ela era s - StephenKing.com.br

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE GOIÁS
UNIDADE DE CIÊNCIAS SÓCIOECONÔMICAS E HUMANAS
FRANCISCO EDILTON REINALDO NUNES
“ELA ERA SÓ UMA CRIANÇA”
A EXTERIORIZAÇÃO DO BULLYING EM “CARRIE” DE STEPHEN
KING
Anápolis
2014
FRANCISCO EDILTON REINALDO NUNES
“ELA ERA SÓ UMA CRIANÇA”
A EXTERIORIZAÇÃO DO BULLYING EM “CARRIE” DE STEPHEN
KING
Artigo
apresentado
ao
Curso
de
Letras
da
Universidade Estadual de Goiás para a obtenção do
grau de licenciado em Letras – Português e Inglês
pela referida Universidade.
Orientadora: Euda Fátima de Castro
Anápolis
2014
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE GOIÁS
Unidade de Ciências Sócio-Econômicas e Humanas
TERMO DE AUTORIZAÇÃO PARA PUBLICAÇÃO DE
PRODUÇÃO INTELECTUAL EM MEIO ELETRÔNICO.
Eu ____________________________________________________________
autor da obra
Francisco Edilton Reinaldo Nunes
intitulada______________________________________________________________________
“Ela era só uma criança”: A exteriorização do bullying em “Carrie” de
Stephen King
______________apresentada
em ______/_______/_______
13
12
2014 como pré-requisito para obtenção
de diploma de ________________________________________
Licenciado em Letras – Português e Inglês , AUTORIZO a Biblioteca
Setorial desta Unidade Universitária a disponibilizar para fins de leitura, consulta, impressão
e ou downloading pela Internet, a título de divulgação da produção científica gerada no
âmbito da Universidade Estadual de Goiás, sem abdicar dos direitos autorais e patrimoniais
que envolvem a utilização da obra, estando ciente que o teor do conteúdo disponibilizado é
de minha inteira responsabilidade.
Anápolis, 19 de Dezembro de 2014
_______________________________
Assinatura do autor
“ELA ERA SÓ UMA CRIANÇA”
A EXTERIORIZAÇÃO DO BULLYING EM “CARRIE” DE STEPHEN
KING
Trabalho de Conclusão de Curso, aprovado como requisito para obtenção do grau
Licenciatura em Letras (Português/Inglês) no curso de Letras da Universidade Estadual de
Goiás.
Data de aprovação
13/12/2014
Banca Examinadora:
_____________________________
Prof.ª Ms. Euda Fátima de Castro
Universidade Estadual de Goiás
______________________________
Prof.ª Ms. Vânia Borges Arantes
Universidade Estadual de Goiás
AGRADECIMENTOS
A Deus. Aos familiares que me apoiaram nesta fase tão importante. À minha
orientadora, Euda Fátima de Castro, que tão pacientemente soube me guiar e me inspirar. À
minha noiva e amiga de todas as horas, Daviane Cristine Neves Silva, meu eterno obrigado
pelo apoio, paciência e compreensão nos momentos mais difíceis. À Universidade Estadual de
Goiás e, em especial, ao departamento de Letras, que me permitiu concretizar, com indizível
sensação de dever cumprido, mais esta etapa de minha vida. A todos que contribuíram para a
conclusão do curso de Letras, meu mais sincero obrigado.
RESUMO
O artigo que segue tem como objetivo defender o uso do texto literário para debate em sala de
aula, com o objetivo de tecer uma análise crítica um pouco mais aprofundada acerca do
conceito de “bullying” e sobre como ele é abordado no romance “Carrie", de Stephen King,
além de traçar pistas sobre como a utilização da temática pode ser efetivamente discutida em
um nível menos prosaico e, por consequência, mais abrangente. Sua importância se justifica
primeiro pela necessidade de não relegarmos o tema a um segundo plano, menos importante como ocorre em grande parte das instituições de ensino - e pela relevância da literatura
popular no cotidiano e sua significante abrangência. Identificar como se dá a construção num
nível fictício, com fortes embasamentos teóricos e práticos reais, pode nos auxiliar a
compreender um pouco melhor o fenômeno e nos fornecer pistas sobre como lidar com ele no
ambiente escolar. Para tanto, buscamos apoio teórico nas obras do Dr. Dan Olweus, psicólogo
e professor na Universidade da Noruega, pioneiro nos estudos sobre bullying e no trabalho de
Ana Beatriz Barbosa Silva, psicóloga e autora do livro “Mentes perigosas nas escolas:
Bullying”.
Palavras chave:
Stephen King. Bullying. Educação. Literatura de massa.
ABSTRACT
The following article aims at making a critical analysis about the concept of bullying and how
it is addressed in Stephen King’s novel “Carrie”, besides contributing with the literary text for
debate in the classroom and also producing some guidelines about how the use of this theme
can be more effectively discussed in a broader perspective. The importance of such a work is
the necessity of not relegating the issue - as it happens in most of the educational institutions
– and by the relevance of the popular literature in daily life and its significant extent.
Identifying how the construction on a fictional level works, with strong theoretical and real
foundations, can help us comprehend better the phenomenon e give us hints about how to deal
with it in the school environment. To this end, we seek theoretical support in the work of Dr.
Dan Olweus , a psychologist and professor at the University of Norway, a pioneer in studies
on bullying and the work of Ana Beatriz Barbosa Silva, psychologist and author of
"Dangerous Minds in schools : Bullying."
Key Words:
Stephen King. Bullying. Education. Mass literature.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 9
1
OBJETIVO ...................................................................................................................... 11
2
O AUTOR E A OBRA .................................................................................................... 11
3
O BULLYING EM “CARRIE” ..................................................................................... 13
3.1
Os agressores e o Espontâneo coletivo ....................................................................... 14
3.2
A vítima e o Premeditado Individual ......................................................................... 15
3.2.1 O Religioso ................................................................................................................... 17
4
O BULLYING COMO CONSTRUTO SOCIAL ......................................................... 19
5 O BULLYING E SEUS RESULTANTES EM LONGO PRAZO NO ROMANCE
DE STEPHEN KING ............................................................................................................. 21
6 A EXTERIORIZAÇÃO DO BULLYING EM “CARRIE” E SEUS “PARALELOS”
COM CASOS REAIS ............................................................................................................. 22
7 COMO TRABALHAR O ROMANCE EM SALA DE AULA PARA PREVENIR O
BULLYING ............................................................................................................................. 24
8
CONCLUSÃO ................................................................................................................. 27
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 29
9
INTRODUÇÃO
Antes de iniciar a discussão sobre o tema, é necessário esclarecer um pouco sobre o
que me levou a escrever sobre ele: a função social da literatura de massa e sua importância no
processo de formação de Alunos-Leitores.
