revista da sociedade de cardiologia do estado de são paulo

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revista da sociedade de cardiologia do estado de são paulo
SOCESP
ISSN 0103-8559
REVISTA DA
SOCIEDADE
DE CARDIOLOGIA
DO ESTADO DE SÃO PAULO
Volume 17 — No 3 — Jul/Ago/Set de 2007
FISIOPATOLOGIA DAS
DOENÇAS CARDIOVASCULARES:
NOVOS CONHECIMENTOS
EDITOR CONVIDADO: PAULO TUCCI
SÍNDROME CORONÁRIA
AGUDA: ATUALIZAÇÃO NA
TERAPÊUTICA FARMACOLÓGICA
EDITOR CONVIDADO: OTÁVIO RIZZI COELHO
www.socesp.org.br
REVISTA
SOCIEDADE
DE
CARDIOLOGIA
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JUL/AGO/SET 2007
Órgão Oficial da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo
Publicação Trimestral / Published Quarterly
Dados de Catalogação na Publicação Internacional (CIP)
Revista da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo
São Paulo - SP, Brasil. v. 1 - 1991 Inclui suplementos e números especiais.
Substitui Atualização Cardiológica, 1981 - 91.
1991, 1: 1 (supl A), 2 (supl A), 3 (supl A)
1992, 2: 1 (supl A), 2 (supl A), 2 (supl B), 3 (supl A), 4 (supl A),
5 (supl A), 6 (supl A)
1993, 3: 1 (supl A), 2 (supl A), 2 (supl B), 3 (supl A), 4 (supl A),
5 (supl A), 6 (supl A)
1994, 4: 1 (supl A), 2 (supl A), 3 (supl A), 3 (supl B), 4 (supl A),
5 (supl A), 6 (supl A)
1995, 5: 1 (supl A), 2 (supl A), 3 (supl A), 3 (supl B), 4 (supl A),
5 (supl A), 6 (supl A)
1996, 6: 1 (supl A), 2 (supl A), 3 (supl A), 3 (supl B), 4 (supl A),
5 (supl A), 6 (supl A)
1997, 7: 1 (supl A), 2 (supl A), 3 (supl A), 3 (supl B), 4 (supl A),
5 (supl A), 6 (supl A)
1998, 8: 1 (supl A), 2 (supl A), 3 (supl A), 4 (supl A), 4 (supl B),
5 (supl A), 6 (supl A)
1999, 9: 1 (supl A), 2 (supl A), 3 (supl A), 3 (supl B), 4 (supl A),
5 (supl A), 6 (supl A)
2000, 10: 1 (supl A), 2 (supl A), 3 (supl A), 3 (supl B), 4 (supl A),
5 (supl A), 6 (supl A)
2001, 11: 1 (supl A), 2 (supl A), 3 (supl A), 3 (supl B), 4 (supl A),
5 (supl A), 6 (supl A)
2002, 12: 1 (supl A), 2 (supl A), 2 (supl B), 3 (supl A), 4 (supl A),
5 (supl A), 6 (supl A)
2003, 13: 1 (supl A), 2 (supl A), 2 (supl B), 3 (supl A), 4 (supl A),
5 (supl A), 6 (supl A)
2004, 14: 1 (supl A), 2 (supl A), 2 (supl B), 3 (supl A), 4 (supl A),
5 (supl A), 6 (supl A)
2005, 15: 1 (supl A), 2 (supl A), 3 (supl A), 4 (supl A), 5 (supl A),
5 (supl B), 6 (supl A)
2006, 16: 1 (supl A), 2 (supl A), 2 (supl B), 3 (supl A), 4 (supl A)
2007, 17: 1 (supl A), 2 (supl A), 2 (supl B), 3 (supl A)
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NLM W1
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ISSN 0103-8559
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São Paulo, Ed. Polígono, 1972.
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JUL/AGO /SET 2007
Indexada no INDEX MEDICUS Latino Americano
Impressa no Brasil
Tiragem: 6.800 exemplares
SUMÁRIO
FISIOPATOLOGIA
DAS DOENÇAS
CARDIOVASCULARES:
NOVOS CONHECIMENTOS
SÍNDROME CORONÁRIA
AGUDA: ATUALIZAÇÃO
NA TERAPÊUTICA
FARMACOLÓGICA
EDITOR CONVIDADO:
PAULO TUCCI
EDITOR CONVIDADO:
OTÁVIO RIZZI COELHO
195
Carta do Editor Convidado: Paulo Tucci
242
Carta do Editor Convidado: Otávio Rizzi Coelho
196
Remodelamento miocárdico: o cardiomiócito,
a função do órgão
Cardiac remodeling: the cardiomyocyte,
the cardiac function
LEONARDO DOS SANTOS
PAULO J. F. TUCCI
243
Diagnóstico e estratificação de risco na sala de
emergência
Diagnoses and early risk stratification of patients
with acute coronary syndromes
JOÃO FERNANDO MONTEIRO FERREIRA
ARI TIMERMAN
206
Aterosclerose coronariana: lipídios, inflamação
e infecção
Coronary atherosclerosis: lipids, inflammation,
and infection
MARIA DE LOURDES HIGUCHI
FRANCISCO A. H. FONSECA
257
215
Ressonância magnética cardiovascular
no diagnóstico da insuficiência cardíaca
Cardiovascular magnetic resonance in the diagnosis
of heart failure
CARLOS EDUARDO ROCHITTE
FERNANDO BACAL
TIAGO SENRA GARCIA DOS SANTOS
Uso da tomografia computadorizada
com múltiplos detectores na síndrome
isquêmica aguda
Usefulness of multidetector computed tomography
in acute coronary syndromes
OTÁVIO RIZZI COELHO FILHO
ROBERTO CALDEIRA CURY
ANA CRISTINA MAGALHÃES ANDRADE
RICARDO CALDEIRA CURY
271
Antiplaquetários na síndrome coronária aguda
Antiplatelet therapy and acute coronary
syndrome
JOSÉ ROBERTO TAVARES
ANTONIO CARLOS CARVALHO
222
Desenvolvimento sistêmico da insuficiência cardíaca
Systemic development of heart failure
CARLOS HENRIQUE DEL CARLO
MARCELO EID OCHIAI
JULIANO NOVAES CARDOSO
MARCELO VILLAÇA LIMA
ANTONIO CARLOS PEREIRA BARRETTO
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RSCESP
JUL/AGO/SET 2007
SUMÁRIO
232
Resposta coronária às intervenções intravasculares
Coronary response to intravascular interventions
DIMYTRI ALEXANDRE SIQUEIRA
JOSÉ DE RIBAMAR COSTA JR.
AMANDA GUERRA M. R. SOUSA
FAUSTO FERES
ALEXANDRE ABIZAID
RICARDO COSTA
LUIZ ALBERTO MATTOS
RODOLFO STAICO
GALO MALDONADO
LUÍS FERNANDO TANAJURA
MARINELLA CENTEMERO
ÁUREA CHAVES
ANA CRISTINA SEIXAS
J. EDUARDO M. R. SOUSA
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RSCESP
JUL/AGO /SET 2007
289
O que evoluir no tratamento da síndrome
isquêmica aguda
What will be the future of acute coronary syndrome
treatment
RUI FERNANDO RAMOS
Edição Anterior:
Editor Convidado:
Diabetes e Coração
Sérgio Ferreira de Oliveira
Editora Convidada:
Atualização em Cardiopatias Congênitas
Ieda Biscegli Jatene
Próxima Edição:
Editor Convidado:
Cardiopatia na Mulher
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Editor Convidado:
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8. Título em inglês.
9. Autores.
10. “Abstract” de cerca de 250 palavras.
11. “Key words”: até 5, obtidas no “Cumulated Index Medicus, Medical Subject Headings”.
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NORMAS PARA A PUBLICAÇÃO DE ARTIGOS
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Vancouver, consultando o “website”:
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RSCESP
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CARTA DO EDITOR CONVIDADO
FISIOPATOLOGIA DAS DOENÇAS CARDIOVASCULARES:
NOVOS CONHECIMENTOS
A lida segura e desembaraçada com uma determinada situação exige o domínio das circunstâncias que a
compõem. Em Medicina, o trato com a doença não pode se restringir a sua correta identificação e às recomendações
mais atuais para combatê-la. Só o conhecimento sólido da intimidade normal dos sistemas e dos mecanismos
patológicos que o agridem confere ao médico a segurança consistente de atuação.
Para esta edição da Revista da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo, foram agrupados textos
que focalizam particularidades enriquecedoras sobre temas que representam preocupação diária para o cardiologista:
aterosclerose, hipertrofia miocárdica, insuficiência cardíaca, insuficiência coronária.
A responsabilidade da abordagem desses itens foi entregue a profissionais com experiência vivida inquestionável
em cada assunto. No conjunto, são abordados: patogenia, diagnóstico, fisiopatologia e tratamento. Há razões para
se considerar um documento que deve auxiliar no domínio das circunstâncias que compõem boa parte da patologia
cardíaca. Um agradecimento especial do coordenador – em nome dos associados da SOCESP – a todos os
responsáveis pelos capítulos, pela disponibilidade demonstrada.
Paulo Tucci
Editor Convidado
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RSCESP
JUL/AGO/SET 2007
SANTOS L e col.
Remodelamento
miocárdico: o
cardiomiócito, a
função do órgão
REMODELAMENTO MIOCÁRDICO:
O CARDIOMIÓCITO, A FUNÇÃO DO ÓRGÃO
LEONARDO DOS SANTOS
PAULO J. F. TUCCI
Laboratório de Fisiologia e Fisiopatologia Cardíacas – Escola Paulista de Medicina –
Universidade Federal de São Paulo
Endereço para correspondência:
Rua Estado de Israel, 181 – ap. 94 – CEP 04022-000 – São Paulo – SP
Remodelamento miocárdico é o conjunto de modificações gênicas, moleculares, celulares e
intersticiais que ocorrem no miocárdio e que se expressam clinicamente por alterações do
tamanho, da forma e da função do coração. Este texto focaliza as modificações incidentes
no cardiomiócito e as anormalidades decorrentes para a função cardíaca. Modificações
qualitativas e quantitativas do metabolismo protéico, dependentes de reativação de genes
que permaneciam latentes e que voltam a reger a síntese protéica, fundamentam as
transformações miocárdicas próprias do remodelamento. Todos os compartimentos
miocárdicos são envolvidos no processo de remodelamento, condicionando anormalidades
eletrofisiológicas, inotrópicas e lusitrópicas. Os fatores desencadeantes do remodelamento
sensibilizam receptores de membrana ligados a sistema de sinalização intracelular, pelo qual
o estímulo atua sobre o núcleo e condiciona as modificações da síntese protéica. A cinética
do cálcio no miocárdio centrou a maior parte das investigações da área e os dados apontam
para a existência de comprometimento dos diversos componentes atuantes no ciclo
intracelular do íon. Alterações das proteínas contráteis são consideradas menos destacadas.
As repercussões funcionais da hipertrofia miocárdica para o coração devem considerar a
intensidade das anormalidades promovidas pelo remodelamento (que dependem da
intensidade do fator causal e do tempo de evolução) e das características plásticas do
crescimento miocárdico para as relações entre a espessura da parede e o raio da cavidade. A
lei de Laplace permite prever as influências: quando prevalecem os aumentos do raio da
cavidade (hipertrofias excêntricas), a geração de pressão é prejudicada; quando o raio da
cavidade se reduz (hipertrofia concêntrica), há favorecimento da geração de pressão.
Palavras-chave: remodelamento miocárdico, hipertrofia cardíaca, cardiomiócito,
inotropismo, relaxamento miocárdico, lei de Laplace.
(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2007;3:196-205)
RSCESP (72594)-1660
INTRODUÇÃO
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Remodelamento miocárdico pode ser definido como as modificações gênicas, moleculares, celulares e intersticiais que ocorrem no miocárdio e
que se expressam clinicamente por alterações do
tamanho, da forma e da função do coração1. É tí-
pico do remodelamento miocárdico que todos os
seus compartimentos sejam afetados e se ajustem
à nova situação vigente. Este texto se restringirá a
focalizar as anormalidades que ocorrem nos cardiomiócitos.
Apenas em circunstâncias especiais – relacionadas com distúrbios genéticos de síntese de pro-
teínas – o remodelamento miocárdio pode ocorrer
na ausência de um fator desencadeante. Habitualmente, um determinante atua como precipitador
do remodelamento, e há concordância ao se apontar o estiramento miocárdico como o agente mais
freqüente na gênese do remodelamento cardíaco1-6.
Ativação do sistema adrenérgico, do sistema renina-angiotensina-aldosterona e ações autócrinasparácrinas de substâncias do miocárdio podem
condicionar, também, o processo de remodelamento miocárdico1, 2, 6-8.
A forma pela qual a célula muscular converte
o estímulo mecânico em sinal que conduz ao crescimento celular é uma questão pesquisada há tempos. Informações esclarecedoras resultaram dos
trabalhos de Malhorta e colaboradores9 e Sadoshima e colaboradores.10, 11 Esses autores descreveram que, após estiramento, cardiomiócitos isolados passavam a secretar angiotensina II e, a seguir, a síntese protéica era ativada. Bloqueador da
angiotensina II impediu o estímulo da síntese protéica. Posteriormente, demonstraram que o estiramento eleva a expressão miocárdica dos genes do
SRAA: angiotensinogênio, renina, enzima conversora de angiotensina. Para que a resposta do cardiomiócito ocorra, aparentemente, o sinal mecânico da força de estiramento é identificado na
membrana celular e é conduzido para o interior
da célula por intervenção das integrinas e do chamado citoesqueleto5-7, 12-15. As integrinas constituem um conjunto de proteínas da membrana celular com funções complexas. Entre outras, operam
como receptores que associam a matrix extracelular com um conjunto de proteínas filamentares
no interior do cardiomiócito: o citoesqueleto. O
estímulo mecânico do estiramento gera tensão na
membrana, interferindo sobre as integrinas. A passagem do sinal para o interior da célula inicia o
recrutamento de complexo sistema de sinalizadores intracelulares capazes de atuar sobre o núcleo
celular e intervir na síntese protéica5-7, 12-15. Resulta não só a ativação da síntese protéica, mas, também, a ativação de genes reguladores da síntese
protéica próprios da vida fetal – até então latentes
na vida adulta – e inibição de genes promotores
da síntese protéica próprios da vida pós-fetal1, 2, 4,
6, 7, 11, 16, 17
.
Seqüência semelhante de acontecimentos pode
ser despertada por ação hormonal, parácrina e/ou
autócrina de determinadas substâncias em receptores específicos da membrana celular, desencadeando o mesmo processo de anormalidades da
síntese protéica1, 2, 4, 6: a angiotensina II, a noradrenalina, a endotelina, a insulina e diversas citocinas são dotadas da capacidade de promover remodelamento por caminhos semelhantes, atuando sobre receptores específicos de cada uma delas. Cu-
riosamente, é considerado que todas elas possam
ser liberadas localmente por ação do estiramento4. Esse processo básico de alterações do cardiomiócito conduz a modificações: 1) da massa miocárdica (hipertrofia do cardiomiócito); 2) dos mecanismos moleculares envolvidos na eletrofisiologia,
na contração e no relaxamento; 3) do metabolismo
energético; 4) do ciclo vital do cardiomiócito.
SANTOS L e col.
Remodelamento
miocárdico: o
cardiomiócito, a
função do órgão
HIPERTROFIA DO CARDIOMIÓCITO
A hipertrofia dos cardiomiócitos é a base estrutural do sinal clínico do remodelamento mais
facilmente detectável na prática médica: a cardiomegalia.
O trabalho pioneiro de Nair e colaboradores18
caracterizou a estreita relação que existe entre carga suportada pelo coração e metabolismo protéico. Anteriormente, era conhecido o comando exercido pelas condições da contração miocárdica sobre o consumo de oxigênio: sobrecargas cardíacas determinam acentuação do consumo de oxigênio enquanto o alívio das condições contráteis
o reduz. Contudo, a íntima conexão entre a carga
a que é submetido o coração e o metabolismo protéico só passou a ser conhecida mais recentemente. A exacerbação da síntese protéica conducente
ao crescimento do cardiomiócito inclui aumento
da produção de proteínas constituintes das membranas, das organelas e das unidades morfofuncionais da contração, os sarcômeros. Na dependência das características da força precipitadora do
remodelamento, estabelece-se a modificação plástica típica da hipertrofia: as sobrecargas sistólicas
conduzem à maior espessura da parede miocárdica e à redução relativa da cavidade, compondo o
que se convencionou chamar de hipertrofia concêntrica; e as sobrecargas diastólicas despertadas
pelas sobrecargas de volume conduzem às dilatações da cavidade, convencionadas como hipertrofia excêntrica. Admite-se que nas primeiras prevalece o aumento do diâmetro transverso das miofibrilas pelo acúmulo lado-a-lado (em paralelo)
dos sarcômeros; é proposto que nas dilatações ventriculares predomina o alongamento longitudinal,
por acúmulo seqüencial (em série) dos sarcômeros. Essas circunstâncias estruturais de aumento
da espessura da parede ou dilatação da cavidade
carreiam implicações funcionais que favorecem ou
prejudicam, criticamente, a capacidade dos ventrículos em gerar pressão, conforme será focalizado posteriormente. As modificações da síntese
protéica próprias do processo hipertrófico são
complexas. É particularmente acentuada no sentido de fomentar a neo-sarcomerogênese, foi identificada como insuficiente para prover adequadamente as estruturas participantes da cinética do
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SANTOS L e col.
Remodelamento
miocárdico: o
cardiomiócito, a
função do órgão
cálcio (Ca2+) e inclui um esquema de reprogramação gênica que ativa genes da vida fetal anteriormente desativados1, 6, 7, 12. O rearranjo gênico induz à síntese de proteínas que passam a compor o
miocárdio com características funcionais diferentes daquelas sintetizadas sob a regência de genes
da vida extra-uterina e, como regra, em quantidade inferior à do miocárdio normal. Recente sistematização das proteínas miocárdicas15 enquadrouas em uma de cinco categorias: 1) proteínas contráteis, 2) proteínas do esqueleto do sarcômero, 3)
proteínas do citoesqueleto celular, 4) proteínas
associadas à membrana celular, e 5) proteínas do
disco intercalar. As mudanças da regulação gênica e as alterações da intensidade de síntese protéica implicam modificações para todas as estruturas do cardiomiócito. Particularidades do processo são mais detalhadas em revisões recentes1-3, 6, 7.
MECANISMOS MOLECULARES
ENVOLVIDOS NAS REPERCUSSÕES
PARA A ELETROFISIOLOGIA, A
CONTRAÇÃO E O RELAXAMENTO
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Entre as diversas transformações por que passa o miocárdio remodelado, as que trazem repercussões funcionais mais conhecidas incluem as que
ocorrem na membrana celular, no retículo sarcoplasmático e nos componentes do sarcômero.
Entre os participantes da membrana celular envolvidos nas trocas iônicas, têm marcada influência fisiopatológica os canais iônicos, a proteína
trocadora sódio/hidrogênio (NHE) e a proteína trocadora sódio/cálcio (NCX).
Os canais iônicos mais afetados pelo remodelamento miocárdico são os associados ao cálcio e
ao potássio. Demonstrações convincentes já foram
divulgadas, caracterizando a redução de suas expressões na membrana e desvios de função1, 2, 6, 7.
Algumas alterações eletrofisiológicas encontradiças na hipertrofia miocárdica dependem de anormalidades dos canais iônicos: alargamento e/ou
dispersão do intervalo QT e arritmias19. O alargamento do intervalo QT resulta de prolongamento
do potencial de ação dos cardiomiócitos e, resumidamente, pode ocorrer por acentuação na entrada de Ca2+ ou pela redução da saída de potássio6, em função de alterações em seus canais iônicos específicos. Há razões para se suspeitar que,
na dependência da intensidade do remodelamento
miocárdico, essas duas alternativas podem estar
presentes6. Acresça-se a possibilidade de discrepâncias regionais dessas correntes iônicas condicionarem as dispersões de QT tão favoráveis às
arritmias20. Contribui, também, para o prolongamento do potencial de ação a maior densidade da
proteína trocadora sódio/cálcio na membrana ce-
lular6. Essa estrutura do sarcolema, que regula o
equilíbrio de concentrações citoplasmáticas de
sódio e cálcio, promove trocas transmembranas
desses íons em proporções desiguais: três íons
sódio monovalentes para cada íon cálcio bivalente. Sua ação, portanto, é eletrogênica e terminam
prevalecendo correntes iônicas que contribuem
para prolongar o potencial de ação.
As recomendações mais atuais de controle do
remodelamento miocárdico preconizam a inclusão de bloqueadores da proteína trocadora sódio/
hidrogênio como medida eficiente de contenção,
ou mesmo regressão, da hipertrofia miocárdica21.
O mais conhecido produto capaz de inibir a proteína trocadora sódio/hidrogênio é a amilorida. A
proteína trocadora sódio/hidrogênio é uma glicoproteína de membrana reguladora da concentração intracelular de sódio e de hidrogênio por meio
de trocas não-eletrogênicas. Essa proteína integra
a cadeia das ações determinantes de hipertrofia miocárdica geradas pela angiotensina e pela endotelina e diversas publicações dão conta de sua hiperexpressão no miocárdio remodelado1, 2, 6, 7, 21.
Com pequena margem de erro, é possível apontar as repercussões do remodelamento miocárdico para o retículo sarcoplasmático como o mais
freqüente foco de interesse dos trabalhos dessa
área. Essa organela é a provedora da maior parcela do Ca2+ ativador da contração, que permanece
armazenado no retículo sarcoplasmático em ligação com a proteína calseqüestrina. Manobras experimentais que impedem a liberação de cálcio
pelo retículo sarcoplasmático reduzem a força desenvolvida durante a contração a menos de 10%
de seu valor original, indicando a pequena contribuição do Ca2+ que penetra pela membrana celular na ativação direta dos miofilamentos. Embora
o Ca2+ penetre pelos canais lentos da membrana
apenas em pequena quantidade, ele é essencial para
que a contração ocorra com força máxima para as
condições vigentes em cada momento. É da reação do Ca2+ que penetra pelos canais lentos com
os receptores de rianodina do retículo sarcoplasmático que os canais de Ca2+ do retículo sarcoplasmático se abrem, liberando o Ca2+ ligado à calseqüestrina do retículo sarcoplasmático para aumentar em cerca de 100 vezes a concentração citoplasmática do íon.
As informações sobre o estado dos componentes do ciclo sistólico do Ca2+ no miocárdio remodelado não são totalmente concordantes. É aparente que as modificações que são apontadas guardam estreita dependência com a intensidade do
processo de remodelamento e, até, da existência
ou não de insuficiência cardíaca1, 2, 6. Todavia, o
conjunto dos dados aponta para a existência de
redução da densidade e anomalia de função de
todos os componentes da cinética intracelular do
Ca2+, com exceção do trocador sódio+/cálcio2+ que
é repetidamente relatado como elevado1, 6.
O Ca2+ em concentração elevada no mioplasma ao final da ativação celular liga-se à troponina
e retira o efeito inibidor da contração exercido pelo
complexo troponina/tropomiosina, possibilitando
a ligação actina/miosina para que ocorra a contração. A miosina é dotada de capacidade ATPásica
e hidrolisa o ATP, liberando o fósforo dotado da
energia que suporta a contração, ocorrendo, então, o desenvolvimento de força e o encurtamento
miocárdico. Por razões ainda desconhecidas, cessa a contração e o Ca2+ é liberado no citoplasma.
A maior parcela de Ca2+ é novamente deslocada
para o interior do retículo sarcoplasmático, por
ação de uma proteína denominada SERCA 2, a
“bomba de Ca2+ do retículo”. A maior ou menor
ação da SERCA 2 é regulada por outra proteína, a
fosfolambam. A forma não-fosforilada da fosfolambam inibe a atividade da SERCA 2, enquanto
a forma fosforilada ativa a ação da “bomba de Ca2+
do retículo”. Não se deixe de assinalar o excessivo custo energético da atividade da SERCA 2, dado
que sua ação tem que ser exercida contra um extraordinário gradiente de concentração de Ca2+, ao
deslocar o íon a partir da baixa concentração do
citoplasma para o interior do retículo sarcoplasmático, riquíssimo em Ca2+. É considerado que
essa passagem é a mais sensível à isquemia miocárdica dentro do ciclo celular do Ca2+. As referências da literatura concentram-se fortemente nas
repercussões do remodelamento miocárdico sobre
a SERCA 2. E a maioria dos trabalhos refere redução do teor de SERCA 2 do retículo sarcoplasmático e deficiência na ação captadora de Ca2+ pelo
retículo sarcoplasmático6, 8, 22. Citam-se, também,
anormalidades presentes no teor e na função da
fosfolambam6, 8.
É absolutamente compreensível que, em função dessa série de anormalidades na cinética do
Ca2+ no cardiomiócito, ocorram as depressões do
inotropismo miocárdico e do relaxamento. As evidências apóiam a interpretação de que a intensidade das modificações guarda relação com a intensidade e o tempo de atuação do agente despertador do remodelamento.
Mais recentemente tem sido dedicada atenção
a outras proteínas miocárdicas não diretamente envolvidas na ação mecânica do miocárdio, mas que
a afetam indiretamente.
Informações interessantes advieram de trabalhos bem fundamentados que verificaram depressão contrátil do miocárdio, embora não existissem
anormalidades na contração de sarcômeros isolados23, denunciando irregularidades extra-sarcoméricas. Esses achados geraram novo paradigma de
investigação, estimulando a análise de outros fatores subcelulares envolvidos na disfunção do cardiomiócito cujo sarcômero contraia normalmente. Nessa linha, foi descrito excesso dos componentes da rede microfibrilar do citoesqueleto, que
foram apontados como capazes de abater a força
contrátil por operarem como elemento interno de
resistência ao encurtamento23. Analogamente, redução da proteína gigante titina15, que ancora o
filamento grosso no centro do sarcômero a partir
da banda Z, foi verificado e considerado apto a
abater a capacidade de contração.
Em síntese, a grande variedade de defeitos bioquímicos já identificados no miocárdio em remodelamento, em função das anomalias de síntese protéica, torna insensato o apego a um único
fator como responsável pelas suas deficiências funcionais.
Esforço considerável foi dirigido para identificar anormalidades relacionadas com as proteínas contráteis que pudessem ser responsabilizadas pelo quase sempre presente comprometimento do inotropismo do miocárdio hipertrofiado. Em
certo sentido, os resultados foram frustrantes. Modificações da composição de isoformas da miosina e anormalidades secundárias da composição da
actina também já foram relatadas1, 2, 6, 24, mas, aparentemente, o fato existe sem imprimir maiores
conseqüências à função mecânica. Adicionalmente, não há referência a anomalias das proteínas
reguladoras da contração: troponinas e tropomiosina. Um conflito existe a respeito da capacidade
ATPásica da miosina. Há descrições de capacidade de função ATPásica reduzida de amostras de
miocárdio humano deprimido25 coexistindo com
descrições reiteradas de composição e teor normal da ATPase miosínica26.
O conceito atual sobre mecanismo de FrankStarling credita-o à variação da sensibilidade dos
miofilamentos ao Ca2+. Estiramentos miocárdicos
acentuariam a afinidade de ligação da troponina
ao Ca2+, possibilitando que maior quantidade do
íon se ligue a essa proteína. Conseqüência direta
dessa acentuação das ligações troponina-Ca2+ é a
liberação de maior número de ligações miosina/
actina, intensificando-se, assim, a capacidade contrátil. Não há demonstração experimental favorecendo a existência de alterações da sensibilidade dos miofilamentos ao Ca2+. Pelo contrário, afinidade normal dos miofilamentos pelo Ca2+ foi
descrita em amostras de sarcômeros isolados de
ratos SHR com e sem insuficiência cardíaca27. Não
obstante, há citações de comprometimento do
mecanismo de Frank-Starling em humanos em
estado avançado de insuficiência cardíaca28, 29. Essa
informação é contrariada por dados indicativos de
preservação do mecanismo de Frank-Starling nessa
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mesma circunstância30. Dados não publicados de nosso laboratório (Fig. 1) indicaram mecanismo de FrankStarling deprimido, mas presente, em ratos portadores de
grandes infartos e insuficiência cardíaca, 120 dias após
oclusão coronária.
METABOLISMO
ENERGÉTICO
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Como qualquer músculo,
o miocárdio utiliza energia
nos diversos processos envolvidos para manter a integridade e para sustentar suas
funções específicas: os movimentos iônicos próprios da
ativação celular e a ação
mecânica de contração e re- Figura 1. Valores (x ± sd) das tensões desenvolvidas (TD) projetados
em função de comprimentos diastólicos de 92%, 94%, 96% e 98% do
laxamento.
Embora tenham sido nu- comprimento correspondente à capacidade contrátil máxima (Lmáx) de
merosos os estudos que bus- ratos dos grupos controle (círculos vazios) e infartado (círculos cheios).
caram elementos para carac- Essas relações comprimento diastólico/tensão ativa refletem o mecanisterizar a participação de mo de Frank-Starling. A menor inclinação da reta (p < 0,0001) dos ratos
anormalidades energéticas infartados caracteriza a menor sensibilidade ao estiramento do miocárno desenvolver do remode- dio remodelado.
lamento miocárdico e no desencadeamento de insuficiHá condições para se admitir que a apoptose é
ência cardíaca, ainda hoje não foi caracterizada a
contribuição do metabolismo energético para a ativada em algumas circunstâncias: por grandes
disfunção miocárdica2, 6. Já foi identificado que o sobrecargas pressóricas, por isquemia miocárdimiocárdio hipertrofiado tem alterada sua fonte ca, por estresse oxidativo e por ação de citocinas,
mais expressiva de energia – os ácidos graxos – e particularmente do fator de necrose tumoral alfa
passa a utilizar montante expressivo de glicose. (TNF-α)1, 2, 6, 31, 32. A redução do número de cardiAcredita-se, contudo, que não existam déficits na omiócitos durante a evolução do remodelamento
produção de energia, ainda que existam desvios miocárdico é uma conseqüência considerada como
das vias envolvidas na síntese de elementos ener- dependente de apoptose no miocárdio1, 2, 6. Existem situações agudas em que o encontro de cardigéticos.
omiócitos apoptóticos pode assumir valores muito expressivos, como ocorre com 14% das células
REGULAÇÃO DO CICLO VITAL
contráteis nas zonas isquêmicas de risco31. Em siDOS CARDIOMIÓCITOS
tuações crônicas, como as sobrecargas de pressão,
A morte e a renovação celular são dois aspec- admite-se menor valor (1%), que, embora baixo,
tos do ciclo vital dos cardiomiócitos que devem é destacadamente mais elevado que no miocárdio
ser focalizados como participantes do prognósti- normal.
Dois mecanismos são descritos2, 6, 31, 33 como
co do remodelamento miocárdico.
A importância da apoptose e da renovação ce- possíveis conducentes à apoptose: uma via mitolular no remodelamento miocárdico ainda não está condrial, dependente da liberação de citocromo C,
e outra independente da mitocôndria. Ambas atidefinitivamente estabelecida.
A morte celular pode ocorrer por necrose e por vam uma classe de proteases, as caspases, que, em
apoptose. Nesse texto, serão focalizados princípi- cadeia, desencadeiam a desintegração do DNA nuos relacionados com a apoptose celular, resultan- clear. A via mitocondrial é estritamente regulada
te de uma via metabólica do DNA, que conduz a pelo balanço resultante da ação antagônica de duas
proteínas reguladoras da apoptose: uma proteína
sua fragmentação.
antiapoptótica (Bcl-2) e outra pró-apoptótica
(Bax). A via não mitocondrial é acionada segundo
ação de um conjunto de “receptores de morte”:
Faz, TNF e outras citocinas.
Algumas estratégias são indicadas como capazes de inibir a apoptose miocárdica e vários
agentes já se mostraram efetivos em modelos experimentais34. Assim, inibidores das caspases reduziram expressivamente a apoptose em áreas de
risco, com subseqüente redução do tamanho do
infarto após oclusão coronária no rato31. Adicionalmente, menciona-se que as ações benéficas dos
inibidores da enzima conversora da angiotensina35
e do metoprolol36 podem incluir inibição da apoptose.
Contudo, deve-se considerar que as conseqüências da inibição sistêmica da apoptose a longo prazo são ainda desconhecidas. Preocupação
especial existe com o sistema imune, de cuja homeostase a apoptose é um participante fundamental. A inibição excessiva da apoptose por via sistêmica pode conduzir a linfomas e outros distúrbios
imunológicos31.
A idéia de que o miocárdio é um tecido terminal, sem capacidade de multiplicar os cardiomiócitos (hiperplasia), dominou os conceitos fisiopatológicos em torno das cardiopatias até recentemente. O crescimento cardíaco era creditado exclusivamente ao crescimento celular (hipertrofia).
Trabalhos mais atuais desafiam esse conceito tradicional e sugerem fortemente que o miocárdio é
um tecido em constante renovação37. Células em
ciclo de divisão celular, portando marcadores biológicos de células-tronco, capazes de se diferenciar em cardiomiócitos, foram identificadas em
coração normal e em situações patológicas. Nas
patologias, sua presença aumenta consideravelmente. Há relato de que a estenose aórtica em humanos aumentou a existência de células-tronco
miocárdicas em 13 vezes38. Relato mais impactante é o de corações contendo número de cardiomiócitos duas ou três vezes maior que o normal39.
Atualmente, é possível cogitar que a homeostase
do coração pode ser regulada por um compartimento de células-tronco multipotentes, com capacidade de se diferenciar em células típicas da
linhagem miocárdica. Não se dispõe, até o momento, de informações que permitam definir se
essas células são células-tronco residentes ou células que migram para o coração a partir de outro
local de origem.
A FUNÇÃO DO ÓRGÃO
Clinicamente, o coração hipertrofiado se manifesta por anormalidades da eletrofisiologia e da
ação mecânica: sístole e diástole. As alterações ele-
trofisiológicas anteriormente referidas (prolongamento e dispersão do intervalo QT) em associação com distúrbios da condução dependentes de
ilhas de miocárdio isoladas por fibrose e eventuais isquemias regionais são suficientes para se
entender as arritmias cardíacas passíveis de serem
encontradas no coração hipertrofiado.
Os desvios da função mecânica são mais complexos e variados.
No que diz respeito à função sistólica, há que
se considerar: 1) a resultante das influências isoladas de existir mais músculo e de o músculo adicional ser deficiente; 2) a modificação plástica imprimida pelo músculo adicional: hipertrofia concêntrica ou excêntrica.
Ao focalizar o desempenho da ejeção do coração hipertrofiado é necessário considerar que dois
fatores coexistem, mantendo influências opostas
sobre a função contrátil: o fator benéfico, representado pela presença de mais músculo, isto é, o
número de unidades contráteis é aumentado, e o
fator desfavorável, representado pelo comprometimento do inotropismo condicionado pelo remodelamento. A história natural da cardiopatia vai
depender, em cada instante, em cada paciente, do
balanço final resultante do somatório dessas influências. Enquanto o benefício do excesso de
músculo for o fator dominante, a cardiopatia mantém-se compensada; a partir do momento em que
a depressão do inotropismo prevalecer, manifesta-se a insuficiência cardíaca.
A configuração plástica determinada pelo tipo
de sobrecarga geradora do remodelamento (de
pressão ou de volume) implica, fundamentalmente, repercussões na capacidade de ejeção ventricular. As influências distintas das hipertrofias concêntricas ou excêntricas se exercem independentemente da situação em que encontrem as modificações do estado contrátil promovidas pelo remodelamento.
Analogias que podem ser feitas com câmaras
de nosso cotidiano tornam mais fácil a compreensão das diferenças exercidas pela forma assumida
pela cavidade cardíaca.
Considere-se um balão de festas infantis representado na Figura 2. Não é difícil admitir que
os diversos pontos representados dentro do balão
(P1, P2, P3, P4 e P5) estão sujeitos à mesma pressão: a que vigora no interior da câmara. Não é difícil aceitar, também, que as forças de distensão
que se exercem sobre a parede do balão (F1 e F2)
são desiguais e dependem do local que se considera para analisar. Haverá concordância com o fato
de que a força que se exerce na parede do bico do
balão é de pequeno valor, conforme sua palpação
permite inferir pela flacidez da parede nesse local. Diversamente, no bojo do balão, a parede es-
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tará tensa, refletindo o valor elevado da tensão de tação progressiva e tiveram as pressões e as forças
estiramento vigente na parede do balão nesse lo- parietais determinadas antes e depois de se realical. O exemplo ilustra bem como a mesma pres- zar plicatura da cicatriz do infarto, de modo a resão intracavitária coexiste com diferentes tensões duzir o volume da cavidade. O volume do ventrína parede da cavidade. A relação entre essas vari- culo esquerdo correspondente à pressão diastóliáveis (pressão intracavitária e força na parede) é ca de zero milímetro de mercúrio antes da redudefinida pela lei de Laplace: a força na parede (F) ção da cavidade foi de 270 µl e após plicatura da
é diretamente proporcional à pressão intracavitá- cicatriz foi de 150 µl. Na figura, as forças desenria (P) e ao raio da cavidade (R) e inversamente volvidas estão projetadas no eixo das abscissas e
proporcional à espessura da parede (h). A fórmula as respectivas pressões são projetadas como varimatemática que espelha essas relações depende da ável dependente das forças, no eixo das ordenadas.
figura geométrica a que a lei é aplicada. Na cavi- Notar que, para um mesmo qualquer valor de força,
dade esférica, a expressão matemática da lei de as pressões geradas são apreciavelmente mais elevaLaplace assume configuração simples, que permite das quando a cavidade tem seu volume reduzido.
raciocínio fácil sobre os fatos. Na esfera, a lei de
Habitualmente, as propriedades diastólicas da
Laplace é expressa pela equação: F = P x R/2h. A câmara ventricular são alteradas, também, no retransposição de seus membros nos leva à equa- modelamento miocárdico. É comum que exista
ção: P = 2F h/R. Nesta segunda equação, se se lentificação do relaxamento miocárdico. As deficonsidera um valor constante para F, é fácil verifi- ciências já relatadas para os promotores da retiracar que a pressão gerada na cavidade pela mesma da do Ca2+ diastólico do cardiomiócito (SERCA 2
força é inversamente proporcional ao raio da câ- e fosfolambam) justificam o relaxamento mais lenmara. Essa seqüência permite concluir que uma to. Dada a fugacidade dessa fase do ciclo cardíacavidade dilatada é pouco eficiente ou muito one- co, é infreqüente que, isoladamente, essa anormarosa na geração de pressão. Em cavidades com lidade afete as relações pressões/volumes ventriraios diferentes, a geração de pressão é dificultada naquelas que são dilatadas. Por
outro lado, considerando que o fluxo de líquidos só ocorre sob regimes pressóricos
distintos – do sítio de pressão mais alta para
o sítio de menor pressão –, constata-se que
a pressão é a variável que regula o fluxo de
sangue. A aplicação desses conceitos ao coração torna compreensível que, no caso do
ventrículo esquerdo, a pressão intraventricular é a variável que regula a ejeção para
a aorta, e que a força na parede é a variável
que regula a função do músculo componente da parede, o miocárdio. Desse enfoque resulta a definição de que as cavidades
dilatadas convertem mal a variável que regula a função miocárdica (força) na função que regula a ejeção ventricular (pressão).
