Jul/Set 2011

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Jul/Set 2011
ISSN 2175-2338
www.eurp.edu.br
Volume 3 n. 3 – Jul/Set 2011
EURP
Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives
Editor Científico
Wellington de Paula Martins
Editor Executivo
Francisco Mauad Filho
Conselho Editorial
Adilson Cunha Ferreira
João Francisco Jordão
Augusto César Garcia Saab Benedeti
Jorge Garcia
Carlos César Montesino Nogueira
Jorge Renê Arévalo
Carolina Oliveira Nastri
José Eduardo Chúfalo
Daniela de Abreu Barra
Luis Guilherme Nicolau
Fernando Marum Mauad
Procópio de Freitas
Francisco Maximiliano Pancich Gallarreta
Simone Helena Caixe
Gerson Cláudio Crott
Secretária Executiva
Priscila Gauna
Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives
EURP 2011
Expediente
Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives – EURP
ISSN 2175-2338
Publicação oficial da EURP
Escola de Ultra-Sonografia e Reciclagem Médica de Ribeirão Preto
Diretor Presidente
Diretor Administrativo
Francisco Mauad Filho
Francisco Mauad Neto
Diretor de Pesquisa
Presidente do Departamento Científico
Fernando Marum Mauad
Wellington de Paula Martins
Secretária Geral
Bibliotecária
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Priscila Gauna
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Responsável pelo Setor de Multimídia
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Ricardo Tostes
Professores
Adilson Cunha Ferreira
José Augusto Sisson de Castro
Augusto César Garcia Saab Benedeti
José Eduardo Chúfalo
Carlos César Montesino Nogueira
Heitor Ricardo Cosiski Marana
Daniela de Abreu Barra
Luiz Alberto Manetta
Fernando Marum Mauad
Luis Guilherme Carvalho Nicolau
Francisco Mauad Filho
Márcia Regina Ferreira Patton
Francisco Maximiliano Pancich Gallarreta
Procópio de Freitas
Gerson Claudio Crott
Simone Helena Caixe
Jorge Garcia
Wellington de Paula Martins
Jorge Renê Garcia Arévalo
SUMÁRIO
EURP v. 3, n. 3, p 67-99 –Jul/Set 2011
ISSN 2175-2338
Medida do colo uterino na prevenção do parto prematuro
67
Cervical length measurement in the prevention of preterm birth
Eliane A de Lima
Ultrassonografia em urolitíase
71
Ultrasonography for urolithiasis
Naiara Ribeiro de Freitas
A ultrassonografia ainda é um bom método para avaliar esteatose
74
hepática não alcoólica?
Is ultrasound still a good method for evaluating non-alcoholic steatosis?
Eduardo Rocha Sbrissia
A ultrassonografia na avaliação do período pós-operatório das
78
lesões do manguito rotador
Sonography as a method for evaluating the postoperative period of cuff injuries
Luis Fernando Benedito Bergami Antunes
O uso da ultrassonografia na artrite reumatóide
84
The use of ultrasonography in rheumatoid arthritis
Andréa Alves Guimarães
Leiomioma e leiomiossarcoma uterino: achados ultrassonográficos
87
Leiomyoma and uterine leiomyosarcoma: ultrasonographic findings
Nelcirlane de Souza Mendes
Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives
EURP 2011
Disfunção diastólica em pacientes portadores de diabetes mellitus
93
Left ventricular diastolic dysfunction in patients with diabetes mellitus
Carlos Arthur da Silveira
Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives
EURP 2011
Artigo de Revisão
Medida do colo uterino na prevenção do parto prematuro
Cervical length measurement in the prevention of preterm birth
Eliane Aparecida de Lima 1
Prevenção de parto prematuro continua sendo um dos grandes desafios da medicina moderna. Taxas de
prematuridade continuar a aumentar, chegando a representar até 15% dos nascimentos em algumas regiões
brasileiras. A etiologia do parto prematuro não é clara, mas é provável que seja complexa e influenciada pela
genética e fatores ambientais. O comprimento do colo uterino medido pela ultrassonografia transvaginal em
pacientes assintomáticas de alto risco é capaz de prever o parto prematuro antes de 35 semanas e deve ser
incorporado na avaliação pré-natal.
Palavras-chave: Trabalho de Parto Prematuro; Fatores de Risco; Ultrassonografia.
1- Escola de Ultrassonografia e Reciclagem Médica de
Ribeirão Preto (EURP)
Recebido em 28/06/2011, aceito para publicação em
25/09/2011.
Correspondências para Eliane A de Lima.
Departamento de Pesquisa da EURP - Rua Casemiro de
Abreu, 660, Vila Seixas, Ribeirão Preto-SP. CEP 14020-060.
E-mail: [email protected]
Fone: (16) 3636-0311
Fax: (16) 3625-1555
Abstract
Preventing preterm delivery remains one of the
great challenges in modern medicine. Preterm birth
rates continue to increase and may account for 15% of
all births in some Brazilian regions. The etiology of
preterm delivery is unclear, but is likely to be complex
and influenced by genetics and environmental factors.
Cervical
length
measured
by
transvaginal
ultrasonography in asymptomatic high-risk women
predicts spontaneous preterm birth before 35 weeks
and must be incorporated in prenatal care.
Keywords: Obstetric Labor,
Factors; Ultrasonography.
Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives
Premature;
Risk
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de Lima - Medida do colo uterino
Introdução
O Trabalho de parto prematuro (TPP) é definido
como aquele iniciado antes da 37ª semana de
gestação, excluindo os abortamentos, que ocorrem
antes da 20ª semana de gestação 1. Os relatos sobre a
incidência de TPP no Brasil variam entre 3,5% e 15%; e
esta taxa apresenta forte tendência à alta desde a
década de 90 2. Estima-se que a prematuridade seja
responsável por mais de 50% da mortalidade perinatal
no Brasil, sendo este um problema de saúde pública 2.
Uma estratégia lógica de prevenção de parto
prematuro começa com a identificação das pacientes
de risco. Como o encurtamento do colo é parte
normal da parturição humana, a medida
ultrassonográfica do comprimento do colo uterino
durante a gestação vem ganhando espasso como uma
ferramenta de identificação das gestantes de risco
para TPP 3.
A ultrasonografia transvaginal (USTV) permite a
fácil visualização do colo do útero e de seus orifícios
interno e externo.. O ultrassom transvaginal do
comprimento do colo uterino na metade da gestação
fornece um método útil para prever a probabilidade
de parto prematuro subseqüente 4. Em mulheres que
apresentam ameaça de trabalho prematuro
espontâneo, a USTV do comprimento cervical pode
ajudar a estimar a probabilidade de ocorrência do
parto prematuro.
Parto prematuro
A prematuridade é um dos grandes problemas de
saúde pública, contribuindo com elevados números
para a morbi-mortalidade infantil e para a invalidez,
principalmente em países em desenvolvimento.
Segundo a OMS, conceitua-se o recém-nascido
prematuro ou pré-termo como aquele que nasce com
menos de 37 semanas de gestação 1. Em razão da
forte tendência de alta observada nas últimas décadas
2
, torna-se ainda mais importante a identificação das
gestantes de maior risco para que se possa atuar
sobre os fatores de risco modificáveis.
A prematuridade pode ser classificada, segundo a
sua evolução clínica, em eletiva ou espontânea. Na
prematuridade eletiva, a gestação é interrompida em
virtude de complicações maternas (ex. doença
hipertensiva, descolamento prematuro de placenta,
entre outras.) e/ou fetais (ex. restrição do
crescimento fetal ou sofrimento fetal), em que o fator
de risco é geralmente conhecido e corresponde a 25%
dos nascimentos prematuros 5. A prematuridade
espontânea corresponde a 75% dos casos e decorre
do trabalho de parto prematuro. Nesse grupo, a
etiologia é complexa e multifatorial ou desconhecida.
Na maioria das vezes, a prevenção primária é difícil de
Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives
ser implementada, tendo em vista que muitos dos
fatores de risco não podem ser modificados antes ou
durante a gestação, restando, assim, a prevenção
secundária ou terciária 5.
Tabela 1. Fatores de risco para parto prematuro.
Adaptado de Sayres, 2010 6
Fatores maternos
Raça negra
Intervalo entre gravidezes menor que 6 meses
Trabalho estressante ou fisicamente extenuante
Índice de massa corporal ≤ 19 Kg/m² antes da gestação
Antecendentes obstétricos
Parto prematuro anterior
Características da gravidez atual
Vaginose bacteriana ou infecção por Clamídia
Uso de cocaína ou heroína
História de cirurgia cervical (cone ou excisão eletrocirúrgica)
Doenças sistêmicas materna como diabetes, doenças da
tireóide ou hipertensão
Gestação múltipla
Infecção (do trato urinário, pneumonia, apendicite)
Doença periodontal
Poli ou oligohidrâmnio
Colo uterino curto (< 3,0cm)
Tabagismo
Anomalias uterinas
Sangramento vaginal por descolamento ou placenta
prévia
Fatores de risco clínicos
De acordo com Bittar & Zugaib 5, a prevenção da
prematuridade é um dos maiores desafio obstétricos
deste século, e as medidas preventivas do parto
prematuro se baseiam em três níveis de ação: a
prevenção primária (identificação e tratamento dos
fatores de risco), secundária (diagnóstico precoce do
trabalho de parto prematuro) e terciária (intervenções
para minimizar as principais complicações do
nascimento prematuro). A maioria dos esforços está
concentrada na prevenção terciária (utilização de
tocólise e corticoide). Tais medidas reduzem a
mortalidade e morbidade perinatal, mas a incidência
do nascimento prematuro permanece alta.
A realização de anamnese detalhada é o primeiro
passo para se identificar a mulher com risco para o
parto prematuro. A busca por indicadores clínicos
deve ser instituída, de preferência, antes da
concepção, para permitir o controle dos riscos e
contribuir para uma evolução favorável da gestação.
Apesar de, em cerca de metade dos casos, o parto
prematuro ser considerado de etiologia desconhecida,
ocorre com frequência a associação de fatores de
risco maternos e fetais, que podem ser classificados
em epidemiológicos, obstétricos, ginecológicos,
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de Lima - Medida do colo uterino
clínico-cirúrgicos,
genéticos,
iatrogênicos
e
desconhecidos.
Segundo recente publicação da Associação
Americana de Medicina de Família 6, alguns fatores
podem ser identificados (Tabela 1). Um intervalo
entre menos de seis meses aumenta o risco de parto
prematuro (odds ratio (OR) = 2,2). História de parto
pré-termo anterior é o fator de risco histórico mais
importante para parto prematuro subseqüente, com
um risco relativo (RR) de 2,5. A gestação anterior
terminando em prematuridade ou uma história de
mais de um nascimento prematuro também conferie
uma probabilidade ainda maior de parto prematuro
subseqüente. História de conização cervical ou
procedimento de excisão eletrocirúrgica da zona de
transformação cervical aumenta o risco de parto
prematuro
(RR=1,99).
Uso
do
tabaco
é
moderadamente associado à prematuridade (RR = 1,2
a 1,6), sendo o tabagismo também associado À
recorrência do parto prematuro. A infecção é uma das
vias biológicas primárias que leva ao trabalho de parto
prematuro. A vaginose bacteriana (RR = 1,5 a 3,0) e
infecção geniturinária por Chlamydia (RR=2,2) estão
associados com parto prematuro. Infecção
periodontal materna também aumenta o risco de
parto prematuro (RR = 1,6). Um colo encurtado
(geralmente inferior a 3,0cm) ou uma configuração
afunilamento no orifício interno observado no
segundo trimestre ultra-sonografia transvaginal
também aumenta a probabilidade de parto
prematuro.
Realização da medida do colo uterino
O exame do colo uterino pode ser feito pelo toque
vaginal e pela ultrassonografia abdominal ou vaginal.
O toque vaginal, com objetivo de verificar as
características do colo (dilatação, esvaecimento e
posição), revela baixa sensibilidade e baixo valor
preditivo positivo para a detecção do parto
prematuro. Obtém-se melhor desempenho para o
rastreamento
do
parto
prematuro
com
ultrassonografia transvaginal. Com a abordagem
transabdominal, o colo do útero pode não ser
visualizado em até 50% dos casos, a menos que a
bexiga esteja completamente cheia, mas o
enchimento aumenta significativamente a duração do
cervix. A rota transperineal é limitada pela
inconsistência da correlação entre a medição
transvaginal e a transperineal, sendo em até 25% do
casos, a visualização do colo do útero inadequada 7.
Em comparação com a técnica abdominal, a via
vaginal é mais vantajosa, pois permite a avaliação da
porção supravaginal do colo uterino com menor
interferência das partes fetais no segmento inferior
Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives
do útero, além de não necessitar do enchimento da
bexiga materna e evitar erros na medição pelo falso
alongamento do colo uterino.
Alterações nas dinâmicas do colo do útero, devido
às contrações uterinas, são observadas em cerca de
1% dos casos. Nesses casos, a medição menor é
gravada. A ultrossonografia transvaginal do
comprimento cervical é altamente reprodutível, e, em
95% das ocasiões, a diferença entre duas medições
pelo mesmo observador, e por dois observadores é
pelo menos 3,5 mm e 4,2 mm, respectivamente 7.
Conforme já relatado, o comprimento do colo é o
indicador ultrassonográfico mais importante e a sua
medida é feita linearmente, entre o orifício externo e
o interno, delimitados pelo início e pelo fim da
mucosa endocervical ecogênica. Outros achados
secundários também podem ser obtidos com o
exame, tais como a presença de afunilamento,
detectado pela abertura do orifício interno do colo
uterino superior a 5 mm e a ausência do eco glandular
endocervical 8.
A definição de colo curto varia entre os diferentes
autores na dependência dos melhores valores de
sensibilidade e especificidade para gestantes
sintomáticas ou assintomáticas e de acordo com a
idade gestacional da ocorrência do parto. Na Tabela 2
encontramos os valores os valores preditivos positivos
(chance de ocorrer o parto prematuro para cada
situação) e valores preditivos negativos (chance de
não ocorrer o parto prematuro para cada situação)
com relação a diferentes valores de comprimento do
colo em duas idades gestacionais distintas: com 24 e
com 28 semanas. Esses valores podem e devem
nortear a conduta individualizada para cada gestante
6
.
