANCELER
Arcebispo Odilo Pedro, Cardial Scherer
Revista de direito canônico “Suprema Lex”. - Ano 1, n.1 (mar./ago.
2011) - 208p. - São Paulo: Instituto de Direito Canônico de São
Paulo “Pe. Dr. Giuseppe Benito Pegoraro”, 2011. v. ; 22 cm.
Semestral
ISSN 978-8500-00439-7
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Prof. Pe. Dr. Paulo Afonso Alves Sobrinho
Prof. Mons. Dr. Rubens Miraglia Zani
Sumário
Editorial................................................................................................ 7
Aspectos médicos e processuais do matrimônio rato
e não consumado
Pe. Dr. Manuel Jesús Arroba Conde................................................11
O alcoolismo e o sacramento do matrimônio
Pe. Dr. Paulo Afonso Alves Sobrinho............................................... 47
O bonum coniugum e a jurisdicidade no matrimônio canônico
Miguel Riondino................................................................................. 79
A recepção da comunidade como critério de legitimação
do ordenamento jurídico: a contribuição da história
Dr. Matteo Nacci.............................................................................. 129
O tratado “de personis” e suas “condiciones” no livro primeiro do
Codigo de 1983?
Mons. Dr. Martin Segú Girona........................................................ 153
A Igreja como intérprete da lei moral estabelecida por Deus
Dr. José de Ávila Cruz.................................................................... 197
Editorial
O que é? A Revista de Direito Canônico “Suprema Lex” é uma
revista semestral do Instituto de Direito Canônico “Pe. Dr. Giuseppe
Benito Pegoraro” de São Paulo-SP. e tem como principal objetivo,
incentivar a produção científica, divulgar os documentos mais relevantes do Magistério da Igreja, relacionados com a Doutrina Teológica, o Direito Canônico, e a vida das Instituições Eclesiais, e formar
consciência do público interessado na Ciência Jurídico-canônica e
Jurisprudencial da Igreja Católica.
Seus artigos priorizam dois aspectos complementares da divulgação da Ciência Jurídico-canônica e Jurisprudencial. Alguns serão
dedicados principalmente ao relato de novidades na área da Ciência
Jurídico-canônica e Jurisprudencial. Outros contribuirão com o Processual Canônico dos Processos Administrativos, Especiais e Penais,
assim como, com as Instruções dos Processos de competência do
Romano Pontífice. Também, haverá espaço para a História da Ciência
Canônica e Jurisprudencial e para a exploração de diversos outros
aspectos do Código de Direito Canônico.
As prioridades foram escolhidas por acreditarmos que não basta
apenas informar a população. Isto já está sendo feito por empresas
de comunicação. É necessário, também, educar e ensinar conceitos
de Ciência Canônica, colaborando para o exercício da cidadania, pois
pessoas conscientes evitarão armadilhas montadas pela ignorância e
superstição, e poderão melhor participar de debates Jurídico-canônico
importantes, além de tomar consciência dos seus direitos e deveres
na Igreja Católica. Em complementação às demais atividades do
Instituto de Direito Canônico “Pe. Dr. Giuseppe Benito Pegoraro”, o
núcleo principal do público alvo a ser atingido serão os alunos de
Teologia, do Direito Civil e Direito Canônico; os Ministros de Justiça
em geral, sejam aqueles que servem no Tribunal Eclesiástico ou em
suas “Sessões” e o povo de Deus.
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Quem somos? A Revista “Suprema Lex” deverá contar com um
Corpo Editorial, Conselho Consultivo e Colaboradores técnicos que
inclue colunistas, redatores, bibliotecária, especialistas em informática
e um ouvidor. Este último receberá avaliações, críticas e sugestões
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ASPECTOS MÉDICOS E PROCESSUAIS DO
MATRIMÔNIO RATO E NÃO CONSUMADO
6. compromisso de responsabilidade própria de direitos autorais e sessão dos mesmos para a Revista de Direito Canônico “Suprema Lex”;
7. os nomes dos autores serão publicados.
P. Manuel Jesús Arroba Conde, cmf.1
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Introdução
A abordagem dos conceitos “casal conjugal” e “não consumação”,
no matrimônio canônico, encerra um vasto conjunto de problemáticas,
muito complexas e de natureza distinta: histórica, teológica, antropológica e jurídica. A análise, como exige a impostação do presente
artigo, pode parecer mais restrita se a abordagem coloca-se em
relação às questões médicas reconhecidas como causa de uma falta
de integração sexual entre os cônjuges.
A amplitude, porém, do objeto da “medicina canônica”, que
abarca dimensões, não apenas estritamente patológicas, e também
a clara tentativa de refletir suas “prospectivas”, terminam por sugerir
uma ampliação do problema. Com efeito, quando a “não consumação” do matrimônio parece, também, ser atribuida a uma decisão
humana voluntária, tendo em vista a força comunicativa inerente à
sexualidade conjugal, não parece infundado considerar a incidência
dos fenômenos da vida psíquica numa seleção que estaria, assim, em
contraste com a experiência comum, tanto no que se relaciona com
a escolha de uma pessoa como cônjuge, como no que se refere à
compreensão e ao desenvolvimento do projeto de vida matrimonial.
É necessário, porém, estabelecer os parâmetros do presente
artigo, que sem afastar-se do horizonte interdisciplinar, não pretende
ultrapassar, mais do que for necessário, o âmbito jurídico e processual.
Será, porém, imprescindível partir do lugar que o ordenamento da Igreja
reconhece o fato da consumação na inteira sistemática matrimonial,
1
Ordinário de direito processual. Pontifícia Universidade Lateranense-Roma.
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traduzindo em categorias canônicas a realidade antropológica e teo­
lógica que subjaz ao casal conjugal. A isto dedicaremos a primeira
parte do artigo onde se colocarão as bases daquilo que achamos que
constituem a “prospectiva de fundo” que torna útil a contribuição da
medicina canônica, vale dizer, aquela que orienta o seu desabrochar
dentro das margens de uma antropologia adequada e em si mesma
convincente, onde o dado revelado se projeta como iluminação.
anúncio que veem ao centro a chamada para restabelecer a ordem
da criação, através do encontro com Cristo, que revela a Verdade
do homem e, com o dom amoroso de si, torna possível atuá-la remindo as quedas geradas pela liberdade decaida, restabelecendo a
comunicação com Deus-Amor, fonte e destino da liberdade humana,
e sustentando com a graça a resposta do homem na comunicação
amorosa com os outros homens.
Isto permitirá, na segunda parte, conseguir o conceito jurídico de
matrimônio “não consumado”, procurando estabelecer as conexões
e as diferenças com outros fenômenos relacionados à sexualidade
conjugal, diversamente disciplinados pela lei canônica. Delimitado o
conceito, chegará o momento de adentrar nas consequências jurídicas
anexas à não consumação, especialmente no processo previsto de
“dispensa”, por justa causa, do vínculo conjugal.
O fundamento da sistemática matrimonial na ordem da criação
e da graça salvífica4, impõe um aceno às dinâmicas de liberdade e
de doação comunicativa próprias do matrimônio, onde a união sexual dos cônjuges exprime a mais profunda verdade da pessoa. Aos
nossos objetivos, pois, pode bastar referir-se à labuta que representa
a relação entre o princípio da liberdade consensual, suficiente para
constituir matrimônio válido, e o princípio da doação conjugal aperfeiçoada na integração sexual, necessária para poder considerar a
união uma aliança absolutamente irrevogável, expressão madura da
união de Cristo com a Igreja. O reconhecimento teológico e jurídico
acordado à sexualidade interpessoal condividida no matrimônio, como
presuposto e, ao mesmo tempo, como via de maturação pessoal, já
fornece à medicina canônica um primeiro núcleo de prospectivas,
referentes ao ponto que nos ocupa.
1. A consumação na sistemática matrimonial
canônica
Não é este o lugar adequado para esboçar, nem sequer superficialmente, a evolução do instituto matrimonial na experiência eclesial2.
No horizonte da nossa reflexão, é suficiente evocar a modalidade
concreta pela qual progressivamente se elabora a compreensão desta
realidade humana e natural, considerada sempre tal pela Igreja, a
tal ponto que a obra da evangelização desenvolvida nesta, desde
as origens, não se ponha na ótica de contrastar ou sobrepor-se às
dimensões antropológicas e sociais que lhe são próprias, mas de
levá-las à perfeição contida no anúncio salvífico3. Aperfeiçoamento e
2
Neste ponto, entre os muitos estudos, pelo rigor e competência, remeto ao artigo
publicado por Mons, F. Salerno, Prodromi medievali del diritto matrimoniale canonico,
em P. A. Bonnet – C. Gullo (organizadores), Diritto matrimoniale canonico, LEV, Città
del Vaticano 2002, 13-94. Para uma pesquisa detalhada da evolução normativa, cf.
H. Franceschi, Riconoscimento e tutela dello “ius connubii” nel sistema matrimoniale
canonico, Giuffrè, Milano 2004. Sulla storia del diritto matrimoniale latino, cf. J. Gaudemet, Le mariage en Occident, Cerf, Paris 1987.
3
Cf. E. Schillebeekcx, El matrimônio. Realidad terrestre y misterio de salvación, Salamanca 1968.
1.1. As dinâmicas pessoais de liberdade e doação no amor
conjugal
Note-se que o conceito de pessoa, enquanto ser livre chamado à relação, está na base da antropologia cristã. A pertinência
antropológica da liberdade e da comunicação leva a considerar-lhe
categorias de fundo às quais cada discurso irá referir-se sobre o
sentido da vida nos vários níveis (individual, interpessoal, social), nas
várias esferas (éticas, jurídicas, políticas) e nas várias prospectivas
(de tipo transcendente ou imanente). Resultado de tal pressuposto é
4
Este duplo fundamento é a base do c. 1055 do CIC e, ainda mais claramente, do c.
776 do CCEO.
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o reconhecimento no homem de um vínculo de natureza participativa
que se coloca na ordem do ser e não só na do agir para remediar
as próprias indigências. Este vínculo, mesmo constitutivo, não anula
a liberdade individual, mas orienta as opções para um destino de
reciprocidade amorosa no qual exprimem-se as escolhas fundamentais da vida.
Para o argumento concreto que nos ocupa é necessário ainda
notar, mesmo que seja sinteticamente, que na prospectiva transcendente5 especificamente cristã, a Revelação enriquece de significados
as categorias de liberdade e de comunicação, a natureza ontológica
do vínculo de participação e a ventura de reciprocidade amorosa que
suporta as opções pessoais. De fato, o mistério trinitário revela Deus
mesmo como relação de amor, onde o nexo interpessoal é, antes de
tudo, “intrapessoal”, para o que é redutivo pensar o relacionamento
pessoa-relação esquecendo que a pessoa já é relação. As dimensões intrapessoal e interpessoal em Deus revelam-se também na sua
obra criadora, que não recai sobre o individuo isolado mas sobre o
homem e a mulher 6, formas da única criatura feita “à sua imagem”
por amor, com igual dignidade e, porque partícipe da dignidade e
da natureza do Criador, capazes de entrar em relação com Ele e
chamados a corresponder ao seu amor numa comunicação livre e
fecunda entre eles pela inteligência e pelo amor.
Outros âmbitos de relação, mesmo que necessários no caminho
da personalização, são fases limitadas das que libertar-se (abandonará
o homem o pai e a mãe) para um maduro, livre e enriquecedor dom
de si ao próximo, única resposta verificável do amor para com Deus7,
5
A prospectiva histórica e imanente desenvolveu-se em sentido negativo até atingir,
na sociedade pós-moderna, à assim chamada “disseminação de sentido”, sem lugar
para categorias transcendentais nem vínculos ontológicos que expliquem as relações
interperssoais; cf. L. Alici, La reciprocità mancata: il noi come origine e come compito,
em F. D’Agostino – F. Macioce (organizadores), Il destino dell’Europa, Cantagalli, Siena
2006, 82 ss.
6
Cf. João Paulo II, Uomo e donna lo creò. Catechesi sull’amore umano, Roma 1985.
7
Jesus uniu o amor a Deus (Lv 19, 18; Dt 6, 5) e o amor ao próximo (Mt 22, 37, 40),
para o qual não há amor a Deus sem amor ao irmão, o único que se vê (1 Jo. 4, 20).
que pode ser cumprida em várias modalidades. Entre estas, a doação
conjugal, onde homem e mulher tornam-se “uma só carne”, coloca-se
à procura da verdade mais profunda da pessoa, enquanto essencialmente constituida em sentido masculino e feminino8 e enquanto
profundamente envolvida em aliança de amor com o Criador 9. Por
isso, a ’união sexual, onde num e noutro aparecem fragmentos, fortemente atraidos, que se encontram na sua integralidade10, é forma
sublime de plenitude e de dignidade que atinge a pessoa que expande
a riqueza da sua liberdade inteligente numa comunicação de amor:
“o amor entre homem e mulher, no qual corpo e alma concorrem
inseparavelmente e no ser humano se entreabre uma promessa de
felicidade que parece irresistível, emergindo como arquétipo de amor
por excelência” (Deus Caritas est, 2).
Estas chaves, mesmo que excessivamente sintéticas, permitem
mostrar o ponto de partida ao qual se refere, no âmbito do casal
conjugal, o vínculo que se realiza entre vontade de doação no ’amor
esponsal e integração sexual efetiva entre os cônjuges na sistemática
matrimonial. Deve-se completar o discurso com um breve aceno às
duas questões antropológicas sobre a sexualidade e sobre o matrimônio que ajudam a explicar o especifico destaque jurídico reconhecido
pelo livre consentimento e pela consumação.
O dimorfismo sexual, constitutivo do ser pessoal11, não reduz
pela só esfera dos instintos, a natural inclinação à integração com
8
A unidade estruturada bissexual espelha em modo mais intenso a condição de “imagem
de Deus” da pessoa humana, cf. M. Flick – Z. Alzeghi, Fondamenti di una antropologia
teologica, Firenze, 1970, 105; E. López Azpitarte, Sexualidad y Matrimônio hoy, Sal
Terrae, Santander 1975, 36-47.
9
Sobretudo os profetas desenvolveram o simbolismo do casal conjugal a respeito da
aliança de Deus para com o seu povo, cf. P. Grelot, La coppia umana nella Sacra
Scrittura, Milano, 1968, 50 ss.
10
11
Cf. P. A. Bonnet, Essenza, proprietà essenziali, fini e sacramentalità, em P. A. Bonnet
– C. Gullo (organizadores), Diritto matrimoniale canonico I, LEV, Città del Vaticano
2002, 98.
“A sexualidade não é uma coisa qualquer que o homem “tem também,” …, mas um
modo de fundo em que ela “está” em tudo …, (nas) suas relações existenciais”, U.
Ranke – Heinemann, La condizione sessuale fondamentale dell’uomo, em AA.VV.,
Chiesa, uomo e società, Brescia 1970, 32.
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o outro sexo comum com outros seres12, para remediar os limites
do próprio genero13. A sexualidade humana transcende a esfera bio-psíquica14; é dimensão personalizante porque estruturada também
pela necessária intervenção pessoal para modelar-se15, resultando
na expressão de liberdade que, no encontro, comunica-se para reencontrar plenitude16. Liberdade e comunicação estão orientadas pelo
significado imanente da sexualidade enquanto confiada ao síngulo
para o bem do Homem17; tal significado é dado pela reciprocidade
12
13
O excessivo paralelismo entre o instinto sexual humano e animal tem sido favorecido
pela definição de Ulpiano de lei natural (“ius naturale est quod natura omnia animalia
docuit”, Corpus Iuris Civilis, Ins., I, 2, II), excedendo o significado reprodutivo do sexo;
mas “a índole sexual do homem e a sua faculdade generativa superam … quanto está
nos níveis inferiores de vida” (GS, 51).
Malgrado os esforços para interpretá-lo em modo integral, o conceito “remedium
concupiscentiae” é inadequado para formular um dos fins do matrimônio, cf. E. López
Azpitarte, o.c. (not. 7), 281.
14
As ciências naturais chamam a atenção para comportamentos sexuais animais não
reduziveis ao dado biológico e reprodutivo, com analogia ao psiquismo humano (cf.
R. Chauvin, Conductas sexuales del animal, en AA.VV., Estudios sobre la sexualidad
humana, Madrid 1967, 35). As ciências humanas mostram a pluralidade de fatores
(espirituais, sociais, culturais) inerentes à sexuaidade (cf. R. Soublon, Masculinité e
femminité, em Revue de Droit Canonique, 24, 1974, 177-201; H. Schelsky, Il sesso e
la società, Milano 1970, 17 ss.). o magistério valoriza estas reflexões, ensinando que a
sexualidade “não é de fato qualquer coisa de puramente biológico mas relaciona-se ao
núcleo íntimo da pessoa” (cf. João Paulo II, Familiaris Consortio, 11) e que “concerne
à afetividade, a capacidade de amar e de procriar e, mais em geral, a atitude para
entrelaçar relações de comunhão com os outros” (Catecismo, 2332).
funcional, que é completante e potencialmente fecunda18. Por isso,
a cópula interpessoal é “parâmetro integral, ainda que não seja
exclusivo da sexualidade”19 e é expressão totalmente singular da
inclinação, profundamente radicada na pessoa, mas modulada no
horizonte da sua liberdade inteligente, pela comunicação amorosa
e integral de si.
Dos referidos valores humanizantes da sexualidade, iluminados
pela Revelação20, compreende-se que a essência do matrimônio21
este sentido evoca um fundamento, não nas indigências individuais mas na “radical
generosidade inscrita no próprio ser da pessoa”, J. Maritain, I diritti dell’uomo e la
legge naturale, Milano, 1977, 7.
As ciências humanas iluminam “a sexualidade e o amor humano, mas cegar-se-iam
se esquecessem (que) … a dualidade dos sexos foi querida por Deus para que conjuntamente o homem e a mulher sejam imagem de Deus e, como Ele, fonte de vida”,
Paulo VI, Allocutio alle Equipe di Notre Dame, 4.5.1970, em P. Barberi – D. Tettamanzi,
Matrimônio e famiglia nel magistero della Chiesa. I documenti dal concilio di Firenze a
Giovanni Paolo II, Milano 1986, 287-288.
18
P. A. Bonnet, L’impedimento de impotenza, em P. A. Bonnet – C. Gullo (organizadores),
Diritto matrimoniale canonico I, LEV, Città del Vaticano 2002, 428.
19
20
A intervenção pessoal, mesmo na base da estrutura biológica em um dado gênero,
enonctrar-se-á nos processos de identificação e diferenciação sexual e nisso reside a
principal diferença que acontece com o instinto animal, cf. P. A. Bonnet, Essenza …
(cit. not. 9), 102 e 119.
15
16
17
Esta visão natural da sexualidade está em conformidade com a revelação que a
descobre como uma realidade positiva (obra de Deus) e totalizante (no amadurecer
da personalidade fisica, moral e na semelhança com Deus) que se atua no encontro
pessoal (GS 49); a relação sexual humana é totalmente diferente da animal, porque não
regida somente pela necessidade nem versado pela inata disposição a comportamentos
adaptativos; o surgimento da necessidade não tem períodos estáveis porque unida à
emotividade é susceptível de desassociar o prazer, tornando-o fim do encontro sexual,
colocado assim no mundo do espírito, capaz de colocar-se a pergunta do significado
ou de resultar insignificante, cf. G. Zuanazzi, Psicologia e psichiatria nelle cause matrimoniali canoniche, Città del Vaticano, 2006, 196.
Em relação à liberdade, o sentido imanente à sexualidade coloca-a em relação com o
bem da humanidade reconhecendo-lhe uma orientação “anterior à decisão da liberdade”,
J. De Finance, La nozione di legge naturale, Milano, 1979, 20. Para a comunicação,
21
O Antigo Testamento libera das visões míticas a realidade bisexuada, não a projetando
à realidade divina (como as culturas pagãs de então) e relacionando a sua sacralidade
apernas ao querer do Criador, seja na dimensão unitiva (da antiga fonte javista, Gen
2, 18-24) seja na procriadora (da tardia fonte sacerdotal, Gen 1, 26-28), cf. E. López
Azpitarte, o.c. (not 7), 66-68. a relação conjugal descreve-se com imagens de sustentação (Sir 36, 22-25) análogas àquelas que descrevem a ajuda de Deus ao homem
(especialmente nos salmos), e a relação sexual entre os esposos manifesta-se com
o termo “conhecer”, evocando uma relação de aliança íntima e fiel, como deveria ser
aquela entre Deus e um povo que, se infiel, é porque não conseguiu “conhecê-lo”,
emquanto Deus, que só por amor escolheu Israel (Deut 7, 7-9), permanece sempre fiel
cf. E. Schillebeeckx, o.c. (not. 2), 82 ss. Projeta-se assim, mesmo com hesitações, um
modêlo de matrimônio monogâmico, cf. L. Musselli, Il matrimônio nel diritto canonico.
Profili generali e processuali, em C. Barbieri – A. Luzzago – L. Musselli, Psicopatologia
forense e matrimônio canonico, Città del Vaticano, 2005, 9. A firmeza da união conjugal
não é comprometida pela esterilidade (1 Sam 1, 8) e, na mente de Jesus, que evoca
o como foi no início (Mt 19, 4-6), explica que Moisés consentiu ao homem de repudiar
a mulher pela sua “dureza de coração” O Novo Testamento coloca no mesmo plano
o amor fiel entre marido e mulher (1 Cor 7, 10-11) e reporta-o ao amor de Cristo pela
Igreja (Ef 5, 25).
Para uma convincente delimitação do conceito de “essência” do matrimônio, tanto
“in fieri” como “in facto esse” relacionado às “propriedades essenciais” (nas duas
prospectivas) e aos “fins” envio às ótimas reflexões do prof. P. A. Bonnet, Essenza …
(cit. not. 9), 105-127, onde retoma organicamente outros estudos precedentes (cf. Os
citados pelo autor nas notas 7, 122, 144, 147 e 148).
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é a doação recíproca de um homem e de uma mulher 22, que
só a ’inalienável liberdade, traduzida na vontade de oferecer-se
integralmente, quais seres sexuados23, pode dar lugar ao estado
de vida conjugal24, e que apenas a efetiva comunicação interpessoal sexualmente expressa torna o pacto matrimonial símbolo
indefectível. 25 Ao mesmo tempo, enquanto a experiência conjugal
da sexualidade é um bem para a Humanidade, compreende-se
que a única condição humana orientada à potencial fecundidade,
compatível com a esterilidade é o único radical fundamento para
modelar o “ius connubii” 26.
1.2. A centralidade do consentimento válido para a
constituição do matrimônio
monogâmico, estabelecendo que o matrimônio surge do consentimento
dos dois esposos, e não da cópula carnal: “nuptias non concubitus
sed consensus facit”27.
A Igreja logo amadureceu a própria visão da dimensão transcendente do matrimônio28, progressivamente colocada em reconhecer a índole sacramental29. Adequou-se jurídicamente ao direito
romano ou aquele que obrigasse os cônjuges, a não ser que fosse
incompatível com a mensagem evangélica (direito divino)30. Os problemas, logo chamados em causa, apoiaram-se na evangelização
da realidade matrimonial o primado do amor entre os esposos31, a
Digesta 35, 1, 15 e 50, 17, 30; cf. O. Robleda, El matrimônio en derecho romano, Roma 1970.
27
No matrimônio existe uma dimensão transcendente para a trascendência do amor
humano; a sua “sacralidade” está presente em muitas civilizações (cf. G. Van der
Leeuw, Sacramentales Deuken, Kassel, 1959, 152) como o era em Israel (cf. E. López
Azpitarte, o.c. (not. 7), 288), sendo anacrônico achá-lo totalmente profano (cf. P. A.
Bonnet, Essenza… (cit. not. 9), 129) até ao comparecimento de cosmovisões radicalmente secularistas. A benção nupcial na Igreja primitiva é o início disto que significa
“esposar-se no Senhor” (cf. Santo Inácio de Antioquia, Ad Polycarpum, 5, 2 em PG,
5, 724), conceito recorrente na patrística (cf. K. Ritzer, Le marriage dans les Eglises
chrétieens. Du I au XI siècle, Paris 1970), desenvolvido por Santo Agostinho (cf. De
Civitate Dei XIV, 22, em PL 41, 429-430; De bono coniugali III, 3, em PL 40, 375) na
sua teoria dos fins e dos bens.
28
É o Direito Romano, desde a idade republicana e imperial, a
consolidar, de um ponto de vista jurídico, o modelo de matrimônio
22
23
Porque bipolar e complementar, a sexualidade no matrimônio é capaz “de sintonizar
perfeita e reciprocamente entre si um homem e uma mulher fazendo mutuamente de
cada um deles um ‘tu’ proprio pessoal, assim para permitir a um e a outra de viver o
próprio ‘sou’ na dimensão unitária mas inconfundida do ‘nós’”, cf. P. A. Bonnet, Essenza
… (cit. not. 9), 108.
Definida só pelo Concílio de Trento (s. XVI), devido ao atraso da teologia dos sacramentos (o conceito que une “sinal” e “eficácia” é do séc. XII, cf. J. M. Castillo,
Simbolos de Libertad, Salamanca 1981), devido à urgência de outros desafios (como
a admissão dos escravos ao “matrimônio de consciência”), e para a dificuldade de
considerar veículo de graça (para todos, cf. Graziano, Decretum, 1, c. 101) uma realidade includente o exercício da sexualidade, em um contexto sócio-cultural e religioso
longe de colher os seus valores positivos; decisiva foi a doutrina de Santo Tomás
de Aquino para reconhecer no matrimônio a comunicação de graça específica (cf. P.
Delhaye, Fijación dogmática de la teología medieval. Sacramentum, vinculum, ratum
et consummatum, em Concilium 55, 1970, 243 ss.). Sobre este ponto, cf. Commissio
theologica internationalis, Theses de doctrina matrimonii cristiani, 4, 4 em Enchiridion
Vaticanum VI, 505; Matrimoniii cristiani sacramentalitatis, em Ib., 505.
29
“Quando o eu encontra no matrimônio o fragmento faltante de si mesmo no próprio
pessoal “tu” sente-se às vezes incapaz de viver o proprio “sou” na angústia sufocante
do próprio ser e por isso se esforça em transmitir a própria especificidade sexual no
outro para vivê-la … integral e intensamente naquela bem diferente, mas bem completante do outro”, Ib. 117.
“A íntima comunhão de vida e de amor conjugal … estabelece-se … pelo irrevogávbel
consentimento pessoal …; esta íntima união, enquanto mútua doação de duas pessoas,
como também o bem dos filhos, exigem a total fidelidade dos cônjuges que evocam
a indissoluvel unidade” (GS 48).
24
O símbolo sacramental da união entre Cristo e a Igreja, na reflexão teológica, teve-se
como perfeito no consentimento apenas como condição de possibilidade, enquanto
para a sua plenitude logo se considerou necessária a efetiva união dos corpos e não
faltaram tentativas de atribuir simbologia diferente aos matrimônios não consumados, cf.
T. Rincón Perez, Indisolubilidad y Consumaciòn en los siglos IX-XIII, in Ius Canonicum
11, 1971, 119 ss.
25
26
Isto explica a rápida influência do cristianismo na concessão do matrimônio também
aos escravos, antes preclusa, cf. L. Musselli, o.c. (not. 19), 10. Sobre o fundamento
intrínsecamente heteroxessual do ius connubii, orientado à constituíção da família, cf.
H. Franceschi, o.c. (not. 1), 392 ss.
Antes de estabelecer (após longo processo) uma sistemática jurídica própria, a ação
da Igreja é colegiada no auge, na decadência e no despertar do direito romano com
relação ao direito germânico, para o que é árduo estabelecer o núcleo original da sua
disciplina normativa, cf. F. Salerno, o. c. (not. 1), 16.
30
31
Em Ef 5, 21-31 Paulo trata do matrimônio no âmbito da “nova vida em Cristo”; o amor
entre os esposos (complementar e recíproco), qual sinal da nova aliança e do amor
de Cristo para a Igreja, deve (em sentido normativo) ter o primado, cf. M. Zerwick,
Lettera agli Efesini, Roma, 1965; H. Schlier, La lettera agli Efesini, Brescia, 1973.
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20
indissolubilidade intrínseca do vínculo32 e as exigências superiores
da fé33.
Nos confrontos das regulamentações jurídicas do matrimônio,
estas referências criaram uma firmeza básica sobre a igualdade
entre homem e mulher na dinâmica constitutiva do casal conjugal,
jamais radicalmente atacada, mesmo com as oscilações lógicas
inerentes à encarnação da mensagem evangélica na história34.
Consequência principal desta firmeza é o reconhecimento dado
pelo livre e recíproco consentimento qual única causa eficiente do
matrimônio, subordinando outros aspectos privilegiados em algumas
legislações, que pressupõem ficar incompreensível a consideração
paritaria dos esposos e, por consequência, o relevo exclusivo que
compete ao amor recíproco na vontade de constituir o estado de
vida conjugal35. Sobre o matrimônio, esta foi de imediato a tábua
que levou a ação da Igreja.
Além de formulá-lo em termos jurídicos e em normas próprias , a Igreja manteve este princípio de fundo. Assim, no tocante
aos impedimentos e à forma, a centralidade do consentimento para
constituir matrimônio válido coleta-se do fundamento diferente e
na sua proteção jurídica. A necessidade do livre consentimento é
36
32
intrínseca à essência do matrimônio37, tanto que nenhum poder
humano pode supri-lo38. Não pode sequer revogá-lo, e isto é mais
atinente ao nosso tema. De fato, fruto precoce do aperfeiçoamento
evangélico, incidente também no matrimônio jurídicamente modelado
pelo consentimento, qual momento constitutivo, é a insignificância
atribuida ao desparecer, se livremente prestado.39. A fidelidade e
a indissolubilidade intrínseca do matrimônio são frutos do próprio
consentimentos adquirindo pela natureza sacramental das núpcias
firmeza peculiar40. A necessidade do consentimento, estando em jogo
a opção do próprio estado de vida, é prova da defesa do valor de
liberdade (c. 209) que, juntamente com a comunicação, fundamenta
a visão persoalista da antropologia cristã.
O consentimento, além de necessário, é suficiente para dar
vida ao vínculo conjugal, mesmo se isto tenha sido o resultato de
um caminho mais angustiado na história. Esta suficiência, codificada
37
Em linhas gerais pode-se afirmar que os impedimentos e a forma, com os quais o
ordenamento regula a habilidade jurídica para prestar e manifestar o consentimento,
respondem à exigência do próprio ordenamento, de por si extrínsecas ou apenas
indiretamente ligadas aos valores do vínculo conjugal; estes ao invés não poderiam
surgir sem a capacidade e vontade de obrigar-se, única exigência intrínseca.
38
Em 1 Cor 7, 10-11 Paulo retoma a proibição de repúdio de Mt 5, 32 e 19, 9; nas
várias interpretações da exceção em caso de “porneia”, cf. G. Cereti, Matrimônio e
indissolubiltà, Bologna 1971.
33
Na 1 Cor 7, 12 (Privilégio Paulino) desenvolve-se a “dissolubilidade extrínseca” para
salvar a fé, cf. P. Huizing, El derecho canónico y la disolución del matrimônio, em
Concilium 87, 1973, 9-19.
34
35
Em 1 Cor 7, 3-4 Paulo raciocina em termos de igualdade; sobre a inculturação deste
valor, cf. A. Fumagalli, Il Matrimônio come bene interpersonale, em Aggiornamenti
sociali 12, 2005, 790-792.
Principais contrastes com o ideal cristão são a prevalência do dote ou dos interesses
familiares ao estipular as núpcias, a visão machista do pátrio poder, o divórcio (verdadeiro rasgão no direito hebraico) e a irrelevante autonomia da mulher, incompreensível
para o direito germânico que vê na cópula o momento constitutivo do matrimônio, cf.
L. Musselli, o.c. (not. 19), 10-11.
36
39
A disciplina estritamente jurídica da Igreja, formando-se na Idade Média, é precedida
por longa experiência de jurísdição, primeiramente para os fiéis (Episcopalis Audientia)
depois para os súditos do império, sendo a Igreja, para várias regiões, a única autoridade publica, no ocidente, a poder-se ocupar.
40
A forma, ainda que possa ser suprimida, em qualquer um dos elementos, é dispensável, assim como os impedimentos estabelecidos pelo direito positivo. Entre os não
dispensáveis, só a impotência coeundi está ligada à essência do matrimônio; não faltam
porém opiniões que reportam a incidência da impotência ao âmbito do consentimento,
em caso de dolo ou erro, julgando-a sem influência se aceita pelos cônjuges, cf. P.
Bellini, Nuova nozione de impotenza dell’uomo, em Quaderni romani di diritto canonico,
Roma, 1978, 90 ss.
A indissolubilidade intrínseca é a impossibilidade de dissolver a união válida sem que
intervenha um poder público ou sem uma forma legitimamente reconhecida. A revogação do consentimento, seja por parte do homem que da mulher, explica a legitimidade
do divórcio no direito romano, com a só entrega do libelo de repúdio cf. R. Orestano,
La struttura giuridica del matrimônio romano dal diritto classico al diritto giustinianeo,
Milano 1951.
Cf. GS, 48; só pelo matrimônio entre batizados afirma-se a sacramentalidade, dúbia
se apenas um dos côniuges é batizado (cf. Communicationes 9, 1977, 129). Julgar
“natural” a obrigação de fidelidade, derivante da propriedade essencial da unidade,
contrasta com as formas, mesmo residuais, de matrimônio poligâmico; mais frequente,
na doutrina também clássica, considerou-se que só a razão natural não demonstra que
o matrimônio seja absolutamente indissolúvel; sobre os representantes deste penamento,
cf. U. Navarrete, Indissolubilitas matrimonii rati et consumati. Opiniones recentiores et
observationes, em De matrimônio coniectanea, Roma, 1970, 464 ss.
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22
em termos semelhantes ao direito romano (c. 1057 par. 1) 41, encontra
explicação se considerado como ato de vontade de doação recíproca
e irrevogável das próprias pessoas dos cônjuges (c. 1057 par. 2),
e nos conteúdos do pacto conjugal como “consortium totius vitae”
ordenado ao bem dos cônjuges e à geração e educação da prole
(c. 1055). A dimensão de liberdade é assim colocada em estreito
liame com a dimensão de relação própria da vida conjugal, dando
uma face concreta de resposta à vocação e destino de participação
no amor de Deus, através da vontade de amá-lo concretamente no
próximo escolhido como cônjuge e enquanto este cônjuge.
Compreende-se, portanto, que o consentimento seja suficiente para criar o vínculo enquanto, símile ato de vontade amorosa,
inclui necessária e principalmente a recíproca doação da própria
sexualidade na riqueza e complexidade de aspectos antes mostrados para referir-se a esta dimensão profunda da pessoa42. Neste
sentido, comprende-se igualmente a maior exatidão de definir o
consentimento como “ato pessoal e interpessoal”43, porque a pessoa não é, só alma, nem só corpo, mas relação 44, e seria errado
realizar uma espécie de exaltação do pensamento e da vontade,
desconhecendo a função da afetividade 45. Compreende-se enfim,
como o magistério constantemente ensina que, para o seu valor
humanizante, a sexualidade entre homem e mulher se exprime in-
tegralmente somente se inserida no consentimento, isto é no ato de
amor com o qual ambos “se comprometem totalmente até a morte
um com o outro; a doação fisica total seria mentira se não fosse
fruto da doação pessoal total”46.
Não há contradição real entre o dado legislativo, que define
o consentimento como ato de vontade, e a sua consideração mais
exata como ato de doação, fruto do amor47, não reduzido à mera
dimensão psicológica, onde por amor se entende o sentimento ou
enamoramento e onde o outro não é visto na totalidade disto, mas,
na parcialidade de alguns estímulos48. Em sentido antropologicamente
mais elevado49, com independência dos motivos que o fazem surgir,
o amor é vontade de amar, decisão consciente de doar-se para
encontrar-se50, de envolver-se totalmente, espiritual e corporalmente,
na realização do outro. Neste sentido, o ato de amor consensual é
uma escolha voluntária de uma pessoa para entender, em comunicação recíproca e complementar, a riqueza do eros e do ágape, sem
rupturas entre eles que tornariam uma e outra dimensão inadequadas
para a constitução do estado de vida conjugal51.
João Paulo II, Familiars consortio, 11.
46
Não dizer “non amor sed consensus facit matrimonium” (cf. Por ex. M. F. Pompedda, o
c. 1095 n. 1-2 nell’economia della disciplina del matrimônio, em P. A. Bonet – C. Gullo
(organizadores), Diritto matrimoniale canonico II, Città del Vaticano, 2003, 20) não se
distingue bem entre momento constitutivo (onde o amor não pode faltar) e o estado
conjugal onde pode faltar, dependendo da sua atuação pela liberdade dos cônjuges),
cf. P. A. Bonet, Essenza … (cit. not. 9), 113
47
“Matrimonium facit partis consensus”, c. 1057, § 1, idêntico ao Código anterior c. 1081
§. 1.
41
42
Também o código anterior, mesmo que em modo redutivo, incluia a doação sexual
como objeto do consentimento (ius in corpus perpetuum et exclusivum in ordine ad
actus per se aptos ad prolis generationem, c. 1081 § 2) e como fim secundário do
matrimônio (c. 1013 §. 1).
49
Cf. J. M. Serrano Ruiz, El consentimiento matrimonial canónico: cuestiones de dogmática jurídica general y especificidad del matrimônio, em Actas del primer congreso
latinoamericano de derecho canónico, Valparaíso, 1994, 567-589.
50
48
43
A unidade alma e corpo (na unidade da condição masculina e feminina) envia à dimensão intrapessoal do conceito de pessoa como ser relacional, cf. L. Alici, o.c. (not. 4),
87; para uma interessante reflexão sobre a corporeidade, cf. G. Zuanazzi, Psicologia
… (cit. not. 15), 37-40.
44
Do mundo afetivo ascende-se para o mundo dos juízos de valor (pensamento) onde
se decide a existência conscientemente (vontade), cf. Ph. Lersch, Aufbau der Person,
Munchen, 1966, 265.
45
51
Neste sentido “o sentimento pode ser uma maravilhosa faisca mas não é a totalidade
do amor ”, Benedito XVI, Deus Caritas est, 17; cf. Ph. Lersch, o.c. (not. 44), 264-265.
Para a diferença entre o enamorar-se e o amor, as teorias psicológicas nesta matéria,
e a insuficiência da aproximação apenas psicologica, cf. G. Zuanazzi, Psicologia …
(cit. not. 15), 95-99.
Na própria psicanálise afirma-se o caráter ativo e não passivo do sentimento do amor,
caracterizado mais pelo dar do que pelo receber, explicando o desejo sexual como
manifestação da necessidade de amar, e subvertendo a idéia freudiana onde o amor
se entende como sublimação do instinto sexual, cf. E. From, L’arte di amare, Milano,
1968, 33, 36 e 49.
Cf. J. Noriega, La cintilla del sentimento e la totalità dell’amore, em L. Melina – C. A.
Anderson (organizadores), La via dell’amore: riflessioni sull’enciclica Deus Caritas est,
Città del Vaticano, 2006, 239.
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Em definitivo, como autoritariamente advertido, “à base de um
estado de vida, constituido pela relação conjugal, deve ser um ato que
reciprocamente saiba transformar, inventar, plasmar o outro em um tu”,
uma escolha que permite superar “a original estranheza pessoal recíproca dos nubentes com o dom mútuo de si próprios enquanto seres
sexuados”52; trata-se de um ato de amor “que quer tornar-se corpo”53
onde a sexualidade, na respectiva funcionalidade masculina e feminina,
está presente para permitir o encontro e o diálogo mais integral e radical
que se possa hipotizar, vale dizer, o dom não de uma coisa qualquer
mas daquilo que se é54. não é portanto arriscado pensar que, se o
consentimento é causa suficiente do vínculo, o é porque inclui a recíproca doação da sexualidade, dimensão profunda da pessoa chamada
à comunicação total e integral de si. Enquanto escolha, o consentimento
sozinho já é um ato “idôneo para trasformar a dialogalidade sexual, antes
pessoalmente indeterminada, numa polarização peculiar entre um certo
homem e uma certa mulher”55. Enquanto compromisso recíproco para
constituir a “complementariedade entre masculinidade e feminilidade”,
o consentimento é “ato de vontade de assumir a obrigação de justiça
para realizar aqueles atos e aqueles comportamentos futuros que a
realização dos fins objetivos do matrimônio exige”56
1.3. A necessidade da consumação para a absoluta
indissolubilidade
Inserido o consentimento, na riqueza e especificidade de conteúdos que se procurou mostrar, surge o vínculo conjugal, intrínsecamente
indissolúvel, isto é não mais revogável por parte dos contraentes. A
doação recíproca sozinha da sexualidade porém, estipulada no consentimento, não possui ainda a plenitude própria da opção conjugal,
de modo a responder à vocação divina, vivendo a comunicação do
amor personalizante tramite a complementariedade sexual polarizada
no próximo bem concreto que é o cônjuge. Esta plenitude só deriva
do efetivo encontro carnal que, enquanto tal, tem a capacidade de
manifestar integralmente o dom da própria pessoa através da aceitação
do outro e, consequentemente possui todas as potencialidades para
que seja um ato verdadeiramente pessoal e interpessoal, mutuamente
plasmante, pela profundidade, as pessoas dos cônjuges57. Por idêntica razão, só a efetiva comunicação da sexualidade conjugal mostra
plenamente o caráter simbólico do matrimônio, qual sinal indefectível,
da união de Cristo e da Igreja, na comunhão espiritual entre os esposos58. A diferente plenitude inerente à doação integral da sexualidade, no momento consensual e no efetivo encontro carnal entre os
esposos, está na origem de um angustioso caminho na conformação
da sistemática matrimonial da Igreja, alcançada fatigosamente por
uma síntese conciliativa entre os sustentdores da teoria consensual
(escola de Paris) e a teoria da cópula (escola de Bolonha), posições
contrastantes a respeito do momento constitutivo do matrimônio59. A
síntese é obra do papa Alexandre III, jurísta de formação bolonhesa que, aceitando os postulados da escola parisiense, introduz um
princípio, que está na base do conceito da indissolubilidade absoluta,
Cf. P. A. Bonet, L’impedimento di impotenza … (cit. not.18 ), 437.
57
58
P. A. Bonet, Essenza … (cit. not. 9), 109.
52
53
G. Zuanazzi, Psicologia … (cit. not. 15), 101.
O âmbito do encontro é constitutivo de uma abordagem personalista na medicina canônica, para compreender não só quem é a pessoa mas quem possa ser no encontro
com os outros, cf. C. Barbieri, Personalità e diritto canonico, em C. Barbieri – A. Luzzago – L. Musselli, Psicopatologia forense e matrimônio canonico, Città del Vaticano,
2005, 66-69.
54
55
P. A. Bonet, Essenza… (cit. not. 9), 113.
P. J. Viladrich, Il consenso matrimoniale, Milano, 2001, 32.
56
59
“Na intimidade corporal o matrimônio torna-se um sinal e um penhor da comunhão
espiritual entre os esposos; entre batizados os liames… são santificados pelo sacramento”, Catechismo, 2360.
Não é agora o caso de deter-nos detalhadamente nos representantes de uma e de
outra escola nem nas determinadas e articuladas razões das respectivas pesquisas,
inicialmente ancoradas em diversas tradições litúrgicas nupciais (a “velatio”, que simboliza
a comunhão espiritual e, portanto o consentimento, e a “benedictio in thalamo”, que
requer a comunhão sexual e, portanto a cópula), depois condicionadas pela carência
de conceitos unívocos (a condição de esposo e cônjuge, de esponsais e núpcias ,
de consentimento “de praesente” e “de futuro”, de matrimônio “ratum” e “initiatum”);
sobre tudo isso cf. J. L. López Zarzuelo, El proceso canónico de matrimônio rato y no
consumado, Valladolid, 1991, 3-74.
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reservado apenas aos matrimônios consumados, afirmando portanto
que, antes da consumação, o vínculo conjugal, mesmo perfeitamente
constituído pelo consentimento entre os cônjuges, pode ser dissolvido
pela autoridade da Igreja 60.
O consentimento dos esposos, consequentemente, já produz
um vínculo conjugal intrínseco mas relativamente indissolúvel, isto é
susceptível ainda, até à consumação, de dissolução extrínseca. O
concílio de Trento, enfrentando os desafios da Reforma protestante,
definiu a sacramentalidade do matrimônio e afirmou que a Igreja não
erra na extensão e nos limites do seu poder sobre o matrimônio61.
Símile doutrina, autorizadamente reforçada também recentemente ,
comporta uma perene consciência, por parte da Igreja , de não ter
poder de dissolver o vínculo surgido de um matrimônio rato e consumado62, ao invés tê-la se um ou outro elemento não subsiste63.
Na base disto se colocam as razões de natureza antropológica,
inerentes à dinâmica existencial do casal conjugal e, com evidência
diferente, não sem fundamento, as razões teológicas iluminando o
dado antropológico.
Numa prospectiva antropológica, referente às categorias de liberdade e de relação até aqui constantemente requeridas, a extrínseca
solubilidade do matrimônio não ainda consumado, é consequência
da modalidade com que a falta de consumação frustra a plena recíproca oblatividade, isto é, privando de toda possibilidade expres60
61
Corrige-se assim o conceito de Graciano sobre o “coniugium ratum”, afirmado só do
coniugium “inter copulatos” (C. XXVII, q. 2, d. p. c. 34), mas corrige a idéia de absoluta
indissolubilidade atribuida a Pedro Lombardo ao consentimento “de praesenti” (Libri IV
Sententiarum, D. XXVII, c. 4). Sobre as decretais que resolvem uma e outra questão,
cf. J. L. López Zarzuelo, o.c. (not. 59), 16-20.
siva a totalidade do compromisso com relaçao ao cônjuge, mesmo
se assumido plenamente e com liberdade. A dimensão oblativa do
compromisso pode ser frustrada de outros modos e momentos na
dinâmica do casal, se isto não tiver efeitos análogos deve-se à força
comunicativa da sexualidade humana64, que torna do todo especial
esta forma precisa de frustração, assim como é “de todo particular”
o modo em que o amor conjugal “se expressa e se desenvolve…
pelo exercício dos atos … com que os cônjuges se unem em casta
intimidade” por isso estes atos, ainda que necessários para a geração
dos filhos, “favorecem a mútua doação … e enriquecem em alegre
gratidão os esposos ” (GS 49). uma decisão livre, projetada à total
comunicação de si, assim, na existência do casal não radicalmente
expressa, é possível teoricamente65, mas comporta uma distorção
objetiva da dinâmica do encontro interpessoal que, na reciprocidade
masculina e feminina, se realiza de modo integral, mediante a união
física, mesmo que não exclusivo.66.
Do ponto de vista teológico, a dissolubilidade extrínseca do
matrimônio não consumado se relaciona com o valor simbólico da
aliança conjugal. Como realidade natural, a dimensão transcendente
dos valores de liberdade e comunicação fecunda induz a reconhecer
no matrimônio um “ícone da Trindade”, idéia presente na patrística,
aplicada sobretudo à vida familiar 67. Como realidade sacramental,
o símbolo refere-se ao amor de Cristo para a Igreja, perfeitamente
significado, segundo a doutrina mais tradicional68, na união corporal
e espiritual, por isso a falta de união carnal priva a união cônjugal de
64
Não foi totalmente pacífico que um casamento virginal, como aquele de Maria e José,
possa qualificar-se como verdadeiro matrimônio, cf. P. A. Bonet, Essenza … (cit. not.
9), 132.
Na redação do cânon 7 no concílio de Trento, não só sobre seu estreito liame com as
teses luteranas e com a práxis das Igrejas ortodoxas do oriente (que em diversificada
medida aplicam o princípio de “economia” em caso de adultério), cf. E. López Azpitarte,
o.c. (cit. not. 7), 315-322.
65
Cf. João Paulo II, Allocuzione al Tribunal da R. R., 21.1.2000, em AAS 92, 2000, 354355.
67
Em matrimônios naturais apenas consumados pode-se às vezes aplicar a dissolução
em favor da fé.
68
62
63
Cf. K. Loewit, La funzione comunicativa della sessualità umana: una dimensione non
considerata, em R. Forleo – W. Pasini (organizadores), Sessualità e medicina, Milano
1980, 33 ss.
Cf. P. A. Bonet, L’impedimento di impotenza … (cit. not.18 ), 433 ss.
66
Cf. Catechismo, 2205; P. Adnès, Matrimônio e mistero trinitario, em AA.VV., Amore e
stabilità nel matrimônio, Roma, 1976, 12 ss.
O magistério também se apropria desta doutrina, cf. Pio XI, Casti Conubii, 11; sobre
a tradição a respeito, cf. U. Navarrete, Indissolubilitas … (cit. not.39), 513.
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alcançar de modo indefectível o simbolismo que lhe é mais próprio69.
A menor evidência de tal impostação poder-se-ia superar considerando, como já feito pela autorizada doutrina e pelo magistério, a
dimensão permanente do sacramento, a economia da graça salvífica
que prossegue após ter sido celebrado e que se encarna na “consuetudo cônjugalis”, isto é na complexa e rica trama de relações e
de atos que permite ao individual dimorfismo sexual de reencontrar
a unidade, aperfeiçoando na união interpessoal, os impulsos de divisão inatos no indivíduo e que são marcas de uma liberdade não
amadurecida no encontro oblativo70. A sexualidade configura a radical
alteridade individual e reinvia à intencionalidade amorosa da pessoa;
compreende-se então que o amor se serve do encontro sexual físico
e que só este encaminha, de modo integral (mesmo não exclusivo),
o esforço de superar a inata limitação e, qual instintiva expressão
da almejada unidade intrapessoal e interpessoal, concretiza a opção
de viver com e para o outro71.
2. Conceito canônico de “não consumação”
e consequências jurídicas.
Os valores antropológicos próprios da união carnal, na dinâmica
existencial do casal conjugal, ulteriormente iluminados pela reflexão
teológica, tornam compreensível a estabilidade do vínculo, surgida
do pacto matrimonial válido, embora não apareça suficientemente
aperfeiçoada faltando a consumação. É porém, esta riqueza de conteúdos humanos e espirituais, inerentes à efetiva integração sexual
entre os esposos, que obriga a colocar-se o problema em prospectiva
oposta, a pedir-se isto é, que gênero de união carnal, em relação à
69
70
A falta de perfeição simbólica, para a não expressa união corporal, traz em si o conceito
paulino de Igreja como “corpo” de Cristo que Santo Ambrósio entende no modêlo da
união entre Adão e Eva, osso dos seus ossos e carne da sua carne, cf. P. A. Bonet,
Essenza … (cit. not. 9), 129.
Sobre a dimensão permanente do sacramento e a doutrina atinente ib. 134-138. Sobre
os parâmetros argumentativos da união sacramento-consumação, cf. E. López Azpitarte,
o.c. (not. 7), 322-324.
Cf. G. Zuanazzi, Psicologia … (cit. not. 15), 197.
71
qualidade comunicativa da sexualidade conjugal, permite considerar
aperfeiçoada a estabilidade do vínculo, a tal ponto de torna-lo absolutamente irrevogável.
Sem desmentir o dado antropológico e teológico, a abordagem
canônica do tema exige a precisão e redução de conceitos típica do
método jurídico. Por isso os dados normativos provêm de modo diversificado a regulamentação dos vários aspectos inerentes à qualidade
comunicativa da cópula conjugal, disciplinando as situações jurídicas,
mesmo diversificadas, que derivam do fato originante em si (isto é,
a carência de consumação) ou das outras eventuais imperfeições de
’integração sexual do casal conjugal72. Devendo tratar só o primeiro
aspecto, é necessário partir do conceito canônico de matrimônio “non
consumato”, para depois referir-se ao determinado posicionamento
jurídico subjetivo que se segue e aos procedimentos previstos para
prover o mérito da indissolubilidade do vínculo.
2.1. Noção canônica de cópula consumativa
A lei canônica, colocando-se em prospectiva positiva, estabelece
o conceito de matrimônio “consumado” e consequentemente, o que
seja, a qualidade da “cópula consumativa”, no identificar ou não a
sua existência. Assim, o matrimônio diz-se consumado só se, após
a sua válida constituição, os cônjuges colocaram entre si, de modo
humano, o ato por si idôneo para a geração da prole, mediante o
qual os esposos tornam-se uma só carne (c. 1060 par. 1). Pelo valor
que isto se reveste na dinâmica do casal conjugal, interessa observar que a norma, da qual se deduz por via negativa o conceito de
matrimônio “não consumado”, inclui os contratos das pessoas dos
quais a eventual cópula carnal acontecida está desligada da condição
de cônjuges, daqueles em que a união sexual não é “in sé” idônea
72
A “não consumação” é situação de fato jurídicamente distinta da condição subjetiva
inerente à impotência copulativa e o respeitar a incapacidade psíquica, com a devida
solvência, o dever de uma integração psico-física que realize idoneamente o “bonum
coniugum”.
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à procriação, e enfim, dos que a cópula, mesmo que seja “in sé”
idônea à fecundidade, não foi realizada “humano modo”.
Para os nossos fins, o que mais interessa notar é que, na lógica de um sistema jurídico, como o eclesial, o legislator não deixa
de referir-se à qualidade última dignificante da cópula consumativa,
isto é, a realização da “una caro”. Abstém-se, porém, com idêntica
lógica sistemática, de mostrar na via legislativa os elementos determinados que a tornam idônea a realizar esta finaldade, assim valorizada, pelo magistério conciliar e pós-conciliar, nos seus aspectos
personalistas,73. Isto diz respeito à atividade do jurisprudente, na
responsabilidade e nos limites colocados pela exigência de tratar
os síngulos casos, no sulco da perene fidelidade ao direito divino
e no compromisso para melhor descobri-lo com a ajuda do Espírito74. Neste âmbito, que o mais recente magistério oportunamente
descreve como “hermenêutica de renovação na continuidade”75, à
medicina canônica vista como uma contribuição especifica, tanto
em relação às três fontes, normativamente colocadas na base da
não consumação, como na complexa qualidade da cópula conjugal,
assim vigorosamente resgatada das inerentes reduções às exclusivas dimensões físicas.
73
74
Esta valorização (incipiente no magistério anterior, cf. Casti Conubii) opera uma mais
decisiva passagem da visão biológica e procriativa da união carnal para uma mais
integral, inserida na idéia de pessoa como totalidade unificada de espírito e de corpo,
onde se correspondem o amor pessoal e as expressões corpóreas, superando um
conceito despersonalizado dos atos sexuais (GS 50; Familairis Consortio 11). No considerar isto, o desafio está representado pela salvaguarda da indissolubilidade, sem
reduzí-la a mero ideal moral, cedendo a visões arbitrárias da sexualidade.
Isto explica as vacilações e as deformidades de visões verificadas na história entre o
Tribunal da Rota Romana e os competentes dicastérios da Cúria Romana, especialmente quando prevalecem as preoccupações de ordem fisiológica na cópula carnal
(por ex. Sobre o problema do “verum semen”). No prover os casos particulares, não
se intenta resolver a questão teórica e só quando se esclarecem as dúvidas, com o
auxílio das ciências, intervem o poder ecclesial resolvendo aspectos da questão teórica;
neste sentido, na práxis da Congregação do Santo Ofício, cf. P. Gasparri, Tractatus
Canonicus de Matrimônio I, Romae 1932, 329.
75
Bento XVI, Discorso alla Curia Romana, 22.12.2005, evocado pelo mesmo Pontífice
na recentíssima Allocuzione alla Rota Romana, 27.1.2007, em L’osservatore romano,
28.1.2007, 5.
2.1.1. A cópula carnal não conjugal
É fácil compreender, à luz das reflexões feitas na primeira parte
deste artigo, a insignificância da cópula carnal entre um homem e uma
mulher sem ter cumprido o seu pacto conjugal, se uma vez realizada,
não advém entre eles a integração sexual76. A previsão normativa
que nos ocupa evoca dois pressupostos atinentes aos valores de
liberdade e de comunicação colocados sob a doação conjugal: a
insuficiente virtualidade personalizante da doação fisica, expulsa-se
pela totalidade do compromisso nupcial e, sobretudo, pela objetiva
distorsão que, na dinâmica do encontro conjugal, uma vez celebrado
o matrimônio, representa símile descontinuidade de conduta sexual.
Com relação à primeira questão, ao lado de um certo cansaço
oriundo do valor jurídico da assim chamada “copula fornicária”77, é
suficiente evocar a relação entre a comunhão física e a espiritual
que, na sua totalidade, em sentido objetivo, só pode exprimir o pacto conjugal, jurídicamente selado. Como já recordado, o magistério
ecclesial reporta ao âmbito da “não verdade”, portanto da inexistente
qualidade humanizante, a doação fisica que não exprima aquela
doação total, objetivamente registrável só no pacto livre no qual a
pessoa inteira, também em sentido temporal, sem reservas, está
presente e se comunica totalmente78.
Do ponto de vista subjetivo, não é raro evocar novamente a
plenitude do compromisso afetivo, justificando assim a união carnal
fora do âmbito conjugal, se por causas alheias à vontade dos interessados, o matrimônio não se pode realizar. Sem demorar-se em
76
Não tratamos da relevância da cópula pós-nupciial num matrimônio só aparente.
77
78
Entende-se por isso a cópula “violenter extorta”, cujos efeitos consumativos, a doutrina
canônica, como veremos, sempre se interrogou referindo-a ao vínculo conjugal; sobre
a cópula pré-conjugal o interesse reside nas razões colocadas por quem julga consumativa a cópula pós-nupcial “violenter extorta” para o vínculo de afinidade surgido
pela cópula ilícita com mulher “prorsus invita” segundo a decretal Discretionem de
Inocêncio III, cf. c. Felici, sent. diei 26.3.1957, em SRRD 49, 238 ss.
Para João Paulo II de fato semelhante doação física é uma “mentira” (Familiaris Consortio 11).