Como bem lembrou Teresa Colomer, com relação ao ensino da literatura infantil, “o
ensino escolar sempre teve relação com os escritos para as crianças. Desde as origens desta
produção a escola acolheu os livros didáticos e organizou antologias de contos e narrativas
utilizadas para o ensino da leitura e para a formação moral” (Colomer, 2003)”. Com o tempo,
entretanto, em face à necessidade de apresentar aos alunos temas de caráter mais adulto e uma
própria estruturação textual mais complexa, os textos populares que sucedem os escritos para
as crianças são invariavelmente relegados a um segundo - quase inexistente - plano,
acompanhando uma tendência crítica de marginalização dessas obras, em defesa dos clássicos
que, como de costume, permanecem ocupando seus postos de honra praticamente canônicos
no ambiente escolar. Essa “obrigatoriedade” e o distanciamento de obras mais populares
tendem a privar o aluno de legitimar suas próprias escolhas e desenvolver o prazer espontâneo
pela leitura. Sobre isso, Paulino afirma que;
A formação de um leitor literário significa a formação de um leitor que saiba
escolher suas leituras, que aprecie construções e significações verbais de cunho
artístico, que faça disso parte de seus afazeres e prazeres. Esse leitor tem de saber
usar estratégias de leitura adequadas aos textos literários, aceitando o pacto ficcional
proposto, com reconhecimento de marcas linguísticas de subjetividade,
intertextualidade, interdiscursividade, recuperando a criação de linguagem realizada,
em aspectos fonológicos, sintáticos, semânticos e situando adequadamente o texto
em seu momento histórico de produção. (PAULINO, 2004, p.56).
Como fruto do processo de industrialização mercantil, a literatura de massa é
considerada por muitos críticos como subliteratura, resultado direto da ação capitalista sobre
a cultura moderna - autores são moldados pelo meio e não o contrário -, o que causa certo
“furor” entre os “intelectuais” que prezam apenas pelo clássico como fonte de consumo
literário, já que por vezes a própria qualidade de obras ditas como “populares” é subjugada
apenas devido ao alcance popular que estas obras obtêm. É um argumento no mínimo
contraditório, principalmente se levarmos em consideração a necessidade primária de uma
obra literária - a de ser lida -, que os elitistas optem apenas pela arte que, em geral, não
dialoga, ou pouco o faz, com o leitor comum, mas se restringe à parcela limitada de “bem
aventurados intelectualmente”. É preciso, neste âmbito, desmistificar a conceito errôneo de
10
que tudo que é popular ou qualquer produto destinado às massas, como resultado de uma
imersão na cultura capitalista, não possui necessariamente qualidades ou valor intelectual.
Conforme Paz;
Se o Best-seller é resultado do processo de industrialização e efeito da ação
capitalista sobre a cultura, é preciso levar em conta também que esse tipo de
narrativa tende a constituir-se em “campeão de vendas” porque se configura uma
poderosa estimuladora de leitura, isto é, tem o poder de mobilizar o olhar e estimular
a imaginação do leitor-consumidor. O fascínio duradouro dessa literatura indica que
não se pode analisá-la com uma visão simplista e redutora, limitando-a ao campo de
efeito de estratagemas mercadológicos ou como subproduto da literatura culta.
(PAZ, 2004:02)
No processo escolar de formação do Aluno-Leitor, a literatura de massa pode e deve
funcionar, em primeira instância, como estimuladora do hábito da leitura, preparando o aluno
para textos mais complexos. Um aluno nos primeiros anos do ensino médio, por exemplo,
cujo contato com a literatura se dá apenas no ambiente escolar, raramente possuirá bagagem
intelectual o suficiente para decifrar e compreender os meandros interpretativos de um
Machado de Assis ou qualquer outro autor clássico comumente abordado nas escolas.
Entretanto, um trabalho de intertextualidade - e aqui a literatura comparada pode fornecer os
meios para os fins - com textos mais acessíveis e que abordem temáticas semelhantes, porém
de maneira mais atual, pode ajudar e muito o aluno no processo de imersão e compreensão de
uma obra mais complexa, desenvolvendo assim o gosto pela leitura. Nesse sentido, Todorov
diz:
(...) Estou convencido de que, para aceder à grande literatura, deve-se primeiro
aprender a amar a leitura. (...) Eu mesmo, há muito tempo, comecei a ler versões
simplificadas dos clássicos em búlgaro. (...) Isso não me impediu de abordar o texto
completo do romance alguns anos mais tarde. Desse ponto de vista, eu recomendo
sempre, O Conde de Monte Cristo‟ [de Alexandre Dumas] ou, por que não?, As
aventuras de Harry Potter. (TODOROV, 2007)
É importante ainda ressaltar que abordar textos mais acessíveis não significa
minimizar o valor destes, desmerecer os clássicos ou mesmo subjugar o intelecto do aluno,
mas sim situá-los em um tempo e espaço que o deixem confortável para tecer suas próprias
linhas interpretativas e argumentos críticos, até que tenha maturidade o suficiente para fazê-lo
em um nível conscientemente mais elevado, que envolva satisfação em oposição à obrigação.
Assim, de acordo com Zilberman,
11
Compete hoje ao ensino da literatura não mais a transmissão de um patrimônio já
constituído e consagrado, mas a responsabilidade pela formação do leitor. A
execução dessa tarefa depende de se conceber a leitura não como o resultado
satisfatório do processo de alfabetização e decodificação de matéria escrita, mas
como atividade propiciadora de uma experiência única com o texto literário.
(ZILBERMAN, 2008: 22-23)
1 OBJETIVO
O presente trabalho tem como objetivo principal, contribuir para a realização do
debate saudável acerca do bullying em sala de aula, evidenciando a presença do fenômeno no
romance abordado, com ênfase no relacionamento de poder apresentado de maneira explicita
no ambiente escolar que é retratado no livro. A literatura de massa, nesse âmbito, pode
funcionar como força motivadora de reflexão por parte dos alunos e da comunidade escolar
acerca do reconhecimento, prevenção e/ou combate do bullying nas escolas. É importante
ressaltar ainda que, como fonte de conhecimento, o texto literário, ainda que se firme na
ficção, pode – e por vezes o faz, com bastante eficácia – contribuir de maneira significativa
para a construção do saber, ao passo em que emula valores, conflitos, ideais e costumes
sociais com os quais já nos encontramos familiarizados, mas que por vezes não damos a
devida atenção.
...É possível encontrar no texto literário um caminho de construção do saber, no qual
a humanização pode ocorrer na medida em que se passa a pensar no homem, no que
lhe é pertinente, nas coisas que estão em seu entorno e nas relações que
movimentam toda essa complexidade, ou seja, a própria humanidade.(CORINGA,
MOREIRA, GOMES, 2012)
Por tratar-se de uma novela que está centralizada na figura de uma jovem que sofre
direta e indiretamente os efeitos do bullying, a obra escolhida para compor o corpus de análise
do trabalho que segue foi o livro “Carrie”, do autor popular norte-americano Stephen King.
Como referencial bibliográfico serão utilizados os conceitos abordados pelo Dr. Dan Orweus,
- pioneiro no estudo sistematizado do Bullying – em seu livro “Bullying at school” e
principalmente os estudos realizados pela psiquiatra Ana Beatriz Barbosa Silva, divulgados
em um de seus trabalhos mais conhecidos; Mentes Perigosas nas Escolas: Bullyng (2010).
2 O AUTOR E A OBRA
12
Stephen Edwin King é um renomado autor de romances populares nascido em
Portland, no estado do Maine, no dia 21 de Setembro de 1947. Seu primeiro romance,
publicado pela Editora Doubleday, em 1974, “Carrie” teve seus direitos de produção vendidos
para o cinema por $400.000 dólares, o que possibilitou que o autor abandonasse a carreira de
professor de inglês na Universidade do Maine e se dedicasse em tempo integral à escrita.