É facilmente dedutível que a forma assumida pela cavidade ventricular depois
que se instala o remodelamento é o fator
determinante da influência das hipertrofias sobre a capacidade de ejeção ser benéfica ou maléfica: hipertrofias concêntricas favorecem o esvaziamento ventricular, hipertrofias excêntricas dificultam o deságüe da Figura 2. Pressões (P) e tensões parietais (F) que se estacâmara. Os dados da Figura 3 concretizam belecem no interior e na parede da cavidade, estando o
essa teorização. Corações isolados de ra- balão insuflado. Considerar que os diversos pontos repretos portadores de infartos do miocárdio que sentados estão sujeitos à mesma pressão; não obstante, as
ocupavam mais de 40% da parede do ven- tensões de estiramento da parede são variáveis nos vários
trículo esquerdo e coexistiam com insufi- locais, na dependência do raio da cavidade no local consiciência cardíaca foram submetidos a dila- derado.
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Figura 3. Pressões desenvolvidas durante a contração do ventrículo esquerdo projetadas
em função das respectivas forças parietais em coração de rato portador de infarto do miocárdio de grandes proporções. Os triângulos invertidos vazios representam os valores obtidos antes e os triângulos cheios, os valores obtidos depois que a cavidade ventricular foi
reduzida pela plicatura da cicatriz do infarto. Notar que para qualquer valor da força produzida durante a contração a pressão gerada é mais elevada quando a cavidade tem menor
dimensão.
culares; habitualmente, mesmo retardado, o relaxamento miocárdico se completa antes do final da
diástole. As anomalias do enchimento ventricular
guardam relação com as modificações da forma
da cavidade e da rigidez miocárdica. Por razões
facilmente compreensíveis, as dilatações ventriculares ampliam a capacidade continente dos ventrículos e, inversamente, as reduções da cavidade
restringem-na. No coração normal, admite-se que
as relações pressões/volumes diastólicos são regi-
das pela titina40, a maior proteína já encontrada no
organismo. Salvo situações especiais de depósitos anômalos no miocárdio (amiloidose cardíaca),
em geral, as alterações da rigidez miocárdica estão ligadas a exacerbações do colágeno. A exuberância do colágeno miocárdico, comum no remodelamento, afeta a distensibilidade da câmara,
impondo desvios coerentes com a maior rigidez
despertada no músculo, e a distensibilidade ventricular é restringida.
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CARDIAC REMODELING: THE CARDIOMYOCYTE,
THE CARDIAC FUNCTION
LEONARDO DOS SANTOS
PAULO J. F. TUCCI
Cardiac remodeling may be defined as genomic, molecular, cellular and interstitial changes
that are manifested clinically as changes in size, shape and function of the heart after cardiac
injury. This text focuses the cardiomyocyte modifications and the abnormality of cardiac
function. Qualitative and quantitative changes of proteic metabolism due to fetal genes
reactivation base myocardial modifications of remodeling. The inducer of myocardial
remodeling acts on specific membrane receptors linked to intracellular signalizing system,
which carry the signal to cellular nucleus, promoting fetal genes reactivation and protein
synthesis reformulation. In general, all myocardial compartments change with remodeling,
and functional abnormality result for electrophysiology, inotropic and lusitropic properties.
Myocardium calcium kinetics is the most investigated function modified by remodeling and
data are reported appointing to the view that the components of cellular calcium movements
are affected by remodeling. Contractile proteins involvement seems to be less important.
Functional consequences of myocardial hypertrophy to the heart depends on the intensity of
the abnormalities due to remodeling (which depend on the intensity and duration of injury)
and of the pattern eccentric or concentric of the hypertrophy. Laplace’s law allows to
anticipate that in the eccentric hypertrophy pressure generation is impaired whereas
concentric hypertrophy facilitates pressure generation.
Key words: remodeling, cardiac hypertrophy, cardiomyocytes, inotropism, myocardial
relaxation, Laplace’s law.
(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2007;3:196-205)
RSCESP (72594)-1660
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SANTOS L e col.
Remodelamento
miocárdico: o
cardiomiócito, a
função do órgão
205
RSCESP
JUL/AGO/SET 2007
HIGUCHI ML e col.
Aterosclerose
coronariana: lipídios,
inflamação e infecção
ATEROSCLEROSE CORONARIANA:
LIPÍDIOS, INFLAMAÇÃO E INFECÇÃO
MARIA DE LOURDES HIGUCHI
FRANCISCO A. H. FONSECA
O presente capítulo resume os achados fundamentais que implicam os lipídios no
desenvolvimento da aterosclerose e sua relação com a inflamação da placa. Aborda as
características morfológicas das placas quanto à vulnerabilidade: as placas estáveis se
associam a remodelamento negativo do vaso, capa fibrótica ampla, menor conteúdo de
gordura e menor inflamação, enquanto as placas rotas se associam a remodelamento
positivo do vaso, placas volumosas e gordurosas e inflamação, principalmente da camada
adventícia. É enfatizado que a inflamação na placa está associada com a oxidação de
lipídios, que pode estar ligada à presença de vários agentes infecciosos, tais como
Chlamydia pneumoniae e Mycoplasma pneumoniae. São discutidos dados de literatura que
falam a favor de que a co-infecção influencia o desenvolvimento de diferentes tipos de placa
e que a imunodepressão, como, por exemplo, no pós-transplante cardíaco ou na AIDS, pode
estar favorecendo a proliferação desses agentes e o desenvolvimento da aterosclerose
acelerada presente nessas situações. Finalmente é mencionado um achado recente sobre uma
terceira classe de microorganismo, as arquéias, que poderia explicar a inter-relação entre
oxidação, injúria do colágeno e ruptura da placa. As arquéias são os microorganismos mais
primitivos já descritos na natureza, com acentuadas propriedades oxirredutoras, até hoje
considerados não-patogênicos, mas que podem estar favorecendo o crescimento de
microorganismos patogênicos.
Palavras-chave: lipídios, aterosclerose, inflamação, infecção, oxidação.
(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2007;3:206-14)
RSCESP (72594)-1661
INFLAMAÇÃO E DIFERENTES
EVOLUÇÕES DA LESÃO
ATEROSCLERÓTICA
206
RSCESP
JUL/AGO/SET 2007
A aterosclerose é uma doença inflamatória das
artérias, que ocorre em associação com a disfunção endotelial. Permite a entrada de lipídios no
subendotélio, onde os lipídios se tornam oxidados, gerando principalmente a lipoproteína de baixa densidade (LDL) oxidada (LDLox). A LDL,
em seu estado nativo, não é aterogênica. Entretanto, a LDL modificada quimicamente é rapidamente internalizada por macrófagos por meio da
via de receptores “scavenger”.1 A presença de
metais e de espécies reativas de oxigênio e nitrogênio resulta em modificação da LDL, formando
a LDLox, que serve como ligante para a via do
receptor “scavenger”.2 Essas partículas lipídicas
oxidadas são fagocitadas por macrófagos, que
se transformam em células xantomatosas (“foam
cells”), originando as chamadas “estrias lipoídicas” (lesões iniciais da aterosclerose).
As estrias lipoídicas podem progredir com a
formação de um centro lipídico e uma capa de fibrose formando as placas de ateroma propriamente
ditas. Estas podem sofrer complicações, como ruptura e trombose, que, na artéria coronária, levam a
manifestações clínicas denominadas de angina
instável ou infarto agudo do miocárdio. A inflamação, as espécies reativas de oxigênio3 e o aumento da vascularização da adventícia parecem
ser importantes eventos na aterogênese. Infiltrado
inflamatório na adventícia está usualmente ausente
nos ateromas iniciais, mas presente em 22% a 69%
das placas avançadas e em 79% das placas rotas.
A formação do ateroma depende de neovascularização que cresce da adventícia para a placa4, comunicando “vasa vasorum” com microvasos da
placa (Fig. 1).
As placas associadas a infarto agudo do miocárdio usualmente são rotas e trombosadas, têm
maior volume, e apresentam inflamação tanto da
íntima como da adventícia, além de maior quantidade de gordura na placa, características usualmente associadas a remodelamento positivo.5 Este
corresponde a uma distensão segmentar do vaso,
de forma que uma placa de ateroma volumosa pode
não causar grande obstrução da luz6. Placas estáveis tendem a ser mais fibróticas, com menor inflamação e associadas a remodelamento negativo,
possivelmente correspondendo às placas associadas à angina estável. Estas, ao contrário das placas rotas, com freqüência estão associadas a remodelamento negativo do vaso, que leva à obstrução do lúmen mesmo em presença de placa de
pequeno volume.
O ELO ENTRE COLESTEROL E
ATEROGÊNESE
As primeiras observações da relação entre o
colesterol e a aterogênese remontam ao início do
século passado, quando Nikolai Anitschkow7, um
jovem patologista do exército russo, induziu aterosclerose em aortas de coelhos por meio de dieta
rica em colesterol. Foi também o primeiro a descrever as células na íntima vascular rica em lipídios (denominadas mais tarde como células espumosas). Entretanto, pouca importância foi dada a
essa notável descoberta, considerando-se a utilização de um animal herbívoro cujos resultados não
poderiam ser transpostos aos humanos.
A percepção da relação entre hipercolesterolemia e doença coronariana foi mostrada por Carl
Müller8, em um congresso europeu de medicina
interna em 1937. Ao examinar famílias com hipercolesterolemia familar, esse médico norueguês
relacionou a angina de peito a xantomas, estabelecendo pela primeira vez a relação entre hipercolesterolemia e doença coronariana.
Contribuição notável foi dada por Ancel Keys,
nos anos 50, quando idealizou o ambicioso Estudo dos Sete Países em que foram comparados os
hábitos alimentares, os níveis de colesterol plasmático e a mortalidade cardiovascular. Enquanto
no Japão o consumo de gorduras saturadas representava menos de 2,5% do valor calórico total, na
Finlândia o consumo de gorduras saturadas representava aproximadamente 20% do valor calórico
total. No Japão, o nível médio de colesterol sérico
obtido foi de 162 mg/dl, enquanto na Finlândia
esse valor foi de 265 mg/dl. Após dez anos de
acompanhamento, a mortalidade por doença coronariana observada no Japão foi de 5/1.000 homens e na Finlândia, de 70/1.000 homens9.
O “Program On the Surgical Control of the
Hyperlipidemia (estudo POSCH)10 foi idealizado
na década de 1970, quando ainda não havia terapia hipolipemiante efetiva. Pacientes com infarto do miocárdio prévio e hipercolesterolemia
foram sorteados para uma intervenção cirúrgica destinada a reduzir a absorção de colesterol
e sais biliares. Assim, por meio de uma cirurgia
(“bypass” ileal parcial), obteve-se redução considerável (-38%) do colesterol de lipoproteína
de baixa densidade (LDL-colesterol). Após 14,7
anos de seguimento, os pacientes alocados no
braço da cirurgia tinham obtido menor mortalidade total (-25%), menor mortalidade cardiovascular (-34%) e menor necessidade de revascularização percutânea ou cirúrgica (-59%).
Com o advento das estatinas, metanálise11 dos
principais estudos revelou que quanto maior a redução obtida maiores as chances de sobrevida livre dos principais desfechos coronarianos ou mesmo vasculares, incluindo o acidente vascular cerebral. Mais recentemente, foi demonstrado que a
redução mais efetiva do colesterol pode impedir a
progressão anatômica da aterosclerose ou determinar sua regressão.
Entretanto, é preciso reconhecer a natureza inflamatória da aterosclerose, desde o início da formação das primeiras lesões até sua desestabilização. Vários mecanismos inflamatórios são disparados quando os fatores de risco não estão controlados, incluindo-se hipercolesterolemia, diabetes,
tabagismo, obesidade e hipertensão arterial. Além
disso, em indivíduos com doenças reumáticas, tem
sido descrita maior precocidade no desenvolvimento da aterosclerose, num espectro que abrange do
lúpus eritematoso à artrite reumatóide. Os estados inflamatórios e as infecções determinam comprometimento de etapas cruciais do metabolismo
lipídico, estabelecendo maior potencial aterogênico.
Como exemplo, as lipoproteínas de alta densidade
(HDL) mudam seu fenótipo, perdendo várias de suas
características antiaterogênicas. Assim, ocorre perda de seu potencial antioxidante via paraoxonase
(PON) ou via PAF-acetil hidrolase, perda de sua efetividade na remoção de colesterol tecidual, e perda
de sua capacidade restauradora da função endotelial
ou mesmo de suas propriedades inibitórias da inflamação, pois a presença de processo inflamatório resulta no deslocamento de componentes de superfície da HDL, levando à perda de apo A1, PON-1 e
PAF-acetil hidrolase, entre outros, passando a incorporar na proteína amilóide A sérica (SAA), na ceruloplasmina, etc.
HIGUCHI ML e col.
Aterosclerose
coronariana: lipídios,
inflamação e infecção
207
RSCESP
JUL/AGO/SET 2007
HIGUCHI ML e col.
Recentemente, foi descrito que alguns polimorAterosclerose
fismos
de uma glicoproteína que participa do cacoronariana: lipídios,
tabolismo do receptor da LDL estavam associainflamação e infecção dos à redução do LDL-colesterol (variando de 15%
a 28%). Essas reduções discretas a moderadas no
LDL-colesterol foram associadas a reduções de
50% a 88% na ocorrência dos principais desfechos coronarianos do estudo “Atherosclerosis Risk
In Communities” (ARIC)12, um grande estudo
observacional realizado nos Estados Unidos, com
quinze anos de seguimento, que envolveu homens
e mulheres de etnia caucasiana ou afro-americana. Esses resultados foram obtidos mesmo após
ajuste para os principais fatores de risco, sugerindo um papel crucial dos níveis plasmáticos de colesterol na ocorrência das principais complicações
da aterosclerose.
Percebe-se, assim, o forte elo que existe entre
aterogênese, inflamação e colesterol. O papel das
infecções ainda é controverso, mas pode contribuir
para o desenvolvimento das lesões, pois o agravamento da resposta inflamatória pode superar os mecanismos celulares destinados a diminuir o ateroma
ou limitá-lo a uma menor porção da íntima arterial.
Nos dias atuais, devemos considerar a aterosclerose como uma doença multifatorial, em que fatores
genéticos predisponentes encontram um meio ambiente extremamente favorável a seu desenvolvimento, uma vez que o estilo de vida moderno concorre
para o consumo de alimentos industrializados, rico
em gorduras saturadas e colesterol, e em que o exercício regular de atividade física parece uma condição cada vez mais distante.
Toda a evolução de nosso genoma foi baseada
em consumo de uma variedade de alimentos naturais, aliado à atividade física. Num passado muito
recente, mudamos nossa rotina. A obesidade e o
diabetes poderão nos próximos anos determinar
um desenvolvimento ainda mais marcante da aterosclerose, sobretudo nos países mais pobres, a
despeito do melhor controle da hipertensão arterial, da redução dos níveis médios de colesterol ou,
ainda, da diminuição do tabagismo.
Ainda nesse contexto, o papel real das infecções estará sendo mais bem estudado. E mesmo
que resultados negativos com a terapia antimicrobiana tenham sido descritos, existe espaço para a
contribuição das infecções na aterosclerose. Como
explicar, por exemplo, a diminuição de mortes por
doença coronariana em pacientes idosos que fizeram uso de vacinas para gripe?13
208
RSCESP
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ATEROSCLEROSE, INFLAMAÇÃO
E INFECÇÃO
A aterosclerose é um dos maiores problemas
de saúde pública da atualidade, cujo maior fator
de risco é a idade. A longevidade pode contribuir
para a maior exposição aos fatores de risco dependentes do tempo, como, por exemplo, risco aumentado de infecções e reativação das mesmas.
A hipótese de que agentes infecciosos podem
induzir ou agravar a aterosclerose foi estabelecida principalmente a partir de achados de lesões
do tipo aterosclerose em galinhas com infecção
pelo herpesvírus da doença de Marek, que não
estava presente nos animais não-infectados, independentemente de dieta rica em colesterol.14
Outro importante fato que reacendeu a tese de
infecção na aterosclerose foi o achado de aumento de anticorpos contra Chlamydia pneumoniae em
indivíduos com infarto agudo do miocárdio.15 A
despeito de muitas evidências experimentais favoráveis, os resultados de estudos clínicos sobre
o papel da infecção na aterogênese não são consistentes. Além disso, estudos multicêntricos com
o uso de antibióticos não demonstraram redução
de eventos a longo prazo em pacientes com doença arterial coronária. A possível existência de vários agentes infecciosos poderia explicar essa aparente inconsistência. Diferentes espécies de microorganismos conferem aumento de virulência a
cada uma das espécies.16 As placas de ateroma
apresentam múltiplas seqüências gênicas de bactérias, levantando a hipótese de que biofilmes infecciosos possam estar presentes, justificando em
parte os resultados insatisfatórios com antibioticoterapia habitual na prevenção de eventos isquêmicos a longo prazo nos estudos multicêntricos.17
Co-infecção por Chlamydia pneumoniae e
Mycoplasma pneumoniae18 foi descrita em placas
de ateroma rotas e trombosadas de indivíduos que
faleceram por infarto agudo do miocárdio, em associação com inflamação na íntima, na média e
na adventícia, caracterizando uma pan-arterite,
freqüentemente com remodelamento positivo (Fig.
2, A). As placas estáveis com graus semelhantes
de obstrução apresentavam menos inflamação,
placas menores e fibróticas, e menor quantidade
de agentes infecciosos. As técnicas de detecção
desses agentes incluíram: imunoistoquímica para
detecção dos antígenos, hibridização “in situ” para
DNA e microscopia eletrônica para identificação
morfológica dos agentes, na placa (Fig. 2, B e C)
e na adventícia. Nesta última região, encontrouse correlação entre a intensidade da inflamação e
a quantidade de antígenos de Chlamydia pneumoniae 19, 20 (Fig. 2, D e E).
O “vasa vasorum” da adventícia pode ser a principal porta de entrada para monócitos infectados
entrarem na parede vascular, alcançando a camada
intimal durante o processo de aterogênese. Em artérias ateroscleróticas de placas vulneráveis, monócitos e macrófagos portadores de microorganismos,
como, por exemplo, Chlamydia pneumoniae, estão
presentes na adventícia (Fig. 3, A e B).21
Dados experimentais têm fortalecido a tese de
que os agentes infecciosos podem agravar a aterosclerose. Camundongos apoE “knockout” inoculados por Mycoplasma pneumoniae e/ou Chlamydia pneumoniae desenvolveram placas de aterosclerose, e os animais com dieta rica em colesterol apresentaram agravamento da lesão, principalmente com a Chlamydia pneumoniae.22 Entretanto, apesar do agravamento induzido por esses
agentes infecciosos, nenhum dos grupos apresentou placa rota com trombose.
A escassa positividade para antígenos e DNA
de Mycoplasma pneumoniae e Chlamydia pneumoniae nas artérias sem aterosclerose sugere que
fatores como colesterol ou imunodepressão favorecem a proliferação dos mesmos, com conseqüente aumento da inflamação. Aortas de coelhos freqüentemente apresentam antígenos de Chlamydia
pneumoniae e Mycoplasma pneumoniae, sobretudo na camada adventícia. O fornecimento de
dieta com 1% de colesterol aumenta esses antígenos de forma proporcional ao crescimento das placas de ateroma, em associação com inflamação.
Além disso, em placas humanas iniciais em aorta
relacionou-se fibrose e estabilidade da lesão com
maior proporção de Mycoplasma pneumoniae em
relação à Chlamydia pneumoniae, ocorrendo o
inverso em relação à progressão da placa. Isso
sugere uma possível ação protetora do Mycoplasma pneumoniae23, o que estaria de acordo com o
achado de que pacientes com infarto agudo do
miocárdio e níveis sorológicos elevados antiMycoplasma pneumoniae apresentam melhor evolução clínica.24 A co-infecção parece ser importante no agravamento da aterosclerose, pois antígenos de Chlamydia pneumoniae e Mycoplasma
pneumoniae estão aumentados nas placas instáveis. Em estudo sorológico, a positividade para
ambos os agentes, Mycoplasma pneumoniae e
Chlamydia pneumoniae, e não para Chlamydia
pneumoniae isoladamente, se relacionou a maior
incidência de aterosclerose e de infarto agudo do
miocárdio.25
Alguns estudos em transplante cardíaco também demonstraram que pacientes que desenvolveram aterosclerose acelerada a médio prazo (um
ano após a cirurgia) freqüentemente apresentavam
níveis aumentados de IgA anti-Chlamydia pneumoniae.26 Por outro lado, níveis elevados de IgG
anti-Chlamydia pneumoniae correlacionaram-se
com a gravidade da aterosclerose pós-transplante
cardíaco.27 Necropsias demonstraram antígenos de
Mycoplasma pneumoniae e Chlamydia pneumoniae em 100% dos pacientes que faleceram no pósoperatório imediato de transplante cardíaco, além
de aumento significativo de Chlamydia pneumoniae e não de Mycoplasma pneumoniae nos que
faleceram mais tardiamente, correlacionados com
a intensidade da aterosclerose e da inflamação. O
desenvolvimento de aterosclerose acelerada do
transplante pode estar relacionado à proliferação
de Chlamydia pneumoniae induzida pela imunossupressão28.
A terapia anti-retroviral tem modificado a progressão da doença e reduzido a mortalidade e a
morbidade de pacientes infectados por HIV (“human immunodeficiency vírus”), porém com graves efeitos colaterais, como dislipidemia, resistência à insulina e lipodistrofia. Aterosclerose acelerada e maior incidência de infarto do miocárdio
ocorrem em pacientes infectados por HIV, sobretudo em mulheres.29 Essa complicação poderia
estar ligada à proliferação de micoplasmas, uma
vez que têm sido apontados como co-fatores do
HIV na progressão para a síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS). Nos pacientes com
AIDS, a sorologia positiva para Mycoplasma penetrans é mais freqüente (40%) que nos pacientes
infectados por HIV assintomáticos (20%), sendo
praticamente negativa nos indivíduos sem o vírus
(0,3%).30
HIGUCHI ML e col.
Aterosclerose
coronariana: lipídios,
inflamação e infecção
INFECÇÕES, METABOLISMO DE
LIPÍDIOS E ESTRESSE OXIDATIVO
NAS PLACAS DE ATEROMA
Durante os estágios iniciais da oxidação de
LDL “in vitro”, pode ocorrer modificação da LDL
na ausência de mudanças na apoB-100. Essa LDL
modificada tem sido também chamada de LDL
minimamente modificada e induz a síntese da proteína-1 quimiotática para monócitos a partir de
células musculares lisas e endoteliais, resultando
no recrutamento de células inflamatórias. Esse
passo parece ser fundamental para o desenvolvimento de aterosclerose, pois camundongos sem o
receptor para essa proteína são resistentes à aterosclerose.31 A LDL mais intensamente modificada por oxidação, também chamada de LDLox, é
quimiotática para monócitos e linfócitos T32, estimula a proliferação de células musculares lisas e
é imunogênica, induzindo a produção de auto-anticorpos e imunocomplexos que facilitam a internalização das LDL pelo macrófago.
A LPS da Chlamydia pneumoniae é capaz de
induzir a formação de macrófagos xantomatosos
e o componente “heat shock protein” (cHSP60),
as modificações oxidativas.33 A cHSP60 induz expressão de moléculas de adesão e produção de citocinas por células vasculares humanas e macrófagos, por meio de sinalização de CD14 e proteinoquinase mitógeno ativada (MAPK p38) junta-
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HIGUCHI ML e col.
Aterosclerose
coronariana: lipídios,
inflamação e infecção
Figura 1. A – Corte histológico de placa rota exibindo núcleo lipídico, trombose na luz e inflamação na
parede (Masson, 2,5x). B – Detalhe da adventícia (ADV) demonstrando neovascularização e inflamação a mononucleares (10x).
Figura 2. Aspectos microscópicos da
placa rota. A – Ruptura da capa de
fibrose e infiltração de sangue no interior da área gordurosa da placa. As
setas indicam a presença de inflamação na adventícia (Adv), que se estende até a base da placa (pentacrômico de Movat, 5x). B e C – Detalhe
de área gordurosa da placa exibindo
macrófagos xantomatosos positivos
para DNA de Mycoplasma pneumoniae (MP) (B, hibridização “in situ”;
100x) e concomitante presença de
DNA de Mycoplasma pneumoniae e
antígenos da Chlamydia pneumoniae (CP) (C, hibridização “in situ”
para Mycoplasma pneumoniae em
marrom, e imunoistoquímica com
fosfatase alcalina para Chlamydia
pneumoniae em vermelho; 100x). D
e E – Infiltrado inflamatório crônico
na adventícia com positividade para
Chlamydia pneumoniae em macrófagos (D, reação de imunoistoquímica
com fosfatase alcalina em vermelho;
E, DNA da Chlamydia pneumoniae
pela hibridização “in situ” em marrom; 100x).
210
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mente com a LPS de bactéria.34 A estimulação de
monócitos e macrófagos por lipoproteínas de micoplasmas pode induzir a produção de numerosas
citocinas, por meio de ativação da via MAPK.35
Dentro do contexto de um biofilme mais virulento, identifica-se, nas placas vulneráveis, um ter-
ceiro agente infeccioso com características compatíveis com arquéia. As arquéias são os mais antigos seres vivos existentes na natureza, cuja constituição particular originou uma modificação na
filogenia dos seres vivos, com a nova separação
dos reinos: arquéia, procarionte e eucarionte. Uma
HIGUCHI ML e col.
Aterosclerose
coronariana: lipídios,
inflamação e infecção
Figura 3. Aspectos ultra-estruturais da adventícia (ADV) de placa rota. A – “Vasa vasorum” com
monócito na luz exibindo corpos elementares de Chlamydia pneumoniae (CP). B – Miofibroblasto com
numerosos corpos elementares de Chlamydia pneumoniae no citoplasma. C – Macrófagos na adventícia contendo elementos redondos, claros, circundados por membrana, compatíveis com arquéias, e
microorganismo envolto por uma única membrana, compatível com Mycoplasma pneumoniae (MP) no
extracelular.
característica das arquéias é a capacidade de oxirredução, pela qual elas obtêm energia.36 Considerados ainda como microorganismos não-patogênicos, estudo realizado por Higuchi e colaboradores sugere pioneiramente que arquéias podem aumentar a patogenicidade de outros agentes infecciosos presentes no local pela produção de estresse oxidativo e liberação de metaloproteases. Assim, placas instáveis estão associadas à presença concomitante dos agentes infecciosos e seus produtos:
clamídia, micoplasma e arquéias detectados por microscopia eletrônica (Fig. 3, C) e técnica de PCR.37
Muitas são as evidências de implicação de es-
pécies reativas de oxigênio (ROS) e de nitrogênio
(RNS) na aterogênese. As principais fontes são:
NAD(P)H oxidases38, eNOS, mieloperoxidases,
lipoxigenases, etc. Em várias das circunstâncias,
metais como ferro e cobre livres são fortes catalisadores das reações de oxidação, e podem estar
sendo, por exemplo, fonte energética das arquéias39. A toxicidade que se observa em ambientes
biológicos está freqüentemente relacionada a uma
ou duas elétron-reduções de dioxigênio para superóxido ou peróxido de hidrogênio, levando a uma
série de subseqüentes reações coletivamente conhecidas como estresse oxidativo.40
211
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HIGUCHI ML e col.
Aterosclerose
coronariana: lipídios,
inflamação e infecção
CORONARY ATHEROSCLEROSIS: LIPIDS,
INFLAMMATION, AND INFECTION
MARIA DE LOURDES HIGUCHI
FRANCISCO A H FONSECA
The present chapter summarizes fundamental data that implicate lipid in the development of
atherosclerosis and its relationship with the inflammation in the plaque. Focuses on the
morphological characteristics of the plaques regarding their vulnerability: stable plaques are
usually associated with negative vessel remodeling, wide fibrous cap, low fat content and
low inflammation. The ruptured plaques usually are associated with positive vessel
remodeling, large plaque volume with high fat content and severe inflammation mainly in
the adventitial layer. It is emphasized that inflammation in the plaque is associated with
lipid oxidation that may be linked with the presence of several infectious agents, such as
Chlamydia pneumoniae and Mycoplasma pneumoniae. Literature data favoring the
hypothesis of co-infection favoring development of different kinds of atheroma plaque are
discussed, and also how the immunodepression as for example in the follow up of heart
transplantation or AIDS may be favoring proliferation of infectious agents and the
development of accelerated atherosclerosis observed in these situations. Finally, it is
mentioned a recent finding of a third class of microorganism that might explain the
relationship between oxidation, collagen injury and plaque rupture, that is the archaea.
These are the most primitive microbe already described in the nature, with important
oxireductive properties, until now considered as non pathogenic, but that may be favoring
the growth of pathogenic microorganisms.
Key words: lipids, atherosclerosis, inflammation, infection, oxidation.
(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2007;3:206-14)
RSCESP (72594)-1661
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RESSONÂNCIA MAGNÉTICA CARDIOVASCULAR
NO DIAGNÓSTICO DA INSUFICIÊNCIA CARDÍACA
CARLOS EDUARDO ROCHITTE
FERNANDO BACAL
TIAGO SENRA GARCIA DOS SANTOS
ROCHITTE CE
e cols.
Ressonância
magnética
cardiovascular no
diagnóstico da
insuficiência cardíaca
Instituto do Coração (InCor) – HC-FMUSP
Endereço para correspondência:
Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 44 – Cerqueira César – CEP 05403-904 – São Paulo – SP
A ressonância magnética cardiovascular é um método diagnóstico cuja importância vem
crescendo na avaliação de pacientes com insuficiência cardíaca. A ressonância magnética
cardiovascular permite avaliação anatômica, funcional, de fluxos, caracterização tecidual, e
pesquisa de isquemia e viabilidade miocárdicas, auxiliando na investigação da etiologia, no
planejamento terapêutico e na definição do prognóstico em pacientes com insuficiência
cardíaca. Dentre as várias técnicas utilizadas, destaca-se o realce tardio, que permite
identificar áreas de inflamação/necrose/fibrose miocárdicas. Na cardiomiopatia isquêmica,
causa mais comum de insuficiência cardíaca, o realce tardio tem padrão específico,
determina a viabilidade de segmentos miocárdicos, auxilia na indicação da revascularização
e ainda correlaciona-se com mortalidade.
Palavras-chave: ressonância magnética, cardiomiopatias, disfunção ventricular, infarto
miocárdico, insuficiência cardíaca.
(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2007;3:215-21)
RSCESP (72594)-1662
A insuficiência cardíaca é caracterizada como
uma síndrome clínica complexa, acompanhada por
disfunção ventricular, sistólica e/ou diastólica, associada a alterações do eixo neuro-hormonal, levando a restrição de atividades físicas, retenção
hídrica e diminuição da longevidade.
Do ponto de vista epidemiológico, nos Estados Unidos, atualmente, 5 milhões de pessoas estão sendo acompanhadas por insuficiência cardíaca, surgindo 550 mil
novos diagnósticos anualmente1.
Em 2001, no Brasil, a insuficiência cardíaca
correspondeu a 6,61% das internações hospitalares, correspondendo a aproximadamente 390 mil
internações. Dados de 2004 demonstraram diminuição do número de internações (atingindo 340
mil), número médio de permanência hospitalar de
seis dias e mortalidade intra-hospitalar de 7,5%.
O custo da insuficiência cardíaca, nesse ano, atin-
giu 227 milhões de reais2. Outros dados nacionais
revelam que a insuficiência cardíaca descompensada é a principal causa de internação entre os pacientes com mais de 60 anos de idade e a sexta
causa entre 15 e 59 anos, pela sua elevada incidência e alta prevalência, em decorrência do aumento da população de idosos e pelo fato de a insuficiência cardíaca ser a via final de inúmeras
agressões ao coração2.
Os critérios clínicos para diagnóstico de insuficiência cardíaca fundamentam-se nos critérios
de Framingham3. Os métodos complementares
exercem, hoje, papel importante no diagnóstico,
na estratificação de risco e no prognóstico dos pacientes. Dentre os métodos diagnósticos complementares, a ressonância magnética tem ganho papel de destaque, proporcionando ao médico uma
análise detalhada, tanto da anatomia como do pon-
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e cols.
Ressonância
magnética
cardiovascular no
diagnóstico da
insuficiência cardíaca
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to de vista funcional, ajudando na definição etioA pesquisa de isquemia miocárdica sob estreslógica, prognóstica e de orientação terapêutica.
se farmacológico pode ser realizada com dobutaO caráter não-invasivo, a alta resolução tanto mina, adenosina ou dipiridamol e apresenta resultemporal como espacial das imagens obtidas, a tados excelentes quando comparada a ecocardiobaixa variabilidade interobservador, a reproduti- grafia de estresse, SPECT, PET e cineangiocorobilidade4, a capacidade de realizar cortes virtual- nariografia6-9. Além disso, apresenta valor progmente em qualquer plano desejado pelo examina- nóstico, pois se correlaciona com risco aumentador, o uso de contraste com baixo risco de nefro- do de morte cardiovascular ou infarto agudo do
toxicidade e baixíssimo risco de reação alérgica, miocárdio quando é positiva, mas quando é negae o caráter inócuo do campo magnético (com ex- tiva a taxa de eventos é baixa10-12.
ceção de casos específicos) constituem vantagens em relação aos
outros métodos de
imagem utilizados na
avaliação desses pacientes. Notadamente,
nos últimos anos, a
avaliação do remodelamento ventricular
pela ressonância magnética cardiovascular
em pacientes com insuficiência cardíaca
tem permitido a diminuição do tamanho
das amostras em alguns ensaios clínicos5,6.
Além disso, a ressonância magnética
cardiovascular permi- Figura 1. Imagens obtidas em eixo longo (2 câmaras) mostrando (A) aneuriste avaliação anatômi- ma apical do ventrículo esquerdo, afilamento da parede miocárdica em segca, funcional e de flu- mentos apicais e imagem sugestiva de trombo apical pela cinerressonância
xos, caracterização te- (setas brancas), confirmado pelo realce tardio (B), que ainda demonstra infarcidual miocárdica, to miocárdico transmural apical sem viabilidade (seta preta).
além de pesquisa de
isquemia em repouso
e sob estresse farmacológico e de viabilidade miocárdica. Essa ampla
A presença de necrose ou fibrose miocárdicas
gama de ferramentas diagnósticas auxilia na in- secundárias à isquemia é avaliada pela técnica do
vestigação da etiologia, no planejamento terapêu- realce tardio. Essa técnica depende da injeção de
tico e na estimativa de prognóstico de pacientes contraste baseado em gadolínio, que tem districom insuficiência cardíaca.
buição extracelular e saída mais lenta das regiões
De fundamental importância é a definição eti- de infarto. Assim, as imagens adquiridas tardiaológica da cardiomiopatia, o que propiciará abor- mente apresentam intensidade de sinal até 1.000%
dagem mais adequada do paciente com terapêuti- maior no miocárdio infartado (miocárdio branco)
ca específica, melhorando assim o desfecho e o que no miocárdio normal (miocárdio preto)13.
prognóstico dos pacientes.
Pode-se também obter dados que sugiram a idade
Na avaliação de pacientes com cardiomiopa- do infarto. Embora ainda não com a robustez detia isquêmica, a ressonância magnética cardiovas- sejada, infartos agudos podem ser diferenciados
cular pode identificar disfunção segmentar, afila- de infartos crônicos por meio de seqüências de
mento da parede miocárdica, aneurismas e trom- pulso específicas, que permitem a visualização de
bos intracavitários (Fig. 1), além de avaliar déficit edema nos segmentos acometidos14.
de perfusão miocárdica em repouso e/ou sob esNa cardiomiopatia isquêmica, o realce tardio
tresse farmacológico, detectar miocárdio hiberna- estende-se do endocárdio para o epicárdio, respeido e determinar a viabilidade miocárdica.
tando a onda de lesão miocárdica, e está associa-
do ao território irrigado pelas coronárias.
Esse padrão típico,
que difere do realce
tardio encontrado em
outras cardiomiopatias, permite estabelecer
a etiologia isquêmica
em pacientes com insuficiência cardíaca
de causa indeterminada15. Notadamente, o
achado de realce tardio nos pacientes isquêmicos confere pior
prognóstico16 e correlaciona-se com indução de fibrilação/taquicardia ventricular
ao estudo eletrofisiológico17.
A transmuralidade
do realce tardio nos
pacientes isquêmicos
também tem valor no
tratamento, já que segmentos com mais de Figura 2. Imagens obtidas em eixo longo (A, C) e em eixo curto (B, D),
50% da espessura mi- demonstrando ventrículo esquerdo dilatado pela cinerressonância (A, B), e
ocárdica acometida realce tardio apical (seta branca) e ínfero-lateral basal (seta preta) (C, D) em
têm baixa probabilida- paciente com cardiomiopatia chagásica.
de de recuperação da
contratilidade após a
revascularização miocárdica18, sendo considerados sem viabilidade. etiologia da insuficiência cardíaca, a presença de
Comparativamente ao PET, a ressonância magné- realce tardio é marcadora de má resposta à ressintica cardiovascular apresenta excelentes resulta- cronização21.
O padrão de realce tardio também pode sugedos na pesquisa de viabilidade19. Em pacientes isquêmicos e com disfunção ventricular importan- rir a etiologia chagásica da insuficiência cardíaca.
te, a pesquisa de isquemia e viabilidade pode ori- Nesses pacientes, os segmentos inferior, ínferoentar o clínico na decisão de indicação de revas- lateral e apical são mais freqüentemente acometicularização miocárdica, mudando o prognóstico dos (50% dos pacientes) (Fig. 2), mas o realce tarde pacientes que teriam como última opção o trans- dio pode ser epicárdico, mesocárdico ou indistinguível do padrão isquêmico. É importante ressalplante cardíaco.