Predição de parto prematuro através da medida
do colo
O comprimento do colo uterino mantém-se
inalterado até o final do segundo trimestre,
diminuindo, a partir desde momento, lenta e
progressivamente até o termo. Em decorrência disso,
a detecção precoce de encurtamento da cérvice é
considerada marcador de risco de parto prematuro,
sendo o risco de parto pré-termo inversamente
proporcional à medida do comprimento cervical
aferido por ultrassonografia transvaginal.
Medidas do colo uterino antes de 14 semanas de
gestação não são capazes de predizer a ocorrência de
parto prematuro. O apagamento do colo do útero
começa em gestações normais com cerca de 32
semanas de gestação, limitando a utilidade da
medição em pacientes assintomáticas após a 32a
semana. Desta dorma, a medida do comprimento do
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de Lima - Medida do colo uterino
colo uterino fica limitada entre a 14ª e a 32ª semana 6.
Na Tabela 2 temos os valores preditivos de
comprimento do colo uterino para o parto prematuro.
Quanto menor o comprimento do colo, maior o risco
de parto prematuro. Em uma meta-análise, foi
considerado como ponto de corte adequado para
aumento do risco, o colo menor que 25mm realizado
com 20 semanas de gestação 9.
Tabela 2. Valores preditivos positivos e negativos do comprimento do colo uterino para predição de parto
prematuro antes de 25 semanas de gestação.
Comprimento cervical (cm)
Medida feita com 24 semanas
≥ 2,0
≥ 2,5
≥ 3,0
Medida feita com 28 semanas
≥ 2,0
≥ 2,5
≥ 3,0
Valor preditivo positivo (%)
Valor preditivo negativo (%)
25,7
17,8
9,3
96,5
97,0
97,4
16,7
11,3
7,0
97,6
98,0
98,5
Limitações
do
uso
da
ultrassonografia
transvaginal
A medida do comprimento do colo uterino antes
de 15 semanas não apresenta bons resultados para a
predição, e a maioria dos estudos a utilizam durante o
segundo trimestre da gestação, principalmente entre
a 22ª e a 24ª semanas 5, quando os resultados
preditivos são melhores. Embora até o momento não
exista nenhum teste preditivo ideal, a predição do
parto prematuro tornou-se mais precisa com o
advento da medida do comprimento do colo uterino
pela ultrassonografia transvaginal.
Considerações finais
Em razão da grande importância da prevenção do
trabalho de parto prematuro e conseqüente ação na
diminuição da morbi-mortalidade perinatal, devemos
nos esforçar para identificar as gestantes de elevado
risco para que ações possam ser tomadas em relação
aos fatores de risco modificáveis. Nesse campo, a
ultrassonografia tornou-se de extrema importância na
avaliação do comprimento do colo uterino. Desta
forma, torna-se importante a familiarização dos
obstetras e ultrassonografistas com as técnicas de
medida e característica de tal exame.
Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives
Referências
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Departamento de Ações Programáticas
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preterm birth in women with threatened preterm labor: a metaanalysis. Ultrasound Obstet Gynecol 2010;35:(1):54-64.
9. Crane JM, Hutchens D. Transvaginal sonographic measurement
of cervical length to predict preterm birth in asymptomatic
women at increased risk: a systematic review. Ultrasound Obstet
Gynecol 2008;31:(5):579-587.
EURP 2011; 3(3): 67-70
Artigo de Revisão
Ultrassonografia em urolitíase
Ultrasonography for urolithiasis
Naiara Ribeiro de Freitas 1
A urolitíase é a formação sólida de sais minerais em qualquer parte do sistema urinário, rins, ureteres e bexiga.
Cerca de 90% destas formações sólidas, chamadas cálculos, são compostas de cálcio. Quando estes cálculos migram
no sistema urinário dão origem aos sintomas de cólica renal. A ultrassonografia é um método diagnóstico de imagem
amplamente utilizado para urolitíase por suas vantagens de ser não-invasivo, de fácil acesso e baixo custo
operacional. Entre as desvantagens estão fatores relacionados à dificuldade anatômica de cada paciente e a precisão
diagnóstica de cada examinador. A ultrassonografia em modo B aliado ao uso da ferramenta Doppler e do artefato
twinkling está aproximando os resultados obtidos ao da tomografia computadorizada helicoidal, exame diagnóstico
atualmente padrão-ouro para detecção de urolitíase.
Palavras-chave: Urolitíase; Ultrassonografia.
1- Escola de Ultrassonografia e Reciclagem Médica de
Ribeirão Preto (EURP)
Recebido em 28/06/2011, aceito para publicação em
25/09/2011.
Correspondências para Eliane A de Lima.
Departamento de Pesquisa da EURP - Rua Casemiro de
Abreu, 660, Vila Seixas, Ribeirão Preto-SP. CEP 14020-060.
E-mail: [email protected]
Fone: (16) 3636-0311
Fax: (16) 3625-1555
Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives
Abstract
Urolithiasis is the formation of solid minerals in the
urinary-collecting system. About 90% of these solid
formations, called urinary stones, contain calcium.
When these urinary stones migrate in the urinarycollecting system patients may experience symptoms
of renal colic. Ultrasound is an imaging diagnostic
method widely used for urolithiasis because its noninvasive nature, availability, and low cost. The
limitations are associated with patient’s anatomical
variation and observer reliability. The mode-B
ultrasound associated with both color Doppler and
twinkling artifact achieve almost the same results as
unenhanced helical computed tomography for
detection of renal stone disease.
Keywords: Urolithiasis; Ultrasonography.
EURP 2011; 3(3): 71-73
72
de Freitas - Ultrassonografia em urolitíase
Introdução
A urolitíase tem prevalência de 2-3% com incidência
de 0,5-1,0% ao ano em países industrializados,
variando conforme região, etnia e sexo 1. É mais
freqüente no sexo masculino (3:1) com início entre 20
e 30 anos, mas pode apresentar-se em todas as faixas
etárias, inclusive a pediátrica, cuja incidência é em
torno de 10 % da faixa adulta.
Os sintomas de urolitíase são dor tipo cólica em região
lombar, flanco, com irradiação para baixo ventre e
virilha, hematúria e dificuldade de esvaziamento
miccional. Em crianças os sintomas podem ser frustos,
sendo que qualquer episódio de dor abdominal e
hematúria devem ser investigados. Essa investigação é
necessária para prevenir a recorrência e até mesmo
evitar uma possível insuficiência renal 2. Litíase
assintomática pode ser descoberta ao acaso por
exame de imagem e pacientes assintomáticos tornamse sintomáticos em 50% dos casos em 5 anos. O
diagnóstico é feito através da história clínica, exame
físico, análise de urina e confirmado por métodos
diagnósticos de imagem.
A ultrassonografia tem sido o método diagnóstico de
imagem tradicionalmente mais usado para detecção
de urolitíase, principalmente pelo fácil acesso, baixo
custo-operacional e boa sensibilidade. Por ser um
exame não-invasivo é considerada primeira escolha
para detecção de urolitíase em grávidas, em crianças e
quando há necessidade de seguimento do paciente,
com exames seqüenciais 3.
Achados ultrassonográficos na urolitíase
Na ultrassonografia os cálculos são visualizados como
focos hiperecogênicos com sombra acústica posterior.
Sua visualização depende do tamanho, da posição e
composição do cálculo, sendo de difícil visualização
quando o cálculo se encontra em ureter médio e
quando seu tamanho é menor que 0,4 cm. Alguns
autores sugerem o termo microlitíase para cálculos
menores que 0,3 cm, mas deve-se levar em conta que
a sensibilidade para visualização de cálculos deste
tamanho a ultrassonografia tem baixa sensibilidade.
A ultrassonografia é um ótimo exame para
visualização de hidronefrose. Na maioria das vezes,
quando presente, a hidronefrose significa obstrução
aguda, mas pode haver obstrução aguda com pouca
ou nenhuma dilatação, ou aparecer após média de 6
horas da obstrução 4. Nesses casos podem ser
realizadas ultrassonografias de acompanhamento.
Entretanto, pode existir hidronefrose sem fator
obstrutivo, por quadro residual de hidronefrose
pregressa prolongada ou processos inflamatórios.
Uma dilatação fisiológica na gravidez não deve ser
confundida com hidronefrose. A acurácia diagnóstica
Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives
pode aumentar com a medida do índice de resistência
vascular renal que se mostra elevado na obstrução
aguda.
Outros métodos diagnósticos
Os métodos diagnósticos de imagem usados para
detecção de urolitíase além da ultrassonografia são a
radiografia simples, a tomografia computadorizada, a
urografia excretora e a ressonância magnética.
A urografia excretora é exame tradicional para
avaliação de urolitíase, antigamente tido como
padrão-ouro, é exame invasivo, que necessita de
contraste intravenoso, fornece boa localização do
cálculo no trato urinário e informação funcional
relacionada ao grau de obstrução. A urografia
excretora tem sensibilidade de 64% e especificidade
de 92% 5.
A tomografia computadorizada helicoidal apresenta
sensibilidade entre 94 e 97% e especificidade entre 96
e 100% 4, sendo atualmente considerado o método
diagnóstico padrão-ouro para detecção de urolitíase.
A tomografia computadorizada é útil para visualização
da anatomia adjacente auxiliando o diagnóstico de
outras causas de dor abdominal; como apendicite,
diverticulite, litíase vesicular e massas anexiais.
A radiografia simples tem sensibilidade de 59% e
especificidade de 71% 6, pois, embora a maioria dos
cálculos do trato urinário contenha cálcio, que é
radiopaco, a visualização é dificultada por
sobreposição de gases intestinais e presença de
calcificações extra-renais.
A ressonância magnética pode ser usada em casos
especiais, quando o contraste é contra-indicado, em
pacientes com doença renal crônica, ou em pacientes
grávidas. Os cálculos são visíveis indiretamente como
um defeito no enchimento do trato urinário e a
distinção de cálculos, tumores e coágulos sanguíneos
podem ser difíceis.
O efeito Doppler e o artefato twinkling
O uso do mapeamento Doppler colorido tem
acrescentando sensibilidade e especificidade a
ultrassonografia na detecção de litíase no trato
urinário. Pode ajudar na diferenciação de sistema
coletor com hidronefrose e vaso ou cisto, visualização
de vascularização ao redor de estrutura
indeterminada, avaliar perviedade dos jatos urinários
e medida de índice vascular renal.
Ultimamente tem sido muito discutido o uso do
artefato twinkling, que é a visualização de um mosaico
de cores no lugar da sombra acústica posterior. Este
artefato auxilia na detecção de cálculos de
ecogenicidade variável ou que tem sombra acústica
posterior atenuada. Em estudo avaliando o valor do
EURP 2011; 3(3): 67-71
73
de Freitas - Ultrassonografia em urolitíase
artefato twinkling, Mitterberger 7 mostrou que a
sensibilidade da ultrassonografia foi de 66% enquanto
que acrescido do artefato twinkling a sensibilidade foi
para 97%, sendo que quase todos os cálculos (75 de
77) foram visualizados com o auxílio deste artefato,
demonstrando sua utilidade.
Com o uso da ferramenta Doppler e do artefato
twinkling a ultrassonografia se aproxima dos
resultados obtidos pela tomografia computadorizada
helicoidal, exame tido atualmente como padrão-ouro
7. Calcificações de parênquima renal, tumoração ou
cisto podem demonstrar sinal twinkling, por isso
devem se diferenciadas de cálculos através de história
clínica do paciente e observação atenta de exame em
tempo real.
Considerações finais
Através de revisão bibliográfica do tema
ultrassonografia em urolitíase pode-se observar que
este é um método diagnóstico em constante melhora,
e com o avanço tecnológico e melhora dos aparelhos
pode ser usada como ferramenta diagnóstica inicial na
investigação de urolitíase, com resultados que se
aproximam
aos
obtidos
pela
tomografia
computadorizada helicoidal.
Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives
Referências
1. Bezerra C, Anderson MIP, Prando D, Souza TF. Diretrizes
Clínicas na Saúde Suplementar - Nefrolitíase: Abordagem
Urológica. In: Urologia SBd, Comunidade SBdMdFe,
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2. van't Hoff WG. Aetiological factors in paediatric
urolithiasis. Nephron Clin Pract 2004;98:(2):c45-48.
3. Dhar M, Denstedt JD. Imaging in diagnosis, treatment,
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4. Sampaio FJB, Zanchetti E. Projeto Diretrizes - Litíase
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5. Niall O, Russell J, MacGregor R, Duncan H, Mullins J. A
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EURP 2011; 3(3): 67-71
Artigo de Revisão
A ultrassonografia ainda é um bom método para avaliar esteatose
hepática não alcoólica?
Is ultrasound still a good method for evaluating non-alcoholic steatosis?
Eduardo Rocha Sbrissia 1
A esteatose é a doença hepática mais prevalente do mundo, ocorrendo como consequência do depósito de
triglicerídeos nos hepatócitos, associada à síndrome metabólica. Também chamada de doença hepática gordurosa
não-alcoólica, é um comum achado da ecografia, que, assim como a tomografia computadorizada, consegue
detectar graus de esteatose superior a 30%, com evidentes vantagens da primeira: custo e risco baixos. O
diagnóstico também é clínico e laboratorial, embora pouco específico. O padrão-ouro é a biópsia seguida de análise
histológica, embora a ressonância magnética obtenha bons índices diagnósticos e tenha alta sensibilidade para
pequenas alterações, com potencial de futuramente se tornar referência para seguimento. O exame
ultrassonográfico pode ser melhorado através do maior comprometimento do examinador, dentre outros critérios
reforçados por este trabalho.
Palavras-chave: Ultrassonografia; Fígado gorduroso.
1- Escola de Ultrassonografia e Reciclagem Médica de
Ribeirão Preto (EURP)
Recebido em 22/08/2011, aceito para publicação em
03/10/2011.
Correspondências para Eduardo Rocha Sbrissia.
Departamento de Pesquisa da EURP - Rua Casemiro de
Abreu, 660, Vila Seixas, Ribeirão Preto-SP. CEP 14020-060.
