PBMC – Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas

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PBMC – Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas
Primeiro draft do capítulo 5 do Grupo de Trabalho 1 do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas – 06/2011
1
PBMC – Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas
Grupo de Trabalho 1
As bases científicas do sistema climático
Coordenadores: Tércio Ambrizzi e Moacyr Araujo
Primeiro draft
Capítulo 5 – Informações paleoclimáticas brasileiras
Autores principais: Abdelfettah Sifeddine1,2, Cristiano M. Chiessi3,
Francisco W. da Cruz Júnior4
Autores colaboradores: Astolfo G.M. Araujo5, Eduardo G. Neves5,
Flávio B. Justino6, Ilana E.K.C. Wainer7, Luiz Carlos R. Pessenda8, Michel M.
de Mahiques7, Renato C. Cordeiro2, Ruy K.P. de Kikuchi9
Revisores: Ana Luiza S. Albuquerque2, Heitor Evangelista da Silva10,
Paulo E. de Oliveira4, Pedro L.S. Dias11
1Institut
de Recherche pour le Développement, Bondy, França
de Geoquímica, Universidade Federal Fluminense, Niterói, RJ
3Escola de Artes, Ciências e Humanidades, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP
4Instituto de Geociências, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP
5Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, SP
6Departamento de Engenharia Agrícola, Universidade Federal de Viçosa, Viçosa, MG
7Instituto Oceanográfico, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP
8Centro de Energia Nuclear na Agricultura, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP
9Instituto de Geociências, Universidade Federal da Bahia, Salvador, BA
10Instituto de Biologia, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ
11Laboratório Nacional de Computação Científica, Petrópolis, RJ
2Departamento
Primeiro draft do capítulo 5 do Grupo de Trabalho 1 do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas – 06/2011
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Índice
5.1 Introdução
5.2 Mudanças climáticas em escala temporal orbital
Introdução
Evidências paleoclimáticas a partir de registros lacustres
Evidências paleoclimáticas a partir de espeleotemas
Considerações finais
Referências
5.3 Mudanças climáticas abruptas
Introdução
Os registros das mudanças climáticas abruptas do último período glacial e interglacial
Os mecanismos responsáveis pelas mudanças climáticas abruptas
Considerações finais
Referências
5.4 Mudanças na paleocirculação da porção oeste do Atlântico Sul
Introdução
O Último Máximo Glacial
A última deglaciação
O Holoceno
Considerações finais
Referências
5.5 Variações no nível relativo do mar durante o Holoceno
Introdução
O período de submersão da plataforma e da zona costeira atual
O período de emersão da zona costeira atual
Considerações finais
Referências
5.6 As queimadas no registro paleoclimático
Introdução
As queimadas no registro paleoclimático
Considerações finais
Referências
5.7 A ocupação humana e as mudanças climáticas
Introdução
A transição Pleistoceno / Holoceno
A ocupação paleoindia no Holoceno Inicial
O ―Hiato do Arcaico‖ no Holoceno Médio
A explosão demográfica, social e cultural posterior ao hiato
Referências
5.8 Mudanças climáticas durante o último milênio
Introdução
Discussão
Considerações finais
3
4
4
4
4
8
8
10
10
10
12
15
15
20
20
20
21
23
24
24
28
28
28
29
32
33
35
35
35
37
37
42
42
42
43
44
45
46
49
49
49
50
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3
Referências
5.9 Comparações entre reconstituições paleoclimáticas e dados de modelos climáticos
Introdução
Metodologia
Resultados
Conclusões
Referências
5.10 Considerações finais
Referências
51
53
53
54
55
57
57
59
59
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5.1 Introdução
Abdelfettah Sifeddine, Cristiano M. Chiessi, Francisco W. da Cruz Júnior
Em face às mudanças ocorridas no clima da Terra durante as últimas décadas e às mudanças
climáticas projetadas para as próximas décadas, as reconstituições paleoclimáticas assumem
marcante relevância. São três os principais motivos que dão suporte a esta afirmação: (i) a
necessidade de um profundo conhecimento da variabilidade climática natural da Terra para se
desacoplar os efeitos naturais e antropogênicos sobre o sistema climático; (ii) a necessidade de se
validar os modelos numéricos utilizados em projeções climáticas futuras com situações
significativamente distintas das atuais; e (iii) a necessidade de se conhecer as possíveis respostas do
sistema climático e dos ecossistemas perante significativas modificações em parâmetros climáticos
específicos (e.g., concentração dos gases de efeito estufa, temperatura média, nível do mar).
O território brasileiro e o Atlântico Sul, e mais genericamente a América do Sul e os oceanos
adjacentes, apresentam condições climáticas extremamente diversas, envolvendo desde aquelas
típicas de ambientes equatoriais até aquelas típicas das altas latitudes. Esta região oferece a
oportunidade única de se explorar a variabilidade climática pretérita ao longo dos mais
representativos perfis latitudinais e altitudinais além de permitir o estudo de alguns dos mais
relevantes fenômenos de teleconexões climáticas já descritos.
O registro climático instrumental / histórico no Brasil e na América do Sul é relativamente curto,
raramente ultrapassando 100 anos de duração. Para capturar todas as escalas temporais e
mecanismos de variabilidade do sistema climático deve-se obrigatoriamente recorrer aos registros
sedimentares, biológicos e biogeoquímicos (e.g., sedimentos marinhos e continentais, espeleotemas,
corais, testemunhos de gelo, anéis de crescimento de árvores). As principais propriedades destes
registros que podem ser úteis no estudo das condições climáticas pretéritas incluem: (i)
propriedades físicas dos registros (e.g., tamanho das partículas, espessura das camadas,
propriedades magnéticas); (ii) propriedades biológicas dos registros (e.g., assembléias
microfossilíferas, biomarcadores); e (iii) propriedades geoquímicas e isotópicas dos registros (e.g.,
razões elementares, razões isotópicas, componentes atmosféricos). Algumas destas propriedades são
utilizadas no estabelecimento de modelos de idades dos registros paleoclimáticos, outras na
determinação dos processos associados à formação dos registros e suas alterações diagenéticas, e
outras na reconstituição stricto sensu das propriedades físicas, biológicas e químicas dos
paleoambientes.
A paleoclimatologia é uma disciplina multidisciplinar por excelência que depende do trabalho
conjunto de especialistas em arqueologia, climatologia, ecologia, geologia, geomorfologia,
geoquímica, glaciologia, limnologia, modelagem numérica, oceanografia, paleontologia,
palinologia, pedologia, sedimentologia e vulcanologia, entre outros. Uma porção substancial destas
especialidades foram aplicadas em estudos paleoclimáticos com amostras provenientes do território
brasileiro e sulamericano, como sintetizado neste capítulo. No entanto, as respostas regionais do
clima do Brasil e da América do Sul perante as mudanças climáticas que ocorreram no Quaternário
tardio aparentam ser muito mais diversas do que inicialmente sugerido. Neste sentido, um
conhecimento mais aprofundado da amplitude, extensão geográfica e velocidade de ocorrência das
mudanças climáticas pretéritas se faz urgente. Esta urgência se torna mais sensível quando se
considera: (i) a marcante dependência de importantes setores econômicos do país e do continente ao
atual padrão climático; e (ii) a alta probabilidade da alteração destes padrões no futuro próximo.
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5.2 Mudanças climáticas em escala temporal orbital
Abdelfettah Sifeddine, Francisco W. da Cruz Júnior, Cristiano M. Chiessi
Introdução
Por muito tempo a discussão sobre mudanças climáticas em escala temporal de vários milênios
devido à variação de insolação segundo o ciclo de precessão eram restritas a registros geológicos do
hemisfério norte. Somente nas últimas duas décadas é que começaram a ser discutidas mudanças de
pluviosidade nos trópicos da América do Sul em escala temporal orbital, as quais são consistentes
com os ciclos de precessão (e.g., Seltzer et al., 2000; Haug et al., 2001; Peterson & Haug, 2006). No
Brasil, os primeiros estudos foram baseados em registros de mudanças na vegetação e nível de lagos
em diversas regiões do Brasil (e.g., Absy et al.,1991; Sifeddine et al., 1994; Ledru et al., 2005). Um
grande avanço nesse tópico ocorreu com os estudos de registros em depósitos carbonáticos de
cavernas, mais conhecidos como espeleotemas (e.g., Cruz et al., 2005; Cruz et al., 2009). Tais
registros demonstraram como variações de insolação de verão produziram mudanças no regime de
chuvas tropicais e extratropicais durante o Quaternário Tardio.
Evidências paleoclimáticas a partir de registros lacustres
As primeiras evidências do impacto das mudanças climáticas em relação aos parâmetros orbitais
foram obtidas em registros lacustres localizados na parte oriental da Bacia Amazônica através de
estudos multidisciplinares que associaram dados de paleovegetação, sedimentologia e geoquímica
de um testemunho de seis metros coletado em um dos lagos da serra dos Carajás (Absy et al., 1991;
Sifeddine et al., 1994). Em uma seqüência sedimentar de mais de 60 kyr foi observado que a
floresta úmida local foi substituída por vegetação típica de clima mais seco. De fato, tanto o registro
polínico quanto os estudos sedimentológicos não deixam dúvidas sobre a existência de períodos de
maior a aridez e abertura da floresta que foram identificados pela primeira vez na Amazônia em
quatro períodos em torno de 60, 40 e 23-14 kyr BP, caracterizados pela presença de táxons de
savana. Em comparação com a atual distribuição da densa floresta úmida da Amazônia, pôde-se
admitir que a precipitação, que variam hoje de 1500-2000 mm/ano na parte oriental de Amazônia
foi reduzida para 1000-1500 mm/ano durante estes episódios.
Outras evidências de fortes mudanças climáticas foram obtidas através de estudos palinológicos de
um testemunho coletado no cratera de Colônia, atualmente no domínio de Mata Atlântica do Estado
de São Paulo (23°52′S / 46°42′20″W). Este testemunho fornece resultados de mudanças na
composição da Mata Atlântica no último ciclo glacial/interglacial (Ledru et al., 2005; Ledru et al.,
2009). Essas mudanças discutidas principalmente com base nas freqüências de pólen de elementos
arbóreos, refletem as alterações na cobertura florestal, sendo os períodos de maior expansão e
retração da floresta associadas a mudanças da umidade e temperatura ao longo dos últimos 100 kyr
(Fig. 5.2.1). Comparados a outros registros paleoclimáticos, estes resultados exibe maior
consistência com o ciclo de precessão (~23000 yr), fornecendo evidências de que mudanças na
insolação são os principais forçantes climáticos na expansão e na redução da Mata Atlântica durante
os últimos 100 kyr em resposta a variação da precipitação.