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32
considerações que superam a nossa abordagem específica, a medicina
canônica poderá iluminar a anômala dinâmica do casal que chega ao
matrimônio precedido de namoro ou de convivências “more uxorio”,
sexualmente integrados, mas após a celebração não consumado.79.
2.1.2. A cópula “in se” não idônea à procriação
Mais articulado é o liame entre os valores humanizantes da
sexualidade conjugal, radicados na livre e integral comunicação de
si, e o valor não consumativo aplicado à cópula “in se” não idônea à
procriação. O peso primordial dos aspectos biológicos desta situação,
parece extrair os critérios de liberdade e de comunicação personalizante da dignidade da cópula conjugal Pois se trata da “própria
idoneidade dos atos”, a cópula é consumativa também quando o
efeito procriativo não possa nunca ser alcançado, por razões alheias
à vontade dos cônjuges, como sucede nos casos de esterilidade. A
real capacidade generativa porém tem feito sentir o próprio peso na
história, na identificação da idoneidade da cópula conjugal, mas a
reflexão dirige-se na linha de constante evolução para a insignificância
dos fatores físicos involuntários que não prejudicam radicalmente a
realização da “una caro” dos cônjuges de fato estéreis80.
79
Prescindindo das considerações morais, o hiato entre a união carnal sem as núpcias
e após-núpcias a não consumação, deixa inalterada a inexistente realização da “una
caro” em sentido jurídico, mas para ser convincente obriga a referi-la num contexto
onde o dado jurídico (o vínculo conjugal) encontre adequado relevo, qual possível
fator inibitório. Sem referência à dinâmica deteriorada por onde o liame conjugal e o
seu desenvolvimento exigem a valorização das diferenças na reciprocidade dos sexos
(cf. G. Zuanazi, Psicologia …, cit. not. 15, 264), é mais árduo sustentar a relevância
da frustrada perfeição pós-nupcial de uma intimidade carnal compreendida em cada
precedente caso.
Exemplar sobre este ponto é o trabalho do verum semen (e em sentido análogo, sobre
a “mulier excisa”), que origina uma práxis disforme na Rota Romana (a ejaculação de
verum semen requerer-se-ia, tendo em vista a proibição dos eunucos e espadões casar, contida no Breve Cum Frequenter de Sisto V do 27.6.1587) e na Congregação do
Santo Ofício (que não sendo certa a impotência pensava de não impedir o matrimônio
a quem fosse organicamente impedido de elaborar semen nos testículos). O debate
está condicionado a uma antropologia onde o valor de liberdade que se comunica alcança a posse de órgãos generativos (portanto do semen elaborado nos testículos, no
homem; os ovários e o útero, na mulher), enquanto se incide só sobre a esterilidade,
Quando é vontade dos cônjuges frustrar o efeito procriativo,
tornando seus atos volutariamente infecundos, privados portanto da
direção à fecundidade, necessário para a integral doação da sexualidade, a qualidade objetiva não consumativa de tal cópula, não possui
idêntica disciplina nem igual tratamento jurídico em todos os casos,
devendo-se então distinguir entre as várias modalidades em que a
vontade dos cônjuges, ou de um deles, vá prejudicar o processo
procriativo na dinâmica do processo copulatório; ambos processos
são conexos mas diferentes, também no inseparável liame entre a
sua dimensão unitiva e procriativa com relação à função comunicativa
da sexualidade conjugal81.
Para examinar as modalidades em que a vontade do cônjuge
interfere na idoneidade procriativa da união carnal, é necessário,
portanto, reportar-se aos elementos do processo copulativo, na sua
qualidade interpessoal,. Sobre os aspectos biológicos do processo,
não é tão adequada a clássica distinção entre “actio hominis” e
“actio naturae”, eficaz no tocante à compatibilidade entre esterilidade e consumação, mas antropologicamente arrojada no reportar ao
âmbito da só vontade humana os vários elementos da cópula, isto
é, a ereção, a penetração e a ejaculação na vagina (no caso do
homem), a recepção e detenção (no caso da mulher). Sabe-se que
alguns destes fatores escapam do contrôle voluntário dando lugar,
neste caso, a uma incapacidade física objetiva para desempenhar a
cópula conjugal, referindo-se portanto ao impedimento de impotência,
inseparável em si da não consumação.
Na via da reflexão sobre os elementos físicos que lesam radicalmente a realização da “una caro”, a atenção foi-nos levando à
80
porque foge da liberdade dada, quanto por “accidens” sucede (por ex. que o semen
esteja carente de espermatozoides). A Congregação para a doutrina da fé resolveu a
questão com o conhecido decreto de 13.5.1977 (cf. AAS 69, 1977, 426).
81
Certos casos de voluntária interferência na orientação procriativa da cópula (por ex
o ’uso onanístico) estão incluidos entre os casos difíceis (c. 1699 § 2) que requerem
antes do processo consulta prévia à Congregação dos Sacramenti, cuja práxis é negar
a dispensa, cf. De Processu super matrimônio rato et non consumato, 20.12.1986, em
Comunicationes 20, 1988, 79,
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34
fisionomia natural da contribuição funcional requerida a cada cônjuge82,
à fisionomia pessoal da ’união carnal, tendo cada vez maior cuidado
no tocante à sua qualidade humana, para poder considerá-la cópula
perfeita83. As diversas teorias a respeito (generativa, unitiva, saciativa,
natural)84, às quais atribui-se o mérito de terem-se esforçado em
purificar o dado natural inserindo-o num horizonte personalizante,
passam rente a uma prospectiva radicada só no síngulo cônjuge,
com prejuizo do caráter interpessoal da cópula. Uma abordagem
antropológica mais adequada, requer reportar-se ao âmbito da dinâmica do casal e também ao tema dos elementos físicos do processo
copulativo; só assim se supera o risco de atribuir a radical realização
da “una caro” a um estático “poder ou querer fazer” antes que a um
dinâmico “poder ou querer ser com o outro”85.
Nesta prospectiva, antes que só às causas, aos sintomas e aos
dados, também a modalidade da cópula refere-se aos mecanismos,
às dinâmicas e às relaçoes interpessoais, aspectos imprescindíveis
para estabelecer a melhor medida em que os singulares elementos
do processo cópulativo estão fora da perfeição própria do encontro
carnal e são expressão de um efetivo “não se dar ao outro” 86. Assim,
82
Disto a disputa sobre a penetração requerida (inicial ou total, resolvida julgando suficiente a parcial pelo S. Ofício com decreto do 1.3.1941), a ejaculação (ante portas
o intra vaginam) e a idoneidade feminina (com ou sem orgãos pós-vaginais), cf. J. L.
López Zarzuelo, o.c. (not .58), 88.
83
Sobre a teoria da “copula perfecta”, cf. P. A. D’Avack, Cause di nullità e di divorzio nel
diritto matrimoniale canonico, Firenze, 1952, 300-321.
84
85
A cópula generativa exclui da categoria consumativa a realizada por aquele que padece
patologias nos órgãos essenciais para a geração. A unitiva exclui a cópula com ejaculação de líquido não elaborado nos testículos, mas inclui o semen estéril e a carência de
útero e ovários. A saciativa exige capacidade de acalmar a concupiscência. A natural
exclui a cópula que não seja considerada ato humano. Sobre os representantes das
teorias, cf. J. L. López Zarzuelo, o. c. (not.58), 90-91. para uma critica delas, cf. P. A.
Bonet, L’impedimento di impotenza … (cit. not.18), 440.
Cf. C. Barbieri, Impotenza, em L. Musselli – A. Luzago – C. Barbieri, Psicopatologia
… (cit. not. 19), 161 ss; também referentes à impotência, julgo esclarecedoras para
o nosso tema as reflexões, aqui propostas, sobre a abordagem de tipo sinótico e
ántropo-fenomenológico.
86
O “não dar-se não fundamenta sequer a própria realidade pessoal … sempre interpessoal”, Ib. 166. em tal impostação a liberdade oblativa é verdadeira “actio humana” à
qual referir a voluntariedade dos elementos de reciprocidade funcional da cópula em
a contribuição física de cada um ao realizar a reciprocidade funcional
que torna a cópula “in se” idônea à procriação, por-se-á em relação
a evolução psico-sexual dos cônjuges, as modalidades de atuação
do encontro interpessoal como e, enquanto também encontro sexual,
a multiplicidade de significados atribudos pelos cônjuges à própria
relação sexual e às eventuais imperfeições87. Este contexto pode
oferecer luzes ao valor da cópula só apositiva, mas com êxito fecundativo; às varias formas de cópula onanística; à fecundação artificial,
à cópula intolerável, à cópula extorquida e à cópula sustentada com
meios de suporte da vontade.
2.1.3. A questão do “humano modo”
Além das mais convincentes abordagens que hoje propõem a
sexologia e a psiquiatria88, a prospectiva interpessoal na análise da
cópula conjugal é sugerida pelo terceiro requisito normativo, isto é,
pelo destaque do modo humano na sua realização 89, para ser qualificada como cópula consumativa. É uma novidade legislativa, cuja
fonte direta é a doutrina conciliar 90, mesmo se o problema já fosse
modo convincente e menos engenhoso, como parece ao prof. Bonet (cf. L’impedimento
… cit. not. 18, 440) a tentativa de Gasparri de incluir entre os atos humanos da doação
elementos tais como a produção do verdadeiro semen nos testiculos.
87
Cf. C. Barbieri, Psicopatologia … (cit. not. 84), 199. Isto não compromete a objetiva
relevância jurídica de cada tipo de imperfeição do coito no tocante à idoneidade da
procriação, mas o difernete destaque subjetivo a respeito da perfeição da “una caro”,
pode sugerir uma diversificada abordagem, reportando à exclusão da prole a tenaz
cópula com preservativo, à incapacidade a cópula dolorosa e esporádica, porque “pouco
importa a penetração se não há intimidade” (cf. G. Zuanazi, Psicologia … (cit. not. 15),
259); reservando à não consumação (ou à impotência, se condições antecedentes e
perpétuas) situações mais longínquas da integração sexual intersubjetiva.
Sobre os vários tipos de abordagem das problemáticas da sexualidade, sobre os principais autores e sobre a maior atendibilidade dos modêlos que valorizam o “nós” e a
co-existencialidade como impostação derivante da psiquiatria entendida como estudo
das distorsões antropológicas do ’encontro, cf. C. Barbieri, Impotenza, ... (cit. not. 84),
153-167; id. Personalità … (cit. not. 53), 68-69.
88
89
Sobre a equivalência entre cópula realizada de “humano modo” e cópula interpessoal,
cf. P. A. Bonet, L’impedimento di impotenza … (cit. not. 18), 439-440.
90
Os atos íntimos “realizados de modo verdadeiramente humano, favorecem a mútua
doação que esses significam e enriquecem reciprocamente em alegre gratidão os
próprios esposos” (GS 49).
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36
colocado na reflexão e na práxis precedente, especialmente no tocante
às modalidades de cópula, de mais dificil avaliação, às quais nos
temos apenas referido91. A interpretação do “humano modo”, numa
prospectiva jurídica, está totalmente salda92, mas a sua inclusão no
código, não obstante a labuta vivida na sede da reforma93, resolve
definitivamente algumas incertezas do periodo precedente.
A mais autorizada doutrina identifica quatro tipos de elementos,
em medida variada, referentes à liberdade e à comunicação especificamente conjugal que deve sustentar a “modalidade humana” da
cópula conjugal94. Como já alguns clássicos mantinham95, a cópula
deve ser “actus humanus in se”, isto é, realizada com consciente
razão e vontade, pelo que não parece possa-se afirmar que a cópula
realizada com meios afrodisíacos que tolhem o uso da razão, mesmo
que o recurso a eles seja voluntário, espera-se que se requeira do
A qualidade humana da união não altera o caráter não consumativo da cópula apenas
aposita e da cópula sem ejaculação na vagina, não obstante, como antes sugerido,
a eventual prole concebita (por absorção no primeiro caso; por técnicas fecundativas
artificiais, no segundo), torna menos automática a percepção da ausência de realização da “una caro” na econômia do casal. O mesmo se diga da cópula onanística.
Ao contrário, a qualidade humana da cópula coloca-se em descontinuidade com
o decreto do S. Ofício de 2.2.1949 (cf. Periodica 38, 1949, 220) no qual se negou
relevância à utilização de afrodisíacos para o coito, não obstante interferissem no
uso da razão, pressupondo portanto que a cópula não é ato humano mas ato do
homem. A escola canonística italiana reivindicou a natureza de “ato humano bilateral” da cópula debatendo a capacidade consumativa da cópula “conseguida” com
violência (cf. P. Fedele, Problemi, 218-219), especialmente nos casos em que, por
ser intolerável à mulher, é possível obtê-la só com intensas dores, que mostram a
sua resistência (cf. C. Jemolo, Il matrimônio nel diritto canonico, Milano, 1941, 120).
91
92
93
Por isso o defeito de “humano modo” como motivo de inconsumação entra nos casos
dificeis dos quais trata o c. 1699 § 2 segundo a carta circular da Congregação dos
sacramentos (cf. not. 80).
Cf. J. L. López Zarzuelo, o. c. (not. 58), 110-111.
Pode-se considerar doutrina comum a proposta do P. Navarrete antes mesmo do código,
cf. U. Navarrete, De notione et effectibus consummationis matrimonii, em Periodica 59,
1970, 636-645.
94
95
Como se deduz da citada c. de Felice (cf. not. 76), muitos autores clássicos requeriam
o consentimento para a cópula, em analogia com o consentimento matrimonial, mesmo
que em contraste com a maioria (como se deduz pela citada sentença) consideravam
insuficiente a cópula “violenter extorta”.
agente uma cooperação ativa e imediata96. O segundo elemento,
vinculado ao primeiro, é a ausência de violência física e de coação
moral que leva à privação da liberdade, como pode acontecer na
cópula aversiva porque intolerável97. Em terceiro lugar, a cópula deve
ser realizada com “animo maritali”, com advertência, isto é do estado
conjugal e sem ser motivada pelos desejos (de ódio ou de vingança)
em contraste com o seu significado unitivo98. Enfim, na sede de reforma do código os consultores advertiram que é suficiente a cópula
virtualmente voluntária99.
Para pronunciar-se sobre a modalidade humana da cópula conjugal, do quanto foi dito, compreende-se que os valores de liberdade
e de comunicação interpessoal, mesmo considerados conjuntamente,
são diferentemente reduzíveis em termos jurídicos. Ao estabeleceer
a eficácia dos atos jurídicos (c. 124), também no âmbito matrimonial
(219; 1103) a liberdade é valor mais recorrentemente tomado em
consideração, assim aparece mais certa sua existência e importância. Ao contrário, para acrescentar algo à consideração jurídica da
“modalidade humana” da cópula que não haja liberdade no seu agir,
mais árduo se apresenta o valor da comunicação interpessoal, a
ponto de dissuadir100. A dificuldade de redução ao âmbito do direito
Por isso de algum tempo se inclui na categoria dos impotentes quem é capaz de
coito apenas com anormais excitações ou drogas cf. V. M. Palmieri, Medicina legale
canonistica, Napoli, 1955,137.
96
97
Sobre a importância do temor o P. Navarrete distingue entre o “metus” motivo do ato,
e o privativo da voluntariedade. Na comissão de reforma do CIC (cf. Communicationes
6, 1974, 191-192) considerou-se não consumativa a cópula “extorta” com violência,
enquanto se qualificou diversamente a cópula intolerável, desde que a a mulher consentisse, cf. J. L. López Zarzuelo, o.c. (not. 58), 110.
98
Além disso por ser anormal e carente de naturalidade, pode-se dizer irrelevante para a
consumação a cópula realizada com manobras lesivas ou repugnantes para o cônjuge,
cf. G. Zuanazi, Psicologia … (not. 15), 257.
99
Cf. Comunicationes 20, 1988, 79.
100
Esta é a opinião redutiva expressa por M. F. Pompedda, studi sul diritto matrimoniale
canonico, Milano, 2002, 148, segundo o qual, o modo humano implica a voluntariedade
e, consequentemente, a liberdade mas “aqui sob o aspecto jurídico deve-se parar” enquanto “ir além e dar ao modo humano um significado amoroso, oblativo, espiritual ou
mais ainda expressão de comunhão de compromisso de vida e de amor significariam
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não deixa passar desapercebido que o único elemento de liberdade
não responde totalmente ao sentido que o humano modo possui na
doutrina conciliar, isto é, de favorecer a recíproca e alegre doação
dos cônjuges101.
Neste sentido, e sem confundir os planos, o direito tem necessidade da contribuição da medicina canônica, na qual aparece mais
evidente que a cópula, mesmo se livre e fisiologicamente adequada,
não se pode dizer conjugal se estiver privada do significado pessoal
do relacionamento conjugal. O compromisso para não trair o significado jurídico da ’indissolubilidade e da consumação102, não significa
que estes conceitos sejam totalmente impermeáveis aos resultados
científicos que demonstram o grau da existência de meccanismos
que, desde o primeiro encontro sexual, deixaram a união carnal do
casal carente totalmente de fecundo e gratificante diálogo genital103.
2.2. A posição jurídica subjetiva oriunda da não consumação
As reflexões desenvolvidas recolhem os mais importantes
elementos que a abordagem dos conceitos “casal conjugal” e “não
ir de encontro à dificuldade de determinar se, condições tão íntimas e psicológicas
sejam ainda jurídicamente pesquisáveis e … relevantes”.
Para a doutrina, cf. L. Sabbarese, Il matrimônio canonico nell’ordine della natura e
della grazia, Roma, 2002, 157. Análogo é o conceito de uma minoria mas respeitável
jurisprudência sobre a “impotentia coeundi in matrimônio” (cf. c. Serrano, sent. diei
14.12.1979, em SRRD 61, 569 ss.), observando a necessidade de prestar atenção à
ordenada vida sexual e não só à incapacidade absoluta para realizar a cópula, desconhecendo as graves dificuldades inerentes a uma não impossível relação sexual,
longe porém de constituir momento de união e fonte de tensões ou rompimentos,
101
102
A fideldade à dimensão jurídica do vínculo indissolúvel assumida no pacto conjugal,
sem ceder a arbitrárias interpretações sobre a felicidade pessoal e a gratificação sexual foi solicitada por Bento XVI no recente discurso aos membros da Rota (cf. not.
74). Para as teorias sobre a indissolubilidade como ideal e a consumação espiritual
e progressiva, cf. E. López Azpitarte, o.c. (not. 7), 325-332; A. D’Auria, Il matrimônio
nel diritto della Chiesa , Roma, 2003, 337.
103
Cf. G. Zuanazi, Psicologia … (cit. not. 15), 258. Sem arriscar a inclusão da recíproca
“sedatio concupiscentiae” no conceito de consumação, a medicina canônica ajudará
a avaliar o real efeito consumativo no casal de formas de junção frustrantes psicologicamente.
consumação” sugere em relação à atualidade e às prospectivas da
medicina canônica. O discurso porém estaria ainda incompleto se não
se fizesse menção das consequências jurídicamente anexas à “não
consumação”, onde a dinâmica do casal conjugal e a contribuição
da ciência devem-se reportar proficuamente à disciplina canônica.
Neste sentido e com estes limites determinados, referimo-nos agora
à expectativa que deriva da “não consumação” e à interpretação do
tipo de intervenção prevista pela dissolução do vínculo.
2.2.1. A expectativa pessoal ou comum
O matrimônio validamente celebrado sendo intrínsecamente
indissolúvel, a “não consumação” configura um posicionamento
jurídico nos cônjuges que não está correto qualificar como direito
subjetivo à dissolução, isto é como pretensão devida e a ser perseguida judicialmente104. Além do mais, o fato da não consumação
não constitui causa para iniciativas avulsas do querer dos cônjuges
(c. 1697), nem mesmo nos já estreitos limites da ação de nulidade
matrimonial pertencentes ao promotor de justiça (c. 1674). A importância e os limites inerentes à vontade dos cônjuges, protagonistas
de um matrimônio carente de consumação, colocam sua posição
jurídica no tocante ao âmbito das justas pretensões derivantes da
inadequada condição jurídica de fiéis, inseridos no estado conjugal e
obrigados a um vínculo recíproco. Esta inadequação, como em outras
expectativas análogas, o ordenamento permite prover para sanear
com uma medida de graça, idônea a tutelar o bem das pessoas,
sem danificar a comunidade105.
Interessa notar que a iniciativa para requerer a graça, pela relevância que no nosso artigo o adquire a dinâmica do casal conjugal, pode
104
105
Para qualquer um, a existência do poder de dispensa por inconsumação, cria o direito
subjetivo de apresentar a súplica para tratar o seu caso (cf. W. H. Woestman, Respecting
Petitioners Right to Dissolution Procedures, em The Jurist 50, 1990, 342 ss.), mas o
direito subjetivo (libertação do impedimento de vínculo) surge só pela dispensa e não
pela inconsumação em si (cf. B. Marqueta, Scioglimento del matrimônio canonico per
inconsumazione, Padova, 1981, 9.
Cf. M. J. Arroba Conde, Diritto processuale canonico, Roma, 2006, 34.
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não ser comum, mas interesse de um só dos cônjuges, mesmo com a
oposição do outro, tanto por contradizer o fato da “não consumação”,
como por enfrentar expectativas compatíveis com a manutenção do
vínculo (c. 1697). Tenha-se presente que a expectativa deriva somente da inconsumação e não da causa que a tenha provocado. A reta
compreensão da causa porém é indispensável, tanto para elucidar
versões contrastantes na advinda mudança física entre os cônjuges,
como também, para enfrentar com realismo as suas eventuais discrasias
sobre as possibilidades de proseguir a vida matrimonial e aperfeiçoa-la
com um elemento assim essencial e insubstituível, antes frustrado. O
auxílio da medicina canônica parece precioso para ambas avaliações,
se adequadamente centrado na economia do casal.106.
2.2.2. O poder de dispensa pontifícia por justas causas
Não obstante as propostas, enviadas à sede da reforma do código, para confiar aos bispos a solução destes casos, manteve-se a
reserva pessoal ao Papa de poder dissolver o matrimônio rato e não
consumado (c. 1698 § 2) em virtudde do seu “poder vicário”. Esta
expressão destina-se a sublinhar que o poder papal não se baseia
no seu ofício de poder pessoal supremo na Igreja, mas enquanto
“Vigário de Cristo”, querendo assim ressaltar que na circunstância
o Romano Pontífice age em nome de Deus, tratando-se de matéria
que diz respeito ao direito divino107.
Concretamente, a medida de graça predisposta para sanar a
inadequação pessoal e existencial que a não consumação coloca a
condição jurídica do fiel validamente casado, é configurada como
uma “dispensa”, vale dizer, uma isenção da lei da indissolubilidade,
em razão da falta absoluta de tal propriedade essencial, quando não
interveio a consumação. À dispensa se prova, não arbitrariamente,
mas, conforme critérios de oportunidade (c. 1704 § 1) e só por justas
causas, este requisito incide na valididade da própria dispensa (c.
90). Neste sentido é justo achar que a dispensa, assim como não
está nas mãos das partes a dissolução do vínculo, não se pode
dizer nem mesmo da disponibilidade absoluta do Papa, se por esta
se entende a possibilidade de concessão inoportuna ou carente de
causas justas108.
Por esta razão é lícito pensar que a análise de oportunidade,
mas sobretudo o exame rigoroso da “justa causa”, no singular caso,
evoca o peso da história do casal, só aparentemente sacrificado
pelo reconhecimento a um só dos cônjuges pela ’iniciativa de pedir a
dispensa. De fato, sempre dentro da ótica da “salus animarum”, como
justa causa que engloba as outras109, a jurisprudência e a doutrina
indicam uma série de motivos idôneos para a concessão, que na
sua entidade, reportam-se à solidez da ’união interpessoal. A análise
mostra que as causas justas pressupõem um grave compromisso
da possibilidade de integração futura entre os cônjuges. As mais
comumente consideradas são a possível impotência sobrevinda às
núpcias; a aversão recíproca e a perda da convivência harmônica,
tornada insanável; o divórcio civil já obtido e o sucessivo matrimônio
desejado com uma terceira pessoa; a enfermidade que de fato tenha
108
106
107
O n. 4 da Carta Circular (cf. not. 80) impõe que antes de iniciar o processo os cônjuges sejam encorajados à reconciliação. Neste sentido, a prévia intervenção do perito
ajudaria a inserir mais idoneamente a iniciativa do orador no âmbito “verificativo” do
processo eclesial, valorizando a consistência ontológica do vínculo existente e estudando o significado que assume o fato da não consumação na realidade do casal, cf.
C. Barbieri, Impotenza … (cit. not. 84), 167.
Com diversas interpretações, os autores coincidem no considerar a especialidade
deste poder e a sua extraordinária aplicação. para uma explanação das várias teorias,
cf. R. Burke, Il processo di dispensa dal matrimônio rato e non consumato: la grazia
pontificia e la sua natura, em AA. VV., I procedimenti speciali nel diritto canonico, Città
del Vaticano, 1992, 135-144),
A lei prevê que, em caso de dúvida na justa causa, a dispensa é válida (c. 90 § 3),
mas para a gravidade da matéria implicada na dispensa “super rato”, duvida-se quanto
à aplicabilidade desta cláusola, cf. G. Casoria, De matrimônio rato et non consumato,
Romae 1959, 200.
109
Sendo ato administrativo, a causa de interesse pessoal para a dispensa é medida também
pelo interesse geral da Igreja, que segundo algum autor consiste no manter em vida
matrimonial os expostos ao “periculum incontinentiae et animae”, cf. E. Mazacane, La
iusta causa dispensationis nello scioglimento del matrimônio per inconsumazione, Milano,
1963, 4 ss. Sobre a diferente relação entre interesse privado e público estruturante do
poder administrativo e judiciário, cf. M. J. Arroba Conde, Apertura verso il processo
amministrativo di nullità matrimoniale e diritto di difesa delle parti, em Apollinaris 85,
2002, 747-754.
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impedido ou desaconselhado a união carnal; a possível nulidade do
matrimônio110.
Na pesquisa da justa causa, mesmo sendo elemento que a
avaliação compete somente à autoridade que decide, com prévio juízo
da autoridade a quem compete a instrução do caso111, não está excluida, porém, a ajuda da medicina canônica; ou melhor, este suporte
parece útil para a referência de fundo à dinâmica de encontro dual,
que deve estar gravemente comprometida, mesmo sua projeção de
futuro, sem olhar só o dado passado da não consumação, mesmo
potencialmente causante da distorcida integração do casal112.
2.3. Procedimentos de averiguação
Como últimas considerações na nossa reflexão, propomos alguns
pontos de interesse inerentes aos procedimentos de averiguação da
“não consumação”, à qual está subordinada à existência das justas
causas para a dispensa. Sobre o ponto, a importância concreta do
casal cônjugal e a contribuição da medicina canônica está disciplinada
de maneira articulada e diversificada.
2.3.1. Procedimento judiciário e administrativo
Uma primeira diferença provém da modalidade diferente em que
se põem o protagonismo do casal e a contribuição médica, conforme
a iniciativa para prover a solicitação da dispensa, seja autonomamente
manifestada ou, vice-versa, detecta-se no decorrer de um processo
Para uma detalhada análise, cf. J. L. López Zarzuelo, o.c. (not. 58), 118-122.
110
Cf. cc. 1698 § 1; 1704, § 1. Quando o procedimento super rato advem por suspensão
do processo judiciário de nulidade matrimonial, compete ao colégio dar um voto antes
de transmitir os atos ao bispo diocesano, cf. Dignitas Connubii, art. 153, par. 3. Sobre
os vários elementos da passagem cf. O. Butinelli, Il procedimento di dispensa dal
matrimônio rato e non consumato: la fase davanti al vescovo Diocesano, em AA.VV.,
I procedimenti speciali … (cit. not.105), 115 ss.
111
112
A eventual intervenção de um perito para investigar o fato e as causas da inconsumação
pode estender-se à possibilidade de parecer sobre a existência da causa justa com
base no c. 212 § 3.
de nulidade onde emergem dúvidas sobre a consumação. Como já
foi dito, para iniciar o procedimento autônomo de dispensa “super
rato”, é suficiente o pedido de um só dos cônjuges, mesmo que o
outro se oponha (c. 1699, § 1). A súplica deve ser fundamentada,
mesmo porque não se trata de reivindicar um direito subjetivo, este
requisito coloca-se em termos mais coativos em relação ao libelo
introduzido para a ação de nulidade matrimonial113; mas contra a
rejeição da súplica por parte do bispo diocesano pode-se recorrer
à Sé Apostólica (c. 1699 § 3)114.
Ao contrário, para passar do procedimento judicial de nulidade
ao administrativo, por causa das dúvidas surgidas sobre a consumação do matrimônio, é necessário o consentimento de ambos os
cônjuges, porque pelo direito ao processo judiciário e pela sucessiva
litispendência origina-se o direito subjetivo de obter sentença, mesmo
se faltar o consentimento de uma das partes, fica apenas o dever de
admonestá-la sobre as consequências da sua recusa. 115.
2.3.2. A prova pericial
A dúvida sobre a consumação do matrimônio, de cuja validade
se discute, frequentemente, emerge no curso das investigações periciais desenvolvidas nas causas em que o direito exige a intervenção
do perito em ciências psíquicas (c. 1680)116. Quando o motivo de
nulidade objeto da causa não requer “ex lege” a interveção periSobre o “fumus”, o c. 1699 requer o fundamento da súplica, enquanto o c. 1505
restringe à “patente falta de fundamento” a rejeição do libelo, cf. M. J. Arroba Conde,
Diritto … (cit. not. 104), 333.
113
114
Sendo maior a discricionalidade da autoridade no acolher a questão, como é maior a
exigência de demonstrar o fundamento na súplica, nada exclui de obter antes o parecer
médico, para aprovar o motivo da rejeição, tanto no tocante à não consumação, como
a respeito das causas justas e a oportunidade; nada impede nem mesmo de confiar-lhe
um trabalho de investigação e orientação análoga ao do “iuris perito” do qual c. 1701
§ 2.
Cf. Dignitas Conubii, art. 153 par. 4.
115
116
Cf. M. J. Arroba Conde, La prova peritale e le problematiche processualistiche, em
AA.VV., La capacità di intendere e di volere nel diritto matrimoniale canonico, Città del
Vaticano 2000, 383 ss.
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cial117, a dúvida sobre a consumação, emerge nas outras provas,
sugere-se portanto servir-se delas, para melhor enfrentar as diversas
circunstâncias referentes à passagem da causa ao trâmite administrativo “super rato”. Entre estas circunstâncias reveste-se de muito
interesse a eventual negativa de um dos cônjuges para investigar o
novo trâmite, onde o perito pode dar uma enorme contribuição para
enfrentar a sensação de desvalorização pessoal que acompanha o
admitir da não consumação, para sobressair os mecanismos de simulação e de remoção dos eventos frustrantes, e para redimensionar
o possível incômodo inerente aos meios de prova a serem utilizados
para os novos limites a serem indagados118.
O argumento moral é considerado de superior importância na
investigação da “não consumação”, 119 visto o aumentado valor hoje
reconhecido às declarações das partes (c. 1679)120, na mais comum
convicção dos autores, exceto quando for possível e útil a inspeção
física da mulher. Isto não significa que a investigação pericial de natureza psíquica perca destaque, tanto como elemento de sustentação
para valorizar a credibilidade das declarações das partes (c. 1536
par. 2), como sobretudo para a mais prudente individualização da
inconsumação em si, nos seus vários componentes e modalidades.
No tocante ao argumento físico, é o caso de recordar os limites
que comporta, no mérito da prova da não consumação, a investigação da integridade himenal, tanto para a possibilidade de defloração
sem cópula, como também para o eventual coito sem defloração,
117
Penso que a pericia psíquica seja sempre útil como meio mais qualificado para prover
o estudo da personalidade, muito necessário nas causas matrimoniais, qualquer seja
o motivo de nullidade aduzido, fundamentando-se no establecido no c. 1527, sobre o
princípio de liberdade das provas, e o c. 1536, sobre os elementos confirmativos pelas
declarações das partes se forem prova única.
Sobre alguns destes elementos, cf. C. Barbieri, Simulazione e dissimulazione di patologia psichica, em L. Musselli–A. Luzago–C. Barbieri, Psicopatologia… (cit. not. 19),
271 ss.
118
Para uma resenha de sentenças neste sentido, cf. J. L. López Zarzuelo, o.c. (not. 50),
206-219.
hipotizavel também após o parto121. Neste sentido, a existência de
eventuais documentos sobre a integridade fisica da mulher requerem
de qualquer maneira um verdadeiro controle de tipo canônico, isto é
a avaliação técnica e a jurídica não sendo automaticamente assimiláveis, como em outros âmbitos da pericia ginecológica.122.
Neste sentido é evidente a importância maior que pode revestir-se, na maioria dos casos, a investigação pericial de tipo psíquico,
possivelmente sobre ambos os cônjuges, para conseguir identificar
o peso dos fenômenos psíquicos na conduta não consumativa,
colocando a atenção principal na história do casal e na dimensão
relacional em que a radical imperfeição da integração sexual estiver
consolidada123. Tudo isto ajudará a aperfeiçoar também a modalidade
da concessão da dispensa, se provada a inconsumação e a causa
justa, isto é, em mérito à possibilidade de contrair novas núpcias, a
aposição de eventuais cláusulas anexas, com o relativo procedimento
para removê-las124.
Breves observações conclusivas
Ao terminar nosso artigo, sem ter que repetir as indicações desenvolvidas no seu decorrer, parece-nos poder afirmar que a disciplina da
Igreja sobre o valor do matrimônio, à luz da centralidade que reveste
no seu surgir e no seu aperfeiçoamento da doação interpessoal dos
cônjuges, não possa não se encarregar, também das hipóteses de
não consumação, desta centralidade, enriquecendo a própria práxis
121
Cf. G. Zuanazi, Psicologia … (cit. not. 15), 259. para uma detalhada bibliografia sobre
este ponto a nivel sexológico e de medicina canônica, cf. C. Barbieri, Impotenza …
(cit. not. 84), 205-207.
122
119
120
Cf. M. J. Arroba Conde, Le dichiarazioni delle parti nelle cause di nulltà matrimoniale,
em J. E. Villa–C. Gnazi (organizadores), Matrimonium et Ius.Studi in onore del Prof.
S. Villeggiante, Città del Vaticano, 2006, 219-255.
123
Para o caso de disparidade de opiniões entre a abordagem médica e a jurídica quanto
à impotência feminina, em bases de uma pericia ginecológica, cf. Tribunal de Primeira
Instância do Vicariato de Roma, sent. c. Arroba Conde, 19.2.1994, em Il diritto ecclesiastico 106/II, 1995, 104-113.
Cf. Barbieri, Impotenza … (cit. not. 84), 199-201.
124
Dependendo da causa da não consumação, a dispensa pode ser concedida sem cláusulas anexas, com cláusulas “ad mentem” e com “vetitum” de novas núpcias; sobre o
ponto, cf. J. L. López Zarzuelo, o. c. (not. 50), 291-332.
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O alcoolismo
e o sacramento do matrimônio
com o auxílio da medicina canônica, antropologicamente orientada de
modo correto e tecnicamente atualizada, especialmente nos resultados inerentes à dimensão e experiência imprescindível do encontro
interpessoal, no qual se enquadra o argumento que nos ocupou.
A contribuição, concretamente, da medicina canônica sobre
este ponto, libertando-se dos reducionismos que podem confiná-la
quase exclusivamente ao âmbito das investigações de tipo físico e
sexológico, situa-se sobretudo, hoje, na melhor compreensão das três
fontes, normativamente reconhecidas como bases da “não consumação”, mas também sobre a qualidade complexa, isto é, a realização
da “una caro”, que caracteriza o encontro sexual conjugal.
Não de menor importância e atualidade aparece o contributo que
pode oferecer a medicina canônica no desenvolvimento do processo, tanto no investigar a causa da não consumação, no sustentar e
orientar a participação das partes, como também no suportar o juizo
que compete à autoridade ecclesiástica no mérito da existência da
justa causa para a dispensa, às eventuais clausulas a serem incluidas
e a possível superação das mesmas para passar a novas núpcias .
Pe. Dr. Paulo Afonso Alves Sobrinho1
INTRODUÇÃO
Todo sacramento tem suas raízes no mistério pascal de Cristo e no dom de seu Espírito para a santificação de uma situação
humana e vocacional. “O sacramento do matrimônio diz respeito ao
amor entre o homem e a mulher, que é elevado à condição de sinal
e transfigurado pelo amor de Deus revelado em Jesus e na Igreja”2.
“Como instituição natural, o matrimônio já tem origem divina. Mas
Cristo não somente reconduz o matrimônio ao seu projeto original,
com as características próprias da unidade e da indissolubilidade,
como também faz o amor do homem e da mulher participar do mistério de graça que dele flui na Igreja, elevando assim o matrimônio
à dignidade de sacramento da nova aliança”3.
“Há condições básicas que podem facilitar a recepção. Aqui
abordaremos a questão das patologias que podem-se constituir até
em impedimentos para uma recepção válida dos Sacramentos. Para
nosso trabalho a atenção estará mais voltada para o sacramento do
Matrimônio”4.
A grande dificuldade para as ciências da saúde é saber quando
o indivíduo é normal ou anormal, quando o indivíduo se encontra no
limiar de uma disfunção.
1
Professor do Instituto de Direito Canônico “Pe. Dr. Giuseppe Benito Pegoraro” Vigário
Judicial Adjunto do Tribunal de Apelação de São Paulo - SP.
2
ROCCHETTA, C. Os Sacramentos da Fé, São Paulo: Paulinas, 1991, p. 413.
3
Ibid., p. 426.
4
SEGÚ GIRONA, M. Apostilas de Direito Matrimonial, São Paulo: Unifai, 1999, p. 03.
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Segundo Cifuentes, “os mais recentes estudos sobre o ser
humano revelam principalmente a existência de uma unidade psicossomática e de uma interdependência entre o homem e o seu
meio”5. Para Cifuentes, “é muito difícil falar de perturbações puras
da inteligência ou da vontade. A decisão parte do Eu como de um
todo, sem poder determinar com absoluta claridade, a parte que
corresponde à inteligência, à vontade, à afetividade ou à influência
psico-social”6.
Para Faílde, “la visión de la persona humana es necesariamente
de orden metafísico porque sólo la metafísica está en condiciones
de descubrir el misterio del hombre en su totalidad de ser espiritual
corpóreo”7.
“Nosso Legislador é sensível, como não poderia deixar de ser, a
tudo que atinge seu rebanho. Por isso que no Ordenamento Jurídico
acolhe as possíveis disfunções patológicas e desvia as que atingem
a humanidade, tornando seus portadores, dependendo da gravidade
hábeis ou inábeis para determinado ato. Assim, por exemplo, no
tocante ao matrimônio, coloca como um dos possíveis vícios de
consentimento o cânon 1095”8.
O cânon 1095 surgiu com a reforma do Código de 1917, para
adaptar as leis da Igreja à doutrina do Concílio Vaticano II, sob cuja
luz, diz o Papa João Paulo II, deve o novo Código ser interpretado 9.
“No Código de 1917, nas causas matrimoniais, já se admitia o recurso
à perícia psicológica ou psiquiátrica, a fim de possibilitar julgamento
mais adequado, quando se vislumbrava, num dos cônjuges, sintomas
5
CIFUENTES, R.L. Novo Direito Matrimonial Canônico, Rio de Janeiro: Marques Saraiva,
1988, p. 305.
6
Ibid., p. 305.
7
GARCÍA FAÍLDE, J. J. Trastornos psíquicos y nulidad del matrimonio, Salamanca:
Publicaciones Universidad Pontificia, 1999, p. 183.
8
SEGÚ GIRONA, M. op. cit., p. 07.
9
Constituição Apostólica de Promulgação do Código de Direito Canônico, São Paulo:
Loyola, 1983, p. 9.
de doenças psíquicas ou psicológicas, designadas então pelo nome
genérico de demência”10.11.
Quando provada a falta de capacidade para o consentimento, o
Matrimônio é considerado nulo, por falta de capacidade12.
Martín diz que: “el nuevo Código de Derecho Canónico pone
las cosas en claro al considerar como autónomos y diversos entre
sí los tres supuestos del c.1095”13.
Segundo Luigi Chiappetta, “La capacità naturale e giuridica dl
soggetto è il presupposto essenziale per poter contrarre matrimonio
validamente. La capacità naturale è determinata dalle condizioni
soggettive dei contraenti; quella giuridica dalla legge, e consiste nel
possesso dei requisiti prescritti”14.
“Sendo que o consentimento matrimonial para ser válido não
pode contar nenhum vício, sentimos a necessidade de expôr sinteticamente o que entendemos por consentimento matrimonial”15.
O consentimento para ser válido só pode ser dado por pessoas
hábeis e não pode ser suprido por nenhum ser humano. Nenhum
ser humano, qualquer que seja a sua autoridade, pode dar o consentimento em lugar de outro. O consentimento não pode ser dado
10
MOTTA, J.B. Casamentos Nulos na Igreja Católica – Nova dimensão explícita do atual
código de Direito Canônico (cânon 1095), Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 20.
11
MOTTA, J.B. op.cit., p. 20: “O cânon 1.792 do Código de 1917, como parte do Capítulo
III do livro IV, De processibus, prescrevia, de modo genérico, para melhor julgamento
das causas o uso da perícia, e o cânon 1.982 determinava a perícia para examinar a
validade de consentimento”
12
Cânon 1095: “Sunt incapaces matrimonii contrahendi: 1º qui sufficienti rationis usu
carent; 2º qui laborant gravi defectu discretionis iudicii circa iura et officia matrimonialia
essentialia mutuo tradenda et acceptanda; 3º qui ob causas naturae psychicae
obligationes matrimonii essentiales assumere non valent”.
13
MARTÍN, L.G. La incapacidad para contraer matrimonio, Salamanca: UPS, 1987, p. 20.
14
CHIAPPETTA, L. IL Matrimonio – Nella nuova legislazione canonica e concordatária,
Roma: Edizioni Dehoniane, 1990, p. 904.
15
SEGÚ GIRONA, M. op. cit., p. 09.
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por outro, “a não ser que se tenha mandato procuratório”
os Romanos já diziam “consensus facit nuptias”17.
16
. Porque
Fornés afirma, “quiere ello decir que solamente el consentimiento
de los contrayentes hace el matrimonio; y que este consentimiento
no puede ser sustituido por nadie; por ningua autoridad religiosa o
civil, ni por los padres u otras personas”18.Casar-se é estabelecer
uma união com outra pessoa e criar uma nova situação de direito e
dever. Nenhuma terceira pessoa pode jamais tentar impor tal relacionamento sobre alguém que não o deseje. Por isso, o consentimento é
o elemento interno indispensável para criar-se o vínculo matrimonial.
Uma vez expresso, um consentimento válido não pode ser retirado.
Cifuentes declara que: “O centro medular do consentimento é
a vontade. O c. 1057 § 2 não dá lugar a dúvidas quando diz que “o
consentimento é um ato de vontade”. Portanto pareceria, em princípio,
que os vícios do consentimento se reduziriam àqueles que viessem
a desvirtuar a vontade propriamente dita. Mas devemos compreender
que a vontade, como faculdade humana, está em dependência da
personalidade toda”19.
Por isso, nosso Legislador diz que para contrair matrimônio
validamente, os nubentes devem consentir livremente;
“O matrimônio é produzido pelo consentimento legitimamente
manifestado entre pessoas juridicamente hábeis, e esse consentimento
não pode ser suprido por nenhum poder humano”20, e continua afirmando que: “O consentimento matrimonial é o ato de vontade pelo
qual o homem e a mulher, por aliança irrevogável, se entregam e
se recebem mutuamente para constituir matrimônio”21.
Capparelli ao expor, exegeticamente, os conteúdos de texto
legal assegura que, “fica claramente enunciado que o matrimônio
surge com o consentimento”22. E Sambrizzi ao citar Aznar Gil diz
que, “la única causa eficiente del matrimonio es el consentimiento
de dos personas, es su elemento creador y, en consecuencia, tiene
un carácter insustituible”23.
Mas o consentimento matrimonial “pode ser manifestado acompanhado de anomalias que os autores as qualificam de vícios de
consentimento, contemplados no novo Ordenamento Jurídico no
Capítulo IV do Livro IV”24.
Segundo Sambrizzi, “no deben existir impedimentos dirimentes
que impidan a los contrayentes casarse, debiendo éstos, asimismo,
gozar de la suficiente aptitud subjetiva para prestar consentimiento
para el matrimonio”25.
Desejamos abordar o tema de capacidade e analisá-lo sob os
aspectos psicológicos e da Legal Medicina Canônica. Sendo que,
“a lei canônica assimilou, dessa maneira, o progresso científico dos
últimos anos, o que muito contribuiu para aprofundar o conhecimento
da pessoa, bem como o seu respectivo grau de amadurecimento”26.
16
SEGÚ GIRONA, M. op. cit., p. 09.
17
Cânon 1105: “§ 1. Ad matrimonium per procuratorem valide ineundum requiritur: 1º
ut adsit mandatum speciale ad contrahendum cum certa persona; 2º ut procurator
ab ipso mandante designetur, et munere suo per ipse fungatur. § 2. Mandatum, ut
valeat, subscribendum est a mandante et praeterea a parocho vel Ordinario loci in quo
mandatum datur, aut a sacerdote ab alterutro delegato, aut a duobus saltem testibus:
aut confici debet per documentum ad normam iuris civilis authenticum. § 3. Si mandans
scribere nequeat, id in ipso mandato adnotetur et alius testis addatur qui scripturam ipse
quoque subsignet; secus mandatum irritum est. § 4. Si mandans, antequam procurator
eius nomine contrahat, mandatum revocaverit aut in amentiam inciderit, invalidum est
matrimonium, licet sive procurator sive altera pars contrahens haec ignoraverit”.
20
Cânon 1057 § 1.
21
Cânon 1057 § 2.
22
CAPPARELLI, J.C. Manual sobre o matrimônio no direito canônico, São Paulo: Paulinas,
1999, p. 91.
23
SAMBRIZZI, E. A. El consentimento matrimonial, Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1995,
p. 32.
24
SEGÚ GIRONA, M. Os vícios de consentimento matrimonial e o cânon 1095 do novo
Código de Direito Canônico de 1983. Revista de Cultura Teológica, São Paulo: Paulinas,
2004, p. 135-162.
18
FORNÉS, J. Derecho Matrimonial Canónico, Pamplona: Tecnos, 1999, p. 91.
25
SAMBRIZZI, E. A. El consentimento matrimonial, Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1995, p. 32.
19
CIFUENTES, R.L. op.cit., p. 304.
26
CAPPARELLI, J.C. op.cit., p. 93.
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E por isso que no nosso Ordenamento Jurídico aparecem sinteticamente as anomalias ou incapacidades consensuais.
Ortiz diz claramente o que entende por capacidade jurídica matrimonial quando afirma: “La capacidad jurídica matrimonial la tiene
todo hombre, varón o mujer, en cuanto titular del ius connubii, derecho
humano, pero también derecho fundamental del fiel que forma parte
del derecho a la libre elección de estado (c.219)”27.
E Cifuentes aborda a incapacidade que podem afetar o próprio
consentimento matrimonial ao dizer: “a incapacidade de que se trata
aqui afeta precisamente a fonte natural do consentimento, isto é, a
aptidão psíquica de entender, querer e agir”28.
Alarcón e Navarro-Valls constatam, por sua vez, que um indivíduo tendo chegado ao uso da razão pode ser portador de certas
anomalias, quando afirmam: “La persona que ha alcanzado la edad
en que se le atribuye por la ley uso de razón puede estar afectada
por anomalías psíquicas que ofrecen una gran diversidad atendiendo a su origen, a la permanencia, a su evolución, a la facultad
principalmente afectada, a la incidencia sobre la personalidad del
sujeto y sobre su comportamiento, con una abundancia de matices
no siempre bien precisados y explicados ni por la Psicología, ni por
la Psiquiatría” 29. Estes autores citam Aisa Goñi ao apresentar os
quatro grupos que podem definir uma possível nulidade matrimonial
e consequentemente o consentimento estar viciado. Os autores apresentam os fatores que podem viciar um consentimento se estiverem
presentes no momento exato de consentir. Estes são: as psicoses,
as neuroses, as personalidades psico-práticas e os transtornos
qualificados de ocasionais.
27
ORTIZ, J.F. La Capacidad para el consentimento válido y su defecto (1095). El Matrimonio
y su Expresión canónica ante el III Milenio – X Congreso Internacional de Derecho
Canónico, Pamplona: Eunasa, 2000, p. 859-872.
28
Ibid.,p. 306.
29 ALARCÓN, M.L. e NAVARRO-VALLS, R. Curso de Derecho Matrimonial Canónico y
Concordado, Madrid: Tecnos, 1994, p. 150.
Quanto às psicoses assim descrevem este quadro clínico genérico:
“Psicosis. Que son aquellos trastornos mentales tan acusados
que convierten al individuo aquejado en un ser socialmente incompetente, irresposable, gravemente inadaptado y que tiene gravemente
alteradas sus funciones intelectuales y emocionales. Entre las psicosis
endógenas o constitucionales se señalan la esquizofrenia, la paranoia,
las psicosis maniaco-depresivas, la epilepsia; entre las adquiridas o
exógenas se mencionan las toxicofrenias, las psicosis traumáticas,
las psicosis sifilíticas, etcétera”30.
As neuroses são assim descritas por estes autores:
“Neurosis. Con cuyo término se señala normalmente una disfunción psicógena cuyos síntomas son la expresión de un conflicto
psíquico interno y la manifestación de defensa contra la angustia
que procede de ese conflicto interior. Entre las distintas neurosis
cabe señalar: la neurastenia, cuyo síntoma predominante es la
fatiga crónica con dificultad para fijar la atención, gran irritabilidad;
la psicastenia, entre la que cabe destacar la neurosis obsesiva; los
estados histéricos, en los que se da a veces un fuerte egocentrismo
y una exagerada emotividad”31.
Um 3º fator que pode viciar o consentimento é atribuído à
personalidade psicopática. “Se trata de un desequilibrio cuantitativo
de la personalidad, mientras que en las psicosis y neurosis se trata
de un desequilibrio cualitativo. En las personalidades psicopáticas
predomina de modo excesivo y anormal alguno de los componentes
de la personalidad llegándose a distinguir diez tipos de psicópatas:
hipertímicos, depresivos, inseguros, fanáticos, irritables, volubles,
anéticos, histriónicos, esquizoides e inmaduros”32.
Um quarto fator que pode influenciar gravemente o consentimento
é qualificado de T.O que são assim descritos: “Trastornos ocasiona30
ALARCÓN, M.L. e NAVARRO-VALLS, R. op.cit., p. 150.
31
Ibid., p. 150.
32
ALARCÓN, M.L. e NAVARRO-VALLS, R. op.cit., p. 150.
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les. Que se refieren a aquellas personas que, sin tener propiamente
una anomalía estable de su psiquismo, por una circunstancia accidental
y episódica pueden verse en un estado de ánimo idéntico al que
resulta de una auténtica anomalía psíquica; pensemos, por ejemplo,
en el caso no infrecuente de un miedo intrínseco y la subsiguiente
conmoción de todo el psiquismo”33. Fornés citando Viladrich assim
nos fala, “que estos trastornos mentales no son la causa directa
de la nulidad del matrimonio, sino que la causa, en Derecho, es la
propia incapacidad para el consentimiento”34.
“Las enfermedades mentales y los trastornos psíquicos son
datos de hecho, supuestos variadísimos, que pueden producir o no,
dependerá de los casos; una verdadera incapacidad para consentir”35.
Segundo Alarcón e Navarro-Valls estas, “anomalías afectan
de modo peculiar al consentimiento matrimonial en vista de que se
trata de un negocio jurídico constitutivo de una especial comunidad
de vida entre dos personas, plena, indisoluble y ordenada al bien
personal de los cónyuges y la procreación”36.
A incapacidade consensual é definida e acolhida pelo nosso
legislador no Cap. IV do Livro IV no Código Latino cc. 1095-1107 e
no Código Oriental no Título 16, Artigo IV de Conselho Matrimonial
conforme os cc. 817-827.
Nesse trabalho, após esta visão de conjunto dos vícios que
podem estar presentes na hora exata ou, mais precisamente, no
momento exato de externar o consentimento matrimonial deseja
analisar e aprofundar os conteúdos do cânon 1095 que incapacita a
seus portadores de contrair matrimônio válido, pois nosso legislador
diz explicitamente: “Sunt incapaces matrimonii contrahendi: 1º qui
sufficienti rationis usu carent; 2º qui laborant gravi defectu discretionis
iudicii circa iura et officia matrimonialia essentialia mutuo tradenda
et acceptanda; 3º qui ob causas naturae psychicae obligationes
matrimonii essentiales assumere non valent”37 e no Código Oriental:
“Sunt incapaces matrimonii celebrandi”38. Daí o tema da incapacidade
para contrair matrimônio.
Este tema é antigo, principalmente no tocante ao mínimo de
maturidade exigida para contrair matrimônio válido. Alarcón e Navarro
Valls citam o próprio Santo Tomás quando dizem: “Hablando de la
madurez necesaria para fundar el matrimonio, afirma Santo Tomás:
No se exige tanto vigor de la razón para deliberar, como en otros
contratos; por ello, antes se puede dar el consentimiento matrimonial
con suficiente deliberación, que poderse realizar contratos en otras
materias sin la asistencia del tutor. La razón de ello la encontramos
en la inclinación natural al matrimonio”39. “Portanto, o grau de discernimento para o negócio jurídico ser qualificado de Matrimônio é bem
maior do exigido para outros contratos”40. Por isso que o legislador
no Código Latino diz: “Sunt incapaces matrimonii contrahendi: 1º qui
sufficienti rationis usu carent; 2º qui laborant gravi defectu discretionis
iudicii circa iura et officia matrimonialia essentialia mutuo tradenda
et acceptanda; 3º qui ob causas naturae psychicae obligationes
matrimonii essentiales assumere non valent”41 e no Código Oriental
afirma “Sunt incapaces matrimonii celebrandi”42.
Ortiz ao comentar os dois primeiros números de ambos os
códigos diz:
“Las dos primeras figuras afectan al sujeto en cuanto emisor
del acto positivo de voluntad adecuando al matrimonio, mientras que
la tercera le afecta en relación al objeto, porque no puede asumir
aquello que constituye el contenido esencial del pacto conyugal” 43.
37
Cânon 1095.
38
Cânon 818.
39
ALARCÓN, M.L. e NAVARRO-VALLS, R. op. cit., p. 152.
33
Ibid., p. 150.
40
SEGÚ GIRONA, M. Apostilas de Direito Matrimonial, p. 29.
34
FORNÉS, J. op.cit., p. 106.
41
Cânon 1095.
35
Ibid., p. 106.
42
Cânon 818.
36
Ibid., p. 151.
43
ORTIZ, J.F., op.cit., p. 863.
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Ortiz continua afirmando, “en línea de principio podría sostenerse que, las tres causas específicas están escalonadas de mayor
a menor intensidad, de tal manera que, si el sujeto incurre en la
primera, también lo hace en la segunda y en la tercera, y lo mismo
sucederá entre la segunda y la tercera, mientras puede incurrir en la
tercera y no en las dos anteriores. De todos modos, en este punto,
es preciso acudir, en su momento, al examen de la jurisprudência
para realizar las comprobaciones oportunas”44.
razão é considerado não senhor de si e equiparado às crianças” 49.
Fuenmayor ao comentar este cânon diz: “Se trata de quien carece
habitualmente del uso de razón, es decir, del que se encuentra afecto
de trastorno mental permanente. Se considera que no es dueño de
sí mismo (censetur non sui compos), motivo por el cual se le somete
a tutela. Esta presunción de incapacidad es iuris et de iure, que no
admite prueba en contrario . Se asimila en todo al infante, también
por lo que se refiere al bautismo (C. 852 § 2)”50.
Será necessário analisar e exegeticamente, aprofundar os conteúdos dos dois códigos, que seus 3 itens são idênticos.
Segundo Chiappetta, “L’uso di ragione, che si acquista normalmente a partire dai sette anni(cfr. Can. 97 § 2), appartiene per sé
alla sfera conoscitiva, anche se, per l’unità psichica della persona
umana, tutte le facoltà dell`uomo operano normalmente in una reciproca interdipendenza”51.
Por isso no n. 1: “qui sufficienti rationis usu carent”
do código Oriental “qui sufficienti rationis usu carent”46.
45
e no n.1
“Note-se, antes de tudo, que por extensão, a Doutrina pode ser
aplicada a ambos os Códigos embora apresentamos os comentários
dos autores latinos”47.
Note-se que o código de 1983 não faz distinção diz Revuelto
entre “carencia, habitual o actual, originaria a congênita y adquirida,
de suficiente uso de razón, por eso en este canon se comprenden
todas las clases de enfermedades mentales debidas a causas o
factores físicos y psíquicos, ocasionales y permanentes, culpables e
inculpables”48, e por isso mesmo todas as perturbações que envolvem
álcool, narcóticos e outros meios que possam alterar e comprometer
gravemente o uso de razão. Mas isto não significa que a pessoa não
tenha razão para outras atividades ou, que carece é o uso suficiente.
Quando usamos o termo suficiente uso da razão, nos deparamos
com o cânon 99: “Todo aquele que carece habitualmente do uso da
44
Ibid., p. 863.
45
Cânon 1095 n.1.
46
Cânon 818 n.1.
47
SEGÚ GIRONA, M. op. Cit., p. 31.
48
REVUELTO,F.A. Los capítulos de nulidad matrimonial en el ordenamiento canónico
vigente, Salamanca: UPS, 1987, p. 163.
Segundo Viladrich o legislador quer assinalar, “a dimensão radical e inicial da capacidade consensual consiste posse por parte do
sujeito contraente da suficiente vontade livre e racional para fazer
aqui e agora que o ato de contrair seja em qualquer caso um ato
humano”52.
Para Viladrich, “o ato de contrair, descrito pelo c. 110453, expressa aquela dimensão estrita do consentimento a que se refere
diretamente o número 1 do c. 1095”54.