Além disso, nos pacientes isquêmicos, a pre- tar que a quantidade de fibrose na cardiomiopatia
sença de realce tardio transmural ínfero-lateral chagásica se correlaciona com a classe funcional
prediz má resposta clínica e ecocardiográfica à da insuficiência cardíaca e é inversamente proporterapia de ressincronização cardíaca20. Sabidamen- cional à fração de ejeção do ventrículo esquerdo22.
Na cardiomiopatia dilatada idiopática, 30% dos
te 30% dos pacientes encaminhados para terapia
de ressincronização são não respondedores, ou pacientes apresentam realce tardio mesocárdico15
seja, não apresentam melhora clínica ou funcio- (Fig. 3). Notadamente, esses pacientes apresennal após o procedimento. Em especial nos pacien- tam risco elevado de morte por qualquer causa e
tes isquêmicos, com infarto prévio, é de funda- de hospitalização por motivo cardíaco, indepenmental importância a caracterização do local da dentemente da fração de ejeção do ventrículo esárea de fibrose, uma vez que a fibrose em parede querdo. O risco de morte súbita e de taquicardia
lateral pode ser determinante da não resposta após ventricular também está aumentado nesse grupo,
implante do ressincronizador. É interessante no- levantando a necessidade de determinar o potentar que, mesmo numa população mista quanto à cial valor do implante de cardiodesfibrilador im-
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cardiovascular no
diagnóstico da
insuficiência cardíaca
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Ressonância
magnética
cardiovascular no
diagnóstico da
insuficiência cardíaca
Figura 3. Imagens
para avaliação de realce tardio em eixo
longo (2 câmaras) (A)
e em eixo curto (B),
demonstrando realce
tardio mesocárdico
inferior, anterior e
septal (setas brancas)
em paciente com cardiomiopatia dilatada
idiopática.
plantável nessa população. A análise do grau de
remodelamento ventricular associado à presença
de grandes áreas de fibrose pode ajudar a identificar esses pacientes com maior risco de eventos.
Especula-se que uma das principais etiologias da
insuficiência cardíaca nesses pacientes seja a mi-
como pode ser observado na Figura 4.25
A ressonância magnética cardiovascular é o
método de escolha na avaliação de pacientes com
insuficiência cardíaca de etiologia constritiva, pois
permite a melhor caracterização do pericárdio além
dos outros sinais indiretos – aumento atrial, moFigura 4. Imagens
para avaliação de realce tardio em eixo
curto (A) e em eixo
longo (4 câmaras)
(B), demonstrando realce tardio subendocárdico no ventrículo
esquerdo (setas brancas) (A) e acometendo todas as câmaras
cardíacas (B) em pacientes com amiloidose.
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ocardite, já que esse padrão de realce tardio é observado em pacientes com miocardite crônica23.
Nas doenças de depósito, mais uma vez o realce tardio tem papel fundamental. Na sarcoidose,
além da identificação de disfunção segmentar, dilatação do ventrículo esquerdo e afilamento miocárdico, a ressonância magnética cardiovascular
permite visualizar áreas de fibrose que acometem
preferencialmente segmentos basais e laterais do
ventrículo esquerdo, potencialmente evitando a biópsia endomiocárdica24.
Já na amiloidose, a ressonância magnética cardiovascular pode identificar espessamento miocárdico, espessamento do septo interatrial, sinais de
disfunção diastólica e o típico padrão de realce
tardio subendocárdico no ventrículo esquerdo, mas
que pode acometer todas as câmaras cardíacas,
vimento paradoxal do septo interventricular e restrição diastólica. Eventuais aderências entre o pericárdio e o miocárdio subjacente podem ser avaliadas qualitativa e quantitativamente por meio da
técnica de “tagging”. Nessa seqüência de pulso,
um gradeado é sobreposto às imagens de avaliação funcional do ventrículo esquerdo, permitindo
a quantificação da deformação de cada segmento
ao longo do ciclo cardíaco.
O miocárdio não-compactado constitui outra
etiologia da insuficiência cardíaca bem avaliada
pela ressonância magnética cardiovascular (Fig.
5). A presença de miocárdio não-compactado com
espessura 2,3 vezes maior que o miocárdio compactado medida no eixo longo e em diástole estabelece o diagnóstico, que pode ser confundido com
hipertrofia miocárdica pela ecocardiografia.
Figura 5. Imagens
obtidas em eixo longo (4 câmaras) (A) e
em eixo curto (B), demonstrando aumento
da trabeculação do
ventrículo esquerdo
na porção médio-apical (setas brancas)
pela cinerressonância
em paciente com miocárdio não-compactado.
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magnética
cardiovascular no
diagnóstico da
insuficiência cardíaca
Figura 6. Imagens obtidas em eixo longo (4 câmaras) pela cinerressonância
(A) e em eixo curto (2 câmaras) pelo realce tardio (B), demonstrando ventrículo esquerdo dilatado com preenchimento apical (seta branca) (A) e fibrose subendocárdica apical (seta preta) (B) em paciente com endomiocardiofibrose.
Na cardiomiopatia hipertrófica, a ressonância
magnética cardiovascular permite identificar a hipertrofia de maneira precisa, mesmo quando esta
atinge o ápex ou o ventrículo direito, que são de
caracterização mais difícil pela ecocardiografia.
O realce tardio está presente em 80% dos pacientes e o padrão difuso já foi correlacionado com a
presença dos fatores de risco clássicos para morte
súbita26. Já o padrão confluente de realce tardio
parece ter caráter mais benigno, não estando relacionado a esses fatores de risco. Notadamente, os
pacientes que evoluem para as formas dilatadas e
requerem transplante cardíaco apresentam grandes
porcentagens de fibrose no ventrículo esquerdo27.
O diagnóstico diferencial entre cardiomiopatia hipertrófica apical e endomiocardiofibrose pelos outros métodos de imagem é muitas vezes di-
fícil, mas a ressonância magnética cardiovascular
permite a visualização de fibrose subendocárdica
apical (Fig. 6) – característica de endomiocardiofibrose –, além de identificar trombos e sugerir
calcificação apical, achados muito mais freqüentes na endomiocardiofibrose que na cardiomiopatia hipertrófica.
Finalmente, o acometimento cardíaco na sobrecarga de ferro pode ser bem avaliado pela ressonância magnética cardiovascular. O acúmulo de
ferro no miocárdio muda as propriedades magnéticas desse tecido, permitindo sua quantificação
por seqüências de pulsos específicas na ressonância magnética cardiovascular. A indicação de agentes quelantes de ferro e o seguimento desses pacientes atualmente são baseados nos achados da ressonância magnética cardiovascular.
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e cols.
ARDIOVASCULAR MAGNETIC RESONANCE
Ressonância
magnética
THE DIAGNOSIS OF HEART FAILURE
cardiovascular no
diagnóstico da
insuficiência cardíaca CARLOS EDUARDO ROCHITTE
FERNANDO BACAL
TIAGO SENRA GARCIA DOS SANTOS
C
IN
Cardiovascular magnetic resonance is a diagnostic tool of growing importance in the
evaluation of patients with Heart Failure. Cardiovascular magnetic resonance allows
anatomic, functional and flow evaluation, myocardial tissue characterization and detection
of ischemia and viability, providing useful information regarding etiology, therapeutic
planning and prognosis in patients with Heart Failure. Delayed enhancement is a
particularly important technique, as it allows identification of myocardial inflammation/
necrosis/fibrosis. In ischemic cardiomiopathy, the most common cause of Heart Failure,
delayed enhancement shows a specific pattern, contributes in the decision to revascularize
by establishing segment viability, and correlates with mortality.
Key words: magnetic resonance imaging, cardiomyopathies, ventricular dysfunction,
myocardial infarction, heart failure.
(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2007;3:215-21)
RSCESP (72594)-1662
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Ressonância
magnética
cardiovascular no
diagnóstico da
insuficiência cardíaca
221
RSCESP
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DEL CARLO CH
e cols.
Desenvolvimento
sistêmico da
insuficiência cardíaca
DESENVOLVIMENTO SISTÊMICO DA
INSUFICIÊNCIA CARDÍACA
CARLOS HENRIQUE DEL CARLO
MARCELO EID OCHIAI
JULIANO NOVAES CARDOSO
MARCELO VILLAÇA LIMA
ANTONIO CARLOS PEREIRA BARRETTO
Serviço de Prevenção e Reabilitação Cardiovascular – Instituto do Coração (InCor) – HC-FMUSP
Endereço para correspondência:
Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 44 – Cerqueira César – CEP 05403-904 – São Paulo – SP
A ativação do sistema nervoso simpático e do sistema renina-angiotensina-aldosterona são
as principais adaptações neuro-hormonais visando à manutenção da perfusão tecidual nos
pacientes com insuficiência cardíaca. Paralelamente à ativação neuro-hormonal, a
remodelação ventricular contribui para a progressão da disfunção ventricular. Entretanto, a
insuficiência cardíaca não é somente uma doença associada à ativação exagerada do sistema
renina-angiotensina-aldosterona e do sistema simpático. Existem outros sistemas orgânicos
que participam do desenvolvimento e da progressão dessa síndrome. A insuficiência
cardíaca está associada ao desequilíbrio da expressão de mediadores inflamatórios, tais
como o óxido nítrico e as citocinas pró-inflamatórias. A expressão aumentada desses
peptídeos apresenta efeito tóxico no miocárdio, contribuindo para a progressão da doença
quando a disfunção ventricular está presente, além de apresentar relação com a gravidade da
insuficiência cardíaca e com pior prognóstico. Os distúrbios respiratórios são freqüentes nos
pacientes com insuficiência cardíaca. A síndrome da apnéia do sono leva ao aumento da
ativação neuro-hormonal e à progressão da insuficiência cardíaca. Os hormônios
tireoidianos exercem múltiplos efeitos no sistema cardiovascular, sendo associados com a
progressão da disfunção ventricular e com a piora da sobrevida. A disfunção renal é
freqüente na insuficiência cardíaca e está relacionada com a piora da função ventricular. A
ativação do sistema arginina vasopressina na insuficiência cardíaca secreta o hormônio
antidiurético (vasopressina), o qual estimula os receptores V2 (levando à hiponatremia
dilucional) e V1a (levando a vasoconstrição, hipertrofia das células miocárdicas e efeito
inotrópico negativo). A fisiopatologia da insuficiência cardíaca é complexa, envolvendo
múltiplas alterações neuro-hormonais, sistêmicas e imunológicas, as quais contribuem para
a progressão dessa síndrome.
Palavras-chave: citocinas, vasopressina, disfunção renal, apnéia obstrutiva do sono.
(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2007;3:222-31)
RSCESP (72594)-1663
222
RSCESP
JUL/AGO/SET 2007
INTRODUÇÃO
A fisiopatologia da insuficiência cardíaca é
complexa, com atuação de diferentes sistemas na
sua gênese, agravamento e evolução. O papel da
aumentada ativação neuro-hormonal e da remodelação cardíaca tem sido freqüente e amplamente discutido, mas a insuficiência cardíaca não é
somente uma doença associada à ativação exagerada do sistema renina-angiotensina-aldosterona
e do sistema simpático. Neste trabalho é discutida
a participação de outros sistemas em portadores
de insuficiência cardíaca, que podem desencadear ou agravar a insuficiência cardíaca. Será dado
destaque para o papel das citocinas, dos distúrbios respiratórios, da função renal e da vasopressina na insuficiência cardíaca.
PAPEL DAS CITOCINAS NO
DESENVOLVIMENTO DA
INSUFICIÊNCIA CARDÍACA
Os sinais e sintomas da insuficiência cardíaca
podem ser parcialmente explicados pelo conjunto
de mecanismos compensatórios utilizados pelo organismo para corrigir a redução do débito cardíaco na insuficiência cardíaca. O sistema nervoso
simpático e o sistema renina-angiotensina-aldosterona são as principais adaptações neuro-hormonais visando à manutenção da perfusão tecidual,
pelo aumento da contratilidade miocárdica, pela
expansão volêmica e pela vasoconstrição periférica, com redistribuição do fluxo sanguíneo para
os órgãos vitais. Entretanto, sabe-se que outros
sistemas neuro-hormonais estão ativados na insuficiência cardíaca, contribuindo para sua fisiopatologia: vasopressina, peptídeos natriuréticos e
endotelina. Além desses mecanismos, a insuficiência cardíaca está associada ao desequilíbrio da
expressão de mediadores inflamatórios, tais como
óxido nítrico e citocinas pró-inflamatórias (fator
de necrose tumoral alfa [TNF-alfa], interleucina6 [IL-6], IL-1 beta e IL-2).
O interesse crescente em entender o papel das
citocinas pró-inflamatórias nos pacientes com insuficiência cardíaca decorre da simples observação de que muitos aspectos da síndrome podem
ser explicados pelos conhecidos efeitos biológicos dessas moléculas. O simples fato de que quando presentes em altas concentrações podem produzir quadros que mimetizam a insuficiência cardíaca, incluindo disfunção ventricular, remodelação cardíaca, modificação de expressão gênica
com aumento dos genes fetais e cardiomiopatia,
permite propor, ao lado da hipótese neuro-hormonal, a hipótese citocina para a insuficiência cardíaca1. Essa hipótese é fundamentada, pelo menos
em parte, nos resultados dos efeitos tóxicos que
as citocinas exercem sobre o coração e a circulação. A hipótese da citocina não implica que esses
peptídeos causem a insuficiência cardíaca por si
próprias, mas que sua expressão aumentada possa
contribuir para a progressão da doença, quando a
disfunção ventricular está presente. Dessa forma,
as citocinas, muito semelhante aos neuro-hormônios, representam um mecanismo biológico que
seria responsável pela progressão da insuficiência
cardíaca nos pacientes com disfunção ventricular.
As citocinas são moléculas protéicas produzidas por vários tipos celulares em resposta a uma
variedade de estímulos e estão intimamente envolvidas na mediação da resposta imune.
A elevação dos níveis circulantes de TNF-alfa,
em pacientes com insuficiência cardíaca grave, foi
descrita inicialmente por Levine e colaboradores.2
A elevação dos níveis de TNF-alfa correlacionase com a gravidade da insuficiência cardíaca expressa pela sua classe funcional3. O TNF-alfa parece desempenhar papel mais importante em alguns pacientes, participando da gênese da caquexia cardíaca, reconhecido indicador de mau prognóstico. Nos pacientes com desnutrição, os níveis
elevados de TNF-alfa foram importantes preditores da perda de peso.
A produção do TNF-alfa na insuficiência cardíaca ocorre em sua maior parte no coração, e os
estímulos para sua expressão não são totalmente
compreendidos. Existem evidências de que a sobrecarga de volume e a sobrecarga de pressão estejam associadas com elevação dos níveis plasmáticos de TNF-alfa4. A inflamação também é uma
importante fonte de produção de TNF-alfa pelas
células mononucleares no sangue periférico, e está
associada a risco aumentado de insuficiência cardíaca5. A produção local de TNF-alfa parece apresentar efeito tóxico no miocárdio,6, 7 podendo explicar sua associação com pior prognóstico. A relação entre níveis elevados de TNF-alfa e prognóstico na insuficiência cardíaca foi demonstrada
no “Vesnarinone Trial” (VEST)8. Esse estudo envolveu 1.200 pacientes com insuficiência cardíaca avançada, com seguimento de 55 semanas. Os
pacientes com níveis basais elevados de TNF-alfa
apresentaram associação com aumento de mortalidade.
O TNF-alfa também parece ser capaz de predizer o desenvolvimento da insuficiência cardíaca
em pacientes idosos. Em uma amostra de 732 pacientes idosos do “Framingham Heart Study”, sem
história prévia de insuficiência cardíaca ou infarto do miocárdio e com seguimento médio de 5,2
anos, foi observado aumento de 60% no risco de
insuficiência cardíaca para cada tercil de aumento
na produção espontânea de TNF-alfa pelas célu-
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e cols.
Desenvolvimento
sistêmico da
insuficiência cardíaca
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Desenvolvimento
sistêmico da
insuficiência cardíaca
las mononucleares do sangue periférico5.
A interleucina-6 é outra citocina pró-inflamatória que está elevada nos pacientes com insuficiência cardíaca crônica e tem estado associada à
intensidade dos sintomas, com níveis mais elevados nos pacientes com classe funcional pior, naqueles com maior disfunção ventricular esquerda
e nos com pior prognóstico9, 10.
O mecanismo pelos quais a interleucina-6 exerce seus efeitos deletérios necessita ainda ser elucidado, havendo evidências iniciais de que esteja
envolvida no desenvolvimento de hipertrofia ventricular.
Os dados para a interleucina-6 não foram tão
homogêneos quanto os do TNF-alfa, com pesquisas demonstrando elevação conforme o quadro
funcional, ao lado de outras que demonstram níveis elevados, mas indicam que nas formas mais
graves os níveis não são tão elevados como nas
formas mais iniciais3, 11.
DISTÚRBIOS RESPIRATÓRIOS
Os distúrbios respiratórios são freqüentes nos
pacientes com insuficiência cardíaca, que, entretanto, por estarem dormindo, na maioria das vezes não os percebem.
As manifestações mais comuns são a síndrome da apnéia do sono e os distúrbios periódicos
ou oscilatórios da respiração, que acontecem no
período de vigília e também durante o sono12.
A síndrome da apnéia do sono é caracterizada
por pelo menos 10 a 15 períodos de apnéia e hipopnéia por hora durante o sono, associada a um
dos sintomas como: roncos, dispnéia noturna, cefaléia matinal e sono excessivo durante o dia13.
Existem duas formas de apresentação: a apnéia
obstrutiva do sono e a apnéia central do sono.
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Apnéia obstrutiva do sono
A apnéia obstrutiva e a hipopnéia são resultados do completo ou parcial colapso do estreitamento da faringe, aparecendo como uma das causas de insuficiência cardíaca, porém ainda há controvérsias sobre sua importância13. O esforço respiratório contra o colapso da faringe causa a redução abrupta da pressão intratorácica, aumentando
a pressão transmural do ventrículo esquerdo (póscarga). Ainda, o aumento do retorno venoso gerado por essa queda de pressão contribui para a distensão do ventrículo direito, diminuindo o enchimento do ventrículo esquerdo (pré-carga).
Durante a apnéia, a hipercapnia e a hipóxia são
responsáveis pelo aumento da estimulação simpática, exacerbando ainda mais a já aumentada
estimulação pela disfunção ventricular. Essa ativação promove ou exacerba a vasoconstrição, o
aumento da resistência vascular periférica e pulmonar, o aumento da freqüência cardíaca e a ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona, responsável pela retenção de sódio e água e
piora da insuficiência cardíaca. Ao lado dessas
alterações, a falência ventricular pode provocar
necrose miocárdica e apoptose, predispondo arritmias e aumentando a mortalidade. Diferentemente de pacientes sem apnéia obstrutiva do sono,
os distúrbios respiratórios durante o sono aumentam o consumo de oxigênio do miocárdio, acentuando ainda mais as alterações hemodinâmicas próprias da insuficiência cardíaca.
É preciso ainda considerar que os mecanismos
neuro-hormonais estão envolvidos na progressão
da insuficiência cardíaca. Pacientes com apnéia
obstrutiva do sono têm baixa disponibilidade de
fator relaxante derivado do endotélio, precursor
do óxido nítrico, importante agente vasodilatador.
Durante o período de hipóxia, hormônios vasoconstritores são estimulados, como o fator de crescimento endotelial. Quanto maior o período de
apnéia e o grau de hipóxia, maior a concentração
desses hormônios no plasma, que podem promover o aumento da pressão arterial sistêmica. Essa
estimulação aumentada, nos pacientes com apnéia
obstrutiva do sono, está com freqüência associada
à ausência do descenso noturno fisiológico da pressão arterial sistêmica em pacientes hipertensos,
reconhecido como um fator de risco independente para a hipertrofia ventricular esquerda.
Os efeitos cardiovasculares da apnéia obstrutiva do sono não se limitam ao período noturno. O
sistema nervoso simpático continua exacerbado
durante o dia, contribuindo para a manutenção da
hipertensão arterial sistêmica e das alterações descritas, mesmo após o término do período de hipóxia.
Quanto ao tratamento, ainda não há evidências de que medicações para a insuficiência cardíaca tenham influência na melhora da apnéia obstrutiva do sono e, ao contrário, não há grandes estudos que comprovem que o tratamento da apnéia
obstrutiva do sono melhore a sobrevida de pacientes com insuficiência cardíaca. A principal intervenção para a apnéia obstrutiva do sono ainda
é o uso de CPAP durante a noite para os pacientes
sintomáticos (períodos de apnéia e hipopnéia maiores que 30 por hora durante o sono)14. Não há
evidência de que o uso do CPAP para pacientes
assintomáticos traga benefício.
Apnéia central do sono
É reconhecida clinicamente pela respiração de
Cheyne-Stokes15. Esse tipo de distúrbio respiratório tem alta prevalência entre os pacientes com
insuficiência cardíaca, e está associado a pior prog-
nóstico. Caracteriza-se por períodos de apnéia e
hipopnéia de origem central, alternando-se com
períodos de hiperventilação. Diferente da apnéia
obstrutiva do sono, a apnéia central é conseqüência e não causa de insuficiência cardíaca, mas pode
contribuir e muito para sua acentuação.
Os períodos de hiperventilação são decorrentes da estimulação de receptores pulmonares diante de congestão sistêmica. Após esse período,
há um período de apnéia, decorrente de redução
da PaCO2 abaixo dos níveis responsáveis pela estimulação de outra ventilação espontânea, persistindo até que novamente ocorra a elevação da
PaCO2 capaz de provocar novo ciclo respiratório.
Em pacientes com congestão e redução da complacência pulmonar, o aumento do esforço respiratório nos períodos de apnéia causa diminuição
da pressão intratorácica e aumento da pressão do
ventrículo esquerdo, como na apnéia obstrutiva do
sono, com as mesmas conseqüências hemodinâmicas. Também aumenta a ativação do sistema
nervoso simpático, a pressão arterial sistêmica e a
freqüência cardíaca, aumentando o consumo de
oxigênio pelo miocárdio e a falência ventricular
esquerda.
A principal conseqüência da apnéia central do
sono é o aumento da mortalidade em pacientes com
insuficiência cardíaca, tanto pela tradução da gravidade da doença como pelos efeitos adversos hemodinâmicos16. É um marcador importante para o
desenvolvimento de arritmias, associado, dessa
maneira, a aumento do risco de morte15.
Como a apnéia central do sono é uma manifestação da insuficiência cardíaca, seu tratamento
consiste no ajuste medicamentoso dessa síndrome. A suplementação de oxigênio noturno é importante para o controle da hipóxia relacionada
com a apnéia, diminuindo os níveis de noradrenalina.17. Em um estudo prospectivo de cinco dias, o
uso de teofilina reduziu os sintomas da apnéia central do sono, mas não demonstrou benefício na
melhora da fração de ejeção ventricular ou na qualidade de vida, além de ser uma medicação com
potencial risco arritmogênico18.
O único tratamento disponível que promoveu melhora hemodinâmica foi o CPAP. Em pacientes com
insuficiência cardíaca, esse equipamento aumenta a
pressão diastólica final, diminui a pós-carga pelo
aumento da pressão intratorácica e reduz a ativação
simpática. O CPAP, por meio da diminuição do retorno venoso, promove diminuição da pré-carga,
melhorando o trabalho cardíaco.
Distúrbios periódicos ou oscilatórios
da respiração
Respiração periódica é definida como aumento e diminuição regular do volume total respirató-
rio em repouso no período de vigília, sem períodos de apnéia. Foi documentada em 64% dos pacientes com insuficiência cardíaca, e, quando presente, é identificada como fator de pior prognóstico para essa população19. É conseqüência da estimulação dos receptores J intrapulmonares pela
elevação da pressão capilar pulmonar.
Vários são os mecanismos envolvidos nesse
distúrbio respiratório: aumento da pressão de enchimento do átrio esquerdo, ativando receptores
envolvidos na ventilação; congestão capilar pulmonar subclínica, estimulando os receptores J e
alterando a resposta ventilatória; interações neuromusculares e neuro-hormonais, pela ativação dos
músculos periféricos envolvidos na respiração; e
baixa perfusão carotídea, decorrente de hipóxia ou
baixo débito cardíaco.
Dentre todas, não há uma causa específica para
a variação da respiração em pacientes com insuficiência cardíaca. Acredita-se que o aumento da
pressão atrial esquerda seja o principal fator. Oscilações no tempo de enchimento e na pressão do
átrio esquerdo estão relacionadas com a magnitude do envolvimento respiratório. Olson e colaboradores12 tentaram comprovar essa hipótese, administrando nitroprussiato de sódio para pacientes com insuficiência cardíaca classes funcionais
III e IV portadores de respiração periódica, fazendo com que a diminuição da pressão capilar pulmonar promovesse diminuição da oscilação ventilatória e conseqüente aumento do volume respiratório. Além disso, perceberam que a diminuição da
pressão de enchimento do átrio esquerdo promoveu
aumento no débito cardíaco, como era esperado.
Apesar do resultado positivo, poucos pacientes foram estudados e ainda não existem estudos
randomizados nesse tema.
DEL CARLO CH
e cols.
Desenvolvimento
sistêmico da
insuficiência cardíaca
TIREÓIDE
Os hormônios tireoidianos exercem múltiplos
efeitos no sistema cardiovascular, com conseqüências hemodinâmicas principalmente nos pacientes
com insuficiência cardíaca. A tiroxina (T4) e a triiodotironina (T3) são os hormônios ativos da tireóide.
Aproximadamente 20% do T3 é produzido na
tireóide, enquanto toda a produção de T4 é feita
pela glândula. O restante do T3 é produzido fora
da glândula e é obtido por metabolização do T4. É
importante salientar que os miócitos do coração
não fazem essa metabolização e não captam o T4,
pois possuem apenas receptores específicos para
o T3, sendo, portanto, esse o hormônio ativo que
interfere no sistema cardiovascular.
Em experimentos com animais, o T3 facilitou
o transporte de íons como sódio, potássio e cálcio
para dentro dos miócitos do coração, promoven-
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Desenvolvimento
sistêmico da
insuficiência cardíaca
do a contração miocárdica. Ainda, foi responsável pela expressão gênica de células estruturais do
coração, contribuindo para o inotropismo e o cronotropismo cardíacos20.
O T3 aumenta o débito cardíaco pelo aumento
do inotropismo e do cronotropismo, além de diminuir a resistência vascular periférica pelo relaxamento da camada muscular arterial por meio de
seus receptores nos vasos sanguíneos.
Sendo assim, o hipertireoidismo cria um estado
hiperdinâmico, aumentando o trabalho cardíaco e a
freqüência cardíaca, predispondo a taquicardias, e
reduzindo a contratilidade ventricular. O hipotireoidismo está associado com a diminuição do volume
ejetado e da contratilidade ventricular e com o aumento da resistência vascular periférica.
Em pacientes com insuficiência cardíaca, alterações no metabolismo dos hormônios tireoidianos
foram identificadas como fator de risco para progressão da disfunção ventricular e aumento da mortalidade21. A relação entre a função ventricular e a concentração de hormônios tireoidianos caracteriza a
chamada “síndrome do T3 baixo”, que corresponde
à principal alteração das provas tireoidianas em pacientes hospitalizados. O achado de valores baixos
de T3 com TSH normal ou reduzido é conhecido
como síndrome da doença não-tireoidiana. Em condições críticas, essa síndrome pode evoluir com queda
dos níveis de T4 total e elevadas taxas de mortalidade em 50% a 80% dos casos internados em unidades
de terapia intensiva22.
Na insuficiência cardíaca avançada, baixos níveis de T3 são encontrados na maioria dos estudos
e estão associados com pior prognóstico. A identificação desses pacientes pode contribuir para a
estratificação de risco durante a evolução.
O RIM E O CORAÇÃO
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A interação entre o coração e o rim tem recebido cada vez mais atenção por parte dos pesquisadores. A presença de aterosclerose coronariana
em pacientes em diálise crônica tem sido descrita23. Entretanto, neste artigo será enfocada a função renal na insuficiência cardíaca.
A prevalência de disfunção renal na insuficiência cardíaca ocorre em cerca de 30% dos pacientes e
tem sido relacionada a pior prognóstico24. Alguns
pesquisadores denominam essa situação de síndrome cardiorrenal25. Entretanto, disfunção renal é uma
síndrome de várias causas, que dependem muito do
momento da insuficiência cardíaca.
Em estágios iniciais da insuficiência cardíaca,
a piora da função renal é de pequena intensidade
(aumento de 0,3 mg/dl), e está relacionada a fatores de risco como diabetes melito e hipertensão
arterial e com o uso de medicações como inibido-
res da enzima de conversão.
Em estágios mais avançados, a piora da função renal está associada ao uso excessivo de diuréticos ou à ocorrência de baixo débito cardíaco.
Freqüentemente a descompensação da insuficiência cardíaca apresenta-se como hipervolemia.
De fato, a maioria dos pacientes apresenta pressão capilar pulmonar aumentada. Por vezes é necessário o uso de diurético de alça, de grande potência e em altas doses.
Nos pacientes com hipervolemia clínica, provavelmente a piora da função renal decorrente do
baixo débito cardíaco é a mais freqüente. A situação clínica que desenha esse quadro é a de congestão pulmonar (dispnéia ao repouso, dispnéia
paroxística noturna e ortopnéia), sistêmica (estase jugular, hepatomegalia, refluxo hepatojugular,
ascite e edema de membros inferiores) e de baixo
débito (má perfusão periférica, confusão mental,
e aumento da uréia e da creatinina sérica)26. Assim, o tratamento específico do aumento da uréia
e da creatinina com suspensão de diuréticos, infusão de volume e suspensão de inibidores da enzima conversora da angiotensina e de bloqueadores
dos receptores da angiotensina são pouco efetivos
e não são adequados em situação de hipervolemia
e de necessidade de vasodilatadores. A prioridade
deve ser o aumento do débito cardíaco.
Para melhora do débito, pode-se usar ou drogas inotrópicas ou vasodilatadoras. Drogas vasodilatadoras endovenosas têm grande capacidade
de aumentar o débito cardíaco e, conseqüentemente, de melhorar a função renal. A nitroglicerina e
o nitroprussiato de sódio têm sido recomendados
e estão disponíveis na maioria dos serviços hospitalares; entretanto, o uso dessas drogas é limitado
quando a hipotensão arterial está presente e como
regra necessita de monitorização invasiva da pressão arterial e da pressão de artéria pulmonar. A
neseritida apresenta resultados satisfatórios para
a melhora do débito cardíaco, contudo sua disponibilidade ainda é aguardada em nosso meio.
A droga mais acessível e com excelente resposta clínica é a dobutamina, com recuperação
rápida da função renal, o que permite o uso intensivo de vasodilatadores orais. Entretanto, por causa de sua associação com o aumento da mortalidade, existe resistência a seu uso. Redução da
mortalidade é obtida em nosso Serviço com a utilização de dobutamina para melhora do débito
cardíaco, com conseqüente redução dos níveis de
uréia e de creatinina. Quando isso ocorre, pode-se
iniciar um esquema intensivo de vasodilatação oral
com a associação de inibidor da enzima conversora da angiotensina, hidralazina e bloqueador do receptor de angiotensina. Além disso, com a função
renal recuperada, o uso intensivo de diurético pode
controlar a congestão tanto pulmonar como sistêmica. Com o débito cardíaco e as pressões de enchimento estabilizadas, a dobutamina pode ser retirada.
A disfunção renal, portanto, é freqüente na insuficiência cardíaca e relacionada a pior prognóstico (Fig. 1). Sua abordagem depende da situação
clínica que ocorreu. Em situações mais avançadas, a piora da função renal em geral indica baixo
débito cardíaco. Nesse quadro, a melhora da função renal depende da melhora do débito cardíaco.
VASOPRESSINA
Na insuficiência cardíaca ocorre ativação do
sistema neuro-hormonal, dentre eles do sistema
arginina-vasopressina27, que tem a função de secretar o hormônio antidiurético também conhecido como vasopressina. Esse hormônio é produzido pelo hipotálamo e transportado por axônios nervosos até a hipófise posterior, de onde é secretado
para o sangue e liberado em resposta à hipovolemia e à hipernatremia28, regulando a quantidade
de água corporal e o nível da pressão sanguínea.
O controle da liberação da vasopressina é causado por estímulos osmóticos e não-osmóticos.
Mudanças na osmolaridade plasmática são sentidas pelos osmorreceptores cerebrais, sendo um
potente estímulo para a liberação de vasopressina. Estímulos não-osmóticos, como as mudanças
na pressão arterial e na pressão intracardíaca, são
sentidos por barorreceptores na aorta, na carótida
e no rim e também causam a liberação de vasopressina. A ativação do sistema vasopressina em
conjunto com a ativação do sistema simpático e
do sistema renina-angiotensina-aldosterona ajudam a preservar a pressão circulatória pela vasoconstrição e mantêm estável o volume circulatório pela retenção de água pelos rins. Fortes evidências indicam que o estímulo simpático também
é muito importante para ativar a liberação da vasopressina29. Dois tipos de receptores são estimulados pela vasopressina: receptores V2 e V1a. Os
receptores V2, localizados no ducto coletor renal,
quando são ativados estimulam a absorção de água
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Desenvolvimento
sistêmico da
insuficiência cardíaca
Taxa de Filtração Glomerular e Sobrevida na ICC Avançada
Figura 1. Pacientes com redução do “clearance” de creatinina apresentam pior evolução que aqueles
com função renal preservada.
ICC = insuficiência cardíaca congestiva; TFG = taxa de filtração glomerular.
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Desenvolvimento
sistêmico da
insuficiência cardíaca
Níveis de Arginina
Vasopressina em
Pacientes com
Disfunção Ventricular
e IC em CF II a III
Figura 2. Quanto maior o nível de vasopressina, pior o prognóstico dos portadores de insuficiência
cardíaca.31
IC = insuficiência cardíaca; CF = classe funcional; Prev.= prevencão; Trat. = tratamento.
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livre, aumentando o volume intravascular, o que
causa hiponatremia dilucional30. Os receptores
V1a, localizados no músculo liso vascular e no
miocárdio, quando são ativados causam vasoconstrição e hipertrofia das células miocárdicas e potencialmente levam a efeito inotrópico negativo.
A vasopressina, ao estimular os receptores V1a,
também aumenta a resistência vascular periférica, a pós-carga e a vasoconstrição coronariana, o
que pode causar isquemia miocárdica29.
Nos pacientes com disfunção ventricular, o
baixo débito cardíaco irá sensibilizar os barorreceptores ativando a liberação de vasopressina;
portanto, nesses pacientes com insuficiência cardíaca, o nível plasmático de vasopressina está elevado31, sendo proporcional à gravidade (Fig. 2) da
doença e preditor de maior mortalidade27, 32.
Os medicamentos que demonstraram maior impacto na redução da mortalidade em insuficiência
cardíaca têm em comum a característica de bloquear o eixo neuro-humoral, mais especificamente o sistema simpático e o sistema renina-angiotensina-aldosterona. Atualmente alguns grupos de
pesquisa têm desenvolvido novas drogas que antagonizam o sistema da vasopressina, dentre elas:
tolvaptan e lixivaptam, antagonistas seletivos dos
receptores V2, e conivaptan, antagonista dos receptores V1a e V2. O tolvaptan, o antagonista da
vasopressina mais estudado na insuficiência cardíaca, ao bloquear o receptor V2 no rim aumenta
significativamente a produção de urina diluída,
causa perda ponderal, diminui a osmolaridade urinária e aumenta o sódio sérico. Entretanto, o uso
do tolvaptan não alterou a mortalidade e a re-hospitalização a longo prazo quando comparado ao
placebo, mas a curto prazo melhora a dispnéia,
levando a maior perda de peso e reduzindo a necessidade de furosemida, além de não piorar a função renal. Apesar de não ter impacto na mortalidade a longo prazo, os inibidores da vasopressina
(tolvaptan) tornam-se atrativos na fase aguda da
descompensação para controle dos sintomas33-35.
Como exposto, a fisiopatologia da insuficiência cardíaca é complexa e envolve, além das alterações cardíacas, as alterações sistêmicas. Essas
alterações sistêmicas reconhecidamente contribuem para o agravamento da insuficiência cardíaca;
entretanto, o controle dessas alterações não tem
sido acompanhado de redução da mortalidade dos
pacientes. Mas estudos são necessários para determinar o real papel das complexas alterações sistêmicas na fisiopatologia da insuficiência cardíaca.
SYSTEMIC DEVELOPMENT OF HEART FAILURE
CARLOS HENRIQUE DEL CARLO
MARCELO EID OCHIAI
JULIANO NOVAES CARDOSO
MARCELO VILLAÇA LIMA
ANTONIO CARLOS PEREIRA BARRETTO
DEL CARLO CH
e cols.
Desenvolvimento
sistêmico da
insuficiência cardíaca
The sympathetic nervous system and the renin-angiotensin-aldosterone system activation
are the main neurohormonal adaptations, aiming to the maintenance of tissue perfusion in
patients with heart failure. Parallel to neurohormonal activation, the ventricular remodeling
contributes to the progression of ventricular dysfunction. However, heart failure is not only a
disease associated with exaggerate activation of the renin-angiotensin-aldosterone and
sympathetic systems. There are other organic systems that participate in the development of
this syndrome. Heart failure is associated with an unbalance in the expression of
inflammatory mediators, as nitric oxide and the pro-inflammatory cytokines. The enhanced
expression of these peptides has a toxic effect on the myocardium, which contributes with
the progression of this disease when ventricular dysfunction is present, besides the
relationship with the severity of heart failure and poor prognosis. Respiratory changes are
frequent in heart failure patients. The sleep apnea syndrome leads to increased
neurohormonal activation and progression of heart failure. The thyroid hormones have
multiple effects in the cardiovascular system, which are associated with the progression of
ventricular dysfunction and poor survival. Renal dysfunction is frequent in heart failure and
it is related with the worsening of ventricular function. The activation of arginine
vasopressin system in heart failure secretes the antidiuretic hormone (vasopressine), which
stimulates the V2 (leading to dilutional hyponatremia) and V1a receptors (leading to
vasoconstriction, hypertrophy of myocardial cells and negative inotropic effect). The
pathophysiology of heart failure is complex and involves multiple neurohormonal, systemic
and immunologic changes, which contributes to the progression of this disease.
Key words: cytokines, vasopressin, renal dysfunction, obstructive sleep apnea.
(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2007;3:222-31)
RSCESP (72594)-1663
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DEL CARLO CH
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Desenvolvimento
sistêmico da
insuficiência cardíaca
231
RSCESP
JUL/AGO/SET 2007
SIQUEIRA DA
e cols.