E-mail: [email protected]
Fone: (16) 3636-0311
Fax: (16) 3625-1555
Abstract
Steatosis is the most prevalent hepatic disease in
the world, occurring as a result of deposit of
triglycerides in the hepatocytes, associated with
metabolic syndrome. Also called non-alcoholic fatty
liver disease, it is a common finding in ultrasound,
which, as the tomography, can detect degrees of
steatosis greater than 30%, with obvious advantages
of the first: low cost and risk. The diagnosis is clinical
and laboratorial as well, but less specific. The gold
standard is liver biopsy followed by histological
analysis, although magnetic resonance imaging
obtains good diagnostic rates and has high sensibility
for minimal changes, with future potential to become
the reference for follow up. The ultrasound exam can
achieve better results with more commitment from
examiner, besides other criteria reinforced by this
paper.
Keywords: Ultrasonography; Fatty liver.
Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives
EURP 2011; 3(3): 74-77
Sbrissia - Esteatose hepática
Introdução
A esteatose hepática, um comum achado durante
o exame de ultrassonografia 1, tem como definição
sua própria sinonímia – fígado gorduroso, infiltração
hepática gordurosa, ou doença hepática gordurosa
não alcoólica - resultante da deposição de
triglicerídeos nos hepatócitos 2, na ausência de
consumo excessivo de álcool,
associado
etiologicamente a síndrome metabólica – hipertensão
arterial, hiperglicemia, hiperinsulinemia, dislipidemia,
obesidade e resistência insulínica periférica 3. É a
doença hepática mais prevalente no mundo 4. Sua
prevalência estimada é de 20% no Brasil 5, 25-35% na
população geral dos Estados Unidos e chega até 80%
nos obesos 6. Em crianças a prevalência é de 9-20%,
chegando a 38% em obesas 7.
A ultrassonografia tem demonstrado sensibilidade
de 91-100% e especificidade de 93-100% no
diagnóstico da esteatose, com valor preditivo positivo
de 62-89%, sendo melhor para detectar infiltração
gordurosa acima de 30% do parênquima 8. Esta
variação no valor preditivo positivo pode ser explicada
pela subjetividade do examinador 9, que pode não
conseguir perceber pequenas variações na
ecogenicidade hepática, mesmo quando o exame é
realizado pelo mesmo observador 10, constituindo o
maior desafio na avaliação ultrassonográfica do
fígado.
Fisiopatologia
A deposição não alcoólica de gordura hepática
assume
diversos
graus,
desde
esteatose
assintomática, passando por processo inflamatório –
esteato-hepatite –, diferentes graus de fibrose e
podendo progredir até cirrose, principalmente em
obesos 11. Está cada vez mais claro que a presença de
cirrose em decorrência da esteatose está associada a
processos não benignos, inclusive na incidência e
recorrência de carcinoma hepatocelular 3, 12, 13.
O depósito de triglicerídeos, por si, não é
hepatotóxico, porém causa a esteatose. Teorias
explicam que, com o aumento da resistência
insulínica, mais ácidos graxos livres, potencialmente
tóxicos, são produzidos perifericamente, sendo
expostos aos hepatócitos. Mediadores inflamatórios
são então liberados, desenvolvendo a esteatohepatite, que pode progredir a fibrose e
consequentemente cirrose, quando os mecanismos
de reparação são superados 14.
Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives
75
Diagnóstico
O diagnóstico de esteatose se dá pela história
clínica e exames laboratoriais, sendo necessário
excluir a ingestão alcoólica e outras etiologias de
doenças hepáticas, como hepatite B, hepatite C e
hepatite autoimune. Os sintomas são vagos e
inespecíficos, como desconforto em hipocôndrio
direito e epigástrio. Embora não exista um marcador
específico para esteatose, o conjunto de alterações
nas provas de função hepática e no lipidograma pode
sugerir a presença de esteatose 15.
Acredita-se que cerca de 90% das alterações em
exames laboratoriais de provas de função hepática,
sem outra causa etiológica, possam ser causadas pela
doença hepática gordurosa não alcoólica 16, 17,
ressaltando a importância do exame ultrassonográfico
no diagnóstico diferencial, considerando o baixo
custo, baixo risco e acessibilidade ao método 18, 19,
principalmente quando comparado tomografia
computadorizada e ressonância magnética.
O padrão-ouro para detecção de esteatose é a
biópsia hepática, seguida de análise histológica 16, 20,
que observa macro-vesículas e fibrose, permitindo
ainda a diferenciação entre esteatose e esteatohepatite, avaliando, nesta, infiltrado celular
mononuclear e a extensão da inflamação e necrose de
hepatócitos. Devido seus riscos associados, como
hemorragia e sangramento, e custo, não é um exame
adequado para triagem e seguimento de uma
população, considerando ainda que apenas uma
pequena amostra do tecido hepático é analisada 4.
A tomografia computadorizada permite uma
avaliação de todo parênquima hepático, através da
atenuação causada pela gordura, com sensibilidade
de 82% para esteatose maior de 30%, com redução
da acurácia quando da presença de apenas pequenas
áreas de esteatose, quando há acúmulo de ferro e na
utilização de contraste 6, 21, necessitando de uma
carga maior ainda de radiação ionizante, evidente
desvantagem da técnica. É, ainda, dependente da
sensibilidade do aparelho 22 e da avaliação subjetiva
do examinador.
A ressonância magnética provou constituir-se uma
forma precisa de se avaliar a quantidade de lipídios
intra-hepáticos, através da diferença da frequência de
ressonância entre átomos de hidrogênio dos
triglicerídeos e da água, obtendo, em uma recente
meta-análise, índices de sensibilidade de 82-97.4%,
comparado a 73.3-90.5% do ultrassom 23,
sobressaindo-se principalmente nos graus menos
avançados de esteatose, onde a ecografia e a
tomografia computadorizada podem ter dificuldades
EURP 2011; 3(3): 74-77
76
Sbrissia - Esteatose hepática
em detectar pequenas alterações. Apesar de ainda
não muito acessível, a espectroscopia de prótons de
hidrogênio por ressonância magnética permite uma
análise ainda mais detalhada – quantitativa – da
constituição química dos tecidos
Melhorando o exame ultrassonográfico
Utilizando-se usualmente transdutor convexo, de
baixa frequência (2-5MHz), a avaliação da esteatose
pelo ultrassom é fundamentada na observação
subjetiva do aumento da ecogenicidade do
parênquima hepático 24, 25, ocasionada pelo aumento
da dispersão do som ao encontrar um tecido com
maior deposição de gordura 26 e consequentemente
maior retorno.
Esta dispersão leva também a
diminuição
da
penetração
do
ultrassom,
hipoecogenicidade na profundidade, borramento do
contorno diafragmático e redução da visualização dos
vasos e estruturas intrahepáticas.
Por não existir um padrão exato da ecogenicidade
hepática, sua avaliação é qualitativa, através da
comparação com órgãos de pouca gordura em sua
constituição, como o baço e o parênquima renal,
isoecogênicos ou levemente hipoecogênicos em
relação ao fígado normal 27. Portanto, a avaliação
pode ser prejudicada pela presença de doença renal e
hemocromatose, inclusive secundária.
A abordagem hepática via intercostal pode
fornecer uma avaliação mais precisa da real
ecogenicidade do parênquima, visto que elimina a
interposição da camada adiposa abdominal, que por si
só já causa dispersão e aumento do retorno do
ultrassom.
Classifica-se esteatose em: leve (grau I), quando é
observado aumento da ecogenicidade hepática;
moderada (grau II), quando já se nota
obscurecimento dos vasos hepáticos; grave (grau III),
quando
existe
borramento
do
contorno
diafragmático. A sensibilidade é de 100% para os dois
graus mais avançados, mas existe dificuldade em se
detectar esteatose quando há menos de 33% de
gordura hepática 28.
A avaliação quantitativa, através da análise
computadorizada da atenuação da amplitude do eco
ou da análise do histograma de escala de cinzas, é
geralmente trabalhosa e demanda tempo,
dificultando seu uso na prática diária 24, embora tenha
potencial de tornar a avaliação mais objetiva e
operador-independente 9.
Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives
Na presença de esteatose, a forma da onda
Doppler da veia hepática mostra-se frequentemente
(43-53%) alterada 29 tanto em adultos quanto em
crianças, perdendo o padrão trifásico e apresentando
um padrão bifásico ou monofásico 30, 31, devido a
fibrose que limita a pulsatilidade venosa, não
permitindo distinguir entre os graus de infiltração
hepática gordurosa.
Considerações finais
Embora seja a ultrassonografia um método de fácil
acesso e baixo risco para avaliação da esteatose e os
aparelhos venham apresentando progressivamente
maior capacidade de processamento, é necessário
que o examinador esteja comprometido com a
avaliação hepática e com o método em si, de forma
que realmente seus resultados possam ser
comparáveis a detecção pelo atual padrão-ouro, a
biópsia seguida de análise histológica, um método
invasivo e arriscado. A ressonância magnética,
associada a espectroscopia poderá, num futuro
próximo, se tornar o método de escolha para
seguimento da doença hepática gordurosa, devido sua
alta sensibilidade para pequenas alterações.
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Sbrissia - Esteatose hepática
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EURP 2011; 3(3): 74-77
Artigo de Revisão
A ultrassonografia na avaliação do período pós-operatório das lesões
do manguito rotador
Sonography as a method for evaluating the postoperative period of cuff injuries
Luis Fernando Benedito Bergami Antunes 1
As lesões do manguito rotador são a causa mais frequente de indicação cirúrgica do ombro. É de grande
importância clínica pela sua alta incidência e sintomatologia de dor potencialmente incapacitante. A avaliação
complementar por alguns métodos de imagem pré-operatórios está bem estabelecida e documentada na literatura,
com a ultrassonografia como opção não invasiva e custo-efetivo. Seu uso no pós-operatório tem como objetivo o
acompanhamento do resultado da reconstrução das lesões. Alguns relatos foram produzidos de forma específica
para avaliação do uso da ultrassonografia após a cirurgia, com nível de evidência elevado, comparando-a com a
ressonância magnética do ombro. O que se mostra é equivalência entre os métodos. Em certas situações há
evidência de superioridade da ultrassonografia devido às suas particularidades.
Palavras-chave: Ultrassonografia; Bainha Rotadora, lesão; Período Pós-Operatório.
1- Escola de Ultrassonografia e Reciclagem Médica de
Ribeirão Preto (EURP)
Recebido em 22/09/2011, aceito para publicação em
17/10/2011.
Correspondências para Luis Fernando Benedito Bergami
Antunes.
Departamento de Pesquisa da EURP - Rua Casemiro de
Abreu, 660, Vila Seixas, Ribeirão Preto-SP. CEP 14020-060.
E-mail: [email protected]
Fone: (16) 3636-0311
Fax: (16) 3625-1555
Abstract
Rotator cuff injuries are the most frequent
indication for shoulder surgery. It is of great clinical
importance because of its high incidence and
potentially disabling symptoms of pain. The additional
assessment of some methods of preoperative imaging
is well established and documented in the literature;
among those, ultrasonography is a noninvasive costeffective option. Its post-operative use aims to
monitor the result of lesions reconstruction. Some
reports were produced in a specific way to evaluate
the use of ultrasound after surgery, with high level of
evidence, comparing it with magnetic resonance
imaging of the shoulder. What is shown is the
equivalence between the methods. In certain
situations there is evidence of superiority of
ultrasound due to its peculiarities.
Keywords: Ultrasonography; Rotator cuff, injury;
Postoperative Period.
Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives
EURP 2011; 3(3): 78-83
79
Antunes - Pós-operatório do manguito rotador
Introdução
Na prática clínica ortopédica a queixa de dor no
ombro é de freqüência elevada e pode atingir pessoas
de as todas as idades. As lesões do manguito rotador
incluem-se nesse rol. Tal grupo de afecções pode ir
desde uma tendinite simples até a lesão completa
(transfixante) e irreparável dos tendões do manguito
rotador 1. Os casos de rotura do manguito têm
aumento de incidência na população acima de 50
anos. Sua etiologia é multifatorial, podendo acometer
de 10 a 90% da população2. Entre as doenças que
acometem o ombro, a rotura dos tendões do
manguito é a causa mais freqüente de indicação
cirúrgica 3. O diagnóstico inicial da lesão inclui a
ultrassonografia como exame de imagem.4-6. Um
desafio para o ultrassonografista é a avaliação pósoperatória da reparação das lesões desses tendões,
como forma de aferir o resultado cirúrgico. Este
estudo procura abordar o aspecto da história natural
dessa doença e o estado atual do conhecimento sobre
sua avaliação ultrassonográfica após a cirurgia
reparadora.
Anatomia funcional
O manguito rotador é formado pelos tendões de
quatro músculos: subescapular, supraespinhal,
infraespinhal e redondo menor. Eles se originam na
escápula e se inserem no tubérculo menor, tubérculo
maior e parte do colo umeral. Estudos mais recentes
delimitam a área de inserção no tubérculo maior dos
músculos supraespinho e infraespinhal, definindo uma
área insercional maior para este último 7. Os tendões
unem-se entre si e com a cápsula articular quando dá
sua inserção óssea nas tuberosidades do úmero.
Promovem a rotação interna, rotação externa e parte
da abdução do ombro, mas a principal ação conjunta
destes músculos é manter estabilizada a articulação
escápulo-umeral de forma centrada na glenóide. Isso
faz que o fulcro do movimento articular aconteça
neste local, agindo como compressor e depressor da
cabeça umeral contra a glenóide. Tal ação mantém o
centro de rotação da articulação escápulo-umeral
estabilizada. Essa função é essencial para cinemática
articular por impedir o deslizamento e translação da
mesma nos sentidos ântero-posterior e pósteroinferior1. Nas amplitudes médias do movimento do
ombro, a estabilidade é quase que exclusivamente
mantida pelo manguito rotador8. O infraespinhal e
redondo menor são únicos rotadores externos do
ombro9. Sem a capacidade de rotação externa, a
função do ombro fica seriamente prejudicada. A ação
dos músculos estabilizadores da escápula como o
Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives
trapézio, os rombóides e o elevador da escápula criam
um ambiente biomecânico que durante a elevação do
ombro impedem o atrito anormal do tubérculo maior
e do manguito rotador contra o teto ósseo e
ligamentar dessa articulação, o chamado arco
coracoacromial10.
Prevalência das lesões do manguito rotador
Na literatura há grande variação da prevalência de
lesões transfixantes (totais) do manguito rotador em
estudos feitos em cadáveres. Nestes estudos não há
correlação com sintomas. A variação encontra um
intervalo de 7 a 40 % e indica que as lesões não
transfixantes (parciais) são mais comuns que as
primeira11.