Faílde define a incapacidade por insuficiente uso de razão em
4 pontos:
49
FUENMAYOR, A. Comentario Exegético Al Código de Derecho Canónico., p. 728.
50
Ibid., p. 728.
51
CHIAPPETTA, L., op.cit., p. 200.
52
VILADRICH, P.J. O consentimento matrimonial, Braga: Universidade de Navarra, 1997,
p. 54.
53
Cânon 1104: “§ 1. Ad matrimonium per procuratorem valide contrahendum necesse est
ut contrahentes sint praesentes una simul sive per se ipsi, sive per procuratorem. § 2.
Sponsi consensum matrimonialem verbis exprimant; si vero loqui non possunt, signis
aequipollentibus”.
54
Ibid., pp. 54-55.
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“a) No se habla aqui de falta de todo uso de razón sino de falta
de suficiente uso de razón, que evidentemente no excluye que a la
vez se dé algo de uso de razón con tal de que no sea suficiente.
ou psiquiatras cujos resultados devem ser interpretados segundo as
regras do direito” 58.
b) El uso de razón, requerido para que se dé el consentimiento
matrimonial, es por lo menos el que permita tener el conocimiento
teórico mínimo exigido en el c. 1096 § 1; si se da ese uso de razón
ya no podrá hablarse de insuficiente uso de razón.
“Tanto o alcoolismo como a Toxicomania podem alterar gravemente o uso de razão e torná-lo insuficiente. Analisaremos um
pouco mais de perto o alcoolismo e seus efeitos deletérios tanto
individuais como socialmente. Causa de tantos fracassos na vida
conjugal e familiar” 59.
c) Prescindo de algunas psicopatologías graves, como la demencia vascular y otras clases de demencia, porque en ellas nadie
celebra el matrimonio.
O alcoolismo, especificamente, pode produzir falta de deliberação e liberdade interna, bem como incapacidade de assumir as
obrigações essenciais do matrimônio.
d) Menciono, sin embargo, otras psicopatologías graves, a pesar
de que en sus grados extremos nadie celebra el matrimonio, porque
algunos pueden celebrar el matrimonio o antes o después de llegar
a esas situaciones extremas” 55.
Para Cantón, “estados anómalos que sitúan al individuo en una
fase de inconsciencia que le hace irresponsable de sus actos (mentis
exturbatio), pueden mencionarse la embriaguez perfecta, el sueño
hipnótico, el sonambulismo, la excitación y depresión subsiguiente a
la ingestión de estupefacientes (morfina, cocaína, etc.), las convulsiones epilépticas o los accesos histéricos” 60.
Para Viladrich, “a causa psíquica que explica a insuficiência
atual de uso de razão deve existir e, deve ter uma natureza que
explique causal e proporcionadamente o suficiente déficit de uso
de razão, pois carecer desta suficiência intelectiva e volitiva para
o ato humano não é, sem dúvida, um estado normal habitual nem
tão pouco atual das operações intelectivas e volitivas próprias das
faculdades superiores de qualquer ser humano” 56 .
“Conviene señalar que cuando el estado de inconsciencia hubiera sido provocado con la expresa intención de contraer matrimonio
(como puede ocurrir, por ejemplo, en la embriaguez) no por ello el
matrimonio resulta válido, pues, como observa la doctrina, no se
trata de establecer un critério sobre la responsabilidad que incumbe
al sujeto por un acto realizado en aquel estado, sino de la suficiencia
de un acto de voluntad, que no puede existir si el sujeto no está en
posesión del dominio de sus actos” 61.
Cifuentes ao tratar dos conteúdos do n.1 do c. 1095 assegura
que “nos estados de embriaguez, hipnotismo, entorpecimento e outros análogos é necessário também verificar se em cada caso este
estado privava do uso das faculdades cognoscitivas ou volitivas” 57. E
continua salientando a necessidade de perícias na área clínica para
detectar o grau de insuficiência neste determinado caso.
Dentro deste contexto Cantón nos apresenta a chamada falta
de deliberação ou liberdade interna, que equivale o da incapacidade
psíquica.
Para Cifuentes, “na determinação da capacidade mental em
todas estas situações é necessária a assistência pericial de médicos
“Como ya se ha observado, el defecto de libertad interna se
ha aplicado también en sentido equivalente al de incapacidad psí-
GARCÍA FAÍLDE, J.J. Trastornos psíquicos y nulidad del matrimonio, Salamanca: Editora
Publicaciones Universidad Pontificia, 1999, p. 193-194.
58
Ibid., p. 311.
59
SEGÚ GIRONA, M. op. Cit., p. 39.
56
Ibid., pp. 58-59.
60
CANTÓN, A.B. op.cit., p. 137.
57
CIFUENTES, R.L. op.cit., p. 310.
61
Ibid., p. 137.
55
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60
quica puesto que en los casos de incapacidad el sujeto carece del
equilibrio de sus facultades y del dominio de sus actos. No obstante,
puesto que los casos de incapacidad tienem su sede jurídica propria
es preferible, para evitar confunsiones, reservar la denominación de
falta de libertad interna para los supuestos en que el sujeto no puede
actu ejercitar su facultad de deliberación. Por otra parte, el defecto de
libertad interna ha sido utilizado para amparar jurídicamente aquellos
casos en que el sujeto se encuentra impelido a contraer por efecto
de una presión socio-ambiental y que no son reconducibles al supuesto concreto del consentimiento coaccionado. Estos supuestos,
no contemplados por el Derecho positivo, dejan el camino abierto a
la jurisprudencia que deberá resolver en la medida en que, en un
supuesto concreto, se cumplan o dejen de cumplirse los requisitos
del acto voluntario can. 1057 § 1 y 2)” 62.
Cantón conclui dizendo “debe consi narse que cuando el
individuo,a la ingestión de drogas o al abuso de bebidas alcohólicas,
tuviese sus facultades alteradas o perturbadas de forma permanente,
se estaría en un caso de mentis debilitas, cuando no de verdadera
amentia, el cual debería ser decidido a tenor de los criterios aplicables a estas situaciones”63.
Alcoolismo, uma anomalia que pode provocar tanto uso insuficiente de razão com também a incapacidade de assumir as obrigações matrimoniais.
“Se o indivíduo no momento de consentir estiver sobre os efeitos do álcool, de tal modo que lhe impeçam o ato de discernir e de
querer, este indivíduo será considerado incapaz de consentir e consequentemente de contrair conforme prescreve o cânon 1095 n.1”64.
“Se este indivíduo estiver consciente no momento de consentir,
mas habitualmente ingere quantias de bebida alcoólica que lhe tiram
o uso de razão e isto de modo continuo, este indivíduo tornar-se-á
incapaz de assumir as obrigações essenciais do matrimônio c.1095
n.3”65.
Por isso, pode-se dizer que são muitos os fatores que podem
influenciar e viciar o consentimento.
Segundo Segú Girona, “no tocante ao alcoolismo os autores
distinguem a embriaguez simples ou ocasional de alcoolismo propriamente dito qualificado de crônico e de agudo” 66.
Assim Cifuentes distingue as diversas qualificações e estados
alcoólicos, no tocante ao consentimento ou à vida matrimonial.
Cifuentes distingue-as:
“A embriagues simples ou ocasional. Esta não representará
habitualmente uma incapacidade para assumir. Unicamente poderá
anular o consentimento em vista do transtorno mental transitório que
acarreta, como já vimos anteriormente.
Alcoolismo agudo (que pode dar tanto no alcoolismo ocasional
quanto no crônico). Neste tipo de alcoolismo as perturbações são
tão graves que impedem qualquer tipo de raciocínio ou determinação
livre da vontade. Mas se não for crônico, ou frequente, não poderá
em realidade enquadrar-se no capítulo da incapacitas assumendi,
melhor seria conceituá-lo também como transtorno mental transitório.
Alcoolismo crônico. Segundo Lanversin apresenta duas características principais: a dependência e a degradação da personalidade.
Pela primeira, o alcoólatra sente uma necessidade irresistível de
bebida; pela segunda, o indivíduo vai perdendo, pouco a pouco,
a inteligência, a memória e a vontade, a estabilidade psíquica e a
consciência moral. Representa, em realidade, uma autêntica degradação da personalidade” 67.
62
CANTÓN, A.B. Compendio de Derecho Matrimonial Canonico., p. 137.
65
63
Ibid., p. 137.
66
Ibid., pp. 39-40.
Ibid., p. 40.
64
SEGÚ GIRONA, M. op. Cit., p. 39.
67
CIFUENTES, R.L. op.cit., pp. 326-327.
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García Faílde, visando a prática processual, define a anomalia
do alcoolismo, dividindo-o em duas fases a do alcoolismo agudo e
do alcoolismo crônico, desenvolvendo assim não só o conceito e a
etiologia, mas a sua divisão.
“Esta distinción por más que teórica es muy importante para la
práctica en los procesos de nulidad del matrimonio, ya que el consentimiento puede ser materialmente prestado o por un contrayente
que esté ebrio sin que sea alcoholizado o por un contrayente que
es alcoholizado sin que esté ebrio, o por un contrayente que esté
ebrio y que sea alcoholizado, pudiendo ser muy diversas en los
distintos casos las consecuencias jurídicas relativas a la validez de
ese consentimiento”68.
Faílde por ter sido Decano da Rota Espanhola e Psiquiatra,
objetiva a praticados tribunais e assim descreve o alcoolismo e suas
diversas faces:
A 1ª é qualificada de leve, a 2ª de grave e, a 3ª de causa ou
sono profundo.
Assim Faílde descreve a 1ª fase e seus sintomas e conse­
quências.
“1.º De la fase ligera: La disminución de la atención y del potencial de la facultad crítica y de la inhibición psicomotora e impulsiva.
Es la fase que suele denominarse con la expresión de estar alegre
y que suele corresponder a niveles de alcoholemia comprendidos
entre 0,3 y 1 gr. Por 1.000”69.
“A sintomatologia da 2ª fase do alcoolismo é grave por estar
acompanhada de transtornos e distúrbios graves”70.
“2.º De la fase grave: La prevalencia de los trastornos de obnubilación de la conciencia de nivel profundo (con pensamiento incohe-
rente, desorientación, etc.); la paralización prácticamente total de los
centros inhibitivos que conlleva el que la conducta esté dirigida por
los instintos y por las pasiones; el aumento de la insensibilidad hasta
poder llegar a una verdadera anestesia; el crecimiento exagerado de
la irritabilidad con propensión a la violencia, etc. Esta fase es la más
cualificada y la más peligrosa de la embriaguez aguda y en ella la
alcoholemia oscila entre los 2 y los 3 gr. por 1.000”71.
A 3ª fase é a pior de todas, chegando-se a total inconsciência:
“3.º De la fase de coma o de sueño profundo: La intensificación
de los síntomas neuropsíquicos propios de las dos fases anteriores;
la plena inconsciencia con abolición de todos los reflejos, con desaparición de todos los mecanismos de defensa y de conservación,
etc. En ella la alcoholemia suele estar elevada por encima de los 3
gr. por 1.000”72.
Quanto ao Alcoolismo Crônico, Faílde inicia chamando a atenção
para a própria qualificação e usa de adjetivo crônico, operacionalizando
cientificamente e dando-lhe um sentido mais adequado neste texto e
contexto e frisando as diversas situações e as variáveis que devem
ser analisadas e ponderadas para se chegar a esta qualificação. Eis
o que diz Faílde:
“El adjetivo crônico alude al hecho de que tanto el estado de
alcoholización como las alteraciones psíquicas, físicas y/o sociales,
producidas por el abuso del alcohol, permanecen en los lapsos de
abstinencia; no alude al hecho de que el alcohol haya sido consumido
en dosis abundantes y por tiempo prolongado, porque el consumo
de alcohol en dosis abundantes y por tiempo prolongado no define
necesariamente el alcoholismo crónico, ya que existen personas que
abusan de las bebidas alcohólicas durante años sin ilegar por eso a
tal estado, y existen personas que llegan a tal estado al poco tiempo
de haber comenzado a beber”73.
68
GARCÍA FAÍLDE, J. J. Manual de Psiquiatría Forense canónica, Salamanca: Publicaciones
Universidad Pontificia, 1991, p. 406.
69
Ibid., p. 406.
72
Ibid., pp. 406-407.
70
SEGÚ GIRONA, M. op. Cit., p. 40.
73
Ibid., p. 409.
71
GARCÍA FAÍLDE, J. J., op.cit., p. 406.
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O autor continua chamando a atenção de como se pode passar
de um estado atual para um habitual podendo ser classificado de
uma espécie de psicose tóxica.
Assim diz Faílde: “Cuando del estado actual se pasa al habitual,
el alcoholismo llega a ser una especie de psicosis tóxica, originada
de una defectuosa integración de la personalidad o de inmadurez que
lleva a buscar refugio y satisfacción en el uso abusivo del alcohol”
74
. Note-se, porém que a sintomatologia psíquica pode-se instaurar
paulatina mas progressivamente.
Para Faílde, “los síntomas psíquicos del cuadro del alcoholismo
crónico se afirman lentamente con pasos, no siempre diferenciales,
entre el estado normal y el estado patológico” 75.
A patologia clínica pode ser diagnosticada na anaminese em
duas fases: a prodrómica e a crônica.
Faílde em sua obra assim descreve estas fases:
“La fase prodrómica: Esta fase se inicia y progresa paulatinamente y, como acabo de indicar, después de un tiempo que suele
oscilar entre los seis meses y los cinco años, conduce al cuadro de
estado” 76.
“La fase de estado de alcoholismo crónico: Prescindo de un conjunto de transtornos, que suelen acompañar al estado de alcoholismo
crónico, de naturaleza neurológica (como la disartria, los temblores
de manos y de párparados, etc.), de naturaleza digestiva (como la
gastritis, la cirrosis hepática, etc.), da naturaleza respiratoria (como
la bronquitis, la neumonía, etc.), de naturaleza cardiovascular (como
la miocardiopatía, etc.), de naturaleza endocrina (como la atrofia testicular que se manifesta en un déficit del impulso sexual, etc.), etc”77.
74
MARTÍN, L.G. op.cit., p. 121.
75
Ibid., pp. 409-410.
76
Ibid., p. 410.
77
Ibid., p. 410.
Este autor descreve também como podem se instaurar as psicoses qualificadas de alcoólicas. Seus sintomas e consequências:
“Las psicosis alcohólicas se dan en el uso excesivo o prolongado de bebidas y comportan siempre graves transtornos mentales
más o menos graves según la subespecie que se haya originado,
pero siempre con una merma notable de las facultades superiores
en orden a los actos responsables de la vida” 78.
Stankiewicz numa de suas sentenças na parte da “IN IURE”
descreve o que se entende por alcoolismo crônico. No tocante à
falta de discrição de juízo 79.80
“O Legislador na questão das incapacidades quis acolher tudo o
que as mais modernas ciências de comportamento incluíam, sabendo
que a expressão falta de discrição de juízo é ampla e abrangente
incluindo desde a falta de amor até a imaturidade, implicando com
isso a incapacidade do indivíduo de aceitar-se a si mesmo como
ele é: de aceitar o outro como ele é e de ser capaz de um relacionamento heterossexual estável. Estas são as notas características
78
MARTÍN, L.G. op.cit., pp. 121-122.
Ibid., pp. 121-122: “1º. Em primer lugar la prueba plena del defecto de discreción de
juicio en orden al matrimonio se admite siempre que en un determinado caso concurran
hasta cinco criterios: la antiguedad y la gravedad del proceso tóxico; cualificados
estigmas de amencia; internamientos en centros psiquiátricos; anestesia moral. Pero
no se requiere que estas condicionestengan que darse conjuntamente para poder
llegar a la certeza moral de defecto de discreción de juicio. Basta la mayor parte de
ellas. Y puede incluso existir certeza moral si junto a alguna de aquellas condiciones
se encuentran síntomas tales como delirios y alucionaciones que permiten encuardrar
el caso dentro de las psicosis.
2º. Cuando estas condiciones no se dan se admite solamente la presunción del defecto
de discreción de juicio para contraer, si existe alguno de dichos criterios y hay indicio
grave de la existencia del defecto si se cuenta con el diagnóstico cierto de alcoholismo
crónico de celebrarse el matrimonio” .
79
80
ALARCÓN, M.L. e NAVARRO-VALLS, R. op. cit., pp. 168-169: “La dificultad estriba
en que el alcoholismo crónico es un proceso lento y progresivo de degradación de
la persona y no puede determinarse a priori cuándo se ha llegado a un grado tal de
deterioro de la personalidad del que pueda concluirse la falta de discreción de juicio
o de capacidad para las obligaciones y la relación interpersonal”.
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do processo de maturidade e, consequentemente, a capacidade de
assumir os ônus essenciais”81.
Por isso Viladrich ao comentar o n.2 do c.1095 inicia dizendo:
“O legislador emprega no nº. 2 do c.1095 uma expressão a
discrição de juízo de longa tradição na doutrina canónica sobre a
incapacidade, mas dota-a de importantes perfis relativamente ao seu
antigo significado, que era mais genérico e menos preciso”82.
Para Cifuentes, “o c.1095, 2º específica este segundo item, levando em consideração que a falta de responsabilidade e ponderação
no juízo seja talvez um dos defeitos de maior repercussão no meio
social da segunda metade do século XX, não podemos pensar que
qualquer falha nesse sentido possa incapacitar para o matrimônio”
83
. Serrano é muito mais explícito e corajoso dizendo que a falta de
discrição de juízo, hoje significa imaturidade.
“Es esta única capacidad para el matrimonio, que hemos tratado
de identificar previamente, la que tenemos que hallar por tanto en la
aplicación del n.2 del can. 1095. Y dado el uso abundante hecho de
la inmadurez en tales casos, procuraremos encontrarla en conexión
con la así llamada inmadurez de la persona”84. “Após o brilhantismo
de Monsenhor Serrano nas suas sentenças os autores e comentaristas começaram aceitar este posicionamento”85.
Viladrich tenta definir o “termo” discrição e juízo.
Assim diz: “Em primeiro lugar, a discrição do juízo significa
uma específica medida de maturidade para o conjugal que resulta
da adequada proporcionalidade que deve haver entre as obrigações
cônjuge e a capacidade de entendê-las e querê-las por parte do
81
SEGÚ GIRONA, M. op. cit., pp. 47-48.
82
VILADRICH, P.J. op.cit., p. 59.
83
CIFUENTES, R.L. op.cit., p. 311.
84
85
contraente. O sujeito que possui esta proporção ou medida de maturidade é discreto. Em segundo lugar, o termo juízo faz referência
a um momento singularmente culminante, ainda que complexo, do
processo de livre autodeterminação racional do ser humano; trata-se
do ponto em que a razão pratica”86.
Faílde por sua vez, como bom psiquiatra que é, afirma:
“El can. 1095 em los números 1 y 2 se refiere a los componentes “cognitivo-deliberativo-volitivo” del acto psicológico humano del
consentimiento matrimonial que dicen relación directa a la dimensión
racional y libre de los contrayentes considerados como sujetos activos o como causa eficiente del matrimonio in fieri y, por lo mismo,
como personas psicológica y jurídicamente capaces de hacer eses
acto psicológico humano”87.
Faílde é bem mais profundo ao apresentar a discrição de juízo
diferenciando incapacidade inabilidade.
Para Faílde a incapacidade é a “falta de capacidad natural
para hacer el contrato matrimonial; el que es naturalmente incapaz
de realizar un determinado acto jurídico puede realizar físicamente
ese acto, en ocasiones, pero ese acto será desde el punto de vista
jurídico inexistente”88. Enaquanto a inabilidade: “por el contrario, presupone en el contrayente esa capacidad natural, la cual, sin embargo,
carece de eficacia para dar vida no al contrato matrimonial sino al
matrimonio llamado in facto esse como consecuencia de que una
ley positiva, sea humana o sea divina, se ha interpuesto impidiendo
que aquella capacidad natural tenga esa eficacia: esa ley positiva
ha impedido que el contrayente, dotado de un jus connubii por ser
naturalmente capaz, haga eficazmente uso de ese jus connubii y, en
consecuencia, ha hecho que su capacidad natural se acompañe de
su inhabilidad jurídica”89.
86
VILADRICH, P.J. op.cit., pp. 60-61.
SERRANO RUIZ, J.M. Algunas sugerenciais para la interpretacion del canon 1095, 2º.
Anuario Argentino de Derecho Canónico, Buenos Aires, v.1, pp. 72-73, 1994.
87
GARCÍA FAÍLDE, J.J. La nulidad matrimonial, hoy, Barcelona: Bosch, 1999, p. 221.
88
Ibid. p. 221.
SEGÚ GIRONA, M. op. cit., p. 49.
89
Ibid., pp. 221-222.
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Segundo Segú Girona, “os autores, porém, querem não apenas
definir o que se entende por grave falta de discrição de juízo, mas
desejam saber a etiologia isto é, quais as causas ou as variáveis
que suscitam e desencadeiam esta figura que é causa de tantos
fracassos na vida matrimonial”90.
Para Revuelto: “la falta de la necesaria discreción de juicio puede
provenir bien de una anomalía o perturbación que afecte directamente al entendiemento, bien de otra que incida sobre la voluntad,
habida cuenta de la estrecha dependencia de ambas facultades en
la producción del acto humano”91.
Todas as anomalias da personalidade acabam afetando gravemente a faculdade de conhecer e de julgar e faz com que emirjam
as figuras da grave falta de discrição de juízo.
Cifuentes, diz “as doenças que principalmente atingem esta discrição de juízo, são todas as que provocam uma variação emocional
ou uma perturbação da afetividade anormal que cegam a inteligência, impedem a deliberação ponderada e terminam deteriorando a
maturidade do juízo”92.
Para Chiappetta, “le principali cause della immaturità psicologica, propriamente di giudizio, sono le aberrazioni psico-sessuali” 93.
“Tale immaturitá, tuttavia, non proviene necessariamente da
infermità di carattere psichico, anche se queste siano le cause più
frequenti”94.
Segundo Chiappetta, “normalmente, l’immaturità o ritardo affetivo è dovuto a nevrosi di varie forme, ad alterazioni o disordini di
carattere, a perversione degl’istinti, in particolare di quello sessuale”95.
Direitos e Deveres Essenciais do Matrimônio
Segundo Viladrich, “é essencial, por conseguinte, a determinação
de quais são esses direitos e deveres essenciais do matrimônio que,
no nº.2 do c.1095, se devem dar e aceitar“ 96.
“O legislador não quis comprometer uma formulação legal destes
direitos e deveres, deixando que seja a doutrina e a jurisprudência
os que vão progredindo nesse trabalho que, não é enunciativo, mas
também explicativo dos seus conteúdos e dos seus limites”97.
Segundo Segú: “Todas as legislações do mundo, por mais diversas que sejam, determinam, claramente, em que consistem os vícios
de consentimento e quais são. Essa matéria é tão grave e complexa
que atinge a própria validade do matrimônio. Daí a importância e
peso desse tema para as causas de nulidade matrimonial em geral,
contempladas nas diversas legislações. Devemos salientar, porém,
que para nós, o que mais nos interessa é a canônica e, ainda mais
específica e limitada aos vícios de contidos no cânon 1095”98.
“A doutrina e a jurisprudência contam com contributos essenciais do legislador nos textos legais dos cânones que definem o
consentimento, o consórcio de vida conjugal, as suas propriedades
e os seus fins essenciais”99.
Para Segú: “Trata-se, especificamente, dos cânones 1095 e
1098. No primeiro desses cânones englobam-se e consideram-se,
pelo novo Legislador, as mais variadas patologias clínicas, abordadas tanto pela psiquiatria como pela psicologia clínica. Todos esses
quadros clínicos prodômicos são complexivamente atingidos com a
qualificação genérica de incapacidade” 100.
96
90
SEGÚ GIRONA, M. op. cit., p. 51.
VILADRICH, P.J. op.cit., pp. 63.
97
91
REVUELTO,F.A. op.cit., p. 173-174.
Ibid., p. 63.
98
92
CIFUENTES, R.L. op.cit., p. 319.
93
CHIAPPETTA, L., op.cit., p. 205.
SEGÚ GIRONA, M. Os vícios de consentimento matrimonial e o cânon 1095 do novo
Código de Direito Canônico de 1983. pp. 135-136.
99
94
Ibid., p. 205.
SEGÚ GIRONA, M. Os vícios de consentimento matrimonial e o cânon 1095 do novo
Código de Direito Canônico de 1983. p. 63.
95
Ibid., p. 205.
100
Ibid.,p. 136.
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Ortiz citando o Papa João Paulo II no seu discurso anual a
Rota Romana , assim afirma: “Para el canonista debe quedar claro el
principio de que solo la incapacidad, y no ya la dificultad para prestar
el consentimento y para realizar una verdadera comunidad de vida y
amor, hace nulo el matrimonio. El fracaso de la unión conyugal, por
otra parte, no es en sí mismo jamás una prueba para demostrar la
incapacidad de los contrayentes, que pueden haber descuidado, o
usado mal, los medios naturales y sobrenaturales a su disposición, o
que pueden no haber aceptado las limitaciones inivitables y el peso
de la vida conyugal, sea por un bloqueo de naturaleza inconsciente, sea por leves patologías que no afectan a la sustancial libertad
humana, sea en fin por deficiencias de ordem moral. La hipótesis
sobre una verdadera incapacidad sólo puede presentarse en presencia
de una seria anomalía que, se defina como se quiera definir, debe
afectar substancialmente a la capacidad del entendiemento y / o de
la voluntad del contrayente” 101.
Para Segú: “Aqui se deseja aprofundar, apenas alguns vícios
decorrentes dos conteúdos do c.1095, que são de tal monta e graves que incapacitam o indivíduo ao externar seu consentimento,
tornando-o inválido. Mas antes de adentrarmos nesses conteúdos
propriamente ditos, é bom, salientar, a título de recordação, que os
vícios de consentimento podem-se originar tanto do intelecto como
da própria vontade, portanto os vícios têm dupla fonte” 102.
Segú ainda diz: “No tocante ao intelecto, os vícios de consentimento, inseridos no nosso Ordenamento jurídico são: a carência
de uso suficiente de razão; a grave falta de discrição de juízo para
assumir os ônus essenciais do matrimônio do dar e do receber; a
incapacidade de assumir as obrigações essenciais do matrimônio por
causas de natureza psíquica; a ignorância do próprio matrimônio em
si, ou então, de seus elementos e propriedades essenciais; o erro
tanto de pessoa como de qualidade direta e principalmente visada;
101
ORTIZ, J.F., op.cit., p. 866.
102
SEGÚ GIRONA, M. op.cit., p. 137.
o dolo usado como meio de extorquir um consentimento que, se o
contraente soubesse a verdade e a realidade dos fatos, jamais consentiria. Os vícios de consentimento que interferem na vontade do
contraente, em nosso ordenamento Jurídico são: a exclusão (simulação) total ou parcial. As condições impostas a um consentimento
podem viciá-lo e por isso mesmo não são admitidas pelo nosso
Legislador, pois o consentimento deve ser livre e espontâneo, isento
de coações e medos”103.
Viladrich conclui dizendo, “estes direitos e deveres conjugais
essenciais são correlativos, no sentido de que a cada direito conjugal
corresponde o seu próprio dever não menos essencial” 104.
OS QUE NÃO SÃO CAPAZES DE ASSUMIR AS
OBRIGAÇÕES ESSENCIAIS DO MATRIMÔNIO 1095, 3º105
Segundo o cânon 1095,3º, são incapazes de contrair matrimônio: “os que por causas de natureza psíquica não podem assumir
as obrigações essenciais do matrimônio”. Trata-se, de um vício do
consentimento que nasce da incapacidade para cumprir as obrigações
próprias do estado matrimonial por uma causa de natureza psíquica.
Segú diz que: “Após o Concílio Vaticano II, uma corrente da
própria Jurisprudência Rotal começou a fundamentar essa capacidade, na falta de objeto para o matrimônio, posto que seu portador
não era capaz de compartilhar a vida sexual digna e humana. Por
isso, estava impossibilitado de consórcio e de autêntica comunhão
de vida. A partir daí, a Jurisprudência sofreu notáveis evoluções, pois
a tendência, na aplicabilidade da Doutrina do Vaticano II, era a de
ampliar essas incapacidades, abrangendo não apenas as anomalias
sexuais, mas também, todas aquelas de caráter psíquico-afetivo que
103
Ibid., p. 137-38.
104
VILADRICH, P.J. op.cit., p. 63.
105
Cânon 1095 n. 3º “qui ob causas naturae psychicae obligationes matrimonii essentiales
assumere non valent”.
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tornavam impossível o consórcio da vida conjugal. Para aprofundar
este ponto, podem ser consultadas, além das anteriormente indicadas,
as mais recentes”106
Nell’arco dei secoli si è formata una non uniforme terminologia giuridica, in cui si confondono, accanto al linguaggio comune, i termini
tecnici di psichiatria e di psicologia” 110.
Segundo Stankiewcz, “l’analisi appropriata di un tale tema richiede
che si dia almeno un breve spazio alla presentazione della nomenclatura canonistica riguardente la vasta fenomenologia di quel complesso
problema umano che è l’incapacità psichica al matrimonio”107.
Para Viladrich, porém, “o n.º do c.1095 centra-se sobre esta
dinâmica de vida conjugal, que é o matrimônio, e considera-a enquanto todo o seu futuro desenvolvimento se assume no instante
fundacional como obrigação jurídica ou compromisso de futuro devido
em justiça entre os esposos”111, e continua afirmando que “na sua
acepção positiva, a possibilidade de assumir as obrigações essenciais do matrimônio contempla aquele suficiente governo do sujeito
que lhe confere o poder de responsabilizar, em termos de obrigação
jurídica, pelos atos e condutas do futuro, que são essenciais para a
ordenação vital do consócio conjugal para os seus fins objetivos e
que os cônjuges comprometem no momento de casar-se. Em sentido
negativo, é incapaz quem não possui o suficiente governo de si e
dos seus atos necessário para, no momento constitutivo do matrimônio comprometer o seu futuro conjugal em termos de obrigação
devida em justiça”112.
“A nova lei, ao aceitar a própria evolução científica, foi bem
mais abrangente, pois substituiu a fórmula anomalias psico-sexuais
por causas de natureza psíquica. Estas compreendem uma gama
maior de distúrbios, não apenas os da área da sexualidade humana,
mas os que se referem à própria personalidade humana com toda a
gama de psicoses, neuroses e sóciopatias, com etiologia psíquica,
ou mesmo psicossomática. Numa palavra, hoje o n.3 do c. 1095,
abrange toda a complexa realidade das síndromes e dos quadros
referenciais contidos nos tratados de psico-patologia”108.
E mais ainda: “Pode-se constatar que o n.3 do c.1095 teve um
iter longo e trabalhoso antes de chegar à sua redação final. Todos
os qualificativos dos esquemas anteriores foram substituídos pela fórmula abrangente de: causas de natureza psíquica. O texto atual não
se limita apenas às causas provenientes dos desvios da sexualidade
humana que impossibilitam uma convivência heterossexual estável
harmoniosa, pacífica e realizadora, mas vão além, ao contemplar a
vasta e complexa área das psico-patologias, que podem afetar o ser
humano temporária ou mesmo definitivamente”109.
Stankiewicz, por sua vez, declara: “Prescindiamo però in questa
sede da una dettagliata analisi storica, limitandoci ad alcuni cenni
necessari per il significato della attuale terminologia giurisprudenziale.
Segundo Segú, “as funções do perito em comportamento humano
ou em psiquiatria serão as de detectar a(s) síndrome(s), especificar
que método usou para indicar a(s) etilogia(s) específica(s) de natureza psíquica, dizer, baseado nos sintomas e nos comportamentos e
atitudes do indivíduo, se no momento de consentir esta determinada
patologia estava latente ou manifesta, em outras palavras, o diagnóstico deve dizer explicitamente se a patologia detectada poderia ser
antecedente e/ou concomitante à manifestação do consentimento” 113.
López Alarcón e Navarro-Valls, dizem que “es um negocio jurídico
un imposible porque el sujeto carece de la facultad de disponer del
objeto del contrato, es decir, no puede comprometer la realización de
106
SEGÚ GIRONA, M. op.cit., p. 155.
107
STANKIEWICZ,A. L’incapacità Psichica Nel Matrimonio, Roma: Apollinaris, pp. 48-71,
1980.
110
Ibid., p.48.
111
VILADRICH, P.J. op.cit., pp. 65.
108
SEGÚ GIRONA, M. op.cit., p. 155.
112
Ibid., p. 65.
109
SEGÚ GIRONA, M. op.cit., p. 155.
113
SEGÚ GIRONA, M. op.cit., p. 157.
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las prestaciones personalísimas que están en la esencia del objeto
del matrimonio”114 e continuam asseverando que “hay que distinguir
entre incapacidad para asumir las obligaciones esenciales del matrimonio e incapacidad para cumplirlas, aunque guardan entre sí directa
relación cuando afecta a la validez del matrimonio. Las persona
que no está capacitada, por defecto psíquico común, para cumplir
dichas obligacionespodrá causasr la nulidad del matrimonio por falta
de suficiente uso de razón o defecto de discreción de juicio. A hora
bien, la persona que esté afecta de un defecto psíquico típico que le
impide asumir – sea consciente o no de ello – su cumplimiento, es
decir, ser protagonista, en sus elementos esenciales, de la comunidad
íntima de vida matrimonial, contrae inválidamente por este capítulo
de la incapacidad de asumir. Por último, si el sujeto es capaz de
asumir dicho cumplimiento cuando contrae el matrimonio y efectivamente cumple, mas posteriormente sobreviene la imposibilidad de
cumplimiento, por razones psíquicas o de otro orden, no hay razón
de nulidad de matrimonio por este capítulo”115.
Segú diz, “nosso Ordenamento Jurídico, neste campo específico
da Medicina Legal, no sentido descrito acima, para se evitar toda e
qualquer injustiça, requer laudos periciais, pois se constitui numa grave
injustiça qualificar alguém como doente quando é hígido e normal.
Este é uma espécie de campo minado ou mar das tormentas em que
se tem de agir com muita calma, sabedoria e prudência”116. Viladrich
acrescenta que “definida a ação de assumir, compreender-se-á a dose
de equivocidade que têm os termos cumprir ou realizar, que às vezes
se utilizam para traduzir o assumere do n. º 3 do cânon 1095”117.
Para Cifuentes, “ao ficar enquadrado este motivo de nulidade
em um item especial (o n. º 3), o Legislador parece estar já indicando que lhe quer outorgar uma entidade própria diferente das duas
anteriores”118. Por outro lado Segú afirma que: “nosso Legislador
também determina e delimita as funções dos peritos, de modo
particular os constituídos ex officio, portanto distintos em ciência e
consciência do seu trabalho. Sabem que sua função precípua é a
de clarear as questões propostas, pois seu laudo será revestido de
grande peso e valor na hora do pronunciamento do juiz”119.
Para Cantón, “la presencia de esta figura en el vigente Código
es el resultado de una importante elaboración jurisprudencial que
no hizo sino actualizar o aplicar a la materia matrimonial el principio clásico de que nadie está obligado a lo imposible”120, e continua
dizendo que “la jurisprudencia introdujo esta figura de incapacidad
para resolver litigios en que se debatía la validez del matrimonio de
personas afectadas de determinadas desviaciones sexuales (homosexualidad, ninfomanía, satiriasis, etc.). Curiosamente, algunas de estas
sentencias recogen la observación de JEMOLO en un momento en
que la doctrina canónica distaba mucho de admitir esta figura de
incapacidad y según el cual si una persona padece una alteración
morbosa del apetito sexual insaciable y al que no se puede resistir,
se le ha de considerar desposeída de capacidad matrimonial, pues
no se puede prometer aquello no se está en condiciones de disponer.
La jurisprudencia anduvo vacilante en el tratamiento jurídico atinente a
estas desviaciones sexuales, acudiendo a diversos títulos invalidantes
que podrían ser invocados según los casos: la impotencia psíquica o
funcional, la amencia o insania in re uxoria, la exclusión del bonum
prolis o del bonum fidei, etc. Más tarde, se acudió en estas hipótesis
a la teoría del negocio jurídico para ver en ellas casos de obligaciones inexistentes por falta de objeto para pasar de ahi al concepto
de la incapacidad de asumir o cumplir las obligações de imposible
cumplimiento. Por otra parte, la jurispudencia aceptó este resultado
como doctrina jurídica incuestionable y aplicable antes de que fuese
reconocida por el Código que por entonces se estaba elaborando
114
ALARCÓN, M.L. e NAVARRO-VALLS, R. op.cit., p. 162.
115
ALARCÓN, M.L. e NAVARRO-VALLS, R. op.cit., p. 163.
118
CIFUENTES, R.L. op.cit., p. 322.
116
SEGÚ GIRONA, M. op.cit., p. 157.
119
SEGÚ GIRONA, M. op.cit., pp. 157-158.
117
VILADRICH, P.J. op.cit., p. 66.
120
CANTÓN, A.B. op.cit., p. 133.
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por entender que la invalidez en caso de incapacidad de asumir las
cargas conyugales venía dictada por el derecho natural”121.
Para Segú: “O perito em patologia psico-afetiva, quando solicitado, tem por obrigação de dizer e provar se a determinada patologia
psíquica estava ou não presente no momento de consentir. No caso
em que a entrevista ou os autos analisados fizerem emergir outras,
deverão ser especificadas tanto no diagnóstico como no prognóstico,
e principalmente apresentar o grau. Quando se refere ao matrimônio,
se o diagnóstico for grave, implicará como consequência um vício de
consentimento, inabilitando por falta de condições de quem o emitiu”122.
Sambrizzi citando Bonet Alcón afirma, “que en la causal contemplada en el parágrafo 3 se incluyen los casos de ninfomanía y
satiriasis, como también los de homo-sexualidad y los relativos a
perversiones psicosexuales, como sadismo, masoquismo, fetichismo,
etc; e igualmente los casos en que existe una incapacidad para
realizar una relación interpersonal, sea por neurosis o por trastornos
de personalidad”123.
Segú apresenta as dificuldades de se compreenderem as anomalias ao dizer: “não é fácil compreender como possam aparecer
essas anomalias e/ou patologias psíquicas, uma vez que na maioria
das vezes, as faculdades superiores permanecem hígidas e em
pleno funcionamento, mas nem sempre associados. Por isso, alguns
defendem que o n. 3 do c.1095, propriamente, não se constituiria
em novo título de nulidade, mas estaria, de per si, já contido no n.
2, que trata, como se sabe, da grave falta de discrição de juízo”124.
Cifuentes citando Pompedda afirma, “que para além destas anomalias em sentido estritamente sexual, existem outras deformações
de caráter moral – hábitos radicados profundamente na personalidade e condicionamentos existenciais – como também não faltam
anomalias que incapacitam não já para a consumação sexual do
matrimônio, mas para o cumprimento do direito à comunidade de vida
e amor: assim acontece nos casos graves de egoísmo, narcisismo,
imaturidade afetiva 125 e alcoolismo. Segú, por outro lado, afirma que
“a norma possui alguns tópicos que merecem um aprofundamento
maior. Entre os quais a questão da impossibilidade de assumir as
obrigações essenciais. Essa incapacidade deverá estar sempre presente no momento do próprio nascedouro do matrimônio. Portanto,
a primeira consequência grave é que a impossibilidade de assumir
as obrigações essenciais incapacitará esse indivíduo de contrair
matrimônio. Esta é a razão porque o cânon inicia com as palavras:
São incapazes de contrair matrimônio” 126.
Ortiz citando Martín de Agar afirma que, “Se há detenido em
la prueba pericial a propósito del c.1095 § 3, aunque buena parte
de sus reflexiones pueden proyectarse también sobre el resto del
preceptp. Apunta la conveniencia de que el perito se pronuncie sobre
el grado o la gravedad clínica del trastorno padecido por el sujeto y
sobre la certeza acerca de su propio dictamen” 127.
Castaño e Hervada citados por Segú atestam, “que não é
possível alguém ser capaz de consentir, se ao mesmo tempo não for
capaz de assumir as obrigações essenciais do matrimônio. Provam
dizendo que quando alguém consente no matrimônio, consente para
este matrimônio concreto e determinado, isto é, consente para um
negócio jurídico bem caracterizado, entre outras coisas, pelos direitos
e deveres que se devem dar e receber reciprocamente. Aceitar o
ônus é a mesma coisa que assumi-los. Portanto, quem não puder
assumir as obrigações essenciais não poderá contrair. Dessa forma,
esses autores e, outros mais, defendem a correlação temporal entre
as duas incapacidades – a de contrair e a de assumir” 128.
121
CANTÓN, A.B. Compendio de Derecho Matrimonial Canonico., p. 133.
125
122
SEGÚ GIRONA, M. op.cit., p. 158.
126
CIFUENTES, R.L. op.cit., p. 326.
SEGÚ GIRONA, M. op.cit., p. 159.
123
SAMBRIZZI, E. A. op.cit., p. 55.
127
ORTIZ, J.F., op.cit., p. 872.
124
SEGÚ GIRONA, M. op.cit., p. 158.
128
SEGÚ GIRONA, M. op.cit., p. 160.
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Fazendo uma leitura contemporânea Segú diz: “O matrimônio,
hoje, é descrito como consortium totius vitae, isto é, como uma
relação inter-pessoal, que inclui a totalidade de duas vidas que se
doam mutuamente para constituir uma só carne. Nesse sentido, as
obrigações essenciais estão incluídas no objeto do matrimônio; são
talvez o aspecto mais importante, pelo menos sob o ponto de vista
jurídico. Trata-se, portanto, dos ônus que atingem a própria essência
do consortium matrimoniale”129.
Segú, concluindo diz: “Uma coisa é certa, os ônus acidentais
não entram nesse título de nulidade nem podem dirimir o matrimônio,
pois não passariam de meros papéis, distribuídos convencionalmente
pela própria sociedade. Para a nulidade do matrimônio deve-se entrar
no âmbito das essências e não dos acidentes”130.
O BONUM CONIUGUM E A juríSDICIDADE
no MATRIMÔNIO CANÔNICO
Miguel Riondino1
SUMÁRIO: 1. Introdução e prospectiva. — 2. As raízes históricas:
a) Conceitos do direito romano. b) Conceitos patrísticos e incidência
no corpus iuris canonici pré-codicial. c) O código de direito canônico
de 1917. — 3. A virada personalista no Concilio Vaticano II: a) os
trabalhos de revisão do codex iuris canonici de 1917. b) a «árdua
hermenêutica” das disposições do CIC de 1983. c) a chave de leitura sobre a necessária juridicidade do bonum coniugum. — 4. As
contribuições sucessivas pela promulgação do código de 1983: a) As
contribuições da doutrina. b) Alguns acenos sobre a jurisprudência
rotal. — 4. O bonum coniugum em relação ao direito de família italiano.
1. O interesse que suscita o conceito de bonum coniugum explica
a vasta literatura que se continua a produzir entre os especialistas em
direito canônico. Menor atenção mereceu a matéria entre os cultores
do direito de família. Atendido o desejo desta Revista, não pretendo
oferecer uma contribuição para os canonistas, mas apresentar em
síntese os principais resultados a que cheguei neste setor. Acho
que algumas destas contribuições serão úteis aos estudiosos e aos
operadores do direito matrimonial e familiar 2.
Esta convicção induziu-me a dois estudos sobre a mediação
familiar que procurei cumprí-los no nível do direito compa­
rado3, o
129
Ibid., pp. 161-162.
130
Ibid., p. 162.
1
Doutorando em direito canônico – Pontifícia Universidade Lateranense – Roma.
2
A Revista hospedou, anos atrás, uma excelente contribuição sobre o tema, mas com
finalidades e características diferentes das que ora me predetermino cfr. S. VILLEGGIANTE, Il bonum coniugum e l’oggetto del consenso matrimoniale in diritto canonico,
em Studi, 1995, II, 691 ss.
3
Cfr. M. RIONDINO, La mediazione familiare, em Commentarium pro Religiosis, 2005,
n. 86, 39 ss.; em., Profili comparatistici della mediazione familiare in Europa, em
Apollinaris, 2006, 763 ss.
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que suscitou a idéia de enfrentar os temas jurídicos em prospectiva
interdisciplinar, com a devida atenção aos valores de fundo que permitem ao direito de ser um válido instrumento a serviço das pessoas
(especialmente daquelas mais débeis), sem perder o que caracteriza
a ciência jurídica, como método de abordagem para a experiência
humana, isto é a clareza das normas e, na medida do possí­vel, a
univocidade dos conceitos. A univocidade é um ideal a ser perseguido para assegurar uma profícua comunicação entre ordenamentos
jurídicos operantes nas mesmas realidades4.
O estudo do conceito canônico do bonum coniugum evoca as
citadas exigências de fundativa abordagem e coerente conceitualização, tendencialmente unívocas.
Com efeito, o c. 1055 do código atual (CIC) define o matrimônio
como um “pacto com o qual o homem e a mulher estabelecem entre si
a comunidade de toda a vida, por sua natureza ordenado ao bem dos
cônjuges e à procriação e educação da prole”. A norma estabelece,
portanto, a dupla finalidade para a qual o matrimônio deve tender:
o bonum coniugum e o bonum prolis. Mas a diferença do bonum
prolis, que entra nos tria bona tradicionais, definidos desde Santo
Agostinho como bens essenciais do matrimônio, o bonum coniugum
não goza de posicionamento dogmático estável no direito matrimonial,
prestando-se ainda, apesar dos vinte e cinco anos de vigência do
novo código de direito canônico, a interpretações não unívocas e,
em qualquer caso, pouco aderentes ao conteúdo normativo.
Fiel às convicções de prospectiva, que me referi antes, sintetizarei
o conceito de bonum coniugum sem renunciar a inseri-lo sobriamente em um horizonte fundativo e interdisciplinar. O primeiro aspecto
obriga a ir às raízes, tanto as de natureza jurídica extra-canônica
como as meta-jurídicas, de grande porte no direito da Igreja, cuja
evolução indicarei, superficialmente, até a atual codificação. Tratarei
dos principais problemas hermenêuticos, para posteriormente recordar
algumas contribuições da doutrina e da jurispru­dência. Em aderência
à ótica interdisciplinar, proporei certos elementos de contato entre
o bonum coniugum e o conceito de comunhão mate­rial e espiritual
dos cônjuges, presente no direito de família.
Para uma tentativa de comunicação entre o sistema canônico e o direito italiano em
matéria familiar, cfr. M. RIONDINO, Valori coniugali nel matrimônio civile e bonum
coniugum nel matrimônio canonico, em Apollinaris, 2007, 541 ss.
2. Para cada instituto do ordenamento canônico, no traçar os
perfis do conceito do bonum coniugum e identificar sua es­sência, é
obrigatório referir-me em síntese à evolução histórica. Neste sentido,
não podem ser deixadas de lado as conexões entre a atual formulação do bonum coniugum e alguns conceitos análogos formados
na evolução do instituto matrimonial. Entre os surgidos em nível
extra-canônico, são significativas as noções de consortium omnis
vitae e affectio maritalis do direito romano. Entre os conceitos meta-jurídicos, os de caritas coniugalis, amor coniugalis e maxima amicitia,
elaborados pela Patrística e pela teologia medieval, têm tido um
certo peso na progressiva formação do conceito de matrimônio por
parte da Igreja, ainda que a recepção dos conceitos romanísticos e
teológicos no corpus iuris canonici esteja subordinada à doutrina da
indissolubilidade. A centralidade do consentimento foi logo o eixo do
direito matrimonial canônico, ainda que, em sentido absoluto, só o
matrimônio rato e consumado seja indissolúvel. A primeira codificação
canônica consolida esta impostação com a hierarquia dos fins do
matrimônio, pouco atenta à repercussão jurídica dos aspectos afetivos.
Suprema Lex
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Os possíveis prejuízos para quem for menos informado sobre a
renovação do direito canônico obrigam desde já advertir que a introdução do bonum coniugum, entre as finalidades essenciais da união
conjugal, comportou a superação da conhecida hierarquia dos fins do
matrimônio. De fato, a nova lei, distanciando-se da precedente, não
tem atribuído ao bem dos cônjuges um lugar subordinado, embora
complementar ao bonum prolis, mostrando assim a paridade entre as
4
dimensões unitiva e procriativa do pacto matrimonial. Apesar disso, na
canoní­stica, resulta estafante a interpretação do bonum coniugum sem
recaídas na já superada distinção entre fins primários e secundários. Isto
torna mais árdua a aspiração à univocidade e à indiscutibilidade típica
dos conceitos jurídicos, em termos de conceito objeto deste estudo.
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82
a) Conceitos do direito romano. — O matrimônio entre os romanos era uma relação de fato consistente na união de duas pessoas,
de sexo diferente, tendo a intenção de tornar-se marido e mulher. É
exemplar a definição de matrimônio deixada por Modestino: “Nuptiae
sunt coniuctio maris et feminae et consortium omnis vitae, divini et
humani iuris communicatio” 5. Atribuída a Ulpiano é a definição proposta nas istituiões de Justiniano: “viri et mulieris coniunctio individuam
consuetudinem vitae continens” 6. No direito romano, portanto, a intenção de tornar-se marido e mulher significava, em sentido jurídico,
estabelecer uma sociedade íntima e perpétua7, transmitindo à mulher
o próprio grau e a própria dignidade social, sem deixar de lado a
procriação e a educação dos filhos8.
Esta sociedade, fundada na vida comum, faz-se necessário
entendê-la segundo a tradição romanística em matéria de família,
isto é, no conjunto de relações de poder paterno, de parentela e de
matrimônio. Como é sabido, a família romana era formada por todos
aqueles que eram colocados sob o único poder do pater familias, tanto
por razões naturais como jurídicas9. A mulher entra a formar parte da
família do marido através da conventio in manum, que comportava, por
sua vez, a ruptura com a família originária10. Na própria mulher o pater
exercia a potestas maritalis, termo diferente dos usados para indicar
o poder exercido pelo pater sobre os outros membros da família11.
Viver juntos, e fazê-lo com intenção marital, são os dois elementos que concorrem à constituição do matrimônio. Não é suficiente o
5
Cfr. MODESTINUS, Dig. De ritu nuptiarum, 23, 2.
6
Cfr. IUSTINIANUS, Institutiones. De patria potestate, 1, 9.
7
Cfr. U. NAVARRETE, Influsso del diritto romano sul diritto matrimoniale canonico, em
Atti del Colloquio romanistico-canonistico, Roma, 1979, 301 ss.
8
Cfr. B. BIONDI, Istituzioni di diritto romano, Milano, 1972, 574 ss.
9
Cfr. D. 50, 16, 195, 2: ‘familiam dicimus plures personas quae sunt sub unius potestate
aut natura aut iure subiectae”.
10
11
As formas da “conventio in manum” são a “confarreatio”, a “coemptio” e o “usus”.
Pense-se na “dominica potestas” (sobre os escravos) e ao “mancipium” (sobre os filhos
tidos em leilão): cfr. C. Lefebvre, Le mariage et le divorce à travers l’histoire romaine,
em Nouvelle revue historique de droit français et étranger, n. 42, 1918, 106 ss.
consentimento inicial, mas requer-se uma intenção duradoura, expressa
melhor como affectio maritalis, termo que descreve o respeito e a devida
consideração entre os cônjuges. Por isso os autores insistem no fato que
a relação jurídica no matrimônio romano não se exaure nos aspectos
de ordem material. Trata-se de uma relação que deve ser entendida
segundo uma acepção ética e social, ou seja como a subsistência
efetiva das relações morais e sociais recíprocas, que se manifestam e
se reassumem sob a significativa expressão honor matrimonii12.
A noção de affectio maritalis abre a porta à visão personalista
do matrimônio, vista a importância do relacionamento humano e do
respeito mútuo entre os cônjuges. É uma fresta transitória porque
entendida num esquema familiar em que era prevalente o papel
do homem (menos na condição de marido que de pater familias) e
onde o requisito do honor excluía do matrimônio iustum as uniões
entre escravos (contubernium, submetido à permissão dos patrões)
e aquelas entre livres e escravos o libertos (concubinatus)13.
O papel da affectio maritalis e do consentimento que a exprime
está presente também no momento constitutivo do matrimônio, onde
o direito romano conheceu uma evolução das formas em que o pater
familias da mulher declarava de submete-la à autoridade do marido
(cum manu), para outras em que a coabitação por um ano com intenção marital (usus) era suficiente para o reconhecimento jurídico;
na época imperial desaparecem as várias formas de matrimônio de
autoridade (matrimonium manus) e na época justiniana, com o advento do Cristianismo, impõe-se o intercâmbio do consentimento como
única forma válida para contrair matrimônio14, assim que “nuptias non
concubitus, sed consensus facit”15.
No direito romano, algum autor distingue entre o matrimônio e a
conventio in manum, instituição que se reduziria a permitir que a mulher
12
13
Cfr. P. BONFANTE, Corso di diritto romano, 1. Diritto di famiglia, Milano, 1963, 181 ss.
Cfr. C. CASTELLO, In tema de matrimônio e concubinato nel mondo romano, Milano,
1940, 61 ss.
14
Cfr. P. Voci, Istituzioni di diritto romano, Milano, 1954, 460 ss.
D. 31, 1, 15; e 50, 17, 30; cfr. O. Robleda, El matrimônio en derecho romano, Roma, 1970.
15
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fizesse parte do grupo familiar do marido. O matrimônio, ao invés, só
seria reestabelecido com a criação de uma sociedade visando a geração
e a educação da prole. Quem abraça esta teoria julga que houve um
único tipo de matrimônio, opondo-se à existência do matrimônio sine
manu, reconhecida pelos autores para explicar a exclusão do ingresso
da mulher na família do marido, portanto sem os vínculos de agnação,
ficando os da cognação; em tal caso o marido, mesmo sem ter poder
ilimitado sobre a mulher e os seus bens (enquanto esta última ficava
inserida na sua família de origem), possuía então a potestas maritalis, e
podia exigir o respeito às exigências da comunidade de vida conjugal16.
Em todo caso, em ambas as hipóteses, é fundamental a vontade dos dois para estabelecer e manter a relação conjugal. Pode-se,
portanto, afirmar que na cultura romanística aflora o conceito de bonum coniugum, manifestado no consortium omnis vitae e na affectio
maritalis. Ambos os conceitos, sob o nível existencial, consistem na
rela­ção inter-pessoal que se instaura entre os cônjuges, baseada no
amor e no respeito mútuo. Se a affectio maritalis acabasse, terminava o matrimônio, tanto pelo divórcio por acordo mútuo, como por
repúdio unilateral17. Compreende-se, portanto, como, na formação da
idéia jurídica do matrimônio da Igreja, a evocação embora válida, à
affectio maritalis, possui limites aplicativos.
b)Conceitos patrísticos e incidência no corpus iuris canonici
pré-co­dicial. — A recepção, portanto, da tradição romanística em
nível do direito da Igreja é subordinada ao destaque que os conceitos
indicados mereciam na igual dignidade entre os cônjuges (atribuindo
ao amor o primado na união conjugal)18 e na indissolubilidade intrín-
seca do matrimônio estabelecido por consentimento valido19 (ratum).
A isto logo se ajuntaram, como elemento específico, as exigências
superiores da fé ao enfrentar a união entre pagãos e convertidos ao
Cristianismo, objeto de atenção desde São Paulo, para assegurar o
bem das pessoas.20
Nestas bases se desenvolveu o instituto matrimonial na experiência eclesial,21 considerado desde o início como uma realidade humana
e natural22, na qual a obra de evangelização não deseja contra­star ou
sobrepor-se às dimensões humanas e sociais que lhe são próprias,
mas aperfeiçoá-las com o anúncio salvífico23. O funda­mento da sistemática matrimonial nesta esfera dupla (a ordem da criação e da
graça) coloca no centro, como valores antropo­lógicos, as dinâmicas
de liberdade e doação comunicativa entre os cônjuges, onde a união
sexual exprime a mais profunda verdade da pessoa24. A Igreja logo
amadureceu a sua visão na dimensão transcendente do matrimônio25,
progressivamente, se reconheceu a índole sacramental26.
Em I Cor 7, 10-11 Paulo retoma a proibição de repúdio de Mt 5, 32 e 19, 9.
19
20
21
Em Iª Cor 7, 12 desenvolve-se a “dissolubilidade extrínseca” para salvar a fé; cfr. P.
Huizing, El derecho canónico y a disolución del matrimônio, em Concilium, n. 87, 1973,
9 ss.
Cfr. F. SALERNO, Prodromi medievali del diritto matrimoniale canonico, em P A.
B0NNET-C. GULLO (organizadores), Diritto matrimoniale canonico, Città del Vaticano,
2002, 13 Ss.; J. GAUDEMET, Le mariage en Occident, Paris, 1987.
22
23
Cfr. G. FELICiani Le basi del diritto canonico, Bologna, 1997, 135.
Cfr. E. SCHILLEBEEKCX, Il matrimônio. Realtà terrena e mistero di salvezza, Roma,
1971.
Cfr. M. J. ARROBA CONDE, La coppia coniugale nella medicina canonistica: il matrimônio rato e non consumato, em C. BARBIERI (organizador), La coppia coniugale:
attualità e prospettive in medicina canonistica, Città del Vaticano, 2007, 261 ss.
24
Com a benção nupcial manifestava-se a vontade de “casar-se no Senhor” (cfr. S.I. de
ANTIOQUIA, Ad Polycarpum, 5, 2, em PG, 5, 724), conceito corrente na patrística (cfr.
K. Ritzer, Le mariage dans les Eglises chrétienens. Du I au XI siècle, Paris, 1970),
desenvolvido por Santo Agostinho (cfr. De Civitate Dei XIV, 22, em PL, 41, 429-430;
De bono coniugali III, 3, em PL, 40, 375); cfr. M. J. ARROBA CONDE, op. cit., 266 ss.
25
16
17
Cfr. Ch. LEFEBVRE, op. cit., 110 ss. Contro l’esistenza del matrimônio “sine manu”,
cfr. E. VOLTERRA, La conception du mariage à Rome, em Revue international des
droits de l’antiquité, (1955), 365-409.