Desde então se consagrou como autor extremamente prolífico, com centenas de trabalhos
publicados entre romances, contos, roteiros para a TV e cinema, crônicas e ensaios. Seu
trabalho já foi consagrado com diversos prêmios, dentre eles destacam-se o “O. Henry
Awards” de 1996 pelo conto "The Man in the Black Suit" e a Medalha de Contribuição à
Literatura Americana da National Book Foundation recebida pelo autor em 2003. Apesar do
conteúdo por vezes sobrenatural e fantástico (que funcionam mais como uma metáfora
contextualizada dos seus próprios temores), seus romances retratam a sociedade americana
contemporânea de maneira realista e excessivamente crítica.
“Carrie” conta a história de uma garota chamada Carrieta N. White que é hostilizada
pelos seus colegas de classe desde o primário, além de ser alvo de constantes abusos pela
mãe, religiosamente instável, Margaret White. Após um constrangedor incidente que ocorre
quando a garota passa pelo seu primeiro período menstrual no chuveiro do colégio, após uma
aula de ginástica (até então ela nunca ouvira falar do termo e quando ocorreu o fato pensou
que “sangraria até morrer”), ela é ostensivamente hostilizada pelas suas colegas, que jogam
tampões e absorventes, rindo da situação degradante. Como resposta inconsciente, a partir
deste episódio, Carrie passa a desenvolver um dom que aparentemente possuía de maneira
natural e que permanecera latente até que aparecesse um catalisador maior, um dom que a
permite mover objetos apenas com o poder da mente. Posteriormente, Carrie usaria esse
“dom” para se vingar de todos aqueles que riram e caçoaram dela, principalmente seus
colegas de escola.
Apesar da aparente simplicidade da trama, Carrie não se resume a um romance
popular sobre uma garota com super-poderes - questões sobre a telecinese e seu papel
fundamental na exteriorização hostil resultante do bullying serão abordados na trama, mais
adiante -, mas trata-se de uma crítica sólida, permeada de aspectos relevantes e perturbadores
em igual proporção, no que diz respeito ao bullying e seus resultantes. Antes de seguirmos
adiante, é de suma importância para uma melhor compreensão do fenômeno e de como ele foi
abordado no romance, compreender quais elementos colaboraram para a exteriorização hostil
como resposta da personagem principal e consequente resultado final.
13
Stephen King usou sua experiência como aluno e posteriormente como professor de
Inglês para recriar em seu romance as hostilidades características do ambiente escolar, em
especial aquilo que Stephen J. Spignesi chamou em seu “o essencial de Stephen King” de
“Sistema de Casta”, a relação de poder hierárquico que tanto inclui quanto exclui alunos do
convívio social (SPIGNESI, 2001). A personagem principal, por sua vez, foi inspirada,
segundo o próprio autor conta no prefácio da edição de 1999, em outras duas garotas que ele
conhecera quando ainda era adolescente, Tina White e Sandra Irving. Sobre Tina, ele diz:
“Tina estudou comigo na Durham Elementary School. Era uma bucólica escola do
interior de quatro salas, talvez com 60 alunos ao todo. Tina era gorducha e quieta,
caipira de chorar. Em toda a turma há aquele bode expiatório, o que sempre sobra na
dança das cadeiras, o que sempre acaba carregando o cartaz dizendo ME CHUTE, o
que está por baixo da hieraquia social. Tina era essa aluna…” (KING, Stephen;
1999, p. 11)
A respeito de Sandra Irving, ele faz a seguinte observação:
Sandra Irving morava a uns dois quilômetros e meio da casinha onde eu me criei.
Não havia pai no cenário, só a mãe e o enorme pastor-alemão com o nome
estapafúrdio de Cheddar Cheese. A Sra. Irving um dia me contratou para ajudá-la a
mudar uns móveis de lugar – eu devia ter uns 16 anos na época -, e fiquei
impressionado com o crucifixo que havia na sala, pendurado em cima do sofá
delas… Eu soube que os Irvings tinham uma religiosidade esquisita e fervorosa que
excluía nossa igreja metodista normal… Essa religião era em parte o que mantinha
as crianças longe de Sandy. O cheiro dela – não de sujeira, mas um ranço estranho
de poeira, doce e enjoativo como pó de livro – também contribuía para isso, assim
como o fato de ela ter ataques epilépticos e usar roupas estranhas, pudicas e
antiquadas…” (KING, Stephen; 1999, p. 11)
Ainda que seu romance tenha sido escrito há mais de 40 anos, os aspectos
relacionados ao bullying – que na época sequer tinha essa definição – são bastante atuais. Isso
se caracteriza pelo fato do bullying ser um fenômeno atemporal (SILVA, 2010). A
hostilização como ferramenta de intimidação nas escolas é tão antiga quanto a própria escola
como instituição, porém só passou a ser relativamente estudado nas últimas décadas, face à
necessidade de compreender e prevenir as graves consequências psicológicas a curto e a longo
prazo que podem resultar do fenômeno.
3 O BULLYING EM “CARRIE”
14
Para o presente artigo será levada em consideração a definição do Dr. Dan Olweus
(1993) na qual o bullying se caracteriza pela repetição do comportamento agressivo/negativo
e assimetria de forças, com a intenção de causar dano, de espécie moral ou física e que no
âmbito escolar é geralmente direcionado para estudantes mais frágeis e incapazes de se
defenderem. As ofensas podem variar e vão desde opressão, ridicularização, xingamentos - de
conteúdo racista, religioso, homofóbico, sexista - até, em muitos casos, agressões físicas
como chutes, empurrões, socos, entre outros. Esse tipo de assédio é mais conhecido como
assédio escolar direto (SILVA, 2010) e é mais comum entre agressores do sexo masculino.
Entretanto, o bullying também pode se manifestar de maneira mais indireta, sendo mais
comum entre agressores do sexo feminino.
O assédio indireto é caracterizado pelas agressões psicológicas e pela necessidade do
agressor de isolar a vítima socialmente com a recusa direta em promover a socialização, além
da intimidação de terceiros que desejam se socializarem com elas. No romance de Stephen
King notamos claramente cada um desses estágios no comportamento dos adolescentes da
escola da escola da cidade fictícia de Chamberlein, Maine, onde a personagem principal
estuda.
Para facilitar a compreensão dos aspectos que serão abordados a seguir, tomei a
liberdade de subdividir o byullying em três aspectos distintos, que aparecem de maneira muito
clara no romance:
3.1 Os agressores e o Espontâneo coletivo
Caracteriza-se pela espontaneidade coletiva das ações que, geralmente, se dão no
âmbito escolar em um grupo de duas ou mais pessoas, que se encaixam naquilo que Silva
chamou de “Espectadores ativos”:
Estão inclusos neste grupo os alunos que, apesar de não participarem ativamente dos
ataques contra as vítimas, manifestam “apoio moral” aos agressores, com risadas e
palavras de incentivo. Não se envolvem diretamente, mas isso não significa, em
absoluto, que deixem de se divertir com o que veem... (SILVA, 2010, p. 46)
As ações perpetradas por este grupo em geral não são ações premeditadas, mas ainda
são voluntárias e deliberadas, que padecem de motivações superficiais e necessitam, na
maioria das vezes, de reforços externos para acontecerem. Apresentam-se de maneira menos
drástica fisicamente, em contrapartida são psicologicamente mais ofensivas e no livro elas se
15
traduzem na forma de ofensas verbais, escritas, de exclusão social e de inferiorização
psicológica. Nem todos os membros do grupo partilham necessariamente dos mesmos ideais e
as hostilidades praticadas nem sempre são de comum acordo. As ações são potencializadas
por um elemento do grupo responsável por levar adiante as afrontas.