Resposta coronária
às intervenções
intravasculares
RESPOSTA CORONÁRIA ÀS
INTERVENÇÕES INTRAVASCULARES
DIMYTRI ALEXANDRE SIQUEIRA
JOSÉ DE RIBAMAR COSTA JR.
AMANDA GUERRA M. R. SOUSA
FAUSTO FERES
ALEXANDRE ABIZAID
RICARDO COSTA
LUIZ ALBERTO MATTOS
RODOLFO STAICO
GALO MALDONADO
LUÍS FERNANDO TANAJURA
MARINELLA CENTEMERO
ÁUREA CHAVES
ANA CRISTINA SEIXAS
J. EDUARDO M. R. SOUSA
Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia – São Paulo – SP
Endereço para correspondência:
Av. Dr. Dante Pazzanese, 500 – Ibirapuera – CEP 04012-909 – São Paulo – SP
O uso de instrumentais percutâneos para tratamento de obstruções no leito coronariano
promove algum grau de dano vascular. A resposta do endotélio a essa agressão possui várias
etapas, podendo ocorrer em diferentes proporções, desde o modelo considerado fisiológico
de reparo vascular até as formas mais extremas representadas pela resposta neointimal
exacerbada ou deficiente que parecem estar relacionadas com duas das principais
complicações das intervenções coronárias percutâneas: a reestenose e a trombose,
respectivamente. Neste trabalho será discutido em detalhes o modelo dito “normal” ou
fisiológico de resposta endotelial ao implante de stents coronários, que felizmente
predomina na maioria dos casos, e serão também abordadas as repostas patológicas acima
mencionadas.
Palavras-chave: stents, injúria vascular, resposta endotelial.
(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2007;3:232-41)
RSCESP (72594)-1664
INTRODUÇÃO
232
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JUL/AGO/SET 2007
Desde a realização da primeira angioplastia
transluminal coronária por Gruentzig, há 30 anos1,
ocorreram grandes avanços tecnológicos, técnicos
e no conhecimento da doença e da resposta vascu-
lar ao tratamento percutâneo da doença coronária
aterosclerótica, contribuindo para a evolução dos
instrumentais e para a expansão de suas indicações. A intervenção coronária percutânea com implante de stents é, atualmente, a principal forma
de revascularização miocárdica empregada. Esti-
mativas recentes apontam para a realização anual
de mais de um milhão de intervenções coronárias
com stents nos Estados Unidos; dados do Registro SOLACI (“SOLACI Registry Participants”,
2006) indicam que 91,1% dos procedimentos de
revascularização percutânea realizados na América Latina utilizaram esses dispositivos2.
A intervenção percutânea com o uso dessas endopróteses metálicas resulta em variável grau de agressão ao endotélio e às camadas vasculares subjacentes, motivando diferentes respostas em todo segmento tratado. Neste
artigo, serão discutidas as alterações que se
processam no segmento recoberto com os
stents, desde a resposta vascular considerada
fisiológica, bem como os mecanismos de reestenose e trombose das endopróteses, sobretudo daquelas que liberam fármacos, assunto
bastante em voga no presente momento e que,
ao menos em parte, pode ser explicado pela
resposta coronária a esse tipo de intervenção.
Formação de trombo
Os estudos em modelos animais sugerem que
um dos eventos mais precoces do processo de reestenose é a ativação e a agregação plaquetárias,
como resposta ao dano causado pelo balão e/ou
pelo stent. O processo de geração de trombo, no
SIQUEIRA DA
e cols.
Resposta coronária
às intervenções
intravasculares
BIOLOGIA VASCULAR DA RESPOSTA
PÓS-STENT: MECANISMOS
CELULARES E MOLECULARES
O dano vascular produzido pela ação mecânica da endoprótese e a resposta da pare- Figura 1. Artéria coronária porcina quatro dias após
de do vaso à presença das hastes do stent implante de stent não-farmacológico. Observa-se o acúdesencadeiam reações de acarpetamento mulo de trombo mural ao longo das hastes da prótese e
trombótico e de inflamação aguda e crônica já se nota infiltrado inflamatório agudo.
parietal. A liberação subseqüente de citocinas e de fatores de crescimento
induz a ativação das células
musculares lisas, que passam a
migrar e a proliferar na porção
subintimal da parede do vaso e
a produzir matriz extracelular.
O efeito a longo prazo da migração e proliferação das células musculares lisas e da produção de matriz redunda no desenFigura 2. Cortes histológicos de uma artéria coronária humana,
volvimento da hiperplasia neoapós implante de stent não-revestido. Fases evolutivas do processo
intimal, que, em associação à rede reparo vascular após o dano causado pelo instrumental. A =
endotelização, constituem a resformação de trombo (T); B = infiltrado inflamatório (I); C = proposta reparadora ao dano.
dução de matriz (MEC).
Estudos específicos a respeiCML = células musculares lisas.
to do processo de resposta vascular em seres humanos encontram limitações na local do dano parietal, é geralmente limitado aos
impossibilidade de se examinar, de forma direta, primeiros um a três dias após a intervenção (Figs.
o tecido no local abordado, exceto nas situações 1 e 2A) nos modelos experimentais de reestenose,
nas quais se emprega aterectomia, procedimento embora alguns investigadores tenham demonstrahoje muito pouco utilizado clinicamente. Desse do deposição de trombo mural ao longo de todo o
modo, modelos animais são necessários, e muito primeiro mês pós-intervenção coronária percutâdo que se conhece a respeito da fisiopatologia e nea4.
A formação local de trombo e a ativação das
da prevenção da reestenose provém desses expeplaquetas resulta na liberação de potentes mitógerimentos.3
233
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Resposta coronária
às intervenções
intravasculares
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nos e agentes vasoativos, incluindo: fator de crescimento derivado de plaquetas, trombina e tromboxano A2. A trombina induz à produção e à secreção de fator de crescimento derivado de plaquetas (entre outros fatores de crescimento) pelas
células musculares lisas, razão pela qual se acredita que a trombina possa indiretamente levar à
hiperplasia neo-intimal.
A geração de trombina “in vivo” é acompanhada pela ativação plaquetária e pela liberação
de fatores de crescimento, como a serotonina. “In
vitro”, a trombina e a serotonina agem sinergicamente, induzindo à proliferação de células musculares lisas.5 Postula-se que a trombina ligada ao
trombo possa potencializar o efeito mitogênico da
serotonina e manter as células musculares lisas em
estado proliferativo, por período prolongado.
Essa fase trombótica do reparo vascular após
o dano causado pela intervenção coronária percutânea prolonga-se, tanto pela aplicação de irradiação endovascular como pelas terapêuticas farmacológicas locais, que retardam a endotelização6, e
pode ser responsável pela trombose do local tratado (como, por exemplo, pós-braquiterapia endovascular), caso não se tomem os cuidados adequados para que essa complicação seja evitada.
Inflamação
Células inflamatórias agudas e crônicas participam do processo de reparo vascular pós-intervenção coronária percutânea. Em modelos experimentais, os neutrófilos infiltram-se na parede
vascular no local do dano, já nas primeiras 24 horas (Fig. 2B)7. A essa fase aguda da inflamação
segue-se a adesão e a infiltração de monócitos. A
extensão do infiltrado celular inflamatório agudo
é dependente do substrato arterial e do grau do
dano provocado pelo instrumental. Farb e colaboradores identificaram que a presença de um núcleo lipídico e de dano arterial profundo está significativamente mais associada a maior infiltrado
agudo de células inflamatórias que a ausência de
dano vascular ou uma placa apenas fibrocelular
subjacente4.
Células inflamatórias crônicas também contribuem para a liberação de citocinas, como a interleucina 1 (IL-1) e o fator de necrose tumoral alfa
(TNF-α), e outras substâncias parácrinas, que estimulam a migração e a proliferação das células
musculares lisas8. Além disso, a reestenose intrastent é acompanhada de infiltrado de leucócitos,
histiócitos e células gigantes, ao redor das hastes
dos stents, o que contribui adicionalmente para o
crescimento das células musculares lisas. A presença ubíqua dessas células inflamatórias crônicas, em artérias coronárias humanas após o implante de stent, documenta a importância da res-
posta do hospedeiro ao corpo estranho (Fig. 2).
Proliferação das células musculares lisas
O crescimento das células musculares lisas é
um importante componente da fisiopatologia de
praticamente todas as formas de doença vascular,
incluindo a aterosclerose, a hipertensão arterial e
a vasculopatia pós-transplante cardíaco. Cada vez
mais, as terapêuticas intervencionistas (percutâneas e cirúrgicas) têm sido indicadas para o tratamento da doença vascular oclusiva. Ironicamente,
o dano mecânico associado a esses procedimentos induz à migração das células musculares lisas
da média para a íntima, onde elas proliferam, transformando-se em células secretoras e sintetizando
a matriz extracelular (Fig. 2C), o que contribui para
o crescimento da lesão. As células musculares lisas ativadas são capazes de liberar vários fatores
de crescimento (fator de crescimento derivado de
plaquetas, fator de crescimento de fibroblastos,
angiotensina II) e agentes quimiotáticos, que participam do processo proliferativo. Adicionalmente, a perda de fatores protetores produzidos pelo
endotélio (óxido nítrico e prostaciclina) pode acelerar a migração e a proliferação das células musculares lisas9.
O trauma mecânico induzido pelo instrumental é um determinante importante no desencadeamento da resposta proliferativa pós-dano3. O tipo
de dano em experimentos animais (em que artérias normais receberam stent) difere consideravelmente daquele que ocorre em artérias humanas
com aterosclerose. Em artérias normais de porcos,
por exemplo, o superdimensionamento do stent em
relação ao vaso (> 1,1:1) produz uma lesão neointimal proliferativa resultante do trauma direto
das hastes do stent na camada média (compressão
ou laceração). Em contraste, em humanos, cerca
de dois terços das hastes dos stents implantados
em artérias doentes estão em contato direto com a
placa aterosclerótica e não com a média; assim, a
compressão da média pelas hastes do stent só se
verifica em um terço dos casos. Além disso, o dano
vascular profundo também parece ser um importante fator de formação de neo-íntima após stents
em humanos.
Matriz extracelular
Hoje sabe-se que a matriz extracelular não tem
somente papel inerte e estabilizador estrutural, mas
que também contribui para a resposta celular vascular a vários estímulos mecânicos e bioquímicos.
Muitos dos componentes extracelulares transmitem seus sinais por meio de receptores especializados da superfície celular, chamados integrinas,
e controlam uma variedade de funções celulares,
como a migração e a proliferação em resposta aos
mitógenos.
Essa compreensão atual e mais precisa da biologia vascular da reestenose, com a identificação
dos eventos moleculares responsáveis pela proliferação das células musculares lisas, mediada pelas citocinas e pelos fatores de
crescimento, possibilitou a seleção racional dos candidatos
terapêuticos potenciais e de sua
associação, para um tratamento farmacológico local, tendo
como plataforma de liberação
o próprio stent coronário, que
inibiria a hiperplasia neo-intimal pela ação antiproliferativa
de um medicamento potente.
específicos em alguma proporção.
Conforme descrito anteriormente, a reestenose coronária não é, ao contrário de proposições
iniciais, exemplo de aterosclerose acelerada, mas
decorre de um processo temporal e fisiopatologi-
SIQUEIRA DA
e cols.
Resposta coronária
às intervenções
intravasculares
REESTENOSE
INTRA-STENT
A reestenose é definida angiograficamente como a presença de obstrução coronária >
50% no local previamente tratado, e constitui-se na resposta
vascular ao dano instrumental
provocado durante a revascularização. A reestenose intrastent manifesta-se usualmente Figura 3. Benefício de stents com sirolimus na redução de revasculacom a recorrência gradual dos rização do vaso-alvo em seguimento de quatro anos quando comparasintomas de isquemia miocár- dos a stents não-farmacológicos, em situações clínicas e angiográfidica, dentro dos primeiros seis cas diversas.
a oito meses após a intervencamente distinto14. A resposta vascular após a inção.
O reinício dos sintomas muito precocemente tervenção coronária constitui-se numa seqüência
(< 1 mês pós-stent) ou após um ano da interven- de eventos complexos, dependente não só dos asção sugere, respectivamente: resultados imperfei- pectos clínicos dos pacientes tratados, bem como
tos (má-expansão protética, dissecção nas bordas do instrumental empregado (balões, stents), da
dos stents, fluxo final TIMI III) e revasculariza- técnica utilizada (pressão de liberação das próteção incompleta ou, quando mais tardio, progres- ses, cobertura total da lesão, perfeita expansão do
são de doença coronária10. Cerca de 10% dos ca- stent) e das características das lesões (fibróticas,
sos de reestenose após stents não-farmacológicos calcificadas, elásticas)15.
apresentam-se como síndrome coronária aguda
De forma didática, é atribuída a três procescom ou sem supradesnivelamento do segmento ST, sos, responsáveis pela hiperplasia neo-intimal ree até 26% dos pacientes têm como manifestação parativa: alterações agudas e crônicas na geomeangina instável requerendo internação11, denotan- tria do vaso (retração elástica aguda e remodelado resposta vascular com potencial de gravidade mento negativo cicatricial e tardio), migração e
e que necessita prevenção efetiva. A incidência da proliferação de células musculares lisas, e produreestenose varia de 10% a 30 % nos pacientes tra- ção excessiva de matriz extracelular.16
tados com stents não-farmacológicos, na depen- Retração elástica do vaso (remodelamento
dência de fatores clínicos, angiográficos e predis- negativo agudo)
posição genética.12 Embora tenham sido observaEsse fenômeno foi observado freqüentemente
das significativas reduções das taxas de ocorrên- nas angioplastias com balão, principalmente em
cia de reestenose após a introdução de stents com lesões calcificadas e de localização ostial. Depenliberação de medicamentos em diversos subgru- de das propriedades elásticas da parede do vaso
pos de pacientes e lesões tratadas13 (Fig. 3), ela no segmento tratado, e pode ser definida como a
ainda pode ocorrer em determinados subgrupos diferença entre o diâmetro máximo de insuflação
235
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SIQUEIRA DA
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Resposta coronária
às intervenções
intravasculares
do balão e o diâmetro do vaso após a insuflação. É
de ocorrência precoce (nas primeiras 24 horas após
o procedimento) e deve ser diferenciada do remodelamento negativo cicatricial tardio.
Remodelamento negativo (crônico)
Estudos histopatológicos de fragmentos vasculares obtidos em necropsias demonstram resposta predominantemente fibromuscular nos sítios
previamente tratados por angioplastia com balão,
em decorrência da migração e da proliferação das
células musculares lisas17. Esse mecanismo constitui-se no principal processo determinante da reestenose após angioplastia com balão18.
Migração de células musculares lisas e
produção excessiva de matriz extracelular
(hiperplasia neo-intimal)
Estudos com ultra-som intracoronário trouxeram contribuição inconteste ao entendimento da
reestenose após a intervenção coronária percutânea, por demonstrarem que, diferentemente da angioplastia com balão, os stents virtualmente eliminam a retração elástica e o remodelamento negativo tardio do vaso, sendo a reestenose após implante de stents exclusivamente decorrente da formação de tecido neointimal18.
Mais recentemente, com o advento dos stents
farmacológicos, a formação desse tecido neo-intimal foi significativamente reduzida no interior
dessas endopróteses, resultando na quase total
abolição da reestenose intra-stent, até então principal limitação dos procedimentos percutâneos.
TROMBOSE DE STENTS
236
RSCESP
JUL/AGO/SET 2007
A trombose de stents tem sido preocupação
constante do cardiologista intervencionista, desde a introdução desses dispositivos para o tratamento da doença coronária.19, 20 Na fase inicial da
experiência com stents, eram observadas taxas de
trombose de até 24% ao final de seis meses. Em
decorrência da trombose, eram prescritos anticoagulantes em associação aos antiplaquetários, e os
períodos de internação eram prolongados, o que
dificultava a aplicabilidade clínica desses instrumentais21. Além disso, as conseqüências clínicas
para aqueles que sofrem trombose de stent são usualmente graves, com ocorrência de infarto do miocárdio em 60% a 70% dos casos e mortalidade a
curto prazo de 20% a 25%22. Com a evolução dos
conhecimentos fisiopatológicos e o aprimoramento
técnico, a trombose de stents foi reduzida a < 1%.
De fato, com a pós-dilatação com altas pressões,
passou-se a garantir expansão adequada e aposição completa das hastes da prótese à parede vascular, e a farmacoterapia intervencionista pôde ser
reduzida à prescrição de dois antiplaquetários apenas23. Recentemente, com a introdução dos stents
farmacológicos, surgiram novos questionamentos
quanto à maior incidência de trombose24.
Embora os stents farmacológicos determinem
significativa redução das taxas de reestenose e de
nova revascularização do vaso-alvo, a ocorrência
de trombose dos stents não foi reduzida. Nos estudos clínicos que determinaram a eficácia superior dos stents farmacológicos, as taxas de morte
e infarto (eventos cardíacos associados à trombose) foram semelhantes àquelas encontradas com
stents não-farmacológicos, após seis a nove meses13. Outros registros e meta-análises sugerem,
ainda, que taxas de trombose muito tardia de stents
farmacológicos (> 360 dias), antes raras com os
stents não-farmacológicos, passaram a ser identificadas em certo número de casos (excesso de 5
em mil pacientes tratados, quando se comparam
stents farmacológicos vs. stents não-recobertos).25, 26
É bem verdade que, nos registros, são incluídos
pacientes de maior complexidade e com implante
de stents farmacológicos em situações não originalmente investigadas nos estudos clínicos (populações de “mundo real”), o que pode explicar
taxas mais elevadas do fenômeno.
A causa de trombose de stents é, desde a época dos stents não-farmacológicos, sabidamente
multifatorial, relacionando-se não só com as características clínicas e anatômicas dos pacientes e
das lesões tratadas, bem como com os aspectos
técnicos do procedimento (Tab. 1). Propriedades
biológicas dos stents farmacológicos têm sido
apontadas como fatores adicionais para a ocorrência de trombose, a saber: indução de fatores teciduais trombogênicos pelos polímeros carreadores
e fármacos adjuvantes; retardo da endotelização
do segmento tratado; reações de hipersensibilidade com remodelamento positivo do vaso e má-aposição das hastes; e disfunção endotelial em segmentos adjacentes ao stent27.
Endotelização retardada e disfunção
endotelial
Estudos pré-clínicos, conduzidos em coelhos
e porcos tratados com stents liberadores de sirolimus (Cypher®, Johnson & Johnson) e de paclitaxel (Taxus®, Boston Scientific Corporation) demonstraram que ambos os fármacos podem levar
à regeneração endotelial retardada com persistência de fibrina na superfície vascular tratada28-30. É
importante mencionar ainda o fato de que, quando regenerado, muitas vezes o endotélio formado
após o uso dos stents farmacológicos pode se tornar disfuncional, conforme demonstrado pelo uso
de acetilcolina em modelos experimentais e por
alterações na resposta ao exercício físico em humanos31-33.
Estudos “in vivo” realizados com o uso de an-
Tabela 1 - Mecanismos implicados na ocorrência de trombose de stents farmacológicos
Trombogenicidade intrínseca do stent
– Desenho do stent (células abertas ou fechadas)
– Superfície de cobertura (polímeros)
– Agentes farmacológicos adjuntos
Fatores relacionados ao paciente
– Síndrome coronariana aguda
– Resistência aos antiplaquetários
– Insuficiência renal
– Diabetes melito
– Disfunção ventricular esquerda
– Aderência à terapêutica antiplaquetária
Características das lesões
– Presença de trombo
– Lesões longas
– Bifurcações
– Vasos de pequeno calibre
Fatores relacionados ao procedimento
– Dissecções residuais
– Múltiplos stents, superposição das hastes dos
stents
– Presença de estenose residual
– Má expansão das próteses
– Aposição incompleta de hastes de stents à
parede do vaso
gioscopia, em pacientes tratados com stents farmacológicos, confirmaram os achados dos modelos pré-clínicos mencionados. Awata e colaboradores, analisando com angioscopia seriada (3, 10
e 21 meses) 17 pacientes portadores de stents
Cypher® e de 11 stents não-farmacológicos, observaram ausência significante de completa reendotelização entre os pacientes que receberam stents
com sirolimus, sendo essa diferença mantida ao
longo dos meses.34 Ainda, a presença de placas
amarelas, marcador de instabilidade à angioscopia, foi mais freqüentemente observada após uso
do stent Cypher®.
Outra resposta freqüente verificada nesses modelos pré-clínicos é a presença de inflamação local,
caracterizada pela ocorrência de eosinofilia e granulomatose secundárias à presença de polímero durável utilizado para carrear o fármaco desses stents35.
A repercussão clínica de achados acima descritos ainda é motivo de grande controvérsia, podendo ter algum papel na gênese das tromboses
tardias (> 30 dias) e muito tardias (> 360 dias),
descritas após uso dos stents farmacológicos. Felizmente, na prática intervencionista, esses novos
instrumentais acrescentaram grande benefício no
sentido de reduzir de forma significativa a respos-
ta neo-intimal exacerbada e, com isso, a necessidade de reintervenção na lesão tratada, com segurança até o momento comparável à dos stents nãofarmacológicos.
Aposição incompleta das hastes dos stents
A aposição incompleta das hastes de stents
pode ser observada tanto após o emprego de braquiterapia intracoronária adjunta como após o implante de stents (sejam convencionais ou farmacológicos), sendo apenas detectada com a utilização do ultra-som intracoronário36. Esse achado
anormal é definido como a separação de pelo menos uma haste do stent da superfície intimal da
parede vascular, com evidências ao ultra-som intracoronário de fluxo sanguíneo atrás da(s)
haste(s), em segmento no qual não se observa presença de ramo secundário37. Pode ser classificada
em três tipos, de acordo com o acompanhamento
ultra-sonográfico seriado: 1) resolvida, quando
presente imediatamente após o implante do stent
mas ausente na evolução; 2) persistente, quando
presente após o implante e no seguimento evolutivo; e 3) tardia ou adquirida, quando tal alteração é
observada apenas na fase evolutiva, estando ausente na avaliação realizada imediatamente após
o implante do stent. Tal classificação permite a
determinação do mecanismo envolvido nesse processo vascular: enquanto a aposição incompleta
persistente é decorrente de fatores técnicos ou
mecânicos (por exemplo: desproporção entre a
dimensão do stent implantado e do vaso; menor
expansão da prótese, principalmente em seus bordos; presença de cálcio), a má-aposição resolvida
e tardia decorre de fatores biológicos. Na má-aposição resolvida, o crescimento de tecido aterosclerótico ou de neo-íntima, atrás da haste, leva ao
preenchimento do espaço previamente observado.
Embora não completamente elucidada, na fisiopatologia da aposição incompleta tardia estariam
incluídos: 1) regressão da placa aterosclerótica
atrás do stent; 2) dissolução evolutiva de trombo
presente no momento do implante de stent; e, principalmente, 3) remodelamento positivo do vaso,
determinado pelo dano vascular agudo ou crônico. A observação concomitante de remodelamento positivo e as evidências histopatológicas de reações de hipersensibilidade tardia, após implante
de stents farmacológicos, corroboram tal hipótese38. Baseado no fato de que a liberação dos fármacos pelo polímero carreador continua por período finito e de que a meia-vida desses fármacos
no tecido é de poucos dias, a possibilidade de o
polímero induzir tal resposta vascular também não
pode ser afastada.
A aposição incompleta tardia após stents nãofarmacológicos ocorre em 4% a 5% dos casos,
SIQUEIRA DA
e cols.
Resposta coronária
às intervenções
intravasculares
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SIQUEIRA DA
e cols.
Resposta coronária
às intervenções
intravasculares
sendo usualmente encontrada nas bordas da prótese39. Em estudo com 881 pacientes, a sobrevida
livre de eventos cardíacos maiores (morte de origem cardíaca, infarto do miocárdio e revascularização de lesão-alvo), após três anos de seguimento, foi maior que 98%, e semelhante nos grupos
com e sem evidências de aposição incompleta tardia40. Maior incidência tem sido observada após o
emprego de stents liberadores de medicamentos.
Numa subanálise do estudo SIRIUS com 80 pacientes, 8,7% dos casos apresentaram má-aposição
tardia41. Num registro com 557 pacientes tratados
com stents com paclitaxel e sirolimus, a incidência de aposição incompleta tardia foi de 12%42.
A má-aposição tardia tem sido apontada como
um dos fatores responsáveis pela ocorrência de
trombose de stents, já que o fluxo sanguíneo que
turbilhona entre as hastes do stent e a parede vascular cria um nicho hemodinâmico para a formação de trombo, que, associado à endotelização retardada, podem resultar na oclusão aguda do vaso.
Postula-se ainda que a dilatação vascular resultante do remodelamento positivo do vaso poderia
determinar, a longo prazo, a formação de aneurisma, com o potencial de rotura da parede vascular.
Em estudo retrospectivo, que incluiu 13 pacientes
com trombose muito tardia (> 1 ano) de stents farmacológicos, procedeu-se à avaliação com ultrasom intracoronário; os resultados foram comparados aos de 144 pacientes sem trombose. A aposição incompleta das hastes foi o achado mais prevalente no grupo com trombose (77% vs. 12 %; p
< 0,001)43. Em outro estudo com 195 pacientes submetidos a ultra-som após o implante e no seguimento de seis a oito meses, 10 pacientes (5,1%) apresentaram má-aposição tardia, 2 dos quais com máaposição sofreram trombose de stents44. Assim, vêse que é comum a essas experiências a observação de que a propensão à trombose pode se correlacionar com o grau de remodelamento positivo
observado.
REAÇÕES DE HIPERSENSIBILIDADE
As reações de hipersensibilidade local têm sido
demonstradas em estudos patológicos e, quando
relacionadas à presença do stent, podem ser decorrentes da interação com o polímero, o fármaco
238
RSCESP
JUL/AGO/SET 2007
ou a plataforma metálica. A hipersensibilidade a
alguns metais, como níquel e cromo, é relatada na
literatura, com incidência de até 10% após implante de stents não-farmacológicos e é apontada como
predisposição à reestenose e não à trombose dos
stents45. Os processos de hipersensibilidade retardada local decorrente da presença do polímero
poderiam resultar, contudo, em excessiva inflamação, destruição da camada arterial média, má-aposição do stent e formação aneurismática com trombose tardia. Num registro de autópsias de 40 pacientes tratados com 68 stents farmacológicos há
mais de 30 dias, 14 casos de trombose tardia foram identificados: além da presença de trombo,
observou-se reação inflamatória local com endotelização retardada, deposição persistente de fibrina e infiltração de eosinófilos e linfócitos T46.
Manifestações de hipersensibilidade sistêmica – como febre, “rash”, mialgias e artralgias –
são comumente mais relacionadas aos medicamentos utilizados concomitantemente e não exclusivamente aos stents: de 5.783 casos apresentados
ao “Food and Drug Administration” (FDA), de
2003 a 2004, 17 casos foram provavelmente ou
comprovadamente causados pelos stents: quatro
autópsias revelaram inflamação eosinofílica intrastent, ausência de endotelização e trombose47. Em
2.067 pacientes incluídos no registro americano
e-Cypher, 39 (1,9%) apresentaram reações de hipersensibilidade. Reestenose, trombose ou eventos cardíacos maiores não foram observados nesses pacientes.
CONCLUSÃO
A resposta coronária às intervenções percutâneas representa um processo multifacetado, em relação ao qual nem todas as variáveis envolvidas
são completamente conhecidas e compreendidas.
O reparo endotelial normal e a proliferação neointimal excessiva representam extremos opostos
de um processo que se inicia com a lesão do endotélio pelos diversos instrumentais empregados pelos cardiologistas intervencionistas. Somente uma
ampla compreensão dos mecanismos envolvidos
nesse processo nos permitirá elevar o sucesso das
intervenções percutâneas, garantindo também
maior segurança do procedimento.
CORONARY RESPONSE TO
INTRAVASCULAR INTERVENTIONS
SIQUEIRA DA
e cols.
Resposta coronária
às intervenções
intravasculares
DIMYTRI ALEXANDRE SIQUEIRA
JOSÉ DE RIBAMAR COSTA JR.
AMANDA GUERRA M. R. SOUSA
FAUSTO FERES
ALEXANDRE ABIZAID
RICARDO COSTA
LUIZ ALBERTO MATTOS
RODOLFO STAICO
GALO MALDONADO
LUÍS FERNANDO TANAJURA
MARINELLA CENTEMERO
ÁUREA CHAVES
ANA CRISTINA SEIXAS
J. EDUARDO M. R. SOUSA
Percutaneous treatment of coronary artery disease leads to a certain degree of vascular
damage. The endothelial response to the injury caused by the different percutaneous devices
follow a pre defined sequence and may occur in different intensity ranging from a
physiological answer to extremes, represented by the excessive neointimal proliferation or,
conversely, the lack of neointimal formation leading to the most common complications
after percutaneous coronary intervention, restenosis and stent thrombosis respectively. In the
following chapter we discuss in details the “normal” or physiological model of endothelium
regeneration after coronary stent deployment as well as the abnormal responses above
mentioned.
Key words: stents, vascular injury, endothelial response.
(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2007;3:232-41)
RSCESP (72594)-1664
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SIQUEIRA DA
e cols.
Resposta coronária
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intravasculares
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RSCESP
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CARTA DO EDITOR CONVIDADO
SÍNDROME CORONÁRIA AGUDA:
ATUALIZAÇÃO NA TERAPÊUTICA FARMACOLÓGICA
Os avanços no diagnóstico e no tratamento das síndromes isquêmicas agudas foram numerosos e de grande
importância.
A correta estratificação do risco do paciente ainda na sala de emergência é fundamental para a escolha da
terapêutica adequada. Os novos métodos diagnósticos de imagem estão se mostrando promissores na avaliação
tanto diagnóstica como prognóstica dos pacientes com essa situação clínica de emergência, embora seu real papel
na rotina diária ainda não tenha sido definido.
Os novos agentes antitrombóticos prenunciam verdadeira revolução no tratamento das síndromes isquêmicas
agudas muito em breve.
Nesta edição da Revista da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo, todos esses novos aspectos
são abordados por experientes e reconhecidos especialistas em suas respectivas áreas.
Seguramente a leitura desta edição vai contribuir para melhor conhecimento e tratamento desses pacientes.
Boa leitura a todos.
Otávio Rizzi Coelho
Editor Convidado
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DIAGNÓSTICO E ESTRATIFICAÇÃO DE RISCO
NA SALA DE EMERGÊNCIA
FERREIRA JFM
e col.
Diagnóstico e
estratificação de risco
na sala de emergência
JOÃO FERNANDO MONTEIRO FERREIRA
ARI TIMERMAN
Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia
Endereço para correspondência:
Av. Dr. Dante Pazzanese, 500 – Vila Mariana – CEP 04012-919 – São Paulo – SP
As doenças cardiovasculares de origem aterosclerótica são as principais causas de morte,
com destaque para a doença coronária. A origem mais comum da síndrome coronária aguda
é a doença aterosclerótica coronária, com desequilíbrio entre oferta e consumo de oxigênio
resultante da redução da perfusão miocárdica por um trombo que leva à oclusão parcial ou
total sobre uma placa aterosclerótica instável.
Na abordagem do indivíduo com suspeita de síndrome coronária aguda no pronto-socorro,
tanto o diagnóstico como a estratificação de risco inicial baseiam-se em quatro elementos:
história, exame físico, eletrocardiografia e marcadores bioquímicos. Por meio desses quatro
elementos é possível definir rapidamente a forma de abordagem desses pacientes,
classificando-os em classes que orientarão a terapêutica: diagnóstico não-coronariano,
angina estável crônica, síndrome coronária aguda possível e síndrome coronária aguda
definitiva.
O prognóstico da síndrome coronária aguda é variável em termos da chance de eventos
desfavoráveis, como infarto do miocárdio, óbito ou necessidade de revascularização de
urgência. A diferenciação entre as apresentações está no grau de gravidade da isquemia,
manifestado por meio da eletrocardiografia e de métodos que confirmem o sofrimento e a
necrose miocárdica, bioquímicos (troponinas, isoforma MB da creatina fosfoquinase) ou de
imagem (ecocardiografia, cintilografia, ressonância nuclear magnética). Essa variabilidade
orientará a escolha de local, nível de monitorização e terapêutica aplicada a cada paciente.
O tratamento da síndrome coronária aguda visa fundamentalmente a estabilização da placa
aterosclerótica, alívio dos sintomas isquêmicos e prevenção de eventos como arritmia,
recorrência de isquemia, infarto, necessidade de revascularização de urgência e morte,
utilizando-se de fármacos antitrombóticos (antiplaquetários e antitrombínicos) e
antianginosos.
Palavras-chave: síndrome isquêmica aguda, infarto agudo do miocárdio, angina instável,
estratificação de risco.
(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2007;3:243-56)
RSCESP (72594)-1665
INTRODUÇÃO
As doenças cardiovasculares de origem aterosclerótica são atualmente as principais causas de
morte e invalidez no Brasil e no mundo, com destaque para a doença coronária. Na Europa estimase que existam por volta de oito milhões de indivíduos com angina do peito; nos Estados Unidos,
243
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FERREIRA JFM
e col.
Diagnóstico e
estratificação de risco
na sala de emergência
esse número está em torno de doze milhões, com
incidência anual de 150 mil novos casos. Os dados do DATASUS demonstram que, no Brasil,
houve 140 mil óbitos por doença coronária, o que
nos permite inferir que aconteceram pelo menos
250 mil infartos no ano. Considerando as proporções com outros países, temos pelo menos um milhão e meio de pacientes com angina e no mínimo
50 mil novos casos por ano. Compreende-se a importância do entendimento da aterosclerose e suas
apresentações, sua identificação e tratamento1, 2.
A origem mais comum das síndromes coronárias agudas é a doença aterosclerótica coronária,
com desequilíbrio entre oferta e consumo de oxigênio resultante da redução da perfusão miocárdica por um trombo que leva à oclusão parcial ou
total sobre uma placa aterosclerótica instável. A
apresentação clínica das síndromes coronárias
agudas é bastante heterogênea, sendo muitas vezes difícil sua diferenciação com outras formas
de dor torácica de etiologia não-coronariana, além
de ser variável o prognóstico conferido pela síndrome quanto a eventos desfavoráveis como infarto do miocárdio, óbito ou necessidade de revascularização de urgência. A diferenciação entre
as apresentações está no grau de gravidade da isquemia, manifestado por meio da eletrocardiografia e de métodos que confirmem o sofrimento e a
necrose miocárdica, bioquímicos (troponinas, isoforma MB da creatina fosfoquinase) ou de imagem (ecocardiografia, cintilografia, ressonância
nuclear magnética). Essa variabilidade orientará
a escolha de local, nível de monitorização e terapêutica aplicada a cada paciente, sendo as estratégias de identificação, diagnóstico diferencial e estratificação muito importantes3.
DIAGNÓSTICO E ESTRATIFICAÇÃO NA
SALA DE EMERGÊNCIA
Tanto o diagnóstico como a estratificação do
risco inicial das síndromes coronárias agudas baseiam-se em quatro elementos: história, exame físico, exame eletrocardiográfico (ECG) e marcadores bioquímicos4. Por meio da obtenção desses
quatro elementos é possível definir rapidamente a
forma de abordagem desses pacientes, classificando-os em classes que orientarão a terapêutica: diagnóstico não-coronariano, angina estável crônica, síndrome coronária aguda possível e síndrome
coronária aguda definitiva.
244
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História
A presença de dor precordial deve ser cuidadosamente avaliada, pois tem grande importância
para o diagnóstico e o prognóstico. A queixa mais
comum é o desconforto precordial, que se apre-
senta não só como dor, mas também sensação de
pressão, queimação ou peso. Dores em pontadas
ou palpitações não caracterizam desconforto típico. O início pode ser súbito ou gradual, com piora
progressiva e duração variável de minutos a horas. Dor precordial com duração contínua e muito
prolongada fala contra o diagnóstico de origem
coronariana. A localização em região retroesternal com irradiação ou com dor isolada em pescoço, mandíbula, epigastro, ombro ou braço esquerdo caracteriza a dor típica. Os fatores precipitantes de dor coronariana são exercício, temperatura
fria ou estresse emocional com fatores de alívio
como repouso ou nitroglicerina. Dor não relacionada ao exercício, que piora com movimentação
ou palpação local e que melhora com antiácidos
ou antiinflamatórios, não é sugestiva de origem
coronariana.
Algumas características da apresentação do
desconforto torácico são importantes para o estabelecimento de prognóstico. Apresentação de angina nas últimas duas semanas sem dor em repouso prolongada configura baixo risco na sala de
emergência. Já dor precordial acima de 20 minutos com resolução espontânea ou abaixo de 20
minutos com resolução pelo uso de nitroglicerina
sublingual representa risco intermediário. O alto
risco é representado por dor maior que 20 minutos em repouso sem alívio ou piora progressiva do
número de episódios, duração e limite para início
da dor nas últimas 48 horas.
Outros fatores da história também auxiliam a
determinação de risco para doença coronariana. A
presença de história pregressa de doença coronariana manifestada por angina estável ou infarto
prévio, uso de medicações para doença coronariana, especialmente ácido acetilsalicílico, ou procedimentos prévios de intervenção coronária, além
de doença vascular periférica indicam risco intermediário nas síndromes coronárias agudas. A idade acima de 70 anos também indica risco intermediário, enquanto acima de 75 anos o risco passa
para alto.
Embora não estabeleçam valor prognóstico
claro isoladamente5, a definição da presença de
fatores de risco como diabetes, hipertensão arterial sistêmica, dislipidemia, história familiar e tabagismo ajudam a traçar o risco para a presença
de doença coronariana. A presença de três ou mais
desses fatores juntos marca pior prognóstico nesses pacientes6. O diabetes melito isoladamente estabelece probabilidade intermediária de os achados clínicos serem decorrentes de síndrome coronária aguda.
Exame físico
O exame físico para diagnóstico das síndro-
mes coronárias agudas é pouco elucidativo. No
momento da admissão, o doente comumente se
apresenta desconfortável, com sudorese e taquipnéico. No entanto, é importante ressaltar que o
exame físico normal não serve como triagem negativa para diagnóstico nas síndromes coronárias
agudas. O exame físico deve ser usado também
para identificação de outras afecções que entram
no diagnóstico diferencial de doença coronariana.
A presença de atrito pericárdico, sopros e alterações pulmonares pode indicar outra origem para o
desconforto torácico. Achados como sopro carotídeo, xantelasma, aneurismas aórticos e redução
de pulsos periféricos aumentam a chance de incidência de aterosclerose coronariana.