Para ulteriores aprofundamentos sobre o direito matrimonial e familiar na época romana,
cfr. G.L. FALCHI, Introduzione ai fondamenti del diritto europeo, Città del Vaticano,
2007, 233 ss.
Cfr. Ef 5, 21-31; para São Paulo o matrimônio entra no nível da “nova vida em Cristo”,
onde o amor entre os esposos (complementar e recíproco) é sinal do amor de Cristo
pela Igreja e deve ter o primado.
18
Definida só no Concílio de Trento (séc. XVI), devido à urgência de outros problemas (como
a admissão dos escravos ao “matrimônio de consciência”), e à dificuldade de considerar
veículo de graça (cfr. GRAZIANO, Decretum, l, c. 101) uma realidade que inclui o exercício
da sexualidade, num contexto longínquo para coletar os seus positivos valores; sobre
este ponto, cfr. L. MUSSELLI-E. GRILLO, Matrimônio, trasgressione e responsabi­lità nei
penitenziali. Alle origini del diritto canonico ocidentale, Pavia, 2007, 57 ss.
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A Igreja juridicamente aceitou o direito romano com tudo aquilo
que obrigava os cônjuges, exceto nos aspectos incompatíveis com
o ius divinum 27 Nos enfrentamentos das regulamentações jurídicas
do ma­trimônio, esta exceção colocou como ponto firme a igualdade
entre homem e mulher na dinâmica constitutiva do casal conjugal,
nunca foi abandonada, embora com oscilações lógicas que acompanham a encarnação do Evangelho na história28. Consequência
principal da firmeza é o reconhecimento dado ao livre e recíproco
consentimento como única causa eficiente do matrimônio, desvalorizando outros aspectos privile­giados pelo direito romano29 ou por
outras legislações, que achavam incompreensível a consideração
de igualdade dos esposos e, por conseguinte, o destaque exclusivo
que cabe ao amor recíproco na vontade de constituir o estado de
vida conjugal30.
Para formulá-lo em termos jurídicos e em normas próprias31, a
Igreja mantém o princípio básico da necessidade do livre consentimento como exigência intrínseca da essência do matrimônio32, pois
nenhum poder humano possa supri-lo33, menos ainda, revogá-lo. O
aperfeiçoamento evangélico nos confrontos do ma­trimônio juridicamente modelado pelo consentimento, como momento co­
nstitutivo,
se livremente prestado, se fez logo constar a irrelevância atribuída
à sua falta, para por fim ao mesmo livremente34. A fidelidade e a
indissolubilidade intrínseca do matrimônio são fruto do próprio consentimento, adquirindo, pois, firmeza peculiar pela natureza sacramental
das núpcias35. A necessidade do consentimento, estando em jogo a
opção sobre o próprio estado de vida, é prova da defesa do valor
de liberdade que, junto com a comunicação, fundamenta a visão
personalista da antropologia cristã.
Este foi, desde as origens, o eixo da ação da Igreja sobre o
matrimônio, do ponto de vista doutrinal e teológico. Disto dão testemunho as coleções apostólicas, os cânones dos primeiros Concílios,
os primeiros autores da Patrística, grega e latina, e os livros penitenciais. Portanto, se trata de intervenções não diretamente voltadas
a criar leis, de natureza meta-jurídica, mas de grande destaque na
configuração dos princípios de fundo da doutrina eclesiástica sobre
o matrimônio, progres­sivamente constituídas no corpus iuris canonici,
onde o eixo consiste na centralidade do consentimento.
Conhecida é a discussão entre as Escolas de Bolonha e de
Paris sobre a relevância da consumação do matrimônio por atribuir,
ao pacto matrimonial válido, a nota de perpetuidade36. Numa visão
27
Antes de estabelecer uma sistemática jurídica própria, a ação da Igreja está coligada
ao auge, à decadência e ao despertar do direito romano no tocante ao direito germânico, pelo que foi árduo estabelecer o núcleo original da sua disciplina normativa:cfr.
F. SALERNO, op. cit., 16; cfr. L. MUSSELLI, Il matrimônio nel diritto canonico. Profili
generali e processuali, em C. BARBIERI-A. LUZZAGO-L. MUSSELLI, Psicopatologia
forense e matrimônio canonico, Città del Vaticano, 2005, 9 ss.
Na I Cor 7, 3-4 na inculturação deste valor, Paulo raciocina em termos de igualdade;
cfr. A. FUMAGALLI, Il matrimônio come bene interpersonale, em Aggiornamenti sociali,
2005, 790 55.
31
A disciplina estritamente jurídica da Igreja, forma-se no Medievo, precedida de longa
experiência de jurisdição, primeiro nos fiéis (Episcopalis Audientia), depois nos súditos
do império, sendo a Igreja a única autoridade pública, em Ocidente, para poder-se
ocupar: cfr. M. J. ARROBA CONDE, op. cit., 267.
Os autores sustentam que os impedimentos e a forma, com os quais o ordenamento regula
a habilidade jurídica para prestar e manifestar o consentimento, respondem às exigências
do próprio ordenamento, extrínsecas em si ou apenas indiretamente ligadas aos valores
do vínculo conjugal; estes, ao invés, não poderiam surgir sem capacidade e vontade de
obrigar-se a eles, única exigência intrínseca”: cfr. M. J. ARROBA CONDE, op. cit., 268.
32
33
A forma pode ser suprida ou dispensada, assim como os impedimentos estabelecidos
no direito positivo.
34
28
Cfr. A. D’AURIA, Il consenso matrimoniale, Roma, 2007, 90 ss.
29
Com o ideal cristão, os principais contrastes são a prevalência do dote o os interesses
familiares ao estipular as núpcias, a visão machista do pátrio poder, o divórcio e a
irrelevância da autonomia da mulher, estranha ao direito Germânico que vê na cópula
o momento constitutivo do matrimônio: cfr. L. MUSSELLI, Il matrimônio nel diritto canonico, cit., 10 ss.
30
35
A indissolubilidade intrínseca é a impossibilidade de dissolver a união válida sem a
intervenção do poder público, ou sem uma forma reconhecida. A revogação do consentimento explica a legitimidade do divórcio no direito romano, com apenas a entrega
do libelo de repúdio: cfr. R. ORESTANO, La struttura giurídica del matrimônio romano
dal diritto classico al diritto giustinianeo, Milano, 1951.
Cfr. M. J. ARROBA CONDE, op. cit,, 268: “achar natural a obrigação de fidelidade,
oriunda da propriedade essencial da unidade, contrasta com as formas, mesmo
residuais, de matrimônio poligâmico; mais frequente, também na doutrina clássica,
deve-se considerar que a razão natural sozinha não demonstra que o matrimônio seja
absolutamente indis­solúvel”.
36
Cfr. A. OTTAVIANI, Institutiones luris Publici Ecclesiastici, II. Ecclesia et Status, Città
del Vaticano, 1960, 44 ss.
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cristã da união conjugal não tem lugar as teorias que fazem depender a perpetuidade do vínculo da permanência da affectio maritalis.
A instância inteira da legislação eclesiástica matrimonial referente
ao corpus iuris canonici amadurece na consolidação da centralidade
do consentimento legitimamente manifestado. O consentimento, e não
a cópula ou a affectio maritalis, é o fator constitutivo do matrimônio,
ainda que só ao matrimônio rato e consumado acrescenta-se-lhe a
nota da indissolubi­lidade. Sob o aspecto jurídico, a situação descrita
aparece, à primeira vista, pouco atenta aos aspectos afetivos.
Seria, porém, redutivo examinar a questão apenas sob o aspecto da lenta formação de normas positivas, sobretudo tardias na
Igreja. Antes das normas, e como quadro interpretativo das mesmas
estão os ensinamentos de alguns Padres da Igreja, cujas doutrinas
podem ser chamadas de origens daquilo que, muito tardiamente, foi
formulado e levado ao conceito de bonum coniugum.
O primeiro autor a quem é necessário citar é Santo Ambrósio,
mesmo definindo a mulher como uma ajuda que Deus concedeu ao
homem em vista da procriação, Santo Ambrósio sublinha elementos
preciosos orientados à compreensão do amor recíproco e do matrimônio como sacramento. De fato, no pensamento do grande bispo
de Milão, emerge não apenas a uma caro, elemento que sublinha a
união física e material, mas também a caritas, isto é o amor conjugal como elemento espiritual; neste sentido, mesmo sem tirar ainda
precisas consequências jurídicas, entende-se que o matrimônio não
se origina só pelo consentimento humano37, mas deriva também do
próprio Deus e requer ser vivido secundum harmoniam, portanto
segundo a caridade, porque Deus est Cari­tas 38.
Grande riqueza sobre conteúdos do matrimônio encontra-se nas
obras de Santo Agostinho, que delineia um quadro de valores e juízos
37
Cfr. S. AMBRòsiO, De mist. virg., 6, 41.
38
Paulo VI, na encíclica Humanae vitae, n. 8,1, retoma parte do pensamento de Santo
Ambrósio na passagem em que se afirma que “o amor conjugal revela a sua verdadeira natureza e nobreza quando é considerado na sua origem suprema, que é Deus
é amor” (cfr. em AAS, 60, 1968, 485).
morais que por séculos informaram a consciência e a ética cristãs,
merecendo-lhe o qualificativo de “doutor do matrimônio”. Com ele, por
vez primeira, verifica-se a passagem de uma visão prevalentemente
ascética, forjada nos confrontos entre matrimônio-virgindade, para
um interesse puramente teoló­gico sobre o matrimônio, considerado
na bondade que possui em si mesmo, identificando aqueles bens
que o resgatam, contrabalançando, o mal da concupiscência que se
achava estar inserido no ato conjugal39.
Nas obras que revelam esta prospectiva, o De bono coniugali
e o De nuptiis et concupiscientia, o relacionamento conjugal é considerado um bem instituído por Deus40. A verdadeira bondade do
matrimônio origina-se dos próprios bens que são o bonum prolis, o
bonum fidei e o bonum sacra­menti, todos igualmente fundamentais no
matrimônio, Santo Agostinho cria também uma hierarquia colocando
em primeiro lugar o bonum prolis, que, além de tornar fecundo o
matrimônio, torna-o também fértil de tradições e de afetos orientados
para os valores da religião cristã41.
Nesta trilogia não é expressamente formulado o bonum
conjugum, que seria entendido como o conjunto de todos os três
bona. Todavia, Santo Agostinho fala de amor coniugalis, visto
como oriundo do relacionamento matrimonial e da fraterna societas radicada na natureza social do homem e no amor espiritual
das almas. Do amor animarum de­scende a recíproca ajuda dos
cônjuges para alcançar o ideal de perfei­ç ão cristã e de felicidade
ao que cada um tende.
A dupla dimensão da união espiritual e sexual, fio con­dutor da
Patrística e da Teologia escolástica, harmoniza-se no pensamento de
Santo Tomás de Aquino, que provê uma sistematização orgânica dos
fins do matrimônio, distinguindo nisso duas realidades ou deveres. A
primeira é a realidade natural, descrita com o termo officium naturae,
39
Cfr. E. MONTAGNA, Bonum coniugum: profili storici, em AA.V., Il bonurn coniugum nel
matrimônio canonico, Città del Vaticano, 1996, 35 ss.
Cfr. SANTO AGOSTINHO, De nuptiis et concupiscientia, I, XI, 12; De bono conjugali, III.
40
Cfr. SANTO AGOSTINHO, De bono coniugali, II.
41
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comum aos animais e consiste no mandato de perpetuar a raça humana; trata-se de uma tarefa confiada ao homem na sua qualidade
de criatura racional. A segunda denomina-se officium civitatis, dever
especificamente humano que inclui o amor conjugal, porque se realiza
na ajuda mútua dos cônjuges, dando vida a um consortium totius
vitae. Isto é o pressuposto fundamental para realizar o fim primário
do matrimônio, que também Santo Tomás reconhece-o na procriação
e na educação dos filhos42.
Apesar disto, Santo Tomás afirma, pela vez primeira, com deci­
são, superando dúvidas e incertezas sobre a índole sacramental, que
com o matrimônio se comunica uma graça específica43, exaltando o
amor conjugal como maxima amicitia entre os cônjuges: “Inter virum
et mulierum maxima amicitia esse videtur: adunantur enim non solum
in actu carnalis copulae, quae etiam bestias quamdam suavem facit
amici­
tiam, sed ad totius domesticae conversationis consortium”44.
Enquanto sublinha a força coesiva do compromisso inserido no
amor co­njugal, pode-se atribuir ao Doctor Angelicus uma concepção
personalista do matrimônio.
Neste sentido, pela literatura patrística, pela escolástica e pelas
obras de Santo Tomás emanam referências preciosas ao tema do
amor conjugal, entendido como bonum coniugum, mesmo que não
adotando de modo explícito tal expressão, que só graças ao Concilio
Vaticano II fará o seu ingresso oficial na doutrina canônica, desembocando no código de direito canônico de 1983, graças à abordagem
do Magistério, da teologia e das ciências antropológicas 45.
Nem por isso foram inteiramente deixados de lado, mesmo em
documentos oficiais da Igreja, os elementos diretamente relacionados
com o amor conjugal, como exige o dado revelado na Escritura,
horizonte de interpretação obrigatória do dado normativo46.
c) O código do 1917 e os trabalhos de revisão pós-conciliares. —
O codex iuris canonici do 1917 acolheu uma concepção contratualista,
mate­rialista e procriacionista do matrimônio, sem, porém, dar uma
definição do instituto. Isto comportou que fosse limitada o destaque
jurídico dos elementos inerentes à união espiritual e interpessoal e,
focalizando em excesso a união física dos cônjuges, que é a base
permanente do consórcio conjugal. O objeto formal do consentimento
era o ius in corpus, expressão que continha em si as propriedades
essenciais do matrimônio, quais a unidade e a indissolubilidade, e o
fim primário disso, a procriação e a educação da prole.
Com efeito, mesmo sem definir o matrimônio, o CIC de 1917
prevê a definição do consentimento matrimonial, como ato jurídico
do qual surge a união conjugal, entendendo-o no antigo c. 1081 §
2 como “actus voluntatis quo utraque pars tradit et aceptat ius in
corpus, perpetuum et exclusivum, in ordine ad actus per se aptos
ad prolis generatioem”.
Em símile contexto foram esquecidos, pela maioria dos autores47, os elementos de natureza afetiva e interpessoal do matri­mônio,
reduzidos aos dois elementos expressos pela lei com fórmulas inapropriadas, isto é, o mutuum adiutorium e remedium concupiscentiae,
indicados pelo c. 1013 do código de 1917 como fins secundários da
união conjugal, subordinados ao fim primário da procriação, apesar
de escassa importância na averiguação da validade ou da nulidade
do matrimônio48. Estas fórmulas não só empobreceram o significado
Sobre a importância da individua vitae consuetudo encontram-se traços na decretal
de Alexandre III (C. 11, 10, De praesumpt. Il, 23). Sobre a importância dada ao amor
conjugal no Concílio de Trento e no sucessivo catecismo romano, cfr. E. de MARTINO,
Elementi di prova per la rilevanza del bonum coniugum nelle cause di nullità di matrimônio, Roma, 2006, 61 ss.; P. A. BONNET, L’essenza del matrimônio. Contributo allo
studio dell’amore coniugale, I. Il momento costitutivo del matrimônio, Padova, 1976.
46
42
Cfr. M. F. POMPEDDA, Amore coniugale e consenso matrimoniale, em Studi di diritto
matrimoniale canonico, Roma, 1993, 28 ss.
Sobre este ponto, cfr. P. DELHAYE, Fijación dogmática de la teologia medieval. Sacramentum, vinculum, ratum et consummatum, em Concilium, n. 55, 1970, 243 ss.
43
Cfr. Santo TOMAS De AQuINO, Summa contra gentiles, III, 123.
47
Cfr. U. NAVARRETE, Structura iuridica matrimonii secundum Concilium Vaticanum II,
em Periodica de re morali, canonica, liturgica, n. 57, 1968, 170 ss.
48
44
45
Cfr. A. LANZA, De fine primario matrimonii, em Apollinaris, 1940, 57-83 e 218-264.
A este esquema, com efeito, refazia-se a jurisprudência: cfr. coram Wynen 22 de janeiro
de 1944, em SRRD, 36 (1944) 60 ss.
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da comunhão (consuetudo) de vida, reduzindo-a à co-divisão de mesa
e leito (comunio mensae et tori), mas, também, levam a expulsá-la
da essência jurídica do matrimônio, ficando apenas o plano moral
e ético49.
Esta doutrina majoritária teve também a confirmação oficial
num decreto do então Santo Ofício, cujo pressuposto é que o fim é
o elemento que distingue de modo especifico a sociedade, embora
deve ser um único fim, indiviso e diverso do fim de outras sociedades.
Com semelhante ponto de partida mesmo que o matrimônio tenha
mais de um fim natural, o que o distingue das outras sociedades é
a procriação, único fim primário; os outros estão contidos nesse, ou
servem só de auxílio50.
Apesar disto, mesmo neste contexto legislativo e de doutrina
oficial, houve autores que, partindo de um pressuposto mais ade­rente
à centralidade das pessoas dos cônjuges, consideravam todos os fins
matrimoniais iguais e equivalentes51, não faltando porém algum autor
que considerava a comunidade de vida e a relação conjugal como
o verdadeiro fim primário, ao qual a procriação era subordinada52.
Estas concepções são os pródromos mais imediatos da doutrina do
Concilio Vaticano II, que sobre o tema matri­monial tem representado
uma autêntica reviravolta personalista.
3. O Concílio Vaticano II clarificou, na constituição Gaudium et
Spes, os valores espirituais e naturais do matrimônio, sintetizando-os
no conceito do bonum coniugum. Não se trata de uma noção que se
refira apenas a teologia, a pastoral, ou a mera dimensão existencial
da vida conjugal. Na realidade, sob a égide também do CIC 1917 os
aspectos inerentes ao recíproco bem entre os esposos foram consi49
A viravolta conciliar origina-se de ter definido o matrimônio como
“intima communitas vitae et amoris” (Gaudium et Spes n. 48), onde
o conceito de amor é entendido, não em sentido individualista ou
subjetivista, mas personalista, isto é, como dimensão objetivamente
personalizante, entendendo a pessoa como radicalmente chamada
a amar e a ser amada (ibidem n. 4). Isto confere maior dignidade
aos cônjuges, sublinhando o elemento espiritual do vínculo. Esta
prospectiva propõe a imagem de uma sociedade conjugal, não mais
fundamentada apenas em bases materiais, mas sobre todas as exigências da pessoa humana, num relacionamento de amor, consistente
na vontade de aceitação e doa­ção recíproca54.
a) Os trabalhos de revisão do codex iuris canonici de 1917.
— Estes conceitos conciliares não podiam ficar sem incidência jurídica, como demonstram as sucessivas aplicações jurisprudenciais e
doutri­nais, e, de modo especial, os trabalhos de revisão do CIC 1917,
retomados após o Concilio e concluídos em 1983 com a promulgação
do novo código.
Com efeito, a jurisprudência, mesmo sob a vigência do código
prece­
dente, apropriou-se, progressivamente, da doutrina conciliar
sobre o matrimônio entendido como comunidade de vida e de amor
ordenada ao bem da pessoa dos cônjuges. Esta finalidade encontra-
Sobre o peso desta doutrina, apresentada no tratado do Card. Gasparri, cfr.
S.VILLEGGIANTE, op. cit., 692.
53
Cfr. S.C.S. OFICIIJM, Decretum de finibus matrimonii, de 1º de abril de 1944, em AAS,
36 (1944) 103.
54
50
51
derados objeto da ação formativa e pastoral, mas alheios a essência
jurídica do matrimônio (enquanto reduzida à traditio et aceptatio do
ius in corpus) podia não garantir êxitos eficazes, não estando excluída a constituição do matrimônio válido (mesmo em termos abstratos
e aberrantes) quando um dos cônjuges é impulsionado a isso por
sentimentos negativos (por ex., a vontade de fazer o outro sofrer),
ou instrumentais (por ex., de tipo econômico)53.
Cfr. H. DOMS, Du sens et la fin du mariage, Paris, 1937.
Tal é o caso de Krempel; a respeito, cfr. C. PEÑA, El matrimônio. Derecho y praxis
de la lglesia, Madrid, 2004, 39.
52
Cfr. S. VILLEGGIANTE, op. cit., 693, onde comenta as observações de A.C. Jemolo
sobre estas aberrações.
Sobre a reviravolta conciliar, cfr. F. MENNILLO, Rilevanza giurídica dell’amore coniugale
nel matrimônio canonico, Napoli, 2006, 29 ss. Sobre o matrimônio no Concílio e no
pós-Concílio, cfr. S. LENER, Matrimônio e amore coniugale nella Gaudium et Spes e
nella Humanae vitae, em La civiltà cattolica, 1969, 25 ss.
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-se, concre­tamente, no desenvolvimento da vida conjugal (isto é, no
matrimônio in facto esse). Na superação do obstáculo que representava a precedente legislação, centrada no consentimento, como
momento constitutivo do matrimônio (in fieri), permanece pedra miliar
uma sentença rotal de 1969, na qual se afirma que tudo isto que se
requer do matrimônio in facto esse deve estar presente (nas intenções
e nas capacidades) no matrimônio in fieri55.
indole sua naturali ad bonum coniugum atque ad prolis procriationem
et educationem ordinatur” 59. No exame final do projeto por parte da
pontifícia Comissão, ampliada no ano de 1981, acabou a disputa sobre
a essencialidade do fim inerente ao bonum coniugum 60, mas desapareceu, ao mesmo tempo, a expressão ius ad vitae communionem,
que estava presente nos trabalhos preparatórios desde os anos de
197161, porque se temia pudesse criar logo problemas interpretativos.
Deste modo a comunidade de vida conjugal começou a ser
interpretada como parte da essência jurídica (e não só da ética) do
matrimônio, e portanto do consentimento. Outras sentenças rotais
moveram-se na mesma direção56 e a doutrina iniciou a falar do direito
à comunidade de vida, empenhando-se para dar entrada e destaque
jurídico adequados ao conceito de amor conjugal57.
Deixando de lado o quanto possam ser convincentes as motivações de não ter sido inserido o ius ad vitae communionem nos
esquemas finais do CIC, fica salvo o valor da affectio conjugalis,
presente na visão personalista do matrimônio do Concilio Vaticano
II. Com efeito, mesmo subtraída da definição do código, a ordenação
do matrimônio a comunidade de vida está presente seja na descrição
do pacto conjugal como totius vitae consortium, seja na proposição
das suas duas finalidades essenciais, sem hierarquia entre fim primário e secundário.
Graças aos aportes doutrinais e jurisprudenciais da época
pós-­conciliar, o conceito de bonum coniugum aparece também nos
trabalhos de revisão do código Pio-Beneditino. Estes trabalhos sob
o ponto que aqui interessa, estão caracterizados por duas linhas
de tendência, entre si potencialmente contrastantes: por um lado, a
decidida inclusão do bonum conugum entre as finalidades essenciais
do pacto conjugal, contra uma minoria de consultores que preferia
elimina-lo, para retê-lo, sobretudo, como fim subjetivo dos cônjuges58;
por outro lado, a exclusão do con­ceito de comunidade de vida e de
amor, tido pela maioria como impróprio num texto de natureza jurídica.
Assim, no Esquema de fevereiro de 1977, a ordinatio ad bonum
coniugum é introduzida como finalidade do matrimônio, igualmente a
ordinatio ad bonum prolis. A Comissão pontifícia optou pela seguinte
definição: “matrimonium est viri et mulieris totius vitae coniuctio quae
55
Cfr. coram Anné sent. diei 25 febbraio 1969, em SRRD, 61(1969)174-192.
Para uma resenha, cfr. J. . SERRANO RUIZ, El derecho a la comunidad de vida y amor
conyugal como objeto del consentimiento matrimonial: aspectos jurídicos y evolución de
la jurísprudencia de la S. Rota Romana, em Ephemerides iuris canonici, 1976, 5 ss.
56
Cfr. G. DALLA TORRE, Matrimônio e famíglia. Saggi di storia del diritto, Roma, 2006,
111 ss.; AA.VV., L’amore coniugale, Città del Vaticano, 1971, especialmente o artigo
de O. ROBLEDA, Amore coniugale e atto giurídico, 215 ss.
57
58
Neste ponto, cfr. S. VILLEGGIANTE, op. cit., 697.
Portanto, a nova legislação canônica, abraçando a conce­pção
personalista do matrimônio, sanciona o objeto do consentimento matrimonial como o ato de vontade “quo vir et mulier foedere irrevo­cabili
sese mutuo tradunt et acipiunt” (c. 1057 § 2), oferecendo também,
pela vez primeira no texto jurídico, uma definição de matrimônio:
“Matrimoniale foedus, quo vir et mulier inter se totius vitae consortium
constituunt, indole sua naturali ad bonum coniugum atque prolis generationem et educatonem ordinatam, a Christo Domino ad sacramenti
dignitatem inter baptizatos evectum est” (c. 1055 § 1).
b) A ‘árdua hermenêutica” das disposições do CIC 1983. – Como
toda novidade, também a inclusão do bonum coniugum, entre as
finalidades essenciais da união conjugal, resultou motivo de difícil
e árdua interpre­tação. As principais dificuldades foram o modo de
59
Cfr. PONTIFICIA COMISSIO CODICI IURIS CANONICI RECOGNOSCENDO, Acta
commissionis, em Communicationes, n. 9, 1977, 205.
60
61
Cfr. Communicationes, n. 15, 1983, 221.
Cfr. Communicationes, n. 3, 1971, 75.
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entender a coordenação (sem subordinação) com o outro fim essencial (a procriação e educação dos filhos) e os seus conteúdos (sem
reduzi-los aos elementos secundários do CIC de 1917).
Neste sentido, devem ser consideradas as regras hermenêuticas
do direito canônico, entre as quais prevalecem o significado textual e
o contextual (c. 17), é imprescindível recordar que o Concilio Vaticano II é o contexto obrigatório para a interpretação do código, como
expressamente teve que relembrar João Paulo II na constituição
Sacrae Disciplinae Le­ges 62, com que o promulgava. Para entender,
portanto, a noção de bonum coniugum são fundamentais as doutrinas
conciliares sobre a promo­ção da dignidade humana, entendida como
capacidade de transcender para a perfeição através da comunhão
com outros; no matrimônio tal impulso realiza-se pela una caro em
nível material e espiritual, com o enriquecimento interior e o contínuo
aperfeiçoamento que faz emergir o melhor de si mesmos.
Neste contexto, o consentimento matrimonial, qual ato suficiente
para dar vida ao vínculo conjugal, deve-se considerar como ato de
vontade de doação recíproca e irrevogável das próprias pessoas
dos cônjuges, cujo conteúdo é o compromisso de estabelecer um
consortium totius vitae. A dimensão personalista, isto é, de liberdade
e dignidade pessoal, é colocada em estreito liame com a dimensão
de relação própria da vida conju­
gal, dando um rosto concreto de
resposta à vocação e ao destino de participação no amor de Deus,
através da vontade de amá-lo concretamente no sujeito escolhido
como cônjuge e, enquanto tal, cônjuge.
Assim, sobre a coordenação do fim generativo do matrimônio,
interpretar o bonum coniugum, no contexto conciliar, significa supe­
rar não só a ultrapassada hierarquia dos fins, mas toda e qualquer
idéia de separa­
ção entre o amor conjugal e a procriação, sendo
inteligível esta última apenas como fruto e sinal do próprio amor.
Neste sentido, mesmo sendo os dois bens-valores autônomos em si,
Cfr. João Paulo II, Constitutio Apostolica, Sacrae Disciplinae Leges, de 23 de janeiro
de 1983, em AAS, 75, 1983/Il, VII-XIV.
62
não há lugar para contraposições, sem prejuízo de um ou de outro.
O reconhecimento teológico-juridico dado à sexualidade interpessoal
e, condividida no matrimônio, permite entender a compatibilidade
entre matrimônio e esterilidade, enquanto não permite rompimentos
voluntários entre união conju­gal e abertura à vida, não sendo compreensível, numa visão madura da relação interpessoal e, o fechamento do casal em si próprio ou dos síngulos membros às próprias
necessidades individuais63.
Esta última nota introduz o segundo problema hermenêu­
tico,
com relação aos conteúdos do bonum coniugum, pois seu dado
jurídico normativo necessita do auxílio da antropologia e da teologia
que se vinculam à doutrina conciliar sobre a pessoa humana como
ser livre chamado à relação. Isto significa reconhecer a pertinência
antropológica da comunicação por si livre, que se coloca na ordem
do ser e não só na do agir para remediar as próprias carências64.
A comunicação por si é entendida como vínculo constitutivo de cada
pessoa, que não anula a liberdade indivi­dual, mas orienta as próprias
escolhas de perfeição pessoal para um destino de complementaridade
e reciprocidade amorosa.
Liberdade, comunicação, aperfeiçoamento pessoal em complementaridade e reciprocidade amorosa são, portanto, os grandes
temas em torno dos quais delineiam-se os conteúdos do bonum coniugum, querendo-se ficar fiel à doutrina do Concílio (onde se forjou
o conceito), evitando interpretações redutivas, ancoradas apenas no
mutuum adiutorium et reme­
dium concupiscentiae do CIC de 1917,
totalmente insuficientes para dar razão à intima communitas vitae et
amoris, do n. 48 da Gaudium et Spes. A fidelidade ao Concílio, onde
se sublinha que o vínculo conjugal é um bem que non ex humano
arbitrio pendet, obriga porém a evitar impostações sobre o conteúdo
do bonum coniugum de molde subjetivista ou arbitrário. Tanto pela
63
Sobre a compatibilidade entre matrimônio e esterilidade, cfr. M. J. . ARROBA CONOE,
op. cit., 265. Sobre a inseparabilidade dos dois bens «sem alterar a vida do casal”
confira-se o n. 2363 do Catecismo da Igreja católica.
64
Catecismo da Igreja católica n. 2361.
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teologia (ao interpretar o dado bíblico) como pela antropologia (ao
refletir sobre as dimensões humanas acima citadas), encontram-se elementos úteis para evitar as citadas impostações redutivas e
arbitrárias, mesmo devendo reconduzi-las à obrigada jurisdicidade.
A narrativa bíblica da criação do homem e da mulher nos
oferece a reflexão primeira sobre a complementaridade que, no
matrimônio, faz dos cônjuges uma só carne 65. O relacionamento
homem-mulher é fundamental expressão do ser criado ao ponto de
ser colocado na visão teológica em relação à semelhança com o
criador: “Deus criou o homem à sua imagem, à imagem de Deus o
criou, macho e fêmea os criou” (Gen. 1, 27). A diferenciação sexual,
no sentido bíblico, permite sustentar que “o homem enquanto tal
não existe totalmente, mas só existe como macho ou fêmea. Ele
encontra sua plenitude só no ser um com o outro e este mistério
que ocorre entre o homem e a mulher é tão profundo que o seu
liame recíproco é imagem e semelhança da aliança entre Deus e
o homem” 66.
Antes do pecado original o homem e a mulher são apresentados na narrativa bíblica como iguais em dignidade e destinados a
uma união que abarca a pessoa na sua totalidade, como sugerem
as expressões “osso dos meus ossos” e “carne da minha carne”
(Gen. 2, 18-25). Disto se origina, pela sucessiva tradução jurídica,
que a complementaridade e reciprocidade entre homem e mulher
estabelecem-se entre “iguais” e que a “companhia entre os dois”
supera o nível do serviço material e a fusão sexual, para abarcar
a totalidade pessoal e espiritual. É a limitação individual a mover a
pessoa, em qualquer escolha de vida, a procurar o complemento e
aperfeiçoamento de si no liame com os outros. Entre as escolhas
de vida, o matrimônio “é a mais completa forma de liame pessoal
entre homem e mulher. Isso, como nenhum outro relacionamento
65
Cfr. F. FESTORAZZI, Principi di teologia biblica sul matrimônio e la famiglia, em Enciclopedia della famíglia, II, Napoli, 1971, 23; A. MELUZZI, Eros Agape.Un’unica forma
di amore, Roma, 2006, 207 ss.
W. KASPER, Teologia del matrimônio cristiano, Brescia, 1979, 29.
66
entre homens, abarca totalmente a pessoa dos dois partner em todas
suas dimensões” 67.
Não comprometem a citada compreensão de igualdade entre
cônjuges as conhecidas palavras de São Paulo aos Efésios (5,
22-23), onde ele manifesta-se em termos de submissão da mulher
ao marido. A teologia moderna explica que tal submissão não tem
significado servil, enquanto é inserida no simbolismo do amor de
Cristo pela Igreja, e é justificada e compensada pelo comando (voltado ao marido) de amar a mulher em tal prospectiva. A submissão
entende-se, portanto, como resposta ao amor, querendo mostrar
a doação total e incondicionada de si68. O próprio São Paulo, na
primeira carta aos Corintios (7, 1-7), afirma a igualdade dos sexos,
reportando a unidade entre os cônjuges a serviço da comunidade,
como sinal definitivo e exclusivo de um amor que implica não pertencer mais só a si mesmos. As propriedade do amor conjugal, como
a fidelidade e a perpetuidade, incidem, portanto, na compreensão
do bonum coniugum e são reforçadas pela dignidade do matrimônio
como evento sacramental na comunidade eclesial69.
Passando ora às contribuições que, pela reflexão antropológica,
podem servir para a compreensão do bonum coniugum, deve-se
reconhecer que no matrimônio é carente a prospectiva da filosofia
do direito70, enquanto existem reflexões eficazes sobre o amor conjugal no nível geral da filosofia. No pensamento aristotélico, recebido
por Santo Tomás, usa-se a mesma linguagem quando se trata da
verdade para comunicar e do amor para doar, considerado como
especifico ato da vontade. Sobre este ato, Santo Tomás afirma que
o objeto da vontade que doa deve ser duplo: o bem de doar e o
67
W. KASPER, op. cit., 19. neste sentido, o autor sustenta: “è sensato, portanto, que uma
plena união sexual entre homem e mulher tenha a sua sede no matrimônio”, (ibidem,
20).
68
69
70
Cfr. W. KASPER, op. cit., 52.
Cfr. W. KASPER, op. cit., 49.
Cfr. F. D’AGOSTINO, Verità, moralità, diritto: profili giuridici su matrimônio e famíglia,
em Anthropotes, 1999, 389 ss.
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sujeito a quem se deve doar71 A respeito dos conteúdos do bonum
coniugum, este pensamento ilumina a sadia subjetividade com que
interpretá-lo, isto é, a irrepetibilidade de cada síngula pessoa a cujo
bem juridicamente se entende obrigar.
conciliar, deve-se prover a redução própria da jurisdicidade para conseguir uma definição do bonum coniugum e o seu posicionamento na
sistemática matrimonial, especialmente quanto ao seu relacionamento
com o outro fim essencial, e também aos seus conteúdos.
De matriz platônica é a metafísica do amor de Schophenauer,
onde o amor toma a forma de admiração, de vontade de sobrevivência e é, portanto, expressão refinada do instinto, compreensí­vel só
pensando no interesse pela vida e pela geração72. Esta concepção
oferece um aspecto de complementaridade, enquanto a teoria platônica configura o amor como desejo de eternidade, ou seja como
contemplação de um ideal verdadeiro e perene, portanto de aperfeiçoamento73. Este pensamento completa-se nas reflexões de Hegel,
que entende a experiência do amor como condição da subjetividade
e da verdade de si. Em tal modo, o amor torna-se objeto de esforço
de cada espírito, e a finalidade dos sexos, mesmo permanecendo,
assume um significado também espiritual74.
A primeira observação a se fazer é que a jurisdicidade do
matri­
mônio não deriva do fato que disso se ocupe a lei positiva,
mas, mais radicalmente, do fato que o matrimônio realiza a essência da jurisdicidade, isto é, a relação75, ou, mais precisamente, a
inter-subjetividade, que na união conjugal como essência objetiva é
inter-personalidade,. Esta inter-personalidade, sendo ordenada ao bem
das pessoas, atua-se no matrimônio ainda com maior riqueza que em
outras relações jurídicas. Com efeito, o bonum coniugum termina por
ser um conteúdo objetivo de justiça, tanto como expectativa legítima
de cada cônjuge, como enquanto obrigação juridicamente exigível.
c) A chave de leitura da necessária jurisdicidade do bonum
coniugum. — Uma vez apontadas as dificuldades hermenêuticas,
procurando amealhar um tesouro dos vários chamados dos meta-jurídicos, na linha da obrigação de referência ao contexto da doutrina
Cfr. S. TOMÁS DE AQUINO, Summa Teologica I, q. 20, a. 1 ad 3: “O ato de amor
tende sempre para dois objetos, para o bem que se quer a qualquer um e para aquele
a quem se quer o bem, porque amar alguém quer precisamente dizer querer-lhe o
bem. Portanto do momento que alguém se ama, quer a si mesmo o bem, e este bem
procura de uni-lo a si mesmo por quanto pode. Por este motivo o amor chama-se força
unitiva. Enquanto pois alguém ama o outro, quer o bem a este outro e o trata como a
si mesmo, dirigindo-lhe o bem como a si mesmo. Neste sentido o amor se diz força
agregadora, porque alguém agrega um outro a si mesmo e trata-o como um outro si
mesmo.”.
71
72
73
74
Cfr. A. SCHOPENHAUER, Il mondo come volontà e rapresentazione, Il, Bari, 1928,
6 ss.: «Isto que atrai assim forte e exclusivamente o um ao outro dois indivíduos de
sexo diferente, é a vontade de viver de toda a espécie, que por antecipação objetiva-se, num modo conforme os seus intentos em um ser ao qual estes indivíduos podem
faze-lo nascer”
PLATÃO, Il convito, 206 e.: «Eis portanto a que coisa tende o amor, à posse perene
do bem”. Para aprofundar a dimensão filosófica do matrimônio, cfr. F. D’AGOSTINO,
op. cit., 375 ss.
Cfr. G.W.F. HEGEL, La fenomenologia dello spirito, em Filosofia, I, Milano, 2003.
Alguns autores tem definido o bonum coniugum como o quartum bonum a ser acrescentado aos tria bona de Santo Agostinho,
arguindo que estes últimos representam valores e propriedades do
matrimônio76, enquanto o bonum coniugum não expressaria um fim
do matrimônio, mas dos cônjuges77. Negar autonomia (como quartum)
ao bonum coniugum talvez tornaria menos clara a irredutibilidade do
mesmo ao ius in corpus, e o seu liame de coordenação com a outra
finalidade do pacto conjugal. Ao mesmo tempo, relaciona-lo exclusivamente às pessoas (como fim inerente só a elas) pode ofuscar
a jurisdicidade dos seus conteúdos, vista a árdua delimitação, com
relação à sua exigibilidade e à sua condição de deveres de justiça,
de alguns aspectos do personalismo expostos anteriormente.
Por esta razão, firmando a autonomia do bonum coniugum e a
sua natureza essencial, qual elemento constitutivo do pacto conju­gal,
75
Sobre a inclusão do matrimônio no gênero das relações em Santo Tomás, cfr. S.
VILLEGGIANTE, op. cit., 697.
76
Cfr. S. AGOSTINHO, De bono coniugale, cap. 24, n. 32: “Haec omnia bona sunt propter
quae nuptiae bonae sunt: proles, fides, sacramentum”.
77
Cfr. C. BURKE, Il bonum coniugum e il bonum prolis: fini o proprietà del matrimônio?,
em Apollinaris, 1989, 560 ss.
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para não esquecer os irrepetiveis contornos derivantes das pessoas
dos cônjuges (verdadeiro objeto material do consentimento), parece
mais pertinente assumir uma outra chave de leitura sobre sua jurisdicidade. Mais ainda como quartum bonum, o destaque jurídico do
bonum coniugum seria mais claro e unívoco se entendido como uma
“prospectiva”. Trata-se de prospectiva juridicamente exigível, entre elas
entender as outras dimensões do pacto conjugal. Esta prospectiva,
na minha opinião, encontra-se no próprio texto da lei, que descreve
o conteúdo geral do pacto conjugal com a fórmula consortium totius
vitae, horizonte mais preciso, que o legislador religa a ordenação do
matrimônio ao bem dos cônjuges.
Com efeito, a escolha legislativa do termo consortium expressará a jurisdicidade do recíproco envolvimento dos cônjuges78, cujo
compromisso específico descreve-se como um vínculo a “correr a
mesma sorte” (cum sorte)79. Esta concreta prospectiva é objetiva em
si, ainda que devendo medir-se com as pessoas dos cônjuges que
a realizam, ligados mutuamente nas várias dimensões antropológicas e espirituais. O liame que corre a mesma sorte, enquanto tal,
é jurídico, porque o consórcio é uma realidade surgida do recíproco
e livre consentimento, no qual se dá a plena (totius) relação inter-pessoal e, que pressupõe o reconhecimento do outro como pessoa,
isto é, como sujeito de direitos e deveres, além do que como um ser
humano de valor irrepetível revestido de dignidade igual à própria80.
A nota jurídica colocada pela lei em relação imediata com o
consortium é a totalidade (totius vitae, c. 1055 § 1). Isto significa que
a doação e a aceitação entre os cônjuges abarca cada aspecto da
pessoa (e não só o sexual), compreendendo a pessoa na sua globa78
A imprecisão das expressões “communio vitae” ou “coniuctio” (pela dificuldade de medir
o seu grau e qualidade jurídica) fez preferir “consortium”, termo mais preciso, mesmo
na sua generalidade, sem com isso eliminar (visto o seu significado) os aspectos
personalistas inseridas nas fórmulas abandonadas.
79
Cfr. A. MOSTAZA, El “consortium totius vitae” en el nuevo código de derecho canónico,
em Curso de derecho matrimonial y procesal canónico para profesionales del foro, VII,
Salamanca, 1986, 83 ss.
Cfr. C. PEñA, op. cit., 29 e 34.
80
lidade existencial. Embora a referência à integridade da pessoa não
seja admissível reconduzi-la a uma perda de identidade pessoal e,
deve entender-se em função da constituição de uma nova realidade
de coesão interpessoal e, como comunhão aperfeiçoante de cada
uma das pessoas.
Isto coloca em estreita união o consortium e o bonum coniugum, e reafirma no intuito de entendê-lo, em sentido jurídico, como
prospectiva imprescindível a respeito das outras dimensões do pacto
conjugal, com conteúdos cujo destaque será colocado só na sua
qualidade de conteúdos conjugais objetivamente personalizantes,
mesmo na variedade de tradu­ções do mesmo bem que cada síngulo
casal cumpre. Deste modo se evita também o esvaziamento jurídico
da nota de “plenitude”, sem entendê-la como compreendente de
qualquer exigência das pessoas, mas nem sequer como referente a
uma mera oferta de prestações sem o fim personalizante que o bem
recíproco exige na nova realidade do consortium.
Se esta interpretação for fundamentada, a categoria de prospectiva que reveste o bonum coniugum ajuda a compreender com
maior precisão jurídica o relacionamento de coordenação, e não de
subordinação, que este bem representa com relação ao fim procriativo
e ao ius in corpus que lhe é o pressuposto. O linguajar do corpo
é constitutivo da comunhão dos cônjuges e exprime o dom na sua
reciprocidade e complementaridade aperfeiçoativa e criativa (communio personarum) 81. Isto tira da doação física significados meramente
materiais ou exclu­
sivamente instrumentais em vista da procriação.
O amor e a mútua perfeição são valores autônomos, dos quais a
geração da vida é fruto e sinal82; isto que se procura simbolicamente
81
Cfr. João Paulo II, Uomo e donna li creò. Catechesi sull’amore cristiano, Città del Vaticano, 1985, 397 ss.; S. GRYGIEL, Extra communionem personarum nulla philosophia,
Città del Vaticano, 2002, 78 ss.
82
A doutrina da Constituição Gaudium et Spes, como também a da encíclica Humanae
vitae, clarifica a própria ordem moral em relação ao amor, entendido como força superior que confere adequado conteúdo e valor aos atos conjugais segundo a verdade
dos dois significados, o unitivo e o procriativo, no tocante à sua inseparabilidade.
Nesta renovada impostação, o tradicional ensinamento sobre os fins do matrimônio e
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no abraço amoroso dos corpos assume a sua mais emblemática expressão na geração adulta e responsável de um filho. A prospectiva
do bonum coniugum permite, então, definir o consentimento, qual ato
do qual surge a obrigação de justiça, como um ato de amor, ou, se
quiser (para não reduzir o amor a mero sentimento), como ato que
deve manifestar (em vista da validade) vontade de amar, decisão
de doar-se para reencontrar-se envolvido na realização do outro83.
Ao mesmo tempo, entender o bem dos cônjuges como prospectiva
permite estabelecer, mesmo na variedade existencial de cada união,
o modo que os conteúdos devam (em sentido jurídico) ser objetivamente personalizantes. Sê-lo-ão, de fato, se vividos na mais genérica
exi­gência de “correr a mesma sorte”, cuja concretização reside em
ser exigência personalizada e personalizante. A isto se devem reportar as outras notas jurídicas objetivas do pacto (indissolubilidade,
fidelidade, procriação e, em certos casos, dignidade sacramental)84
e as caracterí­sticas da relação, sugeridas pela reflexão teológica e
antropoló­gica sobre o amor (identidade livre, comunicação, aperfeiçoamento pessoal em complementaridade e reciprocidade amorosa,
igual dignidade, irrepetibilidade, totalidade e progressividade).
Estas características não perdem em jurisdicidade se, entendidas
como mínimos exigíveis para a união conjugal. Ao mesmo tempo,
as notas do pacto conjugal, inseridas a estas características, não
perdem a sua espessura intrínseca e o destaque jurídico autônomo,
mas adquirem um significado mais profundo; o relacionamento entre
as notas do pacto e a referida prospectiva do bonum coniugum como
categoria de base do consortium totius vitae enriquece-lhes o valor
personalizante e, ao mesmo tempo, oferece algumas luzes sobre
o mínimo conteúdo jurídico (juridica­
mente exigível) que o bonum
coniugum contém.
sobre sua hierarquia vem aprofundado e superado, assumindo a prospectiva interior
dos cônjuges, ou seja da espiritualidade conjugal e familiar: cfr. João Paulo II, op.
cit., 478 55.
83
Cfr. M.J. ARROBA CONDE, op. cit., 270.
84
Ou os “iura, officia et obbligationes” do c. 1095, como prefere S. VILLEGGIANTE, op.
cit., 700.
Assim, a unicidade e exclusividade da relação conjugal, para ser
um bem personalizante, exige que cada cônjuge seja considerado
único e irrepetível aos olhos do outro; o outro é insubstituível fonte
do próprio bem, antes mesmo de ser sujeito para o qual se tem a
obrigação jurídica da fidelidade. Na prospectiva do amor conju­
gal
personalizante, a fidelidade não se esgota num único aspecto (de
novo pelo único significado físico), mas refere-se à totalidade que
contra distingue o consortium. O bem da fidelidade, à luz do bem
conjugal, envolve totalmente o próprio ser, e volta-se para o outro em
todas as dimensões da sua personalidade, tanto as positivas, como
as negativas. Ao mesmo tempo, para que a fidelidade seja um bem
dos cônjuges, não é suficiente entendê-la como fidelidade ao vínculo,
mas ao amor que os une. A comunhão, assim como a maturação
das potencialidades pessoais, requerem tempo para realizarem-se e
pode acontecer que a rotina cotidiana faça enfraquecer as atenções
para com o outro, produzindo desgaste ou indiferença, que não seria
possível, não obstante as aparências, atribuir o valor de autêntica
fidelidade ao amor.
A estabilidade da união, antes de ser mero compromisso para
honrar a perpetuidade da convivência, como fatídica consequência
do vínculo, será personalizante se entendida como compromisso
crescente e constante para tornar a união cada dia mais significativa.
Com efeito, a história matrimonial está em contínuo crescimento e
requer longo tempo para alcançar a maturidade; para que se realize
o bem dos cônjuges, o relacionamento do casal deve ser colocado
perante os compromissos e as relações de outro gênero (laborativas,
sociais, ...), sem fazê-lo tornar-se um dado adquirido. Neste sentido, as
dimensões constitutivas oriundas da centralidade do bonum coniugum
são a concretização e a projeção. Construir a almejada felicidade e
o recíproco bem inter-pessoal requer vontade e capacidade de situar-se numa visão não abstrata, mas existencial, formulando, na base
de avaliações e valores pessoais, um projeto comum, sabendo que
a plenitude do amor tem um longo percurso a cumprir; sem estes
projetos comuns pode prevalecer mais facilmente o individualismo
que empobrece o casal, tornando-o insignificante com o risco de
tornar o bem dos cônjuges um esquema vazio.
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Na verdade, ulterior elemento para poder falar do “bem” é o
cuidado da própria liberdade pessoal e, a manutenção da própria
individualidade, aspecto este que não está em contradição com o
objetivo matrimonial de tornar-se “uma só carne”. Este projeto de unidade não está baseado em alienações destrutivas da própria pessoa,
centro de imputação (também jurídica) imprescindível ao qual se refere
a dimensão transcendente, vale dizer a própria dignidade qual ser
chamado a amar e a ser amado. Esta vocação repousa na própria
liberdade, que se torna liberante na assunção da responsabi­lidade do
crescimento do outro. Só com a relação baseada na confiança recíproca será possível realizar o bonum coniugum. A liberdade, entendida
como autêntica patrona de si, permite ao outro crescer, desenvolver
as próprias potencialidades e satisfazer os próprios desejos.
Na prospectiva do bonum coniugum adquire peculiar valor o
bonum prolis, cuja singular importância (também institucional) é bem
conhecida em termos de fecundidade e abertura à vida. No horizonte
proposto, porém, estas são sinais da “criatividade” inerente à união
conjugal, se, vivida como aperfeiçoamento das pessoas. A fecundidade, portanto, atesta materialmente que a união dá origem a uma
nova realidade que não está radicada ao bem dos seus protagonistas,
antes, o supera e o enriquece, criando algo novo. Esta novidade evoca
graves e novas responsabilidades (as responsabilidades genitoriais),
que devem ser mantidas mesmo na hipótese em que o desenvolver-se sucessivo da convivência não devesse ser retido, por parte dos
cônjuges, um verdadeiro bem para si e para os filhos85.
Não deve ser desligada do conceito de bonum coniugum a
própria dignidade sacramental da união entre batizados; é verdade
que, mesmo tendo havido no novo código uma certa valorização,
a dignidade sacramen­
tal do matrimônio raramente é tratada pelos
85
Tratei alhures a inseparável união entre o bonum coniugum e o bonum prolis, valendo-me da proposta do juiz rotal José M. Serrano, que mostra, qual conceito doutrinal
unitário, o de bonum familiae; neste sentido, nos casos de irremediável crise que leva
à separação conjugal em conformidade com os cc. 1151-1155, mantém-se com todo
vigor o bonum prolis (do c. 226, 2) e pode se reter um novo modo novo de impostar,
mesmo fora da convivência, o bem das pessoas e dos cônjuges; neste ponto, cfr. M.
RIONDINO, La mediazione familiare, cit., 49-50 e 55-56.
autores em estreita ligação com a descoberta da dimensão pessoal
da aliança conjugal que evoca o bonum coniugum. Ao invés, como
respeitosamente foi dito, o conceito de bonum coniugum oferece a
certeza que “no casal há qualquer coisa de Deus, direi mesmo o
coração de Deus, núcleo da divindade que se manifesta no homem
e na mulher que se amam, porque, a seu nível, a família possui as
mesmas características da Santa Trindade”86.
4. No ordenamento canônico, ficando firme a reserva de inter­
pretação autêntica das leis ao próprio Legislador, é muito impor­tante
a interpretação dinâmica das suas disposições, tanto da doutrina
(do Magistério e dos autores) como a da jurisprudência (cc. 16-19).
Antes mesmo da promulgação do código, seguindo a mudança conciliar, Paulo VI recordou aos juízes rotais a dimensão personalista
do matrimônio e sublinhou o bonum coniugum como razão principal
do relacionamento conjugal, baseado no justo apreço do amor, no
recíproco aperfeiçoamento dos cônjuges87. Esta chamada solicita a
canonística a realizar uma in­terpretação adequada, sem limitar direito
e amor, como o próprio Pontífice advertiu na carta encíclica Humanae vitae, desenvolvendo uma precisa noção de amor conjugal não
só psíquica (como sentimento), como também conotações jurídicas
(como vontade de amar), orientando além do mais para entender a
essência do bonum coniugum como unidade dos corações e perfeição
recíproca das pessoas88.
Nem sempre foi fiel a estas diretivas a interpretação que a
doutrina e a jurisprudência têm dado do bonum coniugum após a
86
87
Cfr. G. DANEELS, Carta Pastoral “L’Eglise à la maison”, em Bolletino ufficiale
dell’Aricidiocesi Malines-Bruxelles, 6 giugno 1986, 86.
Cfr. Paulo VI, Allocutio ad Prelatores Auditores, Advocatos et Officiales Tribunalis
Sacrae Romanae Rotae, ineunte anno coram admissos, 9 febbraio 1976, in AAS, 78
(1976), 206.
O amor conjugal define-se “plane humanus, hoc est sensibilis et spiritualis. Quaere non
agitur solum de vero vel naturae vel affectum impetu, sed etiam ac praesertim de liberae
voluntatis actu, eo scilicet tendente, ut per cotidianae vitae gaudia et dolores non modo
perseveret, sed praeterea, augeatur, ita nimirum ut coniuges veluti cor unum et anime
una fiunt, suamque humanum perfectionem una simul adipiscantur”: PAULO VI, Litterae
Enciclica Humanae vitae, de 25 julho de 1968, em AAS, 60 (1968), 486, n. 9.
88
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promulgação do código, devido à dificuldade intrínseca do conceito.
Apresentarei algumas das contribuições emergidas de ambos setores,
que considero um desenvolvimento ou pontualização, juridica­mente
úteis.
o homem e a mulher se comprometem totalmente um para o outro
até a morte. A doação seria mentirosa se não fosse sinal e fruto
da doação pessoal e total, na qual a pessoa inteira está presente,
mesmo na sua dimensão temporal”91.
a) As contribuições da doutrina. — Na doutrina do Magistério, na
época pós-codicial, a primeira fonte a sublinhar é constituída pelos
discursos de João Paulo II na abertura do ano judiciário da Rota
Ro­mana. Num desses, referindo-se ao bonum coniugum, retoma o
conceito de aperfeiçoamento mostrado na Humanae vitae, mas com
uma específica aplicação envolvendo o ordenamento jurídico inteiro:
“O direito canônico consente e favorece o aperfeiçoamento da pessoa
humana-cristã, enquanto conduz à superação do individualismo: pela
negação de si como exclusiva individualidade traz a afirmação de si
como genuína sociabilidade, mediante o reconhecimento e o respeito
do outro como pessoa, dotada de direitos universais e invioláveis, e
revestida de uma dignidade transcendente”89.
Na Deus Caritas est, primeira encíclica de Bento XVI, enquadra-se a ideia de aperfeiçoamento recíproco próprio do bonum coniugum na mais ampla consideração da liberdade e da comunica­ção.
A união interpessoal e sexual também é forma sublime de plenitude
e de dignidade que alcança a pessoa que desenvolve a riqueza da
sua liberdade inteligente numa comunicação de amor: “O amor entre
homem e mulher, no qual corpo e alma concorrem inseparavelmente
e ao ser humano entreabre-se uma promessa de felicidade que parece irresistível, emerge como arquétipo de amor por excelência” 92 .
Ulterior fonte, rica de contribuições para o nosso tema, é a
Exorta­ção Apostólica Familiaris Consortio. Nessa, João Paulo II
observa que no mundo de hoje presta-se uma maior atenção às
qualidades das relações inter-pessoais entre os cônjuges, à promoção da dignidade da mulher, à procriação responsável, à educação
dos filhos90. Neste horizonte anuncia um postulado que deveria,
defi­nitivamente, segregar a redução do bonum coniugum ao ius in
corpus: “A sexualidade, mediante a qual o homem e a mulher se
doam um ao outro com os atos próprios e exclusivos dos esposos,
não é de fato qualquer coisa puramente biológica, mas refere-se ao
íntimo da pessoa como tal: esta, portanto, se realiza de modo verdadeiramente humano, só se for parte integrante do amor com que
89
João Paulo II, Discorso alla Sacra Rota Romana, de 18 de fevereiro de 1979, em
L’Osservatore romano de 19 de fevereiro de 1979, 3; para uma pontual e aprofundada
análise do personalismo na jurisprudência canônica envio a C. BEGUS, Ricezione e
instituzionalizzazione del personalismo nella giurisprudenza canonica, em P. GHERRI
(organizador), Diritto canonico, antropologia e personalismo, Città del Vaticano, 2008,
163 ss.
90
Cfr. B. SORGE, Introduzione alla dottrina sociale della Chiesa, Brescia, 2006, 77 ss.
Pela doutrina do Magistério deduz-se a estreita relação entre
a finalidade do matrimônio, referente ao bem dos cônjuges, e tudo
o que, na experiência humana e cristã, aparece identificável como
“amor conjugal”, distinguindo-se de qualquer outro tipo de relação.
O bonum coniugum, porém, se identifica com o amor conjugal só
em sentido objetivo, ou seja como disposição no querer o bem do
outro cônjuge. Desta consideração, ao menos pacífica em abstrato,
a doutrina dos autores ofereceu nestes anos algumas contribuições
dirigidas a reconhecer ao amor e ao bonum coniugum um destaque
jurídico mais preciso. Prescindo de qualquer minoritária reminiscência
doutrinal oriunda das erradas interpretações sobre a omissão de toda
referência ao amor na definição codicial do matrimônio, negando-lhe
o verdadeiro destaque e interpretando o bonum conugum na linha
formulada pelo CIC de 1917 como fim secundário do matrimônio, isto
é, do mutuum adiutorium e o remedium concupiscentiae.
Uma primeira contribuição útil, bastante clara na norma, mas de
não fácil aplicação na consideração jurídica deste con­ceito, provém
91
Cfr. João Paulo II, Adhortatio Apostolica Familiaris Consortio, de 22 de novembro de
1981, em AAS, 74 (1982), n. 11.