Evidências paleoclimáticas a partir de espeleotemas
Registros das razões isotópicas de oxigênio em espeleotemas precisamente datados pelo método
U/Th consolidaram-se nos últimos anos como um dos melhores indicadores paleoclimáticos de
regiões (sub)tropicais (e.g., Wang et al., 2001; Cruz et al., 2005). Registro de isótopo de oxigênio
(18O) de alta resolução de uma estalagmite coletada na caverna de Botuverá, Santa Catarina
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(27°13‘24‖S/49°09‘20‖W) (Cruz et al., 2005), que abrange os últimos anos 116 kyr, variou de
acordo com mudanças na origem da umidade e quantidade de chuva na área da caverna. A Fig.
5.2.2 mostra uma comparação entre as variações dos valores de 18O com os dados de radiação
solar para o mês de fevereiro a 30°S, controlados principalmente pela mudança de insolação de
acordo com os últimos cinco ciclos de precessão. Essa relação está bem marcada pela
correspondência dos valores máximos e mínimos das razões isotópicas do oxigênio dos
espeleotemas com as fases de insolação mínima e máxima, respectivamente. Através desses estudos
foi possível observar aumento (diminuição) relativo das chuvas associado ao regime do Sistema de
Monção da América do Sul (SMAS), durante as fases de insolação máxima (mínima) de verão.
Nesse caso, variações dos valores de δ18O de espeleotemas, teriam estado associadas às mudanças
na localização média e intensidade do sistema das monções no sul do Brasil, feição que por sua vez
reflete mudanças globais da circulação atmosférica (Cruz et al., 2005; 2006; Wang et al., 2006).
Fig. 5.2.1. - Variações na a) insolação a 20°S para fevereiro (Berger & Loutre, 1991), e b) freqüência de pólen de
árvores (AP %) em Colônia, sudeste do Brasil. Modificado de Ledru et al. (2009).
Nessa mesma linha de pesquisa, foram discutidas oscilações da paleoprecipitação e da circulação
atmosférica na escala temporal orbital no norte da região nordeste do Brasil. Análises de registros
isotópicos de δ18O em espeleotemas do Rio Grande do Norte (Cruz et al., 2009) permitiram sugerir
que as variações da paleoprecipitação seguiram as fases de máxima e mínima da insolação de verão
de fevereiro (10ºS), mas que neste caso, teria resultado em condições, respectivamente, de
diminuição e de aumento das chuvas. Essas reconstituições, obtidas através da alta resolução dos
valores de δ18O em estalagmites potiguares, permitiu indicar que a insolação foi também a principal
forçante das variações de paleoprecipitação no Nordeste brasileiro assim como observado nas
regiões sul e sudeste em registros temporalmente mais longos. No entanto, notou-se que as
variações da paleopluviosidade em escala orbital teriam ocorrido de modo anti-fásico entre as
regiões sul/sudeste e nordeste do Brasil, associadas por sua vez às mudanças na circulação
atmosférica do tipo meridional e zonal.
Do mesmo modo, correlações positivas foram observadas entre registros geoquímicos de Ti
envolvendo os últimos 14 kyr dos testemunhos marinhos da Bacia de Cariaco (Haug et al., 2001) na
Venezuela (~10ºN) (Fig. 5.3.1). No caso, a diminuição das concentrações de Ti nos sedimentos
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marinhos nas proximidades da costa venezuelana durante os últimos 4 kyr, foram associados à
menor descarga fluvial na Bacia de Cariaco, devido ao aumento de aridez na porção norte da
América do Sul. O contrário ocorreu durante o Holoceno inferior e médio, as maiores concentrações
de Ti nos sedimentos marinhos são atribuídas ao maior aporte de sedimentos terrígenos de origem
continental, devido a condições mais úmidas no continente. Essa variação de condições mais
úmidas para mais secas por volta de 4 kyr descrita nos trabalhos da China (Wang et al. 2001; 2008),
de Cariaco (Peterson et al. 2000; Haug et al. 2001), oeste da África (Gasse, 2000) e América
Central (Lachniet et al., 2004), foi associada a um deslocamento para o sul da Zona de convergência
Intertropical (ITCZ) o que causaria, em teoria, aumento de umidade em todo o Brasil. O mesmo
mecanismo vem sendo largamente utilizado para explicar condições mais úmidas durante fases de
insolação mais alta nos subtrópicos brasileiros (Cruz et al. 2005; 2006) e nos Andes (Baker et al.
2001a; 2001b; Seltzer et al., 2002), que ocorrem em oposição ao clima dos trópicos do hemisfério
norte.
820
860
880
900
920
940
960
2
-1
Insolation Feb. 30S (W/m )
840
980
-3
18
 O
-2
-4
-5
0
10 20 30 40 50 60 70 80 90 100 110 120
Idade (ka A.P.)
Fig. 5.2.2. - Variações na a) insolação a 30°S para fevereiro (Berger & Loutre, 1991), e b) valores de 18O do
espeleotema BT2 de Botuverá (SC). Modificado de Cruz et al. (2005).
O ponto mais importante de toda a discussão sobre o padrão de variação paleoclimática acima
definido em escala orbital é que o mesmo não pode ser simplesmente explicado pelo deslocamento
meridional da ITCZ. Ao contrário do esperado, as variações na precipitação do nordeste do Brasil
que seguem o ciclo de precessão estão em fase com registros paleoclimáticos do hemisfério norte e
são assim antifásicas com os registros da espeleotemas do sul e sudeste do Brasil (Cruz et al., 2005;
2006) e de lagos/espeleotemas dos Andes (Baker et al., 2001a; 2001b; Seltzer et al., 2002;
Breukelen et al., 2008). Esse padrão antifásico de paleoprecipitação entre o nordeste e sul/sudeste
brasileiro proposto por Cruz et al. (2009), foi também observado na região da Chapada Diamantina
(BA) e sugere ser dominante na maior parte do nordeste do Brasil, do Rio Grande do Norte até a
Bahia (Barreto, 2010) (Fig. 5.2.3).
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Idade (mil anos A.P)
0
2
4
6
8
10
12
14
16
18
a
20
-4
-5
18
China  O (‰)
-6
-7
-8
b
-1
YD
-9
H1
18
Bt2  O (‰)
-2
-3
-4
c
0
-1
-5
-2
-4
-5
-7
-1
-8
-2
-9
-3
B-A
950
Úmido
940
8.2 ky
930
H1
YD
920
-4
910
-5
900
-6
890
-7
880
0
2
4
6
8
10
12
14
16
18
-1
870
TBV37
2
TBV62
LBR8
-8
Insolação Fevereiro 10°S(cal cm dia )
0
18
Seco
d
-6
Bahia  O (‰)
18
RN  O (‰)
-3
20
Idade (mil anos A.P)
Fig. 5.2.3. - Comparação entre os registros de 18O de espeleotemas da China (Wang et al. 2001; 2008) (a), Botuverá
(SC) (Cruz et al., 2005) (b), cavernas do Rio Grande do Norte (Cruz et al., 2009) (c), e Bahia (Barreto, 2010) (d). Os
pontos localizados abaixo dos registros isotópicos da Bahia correspondem às datações realizadas nos espeleotemas Toca
da Boa Vista (TBV) e Lapa dos Brejões (LBR) (Wang et al., 2004).
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O padrão antifásico das chuvas do hemisfério sul durante o Holoceno, assim como descrito para
alguns trechos da última glaciação, pode ser explicado a partir da influência do SMAS sobre a
circulação zonal dentro do continente, intensificada durante os períodos de insolação mais alta.
Sugere-se que o aumento da radiação solar no topo da atmosfera teria aquecido o continente sulamericano em relação à superfície marinha, o que resultou numa maior convergência de umidade do
oceano Atlântico tropical para a Bacia Amazônica. Esse processo intensificou o sistema monçônico
e aprofundou o cavado do nordeste, feição responsável pelas condições de baixa (alta) pressão em
altos (baixos) níveis da região durante o verão, que gerou condições mais secas no nordeste
brasileiro e mais úmidas no restante do país.
Considerações finais
Esta primeira síntese teve como objetivo estabelecer o estado da arte em relação às evidências da
existência de registros das mudanças orbitais e seus impactos sobre os ciclos hidrológicos, como
também sobre os ecossistemas continentais em regiões tropicais e subtropicais do Brasil. O padrão
de variação de precipitação em escala orbital deve ser ainda melhor estabelecido para o continente
sul-americano com dados de outras regiões brasileiras. Torna-se extremamente importante neste
estágio um esforço conjunto da comunidade científica dedicada à paleoclimatologia no sentido de
se obter e analisar testemunhos lacustres (por exemplo por meio do International Continental
Scientific Drilling Program) e marinhos (por exemplo por meio do Integrated Ocean Drilling
Program) longos em regiões chaves para um melhor conhecimento dos impactos dos parâmetros
orbitais sobre os ciclos hidrológicos como também sobre a vegetação.
Referências
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5.3 Mudanças climáticas abruptas
Cristiano M. Chiessi, Francisco W. da Cruz Júnior
Introdução
Durante a última glaciação a Groenlândia apresentou marcantes mudanças climáticas abruptas na
escala temporal milenar (e.g., Dansgaard et al., 1993; NGRIP members, 2004). Os testemunhos de
gelo da Groenlândia registraram mudanças de 7 a 12oC em poucas décadas que foram
acompanhadas de flutuações dramáticas nas concentrações de metano e poeira atmosférica (e.g.,
Mayewski et al., 1997; Blunier & Brook, 2001). Neste tópico, as mudanças climáticas abruptas são
aquelas que se processam em grande escala geográfica e que ocorrem no intervalo de tempo de
algumas décadas ou menos, e causam rupturas substanciais nas sociedades humanas e sistemas
naturais (Clark et al., 2008). Pelo menos quatro tipos de mudanças abruptas identificadas nos
registros paleoclimáticos são dignas de nota, uma vez que a sua recorrência apresentaria altos riscos
à sociedade no que se refere à sua capacidade adaptativa: (i) rápidas mudanças no nível do mar
devido ao aumento nas taxas de degelo; (ii) mudanças no ciclo hidrológico que afetam vastas áreas
por um longo período de tempo; (iii) alterações na Célula de Revolvimento Meridional do Atlântico
(AMOC); e (iv) rápidas liberações de metano aprisionado no permafrost e nas margens continentais.
Desde as primeiras descobertas, eventos caracterizados como mudanças climáticas abruptas foram
identificados em diversas localidades ao redor do planeta (e.g., Voelker et al., 2002). No entanto, os
mecanismos responsáveis pela formação e propagação destes eventos não se encontram
perfeitamente esclarecidos (e.g., Broecker, 2003; Barker et al., 2009; Stager et al., 2011). O
conhecimento apropriado destes relevantes eventos climáticos depende da existência uma densa
cobertura espacial de registros paleoclimáticos com resolução temporal e modelos de idade
compatíveis com a duração dos eventos. A seguir serão sintetizados alguns dos principais registros
de mudanças climáticas abruptas localizados no território brasileiro e no oceano Atlântico Sul que
ocorreram durante a última glaciação. Os prováveis mecanismos responsáveis por estas mudanças
também serão abordados.