Um trabalho com 306 ombros de 153 cadáveres
foram encontradas 32% de lesões parciais e 19% de
lesões totais12. Em outro estudo de Yamanaka e
Fukuda com 249 tendões supraespinhosos, a
incidência de lesões parciais foi de 13,2% ( 2,4 face
bursal, 7,2 intratendínea e 3,6 na face articular) e 7 %
de lesões transfixantes13. Em outra investigação, feita
in vivo, estudou com ultrassonografia 360 ombros de
180 pacientes. Cada um desses indivíduos tinha
apenas um ombro doloroso, ou 50 % da amostra,
entretanto, foi encontrada a lesão parcial ou total do
manguito em 272 ombros, ou 75,5% da mesma
amostra. Isso indicava que nessa população estudada,
92 ombros eram assintomáticos mas tinham lesão do
manguito rotador (25,5%)14.
As lesões parciais do lado articular são de duas a
três vezes mais frequentes que no lado articular15.
Embora haja variação da prevalência nas populações
analisadas, os estudos parecem mostrar que sua
ocorrência é significativa.
Fisiopatologia
As lesões do manguito são dividas na literatura em
dois grupos quanto à etiologia. Um grupo de causas
intrínsecas e outro de causas extrínsecas ou
traumáticas. O primeiro agruparia múltiplos fatores
como o envelhecimento do tecido devido natural ao
avanço da idade, alterações circulatórias por fatores
anatômicos inerentes aos tendões ou adquiridos por
alterações metabólicas relacionadas a doenças da
idade. No segundo grupo, o pinçamento subacromial
do manguito devido a anormalidade do arco
coracoacromial ou da cinemática articular pode
causar a lesão parcial por irritação dos tendões. Esse
fator inicial seria também fator de agravamento da
EURP 2011; 3(3): 78-83
80
Antunes - Pós-operatório do manguito rotador
doença em lesões de causa degenerativa. Um
tensionamento excessivo do manguito por trauma
único ou microtrauma sucessivo também poderia
levar a lesão13. Codman, já em 1934, descreveu o que
hoje se denomina de zona crítica, a porção do
supraespinhoso 01 centímetro medial a sua inserção
na tuberosidade maior, no seu lado articular, como
local de início da degeneração. Estudos posteriores
comprovaram que o lado articular do tendão
supraespinhoso tem suprimento vascular pobre e o
lado bursal tem irrigação rica 12. Por outro lado,
estudos mais recentes descrevem a história natural
desta doença como iniciando mais posteriormente, já
na
transição
do
tendão
supraespinho
e
infraespinhoso14.
Bigliani descreveu três tipos morfológicos de
acrômio (plano, curvo e ganchoso), correlacionando
maior probabilidade de lesão nos pacientes com os
dois últimos tipos de formato deste ossos 16. A
evidência de literatura atual tende a diminuir a
importância do esporão acromial e estabelecer causa
multifatorial para a doença do manguito rotador,
como a tendinose e entesopatia, causada também por
avascularidade, idade ou sobrecarga excêntrica, como
o chamado impacto contra o arco córacoacromial.
Colaboram então fatores intrínsecos e extrínsecos.
Não se pode dizer que a etiologia das lesões do
manguito esteja totalmente esclarecida.
Classificação
São classificadas de várias maneiras: pela
espessura e tamanho, tempo, localização, grau de
retração do coto tendinoso e quanto a sua etiologia.
Quanto à espessura e tamanho:
1) Lesões não transfixantes (parciais) - grau I,
menor ou igual a 25% da espessura ou até 3
mm em tamanho; grau II, igual a 50 % ou
entre 3 a 6 mm e grau III, maior que 50 %
maior que 6 mm). De acordo com sua
localização
(parcial
bursal,
parcial
intratendínea e parcial articular).
2) Lesões transfixantes (totais), em relação ao
seu tamanho podem ser: pequena, menor que
01 cm; média, menor que 3 cm; grande,
menor que 5 cm e maciça, maior que 5 cm.
Quanto ao grau de retração do coto tendinoso em
relação a sua inserção na cabeça umeral:
1) Distais ou justa-insercionais
2) Intermediárias
Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives
3) Proximais
Quanto à cronologia em: aguda, crônica e crônica
reagudizada. Quanto à etiologia em: traumática,
microtraumática, degenerativa ou associada à
instabilidade articular 1, 17 .
Cabe aqui comentário quanto à sinonímia adotada
pelo ortopedista e imagenologista ainda não ser
totalmente uniforme. Os primeiros adotam como
descrição de lesão parcial o que o imagenologista
chama de não transfixante. Da mesma forma o
ortopedista adota a nomenclatura de lesão total o que
o imagenologista chama de transfixante.
Quadro Clínico
Embora muitos estudos evidenciem pessoas com
lesão do manguito sem apresentar sintomas, quando
ela se torna sintomática, é a dor na parte ânterolateral do ombro com irradiação o braço a
característica clínica mais comum. Podendo variar
desde pequeno desconforto até um quadro
incapacitante para movimentos. Outra característica
constante é o fato de piorar a noite e a dificuldade de
se deitar sobre lado acometido 8.
A anamnese deve ser detalhada com o tempo de
evolução e suas características, tipo de ocupação,
idade, sexo, prática esportiva, lado dominante,
ocorrência de trauma e tratamentos prévios.
Ao exame físico, deve-se inspecionar o ombro a
procura de hipotrofias musculares e assimetrias das
cinturas escapulares. Mensurar os movimentos ativos
e passivos do ombro é essencial. Medir a elevação
anterior, a rotação externa e a rotação interna, para
diferenciar de outras lesões como capsulite adesiva e
artrose glenoumeral.
Algumas manobras são específicas para avaliação
da potência muscular como o teste de Jobe para o
supraespinho, o teste de Gerber para subescapular e
o teste de Patte para o infraespinhoso e redondo
menor. Já outros testes são designados como
manobras irritativas, buscando diferenciar apenas o
local da dor do ombro. São diversas, como as de Neer,
Hawkins e Yochum para o impacto ântero-superior e
as de Speed, Yergarson e O’Brien para o cabo longo
do tendão do bíceps, já que esta estrutura é também
envolvida na doença do manguito rotador. Essas
manobras ajudam a diferenciar da dor irradiada
cervical e da dor acrômio-clavicular. O teste de Neer,
que consiste na infiltração de xilocaína no espaço
subacromial, é uma forma de se diferenciar uma lesão
EURP 2011; 3(3): 78-83
81
Antunes - Pós-operatório do manguito rotador
apenas irritativa de uma lesão do estrutural do
supraespinhso 1.
Métodos de imagem pré-operatórios
As lesões do manguito podem ser avaliadas pelos
seguintes métodos: por radiografia, artrografia,
ultrassonografia,
ressonância
magnética
e
artrorressonância magnética. A radiografia simples,
com posicionamento e incidências específicas, busca
alterações indiretas como: imagem em espelho e
pseudocistos umerais, artroses, diminuição do espaço
subacromial em relação a cabeça umeral, alteração
da morfologia do acrômio e para descartar a
presença de tumores 18. Pode-se avaliar a cinemática
gleno-umeral pelo posicionamento do centro
geométrico da cabeça umeral em relação à cavidade
glenóide na radiografia em posicionamento ânteroposterior verdadeiro em rotação neutra 4. A
artrografia é um método já bem menos utilizado
atualmente. A ultrassonografia é um método barato e
acessível, porém necessita de experiência do
examinador e transdutores adequados, que são os
lineares, e usar freqüências acima de 7,5 MHz. Seu
resultado pode ser comparável a ressonância
magnética, como demonstrou Teffey e colaboradores,
em estudo com nível de evidência I-1, na acurácia em
identificar e medir lesões trans-fixantes e não
transfixantes do manguito, em avaliação préoperatória 6. Também é um método com pode ser
usado na avaliação e seguimento pós-cirúrgico da
reparação do manguito 19. A ressonância é o método
de escolha quando se quer avaliar a presença ou
ausência de degeneração gordurosa dos ventres
musculares do manguito 18. Esbarra no seu custo e
disponibilidade e tem alguma desvantagem na
avaliação pós-operatória se houver presença de
implante metálico ou nos primeiros meses após
cirurgia, mesmo sem a presença de implantes, pelos
artefatos formados na imagem. A artrorressonância é
especialmente útil na detecção de lesões labrais, nas
lesões da origem tendão do cabo longo do bíceps e
dos ligamentos gleno-umerais.
Tratamento
Poucas são as situações unânimes no tratamento
da lesão do manguito sintomática. Dependerá do
quadro clínico, experiência e treinamento do médico
assistente, idade do paciente, expectativa de
resultado, intensidade dos sintomas, grau de
incapacidade e identificação da causa ou causas das
lesões. Pode ser conservador com antiinflamatórios e
Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives
analgésicos, fisioterapia e medidas de reabilitação
muscular, visando à recuperação da cinemática
articular. O indicação de tratamento cirúrgico, exceto
algumas situações de trauma recente, deve ser
precedida de tratamento conservador adequado e por
tempo suficiente, geralmente de 3 a 6 meses. Pode
ser usada técnica aberta, artroscópica (fechada) ou
um a combinação entre as duas 20, 21.
Avaliação ultrassonográfica pós-operatória do
ombro
Avaliar a integridade da cirurgia de reconstrução
do manguito rotador, em qualquer tempo do pósoperatório, é uma necessidade nos casos com
evolução insatisfatória. Devido ao risco de nova
ruptura do manguito, confirmando ou descartando o
diagnóstico de perda parcial ou total da cirurgia.
Poucos estudos investigam a acurácia da
ultrassonografia nessas situações. Slabaug e
colaboradores fizeram uma revisão que incluía
estudos que avaliavam o desfecho da cirurgia
reconstrutora do manguito, visando correlacionar o
resultado clínico com a presença ou não de nova
ruptura. A comparação foi feita em quatro estudos
com ressonância magnética, dois com artrotomografia
computadorizada, dois com ressonância magnética e
cinco com ultrassonografia. A variabilidade dos
critérios usados para cada estudo dificultou a
conclusão da revisão, necessitando de novas
investigações para confirmar sua hipótese, mas o
valor do método ultrassonográfico não foi posto em
dúvida. Ressalta ainda a limitação de todos dos
métodos, por inexistir 100% de especificidade e
sensibilidade em nenhum 22. Kluger e colaboradores
23
seguiram 95 pacientes operados de reconstrução do
manguito
com
ressonância
magnética
e
ultrassonografia, fazendo estudo cego entre os
radiologistas que avaliaram os exames. Mostrou que
os resultados são compatíveis com a clínica e com o
controle entre os exames de imagem de forma
cruzada. Chegou à conclusão que US pode mostrar
lesões parciais e totais no pós-operatório tanto
quanto a ressonância magnética, dando ao
investigador a possibilidade de concluir que 74% das
reincidências de lesão ocorre nos primeiros três
meses de pós-operatório 23. Keener e colaboradores
19
seguiram 21 pacientes que foram submetidos a uma
segunda cirurgia de reconstrução do manguito
rotador. A ultrassonografia do ombro foi sido validada
no seu serviço para avaliação pré e pós-operatória nos
casos de lesão do manguito, devido a segurança do
método para o paciente e por ser menos vulnerável a
EURP 2011; 3(3): 78-83
82
Antunes - Pós-operatório do manguito rotador
artefatos pós-cirúrgicos em relação a ressonância
magnética 19. Levy e colaboradores 24fizeram estudo
prospectivo com 102 pacientes em seguimento pósoperatório de cirurgia da lesão do manguito rotador.
Usaram
o
método
ultrassonográfico
para
acompanhamento das lesões baseados em estudos da
literatura que validam o método. Conseguiu com esse
seguimento de imagem um resultado que era
compatível com os achado ultrassonográficos 24.
Prickett e colaboradores 25em estudo de nível e
evidência II-1, validou a ultrassonografia pósoperatória do ombro acompanhando 44 pacientes
operados do manguito rotador com o resultado da
artroscopia de revisão cirúrgica. Usando, portanto, o
padrão ouro de avaliação. Os achados intra
operatórios identificaram 22 lesões recorrentes,
sendo diagnosticado de forma precisa 20 lesõs pela
ultrassonografia, com sensibilidade de 91% e
especificidade de 86%, com acurácia de 86%. A
dificuldade encontrada com a ressonância pósoperatória do ombro: presença de artefatos
ocasionados pelos fios de sutura, presença de âncoras
de sutura e/ou alterações ósseas que podem alterar o
sinal no acrômio, na cabeça umeral e no tecido do
manguito. Essas mudanças de sinal podem ser
indistinguíveis das mudanças que ocorrem na lesão
aguda do manguito. Teefey e colaboradores 6
compararam a ultrassonografia com a ressonância
magnética para detecção de lesões parciais e totais do
manguito rotador, com nível de evidência I-1. A
proposta era comparar a acurácia dos testes para
detecção e mensuração do tamanho da lesão. Os
achados artroscópicos posteriores foram usados como
padrão ouro. A acurácia de ambos testes foi de 85%.
Não se demonstrou diferença estatisticamente
significativa entre os testes para medir e identificar
lesões do manguito rotador em 71 pacientes avaliados
(Teefey, Rubin et al. 2004). Já em nosso meio,
Godinho e colaboradores 26 fizeram a avaliação pósoperatória ultrassonográfica de 100 pacientes em 110
cirurgias de reconstrução do manguito rotador. Foi
investigada a correlação dos resultados das imagens e
do resultado clínico e funcional. Eles não encontraram
correlação estatisticamente válida entre o resultado
ultrassonográfico e o resultado clínico. Muitos
pacientes, com ótimos resultados funcionais, tinham
um achado ultrassonográfico de nova rutura. O índice
de nova ruptura chegou a 20% do total. Atribuiu-se tal
discrepância a inadequada compreensão e a falta de
padronização dos achados ultrassonográficos póscirúrgicos, que podem justificar esses achados
incoerentes. As aderências pós-operatórias, as
mudanças anatômicas e o tecido de granulação
podem ser verdadeiros obstáculos para um
Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives
diagnóstico preciso. Os resultados melhores da
ultrassonografia em outros trabalhos, realizados em
condições especiais da prática acadêmica, com
examinadores experimentados e aparelhos de
avançada geração tecnológica podem supervalorizar o
método, de forma genérica e distante da realidade,
pois nem sempre o médico pode confiar seus exames
aos mesmos profissionais com muito experiência ou a
centros de excelência 26.