O exame físico também pode colaborar na
identificação de pacientes com apresentação de
nível de segmento ST acima de 0,1 mV em duas
ou mais derivações correlatas recebem o diagnóstico de infarto agudo do miocárdio com supradesnível do segmento ST e devem ser avaliados para
terapia de reperfusão imediata (trombólise química ou angioplastia primária). Os pacientes com
ECG normal ou alterações que não o supradesnível do ST são considerados portadores de síndrome coronária aguda sem supradesnível do segmento ST, que, conforme a documentação de necrose
miocárdica, irá comportar os diagnósticos de angina instável ou infarto agudo do miocárdio sem
supradesnível do segmento ST.
Embora o ECG normal durante o episódio de
dor não exclua a presença de síndrome coronária
aguda, seu achado indica um fator a favor de baixa probabilidade de doença coronariana ou baixo
FERREIRA JFM
e col.
Diagnóstico e
estratificação de risco
na sala de emergência
Figura 1. Valor prognóstico do exame eletrocardiográfico nas síndromes coronárias agudas.
síndrome coronária aguda de alto risco, com o
achado de alguns sinais específicos, como congestão ou edema pulmonar, aparecimento de sopro
regurgitativo mitral novo ou intensificação de sopro existente, instabilidade hemodinâmica, bradicardia e presença de terceira bulha.
Eletrocardiografia
Todos os pacientes com suspeita de síndrome
coronária aguda devem realizar ECG em até 10
minutos de sua chegada ao hospital. O ECG é o
melhor instrumento de estratificação de risco para
o médico socorrista na avaliação inicial de pacientes com dor torácica. Pacientes com suprades-
risco para doença coronariana estabelecida. Inversões de onda T maiores de 0,2 mV ou ondas Q
patológicas (maior que 0,04 segundo ou maior que
25% da amplitude de R) configuram fator de risco
intermediário. Arritmias como fibrilação atrial,
taquicardia ventricular ou fibrilação ventricular,
embora não sejam diagnósticas, podem fornecer
elementos para suspeita de evento isquêmico agudo e estão associadas a pior prognóstico.
Pacientes que se apresentam com alterações de
segmento ST transitórias maior que 0,05 mV, com
angina em repouso ou mesmo sem dor ou com
inversões da onda T que se resolvem com o desaparecimento dos sintomas, configuram pacientes
245
RSCESP
JUL/AGO/SET 2007
FERREIRA JFM
e col.
Diagnóstico e
estratificação de risco
na sala de emergência
com alto risco7. Da mesma forma, o aparecimento
de um novo bloqueio de ramo esquerdo ou de taquicardia ventricular sustentada também indica
alto risco. O bloqueio de ramo esquerdo assim
como os desvios de segmento ST maiores que 0,5
mm foram identificados como os principais fatores prognósticos de morte ou infarto agudo do
miocárdio em um ano em pacientes com síndrome coronária aguda sem supradesnível do segmento ST8. A Figura 1 demonstra o valor prognóstico
das alterações do ECG em pacientes com síndrome coronária aguda9.
A monitorização contínua com ECG pode mostrar alterações que não foram identificadas inicialmente, mas sua utilidade clínica ainda não foi
totalmente comprovada. A realização de ECGs
seriados, porém, durante a fase inicial de hospitalização, aumenta a sensibilidade de identificação
de episódios isquêmicos nesses pacientes.
A presença de ECG prévio do paciente consti-
Marcadores bioquímicos
Os marcadores bioquímicos de lesão miocárdica e isquemia são elementos fundamentais na
diferenciação entre angina instável e infarto agudo do miocárdio sem supradesnível de segmento
ST, além de também conferir dados diagnósticos
e prognósticos para ambas as situações. O tempo
entre chegada ao pronto-socorro e disponibilidade dos valores desses marcadores não deve exceder 60 minutos, preferencialmente.
O diagnóstico pela creatina quinase (CK) total
isoladamente e desidrogenase láctica (LDH) não
deve ser utilizado nas síndromes coronárias agudas. Os dois marcadores de escolha utilizados predominantemente são a CK-MB (isoforma MB da
creatina fosfoquinase) e as troponinas T (TnT) e I
(TnI). É importante frisar, porém, que nenhum
marcador bioquímico isoladamente confere o diagnóstico de síndrome isquêmica miocárdica instável, devendo sempre seus valores ser analisados
Figura 2. Valores de troponina e risco de morte em 42 dias em pacientes com síndrome coronária
aguda.11
246
RSCESP
JUL/AGO/SET 2007
tui um elemento importante em caso de dúvida
para comparação com o ECG do evento atual. Isso
é especialmente válido, pois alterações de segmento ST e de onda T são achados freqüentes em outras afecções, como sobrecarga e aneurisma de
ventrículo esquerdo, pericardite, repolarização
precoce, síndrome de Wolff-Parkinson-White, síndromes neurológicas (sobretudo acidentes vasculares cerebrais), alterações eletrolíticas e tratamento medicamentoso com digoxina, antidepressivos
tricíclicos ou fenotiazinas.
dentro do contexto clínico.
De bastante familiaridade para a maioria dos
socorristas, a CK-MB usualmente é medida pela
sua atividade, mas a utilização de método por imunoensaio com a determinação da CK-MB massa
mostrou melhor sensibilidade e melhor especificidade. Ambas, porém, são detectadas a partir de
6 horas do evento isquêmico. Seus níveis se correlacionam com a extensão do infarto agudo do
miocárdio, podendo também ser usados como
marcadores de reinfarto. O principal problema com
a CK-MB é sua elevação com lesões em outros
músculos esqueléticos e lisos. O nível de corte para
a CK-MB deve ser duas vezes o valor normal para
o kit utilizado e sua sensibilidade é aumentada se
dosada serialmente.
drome isquêmica miocárdica instável sem supradesnível de segmento ST, ao passo que níveis acima de 0,1 ng/ml indicam alto risco (os valores também podem variar de acordo com o kit utilizado).
Deve-se lembrar, porém, que a maioria dos paci-
FERREIRA JFM
e col.
Diagnóstico e
estratificação de risco
na sala de emergência
Tabela 1 - Características dos marcadores bioquímicos miocárdicos
Marcador
Vantagens
Desvantagens
Recomendação clínica
CK-MB
Rápida e barata
Detecção de reinfarto
Marcador mais utilizado
na prática clínica, com
grande familiaridade para
a maioria dos médicos
Isoformas de
CK-MB
Detecção precoce de
infarto agudo do
miocárdio
Mioglobina
Baixa especificidade no caso
de outras lesões musculares
Baixa sensibilidade com menos
de 6 horas e mais de 36 horas,
além de lesões pequenas
Especificidade similar à da
CK-MB
Exige pessoal treinado para
dosagem
Especificidade muito baixa
Normalização dos níveis
rapidamente, perdendo
sensibilidade tardia
Alta sensibilidade
Detecção precoce
Detecção de reinfarto
Mais útil em excluir
infarto agudo do
miocárdio
Poderosa ferramenta de
Baixa sensibilidade com
prognóstico
menos de 6 horas
Maior sensibilidade e
Não detecta reinfarto
especificidade que
CK-MB
Detecção de infarto agudo
do miocárdio até
14 dias
Útil para escolha de
terapia
Troponina
Bastante útil para
detecção a partir de 3
horas do evento
Não deve ser utilizada
isoladamente por causa da
baixa especificidade
“Trials” têm confirmado
seu excelente potencial
prognóstico e diagnóstico
CK-MB = isoforma MB da creatina fosfoquinase.
As troponinas compreendem as subunidades
T e I (a subunidade C não é utilizada como marcador) e são mais sensíveis e específicas que a CKMB para detecção de lesão miocárdica, podendo
detectar lesões pequenas que não seriam identificadas pela CK-MB. É sabido que cerca de 30%
dos pacientes diagnosticados com angina instável
com CK-MB normal seriam classificados como
infarto sem supradesnível de segmento ST se os
níveis de troponinas fossem avaliados10. Ambas as
subunidades têm o mesmo nível de sensibilidade
e especificidade (90% e 97%, respectivamente) e
permanecem elevadas até 14 dias após o evento
isquêmico agudo, sendo detectadas a partir de 6
horas. A presença de TnI ou TnT entre 0,01 ng/ml
e 0,1 ng/ml representa risco intermediário na sín-
entes que evoluem com complicação tem as outras características de alto risco com troponina
normal.
Outros marcadores que podem ser utilizados
para diagnóstico das síndromes coronárias agudas são as isoformas de CK-MB, observandose aumento da relação entre as isoformas 1 e 2,
e também a mioglobina, marcador mais precoce (a partir de uma hora do evento) mas menos
específico para lesão miocárdica. Esses dois
marcadores são menos utilizados na prática clínica, não cabendo aqui uma revisão mais completa. A Tabela 1 indica as principais características de cada um dos marcadores e a Figura
2, seu valor no prognóstico nas síndromes coronárias agudas11.
247
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FERREIRA JFM
ABORDAGEM DA SÍNDROME
e col.
CORONÁRIA AGUDA NA ADMISSÃO
Diagnóstico e
estratificação de risco
Os pacientes que forem classificados com dina sala de emergência agnóstico não-cardíaco ou com angina estável crô-
248
RSCESP
JUL/AGO/SET 2007
nica interromperão sua investigação cardiológica
no pronto-socorro. Para aqueles classificados como
síndrome coronária aguda possível (pacientes com
dor recente, não totalmente caracterizada como dor
típica com marcadores e ECG normais) ou definida (pacientes com doença coronariana definida)
com risco baixo devem permanecer em observação com monitorização cardíaca com repetidas
medidas de marcadores bioquímicos e ECGs em
6 a 12 horas. Caso ambos os testes sejam normais,
estes podem ser submetidos a testes provocativos
de isquemia, como teste de esforço ou cintilografia, ainda no pronto-socorro ou em retorno ambulatorial breve em até 72 horas. Esses pacientes são
os que se enquadram no conceito das unidades de
dor torácica, protocolos de atendimento nas unidades de emergência que visam a identificar pacientes com suspeita ou apresentação de baixo risco
de síndrome coronária aguda, entre os quais, se
submetidos a um esquema seguro e eficaz, podem
ser selecionados os casos que seriam erroneamente
dispensados ou desnecessariamente internados,
permitindo alta precoce, evitando mortes e diminuindo custos.
Os pacientes que apresentam dor torácica anginosa associada à presença de supradesnível do
segmento ST ou bloqueio novo do ramo esquerdo
ao ECG têm o diagnóstico imediato de infarto agudo do miocárdio com supradesnível do segmento
ST, estando indicada instituição prioritária de terapia de reperfusão por trombólise química ou angioplastia primária, conforme as características do
paciente e do serviço no qual está sendo atendido.
Já os pacientes nos quais se configura, na admissão, o diagnóstico de síndrome coronária aguda sem supradesnível do segmento ST de riscos
intermediário e alto, com testes provocativos positivos e que durante observação apresentem instabilidade hemodinâmica ou características de alto
risco, devem ser admitidos para tratamento hospitalar, com otimização da medicação. As Tabelas 2
e 3 indicam as características para a avaliação da
probabilidade da presença da doença coronária e
do prognóstico da síndrome coronária aguda12.
Existem ainda, obtidas a partir de estudos e
registros, informações indicativas de risco aumentado de complicações na evolução desses pacientes, as quais, se agrupadas de forma racional, formam escores para estratificação. Os escores baseados no estudo TIMI 11B e no “Global Registry
of Acute Coronary Events” (Registro GRACE)
levam em conta algumas características, como ida-
de, presença de fatores de risco para doença coronariana, doença coronariana preexistente, uso de
ácido acetilsalicílico nos últimos sete dias, freqüência dos episódios de angina, aumento de marcadores bioquímicos e alterações do ECG, e estão
apresentadas nas Figuras 3 e 413, 14.
MANUSEIO DA SÍNDROME CORONÁRIA
AGUDA NA SALA DE EMERGÊNCIA
O tratamento das síndromes coronárias agudas visa, fundamentalmente, a estabilização da
placa aterosclerótica, alívio dos sintomas isquêmicos e prevenção de eventos como arritmia, recorrência de isquemia, infarto, necessidade de revascularização de urgência e morte15 (Fig. 5).
A identificação do portador de síndrome coronária aguda de alto risco, por meio de história clínica e exame físico, determina a instituição de
atendimento em sala de emergência até posterior
triagem, para que se determine a admissão na unidade de dor torácica, coronária ou intensiva. O paciente que na avaliação inicial for considerado provavelmente ou definitivamente na vigência de síndrome coronária aguda deve ser submetido a medidas imediatas (< 10 minutos), como oferta de
oxigênio, acesso intravenoso disponível, monitorização cardíaca contínua e monitorização de sinais vitais como pulso, pressão arterial e oximetria de pulso. Destaca-se a indicação classe I da
rápida obtenção e interpretação do ECG de 12
derivações em até 10 minutos. Os pacientes com
diagnóstico de infarto agudo do miocárdio com
supradesnível do segmento ST devem ter priorizada a terapia de reperfusão; nos pacientes com
ECG sem supradesnível do ST, o tratamento medicamentoso inicial deve ser mantido. A estratificação do risco desses pacientes é um processo
contínuo, iniciado na sala emergência e complementado durante a internação, sendo fundamental
para determinar as estratégias de tratamento na
síndrome coronária aguda sem supradesnível do
segmento ST. No infarto agudo do miocárdio com
supradesnível do segmento ST, sua aplicação é
muito restrita, já que esse diagnóstico por si só
indica paciente com alto risco e que a maioria dos
critérios existentes foram desenvolvidos antes da
utilização disseminada das técnicas de reperfusão.
A coleta de sangue para análise bioquímica
deve ser realizada ainda na sala de emergência,
pois esses exames podem detectar a presença de
insuficiência renal, distúrbios hidroeletrolíticos ou
de coagulação, hiperglicemia ou outros. Essa avaliação laboratorial inicial possibilita ao médico realizar eventual diagnóstico diferencial ou observar alterações que possam interferir na terapêutica. A dosagem de marcadores séricos de isquemia
Tabela 2 - Probabilidade de síndrome coronária aguda
Característica
História
Exame físico
ECG
Marcadores
bioquímicos
Alta
probabilidade
Intermediária
probabilidade
Baixa
probabilidade
História prévia de DAC
ou IAM
Dor precordial típica,
que reproduz evento
isquêmico prévio
Insuficiência mitral
transitória
Hipotensão
Estertores
Edema agudo
de pulmão
Alteração do
segmento ST
> 0,05 mV ou
inversão transitória de
onda T > 0,02 mV
Elevação de
troponinas ou
CK-MB
Dor precordial típica
Idade > 70 anos
Sexo masculino
Diabetes melito
Uso recente de cocaína
Dor precordial atípica
Doença vascular
periférica
Dor à palpação muscular
Onda Q fixa,
alterações no
segmento ST ou
onda T prévias
ECG normal ou
achatamento da onda T
Normal
Normal
FERREIRA JFM
e col.
Diagnóstico e
estratificação de risco
na sala de emergência
DAC = doença coronariana; IAM = infarto agudo do miocárdio; ECG = eletrocardiograma.
também deve ser realizada nessa fase, apesar de
não apresentar relevância para o diagnóstico e a
instituição de terapêutica no atendimento de emergência. A espera pelos resultados dos marcadores
miocárdicos não deve retardar o início do trata-
mento, seja pelo tempo despendido para sua realização seja pela característica de que a detecção
desses marcadores na corrente sanguínea ocorre
apenas algumas horas após o início dos sintomas
clínicos e de alterações eletrocardiográficas. En-
Tabela 3 - Risco de morte ou infarto agudo do miocárdio não-fatal em pacientes com síndrome coronária aguda
Característica
Alto risco
História
Angina progressiva nas
últimas 48 horas
Dor precordial mantida
> 20 min
Exame físico
Insuficiência mitral
transitória
Hipotensão
Estertores
Edema agudo de pulmão
Idade > 75 anos
Alt. segmento ST
> 0,05 mV
BRE novo
TVS
Elevação da troponina
> 0,1 ng/ml ou CK-MB
ECG
Marcadores
bioquímicos
Risco
intermediário
Baixo risco
Antecedente de IAM, Angina de início recente
RM, DAC ou doença
não prolongada
vascular periférica
Dor precordial
> 20 min resolvida ou
< 20 min com resolução
com nitroglicerina
Idade > 70 anos
Inversão transitória
de onda T > 0,02 mV
Onda Q patológica
ECG normal ou
achatamentoda onda T
durante dor precordial
Troponina entre
0,01 ng/ml e 0,1 ng/ml
Normal
IAM = infarto agudo do miocárdio; RM = revascularização do miocárdio; DAC = doença coronariana; ECG =
eletrocardiograma; BRE = bloqueio de ramo esquerdo; TVS = taquicardia ventricular sustentada.
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FERREIRA JFM
e col.
Diagnóstico e
estratificação de risco
na sala de emergência
Figura 3. Escore TIMI Risk para síndrome coronária aguda sem supradesnível do segmento ST.
tretanto, os marcadores miocárdicos mantêm importância para diagnóstico, acompanhamento terapêutico e prognóstico. A realização da radiografia do tórax, senão imediatamente, o mais rápido
possível, é indicada para todos os pacientes e pode
fornecer informações importantes, como alterações na área cardíaca, visualização de sinais de
congestão pulmonar, alterações pulmonares ou
presença de alargamento de mediastino, que pode
sugerir presença de afecções de aorta. Dentre os
aspectos gerais no tratamento do infarto agudo do
miocárdio, chama atenção a necessidade de controle de níveis glicêmicos em diabéticos, evitando a
hipoglicemia.
Medidas farmacológicas imediatas
No momento do diagnóstico da síndrome coronária aguda na unidade de emergência, após ser pro-
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JUL/AGO/SET 2007
Figura 4. Escore TIMI Risk para síndrome coronária aguda com supradesnível do segmento ST.
FERREIRA JFM
e col.
Diagnóstico e
estratificação de risco
na sala de emergência
Figura 5. Estratégia de manuseio inicial da síndrome coronária aguda sem supradesnível do segmento
ST.
SIMI = síndrome isquêmica miocárdica instável.
tegido com monitorização eletrocardiográfica e
acesso venoso, o paciente deverá receber tratamento medicamentoso geral inicial enquanto é providenciada a realização do ECG e de demais procedimentos de diagnóstico e estratificação. Esses medicamentos atuam promovendo imediata ação sobre o trombo intracoronário e proteção da célula
miocárdica contra a hipóxia, recebendo a denominação mnemônica de MONABC: morfina –
oxigênio – nitrato – ácido acetilsalicílico – betabloqueador – clopidogrel3, 12, 16-18.
Os pacientes com síndrome coronária aguda
devem receber sedação e analgesia com o objetivo de reduzir o tônus simpático, o que leva a taquicardia sinusal, hipertensão arterial, aumento de
contratilidade miocárdica e propensão a arritmias
ventriculares. O sulfato de morfina é medicação
amplamente utilizada e padronizada para analgesia nesses pacientes. Apresenta como efeitos indesejáveis depressão respiratória, vômitos e hipotensão arterial.
A administração rotineira de oxigênio, por
meio de cateter nasal, tem classe IIa de indicação
nas primeiras horas. Estudos sugerem que a associação de oxigênio à trombólise pode reduzir a área
infartada, além de a hipoxemia ser extremamente
deletéria a esses pacientes. Os pacientes cuja saturação de oxigênio é inferior a 90%, seja por congestão pulmonar ou doença pulmonar associada,
devem receber oxigênio suplementar com indicação classe I.
Os nitratos agem na redução da pré e da póscarga por seu efeito dilatador venoso e arterial. A
redução da pré-carga diminui o retorno venoso e a
pressão de enchimento do ventrículo esquerdo, aliviando o estresse de parede, com menor consumo de
oxigênio pelo miocárdio. Também por diminuição
das pressões de enchimento do ventrículo na diástole observa-se aumento do fluxo coronariano. A redução da pós-carga, com diminuição da resistência
periférica e da pressão arterial, alivia também a sobrecarga ventricular. No entanto, estudos não demonstram impacto dos nitratos na mortalidade dos
pacientes com síndrome coronária aguda.
O ácido acetilsalicílico promove inibição irreversível da cicloxigenase. A cicloxigenase é responsável pela conversão de ácido araquidônico em
tromboxano A2 na plaqueta, o que induz agregação plaquetária e vasoconstrição. Os resultados do
“Second International Study of Infarct Survival”
(ISIS II) demonstraram redução da mortalidade em
cinco semanas de 23% com administração somente
de ácido acetilsalicílico, 25% somente com estreptoquinase, e 42% com associação de ambas. Em
metanálise de estudos que realizaram angiografia, observou-se diminuição da taxa de reoclusão
e isquemia recorrente após trombólise com o uso
do ácido acetilsalicílico. O ácido acetilsalicílico
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e col.
Diagnóstico e
estratificação de risco
na sala de emergência
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é, portanto, medicação essencial no manuseio do
paciente portador de síndrome coronária aguda,
devendo ser utilizada como classe I, desde o primeiro dia após infarto agudo do miocárdio até indefinidamente.
Os betabloqueadores são fármacos que apresentam atividade simpatomimética intrínseca e seletividade por receptores β1 e β2, com bloqueio α
concomitante. Têm efeito antiarrítmico independente do bloqueio β. Pela redução do inotropismo
e do cronotropismo que provocam, diminuem o
consumo de O2 do miocárdio, além do fato de a
redução da freqüência cardíaca aumentar o tempo
diastólico e, conseqüentemente, a perfusão coronariana. A administração precoce de betabloqueadores no infarto agudo do miocárdio reduz a área
de infarto e a incidência de eventos arrítmicos. Os
dois principais estudos que analisaram o uso de
betabloqueadores na fase aguda do infarto agudo
do miocárdio (MIAMI e ISIS 1)19, 20 demonstram
haver diminuição da área infartada com redução
dos marcadores miocárdicos liberados, sendo esse
efeito dependente da precocidade da administração da medicação desde o aparecimento dos sintomas. Observa-se ainda redução da dor anginosa
após administração de betabloqueador por seu efeito inotrópico e cronotrópico negativos, reduzindo
o consumo de oxigênio miocárdico. O efeito antiarrítmico observado após infusão de betabloqueadores não determinou redução significativa de
mortalidade por arritmias. O uso de betabloqueadores na fase precoce após infarto agudo do miocárdio (até 12 horas) é preconizado como classe I,
independentemente da realização de trombólise ou
angioplastia primária. Em portadores de contra-indicações relativas ao uso da medicação, como insuficiência cardíaca moderada, devem ser utilizados
com cautela (classe IIb), sob rigorosa monitorização, e não devem ser administrados em pacientes com
falência ventricular acentuada (classe III).
O clopidogrel é a droga mais recentemente incorporada a esse algoritmo de manuseio de paciente com dor torácica ainda no ambiente da unidade de emergência. Os resultados do “Clopidogrel in Unstable Angina to Prevent Recurrent
Events Trial” (CURE)21, em pacientes com síndrome coronária aguda sem supradesnível do segmento ST, e do “Clopidogrel as Adjunctive Reperfusion Therapy” (CLARITY)22 e “Clopidogrel
and Metoprolol in Myocardial Infarction Trial”
(COMMIT)23, em pacientes com infarto agudo do
miocárdio com supradesnível do segmento ST,
demonstraram a proteção da associação do clopidogrel com o ácido acetilsalicílico com redução
de 20% a 30% de eventos sem riscos maiores de
sangramento, determinando a indicação precoce
do uso dessa medicação.
Medidas farmacológicas na síndrome coronária aguda sem supradesnível do segmento ST
Antiisquêmicos e analgesia
Classe I
a) Repouso e monitorização eletrocardiográfica (nível de evidência C).
b) Oxigênio suplementar em pacientes com
dispnéia, saturação de O2 < 90% ou risco de
desenvolver hipoxemia (nível de evidência B).
c) Nitrato sublingual a cada 5 minutos, com o
total de 3 doses, seguido de sua adimistração
por via endovenosa (nível de evidência C).
d) Nitrato endovenoso por 48 horas em pacientes com isquemia persistente, insuficiência
cardíaca ou hipertensão (nível de evidência B).
e) Betabloqueador por via oral deve ser iniciado nas primeiras 24 horas, salvo contra-indicação (nível de evidência B).
f) Inibidor da enzima de conversão da angiotensina pode ser utilizado nas primeiras 24
horas nos casos de disfunção ventricular e congestão pulmonar (nível de evidência A).
g) Antiinflamatórios não-esteróides, exceto
ácido acetilsalicílico, devem ter seu uso interrompido (nível de evidência C).
Classe IIa
a) É razoável manter oxigênio suplementar em
todos os pacientes com síndrome coronária
aguda nas primeiras 6 horas (nível de evidência C).
b) Na ausência de contra-indicação, é razoável administrar morfina em pacientes com angina refratária a despeito de nitrato (nível de
evidência B).
c) É razoável utilizar betabloqueador por via
endovenosa em pacientes hipertensos sem sinais de insuficiência cardíaca, risco de choque
cardiogênico ou outras contra-indicações (nível de evidência B).
d) Antagonistas do cálcio de longa ação são
razoáveis em pacientes com isquemia refratária após uso de betabloqueadores e nitratos
(nível de evidência C).
e) Inibidor da enzima de conversão da angiotensina pode ser utilizado nas primeiras 24
horas nos casos sem disfunção ventricular e
na congestão pulmonar (nível de evidência B).
Classe IIb
a) Antagonistas do canal de cálcio de longa
ação em pacientes com contra-indicação de betabloqueador (nível de evidência B).
b) Uso imediato de bloqueador de canal de
cálcio diidropiridínico em pacientes com isquemia refratária ou hipertensão arterial e adequado betabloqueio (nível de evidência B).
Classe III
a) Nitratos não devem ser administrados em
pacientes com pressão arterial inferior a 90
mmHg, bradicardia < 50 bpm e taquicardia >
100 bpm, e na ausência de insuficiência cardíaca e infarto de ventrículo direito (nível de
evidência CB).
b) Nitroglicerina ou outro nitrato dentro das
últimas 24 horas do uso do sildenafil (nível de
evidência C).
c) Bloqueador do canal de cálcio de ação rápida não deve ser administrado na ausência de
betabloqueador (nível de evidência A).
d) Antiinflamatórios não-esteróides, exceto
ácido acetilsalicílico, não devem ser administrados durante a hospitalização (nível de evidência C).
Terapia antiplaquetária
Classe I
a) Ácido acetilsalicílico deve ser administrado
assim que possível e mantido indefinidamente
(nível de evidência A).
b) Clopidogrel pode ser administrado nos pacientes com contra-indicação ao uso do ácido
acetilsalicílico (nível de evidência A).
c) Nos pacientes com síndrome coronária aguda sem supradesnível do segmento ST com indicação de terapia invasiva, a terapia antiplaquetária deve ser dupla, com adição de clopidogrel ou inibidor da glicoproteína IIb/IIIa
antes do estudo hemodinâmico (nível de evidência A).
d) Nos pacientes com síndrome coronária aguda sem supradesnível do segmento ST selecionados para estratégia conservadora, o clopidogrel deve ser associado ao ácido acetilsalicílico e mantido por pelo menos um mês (nível de evidência A) e idealmente por um ano
(nível de evidência B).
Classe IIa
a) Em pacientes selecionados para estratégia
conservadora e medicados com ácido acetilsalicílico, clopidogrel e terapia anticoagulante,
e que mantenham isquemia recorrente, é razoável associar inibidor de glicoproteína IIb/IIIa
(nível de evidência C).
b) Em pacientes com síndrome coronária aguda sem supradesnível do segmento ST selecionados para estratégia invasiva, é razoável associar clopidogrel com inibidor da glicoproteína IIb/IIIa (nível de evidência B).
Classe IIb
A) Em pacientes com síndrome coronária aguda sem supradesnível do segmento ST selecionados para estratégia conservadora, é razoável utilizar eptifibatide ou tirofiban com antiplaquetário oral (nível de evidência B).
Classe III
a) Abciximab não deve ser administrado em
pacientes que não serão submetidos a angioplastia coronária.
Terapia antitrombínica
Classe I
Terapia anticoagulante deve ser administrada
conjuntamente com antiagregante plaquetário, desde que possível, após diagnóstico de síndrome coronária aguda sem supradesnível do segmento ST:
a) para pacientes selecionados para estratégia
invasiva: enoxaparina e heparina não-fracionada (nível de evidência A); bivalirudina e fondaparinux (nível de evidência B);
b) para pacientes selecionados para estratégia
conservadora: enoxaparina e heparina não-fracionada (nível de evidência A); fondaparinux
(nível de evidência B).
Classe IIa
Na síndrome coronária aguda sem supradesnível do segmento ST, enoxaparina ou fondaparinux são preferíveis à heparina não-fracionada.
Medidas farmacológicas na síndrome
coronária aguda com supradesnível
do segmento ST
Na sua maioria são idênticas às apresentadas para
a síndrome coronária aguda sem supradesnível do
segmento ST. Entretanto, existem alguns destaques
que merecem relevância e são descritos a seguir.
Terapia atiplaquetária
Classe I
a) Ácido acetilsalicílico deve ser administrado
indefinidamente a todos os pacientes sem alergia (nível de evidência A). O ácido acetilsalicílico deve ser administrado o mais precocemente possível, independentemente da estratégia de reperfusão utilizada.
b) Em pacientes com estratégia de intervenção por coronariografia e angioplastia, clopidogrel deve ser iniciado e mantido por pelo
menos um mês com stent não-medicamentoso
e 12 meses com stent medicamentoso (nível
de evidência B).
c) Pacientes com indicação de cirurgia de revascularização do miocárdio deverão ter suspenso o clopidogrel pelo menos 5 dias, preferencialmente 7 dias, antes do procedimento
(nível de evidência B).
Classe IIa
a) Clopidogrel associado à terapia fibrinolítica em pacientes com contra-indicação absoluta ao uso do ácido acetilsalicílico (nível de
evidência C). O clopidogrel combinado com
ácido acetilsalicílico em pacientes submetidos
a terapia fibrinolítica foi avaliado posteriormente à publicação da última diretriz AHA/
ACC de 2004. Os estudos CLARITY e COMMIT demonstraram que essa associação redu-
FERREIRA JFM
e col.
Diagnóstico e
estratificação de risco
na sala de emergência
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FERREIRA JFM
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Diagnóstico e
estratificação de risco
na sala de emergência
ziu óbito e eventos cardiovasculares maiores
na fase hospitalar e em 30 dias, sem piora de
sangramentos. Determinou-se com esses estudos força de evidência para associar o clopidogrel ao ácido acetilsalicílico na terapia fibrinolítica.
b) É razoável iniciar abciximab antes de terapia de reperfusão por angioplastia primária
(nível de evidência B).
Classe IIb
a) Tratamento com tirofiban ou eptifibatide antes de angioplastia primária (nível de evidência
C).
Terapia antitrombínica
Classe IIb
a) Heparina de baixo peso molecular pode ser
associada à terapia fibrinolítica em pacientes
com idade < 75 anos, sem disfunção renal (creatinina sérica < 2,5 mg/dl em homens e 2,0
mg/dl em mulheres) (nível de evidência B).
Classe III
a) Heparina de baixo peso molecular em pacientes > 75 anos submetidos a terapia fibrinolítica (nível de evidência B).
b) Heparina de baixo peso molecular em pacientes com disfunção renal submetidos a terapia fibrinolítica (nível de evidência B).
O estudo Extract-TIMI 2524 avaliou 20.506
pacientes com infarto agudo do miocárdio com
supradesnível do segmento ST que receberam
enoxaparina ou heparina não-fracionada associadas a tratamento trombolítico. O desfecho
primário (óbito ou infarto agudo do miocárdio
não-fatal) teve redução de 17% (p < 0,001) favorável ao grupo enoxaparina e de 19% (p <
0,001) para o desfecho secundário (óbito, infarto agudo do miocárdio não-fatal e revascularização urgente em 30 dias).
DIAGNOSES AND EARLY RISK STRATIFICATION OF
PATIENTS WITH ACUTE CORONARY SYNDROMES
JOÃO FERNANDO MONTEIRO FERREIRA
ARI TIMERMAN
Cardiovascular diseases are the most important cause of death. The most frequent process is
the disruption of atherosclerotic plaque and myocardial ischemia for the desbalance between
oxygen demand and supply. Acute coronary syndrome encompass an heterogeneous group
of patients with different clinical presentations, and patients with chest pain in the
emergency room can include non coronary diagnoses, stable angina, probable or definitive
acute coronary syndrome.
A detailed history, physical examination and electrocardiogram are mandatory to the
diagnosis of acute coronary syndrome. After diagnosis is done, the early risk stratification
are based too on symptoms, physical examination, abnormalities of the electrocardiogram
and serum cardiac markers, which are independent predictors of high risk.
Electrocardiografic findings, elevation of serum cardiac markers have great importance to
identify the patients who will show an unfavorable evolution.
The prognosis in each case depends on this dynamic process that will determine the
strategies for the treatment. The objectives are coronary plaque stabilization, relief of
ischemia and arrhythmias prevention. Treatment regimens include antianginal, antiplatelet
and antithrombin drugs.
Key words: acute coronary syndrome, acute myocardial infarction, unstable angina, risk
stratification.
254
RSCESP
JUL/AGO/SET 2007
(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2007;3:243-56)
RSCESP (72594)-1665
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FERREIRA JFM
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Diagnóstico e
estratificação de risco
na sala de emergência
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FERREIRA JFM
e col.
Diagnóstico e
estratificação de risco
na sala de emergência
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USO DA TOMOGRAFIA COMPUTADORIZADA
COM MÚLTIPLOS DETECTORES NA SÍNDROME
ISQUÊMICA AGUDA
COELHO FILHO
OR e cols.
Uso da tomografia
computadorizada com
múltiplos detectores
na síndrome
isquêmica aguda
OTÁVIO RIZZI COELHO FILHO
ROBERTO CALDEIRA CURY
ANA CRISTINA MAGALHÃES ANDRADE
RICARDO CALDEIRA CURY
Serviço de Ressonância e Tomografia Cardiovascular – Instituto do Coração (InCor) – HC-FMUSP
Serviço de Ressonância e Tomografia Cardiovascular – Hospital Samaritano de São Paulo
MGH Cardiovascular CT Core Lab/Clinical Cardiac MRI – Massachusetts General Hospital/
Harvard Medical School – Boston, MA – Estados Unidos
Endereço para correspondência:
Av. Benjamin Constant, 2050 – ap. 111 – CEP-13025-005 – Campinas – SP
O diagnóstico da síndrome coronariana aguda, em especial da angina instável e do infarto
agudo do miocárdio sem elevação do segmento ST no departamento de emergência
permanece um desafio. A diferenciação entre as possíveis etiologias da dor torácica aguda
ainda desafia muitos serviços de emergência. A avaliação inicial com história clínica, exame
eletrocardiográfico seriado e marcadores bioquímicos de dano miocárdico freqüentemente
leva a gastos e internações desnecessários. O recente desenvolvimento da tomografia
computadorizada com múltiplos detectores e sua maior disponibilidade nos serviços de
emergência médica facilitou sua aplicação diagnóstica nas suspeitas das síndromes
coronarianas agudas, sobretudo em situações em que a eletrocardiografia e os marcadores de
dano miocárdio iniciais foram normais. Além disso, a tomografia computadorizada com
múltiplos detectores pode esclarecer causas não-cardíacas relevantes, tais como
tromboembolismo pulmonar e dissecção de aorta. A tomografia computadorizada com
múltiplos detectores, além de permitir a avaliação de estenoses e oclusões coronárias,
também pode caracterizar as placas coronárias e fornecer a informação sobre prognóstico.
As recentes inovações tecnológicas da tomografia computadorizada com múltiplos
detectores facilitaram seu uso e melhoraram sua acurácia, sendo esse teste, pelo elevado
valor preditivo negativo, capaz de auxiliar médicos emergencistas a avaliar rapidamente
pacientes com suspeita de síndrome coronariana aguda e permitir condutas mais rápidas e
seguras.
Palavras-chave: dor torácica aguda, síndrome coronariana aguda, estratificação de risco,
angiotomografia de coronárias.
(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2007;3:257-70)
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Uso da tomografia
computadorizada com
múltiplos detectores
na síndrome
isquêmica aguda
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INTRODUÇÃO
A avaliação de pacientes com dor torácica aguda já é, há algum tempo, atividade comum do cotidiano de grande parte dos serviços de emergência médica do Brasil e de todo o mundo. Estimase, nos Estados Unidos, que a avaliação de pacientes com dor torácica compreenda cerca de 5% a
10% de todos os atendimentos médicos em emergência1. As estatísticas disponíveis desse país demonstram que a cada ano cerca de 5 a 8 milhões
de pacientes são atendidos com dor torácica aguda nos serviços de emergência1, e em cerca de
pouco mais de 3 milhões de pacientes não é confirmada cardiopatia. Apesar de a triagem precoce
desses pacientes ter claras implicações terapêuticas e prognósticas, muitas são as dificuldades para
se delinear uma estratégia a ser seguida. Naqueles
pacientes de alto risco para eventos cardiovasculares adversos, impõe-se uma estratégia de tratamento clínico agressivo, com inibidores da glicoproteína IIb/IIIa associados a diversas estratégias
de revascularização precoce2. Por outro lado, os
pacientes de baixo risco poderiam receber alta,
dispensando internação desnecessária e continuando seu seguimento ambulatorialmente3. Infelizmente, certas variáveis clínicas, como idade, sexo,
fatores de risco e marcadores de dano miocárdico, quando analisadas isoladamente, têm demonstrado valores limitados para predizer eventos adversos4-9. Hoje em dia, as diversas estratégias de
estratificação propostas baseiam-se eminentemente em fatores clínicos, que podem não ser úteis em
especial naqueles casos em que os marcadores iniciais de dano miocárdico são normais e o eletrocardiograma não revela novas alterações significativas10.