92
BENTO XVI, Litterae enciclica Deus Caritas est, 25 dicembre 2005, em AAS, 100
(2006), n. 2.
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do ter sublinhado a diferença entre a ordenação do matrimônio ao
bem dos cônjuges e o seu alcance efetivo. Se do fato de não ter
alcançado o fim da procriação não se deduz automaticamente a
existência ou a inexistência do matrimônio válido, o mesmo pode-se dizer a respeito do bem dos cônjuges. O problema doutrinal que
coloca esta óbvia constatação é de natureza sistemática, a ponto
de duvidar se o bonum coniugum (especialmente nisto que se refere
aos seus conteúdos) deva ser considerado um fim essencial dos
cônjuges ou do matrimônio, se não, além disso, uma propriedade
antes do que um fim93.
Há quem, justamente, adverte que a excessiva insistência no
distin­guir entre finis operis e finis operantis, ainda que teoricamente
correta, no caso do bonum coniugum arrisca comprometer seu caráter essencial94, bem como a própria visão global personalista do
matrimônio, visto que o bonun coniugum é fons iurium obligationum
e em si compromete os protagonistas do pacto para a realização
desta sua ordenação institucional95. Este envolvimento implica que a
ordenação em si, e não só o efetivo alcance do bem dos cônjuges,
esteja comprometido na medida em que se refira à sua carência à
esfera das intenções ou da capacidade dos nubentes96.
A implicação das próprias pessoas dos cônjuges e a atenção de
evitar toda dúvida sobre o seu caráter essencial tem induzido outros
autores a considerar o bonum coniugum como um fourth bonum e
a definir a essência com expressões de caráter prevalentemente
psico­lógico: “partnership, benevolence, friendship, caring and love” 97.
93
Cfr. C. BURKE, Il bonum coniugum, cit., 560.
94
95
Cfr. M. F. Pompedda , Studi di diritto matrimoniale canonico, Il, Milano, 2002, 103, o
qual lembra que «na definição da essência do matrimônio qual ordenação natural deste,
[...] o bonum coniugum está representado no cânon como finalidade institucional (não
única, naturalmente) do pacto”
Cfr. S. VILLEGGIANTE, op. cit., 698.
Cfr. R. COLANTONIO, La prova della simulazione e dell’incapacità relativamente al
bonum coniugum, em AA.V.V, Il bonum coniugum nel matrimônio canonico, Città del
Vaticano, 1996, 235.
96
97
Cfr. L.G. WRENN, Refining the essence of marriage, em The jurist, 1986, 537 ss.
Uma sensibilidade símile, mas com nuances e implicações mais jurídicas, mostra quem entende a relevância do amor conjugal como
sentimento que conduz um homem e uma mulher a doar-se um ao
outro e a serem desejosos e solícitos do bem e da felicidade. Nesta
visão o bonum coniugum configura-se como “a integridade de vida e
de amor entre os cônjuges, entendida, não tanto na sua componente
erótica, quanto na afetiva”98.
Outros autores, ao invés, para evitar suspeitas de psicologismo (cuja redução à esfera do direito é sempre árdua), adiantaram
defi­nições do bonum coniugum juridicamente mais precisas, sem
compro­meter a sua essência personalista. Assim, o bem dos cônjuges identifica-se com “direito e dever dos nubentes ao compromisso,
perpétuo e exclusivo, de atuar todos os comportamentos voluntários,
naturalmente necessários e conforme às circunstâncias sócio-culturais,
idôneas a promover, num contexto de igual dignidade pessoal e, o
aperfeiçoamento espiritual, intelectual, sentimental, físico, econômico
e social, próprio e do cônjuge” 99. Em modo símile, mas sublinhando o
horizonte do liame inerente ao contexto do consortium vitae, define-se
o bonum coniugum como “recíproco aperfeiçoamento psico-sexual
dos cônjuges, impondo a cada um comprometer-se visando o bem
estar e o crescimento do outro, excluindo toda e qualquer visão de
isolado egocentrismo; o bem dos cônjuges, de fato, realiza-se na vida
do casal e através da vida do casal, no interno e no desenvolvimento
do consortium totius vitae”100.
Da importância do referido contexto do consortium em que se
realiza o bem dos cônjuges origina-se uma ulterior contribuição útil,
no tocante ao destaque jurídico que deve reservar-se ao modo em
que os cônjuges se dão e recebem o bem do outro, isto é como
se tratasse do próprio bem ou de si mesmos, vale dizer, num modo
necessariamente contra distinto da amorosa reciprocidade e igualdade,
98
Cfr. P. MONETA, Il matrimônio nel nuovo diritto canonico, Genova, 1996, 185.
99
Cfr. R. COLANTONIO, op. cit., 235.
100
Cfr. F. POSA, Il bonum coniugum nel quadro della disciplina del matrimônio canonico,
Roma, 1999, 74.
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sem lugar para a dependência ou prevalência de um dos dois, como
acontece no amor filial, ou em relacionamentos de natureza educativa.
O modo de doação requer, então, atribuir destaque à dignidade e à
liberdade de cada um, mesmo na condição de sujeito do consortium,
isto é, “aos direitos do outro cônjuge, a respeito das suas ontológicas
exigências, à sua dignidade como pessoa [...] entre cuja [...] liberdade”,
o que é incompatível com a intenção, voluntária ou involuntária, de
quem “o direito de liberdade fosse negado ao futuro cônjuge, seja
propondo-se de usá-(lo), ou de pervertê-lo moral ou religiosamente,
o de impedir-lhe o exercício das suas mani­festações religiosas”101.
Em relação, ainda, à importância jurídica que reveste a moda­lidade
livre, amorosa e paritária que implica a sua assunção, mas com especial
atenção à abertura à comunidade e à transcendência, retenho útil a
contribuição que entende o bonum coniugum como “plena realização
intra e interpessoal, realizada na recíproca dedicação, querida na doação
de amor, que faz o bem do outro (além do próprio) na comunidade
de pessoas e no agir comum, orientado, para a ajuda mútua, para o
aperfeiçoamento pessoal e, especialmente, para a santificação e quase
consagração dos cônjuges no ministério ecle­sial da família”102.
À luz da doutrina exposta, definitivamente, se deduz que a omis­
são de toda menção no código do conceito de amor conjugal não
o priva de destaque jurídico. A própria doutrina teológica recorda a
jurisdicidade do amor, mostrada no texto codicial com a escolha do
termo foedus, antes que contrato, para definir o pacto matrimonial.
Esta escolha de ressonância bíblica, recorda, com efeito, que o amor
de Deus pelo homem aparece na história humana como manifestação
de um compromisso, de uma promessa, de um pacto de aliança
que se traduz em um vínculo de amor experimentado no quotidiano.
O amor conjugal é também realização de um compromisso assumido, por uma promessa comprometida que se projeta no futuro
Cfr. L. DE LUCA, L’esclusione del bonum coniugum, em AA.V., La simulazione del
consenso matrimoniale canonico, Città del Vaticano, 1990, 137.
e é medida pela responsabilidade do homem103. No foedus reside a
expressão mais alta do amor e no consortium, ou seja no relacionamento conjugal, se enxerga o lugar onde o amor se manifesta,
cresce e se expande na sua totalidade, profundidade e beleza. Na
vida matrimonial deve realizar-se a ordo amoris, pois só o amor
conjugal permite detectar o outro como pessoa e como cônjuge,
possibilitando instaurar uma verdadeira e sólida relação conjugal.
O ensinamento conciliar sobre a dignidade e integridade da pessoa humana implica a atenção a todas as exigências do bem estar
e do aperfeiçoamento psíco-físico, espiritual e social. Estas podem
rea­lizar se no matrimônio através do bonum coniugum, permitindo
a cada um entrar, também, numa ordem de vida aberta à Graça e
à transcendência, onde inserir as inquietudes inerentes à imanência
quotidiana da relação104.
O Concílio convida a percorrer, como via única para uma autêntica
promoção da dignidade humana, a experiência para a própria perfe­i­ção através da comunhão com o outro. Na realidade do matrimônio
esta experiência se explicita na realização da una caro (material e
espiritual), baseada no enriquecimento interior e no contínuo aperfeiçoamento, isto é, com a recíproca aceitação dos próprios limites até
fazer emergir o melhor de si mesmos, graças à estima e à confiança
do outro. Com esta íntima comunhão, os cônjuges oferecem-se em
dom a si mesmos, totalmente e para sempre, com as qualidades e
os defeitos que cada um possui, nas alegrias e nas provas pelas
quais é tecida a própria existência; seguindo este percurso, os cônjuges enriquecem-se, completam-se e aperfeiçoam-se mutuamente,
conseguindo o seu recíproco “bem”.
b) Alguns acenos sobre a jurisprudência rotal. — A jurisprudência
da Rota Romana tentou especificar o bonum coniugum, mas nem
sempre obtendo êxitos uniformes. A complexidade do conceito não
facilita aos juízes a função de chegar a uma interpretação uní­voca,
101
102
Neste sentido, cfr. R. BERTOLINO, Gli elementi costitutivi del bonum coniugum, em
Monitor ecclesiasticus, 1995, 583.
103
Cfr. S. LENER, L’oggetto del consenso e l’amore nel matrimônio, em L’amore coniugale.
Annali di dottrina e giurisprudenza canonica, Città del Vaticano, 1968, 170.
104
Cfr. Gaudium et Spes, n. 4.
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não obstante os muitos esforços empreendidos como já foi dito,
antes da promulgação do novo código, as sentenças rotais mostravam o em­penho de extrair as consequências jurídicas do ius ad
vitae communionem, imerso na definição conciliar, sendo um ponto
de referência obrigatória a famosa sentença de 25 de fevereiro de
1969 coram Anné105.
Desde o período precedente até à promulgação do código
do 1983, é necessário relatar sinteticamente a contribuição desta
sentença, na que se inspira boa parte das sentenças do período
sucessivo à promul­gação. O Ponente adverte sobre a dificuldade de
definir a substância da comunhão de vida conjugal: “Profecto, onus
est difficillimum modo acurato et exhaustivo definire et esplicare quid-sub respectu iuridico­requiratur ad substantiam istius ‘consuetudinis
et communionis vitae’ quae vocatur matrimonium in facto esse et a
coniugibus pedentim mutua bona voluntate est extruenda, dum in ipso
consensu matrimoniali ius ad hanc vitae communitatem, sibi mutuo
dederunt atque correlativas obbli­gationes assumpserunt”106Afirma-se,
porém, o sensum iuridicum do bonum coniugum, visto que o ato de
matrimônio “non respicit merum factum instaurationis communitatis
vitae sed ius et obligationem in hanc intimam communitatem vitae,
quae uti elementum maxime specificum habet intimissimam personarum coniuctionem qua vir et mulier fiunt una caro, ad quam uti
culmem tendit illa vitae communitas”107.
Mesmo salvando assim o necessário significado personalista
da comunidade conjugal e do bem dos cônjuges, a sentença não
determina os conteúdos: “hoc omnis vitae consortium,[...] in ordine
existentiali [...] adest sub specibus valde diversis”108; evita, porém, reducionismos recor­dando que “obiectum, exinde, formale substantiale,
istius consensus est non tantum ius in corpus, [...] sed complecitur
etiam ius ad vitae consortium seu communitatem vitae, quae proprie
dicitur matrimonialis, necnon correlativas obligationes, seu ius ad
intimam personarum atque operum coniuctionem, qua se invicem
perflciunt ut ad novorum viven­tium procriationem et educationem cum
Deo operant sociant”109.
Uma importante contribuição complexiva do conceito, aqui objeto
de estudo, extrai-se da jurisprudência coram Serrano, cuja principal
sinalização recai sobre a necessária consideração jurídica de reco­
nhecer a relação interpessoal e, versão nítida do bem conjugal, que
requer vontade e capacidade. Mesmo repetida e pontualizada em
numerosas outras suas sentenças, a jurisprudência do citado Auditor
rotal seria incompreensível sem mencionar antes a mais famosa decisão do 5 de abril de 1973, onde valoriza o significado da aceitação
do outro enquanto pessoa, sublinhando que a traditio-aceptatio que
define o matrimônio consiste no “de acceptando altero, nec solummodo de seipso obligando seu tradendo”110.
A decisão afirma a relevância de cada forma de anomalia
psíquica que possa incidir na relação interpessoal e: “quae penes
psychiatriae cultores non atingunt formalem ‘morbi’ qualificationem
sed potest praecise incidere in facultatem subiecti nectendi relationem inter-pessoalem, qua iura alterius in seipso una cum propriis
in altero recte intelliguntur, intentione urgentur, mutua traditione et
aceptatione commutantur”111. Confirma-se, assim, o valor essencial
da communio vitae: “nequaquam licebit asserere eam ad perfectius
ve1 optabile matri­monium ideale totam pertinere, cum proprietatem
essentialem cuiscumque matrimonii in fieri costituat”112. Isto implica
que pelo ato do consentimento os cônjuges entendam (sem excluí-lo)
e estejam em grau de querer e aceitar o outro como consorte para a
vida toda, co-participar de uma caminhada percorrida em conjunto113
109
RRDec., vol. 61, 183, n. 16.
Coram Serrano, dec. diei 5 aprilis 1973, em RRDec., voI. 65, 330, n. 12.
110
Citada supra, na nota 54; a essa seguiram-se outras citadas na nota 55.
111
RRDec., vol. 61, 184, n. 17.
112
RRDec., vol. 61, 182, n. 13.
113
105
106
107
108
RRDec., vol. 65, 323, n. 3.
RRDec., voI. 65, 327, n. 8.
“A abertura para a alteridade, a aceitação do outro, a afirmação da concessão dual e
paritária da relação inter-pessoal matrimonial, a qual ‘magis in qualitate stat quam in
RRDec., vol. 61, 184, n. 16.
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(112). Numa sentença sucessiva completa-se este pensamento, afirmando que a relação interpessoal requer solidariedade intrapessoal
e, isto é “quamdam uniscuisque de seipso veram imaginem necnon
de altero”, e considerando o “ordinatum quo­que voluntatis intendendi
rationem, quae ad veram suipsius traditionem et alterius aceptationem
pervenire possit”114.
A jurisprudência rotal do período sucessivo ao código considerou
o conteúdo do bonum coniugum especialmente no contexto de causas
inerentes à incapacidade psíquica (c. 1095), reconduzindo o seu conteúdo ao ius ad vitae comunionem ou então ao consortium coniugum.
Apesar disto, mesmo em linha de princípio, logo se reconheceu a
hipótese abstrata da simulação parcial do consentimento, admitindo,
portanto, que o bonum coniugum possa ser objeto de exclusão; assim
é expresso numa decisão de 1984 coram Felice115 : “Praeter igitur
bonum sacramenti, bonum prolis et bonum fidei, quorum exclusio
partialem simulationem consensus ad normas can. 1086, 2 C.I.C. 1917
iam efficiebat, iuxta nova legem vel exclusio boni coniugum prae­bere
potest simulationem partialem consensus”116 Este posicionamento é
confirmado numa decisão coram Pompedda de 1985117, que insiste em
evitar o erro de achar a ordinatio ad bonum coniugum et ordinatio ad
generationem prolem como elementos não essenciais do matrimônio
in facto esse, onde se desfaz a consuetudo conjugalis. O Ponente
sublinha: “possumus elementa matrimonii essentialia in facto esse,
de quibus agimus, exstare ordinationem ad bonum coniugum et ad
prolem, quid autem connubium sit consortium totius vitae, idipsum,
suam accipit determinationem sub ratione temporali ab indissolubilitate
extensione consensus conjugalis’, são as novidades absolutas desta sentença, onde,
mesmo se o termo ‘bonum coniugum’ não aparece, é evidente que o significado
dado à ‘mutua sui donatio’ e à ‘personarum communio’ é em função da dimensão
da conjugalidade da relação do casal»: S. VILLEGGIANTE, Il bonum coniugum nella
giurisprudenza canonica postconciliare, em AA.VV., Il bonum coniugum nel matrimônio
canonico, Città del Vaticano, 1996, 156.
114
Coram Serrano, dec. diei 9 maii 1980, em RRDec., vol. 72, 336, n. 10.
Coram de Felice, dec. diei 19 iunii 1984, em RRDec., vol. 76, 350, n. 6.
115
116
117
Ib., 350, n. 6.
seu perpetuitate, sub ratione mutuae consuetudinis inter coniuges ab
ordenatione ad eorundem bonum, sub ratione denique intimae consue­
tudinis ab utraque simul ordenatione sive ad bonum coniugum sive
ad bonum prolis”118. Esta essencialidade não enfraquece a distinção
entre ordenação e realização “etiam se in voluntate alterutrius vel
utriu­
sque nupturientis causam habuerit”119, mas permite hipotizar a
existência de uma exclusão positiva do bonum coniugum120.
Apesar desta admissão teórica da exclusão do bonum coniugum, a maior contribuição da jurisprudência rotal refere-se às
causas de incapacidade à compreensão ou à realização do bonum coniugum, na maior parte das causas reconduzida à relação
interpessoal paritária que se encerra nisso como conteúdo global.
Neste sentido, como pontos indicativos justos de natureza restritiva,
as principais contribuições referem-se à necessidade de distinguir
entre dificuldade e real incapacidade (visto que nos cônjuges,
mesmo centrados no bem recíproco, restam, então, obrigações
assumidas que exigem esforço)121, não só entre o ideal de uma
plena maturidade que facilita uma vida conjugal feliz mas também
a maturidade mínima que torna possível uma relação interpessoal
suficientemente conjugal122.
As contribuições que contêm maiores consequências de abertura, são, em primeiro lugar, a unânime distinção que se opera entre
a incapacidade em sí e a causa psíquica que a provoca, que não
deve ser uma psicopatologia grave, mas uma condição estrutural da
pessoa, que dá certeza que a falta de realização do bonum coniugum
não é voluntária, fruto de desempenho ou de sucessivas circunstâncias levam os cônjuges a abandonar logo a visão do bem recí­proco
RRDec., vol. 87, 55, n. 7.
118
RR.Dec., vol. 87, 55, n. 8
119
120
121
RRDec., vol. 87, 54, n. 5.
Para todas, cfr. corarn Boccafola, dec. diei 23 junii 1988, em RRDec., vol. 80, 427
-428.
122
Coram Pompedda, dec. diei 29 ianuarii 1985, em RRDec., vol. 87, 55, n. 6.
Para todas, cfr. coram Davino, dec. diei 10 iulii 1992, em Monitor eclesiasticus, 118
(1993), 333.
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118
livre e validamente assumido123. A segunda contribuição, ligada à
precedente, refere-se à nota de “perpetuidade” da causa incapacitante, que é majoritariamente considerada não rele­vante124, enquanto
logicamente se deve pesquisar a sua antecedência ao matrimônio,
mesmo reconhecendo que as características da vida conjugal (nisto
consiste a novidade) podem encontrar-se no nível que se revelam
as anomalias que antes estavam presentes mas de modo latente.
Menos unânime entre os juizes rotais é a configuração de uma
incapacidade relativa, qualificação esta que desperta perplexidade125.
Para o nosso artigo, porém, é importante frisar que, apesar das perplexidades que suscita o conceito de incapacidade relativa (tendo como
pressuposto uma incapacidade que se daria só em relação a este
cônjuge concretamente), nenhuma dúvida existe sobre a necessidade
de possuir capacidade para o relacionamento, dimensão necessariamente relativa aos aspectos da união interpessoal e desta maneira
se expressa uma sentença coram Caberletti, quando diz: “Etenim
obiectum consensus est traditio et acep­tatio iuris, quod implicat ex
parte contrahentium non solum capacitatem intelligendi ac volendi
obiectum contractus materialiter in se spectatum, sed etiam capacitatem idem obiectum formaliter tradendi scilicet pre­
standi comparti
omnia quae in vita comuni coniugum essentialiter exiguntur, ut tria
bona conubii ad efectum perduci possint. Natura interpessoalis obiecti
123
Foge da finalidade deste trabalho apontar detalhadamente os principais distúrbios de
personalidade e as outras causas de originem psíquico contemplados pela jurispru­
dência. Prefiro, ao invés, oferecer uma breve resenha de sentenças que insistem na
diferença entre psicopatologia grave e causa psíquica incapacitante; cfr. coram Pompedda, dec. 30 ianuarii 1989, em RRDec., vol. 81, 537, n. 5; coram Funghini, dc. 26
iulii 1989, ibidem, 537, n. 4; coram Serrano, dec. diei 1 iunii 1990, em RRDec., voI.
82, 448, n. 5; coram Civili, dec. dici 23 octobris 1991, em RRDec., vol. 83, 570, n. 5;
coram Palestro, dec. diei 18 decembris 1991, ibidem, 824, o. 5.
Para todas, cfr. coram De Filippi, dc. diei 1 decembris 1995, em RRDec., vo1. 87, 645,
n. 6.
124
Expoente e sustentador principal da idéia é o Auditor rotal José M. SERRANO; entre
as suas contribuições na matéria, cfr. Interpretazione ed nível di applicazioe del can.
1095, 3. La novità normativa e la sua collocazione sistematica, em AA.V.V. L’incapacità
ad assumere gli oneri essenziali del matrimônio, Città del Vaticano, 1998, 28; para uma
resenha de opiniões favoráveis e contrárias a este posicioamento, cfr. A. D’AURIA, op.
cit., 245 ss.
125
consensus conjugalis exigit quidem capacitatem communionis totius
vitae peragendae, aut suipsius oblationis in conjugali consuetudine”126.
Como posição minoritária, deve-se mencionar uma sentença
de 1992, coram Burke, onde se afirma que o Concílio Vaticano lI
apresenta o matrimônio sob uma luz muito personalista. O reconhecimento codicial da ordenação do matrimônio ao bonum coniu­gum,
assim como o fato que o Catecismo da Igreja Católica apresente
o bem dos esposos e a transmissão da vida como duplo fim do
matrimônio, não são considerados argumentos suficientes, e afirma-se que “potius quam de iure ad bonum coniugum, licet considerare
cum finem (eodem modo ac consideratur finis procriativus) uti fons
iurium obligationumve. Utcumque videtur quod mensura iuridica
eorum quae ad huiusmodi iura/oflcia essentialiter pertinent in solis
tribus bonis augu­stinianis est respondenda. Iuridice loquendo, bonum
coniugum nulla iura/oficia parit; dum ergo patet quod exclusio boni
coniugum [...] nuptias invalidat non tamen patet talem exclusioem
boni coniugum aliquid substantiale comprehendere posset, quod in
tribus bonis augusti­
nianis non sit iam praesens. Praeterea petitio
qua nullutatis declaratio ob boni coniugum exclusionem quaeritur, ad
consueta capita simulationis totalis quidem partialisve magis proprie
reconducenda esse”127.
A consequência da impostação institucional e não pessoal do
bonum coniugum, afasta as expectativas das pessoas dos cônjuges,
outra não pode ser que a negação da possibilidade de configurar
um verdadeiro direito subjetivo tendo por objeto o bonum coniugum,
esquecendo a centralidade da livre vontade dos esposos no realizar
esta aliança de doação e aceitação recíprocas das próprias pessoas
dos contraentes. Num artigo posterior o Ponente comenta a própria
sentença128, e declara estar afastado da maioria, onde se interpreta
a essência do bonum coniugum relacionando-o com os conceitos
de consortium totius vitae ou communio vitae e onde é considerado
126
127
Coram Caberletti dec. diei 28 maii 1998, em RRDec., vol. 90, 414, n. 4.
Coram Burke, dec. diei 26 novembris 1992, em RRDec., voI. 74, 583-584, n.15.
128
Cfr. C. BURKE:, op. cit., 565.
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como ius ad vitae communionem ou constitutione illius communitatis vitae et amoris segundo a Gaudium et Spes. Salienta assim a
natureza institucional do bonum coniugum; o consortium totius vitae
e a communio vitae pertencem à essência, que não pode nunca se
identificar com o seu fim.
5. A análise paralela dos modelos de matrimônio civil e canônico, com a finalidade de evidenciar os elementos convergentes e
divergentes, é útil para compreender o significado de ambos. Em
relação ao bonum coniugum, seus conteúdos, como se viu, são de
difícil concre­tização, o paralelismo serve, ao menos, para passar do
mero plano teórico ao prático, bem como para coletar a essência mais
profunda que acumula o instituto matrimonial em ambos direitos129.
As etapas fundamentais legislativas e as desenvolvidas jurisprudenciais tidas tanto no Estado como na Igreja mostram que os
dois modelos de matrimônio, mesmo que respondam às exigências
de fundo não são totalmente homogêneos, “vivem num alternar-se
de recíproca atração, que se traduz numa imitação, mais ou menos
acentuada, de aspectos próprios do homólogo instituto no outro ordenamento, e de afastamento sempre e quando um dos dois institutos
recupera com vigor a própria especificidade”130.
O modelo civil131 aproximou-se em alguns aspectos ao modelo
canônico logo que se fez a reforma no direito de família do 1975.
As novidades principais neste sentido são a concessão da família
como comunidade, a igualdade dos cônjuges em dignidade e espécie sobre o plano jurídico, a valorização da mulher como mulher e
como mã­e132. Idêntica aproximação mostra o aumento das causas
de invalidade do matrimônio civil, sobretudo no tocante a erro, vio­
lência e simulação do consentimento, que induzem a requerer, como
no direito canônico, uma pesquisa mais aprofundada a respeito do
autêntico querer dos esposos133.
Em ambos os ordenamentos o matrimônio considera-se perten­
cente ao direito público, e é objeto de proteção especial como
fundamento da família. Apesar disto, é evidente a extensão do
personalismo, mesmo privado, inerente ao instituto matrimonial. No
modelo canônico os aspectos públicos e privados estão inseridos
numa prospectiva vocacional: “o matrimônio é antes de tudo um modo
concreto de responder à vocação pessoal à santidade, vale dizer ao
projeto de amor conforme o estilo de Jesus a que são chamados
todos os fiéis. Típico desta vocação e projeto de vida é a vontade
de realizar a experiência do amor condividido com um outro. [...] a
dimen­
são sacramental do matrimônio torna isto um evento muito
signi­ficativo para toda a comunidade eclesial, e por isso ultrapassa
o nível meramente privado dos cônjuges”134.
Com a reforma do direito de família, realizada com a lei n. 151
de 19 de maio de 1975135, verifica-se uma reviravolta no ordenamento
das relações familiares. Com efeito, a manutenção da sua consideração como pertencente ao direito público não impediu de chegar a um
mais moderno arranjo jurídico no relacionamento entre os cônjuges
e no modo de entender a convivência familiar136, rompendo com os
tradicionais aspectos formais e orientando-se para o objetivo de fazer
coincidir o matrimônio com uma comunhão material e espiritual de
vida, cujos efeitos são dirigidos à vontade dos esposos.
Passa-se assim para a consideração jurídica da família como
simples “célula base” da sociedade, regulando, sobretudo, as suas
133
Cfr. G. DALLA TORRE, Motivi ideologici e contingenze storiche nell’evoluzione del
diritto di famiglia, em F. D’AGOSTINO (a cura di), Famiglia, diritto e diritto di famiglia,
Milano, 1985, 55.
134
Cfr. M. RIONDINO, Valori coniugali, cit., 541 ss., que ora apresentarei sinteticamente.
135
A.M. PUNZI NICOLÓ, Due modelli di matrimônio, em Dir, ecc1., n. 97, 1986, 8.
136
129
130
131
Note-se que este modelo civil é o vigente na Itália (nota do tradutor).
132
Cfr. P. RESCIGNO, I rapporti personali tra conjugi, em A. BELVEDERE,-C. GRANELLI
(organizadores), Famiglia e diritto a venti anni dalla riforma, Padova, 1996, 35 ss.
M. J. ARROBA CONDE, Diritto processuale canonico, Roma, 2006, 562.
Esta lei de reforma é a italiana e não a brasileira. (Nota do tradutor).
Cfr. R. BALDUZZI, Famiglie e rapporti di convivenza tra Costituzione e legislazione
ordinaria, em I. SANNA-R BALDUZZI (a cura di), Ancora Famiglia?, Roma, 2007, 7 ss.;
aconselho além desse a a leitura de CM. MARTINI, Famiglia e politica, em Aggiornamenti sociali, 2001, 250 ss.
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funções sociais, para uma disciplina sobremaneira inerente para as
relações entre os membros137. E um novo modo de entender os tradicionais deveres conjugais, que assumem um conteúdo diferente.
Não interessa garantir tanto a coesão formal entre os cônjuges, como
no passado, mas a unidade substancial, num clima de recíproca
responsabilidade destinado, para certos aspectos, a durar, mesmo
após a separação e o divórcio.
É fundamental, também, acentuar a caracterização particular
que as obrigações conjugais assumem à luz do princípio da igualdade introduzido na reforma, unido ao respeito da personalidade dos
cônjuges, reafirmo que é um renovado e sempre mais vivo modo de
estar presente na família, segundo o princípio da solidariedade. Índice
de tal concepção foi a introdução ex novo, do art. 143 do código
civil italiano, da obrigação de colaboração entre os cônjuges, que,
assumindo o papel de norma reassuntiva do conjunto dos direitos e
deveres do matrimônio (marcado no passado pela assistência recíproca), aparece como uma coerente e lógica consequência da tipicidade
do novo regime, fundamentado na igualdade moral e jurídica, aos
sentidos, portanto, do art. 29 da Constituição Italiana.
A prospectiva da colaboração recíproca substitui-se no geral
pela obrigação de assistência às necessidades do outro, na ótica da
recíproca integração e do recíproco enriquecimento que as diversas
capacidades e o diferente estilo de vida de cada um estão presentes na família. Há uma evolução do mero dever de contribuição ao
de colabora­ção, ou seja de uma prospectiva unilateral, suprindo a
insuficiência dos meios individuais, para uma visão comunitária e
solidária138.
Compreende-se que o novo ponto de referência para ordenamento jurídico é o individuo, que, enquanto parte de uma comunidade
familiar organizada, é portador de merecidos interesses de tutela
137
Cfr. G. VISMARA, Il diritto di famiglia in Italia dalle riforme ai codici, Milano, 1978, 1
ss.
138
Cfr. A. FALZEA, Il dovere di contribuzione nel regime patrimoniale della famiglia, em
Riv. dir. civ., 1977, 617.
jurídica, seja nas relações externas como nas internas. Os direitos
da família não são outros que os direitos dos seus componentes,
conferidos em virtude do relacionamento familiar; assim, a expressão
“interesse da família” constitui a síntese do conjunto dos interesses
dos síngulos membros.
O destaque ora atribuído ao relacionamento matrimonial, mais do
que ao ato do matrimônio, valorizado como elemento de fato, induz
a doutrina a identificar a essência da união na “comunhão mate­
rial e espiritual dos cônjuges”. Isto sublinha o esforço para superar
a consideração do ordenamento como estrutura formal, ou como
supra-estrutura preocupada em garantir as relações sem ocupar-se
da sua realização.
Assumindo agora a visão de promover, também através da família, o desenvolvimento, o enriquecimento e o aperfeiçoamento das
personalidades, passa-se duma família entendida como instituição
a uma família entendida como formação social que se origina pela
livre escolha das pessoas, que baseiam seu liame nos vínculos de
afeto e de solida­riedade139.
Todavia, a exigência dos cônjuges de unir-se concretamente
na totalidade e na intimidade da comunhão material e espiritual não
pode ser diretamente garantida pelo ordenamento jurídico, onde o
ma­trimônio não se identifica como comunhão afetiva, cuja realiza­ção
não é susceptível de direta disciplina jurídica. O ordenamento não
regula a esfera dos sentimentos conjugais, estranhos à sua estruturação. O ordenamento pode levar em consideração a necessidade
de comunhão dos esposos, somente se esta necessidade estiver no
plano das relações inter-subjetivas, em interesse também só moral,
favorecendo-o enquanto respondente às necessidades mais autênticas
e profundas dos cônjuges.
O legislador não pode realizar a efetiva comunhão dos cônjuges, entendida como unidade em sentido espiritual, ou seja como
139
Cfr. M. RIONDINO, Valori coniugali, cit., 547; G. FERRANDO, Manuale di diritto di famiglia, Bari, 2005, 66; M.E. ALBERTI CASELLATI, L’educazione dei figli nell’ordinamento
canonico, Padova, 1990, 21-28.
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patrimônio comum de idéias, sentimentos, costumes e aspirações,
mas pode perseguir a unidade em sentido jurídico, favorecendo a
responsabilidade dos cônjuges e cooperando para sua manutenção e
reforço140. Esta união realiza-se exclusivamente entre pessoas dotadas
de igualdade no plano moral e existencial, porque uma comunhão
entre seres ontologicamente diferentes pode ser feita somente na
prospectiva de um aderir à personalidade do outro.
O perfil moral da assistência no tocante ao próprio respeito
dos interesses do outro cônjuge, entendido como dever de não os
obstaculizar, ou melhor, o dever de sustentá-los e de favorecer-lhes
a realização na esfera afetiva, psicológica e espiritual, respeitando
a personalidade, a cultura e o temperamento. O perfil material substancia-se no sustento recíproco nas necessidades da vida quotidiana,
portanto na ajuda na atividade labora­tiva e na assistência, em caso
de enfermidade141.
O núcleo central da relação igualitária entre os cônjuges deduz-se
da obrigação recíproca de fidelidade e de colaboração no interesse
da família, que se configura como o reassumir a essência jurídica
do matrimônio, tanto na lei como na consciência social difusa, para
realizar a unidade concreta que constitui o resultado do esforço dos
cônjuges, pela sua colaboração na vida familiar e na educação dos
filhos142.
O ordenamento jurídico, no posicionar-se sobre este compromisso e a vontade dos nubentes, vem a seu encontro ao sancionar
sua con­formidade com o direito e oferecendo uma garantia social ao
compromisso estável de convivência e de ajuda recíproca através
duma institucionalização de direitos e deveres que são instrumentais para o alcance de uma plena integração da personalidade dos
cônjuges.
140
Cfr. S. ALAGNA, Famiglia e rapporti tra i coniugi nel nuovo diritto, Milano, 1983, 4 ss.
Cfr. R.P. DEPINGUENTE, Rapporti personali tra coniugi, em Riv. dir. civ., 1990, 453.
A comunhão material e espiritual de vida, em que se manifesta
a estabilidade da família, baseia-se no equilíbrio dos diferentes interesses dos indivíduos, na permanência do relacionamento conjugal
até quando isso for idôneo para satisfazer as necessidades pessoais
e comuns e conseguir encaminhar as múltiplas solicitações individuais
para as finalidades homogêneas e condivididas143. No relacionamento matrimonial, o zelo pelos interesses subjetivos é confiado aos
próprios cônjuges e todas as ações individuais estão endereçadas
a confirmar o valor primário da unidade. Quando se verifica um
motivo de desagregação da comunidade conjugal e familiar, a lei,
pelo contrário, tutela as esferas jurídicas subjetivas e os interesses
individuais dos membros.
Portanto, o sistema jurídico italiano, em tema de matrimônio, está
empenhado em reafirmar não só os valores de igualdade e respeito da
personalidade dos cônjuges no plano formal, mas tem também atribuído
aos sujeitos uma efetiva igualdade substancial, providenciando dispor,
não só em forma abstrata, “com o matrimônio o marido e a mulher
adquirem os mesmos direitos e assumem os mesmos deveres144”, e
estabelecendo concretamente o caráter de absoluta reciprocidade
das obrigações matrimoniais fundamentando-as, como a fidelidade,
a assistência, a colaboração, a coabitação e a contribuição.
Do princípio da paridade e da igualdade substancial origina-se
um diferente e novo modo de entender a estabilidade do matrimônio,
fundamentada não sobre imposições externas, mas na livre escolha
dos cônjuges, no novo sistema de distribuição das funções individuais e
no nexo inseparável entre vínculo matrimonial e vontade dos cônjuges,
sem que de tudo isso surja alguma ameaça real de desagregação
do relacionamento, muito pelo contrário criam-se bases sólidas para
construir a verdadeira unidade da família que, desta maneira, não
representa mais uma relação formal imposta externamente, mas uma
relação substancial oriunda da vontade dos cô­njuges145.
141
142
Ch. G. BALLARANI, Potestà genitoriali e interesse del minore: affidamento condiviso,
affidamento esclusivo e mutamenti, em S. PATTI-L. ROSSI CARLEO (organizadores),
L’affidamento condiviso, Milano, 2006, 33 ss.
Cfr. S. ALAGNA, op. cit., 55.
143
Art. 143, comma 1, c.c.
144
Cfr. S. ALAGNA, op. cit. 56 ss.
145
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126
À luz desta nova impostação do relacionamento conjugal e
da reforma do direito de família de 1975, é mais rápido fazer um
paralelo entre o conceito de comunhão material e espiritual próprio
da lei matrimonial civil, e o conceito de bonum coniugum como
fim essencial do matrimônio canônico, no que concerne à relação
interpessoal estável e paritária entre os dois cônjuges que sejam
capazes de doar-se, de compreender-se, e de aceitar-se mutuamente,
alcançando um enriquecimento e aperfeiçoamento interior que faça
do matrimônio uma fonte de autêntica felicidade e de verdadeiro
bem para os cônjuges.
A comunhão espiritual e material entre os cônjuges, também,
estabelecida na legislação civil, torna-se concreta numa série de
comportamentos peculiares que, complexivamente, não se distanciam
muito, pelo menos em forma potencial, da exigência de assegurar
a ajuda mútua; na esfera estritamente espiritual, pode-se concordar
com quem assina que os comportamentos legislativamente requeridos exigem “disposição de ânimo no reservar ao próprio cônjuge
o posicionamento de companheiro exclusivo de vida, no responder
aos principais deveres conjugais, mesmo quando a solidariedade
exija sacrifício”146.
Portanto, a comunhão entre os cônjuges, entendida como affectio
conjuga­lis, pode dizer-se formada por valores, afetos, esperanças,
sacrifícios, aspirações, mas, também, pelo recíproco sustento nas desilusões e nas dificuldades, pela disponibilidade de enfrenta-las juntos;
neste sentido, pelo menos na previsão legislativa, não se pode dizer
que o conceito de comunhão espiritual e material da legislação civil
seja totalmente estranho ao conceito canônico do bonum coniugum.
Ambos comportam uma determinada vontade de participação solidária à vida do outro cônjuge, que se torna nos dois ordenamentos,
mesmo com modalidades diferentes, um fator determinante pela real
solidariedade da união conjugal e pela sua manutenção.
M. BESSONE-M. D0GLIOTTI-G. FERRANDO, Giurisprudenza del diritto di famiglia.
Casi e materiali, Milano, 1983, 539.
146
Isto permite afirmar que, no ideal matrimonial e familiar, em
ambas as legislações privilegiou-se, do ponto de vista jurídico, mais
do que qualquer outra, uma prospectiva personalista. O matri­mônio
é para as pessoas e não vice-versa.
Ao confrontar as duas legislações, sem diminuir o peso da
precedente afirmação sobre a índole personalista comum aos dois
ordenamentos, é necessário pontualizar que a perpetuidade e irrevogabilidade da união não está mais presente no ordenamento civil,
que com a lei n. 898 de 1° dezembro de 1970, introduziu o divórcio,
atribuindo à vontade de um ou de ambos os cônjuges valências fundamentais para a manutenção da própria união em caso de falência.
O matrimônio, também o cristão, não escapa da necessidade
de medir-se com uma componente de fraqueza e de fragilidade, que
o torna ainda mais significativo pela própria especifica dimensão de
inter-personalidades e cotidianidade inerentes à escolha matrimonial.
Mesmo neste contexto de falência, é permitido detectar a centralidade
da pessoa como projeto de amor.
Ora bem, a centralidade da pessoa, a que nos referimos, como
sujeito envolvido num projeto de amor, é entendida integralmente e
não em forma individualista, arbitrária e aleatória, isto é, como se
a pessoa fosse restabelecida em forma exclusiva a si mesma e a
medida de valor fosse somente a satisfação e gratificação ime­diatas.
O conceito de pessoa, que subjaz como valor primário à visão
cristã do matrimônio, é isto que permite confrontar a consciência
pessoal e a experiência imediata do indivíduo com a dimensão comunitária e espiritual, vale dizer com a capacidade da pessoa de
responder, isto é, de ter fé nas responsabilidades livremente assumidas, mesmo quando sua realização nem sempre seja suficiente para
o impulso espontâneo da emotividade, devendo, às vezes, recorrer
ao esforço e ao sacrifício, tendo como pano de fundo a utopia generosa do Evangelho.
Ao mesmo tempo, o esforço e o sacrifício generoso, mesmo
irrenunciáveis na compreensão autêntica da centralidade da pessoa
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A RecepçÃo da COMUNIdade
como CRITÉRIO de LEGITIMAÇão
Do ORDeNAMENTO jURíDICO:
A CONTRIBUIÇÃO da hisTóRIA1
no matrimônio, não são instâncias desligadas do último objetivo da
união conjugal que contém a felicidade e a realização interpessoal na
recíproca e amorosa integração. Afirmar que o esforço e o sacrifício
sejam instancia a serem consideradas como vias transitáveis para
constituir a aliança de felicidade inter-pessoal, não significa renunciar
à meta de satisfação recíproca, nem autoriza mencionar o sacrifício
inútil que provoca a anulação das síngulas pessoas.
Em outras palavras, não se propõe como valor do matrimônio
cristão um personalismo de forma individualista, que se refira à própria experiência e aos próprios compromissos para um sistema de
valores remetidos só a si mesmo de maneira utilitarista e visando
uma satisfação imediata. Nem por isso torna-se irrelevante a utilidade
e satisfação pessoal na realização do próprio projeto de amor, se
idoneamente escolhido. A evocação ao esforço e ao sacrifício responde simplesmente ao conhecimento que, além da medida que as
gratificações imediatas oferecem, considera-se como um bem supe­rior
da própria pessoa tender ao ideal e perseverar nisso, encarregar-se também das exigências inerentes à doação pessoal de si, sem
renunciar à própria realização anulando para sempre a si próprio e
as próprias exigências147.
Matteo Nacci2
[…] leges habent maximam virtutem ex consuetudine,
ut Philosophus [Aristotele] dicit […].
S. THOMAS, Suma Theologiæ, I-II, q. 97, art. 2
Sumário: 1. Introdução . 2. A experiência medieval: a communitas no centro do ordenamento jurídico. 3. A experiência
moderna: ‘mitização’ do indivíduo e do direito positivo. 4. a
comunidade como ‘instrumento’ de legitimação do ordenamento
jurídico: exemplos canônicos e extracanônicos . 5. Conclusões.
1. INTRODUÇÃO
A contribuição da história do direito canônico é rica ao identificar
alguns critérios que, além de serem pontos firmes para o ordenamento
da Igreja, são também de interesse na reflexão da legitimação e dos
limites de cada ordenamento.
Sobre a vertente interna, como ordenamento material, legitimação e limites do direito canônico descendem da pretensão que
se reconhece desde o seu nascimento, isto é, a de constituir um
147
Neste sentido alguns autores frisam justamente que apesar da aproximação de muitas
dimensões da vida conjugal símiles entre os dois ordenamentos, existe entre eles uma
profunda diferença estrutural, enquanto a Igreja afirma a pertença do matrimônio à ordem
natural, regido pela disciplina jurídica do direito divino, com a lógica consequência que
nenhuma autoridade humana pode dispor diversamente sobre seus conteúdos, entre
eles a perpetuidade do vínculo; isto é reforçado por uma antropologia personalista
baseada na lógica oblativa do amor, mais reforçada ainda no matrimônio pela dignidade
sacramental da união entre dois batizados: cfr. G. DALLA TORRE, Motivi ideologici,
cit., 70.
1
Intervenção no XIV COLLOQUIO GIURIDICO INTERNAZIONALE, Legittimazione e
limiti degli ordinamenti giuridici, Pontificia Università Lateranense – Pontificio Istituto
Utriusque Iuris (Roma, 9-10 marzo 2010).
2
Professor da Pontfícia Universidade Lateranense de Roma, encarregado da: ‘História
e Fontes do direito canônico’; ‘História e instituições do direito canônico’; ‘História do
direito canônico e cultura jurídica’ e de ‘Fontes jurídicas orais no direito canônico e
direito comparado’
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ordenamento originário, cuja justificação é assegurar a missão
evangelizadora, e onde a coerência com a experiência que deu
originem à Igreja (a assim chamada vontade fundacional) é critério
estruturante e discriminante no discernir os desenvolvimentos não
legítimos.
Como ordenamento formal, a variedade das fontes iniciais do
direito canônico (cânones conciliares, decretais dos papas, capitula
episcoporum)3, bem como a sua universal extensão, estão na raiz dos
vários modos com que, na história da Igreja, entendeu-se enfrentar às
inevitáveis contradições internas às normas, desde as primeiras grandes
sistematizações – incluídos os assim chamados precursores gracianeos (Bernoldo de Costância4, Ivo de Chartres5, Algero de Liège6,
3
Para um estudo sobre as fontes do direito canônico veja-se, ex multis, A. TARDIF,
Histoire des sources du droit canonique, Paris 1887; P. FOURNIER – G. LE BRAS,
Histoire des collections canoniques en Occident depuis les fausses décrétales jusqu’au
Décret de Gratien, II voll., Paris 1932; B. KURTSCHEID – F. A. WILCHES, Historia
iuris canonici, I, Historia fontium et scientiae iuris canonici, Romae 1943; I. A ZEIGER,
Historia iuris canonici, I, De historia fontium et scientiae iuris canonici, Romae 1947; A.
M. STICKLER, Historia iuris canonici Latini. Institutiones academicae, I, Historia fontium,
Taurini 1950; A. GARCÍA Y GARCÍA, Historia del derecho canónico, I, El primer milenio,
Salamanca 1967; J. GAUDEMET, Le sources du droit de l’Église en Occident du II
au VII siècle (Initiations au christianisme ancien), s. l. 1985; ID., Le sources du droit
canonique, VIII-XX siècle. Repères canoniques. Sources occidentales (Droit canonique),
Paris 1993; B. E. FERME, Introduzione alla storia delle fonti del diritto canonico, I, Il
diritto antico fino al Decretum di Graziano, Mursia 1998; L. KÉRY, Canonical collections
of the early middle ages (ca. 400-1140). A bibliographical guide to the manuscripts and
literature (History of medieval canon law, 1), Washington, DC, 2000; C. FANTAPPIÈ,
Introduzione storica al diritto canonico, Il Mulino, Bologna 2003; G. L. FALCHI - B. E.
FERME, Introduzione allo studio delle fonti dell’utrumque ius, Città del Vaticano 2006;
P. ERDÖ, Storia delle Fonti del Diritto Canonico, Venezia 2008.
4
BERNOLDUS CONSTANTIENTIS, De excomunicatis vitandis, de reconciliatione lapsorum et de fontibus iuris ecclesiastici, in J. P. MIGNE (a cura di), Patrologia Latina (PL),
CXLVIII, coll. 1181-1218 e in Monumenta Germaniae Historica inde ab a.C.500 usque
ad a.1500 (MGH), Leges, Libellos de lite imperatorum et Pontificum, II, 132-142; ID.,
De prudentos dispensatione ecclesiasticarum sanctionum, in MGH, Leges, Libellos de
lite imperatorum et Pontificum, II, 156 ss.
5
IVO CARNOTENSIS EPISCOPUS, Panormia, Prologus, in PL, CLXI, coll. 47-60. Cf. J.
WERCKMEISTER, Yves de Chartres: Prologue, texte latin et traduction française, Paris
1997; ID., as premier «canoniste»: Yves de Chartres, in Revue de droit canônique, 47/1
(1997), 53-70.
6
ALGERUS LEODIENSIS, De misericordia et iustitia. Cf. R. KRETZSCHMAR, Alger von
Lütichs Traktat “De misericordia et iustitia”, Sigmaringen 1985.
Pedro Abelardo7) – e concordâncias (Graciano 8), até às codificações9.
Qualquer que tenha sido a estratégia seguida ao longo dos
séculos, é sabido que ao ordenar as fontes reconhece-se um
reduzido núcleo fundante, identificativo, que implica para o direito canônico a nota de rigidez; este núcleo convive, porém, com
um outro, muito mais amplo, caracterizado pela adaptação às
exigências dos fiéis.
No nível deste artigo10, ficando firme a prioridade dos referidos critérios internos ao direito da Igreja (de natureza teológica ou
meta-juridica), nos parece mais oportuno focalizar a contribuição da
história do direito canônico nos elementos de maior proveito para a
reflexão sobre cada ordenamento.
Referimo-nos ao testemunho que o transformar histórico oferece
sobre a exigência de fidelidade ao princípio pelo qual o direito está a
serviço da vida (ius sequitur vitam). O direito a seguir a vida implica,
também, que sua legitimação esteja fundamentada na capacidade
de ser útil aos homens.
Mais concretamente, queremos nos deter num dos critérios onde
a experiência canônica da história dá um rico testemunho no nível de
estabelecer a utilidade do direito, isto é, o critério da ‘receptividade’
das normas por parte da comunidade.
7
PETRUS ABAELARDUS, Sic et non, in PL, CVXXVIII, coll. 1339-1349. Cf. B. BOYER –
R. MCKEON, Peter Abailard: Sic et non. A critical edition, Chicago-London 1976-1977.
8
DECRETUM MAGISTRI GRATIANI, Corpus iuris canônici, a cura de Ae. Friedberg, Pars
prior, Decretum Magistros Gratiani, ex oficina Bernhardos Tauchnitz, Lipsiae MDCCCLXXIX. Su Graziano e o Decretum sos veda, ex multis, C. FANTAPPIÈ, Introduzione
storica al diritto canonico, Bologna 2003, con ampia bibliografia; P. ERDÖ, Storia delle
Fonti del Diritto Canonico, Venezia 2008, con numerosi riferimenti bibliografici.
9
CODEX IURIS CANONICI, Pii X Pontificis Maximi, iussu digestus Benedicti Papae XV
auctoritate promulgatus, in AAS 9 (1917) 11-456; CODEX IURIS CANONICI, auctoritate Ioannis Pauli PP. II promulgatus, in AAS 75 (1983) 1-317; CODEX CANONUM
ECCLESIARUM ORIENTALIUM, auctoritate Ioannis Pauli PP. II promulgatus, in AAS
82 (1990) 1033-1363.
10
No texto original dizia “no nível da temática oferecida por este Colóquio Jurídico Internacional” (nota do tradutor)
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Fixaremos a atenção nas elaborações da época medieval, de
valor notável, como contraponto às sucessivas ‘mitizações’ do direito
positivo e da atividade quase exclusiva e excludente da autoridade
legislativa.
síngulas manifestações, a única protagonista deste implante teológico-político-jurídico14. Na idade média é palpável a grande deficência
enim philosophus, in V Ethic., quod virtus relata ad bonum commune est iustitia. Sed
prudentia differt a iustitia. Ergo prudentia non refertur ad bonum commune. Praeterea,
ille videtur esse prudens qui sibi ipsi bonum quaerit et operatur. Sed frequenter illi qui
quaerunt bona communia negligunt sua. Ergo non sunt prudentes. Praeterea, prudentia
dividitur contra temperantiam et fortitudinem. Sed temperantia et fortitudo videntur dici
solum per comparationem ad bonum proprium. Ergo etiam et prudentia. Sed contra est
quod dominus dicit, Matth. XXIV, quis, putas, est fidelis servus et prudens, quem constituit
dominus super familiam suam? Respondeo dicendum quod, sicut philosophus dicit, in VI
Ethic., quidam posuerunt quod prudentia non se extendit ad bonum commune, sed solum
ad bonum proprium. Et hoc ideo quia existimabant quod non oportet hominem quaerere
nisi bonum proprium. Sed haec aestimatio repugnat caritati, quae non quaerit quae sua
sunt, ut dicitur I ad Cor. XIII. Unde et apostolus de seipso dicit, I ad Cor. X, non quaerens quod mihi utile sit, sed quod multis, ut salvi fiant. Repugnat etiam rationi rectae,
quae hoc iudicat, quod bonum commune sit melius quam bonum unius. Quia igitur ad
prudentiam pertinet recte consiliari, iudicare et praecipere de his per quae pervenitur ad
debitum finem, manifestum est quod prudentia non solum se habet ad bonum privatum
unius hominis, sed etiam ad bonum commune multitudinis. Ad primum ergo dicendum
quod philosophus ibi loquitur de virtute morali. Sicut autem omnis virtus moralis relata ad
bonum commune dicitur legalis iustitia, ita prudentia relata ad bonum commune vocatur
politica, ut sic se habeat politica ad iustitiam legalem, sicut se habet prudentia simpliciter
dicta ad virtutem moralem. Ad secundum dicendum quod ille qui quaerit bonum commune
multitudinis ex consequenti etiam quaerit bonum suum, propter duo. Primo quidem, quia
bonum proprium non potest esse sine bono communi vel familiae vel civitatis aut regni.
Unde et maximus Valerius dicit de antiquis Romanis quod malebant esse pauperes in
divite imperio quam divites in paupere imperio. Secundo quia, cum homo sit pars domus
et civitatis, oportet quod homo consideret quid sit sibi bonum ex hoc quod est prudens
circa bonum multitudinis, bona enim dispositio partis accipitur secundum habitudinem
ad totum; quia ut Augustinus dicit, in libro Confess., turpis est omnis pars suo toti non
congruens. Ad tertium dicendum quod etiam temperantia et fortitudo possunt referri ad
bonum commune, unde de actibus earum dantur praecepta legis, ut dicitur in V Ethic.
Magis tamen prudentia et iustitia, quae pertinent ad partem rationalem, ad quam directe
pertinent communia, sicut ad partem sensitivam pertinent singularia». Si veda, sul punto,
P. GROSSI, L’ordine giuridico medievale, Bari 1997, 79-80.
2. A ExPERIÊNCIA MEDIEVAL: a COmMUNITAS no
CENTRO do ordenAMENTO jurídICO
Nas elaborações surgidas no interior da Igreja, e na experiência jurídica medieval, a comunidade é carta fora do baralho11 na
legitimação do ordenamento jurídico é válvula de escape contra a
identificação moderna entre o ius e a lex. Isto permite distinguir a
legitimação do ordenamento colocada a serviço do poder, e o ordenamento jurídico ontologicamente fundado sobre o assentimento do
seu destinatário final: a communitas.
É emblemática a contribuição de Santo Tomás12 ao final do
Ducentos, sobre o papel fundativo da comunidade no ordenamento
jurídico, pois representa a summa da antropologia medieval. Nesta
visão antropológica, a relação ‘unus homo – communitas’ é uma
relação ‘imperfectum – perfectum’13; é a comunitdade nas suas
11
A expressão italiana do autor é cartina di tornasole literal papel de girassol.
12
Entre as numerosas obras monográficas sobre especulação filosófica-teológica do
Santo Doutor da Igreja veja-se M. GRABMANN, San Tommaso. Una introduzione alla
sua personalità e al suo pensiero, Milano 1920; O. LOTTIN, La morale naturel et la
loi positive d’après St-Thomas d’Aquin, Lovanio-Bruxelles 1920; P. MANDONNET H. DESTREZ, Bibliographie thomiste, Paris 1921; O. LOTTIN, Le droit naturel chez
St-Thomas d’Aquin et ses prédecésseurs, Bruges 1931; V. J. BOURKE, Thomistic
Bibliography, Saint Louis 1945; A. D. SERTILLANGES, La philosophie morale de St-Thomas d’Aquin, Paris 1947; C. GIACON, Le grandi tesi del tomismo, Milano 1948; J.
E. NAUS, The Nature of the Practical Intellect According to St-Thomas d’Aquin, Roma
1959; C. GIACON, Itinerario tomistico, Roma 1983; M. LA SPISA, San Tommaso e il
pensiero post-moderno, Milano 1983; B. MONDIN, Il sistema filosofico di Tommaso,
Roma 1985; J. E. GRATSCH, Manuale introduttivo alla Summa teologica di Tommaso,
Casale Monferrato 1988; G. DAL SASSO - R. COGGI (cur.), Compendio della Somma
teologica di San Tommaso d’Aquino, Bologna 1989; A SELVA - T. S. CENTI (cur.),
Compendio di teologia e altri scritti di San Tommaso d’Aquino, Torino 2001.
S. TOMÁS, Summa Theologiæ, Secunda Secundæ, q. 47, art. 10: «[…] Videtur quod
prudentia non se extendat ad regimen multitudinis, sed solum ad regimen sui ipsius. Dicit
13
14
S. TOMÁS, Summa Theologiæ, Prima Secundæ, q. 90, art. 2: «[…] Videtur quod lex
non ordinetur semper ad bonum commune sicut ad finem. Ad legem enim pertinet
praecipere et prohibere. Sed praecepta ordinantur ad quaedam singularia bona. Non
ergo semper finis legis est bonum commune. Praeterea, lex dirigit hominem ad agendum. Sed actus humani sunt in particularibus. Ergo et lex ad aliquod particulare bonum
ordinatur. Praeterea, Isidorus dicit, in libro Etymol., si ratione lex constat, lex erit omne
quod ratione constiterit. Sed ratione consistit non solum quod ordinatur ad bonum commune, sed etiam quod ordinatur ad bonum privatum. Ergo lex non ordinatur solum ad
bonum commune, sed etiam ad bonum privatum unius. Sed contra est quod Isidorus
dicit, in V Etymol., quod lex est nullo privato commodo, sed pro communi utilitate civium
conscripta. Respondeo dicendum quod, sicut dictum est, lex pertinet ad id quod est
principium humanorum actuum, ex eo quod est regula et mensura. Sicut autem ratio
est principium humanorum actuum, ita etiam in ipsa ratione est aliquid quod est prin-
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nos confrontos do síngulo e do príncipe, e é a comunidade o ‘sujeito
coletivo’ que encarna a supremacia sócio-política-jurídica.
Antes do Aquinate, cada especulação teológica e filosófica evidencia o binômio ‘imperfeição do síngulo – perfeição da comunidade’.