Considerações finais
O uso da ultrassonografia como método de
imagem na avaliação de ombros dolorosos é um
método com ampla aceitação e uso no nosso meio e
em outros países. Seu uso na indicação de cirurgias
reconstrutoras das lesões do manguito rotador é
reconhecido e já validado na literatura. Na avaliação e
seguimento do desfecho após a cirurgia, também é
um método utilizado pelo baixo custo e acessibilidade,
mas ainda se mostra dependente da experiência e
habilidade do examinador. Mostra resultados
confiáveis já evidenciados por trabalhos que o
validaram para uso no seguimento do paciente
operado, podendo chegar a ser superior a ressonância
magnética. Embora haja trabalhos com nível de
evidência científica elevado, a literatura para a
avaliação do método neste período pós-operatório
não é farta. A nova condição anatômica após a
cirurgia, as aderências e o tecido de granulação
formado são obstáculos na compreensão das imagens
ultrassonográficas.
Em
nosso
meio,
há
dificuldade
de
encaminhamento para seguimento de pacientes
operados para centros com melhores condições para
a realização das ecografias. Isso pode levar a
resultados conflitantes da ultrassonografia com os
achados clínicos. Embora o método tenha se
mostrado de valor, mais estudos, principalmente em
nosso País, retirando o viés da multiplicidade de
examinadores, são necessários.
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EURP 2011; 3(3): 78-83
Artigo de Revisão
O uso da ultrassonografia na artrite reumatóide
The use of ultrasonography in rheumatoid arthritis
Andréa Alves Guimarães 1
A Artrite Reumatóide (AR) é a artrite inflamatória mais comum, acometendo cerca de 0,5-1,1% da população norte americana. É caracterizada por padrões distintos de destruição óssea e articular, responsáveis pela limitação das
atividades da vida diária dos pacientes acometidos. A AR é uma doença multifatorial relacionada à interação de fatores genéticos e ambientais. O diagnóstico é clínico, porém nas fases iniciais, onde a doença ainda não exibe todo seu
espectro, a utilização de métodos complementares pode auxiliar no diagnóstico. Recentemente, com o advento de
transdutores de maior freqüência e melhora da definição, a ultrassonografia tem ganhado espaço e mostrado, algumas vezes, resultados equivalentes ou superiores à radiografia, tomografia computadorizada e ressonância magnética.
Palavras-chave: Artrite Reumatóide; Ultrassonografia; Diagnóstico.
1- Escola de Ultrassonografia e Reciclagem Médica de Ribeirão Preto (EURP)
Recebido em 17/09/2011, aceito para publicação em
17/10/2011.
Correspondências para Andréa Alves Guimarães.
Departamento de Pesquisa da EURP - Rua Casemiro de
Abreu, 660, Vila Seixas, Ribeirão Preto-SP. CEP 14020-060.
E-mail: [email protected]
Fone: (16) 3636-0311
Fax: (16) 3625-1555
Abstract
Rheumatoid arthritis (RA) is the most common inflammatory arthritis, affecting about 0.5 to 1.1% of
the U.S. population. It is characterized by distinct patterns of bone destruction and articulate, responsible
for limiting activities of daily life of affected patients.
RA is a multifactorial disease related to the interaction
of genetic and environmental factors. The diagnosis is
clinical, but in the early stages, where the disease still
does not display your entire spectrum, the use of
complementary methods may help in diagnosis. Recently, with the advent of higher frequency transducers and improvement in definition, ultrasonography
has gained ground and shown sometimes results
equivalent or superior to radiography, computed tomography and magnetic resonance imaging.
Keywords: Arthritis, Rheumatoid; Ultrasonography; Diagnosis.
Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives
EURP 2011; 3(3): 84-86
Guimarães - Artrite reumatóide
Introdução
A Artrite Reumatóide (AR) é uma doença articular
crônica inflamatória caracterizada por padrões distintos de destruição óssea e articular, que em norteamericanos afeta cerca de 20-50 casos/100000 habitantes - prevalência de 0,5-1,1%. Com predomínio
pelo sexo feminino com proporção 3:1, e início em
torno da quinta década de vida. Sendo que fatores
genéticos relacionados à positividade de HLA-DRB1 e
PTPN 22, bem como tabagismo, infecções e fatores
ambientais tornam-se forte indicadores para progressão da doença 1.
Fazendo assim com que haja a busca de formas de
diagnóstico para um melhor acompanhamento da
doença, utilizando-se então a ultrassonografia, que
com o advento de transdutores de maior e freqüência
e definição, baixo custo, imagem em tempo real, e
não utilização de radiação, entre outras possibilidades, se tornado uma excelente ferramenta para avaliação de lesões ósseas iniciais, que ainda não são vistas
em radiografia simples; com eficácia semelhante a
métodos como a ressonância magnética e a tomografia computadorizada. O benefício para o paciente é o
início rápido do tratamento, preservando a qualidade
de vida e reduzindo a chance de deformidades e incapacidades físicas irreversíveis 2.
Manifestações clínicas
A AR tem inicialmente alterações nas respostas inatas e adaptativas, tendo citocinas como fator de
necrose tumoral α (TNF-α), Interleucina 6 (IL-6) responsáveis pela manutenção do estímulo inflamatório
crônico, podendo apresentar manifestações articulares e extra-articulares. No tocante a manifestações
extra-articulares, podemos citar a presença de nódulos subcutâneos, vasculites, neuropatia periférica,
manifestações pulmonares, renais e oculares (Carvalho et AL,2008). Já referente às manifestações articulares posso citar a sinovite, cuja principal característica em sua fase crônica é o pannus tecido ricamente
vascularizado composto por enzimas destrutivas que
de forma progressiva substituem a cartilagem hialina
resultando em anquilose fibrosa ou óssea 3.
A AR instala-se de maneira insidiosa e progressiva
levando de semanas a meses para que a doença estabeleça-se completamente 3. Os fatores descritos da
destruição articular são células mesenquimais, mataloproteinases e osteoclastos 3.
Fisiopatologia
Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives
85
Células Mesenquimais
Conforme já fora dito anteriormente, a sinovite é
um quadro clínico bastante frequente na AR. "Sendo
composta por dois tipos de células revestidas com
cacterísticas mesenquimais denominadas Fibroblastolike e Macrófago-like, bem como um pequeno número
de células interticiais de subrevestimento e vasos
sanguíneos" 3. As células Fibroblasto-like degradam a
matriz cartilaginosa, formando um tecido granulomatoso, que penetra fortemente na cartilagem e na superfície óssea, alterando sua forma dentro das células
macrófago-like formando assim o pannus. Estas células mesenquimais são conduzidas pelos cFos/AP1 a
partir de antígenos que o estimula a liberar as citocinas e IL β, fazendo com que aumente o crescimento
sinovial e osteoporose, mostrando assim características indispensáveis na destruição articular 3.
Metaloproteinases (MMP)
Estas células também reguladas por citocinas, somente conseguem degradar a matriz cartilaginosa
após seu primeiro ataque, que conseqüentemente
nota-se uma falta de equilíbrio entre as enzimas degradantes juntamente com seus inibidores fisiológicos. Para haver esta degradação é necessário que
duas ou mais metaloproteitases se instalem na matriz
cartilaginosa, tendo como principais indutores de
variedades cFos/AP1 e IL B. Sendo a última considerada a maior indutora da destruição da matriz cartilaginosa 3.
Osteoclasto
Observa-se inicialmente na AR a reabsorção óssea
mediada por osteoclastos em áreas periarticulares. A
membrana sinovial inflamada encontra-se com maior
proporção de RANK L nos locais de erosão óssea,sendo o mesmo responsável pela ativação de
TRAF 6 e estimulação do NFATC 1, diferenciando os
osteoclastos através do cFos/AP1. Além destas proteínas acima citadas existem citocinas como TNF a, IL B,
MMP9, catepsina K, e quando em meio ácido e condições de hipercalcemia, mostram-se como um ascensor no processo osteoclastogênese responsável pela
reabsorção óssea 3. Visto que cada um destes três
fatores citados, responsáveis pelas manifestações
clínicas referentes a erosões ósseas, sinovite, osteopenia. Onde as duas primeiras podem ser analisadas e
diagnosticadas através da ultrassonografia.
Aplicação da ultrassonografia e Utilidade Clínica
EURP 2011; 3(3): 84-86
86
Guimarães - Artrite reumatóide
A utilização da ultrassonografia no campo da reumatologia vem crescendo de forma significativa na
última década, sendo importante para determinar o
grau de atividade da doença, não somente para sinovite, mas também para erosão óssea e tenossinovites
2
. A ultrassonografia, segundo Jain et al, mostra paridade e até mesmo superioridade em relação a outros
exames 4. Fazendo uma comparação entre ultrassonografia com exames radiográficos bem como de ressonância, a ultrassonografia mostra-se de maneira
geral mais eficaz e precisa no acompanhamento da
membrana sinovial e na evolução do tratamento, isto
porque permite uma melhor visualização de tecidos
moles em tempo real 2 além, é claro, de permitir um
melhor acompanhamento da progressão da doença.
É interessante estar sempre focado nas ferramentas que possam contribuir para o diagnóstico de doenças reumáticas, e a ultrassonografia tem sido uma
das melhores formas de diagnóstico, conforme Ostergard et al 5 afirmam que por mais que não apareça
como método ideal, a análise através do ultrasom tem
suas vantagens tais como alta satisfação dos pacientes
e redução de custos, de ser indolor, de evitar contra
indicações em razão de implante metálico ou clautrofobia, não oferecer nenhuma radiação e o mais importante, permitir visualização da anatomia em tempo
real 5. O ultrasom contribuiu muito na percepção da
medição da espessura sinovial e tamanho do derrame
articular. Esta avaliação melhorou a partir da utilização da tecnologia Doppler que aumentou a sensibilidade para detecção da doença, além de demonstrar
alterações como espessamento sinovial e hipervascularização do fluxo4.
Finalizando este trabalho analítico voltado a uma
doença, com suas manifestações bem como suas formas de diagnóstico, posso concluir que a melhor forma para se chegar a um parecer médico sobre uma
determinada Doença, é poder utilizar-se de todas as
formas plausíveis para haver análises e conclusões
sobre condições de acompanhamento e tratamento.
No tocante a AR posso concluir que as ferramentas
adequadas para o diagnóstico como Radiografias,
Ultrassonografia, Tomografia e Ressonância, são todas
importantes e adequadas, bem como necessárias.
Porém como minha análise foi voltada para a ultrassonografia, mesmo com poucos estudos ou artigos
publicados, concluo que a utilização da mesma é de
importância no tocante ao diagnóstico e acompanhamento da doença. Isto porque nos dá condições de
avaliar, diagnosticar e acompanhar quadros clínicos
como sinovites, tenossinovites e erosões ósseas.
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Considerações finais
Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives
EURP 2011; 3(3): 84-86
Artigo de Revisão
Leiomioma e leiomiossarcoma uterino: achados ultrassonográficos
Leiomyoma and uterine leiomyosarcoma: ultrasonographic findings
Nelcirlane de Souza Mendes 1
Leiomiomas e leiomiossarcomas são tumores do útero que surgem do miométrio e contem quantidade variável
de tecido conjuntivo. Os primeiros são benignos, muito comuns e considerados a principal causa de histerectomia.
Apesar de raro, a lembrança do leiomiossarcomas deve estar sempre ativa na avaliação de um mioma. O diagnóstico
diferencial entre os dois geralmente é difícil. Salientamos que uma boa abordagem clinica e exame ginecológico
complementados pela ultrassonografia com Doppler pode aumentar a acurácia do nosso diagnóstico nos tumores
uterinos, obtendo uma indicação cirúrgica mais precisa. Nesta revisão de literatura, discutimos uma abordagem sobre diferenças ultrassonográficas entre leiomiomas e leiomiossarcomas. Algumas características clínicas e funcionais, mesmo controversas, podem nos levar à suspeição de malignidade tais como um rápido crescimento tumoral
(ou a não involução em menopausadas ou hipoestrogênicas), sangramento vaginal anormal, tumores solitário, suspeita de metástases ou ruptura do tumor (hemoperitonio), degenerações císticas e aumento da vascularização tumoral com índice de resistência (IR) e índice de pulsatilidade (IP) baixos, além de altos picos de velocidade sistólica.
Porém, o diagnóstico definitivo só é obtido através do estudo histo-patológico, onde se avaliam o número de mitoses por campo, sendo importante no prognóstico e na avaliação terapêutica.
Palavras-chave: Ultrassonografia; Leiomioma; Leiomiossarcoma; Diagnóstico.
1- Escola de Ultrassonografia e Reciclagem Médica de Ribeirão Preto (EURP)
Recebido em 30/09/2011, aceito para publicação em
25/10/2011.
Correspondências para Nelcirlane de Souza Mendes.
Departamento de Pesquisa da EURP - Rua Casemiro de
Abreu, 660, Vila Seixas, Ribeirão Preto-SP. CEP 14020-060.
E-mail: [email protected]
Fone: (16) 3636-0311
Fax: (16) 3625-1555
Abstract
Leiomyomas and leiomyosarcomas are tumors that
arise from the uterine myometrium and contains variable
amount of connective tissue. The former are benign, very
common and considered the leading cause of hysterectomy. Although rare, the memory of leiomyosarcoma should
always be active when the evaluation of a myoma. The
differential diagnosis between the two is often difficult. We
emphasize that a good approach and clinical gynecological
examination supplemented by Doppler ultrasound can
increase the accuracy of our diagnosis in uterine tumors,
obtaining a more precise surgical indication. In this literature review, we discuss an approach to sonographic differences between leiomyomas and leiomyosarcomas. Some
clinical and functional characteristics, even controversial,
may lead to suspicion of malignancy such as rapid tumor
growth (or no involution or in hypoestrogenic postmenopausal), abnormal vaginal bleeding, tumor, metastasis or
suspected rupture of the tumor (hemoperitoneum), and
cystic degeneration of the tumor vasculature with increased resistance index (RI) and low pulsatility index (PI),
and high peak systolic velocity. However, definitive diagnosis is only obtained by histo-pathological study, which assessed the number of mitoses per field, which is important
in assessing prognosis and therapy.
Keywords: Ultrasonography; Leiomyoma; Leiomyosarcoma; Diagnosis.
Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives
EURP 2011; 3(3): 87-92
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Mendes - Leiomioma e leiomiossarcoma uterino
Introdução
Os leiomiomas uterinos são os tumores pélvicos
sólidos mais freqüentes no trato genital feminino.
Apesar de ser um assunto muito estudado, não se
conhece com precisão sua origem e o mecanismo de
seu desenvolvimento. Dentre as teorias existentes,
uma das mais aceitas é que as células miometriais
sofrem a perda da regulação do crescimento, originando um grupo de células monoclonais que irá compor o nódulo miomatoso 1. Este pode se localizar no
corpo (subseroso, submucoso ou intramural) ou no
colo (menos freqüente).
O leiomiossarcoma é uma neoplasia rara, onde a
maioria dos casos é diagnosticada acidentalmente em
cirurgias para leiomiomas. Sua origem é controversa.
Uma revisão de literatura recente sugere que o leiomiossarcoma é uma lesão isolada, e que sua transformação maligna dos miomas, se houver, é extremamente rara 2, 3.
O diagnóstico deve se basear na história clínica,
exame físico e ginecológico, sendo então complementado por exames de imagem. A ultrassonografia (USG)
continua sendo o exame mais realizado para rastreamento desses tumores, podendo ser realizada por via
abdominal (tumores volumosos) e/ou transvaginal
(tumores menores). Podendo ser complementada por
demais métodos diagnósticos.
Leiomiomas
São os tumores uterinos mais freqüentes da mulher. São compostos predominantemente de células
musculares lisas separadas por quantidade variável de
tecido conectivo. Provavelmente sua origem vem do
músculo miometrial, mas não se afastam as possibilidades de se tratarem de células multipotentes do
tecido conjuntivo ou de células da parede muscular
das artérias que nutrem o útero 1. Ocorre quando uma
única célula, monoclonal, com perda da regulação de
proliferação, multiplica-se desordenadamente, de
forma independente. Há evidencias de que são tumores hormônios-dependentes, ou seja, possuem receptores para estrogênio e progesterona que, quando
estimulados, medeiam o aumento dos fatores de
crescimento de forma similar ao miométrio normal,
porém numa combinação diferente, que lhes confere
capacidade de apresentar um crescimento exacerbado e menor taxa de morte celular ou apoptose. Os
estrogênios agem estimulando esses fatores, sendo
comum o surgimento de miomas em ambientes hiperestrogênicos. Tanto no miométrio normal como no
Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives
mioma, o pico de atividade mitótica ocorre durante a
fase secretora do ciclo, quando os níveis de progesterona são mais elevados. Isso porque nos miomas há
aumento da proteína bcl-2, que altera o curso normal
programado de apoptose e a produção dessa enzima
é estimulada pela progesterona 4.
À medida que crescem deixam de ser hipercelulares e passam por transformações, configurando diversos tipos de degeneração conforme o predomínio
histológico: hialina, gordurosa, cística, vermelha, mucóide, calcificação e sarcomatosa, sendo esta última
muito rara (0,1%) e discutível para alguns autores, que
acreditam ser o mioma sempre benigno e o leiomiossarcoma uma lesão maligna primária com diferenciação histológica distinta 1, 5.
Ocorrem em 20 a 30% das mulheres até a idade de
40 anos e em mais de 40% das mulheres acima de 40
anos 5. Embora a etiopatologia ainda não esteja bem
clara, há fortes indícios que exista predisposição genética, já que se tem verificado que a incidência em mulheres negras é 10 vezes superior às brancas. E a hipótese do surgimento de leiomiossarcoma a partir de
leiomiomas também não está clara 2.
Eles são classificados quanto a sua localização no
útero (cervicais, corporais, ístmicos e fúndicos) e com
relação à camada uterina envolvida (subserosos, intramurais e submucosos. Os sintomas dependem do
tamanho, do numero e de sua localização. As manifestações podem ser ginecológicas: sangramento uterino
anormal (mais comum), dor pélvica, dismenorréia,
infertilidade e perda gestacional recorrente; ou são
manifestações secundarias decorrente da compressão
dos órgãos vizinhos, como sensação de pressão pélvica, polaciúria, retenção urinaria, urgência miccional,
hidronefrose, disfunções intestinais, hemorróidas e
estase venosa. Uma anemia ferropriva pode ocorrer
pela metrorragia 5. Os mecanismos desses distúrbios
hemorrágicos são: distorção da cavidade endometrial,
aumento da superfície endometrial, interferência na
contratilidade uterina, compressão dos vasos, anovulação e alteração da maturação do endométrio e ulceração no mioma submucoso.
Diagnóstico xomplementar: imagem
A história, além do exame físico e ginecológico, deve nortear a programação e mesmo a interpretação
de cada exame de imagem. A comunicação entre os
clínicos e os radiologistas possibilita a elucidação diagnóstica precisa. Na avaliação inicial de tumores
uterinos a USG pélvica é o exame de imagem primorEURP 2011; 3(3): 87-92
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Mendes - Leiomioma e leiomiossarcoma uterino
dial. Pode ser realizada por via abdominal (melhor
visualização de grandes miomas) e transvaginal (para
pequenos miomas) sendo a segunda técnica de maior
acurácia 6. A sensibilidade, especificidade e valor preditivo positivo do uso combinado da USG por via abdominal e vaginal no diagnóstico de miomas é entre
90% a 98% 7, 8. O estudo com Doppler completa a USG
informando o grau de vascularização dos nódulos, a
velocidade do fluxo sanguíneo e o tipo de fluxo através da analise espectral, o que pode acrescentar informação funcional às anatômicas 9.
Em úteros de grande volume, acima de 250 a
345cm3 10, seria conveniente a indicação de uma ressonância nuclear magnética (RNM). A USG pélvica, em
grandes úteros com mais de quatro miomas, é dificultada pelas sombras acústicas e não permite um inventário adequado.
A histerosonografia, histerossalpingografia e histeroscopia são úteis para o diagnóstico de miomas submucosos, pólipos, desvios cornuais com possível obstrução tubária 9.
A Ressonância magnética (RM) é mais sensível que
a ultrassonografia (USG) para detectar e determinar a
localização anatômica dos miomas, mas seu custobenefício não justifica seu uso rotineiro, só sendo
indicada na suspeita de leiomiossarcoma, crescimento
rápido, ausência de regressão esperada após menopausa, no pós-parto, pós- suspensão do TRH, ou respostas anormais aos análogos de GnRH 9.
Aspectos ultrassonográficos e uso do Doppler
Para cada nódulo deve-se detalhar o seguinte: localização topográfica e miometrial; diâmetro máximo
para nódulos de até quatro cm e volume para aqueles
maiores; a medida da distancia da borda do mioma e
a mucosa (suberosos) e a serosa (submucosos); sua
ecotextura; e o tipo de vascularização 11.
A diferenciação dos miomas subserosos, principalmente os pediculados e intraligamentares das
massas anexiais, é algumas vezes de difícil realização:
deve-se tentar localizar o ovário de preferência por
via vaginal; atentar para o padrão ecográfico dos miomas e/ou acompanhar a serosa uterina envolvendo
também o nódulo. Os miomas submucosos também
são de difícil diferenciação dos pólipos endometriais:
caracterizar um pedículo vascular com o Doppler colorido ou de amplitude reforça a hipótese de pólipo 9, 12.
A textura do leiomioma é extremamente variada.
Depende de qual componente predomina em sua
Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives
composição. Se for tecido fibroso, ele terá ecogenicidade aumentada. Se predominar o tecido muscular,
sua ecogenicidade é mais baixa, podendo provocar
discreta atenuação acústica posterior. Os leiomiomas
isoecogênicos podem ser de difícil distinção do miométrio adjacente, servindo de auxilio à interface entre
a pseudocápsula e o músculo normal circundante 9, 12.
Outro fator importante é o tipo de degeneração
que afeta o mioma. Na calcificação (mais comum,
pode ser focal ou com distribuição e tamanhos aleatórios, dando um padrão heterogêneo ao tumor). Na
degeneração cística e hialina se observa áreas anecogênicas e irregulares dentro dos nódulos. Na degeneração lipomatosa (rara) encontramos nódulos hiperrefringentes devido à presença de tecido gorduroso
no seu interior 5.
O estudo dopplervelocimétrico e de mapeamento
vascular é útil na avaliação do fluxo das lesões. Observam-se os vasos nutridores do nódulo, que se originam do miométrio e formam um anel vascular periférico regular, além de vasos em seu interior, que se
desenvolvem em resposta à atividade angiogênica das
células tumorais, talvez por processo de necrose e
inflamação. O fluxo dos nódulos mostra um padrão de
moderada à alta resistência (IR >0.5), e as artérias
uterinas podem manter seu fluxo normal ou apresentar resistência diminuída, oscilando os índices de impedância ao redor de 0,75 para IR e entre 1,35 e 1,65
para IP. Esse aumento do fluxo local parece estar mais
relacionado ao tamanho do nódulo (acima de três cm)
do que com o número ou sua localização. Esses efeitos devem ser sempre lembrados quando se usa o
Doppler para diferenciar mioma de miossarcoma uterino em mulheres em idade fértil. A avaliação dos
vasos no interior dos miomas freqüentemente apresenta valores de IP menores do que 1,0 e não necessariamente são malignos 13.
Sarcomas uterinos
São raros e representam cerca de 1% dos tumores
malignos do trato genital feminino e 3% a 7% dos
cânceres uterinos 14. Das pacientes submetidas à histerectomia por suspeita de miomatose, 0,2% são sarcomas 15. É um grupo heterogêneo de tumores que
têm em comum a linhagem mesenquimal. Segue sua
classsificação histológica (WHO-2003)15: Leiomiossarcoma (40%), Carcinossarcomas (40%), Sarcoma do
Estroma Endometrial (10-15%) e Sarcoma Indiferenciado (5-10%). Recentemente o carcinossarcoma foi
sugerido e reclassificado como forma diferenciada ou
EURP 2011; 3(3): 87-92
90
Mendes - Leiomioma e leiomiossarcoma uterino
metaplásica do carcinoma de endométrio, porém
ainda muito incluso em estudos de sarcomas uterinos.
Leiomiossarcoma.
São tumores mesenquimais do útero. A maioria
ocorre em mulheres com mais de 40 anos de idade 15.
Os fatores de risco para o desenvolvimento do leiomiossarcoma uterino são desconhecidos. São sarcomas
que se disseminam por meio local, regional ou hematogênica. Esta última se dá preferencialmente aos
pulmões, enquanto a disseminação local e regional
pode resultar em uma massa abdominal ou dor pélvica associado a sintomas gastrintestinais ou urinários 7.
Os sintomas clínicos são inespecíficos, não diferindo muito dos leiomiomas; até mesmo o rápido crescimento no tamanho não tem relação definitiva com
malignidade 7. Sangramento vaginal anormal é o mais
freqüente (77%), massa pélvica palpável (50%), dor
pélvica (22%) 15. Outros sinais e sintomas se assemelham ao quadro de leiomiomas e a distinção préoperatória entre os dois é difícil. No entanto, a doença
maligna deve ser suspeitada na presença de determinados comportamentos clínicos como rápido crescimento de um tumor solitário intramural ou subseroso
em mulheres não grávidas nem expostas a qualquer
estímulo hormonal, suspeita de metástases, ruptura
do tumor (hemoperitoneo) ou extensão extra-uterina.
Muito raramente eles se originam de um mioma 15.
Leiomiosarcomas são tumores muito agressivos.
De acordo com a classificação da OMS, mesmo os
tumores confinados ao útero são de mau prognóstico.
Mesmo diagnosticado em fase precoce, a taxa de recorrência variou de 53% para 71%. As primeiras disseminações (via hematogênica) foram para os pulmões (40%) e para pelve (13%). Metástases linfonodais são pouco freqüentes sem doença disseminada
15
.
Um diagnóstico pré-operatório preciso de sarcomas uterinos é geralmente difícil e, na maioria dos
casos, são detectados na biópsia de uma cirurgia para
leiomioma. Só temos o diagnóstico definitivo com o
laudo histopatológico, onde se avaliam o número de
mitoses por campo de grande aumento. Essa avaliação das mitoses, além de diagnóstica, é importante na
avaliação prognóstica. Quanto maior o número de
mitoses por campo (10 ou mais), menor a sobrevida e
maior a taxa de recorrencia 16. A detecção citológica
de rotina das lesões sarcomatosas também é muito
difícil de obter pela região cervical e citologia endometrial. O diagnóstico por técnicas de imagem como
Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives
USG e RNM tem conseguido dominar o diagnóstico de
tumores abdominais 7.
Aspectos ultrassonográficos e uso do Doppler
Geralmente se apresentam como uma grande
massa tumoral substituindo a arquitetura normal do
útero, podendo às vezes ser diagnosticado como leiomioma. Na USG eles são heterogêneos, com áreas
ecogênicas e hipoecogênicas combinadas, associado a
pequenas áreas de calcificações cercadas por um miométrio diluído. A USG com Doppler mostra uma distribuição irregular dos vasos no tumor, com fluxos de
baixa impedância e um alto pico de velocidade sistólica 14. Não existe diferença significativa no estudo dos
fluxos com Doppler colorido das artérias uterinas e
peri-nodular entre os leiomiomas e leiomiossarcomas.
Apesar de a dopplerfluxometria ter grande contribuição no diagnóstico desses tumores, muitos autores
ainda questionam a eficácia do método para excluir
malignidade em casos aparentemente benignos ou
afastar benignidade em casos suspeitos 17.
Em um estudo com pacientes diagnosticadas com
leiomioma uterino (duas delas com leiomiossarcoma)
e um grupo controle de 20 mulheres normais foram
examinadas através de USG transvaginal com Doppler.
Não houve diferença estatisticamente significante em
relação à dopplerfluxometria das artérias uterinas nos
dois grupos. As artérias uterinas dos casos de leiomiossarcoma apresentaram IR (índice de resistencia) e IP
(índice de pulsatilidade) mais baixos, demonstrando
que o exame de Doppler pode ser útil nos casos de
leiomiomatose uterina 18. EXACOUSTOS et al 8 analisaram oito pacientes com leiomiossarcoma (LMS) e vinte e um com leiomioma (LM) celular e compararam
com duzentos e vinte e cinco pacientes com LM benigno. Todas fizeram miomectomia ou histerectomia.