Os registros das mudanças climáticas abruptas do último período glacial e interglacial
No Brasil e na porção oeste do Atlântico Sul, as mudanças climáticas abruptas milenares da última
glaciação foram registradas em espeleotemas (e.g., Wang et al., 2004; Cruz et al., 2005), sedimentos
continentais (e.g., Ledru et al., 2001; Ledru et al., 2006) e sedimentos marinhos (e.g., Arz et al.,
1998; Behling et al., 2000) (Fig. 5.3.1). Observa-se uma marcante concentração dos registros das
mudanças climáticas abruptas na região NE do Brasil e no oceano adjacente. Os seguintes fatores
contribuem para tal concentração: (i) a alta amplitude do sinal das mudanças climáticas abruptas
nesta região do continente e oceano; (ii) a alta resolução temporal de alguns registros
paleoclimáticos provenientes destas regiões; e (iii) a maior quantidade de registros paleoclimáticos
disponíveis nestas regiões.
Com base em 39 datações U/Th de espeleotemas provenientes da região norte semi-árida da Bahia,
Wang et al. (2004) definiram ca. 10 fases de crescimento de espeleotemas com duração milenar
durante os últimos 90 kyr durante as quais a precipitação na região deve ter aumentado
consideravelmente (Figs. 5.3.1, 5.3.2h). Dados de 18O de espeleotemas do Rio Grande do Norte
(Cruz et al., 2009) corroboram os resultados apresentados por Wang et al. (2004) para o período do
HS1 além de permitir um detalhamento de parte da estrutura interna deste evento em função da alta
resolução temporal do registro isotópico. Ainda no continente, o registro polínico da Lagoa do
Caçó, estado do Maranhão, também registrou com certo detalhamento as mudanças vegetacionais
Primeiro draft do capítulo 5 do Grupo de Trabalho 1 do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas – 06/2011
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ocorridas durante a última deglaciação, na qual o HS1 se sobressai de forma marcante (Ledru et al.,
2001; Ledru et al., 2006). Durante a última deglaciação, os autores descrevem o predomínio
genérico de uma assembléia vegetacional típica de climas secos, que é suplantada por uma
significativa expansão de espécies típicas de climas com maior umidade com pico entre ca. 17 e 15
cal kyr BP, simultânea ao HS1. No entanto, os eventos quentes abruptos no hemisfério norte, a
exemplo do evento Bølling-Allerød, podem também impactar o clima do nordeste do Brasil e criar
um grande déficit na precicipitação, assim como observado no oeste da Bahia (Wang et al., 2007b)
e no Rio Grande do Norte (Cruz et al., 2009).
Fig. 5.3.1 – Salinidade da superfície marinha (psu) (Antonov et al., 2010) para os oceanos Atlântico e Pacífico e
precipitação acumulada (mm estação-1) para a América do Sul durante o verão do hemisfério sul (Xie & Arkin, 1997).
A localização dos registros paleoambientais presentes na Fig. 5.3.2 estão representados por círculos amarelos enquanto
que outros registros paleoambientais discutidos no texto estão representados por círculo brancos (ODP999A: Schmidt et
al. (2006); Bacia de Cariaco: Peterson et al. (2000), Gonzalez et al. (2008); MD02-2529: Leduc et al. (2007); Lagoa do
Caçó: Ledru et al. (2001; 2006); GeoB3104-1/3912-1: Arz et al. (1998), Behling et al. (2000), Jennerjahn et al. (2004);
GeoB3910-2: Jaeschke et al. (2007); Cavernas Toca da Boa Vista (TBV) e Lapa dos Brejões (LBR): Wang et al.
(2004); Caverna Santana: Cruz et al. (2006); Caverna de Botuverá: Cruz et al. (2005), Wang et al. (2006; 2007a),
36GGC: Carlson et al. (2008); GeoB6211-2: Chiessi et al. (2008)).
Na porção equatorial oeste do Atlântico, Arz et al. (1998) caracterizaram 9 períodos com duração
milenar de maior acúmulo de sedimentos terrígenos (Figs. 5.3.1, 5.3.2d) durante os últimos ca. 80
kyr. Tais incrementos estão registrados no aumento das razões Ti/Ca e Fe/Ca analisadas em
sedimento total e refletem períodos de maior descarga sedimentar fluvial associados a aumentos
consideráveis na precipitação no continente. Arz et al. (1998) observaram ainda uma marcante
sincronia entre os períodos de maior acúmulo de sedimentos terrígenos e os eventos HS6 a HS1
muito bem documentados no Atlântico Norte. Em um dos testemunhos sedimentares marinhos
estudados por Arz et al. (1998), Behling et al. (2000) inferem a presença predominante de pólens de
plantas do bioma caatinga no continente adjacente o que indica que condições climáticas semi-
Primeiro draft do capítulo 5 do Grupo de Trabalho 1 do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas – 06/2011
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áridas persistiram durante os últimos ca. 50 kyr. Entretanto, as composições de florestas mais
umidas se tornaram mais abundantes durante os eventos HS6 a HS5 quando o fluxo de pólens para
o sítio de deposição aumentou significativamente, muito provavelmente devido ao aumento na
precipitação e descarga fluvial (Fig. 5.3.2f). Com base em indicadores de geoquímica orgânica,
Jennerjahn et al. (2004) descreveu períodos milenares coincidentes temporalmente com os eventos
HS8-HS1 além do YD de menor degradação e predomínio de matéria orgânica continental
depositada no sítio marinho estudado (Figs. 5.3.1, 5.3.2e). Tais mudanças foram atribuídas a um
menor tempo de residência e a um aporte fluvial mais intenso relacionado, por sua vez, com
aumentos na precipitação no NE Brasileiro.
O estudo detalhado das modificações na vegetação da área de captação do testemunho marinho
GeoB3910-2 permitiu identificar algumas características da estrutura interna do HS1 (Dupont et al.,
2009). Durante o início do HS1 (ca. 18-16.6 cal kyr BP), o aumento no fluxo de pólens indica
elevação na precipitação da área de captação. No entanto, nesta primeira fase os autores não
identificaram marcantes modificações na assembléia polínica que apresenta uma mistura de
gramíneas e elementos típicos de savana indicando que a erosão é o principal responsável pelo
aumento no fluxo de pólens. Durante uma segunda fase (ca. 16.6-14.9 cal kyr BP), os autores
descrevem o aumento marcante na porcentagem e diversidade de elementos florestais. Após 14.9
cal kyr BP as assembléias polínicas voltam a apresentar a predominância de elementos típicos de
gramíneas e savana.
Quatro estudos apresentam reconstituições das variações das temperaturas oceânicas para períodos
distintos da última glaciação e deglaciação na porção oeste do Atlântico Sul com resolução
temporal adequada para capturar mudanças abruptas na escala milenar, a saber Weldeab et al.,
(2006), Jaeschke et al. (2007), Carlson et al. (2008) e Chiessi et al. (2008) (Fig. 5.3.1). Destes
estudos, apenas Jaeschke et al. (2007) apresentam um registro que ultrapassa o Último Máximo
Glacial e será tratado nesta seção, enquanto que os demais registros serão apresentados na seção
5.4. Utilizando o índice de insaturação de alquenonas, Jaeschke et al. (2007) reportam diminuições
abruptas nas temperaturas da superfície marinha com amplitude entre 0.5 e 2oC o largo do estado do
Ceará que são simultâneas aos eventos HS6-HS2 bem como a picos no aporte de sedimentos
terrígenos (Arz et al., 1998), matéria orgânica continental (Jennerjahn et al., 2004), e fluxo de
pólens (Behling et al., 2000) para o Atlântico.
Nas regiões SE e S do Brasil, registros de 18O das cavernas de Botuverá (e.g., Cruz et al., 2005;
Wang et al., 2007a) e Santana (Cruz et al., 2006) apresentam marcantes excursões abruptas
negativas milenares de até 2‰ durante os eventos HS10-HS1 e YD (Figs. 5.3.1, 5.3.2i). Os autores
associam estas anomalias a períodos nos quais a principal fonte de umidade para as cavernas seria
aquela proveniente da Amazônia, a qual estaria relacionada ao Sistema de Monção da América do
Sul.
Os mecanismos responsáveis pelas mudanças climáticas abruptas
Os padrões de distribuição das anomalias de TSM durante os eventos HS no Atlântico apontam para
uma marcante diminuição nas TSM nas altas e médias latitudes do Atlântico Norte (e.g., Bard et al.,
2000; NGRIP members, 2004) e do Atlântico equatorial (e.g., Jaeschke et al., 2007), enquanto que o
Atlântico Sul (e.g., Carlson et al., 2008; Barker et al., 2009) e a Antártica (e.g., Blunier & Brook,
2001; EPICA, 2006) sofreram aquecimento. Reconstituições de salinidade da superfície do mar
(SSM) indicam significativa diminuição na SSM para as altas latitudes do Atlântico Norte (e.g.,
Bard et al., 2000), enquanto que o Atlântico oeste e Sul (e.g., Schmidt et al., 2006; Carlson et al.,
2008) bem como o Índico (e.g., Levi et al., 2007) apresentaram elevação na SSM. Modelos
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conceituais e numéricos indicam que estes padrões de distribuição de TSM e SSM estão associados
a mudanças na AMOC em resposta a pequenas modificações no ciclo hidrológico (e.g., Manabe &
Stouffer, 1988; Crowley, 1992; Vellinga & Wood, 2002). A formação de Água Profunda no
Atlântico Norte seria perturbada por estas modificações no ciclo hidrológico e fenômenos oceânicos
e atmosféricos seriam responsáveis pela transmissão global do sinal climático por meio de uma
série de mecanismos de retro-alimentação (e.g., Broecker, 1997; Clark et al., 2002).
Fundamentalmente, o enfraquecimento da AMOC durante os eventos HS estaria associado ao
aquecimento (resfriamento) da superfície e das profundidades intermediárias do Atlântico Sul
(Norte). Um grande número de reconstituições paleoambientais baseadas em múltiplos indicadores
corroboram o envolvimento da AMOC nas mudanças climáticas abruptas (e.g., Bond et al., 1993;
Rühlemann et al., 1999; McManus et al., 2004; Gherardi et al., 2005; Leduc et al., 2007; Chiessi et
al., 2008).
As modificações de TSM e SSM observadas no Atlântico equatorial e Sul durante as mudanças
climáticas abruptas são explicadas de maneira satisfatória pela diminuição na intensidade da
AMOC. No entanto, as mudanças no padrão de precipitação no Brasil bem como na distribuição
dos principais biomas requer uma avaliação mais detalhada dos mecanismos potencialmente
responsáveis. Durante o último período glacial, a marcante diminuição na intensidade da AMOC
teria causado expansão na cobertura de gelo do mar no Atlântico Norte e subseqüente deslocamento
da Zona de Convergência Intertropical (ITCZ) para o S (Chiang et al. 2003; Chiang & Bitz 2005).
Este fenômeno muito provavelmente foi responsável por uma mudança abrupta no ciclo hidrológico
tropical como reconstituído através de registros do norte da América do Sul e na região NE do
Brasil (Fig. 5.3.2c,d,e,f,h) (e.g., Arz et al., 1998; Peterson et al., 2000; Wang et al., 2004).