Isto está claro em Santo Agostinho de Hipona, cujo pensamento
nos situa temporalmente no Vº século, no qual a “síngula” criatura
insere-se num tecido supra-ordenado, que prescinde do ‘síngulo’ e
que constitui uma realidade perfeita, belíssima, que se substancia
num nível “outrotanto” perfeito, perfeito porque formado pelo conjunto
de mais sujeitos que voluntariamente abandonam sua individualidade
para formar um corpus tendente ao bem da coletividade15.
cipium respectu omnium aliorum. Unde ad hoc oportet quod principaliter et maxime
pertineat lex. Primum autem principium in operativis, quorum est ratio practica, est
finis ultimus. Est autem ultimus finis humanae vitae felicitas vel beatitudo, ut supra
habitum est. Unde oportet quod lex maxime respiciat ordinem qui est in beatitudunem.
Rursus, cum omnis pars ordinetur ad totum sicut imperfectum ad perfectum; unus
autem homo est pars communitatis perfectae; necesse est quod lex proprie respiciat
ordinem ad felicitatem communem. Unde et philosophus, in praemissa definitione
legalium, mentionem facit et de felicitate et communione politica. Dicit enim, in V
Ethic., quod legalia iusta dicimus factiva et conservativa felicitatis et particularum
ipsius, politica communicatione, perfecta enim communitas civitas est, ut dicitur in I
Polit. In quolibet autem genere id quod maxime dicitur, est principium aliorum, et alia
dicuntur secundum ordinem ad ipsum, sicut ignis, qui est maxime calidus, est causa
caliditatis in corporibus mixtis, quae intantum dicuntur calida, inquantum participant
de igne. Unde oportet quod, cum lex maxime dicatur secundum ordinem ad bonum
commune, quodcumque aliud praeceptum de particulari opere non habeat rationem
legis nisi secundum ordinem ad bonum commune. Et ideo omnis lex ad bonum commune ordinatur. Ad primum ergo dicendum quod praeceptum importat applicationem
legis ad ea quae ex lege regulantur. Ordo autem ad bonum commune, qui pertinet ad
legem, est applicabilis ad singulares fines. Et secundum hoc, etiam de particularibus
quibusdam praecepta dantur. Ad secundum dicendum quod operationes quidem sunt
in particularibus, sed illa particularia referri possunt ad bonum commune, non quidem
communitate generis vel speciei, sed communitate causae finalis, secundum quod
bonum commune dicitur finis communis. Ad tertium dicendum quod, sicut nihil constat
firmiter secundum rationem speculativam nisi per resolutionem ad prima principia
indemonstrabilia, ita firmiter nihil constat per rationem practicam nisi per ordinationem
ad ultimum finem, qui est bonum commune. Quod autem hoc modo ratione constat,
legis rationem habet».
AURELIUS AUGUSTINUS HIPPONENSIS, Sancti Aurelii Augustini Enarrationes in
psalmos CI-CL (in Corpus christianorum – Series latina, XL, pars X, 3), in psalmum
CXLIV, n. 13: «[…] ista contextio creaturae, ista ordinatissima pulchritudo, ab imis ad
summa conscendens, a summis ad ima descendens nusquam interrupta sed dissimilibus
temperata».
15
Um outro ponto firme, no desenvolvimento do pensamento
teológico-filosófico medieval, a respeito da supremacia da communitas
sobre o unus homo encontra-se nas argumentações de Hugo de São
Vitor que claramente afirrma que os “síngulos” bens manifestam-se
plenamente não nos sujeitos considerados na sua individualidade,
mas na ordem hierárquica que costitui a universitas16.
Além disso, para justificar ainda melhor o quanto afirmado, o
filósofo e teólogo parisiense afirma que a Graça, também age nos
“síngulos” sujeitos, encontra-se na ‘unidade complexa’ (isto é, formada
por tantos “síngulos” sujeitos que renunciam à própria individualidade
para o bem comum superior) no seu campo de efusão privilegiado. Não
se consegue que fora da ‘unidade complexa’ o “síngulo” sujeito possa
usufruir da Graça, que ao contrário, com relação ao “síngulo” explica a
sua eficácia única e exclusivamente enquanto membro da universitas17,
sinal caracterizante e determinante de toda a ordem jurídica medieval18.
Como há pouco acenamos, o inteiro e complexo sistema jurídico
medieval pervade-se da idéia, vigorosa e generalizada, de desconfiança no tocante ao “síngulo” ao que corresponde a bem enraizada
convicção de que só a communitas-societas, entendida como conjunto
de pessoas unidas em um todo uno, pode enfrentar, dominando-as,
as situações do quotidiano.
Neste contexto, ainda uma peculiaríssima sociedade, a societas
sacra, desde o seu surgimento assume com força determinativa o
assunto segundo o qual o “síngulo”, sozinho, representa a imperfeição
e só colocado dentro de um aparato social pode encontrar a salus
16
17
HUGONIS DE S. VICTORE, Commentariorum in Hierarchiam coelestem S. Dionysii
Areopagitae… libri X, in PL, CLXXV, coll. 1003-1004.
Ibidem.
A ordem jurídica medieval, fundada sobre o conceito de imperfeição do síngulo sujeito
e perfeição da comunidade na sua complexidade, é magistralmente explicada por
Paulo Grossi em, P. GROSSI, L’ordine giurídico medievale…cit., ainda em ID., Società,
dirtito, Stato. Un recupero per il diritto, Milano 2006; ID., Modernità politica e ordene
giurídico, extraido dos Quaderni fiorentini per la storia del pensiero giurídico moderno,
XXVII (1998), 13-36, in part. 13-24 (também em Assolutismo giurídico e diritto privato,
Milano 1998, 443-469).
18
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136
æterna, assumindo, o termo do passado, como ‘eslogão representativo’, o princípio pelo qual ‘extra Ecclesia nulla salus’19.
A concepção medieval que coloca no centro do seu universo
jurídico a communitas, em prejuizo do detentor do poder político, está
representada de modo esplêndido na famosíssima definição de lex
de Santo Tomás de Aquino, sintetizador supremo e universalmente
reconhecido do pensamento jurídico medieval: «quaedam rationis
ordenatio ad bonum commune, ab eo qui curam comumnitatis habet,
promulgata»20.
A lei é, portanto, um ordenamento racional, voltado ao bem
comum, promulgado por aquele que possui o governo da comundade. O Doctor angelicus indica o importante ‘papel’ da comunidade
quando afirma «ad bonum commune», expressão de prenhe valor
finalistico, faltando este se assevera a invalidade da ordem jurídica.
Nesta visão, o papel daquele que é preposto à comunidade é muito
Sobre este ponto, P. GROSSI, L’ordine giurídico medievale…cit., 109-116.
19
20
S. THOMAS, Summa Theologiæ, Prima Secundæ, q. 90, art. 4: «[…] Videtur quod promulgatio non sit de ratione legis. Lex enim naturalis maxime habet rationem legis. Sed
lex naturalis non indiget promulgatione. Ergo non est de ratione legis quod promulgetur.
Praeterea, ad legem pertinet proprie obligare ad aliquid faciendum vel non faciendum.
Sed non solum obligantur ad implendam legem illi coram quibus promulgatur lex, sed
etiam alii. Ergo promulgatio non est de ratione legis. Praeterea, obligatio legis extenditur etiam in futurum, quia leges futuris negotiis necessitatem imponunt, ut iura dicunt.
Sed promulgatio fit ad praesentes. Ergo promulgatio non est de necessitate legis. Sed
contra est quod dicitur in decretis, IV dist., quod leges instituuntur cum promulgantur.
Respondeo dicendum quod, sicut dictum est, lex imponitur aliis per modum regulae
et mensurae. Regula autem et mensura imponitur per hoc quod applicatur his quae
regulantur et mensurantur. Unde ad hoc quod lex virtutem obligandi obtineat, quod est
proprium legis, oportet quod applicetur hominibus qui secundum eam regulari debent.
Talis autem applicatio fit per hoc quod in notitiam eorum deducitur ex ipsa promulgatione. Unde promulgatio necessaria est ad hoc quod lex habeat suam virtutem. Et sic
ex quatuor praedictis potest colligi definitio legis, quae nihil est aliud quam quaedam
rationis ordinatio ad bonum commune, ab eo qui curam communitatis habet, promulgata.
Ad primum ergo dicendum quod promulgatio legis naturae est ex hoc ipso quod Deus
eam mentibus hominum inseruit naturaliter cognoscendam. Ad secundum dicendum
quod illi coram quibus lex non promulgatur, obligantur ad legem servandam, inquantum
in eorum notitiam devenit per alios, vel devenire potest, promulgatione facta. Ad tertium
dicendum quod promulgatio praesens in futurum extenditur per firmitatem Scripturae,
quae quodammodo semper eam promulgat. Unde Isidorus dicit, in II Etymol., quod lex
a legendo vocata est, quia scripta est».
limitado, dado que aos seus poderes se lhe atribuem apenas uma
função de natureza declarativa e, como consequência lógica, a componente volitiva e criativa – que se traduziriam num poder de tipo
legislativo – é reduzida ao mínimo, senão inexistente.
Santo Tomás, quase a querer marcar profundamente o papel
exclusivamente “ordenatório” do detentor do poder, retomou individualmente mais o instrumentum ordenationis, a razão, consistente
numa atividade principalmente cognoscitiva que evidencia a profunda
humildade com a qual o detentor do poder move-se, em respeito
absoluto, ao ‘ler’ os dados normativos já inscritos na ‘natureza das
coisas’ e que a sociedade enquanto usufruidora primária, utiliza-a
antes mesmo de tornar-se norma jurídica21.
21
S. THOMAS, Summa Theologiæ, Prima Secundæ, q. 90, art. 1: «[…] Videtur quod
lex non sit aliquid rationis. Dicit enim apostolus, ad Rom. VII, video aliam legem in
membris meis, et cetera. Sed nihil quod est rationis, est in membris, quia ratio non
utitur organo corporali. Ergo lex non est aliquid rationis. Praeterea, in ratione non est
nisi potentia, habitus et actus. Sed lex non est ipsa potentia rationis. Similiter etiam
non est aliquis habitus rationis, quia habitus rationis sunt virtutes intellectuales, de
quibus supra dictum est. Nec etiam est actus rationis, quia cessante rationis actu,
lex cessaret, puta in dormientibus. Ergo lex non est aliquid rationis. Praeterea, lex
movet eos qui subiiciuntur legi, ad recte agendum. Sed movere ad agendum proprie
pertinet ad voluntatem, ut patet ex praemissis. Ergo lex non pertinet ad rationem, sed
magis ad voluntatem, secundum quod etiam iurisperitus dicit, quod placuit principi,
legis habet vigorem. Sed contra est quod ad legem pertinet praecipere et prohibere.
Sed imperare est rationis, ut supra habitum est. Ergo lex est aliquid rationis […]»; Ivi,
q. 91, art. 2: «[…] Videtur quod non sit in nobis aliqua lex naturalis. Sufficienter enim
homo gubernatur per legem aeternam, dicit enim Augustinus, in I de Lib. Arb., quod
lex aeterna est qua iustum est ut omnia sint ordinatissima. Sed natura non abundat
in superfluis, sicut nec deficit in necessariis. Ergo non est aliqua lex homini naturalis.
Praeterea, per legem ordinatur homo in suis actibus ad finem, ut supra habitum est. Sed
ordinatio humanorum actuum ad finem non est per naturam, sicut accidit in creaturis
irrationabilibus, quae solo appetitu naturali agunt propter finem, sed agit homo propter
finem per rationem et voluntatem. Ergo non est aliqua lex homini naturalis. Praeterea,
quanto aliquis est liberior, tanto minus est sub lege. Sed homo est liberior omnibus
animalibus, propter liberum arbitrium, quod prae aliis animalibus habet. Cum igitur alia
animalia non subdantur legi naturali, nec homo alicui legi naturali subditur. Sed contra
est quod, Rom. II, super illud, cum gentes, quae legem non habent, naturaliter ea quae
legis sunt faciunt, dicit Glossa, etsi non habent legem scriptam, habent tamen legem
naturalem, qua quilibet intelligit et sibi conscius est quid sit bonum et quid malum.
Respondeo dicendum quod, sicut supra dictum est, lex, cum sit regula et mensura,
dupliciter potest esse in aliquo, uno modo, sicut in regulante et mensurante; alio modo,
sicut in regulato et mensurato, quia inquantum participat aliquid de regula vel mensura,
sic regulatur vel mensuratur. Unde cum omnia quae divinae providentiae subduntur, a
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A concepção da lex alheia, por quanto concerne à criação,
à voluntas principis, encontra-se já no pensamento de Alberto
Magno, mestre de Santo Tomás, que por volta da metade do
Duzentos afirma que a lei é uma realidade complexa na qual
concorrem três sujeitos: um sujeito determinante, o populus, que
a aceita, desempenhando uma função ativa, e a observa enquanto
promulgada para a sua utilidade; o iurisconsultus, que redige a lei,
após tê-la identificado mediante técnicas jurídicas adequadas; o
lege aeterna regulentur et mensurentur, ut ex dictis patet; manifestum est quod omnia
participant aliqualiter legem aeternam, inquantum scilicet ex impressione eius habent
inclinationes in proprios actus et fines. Inter cetera autem rationalis creatura excellentiori quodam modo divinae providentiae subiacet, inquantum et ipsa fit providentiae
particeps, sibi ipsi et aliis providens. Unde et in ipsa participatur ratio aeterna, per
quam habet naturalem inclinationem ad debitum actum et finem. Et talis participatio
legis aeternae in rationali creatura lex naturalis dicitur. Unde cum Psalmista dixisset,
sacrificate sacrificium iustitiae, quasi quibusdam quaerentibus quae sunt iustitiae
opera, subiungit, multi dicunt, quis ostendit nobis bona? Cui quaestioni respondens,
dicit, signatum est super nos lumen vultus tui, domine, quasi lumen rationis naturalis, quo discernimus quid sit bonum et malum, quod pertinet ad naturalem legem,
nihil aliud sit quam impressio divini luminis in nobis. Unde patet quod lex naturalis
nihil aliud est quam participatio legis aeternae in rationali creatura. Ad primum ergo
dicendum quod ratio illa procederet, si lex naturalis esset aliquid diversum a lege
aeterna. Non autem est nisi quaedam participatio eius, ut dictum est. Ad secundum
dicendum quod omnis operatio, rationis et voluntatis derivatur in nobis ab eo quod
est secundum naturam, ut supra habitum est, nam omnis ratiocinatio derivatur a
principiis naturaliter notis, et omnis appetitus eorum quae sunt ad finem, derivatur a
naturali appetitu ultimi finis. Et sic etiam oportet quod prima directio actuum nostrorum ad finem, fiat per legem naturalem. Ad tertium dicendum quod etiam animalia
irrationalia participant rationem aeternam suo modo, sicut et rationalis creatura. Sed
quia rationalis creatura participat eam intellectualiter et rationaliter, ideo participatio
legis aeternae in creatura rationali proprie lex vocatur, nam lex est aliquid rationis,
ut supra dictum est. In creatura autem irrationali non participatur rationaliter, unde
non potest dici lex nisi per similitudinem»; Ivi, q. 91, art. 3: «[…] Videtur quod non sit
aliqua lex humana. Lex enim naturalis est participatio legis aeternae, ut dictum est.
Sed per legem aeternam omnia sunt ordinatissima, ut Augustinus dicit, in I de Lib.
Arb. Ergo lex naturalis sufficit ad omnia humana ordinanda. Non est ergo necessarium
quod sit aliqua lex humana. Praeterea, lex habet rationem mensurae, ut dictum est.
Sed ratio humana non est mensura rerum, sed potius e converso, ut in X Metaphys.
dicitur. Ergo ex ratione humana nulla lex procedere potest. Praeterea, mensura debet
esse certissima, ut dicitur in X Metaphys. Sed dictamen humanae rationis de rebus
gerendis est incertum; secundum illud Sap. IX, cogitationes mortalium timidae, et
incertae providentiae nostrae. Ergo ex ratione humana nulla lex procedere potest.
Sed contra est quod Augustinus, in I de Lib. Arb., ponit duas leges, unam aeternam
et aliam temporalem, quam dicit esse humanam. Respondeo dicendum quod, sicut
supra dictum est, lex est quoddam dictamen practicae rationis […]».
princeps, cujo papel consiste exclusivamente no conferir autoridade
formal à norma 22.
Baseados no que acabamos de dizer, o papel do detentor do
poder é assaz modesto, com uma função – outro tanto modesta – que
é externa ao processo de formação da norma, processo em que o
bispo dominicano não hesita em inserir ‘comunidade ’ e ‘ciência jurídica’.
Na visão de Santo Tomás e, geralmente, da ciência jurídica
medieval, podemos identificar três princípios básicos de toda a experiência do ordenamento jurídico do Medioevo, que serão violentamente
excardinados na assim chamada ‘época moderna’.
Em primeiro lugar o poder político não tem projeto totalizante,
nem pretende seduzir e controlar o social mediante o instrumento
‘lei’23; o papel do detentor do poder não é o de ‘criador da lei’ mas
de ‘intérprete dos fatos sociais’ que se encontram cotidianamente
sob seus olhos e nos confrontos deles deve ser habilmente capaz
de colocar no nariz os “óculos da iurisdictio’, entendida, como um
modus operandi mediante o qual o princeps deve-se limitar a ‘ler’ os
comportamentos da sociedade dignos de tutela e regulamentação 24.
22
23
ALBERTUS MAGNUS, De bono, in H. KÜHLE, C. FECKES, B. GEYER, W. KÜBEL (a
cura di), Sancti doctoris Ecclesiae Alberti Magni ordinis fratrum praedicatorum episcopi
Opera omnia, Monasterii Westfalorum 1951, Tom. XXVIII, Tract. V, de justitia, q. II, de
legibus, art. I, quid sit lex: «lex est constitutio populi per consensum et utilitatem et
observationem, iuriconsulti autem est per inventionem et ordinationem, et principis per
auctoritatis sanctionem».
Neste sentido queremos sublinhar que em grande parte dos Estados monárquicos da
Europa medieval (França, Portugal, Espanha) são extremamente raras, se não ausentes,
as intervenções dos detentores do poder político. A este propósito vej-ase P. GROSSI,
L’ordine giurídico medievale…cit., 130-135.
Neste sentido, um exemplo bem representativo do papel ordenatório’ e não ‘criativo’
do detentor do poder político encontra-se na Lex Visigothorum, ou Liber iudiciorum,
do 654 d. C., em que o rei Recesvindo limita-se a coletar os mores, já existentes e
provenientes do tecido social do Reino dos Visigodos, e a ‘revesti-los’ de jurisdicidade
a fim de que se tornem normas jurídicas (em sentido contrário, A. IGLESIA FERREIRÓS, La creación del derecho. Una historia de la formación de un derecho estatal
español, vol. I, Barcelona 1992, que identifica o «monarca como criador do direito»,
225). Do caráter meramente ordenatório’ da função do rei, na determinação deste
texto legislativo, descende a ‘marca’ peculiar da lex, identificada como «anima totius
corporis popularis» enquanto «boni mores inveniens adque componens» (MGH-Leges
nationum germanicarum, vol. I, lib. I, tit. II, De lege, § II, Quid sit lex).
24
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Em segundo lugar, a desconfiança nos confrontos do síngulo
operador é proporcional ao valor adquirido pela comunidade. É neste
sentido que se pode falar, sem ter medo de exagerar, de uma mens
medieval contrária a todo individualismo, que vê com grande desconfiança o sujeito em si e por si considerado mas que lhe confia,
ao contrário, uma grande importância enquanto colocado dentro
dum tecido social, absolutamente protegido mas ao mesmo tempo
totalizante.
Enfim, consequência lógica do fato é que ius e lex sejam distintos, é que o ius possa estar também contido no costume ou na
“consuetudo”. O direito pertence à sociedade mesmo antes da vinda
do poder político, é o conjunto destes dados inscritos na natureza das
coisas, que constituem os mores e as consuedudines, e que criam
a imprescindível ‘data base’ à qual o detentor do poder político deve
estar em conformidade.
3. A ExPERIÊNCIA MODERNA: ‘MITIZAÇÃO’ do
indIVIDUO E do direito POSITIVO
O ordenamento jurídico medieval – acima delineado – onde o
príncipe aparece relativamente indiferente à criação do direito, enquanto a comunidade desenvolve um papel ôntico, muda no Trezentos,
quando o síngulo sente-se ‘liberado’ do tecido, tanto protetor quanto
condicionante, da sociedade: é o início do individualismo moderno
que investe tanto no setor antropológico quanto no político-jurídico.
Do ponto de vista antropológico, assiste-se a uma verdadeira
e própria reviravolta estrutural consistente na destruição violenta de
cada aparato social para substituí-lo pelo síngulo sujeito, o indivíduo, que enquanto tal é portador de uma vontade própria, capaz de
relacionar-se sem a communitas como filtro intermédio e, sobretudo,
excluindo o outro diferente de sí.’.
Este processo de individualização, primeiro momento e ao mesmo
tempo impulso propulsor da época moderna, é o fruto da reflexão
teológica e filosófica dos séculos XIII e XIV. E de fato, na tentativa
de libertar o homem das ‘incrustações’ medievais, mina-se, na base,
o implante filosófico-teológico aristotélico-tomista, caracterizado pela
construção harmônica da tríade relação Deus/homem/natureza; uma
construção harmônica onde o homem reporta-se constantemente,
com grande humildade, ao criador e por este é condicionado nos
seus atos cognoscitivos.
A mudança de prospectiva filosófica-teológica, que leva, portanto, à inexorável centralidade do indivíduo, tem-se nas especulações
franciscanas, nas quais é identificável um dado comum: a relação
Deus/homem é a única que leva em consideração, uma relação
que não só exclui a natureza mas que além disso coloca o homem
acima desta25.
Nesta renovada visão excludente o dado ‘natureza’ –tão caro às
elaborações doutrinais, filosóficas e teológicas, medievais– o homem
autodetermina-se através da sua vontade, a única em grau de dominar o mundo externo e que se liga inexoravelmente à capacidade
de ser livre: o individuo, portanto, é livre enquanto capaz, através da
própria voluntas, de agir numa efetiva e eficaz potestas dominandi
nos confrontos de tudo isto que é alheio a si mesmo26.
Em ordem à dimensão político-jurídica –atentos aos adjetivos
‘político’ e ‘jurídico’ que, de propósito, os temos apresentado ligados
e juntos pelas razões que logo a seguir exporemos- o processo de
identificação antropológica’ leva a uma identificação política’ que se
reflete também em nível jurídico.
Do ponto de vista da esfera política, num renovado panorama
em que o indivíduo age sozinho e por si mesmo sem precisar de
Sobre este ponto veja-se, M. VILLEY, La formation de la pensée jurídique moderne,
Paris 1968, 147 ss. .
25
26
Um exemplo da ‘nova’ especulação filosófica-teológica, que investe como um rio cheio
na dimensão antropológica da nascente época moderna e que vê o ’indivíduo em posição de ‘dominação’ nos confrontos do mundo externo, deve-se ir ao franciscano Pierre
de Jean-Olieu que, na metade do Duzentos, afirma que a personalidade do ’homem é
«existentia dominativa et libera et in se ipsam possessiva reflexa vel flexibilis» (PEdrO
de João OLIVI, Quaestiones in secundum librum Sententiarum, quas primum ad finem
codicum edidit, Quaracchi 1922-1926, II, q. 52, 200).
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‘vestimenta’ –tanto protetora quanto limitadora – da communitas,
plasmar-se-á um novo sujeito político, o príncipe, capaz de projetar
externamente a sua vontade perfeitamente constituída e absolutamente
incapaz de relacionar-se com a comunidade.
Neste novo cenário o detentor do poder político (o princeps) –
e eis o reflexo da ‘mitização ’ do indivídualismo no plano jurídico–,
começa pôr sua atenção na produção do direito e, iniciando uma ‘luta
pessoal’ torna a dispensar o pluralismo social e jurídico, apropria-se
do direito como instrumento de governo, tendo-o bem estreito nas
mãos, para fazer do seu poder uma «piussance absolu et perpétuel»,
como afirma Jean Bodin, aos finais do Quinhentos, nos Six livres
de la Republique27.
O processo que vê o príncipe capaz de criar direito à sua imagem
e semelhança e de fazê-lo um instrumento próprio de governo, possui
uma localização geográfica determinada, a França, onde a produção
de normas autoritárias é o símbolo da realeza e da soberania.
É lá que Michel de Montaigne chegará a afirmar que a lei deve
ser obedecida não porque justa – como era durante a Idade Média –
mas porque é lei, enquanto proveniente do legislador, «le fondement
mystique» da mesma. Daí deriva que o ‘dever de obediência’, e é
aqui que se manifesta todo o transtorno estrutural com relação à
experiência jurídica medieval, que prescinde do conteúdo da norma28.
Dissemos, acima, que o terreno fértil no qual analisar – como
estudiosos atentos de botânica – a passagem da mens medieval
à moderna é a França, onde o soberano, em longuíssimo arco de
tempo que desde os Trezentos chega à Revolução francesa, corta
pela base – por meio da ’ordonnance – o denso e exuberante ‘instrumentário jurídico’ proveniente do “coutume; suprime as comunidades
27
J. BODIN, Le six livres de la Republique, Aalen 1977, 122.
M. E. DE MONTAIGNE, Essais, Paris 1836, livre III, chap. XIII: «les lois se maintiennent en credit, non par ce qu’elles sont justes, mais par ce qu’elles sont lois. C’est le
fondement mystique des leurs authorité; ells n’en ont point d’autre. Qui bien leur sert.
Elles sont souvent faictes par des sots…».
28
intermediárias e realiza a igualdade, dando ao sujeito uma liberdade
dependente exclusivamente da sua vontade29.
Esta reviravolta estrutural, que modifica definitivamente o ordenamento jurídico medieval, mesmo sendo fonte inestimável do
sucessivo orientamento antropocêntrico e da conquista de valores
nunca mais elimináveis da consciência coletiva (como a dignidade
de cada pessoa humana e a igualdade perante a lei) provoca porém – de maneira igualmente inexorável – um ‘plágio hstórico’ com
situação histórica determinada.
É a Revolução francesa30 que, constituindo a síntese perfeita da
divinização do positivismo jurídico, oferece-nos um postulado –tão
certo na forma quanto errado no conteúdo- que une ‘em fila dupla’
o direito ao poder e onde a lei, consequentemente, é a única fonte,
entre todas, que exprime a vontade geral.
Queremos dizer ao leitor, que embora tenhamos colocado a França como paradigma de mudança da época medieval à moderna, a idéia de ‘liberdade’ do indivíduo
dependendo exclusivamente da sua ‘vontade’ está presente também na especulação
filosófica inglesa de Hobbes que, na sua conhecidíssima obra de filosofia política
(Leviathan, or the Matter, Form and Power of a Comonwealth Ecclesiastical and Civil),
afirma que «um homem livre é aquele que, naquelas coisas que com a sua força e
o seu ingenho consegue fazer, não está impedido de fazer quando tem vontade de
fazer» (T. HOBBES, Leviatano, trad. por G. Micheli, Firenze 1976, cap. XXI, 205-206).
Entre os numerosíssimos estudos sobre a filosofia política de Hobbes veja-se: G.
TARANTINO, Saggio sulle idee morali e poiítiche di Thomas Hobbes, Napoli 1900; L.
STRAUSS, The Political Philosophy of Hobbes, Oxford 1936; R. POLIN, Politique et
philosophie chez Thomas Hobbes, Paris 1952; M. CORSI, Introduzione al Leviatano,
Napoli 1967; T. MAGRI, Saggio su Thomas Hobbes. Gli elementi della politica, Milano
1982; D. NERI, Teoria della scienza e forma della politica in Thomas Hobbes, Napoli
1984; L. FOISNEAU–G. WRIGHT, Nuove prospettive critiche sul Leviatano di Hobbes,
Milano 2004; N. BOBBIO, Thomas Hobbes, Torino 2004; S. SCORSI, Thomas Hobbes
tra giusnaturalismo e positivismo giuridico, Viterbo 2007; G. M. CHIODI–R. GATTI
(orgnizadores), La filosofia politica di Hobbes, Milano 2009.
29
Sobre a Revolução francese veja-se, ex multis, T. CARLYLE, The French Revolution,
3 voll., London 1837; L. BLANC, Historie de la Révolution française, 12 voll. Paris
1847-1862; A. AULARD, Histoire politique de la Révolution, Paris 1901; P. SAGNAC,
La Révolution, 1789-92, Paris 1920; J. THOMPSON, The French Revolution, Oxford
1944; L. LEFEBVRE, Études sur la Révolution française, Paris 1954; M. VOVELLE (organizador), Les images de la révolution française, Paris 1988; L. HUNT, La Rivoluzione
francese. Politica, cultura, classi sociali, Bologna 2007; M. DI CARLO ALBERTO, La
Rivoluzione francese. Una rivoluzione da completare, Viterbo 2009.
30
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Isto produz uma incisiva e definitiva discriminação entre a lex
medieval e a lei moderna: se a primeira estava marcada por determinados conteúdos e finalidades –a racionalidade e o bem comúm–,
a segunda propõe-se como realidade o que não se encontra em um
conteúdo ou em um fim a sua legitimação social.
A época moderna – assim delineada nas breves passagens
precedentes – representa a humilhação do pluralismo jurídico e, como
consequência, a exaltação do monismo, em que o poder político
-identificado mum Estado soberano debruçado a eliminar pela raiz
as comunidades intermédias repletas de normas consuetudinárias
e de práticas específicas – exprime-se e age através da lei, longa
manus da sua estrutura totalizante e unificante, e dos conteúdos
abstratos, e inapeláveis.
A lei torna-se, portanto, pura exteriorização formal, um ato em
que não será o conteúdo quem conferirá a legitimação, mas sempre
e somente a proveniência do único sujeito detentor do poder político:
o legislator. Os novos e únicos protagonistos do cenário histórico,
projetados no ‘laboratório jurídico’ do jus-naturalismo31 e liberados
pelas ‘incrustrações’ medievais, são o indivíduo e o Estado, ambos
31
Para explicar a reviravolta da prospeciva do mundo jurídico medieval ao moderno, Paulo
Grossi emprega a felicíssima expressão ‘projeto jus-naturalistico’, «um projeto – porque
da empresa projetual conserva o indúbio caráter de estrutura meditadíssima –, mas
também uma estratégia – porque não esconde a sua tensão ao seduzir a concretude
da vida cotidiana e a torna-la práxis; projeto e estratégia que se apresentam sobretudo
aos olhos do histórador do direito sob o aspecto de uma tentativa – admirável pela
sua perspicácia– de identificar história, sociedade, instituições como artifícios opressores e de começar a construir mais além, num terreno livre de hipotécas, onde o
indivíduo privado e o indivíduo político pudessem finalmente sobressair na sua polida
indivualidade. O programa parecia ser: abstrair e simplificar; o instrumento: uma maciça
deteriorização e, consequentemente, dessocialização; o resultato: um cenário histórico
reduzido a duas únicas vigorosas identificações […] o ndivíduo solitário e o Estado»
(P. GROSSI, Modernità política e ordine giurídico…cit., 31-32. Sobre o jus-naturalismo
veja-se, ex multis, L. STRAUSS, Diritto naturale e storia, Venezia 1957; G. SOLARI,
La dottrina del diritto naturale nelle dottrine etico-giuridiche dei secoli XVII e XVIII,
Torino 1904; H. WELZEL, Naturrecht und materiale Gerechtigkeit, Gottinga 1951; E. DI
ROBILANT, Significato del diritto naturale nell’ordinamento canonico, Torino 1954; E.
GALAN Y GUTIERREZ, Ius naturae, 2 voll., Madrid 1961; F. POLLOCK, The History
of the Law of Nature, in Jurisprudence and Legal Essays, Londra 1961; N. BOBBIO,
Giusnaturalismo e Positivismo giuridico, Milano 1972; A. BRIMO, Les grands courants
resultado de um mesmo processo, ambos ‘aliados’ contra a ideologia medieval –presente no tecido social ao menos até em fins de
Quinhentos32 – e a práxis corporativa.
Às referidas mudanças estruturais dos ordenamentos jurídicos
não é totalmente impermeável a experiência jurídica da Igreja, porque
encarnada no mundo e partícipe das suas vicessitudes. Sinal de
acomodação a esta evolução foi a obra de codificação33, que unifica
o direito num corpo normativo que recebe a sua segura legitimação
da promulgação por parte da autoridade legislativa. Todavia, a função legitimante e limitativa da communitas não tem perdido nunca o
seu papel central, tanto dentro do ordenamento canônico, como no
comportamento da Igreja nos confrontos de certas leis criadas em
outros ordenamentos.
de la philosophie du droit et de l’État, Parigi 1967; A. PASSERIN D’ENTRÈVES, La
dottrina del diritto naturale, Milano 1980.
32
Veja-se sobre este ponto, P. GROSSI, Modernità política e ordine giuridico…cit., 36-39.
33
Queremos advertir o leitor que não nos deteremos no tema da codificação do direito
da Igreja remetendo-o quanto ao mérito aos numerosíssimos estudos. No que se refere
ao iter de formação do Código Pio-Benedetino veja-se, P. VAN DE KAMP, Codex iuris
canonici, in Dictionnaire de droit canonique, Tomo II, Paris 1909, 909 ss.; A. M. STICKLER, Historia juris canonici latini. Institutiones academicae. Vol. I, Historia fontium.
(pontificium athenaeum salesianum. Facultas iuri canonici), Torino 1950; bem como o
poderoso estudo di C. FANTAPPIÈ, Chiesa romana e modernità giuridica, tomo II, Il
codex iuris canonici (1917), Milano 2008. A respeito dos vinte sanos do iter formativo e a estrutura do Codex Iuris Canonici de João Paulo II verja-se entre muitos, S.
BERLINGÒ, Diritto canonico, Torino 1995, 117-120; P. MONETA, Introduzione al diritto
canonico, Torino 2001, 63-67; G. FELICIANI, Le basi del diritto canonico, Bologna
2002, 38-44; C. FANTAPPIÈ, Introduzione storica al diritto canonico, Bologna 2003,
261-269; L. MUSSELLI, Storia del diritto canonico. Introduzione allo studio del diritto
e delle istituzioni ecclesiali, Torino 2007, 107-115. Para um exame analítico de todo
o iter histórico de formação do Codex Canonum Ecclesiarum Orientalium veja-se, ex
multis, A. COUSSA, De codificatione canonica orientali, em AA. VV., Acta Congressus
Iuridici Internationalis VII saeculo a Decretalibus Gregorii IX et XIV a Codice Iustiniano
promulgatis, IV, Romae 1937, 491-532; D. FALTIN, La codificazione del diritto canonico
orientale, in AA. VV., La Sacra Congregazione per le Chiese Orientali nel cinquantesimo della fondazione (1917-1967), Roma 1969, 121-137; D. SALACHAS, Istituzioni di
Diritto canonico delle Chiese orientali cattoliche, Bologna 1993, 45-54; J. FARIS, La
storia della codificazione orientale, in K. BHARANIKULANGARA (organizador), Il Diritto
Canonico Orientale nell’ordinamento ecclesiale, Città del Vaticano 1995, 255-268; D.
SALACHAS-L. SABBARESE, Codificazione latina e orientale e canoni preliminari, Città
del Vaticano 2003.
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4. a COMUNIDADE como insTRUMENTO’ de
LEGITIMAÇÃO do ordenAMENTO jurídICO:
ExEMPlOS canôNICOS e EXTRA-CANôNICos
Se por ‘legitimação ’ entende-se o processo de regulamentação
formal, por parte do ordenamento jurídico, de uma práxis que a sociedade utiliza para a gestão de determinadas relações jurídicas e
cujo critério determinante é a efetividade – entendida como a capacidade que possui uma regra ou um instituto de ser concretamente
aplicado –, a vigorosa experiência da história do direito canônico é
o costume34, mesmo que seja contra legem, cuja sobrevivência à
primeira codificação mostra a essencialidade da nomogênesis comunitária35. No nascimento de um costume é à communitas que se
34
Entre os numerosíssimos estudos sobre a consuetudo canônica veja-se, A. FONTANA,
Il valore della consuetudine e i suoi requisiti secondo il diritto canonico, Modena, 1907;
F. FLUMENE, La consuetudine nel suo valore giuridico, Sassari, 1925; M. CONTE A
CORONATA, Institutiones iuris canonici, Torino, 1928; R. WEHRLÉ, De la coutume dans
le droit canonique. Essai historique s’étendant des origines de l’Eglise au pontificat de
Pie XI, Paris, 1928; A. VAN HOVE, Commentarium Lovaniense in codicem iuris canonici, vol. I, tom. III, De consuetudine, Mechliniae-Romae 1933, 3-237; P. FEDELE, Il
problema dell’animus communitatis nella dottrina canonistica della consuetudine, Milano
1937; G. MICHIELS, Normae generales juris canonici, commentarius libri I codicis juris
canonici, vol. II, tit. II, De consuetudine, Parisiis-Tornaci-Romae, 1949, 1-220; A. RAVÀ,
Consuetudine (diritto canonico), in Enc. dir., vol. IX, Milano, 1961; J. ARIAS GOMEZ,
El consensus communitatis en la eficacia normativa de la costumbre, Pamplona, 1966;
M. FORNASARI, La Consuetudine dalle collezioni canoniche gregoriane all’Ostienese,
em Studi in onore di Marcello Magliocchetti, vol. II, Roma 1975, 565-600; F. J. URRUTIA, Reflexiones acerca de la costumbre juridica en la Iglesia, em Investigationes
theologico-canonicae, Roma 1978, 449-479; ID., De consuetudine canonica novi canones
studio proponuntur, em Periodica de re morali, canonica, liturgica, LXX (1981), fasc.
1, 69-103; G. R. GIACOMAZZO, La consuetudine nella dottrina canonistica classica,
Padova 1983; G. COMOTTI, La consuetudine nel diritto canonico, Padova, 1993; M.
SANS GONZÁLEZ, La costumbre en la elaboración del Código de derecho canónico
de 1917, em M. TEDESCHI (a cura di), La consuetudine tra diritto vivente e diritto
positivo, Soveria Mannelli 1998, 107-138; E. BAURA, La consuetudine, em Fondazione
del diritto. Tipologia e interpretazione della norma canonica (Quaderni della Mendola,
vol. 9), 81-104; G. FELICIANI, La consuetudine nella codificazione del 1917, em Ius
Ecclesiae, Rivista internazionale di Diritto Canonico, XIX 2 (2007), 333-346; P. BELLINI, Tradizione e consuetudine nella esperienza del movimento cristiano principale, em
Prassi e diritto. Valore e ruolo della consuetudine, Napoli 2008, 167-189.
O costume, de fato, encontrava a sua disciplina específica nos cânones do Código pio-benedetino (cc. 20-25) e está regulamentada e em vigor tanto no Código de direito canônico latino (cc. 23-28) como no Código dos cânones da Igeja Oriental (cc. 1506-1509).
35
lhe reconhece o animus voltado a fazer com que um comportamento
torne-se norma vinculante.
Ao mesmo tempo, a constatação do desuso com relação a regras
de fato não aplicadas nem respondentes às necessidades da comunidade, foi um dos critérios de revisão do Código de direito canônico
vigente e de preparação do Codex Canonum Ecclesiarum Orientalium.
No tangente à legitimação de certas medidas legislativas extra-canônicas, não obstante a sua formal inserção num ordenamento jurídico,
o comportamento da Igreja foi às vezes fundamental ao estabelecer
um limite, não só no anunciar corajosamente a eventual incongruência
delas com os valores últimos da sua missão, mas, também, em favorecer ao não acolhimento destas medidas por parte da comunidade.
Pense-se nas Leis tutelares da raça emanadas pelo Estado
italiano de 193836 que, mesmo em vigor, ficaram em desuso pelo
fato de muitas pessoas, enquanto a Igreja desempenhou em primeira
pessoa um preciosíssimo papel em salvar, durante as perseguições,
familias judaicas inteiras.
Apesar destes exemplos demonstrarem a natureza substancial
do protagonismo que às vezes assumiu a rejeição da comunidade,
36
Real Decreto-Lei de 5 de setembro de 1938, n. 1390, Medidas para a defesa da raça
na escola; Real Decreto-Lei de 7 de setembro de 1938, n. 1381, Medidas nos confrontos dos Hebreus extrangeiros; Real Decreto-Lei de 15 de setembro de 1938, n. 1779,
Integração e coordenação em texto único das normas já emanadas para a defesa
da raça na escola italiana; Real Decreto-Lei de 17 de novembro de 1938, n. 1728,
Medidas para a defesa da raça italiana. um breve mas cliaríssimo comentário sobre
as Leis Raciais do Estado italiano encontra-se em P. GROSSI, Pagina introduttiva (a
sessant’anni dalle leggi razziali del 1938), extraído dos Quaderni fiorentini per la storia
del pensiero giuridico moderno, XXVII (1998), 1-9, em que o Autor –no mais amplo
e absoluto consenso de quem escreve–, afirma que estas leis eram «leis formais do
Estado italiano, mesmo eivadas de um conteúdo iníquo e repugnante à consciência ética
comúm, um daqueles textos normativos duríssimos para o intéprete-aplicador mas para
traduzir por parte deste a vida concretamente «embora horrorizado pelo seu conteúdo…»
(como escrevia desarmado Pedro Calamandrei…). Valha esta «página introdutiva» da
celebração infamante de um evento para não esquecê-lo. Certamente, antes de mais
nada para a imperdoável perversão a que foi submetido o nosso ordenamento positivo;
mas valha também de advertência para quem continua a ovacionar uma legalidade a
todo custo, mesmo que seja, rígida e abstrata, prescindindo da necessária verificação
na trama materna da sociedade e da experiência comúm», 6.
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a respeito da legitimação das medidas que se entende inserir no
ordenamento jurídico, a impressão mais comum é de sinal contrário.
A orientação sócio-jurídico-cultural emergente da Revolução francesa
induz a reter que o papel da comunidade seja extrínseco ao direito,
exaurindo-se na livre eleição do legislador, e sem papel verdadeiro
no tocante ao ordenamento jurídico.
A prospectiva histórica, ao invés, leva a sustentar o contrário e
permite de entrever no presente uma fase de plena ‘recuperção pelo
direito’. Estudiosos do Novecentos como Santos Romano37, Jorge Ripert38 e, hoje, Paulo Grossi39 afirmam, segundo diversas prospectivas,
que o direito provém necessariamente de baixo – dos destinatários
passivos da norma – pois isto antes de ser norma é ordenamento e
que, de fato, a comunidade então desenvolve um papel determinante
para os fins de legitimação do ordenamento jurídico.
Isto foi uma constante, embora estafante e nem sempre capaz
de impor-se. Basta pensar (em termos de Italia40) na lei de 15 de
setembro de 1964, n. 75641, sobre os contratos agrários, que no
art. 3 proibia os contratos de parceria agrícola42. Na práxis estes
contratos vinham regularmente estipulados. Isto porque ao lado dos
asssim chamados direitos oficiais, aqueles que nascem da voluntas
37
S. ROMANO, L’ordinamento giuridico, Firenze 1962; ID., Lo Stato moderno e la sua
crisi. Saggi di diritto costituzionale, Milano 1969.
38
39
40
G. RIPERT, Le déclin du droit - Etudes sur la législation contemporaine, Paris 1949,
prefácio, VI:: « a sociedade está em perigo, quando o poder político manifesta-se em
leis que não são mais a expressão do direito.».
P. GROSSI, Mitologie giuridiche della modernità, Milano 2005; ID., Il diritto tra potere
e ordinamento, Napoli 2005; ID., Società, Diritto, Stato…cit.; ID., L’Europa del diritto,
Bari 2007.
Acréscimo do tradutor
Lei de 15 de setembro de 1964, n. 756, Normas em matéria de contratos agrários.
41
Lei de 15 de setembro de 1964, n. 756, tit. II, da parceria agrícola, art. 3: «Ao ocorrer a
data de entrada em vigor da presente lei não podem ser estipulados novos contratos de
parceria agrícola. Os contratos estipulados que violam a proibição de que trata o precendete parágrafo são nulos. A nulidade no sentido da precedente disposição não produz
efeito para o período em que o referido tem tido execução . Para os efeitos do primeiro
parágrafo não se consideram novos contratos os estipulados para estender o fundo objeto
do contrato a fim de adequá-lo às exigências da família de colonos e da boa condução ».
42
legislatoris, sempre mais existem outros que vem antes pensados e
depois plasmados na ‘oficina da práxis’ – preciosa também no ordenamento jurídico canônico –, oficina cujo ‘instrumentário’ pertence
exclusivamente à comunidade.
5. CONCLUSões
A síntese histórica apresentada elucidou que o direito, na experiência jurídica medieval, era uma realidade inscrita na natureza
das coisas e pertencente ao tecido social, que o detentor do poder
político sabia ‘ler’ nas ‘coisas do criado’. Na experiência jurídica moderna, ao invés, o direito passou a ser um instrumento do prínceps
moderno, o instrumentum regni por excelência, com a finalidade de
determinar a sua vontade, manifestada em forma de preceito jurídico
–a lei– pelo conteúdo abstrato, não elástico e ‘igualitário’. O momento de crise do modernismo jurídico encontra-se no Novecentos, um
século impregnado de forte desconfiança nos confrontos do Estato,
agora incapaz de relacionar-se com a sociedade, com o risco de
relativizar a centralidade dela.
‘Sempre mais sociedade e, sempre menos Estado’ é o eslogão que resume a crise jurídica do Novecentos. Um momento de
crise sim, mas crise positiva, onde se deixam os ‘designios cumpridos’ e encaminha-se para uma uma realidade mais desordenada
mas, ao mesmo tempo, constituinte do humus para reescrever o
futuro em termos de ‘pluralismo jurídico’43 e de globalização jurídi São muitos os eventos históricos que nos levam a vêr no Novecentos um século em que
a sociedade toma sempre mais lugar nos confrontos de um Estato agora cristalizado
em si mesmo. Limitar-nos-emos a identificar dois, um de caráter teorético, o outro de
matriz legislativa. O primeiro refere-se à prelesão proferida por Santos Romano na
inauguração do ano acadêmico de 1909-1910 da Universidade dos Estudos de Pisa,
com o título “O Estato moderno e a sua crise”, um documento elucidativo em que o
jurista palermitano, intuindo o assim chamado ‘pluralismo’, identifica as forças latentes
que teriam agido no Estado moderno, mesmo sem ser o Estado (S. ROMANO, Lo Stato
moderno e la sua crisi…cit. Veja–se nesta perspectiva, P. GROSSI, Santi Romano: un
messaggio da ripensare nella odierna crisi delle fonti, em Rivista trimestrale di diritto e
procedura civile, LX (2006), 377-395). O segundo evento histórico, de matriz excelentemente legislativa, é constituido pela Constituição de Weimar promulgada em 11 de
43
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150
ca44. A atual fase de pluralismo jurídico e globalização jurídica remete
ao centro da legitimação do direito a sua conexão com a comunidade.
Esta conexão não é mais chamada a exprimir-se só em termos de
recesso da lei, que fica então um ponto firme; requerem-se, porém,
novas estratégias que incidem na própria produção do direito. Com
efeito, a necessária utilidade do ordenamento às exigências e aos
valores em que se reconhece a comunidade dos destinatáros não
permite reduzir o papel dessa à mera eleição do poder legislativo. É
necessário dar lugar à produção imediata do direito que possa provir
de baixo. O instrumento tradicional, neste sentido, foi o costume, reconhecido também contra legem, mesmo com diversidade de lugar e
de regulamentação nos ordenamentos dos Estados e no ordenamento
da Igreja. Nesta última, como é sabido, não se verifica a eleição do
legislador; nem por isso faltam instrumentos formais suficientemente
idôneos para garantir aquele papel produtivo do direito que julgamos
fundamental, o reconhecer a comunidade.
valor que o costume foi portador, não pode ser desconhecido. Este
valor é o sensus fidelium do qual são reflexos alguns institutos peculiares do ordenamento jurídico canônico, como o Sínodo diocesano,
o Conselho pastoral, e ainda mais claramente as várias modalidades
de formação dos direitos particulares (os regulamentos criados pelos
movimentos, as constituições dos Institutos de vida consagrada, os
estatutos das associações, …). não vos caiba dúvidas que nestes
e nos outros institutos análogos seria necessária uma críatividade
maior, para que o sensus fidelium se exprimisse com maior eficácia daquela que permite uma aplicação reduzida e inadequada dos
próprios institutos46.
Mesmo se o instrumento tradicional, formalizado no costume,
pode-se dizer atualmente um tanto ‘desvalorizado’45, ao contrário. o
agosto de 1919 e na qual o poder constituinte procura colher e fixar o aporte jurídico
de um povo num determinado momento histórico; portanto, um texto que se torna a
‘voz’ da sociedade e não do poder legislativo (sobre este ponto veja-se D. DONATI,
Corso di costituzioni straniere: la costituzione dell’Impero Germanico, Padova 1926; F.
POETZSCH-HEFFTER, Handkommentar der Reichsverfassung vom 11 August 1919.
Ein Handbuch für Verfassungsrecht und Verfassungspolitik, Berlin 1928; G. ANSCHÜTZ,
Die Verfassung des Deutschen Reiches vom 11. August 1919, Berlin 1933; C. MORTATI,
Introduzione alla Costituzione di Weimar, Firenze 1946).
Veja-se, nesta prospeciva, M. R. FERRARESE, Le istituzioni della globalizzazione Diritto e diritti nella società transnazionale, Bologna 2000. A este propósito, queremos
salientar que a demitização do pan-legalismo moderno – caracterizado pela exclusividade da lei como fonte – encontra um impulso propulsivo também na ‘globalização
jurídica’. Se na época moderna o poder político quer monopolizar o direito, desde
finais do Novecentos o poder econômico percebeu que o político não é capaz de gerir
o direito perante a economia. O poder econômico está criando institutos elaboratos
pela práxis, para regula-los volta-se ao jurista – imerso na sua oficina pragmática – e
não ao legislador que, nos ‘seus inaccessíveis palácios” encontra-se depauperado da
‘função criadora da lei’.
44
Fala-se de ‘desvalorização ’ do costume porque, desde o Código pio-benedetino, este
foi admida no ordenamento jurídico exclusivamente por meio da voluntas legislatoris,
unica causa legitimamente a jurídicidade desta fonte do direito (cf. c. 25, Codex Iuris
canônicos 1917; c. 23, Codex Iuris canonii 1983; c. 1507, par. 4, Codex canonum
Ecclesiarum Orientalium).
45
Cf. M. J. ARROBA CONDE, Diritto processuale canonico, Roma 2006, 26-27..
46
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O tratado “de personis” e suas
“condiciones” no livro primeiro do
Codigo de 1983?
Mons. Dr. Martin Segú Girona1
SUMÁRIO: Prescindindo da polêmica, se, se trata ou não, de
um supra codicial o de personis, o fato é que em todos os tratados
do nosso Ordenamento Jurídico encontram-se as pessoas. O artigo
define o que é uma pessoa no direito canônico e quais são suas
condições apresentadas pelo Legislador na segunda parte do Livro
primeiro. As condições não são taxativas mas são as mais evidentes
para a identificação na pertença e na dinâmica do Povo de Deus.
A parte primeira do livro do Código Latino de 1983 trata da regra
jurídica em si, isto é, da norma ou da lei jurídica enquanto jurídica, por
isso que apresenta os modelos ou os paradigmas das leis enquanto
leis, das normas como normas, das regras como regras, além disso
mostra o costume como tal sublinhando que o melhor intérprete da
lei são os costumes de determinada comunidade. O Legislador ainda
apresenta a atividade jurídica administrativa que nada mais é do que
pastoral do próprio direito devendo toda e qualquer norma administrativa, ser humana, cristã e, por isso mesmo justa. O Legislador ainda
sublinha que toda e qualquer norma executiva deve visar primo et per
se a pastoralidade desta porção do Povo de Deus que está em marcha
para a parusia ou para o eskaton (o definitivo encontro com o Pai).
Devido a toda esta rica impostação que os estudiosos do livro
Primeiro do Código latino consideram-no como sendo a metafisica
jurídica ou a metafisica do direito2. Por isso que na primeira parte
1
Professor e Diretor do Instituto de Direito Canônico Pe. Dr. “Giuseppe Benito Pegoraro” São Paulo – SP. Vigário Judicial do Tribunal Interciocesano de São Paulo – SP.
Presidente do Arquivo Metropolitano de São Paulo – SP
2
Cf. GANGOITI, B., Dispense ad usum alumnorum in universitate Sancti Thomae in
Urbe, 1988, 3.
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deste livro são tratados os institutos juridicos qualificados no jargão
jurídico de supra codiciais, pois suas figuras e, mais própriamente
seus institutos servirão de subsídio, paradígma e base para todo e
qualquer tratado jurídico que os aborde.
tratados, a segunda, a Comissão de Revisão do novo Código com
esta atitude visava que o tratado “de personis” pudesse ser apresentado bem mais concretamente, suscitando uma mais completa
exegese e hermenêutica nos seus conteúdos.
No tocante ao tratado específico qualificado “de personis” há
inúmeras controvérsias entre os comentaristas.3
Mas, o posicionamento adotado pela Comissão de Revisão
do novo Código não é nada pacifico entre os autores e comentaristas, daí que, com facilidade, se encontram os que defendem os
argumentos e abordagens da própria Comissão como os que não
concordam com isso e defendem que o “de personis” não é, e nem
pode ser considerado um supra codicial e, por isso mesmo, deveria
ser colocado como introdução ao livro IIº que trata especificamente
da eclesiologia e mais concretamente da marcha do Povo de Deus6. .
Aqui neste trabalho posicionamo-nos da seguinte maneira: dado
não concedido que o tratado “de personis” não seja um supra codicial,
no entanto devemos dizer e constatar que aqui na IIª parte do livro
primeiro do Codigo Latino é apresentado e tratado como se o fosse,
pois nos são fornecidos os princípios e caracteristicas que devem
ser usados pela boa hermenêutica e devida exegese para os demais
tratados que se relacionem especificamente com o de personis, pois
em todos encontramos como sujeito passivo a pessoa humana, como
não poderia ser diferente. As leis não foram promulgadas nem para
o reino mineral e nem o vegetal, mas para o homem4. Devido a todo
este texto e contexto que a Comissão para a Revisão do Codigo
deslocou o “de personis” que figurava no antigo Código no livro IIº
para o 1º com a intenção explícita de integrar os princípios gerais,
pois estabeleceu concretamente as regras e normas que devem ser
aplicadas às pessoas tanto físicas como jurídicas.
Basta para nos convencer, cotejarmos o Código Latino de 1983
com o antigo Código de 1917 para constatar que o “De personis5”
na primeira codificação da Igreja foi colocado como uma espécie de
introdução ao Livro lI, bem diferente da impostação do Código pós
conciliar que o “De personis” foi inserido como integrante do Livro 1º
por duas razões, segundo diziam os codificadores. A primeira, era
para que todas as normas jurídicas paradigmáticas fossem colocadas
juntas e não mais dispersas pelos diversos livros do Código e dos
Para elucidar melhor esta questão apresentaremos, a titulo de
exemplo, apenas o nome de dois eminentes professores com visões bem distintas, o sábio Gauthier, ensinava e defendia que a 2ª
parte do livro 1º do Código Latino de 1983 tanto quanto a primeira
é técnica, por isso que o livro primeiro é o que nos dá as chaves
para retamente estudar e penetrar os demais tratados e assim poder
descobrir com toda segurança a mens legislatoris e os conteúdos
e finalidades das leis. No livro Primeiro do Codigo latino estuda-se
como deve ser utilizado concretamente o Direito que é iminentemente pastoral e por isso mesmo libertador e facilitador de caminhada.
Portanto, deve ser tratado como um supra codicial7.
Gangoiti, outro eminente estudioso e respeitado professor, diz
justamente o contrario, pois o de personis para este renomado jurista
está completamente deslocado e fora de lugar pois não é, e nem
pode ser um supra codicial, por isso seu lugar adequado deveria
estar no livro II do Codigo Latino e ser sua introdução, isto porque
não é possivel falar de Povo de Deus sem primeiro saber o que é
a pessoa humana concreta e especifica8.
3
Cf. GAUTHIER, Dispense ad usum alumnorum in universitate Sancti Thomae in Urbe,
1988, 5.
4
Cf. GANGOITI, B. Dispense de normatologia legislativa, as usum alumnorum, Roma,
1987, . 4.
6
7
Cf. GAUTHIER, Dispense ad usum alumnorum..,.4..
Cf. GAUTHIER, Dispense ad usum alumnorum..,.2-3..
8
Cf. GANGOITI, B., Dispense ad usum alumnorum...,. 5.
5
Cf. GANGOITI, B., Dispense ad usum alumnorum...,10..
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Percebe-se, portanto, que nem todos os eminentes e graves
autores estão de acordo com a divisão contida no Livro Primeiro
do Código latino. Os que a defendem dizem que o De personis integrando a 2ª parte das normas gerais é bem mais jurídico e, além
do mais, na sua modernidade, aproxima-se bem mais da abordagem
dos Ordenamentos Jurídicos Civis.
O artigo, em hipótese alguma pretende dirimir esta questão, e
nem sequer, quer entrar no mérito, por isso, prescindindo desta rica
e profunda discussão deseja abordar e aprofundar aqui apenas o
conceito e a as condições (condiciones) da pessoa fisica. O foco da
nossa questão será a vertente do direito canônico latino mas sem
descurar os dizeres do direito oriental, nesta importante questão.
Poderemos constatar no cotejo dos cânones dos dois Ordenamentos
Juridicos canônicos que seus conteúdos, se, não forem idênticos com
as mesmas fórmulas e expressões, pouco diferem entre si.
O Codigo Latino no seu capitulo 1º 9 do artigo V da 2ª parte do
Livro 1º trata da condição canônica das pessoas fisicas. Mas, por
outro lado, não se pode tratar da condição canônica das pessoas
fisicas sem antes saber e operacionalizar adequadamente o que é
pessoa10 ou, em outra palavras, sem adentrar nos conteúdos e na
riqueza contida no c. 9611 do Codigo latino e do c. 7 § 112 do oriental.