Dados como número, tamanho, ecotextura, degenerações e vascularizaçao central ou periférica foram
gravados e correlacionados com o diagnóstico histopatológico. Demonstraram que os LMS são maiores (a
maioria maior ou igual a 8 cm) e solitários, onde a
degeneração cística é mais freqüente, além de ocorrer um aumento da vascularização periférica e central.
A sensibilidade, especificidade e valor preditivo positivo desse aumento da vascularização no diagnóstico de
LMS foram de 100%, 86% e 19%, respectivamente.
Combinado o Doppler aos outros achados ultrassonográficos, o valor preditivo positivo chegou a 60%, mas
a sensibilidade cai para 75%, levando a conclusão de
que a USG (escala de cinzas mais Doopler) pode idenEURP 2011; 3(3): 87-92
91
Mendes - Leiomioma e leiomiossarcoma uterino
tificar tumores uterinos suspeitos que irão requerer
avaliação diagnóstica adicional antes do tratamento 8.
Uma pesquisa com 111 pacientes (98 com LM e
treze com sarcoma uterino -seis deles com LMS) mostra que não houve diferença no que diz respeito a
paridade, sintomas ou achados no exame físico e que
as aparências sonográficas dos leiomiomas foram
similares às do leiomiossarcomas, não ocorrendo uma
diferença significante entre o índice de resistência nas
arteríolas dos leiomiomas (0.59 +/-0.01) e leiomiossarcomas (0.49 +/- 0.18) 19. Também já se foi evidenciado claramente um aumento significativo do pico de
velocidade sistólica – PVS (média de 61.6 cm/s; variação de 40.0-124.0 cm/s) nos leiomiossarcomas (media
de 21.6 cm/s) 6, 13, 20. Também foi estudada a correlação do aumento plasmático da desidrogenase lática
(DHL) com os achados ultrassonográficos de degeneração tumoral para a suspeição de malignidade (alto
índice mitótico do tumor) 3.
Na ressonância magnética, os leiomiossarcomas
têm efeitos variáveis podendo se apresentar como
uma imagem pesada, massa lobulada com sinal de
alta intensidade em T2 ou como uma massa nitidamente arredondada com sinal de baixa intensidade
que se assemelha a um mioma, ou como uma massa
com margens infiltrativas focalmente. Focos discretos
de hemorragia ou necrose tumoral podem sugerir o
diagnóstico de leiomiossarcoma. Os leiomiossarcomas
podem envolver o endométrio ou distorcer a cavidade
endometrial sem invasão endometrial. Ao contrário
dos miomas, que são bem definidos, os leiomiossarcomas geralmente têm margens irregulares e mal
definidas que aumentam após a administração de
gadolínio 14.
Considerações finais
Apesar de raro, a lembrança do leiomiossarcoma
deve estar sempre presente quando estamos diante
de um leiomioma. A soberania da clínica e a evolução
destas patologias nos orientam a solicitar alguns exames complementares, que podem contribuir para
diminuirmos as chances de um diagnóstico precipitado de malignidade podendo assim obter um preparo
cirúrgico prévio mais preciso. Um dos exames mais
usados é a USG transvaginal. A TC e RNM podem ajudar na avaliação da extensão de grandes massas pélvicas, suspeitando-se de malignidade, mas ambas não
têm sua indicação rotineira pelo seu custo-benefício.
A diferenciação entre leiomiomas e leiomiossarcomas
apenas através da ultrassonografia e dopplerfluxomeExperts in Ultrasound: Reviews and Perspectives
tria ainda não fecha diagnóstico para os clínicos. Realmente, só temos o diagnóstico definitivo com o laudo histológico, onde se avaliam o número de mitoses
por campo, sendo importante no prognóstico e na
avaliação terapêutica.
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Mendes - Leiomioma e leiomiossarcoma uterino
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Artigo de Revisão
Disfunção diastólica em pacientes portadores de diabetes mellitus
Left ventricular diastolic dysfunction in patients with diabetes mellitus
Carlos Arthur da Silveira1
O objetivo deste estudo é demonstrar a associação de disfunção diastólica do ventrículo esquerdo com diabetes
mellitus. As evidências indicam que a disfunção diastólica do ventrículo esquerdo representa a primeira
manifestação pré-clínica de cardiomiopatia diabética, precedendo a disfunção sistólica, podendo evoluir para
insuficiência cardíaca sintomática. Para a avaliação não invasiva da função diastólica podemos avaliar os padrões de
entrada das veias pulmonares e mitral feita por estudos Doppler. A insuficiência cardíaca é geralmente causada por
um defeito na contração do miocárdio, mas em alguns pacientes com insuficiência cardíaca, uma síndrome clínica
similar está presente, sem qualquer alteração detectável em função contrátil do miocárdio. Assim, a insuficiência
cardíaca pode ocorrer tanto na presença de uma fração de ejeção ventricular esquerda normal ou anormal. A
ecocardiografia é útil para ver quaisquer alterações cardíacas estruturais e funcionais, é recomendável fazê-la
sempre que houver suspeita de insuficiência cardíaca congestiva, para avaliação da função diastólica.
Palavras-chave: Insuficiencia Cardíaca Diastólica; Diabetes Mellitus; Ecocardiografía Doppler.
1- Escola de Ultrassonografia e Reciclagem Médica de Ribeirão Preto (EURP)
Recebido em 04/10/2011, aceito para publicação em
25/10/2011.
Correspondências para Carlos Arthur da Silveira.
Departamento de Pesquisa da EURP - Rua Casemiro de
Abreu, 660, Vila Seixas, Ribeirão Preto-SP. CEP 14020-060.
E-mail: [email protected]
Fone: (16) 3636-0311
Fax: (16) 3625-1555
Abstract
The objective of this study is to demonstrate the association of left ventricular diastolic dysfunction with diabetes
mellitus. Evidence indicates that left ventricular diastolic
dysfunction represents the first manifestation of pre-clinical
diabetic cardiomyopathy, preceding the systolic dysfunction, sometimes progressing to symptomatic heart failure.
For the noninvasive assessment of diastolic function we
may assess the input patterns of mitral and pulmonary
veins made by Doppler studies. Heart failure is usually
caused by a defect in myocardial contraction, but in some
patients with heart failure, a similar clinical syndrome is
present without any detectable change in myocardial contractile function. Thus, heart failure can occur both in the
presence of a left ventricular ejection fraction normal or
abnormal. Echocardiography is useful to view any changes
to structural and functional heart and it is recommended to
do it whenever there is suspicion of congestive heart failure, measuring diastolic function.
Keywords: Heart Failure, Diastolic; Diabetes Mellitus;
Echocardiography, Doppler
Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives
EURP 2011; 3(3): 93-99
94
Silveira - Disfunção diastólica e diabetes mellitus
Introdução
O diabetes mellitus é uma das doenças mais freqüentes em todo o mundo e vem adquirindo proporções epidêmicas. Sua prevalência aumenta tanto nos
países desenvolvidos quanto em países em desenvolvimento. Estima-se que mais de 5% das pessoas apresenta essa afecção e sua incidência varia de 1% nos
jovens, atingindo até 13%, nas pessoas com mais de
60 anos. Devido a esse aumento da freqüência do
diabetes, a importância das doenças cardiovasculares
atribuídas ao diabetes continuam a aumentar, enquanto sua incidência na população não diabética,
continua a diminuir 1. As complicações cardiovasculares se constituem na maior causa de morbidade e
mortalidade em pacientes diabéticos, tanto que 75%
dos diabéticos morrem por eventos cardiovasculares
2
. Observa-se um aumento da taxa de doença cardíaca
isquêmica e cardiomiopatia, que podem levar à insuficiência cardíaca congestiva na ausência de aterosclerose coronariana. A insuficiência cardíaca é a comorbidade mais comum e mais grave que afeta o diabético.
O estudo de Framingham 3 demonstrou um aumento no risco de insuficiência cardíaca em pacientes
diabéticos. Além disso, há um impacto maior sobre a
incidência de insuficiência cardíaca congestiva, especialmente em mulheres. Constatou, também, uma
incidência duas vezes maior de insuficiência cardíaca
em homens com diabetes e cinco vezes maior nas
mulheres. Nesse cenário, o estudo da função diastólica pode ser uma ferramenta útil para avaliar mais
precocemente, em relação à função sistólica, o desempenho ventricular esquerdo nesses pacientes.
Também é lícito questionar se o ventrículo esquerdo
piora a disfunção diastólica, com a duração do diabetes mellitus e, em segundo lugar, quantificar a gravidade dessa disfunção em razão da duração do diabetes miellitus. Portanto, sob essa óptica, é possível
supor que a gravidade da disfunção diastólica, avaliada pela relação E/E’, piora com a duração do diabetes
mellitus.
Fisiopatologia
A hipertensão e a doença arterial coronariana, conhecidas comorbidades do diabetes, são causas bem
estabelecidas de insuficiência cardíaca. A insuficiência
cardíaca é mais frequente em diabéticos do que em
não diabéticos com lesão isquêmica do miocárdio 4. O
diabetes tem sido considerado de tal importância para
o desenvolvimento de insuficiência cardíaca que foi
Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives
incorporado como fator de risco independente para
essa patologia pelo American College of Cardiology e
American Heart Association 5. Acumulando dados
experimentais de patologia, estudos epidemiológicos
e clínicos mostraram que o diabetes provoca alterações na estrutura e na função cardíaca, na ausência de
aterosclerose coronariana, hipertensão ou qualquer
outra doença cardíaca conhecida. Entretanto, a coexistência de isquemia miocárdica, hipertensão e uma
cardiomiopatia específica do diabetes parecem ser
independentes, mas contribuem para alterações anatômicas, bioquímicas e funcionais em células cardíacas e tecidos que comprometem a função cardíaca.
Fatores que podem causar alterações microvasculares, disfunção endotelial, desarranjo no metabolismo
do miocárdio e neuropatia autonômica, assim como
hipertrigliceridemia, hiperglicemia e hipertensão são
postulados como fatores etiológicos 6-8.
A existência de uma cardiomiopatia diabética foi,
inicialmente, proposta por Rubler et al. em 1972 9,
com base em achados de necropsia. Posteriormente,
as anormalidades em termos de desempenho sistólico
e diastólico vêm sendo demonstradas. Várias linhas de
evidências indicam que a disfunção diastólica do ventrículo esquerdo representa a primeira manifestação
pré-clínica da cardiomiopatia diabética, precedendo a
disfunção sistólica, podendo evoluir para insuficiência
cardíaca sintomática 10, 11. Na disfunção diastólica, a
alteração do relaxamento do VE (ventrículo esquerdo)
e/ou comprimento, altera o aparecimento, taxa e
extensão da queda de pressão e o enchimento ventricular esquerdo durante a diástole. Essas mudanças
criam uma relação anormal entre a pressão e volume
no VE, exigindo maiores pressões de enchimento para
manter um volume diastólico final do VE e débito
cardíaco. Isso pode resultar em maiores pressões de
enchimento em repouso, porém, mais frequentemente, produz elevadas pressões de enchimento durante
o exercício, resultando em dispnéia e fadiga.
Doppler na avaliação da função diastólica
Para a avaliação não invasiva da função diastólica,
podemos utilizar os estudos de Doppler dos padrões
de entrada mitral e das veias pulmonares. A diástole
pode ser dividida em quatro estágios para fins descritivos 12. Na primeira etapa, tempo de relaxamento
isovolumétrico, corresponde ao tempo tomado do
fechamento da válvula aórtica até a abertura da válvula mitral. Esta fase é atribuída, principalmente, ao
relaxamento do miocárdio e tem demonstrado ser um
processo que requer energia. Durante esse intervalo,
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Silveira - Disfunção diastólica e diabetes mellitus
a pressão intraventricular cai a um ritmo rápido, enquanto o volume ventricular permanece constante. Já
na segunda etapa, fase de enchimento rápido (onda E
de entrada mitral e onda D de fluxo das veias pulmonares), nesta etapa, a pressão ventricular esquerda cai
abaixo da pressão atrial, a válvula mitral abre e começa o enchimento rápido, resultando num rápido aumento do volume ventricular. Ela representa uma
interação de um relaxamento ativo (sucção) e propriedades visco elástica passivas do miocárdio (compliance). Na terceira etapa; que se referirão ao enchimento passivo (diástole), as pressões atriais e ventriculares ficam quase iguais, o que faz com que o enchimento seja o resultado do fluxo venoso pulmonar.
Ela está relacionada à complacência ventricular esquerda. Por último, na quarta etapa, ocorre a contração atrial, quando se observa a onda A do fluxo de
entrada mitral e reversão da onda atrial no fluxo de
veia pulmonar. Esse é um processo ativo e contribui,
com aproximadamente, 15% do enchimento ventricular esquerdo em indivíduos normais. O aumento subseqüente da pressão ventricular esquerda leva ao
fechamento da válvula mitral. Essa fase é a mais afetada pela rigidez do VE.
Durante as últimas décadas, o Doppler tem emergido como um método importante e fácil para realizar
diagnóstico não invasivo, fornecendo dados confiáveis
sobre o desempenho diastólico. Baseado no Doppler
do fluxo transmitral, um sistema de classificação de
disfunção diastólica foi proposto e tem sido demonstrado que o fluxo mitral revela uma doença em progressão ao longo do tempo no miocárdio. Três padrões, principalmentre com base na relação E/A, têm
sido propostos. O padrão de relaxamento anormal é o
primeiro e resulta em uma inversão da razão E/A (E/A
< 1), sendo um estágio precoce da doença cardíaca. O
segundo modelo representa alterações em ambos,
relaxamento e pressão, e é conhecido como pseudonormalização, por causa de uma E/A aparentemente
normal (razão E/A > 1). Esse padrão implica num aumento da pressão atrial esquerda e representa um
comprometimento moderado da função diastólica. O
terceiro padrão anormal de enchimento é denominado de enchimento restritivo, encontrado em pacientes
com comprometimento grave da complacência ventricular esquerda e elevadas pressões de enchimento
ventricular, refletindo um estágio avançado da doença
13
.
Esses padrões podem evoluir de um para outro,
em um único paciente, com mudanças na evolução da
doença, tratamento, nas condições de enchimento
ventricular e frequência cardíaca. Por isso, uma avaliExperts in Ultrasound: Reviews and Perspectives
ação não invasiva de relaxamento e enchimento diastólico deve ser interpretada com cautela. O exame
ecocardiográfico deve ser utilizado quando a função
diastólica é indeterminada, pois se procede a análise
do padrão de fluxo venoso pulmonar, a análise do
fluxo mitral durante a manobra de Valsalva, e novas
técnicas de imagem do Doppler Tecidual modo M
colorido, na avaliação da velocidade de propagação
do fluxo, que são relativamente independentes do
enchimento 14, 15.