Conforme observado em dados instrumentais (Robertson & Mechoso 2000; Doyle & Barros 2002;
Liebmann et al. 2004), uma anomalia positiva de TSM na porção oeste do Atlântico Sul subtropical
pode estimular a intensificação do Sistema de Monção da América do Sul e do Jato de Baixos
Níveis. Esta combinação terminaria por fornecer umidade empobrecida isotopicamente para as
regiões S e SE do Brasil (Vuille & Werner, 2005) conforme registrado (Fig. 5.3.2i) (e.g., Cruz et al.,
2005; Wang et al., 2007a).
Adicionalmente, de forma análoga à situação observada durante o inverno boreal (Lindzen & Hou,
1988), a migração para o sul da ITCZ durante os eventos HS pode ter causado uma assimetria
meridional na circulação de Hadley (Wang et al., 2004; Wang et al., 2006; Wang et al., 2007a; Cruz
et al., 2009). O deslocamento para o sul da célula da Hadley alteraria o transporte meridional de
umidade, intensificando a movimentação ascendente de massas de ar nas baixas latitudes austrais
enquanto que os trópicos e subtrópicos do hemisfério norte seriam caracterizados por intensificação
na movimentação subsidente. Genericamente, as baixas latitudes do hemisfério sul(norte) sofreriam
elevação(diminuição) na precipitação (Clement et al. 2004; Chiang & Bitz 2005). Esta assimetria
inter-hemisférica na circulação de Hadley estaria particularmente bem documentada nas tendências
opostas observadas em registros de 18O baseados em espeleotemas da China e do Brasil (Wang et
al., 2006; Wang et al., 2007a). Períodos de enfraquecimento do Sistema de Monção de Verão do
Leste de Ásia estariam associados à intensificação do Sistema de Monção da América do Sul.
Durante os eventos HS, as florestas de baixas altitudes no extremo norte da América do Sul
tornaram-se menos densas, enquanto que a tendência oposta foi registrada no NE do Brasil (e.g.,
Ledru et al., 2001; Gonzalez et al., 2008; Dupont et al., 2009; Hessler et al., 2010). A resposta
oposta encontrada em ambos os limites de migração sazonal da ITCZ corrobora a hipótese de uma
migração para o S da ITCZ durante os eventos HS (e.g. Peterson et al., 2000).
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Fig. 5.3.2 – Registros paleoclimáticos da porção leste da América do Sul e da porção oeste do Oceano Atlântico para o
intervalo entre 10 e 90 cal kyr BP além de indicadores de temperatura das altas latitudes do hemisfério norte (a) e da
intensidade do Sistema de Monção de Verão do Leste da Ásia (SMLA) (b). A latitude de cada registro pode ser
encontrada na figura. Todos os registros encontram-se com seus modelos de idade originais. As siglas H1, H2, H3, H4,
H5 e H6 se referem aos eventos Heinrich Stadials cujas idades foram baseadas em Sarnthein et al. (2001). Outras
abreviações usadas na figura: LBR-Caverna Lapa dos Brejões, T-temperatura, TBV-Caverna Toca da Boa Vista, TSMtemperatura da superfície do mar, VPDB-Vienna Pee Dee Belemnite. Para a localização dos registros sul-americanos
ver a Fig. 5.3.1.
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Considerações finais
Os registros paleoclimáticos e paleoceanográficos disponíveis na literatura evidenciam fortes e
abruptas oscilações no gradiente de temperatura do Oceano Atlântico, que causaram variações
abruptas de pluviosidade tanto no regime de chuva associado às monções sul-americanas, quanto na
área diretamente afetada pela Zona de Convergência Intertropical. Essas mudanças são sentidas
principalmente nos eventos frios do hemisfério norte, do tipo Heinrich Stadials, mas em alguns
casos também são coincidentes com eventos quentes do hemisfério norte do tipo DaansgardOeschger. A causa destas mudanças climáticas abruptas reside aparentemente em marcantes e
abruptas mudanças na intensidade da Célula de Revolvimento Meridional do Atlântico.
Apesar dos avanços no conhecimento dos eventos abruptos milenares que ocorreram no período
glacial e deglacial, é necessária ampla expansão desses estudos para novas áreas, tendo em vista
determinar: (i) a distribuição espacial no continente sul-americano das anomalias positivas de
precipitação durante os eventos Heinrich Stadials; (ii) a distribuição espacial no Atlântico Sul das
anomalias de temperatura e salinidade da superfície do mar durante os eventos Heinrich Stadials;
(iii) a distribuição vertical no Atlântico Sul das anomalias de temperatura e salinidade durante os
eventos Heinrich Stadials; (iv) a velocidade da resposta dos diversos biomas às modificações na
precipitação associadas aos eventos Heinrich Stadials; e (v) os mecanimso pelos quais os eventos
milenares abruptos modulam ciclos em escala secular a decenal de variação de pluviosidade nos
trópicos da Américo do Sul. Uma vez que é altamente provável que a Célula de Revolvimento
Meridional do Atlântico apresente diminuição na sua intensidade (ca. 25%) no futuro próximo (até
o final do século XXI) (e.g., Meehl et al., 2007) estudos mais aprofundados dos impactos das
mudanças pretéritas na intensidade da Célula de Revolvimento Meridional do Atlântico sobre o
clima da América do Sul e dos oceanos adjacentes se fazem altamente necessários.
Existem ainda poucas informações sobre a ocorrência de eventos climáticos abruptos com duração
de várias décadas a poucos séculos durante os últimos milhares de anos no Brasil como, por
exemplo, a Pequena Idade do Gelo. Muito recentemente esses eventos passaram a receber mais
atenção (e.g., Chiessi et al., 2009; Souto et al., 2011; Strikis et al., in press) de forma que
provavelmente teremos resultados suficientes para discutir a ocorrência destes eventos no passado
mais recente até a submissão do relatório final do PMBC.
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21
5.4 Mudanças na paleocirculação da porção oeste do Atlântico Sul
Cristiano M. Chiessi, Abdelfettah Sifeddine
Introdução
Três períodos específicos serão tratados a seguir, a saber o Último Máximo Glacial (LGM) (entre
23 e 19 cal kyr BP), a última deglaciação (entre ca. 19 e 10 cal kyr BP) e o Holoceno (entre 10 e 0
cal kyr BP). Estes três períodos foram escolhidos por apresentarem pelo menos duas das seguintes
características: (i) estarem representados por uma quantidade mínima de dados de reconstituição na
porção oeste do Atlântico Sul; (ii) representarem condições de contorno (e.g., extensão das geleiras
no hemisfério norte, nível relativo do mar, concentração dos gases de efeito estufa na atmosfera)
significativamente distintas daquelas observadas no período pré-industrial; (iii) conterem eventos
abruptos de mudanças na paleocirculação da porção oeste do Atlântico Sul; e (iv) permitirem
explorar a variabilidade de ―alta‖ freqüência (i.e., decenal, multidecenal, secular) na circulação da
porção oeste do Atlântico Sul sob condições de contorno similares àquelas do período pré-industrial
(e.g., extensão das geleiras no hemisfério norte, nível relativo do mar, concentração dos gases de
efeito estufa na atmosfera). Adicionalmente, tratam-se de períodos de marcante interesse para a
validação de modelos numéricos de circulação (e.g., Knorr & Lohmann, 2003; Otto-Bliesner et al.,
2007).
O Último Máximo Glacial
Apesar da relativa pequena quantidade de dados provenientes da porção oeste do Atlântico Sul, a
compilação mais recente de temperaturas da superfície do mar (TSM) vigente durante o LGM
indica uma diminuição entre 1 e 2oC (média anual) na porção oeste do Atlântico Sul (Fig. 5.4.2c)
(MARGO Project Members, 2009). Os mesmos autores indicam um resfriamento entre 4 e 8oC
(verão do hemisfério sul) para a região da atual Zona Subantártica do setor Atlântico do Oceano
Austral. Uma vez que o resfriamento na Zona Subantártica teria sido significativamente superior
àquele observado em latitudes adjacentes, acredita-se que o gradiente térmico na porção N do setor
Atlântico do Oceano Austral durante o LGM tenha sido marcantemente superior ao atual (Gersonde
et al., 2005; Groeneveld & Chiessi, in press). A grande maioria dos dados de TSM disponíveis para
o LGM se refere à utilização de assembléias de foraminíferos, diatomáceas e radiolários, e a
aplicação de outros indicadores ainda é extremamente restrita (MARGO Project Members, 2009).
A distribuição vertical das massas de água na porção W do Atlântico Sul durante o LGM foi
significativamente distinta da sua distribuição moderna (e.g., Stramma & England 1999; Came et
al., 2003; Volbers & Henrich, 2004; Curry & Oppo, 2005; Makou et al., 2010). Como principais
diferenças pode-se mencionar: (i) diminuição na profundidade da lisóclina (calcita) de ca. 4000 m
para ca. 3200 m (Volbers & Henrich, 2004); (ii) diminuição na profundidade da porção central da
Água Intermediária Antártica (AAIW) de ca. 1500 m para ca. 1000 m (Fig. 5.4.2i) (Came et al.,
2003; Curry & Oppo, 2005; Makou et al., 2010); (iii) presença de uma massa de água proveniente
do N (i.e., a equivalente do LGM da Água Profunda do Atlântico Norte, NADW) centrada em ca.
1500 m (atualmente a NADW apresenta sua porção central em ca. 2500 m) (Fig. 5.4.2i) (Stramma
& England, 1999; Came et al., 2003; Curry & Oppo, 2005); e (iv) presença de uma massa de água
proveniente do S (i.e., Água Antártica de Fundo, AABW) abaixo de ca. 2000 m (atualmente AABW
está presente abaixo de 3800 m) (Stramma & England, 1999; Curry & Oppo, 2005). Esta
distribuição apresenta marcantes conseqüências para: (i) a operação da Célula de Revolvimento
Meridional do Atlântico (AMOC) (e.g., Lynch-Stieglitz et al., 2007); (ii) a capacidade do Atlântico
aprisionar CO2 atmosférico (e.g., Skinner et al., 2010); e (iii) a redistribuição de calor e nutrientes
no Atlântico (e.g., Ganachaud & Wunsch 2000; Sarmiento et al., 2004).
Primeiro draft do capítulo 5 do Grupo de Trabalho 1 do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas – 06/2011
22
Apesar da sua intrínseca relevância, ainda não está claro se a operação da AMOC durante o LGM
foi significativamente distinta da atual (e.g., Lynch-Stieglitz et al., 2007). Indicadores cinemáticos
(e.g., Pa/Th) da intensidade da AMOC ainda não estão disponíveis para a porção oeste do Atlântico
Sul. No entanto, indicadores cinemáticos analisados em testemunhos sedimentares de outras regiões
do Atlântico fornecem importantes informações a respeito da operação da AMOC durante o LGM.