3.2 A vítima e o Premeditado Individual
Para definir com mais precisão o Bullying e diferenciá-lo de uma simples brincadeira
não-tão-saudável entre amigos, Olweus (1993) dividiu o assédio escolar em três aspectos
bastante claros e distintos:
O comportamento é agressivo e negativo;
O comportamento é executado repetidamente;
O comportamento ocorre num relacionamento onde há um desequilíbrio de
poder entre as partes envolvidas.
Ainda que todos os aspectos levantados pelo Dr.Olweus apareçam de maneira bastante
clara no trabalho de Stephen King, o último é, talvez, o mais significativo. Como acontece
fora da ficção, no romance de King há também um claro desequilíbrio de poder, onde o maior
prevalece sobre o menor, o popular sobre o impopular, o agressor - com ferramentas que, se
não são socialmente aceitas, são pelo menos ignoradas a respeito da vítima. Esse desequilíbrio
de “poder” caracteriza-se principalmente pelas ações predeterminadas de um indivíduo
isolado, cujas necessidades não são satisfeitas pelas hostilidades do espontâneo coletivo. São
ofensas mais diretas e pessoais, através das quais o indivíduo busca o prazer de inferiorizar e
controlar sua vítima de forma deliberada, sem que haja qualquer tipo de provocação por parte
dos oprimidos. Neste âmbito, o elo mais fraco, e para o qual a corda sempre tende a
arrebentar, é Carrieta White, caracterizada aqui como a vítima típica, segundo o conceito de
Silva.
As vítimas típicas são os alunos que apresentam pouca habilidade de socialização.
Em geral são tímidas ou reservadas, e não conseguem reagir aos comportamentos
provocadores e agressivos dirigidos contra elas. Normalmente são mais frágeis
fisicamente ou apresentam alguma “marca” que as destaca da maioria dos alunos:
são gordinhas ou magras demais, altas ou baixas demais; usam óculos; são “caxias”,
deficientes físicos; apresentam sardas ou manchas na pele, orelhas ou nariz um
pouco mais destacados; usam roupas fora de moda; são de raça, credo, condição
socioeconômica ou orientação sexual diferentes... Enfim, qualquer coisa que fuja ao
padrão imposto por um determinado grupo pode deflagrar o processo de escolha da
vítima do bullying. (SILVA, 2010, p. 38)
16
A personagem Carrie se encaixa perfeitamente na descrição feita por Silva. Uma
garota de origem humilde, trejeitos simples, sem atrativos físicos relevantes, socialmente
estigmatizada e cuja principal preocupação é manter-se longe das brincadeiras de mau gosto
das colegas de sala, conforme podemos verificar no trecho abaixo:
Ninguém achou nada de mais quando isso aconteceu, não no nível subconsciente
onde vicejam coisas primitivas. Aparentemente, todas as meninas nos chuveiros
ficaram chocadas, empolgadas, envergonhadas, ou apenas contentes que aquela
nojenta da White tivesse levado na cabeça de novo. Algumas delas também podem
ter manifestado surpresa, que obviamente era fingida. Carrie era colega de algumas
delas desde a primeira série, e esse sentimento vinha aumentando desde aquela
época, lentamente, sem mudar, de acordo com todas as leis que governam a natureza
humana, aumentando com toda a regularidade de uma reação em cadeia
aproximando-se da massa crítica. (KING, Stephen, 1999, p. 15)
A contraparte social de Carrie White pode ser encontrada na personagem de Chris
Hargensen, colega de sala de Carrie e principal responsável por levar adiante as afrontas
perpetradas contra Carrie. Chris apresenta características típicas dos agressores: não
compreende o sofrimento alheio - em alguns trechos da história chega até mesmo a “se
alimentar” deles -, apresenta clara ausência de sentimento de culpa, desrespeito às normas
vigentes, além de possuir uma forte tendência a cometer atos de delinquência (SILVA, 2010),
como aqueles que nos levam a saber um pouco mais sobre seu passado, em um trecho quando
Henry Grayle, o diretor da escola, conversa com o pai de Chris e a reprime pelo que ficou
conhecido como “o episódio do banheiro”:
- Aqui – Grayle pegou um maço de fichas cor-de-rosa na cesta de ENTRADA ao
lado do risque-rabisque. – Duvido que o senhor conheça a filha retratada nessas
fichas tão bem quanto pensa. Se conhece, talvez percebesse que está na hora de lhe
dar um corretivo. Já é tempo de repreendê-la com severidade antes que ela
prejudique alguém seriamente.
- O senhor não está...
- Ewen, quatro anos – Grayle prosseguiu sem deixá-lo falar. Graduação marcada
para Junho de 79; mês que vem. Média de 83 no teste de Q.I. de 140. Mesmo assim,
vejo que foi aceita em Oberlin. Imagino que alguém, provavelmente o senhor, Sr.
Hangersen, andou mexendo uns pauzinhos. Setenta e quatro retenções. Vinte delas
por importunar alunos desajustados, devo acrescentar. Bolhas. Ouvi dizer que a
turma de Chris os chama de Mongos de Mortimer. Elas acham isso bem hilariante.
Sua filha matou 51 dessas retenções. Na Chamberlain Junior High, foi suspensa por
colocar um busca-pé no sapato de uma menina... a anotação na ficha diz que essa
brincadeirinha quase custou dois dedos de uma menina chamada Irma Swope. Essa
menina tem lábio leporino, pelo que sei. Estou falando sobre sua filha. Sr.
Hangersen. Isso lhe diz alguma coisa? (King, Stephen, 1999, p. 54)
17
Sua relação hostil com a oprimida apresenta ainda atitudes premeditadas e “traços de
transgressão de personalidade com perfil de crueldade” (SILVA, 2010), atitudes muito
comuns em se tratando de agressores típicos, como podemos verificar em diversos trechos do
romance. O trecho abaixo, por exemplo, é parte de uma carta escrita pela personagem Chris
Hangersen para uma colega do colégio, onde ela exterioriza de maneira mais explicita toda a
raiva contida dentro de si, não apenas contra Carrie, mas contra todos aqueles que ela
considerava “injustos” para com ela;
Então estou fora do Baile e o fraco do meu pai diz que não vai dar a eles aquilo que
eles merecem. Mas eles não vão sair dessa impunemente. Ainda não sei exatamente
o que vou fazer, mas garanto que vai ser uma puta surpresa para todo mundo...
(KING, Stephen, 1999, p. 54)
Aqui Stephen King narra o momento em que Chris conhece Billy Nolan, seu colega de
sala e “ficante”, que futuramente se tornaria cúmplice das hostilidades contra Carrie;
Conhecera Billy depois de uma batida num apartamento em Portland. Quatro
estudantes, entre eles o rapaz que estava saindo com Chris naquela noite, foram
presos por posse de droga.Chris e as outras meninas foram fichadas por estarem no
local. Seu pai cuidou do caso com discrição e eficiência, e lhe perguntou se sabia o
que aconteceria com a imagem dela e a clientela dele se ela se envolvesse num
processo ligado a drogas. Chris respondeu que duvidada que alguma coisa pudesse
prejudicar algum deles dois, e o pai a deixou sem carro. (KING, Stephen, 1999, p.
91)
No trecho seguinte temos parte de uma reportagem fictícia, que compõe o corpus do
livro, onde o “autor” questiona as motivações da personagem Chris Hengersen;
Consigo entender alguma coisa do que deve ter levado ao que aconteceu no baile.