Historicamente, cerca de 2% a 10% dos pacientes com síndrome coronariana aguda são equivocadamente liberados do pronto-socorro11. Esses
pacientes, inadequadamente dispensados, apresentam evolução clínica desfavorável, chegando a
duplicar o risco de morte11-15. Como resultado dessa
inabilidade na realização de triagem adequada com
os métodos atuais para estabelecer qual paciente
deve ou não ser internado no hospital, têm sido
cada vez mais freqüentes as ações legais de má
prática médica por esse motivo, totalizando, nos
Estados Unidos, 20% de todas as ações legais contra serviços de emergência médica11. Por outro
lado, cerca de 60% de todos os pacientes com dor
torácica com condições de serem encaminhados
para casa infelizmente acabam sendo hospitalizados12, 14, aumentando desnecessariamente os custos operacionais dos serviços de saúde. Dessa forma, o número de dias de internação hospitalar desnecessária por 100 pacientes é alto, variando de
65 na Nova Zelândia a 839 na Alemanha.15
Métodos diagnósticos não-invasivos já vêm
sendo aplicados na avaliação de pacientes com dor
torácica aguda no pronto-socorro, tais como a ecocardiografia com e sem contraste16, 17 e a cintilografa miocárdica de repouso18-20. Essas modalidades diagnósticas são basicamente úteis na exclusão de síndrome coronariana aguda, demonstrando, em diversos estudos, valores preditivos negativos muito elevados. Por outro lado, ambas as
estratégias citadas apresentam valores preditivos
positivos reduzidos, tendo capacidade limitada em
identificar pacientes que realmente apresentam
síndrome coronariana aguda, além de não refinar
a seleção dos que mais se beneficiariam de uma
estratégia invasiva precoce associada a terapia farmacológica mais agressiva.
Dessa forma, muitas vezes os métodos atuais
e usuais de triagem de dor torácica nos mais diversos serviços de emergência são pouco efetivos,
sobretudo naquelas situações em que os marcadores de dano miocárdico iniciais são normais e exame eletrocardiográfico, mesmo quando monitorizado de forma contínua, não revela alterações evidentes. Até o presente momento não existia uma
ferramenta diagnóstica capaz de fornecer, de forma rápida, segura, não-invasiva e facilmente reprodutível, informações morfológicas e anatômicas sobre a circulação coronariana, que proporcionassem ao médico (emergencistas e cardiologistas) inferir informações acerca do prognóstico,
além de indicar a melhor estratégia terapêutica
inicial.
CENÁRIO ATUAL DA TOMOGRAFIA
COMPUTADORIZADA COM MÚLTIPLOS
DETECTORES NA DOENÇA ARTERIAL
CORONARIANA
A cineangiocoronariografia é atualmente o método padrão para o diagnóstico da doença arterial
coronariana em pacientes sintomáticos. No entanto, cerca de 30% a 40% desses exames são realizados com o intuito diagnóstico. Isso causa preocupação pela incidência de 1% de morbidade e de
mortalidade atribuídas a esse exame, significativamente maior que a observada com a tomografia
computadorizada com múltiplos detectores21.
A resolução tanto espacial como temporal da
tomografia computadorizada com múltiplos detectores melhorou consideravelmente nos últimos sete
anos, permitindo a visualização diagnóstica de
estruturas cardíacas e, mais especificamente, a
avaliação anatômica da parede e do lúmen das artérias coronárias. A tomografia computadorizada
com múltiplos detectores cardíaca é realizada mais
freqüentemente no modo espiral ou helicoidal, em
que a mesa do paciente se move continuamente
enquanto o “gantry” (armação ao redor da mesa
que circunda o paciente) gira em torno dela. A cada
rotação são adquiridas de 4 a 64 secções anatômicas. A aquisição de dados é relacionada ao sinal
eletrocardiográfico de forma prospectiva ou retrospectiva e os algoritmos de reconstrução parcial
permitem tempos de aquisição de imagens que
giram em torno de 50 ms a 300 ms, dependendo
do sistema utilizado. A espessura de corte, que no
início dessa tecnologia era de 1,25 mm a 3,0 mm
com os aparelhos de 4 detectores, chegou mais
recentemente a apenas 0,4 mm a 0,75 com a introdução dos sistemas de 16 e 64 detectores, o que
permitiu significativa melhora da acurácia diagnóstica do método para a detecção de estenoses
coronárias22.
A tomografia computadorizada com múltiplos
detectores é atualmente o método angiográfico
não-invasivo de melhor acurácia para a detecção
de doença arterial coronariana. Os tomógrafos de
2, 4 e 8 detectores criavam imagens que não ofereciam qualidade suficiente para identificação ou
exclusão confiáveis de obstrução na doença arterial coronariana23. A introdução da tomografia
computadorizada com múltiplos detectores de 16
detectores melhorou a visualização do lúmen coronariano, pela melhora da resolução tanto espacial como temporal. Estudos iniciais relataram
sensibilidade e especificidade variando de 59% a
95% e de 79% a 98%, respectivamente, em pacientes com angina estável comparados com a cineangiocoronariografia. A taxa de visualização adequada das artérias coronarianas nesses estudos
variou de 68% a 96%24-33. Ropers e colaboradores24 apresentaram sensibilidade e especificidade
de 92% e 93%, respectivamente, mas com exclusão de 12% dos segmentos que não foram analisáveis. Nieman e colaboradores25 relataram sensibilidade de 95% e especificidade de 86% na comparação com a cineangiocoronariografia convencional, e nesse estudo não foram excluídos segmentos acima de 1,5 mm de diâmetro. Kuttner e colaboradores26, estudando 60 pacientes que haviam
sido convocados para cineangiocoronariografia
convencional, demonstraram que o grau de calcificação das artérias coronárias permanece um importante fator limitante para a correta interpretação da estenose coronária. No entanto, em pacientes com calcificação discreta a moderada, foram encontrados altos valores de sensibilidade e
especificidade, tais como 72% e 97%, respectivamente. Quando foram estudados pacientes de alto
risco para doença arterial coronariana27, o valor
preditivo negativo foi elevado em uma análise baseada em segmentos, mas apenas moderado quando a avaliação foi realizada por paciente, sugerin-
do que para uso clínico a tomografia computadorizada com múltiplos detectores pode ser uma ferramenta útil em pacientes de risco intermediário.
Uma metanálise ainda não publicada33 e especificamente para tomografia computadorizada com
múltiplos detectores de 16 detectores demonstrou
524 de 625 lesões estenóticas (84%), tendo sido
possível descartar estenose coronariana corretamente em 3.353 de 3.518 segmentos (95%). Nos
segmentos acessíveis, 683 de 761 das lesões estenóticas (90%) foram corretamente detectadas, enquanto a estenose coronariana foi corretamente
descartada em 4.685 de 4.881 segmentos (96%).
Na avaliação por paciente, 388 de 404 pacientes
(96%) foram corretamente identificados pela tomografia computadorizada com múltiplos detectores de 16 detectores como portadores de doença
arterial coronariana significativa, assim como doença arterial coronariana significativa foi descartada em 172 de 207 pacientes (83%). Todos esses
estudos em tomografia computadorizada com
múltiplos detectores de 16 detectores estão resumidos na Tabela 1.
Tais resultados foram comparados de forma favorável com outros métodos, como o ultra-som
intracoronário e a ressonância magnética cardíaca34, 35, porém ainda inadequados. Em um estudo
multicêntrico, Garcia e colaboradores36 confirmaram alguns dos problemas com a tomografia computadorizada com múltiplos detectores de 16 detectores. Em 238 pacientes, quase 30% das imagens foram de qualidade insuficiente para detecção de doença arterial coronariana significativa,
assim como apresentaram sensibilidade e especificidade baixas36.
A tomografia computadorizada com múltiplos
detectores de 64 detectores aumentou a resolução
tanto espacial como temporal e reduziu o tempo
do exame para cerca de 6 a 12 segundos, dependendo do protocolo e do tomógrafo utilizado.
Novos tomógrafos em desenvolvimento utilizando 256 detectores ou um amplo detector “flat panel” poderão eliminar a necessidade de detectores
individuais.
Pelo menos sete estudos compararam a tomografia computadorizada com múltiplos detectores
de 64 detectores à cineangiocoronariografia em pacientes suspeitos de doença arterial coronariana3743
. Os estudos em tomografia computadorizada
com múltiplos detectores de 64 detectores estão
resumidos na Tabela 2.
Leschka e colaboradores37 relataram sua experiência com 67 pacientes com suspeita de doença arterial coronariana. Foram excluídos pacientes com stents ou revascularização prévia. Vasos
com > 1,5 mm foram avaliados e todas as imagens
tiveram qualidade adequada. Com base nos vasos
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OR e cols.
Uso da tomografia
computadorizada com
múltiplos detectores
na síndrome
isquêmica aguda
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COELHO FILHO
OR e cols.
Uso da tomografia
computadorizada com
múltiplos detectores
na síndrome
isquêmica aguda
Tabela 1 - Estudos com tomografia computadorizada com múltiplos detectores de 16 detectores
Autores
Ano
n
Imagens
Sens Espec VPP VPN inadequadas
Koop
Nieman
Ropers
Achenbach
Hoffmann
Kuttner
Achenbach
Heuschmid
Hoffmann
Kefer
Kuttner
Kuttner
2002
2002
2003
2004
2004
2004
2005
2005
2005
2005
2005
2005
102
59
77
22
33
60
50
37
103
52
124
72
93
95
92
82
90
72
94
59
95
82
85
82
97
86
93
88
75
97
96
87
98
79
98
98
81
80
79
91
86
72
69
61
87
46
91
87
99
97
97
76
81
97
99
87
99
95
96
97
N
N
N
N
N
N
S
N
S
N
N
N
Taxa de
visualização
adequada
NR
93
88
NR
83
79
96
88
94
NR
94
93
n = número de pacientes; Sens = sensibilidade; Espec = especificidade; VPP = valor preditivo positivo; VPN = valor preditivo negativo; N = não; S = sim; NR = não relatado.
individuais, a sensibilidade e a especificidade para
estenose > 50% foram de 94% e 97%, respectivamente, e não houve resultados falsos negativos ou
falsos positivos.
Mollet e colaboradores38 estudaram 70 pacientes agendados para cineangiocoronariografia em
decorrência de dor torácica atípica, angina estável ou instável ou infarto sem supradesnível de
segmento ST38. Foram excluídos pacientes com
stents ou revascularização prévia, arritmias, insuficiência renal e alergia ao contraste iodado. Todos os vasos foram estudados, com imagem adequada de 97% deles que permitissem interpretação. Foram evidenciadas sensibilidade e especifi-
cidade de 100% e 92%, respectivamente, para estenose dos vasos > 50%, com falsa interpretação
de apenas um paciente com coronárias normais
pela cineangiocoronariografia. Esses autores utilizaram dois observadores para a tomografia computadorizada com múltiplos detectores, com k =
0,73 para variabilidade interobservador.
Ropers e colaboradores39 estudaram 84 pacientes agendados para cineangiocoronariografia
suspeitos de doença arterial coronariana, tendo
sido excluídos os pacientes com contra-indicação
para uso de contraste e radiação ou com doença
arterial coronariana prévia documentada. Vasos > 1,5
mm foram analisados, dos quais 96% apresenta-
Tabela 2 - Estudos com tomografia computadorizada com múltiplos detectores de 64 detectores
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Autores
Ano
n
Prevalência
Sens Espec VPP VPN de DAC
Leschka
Mollet
Ropers
Raff
Leber
Fine
Nikolaou
2005
2005
2006
2005
2005
2006
2006
67
52
84
70
59
66
72
100
100
96
95
88
95
86
100
92
91
90
85
96
95
100
97
83
93
88
97
72
100
100
98
93
85
92
97
70%
73%
31%
57%
42%
NR
57%
Imagens
inadequadas
Taxa de
visualização
adequada
N
N
S
S
S
S
S
100
97
96
88
93
94
94
n = número de pacientes; Sens = sensibilidade; Espec = especificidade; VPP = valor preditivo positivo; VPN = valor preditivo negativo; DAC = doença arterial coronariana; N = não; S = sim; NR =
não relatado.
ram imagens adequadas para avaliação. Foram encontradas sensibilidade e especificidade de 96% e
91%, respectivamente, comparativamente à cineangiocoronariografia, com apenas 4% dos vasos
não visualizados adequadamente.
Raff e colaboradores40 acompanharam 84 pacientes agendados para cineangiocoronariografia
por suspeita de doença arterial coronariana, sendo excluídos 14 pacientes por arritmias e contraindicação ao contraste e ao uso de betabloqueadores. Esses autores relataram sensibilidade e especificidade de 95% e 90%, respectivamente, para
estenose > 50%. Conseguiram imagens de todas
as artérias e encontraram somente 88% dos vasos
com alta qualidade, mas nenhum paciente foi excluído por causa da qualidade da imagem.
Leber e colaboradores41 agendaram 59 pacientes para cineangiocoronariografia, excluindo
aqueles com fibrilação atrial, contra-indicação para
contraste iodado, revascularização ou stents prévios. Quatro pacientes foram excluídos por imagem inadequada pela tomografia. Esses autores
incluíram pacientes com apenas um stent e aqueles com freqüência cardíaca > 60 bpm, tendo encontrado sensibilidade de apenas 88% para vasos
com estenose > 50%. Sua acurácia limitada decorreu da inclusão de pacientes com stents, nos
quais 6 de 13 vasos foram incorretamente identificados.
Além desses estudos, em metanálise ainda não
publicada, que utiliza os estudos supracitados33 e,
no caso específico, para tomografia computadorizada com múltiplos detectores de 64 detectores,
em todos os segmentos incluídos foram detectadas corretamente 63 de 64 lesões estenóticas (98%)
pela tomografia, enquanto estenoses foram descartadas corretamente em 21 de 23 segmentos
(91%). Em segmentos acessíveis pela tomografia
computadorizada com múltiplos detectores de 64
detectores, 442 de 471 lesões estenóticas (94%)
foram corretamente detectadas, enquanto estenoses foram corretamente descartadas em 3.626 de
3.771 segmentos (96%). Em uma avaliação por
paciente, 173 de 178 pacientes (97%) foram corretamente identificados pela tomografia computadorizada com múltiplos detectores de 64 detectores como portadores de doença arterial coronariana significativa, assim como doença arterial
coronariana grave foi descartada em 118 de 129
pacientes (92%).
Todos esses estudos demonstram a capacidade técnica da tomografia computadorizada com
múltiplos detectores de 64 detectores para identificar com alta acurácia pacientes com lesões coronárias > 50%. Apesar de o seguimento para efeitos adversos não ter sido rotineiro ou sistematicamente realizado, em 332 pacientes estudados não
houve relato de efeitos colaterais do exame, indicando sua segurança em uma população escolhida. Os altos valores preditivos negativos observados em todos os estudos sugerem ser a tomografia
computadorizada com múltiplos detectores de 64
detectores um teste não-invasivo para excluir doença arterial coronariana em pacientes sintomáticos de baixa a moderada probabilidade de doença
arterial coronariana significativa.
Há, porém, algumas limitações para o uso desse
método. O uso da tomografia computadorizada
com múltiplos detectores requer conhecimento
técnico para resultados ótimos. Assim como outros exames tomográficos que exigem o uso de
contraste iodado, o tempo certo para a injeção do
mesmo é crítico para visualização da área de interesse. O estudo é contra-indicado em pacientes
com alergia ao contraste iodado ou insuficiência
renal. Os pacientes precisam estar deitados de forma tranqüila e segurar a respiração durante a realização do exame. Uma limitação adicional para a
tecnologia é que o paciente deve ter freqüência
cardíaca regular. Pacientes com ritmos irregulares são excluídos do exame. Geralmente é administrado betabloqueador para os pacientes que
possuem freqüência cardíaca > 60 bpm. Essa prémedicação diminui a freqüência cardíaca e melhora a qualidade da imagem, já que diminui os
artefatos de movimento nas artérias coronárias39.
Pacientes obesos são mais propensos a apresentar
imagens de menor qualidade, pela maior atenuação do feixe de raio X no corpo, aumentando o
ruído da imagem. Nos pacientes que apresentaram índice de massa corporal > 30 kg/m²,40 a sensibilidade e a especificidade caíram para 90% e
86%, respectivamente.
Outra limitação do método é a intensa calcificação coronária que pode estar presente em pacientes com alta probabilidade de doença arterial
coronariana, dificultando ou até mesmo impedindo a análise luminal correta, superestimando o
valor das estenoses. Ocorre o chamado “blooming”, que é a aparência da placa calcificada ser
maior que seu verdadeiro tamanho. Ropers e colaboradores39 encontraram, dentro dos segmentos
não avaliáveis, 64% decorrentes de calcificação.
Além disso, a radiação pela tomografia computadorizada com múltiplos detectores deve ser
considerada, para que não ocorra exposição desnecessária em pacientes jovens (mulheres com
menos de 20 anos de idade) e principalmente em
indicações de “check-up” em pacientes assintomáticos e sem fatores de risco. A radiação pela
tomografia computadorizada com múltiplos detectores varia entre 12 mSv e 15 mSv; com o uso de
modulação de dose, os níveis de radiação baixam
para 5,4 mSv a 9,4 mSv, níveis inferiores aos da
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OR e cols.
Uso da tomografia
computadorizada com
múltiplos detectores
na síndrome
isquêmica aguda
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COELHO FILHO
OR e cols.
Uso da tomografia
computadorizada com
múltiplos detectores
na síndrome
isquêmica aguda
radiação da cintilografia miocárdica com tecnécio. Futuramente, com o desenvolvimento tecnológico e com os novos tomógrafos (256 detectores e “Dual Source CT”), a tendência, por causa
da preocupação em diminuir a dose de radiação, é
de os níveis chegarem entre 3 mSv e 5 mSv, dose
equivalente à do cateterismo diagnóstico.
APLICAÇÃO DA TOMOGRAFIA COM
MÚLTIPLOS DETECTORES NA
SÍNDROME CORONARIANA AGUDA
262
RSCESP
JUL/AGO/SET 2007
A literatura na avaliação da tomografia de múltiplos detectores nos pacientes com síndrome coronariana aguda vem crescendo rapidamente nos
anos de 2006 e 2007, com o objetivo de melhorar
a estratificação do paciente no pronto-socorro, tornando-a mais precoce e eficaz. Assim, são evitadas internações e exames adicionais desnecessários, acarretando menor custo para a sociedade.
Estudos da literatura avaliaram a utilidade da
tomografia na detecção de calcificação coronariana (escore de cálcio) em predizer a possibilidade
de síndrome coronariana aguda em pacientes com
dor torácica aguda44-46. Os resultados desses estudos demonstraram alto valor preditivo negativo na
ausência de calcificação coronariana. Entretanto,
o valor diagnóstico desses estudos é controverso.
Foi observado, em pacientes com morte súbita
oriunda de causa cardíaca, que somente 50% das
placas calcificadas são lesões culpadas47. Além disso, no estudo de Greenland e colaboradores48, 14%
dos eventos (infarto miocárdico e morte) foram
observados em pacientes sem calcificação coronariana. Assim, na ausência de calcificação coronariana não se pode descartar doença aterosclerótica obstrutiva, principalmente em jovens e na síndrome coronariana aguda, já que 50% dos pacientes
apresentam como primeiro sintoma o infarto agudo
do miocárdio ou a morte súbita. Dessa maneira, o
escore de cálcio apresenta limitações na avaliação
do paciente com dor torácica aguda.
A tomografia computadorizada de múltiplos detectores fornece imagens de alta resolução das artérias coronárias de forma não-invasiva. Estudos prévios demonstraram a alta acurácia da tomografia
computadorizada com múltiplos detectores coronária na identificação da presença e da gravidade da
aterosclerose coronária38-43. O alto valor preditivo
negativo para a exclusão de estenose coronariana significativa torna o método útil na estratificação dos
pacientes com dor torácica aguda.
Um dos primeiros estudos da literatura, realizado por Dorgelo e colaboradores49, incluiu 22 pacientes com síndrome coronariana aguda de alto
risco em programação de cinecoronariografia. Em
grande parte dos doentes, a cinecoronariografia foi
somente um exame diagnóstico; em vista disso,
Dorgelo realizou um estudo prospectivo para avaliar a capacidade da tomografia de 16 detectores
em prever o tratamento dos pacientes e determinar quantas cinecoronariografias invasivas poderiam ser evitadas. Todos os 22 pacientes completaram sem intercorrências o protocolo da tomografia, sendo evidenciadas 30 estenoses coronarianas significativas (> 50%). Excelente acurácia foi
observada: sensibilidade, 94%; especificidade,
96%; valor preditivo positivo, 77%; e valor preditivo negativo; 99%. Do total de pacientes avaliados, 86% pacientes tiveram seu tratamento final
correlacionado com a decisão prévia pela tomografia e 14% poderiam ter evitado a cinecoronariografia, pela ausência de doença coronária obstrutiva nessa população de alto risco.
O avanço tecnológico da tomografia de 64 detectores possibilitou e tornou mais factível a implantação e a criação de diversos estudos50-54 na
estratificação da dor torácica aguda, pela melhor
resolução tanto temporal como espacial, com melhora significativa da acurácia para detecção e exclusão de doença arterial coronariana significativa. A Tabela 1 resume o resultado desses trabalhos.
Gallagher e colaboradores51 compararam prospectivamente a acurácia da tomografia computadorizada com múltiplos detectores coronária de
64 detectores com a cintilografia miocárdica de
estresse na detecção de síndrome coronariana aguda e de eventos cardiovasculares (morte súbita,
infarto miocárdico e revascularização coronariana) em 30 dias. Foram incluídos 85 pacientes de
risco coronariano baixo ou intermediário (eletrocardiograma e enzimas normais) para a realização de ambos os métodos, os quais foram posteriormente avaliados pelo cardiologista para indicação de cinecoronariografia. No total, 7 pacientes
apresentaram estenose maior que 70% pela cinecoronariografia, 6 deles identificados corretamente
pela tomografia. Entre os pacientes com síndrome coronariana aguda, existia um paciente com
tomografia negativa e cintilografia positiva e 2
pacientes com cintilografia negativa e tomografia
positiva. A acurácia diagnóstica da tomografia de
múltiplos detectores foi pelo menos similar à da
cintilografia miocárdica com estresse, apresentando sensibilidade de 86% vs. 71%, especificidade
de 92% vs. 90%, valor preditivo positivo de 50%
vs. 38% e valor preditivo negativo de 99% vs. 97%,
respectivamente. Em relação ao prognóstico, nenhum paciente com tomografia normal apresentou evento cardiovascular adverso; em contrapartida, 2 pacientes com cintilografia normal foram
submetidos a angioplastia coronariana em 30 dias.
O departamento de radiologia, cardiologia e
emergência do Massachusetts General Hospital relatou sua experiência com o tomógrafo de 64 detectores na estratificação de 103 pacientes com dor
torácica aguda50. Para a inclusão no protocolo,
eram exigidas as seguintes condições: dor torácica aguda por mais de 5 minutos até 24 horas da
admissão, eletrocardiograma sem alterações ou
não diagnóstico, ritmo sinusal e enzimas cardíacas normais. Os médicos socorristas não tinham
acesso ao resultado da tomografia na condução dos
casos. O objetivo principal do estudo era avaliar
pela tomografia a presença de estenose coronariana significativa e a extensão das placas nos pacientes com e sem síndrome coronariana aguda.
Como objetivo adicional, foi avaliado o incremento
que a tomografia exerce sobre o risco clínico no
diagnóstico de síndrome coronariana aguda.
Todos os pacientes seguiam protocolos preestabelecidos de estratificação coronariana (teste ergométrico, cintilografia ou ecocardiograma com
estresse). Desses pacientes, 103 foram estratificados pelos métodos convencionais, 14 apresentaram síndrome coronariana aguda (5, infarto sem
supradesnível do segmento ST e 9, angina instável). Da população total, somente 8 pacientes foram submetidos a cinecoronariografia durante a
internação, dos quais 5 apresentavam estenose
coronariana significativa e 3 não tinham doença
coronariana obstrutiva, todos identificados corretamente pela tomografia.
A presença de placa aterosclerótica foi descartada em 40% dos pacientes e a presença de placas
em maior número de segmentos foi estatisticamente maior nos indivíduos com síndrome coronariana aguda (9,1 + 4,5 vs. 4,5 + 3,2, respectivamente;
p < 0,001). A presença de doença coronariana obstrutiva (> 50% de estenose) foi descartada em 71%
dos pacientes e nenhum desses pacientes apresentou síndrome coronariana aguda durante a internação (valor preditivo negativo, 100%). Em 17
pacientes, a presença de estenose coronariana significativa não pôde ser descartada pela presença
de stent (n = 7), calcificação excessiva (n = 8),
artefato (n = 1) e taquicardia (n = 1); desse total
de pacientes, 6 apresentaram síndrome coronariana aguda (valor preditivo positivo, 47%).
A tomografia foi realizada em aproximadamente 3,7 horas da admissão do paciente, não ocorrendo nenhum evento adverso à administração do
betabloqueador. O tempo de realização do exame
foi, em média, de 12 minutos. Em contrapartida, a
média de permanência no departamento de emergência e na unidade de internação foram, respectivamente, de 7,4 e 33,8 horas. Somente 4 pacientes foram liberados diretamente do pronto-socorro. Em análise retrospectiva, 40% dos pacientes
apresentaram internações desnecessárias na vigên-
cia de angiotomografia coronariana normal.
Goldstein e colaboradores52 randomizaram 197
pacientes com dor torácica aguda para estratificação em dois grupos: tomografia de 64 detectores
(n = 99) e cintilografia miocárdica (n = 98). Todos
os pacientes apresentavam dor torácica aguda com
risco TIMI baixo, eletrocardiograma e enzimas
sem alterações. Os pacientes com doença luminal
mínima pela tomografia eram imediatamente dispensados do pronto-socorro, os pacientes com estenose coronariana > 75% tiveram indicação de
cinecoronariografia e os pacientes com lesões intermediárias (25%-75%) eram encaminhados para
cintilografia miocárdica. A acurácia da tomografia e a acurácia da cintilografia foram similares,
sem diferença estatística. Em compensação, o tempo médio de realização do exame foi, em média,
de 3,4 horas para a tomografia e de 15,0 horas para
a cintilografia (p < 0,001), e o custo foi de US$
1.586,00 para a tomografia e de US$ 1.872,00 para
a cintilografia (p < 0,001), destacando-se o custoefetividade da tomografia de múltiplos detectores
e a rapidez da estratificação.
A tomografia de múltiplos detectores na triagem de pacientes previamente estratificados por
teste ergométrico ganhou destaque no trabalho de
Rubinstein e colaboradores53, em que pacientes
com risco TIMI < 5, eletrocardiograma e enzimas
sem alterações foram estratificados com teste ergométrico. Os pacientes com teste ergométrico
normal ou não diagnóstico eram liberados do pronto-socorro e nas semanas seguintes eram submetidos a angiotomografia coronariana (64 detectores). No total, 100 pacientes participaram do estudo, dos quais 29 (29%) apresentaram, na tomografia, estenose coronariana maior que 50%, 26
deles confirmados pela cinecoronariografia invasiva, demonstrando valor preditivo positivo de
90%. Dos pacientes sem doença obstrutiva significativa (71%), 53% apresentavam coronárias normais ou doença aterosclerótica mínima e 18%,
estenose intermediária (25%-50%). Após decisão
clínica, desses 71 pacientes, 15 foram submetidos
a cinecoronariografia invasiva, e apenas um paciente com lesão intermediária pela tomografia apresentava lesão significativa > 70% na cinecoronariografia invasiva, mostrando valor preditivo negativo de 93%. A angiotomografia coronariana diagnosticou 26% dos pacientes com doença coronariana obstrutiva significativa com teste ergométrico normal ou não diagnóstico, e descartou doença coronariana obstrutiva em 61% dos pacientes com teste ergométrico não diagnóstico, mais
uma vez demonstrando o incremento importante
no diagnóstico quando utilizada a tomografia computadorizada com múltiplos detectores em relação ao teste ergométrico.
COELHO FILHO
OR e cols.
Uso da tomografia
computadorizada com
múltiplos detectores
na síndrome
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COELHO FILHO
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Uso da tomografia
computadorizada com
múltiplos detectores
na síndrome
isquêmica aguda
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A tomografia de múltiplos detectores na estratificação de dor torácica aguda
vem ganhando espaço crescente no meio médico, com
a criação de protocolos de estratificação de dor torácica56
visando à estratificação de
pacientes de risco baixo e
principalmente intermediário, tornando, dessa maneira, o exame custo-efetivo
nesses grupos. Na estratificação desses pacientes pela tomografia com lesão obstrutiva intermediária, é imperativa a realização de exame
funcional adicional para ava- Figura 1. Imagem demonstrando ponte miocárdica em terço médio da
liar a repercussão clínica da artéria descendente anterior em paciente de 40 anos, do sexo feminino,
lesão. Nos pacientes com co- com dor torácica aguda, ECG não diagnóstico e enzimas cardíacas norronárias normais ou mínima mais, com teste ergométrico de 5 dias atrás sugestivo de isquemia. Imadoença aterosclerótica, deve- gem curva reformatada. Hospital Samaritano – São Paulo. (Escore de
se pensar em diagnósticos di- cálcio zero, coronárias sem redução luminal e sem doença parietal.)
ferenciais (tromboembolis- VE = ventrículo esquerdo; DA = descendente anterior.
mo pulmonar/dissecção de
aorta); assim que descartadas
essas etiologias da parte cardiológica, eles pode- (Fig. 3). Entretanto, utilizando esse protocolo
rão ser dispensados direto do pronto-socorro para modificado, os segmentos distais das artérias cocasa (Fig. 1). Os pacientes com doença coronaria- ronárias e das artérias pulmonares podem não sona obstrutiva significativa devem ser internados frer opacificação ideal e diminuir a acurácia dipara a realização de cinecoronariografia invasiva agnóstica do método. Assim, um protocolo fo(Fig. 2). Em comparação com os demais métodos cado para coronárias, artérias pulmonares ou
não-invasivos (teste ergométrico, cintilografia de aorta, dependendo do quadro clínico, dos fatorepouso e estresse) na estratificação de dor toráci- res de risco, do ECG e dos exames laboratoriais
ca no pronto-socorro, apesar de todos os métodos inicias, seria mais apropriado até que novos
apresentarem alto valor preditivo negativo, somen- avanços sejam alcançados na parte tecnológica
te a tomografia computadorizada com múltiplos dos tomógrafos.
detectores apresenta valor preditivo positivo acima
de 50%, tornando-a mais útil em populações com CONCLUSÃO
maior prevalência da doença e maior risco, diminuConcluindo, a tomografia de múltiplos detecindo o número de internações desnecessárias quando comparado aos outros métodos (valor preditivo tores para avaliar doença coronariana demonstrou
positivo: teste ergométrico, 22%; cintilografia de re- alta sensibilidade e alto valor preditivo negativo
pouso, 27%; cintilografia de estresse, 14%;55 tomo- na estratificação de dor torácica no pronto-socorgrafia computadorizada com múltiplos detectores, ro (Tab. 3), com estratificação em curto espaço de
tempo, diminuição de internações desnecessárias
média de 69,7%)49-54.
É importante ressaltar que, com os tomógra- e maior segurança na dispensa dos pacientes direfos de 64 detectores, é possível realizar tomogra- to do pronto-socorro, resultando na diminuição do
fia de tórax de alta resolução com “gating” cardí- custo total da estratificação. A tomografia de múlaco estendendo o protocolo desde o ápice pulmo- tiplos detectores foi apresentada nas últimas direnar até abaixo do diafragma. Esse protocolo, cha- trizes de angina instável e infarto sem supradesnimado de “triple rule out”, exige maior adminis- velamento do segmento ST da American Heart
tração de contraste e maior exposição à radiação. Association como indicação IIA para a estratifiEntretanto, será possível avaliar as principais afec- cação de pacientes de risco baixo e intermediáções que ameaçam a vida do paciente com dor to- rio57. Além disso, a tomografia pode auxiliar em
rácica aguda, como síndrome coronária aguda, diagnósticos diferenciais, como afecções pulmotromboembolismo pulmonar e dissecção de aorta nares, de aorta, esofágicas ou mediastinais, para a
COELHO FILHO
OR e cols.
Uso da tomografia
computadorizada com
múltiplos detectores
na síndrome
isquêmica aguda
A
Figura 2. Correlação entre tomografia computadorizada com múltiplos detectores
(A) e cinecoronariografia (B) em lesão suboclusiva não-calcificada na artéria primeira marginal de paciente com 52 anos de idade, do sexo masculino, com dor torácica
aguda, ECG não diagnóstico e enzimas cardíacas normais, sem fatores de risco. Hospital Samaritano – São Paulo. (Escore de cálcio zero.)
TCE = tronco da coronária esquerda; ACX = artéria circunflexa; Mg1 = artéria primeira marginal da circunflexa.
B
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COELHO FILHO
OR e cols.
Uso da tomografia
computadorizada com
múltiplos detectores
na síndrome
isquêmica aguda
Figura 3. Tomografia computadorizada com múltiplos
detectores realizada para
“triple rule out” (coronárias,
tromboembolismo pulmonar
e aorta), evidenciando dissecção de aorta ascendente
tipo A de Stanford em paciente com 63 anos de idade,
do sexo feminino, com dispnéia e dor torácica aguda,
ECG não diagnóstico e enzimas cardíacas normais,
com antecedente de hipertensão arterial de longa mal
controlada.
VE = ventrículo esquerdo.
Tabela 3 – Valor da tomografia computadorizada com múltiplos detectores na avaliação de
pacientes com dor torácica aguda no pronto-socorro
Estudos
Rubinstein
(Circulation. 2006)
Hoffmann
(Circulation. 2006)
Goldstein
(JACC. 2007)
Rubinstein
(AJC. 2007)
Gallagher
(Ann Emerg Med. 2006)
White
(SCCT. 2007)
TIMI
Risk
n
%
estenose
Sen
Esp
VPP VPN
Médio
58
> 50%
100
92
87
100
Baixo
Médio
Alto
Baixo
103
> 50%
100
85
47
100
99
> 70%
98
95
67,7
100
Baixo
TE – NEG
Baixo
100
> 50%
100
96
90
93
85
86
92
50
99
Baixo
100
> 50%
Ca > 400
> 70%
100
98
33
100
VPP = valor preditivo positivo; VPN = valor preditivo negativo; S = sim; N = não; NR = não relatado; Sens = sensibilidade; Espec = especificidade; n = número de pacientes.
elucidação diagnóstica e o direcionamento terapêutico dos pacientes no pronto-socorro. Estudos
multicêntricos randomizados que já se iniciaram
nos Estados Unidos e na Europa são aguardados
ansiosamente para a confirmação dos resultados
266
RSCESP
JUL/AGO/SET 2007
promissores dos estudos iniciais e para a incorporação da tomografia computadorizada com múltiplos detectores de 64 detectores em algoritmos
clínicos no pronto-socorro e nas unidades de dor
torácica aguda.
USEFULNESS OF MULTIDETECTOR COMPUTED
TOMOGRAPHY IN ACUTE CORONARY SYNDROMES
OTÁVIO RIZZI COELHO FILHO
ROBERTO CALDEIRA CURY
ANA CRISTINA MAGALHÃES ANDRADE
RICARDO CALDEIRA CURY
COELHO FILHO
OR e cols.
Uso da tomografia
computadorizada com
múltiplos detectores
na síndrome
isquêmica aguda
The diagnosis of acute coronary syndrome, especially unstable angina and non-ST-elevation
myocardial infarction in the emergency department still remains a challenge. Distinguishing
insignificant from life-threatening causes of acute chest pain in patients who present to the
emergency department remains a major challenge. Initial evaluation with history,
electrocardiography, and biochemical markers is often unrevealing leading to additional
workup. The development of multidetector computed tomography and its increasingly
frequent placement and availability near the emergency department has facilitated its use for
the evaluation of suspected acute coronary syndrome, especially when the
electrocardiography, and biochemical markers are normal. The multidetector computed
tomography could also be useful to exclude relevant causes of noncardiac chest pain, such
as pulmonary embolism and aortic dissection. Multidetector computed tomography allows
assessment of not only coronary artery stenoses and occlusions, but also assessment of
coronary artery plaques and could provide information about prognoses, which will enable
emergency physicians to rapidly evaluate patients for life-threatening illnesses and may
allow safer and earlier discharges of many patients with chest pain in comparison with a
traditional rule-out protocol.
Key words: acute chest pain, acute coronary syndrome, risk stratification, coronary
angiography.
(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2007;3:257-70)
RSCESP (72594)-1666
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ANTIPLAQUETÁRIOS NA SÍNDROME
CORONÁRIA AGUDA
TAVARES JR e col.
Antiplaquetários
na síndrome
coronária aguda
JOSÉ ROBERTO TAVARES
ANTONIO CARLOS CARVALHO
Universidade Federal de São Paulo
Endereço para correspondência:
Av. Jandira, 731 – ap. 23 – Moema – CEP 04080-004 – São Paulo – SP
As plaquetas executam três funções altamente especializadas: adesão primária e secundária,
e secreção de substâncias mediadoras estocadas e que, quando ativadas, formam longos
pseudópodos nas plaquetas, facilitando sua aderência. A serotonina e a adrenalina estão
entre as substâncias que são armazenadas na plaqueta e liberadas durante a ativação.
Ocorrendo algum distúrbio na função plaquetária, em especial se coincidente com
significativa redução de seu número, rompe-se o processo hemostático microscópico ou
macroscópico.
Os antiplaquetários, agentes diversos que têm em comum a propriedade de inibir a formação
de trombo sem interferir de forma significativa nos demais segmentos da cascata de
coagulação, são classificados de acordo com seu sítio de ação.
O uso da terapia antiplaquetária está baseado no conceito fisiopatológico atual das
síndromes coronárias. Antiagregantes plaquetários atuam sobre aspectos parciais do
processo de formação do trombo e nos últimos anos surgiu um novo grupo que atua inibindo
de forma específica o processo de agregação plaquetária, independentemente do estímulo
que o provoque. Esse mecanismo de ação se associa a um potente efeito antiagregante.
Esses medicamentos trouxeram grande avanço principalmente para as intervenções
vasculares coronárias, como tratamento coadjuvante ao ácido acetilsalicílico e à heparina.
Novos compostos estão em teste tentando melhorar ainda mais os resultados já obtidos.
Palavras-chave: plaquetas, antiadesividade plaquetária, síndrome coronária aguda,
intervenção coronária percutânea.
(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2007;3:271-88)
RSCESP (72594)-1667
FUNÇÕES DAS PLAQUETAS
As plaquetas executam três funções altamente
especializadas:
1) aderem às estruturas que ficam expostas quando a parede do vaso sanguíneo é ferida ou lesada, chamada de adesão primária;
2) agregam-se a outras plaquetas previamente depositadas para formar grandes tampões hemostáticos, chamada de adesão secundária;
3) secretam substâncias mediadoras estocadas, as
quais agem sobre outras plaquetas e também
sobre o endotélio e o sistema de coagulação.
Em fluxo rápido as plaquetas não ativadas normais assumem sua forma aerodinâmica característica, estando em geral orientadas no fluxo e
ocasionalmente giram em torno do seu próprio eixo
(Fig. 1). Encontram outras células do sangue ou
plaquetas apenas muito raramente e no momento
da colisão há breve contato, mas nenhuma intera-
271
RSCESP
JUL/AGO/SET 2007
TAVARES JR e col.