Aparentemente, o Atlântico durante o LGM foi marcado por uma célula de revolvimento que não
foi nem significativamente mais fraca nem uma versão intensificada da atual (e.g., Lynch-Stieglitz
et al., 2007). A AMOC durante o LGM foi provavelmente mais rasa do que a AMOC moderna e o
tempo de residência das águas profundas foi ligeiramente superior aos valores que as mesmas
massas de água apresentam atualmente (e.g., McManus et al., 2004; Gherardi et al., 2009). Vale
notar que durante o LGM o gradiente zonal de 18O analisado em foraminíferos bentônicos (um
indicador de densidade) no Atlântico Sul aproxima-se de zero, sugerindo uma diminuição marcante
na intensidade da porção superior da célula de revolvimento (Lynch-Stieglitz et al., 2006).
Fig. 5.4.1 – Média anual da temperatura da superfície marinha (oC) para a porção oeste do Atlântico Sul (Locarnini et
al., 2010) e localização dos testemunhos sedimentares marinhos discutidos no texto. Testemunhos com dados
disponíveis apenas para o Último Máximo Glacial estão representados por círculo brancos (MARGO Project Members,
2009); testemunhos com dados disponíveis para outros períodos estão representados por círculos amarelos (GeoB39102: Arz et al. (2001), Jaeschke et al. (2007); GeoB3129/3911-3: Weldeab et al. (2006); GeoB3202-1: Arz et al. (1999);
SAN76: Toledo et al. (2007a, b); 7606: Gyllencreutz et al. (2010); 36GGC: Came et al. (2006); Carlson et al. (2008);
Pahnke et al. (2008); GeoB6211-2: Chiessi et al. (2008); SP1251: Laprida et al. (in press)).
A última deglaciação
Os eventos climáticos abruptos característicos da última deglaciação causaram marcantes
modificações na paleocirculação da porção oeste do Atlântico Sul (Fig. 5.4.2c, d, e, h, i, j) (e.g., Arz
et al., 1999; Chiessi et al., 2008; Pahnke et al., 2008;). Apesar de ainda restrita, a quantidade de
dados que registra a última deglaciação na porção oeste do Atlântico Sul já permite a elaboração de
um cenário evolutivo para o período. As latitudes subtropicais da porção oeste do Atlântico Sul
sofreram aparente elevação nas TSM (Carlson et al., 2008) durante os eventos de diminuição na
intensidade da AMOC e da TSM nas altas latitudes do hemisfério norte (i.e., Heinrich Stadial 1,
Younger Dryas) (Fig. 5.4.2a) (e.g., Bard et al., 2000; McManus et al., 2004; NGRIP members,
Primeiro draft do capítulo 5 do Grupo de Trabalho 1 do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas – 06/2011
23
Fig. 5.4.2 – Registros paleoceanográficos da porção oeste do Atlântico Sul desde o Último Máximo Glacial e
indicadores de temperatura provenientes das altas latitudes dos hemisférios norte e sul. A latitude de cada registro pode
ser encontrada na figura. Todos os registros encontram-se com seus modelos de idade originais. As três barras cinzas
verticais marcam o LGM-Último Máximo Glacial (Mix et al., 2001), HS1-Heinrich Stadial 1 (McManus et al., 2004) e
YD-Younger Dryas (Rasmussen et al., 2006). Outras abreviações usadas na figura: CB-Corrente do Brasil, ivc-ice
volume corrected, SSM-salinidade da superfície do mar, sw-sea water, T-temperatura, TSM-temperatura da superfície
do mar, VPDB-Vienna Pee Dee Belemnite, e VSMOW-Vienna Standard Mean Ocean Water. Para a localização dos
testemunhos marinhos ver a Fig. 5.4.1.
Primeiro draft do capítulo 5 do Grupo de Trabalho 1 do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas – 06/2011
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2004). Esta situação é compatível com a intensificação da Corrente do Brasil em detrimento da
Corrente Norte do Brasil (Fig. 5.4.2e) (Arz et al., 1999), o aprisionamento de calor nas camada
superficiais do Atlântico Sul (e.g., Carlson et al., 2008; Barker et al., 2009), e a operação de uma
bipolar seesaw no Atlântico conforme proposto em modelos conceituais e numéricos (e.g.,
Broecker, 1998; Vellinga & Wood, 2002). A desintensificação da AMOC e seus efeitos colaterais
provavelmente causaram uma elevação na salinidade da superfície do mar (SSM) na porção oeste
do Atlântico que também foi registrada no talude continental brasileiro (Fig. 5.4.2d, h) (Weldeab et
al., 2006; Carlson et al., 2008).
Na termóclina permanente das latitudes subtropicais da porção oeste do Atlântico Sul, temperatura e
salinidade apresentaram evolução oposta àquela observada na superfície do mar (Fig. 5.4.2j)
(Chiessi et al., 2008). Este comportamento foi associado em parte às mudanças no gradiente zonal
de temperatura no Atlântico Sul em resposta das mudanças na intensidade da AMOC e em parte às
alterações no fluxo da massa de água central com alta salinidade que é transportada do Oceano
Índico para o Atlântico Sul pelo Agulhas leakage em resposta da migração meridional das frentes
circum Antárticas. Em profundidades intermediárias das latitudes subtropicais da porção oeste do
Atlântico Sul, Pahnke et al. (2008) registraram aumento da participação de AAIW para períodos de
desintensificação da AMOC durante a última deglaciação (Fig. 5.4.2g). Este incremento estaria
aparentemente associado à diminuição da competição entre AAIW e a Água Glacial Intermediária
do Atlântico Norte. Apesar da resolução temporal mais baixa, uma situação similar foi encontrada
por Toledo et al. (2007a) no testemunho SAN76 (Fig. 5.4.1).
Dois testemunhos sedimentares coletados no talude continental do Nordeste do Brasil apontam
tendências de variações de TSM aparentemente distintas durante os eventos climáticos abruptos da
última deglaciação (Fig. 5.4.2c) (Weldeab et al., 2006; Jaeschke et al., 2007). Reconstituições de
TSM com base na razão Mg/Ca analisada em foraminíferos planctônicos indicam uma elevação na
TSM para períodos de desintensificação da AMOC (Weldeab et al., 2006) enquanto que
reconstituições de TSM com base no índice de insaturação de alquenonas não indicam qualquer
alteração para os mesmos períodos (Jaeschke et al., 2007). Acredita-se que esta diferença esteja
relacionada às diferentes estações do ano registradas em cada um dos indicadores utilizados, a saber
verão para os foraminíferos e inverno para as alquenonas (Leduc et al., 2010).
O Holoceno
Existe uma marcante carência de estudos paleoceanográficos com resolução temporal adequada que
tratem da porção oeste do Atlântico Sul (e.g., Leduc et al., 2010). Dois registros de TSM
provenientes de baixas latitudes não indicam marcantes variações durante os últimos 10 kyr (Fig.
5.4.2c) (Weldeab et al., 2006; Jaeschke et al., 2007). Utilizando registros de dissolução de
carbonatos marinhos em um testemunho coletado a 2362 m de profundidade na porção oeste do
Atlântico equatorial, Arz et al. (2001) sugerem que durante os eventos Bond (eventos de diminuição
na intensidade da AMOC característicos do Holoceno; Bond et al., 1997) a dissolução tenha
aumentado, refletindo o aumento da proporção de massas de água mais corrosivas muito
provavelmente do S na localidade e profundidade estudadas. Para latitudes subtropicais, Came et al.
(2003) sugerem que a atual configuração de massas de água em profundidades intermediárias só foi
atingida ao redor de 9 cal kyr BP, concomitantemente com o aquecimento do Atlântico Norte.
Na plataforma continental S do Brasil, Gyllencreutz et al. (2010) indicam uma marcante alteração
na circulação superficial entre 5 e 4 cal kyr BP. Os dados apresentados pelos autores sugerem que
as condições hidrográficas atuais teriam se estabelecido neste período com o avanço da Água da
Pluma do Prata em direção ao N em decorrência do aumento da precipitação no continente e
Primeiro draft do capítulo 5 do Grupo de Trabalho 1 do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas – 06/2011
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alteração no regime de ventos (Fig. 5.4.2f). Na região da ressurgência de Cabo Frio, Souto et al.
(2011) indicam dois períodos de aparente intensificação na ressurgência durante os últimos 1200 yr,
a saber entre 850 e 1070 AD e entre 1550 e 1850 AD.
Considerações finais
O conhecimento a respeito das mudanças na paleocirculação da porção oeste do Atlântico Sul é
ainda bastante restrito e fragmentado. Extensas regiões da margem continental leste da América do
Sul não apresentam praticamente nenhum estudo com resolução temporal mínima e modelo de
idades confiáveis, como é o caso entre ca. 10 e 20oS e ao S de 33oS (com exceção dos testemunhos
CMU14 e ESP08 de Toledo et al. (2007b) e o testemunho SP1251 de Laprida et al. (in press)).
Adicionalmente, a ausência praticamente completa de estudos que abordem as mudanças abruptas
da última glaciação e que tratem do último interglacial representa uma importante barreira no
sentido de utilizar cenários pretéritos de circulação da porção oeste do Atlântico Sul como análogos
futuros.
Não obstante, estudos de calibração executados com amostras de superfície de fundo da porção
oeste do Atlântico Sul estão disponíveis para uma quantidade razoavelmente grande de indicadores
paleoceanográficos apesar da densidade amostral ser na maior parte dos casos baixa (e.g., Harloff &
Mackensen, 1997; Mulitza et al., 2003; Frenz et al., 2004; Baumann et al., 2004; Mahiques et al.,
2004; Vink et al., 2004; Sousa et al., 2006; Chiessi et al., 2007; Regenberg et al., 2009; Mahiques et
al., 2008; Groeneveld & Chiessi, in press). A aplicação criteriosa destes indicadores em
testemunhos sedimentares com alta taxa de deposição e com modelos de idades robustos trará
marcante avanço no conhecimento paleoceanográfico da porção oeste do Atlântico Sul, como pode
ser observado nos últimos anos.
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5.5 Variações no nível relativo do mar durante o Holoceno
Michel M. de Mahiques, Ruy K.P. de Kikuchi
Introdução
Apesar das primeiras referências a paleo-níveis do mar do Holoceno no Brasil terem completado
um século (Branner, 1902; Hartt, 1975), estudos sistemáticos começaram apenas em meados da
década de 60 do século passado (Andel & Laborel, 1964; Delibrias & Laborel, 1969). Desde então,
mais de uma centena de publicações que abordam a história do nível do mar no Brasil foram
publicadas. Durante as décadas de 1970 e 1980, apoiados em centenas de dados de radiocarbono,
curvas de variação do nível relativo do mar foram elaboradas para a região compreendida entre as
latitudes de 5°S e 34°S.