Ainda que seja uma coisa horrível, entendo como alguém como Billy Nolan possa
ter entrado nessa, por exemplo. Chris Hangersen o levava no cabresto – pelo menos
a maior parte do tempo. Ele próprio levava os amigos dessa forma. Kenny Garson,
que parou de estudar aos 18 anos, sem ter terminado o ensino médio, tinha leitura de
nível de terceira série. Clinicamente, Steve Deighan era pouco mais que um idiota.
Alguns dos outros eram fichados na polícia; um deles, Jackie Talbot, foi preso pela
primeira vez aos nove anos por roubar calotas. Para quem tenha mentalidade de
assistente social, essas pessoas podem até ser vistas como pobre vítimas.
Mas o que se pode dizer de Chris Hengersen?
Parece-me que, desde o primeiro momento, seu único objetivo era a total e
completa destruição de Carrie White... (KING, Stephen, 1999, p. 76)
3.2.1
O Religioso
18
O terceiro tipo de hostilização está mais ligado à concepção de autoestima da vítima e
acontece em sua própria casa. Para efeitos de praticidade, será considerada aqui como uma
subdivisão do espontâneo coletivo, já que não há necessariamente a vontade de fazer o mal
por parte do agente opressor, representado no romance pela figura de Margareth White, mãe
de Carrie.
Para entender o quão graves foram as distorções psicológicas sofridas por Carrie – e
que fizeram com que ela se tornasse um ser humano de comportamento passivo e excesso de
baixa autoestima - é preciso compreender, primeiro, a contextualização de sua rígida criação
metodista e o modo como isso influenciou sua infância e parte de sua breve adolescência.
Carrieta White morava em uma casa repleta de quadros religiosos, além de um
crucifixo gigante, com a perturbadora imagem de um Jesus Cristo perseguindo-a aonde quer
que ela fosse com seu olhar agonizante. Carrie tinha pesadelos a noite com essa imagem, num
resultante claramente negativo do modo como a religião fora apresentada para ela desde
pequena. Uma religião que ela aprendera a seguir, antes de respeitar, um Deus que ela
aprendera a temer em excesso, antes mesmo de amar. Essa concepção, apesar de lapidada no
decorrer dos anos de convivência com a mãe, tivera seus alicerces fortemente construídos
com a ajuda da figura do falecido pai, Ralph White, um trabalhador da construção civil que
morrera em um acidente com um guindaste, enquanto trabalhava em uma obra em Portland,
Maine, apenas sete meses antes do nascimento de sua filha.
Ralph é descrito no romance como um homem alto, de feições rudes e cara de mau, do
tipo que ninguém gostava de encarar. Um homem extremamente religioso, que quando ia
trabalhar levava embaixo do braço uma bíblia e um revolver calibre 38. A bíblia era para o
intervalo do almoço e do café. O 38 para um possível anticristo que encontrasse no serviço.
Quando Ralph morreu, Margareth White se viu obrigada a seguir em frente
praticamente sem ajuda. Seu fanatismo religioso afastou qualquer parente ou prováveis
amigos mais próximos. Como resultado, ela acabou dando a luz a Carrie sozinha. De início
ela considerava Carrie como um rebento indesejado, o fruto de uma relação pecaminosa, o
castigo de Deus diante da afronta a ele cometida. Sua aversão à maternidade alcançou níveis
tão absurdos que desde o quinto mês de gravidez a Sra. White estivera firmemente convicta
de que havia desenvolvido um “câncer das partes íntimas”, ignorando por completo a
possibilidade da gravidez. Com o nascimento da filha, numa situação completamente adversa,
ela dera a luz em seu quarto, em meio a gritos de misericórdia, enquanto achava que Deus a
estava levando, Margareth acabaria por transmitir à Carrie parte do seu “legado religioso”,
impedindo que, entre outras coisas, a menina se socializasse com outras crianças, dando início
19
a um processo de reclusão física, moral e psicológica que não tardaria a trazer graves
consequências.
No depoimento da personagem Estelle Horan para a revista Esquire
1
fica evidente o
fato de que Carrie fora uma criança comum, que sofrera profundas alterações psicológicas ao
passo em que crescia em um ambiente emocionalmente instável.
- Ela era uma menina tão linda – continuou Stella Horan acendendo outro cigarro. –
Vi algumas fotos dela no ensino médio, e aquela horrorosa fora de foco em preto e
branco na capa da Newsweek. Olho para elas e a única coisa que penso é: meu Deus,
o que aconteceu com ela? O que aquela mulher fez com ela? Depois, passo mal, de
pena. Ela era tão linda, tinha as bochechas rosadas e olhos castanhos vivos, um
cabelo com aquele tom de louro que a gente sabe que vai escurecer e ficar cor de
rato. Um doce é a expressão que cabe. Um doce, viva e inocente. A doença da mãe
dela ainda ao a tinha atingido muito profundamente. (KING, Stephen, 1999, p. 30)
Segundo Peter Straub, renomado autor de romances de suspense e terror, “King é
essencialmente naturalista: O destino orienta o homem, mas através do livre arbítrio podemos
escolher entre o moral e o imoral.” (STRAUB, 1998). Até que ponto Carrie White realmente
tinha essa opção, mesmo depois de tanto reler e investigar os recantos mais obscuros desta
obra, ainda é um mistério. Independente de quais foram suas orientações religiosas,
independente do modo como isso provavelmente abalou suas já fragilizadas estruturas
emocionais e morais, o fato é que Carrie crescera à margem de uma sociedade que a
estigmatizava, em parte, devido a sua própria concepção de mundo, fora dos padrões tidos
como “normais”. Uma sociedade que se recusava a aceitá-la, repudiando-a pelo simples fato
de se vestir e/ou agir diferente2 dos demais. Em resumo, essa faceta do ser humano dito como
racional mostra-se tão ignorante, absurdamente ilógica e perturbadora quanto à exteriorização
resultante dela, que será abordada no tópico seguinte.
4 O BULLYING COMO CONSTRUTO SOCIAL
O bullying é visto, na maioria das vezes, pelas instituições de ensino, como um
problema de relações estritamente sociais (OLWEUS, 1993), para as quais cabe
principalmente aos envolvidos - tanto agressores como agredidos - desenvolverem por si sós
mecanismos de reestruturação social que permitam a boa convivência entre os pares. Neste
1
O livro é repleto de menções a publicações fictícias em revistas reais, um recurso usado para dar mais
verossimilhança à obra, num processo semelhante ao adotado por Bram Stoker em “Drácula” (1897).
2
Diferença essa que fora inclusive acentuada na versão nacional do romance, que até hoje é republicado com o
subtítulo “A Estranha”.
20
âmbito, uma intervenção mais efetiva por parte do corpo docente tem se mostrado muitas
vezes pouco eficiente, seja pelo despreparo dos professores ou mesmo pela falta de
conscientização acerca dos reais problemas oriundos do fenômeno em questão. Em grande
parte dos casos a culpabilidade recai sobre opressores considerados imaturos o suficiente para
assumirem-se como indivíduos problemáticos. Partindo deste pressuposto, seria um erro
imaginar que o bullying nas escolas, em especial nos níveis médios de ensino, possa ser
provocado por cidadãos conscientes de seus respectivos papeis na sociedade e das
consequências dos seus atos?