Insuficiência cardíaca diastólica
A insuficiência cardíaca é, geralmente, causada por
um defeito na contração do miocárdio. Porém, em
alguns pacientes com insuficiência cardíaca, uma síndrome clínica similar está presente, mas não há nenhuma anormalidade detectável na função de contração do miocárdio 16. Assim, a insuficiência cardíaca,
uma síndrome clínica, pode ocorrer tanto na presença
de uma fração de ejeção do VE normal ou anormal.
É aceito amplamente que a fisiopatologia da insuficiência cardíaca, em pacientes com fração de ejeção
ventricular diminuída, envolve uma diminuição predominante (embora não isolada) na função sistólica o
que vem a justificar o termo “insuficiência cardíaca
sistólica”. Em contraste, a fisiopatologia subjacente
dos pacientes com insuficiência cardíaca com função
sistólica do VE normal – fração de ejeção normal –
envolve uma predominância, não isolada, de anormalidades na função diastólica, o que denominamos de
“insuficiência cardíaca diastólica”.
Insuficiência cardíaca diastólica é, portanto, uma
síndrome clínica caracterizada por sintomas e sinais
de insuficiência cardíaca, com uma função sistólica
preservada e função diastólica anormal. Essa situação
faz com que o ventrículo seja incapaz de aceitar um
volume adequado de sangue durante a diástole, em
condições normais de pressão diastólica e em volumes suficientes para manter um adequado volume de
ejeção. Essas anomalias são causadas por uma diminuição no relaxamento ventricular e/ou um aumento
de rigidez ventricular 16. Nos Estados Unidos da América estima-se que a insuficiência cardíaca diastólica
represente mais de 25% do custo total de insuficiência
cardíaca congestiva 17. A prevalência de disfunção
assintomática foi estimada em 27% na população em
geral, atingindo maior prevalência com o envelhecimento. Dos pacientes hospitalizados por insuficiência
cardíaca, 35% a 40% apresentam-se com insuficiência
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Silveira - Disfunção diastólica e diabetes mellitus
cardíaca diastólica e, na comunidade, esse número
aumenta de 45% para 55% 18.
Métodos diagnóstico
Embora o eletrocardiograma e a radiografia de tórax possam ser úteis em demonstrar hipertrofia ou
dilatação do VE, a ecocardiografia é importante para
visualizar qualquer alteração estrutural e funcional do
coração e recomenda-se fazê-la sempre que haja suspeita de insuficiência cardíaca diastólica (BELL, 2003).
Muito esforço foi despedido para propor de forma
satisfatória os critérios diagnósticos de insuficiência
cardíaca diastólica. Um método simples proposto por
Gandhi et al. 19 dirigiu-se ao requisito da presença de
uma FE maior que 50% no prazo de 72 horas, o que
seria suficiente para atender aos critérios diagnósticos de insuficiência cardíaca diastólica. De acordo com
Zile et al. 16, o diagnóstico de insuficiência cardíaca
diastólica pode ser feito sem a medição da função
diastólica, se esses dois critérios estão presentes em
conjunto: 1) sintomas e sinais de insuficiência cardíaca
e, 2) FE > 50%. Portanto, o objetivo da mensuração da
função diastólica serve tanto para confirmar como
para estabelecer o diagnóstico. O cateterismo cardíaco, com medição simultânea de pressão e volume, é o
“padrão ouro” para avaliar a função ventricular esquerda. No entanto, é invasivo e não pode ser executado na maioria dos pacientes com suspeita de disfunção diastólica 20.
No trabalho de Takeda et. al. 21, a imagem de CK
fornece índices quantitativos de magnitude e tempo
de movimento regional endocárdico do VE 12, 22. Essa
técnica tem sido utilizada para identificar objetivamente anomalias do movimento sistólico da parede
ventricular em pacientes com doença das artérias
coronárias, ou assincronia regional de enchimento
ventricular em pacientes com hipertrofia do VE ou
cardiomiopatia dilatada 23, 24. No entanto, ainda é desconhecido se a dinâmica diastólica da parede como
obtida pela imagem CK pode ser aplicada à avaliação
da função diastólica. Este estudo, primeiro, confirmou
a correlação significativa do Tau com CK-DI de todo o
coração, mas não com a relação E/A, usando o modelo animal de insuficiência cardíaca. Conforme os dados mostrados pelo grupo HT (um dos grupos do estudo), as curvas de velocidade do fluxo transmitral
foram pseudonormalizadas em associação com o desenvolvimento de insuficiência cardíaca diastólica
(DHF), mas as imagens CK não normalizaram.
Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives
A ausência de pseudonormalização de imagens CK
era susceptível do resultado da correlação significativa
com o relaxamento do VE. Além disso, CK-DI, e não a
relação E/A, foi modificada em associação com a alteração do relaxamento do VE induzida por intervenção
farmacológica.
As curvas de velocidade do fluxo transmitral são
bem conhecidas por serem afetadas por muitos fatores, que não a função diastólica e não permitem uma
avaliação fiável da função diastólica em pacientes com
FE preservada 25, 26. Os dados atuais, conforme os autores, sugerem que CK-DI é um índice mais confiável
da função diastólica do VE em indivíduos com FE preservada. Vignon et al. 24 mostrou que a dinâmica diastólica da parede do VE, avaliada pela imagem CK, foi
diferente entre indivíduos normais e os pacientes
hipertensos com hipertrofia ventricular esquerda e
atribuiu o movimento diastólico endocárdico tardio à
disfunção diastólica da parede do VE. No entanto,
estabeleceu índices de função diastólica que não foram avaliados em seu estudo. A função diastólica do
VE é composta, principalmente, do relaxamento do VE
e da rigidez. Assim, índices objetivos da função diastólica do VE são necessários para o diagnóstico da DHF.
Este estudo sugere que a CK-DI éútil no diagnóstico da
DHF e na avaliação dos efeitos farmacológicos na DHF.
Estudos anteriores mostraram que a anormalidade da
cavidade do VE e dinâmica da parede durante a diástole podem ser avaliadas com ecocardiografia digitalizada Modo M em pacientes com hipertrofia do VE 27,
28
. Apesar da CK-DI também ser um índice derivado da
avaliação da dinâmica de parede do VE, a imagem CK,
durante a diástole, tem algumas vantagens sobre a
ecocardiografia modo M convencional do VE. Primeiro, as imagens CK possibilitam fazer interpretação
visual da função diastólica. As máquinas de ecocardiografia mais recentes podem construir imagens CK de
alta resolução e, portanto, a avaliação em tempo real
é possível de forma mais ágil. Em segundo lugar, a
dinâmica da parede do VE pode ser avaliada somente
nas paredes septal e posterior em ecocardiografia
modo M, no entanto, a avaliação de todas as regiões
do VE está disponível com as imagens CK. Os sujeitos
desse estudo não apresentam diferenças regionais de
CK-DI (dados não mostrados), porém, há anormalidades na função diastólica regional em pacientes com
doenças cardiovasculares, tais como a doença da artéria coronária. O atual método permite a avaliação da
função diastólica regional em todos os segmentos do
VE.
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Silveira - Disfunção diastólica e diabetes mellitus
Diabetes e disfunção diastólica
No trabalho realizado por Aaron et al.29, o Dopplerecocoardiograma foi realizado para determinar a
velocidade mitral precoce (E) e a avaliação do Doppler
tecidual da velocidade no anel mitral medial foi também realizada (E’). Os autores utilizaram Regressão
Linear Multivariada para determinar a associação
entre a duração do diabetes mellitus e a relação E/E’.
A modelagem de regressão logística multivariada foi
utilizada ainda para avaliar a associação entre a duração do diabetes mellitus e a disfunção diastólica do
ventrículo esquerdo. Com efeito, a duração do diabetes ≥ 4 anos, foi independentemente associada com
disfunção diastólica do VE no modelo de regressão
logística multivariada, após ajuste para idade, sexo,
índice de massa corporal, doença coronariana prévia,
hipertensão arterial prévia e fração de ejeção
(OR=1.91, IC 95%=1.19 – 3.07, p=0.007). Na modelagem multivariada de risco proporcional, a relação E/E’
pela ecocardiografia foi preditiva de todas as causas
de mortalidade após o ajuste para idade, sexo, doença coronariana, hipertensão arterial, fração de ejeção,
volume atrial e tempo de diabetes mellitus (razão de
risco = 1.11, 95% IC = 1.03 – 1.20, p = 0.005). Os autores descobriram que um E/E’, ≥ 15 pela ecocardiografia, foi um preditor significativo de todas as causas de
mortalidade no modo de risco multivariado proporcional, após ajustes para idade, sexo, doença coronariana, hipertensão arterial, fração de ejeção, volume
atrial e tempo de DM (RR=3.74, IC 95%=1.77 – 7.87,
p<0.001).
Os pacientes com diabetes miellitus apresentaram
menor CK-DI que os voluntários normais, embora não
houvesse diferença significativa de pressão arterial, na
geometria do VE, nas curvas de velocidade de fluxo
transmitral, nas curvas de velocidade do fluxo venoso
pulmonar, velocidades do anel mitral, e FE. Em vista
dos resultados (de Estudos 1 e 2), os pacientes com
diabetes miellitus, neste trabalho, poderiam ter disfunção diastólica do VE, e as curvas de velocidade de
fluxo transmitral e a velocidades do anel mitral eram
susceptíveis de ignorar esse fenômeno. No estudo
desses autores e em outros estudos clínicos, têm sido
demonstrados que o aumento atrial esquerdo está
intimamente relacionado com disfunção diastólica do
VE e ocorre maior dimensão do átrio esquerdo em
pacientes com diabetes miellitus do que nos voluntários normais 30, 31.
Embora o uso de técnicas de Dopplerfluxometria,
surgiram uma elevada prevalência de disfunção diastólica em pesquisas na comunidade e em estudos
Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives
menores de indivíduos com o tipo 1 e tipo 2 de diabetes sem doença arterial coronariana, a prevalência de
disfunção diastólica pode ser ainda subestimada 18, 32.
Se a utilidade de algumas estratégias terapêuticas
em pacientes assintomáticos com disfunção diastólica
será estabelecida no futuro, como em pacientes assintomáticos com disfunção sistólica, a detecção de tais
pacientes com imagem CK pode ser clinicamente valiosa. Pode-se argumentar contra essa conclusão porque não houve diferença significativa na relação E/E’
entre os pacientes e voluntários. No entanto, razão
E/E’ não é indicador direto da função diastólica do VE,
mas um índice de pressão de enchimento do VE 33, 34.
Assim, a falta de diferença de E/E’ entre os voluntários
não é contraditória com a conclusão retirada deste
estudo.
Considerações finais
O problema da síndrome metabólica e diabetes
aparecendo em pacientes mais jovens pode levar a
intervenções precoces, porque no momento em que o
diabetes tipo 2 é diagnosticado, mais do que 30-50%
dos pacientes já têm alguma evidência de doença
vascular 35, 36. Sabemos que o diabetes pode estar
fazendo danos silenciosos e contínuos ao coração,
mesmo naqueles sem complicações cardíacas manifestas, como demonstram alguns graus de disfunção
diastólica, que podem aparecer precocemente. Todavia, não há disponível dados na literatura de apoio
para uma investigação precoce na prática clínica, com
ecodopplercardiografia e suas novas técnicas, na abordagem desses pacientes com risco para desenvolverem complicações cardiovasculares.
Dentre as principais descobertas deste artigo estão
em demonstrar que existe uma associação entre a
duração do diabetes miellitus e disfunção diastólica
do VE; expor que uma duração do diabetes miellitus ≥
4 anos tem a mais forte associação com disfunção
diastólica do VE e mostrar que, em diabetes miellitus,
um aumento da relação E/E’ é associado com a mortalidade, podendo medir o poder prognóstico da relação
E/E’ em uma população de pacientes diabéticos sem
insuficiência cardíaca clínica. A relação E/E’ foi bem
correlacionada com pressão de enchimento do VE 33.
A avaliação formal da duração do diabetes miellitus e
da associação com disfunção diastólica do VE determinada pela relação E/E’, confirma e amplia os estudos anteriores que demonstram que o diabetes mellitus tem efeitos adversos independentes sobre a função diastólica e que a duração do diabetes mellitus
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98
Silveira - Disfunção diastólica e diabetes mellitus
pode ser associada a um agravamento da disfunção
diastólica 37, 38. Os resultados mostraram que existe
uma correlação direta entre a duração do diabetes
mellitus e a disfunção diastólica do ventrículo esquerdo, bem como que a disfunção diastólica do ventrículo
esquerdo significativa ocorre quatro anos após o início
do diabetes mellitus, independente de doença coronariana ou hipertensão. Talvez uma análise centrada
dos pacientes diabéticos com doença de duração superior a quatro anos poderia melhorar a sensibilidade
dos métodos propostos anteriormente para a seleção
entre cardiomiopatia e diabetes 39, 40.
Dada a associação entre a duração do diabetes
mellitus e a disfunção diastólica do ventrículo esquerdo, após o ajuste para doença coronariana e hipertensão, especulam-se que a etiologia da disfunção diastólica do ventrículo esquerdo deva ser em parte devido
ao diabetes mellitus em si ou às conseqüências do
diabetes mellitus. Na verdade, isso é consistente com
os dados do Strong Heart Study, que sugeriu que o
diabetes mellitus tem efeitos adversos cardíacos independentes que podem contribuir para eventos cardiovasculares em indivíduos diabéticos 41. Certamente, a associação entre a duração do diabetes mellitus
e o grau de disfunção do ventrículo esquerdo não
apenas sugere que a doença microvascular pode desempenhar um papel no desenvolvimento da diminuição da complacência ventricular esquerda, como descrito anteriormente, mas também uma alusão ao papel da desregulação autonômica e de fibrose cardíaca
na etilogia da disfunção diastólica do ventrículo esquerdo, tendo consequências bem conhecidas de
morte súbita 42, 43.
Finalmente, CK-DI foi bem correlacionada com o
relaxamento do VE em modelo animal de DHF, mesmo quando as pressões de enchimento do VE foram
elevadas e mudou com a alteração.
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