Ao analisar, hermenêutica e exegeticamente os conteúdos dos
cânones dos Ordenamentos Juridicos canônicos, imediatamente se
detecta que os redatores sofreram a influência da própria tradição
civilística moderna oriunda dos juristas de fins do sec. XIX quando
9
Cf. CIC cc. . 96-112 et CCEO cc. 7 § 1 e cc. 909-919.
10
11
Cfr.. LO CASTRO Il soggetto ed i suoi diritti nell´ordinamento canonico (Milano 1985)..
Cf. CIC. c. 96 - Pelo batismo o homem é incorporado à Igreja de Cristo e nela constituído pessoa, com os deveres e direitos que são próprios dos cristãos, tendo-se
presente a condição deles, enquanto se encontram na comunhão eclesiástica a não
ser que se oponha uma sanção legitimamente infligida.
12
Cf. c. 7 § 1. Fieles cristianos son aquellos que, incorporados a Cristo por el bautismo,
se integran en el pueblo de Dios y, hechos participes a su modo por esta razón de
la función sacerdotal, profética y real de Cristo, cada uno según su propia condición,
son llamados a desempeñar la misión que Dios encomendó cumplir a la Iglesia en el
mundo.
se debruçaram para aprofundar a doutrina dos pandectistas e dos
estudiosos dos Digesta de Justiniano13. Esta influencia é mais do que
evidente, ao operacionalizar o conceito de pessoa, usando-se a mais
estrita técnica do jargão juridico, pois persona em direito canônico
hoje, é definida como o sujeito capaz de direitos e deveres. 14
Devemos lembrar, porém que se formos na etimologia do termo
“persona”, perceberemos que no seu significado original era o de
máscara teatral, pois esta palavra usava-se para indicar o “papel”
desempenhado pelos atores em determinada peça. Mas, ao mesmo
tempo, na literatura antiga não é raro encontrar a mesma palavra
com significado especifico de “homem” sem qualificações ou distinções, isto é, tanto se aplica ao homem livre como ao escravo. Neste
sentido poder-se-ia deduzir que o escravo não era um mero objeto,
pois apesar de sua condição aviltante e inumana era-lhe reconhecido
algum direito mesmo que fosse muito restrito e exíguo.
Devemos notar, porém, que o termo “persona” já naquele tempo
incluia e caracterizava a “condicio”. Era a “condicio” que determinava
a qualidade, ou melhor, a posição ou status que este individuo bem
específico ocupava na sociedade a que pertencia. Falando porém,
historicamente, percebemos que foram as escolas pós-clássicas as
primeiras a empregar o termo persona incluindo no próprio termo as
condiciones ou estas caracteristicas e conotações classificantes dos
individuos nesta determinada sociedade.
Na época moderna, os juristas ao aceitar os direitos de cada
homem, colocaram no centro do Direito o homem-pessoa. As influências favoráveis provinham da Revolução Francesa de 5 de maio de
1789. Mas foi somente em 1811 segundo diz Ghautier, que um dos
primeiros países europeus, a inserir no seu Ordenamento Juridico o
termo persona foi a Austria, quando seu Legislador asseverava que
“cada homem possui direitos inatos que são conhecidos apenas com
a razão: por isso deve ser considerado persona’.15
13
Cf. GAUTHIER, Dispense ad usum alumnorum.., 4-5..
14
Cf. c. 96 et CCEO c. 7 § 1.
Cf. Ghauthier Dispense ad usum alumnorum, Angelicum, .7.
15
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Mas os que aprofundaram e desenvolveram o conceito de personalidade e consequentemente de capacidades juridicas (condiciones)
foram os comentaristas e estudiosos do Direito, nos finais do século
XIX e início do sec. XX. Foi nesta época que o conceito de pessoa
foi acolhido pela maioria dos Ordenamentos Jurídicos Europeus. Por
isso que a própria Comissão encarregada da elaboração do primeiro Código acolheu o conceito no Codigo de 1917,16 pois o Cardeal
Gasparri sendo professor de direito em Paris, conhecia muito bem
toda esta materia e foi graças ao eminente Cardeal que os conceitos
de persona, de personalidade e de capacidade juridicas foram acolhidos explicitamente na legislação eclesiástica e consequentemente
as “condiciones”. Devemos lembrar, aqui, que Lo Castro17 com sua
obra e estudo, foi e é um dos autores mais citados quando se deseja aprofundar o uso da categoria de persona no Código de 1917.
No entanto, após o Concilio Vaticano II os Ordenamentos Juridicos
tanto o latino18 como o oriental19 vinculam tanto a personalidade jurídica
como a própria capacidade de direitos e deveres ao Sacramento do batismo. Os Códigos Latino e Oriental, como não poderiam deixar de ser,
sublinham as fontes sacramentais do nosso direito. Este vínculo entre
batismo e direito é a consequência natural da incorporação à Igreja,
Corpo de Cristo, operada pela Batismo. Mas, no entanto, comparativamente, tanto o Código latino como o oriental diferenciam muito melhor
seus conteúdos se comparados com os do Código de 1917. 20
O Código Latino, especificamente, apresenta o efeito incorporativo imediato do Batismo e sua consequência jurídica inseparável
ao dizer: “Baptismo homo Ecclesiae Christi incorporatur et in eadem
constituitur persona”21.
Em torno ao cânon paralelo do Código anterior 22, discutia-se se
este cânon reservava a capacidade jurídica no ordenamento canônico apenas aos batizados,23 ou também aos não batizados. Existem,
hoje, duas interpretações bem diferentes, mas devemos dizer que
a interpretação que reconhece a personalidade dos não batizados,
nos ordenamentos canônicos atuais, parece ser a mais condizente
com o espírito do Concilio Vaticano II e consequentemente com os
novos cânones. E isto fica mais claro no Código latino, quando o
Legislador na sua Constituição de promulgação do Novo Código
“Sacrae disciplinae Leges” apresenta-o como “intimamente ligado”24
ao Concilio Vaticano II, pois seus redatores tiveram o cuidado de
inserir sintética e essencialmente a Doutrina Conciliar, não descurando
porém do jargão jurídico. A intenção do Legislador era que a rica e
sábia doutrina conciliar deveria sair do papel e transformar-se em
vida eclesial. Toda esta impostação fica cada vez mais clara quando
aprofundamos o estudo exegético e hermenêutico dos cânones. Isto
nos permite dizer com Condorelli25 que nosso Legislador reconheceu,
explicitamente, os direitos fundamentais da pessoa humana e, consequentemente, a personalidade jurídica de cada homem. Apenas a
titulo de exempo, bastaria conferir os conteúdos dos cânones 747 §
226 do Código latino e o c. 595 § 227 do oriental.
22
23
c. + 87.
Cfr. MICHIELS o.c. 15. et ONCLIN W. “Membres de l´Église. Personnes dans l´Église”
in Année canonique 9 (1964) pg.17.
Sacrae disciplinae Leges de 25 de janeiro de 1983, Código de direito...,VII.
24
Cfr. CONDORELLI M. “I fedeli nel nuovo Codex Iuris Canonici” in Il diritto ecclesiastico
(1984) 785-788.
25
CIC c. 747 § 2.- Compete à Igreja anunciar sempre e por toda parte os princípios
morais, mesmo referentes à ordem social, e pronunciar-se a respeito de qualquer
questão humana, enquanto o exigirem os direitos fundamentais da pessoa humana
ou a salvação das almas.
Et CIC c. 1476 - Quem quer que seja, batizado ou não, pode agir em juízo, e a parte,
legitimamente demandada, deve responder.
CCEO c. 1134 – Cualquier persona esté o no bautizada, puede demandar en juicio, y
la parte legitimamente demandada tiene la obligación de responder.
26
Cf. DOGLIOTTI M. “Le persone fisiche” in Trattato di diritto Privato 1, 2 (Torino 1982) 5-8.
16
17
Cf. LO CASTRO Il soggetto ed i suoi diritti nell´ordinamento canonico (Milano 1985).
Cf. CIC. c. 96.
18
Cf. CECEO c. 7 § 1.
19
20
21
c. + 87. Por el bautismo queda el hombre constituido persona en la Iglesia de Cristo,
con todos los derechos y obligaciones de los cristianos, a no ser que en lo tocante a
los derechos, obste algún óbice que impida el vinculo de la comunión eclesiástica o
una censura infligida por la Iglesia.
CIC. c. 96.
27
CCEO c. 595 § 2. Compete siempre y en todo lugar a la Iglesia proclamar los princípios morales, tambien los referentes al orden social, así como dar su juicio sobre
cualesquiera asuntos humanos en la medida en que lo exijan la dignidad de la persona
humana y sus derechos fundamentales o la salvación de las almas.
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No entanto, constatamos que nosso Legislador no Ordenamento
Jurídico latino no c. 96, fala da personalidade jurídica mas não genérica e sim especificamente, pois deseja e quer explicitar e acolher
a capacidade do homem moderno de adquirir direitos e por isso
mesmo ser sujeito também de obrigações especificamente canônicas.
E tudo isto é bem compreensivel pois, analogamente assemelha-se
à própria capacidade de qualquer ordenamento civil onde se origina
a condição de cidadania de cada qual.
O Legislador para designar a personalidade jurídica específica
no ordenamento canônico latino, fala explicitamente “de persona in
Ecclesia Christi”. Isto porque, canonicamente, é na Igreja que se
adquire a personalidade jurídica especifica mediante o Sacramento
do Batismo28. Por isso não é apenas licito inquirir, mas torna-se necessário questionar se o conteúdo deste texto legal é restritivo ou
sua interpretação pode ser ampla e abrangente, englobando todos
os batizados e não somente os batizados “in Ecclesia catholica”.
Uma primeira resposta a esta questão poderia ser obtida nos
conteúdos do texto legal do Código anterior 29, onde não haveria
nenhuma dúvida que seus conteúdos podiam ser aplicados, como
de fato se aplicavam, a todo e qualquer batizado, sem distinção ou
qualificação. O cânon no Código de 1917 anunciava com um vocabulário jurídico moderno, um princípio jurídico teológico, baseando-se
no liame existente entre o Batismo e a estrutura jurídica da Igreja.
Este princípio teológico-jurídico foi e será sempre verdadeiro, não por
estar inserido no antigo Código, mas por causa das suas próprias
raízes teológicas. Para convencer-se disto bastaria conferir as notas
do c. 87 do Código de 1917 e de modo todo especial os cânones
do Concílio de Trento, sobre o Batismo.30 Este princípio radica-se na
verdade que a única Igreja é Corpo de Cristo et etiam “constituta
in hoc mundo ut societas” 31 como salienta o Concilio Vaticano II na
sua Constituição dogmática Lumen Gentium.
Daí que se pode concluir que as relações da Igreja Católica
com todo e qualquer batizado com batismo válido, pouco importa em
que Igreja tenha sido ministrado, são verdadeiras relações jurídicas,
“iure divino”, mesmo que a Igreja declare hoje, por uma razão de
respeito devido à consciência moral dos não católicos que: ‘Legibus
mere ecclesiasticis tenentur baptizatis in Ecclesia catholica” 32
Note-se que o Codigo Oriental pressupõe tudo o que até aqui
dissemos por isso no titulo de personis inicia apresentando não o
conceito de pessoa mas, diretamente, as condições da pessoa33.
Antes de mais nada devemos salientar que estas condições ou
características primordiais são comuns aos ordenamentos jurídicos,
pois a pessoa é um ser bem concreto e, por isso, são as condições
próprias de cada um dos individuos que os distinguem e individualizam
nas sociedades modernas. Por isso, cada ser humano é original e
único e não cópia ou clone de alguém.
No Direito Romano, por exemplo, para se determinar a posição
jurídica (condição = condicio) de um indivíduo, usava-se a figura do
“status” como posição de pertença tanto à comunidade dos homens
livres, como à própria civitas e, em última análise, à uma determinada família.
E por causa de todo este complexo de fatos e circunstâncias que
nosso Legislador muito sábia e apropriadamente, diz, que nem todos
os cristãos tem sempre os mesmos direitos e os mesmos deveres.
Por isso, a atribuição concreta dos direitos e dos deveres é influenciada pelos fatores das “condiciones” ou da condicio de cada qual.
Cf. CIC c. 11 - Estão obrigados às leis meramente eclesiásticas os batizados na Igreja
católica ou nela recebidos, que têm suficiente uso da razão e, se o direito não dispõe
expressamente outra coisa, completaram sete anos de idade.
CCEO c. 1490 - Están obligados a las leyes meramente eclesiásticas los bautizados
en la Iglesia católica o en ella recibidos, que tienen suficiente uso de razón y, si el
derecho no dispone expre­samente otra cosa, han cumplido siete años.
32
Cf. CCEO c. 909 § 1. La persona que ha cum­
plido dieciocho años es mayor; por
debajo de esa edad, es menor.
§ 2. El menor, antes de cumplir sie­te años, se llama infante y se le considera sin uso
de razón; cumplidos los siete años, se presume que tiene uso de razón
§ 3. Quien carece habitualmente de uso de razón se considera que no es dueño de
sí mismo y se equipara a los infantes.
33
CIC c. 96..
28
Cf. c. + 87.
29
Cfr. WERNZ X.F. Ius Decretalium 1, n. 103.
30
31
Lumen Gentium n. 8.
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Por isso, os conteúdos do c. 96 do Código Latino de 1983
colocam-nos perante algumas questões básicas, como por exemplo:
quem está em contato jurídico com a Igreja? A quem se dirige o Direito Canônico? As respostas a estas perguntas devem ser dadas com
alguns arrazoados, oriundos do próprio texto do cânon: Antes de mais
nada, devemos saber e constatar que estamos diante de uma comunidade sacramental, pois a primeira palavra do cânon no texto original é
“Baptismo”. Consequentemente, desde o início devemos salientar que
nosso Legislador deseja sublinhar o aspecto sacramental da Igreja.
Esta é a grande diferença entre o Direito Canônico e o Direito Civil,
pois o Direito Canônico, todo ele, é centralizado na Palavra de Deus e
nos Sacramentos. Além do mais, nosso Legislador quer mostrar que o
Direito Canônico aplica-se a uma comunidade jurídica. A comunidade
eclesial recebe seus membros pelo Batismo, e, com o Batismo, os
batizados são constituídos membros da comunidade jurídica.
Além disso devemos notar, como é óbvio, que em toda e qualquer comunidade organizada encontram-se facilmente os membros
e os chefes, ou se quisermos os dirigidos e os dirigentes. Na comunidade jurídica eclesial os chefes são constituídos também por um
Sacramento, pois o da Ordem nada mais é do que um ato jurídico
para constituir Pastores que são para nós os Chefes. A Ordem é
a entrada no ofício dos Pastores. Isto é fácil de verificar tanto no
Ordenamento Jurídico latino34, como no oriental35. Por outro lado,
também, os múnus de ensinar, santificar e governar estão no centro
do direito “in persona Christi capitis”. Portanto, as bases concretas
do nosso Direito são Sacramentais.
Por tudo isso, devemos, concretamente, analisar e aprofundar
tudo aquilo que engloba a palavra “condicio” nos nossos Ordenamen-
tos Jurídicos latino e oriental. As condiciones jurídicas fundamentais
de cada pessoa contidas nos nossos Ordenamentos Jurídicos são:
a idade36, o uso da razão37, o domicílio38, as relações familiares
(consanguinidade e afinidade)39 e o rito40. Esta lista não é taxativa,
pois, há outros fatores importantissimos para a condição jurídica do
cristão que o Legislador os trata no livro II do Código latino, como
por exemplo: o estado clerical ou laical, o estado daqueles que professam os conselhos evangélicos.41
As condições serão apresentadas e tratadas na mesma ordem
que o nosso Legislador as apresentou no Codigo latino de 1983, sem
descurar, porém, os canones correspondentes no Código oriental. O
Legislador tanto no código latino como no oriental apresenta como
uma das primeiras qualidades ou caracteristicas de cada persona
in Ecclesia a idade42 e, consequentemente, o uso de razão 43 isto
porque para que alguém possa agir tem que ter crescido o suficiente
no tempo mas, este fator isoladamente não basta pois, para poder
agir, alguém tem que ter uso suficiente de razão ou em outras palavras ser “compos sui”.
O Legislador com os cânones especificos da idade (CIC c. 9744
e CCEO c. 90945) deseja demonstrar que são vários os fatores que
influenciam a pessoa, e o primeiro a ser analisado são os anos de
36
37
38
39
40
35
Cf. CIC c. 1008– Mediante o sacramento da ordem, por divina instituição, alguns entre
os fiéis, pelo caráter indelével com que são assinalados, são constituídos ministros
sagrados, e assim são consagrados e delegados a servir, segundo o grau de cada
um, com título novo e peculiar, o povo de Deus.
Cf. CCEO c. 743– Mediante la ordenación sacramental realizada por el Obispo, por obra
del Espiritu Santo, son constituidos los ministros sagrados, quienes son enriquecidos
y participan en diferentes grados de la función y la potestad, entragados por Cristo a
sus Apostoles, de anunciar el Evangelio, pastorear el pueblo de Dios y santificarlo.
Cf. CIC. cc. 100-107; CCEO cc. 911-916.
Cf. CIC. cc. 108-110; CCEO cc. 918-919.
Cf. CIC. cc 111-112; CCEO c. 28 ss.
Cf. CIC c. 573 CCEO c. 410.
41
42
34
Cf. CIC. cc. 97-96; CCEO cc. 909ss.
Cf. CIC. cc. 99; CCEO c.909.
Cf. CIC cc. 97-99; CCEO c. 909ss.
Cfr. MICHIELS G. De peersonis. 29ss.
43
CIC c. 97 - § 1. A pessoa que completou dezoito anos é maior; abaixo dessa idade é
menor.
§ 2. O menor, antes dos sete anos completos, chama-se criança, e é considerado
não senhor de si; completados, porém, os sete anos, presume-se que tenha o uso da
razão.
44
CCEO c. 909
§ 1. La persona que ha cum­plido dieciocho años es mayor; por debajo
de esa edad, es menor.
45
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vida que uma determinada pessoa possui que a tornam capaz de
agir por si mesma, ou não. E a presunção no fator idade (sete anos)
é também detectar se esta determinada pessoa possui uso suficiente de razão, ou não, para responder pelos seus atos, portanto se
é hábil ou inábil para agir por si, ou precisa de tutela ou curatela
dependendo de que tipo de ato se trate e deseja executar.
Ao analisarmos a caminhada histórica da Igreja constatamos
que durante muitos séculos a Igreja não contemplava a maioridade
das pessoas. Foi a partir da primeira codificação que foi inserido o
criterio da maioridade. Com a maioridade a pessoa na Igreja, era
considerada habil não só para agir por si, como também, para tutelar e proteger seus direitos e deveres pois era tida e havida como
compos sui. Caso tivesse idade suficiente para a maioridade mas
não fosse compos sui seria considerada pelo Legislador como inabil
e, talvez, até tida e havida como um infante, tudo dependendo do
quadro clínico apresentado.
Mas nem sempre nos Ordenamentos Jurídicos da Igreja é requerida a maioridade mesmo agora no século XXI, existem diversos negócios
jurídicos sérios que embora importantíssimos para a própria vida das
pessoas o Legislador movido pelo bem espiritual desta determinada
pessoa não exige a maioridade, para este determinado ato juridico.
O Código anterior devido a toda a tradição eclesial para certos negócios jurídicos sérios ateve-se ainda ao antigo critério da
puberdade, e um dos exemplos mais nítidos e palpáveis pode ser o
do próprio matrimônio. Por isso que no antigo código que adotou o
critério da puberdade, requeria 12 anos completos para a mulher e
14 para o homem. Este era um costume muito antigo e tradicional
que o código de 1917 não titubeou em acolhê-lo, o que pode causar
espécie para o homem e a mulher modernos.
à antropologia em suas diversas fontes e matizes e mais especificamente as que se dedicam ao estudo do comportamento humano e
de sua natureza, e consequentemente do seu grau de maturidade, de
desenvolvimento e de capacidade para agir. O Legislador acolhendo
em parte os estudos científicos modernos elevou a idade canônica
para certos atos juridicos, embora ainda não se tenha alcançado o
ideal, mas as perspectivas de futuro são alvissareiras. Mesmo que
hoje ainda em certos casos permitamos casamentos entre menores
de idade tanto no código latino46 como no oriental47 .
Os Ordenamentos Jurídicos canônicos devido ao bem espiritual
exigem um mínimo de idade para que alguém possa professar num
instituto religioso. Desde o Concilio de Trento esta norma dos 16
anos completos para a profissão religiosa, vigorava na Igreja. Os
Ordenamentos Jurídicos hoje, tanto o latino como o Oriental aumentaram um pouco esta idade. O latino exige a maioridade, isto os 18
anos completos48 o oriental ficou nos 17 anos completos49. Por outro
lado, devido ao bem espiritual de determinado indivíduo o Legislador
concede a aquisição do quase domicílio aos que tiverem completado
os 7 anos tanto no código latino50 como no oriental51.
No direito penal antigo possuia-se capacidade jurídica ao chegar-se na puberdade, por exemplo, um puber poderia padecer a pena
CIC c. .1083 § 1. O homem antes dos dezesseis anos completos e a mulher antes
dos catorze também completos não podem contrair matrimônio valido.
46
CCEO c. 800 - § 1. No pueden celebrar validamente matrimônio el varón antes de los
dieciseis años cumplidos ni la mujer antes de los catorce años tambien cumplidos.
47
48
49
51
§ 2. El menor, antes de cumplir sie­te años, se llama infante y se le considera sin uso
de razón; cumplidos los siete años, se presume que tiene uso de razón
CCEO c. 517 § 1. La edad exigida para la admisión valida al noviciado de la orden o
de la congregación es la de diecisiete años cumplidos...
50
Devido à mentalidade do homem moderno cada vez mais viva
e crescente, oriunda e fundamentada nas ciências que se dedicam
CIC c. . 656 – Para a validade da profissão temporária requer-se que: 1º quem vai
emiti-la tenha completado ao menos dezoito anos de idade;
CIC c. 105 § 1. O menor conserva necessariamente o domicílio ou quase-domicilio
daquele, a cujo poder está sujeito. Saindo da infância, pode adquirir também quase-domicilio próprio; e uma vez emancipado de acordo com o direito civil, também o
domínio próprio.
CCEO c. 915 § 1. El menor tiene necesaria­mente el domicílio o cuasidomi­cilio de aquel
a cuya potestad está so­metido; el que ha salido de la infancia puede también adquirir
cuasidomicilio propio, y si está legítimamente emanci­pado de acuerdo con el derecho
civil, incluso domicílio propio.
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máxima de excomunhão. E com este critério uma menina poderia
ser excomungada bem antes do que um rapaz, pelo simples fato
que a mulher chega normalmente à puberdade numa idade mais
precocemente do que o homem.
No Código latino, hoje, a idade penal é de 16 anos completos52
e no oriental de 14 anos completos53. Por exemplo, para o Código
Latino um rapaz de 15 anos, sujeito passivo deste Ordenamento
Jurídico que tivesse profanado a Santíssima Eucaristia não poderia
ser excomungado, mas no oriental sim. Podemos concluir dizendo
que, para o direito penal na Igreja não se exigiu nunca a maioridade embora hoje se tenha deixado de lado a puberdade; no entanto,
um menor delinquente pode ser punido em ambos Ordenamentos
Jurídicos.
Podemos e devemos inquirir que tipo de consequências jurídicas
podem advir do fato de alguém ser menor de idade no Código latino 54
e também no oriental55? Constatamos que as consequências jurídicas
são várias, como por exemplo, em geral o menor de idade56 está sob
o pátrio poder57. Embora o próprio Legislador abra exceções toda vez
que se trata de favorecer o bem espiritual do indivíduo, por exemplo,
para a recepção válida do Sacramento do Matrimônio, o Legislador
não exige o consentimento dos pais para a validade, mas o requer
apenas para a liceidade tanto no latino58 como no oriental59. Antigamente o Direito canônico era o único Ordenamento Jurídico a exigir
o consentimento dos pais para o matrimônio, esta exigência era típica
do Direito Canônico. Mas, quem pedia e reivindicava o consentimento
dos pais para os jovens considerados menores de idade, eram os
reis. De modo particular o Rei de França. Este dizia que se a Igreja
tirasse isto, estaria acabando com o próprio matrimônio e a família.
Os Padres Conciliares de Trento, porém mantiveram a tese que o
consentimento dos pais não era necessário para a validade do matrimônio. Nem mesmo é necessário o consentimento dos pais, para admitir
alguém ao noviciado tanto no código latino60 como no oriental61. O Direito
CCEO c. 910 § 2. La persona menor está sujeta a la potestad de los padres o tutores en el ejercicio de sus derechos, excepto en aquello en que, por ley divina o por
el derecho canónico, los menores están exentos de aquella potestad; respecto a la
constitución de tutores, observense las prescripciones del derecho civil, a no ser que
se establezca otra cosa por el derecho común o por el derecho particular de la propia
Iglesia sui iuris y quedando firme el derecho del Obispo eparquial de constituir por si
mismo tutores, si es preciso.a la ores, si es preciso. .
57
CIC c. 1323 – Não é passível de nenhuma pena, ao violar a lei ou preceito: 1º quem
ainda não completou dezesseis anos de idade;
52
CCEO c. 1413 § 1. El que no havia cumplido los catorce años no está sujeto a ninguna
pena.
§ 2. El que, entre los catorce y los dieciocho años, cometió un delito, solo puede ser
castigado con penas que no incluyan la privación de algún bien, a no ser que el Obispo
eparquial o el juez en casos especiales juzguen que su enmienda puede conseguirse
mejor de otra manera.
53
CIC c. 97 § 2. O menor, antes dos sete anos completos, chama-se criança, e é considerado não cônscio de si, completados, porém, os sete anos, presume-se que tenha
o uso da razão.
Quanto ao instituo da presunção ver cc. 1584-1586.
58
59
54
55
CCEO c. 909 § 2. El menor, antes de cumplir sie­
te años, se llama infante y se le
considera sin uso de razón; cumplidos los siete años, se presume que tiene uso de
razón
CIC c. 98 § 2. – A pessoa menor, no exercício de seus direitos, permanece dependente
do poder dos pais ou tutores, exceto naquilo em que os menores estão isentos do
poder deles por lei divina ou pelo Direito Canônico; no que concerne à constituição de
tutores e ao seu poder, observem-se as prescrições do direito civil salvo determinação
contraria do Direito Canônico, ou se o Bispo diocesano em determinados casos tenha
julgado por justa causa, ser necessário providenciar outro tutor por nomeação.
O código Civil Brasileiro trata da tutela nos artigos 368-378
56
Cf. CIC c. 1071 § 1. Exceto em caso de necessidade, sem a licença do Ordinário
local, ninguém assista: n. 6 a matrimônio de menor, sem o conhecimento ou contra a
vontade razoável de seus pais.
Cf. CCEO c. 789 – Aunque, por lo demás, el matrimônio puede celebrarse validamente,
el sacerdote, además de los otros casos determinados en el derecho, no bendiga sin
la licencia del Jerarca del lugar: 4 el matrimônio de un menor de edad, si sus padres
lo ignoran o se oponen.
CIC c. 643 – § 1. Admite-se invalidamente para o noviciado: 1º. Quem não tenha
completado ainda dezessete anos de idade; 2º o cônjuge, enquanto perdurar o matrimônio; 3º quem por vinculo sagrado, esteja ligado a instituto de vida consagrada ou
incorporado a uma sociedade de vida apostólica, salva a prescrição do c. 684; 4º quem
ingressa no instituto por violência, medo grave ou dolo, ou quem o Superior recebe
induzido do mesmo modo; 5º quem tenha ocultado sua incorporação a um instituto de
vida consagrada ou a uma sociedade de vida apostólica.
§ 2. O direito próprio pode estabelecer outros impedimentos, mesmo para a validade
da admissão, ou colocar condições para ela.
60
61
CCEO c. 517 § 1. La edad exigida para la admisión valida al noviciado de la orden o
de la congregación es la de diecisiete años cumplidos; acerca de los demás requisitos
para la admisión observense los can. 448, 450, 452 y 454.
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Canônico não pedia a permissão dos pais, por razões espirituais. Por
isso, reconhece aos jovens este Direito. Também não era exigido para
a admissão ao Sacramento do Batismo. Do ponto de vista canônico
qualquer indivíduo que tiver 7 anos de idade e pedir o Batismo, poderá
recebê-lo, mesmo sem o consentimento dos pais tanto no código latino62
como no oriental63. O Direito aqui, nestes casos, entende que se trata
de um direito espiritual. Por isso que, em última análise a pessoa tem
o direito. Mas a prudência pastoral, aconselha que não se faça sem o
consentimento dos pais ou daqueles que são os responsáveis diretos
deste individuo, embora se fizer não se atingirá a validade do ato jurídico,
mas apenas a liceidade. Por isso que cada caso é um caso que deve
ser visto, analisado, ponderado e decidido, pois os menores têm seus
direitos reconhecidos pelo próprio Legislador tanto no código latino64
como no oriental65.
Daí podemos concluir que em Direito Canônico, a maioridade
não é exigida nem para o batismo, nem para o matrimônio, nem
para a admissão ao noviciado. Mas por outro lado, a maioridade
está presente no direito processual e o influencia. Basta ver e cotejar os Ordenamentos Jurídicos canônicos, tanto o latino 66 como
CIC c. .852 § 1. O que se prescreve nos cânones acerca do batismo dos adultos
aplica-se a todos os que chegaram ao uso da razão, ultrapassada a infância.
62
63
CCEO c. 682 - § 1. Para que el salido de la infância pueda ser bautizado, se requiere
que haya manifetado su deseo de recibir el bautismo, esté suficientemente instruído
sobre las verdades de la fé y haya sido probado en la vida cristiana; se ha de exhortar
además que tenga dolor de sus pecados.
CIC c. 1478 § 3.Contudo, nas causas espirituais ou conexas com as espirituais, se os
menores já tiverem adquirido o uso da razão, podem agir e responder sem consentimento dos pais ou do tutor, e pessoalmente, se tiverem completado catorze anos de
idade; caso contrário por meio de curador constituído pelo juiz.
§ 4. os que estão sob interdição de bens e os débeis mentais podem estar em juízo
pessoalmen te, só para responder sobre os próprios delitos ou por ordem do juiz; fora
disso, devem agir e responder por meio de seus curadores.
o oriental 67. Verifica-se que o Legislador diz que aquele que não
tiver maioridade deverá ser representado por tutor. A exceção,
porém, está nas causas matrimoniais, pois mesmo que perante os
Códigos possam ser considerados menores, em função da idade
com que se casaram, no entanto são tratados como maiores após
o casamento e por isso mesmo o Legislador diz que não se requer
a presença de tutor para poder impugnar o próprio matrimônio, pois
foram emancipados, tanto no codigo latino68 como no oriental69.
A segunda condição apontada pelo legislador para a pessoa
física é que esteja ornada de suficiente uso da razão e esta condição
está bem explícita tanto no código latino70 como no oriental71. Os que
por ventura não dispõe de uso suficiente de razão são contemplados
pelo Legislador com uma fórmula bem genérica que é no original
latino: “Quicumque usu rationis habitu carent”. Com esta fórmula
bem abrangente o Legislador quer atingir todo e qualquer indivíduo
que seja portador de patologia psiquica diagnosticada como crônica
e consequentemente grave, independentemente dos possíveis períodos de aparente lucidez, pois estes individuos estão habitualmente
privados de uso suficiente da razão, mesmo que pareçam gozar do
pleno uso nos intervalos psíquicos qualificados de lúcidos.
O Legislador sensível ao progresso das ciências médicas e
psicológicas acolheu tudo isso tanto no código latino72 como no orien
§ 2. Se o juiz julga que os direitos dos menores estão em conflito com os direitas
dos pais, tutores ou curadores, ou que estes não tem possibilidade de defender suficientemente os direitas dos menores, estes estejam em juízo por meio de tutor ou de
curador dado pela juiz.
64
65
CCEO c. 1136 § 3. Pero en las causas espirituales y conexas con ellas, los menores
que hayan alcanzado el uso de razón pueden dmandar y contesstar, sin el consentimiento de los padres o del tutor, e incluso pueden hacerlo personalmente si hubiesen
cumplido catorce años; si no es asi, deberán hacerlo mediante un tutor nombrado por
el juez;
CIC c. 1478 § 1. Os menores e os que não têm uso da razão só podem estar em juízo
por meio de seus pais, tutores ou curadores, salvo a prescrição da § 3.
66
CCEO c. 1136 § 1. Los menores y los que carecen de uso de razón solo pueden
comparecer en juizio por médio de sus padres, tutores o curadores.
O parágrafo 2 do c. 1136 do CCEO é idêntico ao CIC c. 1478 § 2 .
67
68
69
70
CIC c. 1674 - São hábeis para impugnar o matrimônio: 1.º os cônjuges;
CCEO c. 1360 Son habiles para impugnar el matrimônio: 1º los conyuges.
CIC c. 99. Todo aquele que não tem habitualmente o uso da razão, considera-se não
cônscio de si e é equiparado às crianças.
CCEO c. 909 § 3. Quien carece habitualmente de uso de razón se considera que no
es dueño de sí mismo y se equipara a los infantes.
71
72
CIC c. 1322 – Os que não tem habitualmente uso da razão, mesmo que tenham violado
a lei ou o preceito quando pareciam sadios, consideram-se incapazes de delito.
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tal73. Por isso que o “non compos sui” crônico, juridicamente falando,
o Legislador equipara-o ao infante. E sendo assim, o seu modo de
comportar-se e de agir não será imputado porque devido à sua idade
mental assemelhasse a uma criança que não atinjgiu ainda os sete
anos de idade. Estamos por isso mesmo no campo da presunção74
qualificada de “iuris et de iure”, por isso mesmo que sempre admite
prova em contrário. Mas, dependendo do quadro crônico referencial
diagnosticado pela patologia clínica e por seus quadros referenciais
bem estabelecidos e prognosticados, aparentemente, não admitiria
prova em contrário, isto porque para a patologia clínica, os intervalos lúcidos não correspondem à saúde, mas à própria evolução do
quadro clínico especifico e determinado.
O Legislador porém quer deixar claro que cada caso é um caso
e na práxis o próprio direito não faz estatistica, mas aplica os princípios jurídicos aos casos bem concretos e determinados, deixando
as portas escancaradas para que se possa provar o contrário em
qualquer caso especifico e bem determinado.
Esta era a posição de Michiels75, ao comentar os cânones
paralelos do Código de 191776. E para o código latino pode-se ser
consultado e Fuenmayor77. Na prática, e em poucas palavras, significa que para batizar alguém considerado “non compos sui” ou se
quisermos sem uso suficiente de razão por ser portador de qualquer
anomalia crônica psicossomática, requerer-se-á mesmo nos intervalos
de pseudo lucidez, o consentimento dos pais ou tutores.
A terceira condição da pessoa física apontada pelo legislador
é a do domicílio e do quase-domicilio78. Os ordenamentos jurídicos
tanto o latino79 como o oriental80 tratam desta materia demonstrando
que o fato de se ter um domicílio fixo influencia na personalidade
jurídica, qualificando as pessoas.
O Legislador no Código latino apresenta quatro tipos de situações diferentes qualificando a pessoa de acordo com sua condição
de estar situada estavelmente, ou não, em determinado lugar. Quem
qualifica é o próprio Legislador, senão vejamos: é qualificado de
“íncola”, quando a pessoa possui seu domicílio; de “advena”, quando
a pessoa tem um quase-domicilio; de peregrino, sempre e quando
a pessoa estiver fora do seu domicílio ou do seu quase-domicilio. A
pessoa é tida e havida como vago, se não possuir nem domicílio e
nem quase-domicilio.81 Note-se que no código oriental o Legislador
contempla apenas as figuras do peregrino e do vago82. Por isso que
se pode concluir que o simples fato de estar em um determinado lugar
ou território estavelmente83 implica em pertencer a uma determinada
78
74
Cfr.. COSTELLO M.J. Domicile and quasi-Domicile (Washington 1930); TEDESCHI V.
Il quasi domicílio nel diritto canonico (Genova 1931).
CCEO c. 1490 – Están obligados a las leyes meramente eclesiásticas los bautizados
en la Iglesia católica o en ella recebidos, que tienen suficiente uso de razón y, si el
derecho no dispone expresamente otra cosa, han cumplido siete años.
79
Cf. CIC c. 1584-1586 CCEO cc. 1265-1266.
81
73
75
Cfr. MICHIELS G . Principia Generalia de Personis in Ecclesia,(Paris 1955) De
personis, 107 5.
C. + 88 § 1. La persona que ha cumplido los ventiún años es mayor; antes de esa
edad es menor.
§ 2. El menor, si es varón, se considera púber después de cumplidos los catorce años;
si es mujer, una vez cumplidos los doce.
§ 3. El impuber, antes de cumplir los siete años se llama infante, o nino, o párvulo,
y se considera sin uso de razón; mas cumplidos los siete años, se presume que lo
tiene. E se equiparan al infante cuantos de manera habitual están privados del uso de
la razón.
76
77
Cfr. Código de Derecho Canônico Ediciones Universidad de Navarra S.A - Pamplona
(1984)) 111-112. C.98
CIC cc. 102-107.
CCEO cc. 912-917..
80
CIC c. 100 A pessoa chama-se morador, no lugar onde tem seu domicílio; adventício,
no lugar onde tem quase-domicílio; forasteiro, se se encontra fora do domicílio e quase
domicílio que ainda conserva; vagante,se não tem domicílio ou quase-domicílio em
nenhum lugar.
82
CCEO c. 911 La persona se dice transeúnte en la eparquía diversa de aquella en que
tiene domicílio o cuasidomicilio; y se dice vago si no tiene domicílio o cuasidomicilio
en ningún sitio.
CIC c. 101 § 1. O lugar de origem do filho, mesmo neófito, é aquele em que os pais
tinham domicílio, ou na falta deste, quase-domicilio, quando o filho nasceu; ou, se os
pais não tem o mesmo domicílio ou quase-domicilio, o domicílio ou quase-domicilio
da mãe.
§ 2. Tratando-se de filhos de vagos, o lugar de origem é o próprio lugar do nascimento;
de um exposto, é o lugar onde foi encontrado.
83
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paróquia, pois, fundamentalmente é com o domicílio que alguém se
torna paroquiano.
Se nos ativermos à história e à própria evolução deste instituto
técnico jurídico do domicílio constatamos que não aparece no Direito
Canônico antigo, mas está presente no Direito das Decretais84. Os
comentaristas do Decreto de Graziano e das Decretais apresentam a
doutrina do domicílio, fazendo uso do Direito Romano, para poderem
deterrninar a célebre questão de saber quem poderia ser o “presbyter
proprius” (o pároco) que era requerido naquele tempo para a válida
recepção dos Sacramentos e dos Sacramentais e, de modo especial,
para a obrigação do cumprimento da desobriga Pascal.
Portanto um dos primeiros problemas oriundos do domicílio era
o de determinar o “presbyter proprius’. A exigência era oriunda do
Concilio de Latrão IV estabelecendo normas bem precisas para o
fiel poder satisfazer o preceito Pascal. Pois, segundo a lei vigente, o
fiel só poderia cumprir o preceito se confessasse com o seu Pároco
e recebesse a Eucaristia de suas mãos. Se o fizesse com outro
Presbítero a desobriga não seria considerada válida. Estas normas
entraram em vigor a partir do ano 1214. Tudo isso porque naquele
tempo a absolvição sacramental era tida e havida como parte integrante e constitutiva das atividades pastorais do Pároco e por isso
todo e qualquer fiel pelo domicílio era confiado a um determinado
pastor e não a um outro. Se o fiel permanecesse no seu país, na sua
cidade ou no território da sua paróquia não havia grandes problemas.
Os problemas, naquele tempo começavam quando o paroquiano
viajava ou migrava. Devido a que um significativo número de fiéis
pelas mais variadas circunstâncias migravam ou mesmo viajavam, o
Romano Pontífice deu delegação para os mendicantes Franciscanos e
84
Quando falo das Decretais, estou falando do direito do século XIII. Porque o Direito
naquele tempo estava inserido de modo particular nas Decretais. Com as Decretais
Papais o Direito tornou-se bem mais técnico. A primeira Coleção a pedido do próprio
Papa foi feita por São Raimundo de Penyafort no ano de 1234. Esta Coleção é conhecida como as Decretais de Gregório IX. Esteve em vigor até o Código de 1917.
As Decretais formavam uma parte fundamental do Direito. Não eram todo o Direito
porque deveriam ser acrescentados os Decretos do Concílio de Trento que foram muito
importantes.
Dominicanos para poderem confessar, mas esta delegação pontifícia
não incluía o cumprimento do preceito pascal que deveria ser cumprido para sua validade no domicílio próprio deste determinado fiel.
A questão levantada pelos estudiosos era: saber se alguém
viajasse constantemente, qual seria seu verdadeiro domicílio. Esta
questão permaneceu sem solução durante muito tempo.
Se analisarmos as Decretais constatamos que o domicílio era
importante não apenas para a desobriga pascal, mas também para
as questões de estabelecer a própria competência do juiz, para se
saber qual era sua jurisdição, em outras palavras qual era o foro
competente para tratar e dirimir esta determinada causa. Além do
mais, se exigia o próprio Bispo para alguém poder se Ordenar, por
isso que normalmente o candidato deveria ser ordenado onde morava.
Para determinar a questão do domicílio no direito canônico,
recorreu-se a um dos textos de Deocleciano contidos no Código de
Justiniano que declarava que para o domicílio a presença física não
bastava, mas que era necessária a intenção de viver ali e de não
sair a não ser que houvesse algo em contrário. A fórmula encontrada
e usada era o “nisi nihil avocet”85 . Esta mesma fórmula foi acolhida
pelo nosso Legislador tanto no Código latino86 como no oriental87.
O Decreto “Tametsi” do concilio de Trento, fêz com que fosse
examinada a questão do domicílio para a validade dos matrimônios.
O domicílio, naquele tempo, era muito complicado e era a constante
dor de cabeça dos canonistas e juristas, isto porque o ‘Tametsi’ tinha
vigor apenas em alguns lugares e em outros não, pois só estava
em vigor onde tinha sido publicado. Na Inglaterra por exemplo, o
Tametsi não tinha validade, porque os decretos conciliares não ti85
C. 10, 40 (39), 7.
86
87
CIC c. 102 § 1. Adquire-se domicílio pela residência no território de uma paróquia ou,
ao menos de uma diocese que, ou esteja unida à intenção de ai permanecer perpetuamente se nada afastar daí, ou se tenha prolongado por cinco anos completos.
CCEO c. 912 § 1. El domicílio se adquiere por la residencia en el territorio de una
parroquia o al menos de una eparquía que, o vaya unida a la intención de permanecer
alli perpetuamente, si na­da lo impide, o se haya prolongado por un quinquenio completo.
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174
nham sido publicados naquele País e nem nos seus domínios. Com
o Decreto ‘Tametsi’ do Concílio de Trento sobre a forma canônica
do matrimônio (a. 1563), o “domicílio’ encontrou aplicação’ no campo
matrimonial. São os problemas suscitados em torno ao domicílio
necessário para a determinação do pároco competente para assistir
o matrimônio que contribuíram para tornar mais complexa a noção
de domicílio e aquela do quase-domicilio, esta última figura é uma
criação do Direito Canônico.88 O domicílio influenciou, como ainda
influencia, na validade do Sacramento do matrimônio, basta lembrar
aqui a célebre questão da forma canônica. A partir do Concilio de
Trento com o Decreto ‘Tametsi” mudou-se a validade do matrimônio. E um dos exemplos da aplicabilidade do Decreto, tornando-se
famoso foi o do casamento de Napoleão Bonaparte que impugnou
seu casamento com a Imperatriz Josefina alegando a carência da
forma canônica.89
Com o Código de 1983, os termos necessários para a adquisição
do domicílio foram diminuidos, “cum rationes pastorales id suadeant”.90
O próprio Legislador explicita o como se adquire o domicílio91 ao dizer:
“acquiritur ea in território... cum animo ibi perpetuo manendi... aut ad
quinquenium completum sit protacta.92 O ter domicílio de per si implica
em consequências juridícas e canônicas. A primeira consequência
é quando alguém possui determinado domicílio, automaticamente,
é membro de uma determinada paróquia, a razão disto é porque o
Legislador optou e por isso mesmo conservou a base territorial, para
organizar a vida em sociedade. E daí decorre, pelo próprio direito,
que há sempre a responsabilidade de um Sacerdote qualificado de
Pároco. E, ao mesmo tempo, o fiel também é qualificado pelo próprio
direito quando o Legislador diz que tanto pelo domicílio como pelo
quase domicílio alguém se torna paroquiano e faz questão de explicitar tudo isso no Código latino como no oriental usando a mesma
fórmula: ‘tum per domicilium tum per quasi-domícilium’.93.
Nas cidades cosmopolitas, hoje em dia na convivência cotidiana,
deparamo-nos com uma grande mistura de raças e línguas. Dai uma
questão pastoral prática, como proceder em termos de paróquia
quando em certos lugares da Igreja de rito latino existem paróquias
nacionais, ambientais ou pessoais, como por exemplo, nos Estados
Unidos, e também no Brasil e mais concretamente ainda na própria
Arquidiocese de São Paulo94. A questão pastoral que se coloca é
saber se podemos obrigar o fiel estrangeiro a se dirigir a seu pároco
nacional, ambiental ou pessoal? Quem dá a resposta a esta questão
é o próprio Legislador quando diz que alguém torna-se paroquiano
CCEO c. 916. § 1. Por el domicílio o por el cuasidomicilio corresponde a cada uno su
propio Jerarca del lugar y párroco de la Iglesia sui inris a la que queda adscrito, si el
derecho común no establece otra cosa.
§ 2. El párroco propio de quien no tiene más que domicílio o cuasidomicilio eparquial
es el párroco del lugar en que él mora de hecho.
§ 3. El Jerarca de lugar y párroco propios del vago son el párroco de la Iglesia y el
Jerarca del lugar en que el vago mora de hecho.
§ 4. Si no hay párroco para los fie­les de una Iglesia sui iuris, el Obispo eparquial de
éstos desígneles párroco de la otra Iglesia sui iuris, que asuma la cura de ellos como
párroco propio, contando con el consentimiento del Obispo epar­quial de quien vaya a
ser designado párroco.
§ 5. En los lugares donde no está erigida la exarquía para los fieles de una Iglesia sui
inris ha de tenerse por Jerarca propio de tales fieles al Jerarca del lugar de otra Iglesia
sui iuris, incluso de la Iglesia latina, quedando firme el can. 101; y si hay varios, ha de
tenerse por propio al que designe la Sede Apostólica, o el Patriarca con asentimiento
de la Sede Apostólica, si se trata de fieles de una Iglesia patriarcal.
93
88
89
Cfr. MICHIELS G. Principia…,107 5.
Napoleão era apenas casado civilmente com Josefina. E Josefina sabia muito bem,
por isso ela queria casar-se pela Igreja. O dia antes da coroação, Josefina insistiu
que queria casar na Igreja antes de ser coroada rainha da França. Napoleão pediu a
seu tio, Cardeal Arcebispo de Lyon que presidisse a cerimônia. O Cardeal presidiu ao
matrimônio sem nenhuma testemunha. O Cardeal Arcebispo de Lyon não era pároco,
não era delegado do pároco e presidiu a matrimônio sem testemunhas. Naquela noite,
o Papa estava dormindo no Castelo de Fontenebleau, (mas ninguém falou com ele
para dar a devida dispensa). Por causa do decreto “Tametsi” Napoleão conseguiu a
declaração de nulidade de seu casamento. Isto porque no texto do Tametsi dizia-se
que apenas o Pároco próprio poderia assistir o matrimônio, não outro. Os noivos não
podiam ir a outra paróquia. Não havia transferência naquele tempo.
90
91
Communicationes 6 (1974) 96.
CIC c. 102 § 1. Adquire-se o domicílio pela residência no território de uma paróquia
ou, ao menos de uma diocese que, ou esteja unida à intenção de aí permanecer perpetuamente se nada afastar daí, ou se tenha prolongado por cinco anos completos.
92
CIC c. .102 § 1.
Na Arquidiocese de São Paulo, no Brasil, existem paróquias pessoais: dos fiéis latino-ameericanos, dos nipo-brasileiros, dos alemães, dos eslovenos, dos japoneses, dos
croatas, dos chineses, dos coreanos, dos italianos, dos francesesm dos russos...
94
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pelo domicílio.95 Por isso não se pode obrigar ser paroquiano da
paróquia pessoal embora a Diocese possa oferecer os mesmos
serviços pastorais da paróquia territorial. Mesmo assim, não se pode
forçar o nacionalismo de alguém. Uma coisa é respeitar, a outra é
obrigar. Portanto, considerando-se este aspecto, alguém pode ter
duas ou mais paróquias.. 96
Portanto, percebemos que a questão do domicílio ou do quase-domicilio reveste-se de importancia na prática pastoral nos nossos
Ordenamentos Jurídicos: latino97 e oriental98 Para comprová-lo, basta
pensar no matrimônio canônico99 e nos seus requisitos, tanto para
celebrá-lo100 como para impugná-lo101.
Uma novidade do Código de 1983 é o domicílio dos religiosos.
Normalmente um religioso reside na “domus” (casa) religiosa. Agora, o
CIC c. 107. § 1. Tanto pelo domicílio, como pelo quase-domicílio, cada um obtém seu
pároco e Ordinário.
§ 2. O pároco ou Ordinário próprios do vagante é o pároco ou Ordinário do lugar onde
o vagante se encontra na ocasião.
§ 3. O pároco próprio daquele que tem domicílio ou quase-domicílio só diocesano é
o pároco do lugar onde ele se encontra na ocasião
95
CIC c. . 102 § 3. O domicílio ou quase-domicilio no território de uma paróquia chama-se paroquial; no território de uma diocese, embora não numa paróquia, diocesano.
96
97
CIC c. .102 § 2. - Adquire-se o quase-domicilio pela residência no território de uma
paróquia, ou ao menos de uma diocese que, ou esteja unida à intenção de aí permanecer ao menos por três meses se nada afastar daí, ou se tenha prolongado de fato
por três meses.
98
CCEO c. 912 § 2 El cuasidomicilio se adquiere por la residencia en el territorio de una
parroquia o al menos de una eparquía que, o vaya unida a la intención de permanecer
allí al menos por tres meses, si nada lo impide, o se haya prolongado de hecho por
tres meses.
Os nubentes, hoje, podem escolher. Há, porém, ainda o costume. E isto se aplica para
o domicílio ou o quase-domicílio ou então se os nubentes permanecem um mês em
determinado lugar. Esta norma é muito liberal. Se os nubentes não completaram um
mês de permanência em determinado lugar haverá necessidade da licença canônica.
99
100
CIC c. .1115. Os matrimônios sejam celebradas na paróquia onde uma das partes
tiver domicílio, quase-domicilio ou residência há um mês, ou tratando-se de vagos, na
paróquia onde de fato se encontram; com a licença do próprio Ordinário ou do próprio
pároco, pode ser celebrado em outra lugar.
CIC c. 1673 n. 2. - Nas causas de nulidade do matrimônio não reservadas à Sé Apostólica, são competentes: 2.º o tribunal do lugar onde a parte demandada tem domicílio
ou quase-domicílio;
101
Legislador estabeleceu cânones especiais para o domicílio dos religiosos. Esta materia, como não poderia deixar de ser, encontra-se tanto
no Código latino102 como no oriental103. Note-se porém, que, o que o
Legislador estabeleceu hoje nos canones, já existia na doutrina canônica mas não no Código anterior. O Legislador hoje diz expressamente
que os “sodales institutorum religiosorum et societatum vitae apostolicae
domicilium acquirunt in loca ubi sita est domus cui adscribuntur”.104 E
ao mesmo tempo acrescenta que os religiosos adquirem um quase-domicílio onde forem mandados e designados, desde que estejam
presentes as condições do quase-domicílio. Mas, ao analisar exegética
e hermeneuticamente os canones do domicílio e quase domicílio dos
religiosos constata-se que não foram contemplados ou, se quisermos,
inseridos os institutos de vida consagrada, qualificados de institutos
religiosos seculares. Isto foi proposital porque os institutos religiosos
seculares não têm domicílio. Sua característica é a de não viver na
própria casa, por isso não se pode dizer ‘adscríbuntur’
A consequência prática destas normas aplica-se concretamente
à faculdade de ouvir confissões tanto no Código latino 105 como no
oriental106. Estes canones são uma novidade nos Códigos, pois o
102
CIC c. .103- Os membros dos institutos religiosos e das saciedades de vida apostólica
adquirem domicílio no lugar onde se encontra a casa à qual estão adscritos; o quase-domicilio, na casa em que moram, de acordo com o c. 102 § 2.
CCEO c. 913- Los miembros de institutos reli­giosos y de sociedades de vida común a
modo de los religiosos adquie­ren domicílio alli donde está la casa a que pertenecen; y
cuasidomicilio en el lugar donde su residencia se ha extendi­do al menos por tres meses.
103
104
CIC c. 103 et CCEO c. 913-
CIC c. 967 § 2. Aqueles que têm faculdade de ouvir confissões habitualmente, em virtude
de seu oficio ou por concessão da Ordinário do lugar de incardinação ou do lugar onde
tem domicílio, podem exercer essa faculdade em toda parte, a não ser que o Ordinário
local se oponha em algum caso particular, salvas as prescrições do c. 974 §§ 2 e 3.
§ 3. Pelo próprio direito, gozam também dessa faculdade em favor dos membros e de
outros que vivem dia e noite na casa do instituto ou da sociedade, aqueles que tem
faculdade de ouvir confissões em virtude de oficio ou concessão do Superior competente, de acordo com os cc. 968 § 2, e 969 §2; eles também a usam licitamente, a
não ser que algum Superior maior se oponha, em algum casa particular, no que se
refere aos próprios súditos.
105
106
CCEO c. 722 § 4 Los presbiteros que tienen facultad para administrar el sacramento de
la penitencia, por rsazón del oficio o por concesión del Jerarca del lugar de la eparquia
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Legislador tornou-se muito mais liberal com respeito às faculdades
de ouvir confissões. Antigamente quando alguém viajava perdia a
jurisdição e ficava impedido de ouvir confissões, pois se tratava
do problema de território onde se tinha, ou não, jurisdição. Agora
o Legislador mudou tudo isto. O texto diz que do momento quando
alguém tem a faculdade no seu domicílio esta faculdade estende-se para o mundo inteiro. A não ser que haja uma regra especial
em deterrminada diocese ou eparquia. Constatamos que para os
sacerdotes diocesanos ou seculares não há grandes problemas,
pois a regra é muito simples, basta que estejam incardinados em
determinada diocese e possuam a faculdade de ouvir confissões,
então esta faculdade estende-se ao mundo inteiro, a não ser que
em determinada diocese o Bispo tenha dado normas especificas em
contrario, exigindo o uso de ordens. Para o religioso, porém, deve
ser “ubi habet domicilium”107. Por isso, há necessidade de se saber
onde tem o domicílio108, isto é, deve estar inscrito numa casa. “domus
ubi adscribitur”. Quando um religioso muda de domicílio deve pedir
de novo a faculdade de ouvir confissões. Quem dá a faculdade é o
Ordinário do Lugar, não é o Ordinário Religioso. Querendo simplificar,
acabaram complicando a vida dos religiosos.
O Legislador ainda nos Ordenamentos Jurídicos latino109 e
oriental110 aborda a questão do domicílio dos cônjuges e do que
a que están adscritos o en la que tienen domicílio, pueden administrar validamente el
sacramentode la penitencia en todas partes a cualquier tipo de fieles, a no ser que el
Jerarca del lugar se oponga expresamente en casos especiales; de la misma facultad
usan licitamente si observan las normas dadas por el Obispo eparquial y con licencia,
al menos presunta, del rector de la Iglesia o, si se trata de la casa de un instituto de
vida consagrada, del Superior.
107
CIC c. 103- Os membros dos institutos religiosos e das sociedades de vida apostólica
adquirem domicílio no lugar onde se encontra a casa à qual estão adscritos; o quase-domicilio, na casa em que moram, de acordo com o c. 102 § 2
CCEO c. 913 Los miembros de institutos reli­giosos y de sociedades de vida común a
modo de los religiosos adquie­ren domicílio alli donde está la casa a que pertenecen; y
cuasidomicilio en el lugar donde su residencia se ha extendi­do al menos por tres meses.
108
109
CIC c. 104.- Os cônjuges tenham domicílio ou quase-domicilio comum; em razão da
legítima separação ou de outra justa causa, cada qual pode ter domicílio ou quase-domicilio próprio.
CCEO c. 914 Tengan los cónyuges un domicílio o cuasidomicilio común; y, por causa
justa, cada uno puede tener propio domicílio o cuasidomicilio.
110
acontece quando ocorre uma legítima separação ou uma separação
por uma justa causa, nestes casos cada um dos cônjuges pode
adquirir seu próprio domicílio ou quase-domicílio. O Legislador ainda contempla o domicílio ou quase-domicilio dos menores tanto no
Código latino111 como no oriental112. Saindo da infância o menor pode
adquirir um quase-domicílio próprio enquanto não for emancipado
civilmente, pois neste caso pode até adquirir domicílio próprio. Mas
o tutelado ou curatelado tem o domicílio e o quase- domicílio do
tutor ou do curador.
O domicílio e o quase-domicílio assim como se pode adquirir,
também, se pode perder. Por isso que o Legislador também estabeleceu normas específicas para a perda do domicílio ou do quase-domicílio nos Códigos latino113 como no oriental114. Para a perda
o Legislador diz que são necessários dois elementos que ocorram
simultaneamente: abandonar o lugar e ter a intenção de não mais
voltar. São estas características que permitem a possibilidade de se
ter diversos domicílios e/ou quase-domicílios.