Em um determinado momento do romance a personagem Sue Snell, uma das garotas
que havia participado do episódio dos absorventes no banheiro da escola onde Carrie
estudava, e importante personagem na trama, sugere que seu namorado, Tommy Ross,
convide Carrie para o baile de formatura da turma, abdicando ela própria de sua noite de gala,
- numa das poucas manifestações quase altruístas do romance, já que Sue o faz mais para se
ver livre de sua própria culpa do que para ajudar Carrie -. Ao ouvir a sugestão, Tommy a
principio reluta, aceitando a ideia da exclusão social de Carrie como um fato inerente ao
comportamento humano.
- É assim que eu quero, Tommy.
- Bem, eu não quero assim. Acho que isso é a maior loucura que já ouvi. O tipo de
coisa que talvez a pessoa faça numa aposta.
O rosto dela se contraiu.
- É? Pensei que você é que estivesse fazendo aqueles discursos bonitos outro dia.
Mas na hora de provar que acredita no que diz...
- Espere, ei. – Sem estar ofendido, ele sorria. –Eu não disse que não, disse? Pelo
menos, ainda não.
- Você...
- Espere. Espere aí. Deixe eu falar. Você quer que eu convide Carrie White para o
baile de primavera. Certo, isso eu entendi. Mas tem umas outras coisas que não
estou entendendo.
- Diga quais são. – Ela se inclinou à frente.
- Primeiro, o que se ganharia com isso? E segundo, o que leva você a pensar que ela
vai aceitar ser eu convidar?
- Como, aceitar! Ora... – Ela se atrapalhou. – Você é... todo mundo gosta de você e...
- Nós dois sabemos que Carrie não tem por que ter maiores simpatias por pessoas de
quem todo mundo gosta.
- Com você, ela iria.
- Por quê?
Pressionada, ela tinha um ar desafiador e ao mesmo tempo arrogante.
- Já vi como ela olha para você. Está vidrada. Como metade das garotas de Ewen.
Ele revirou os olhos.
- Bem, só estou lhe dizendo – defendeu-se Sue. – Ela não vai conseguir recusar.
- Vamos imaginar que eu acredite em você – disse ele. – E as outras coisas?
- Está falando do que se ganharia com isso? Ora... faria com que ela saísse daquela
casca, claro. Que ela... – Sua voz sumiu.
- Participasse das coisas? Ora, Suze. Você não acredita nessa besteira. (KING,
Stephen, 1999, p. 62, 61)
21
A ideia de que um ser humano possa ser socialmente estigmatizado, ainda que as
intenções por parte do agente ativo não sejam de todo explícitas, apenas por não se enquadrar
em um padrão pré-estabelecido por um grupo é tão comum quanto perturbadora,
principalmente se levarmos a questão para um nível mais aprofundado de autocrítica.
Tememos e hostilizamos aquilo que nos é diferente, desconhecido ou pouco familiar. Quando
criança, esse tipo de característica tende a ser mais acentuada, visto que não padecemos de
espécie alguma de freio moral que nos impeça de agir dessa forma. Tememos o suposto
monstro do armário, num nível mais aprofundado de ignorância, ou estigmatizamos aquele
garoto desenturmado porque ele tem espinhas demais no rosto. O discurso aqui aplicado é
menos tendencioso, afinal, “somos apenas crianças”. Com o passar dos anos, entretanto, a
maturidade nos fornece suporte necessário para estabelecermos conexões lógicas e, por fim,
chegarmos à conclusão de que não é correto, do ponto de vista moral pré-estabelecido pelas
convenções sociais, fazermos juízo predeterminado de alguém com quem não temos nenhum
tipo de familiaridade e/ou agir de forma hostil por esse motivo. Isso acontece em um nível
consciente de aprendizado, mas a questão é: até que ponto tal julgamento pode ser
considerado genuinamente altruísta? A falta de concepção moral que nutrimos na infância se
perde com o decorrer dos anos ou é apenas omitida, devido ao senso de certo e errado que
construímos em paralelo com a idade e com a sociedade que nos cerca? Difícil responder, já
que nossas próprias noções de certo e errado se confundem, quando analisadas de um ponto
de vista mais pragmático.
5 O BULLYING E SEUS RESULTANTES A LONGO PRAZO NO ROMANCE DE
STEPHEN KING
Segundo Silva (2010), vítimas de bullying na infância ou adolescência podem
desenvolver doenças psicossomáticas graves em longo prazo, como resultado da hostilização
constante, tais como pânico, depressão, fobias e psicoses, nas quais o bullying constitui um
fator desencadeante efetivo para que todos estes transtornos venham à tona (SILVA, 2010). A
personagem Carrie se encaixa perfeitamente na descrição feita pela psicóloga, apresentando
um quadro clínico que se desenvolveu sofrendo influência direta da rígida criação metodista
da mãe e que sugere, entre outras coisas, ansiedade generalizada, isolamento social e grave
adoecimento psíquico. Isso fica bastante claro em alguns trechos do livro, como, por exemplo,
quando Carrie precisa lidar com sua própria imagem no espelho, enxergando a si mesma de
forma depreciativa:
22
Viu o próprio rosto no espelhinho pendurado atrás da porta, um espelho com uma
moldura barata de plástico verde, que só servia para ela se ver quando se penteava.
Odiava aquela cara, aquela cara sem graça, idiota e bovina, os olhos insípidos,
as espinha vermelhas e brilhantes, os ninhos de cravos. Odiava sua cara mais que
tudo. (KING, Stephen, 1999, p. 38)
Ou, quando, logo no início do romance, após o “episódio do banheiro”, os primeiros
sintomas de agressividade começam a surgir na já perturbada mente de Carrie:
Ela desceu a Ewen Avenue e atravessou para a Carlin Street no sinal da esquina. Ia
cabisbaixa e tentava não pensar em nada. As cólicas iam e vinham em grandes ondas
de espasmos, fazendo-a frear e acelerar como um carro com problema no
carburador. Olhava para a calçada. Quarto reluzindo no cimento. Grades
fantasmagóricas de jogos de amarelinha riscadas a giz e desbotadas pela chuva.
Chicletes amassados. Pedaços de papel alumínio e papeis de bala. Elas todas odeiam
e não param. Elas nunca se cansam disso. Um centavo dentro de uma rachadura.
Chutou-o. Imagine a Chris Hangersen toda ensanguentada e pedindo clemência aos
gritos. Com ratos andando pela cara. Ótimo. Ótimo. Um cocô de cachorro com uma
pegada no meio. Um tubo de tampas escuras que um garoto amassou com uma
pedra. Guimbas. Esmagar a cabeça dela com uma pedra, com uma pedra grande.
Esmagar a cabeça delas todas. Ótimo. Ótimo. (KING, Stephen, 2010, p. 26)
Neste contexto, o próximo tópico a ser abordado, a exteriorização dos receios oprimidos
de Carrie, funciona como uma espécie de “grito final de libertação dos oprimidos”, uma
tentativa de fazer-se notada – seja por ela mesma ou por aqueles que a rodeiam -, um
conscientizar-se, um tornar-se importante, uma tentativa inconsciente de firmar-se como
membro relevante em uma sociedade que a renegara constantemente, baseada em valores
supérfluos e aspectos culturais e sociais que estigmatizam aquilo que é diferente em prol da
uma suposta unidade tida como “normal”.