Antiplaquetários
na síndrome
coronária aguda
272
RSCESP
JUL/AGO/SET 2007
ção duradoura. O grande número de glóbulos vermelhos no sangue normal evita colisões freqüentes das plaquetas.
Há uma mudança dramática quando as
plaquetas se tornam ativadas, processo há
muito denominado “metamorfose viscosa”
(pegajosa), e a expressão visível da ativação
é a formação de longos pseudópodos. As plaquetas anteriormente não adesivas, quando
em repouso, transformam-se em estruturas
como que fundidas, as quais aderem a qualquer superfície que se apresente e também a
outras plaquetas, células tumorais, bactérias
e corpos estranhos de todos os tipos.
O termo metamorfose viscosa usado pelos descobridores dessa alteração da forma
não é mais compatível com a prática moderna; entretanto, viscosa (originada de palavra
grega que significa “cola”) denota substân- Figura 1. Plaquetas não ativadas.
cias que são tanto pegajosas como de consistência espessa. A metamorfose viscosa, que
decorre da ativação dos aparelhos contrátil e se- agregação plaquetária; por outro lado, a agregacretório da plaqueta, é desencadeada por vários ção é impossível no sangue estático, devendo haver velocidade crítica mínima no sangue para que
estímulos ativos na membrana.
Mudanças não específicas, como frio e alcalo- agregados suficientemente grandes se formem rase, além de estímulos específicos, que incluem pidamente. Entretanto, as plaquetas, uma vez atitrombina, difosfato de adenosina, adrenalina e no- vadas, entram mutuamente em contato, e se aderadrenalina, assim como outras aminas biogêni- rem firmemente por seus pseudópodos longos e
cas, e serotonina, são mediadores capazes de trans- adesivos (Fig. 2). Similarmente, a adesão à paremitir informação de uma plaqueta já estimulada de vascular só é possível se já tiver ocorrido um
para outras plaquetas ainda inativadas. Por meio movimento passivo em direção à mesma, novadesse mecanismo, elas contribuem para a ativa- mente em resposta às forças de fluxo. Assim, as
ção geral de todas as plaquetas em um determina- plaquetas reparam defeitos endoteliais pequenos
do segmento vascular. A serotonina e a adrenali- e freqüentes na circulação, processo conhecido
na, por sua vez, estão entre as substâncias que são como “função pseudo-endotelial” das plaquetas.
Na presença de grande ferimento vascular, as
armazenadas na plaqueta e liberadas durante a ativação. É provável que a tendência das plaquetas exigências à função hemostática das plaquetas são
para se agregar esteja ligada também a seu con- muito maiores, isto é, quando a integridade do tecido é rompida, ocorrendo assim fluxo extremateúdo de adenosina monofosfato (AMP) cíclico.
As plaquetas devem colidir passivamente com mente rápido, as plaquetas têm que passar, por
outras plaquetas ou com a parede vascular após a adesão primária, aos elementos da parede do vaso
ativação. A difusão, por si só, é totalmente inade- ferido e, por agregação secundária, às plaquetas
quada para provocar a agregação, e o movimento já ali depositadas, exercendo essas funções mespassivo das plaquetas no fluxo é um pré-requisito mo em velocidades de fluxo extremamente altas.
É a ativação plaquetária, também, que sempre
absoluto para a acentuada agregação observada na
inicia o sistema de coagulação do sangue. Esta
resposta hemostática.
As plaquetas passam nas correntes umas pelas ocorre em seguida à liberação de um polipeptídio
outras em diferentes velocidades durante o fluxo básico neutralizador da heparina (fator 4 da plapelo vaso sanguíneo, porque estão “viajando” em queta) e à exposição de fosfolipídios tromboblásdiferentes camadas de líquido, e só se agregam ticos da plaqueta (fator 3 da plaqueta), os quais
quando são ativadas, tornando as colisões inevitá- são essenciais para a ativação seqüencial das próveis. A colisão é absolutamente essencial para a enzimas da coagulação. Desse modo, alguns se-
na suspensão de plaquetas1.
ANTIPLAQUETÁRIOS
Figura 2. Plaquetas ativadas.
gundos após a ativação da plaqueta forma-se o primeiro fio da rede de fibrina próximo a uma plaqueta, sendo esse fenômeno essencial para o funcionamento apropriado do mecanismo hemostático (Fig. 3).
Finalmente, as plaquetas incorporadas na rede
de fibrina se retraem, puxando e aproximando,
desse modo, a fibrina de forma mais apertada, reforçando o tamponamento plaquetário.
Antes da ativação, o grande número de pequenas plaquetas não diminui a fluidez normal do sangue; após a metamorfose viscosa e a formação de
pequenos agregados circulantes, as plaquetas são
capazes de interromper completamente o fluxo
sanguíneo na microcirculação por um processo de
microembolia, mesmo em condições de fluxo rápido.
A ocorrência de algum distúrbio na função plaquetária, em especial se coincidente com significativa redução de seu número, resulta no rompimento do processo hemostático microscópico ou
macroscópico. Reciprocamente, a intensificação
da função plaquetária parece ser responsável, em
parte, por doenças vasculares degenerativas e trombose arterial. A formação aumentada ou espontânea de pseudópodos é freqüentemente uma expressão de ativação plaquetária intensificada. Nessas
circunstâncias, a agregação pode ser induzida “in
vitro”, sem a adição de substâncias agregadoras
das plaquetas. Essa agregação espontânea ocorre
assim que forças de fluxo adequado são aplicadas
Os antiplaquetários são agentes diversos,
que têm em comum a propriedade de inibir a
formação do trombo sem interferir de forma
significativa nos demais segmentos da cascata de coagulação.
De forma geral, promovem a inibição das
funções plaquetárias, tais como a adesividade
e a agregação plaquetária, inibem a liberação
ou secreção das plaquetas, reduzem os agregados plaquetários circulantes, e inibem a formação do trombo, induzido predominantemente por plaquetas.
Os antiplaquetários podem ser classificados de acordo com seu sítio de ação:
1) Via do ácido araquidônico:
– por alteração dos fosfolipídios da membrana plaquetária – ácidos graxos ômega 3;
– inibição da fosfolipase A2 – quinacrina;
– inibição da cicloxigenase – aspirina e trifusal;
– inibição da tromboxano sintetase – dazoxibem;
– antagonistas dos receptores de tromboxano
A2 e prostaglandina H2 – ridogrel e sulotroban.
2) Aumento do AMPc plaquetário:
– estimulação da adenilato ciclase – PGI2,
PGD2, PGE1, iloprost e dipiridamol;
– inibição da fosfodiesterase – dipiridamol e
trifusal;
– inibição do ADP e da ligação do fibrinogênio com receptores das glicoproteínas IIb/IIIa
– ticlopidina e clopidogrel.
3) Antagonistas dos receptores das glicoproteínas
IIb/IIIa:
– por inibição não competitiva irreversível –
abciximab;
– por inibição competitiva reversível – eptifibatide, lamifiban e tirofiban.
4) Inibidores de agonistas específicos:
– inibição da trombina – heparina, hirudina,
argatroban.
5) Antagonistas da serotonina:
– ketanserina.
6) Antagonistas da adrenalina:
– bloqueadores dos receptores alfa2 adrenérgicos.
7) Inibição do fator de ativação plaquetária – ginko
biloba.
TAVARES JR e col.
Antiplaquetários
na síndrome
coronária aguda
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TAVARES JR e col.
Antiplaquetários
na síndrome
coronária aguda
Para uma hemostasia normal, é necessária a ativação das plaquetas no sítio de
injúria vascular seguida por controlada formação de agregação, porém causa trombose em artérias patologicamente alteradas,
levando a infarto do miocárdio ou acidente vascular cerebral2. Atualmente existe um
arsenal terapêutico, que será descrito neste artigo isoladamente, salientando os agentes de maior importância clínica em benefício da prática médica diária.
ANTIPLAQUETÁRIOS NA DOENÇA
ARTERIAL CORONÁRIA
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O uso da terapia antiplaquetária está
baseado em um novo conceito fisiopatológico das síndromes coronárias agudas. A Figura 3. Rede de fibrina.
ruptura da placa arteriosclerótica está associada com a agregação plaquetária no
lugar de exposição do colágeno, o qual leva à for- ações na prevalência e na intensidade de fumar,
mação de trombo intracoronário. Distintas subs- cifras de tensão arterial sistólica e de colesterol
tâncias com propriedades antiplaquetárias e far- total.
macodinâmicas muito diferentes têm sido usadas
no tratamento a curto e longo prazos nas síndro- ANTIPLAQUETÁRIOS QUE AGEM POR
mes coronárias agudas, sendo a aspirina a mais INIBIÇÃO DA CICLOXIGENASE
utilizada nos últimos quinze anos. Uma meta-análise de 145 estudos randomizados publicados até Inibidor irreversível da cicloxigenase
19903, com antiagregantes em administração proO ácido acetilsalicílico, isolado em 1828 por
longada (> 1 mês), a maioria com aspirina em Leroux, teve seus efeitos na função plaquetária desdoses médias comparativamente a placebo, incluiu cobertos no fim da década de 1960. Sem dúvida,
um total de 70 mil pacientes com alto risco de entre os antiagregantes plaquetários é o mais emdoença vascular oclusiva e outros 30 mil pacien- pregado na prática clínica e, conseqüentemente, o
tes com baixo risco. A administração de aspirina mais conhecido de sua classe.
resultou em redução da mortalidade vascular, do Mecanismo da ação
infarto agudo de miocárdio e do acidente vascular
A aspirina, prostaglandina acetilada H-sintacerebral não-fatal no grupo de alto risco de 18%, se, tem como principal mecanismo de ação a ini35% e 31%, respectivamente. A repercussão des- bição irreversível da atividade da cicloxigenase-1
ses estudos na prática diária dos últimos anos é (COX-1) presente nas plaquetas, rim e estômago,
evidente, pelo substancial aumento da utilização e COX-2, presente na traquéia e nos rins. Nas cédesse fármaco nas síndromes coronárias agudas. lulas endoteliais, nos testículos e nos ovários, que
Isso pode ser observado no estudo “Minnesota He- propiciam a transformação do ácido araquidônico
art Survey”4, em que houve troca mais relevante em prostaglandina (PGH2), precursor imediato de
no tratamento de pacientes com infarto agudo do PGD2, PGE2, PGF2, PGI2 e TXA2, ocorre bloqueio
miocárdio e angina instável para o uso da aspiri- da produção de TXA25. Essa inibição decorre da
na: 27% dos casos em 1985-87 e 81% em 1990- acetilação da molécula da serina (posição 529 na
92. Ademais, na estimativa da modificação dos fa- COX-1 e 516 na COX-2).
tores de risco, a mudança mais importante é o uso
As plaquetas são responsáveis pela produção
de aspirina como prevenção de doença cardiovas- de PGH2, que, por sua vez, são responsáveis pela
cular na população masculina com idade entre 25 liberação do TXA2, um potente agregante plaquee 74 anos, sendo de 11,4% no período de 1985-87 tário e vasoconstritor. A liberação de prostaciclie de 17,4% em 1990-92, muito maior que as vari- nas (PGI2) das células endoteliais vasculares con-
TAVARES JR e col.
Antiplaquetários
na síndrome
coronária aguda
Figura 4. Alvos para a terapia antiplaquetária.
trabalança a ação vasoconstritora do TXA2, produzindo vasodilatação e inibindo a agregação plaquetária. Por ser um derivado da COX-1 (plaqueta), o TXA2 é altamente sensível à ação do ácido
acetilsalicílico; no entanto, a prostaciclina advém
tanto da COX-1 como da COX-2. A COX-1 apresenta resposta de curta duração à estimulação de
agonistas como a bradicinina, e a COX-2 tem resposta de longa duração ao estresse laminar da bainha, que é insensível às doses convencionais do
ácido acetilsalicílico. A indução do efeito prótrombótico em alta doses, “in vivo”, não foi demonstrada em doses acima de 1.300 mg/dia. Clinicamente importante inibição plaquetária foi bem
demonstrada com doses abaixo de 39 mg/dia, com
mínimos efeitos colaterais6.
Sua ação permanece por aproximadamente 10
dias, que é o tempo de meia-vida das plaquetas,
podendo por esse simples fato ser ingerido uma
vez por dia, não afetando a adesão plaquetária ao
endotélio e à placa aterosclerótica por inibir parcialmente a agregação induzida pela trombina, pelo
colágeno ou pelo ácido araquidônico, bloqueando
a produção plaquetária de diacilglicerol, ações menos duradouras que a inibição da cicloxigenase.
Assim permanece o papel trombogênico das
plaquetas pela ativação de outras vias, o que explica a manutenção de hemostasia e a falha na pro-
filaxia antitrombótica em alguns casos. Em doses
maiores, poderá ter efeitos não-prostaglandínicos,
com efeito antivitamina K e inibição da geração
de trombina.
O ácido acetilsalicílico bloqueia a síntese de
PG2 nas células endoteliais, promovendo a quebra
de seu efeito inibidor de agregação e de adesão
plaquetárias e do efeito vasodilatador. Parece que
o efeito vascular tem menor duração que o plaquetário, sendo de importância reduzida. Isso decorre da capacidade dessas células, por serem nucleadas, de re-sintetizarem a enzima, além da diminuição de sensibilidade da COX-2 ao ácido acetilsalicílico, necessitando doses maiores e mais freqüentes para o bloqueio efetivo.
Farmacocinética
Seu início de ação ocorre entre 20 e 30 minutos, com pico de ação em uma a duas horas na
preparação habitual, e em três a quatro horas com
a de revestimento entérico, sendo completamente
absorvido no estômago e na porção superior do
intestino delgado. Sua meia-vida plasmática é de
15 a 20 minutos e seu efeito persiste pelo tempo
de vida das plaquetas, de cerca de 10 dias, em decorrência da inativação irreversível da COX-1.
Como aproximadamente 10% das plaquetas são
renovadas diariamente, no final de dez dias todas
funcionarão normalmente. É encontrado, após sua
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Antiplaquetários
na síndrome
coronária aguda
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absorção, em sangue, bile, saliva, líquido sinovial
e cefalorraquiano, e seus metabólitos são excretados pelos rins. A posologia varia de 50 mg/dia a
1.500 mg/dia, não havendo benefícios com altas
doses em relação à redução de risco de infarto
agudo do miocárdio e morte cardiovascular, porém com maiores efeitos colaterais, em especial
os gastrintestinais.
Baixas doses, como 75 mg, são efetivas para a
redução do risco de infarto agudo do miocárdio
ou morte em paciente com síndromes coronárias
agudas sem supradesnível de segmento ST e angina crônica, conforme demonstrado em estudos randomizados. São também efetivas ao diminuir a
mortalidade e a ocorrência de acidente vascular
cerebral em pacientes com ictus cerebral transitório, e de acidente vascular cerebral, após endarterectomia de carótida. Assim, não parece haver
dependência de doses crescentes para maior eficácia antitrombótica.
As doses entre 75 mg e 325 mg são as mais
empregadas, e a manutenção com baixas doses
deve ser precedida de uma dose inicial de 160 mg
a 325 mg, para que obtenhamos os efeitos antiplaquetários desejados.
Pode ocorrer perda de resposta ao tratamento
com ácido acetilsalicílico ao longo do tempo, chamada de resistência ao ácido acetilsalicílico, que
parece ocorrer tanto na doença cerebrovascular
como na doença isquêmica cardíaca e periférica,
mecanismo de relevância que deve ainda ser estabelecido7.
Aplicações clínicas
São indicações para o uso do ácido acetilsalicílico:
– Síndrome coronária aguda sem supradesnível de
segmento de ST: morte e infarto agudo do miocárdio foram reduzidos de forma similar em
quatro grandes estudos com as doses de 75 mg/
dia, 325 mg/dia, 650 mg/dia e 1.300 mg/dia.
– Angina estável: redução de morte súbita e infarto agudo do miocárdio com dose de 75 mg.
– Revascularização miocárdica cirúrgica: redução
da oclusão precoce com doses diárias de 100
mg, 500 mg e 1.500 mg.
– Profilaxia de trombos em pacientes com próteses valvares cardíacas recebendo warfarin concomitante nas doses de 100 mg, 500 mg e 1.500
mg.
– Infarto agudo do miocárdio: redução da mortalidade precoce (35 dias), do reinfarto não-fatal e do acidente vascular cerebral na dose de
162,5 mg/dia.
– Isquemia cerebral transitória: em doses que variam de 50 mg/dia a 1.200 mg/dia.
– Acidente vascular cerebral isquêmico: para diminuição da mortalidade e de sua recorrência
nas doses de 160 mg/dia a 300 mg/dia.
Seu papel foi bem estabelecido na doença cardiovascular por meio de estudos controlados e pode
ser empregado na prevenção tanto primária como
secundária de infarto agudo do miocárdio e acidente vascular cerebral isquêmico agudos, como
também na revascularização percutânea ou cirúrgica.
Com respeito aos eventos cardíacos, no estudo “Antiplatelets Trialists Collaboration” (ATC)3,
uma meta-análise de 145 estudos randomizados,
verificou-se que 160 mg foi a dose efetiva para
tratar infarto agudo do miocárdio e que 75 mg foi
a dose efetiva para prevenções primária e secundária, sem diferença quanto à eficácia entre doses
baixas (< 160 mg/dia), médias (150-325 mg/dia)
e alta (> 325 mg/dia).
O “Second International Study of Infarct Survival” (estudo ISIS-2)8 demonstrou redução significativa de mortalidade cardiovascular (23%),
reinfarto não-fatal (43%) e acidente vascular cerebral não-fatal (46%), com redução da probabilidade de ocorrência de eventos de 30%. Não houve incremento na incidência de acidente vascular
cerebral hemorrágico ou sangramento gastrointestinal.
As doses recomendadas diariamente para a prevenção de infarto agudo do miocárdio, acidente
vascular cerebral ou morte cardiovascular em pacientes com diversas manifestações da doença isquêmica cardíaca é de 75 mg a 160 mg, indefinidamente. Já na doença cerebrovascular, essas doses variam de 30 mg/dia a 1.300 mg/dia, havendo
uma sugestão de que deveriam ser empregadas
doses maiores de 650 mg/dia a 1.300 mg/dia, que
ainda não receberam comprovação em estudos
randomizados de tamanho adequado que comparem baixas com altas doses do ácido acetilsalicílico.
Na prevenção primária, esse benefício é tanto
maior quanto maior o risco de desenvolver eventos cardiovasculares/ano, e a dose diária não deverá ser maior que 75 mg/dia. Essa afirmação é
bem fundamentada nos diversos estudos com diferentes riscos que foram realizados, incluindo
22.071 médicos americanos e 5.139 médicos ingleses do sexo masculino (“US Physicians Heal-
thy Study”9 – administração de 325 mg em dias
alternados e no “British Doctors Trial”10 – administração de 500 mg/dia), com risco menor que
1% de eventos/ano, em que foi obtida redução significativa da incidência de infarto agudo do miocárdio, mas não da mortalidade cardiovascular ou
da incidência de acidente vascular cerebral. Parece que o controle adequado dos fatores de risco é
capaz, por si só, de suplantar a relação de risco/
benefício do uso alargado do ácido acetilsalicílico na prevenção primária da mortalidade cardiovascular, até que haja manifestação sintomática da
doença.
Efeitos adversos
O risco e o benefício da prevenção de oclusão
vascular e o sangramento causado pelo uso de ácido acetilsalicílico estão diretamente relacionados
com o risco individual de trombose/hemorragia do
paciente. As alterações causadas pelo ácido acetilsalicílico na hemostasia primária não podem ser
separadas dos efeitos antitrombóticos da mesma,
e não têm relação direta com a dose para os diversos tipos de sangramento, exceto os gastrintestinais.
Os efeitos deletérios gastrintestinais relacionam-se tanto com a inibição da COX-1 plaquetária como com a da mucosa gastrintestinal, e o risco relativo de sangramento cresce na medida em
que as doses aumentam (risco relativo [RR] = 2,3
para 75 mg; RR = 3,2 para 150 mg; RR = 3,9 para
300 mg), efeito comparável ao da utilização de
outros antiplaquetários e anticoagulantes. Formulações entéricas e tamponadas de ácido acetilsalicílico não diminuem o risco de sangramento gastrintestinal, o que pôde ser comprovado por um
estudo multicêntrico controlado, em que o risco
relativo foi semelhante nas diversas preparações
(RR = 22,6 para padrão, RR = 2,7 para revestida e
RR = 3,1 para tamponada). Quando já se estabeleceu a lesão ulcerosa do trato gastrintestinal, o
omeprazol mostrou-se mais eficaz que a ranitidina no tratamento e na prevenção dessas lesões11.
Não se comprovou redução de benefício dos
antiplaquetários, incluindo o ácido acetilsalicílico, causado pela ação do enalapril na disfunção
ventricular esquerda em meta-análise dos estudos
do uso dessa droga no infarto agudo do miocárdio.
Inibidores reversíveis da cicloxigenase
Sulfinpirazona
Promove inibição competitiva e reversível da
COX-1 com diminuição do TXA, e mínimo efeito
sobre a prostaciclina. A dose diária de 800 mg deve
ser dividida em quatro tomadas. Os grandes estudos realizados, utilizando essa droga no infarto
agudo do miocárdio e na angina instável, não foram positivos, provavelmente pelo fraco efeito inibitório da COX-1. Na realidade, tem indicação na
artrite gotosa, podendo aumentar a sensibilidade
ao anticoagulante warfarin, por deslocá-lo de sua
ligação com as proteínas plasmáticas.
Indobufen
Tem a capacidade de inibir 95% da atividade
da COX-1 com a dose diária de 400 mg divididos
em duas tomadas. Dois estudos realizados em pacientes submetidos a revascularização cirúrgica demonstraram ser essa droga tão eficaz quanto o ácido acetilsalicílico na prevenção da oclusão dos
enxertos. Em um pequeno estudo em portadores
de angina instável, apresentou maior capacidade
de inibir o TXA2 que baixas doses de ácido acetilsalicílico, provavelmente por causa da inibição da
COX-2 dos monócitos. Seu uso clínico não está
recomendado até o momento.
Flurbiprofen
Foi avaliado em um pequeno grupo de portadores de infarto agudo do miocárdio com baixas
taxas de reinfarto em seis meses. Assim como o
indobufen, não está recomendado para uso clínico.
Triflusal
É um derivado do ácido acetilsalicílico, de
meia-vida curta (cerca de 30 minutos), e é rapidamente transformado em 2-hidroxi-4-trifluorometilbenzóico, que tem meia-vida de dois dias Sua
atividade como antiagregante plaquetário consiste na inibição reversível da cicloxigenase, reduzindo as concentrações plasmáticas de tromboxano A2 e da atividade da AMP-cíclico fosfodiesterase. Parece ter pequeno efeito na produção de
prostaciclina12-14. Estudo publicado recentemente
demonstrou certa vantagem do triflusal relativamente ao ácido acetilsalicílico para prevenção de
acidente vascular cerebral em pacientes com antecedentes de infarto do miocárdio (nove eventos
cerebrovasculares a menos por mil pacientes tratados), embora não tenham sido observadas diferenças significativas no que se refere à redução de
eventos cardiovasculares. Neste estudo é proposto o uso de triflusal como alternativa ao ácido acetilsalicílico em pacientes na fase aguda pós-infarto do miocárdio, particularmente naqueles com
maior risco de hemorragia cerebral e/ou intole-
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rância ou ineficácia ao ácido acetilsalicílico15,16.
Dipiridamol
Trata-se de um derivado pirimido-pirimidínico com propriedades vasodilatadoras e antiagregantes, que eleva o AMPc plaquetário (um inibidor plaquetário) tanto inibindo o nucleotídeo fosfodiesterase cíclico como bloqueando a captação
de adenosina pelo endotélio vascular e hemácias.
Finalmente, tem estimulação direta da síntese de
prostaciclina17-20. Seu efeito na adesão plaquetária
é muito mais acentuado que na agregação. Sua
utilização tem sido limitada nos últimos anos, fundamentalmente porque sua eficácia antiagregante
parece incerta quando se utiliza como monoterapia, sendo ainda necessária a administração de
doses repetidas por ser seu efeito antiagregante
reversível. O dipiridamol apresenta baixa disponibilidade oral, sua eliminação é principalmente
hepática (pela via biliar) e tem meia-vida de 10
horas, sendo administrado duas vezes ao dia.12,17
Os principais efeitos colaterais são cefaléia, náuseas, epigastralgia e diarréia, porém não há associação com doença ulcerosa péptica ou aumento
de sangramento.
No “European Stroke Prevention Study Group
II” (ESPS-2)21, foram estudados 6.062 pacientes
portadores de ictus cerebral transitório ou acidente vascular cerebral prévio, submetidos ao uso de
placebo ou 25 mg de ácido acetilsalicílico ou dipiridamol 200 mg, ou ainda ácido acetilsalicílico
e dipiridamol, todos ingeridos duas vezes por dia.
A redução do risco relativo para acidente vascular
cerebral ou morte foi de 13%, 15% e 24%, respectivamente, sem aumentar aparentemente o risco de hemorragia. Essa associação pode ser considerada como uma possível alternativa na prevenção secundária. Embora críticas possam ser feitas
ao estudo, o “Food and Drug Administration
(FDA) aprovou recentemente seu uso em tais situações.
Tienopiridínicos
A ticlopidina e o clopidogrel são inibidores seletivos da adenosina difosfato (ADP), um indutor
de agregação plaquetária sem efeito direto no
metabolismo do ácido araquidônico. Seus efeitos
na inibição da agregação plaquetária induzida pelo
colágeno e trombina têm papel secundário em seu
mecanismo de ação. Sua ação está intimamente
relacionada à transformação propiciada pelo fígado em um metabólito ativo, que possivelmente
induz alterações irreversíveis em um receptor es-
pecífico, além de inibir a estimulação da atividade da adenilato ciclase. Possivelmente essas drogas promovem uma modificação permanente da
agregação plaquetária induzida pelo ADP em doses diárias cumulativas, que é justificada pela recuperação gradual da função plaquetária.
Ticlopidina
É um derivado tienopiridínico, cujo mecanismo de ação consiste na inibição específica e irreversível da agregação plaquetária induzida pelo
ADP, bloqueando sua fixação a seus receptores
correspondentes. Tem efeito antiagregante aditivo com o ácido acetilsalicílico e prolonga o tempo de hemorragia 1,5 a 2 vezes em três a sete dias
de tratamento22.
Sua administração oral confere boa absorção,
ainda que para exercer sua ação antiagregante deva
ser previamente metabolizado no fígado (citocromo P450), onde se transforma rapidamente, aparecendo seus metabólitos no plasma em duas a três
horas após sua administração.12,23-25 Seu efeito dura
de dois a três dias, porém são necessários de cinco a oito dias para conseguir efeito antiagregante
máximo (50% a 70% de inibição)18,20, não sendo
portanto útil quando se necessita de uma ação mais
rápida. Sua ação antiagregante depende da concentração alcançada, persistindo por quatro a dez
dias3,10,24, 25. Apresenta vida média de eliminação
de aproximadamente 12 horas e cerca de 50% a
60% são excretados de forma inalterada pela urina e o restante pelas fezes12,17,26.
Tem efeito cumulativo, aumentando aproximadamente três vezes o nível sérico de uma dose isolada de 250 mg, após seu uso contínuo por duas a
três semanas. O pico da concentração plasmática
ocorre entre uma e três horas, e a meia-vida varia
de 24 a 36 horas (após dose única) até entre 4 e 14
dias, após a dose recomendada de 500 mg/dia dividida em duas tomadas. Esse fato torna-se relevante, já que não é possível se obter rápido efeito
antiagregante.
Seu emprego tem sido recomendado para pacientes com acidente vascular cerebral, ictus cerebral transitório, síndromes coronárias agudas
sem supradesnível de segmento ST e claudicação
intermitente, e também para pacientes submetidos
a revascularização cirúrgica do miocárdio. Seu uso
isolado mostrou-se significativamente mais eficaz
que o ácido acetilsalicílico para reduzir a incidência de acidente vascular cerebral em pacientes com
ictus cerebral transitório ou pequenos acidentes
vasculares cerebrais, embora se o acidente vascu-
lar cerebral for considerado em associação com
morte ou infarto agudo do miocárdio não há essa
diferença. Pode ser empregado também na angina
instável e no acidente vascular cerebral tromboembólico, reduzindo a incidência combinada de
morte vascular, acidente vascular cerebral e infarto agudo do miocárdio. Auxilia também na manutenção da patência das pontes aortocoronárias, no
aumento da distância percorrida a caminhar e na
diminuição das complicações vasculares na doença arterial periférica. Vários estudos demonstraram superioridade na associação ácido acetilsalicílico/ticlopidina sobre o uso de ácido acetilsalicílico isolado ou associado a warfarin para a prevenção de oclusão de stent coronário.
Apresenta significativos efeitos colaterais,
como trombocitopenia, anemia aplástica, púrpura
trombocitopênica trombótica (incidência de 0,02%
com o uso da droga contra 0,0004% da população
em geral, com mortalidade de 20%), neutropenia
e hipercolesterolemia, além de custo elevado, o
que limita seu uso em maior escala. Tem sido também postulada a troca dos esquemas com ticlopidina por clopidogrel, em função da maior segurança deste último.
Em um estudo com 652 pacientes com angina
instável, o tratamento com ticlopina durante seis
meses mostrou-se mais eficaz que outros antianginosos convencionais (antagonista do cálcio, betabloqueadores, nitratos em monoterapia ou em
associação), reduzindo significativamente (46%)
a mortalidade de origem vascular ou a incidência
de infarto do miocárdio. Sua utilização como antiagregante plaquetário em intervenções coronárias com implante de stents foi amplamente avaliada, pelo fato de seu mecanismo de ação ser eventualmente útil nesse tipo de procedimento em que
a ativação plaquetária se produz principalmente
por mediação da ADP22,26.
Dois estudos clínicos (com 517 e 1.653 pacientes, respectivamente) demonstraram que a associação de ticlopidina e ácido acetilsalicílico e/
ou outros anticoagulantes (em tratamento de um
mês, com seguimento de 6 a 12 meses) reduzia
significativamente o aparecimento de eventos
trombóticos vasculares (infarto do miocárdio, acidente vascular cerebral e alterações vasculares
periféricas), a necessidade de intervenção de urgência e de revascularização, o risco de hemorragia e a mortalidade decorrentes dos tratamentos
anticoagulantes convencionais sem ticlopidina
(ácido acetilsalicílico ou ácido acetilsalicílico +
anticoagulante); no entanto, não diminuiu a porcentagem de reestenose a longo prazo12,22,27. Entretanto, a heterogenicidade dos estudos realizados dificulta a valorização de sua utilidade nesses
casos. Em princípio, parece que poderia ser de
especial utilidade nos casos de maior risco, com
lesões vasculares complexas.
A ticlopidina tem sido associada a efeitos adversos hematológicos graves (toxicidade sobre a
medula óssea), em alguns casos mortais, que podem aparecer nas duas a três primeiras semanas
de tratamento. Destacam-se neutropenia (em 2,4%
dos pacientes tratados) e, com menos freqüência,
agranulocitose, púrpura trombocitopênica, anemia
aplástica e trombocitopenia. Durante as duas a três
primeiras semanas de tratamento, são freqüentes
alterações gastrintestinais (30% a 50%), como diarréia, náuseas, dispepsia e anorexia, assim como
erupções cutâneas, todas, no entanto, de pouca
gravidade (2% a 4% dos pacientes). Também têm
sido descritos casos de hipercolesterolemia, alterações hepáticas (icterícia e hepatites) e nefrite
intersticial12,14,18. Diarréia e erupções cutâneas parecem ser mais freqüentes com ticlopidina que com
ácido acetilsalicílico22.
A dose recomendada é de 250 mg duas vezes
por dia, iniciada geralmente durante a internação.
No caso de implante de stent, alguns autores recomendam que sua administração comece dois a três
dias antes da intervenção, sendo administrada dose
de ataque de 500 mg duas vezes por dia. Parece
que a redução da duração do tratamento com ticlopidina para 12 a 15 dias poderá reduzir sua toxicidade hematológica. Sua administração requer
controle hematológico desde o início do tratamento
a cada duas semanas pelo menos nos três primeiros meses (para detecção de leucopenia), especialmente em associação com antiinflamatórios nãoesteróides (AINEs), em particular o ácido acetilsalicílico, os anticoagulantes orais e a heparina20,22.
Esse controle deverá ser mantido, uma vez que os
efeitos adversos podem se apresentar de forma
tardia. No caso de aparecimento de efeitos adversos, o fármaco deverá ser suspenso e os controles
hematológicos devem ser mantidos até a normalização dos valores hematológicos.
A ticlopidina está contra-indicada em pacientes com antecedentes de leucopenia, trombocitopenia ou agranulocitose e naqueles com enfermidades hematológicas que prolongam o tempo de
hemorragia, úlcera gastroduodenal ativa ou acidente vascular cerebral hemorrágico agudo. Deve-
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se usar com cautela em pacientes com insuficiência renal, podendo precisar de reajuste da dose ou
suspensão do tratamento se aparecerem alterações
hematológicas ou hemorrágicas20.
Pode ocorrer interação com drogas de metabolismo hepático, como teofilina, carbamazepina,
fenitoína, digoxina e ciclosporina, aumentando os
níveis plasmáticos dessa droga. Os antiácidos,
porém, podem reduzir seus níveis plasmáticos.
Deveria ser evitado seu uso em associação com
ácido acetilsalicílico pelo seu efeito aditivo, exceto em casos de risco muito elevado.
Apesar de estudos com resultados prometedores, a elevada toxicidade associada à ticlopidina
(em comparação com outros antiagregantes plaquetários e, em particular, com ácido acetilsalicílico), além de seu custo elevado, diminuíram o entusiasmo de seu uso. E por não demonstrar benefício absoluto relativamente ao ácido acetilsalicílico em termos de eficácia, e pela sua maior toxicidade, desencoraja seu uso rotineiramente em
qualquer prevenção primária17 e somente como
alternativa ao ácido acetilsalicílico em pacientes
com algum episódio de infarto do miocárdio, acidente vascular cerebral ou ictus cerebral transitório, em caso de ineficácia, intolerância ou contraindicação deste, assim como em intervenções de
implante de stents em associação com ácido acetilsalicílico, para minimizar o risco de complicações tromboembólicas (limitando o tratamento a
um mês).26, 27
Clopidogrel
Essa droga é um derivado tienopiridínico estruturalmente relacionado com a ticlopidina, rapidamente absorvido e extremamente metabolizado
em um derivado do ácido carboxílico, que tem
meia-vida de aproximadamente oito horas. Seu
mecanismo de ação é baseado na inibição da agregação plaquetária induzida pelo ADP (bloqueio
seletivo e irreversível da união do ADP a seus receptores). Adicionalmente, pode reduzir a resposta das plaquetas a outros agonistas plaquetários,
aumentando o AMPc plaquetário. Pode prolongar
o tempo de sangramento 1,5 a duas vezes em sete
dias de tratamento, e apresenta efeito sinérgico
com o ácido acetilsalicílico. Essa inibição é dosedependente e pode ser detectada duas horas após
a ingestão de 400 mg, mantendo-se estável por 48
horas e tornando-se mais efetiva com doses diárias de 50 mg, atingindo 50% a 60% de inibição
após a primeira semana do uso da droga. Apresenta boa absorção oral, seus metabólitos alcan-
çam níveis plasmáticos em aproximadamente uma
hora após sua administração, e sua vida média é
de aproximadamente oito horas, sendo eliminado
proporcionalmente pela urina e pelas fezes28. Atinge efeito significativo em dois a três dias, porém
seu efeito máximo é alcançado em quatro a sete
dias, sendo, portanto, seu uso inadequado para os
tratamentos agudos. Seu efeito antiagregante é
concentração-dependente e persiste por sete a dez
dias no caso de suspensão do tratamento17,22,29. Por
causa de seu mecanismo de ação, poderia ser considerado útil em processos de agregação plaquetária mediados pelo ADP e não dependentes da
ação do TXA2 e não da trombina4,7. Parece causar,
assim como o ácido acetilsalicílico, um defeito
permanente em uma proteína plaquetária, que desaparece após sete dias da retirada da droga.
O estudo “Clopidogrel vs Aspirin in Patients
at Risk of Ischaemic Events” (CAPRIE)30, realizado com 19.185 pacientes com vasculopatia aterosclerótica recente, arteriopatia periférica sintomática, acidente vascular cerebral ou infarto do
miocárdio, testou a eficácia e a segurança da dose
diária de 75 mg de clopidogrel contra 325 mg de
ácido acetilsalicílico, em um período de seguimento de um a três anos. Houve modesta diferença
entre os dois grupos, com redução do RR de 8,7%
(IC = 0,3% a 16,5%; p = 0,43); porém, quando os
grupos são analisados separadamente, há nítida
vantagem nos portadores de doença aterial periférica sintomática, com redução do RR de 23,8%
(IC = 8,9%-36,2%; p = 0,0028), revelando a heterogenicidade dos resultados obtidos na maior comparação direta entre o ácido acetilsalicílico e outro antiagregante plaquetário. A maior importância do ADP na gênese da doença periférica talvez
seja uma explicação para esses resultados.
O estudo “Clopidogrel Aspirin Stent International Co-operative Study” (CLASSICS)23, que envolveu 1.020 pacientes submetidos com sucesso a
implante de stent, demonstrou que o clopidogrel
associado ao ácido acetilsalicílico é superior e mais
bem tolerado que o uso combinado de ticlopidina
e ácido acetilsalicílico (p < 0,005). A dose de 300
mg utilizada antes do procedimento, como dose
de ataque, não aumentou o risco de sangramento.
No estudo “Clopidogrel in Unstable Angina to
Prevent Recurrent Events” (CURE)24, duplo-cego,
randomizado e multicêntrico, com 12.500 pacientes durante 3 a 12 meses de tratamento e com seguimento médio de nove meses, foi testado o benefício da adição de baixas doses de ácido acetil-
salicílico e clopidogrel na prevenção de eventos
isquêmicos em pacientes de alto risco (síndromes
coronárias agudas sem supradesnível do segmento ST). Na análise dos eventos combinados, foram observados: diminuição da incidência de morte cardiovascular, infarto agudo do miocárdio e
acidente vascular encefálico em um quinto dos
pacientes, diminuição da incidência de morte cardiovascular associada a infarto agudo do miocárdio, acidente vascular encefálico e angina refratária em um sexto dos pacientes. Houve também
diminuição de revascularização recente, isquemia
severa e IC em um quarto a um quinto dos casos.