A quarta condição da pessoa fisica na Igreja diz respeito às
relações de parentesco ou familiares qualificadas de consanguinidade ou de afinidade 115 Antes de aprofundarmos os conteúdos nos
CIC c. 105 § 1. O menor conserva necessariamente o domicílio ou quase-domicilio
daquele, a cujo poder está sujeito. Saindo da infância, pode adquirir também quase-domicilio próprio; e uma vez emancipado de acordo com o direito civil, também o
domicílio próprio.
§ 2. Quem, por uma razão diversa da minoridade, foi entregue à tutela ou à curatela
de outros, tem o domicílio e quase-domicilio do tutor ou do curador.
111
CCEO c. 915 § 1. El menor tiene necesaria­mente el domicílio o cuasidomi­cilio de aquel
a cuya potestad está so­metido; el que ha salido de la infancia puede también adquirir
cuasidomicilio propio, y si está legítimamente emanci­pado de acuerdo con el derecho
civil, incluso domicílio propio.
§ 2. El que está legítimamente so­metido a tutela o curatela por razón distinta de la
edad, tiene el domicílio o cuasidomicilio del tutor o curador.
112
CIC c. 106 – Perde-se o domicílio e o quase-domicilio pela saída do lugar, com a
intenção de não mais voltar, salvo a determinação do c. 105.
113
114
CCEO c. 917 El domicílio o el cuasidomidilio se pierde al ausentarse del lugar con
intención de no volver, salvos los cán. 913 y 915.
CIC cc. 108-109; CCEO cc. 918-919.
115
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Códigos latino116 e oriental117, é necessário operacionalizar os termos
com seus devidos significados. Ao analisar esta materia os termos
e os conceitos que o Legislador no texto legal usa, são: consanguinidade118, tronco119, linha120 , grau121.
Existem nos Ordenamentos Jurídicos civis vários sistemas para
se contarem os graus de parentesco. Os mais comuns, entre nós,
são o sistema germânico e o romano.
No sistema germânico de contagem de graus, existem tantos
graus quantas são as gerações. No caso de uma linha oblíqua
desigual contavam-se tantos graus quantas eram as gerações
começando do ramo ou lado mais comprido, assim, por exemplo,
neste sistema entre tio e sobrinho existem apenas dois graus. Este
era o sistema adotado no Código de 1917, pois a Igreja usava-o
desde o século VIII.
No sistema romano a contagem de graus segue o critério seguinte: existem tantos graus quantas forem as pessoas, subtraindo-se o tronco. Este sistema é o adotdo por um bom número de
ordenamentos civis modernos e também os nossos. Nos Códigos
latino122 e oriental123, o Legislador acolheu este sistema conhecido
como o romano de contagem de graus. Portanto, hoje são as
CIC c. c.108 - § 1.Conta-se a consanguinidade por linhas e graus.
§ 2. Em linha reta, tantos são os graus quantas gerações, ou as pessoas, omitido o
tronco.
§ 3. Na linha colateral, tantos são os graus quantas as pessoas em ambas as linhas,
omitido o tronco.
116
117
CCEO c. 918- La consanguinidad se computa por líneas y grados: 1º en la línea recta
hay tantos gra­dos como personas, descontado el tron­co; 2.° en la línea colateral hay
tantos grados como personas en ambas lineas, descontado el tronco.
pessoas que são computadas e não mais as gerações. Para que
não pairem dúvidas, apenas a título de exemplo, comparando os
dois sistemas dizemos que os irmãos são computados no sistema
germânico como primeiro grau, no romano porém serão tidos e
havidos como segundo grau, isto porque se trata de duas pessoas
das quais descendem. O “patruus” (tio paterno) e o “avunculus” (tio
materno) são terceiro grau no direito atual. O primo-irmão é quarto
grau no computo de hoje.
Note-se que nos Códigos latino124 e oriental125 o impedimento
de consanguinidade para o matrimônio estende-se até o quarto
grau inclusive da linha colateral ou oblíquia. No Código de 1917
o impedimento estendia-se até os primos segundos. Do ano
1215 até o de 1917 o impedimento de consanguinidade ia até o
primo terceiro inclusive. Caso se realizasse um matrimônio nestas
condições sem a devida dispensa seria simplesmente nulo. Antigamente, o quarto grau canônico correspondia ao oitavo grau da
legislação civil.
Nas relações de família o Legislador apresenta também a questão da afinidade que surge entre os consanguíneos dos cônjuges.126
Se a afinidade127 contida nos Códigos latino e oriental for comparada com os conteúdos do antigo Código constatam-se diversas
mudanças entre as quais o novo Legislador não fala mais de “ex
matrimonio valido sive rato tantum sive rato et consummato”. Com
isto o Legislador clarifica a questão de que a afinidade não surge
apenas de um matrimônio rato, ou seja sacramental, mas de qualquer
matrimônio válido, portanto surge também pelo vinculo natural. No
Direito antigo o impedimento estendia-se até à linha oblíqua. Hoje foi
A consangüinidade: é a relação entre pessoas que descendem do mesmo tronco.
118
A cabeça do tronco é a pessoa da qual se descende.
119
120
121
Linha: é o conjunto de pessoas que descendem do mesmo tronco. A linha poderá ser
reta ou oblíqua. A linha é reta quando uns descendem dos outros, como filhos, pais,
avós, bisavós etc. A linha é oblíqua, quando as pessoas descendem do mesmo tronco,
mas não umas das outras, como acontece com os irmãos, tios, sobrinhos, primos etc.
Grau é a distancia generacional que separa dois consangüíneos.
122
123
CIC c. 108.
CCEO c. 918.
CIC c. 1091 § 2 § 2. Na linha colateral,é nulo o matrimônio até o quarto grau, inclusive.
124
CCEO c. 808 § 2. En línea colateral es invalido nasta el cuarto grado inclusive.
125
CIC c. 109 - § 1. A afinidade se origina de um matrimônio válido, mesmo não consumado, e vigora entre o marido e os consanguíneos da mulher, e entre a mulher e os
consanguíneos do marido.
§ 2. Conta-se de tal maneira que são consanguíneos do marido aqueles que, na mesma
linha e grau, são afins da mulher, e vice-versa.
126
127
Afinidade é o vínculo que une um cônjuge aos parentes do outro.
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reduzido ao segundo grau da linha reta tanto no Código latino128 como
no oriental129. Isto significa que o cônjuge que enviuvou não pode
casar nem com a filha do outro cônjuge e nem com o pai ou mãe
do cônjuuge falecido. Em outras palavras o viúvo(a) não pode casar
com o enteado(a) ou com o sogro(a). Antigamente este impedimento
de afinidade atingia a linha colateral ou oblíqua, isto é, não se podia
casar com a(o) irmã(o) da(o) minha mulher (meu marido) sem a devida
dispensa. Portanto, não se podia casar com a(o) cunhada(o)130. Hoje
a afinidade atinge apenas a linha reta.
Nas relações de família o Legislador aborda uma questão muito atual e premente que devido às inumeras guerras, cataclismas,
desastres e menores abandonados e outros fatores existem muitas
crianças sine patre, sine matre et sine genealogia. Nosso Legislador,
sensível a esta realidade, incentiva os esposos generosos a adotarem estes filhos de Deus que sem culpa foram desprovidos de laços
familiares. Dai tratar da complexa problemática da adoção de filhos
(CIC c. 110131 CCEO c. 296 § 2132; 689 § 3133.)
O c. 110 do CIC. é totalmente novo. Ao tratar da adoção de
filhos o Legislador canoniza a legislação civil a respeito do instituto
da adoção. No nosso Código Civil Brasileiro o instituto da adoção
é tratado no Capitulo V134 sob o nome de Adoção nos artigos 368378135. Do instituto da adoção surge o chamado parentesco legal ou
parentesco oriundo de adoção.
O rito é a derradeira condição da pessoa física tratada aqui na
2ª parte do livro Iº do Código latino nos cânones 111136 e 112137 a
de los padres naturales, según lo establecido en los §§ 1 y 2, teniendo en cuenta el
derecho particular.
134
135
128
CIC c. 109.-.
CCEO c. 919- § 1. La afinidad surge del matrimônio válido, y se da entre un cónyuge
y los consanguíneos del otro cónyuge.
§ 2. En la linea y en el grado en que uno es consanguíneo de uno de los cónyuges,
es afin del otro cónyuge.
129
Uma questão histórica que teve graves consequências para a Igreja Católica, é saber o
porque Henrique VIIIº queria o divórcio. Porque o rei, temente a Deus, havia-se casado
com Catarina de Aragão, com dispensa, mas era a sua cunhada. Após ter casado ele
leu na Bíblia que não era permitido o matrimônio com a própria cunhada. Henrique VIIIº
pensava que este preceito fosse de direito divino e portanto o Papa não poderia dar
a dispensa, simplesmente porque o Papa não pode ir nunca contra o direito divino. O
rei constituiu diversas comissões de estudos teológicos, bíblicos e canonisticos. Alguns
destes estudiosos diziam que a razão estaria com o rei. Outros diziam que era o Papa
que estava certo. Claro que o Papa não retrocedeu e o matrimônio de Henrique com
Catarina tendo sido realizado com a devida dispensa era válido e continuava válido.
130
131
CIC c. 110 - Os filhos que tenham sido adotados de acordo com a lei civil são considerados filhos daquele ou daqueles que os adotaram.
132
CCEO c. 296 § 2 (in fine) ...por razón de la adopción... esta anotación ha de hacerse
constar siempre en la partida de bautismo.
133
CCEO c. 689 § 3. Si se trata de un hijo adoptivo se inscribirá el nombre de quienes
lo adoptaron y tambien, al menos si así se hace en el registro civil de la región, el
Codigo Civil e leis complementares (Forense Rio2) 109-111.
Capitulo V. Da adoção art. 368-376
Art. 368. Só os maiores de 30 anos podem adotar.
Parág. Único. Ninguém pode adotar, sendo casado, senão decorridos cinco anos após
o casamento.
Art. 369. O adotante há de ser pelo menos, 16 anos mais velho que o adotado.
Art. 370. Ninguém pode ser adotado por duas pessoas, salvo se forem marido e mulher.
Art. 371. Enquanto não der contas de sua administração, e saldar seu alcance, não
pode o tutor, ou curador, adotar o pupilo, ou curatelado.
Art. 372. Não se pode adotar sem o consentimento do adotado ou do seu representante
legal se fôr incapaz ou nascituro.
Art. 373. Também se dissolve o vínculo da adoção:I .Quando as duas partes convierem.
II. Nos casos em que é admitida a deserdação.
Art. 374. A adoção far-se-á por escritura pública, em que se não admite condição, nem
têrmo.
Art. 375. O parentesco resultante da adoção (artigo 336) limita-se ao adotante e ao
adotado; salvo quanto aos impedimentos matrimoniais, a cujo respeito se observará o
disposto no art. 183, ns. III e V.
Art. 336. A adoção estabelece parentesco meramente civil entre o adotante e o adotado
(art. 376). Art. 183. Não podem casar (arts. 207-209) III— O adotante com o cônjuge
do adotado e o adotado com o cônjuge do adotante (art. 376). V— O adotado com o
filho superveniente ao pai ou à mãe adotiva (art. 376).
Art. 376- Os direitos e deveres que resultam do parentesco natural não se extinguem
pela adoção, exceto o pátrio poder, que será transferido do pai natural para o adotivo.
CIC c. 111 - § 1. Pela recepção do batismo fica adscrito à Igreja latina o filho de pai
que a ela pertencem; ou, se um dos dois a ela não pertence, ambos tenham escolhido,
de comum acordo, que a prole fosse batizada na Igreja latina; se faltar esse comum
acordo, fica adscrito à Igreja ritual à qual pertence o pai.
§ 2. Qualquer batizando, que tenha completado catorze anos de idade, pode escolher
livremente ser batizado na Igreja latina ou em outra Igreja ritual autônoma; nesse
caso,ele pertence à Igreja que tiver escolhido.
136
137
CIC c. 112 - § 1. Depois de recebido o batismo, ficam adscrito a outra Igreja ritual
autônoma:
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mesma matéria é tambem apresentada, como não poderia deixar de
ser no Código oriental nos cânones. 27138 e 28139.
O termo Rito tem vários significados dependendo do texto e
contexto. No sentido estrito é o “modus procedendi” ou de executar
um ato litúrgico. Neste sentido é lícito falar de um rito particular de
uma Igreja, de uma ordem religiosa, por exemplo o rito ambrosiano,
o rito dominicano e assim por diante. A partir, porém, do século
XVI, quando se fala no Ocidente dos ritos Orientais, inclui-se nisto
a comunidade que segue determinados usos litúrgicos e possui uma
disciplina própria. Este é o linguajar do Concilio Vaticano II quando
identifica rito com uma Igreja particular140
1.º Quem tiver conseguido a licença da Sé Apostólica;
2.º o cônjuge que, ao contrair matrimônio ou durante este, tiver declarado que passa
para a Igreja ritual autônoma do outro cônjuge; dissolvido, porém, o matrimônio, pode
livremente voltar à Igreja latina;
3.º os filhos dos mencionados nos números 1 e 2, antes de completarem catorze anos
de idade,como também no matrimônio misto, os filhos da parte católica que tenham
passado legitimamente para outra Igreja ritual; completadas, porém, essa idade, eles
podem voltar para a Igreja Latina.
§ 2. O costume, mesmo prolongado, de receber os sacramentos segundo o rito de
alguma Igreja ritual autônoma não acarreta a adscrição a essa Igreja.
138
139
CCEO c. 27 – En este Código se llama Iglesia sui iuris a la agrupación de fieles cristianos junto con la eparquia, a la cual la autoridad suprema de la Iglesia le reconoce
expresa o tacitamente como sui iuris.
CCEO c. 28 § 1. O rito é o patrimônio litúrgico, teológico, espiritual e disciplinar, distinto
da cultura e das circunstâncias historicas dos povos, e que se expressa no modo de
viver a própria fé de cada Igreja sui iuris.
140
Cfr. Orientalium Ecclesiarum. 2, 3, A Igreja santa e católica Corpo Místico de Cristo,
consta de fiéis que se unem organicamente pela mesma fé, pelos mesmos sacramentos
e pelo mesmo regime, no Espírito Santo, coligando-se em vários grupos unidos pela
hierarquia, constituem as Igrejas particulares ou os Ritos. Entre elas vigora admirável
comunhão, de tal forma que a variedade na Igreja, longe de prejudicar-lhe a unidade,
antes a manifesta. A intenção da Igreja católica é que permaneçam salvas e integras
as tradições de cada Igreja particular ou Rito, bem como quer igualmente adaptar seu
modo de vida às vár.ias necessidades dos tempos e lugares. 3. Tais igrejas particulares, tanto do Oriente como do Ocidente, embora difiram parcialmente entre si pelo
que chamam de Ritos, isto é, pela liturgia, pela disciplina eclesiástica e pelo patrimônio
espiritual, são, todavia igualmente confiadas ao governo pastoral do Pontífice Romano,
que por determinação divina sucede ao Bem-aventurado Pedro no primado sobre a
Igreja universal. Por isso elas gozam de dignidade igual, de modo que nenhuma delas
preceda as outras em razão do rito; gozam dos mesmos direitos e se atém às mesmas
obrigações, também à de pregar o Evangelho em todo o mundo (Mc. 16,15) sob a
direção do Pontífice Romano.” Compendio do Vaticano II..., nn. 831-832, 335-336,.
O Legislador no Código oriental nos oferece uma definição
ampla e rica do que se entende por rito:141: “Ritus est patrimonium
liturgicum, theologicum; spirituale et disciplinare cultura ac rerum
adiunctis historia populorum distinctum, quod modo fidei vivendae
uniuscuiusque Ecclesiae sui iuris propio exprimitur”142
O próprio Legislador no Código oriental define o que se deve
entender por “Eclesia sui iuris”143 id est: “coetus christifideliurn hierarchia ad normam iuris iunctus, quem ut sui iuris expresse vel tacite
gnoscit suprema Ecclesiae auctoritas, vocatur in hoc Codice Ecclesia
sui iuris.”
No decorrer dos primeiros séculos, as comunidades cristãs
foram-se reagrupando ao redor das grandes sedes apostólicas de
Roma, Antioquía e desde cedo em Alexandria, e mesmo nas cidades mais importantes do Império Romano. Fora das fronteiras do
Império Romano encontra-se a Igreja da Mesopotâmia que no séc.
V proclamou sua própria autonomia desvinculando-se do patriarcado
de Antioquia. Esta separação deu lugar ao nascimento da, assim
chamada, Igreja “Nestoriana” por não ter aceito os ditames do Concilio de Calcedônia (a. 451). 144Um fenômeno semelhante ocorreu
com a Igreja Armena. Vivendo num certo isolamento, no sec. IV
esta Igreja rompeu seus vínculos com a Igreja Mãe de Cesareia de
Capadócia. No séc. VI, surge em Antioquia uma igreja separada da
comunhão dos bispos fiéis ao Concílio de Calcedônia. Esta Igreja
mantinha uma fórmula cristológica ambígua daí o ter sido chamada e
conhecida como Igreja monofisista-jacobita. Estas defecções fizeram
CCEO c. 28 § 1. O rito é o patrimônio litúrgico, teológico, espiritual e disciplinar, distinto
da cultura e das circunstâncias historicas dos povos, e que se expressa no modo de
viver a própria fé de cada Igreja sui iuris.
141
142
Código de Cânones de las Iglesias Orientales (Edicion Bilíngüe Comentada – Bilbioteca de Autores Cristianos- Madrid 1994) 35. c. 28 § 1. Entrou em vigor no dia 1º de
outubro de 1991 feta da visitação de Nossa Senhora.
CCEO c. 27 Neste Código chama-se Igreja sui iuris o agrupamento de fieis cristãos
junto com a hierarquia, à qual a autoridade suprema da Igreja reconhece-a expressa
ou tacitamente como sui iuris.
143
Cf. GAUTHIER, Dispense ad usum alumnorum...,.20.
144
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com que as igrejas que tinham permanecido fiéis à fé de Calcedônia, se unissem cada vez mais à Igreja de Constantinopla e assim
dar lugar a uma identificação quase perfeita entre fé “ortodoxa”145
com a fidelidade ao Império. Portanto, podemos distinguir as igrejas
antigas que aceitaram o Concilio de Calcedônia e às vezes são
denominadas de ortodoxas e as que não o aceitaram.146 As Igrejas
de Calcedônia são todas aquelas que estavam em comunhão com
o Patriarca de Constantinopla. Muitas delas eram também unidas
a Roma. As Igrejas Calcedonenses (de Calcedônia) abrangem as
do rito: -Alexandrino dos coptas e dos etíopes, -Antioqueno dos
Malankarenses, maronitas e sírios; -Caldeo, dos caldeos e malabaresios - Armeno147 As Igrejas Orientais Católicas, hoje, distinguem-se
nestes cinco ritos fundamentais.148
As bases do regime canônico para as Igrejas Orientais unidas
a Roma são formuladas no Decreto do Vaticano II sobre as Igreja
Orientais Católicas. 149 Após o Concilio Vaticano II no século passado
iniciou-se uma codificação do direito oriental, que chegou a seu fim,
no dia 18 de outubro de 1990. 150 quando o Romano Pontifice João
Note-se que a palavra “ortodoxa”, diz Gauthier, é equivoca e frequentemente é usada
para todos os orientais não católicos, isto é para todos os orientais não unidos a Roma.
145
Cf. GAUTHIER, Dispense ad usum alumnorum.g. 22.
146
147
CCEO c. .28 – § 2. Ritus, de quibus in Códice agitur, sunt, nisi aliud constat, illi, qui
oriuntur ex traditionibus Alexandrina, Antiochena, Armena, Chaldaea er Constantinopolitana.
148
149
Mas cada um destes ritos abrange outras Igrejas, a saber: Rito Alexandrino abrangendo
os coptas e os etíopes. Rito Antíoqueno que inclui os Malankaresos, os Maronitas e os
Sírios. Rito Constantinopolítano ou Bizantino que abrange os Albaneses, os Búlgaros,
os Gregos, os Melquitas, os Rumenos, os Rutenos, os Ucranianos etc. Rito Caldeu
que inclui os Caldeus e os Malabareos. Rito Armeno.
Orientalium Ecclesiarum nn. 1-3 : “1. A igreja Católica tem em alta estima as instituições,
os ritos litúrgicos, as tradições eclesiásticas e a disciplina da vida crístã das Igrejas
Orientais. Preclaras em razão da antiguidade veneranda, nelas reluz aquela tradição
que vem desde os Apóstolos através dos Padres. Ela constitui parte do patrimônio
divinamente revelado e indiviso da Igreja universal. Por isso, na sua solicitude pelas
Igrejas Orientais, que são testemunhas vivas desta tradição, este Santo e Ecumênico
Sínodo deseja que elas floresçam e realizem com novo vigor apostólico a missão que
lhes foi confiada; e resolveu estabelecer alguns pontos, além daquilo que diz respeito
à Igreja universal, remetendo o restante à providência dos Sínodos orientais e da Sé
Apostólica.” Compendio do Vaticano II..... n.830, . 335.
150
Código de Cânones de las Iglesias Orientales ...(CCEO)...., 3-11.
Paulo II promulgou-o com a Constituição “Sacri Cânones” o Código
dos canones das Igrejas Orientais.
Os orientais possuem o seu próprio Direito e a sua Hierarquia.
Os orientais não estão sob a jurisdição dos Bispos latinos. Possuem
hierarquia própria, mas, nem sempre, em todas as partes deste mundo.
Quando em determinado lugar esta hierarquia está ausente então os
orientais passam a estar sob a jurisdição do bispo diocesano latino.
Os ocidentais, devido às constantes migrações do homem moderno, enfrentam certos desafios e problemas que antigamente nem
sequer eram previstos, um dos casos delicados é como se deve
proceder se um oriental não tem intenção de viver como oriental no
ocidente. Isto pode acontecer porque este determinado fiel oriental
há anos está longe do Oriente, radicou-se no Ocidente e vive como
Ocidental nos seus usos e costumes. Neste caso, o melhor seria
solicitar a mudança de rito e, hoje, basta que os bispos estejam
de acordo para que o fiel possa passar de um rito a outro, pois a
presunção é que a Santa Sé dê a permissão151.
Mas, para podermos saber a que rito este determinado indivíduo
pertence, devemos nos ater ao princípio geral anunciado pelo próprio
Legislador quando diz que a pessoa pertence ao rito dos pais. Ter recebido o batismo em determinado rito litúrgico tem pouca importância
pois o que se leva em consideração é o rito dos pais, sendo que o
critério seguido é o das gerações ou da genealogia.152
151
Passagem de rito cânones: CIC. c. 112 e cceo c. 32. Comentário do CCEO. c. 32:
“El § 1 recoge lo que el can. 98 § 3 CIC 17 decía de necesitar «la venia de la Sede
Apostólica» para cambiar de rito, y el can.1l2 § 1, 1º CIC 83 decía con «licencia de
la Sede Apostólica», y el presente canon oriental dice «consentimiento de la Sede
Apostólica»: son un tanto diversas sus redacciones, pero el contenido es el mismo.
Eso es demasia­do serio. Buscando un caso, un tanto paralelo en la vida civil, se diría
que es como requerir, para cambiar de nacionalidad, la «venia, licencia o consenti­
miento» de la autoridad suprema mun­dial, la ONU. Por ello resulta más nor­mal lo que
establece el § 2 del canon: aligera un tanto esa excesiva solemnidad de que intervenga
la autondad suprema, la Sede Apostólica, y dice que se presume ese consentimiento,
cuando los dos Obispos eparquiales acceden por escrito al paso de la Iglesia sui iuris
del uno a la del otro. Esta nueva norma ha sido exten­dida al CIC 83 según Rescripto
del Secretario papal (26 nov. 1992, AAS 85, (1993) 81).
152
Mas se alguém não tem nenhum contato com o próprio rito é aconselhável que se
peça a devida mudança de rito.
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No Código Pio Beneditino o filho pertencia sempre ao rito do
pai, hoje não é mais assim, pois o Legislador quis terminar com toda
e qualquer discriminação aplicando a isonomia. Não é raro acontecer que um indivíduo case com outro de rito oriental. Na tradição
canônica seguia-se o rito do pai. Este princípio não foi aceito pelo
novo Legislador devido a que era discriminatório.
Quando os pais são de ritos diferentes, o batizado fica adscrito
à Igreja de rito latino se ambos estiverem de acordo, caso contrário o batizando ficará adscrito à Igreja do pai. O Legislador latino
exprimindo-se com esta fórmula153 ab-roga a antiga regra que o batizado não púbere deveria seguir necessariamente a Igreja do pai.154
Os orientais não ficaram satisfeitos com este princípio do Código
latino, porque ficaram com medo que muitos orientais passassem ao
rito latino. O Codigo oriental dedica um capitulo inteiro para tratar
da adscriçao a uma Igreja sui iuris155. O Legislador latino no texto
153
legal156 não contempla a possibilidade de um filho de pai latino poder
ser adscrito ao rito oriental. A razão desta aparente anomalia está
no fato de que o Código latino de 1983, quis apenas pronunciar-se
a respeito da adscrição à Igreja latina, deixando ao código Oriental
a tarefa de regulamentar este instituto. O Código oriental diz, simplesmente: “per baptismum ascribitur Ecclesiae sui iuris cui pater
ascriptus est; si vero sola mater est catholica aut, si ambo parentes
CIC c. 111.
Cfr. c.+ 756 § 1. La prole debe ser bautizada en el rito de sus padres.
§ 2. Si uno de los padres pertenece al rito latino y el otro al oriental, la prole debe
ser bautizada en el rito del padre, a no ser que otra cosa se halle determinada por
derecho especial.
§ 3. si solamente uno de ellos es catolico, la prole debe ser bautizada en el rito de
este.
154
155
Canones do Codigo oriental cujo titulo é o “De la adscripción a una Iglesia «sui
iuris»”:
c. 29- § 1. El hijo que no ha cumplido aún los catorce años queda, por el bautismo,
adscrito a la Iglesia sui iuris a que está adscrito su padre católico; pero si sólo la
madre es católica o si ambos padres lo piden con voluntad concorde, queda adscrito
a la Iglesia sui iuris a que pertenece la madre, salvo el derecho particular establecido
por la Sede Apos­tólica.
§ 2. Pero el hijo que no ha cumpli­do los catorce años: 1º si es nacido de madre no
casada, queda adscrito a la Iglesia sui iuris a que pertenece la madre; 2.° si es de
padres desconocidos, queda adscrito a la Iglesia sui iuris a que están adscritos aquellos
a cuya cura ha sido legítimamente encomendado; pero si se trata de padre y madre
adoptantes, se aplica el § 1;
3.° si es de padres no bautizados, queda adscrito a la Iglesia sui iuris a que pertenece
quien asumió su educación en la fé católica.
CCEO c. 30 -Todo bautizando que ha cumplido los catorce años puede elegir libre­
mente cualquier Iglesia sui iuris a que se adscribe por su bautismo recibido en ella,
salvo el derecho particular estable­cido por la Sede Apostólica.
CCEO c. 31- Nadie pretenda inducir en modo alguno a cualquier fiel crìstiano a pasar
a otra Iglesia sui iuris.
CCEO c. 32- § 1. Nadie puede pasar válida­mente a otra Iglesia sui iuris sin consentimiento de la Sede Apostólica.
§ 2. Pero si se trata de un fiel cris­tiano de una eparquía sui iuris que pide pasar a otra
iglesia sui iuris que tiene eparquía propia en el mismo territorio, ese consentimiento
de la Sede Apostóli­c a se presume, con tal de que los Obis­pos eparquiales de ambas
eparquías con­sientan por escrito el paso.
CCEO c. 33- La mujer tiene pleno derecho a pasar a la Iglesia sui iuris del marido
al contraer matrimônio o durante el mismo; y una vez disuelto el matrimônio puede
libremente volver a la anterior Iglesia sui iuris
CCEO c. 34- Si los padres o el cónyuge católico en el matrimônio mixto pasan a otra
Iglesia sui iuris, los hijos que no han cumplido los catorce años de edad que­dan adscritos por el derecho mismo a la misma Iglesia; pero si en el matrimônio entre católicos
sólo uno de los padres pasa a otra Iglesia sui iuris, los hijos pasan a ella sólo si los
dos padres con­sienten; cumplidos los catorce años de edad, los hijos pueden volver
a la ante­rior Iglesia sui iuris.
CCEO c. 35. Los bautizados acatólicos que vie­nen a la plena comunión con la Iglesia
católica mantienen en todas par­tes el propio rito y lo cultivan y observan según sus
fuerzas; quedan por tanto ads­critos a la Iglesia sui iuris del mismo rito, salvo su derecho
de recurrir a la Sede Apostólica en casos especiales de perso­nas, de comunidades o
de regiones.
CCEO c. 36 Todo paso a una Iglesia sui iuris tiene vigor desde el momento de la
declaración hecha ante la Jerarquía local de la misma Iglesia o ante el pá­rroco o ante
el sacerdote delegado por uno de ellos y dos testigos, a no ser que diga otra cosa el
rescripto de la Sede Apostólica.
CCEO c. 37 Toda adscripción a una Iglesia sui iuris y todo paso a otra Iglesia sui iuris
se anotará en el libro de bautizados, incluso, si es el caso, de la Iglesia latina donde
se ha celebrado el bautismo; y si no puede hacerse, anótese en otro do­cumento que
se conservará en el archivo parroquial del párroco propio de la Igle­sia sui iuris a que
se ha adscrito.
CCEO c. 38 Los fieles cristianos de las Iglesias orientales, aunque estén encomen­dados
a la cura del Jerarca o del párroco de otra Iglesia sui iuris, sin embargo permanecen
adscritos a la propia Iglesia sui iuris.
Cân. 111 - § 1. Pela recepção do batismo fica adscrito à Igreja latina o filho de pai que
a ela pertençam; ou, se um dos dois a ela não pertença, ambos tenham escolhido,
de comum acordo, que a prole fosse batizada na Igreja latina; se faltar esse comum
acordo, fica adscrito à Igreja ritual à qual pertence o pai.
§ 2. Qualquer batizando, que tenha completado catorze anos de idade, pode escolher
livremente ser batizado na Igreja latina ou em outra Igreja ritual autônoma; nesse
caso,ele pertence à Igreja que tiver escolhido.
156
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concordi voluntate petunt, ascribitur Ecclesiae sui iuris, ad quam
mater pertinet, salvo iure particulari a Sede Apostolica statuto”.157
A liberdade deixada aos pais na escolha de rito, foi considerada
perigosa pelos orientais, especialmente nos paises ocidentais. 158
Outra questão delicada que causa um certo problema entre as
Igrejas é quando se trata de um oriental não católico que deseja se
tornar católico. Por exemplo, um russo não católico quer tornar-se
católico e está morando no ocidente. O que acontece neste caso?
Antes do ano de 1957, havia algumas regras a este respeito. O oriental que se convertia ao cristianismo, poderia ser agregado ao rito
oriental que quisesse, mas não poderia passar ao rito latino a não
ser que colocasse isto como condição “sine que non” para converterse à Igreja Católica.
No entanto o Motu Proprio Cleri Sanctitati159 de Sua Santidade
Pio XII, tinha feito uma espécie de codificação para o direito oriental. Pio XII dava para os batizados acatólicos o direito de escolher
o rito que preferissem: “ritum quem maluerint amplecti possunt” 160
No entanto o c. 11 do Motu Próprio provocou enérgicas reações por
parte da Igreja Melquita.161
Parece que o c. 11 do “Cleri Sanctitati” fora ab-rogado pelos
Padres Conciliares quando fora promulgado o decreto das Igrejas
Orientais que diz: ...”Enfim todos e cada um dos católicos, bem como
os batizados de qualquer Igreja ou Comunidade acatólica que ingressarem na plenitude da comunhão católica, conservem em toda parte
o próprio Rito cultivem-no e o observem na medida do possível. Fica
todavia salvo o direito de recorrer nos casos peculiares das pessoas,
comunidades ou regiões à Sé Apostólica; esta, na qualidade de árbitro
CCEO c. 29 § 1,
157
158
Cfr. POSPISHIL-FERRARIS The New latin Code of Code Law and Eastern Catholics
(New York 1984) 21.
AAS 49 (1957) 439. c. 11.
159
160
161
AAS 49 (1957) 439. c. 11.
Cfr. Les Églises orientales catholiques, 216.
supremo das relações inter-eclesiais, proverá às necessidades em
espírito ecumênico, por si mesma ou através de outras autoridades,
dando as oportunas normas, decretos ou rescritos.” 162
De fato no Código oriental o Legislador diz: “Baptizati acatholici
ad plenam communionem cum Ecclesia catholica convenientes proprium ubique terrarum retineant ritum eumque colant et pro viribus
observent, proinde ascribantur Ecclesiae sui iuris eiusdem ritus salvo
iure adeundi Sedem Apostolicam in casibus specialibus personarum,
communitatum vel regionum” 163
Devemos notar que em todos os ritos orientais existem católicos.
Poucos as vezes, mas existem. O problema está na mudança de
rito164, devido às dificuldades históricas.Os orientais tiveram a impressão que a Igreja Latina fazia muita propaganda para se passar
ao rito latino.
A proibição de passar do rito latino para um outro rito é antiga.165
Foi mitigada um pouco quando foi dada a licença à mulher de rito
162
Orientalium Ecclesiarum..., n.883 in fine, 337.
163
CCEO. c. 35.
CIC c. .112 - § 1. Depois de recebido o batismo, ficam adscritos a outra Igreja ritual
sui iuris: .1. os que tiverem conseguido licença da Sé Apostólica; 2.o cônjuge que,
na celebração do matrimônio ou na sua duração, tiver declarado que passa à Igreja
ritual sui iuris de outro cônjuge; dissolvido, porém o matrimônio pode livremente voltar
à igreja latina; 3. os filhos, daqueles que são mencionados nos nn. 1 e 2, antes de
completarem catorze anos de idade; igualmente, no matrimônio misto, os filhos da
parte católica, que tenham passado legitimamente a outra igreja ritual; completada,
porém, essa idade, eles podem voltar à Igreja Latina.
§ 2. O costume, mesmo prolongado, de receber os sacramentos segundo o rito de
alguma igreja ritual sui iuris não implica a adscrição a essa Igreja..
164
CCEO c. 32 § 1. Nadie puede pasar válida­mente a otra Iglesia sui iuris sin consentimiento de la Sede Apostólica.
§ 2. Pero si se trata de un fiel cris­tiano de una eparquía sui iuris que pide pasar a otra
iglesia sui iuris que tiene eparquía propia en el mismo territorio, ese consentimiento
de la Sede Apostóli­c a se presume, con tal de que los Obis­pos eparquiales de ambas
eparquías con­sientan por escrito el paso.
CCEO c. 33 La mujer tiene pleno derecho a pasar a la Iglesia sui iuris del marido
al contraer matrimônio o durante el mismo; y una vez disuelto el matrimônio puede
libremente volver a la anterior Iglesia sui iuris
CCEO c. 34.Si los padres o el cónyuge católico en el matrimônio mixto pasan a otra
Iglesia sui iuris, los hijos que no han cumplido los catorce años de edad que­dan ads165
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latino que se casasse com um oriental, poderia passar para o rito
oriental “ineundo vel durante matrimônio”.166 Esta norma provêm de
Leão XIII, com sua Constituição “Orientalium dignitatis”,167 de 30 de
novembro de 1894
A proibição de passar do rito oriental para o latino remonta ao
século XVII. Em 1624, o Papa Urbano VIII proibiu que os rutênios
passassem ao rito latino, mas perante as insistências do Rei da Polônia Sigismundo, restringiu esta proibição aos clérigos.168 O Romano
Pontífice, por outro lado, condenou o excesso de zelo por parte de
alguns missionários latinos que se esforçavam para que os orientais passassem ao rito latino. Após os esforços feitos por Benedito
XIV para obter a generalização da proibição feita aos orientais para
passar ao rito latino, esta proibição entende-se que fora estendida
a todos os ritos orientais.
No que diz respeito à passagem de um rito oriental a um outro
rito oriental, existe um decreto da Propaganda Fidei datado da 20 de
critos por el derecho mismo a la misma Iglesia; pero si en el matrimônio entre católicos
sólo uno de los padres pasa a otra Iglesia sui iuris, los hijos pasan a ella sólo si los
dos padres con­sienten; cumplidos los catorce años de edad, los hijos pueden volver
a la ante­rior Iglesia sui iuris.
CCEO c. 35. Los bautizados acatólicos que vie­nen a la plena comunión con la Iglesia
católica mantienen en todas par­tes el propio rito y lo cultivan y observan según sus
fuerzas; quedan por tanto ads­critos a la Iglesia sui iuris del mismo rito, salvo su derecho
de recurrir a la Sede Apostólica en casos especiales de perso­nas, de comunidades o
de regiones.
CCEO c. 36 Todo paso a una Iglesia sui iuris tiene vigor desde el momento de la
declaración hecha ante la Jerarquía local de la misma Iglesia o ante el pá­rroco o ante
el sacerdote delegado por uno de ellos y dos testigos, a no ser que diga otra cosa el
rescripto de la Sede Apostólica.
CCEO c. 37. Toda adscripción a una Iglesia sui iuris y todo paso a otra Iglesia sui iuris
se anotará en el libro de bautizados, incluso, si es el caso, de la Iglesia latina donde
se ha celebrado el bautismo; y si no puede hacerse, anótese en otro do­cumento que
se conservará en el archivo parroquial del párroco propio de la Igle­sia sui iuris a que
se ha adscrito.
CCEO c. 38 Los fieles cristianos de las Iglesias orientales, aunque estén encomen­dados
a la cura del Jerarca o del párroco de otra Iglesia sui iuris, sin embargo permanecen
adscritos a la propia Iglesia sui iuris.
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Fontes III, 458.
Fontes III, 458.
168
Cfr. MICHIELS. G., De personis,..,. 230
novembro de 1838 que permitia a passagem de um rito oriental para
outro, contanto que se usassem as mesmas espécies eucarísticas
(pão azimo ou fermentado) com o consentimento dado pelos dois
Ordinários. Os bizantinos usam o pão fermentado para a Eucaristia,
mas nem todos os orientais usam-no.
O Código de 1917 no c. 98169 formulava uma proibição geral de
se passar de um rito para outro sem licença da Santa Sé. O esquema
do Código Oriental do ano 1986, manteve a proibição da passagem
de uma Igreja sui iuris sem a permissão da Sé Apostólica, mas acrescentava, no seu c. 30 § 1: “Si vero agitur de christifideli eparchiae
alicuius Ecclesiae sui iuris qui transire petit ad aliam Ecclesiam sui
iuris, quae in eodem territorio propriam eparchiam habet, hic consensus Sedis Apostolicae praesumitur, dummodo Epíscopi eparchiales
utriusque eparchiae ad transitum scripto consentiant” 170 No Codigo
oriental promulgado consta o texto ipsis litteris no seu c. 32 § 2.171
O Codigo latino no seu c. 112 § 1172 : no seu n. 1 desejava ser uma proteção para as Igrejas orientais.173 No seu
c. + 98 § 1. Entre los vários ritos católicos, cada cual pertenece a aquel con cuyas
ceremonias fue bautizado, a no ser que el bautismo haya sido tal vez administrado por
un ministro de otro rito o con fraude, o por grave necesidad si es que no pudo hallarse
a mano un sacerdote del propio rito, o con dispensa apostólica cuando se dió facultad
para que alguien fuese bautizado con determinado rito sin quedar adscrito al mismo.
169
§ 2. No se atrevan los clérigos a inducir en manera alguna a los latinos a abrazar un
rito oriental, ni a los orientales a abrazar el latino.
§ 3. Sin licencia de la Sede Apostólica, a nadie le es licito pasar a otro rito, o, después
de legitimo transito, volver al primero.
§ 4. Puede libremente la mujer de rito diverso pasar al rito del marido, al contraer
matrimônio o durante el mismo; mas, disuelto el matrimônio, puede volver al propio
rito, a no ser que por derecho particular se establezca otra cosa.
§ 5. Por mucha duracion que tenga la costumbre de recibir la Eucaristia en otro rito,
no lleva consigo el cambio de este. Nuntia 2-26 (1987) 5.
170
171
Cfr. AAS. LXXXII (1990) 1066 c. 32.
172
CIC c. 112 - § 1, 1. Depois de recebido o batismo, ficam adscritos a outra Igreja ritual
sui iuris: 1. os que tiverem conseguido licença da Sé Apostólica;
1992 Nov. 26 Secr. Statuts, Rescr. AAS 85 (1993) 81.
FIT FACULTAS LICENTIAM DE QUA IN CAN. 1122, § 1, 1 CIC LEGITIME IN CASU
PRAESUMENDI.
AD NORMAM CAN 112 § 1, 1º Codicis Iuris Canonici, quisque vetaur post susceptum
Baptismum alii ascribi Ecclesiae rituali sui iuris, nisi licentia ei facta ab Apsotolica Sede.
173
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194
n. 2.174 o Legislador não fala mais da mulher para que não houvesse
discriminação entre homem e mulher. No seu n. 3175 diz que exceto
na caso do matrimônio, requer-se a licença da Santa Sé. Mas o
rescrito de 26 de novembro de 1992 diz que esta permissão é presumida desde que os dois Bispos latino e oriental estejam de acordo
e deem a licença por escrito.
O c. 112 no seu § 2.176 diz, explicitamante que, mesmo que por
toda a vida um oriental tenha frequentado a Igreja Latina ou Ocidental, nem por isso muda de rito. Tudo isto é para respeitar o Direito
Oriental. Insisto que não é uma centralização da Igreja Ocidental,
porque foram os próprios orientais que quiseram que fosse assim.
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Hac de re, probato iudicio Pontificii Consilii de Legum Textibus Interpretandis, Summus
Pontifex Ioannes Paulus II statuit eiusmodi licentia praesumi posse, quoities transitum
ad aliam Ecclesiam ritualem sui iuris sibi petierit Chistifidelis Ecclesiae Latinae, quae
Eparchiam suam intra eosdem fines habet, dummodo Episcopi diocesani utriusque
diocesis in id secum ipsi scripto consentiant. Ex Audientis Sanctissimi, die XXVI mensis
Novembris, anno MCMXCII.
174
CIC c. 112 - § 1, 2:. Depois de recebido o batismo, ficam adscritos a outra Igreja
ritual sui iuris: 2.o cônjuge que, na celebração do matrimônio ou na sua duração,
tiver declarado que passa à Igreja ritual sui iuris de outro cônjuge; dissolvido, porém
o matrimônio pode livremente voltar à igreja latina;
175
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CIC c. 112 - § 1, 3. Depois de recebido o batismo, ficam adscritos a outra Igreja ritual
sui iuris: 3. os filhos, daqueles que são mencionados nos nn. 1 e 2, antes de completarem catorze anos de idade; igualmente, no matrimônio misto, os filhos da parte
católica, que tenham passado legitimamente a outra igreja ritual; completada, porém,
essa idade, eles podem voltar à Igreja Latina.
176
CIC c. 112 - § 2. O costume, mesmo prolongado, de receber os sacramentos segundo
o rito de alguma igreja ritual sui iuris não implica a adscrição a essa Igreja..
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A igreja como intérprete da lei
moral estabelecida por Deus
Dr. José de Ávila Cruz1
INTRODUÇÃO
O cânon 747 § 2 do Código de Direito Canônico prescreve:
Compete à Igreja anunciar sempre e por toda a parte os princípios morais, mesmo referentes à ordem social, e pronunciar-se a
respeito de qualquer questão humana, enquanto o exigirem os direitos
fundamentais da pessoa humana ou a salvação das almas.
Como ensina Santo Tomás de Aquino, “criatura dotada de razão
está submetida à Providência Divina de um modo excelente, pelo
fato de exercer em relação a si mesma e às outras uma espécie
de providência2.
Portanto, a Igreja, pela missão a que está chamada, é a guardiã
da lei moral; e sendo assim, compete-lhe resguardar a consciência
da sociedade.
A Igreja tem o direito e o dever de fazer ouvir a sua voz, para
admoestar e repreender, quando a sociedade se afasta da ordem
natural e fracassa nas funções fundamentais, a que está obrigada
em razão dos fins existenciais do homem.
Sabemos que o Decálogo é intocável e o poder humano não
pode estabelecer leis que entrem em choque com a Lei Divina, como,
por exemplo, permitir o furto, o adultério, o homicídio.
1
2
Professor de Direito Canônico do Instituto de Direito Canônico “Pe. Dr. Giuseppe Benito
Pegoraro” de São Paulo – SP. Membro do Colégio Judicante do Tribunal Interciocesano
de São Paulo – SP.
Santo Tomás Aquino – Suma Teológica, parte 1ª q 22 Artigo 2
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198
Já é tempo de compreender que há leis morais, sociais, leis
que independem totalmente do nosso querer ou não querer, mas que
existem, tão imperiosas, tão necessárias, e ao mesmo tempo tão
sábias, tão indispensáveis à plena realização dos destinos humanos
quanto as outras, as leis do mundo físico.
A ordem social faz parte da ordem moral, à medida em que
entram em jogo os fins existenciais do homem.
Atualmente está havendo confusão quanto ao conceito de soberania e com isso o Estado é colocado acima do direito natural, o
que não pode acontecer. A soberania não é um poder em si mesmo, mas sim uma qualidade do poder, pois, na verdade “só Deus é
soberano”3 Acrescenta, ainda esse mesmo autor: “Nem o Príncipe,
nem o Rei, nem o Imperador eram realmente soberanos, embora
detivessem a espada e os atributos da soberania. Assim, também
não é soberano o Estado, como não o é o próprio povo”4.
na esfera internacional e são evidentes as catástrofes que traz consigo a secularização da sociedade devida às forças individualistas
e coletivas.
Devemos ter sempre em mente a IMPORTÂNCIA DA FÉ ;
“aquele que for batizado será salvo” unicamente esta Igreja ereta
e magnífica, malgrado todos os inimigos, permanece com toda a
sua santidade e constitui a prova segura e certa da veracidade de
nossa fé. São Paulo admoesta seus filhos tentados a correr para
falsos profetas e lhes diz:
“Eu me admiro que tão depressa abandoneis Aquele
que vos chamou para a graça de Deus, para passar a
outro evangelho. Se alguém ensina doutrinas estranhas
e não guarda as palavras de Nosso Senhor Jesus
Cristo e a doutrina conforme a piedade é um orgulhoso
que nada sabe, um espírito doente que se ocupa de
questões e contendas de palavras. Donde se originam
maledicências, más suspeitas, altercações de homens
com espírito pervertido que estão privados da verdade.
Este mandamento te recomendo, filho Timóteo, que
combatas o bom combate, conservando a fé e a boa
consciência, repelida a qual por alguns, naufragaram
eles na fé”5
Partindo desse princípio, podemos deduzir que a vontade do
povo não é soberana no sentido espúrio de que tudo que agrade
ao povo deve ter força de lei, pois uma lei não se torna justa pelo
simples fato de exprimir a vontade do povo. Uma lei injusta, ainda
que exprima a vontade do povo, não é lei.
É preciso ter em mente que crítica social se relaciona com
a consciência de responsabilidade, a qual consiste no dever constante de uma atitude de vigilância perante o tipo de funcionamento
da ordem, bem como no dever de evitar qualquer crítica negativa e
destrutiva, inspirada em critérios partidários ou sensacionalistas, que
causam prejuízos à comunidade.
A sociedade está em relação com a Igreja, não apenas enquanto
guardiã da lei moral, mas também enquanto fonte de renovação moral.
A Igreja Católica vem combatendo desde os primórdios do Cristianismo os homens com espírito pervertido, exercendo a pastoral
para que nada seja deturpado e nenhuma lei entre em choque com
a Lei divina.
SOCIEDADE: O conceito exato de sociedade é o de Santo
Tomás de Aquino:
«Adunatio hominum ad aliquid unum communiter
agendum»6
Atualmente, está à vista o fato de que se reveste a questão
social, tanto no âmbito interno dos Estados e da sociedade quanto
3
Maritain, Jacques em “ O homem e o Estado, Editora Agir.
4
Ibidem
5
São Paulo, I Tim. 1,18-19
6
Santo Tomás de Aquino: sociedade é uma união moral de homens numa ação comum.
A palavra adunatio vem de ad unum actio.
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Através dessa definição perfeita do Doutor Angélico podemos
afirmar que a sociedade é a união harmônica dos homens. A razão
de que os homens se unam visando a uma cooperação está fundamentada na necessidade e capacidade individual de complementação.
A união de esforços produz um resultado maior do que uma soma
de esforços isolados.
Vejamos, como exemplo, um fato atualíssimo – o combate aos
traficantes no Rio de Janeiro. Tal refrega está sendo realizada com
eficácia porque foram unidas as forças na comunidade, pois o empreendimento excede a força dos indivíduos isolados.
Há uma divisão didática sobre o conceito de sociedade bastante esclarecedor: o homem como causa material, a união moral
como causa formal, causa eficiente como ação unificada do homem,
o bem comum como causa final. O homem, por sua vez é concebido
como individualista, coletivista e a sociedade formada de grupos. A
primeira traz um resultado funesto para a sociedade, pois faz com
esta seja conceituada como uma soma de indivíduos. Já ficou demonstrado que o indivíduo isolado não atua porque a liberdade está
fundamentada na plena autonomia da razão. A teoria individualista
concebe a sociedade como organização de fins escolhidos arbitrariamente e destinada sobretudo a garantir aquele âmbito de liberdade
do indivíduo, portanto, uma liberdade não como a complementação
recíproca e a cooperação de todos. O ideal é a liberdade teológica
que consiste no livre arbítrio dado por Deus ao homem. A segunda
é reprovável porque nega o livre arbítrio e fundamenta-se no materialismo e provoca a luta de classes. A terceira considera a sociedade
como união de grupos. É o conjunto de todos os agrupamentos
sociais. Portanto, “são vínculos sociais formados através da história
e decorrentes da necessidade ou conveniências concretas”7
É um conjunto de corpos sociais harmonizados em vista de
um bem comum.
7
Galvão de Sousa, J.P. Política e Teoria do Estado, Ed. Saraiva, São Paulo , 1957, p. 91
O BEM COMUM:- Santo Agostinho, citando Túlio afirma: “Um
povo é a associação de muitos indivíduos, baseada num consenso
jurídico e na utilidade comum por onde a noção de povo implica
uma comunhão de homens, ordenada por justos preceitos legais”8.
Lei, segundo Santo Tomás de Aquino, “é uma ordenação da
razão humana para o bem comum, promulgada pelo chefe da comunidade”. Essa lei promulgada pelo chefe da comunidade é uma
ordem jurídica que, basicamente é a ordem do bem comum. Bem
comum é precisamente a cooperação da sociedade, proporcionando
a todos os seus membros a ajuda de que necessitam para cumprirem, sob sua própria responsabilidade, as tarefas vitais que lhes
impõem os fins existenciais, integrando todo o direito. O bem comum
constitui um princípio objetivo fundamentado na natureza das coisas,
portanto não se trata de um princípio puramente formal sem conteúdo determinado, ou seja fora da realidade histórica. Isto significa
que devem ser considerados os direitos originários dos membros
da sociedade que são aqueles fundamentados no direito natural..
Portanto, o teor da obrigatoriedade do princípio do bem comum é
seu caráter jurídico-natural
O DIREITO NATURAL:- Se nos reportarmos ao direito romano, constavamos que desde épocas remotas já se percebia que
somente os seres inteligentes podem ser sujeitos de direito, eis que
o direito é uma faculdade moral, deduzindo-se, pois, que se trata
de seres de natureza intelectual; “nec enim potest animal iniuriafecisse, quod sensu caret”( os animais não podem ter direito porque
carecem de razão)9.
Os princípios universais da atividade humana e as inclinações
próprias de todo homem atestam a existência de uma ordem natural.
A razão formula tais princípios com base na experiência sensível.
A ordem natural expressa pelo determinismo das leis físicas e
pela livre sujeição dos atos humanos à lei moral, supõe uma inte8
Santo Tomás de Aquino Suma Teológica q. CV, a. II, onde cita Santo Agostinho
9
Ulpiano – Digesto .9..1.3
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ligência ordenadora que não pode ser outra senão Deus, autor da
natureza. A inteligência divina concebe os seres tais como eles são
e, assim os concebe desde toda a eternidade. Deus não concebe no
tempo. Eterna é a concepção de sua mente. Concepção representa
o tipo ou exemplar dos seres criados e a norma segundo a qual
deverão operar os mesmos seres.
Lei eterna é a própria lei natural enquanto considerada na razão
divina “Como a razão teórica, ao formular o princípio de identidade,
nele reconhece a lei suprema o ser, assim também a razão prática,
ao formular seus princípios em si mesmos evidentes, tem por fim
somente reconhecer e exprimir, na forma de preceitos obrigatórios,
as tendências fundamentais da natureza humana”10.
“A lei natural tem o seu fundamento último na lei divina, que
a concebe desde a eternidade e da qual participa a razão humana
ao conhecer os preceitos da lei natural. Tal concepção da lei natural, participação da lei eterna, e a identificação, da lei eterna com
a razão divina, isto é, com a própria essência divina, pois que em
Deus a razão não uma faculdade distinta, como no homem; é uma
verdade enunciada nas Escrituras desde o antigo Testamento. O
Cristianismo veio torná-la inequivocamente conhecida, e já a filosofia
antiga chegara a alcançá-la, embora no meio das vacilações próprias
do pensamento humano sempre que não esclarecida pelas luzes da
Revelação. Noções da revelação primitiva foram guardadas por todos
os povos, mas ao poucos se deturparam envolvendo-se nas lendas
e fantasias mitológicas”11.
Para que nos apercebamos disso, convém frisar que o bem comum de maneira nenhuma se torna obrigatório por força da vontade
do legislador. A vontade do legislador é apenas uma das formas da
sua obrigatoriedade, pedida, em última análise, pelo próprio direito
10
Santo Tomás de aquino Suma Teológica Ia II ae 94 -2
11
Galvão de Souza, J.P., Direito natural, Direito Positivo e Estado de Direito Ed Revista
Dos Tribunais, São Paulo, 1977 , p. 70.
natural: uma obrigatoriedade que, de qualquer maneira, apenas afeta
a obediência àquela vontade do legislador que exprime a exigência
do bem comum. Essa exigência é a justiça, tal como concebeu Santo
Agostinho “ É uma conduta determinada pela utilidade comum, que
reconhece a cada qual o seu valor que se baseia realmente na própria
natureza humana, ainda que os primeiros passos da configuração
da vida do homem em sociedade se dêem através dos costumes,
formados em virtude da utilidade”12. Assim, o Estado que outra coisa
não é, senão a Nação politicamente organizada, deve estar atrelado
ao conceito de nação, ou seja, o homem não vive isolado. Desde
o nascimento sua vida se entrelaça com a das comunidades que o
cercam: família, organização profissional, nação. A existência decorre
no âmbito destas comunidades, que delimitam, orientam a vida do
indivíduo. Este não é destruído, mas sim respeitado, amparado e
impulsionado pela comunidade.
Esclarecedora é a conceituação de Messineu quando diz
“Tem a nação um fim que não se confunde com o Estado. Ao
Estado cumpre garantir a ordem pública, fizer respeitar os direitos,
manter a segurança de um agrupamento humano nos limites do
território onde este se ache localizado, e, finalmente, proporcionar
as condições externas necessárias para os membros desse agrupamento alcançarem o seu bem-estar, quando estas condições
requeiram a ação do poder político, ou por razões superiores de
interesse nacional. Quanto ao seu escopo da comunidade nacional, no dizer de Messineo, é “a conservação, a transmissão e o
desenvolvimento dos próprios elementos de cultura em benefício
da pessoa humana”13
DA APLICAÇÃO DO DIREITO NATURAL:- A Igreja, de acordo
com o dispositivo canônico mencionado no início deste trabalho,
está, como sempre, vigilante para evitar que os fieis se iludam com
12
Santo Agostinho, De Div. Quest, 31 .
13
Messineo, A, S.J. Ed. La Civittà Cattolica, Roma, 1944, p. 92.
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inovações. O modernismo emergiu das profundezas misteriosas da
natureza humana, no início deste século, e começou a desenvolver-se, quando o Papa Pio X, tão clarividente condenou-o através da
Encíclica Pascendi: “A missão que nos foi divinamente confiada, de
apascentar o rebanho do Senhor, entre os principais deveres impostos por Cristo, conta o de guardar com todo desvelo o depósito
da fé transmitido aos Santos, repudiando as profanas novidades de
palavras e as oposições de uma ciência fementida”. E, na verdade,
esta providência do Supremo Pastor foi em todo tempo necessária
à Igreja Católica.
fundada na lei eterna; imanente, enquanto realizado no direito positivo, dando a este um conteúdo. É nisso que consiste a vigilância
da Igreja como intérprete e guardiã da lei para que o Estado fique
somente na missão subsidiária, submetendo-se ao transcendental
que compete à Igreja.
Com esse sábio ensinamento deduzimos que o homem não
pode tomar como mestre o mundo exterior, a fim de satisfazer seus
instintos e nem submeter os princípios de sua razão aos imperativos
do mundo sensível e externo.
Portanto, a Igreja é, sem dúvida, a guardiã da lei moral. Logo,
é da sua competência resguardar a consciência da sociedade. Na
atual conjuntura, há necessidade de reconstruir uma ordem social
que satisfaça as aspirações da pessoa humana. Isto se consegue
recrudescendo a força moral, através do direito natural aplicado. Ora,
a sociedade é formada de grupos que se unificam no Estado, como
já ficou demonstrado.
Através de várias encíclicas, observamos que a reforma social
implica uma profunda reforma de estrutura, exatamente por causa
da crise social decorrente de um desconhecimento das condições
normais que devem estar presentes em toda sociedade bem constituída, seja qual for a forma de governo ou sistema de produção de
riqueza. Essa crise acarreta problemas de natureza moral e religiosa,
aos quais a Igreja não pode ficar alheia.
CONCLUSÃO:- O direito positivo deve conformar-se ao direito
natural, porque a finalidade essencial daquele é a realização do
justo, ou seja, assegurar a convivência equânime dos homens,
portanto, o direito natural é transcendente imanente em relação ao
direito positivo. Transcendente, enquanto expressão da ordem natural,
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