O padrão do comportamento do nível do mar na costa brasileira após o Último Máximo Glacial
(LGM) envolve uma elevação máxima que atinge até cerca de 5 m acima do nível atual no
Holoceno Médio (Elevação Máxima do Holoceno, EMH), seguido de um abaixamento até atingir a
presente situação. Este padrão geral é descrito por diversos autores (Bittencourt et al., 1979; Martin
et al., 1985; Suguio et al., 1985; Dominguez et al., 1990; Martin et al., 2003; Angulo et al., 2006).
Contudo, existem controvérsias sobre (i) quando o nível do mar ultrapassou pela última vez o nível
atual, (ii) o período e o valor dessa posição mais elevada, e (iii), principalmente, sobre a maneira
como ocorreu o abaixamento subseqüente ao máximo transgressivo. Assim, o objetivo deste texto é
apresentar as principais características das variações relativas do nível do mar, os dois modelos e as
principais controvérsias que envolvem esta questão fundamental na apreciação das mudanças
climáticas globais.
O período de submersão da plataforma e da zona costeira atual
No período compreendido entre o LGM e aproximadamente 7000 cal yr BP são escassos os dados
radiométricos e geralmente pouco confiáveis os indicadores do nível do mar, cujas curvas
resultantes são, em sua maior parte, baseadas em feições morfossedimentares (i.e., terraços
submersos que indicam estabilização no nível do mar). A exceção é a paleo-curva do nível do mar
produzida por Correa (1996), baseada em indicadores mais consistentes (Fig. 1). Segundo o autor,
ocorreram estabilizações do nível relativo do mar em 9000 cal yr BP (entre -32 e -45 m) e em 8000
cal yr BP (entre -20 e -25 m). Dados mais recentes obtidos por Mahiques & Souza (1999) e outros
apresentados por Mahiques et al. (2010), constituem no momento o conjunto de dados mais
acurados e cuja datação é mais precisa, tratando de períodos de estabilização no nível do mar antes
da elevação máxima de 5600 cal yr BP (Fig. 1). Na costa do Estado de São Paulo (23°30‘S),
conchas de moluscos, coletadas em sedimento de paleo-praias situados a 6 m abaixo do nível atual
do mar apresentam idade de 7850 ± 80 cal yr BP (Mahiques & Souza, 1999). Adicionalmente,
quatro amostras de arenitos de praia, localizados a 13 ± 1 m abaixo do nível atual do mar
apresentam idade de 8000 ± 50 cal yr BP. Esses dados corroboram a idade de 7955 ± 170 cal yr BP
para um nível de 1,4 ± 0,5 m abaixo do nível atual do mar, apresentado por Martin et al. (2003). A
inundação da plataforma continental leste e nordeste brasileira deve ter ocorrido no início do
Holoceno.
Miranda et al. (2009) coletaram um testemunho de 124 m de profundidade na planície holocênica
da Ilha de Marajó no Estado do Pará e mostraram que as fácies sedimentares presentes retratam as
oscilações positivas e negativas desde cerca de 50.000 yr BP. Nesse estudo, é apontada a última
posição mais elevada do nível do mar há cerca de 10.500 yr BP, seguida de seu abaixamento, que é
acompanhado de sedimentação lagunar, regressiva.
Primeiro draft do capítulo 5 do Grupo de Trabalho 1 do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas – 06/2011
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Fig. 1 - Conjunto de datações apresentado por Mahiques et al. (2010).
O período de emersão da zona costeira atual
O primeiro modelo (Bittencourt et al., 1979; Martin et al., 1980; Suguio et al., 1985; Angulo &
Suguio, 1995) admite que o nível atual do mar foi ultrapassado pela primeira vez há cerca de 7.500
cal yr BP e após a EMH ocorreram duas oscilações de alta freqüência temporal e de menor
magnitude. A EMH deve ter ocorrido a cerca de 5.600 cal yr BP (5.100 yr BP), e duas oscilações
negativas seguidas de elevações entre 4300-3500 e 2700-2100 cal yr BP (Fig. 2).
Primeiro draft do capítulo 5 do Grupo de Trabalho 1 do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas – 06/2011
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Essas curvas foram originalmente definidas com base em mais de 700 datações radiométricas em
diversos tipos de indicadores como sambaquis, cordões litorâneos em planícies costeiras, arenitos
de praia, vermetídeos, turfas e corais (Bittencourt et al., 1979; Martin et al., 1980; Suguio et al.,
1985; Angulo & Suguio, 1995). Esses dados permitiram a elaboração de curvas ligeiramente
distintas para oito setores da costa brasileira (i.e., Salvador, Ilhéus, Caravelas, Angra dos Reis,
Santos, Cananéia-Iguape, Paranaguá, Laguna-Itajaí), dentre as quais a curva de Salvador, a mais
setentrional do conjunto, constituía a mais completa. Nos anos subseqüentes, mais datações foram
adicionadas na região sul do país, com base principalmente em vermetídeos (e.g., Angulo &
Suguio, 1995). As curvas da porção leste e nordeste da costa brasileira tendem a apresentar uma
EMH cerca de 2 metros mais elevada que aquela existente na porção sudeste e sul.
Fig. 2. - Conjunto de curvas publicadas por Suguio et al. (1985), idade convencional.
Martin et al. (1985) e Suguio et al. (1985) atribuíram essas oscilações de alta freqüência a alterações
no geóide da Terra, baseando-se no trabalho de Morner (1982) ou a possíveis variações climáticas.
Primeiro draft do capítulo 5 do Grupo de Trabalho 1 do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas – 06/2011
32
Bezerra et al. (2003) elaboraram uma curva para a costa oriental e para a costa setentrional do Rio
Grande do Norte, comparando-a com a curva de Salvador e com o modelo glacio-isostático de
Peltier (1998). Os autores obtiveram uma curva resultante para as duas regiões do estado, que não
coincide plenamente com o modelo das oscilações de alta freqüência e também guarda diferenças
de comportamento em relação ao modelo preditivo glacio-isostático. Os mesmos autores apontam
ser fundamental identificar adequadamente o ambiente deposicional e posicionar mais precisamente
a elevação dos ambientes em relação ao datum de referência. Além da necessidade das precauções
sobre as incertezas existentes em relação ao binômio altura-idade, afirmam ainda ser importante
levar em consideração as respostas glacio-isostáticas regionais e os fatores locais, como tectônica e
clima para determinar uma curva de variação do nível do mar precisa.
O segundo modelo (Angulo & Lessa, 1997; Angulo et al., 1999; Angulo et al., 2006) foi construído
apenas com carapaças de gastrópodes vermetídeos e sustenta que as duas oscilações de alta
freqüência temporal apresentadas no primeiro modelo não ocorreram (Figs. 2 e 3). Angulo & Lessa
(1997) revisaram as curvas da região de Paranaguá e de Cananéia-Iguape, reavaliaram os ambientes
deposicionais e a confiabilidade dos sambaquis como indicadores de paleo-níveis do mar e
concluíram que os indicadores disponíveis não permitiam interpretar a existência das oscilações de
alta freqüência temporal. Conseqüentemente, as taxas de variações do nível do mar não seriam tão
acentuadas como proposto no primeiro modelo. Este segundo modelo é apoiado por Ybert et al.
(2003), que estudaram turfas da região de Cananéia-Iguape, em São Paulo. Angulo et al. (2006),
finalmente, sugerem que cerca de 70% das datações publicadas e utilizadas no primeiro modelo
contêm erros e, utilizando apenas as datações de vermetídeos, que consideram indicadores
confiáveis, elaboram duas curvas para a costa oriental do Brasil (Fig. 3). Tomando a latitude de
28°S como um divisor, as curva para a porção norte tem a EMH em cerca de 5500 cal yr BP,
podendo ter atingido entre 2 a 4,5 m. A curva para a porção sul apresenta uma EMH estabilizada
entre 5.800-4.000 cal yr BP, que teria atingido entre 1 e 3 m acima do nível atual. Após a elevação
máxima, o nível relativo declina irregularmente até a posição atual. Estas curvas são comparadas
com um modelo glacio-eustático produzido por Milne et al. (2005) com dados do Caribe e da
América do Sul e o ajuste encontrado é muito bom. Segundo este estudo, o nível atual do mar foi
ultrapassado pela primeira vez no Holoceno, durante a transgressão imediatamente posterior ao
LGM por volta de 8000 cal yr BP, e a EMH alcançou cerca de 4,5 m por volta de 7200 cal yr BP
(Pernambuco e Rio de Janeiro). Na região de Santa Catarina, o nível atual teria sido ultrapassado há
mais de 7500 cal yr BP atingido a EMH a cerca de 3 m por volta de 7.000 cal yr BP.
Dois estudos no Atol das Rocas, feitos em arenito de praia e no próprio recife também mostraram a
existência, naquele monte submarino, de um nível do mar mais elevado no Holoceno Tardio.
Kikuchi & Leão (1997) dataram moluscos gastrópodes e corais no anel do recife e no arenito de
praia existente em uma das ilhas, obtendo idades convencionais de cerca de 2500 yr BP a dois
metros acima do nível do platô recifal. Já Gherardi & Bosence (2005), com amostras de algas
coralináceas, conseguiram um conjunto de dados que lhes permitiu traçar o comportamento do nível
do mar nos últimos 3500 yr. Segundo esses autores, o nível relativo do mar no atol teria
ultrapassado o nível atual pela primeira vez no Holoceno há cerca de 3.000 yr BP e a EMH teria
atingido 1 m acima do nível atual há cerca de 1500 yr BP. Resulta que devido à sua relativa pouca
idade, o atol não tem indícios que permitam explorar o comportamento do nível do mar no
Holoceno Médio e Inferior.
As investigações na região amazônica de (Cohen et al., 2005; Cohen et al., 2008; Cohen et al.,
2009) mostram concordância com o comportamento mais geral da curva do nível do mar
holocênica, mas não têm indicadores precisos sobre a posição do nível do mar. Concentram-se
Primeiro draft do capítulo 5 do Grupo de Trabalho 1 do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas – 06/2011
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principalmente em áreas de manguezais e baseiam se em datações de amostra total de sedimento de
testemunhos rasos (cerca de 150 cm), que representam os últimos 1000-1500 yr.
Estudos do nível do mar na Argentina (e.g., Isla, 1989; Cavallotto et al., 2004) mostraram um
comportamento do nível do mar com semelhanças ao padrão proposto por Angulo et al. (2006), ou
seja, com uma EMH situada entre 8000 e 7000 yr BP e altitude de 2 a 4 m acima do nível atual,
com um declínio irregular mas contínuo, sem a ocorrência de oscilações de alta freqüência
temporal.
A
B
Fig. 3. - A. Curvas elaboradas por Angulo et al (2006). As linhas cheias delimitam o envelope das idades obtidas em
latitudes ao norte de 28°S e as linhas tracejadas, ao sul dessa latitude. B. Comparação das curvas (envelopes) de Angulo
et al. (2006) e o modelo de Milne et al. (2005).
Considerações finais
O estudo das variações do nível do mar durante o Holoceno avançou consideravelmente nos últimos
35 anos. Uma quantidade significativa de indicadores foi datada e o padrão geral transgressivoregressivo do nível relativo é aceito por toda a comunidade.