6 A EXTERIORIZAÇÃO DO BULLYING EM “CARRIE” E SEUS “PARALELOS”
COM CASOS REAIS
Em seu estudo sobre o fenômeno, Silva afirma que uma parcela dos jovens que sofre
bullying carrega os traumas dessa vitimização para a vida adulta, “tornando-se pessoas
ansiosas, inseguras, depressivas, ou mesmo agressivas” (SILVA, 2010). Sobre isso, a autora
ainda disse o seguinte:
Dentro do contexto, eles costumam canalizar, de forma autodestrutiva, toda sua
agressividade, tanto a naturalmente produzida no seu interior (necessária para sua
autoafirmação e enfrentamento da vida) quanto a que lhe é imposta pela agressão de
terceiros. O resultado final dessa triste história costuma ser quadros de isolamento,
23
adoecimento psíquico e, dependendo da predisposição biopsicológica de cada
individuo, até quadros psicóticos, de suicídio e homicídio. (SILVA, 2010, p. 68)
No romance de Stephen King essa exteriorização das frustrações resultantes se dá
através de um fenômeno conhecido como telecinese - s.f. Em parapsicologia: movimento
espontâneo de objetos sem intervenção de força ou energia observável. De maneira vingativa
e brutal,
Carrie, em um lapso instintivo de fúria, decide acabar com a vida dos que
praticavam bullying contra ela, utilizando-se de seu “dom” para mover objetos sem tocá-los.
Os paralelos fora da ficção, ainda que não sejam tão imaginativos ou fantásticos assim, são
violentos em igual proporção.
Na manhã do dia 7 de Abril de 2011, por volta das 08:30, a Escola Municipal Tasso de
Silveira, localizada no bairro do Realengo no Rio de Janeiro, foi invadida por um atirador. O
jovem Wellington Menezes de Oliveira, de apenas 23 anos, armado com dois revólveres,
disparou contra os alunos, matando doze deles, com idades entre 13 e 16 anos, suicidando-se
logo que foi interceptado pelos policiais. Ainda que a motivação do crime figurasse como
incerta, na época, a nota de suicídio deixada pelo atirador e o testemunho público da irmã
adotiva e de um colega próximo pintavam um jovem recluso, tímido, de poucos amigos, com
os quais se relacionava apenas pela internet, avesso até mesmo à vida familiar e vítima
constante de bullying na adolescência: “Muitas vezes aconteceu comigo de ser agredido por
um grupo, e todos que estavam por perto debochavam, se divertiam com humilhações que eu
sofria, sem se importar com meus sentimentos.” (OLIVEIRA, 2011). Em um dos vários
vídeos postados na internet pelo homem que ficou conhecido como “O atirador de Realengo”,
o autor do assassinato em massa fala abertamente sobre o bullying e sobre como ele
influenciou sua decisão de tirar vidas de outras pessoas:
A luta pela qual muitos irmãos no passado morreram, e eu morrerei, não é
exclusivamente pelo que é conhecido como bullying. A nossa luta é contra pessoas
cruéis, covardes, que se aproveitam da bondade, da inocência, da fraqueza de
pessoas incapazes de se defenderem. (OLIVEIRA, 2011)
Em “Mentes perigosas”, Silva relata um caso ocorrido em 2003, na cidade de Taiuva,
interior de São Paulo, quando um jovem chamado Edimar de Freitas, de 18 anos, entrou
armado na escola onde concluíra o ensino médio e atirou contra cinquenta pessoas que
estavam no pátio, ferindo oito delas e logo em seguida se matando. Investigações posteriores
revelaram que a vingança do jovem teria sido uma reação violenta contra os constantes
apelidos e humilhações das quais ele era vítima por ser obeso.
24
Em 2 de Fevereiro de 1996, Barry Loukaitis, um jovem de 14 anos, entrou armado
com um rifle e duas pistolas, na Frontier Junior High, em Moses Lake, Washington e
assassinou seu professor de Álgebra e dois outros alunos. Posteriormente descobriu-se que
além de um quadro familiar instável – anos antes o pai de Barry se envolvera em um caso
extraconjugal e se distanciara da família -, o assédio moral implacável que Barry sofrera na
escola, nas palavras do próprio assassino, colaboraram para que sua fúria encontrasse nos
inocentes um alvo perfeito. Testemunhas afirmam que ao assassinar seu professor Barry teria
dito a frase: “Isso com certeza dá um pau em Álgebra, não é mesmo?”, uma citação do livro
“Rage” de Stephen King, que teve sua republicação proibida pelo próprio autor, que receava
que estivesse indiretamente inspirando jovens a fazerem o mesmo – no romance um garoto
invade a escola onde estuda e mata seu professor de Álgebra.
Ainda que não haja um perfil específico de assassinos em potencial nas escolas, um
estudo realizado pelo serviço secreto dos Estados Unidos revelou que dos 66 ataques
ocorridos em escolas pelo mundo todo, entre os anos de 1966 e 2011, 87% padeceram de
motivações relacionadas ao Bullying, quando os indivíduos se viram estimulados a cometer
os crimes por vingança. No Brasil, a escassez de estudos relacionados ao tema ainda é grande,
mesmo com a certa relevância que ele tem ganhado nos últimos anos. Porém, em uma
pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que fez parte da
Pesquisa Nacional de Saúde Escolar de 2009, da qual participaram alunos do 9º ano do ensino
fundamental das 26 capitais brasileiras e do Distrito Federal, revelou que cerca de 1/3 dos
estudantes pesquisados afirma ter sofrido bullying alguma vez na vida escolar. Em outra
pesquisa, realizada pela Associação Brasileira Multiprofissional de proteção à Infância e à
Adolescência (Abrapia), concluiu-se que a maioria das agressões, 60,2%, ocorrem na própria
sala de aula e que em pelo menos 50% dos casos as vítimas admitiram não terem relatado os
casos para os professores ou mesmo para os pais. Através deste quadro estatístico, podemos
concluir que o tema é mais recorrente nas escolas do que se imagina e que o bullying deve e
precisa ser tratado com mais ênfase, em especial no ambiente escolar.
7 COMO TRABALHAR O ROMANCE EM SALA DE AULA PARA PREVENIR O
BULLYING
O primeiro passo a ser tomado para que uma medida realmente efetiva aconteça, no que
diz respeito ao combate ao bullying é, talvez, o mais simples de todos: reconhecer o
25
problema. Ainda há muita omissão por parte não apenas das instituições de ensino, mas dos
pais e da sociedade em geral, que ainda enxergam o problema com uma certa dose de
comodismo e passividade. E aqui, conforme ressalta Silva, o papel do professor é
fundamental:
O professor deve possuir pleno conhecimento das suas atribuições, bem como da
competência de todos os profissionais da escola. Somente de posse desse
conhecimento ele será capaz de compreender por que e quando deverá encaminhar
um caso de violência entre alunos a outros profissionais e/ou instituições. (SILVA,
2010, p. 168)
É preciso estar ciente de que o bullying - seja dentro ou fora das salas de aula - pode e
geralmente traz graves consequências sociais não apenas para as vítimas, mas para todos os
envolvidos, direta ou indiretamente. Os ofensores estão mais propensos a se tornarem adultos
problemáticos, e as vítimas a desenvolverem problemas psicológicos graves, como vimos
anteriormente, e até mesmo os omissos correm o risco de engrossarem as estatísticas dos atos
de violência resultantes desse processo.
De forma geral, se faz necessário que haja ainda, como bem lembrou Silva, uma
capacitação profissional mais eficaz e uma discussão ampla e realmente construtiva e que
venha a mobilizar não apenas as escolas, mas a sociedade em geral, com auxílio de
especialistas e das instituições públicas competentes.