Observou-se pequeno aumento do número de
sangramentos. Assim, a associação dessas duas
substâncias, em baixas doses, nos pacientes com
síndromes coronárias agudas sem supradesnível
do segmento ST, é recomendada pelo menos nos
três primeiros meses após o evento agudo.
Os efeitos colaterais têm sido em geral moderados e transitórios, desaparecendo com a interrupção
do tratamento. Os mais descritos são diarréia grave e
“rash” cutâneo28. Mais recentemente, têm sido descritos casos de púrpura trombocitopênica associados a seu uso nas primeiras semanas de tratamento
(ao contrário da ticlopidina, que aparece após uma
semana). Também têm sido descritos casos de artrite
e tendinite. Foi relatada a ocorrência de púrpura trombocitopênica trombótica nas primeiras duas semanas de uso do medicamento25.
A dose recomendada de clopidogrel é de 75
mg/dia em dose única; em caso de implante de
stent, alguns autores recomendam uma dose de
choque inicial de 300 mg antes da intervenção.
Não é necessário controle hematológico, exceto
quando em associação com ácido acetilsalicílico,
heparina, antiinflamatórios não-esteróides, anticoagulantes orais e outros antiagregantes plaquetários, por maior risco de hemorragia.
Seu uso está contra-indicado em pacientes com
insuficiência hepática grave, hemorragia ativa
(gastrintestinal ou intracraniana), úlcera péptica,
insuficiência renal ou hepática (não grave), e sua
administração deve ser suspensa sete dias antes
de uma intervenção cirúrgica. Também deve-se
administrá-lo com precauções em associação com
medicamentos que são metabolizados no fígado,
tais como fenitoína, tamoxifeno, tolbutamida e fluvastatina, pela possibilidade de interação medicamentosa20,28.
Não parece justificada sua utilização rotineira
em prevenção primária, pois não há estudos com-
parativos com outros antiagregantes plaquetários
que forneçam evidências suficientes para justificar seu uso, especialmente no que se refere à toxicidade e à conveniência de sua associação com
ácido acetilsalicílico, o que permitirá estabelecer
sua utilidade real31.
Antagonistas do receptor de glicoproteína
IIb/IIIa
Diferentemente dos restantes dos antiagregantes plaquetários que atuam sobre aspectos parciais do processo de formação do trombo, nos últimos anos surgiu um novo grupo que atua inibindo
de forma específica o receptor de glicoproteína IIb/
IIIa e que se une às cadeias de fibrinogênio no
último passo do processo de agregação plaquetária, independentemente do estímulo que o provoque . Esse mecanismo de ação se associa a um
potente efeito antiagregante, que, ao produzir o
passo final, não pode sofrer interferência em outros níveis do processo de agregação32, 33. Todos
os agentes disponíveis desse grupo são de administração endovenosa, que proporciona ação praticamente imediata, dificultando, portanto, sua
utilização em prevenção primária.
Os antiagregantes desse grupo podem inibir os
receptores de glicoproteína IIb/IIIa por meio de
dois mecanismos: bloqueio direto não-competitivo e permanente ou por inibição irreversível e competitivo com o fibrinogênio pelo receptor, o que
determina dois grupos de medicamentos com características diferentes32.
Abciximab
O abciximab tem ação antiagregante parcialmente inespecífica (pode bloquear outros receptores), enquanto o eptifibatida e o tirofiban apresentam efeito antiagregante específico, ao não atuar sobre outros receptores. É um anticorpo monoclonal, sendo o primeiro antiagregante plaquetário descoberto desse grupo, constituindo, portanto, referência para os outros. Sua administração é
endovenosa e sua concentração plasmática decai
rapidamente, unindo-se às plaquetas em poucos
minutos e bloqueando 80% dos receptores, sendo
necessário, para manter seu efeito, a administração em infusão endovenosa contínua.12 Tem efeito dose-dependente, que é no máximo de duas
horas do começo da administração, produzindo
bloqueio dos receptores e inibição da agregação
plaquetária e prolonga o tempo de sangramento.
Esse efeito persiste durante algum tempo até terminar o tratamento (cerca de metade dos recepto-
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res permanece bloqueada por 24 a 48 horas) e desaparece praticamente em 14 dias. Os valores normais do tempo de sangramento são normalizados
em aproximadamente 12 horas após o término da
infusão.
Tirofiban e eptifibatida
O tirofiban é um derivado peptídico da tirosina, semelhante ao eptifibatida, que é uma seqüência de aminoácidos incluídos no fibrinogênio. Ambos apresentam efeito antiagregante mais rápido
e curto que o abciximab, que se produz também
de forma dose-dependente12,18. A administração endovenosa de ambos inibe a agregação plaquetária
em cerca de 95% dos receptores em 5 a 15 minutos e prolonga o tempo de sangramento em duas a
quatro vezes em uma a duas horas, efeito esse que
se mantém durante a infusão. Uma vez finalizado
o tratamento (12 a 24 horas), as concentrações
plasmáticas de ambos decaem rapidamente e o
efeito antiagregante começa a reverter a partir de
duas horas, reduzindo-se aproximadamente à metade do porcentual de inibição e recuperando valores normais do tempo de sangramento em quatro a oito horas. O tirofiban tem mostrado certo
efeito aditivo com ácido acetilsalicílico, e, no caso
do eptifibatida, o efeito antiagregante demonstra
certas variações interindividuais, sendo difícil estabelecer qual a dose mais adequada ao ocorrer
um efeito “paradoxo” ao aumentar a dose12,31.
Vários ensaios clínicos controlados com placebo e abciximab (associado a heparina e ácido acetilsalicílico) têm demonstrado sua eficácia como tratamento antiagregante, para prevenir complicações
tromboembólicas associadas à angioplastia transluminar coronária realizada em pacientes que apresentam algum evento coronário isquêmico agudo, infarto agudo do miocárdio ou angina instável. Os pacientes tratados com abciximab (bolo + infusão endovenosa contínua durante 12 horas) demonstraram
redução significativa das complicações vasculares (mortalidade total, eventos isquêmicos, necessidade de revascularização ou intervenção de urgência) até um mês
após o procedimento. Em alguns estudos, observou-se
sua eficácia quanto à redução da mortalidade e à necessidade de revascularização em pacientes de alto risco,
como, por exemplo, os diabéticos12,32.
O tirofiban e o eptifibatida (associados a ácido
acetilsalicílico e heparina) apresentaram resultados satisfatórios em alguns estudos clínicos relativamente ao placebo como tratamento empírico
na angioplastia transluminar coronária em pacientes com episódios de angina instável ou infarto
agudo do miocárdio sem onda Q, com redução significativa da mortalidade e da incidência de infarto Q nas primeiras 24 horas até os sete dias seguintes ao tratamento. Sua eficácia antiagregante se
reduz progressivamente a partir de dois dias do término do tratamento, não se encontrando diferenças
significativas frente ao placebo a partir de sete dias,
daí a sua menor utilização para prevenção de eventos vasculares a longo prazo, ainda que poderia representar uma vantagem em pacientes com maior
risco de hemorragia quando necessitam de cirurgia
de urgência, diferentemente do abciximab cujos efeitos podem durar até 30 dias14,31,32.
Quanto aos efeitos adversos, não há diferenças
substanciais entre todos eles, podendo ocorrer hemorragias quando associados a heparina. Esse efeito pode ser minimizado com a redução da dose (70
UI/kg). O risco parece ser mais elevado com abciximab, pois com os outros esse risco desaparece com
a suspensão da infusão. Assim, tem sido descrita
trombocitopenia (1% a 2%) ocasionalmente grave,
que é espontaneamente revertida alguns dias após a
suspensão da infusão, sendo maior o risco durante
as primeiras horas do tratamento14,32,33.
A diferença entre abciximab e tirofibam e epitifibatida é o estímulo no desenvolvimento de anticorpos por mecanismos não conhecidos, e que
poderia reduzir seu efeito e facilitar a possibilidade de reações anafiláticas. Também podem ocorrer alguns casos de fibrilação atrial, hipotensão
arterial, náuseas, vômitos e bradicardia. Estão contra-indicados em pacientes com hemorragia ativa
ou com risco de apresentar hemorragia em pacientes com antecedentes de acidente vascular cerebral, hemofilia, tratamento com anticoagulantes, cirurgia, traumatismo, aneurisma, neoplasia
intracraneal e reações de hipersensibilidade prévias. Em pacientes em uso de antiinflamatórios
não-esteróides, de antitrombóticos ou em uso de
outros antiagregantes, devem ser realizados diariamente controles hematológicos.
Esses medicamentos trouxeram um avanço
principalmente para as intervenções vasculares coronárias, como tratamento coadjuvante ao ácido
acetilsalicílico e heparina na prevenção de complicações em casos mais graves de infarto agudo
do miocárdio sem Q ou angina instável resistentes aos tratamentos trombolíticos convencionais e
antianginosos, que serão submetidos a angioplastia em um prazo de 18 a 24 horas. O abciximab é
considerado o agente de eleição nesse grupo, tendo sido o mais estudado. O tirofiban e o eptifibati-
da não têm demonstrado vantagem quanto à eficácia e à segurança em relação ao abciximab32-34.
RECOMENDAÇÕES PARA O USO DE
ASPIRINA DURANTE A REALIZAÇÃO
DE INTERVENÇÕES CORONÁRIAS
PERCUTÂNEAS
Classe I
– Previamente (pelo menos um dia antes) à realização de qualquer modalidade de intervenção coronária percutânea, visando à redução
da ocorrência de complicações isquêmicas agudas pós-procedimento (nível de evidência: A).
RECOMENDAÇÕES PARA O USO DE
TICLOPIDINA OU CLOPIDOGREL
DURANTE A REALIZAÇÃO DE
INTERVENÇÕES CORONÁRIAS
PERCUTÂNEAS
Classe I
– Em associação com a aspirina, em pacientes
que serão submetidos a implante de stents coronários (nível de evidência: A).
– Em pacientes que serão submetidos a intervenções coronárias percutâneas (stents, angioplastia, aterectomias, “laser”) e que apresentam hipersensibilidade ou contra-indicação ao
uso de aspirina (nível de evidência: B).
Classe IIa
– No caso do clopidogrel, recomenda-se uma
dose de ataque de 300 mg, administrada pelo
menos seis horas antes da realização da intervenção coronária percutânea. Se o clopidogrel
for iniciado menos de seis horas antes do procedimento, deve ser utilizada dose de ataque
de 600 mg (nível de evidência: C).
– Em pacientes submetidos a implante de stents
farmacológicos, recomenda-se o uso do clopidogrel por um período de 6 a 12 meses após a
intervenção (nível de evidência: C).
RECOMENDAÇÕES PARA O USO DE
ANTAGONISTAS DA GLICOPROTEÍNA
IIb/IIIa DURANTE A REALIZAÇÃO
DE INTERVENÇÕES CORONÁRIAS
PERCUTÂNEAS
Classe I
– Em pacientes submetidos a angioplastia de
alto risco (infarto agudo do miocárdio com
menos de 12 horas de evolução, angina instável e com lesões morfologicamente complexas) (nível de evidência: A).
TAVARES JR e col.
Antiplaquetários
na síndrome
coronária aguda
Classe IIa
– Pacientes diabéticos submetidos a intervenções coronárias percutâneas para tratamento de
doença multiarterial (nível de evidência: B).
– Pacientes submetidos a intervenções coronárias percutâneas para tratamento de doença
multiarterial (nível de evidência: C).
Classe IIb
– Intervenção coronária percutânea em pontes
de safena (nível de evidência: C).
Classe III
– Para prevenção de reestenose pós-intervenções coronárias percutâneas (nível de evidência: A).
USO DE ANTIPLAQUETÁRIOS NA
SÍNDROME CORONÁRIA AGUDA SEM
SUPRADESNÍVEL DE SEGMENTO ST
A fisiopatologia da síndrome coronária aguda
sem supradesnível de segmento ST é iniciada na
maioria das vezes por rotura de placa aterosclerótica. A placa se rompe e é seguida por agregação
plaquetária, ativação plaquetária, deposição de fibrina e conseqüente isquemia miocárdica e necrose. Inibidores plaquetários, incluindo aspirina, clopidogrel e inibidores da glicoproteína por via endovenosa, têm sido bem investigados nesse grupo
de pacientes, com resultados favoráveis marcantes35, 36. Em pacientes de alto risco, as diretrizes
do ACC/AHA recomendam o uso precoce de aspirina (60 mg a 325 mg por via oral), clopidogrel
(300 mg por via oral), heparina intravenosa ou
heparina de baixo peso molecular, e inibidores da
glicoproteína intravenosa, iniciada previamente à
angioplastia coronária. Pacientes de alto risco são
definidos tipicamente como idosos, dor precordial em andamento, instabilidade hemodinâmica ou
arrítmica, elevados biomarcadores ou novos episódios de isquemia no eletrocardiograma.
A dose de clopidogrel recomendada em pacientes de alto risco de síndrome coronária aguda
sem supradesnível de segmento ST, segundo as Diretrizes do ACC/AHA, é de 300 mg por via oral e
de 75 mg por via oral por dia, em adição à aspiri-
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TAVARES JR e col.
Antiplaquetários
na síndrome
coronária aguda
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na, iniciada na apresentação do paciente e continuada por um mês, podendo se estender por até
um ano após a alta hospitalar. No recente estudo
“Anti-platelet therapy for Reduction of Myocardial Damage during Angioplasty” (ARMYDA-2),
a dose de 600 g de clopidogrel por via oral administrada previamente à angioplastia coronária foi
associada a redução de 67% de morte, infarto do
miocárdio e revascularização de urgência, comparativamente à dose de 300 mg por via oral (p =
0,041)37.
No estudo “Intracoronary Stenting and Antithrombotic Regimen-Rapid Early Action for Coronary Treatment” (ISAR-REACT-1), a dose de
600 mg de clopidogrel mostrou ser equivalente a
clopidogrel mais inibidor da glicoproteína em pacientes de baixo risco eletivos para angioplastia
coronária38. O uso de 600 mg de clopidogrel na
urgência ou na Unidade de Tratamento Intensivo
(UTI) não é bem definido; entretanto, achados clínicos e farmacocinéticos são promissores. A adaptação da dose máxima de clopidogrel em vigência
parece ser limitada mais por complicações de sangramento relatado na cirurgia de revascularização
do miocárdio que por efeitos de dose-resposta. A
utilização de inibidor da glicoproteína em adição
ao clopidogrel nas síndromes coronárias agudas
de alto risco foi bem demonstrada no recente estudo ISAR-REACT-2, que investigou se a dose de
600 mg por via oral de clopidogrel foi tão efetiva
quanto a de 600 mg de clopidogrel mais inibidor
da glicoproteína (abciximab) em pacientes de alto
risco submetidos a angioplastia coronária39. Cerca de 2.022 pacientes de alto risco com síndrome
coronária aguda sem supradesnível de segmento
ST no estudo ISAR-REACT-2 tinham níveis elevados de troponina ou isquemia evidente no eletrocardiograma antes da angioplastia. A utilização
de bloqueador de receptor da glicoproteína IIb/
IIIa em adição ao clopidogrel resultou em significante redução de morte, infarto do miocárdio e
revascularização de urgência em pacientes de alto
risco quando comparada ao uso isolado de clopidogrel (p = 0,03). Esse benefício foi mais observado em pacientes com troponina positiva (p =
0,02) e ausente em pacientes com troponina negativa (p = 0,98).
Quanto ao uso de inibidor da glicoproteína em
síndromes coronárias agudas sem supradesnível
de segmento ST de alto risco, pequeno mas significante benefício com utilização de inibidor da glicoproteína IIb/IIIa foi evidenciado por um perío-
do após o início do tratamento, porém para seu
uso antes de angioplastia há controvérsias. O estudo “The Acute Catheterization and Urgent Intervention Triage Strategy Timing” (ACUITY Timing) demonstrou a efetividade do uso precoce
(na urgência ou UTI) comparativamente ao uso
tardio, em laboratório de cateterismo, de inibidor
da glicoproteína em pacientes com síndrome coronária aguda sem supradesnível de segmento ST
de risco moderado e de alto risco40. De 9.207 pacientes no estudo ACUITY Timing, 4.605 pacientes foram tratados com inibidor da glicoproteína
vs. 4.602 no laboratório de cateterismo. O quádruplo desfecho final de morte, infarto agudo do
miocárdio, intervenções não planejadas e sangramentos não foi diferente entre os grupos. O grupo
que recebeu inibidor da glicoproteína teve tendência a ter menos eventos isquêmicos, porém naqueles pacientes submetidos a angioplastia essa diferença foi significante (p = 0,05). O resultado desse estudo favorece a estratégia de tratamento precoce com inibidor da glicoproteína, porém existem algumas limitações para essas conclusões:
nem todos os pacientes eram de alto risco, somente 57% tinham troponina positiva e alguns não
eram elegíveis para receber a dose máxima de inibidor da glicoproteína, como indicado nas Diretrizes do ACC/AHA. O tempo de admissão até o
cateterismo foi, em média, de 19,7 horas, enquanto a média para inibidor da glicoproteína foi de
6,2 horas, limitando a aplicabilidade desses resultados na emergência ou na UTI. Finalmente, houve aumento de sangramento no laboratório de cateterismo, resultando em não benefício na soma
total de todos os pontos analisados.
NOVOS ANTIPLAQUETÁRIOS EM ESTUDO
Prasugrel (CS-747, LY640315)41
É uma pró-droga tienopiridínica bloqueadora
de receptor, irreversível, que, “in vivo”, é metabolizada especificamente no receptor P2Y12. Administrada de forma oral, causa inibição da agregação plaquetária, e é dose-dependente. É 10 vezes
mais potente que o clopidogrel. Dados preliminares sugerem que o prasugrel apresenta baixa variabilidade de resposta quando comparado ao clopidogrel.
O uso dessa droga encontra-se em estudo
(TRITON-TIMI 38) (estudo fase 3) em pacientes com síndrome coronária aguda submetidos
a angioplastia42.
Inibidores diretos de P2Y12
Cangrelor43
Conhecido previamente como ARC69931, pertence a uma família de análogos do ATP, resistentes a iectonucleotidases e que demonstram alta afinidade por P2Y12. A infusão intravenosa (4 µg/kg/
min) produz inibição da agregação plaquetária em
voluntários. Tem vida média muito curta (2,6 minutos), resultando em rápida recuperação das plaquetas.
Em um estudo aberto, multicêntrico, de escalonamento de doses, demonstrou boa tolerância e
inibição completa da agregação plaquetária em todos os pacientes com 3 µM de ADP39, 42. Os estudos CHAMPION-PCI e CHAMPION-PLATFORM, com início previsto para 2007, têm como
objetivo estabelecer o papel definitivo do uso do
cangrelor nas situações de síndrome coronária
aguda em geral e na intervenção coronária percutânea.
AZD614044
Pertence à mesma família do cangrelor de análogos de ATP. Não necessita ativação metabólica.
Em estudos em animais, demonstrou boa separação entre o efeito antitrombótico e a prolongação
do tempo de sangria.
Em estudo randomizado, duplo cego, 200 pacientes com enfermidade aterosclerótica tratados
com aspirina receberão AZD6140 ou clopidogrel.
AZD6140 tem sido mais efetivo e menos variável
na inibição da agregação induzida por ADP. A inibição é rápida (duas horas após a administração)
e a recuperação da função plaquetária ocorre em
24 horas.
É o primeiro antagonista do receptor ADP reversível administrado por via oral. É um não-tienopiridínico, na classe química CPTP (“cyclopentyl triazolopyrimidine”). Tem ação direta via receptor P2Y12. O estudo DISPERSE-2 (estudo de
fase 2), apresentado em recente congresso da
“American Heart Association”, selecionou 990
pacientes portadores de síndromes coronárias agudas sem supradesnível de segmento ST com até
48 horas de evolução. O objetivo desse estudo é
comparar duas doses de AZD6140 com clopidogrel, com baixa dose de aspirina em todos os grupos. O objetivo primário é maior ou menor sangramento42. O “Study of Platelet Inhibition and
Patient Outcomes” (PLATO), estudo em grande
escala que procurará definir a real utilidade dessa
substância, tem seu início previsto para 2007.
Inibidor de P2Y1
MRS217945
Demonstrou-se que ratos “knockout” para P2Y1
apresentam aumento do tempo de sangramento. A
troca de forma e o fluxo de cálcio dependem da ativação de P2Y nos estudos com animais. MRS2179
é um análogo mais potente e estável que o MRS2500,
e tem demonstrado boa atividade antitrombótica. A
proposição é usar esse agente em combinação com
algum inibidor de P2Y12.
TAVARES JR e col.
Antiplaquetários
na síndrome
coronária aguda
Inibidores da interação FvW-GPIba
GPG-290
Proteína quimérica que contém os 290 aminoácidos aminoterminais da glicoproteína Iba unidos via prolina ao fragmento Fc da IgG1 humana46. A substituição da valina por arginina (233) e
da valina por metionina (239) aumenta em 14 vezes a afinidade por FvW. Disponível na forma pura,
estável, é bem tolerada em animais. Sua vida média é de 1,5 dia41.
Anticorpos monoclonais (AJW20047, IB-23)
Venenos de serpentes tipo Crotalina, obtidos
da Crotalus atrox, têm 30 KD e inibem a aglutinação plaquetária induzida por ristocetina. Prolongam o tempo de sangramento e protegem de trombose induzida em ratos.
Inhibidores de glicoproteína VI
9012.248
Anticorpo monoclonal anti-GPVI, possui fragmentos Fab que bloqueiam completamente a agregação plaquetária induzida por colágeno e a ativação induzida por CRP. Baixas condições de fluxo previnem a adesão das plaquetas e a formação
de trombos.
CONCLUSÃO
Em resumo, a terapia antiplaquetária tem
base bem estabelecida para prevenir eventos cardiovasculares em pacientes de alto risco. A eficácia desse tratamento varia consideravelmente
entre os pacientes e o risco cardiovascular aumenta entre os pacientes que apresentam resistência a essas drogas. A função das plaquetas
não se avalia habitualmente na prática clínica.
Assim:
– são necessárias provas de laboratório simples e confiáveis;
– uma prova diagnóstica só terá valor se associada a resultados clínicos; e
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Antiplaquetários
na síndrome
coronária aguda
– são necessários ensaios clínicos para validar
as provas de laboratório de função plaquetária.
Para pacientes que não respondem à aspirina
ou às tienopiridinas, há grande necessidade de eficácia dessas novas drogas.
ANTIPLATELET THERAPY AND ACUTE
CORONARY SYNDROME
JOSÉ ROBERTO TAVARES
ANTONIO CARLOS CARVALHO
Platelets are responsible for three highly specialized functions: primary and secondary
adhesion and secretion of substances that when activated will provoke formation of a
platelet with pseudopodia that will help in platelet adhesion. Serotonin and adrenaline are
among such substances that are in the body of the platelet and are liberated with platelet
activation. Any disturbance in platelet function, specially if associated with a significant
reduction in its number, will break the physiological hemostasis occurring at microscopic or
macroscopic levels.
Antiplatelet agents have different characteristics and are classified according to their site of
action; they have in common the property of blocking thrombus formation without
interfering too much in the other areas of the coagulation cascade.
Antiplatelet agents were utilized more effectively and with higher intensity in acute
coronary syndrome after the physiopathological mechanisms of its occurrence and
maintenance were better understood. More potent inhibitors were utilized and more recently
proved to be highly effective with high levels of maintenance of platelet inhibition helping
to improve results of aspirin and heparin associated with clinical and percutaneous results.
Newer compounds are being tested to try to improve even more the results of ACS therapy.
Key words: platelets, antiplatelet adhesion, acute coronary syndrome, percutaneous
coronary intervention.
(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2007;3:271-88)
RSCESP (72594)-1667
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O QUE EVOLUIR NO TRATAMENTO DA
SÍNDROME ISQUÊMICA AGUDA
RAMOS RF
O que evoluir
no tratamento
da síndrome
isquêmica aguda
RUI FERNANDO RAMOS
Unidade Coronária – Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia
Endereço para correspondência:
Av. Dr. Dante Pazzanese, 500 – Vila Mariana – CEP 04012-919 – São Paulo – SP
A incidência e o risco de infarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento do segmento
ST têm diminuído nos últimos 25 anos, mas a incidência de síndrome isquêmica aguda temse elevado, com risco comparável ao do infarto agudo do miocárdio com
supradesnivelamento do segmento ST. A utilização das Diretrizes, pelos cardiologistas,
diminui a mortalidade, o acidente vascular cerebral e os eventos cardiovasculares menores
nesses pacientes, e sua adoção precisa ser incentivada.
A avaliação na admissão desses pacientes deve ser rápida e eficiente, no intuito de
identificar os pacientes de risco para que se possa otimizar a conduta. A utilização dos
exames de imagem em pacientes com dor torácica secundária a doença arterial coronária é
promissora, mas precisa ser validada.
A ação dos antiplaquetários será mais bem monitorizada, sua doses mais eficazes serão
identificadas e os novos medicamentos deverão apresentar menor resistência. Os
anticoagulantes atuarão no início da cascata da coagulação e terão maior estabilidade e
menor índice de sangramento. A revascularização miocárdica com intervenção coronária
percutânea ou cirúrgica será realizada mais precocemente nesses pacientes.
Palavras-chave: biomarcadores, anticoagulantes, antiplaquetários, síndrome isquêmica
aguda, estratificação de risco.
(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2007;3:289-92)
RSCESP (72594)-1668
INTRODUÇÃO
Os avanços no conhecimento da fisiopatologia e
no tratamento da doença coronária aguda têm sido
significativos nos últimos anos. A incidência e o risco de infarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento do segmento ST (IAM) têm diminuído
nos últimos 25 anos, mas a incidência de síndrome
isquêmica aguda (angina instável e infarto agudo do
miocárdio sem supradesnivelamento do segmento
ST) tem-se elevado, com risco comparável ao do infarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento
do segmento ST1. Registro de síndrome isquêmica
aguda realizado em um período de sete anos (1999 a
2006) demonstrou incremento na utilização das diretrizes pelos cardiologistas, no que se refere tanto
ao tratamento farmacológico como ao tratamento intervencionista, contribuindo para a queda da mortalidade em seis meses de 4,9% para 3,3% e do acidente vascular cerebral de 1,4% para 0,7%, e da incidência de insuficiência cardíaca congestiva ou choque cardiogênico e infarto do miocárdio recorrente,
mesmo em pacientes de alto risco2, 3. Não há dúvida
de que a educação continuada e a adoção de condutas médicas baseadas nas diretrizes melhoraram a
sobrevida dos pacientes. Apesar disso, a aderência
às diretrizes ainda é restrita principalmente aos hospitais de ponta, devendo estender-se a todos os hospitais. Os programas de educação continuada e a
monitorização contínua da utilização de condutas
comprovadamente benéficas são indispensáveis para
o melhor atendimento desses pacientes.4
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no tratamento
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AVALIAÇÃO NA ADMISSÃO
A avaliação na sala de emergência de pacientes com
suspeita de síndrome isquêmica aguda deve ser rápida e
eficiente. O diagnóstico e a estratificação de risco adequada permitem a utilização de tratamento otimizado
aos pacientes, conforme seu grau de gravidade.
A estimativa de risco obtida com a utilização dos
escores permite identificar os pacientes com alto risco
de evoluírem para óbito e/ou IAM em 30 dias e um ano.5
Contudo, os modelos de escores disponíveis atualmente são baseados em características de admissão dos pacientes e não incluem as complicações, a
evolução dos biomarcadores, nem as alterações e a
normalização do eletrocardiograma, que sabidamente
modificam o prognóstico do paciente durante sua
hospitalização. Por isso, novos escores de risco, mais
dinâmicos, deverão ser elaborados. Os escores deverão incorporar as doenças cerebrovasculares, a insuficiência vascular periférica, a insuficiência renal e a anemia. A estratificação de risco na alta hospitalar como
marcador prognóstico de longo prazo deverá ser incorporada à rotina de tratamento desses pacientes.
O conhecimento sobre os biomarcadores tem
crescido nos últimos anos e identifica várias fases da
fisiopatologia da síndrome isquêmica aguda. A nova
diretriz6 sobre a utilização de marcadores de lesão
miocárdica considera classe III a dosagem de CKtotal e CK-MB atividade para o diagnóstico de necrose. Em decorrência da elevada sensibilidade e da
precisão dos novos testes laboratoriais, a diferença
entre duas dosagens em um determinado período
(delta de cTn ou delta CK-MB) será utilizada para
diagnosticar mais precocemente a presença de lesão
miocárdica. A dosagem seriada da mioglobina para
o diagnóstico de lesão miocárdica provavelmente será
abandonada pela sua inespecificidade e sua meiavida curta.
Embora elevados em presença de síndrome isquêmica aguda, os marcadores de atividade da cascata da coagulação (D-dímero, fibrinopeptídeos) possuem pouca capacidade discriminativa no diagnóstico e no tratamento clínico e provavelmente não terão utilidade na rotina do pronto-atendimento da síndrome isquêmica aguda.
Proteína C-reativa, interleucina 6 e marcadores
de inflamação, embora estejam alterados na síndrome isquêmica aguda, não adicionam informações à
prática clínica. Até o momento os marcadores de inflamação não foram adequadamente estudados e validados para serem utilizados na rotina de tratamento desses pacientes.
MÉTODOS DE IMAGEM NA SÍNDROME
ISQUÊMICA AGUDA
A avaliação por imagem com a utilização de res-
sonância magnética ou tomografia computadorizada está sendo validada na rotina de tratamento da
síndrome isquêmica aguda. No futuro, a avaliação
por imagem permitirá a análise simultânea da função cardíaca, da perfusão e da viabilidade miocárdica7, 8. A tomografia computadorizada está sendo utilizada atualmente no diagnóstico diferencial de dor
torácica em pacientes com suspeita de embolia pulmonar ou aneurisma da aorta. Em contraste, quando
a doença coronária for a provável causa da dor torácica, o papel da angiotomografia ainda necessita ser
validado em estudos clínicos.
MEDICAMENTOS
As plaquetas possuem papel crítico na fisiopatologia da síndrome isquêmica aguda e a terapia antiplaquetária possui papel fundamental no tratamento
desses pacientes.
A variabilidade da inibição plaquetária sugere que
muitos pacientes sejam resistentes ou parcialmente
responsivos aos efeitos antiagregantes plaquetários
da aspirina e/ou ao clopidogrel. Contudo, nenhuma
diretriz preconiza a avaliação da resistência ao antiplaquetário nesses pacientes, provavelmente porque
não se identificou o teste mais apropriado para esse
diagnóstico. Estudos futuros deverão avaliar a necessidade da utilização de um teste de função plaquetária em pacientes em uso de antiplaquetário. Isso
permitirá a adequação da terapia com a combinação
e a titulação desses medicamentos e posterior ajuste
das drogas, individualizando os pacientes.
Embora o benefício do clopidogrel na dose de
300 mg já tenha sido demonstrado, essa dose apresenta limitação clínica, como retardo do início de
ação e variabilidade de resposta inter e intrapacientes, associados a eventos isquêmicos recorrentes. A
dose de 600 mg utilizada principalmente em pacientes submetidos a intervenção coronária percutânea,
com início de ação mais rápido e maior inibição da
agregação plaquetária, ainda precisa ser validada em
um grande estudo. O estudo OASIS-7, que será encerrado em breve, poderá esclarecer qual a melhor
dose de clopidogrel a ser utilizada.
Novos antiplaquetários orais e endovenosos estão sendo avaliados em estudos fase 3, como descrito anteriormente. A expectativa é de que, além de
sua eficácia, esses novos medicamentos apresentem
menor resistência. O prasugrel, novo tienopiridínico
que está sendo avaliado no “Trial to Assess Improvement in Therapeutic Outcomes by Optimizing Platelet Inhibition with Plasugrel” (TRITON-TIMI 38),
apresenta maior potência, início de ação mais rápido
e maior inibição antiplaquetária que 600 mg de clopidogrel.
Quanto aos antiplaquetários endovenosos, os inibidores da glicoproteína IIb/IIIa parecem ser mais
efetivos quando utilizados antes da intervenção coronária percutânea em pacientes de moderado e alto
riscos que quando utilizados após a intervenção coronária. A utilização de terapia antiplaquetária tríplice (ASA + clopidogrel + inibidor da glicoproteína IIb/IIIa) poderá ser uma conduta alternativa para
aumentar a inibição antiplaquetária. O estudo “Early Glycoprotein IIb/IIIa Inhibition in Patients With
Non-ST-Segment Elevation Acute Coronary Syndrome” (EARLY ACS) está comparando o uso precoce
e tardio do inibidor da glicoproteína IIb/IIIa antes da
intervenção coronária percutânea e permitirá esclarecer esse ponto.
Da mesma forma que os antiplaquetários, novos
anticoagulantes orais e endovenosos estão sendo avaliados, como descrito anteriormente. Os novos anticoagulantes deverão apresentar resultados superiores aos da heparina não-fracionada ou da heparina
de baixo peso molecular, com farmacocinética mais
favorável e resposta mais previsível para serem incorporados na prática clínica. O fondaparinux, um
anticoagulante com atividade anti-Xa, mostrou resultados semelhantes aos da enoxaparina no que se
refere à redução de óbito e IAM no tratamento da
síndrome isquêmica aguda, porém com menor taxa
de sangramento. Mas apresentou efeito limitado
quando utilizado em pacientes submetidos a intervenção coronária percutânea necessitando da adição
de heparina endovenosa durante exame. Atualmente
o desenvolvimento de novos anticoagulantes concentra-se em medicamentos que atuem no fator Xa e
fatores acima deste na cascata de coagulação. Aguardam-se medicamentos que atuem principalmente no
complexo fator tecidual/fator VII, ou seja, no início
do processo de coagulação. A maior limitação a ser
contornada no desenvolvimento de novos anticoagulantes é a inexistência de um antídoto a esses novos medicamentos.
A utilização de altas doses de estatina nesses pacientes será rotina, embora dois terços dos pacientes
randomizados para estudos clínicos com indicação
para seu uso não sejam tratados. Após início do tratamento, a aderência é baixa e os pacientes que deixam de utilizá-la evoluem com maior risco de mortalidade9.
SANGRAMENTO E TRANSFUSÃO
O sangramento e a transfusão sanguínea em pacientes com síndrome isquêmica aguda foram sempre considerados complicação casual no tratamento
desses pacientes e não uma complicação grave com
risco de vida, como reconhecido atualmente.9 A transfusão sanguínea em pacientes com hematócrito bai-
xo mas sem sangramento aparente também se associou a maior risco de mortalidade e morbidade10.
Além da necessidade de novas terapias com maior
eficácia antitrombótica reduzindo as complicações
isquêmicas, são necessárias menores taxas de complicação, como, or exemplo, sangramento, durante o
tratamento desses pacientes. Além disso, a avaliação
e a definição da gravidade do sangramento utilizadas nos estudos precisam ser revistas, pois os estudos têm adotado diferentes definições e a situação
clínica que iniciou esses sangramentos não tem sido
valorizada. São situações bastante distintas o sangramento secundário a procedimento invasivo ou o sangramento decorrente de inadequação da dose dos medicamentos em pacientes idosos ou renais crônicos.
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O que evoluir
no tratamento
da síndrome
isquêmica aguda
INTERVENÇÃO CORONÁRIA
PERCUTÂNEA
O conceito de se obter a perfusão miocárdica precocemente em pacientes de alto risco continua a crescer. A intervenção coronária percutânea precoce realizada entre 6 e 24 horas após admissão está sendo
avaliada, e o melhor tempo para a realização desse
procedimento será definido. Em pacientes de baixo
risco, os dados apontam para uma estratégia de tratamento não-invasiva. A intervenção coronária percutânea, bem como o uso de terapia antitrombótica
mais agressiva, apresentam risco inicial que podem
anular o benefício desses tratamentos em uma população com baixa incidência de eventos.
A trombose intra-stent, associada principalmente ao retardo de sua endotelização, foi descrita recentemente como um fator limitante de sua utilização. Novos stents, com novos polímeros, stents biodegradáveis, novos métodos de monitorização da
agregação plaquetária e novos agentes antiplaquetários permitirão solucionar essas limitações. O aperfeiçoamento da técnica de implante com novos dispositivos também deverá diminuir esse evento indesejável.
Em resumo, o futuro do tratamento da síndrome
isquêmica aguda parece estar na dependência de: 1)
educação continuada, que envolve a adoção das condutas preconizadas em diretrizes atualizadas; e 2)
melhor estratificação de risco dos pacientes e ajuste
adequado das medicações nos diferentes subgrupos
de pacientes. Os novos antiplaquetários e anticoagulantes deverão ser mais eficazes e seguros. A resistência aos antiplaquetários será resolvida com novos
métodos diagnósticos ou novos medicamentos. A
revascularização miocárdica percutânea ou cirúrgica indicada mais precocemente em pacientes de alto
risco será validada.
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O que evoluir
no tratamento
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WHAT WILL BE THE FUTURE OF
ACUTE CORONARY SYNDROME TREATMENT
RUI FERNANDO RAMOS
Although the incidence and risk of ST-segment elevation acute myocardial infarction have
decreased in the last 25 years, the relative frequency of unstable angina and non-ST-segment
elevation acute myocardial infarction has increased and their risk has remained high regarding to
ST-segment elevation acute myocardial infarction. A multinational observational study showed
the benefits of applying evidence-based guidelines proposed by the Society of Cardiology in
clinical practice. There were significant reductions of 50% in hospital admission rates in case of
heart failure, cardiogenic shock and recurrent acute myocardial infarction. In six months the death
incidence decreased from 4.9% to 3.3% and the stroke incidence decreased from 1.4% to 0.7%. The
future should be emphasized on further improvements in evidence-based guidelines applications.
The improvement of the assessment at the emergency room aims to a more efficient risk
stratification. The increasing use of new image tests to access patients with chest pain due to
coronary artery disease is promising but needs validation. By simultaneously accessing cardiac
function perfusion and viability, cardiac magnetic resonance imaging can allow high sensitivity
and specificity for the diagnosis of coronary artery disease and acute coronary syndrome.
Antiplatelet drugs efficiency will be better evaluated, more efficient doses will be identified and
there will be lower resistance. Anticoagulant drugs will act at the beginning of the coagulation
cascade, leading to better stability and lower bleeding complications. The myocardial
revascularization with percutaneous or surgical intervention will be carried out earlier in these patients.
Key words: biomarkers, anticoagulants, antiplatelets, acute coronary syndrome, risk
stratification.
(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2007;3:289-92)
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