No entanto, são ainda escassos os estudos de indicadores do nível do mar na plataforma continental.
Isto deixa uma lacuna que precisa ser preenchida para que se possa entender quando e como o nível
do mar inundou a plataforma e se encaminhou para a EMH bem como períodos de rápida elevação
do nível do mar típicos da última deglaciação. Assim como já foram estudados arenitos de praia
submersos na plataforma continental sudeste formações similares são abundantes em toda a costa
leste e nordeste do Brasil. Ressalta-se que existem também ocorrências de recifes que podem
fornecer informações adicionais sobre o comportamento do nível do mar.
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Estudos que tenham produzido curvas detalhadas do comportamento do nível relativo do mar na
plataforma continental setentrional são inexistentes e precisam ser perseguidos.
A resolução da controvérsia existente entre o primeiro e segundo modelo que abordam o período de
emersão da zona costeira atual no que se refere às oscilações de alta freqüência temporal pode ser
encaminhada com a identificação de outros indicadores que possam aumentar o detalhamento e
acurácia do comportamento do paleo-nível do mar. Além disso, existem aspectos locais como
tectônica, clima e suprimento de sedimento ou regionais como o comportamento da crosta/manto
que podem contribuir para diferenças importantes no comportamento do nível do mar. Soma-se a
isso os necessários cuidados especiais na adequada localização das amostras datadas. A utilização
de modelos teóricos juntamente com os dados de campo representa um avanço na abordagem das
variações do nível relativo do mar que permitirá identificar e quantificar os fatores locais e
regionais com maior eficácia.
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Primeiro draft do capítulo 5 do Grupo de Trabalho 1 do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas – 06/2011
36
5.6 As queimadas no registro paleoclimático
Luiz C.R. Pessenda, Renato C. Cordeiro
Introdução
O fogo é um fator de perturbação dominante na história das florestas naturais em várias partes do
mundo (Attiwill, 1994), e afeta o ciclo biogeoquímico e global do carbono (Andreae, 1991).
Recentes experiências de modelo prevêem uma substituição em larga escala da floresta Amazônica
por vegetação de cerrado, até o final do século XXI. Expansão das pressões econômicas, feedbacks
positivos nos regimes de fogo na floresta Amazônica e seca prolongada poderia levar a uma
degradação mais rápida das florestas em futuro próximo (Nepstad et al., 2008). Por exemplo, as
condições de seca ao longo de grandes extensões da floresta Amazônica que surgem devido ao
fenômeno El Niño criam um potencial para incêndios florestais em grande escala, como foi
observado durante a seca severa de 1997 e 1998 (Nepstad et al.,1999).
Nas últimas décadas diferentes setores da sociedade têm expressado sua preocupação sobre o uso
indiscriminado do fogo para fins agropecuários e das mudanças do uso da terra em geral. Os
impactos que os incêndios provocam na vegetação nativa, seja nos fragmentos de Mata Atlântica do
sul e sudeste do país até a floresta Amazônica, envolvem questões que dizem respeito às trocas
climáticas passadas e futuras (Harrison et al., 2007, Lynch et al., 2007, Page et al., 2002). No
momento são notórias as questões e debates referentes à importância da ação do homem e da
natureza (clima) no estabelecimento dos incêndios e por conseqüência, na dinâmica da vegetação e
manutenção da fisionomia florestal.
As queimadas no registro paleoclimático
Estudos paleoambientais indicam que os incêndios em florestas podem ser inicialmente atribuídos
às condições climáticas (Marlon et al., 2008, Whitlock et al., 2006), embora ações humanas também
tenham tido importância como fonte de ignição (Huber et al.,2004), como considerado por BarYosef (2002) durante a evolução humana nas mais remotas regiões. Associados com a vegetação de
fisionomia florestal, fragmentos de carvão foram encontrados em solos em diferentes locais na
Amazônia, como por exemplo, no Alto Rio Negro com idades 14C calibradas desde ~6860 cal yr
BP, equivalente a ~6000 yr BP em idade 14C convencional (Saldarriaga & West, 1986). A
ocorrência de incêndios associados a alterações climáticas durante o Holoceno médio foi
demonstrada por Sanford et al. (1985) em vários tipos de floresta no Alto Rio Negro. Fragmentos de
carvão de um solo de Amazônia Oriental foram datados entre ~6860 e 3170 cal yr BP (6000 e 3000
yr BP) (Soubies, 1980). Sifeddine et al. (1994) observaram abundantes concentrações de
fragmentos de carvão com idades entre 7830 e 4500 cal yr BP (7000 e 4000 yr BP) na Serra Sul de
Carajás. Um registro contínuo dos incêndios florestais durante os últimos 8300 cal yr BP foi
determinado pela quantificação de micro fragmentos de carvão depositados em um sistema lacustres
na vizinha Serra Norte de Carajás (Cordeiro, 1995; Cordeiro et al., 1997; Cordeiro et al., 2008).
Fases de intensa atividade de fogo foram observadas entre 7450 cal yr BP e 4750 cal yr BP e entre
1300 e 70 cal yr BP, conforme indicado pela elevada concentração de micro partículas de carvão.
Piperno & Becker (1996) encontraram fragmentos de carvão no solo que foram datados entre 1740
e 580 cal yr BP (1795 e 550 yr BP). Em transecções floresta – cerrado e floresta – campo no estado
de Rondônia e na região de Humaitá, sul do estado do Amazonas, respectivamente, num total de
~750 km, Pessenda et al. (1998a,b; 2001) encontraram significativas concentrações de fragmentos
de carvão naturalmente soterrados nos solos (Boulet et al., 1995) e alterações na composição
isotópica (δ13C) da matéria orgânica do solo, que foram relacionadas com trocas de vegetação de
floresta (plantas C3, associadas às árvores) para cerrado e campo (plantas C4, associadas às
Primeiro draft do capítulo 5 do Grupo de Trabalho 1 do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas – 06/2011
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gramíneas), durante o Holoceno inferior e médio (~10000 cal yr BP e ~4000 cal yr BP). Tais trocas
de vegetação associadas à presença de fragmentos de carvão (paleoincêndios) permitiram inferência
em relação à presença de um clima mais seco (ou menos úmido) nas regiões de estudo. Na região
nordeste do Brasil, estudos palinológicos em sedimentos lacustres na Lagoa do Caçó (Ledru et al.,
2001; 2006) e isotópicos (δ13C) em solos do Maranhão (Pessenda et al., 2004a; 2005) e isotópicos
em solos do Piauí, Ceará e Paraíba (Pessenda et al., 2010) indicaram significativa presença de
fragmentos de carvão durante o período ~10000 cal yr BP e ~3600 cal yr BP, cujos dados polínicos
e isotópicos também indicaram a abertura da vegetação florestal e expansão do cerrado/campo nas
áreas de estudo. Estes aspectos também permitiram a inferência da presença de um provável clima
mais seco do que o atual e similar aos registros na Amazônia em período semelhante. A
comparação desses estudos sugere que, por um longo tempo, o fogo tem sido um fator de grande
perturbação em ecossistemas tropicais e juntamente com o clima, de suma importância na
determinação da dinâmica da vegetação no passado, presente e futuro.
Similares registros de fragmentos de carvão foram observados em sedimentos lacustres e solos nas
regiões sudeste e central do Brasil durante o Holoceno (Pessenda et al., 1996; Gouveia et al., 2002;
Scheel-Ybert et al., 2003; Pessenda et al., 2004b; Saia et al., 2008), reforçando o significativo papel
dos paleoincêndios, em conjunto com os fatores climáticos, na dinâmica e distribuição das
formações vegetais no Brasil.
Um registro de alta resolução dos níveis de CO2 atmosférico durante os últimos 11000 yr foi obtido
com o uso de bolhas de gás de um testemunho de gelo coletado no Taylor Dome na Antártica, que
indicou um aumento do CO2 atmosférico iniciado a cerca de 7000 cal yr BP (Indermühle et al.,
1999). Neste registro os valores de δ13C indicam uma aproximação aos valores de fontes terrestres
(entre -17 e -30 ‰) em detrimento a valores mais enriquecidos (~0 ‰) para as fontes marinhas. No
entanto, dados publicados por Carcaillet et al. (2002) provenientes da América do Sul e Central
argumentam contra a queima de biomassa crescente e relacionados com a liberação de carbono no
Holoceno médio, aspecto distinto de publicações recentes (Bush et al., 2007; Cordeiro et al. 2008;
Mayle & Power, 2008). Carcaillet et al. (2002) usou idades 14C de fragmentos de carvão do solo
coletados em áreas entre 5°N e 5°S no norte da bacia Amazônica, representando os últimos 2000 yr,
como evidência de altas concentrações de incêndios florestais. No entanto, estas amostras de solo
foram coletadas principalmente no primeiro metro do solo, onde as datações da matéria orgânica
correspondentes são mais recentes do que em maiores profundidades e onde normalmente os
fragmentos de carvão se encontram mais agrupados.
Desde o início da Revolução Industrial, o impacto humano modificou cerca de 40% da superfície da
terra, aumentando o nível de CO2 atmosférico por cerca de 30% (Vitousek et al., 1997), com taxas
anuais de desmatamento de florestas tropicais ao redor de 0.8%. Houghton et al. (1991) calcula que
entre 1850 a 1980 cerca de 90 a 120 Gt de CO2 foi liberado para a atmosfera proveniente de
incêndios florestais. Comparativamente, durante o mesmo período, cerca de 165 Gt de CO2 foi
adicionado por nações industrializadas através da queima de carvão, petróleo e gás (Houghton et al.,
1991). Atualmente, a queima de florestas tropicais contribui com cerca de 2-4 Gt C por ano, ou
cerca de 30% do total das emissões antrópicas. Fearnside (1996) calcula que o fluxo líquido de CO2
para a atmosfera devido à soma das alterações de uso de terras na Amazônia foi de
aproximadamente 1,3 Gt de C.
Na região sul da América do Sul, os impactos da população nativa e a influência do clima na
ocorrência de incêndios durante o Holoceno não foram possíveis de serem caracterizados em
separado (Huber et al., 2004). Entretanto, Whithock et al. (2006) atribuem a troca de regime de
incêndio superficial durante o Holoceno médio nos Andes argentinos ao aumento da variabilidade
Primeiro draft do capítulo 5 do Grupo de Trabalho 1 do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas – 06/2011
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climática inter anual e ao início ou reforço de ENSO. Na América do Sul tropical, foram
evidenciados eventos periódicos com efeitos similares ao fenômeno El Ninõ e com duração de
dezenas a centenas de anos (Martin et al.,1993). Desde os últimos ~7900 cal yr BP até o presente,
tem-se manifestações climáticas identificada através das mudanças da dinâmica litorânea na parte
central da costa brasileira, sincrônicas com mudanças climáticas em outras áreas da América do Sul
e sintetizadas como se segue (Martin et al., 1993): entre 7800 cal yr BP e 4320 - 3950 cal yr BP,
numerosos períodos de condições do tipo El Niño provocaram uma série de períodos secos na
Amazônia e altiplano Boliviano, como eventos úmidos no deserto de Sechura (Chile). Entre 4320 e
3950 cal yr BP e 2930 e 2570 cal yr BP, nenhuma ocorrência de condições de tipo El Niño se
associa a ocorrência de clima úmido na Amazônia e altiplano Boliviano e clima seco no deserto de
Sechura. Entre 2930 e 2570 cal yr BP e o presente, a ocorrência de condições de tipo El Niño foi
menos freqüente, porém pelo menos três eventos podem estar relacionados a incêndios durante o
Holoceno Superior em Manaus (Santos et al., 2000) e Carajás (Cordeiro et al. 2008).