O bullying é, antes de tudo, uma forma específica de violência. Sendo assim, deve
ser identificado, reconhecido e tratado como um problema social complexo e de
responsabilidade de todos nós. Nesse sentido, a escola pode e deve apresentar um
papel fundamental na redução desse fenômeno, por meio de programas preventivos
e ações combativas nos casos já instalados. Para isso, é necessário que a instituição
escolar atue em parceria com as famílias dos alunos e com todos os setores da
sociedade que lutam pela redução da violência em nosso dia a dia. Somente dessa
forma seremos capazes de garantir a eficácia de nossos esforços. (SILVA, 2010, p.
161)
Silva recomenda alguns passos que podem ser seguidos, de maneira mais geral, pelos
profissionais da educação em sala de aula para o combate contra o bullying que têm se
mostrado relativamente eficazes:
Utilização do questionário desenvolvido em 1989 por Dan Olweus em suas pesquisas
sobre o assunto.
Produção, por parte dos alunos, de uma autobiografia escolar, documentada em um
computador e enviada para um endereço de e-mail seguro.
26
Produção teatral com inversão de papeis, “obrigando” o aluno a se por no lugar das
vítimas e/ou agressores.
Vídeo Feedback, técnica que consiste em utilizar as gravações das apresentações feitas
anteriormente, para “uma observação mais minuciosa das reações, das expressões
faciais, da postura e do desempenho de cada um em um determinado papel.” (SILVA,
2010)
O uso de dinâmicas específicas de grupo em sala de aula, conforme bem lembrou
Silva, que visem colocar o aluno em ambos os papeis, vítima e agressor, pode ser bastante
útil, já que alimentam o desenvolvimento do senso crítico e fazem com que os alunos se
envolvam de maneira mais direta no processo de aquisição de conhecimento acerca do
funcionamento do bullying e seus resultados. De maneira mais específica, a utilização da
literatura – em especial, do romance em questão – também pode ser trabalhada de forma mais
incisiva, em várias aulas, conforme proposta abaixo:
Leitura do romance.
Exibição da adaptação para o cinema de 2013 – o fato de ser uma adaptação mais
recente pode proporcionar aos alunos uma familiaridade maior com os conceitos
socioconstrutivistas que serão abordados posteriormente, durante a discussão crítica
das obras.
Análise crítica do romance em grupos em sala de aula.
Análise comparativa entre romance e a adaptação, ressaltando os pontos em comum
sobre o bullying – aqui o professor pode fazer observações baseadas em outras obras
cinematográficas ou literárias que abordem a questão do bullying e seus resultados,
assim como também deve ser aberto espaço para que os próprios alunos o façam.
Dramatização em grupos de versões adaptadas da obra – em vídeo ou em teatros
apresentados durante as próprias aulas – com ênfase nas cenas onde a personagem
principal sofre assédio. Este tipo de produção pode proporcionar aos alunos uma
experiência individual – e coletiva – mais eficaz no que diz respeito ao modo como
eles mesmos enxergam questões como a falta de afetividade, preconceito e
intolerância, fortalecendo, entre eles, os vínculos emocionais de solidariedade e
empatia, ferramentas muito importantes no combate e prevenção do bullying.
27
Produção textual de uma resenha, que leve em consideração as discussões e
apresentações feitas anteriormente em sala de aula, para que os alunos se envolvam
mais ainda no processo de imersão da na obra e do no combate ao bullying.
Estes são apenas alguns passos que podem ser trabalhados, utilizando-se o romance
em sala de aula, levando, é claro, em consideração, a realidade de cada instituição. Cabe ao
profissional docente adaptá-los, conforme necessidade. – O mais importante, entretanto, é
tornar-se consciente e estabelecer metas precisas para uma luta diária.
Como reflexo da sociedade moderna, a micro-sociedade estabelecida no âmbito
escolar tende a repetir os mesmos conceitos da macro-sociedade exterior, inclusive no que diz
respeito aos erros. Fugir deste paradigma social pré-estabelecido e tornar-se a exceção da
regra não é missão fácil e denota tempo e esforço.
8 CONCLUSÃO
Como bem lembrou Silva, apesar de atualmente o assunto encontrar-se bastante em
voga, o conhecimento acerca do bullying - como funciona, suas características, resultantes
físicos e psicológicos a curto e longo prazo etc... - ainda é relativamente pouco difundido, em
parte, devido à dificuldade que as próprias instituições de ensino têm de aceitar como fato um
problema que parece, infelizmente, ser tão corriqueiro, como se a admissão do problema em
si, de certa forma “manchasse” a imagem da instituição, visto que o bullying tornou-se, nos
últimos anos, o principal vilão das instituições de ensino.
A ação das escolas perante o assunto ainda está em fase embrionária. A maioria
absoluta não está preparada para identificar e enfrentar a violência entre seus alunos
ou entre os alunos e o corpo acadêmico. Essa situação se deve e muito
desconhecimento, muita omissão, muito comodismo e uma dose considerável de
negação da existência do fenômeno. (SILVA, 2010, p. 162)
O fato é que nesse sentido a literatura de massa pode proporcionar uma facilidade de
acesso à informação muito grande, em especial os best-sellers, devido ao alcance popular
dessas obras e à linguagem, por vezes rica, - ainda que, em alguns casos, demasiadamente
simplista - e de fácil compreensão (assimilação). Para um público que assumidamente nasceu
e cresceu em uma era na qual a assimilação de informações se dá de maneira muito rápida,
cuja interação com a sociedade acontece de forma mais direta, utilizar-se dessas
possiblidades, aliando-as à discussão sobre o bullying em sala de aula, pode proporcionar aos
28
alunos ferramentas práticas mais eficazes para a compreensão e combate deste grave
problema.
Como linguagem distinta, principalmente da científica, porém não menos importante,
o papel da literatura neste artigo foi nos fornecer meios para que possamos construir nossas
próprias reflexões acerca do assunto, viabilizando o debate em uma esfera mais prática, longe
dos academicismos teóricos pouco familiares aos alunos, fortalecendo-os como leitores
críticos, com ênfase no processo de humanização que tanto se prega na teoria, mas que na
prática apresenta poucos resultados.
Ao final desta pesquisa foi possível identificar como se dá o fenômeno bullying no
romance em questão, reconhecendo a vítima típica e os agressores, além de compreendermos
como se da a exteriorização resultante das hostilidades e estabelecer um paralelo com casos
ocorridos na vida real. A emulação da micro-sociedade estabelecida nos limites da escola
fictícia de Chamberlain – de um lado Carrie e os estigmatizados e do outro Chris e os
“descolados” – também nos permitiu reconhecer como se desenvolve essa relação de poder
hierárquico entre os alunos e como isso pode funcionar como fator desencadeador no processo
do bullying.
29
REFERÊNCIAS
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território marcado pelo bullying. Quipus, Natal, a. 2, n. 1, p. 47-53, 2013.
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e
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de
ação.
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<http://linguaportuguesa.uol.com.br/linguaportuguesa/gramatica-ortografia/29/artigo2138362.asp> Acesso em 15/09/2014.
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SPIGNESI, Stephen. O Essencial de Stephen King. São Paulo: Madras Editora, 2003.
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TODOROV, Tzvetan. Leitura e leitores. São Paulo: Folha de São Paulo, 18 fev. 2007.
Entrevista concedida a Jorge Coli.
ZILBERMAN, Regina. & SILVA, EZEQUIEL Theodoro da. Literatura e pedagogia: ponto e
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