A relação entre os paleoincêndios e as condições climáticas foram apresentadas por Pierce et al.
(2004) e Whitlock (2004), com argumentos de que modificações nos regimes de fogo durante o
Anomalia Climática Medieval e a Pequena Idade do Gelo foram baseados nas alterações climáticas
e sua influência na mistura dos combustíveis, condições de ignição e comportamento do fogo. Foi
também verificado que o declínio da combustão da biomassa antes de 1750 AD ocorreu em fase
com o resfriamento global a despeito do aumento da população humana (Marlon et al., 2008). Em
adição, o fogo também teve importante papel no desenvolvimento dos ecossistemas da Terra e na
dominância das comunidades de plantas (Meyn et al., 2007). Nos últimos 20 anos incêndios
florestais no Brasil e Indonésia podem ter reduzido substancialmente a biodiversidade e levado a
ocorrência de distinta seleção biológica (Gisberg, 1998).
Considerações finais
É importante enfatizar que a combustão da biomassa é a segunda maior fonte de emissão do gás
carbônico, o principal gás do efeito estufa, para a atmosfera, que sob determinadas condições
climáticas passadas, como no Último Máximo Glacial, pode ter representado um papel importante
para a evolução do ciclo do carbono da Terra. Este período é caracterizado por um clima frio e seco
quando comparado com o clima atual (Justino & Peltier, 2008; Peltier & Solheim, 2004). Estas
trocas, em associação com reduzidas concentrações de CO2, induziram modificações no
comportamento da vegetação global, como a redução da floresta boreal na Sibéria, um aumento na
cobertura da vegetação arbustiva na Europa e um aumento das áreas de deserto subtropical (Adam
& Faure, 1997). Tem sido também sugerido que as florestas tropicais têm diminuídas suas
extensões de modo significativo, especialmente no Oeste da África e América do Sul (Ray &
Adams, 2001; Adam & Faure, 1997). Pode-se assumir que a substituição de floresta por biomas
com vegetação mais aberta tais como cerrado, campos e savanas se dará através da ocorrência de
paleoincêndios devido à quantidade de combustível disponível e principalmente durante as estações
secas. Isto evidencia a necessidade de uma compreensão mais completa da interação entre os
incêndios, clima e a superfície de terra, na medida em que tal análise pode auxiliar a separar os
fatores críticos para a dinâmica do ecossistema modernos.
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5.7 A ocupação humana e as mudanças climáticas
Astolfo G.M. Araújo, Eduardo G. Neves
Introdução
A América do Sul foi o último continente do planeta a ser ocupado pelo Homo sapiens. O debate
sobre a antiguidade da ocupação humana do continente é certamente intenso e está longe de ser
resolvido. Há, no entanto, um consenso de que toda a América do Sul já era ocupada há cerca de 12
ka e que, o que é importante, tais ocupações antigas já mostravam padrões adaptativos e
econômicos distintos entre si (Roosevelt, 2002).
Após a ocupação inicial, e o consequente e aparentemente rápido processo de diferenciação e
especialização que a ela se seguiu, o continente permaneceu relativamente isolado durante a maior
parte de sua história até o início da colonização européia, no início do século XVI dC. Isso quer
dizer que quaisquer processos de mudança ou de estabilidade verificados em diferentes partes do
continente resultaram da ação de fatores puramente locais, definidos a partir de uma escala
continental. Trata-se de um quadro essencialmente diferente, por exemplo, dos continentes europeu
e asiático, onde há abundantes evidências de que processos de expansão demográfica
transcontinentais teriam sido responsáveis pela introdução de inovações como a agricultura ou
mesmo o surgimento do estado. O isolamento geográfico da América do Sul é ainda mais
interessante quando se considera o quadro de diversidade social, cultural, econômica e política
presente no continente à época do início da colonização européia. Todo esse quadro se constituiu
por populações que descendiam de poucos grupos humanos fundadores. É por isso que, para a
arqueologia, é possível tratar a América do Sul como uma espécie de laboratório: trata-se do último
continente a ser ocupado no planeta, por uma população fundadora pequena, mas que ao cabo de
alguns milênios, exibia todo o quadro de diversidade social e política característicos da
humanidade.
Há ainda fortes controvérsias a respeito de pontos importantes relacionados à ocupação humana das
Américas, tais como a idade das primeiras migrações, quantas levas de migração ocorreram, e por
que caminhos isso se deu (Dillehay, 2000; Dixon, 1999, 2001; Waguespack, 2007). Seja como for,
evidências incontestáveis da presença de seres humanos em território brasileiro se dão a partir de 12
ka (Araujo & Neves, 2010; Kipnis, 1998; Prous & Fogaça, 1999; Roosevelt et al., 1996). Tal fato
pode se relacionar a uma combinação de vieses de preservação e de baixa densidade populacional.
A preservação de eventuais sítios arqueológicos anteriores ao Último Máximo Glacial pode ser
extremamente rara, tendo em vista os vários eventos de mudança climática abrupta que ocorreram
desde então (Mayewski et al., 2004), propiciando, no continente, ciclos de erosão e sedimentação
extremamente fortes (Thomas, 1994, 2008) e, no litoral, variações muito grandes do nível do mar
(Angulo et al., 2002; Suguio et al., 1985). Por outro lado, mesmo que existente, a presença humana
na porção interiorana da América do Sul durante o Pleistoceno Final seria provavelmente pouco
significativa do ponto de vista numérico, composta por grupos humanos com baixa densidade
populacional, e não necessariamente portadores de tecnologias de lascamento que privilegiassem a
confecção de pontas de projétil, o que tornaria sua detecção extremamente difícil. Dados esses
fatores, a discussão a respeito das relações entre ocupações humanas e mudanças climáticas se dará
a partir da transição Pleistoceno/ Holoceno.
A transição Pleistoceno / Holoceno
Uma das feições mais impressionantes do registro arqueológico do leste da América do Sul é a
variabilidade cultural existente já no início do Holoceno. A partir de 12 ka, ao menos três grandes
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tradições culturais são perceptíveis numa vasta área que se estende desde o Nordeste brasileiro até o
Rio Grande do Sul, formando um polígono de, no mínimo, 800 km no sentido leste-oeste por 2.300
km no sentido norte-sul. São elas conhecidas por ―Tradição Umbu‖, ―Tradição Itaparica‖ e, por
falta de melhor definição, ―Indústria Lítica Lagoassantense‖ (Fig. 5.7.1.). Na Amazônia verifica-se
também um quadro de diversidade, atestado pela presença de diferentes tipos de tecnologias na
produção de artefatos líticos, incluindo indústrias de pontas bifaciais em alguns casos e de artefatos
unifaciais sem a presença de pontas de projétil, em outros. Cada uma dessas tradições encerra em si
modos distintos e peculiares de manufaturar artefatos. Sua continuidade geográfica e relativa
homogeneidade interna sugerem que os artefatos relacionados a tais tradições foram produzidos por
grupos culturalmente diferenciados. Ao mesmo tempo, as idades contemporâneas e recuadas
constituem um paradoxo, uma vez que não se esperaria uma variabilidade cultural tão grande se a
ocupação da América do Sul tivesse se dado pouco tempo antes. Sabe-se que a deriva cultural, ou a
diferenciação de aspectos culturais derivados a partir de uma cultura ancestral, se relaciona ao
tempo decorrido desde o evento de separação (Neiman, 1995). O registro arqueológico sugere,
portanto, uma cronologia longa para o povoamento da América do Sul, com grupos humanos
apresentando uma grande diferenciação cultural já no início do Holoceno. Por outro lado, as taxas
de inovação cultural são também fortemente correlacionadas ao tamanho da população envolvida
nos mecanismos de transmissão de informação (Neiman, 1995; Shennan, 2001); nesse aspecto, o
registro arqueológico sugere, também, uma população numerosa. Quais as possíveis relações entre
as observações empíricas de cunho arqueológico e as mudanças climáticas para esta faixa
cronológica? O modelo mais plausível aponta para uma situação inicial de maior densidade
populacional na zona costeira, onde a estabilidade em termos de clima e recursos alimentares é
sempre maior do que em áreas continentais na mesma latitude (Dixon, 1999). A interiorização
dessas populações se daria por um mecanismo duplo de pressão populacional e maior estabilidade
climática. Os dados paleoambientais para o início do Holoceno apontam para climas mais quentes e
úmidos em amplas porções da América do Sul (Cruz et al., 2009), propiciando condições de
assentamento em áreas que, apesar de conhecidas por essas populações antigas, não eram
intensivamente ocupadas. A pressão populacional se daria tanto pelo crescimento vegetativo da
população (Scheinsohn, 2003), acompanhando o aumento da capacidade de carga do ambiente,
como também pela elevação rápida e constante do nível do mar desde o Último Máximo Glacial
(Suguio et al., 2005). Tais fatores explicariam a ―abrupta‖ e contemporânea aparição das diferentes
tradições arqueológicas no interior do Brasil.
A ocupação paleoindia no Holoceno Inicial
Os grupos humanos que ocuparam esses ambientes continentais desde 12 ka são denominados
genericamente de ―Paleoindios‖. Estudos de antropologia biológica mostram que os crânios
associados a essas populações antigas (que apresentam morfologias australo-melanésicas) são
bastante diferentes dos crânios dos indígenas atuais (de morfologia mongolóide), sugerindo
populações distintas e, portanto, uma provável substituição populacional (Neves & Hubbe, 2005;
Neves et al., 1998; Neves & Pucciarelli, 1990; Powell & Neves, 1999). Em que pese a falta de
dados para a maior parte do Brasil, ao menos na região de Lagoa Santa os últimos remanescentes
dessa população paleoindia ocorrem por volta de 8ka.
Dados a respeito da subsistência desses grupos sugerem estratégias de subsistência generalistas, de
amplo espectro, com forte utilização de plantas e animais de pequeno porte (Jacobus, 2004; Kipnis,
2002; Rosa, 2004; Schmitz et al., 2004). Não parece haver qualquer correlação entre as diferentes
tradições de lascamento e a obtenção de recursos alimentares (Araujo & Pugliese, 2009), uma vez
que em termos gerais os animais caçados são os mesmos. Apesar da coexistência entre humanos e
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megafauna, não se encontraram evidências de que esta tenha sido consumida. Em linhas gerais, as
estratégias de subsistência e as tradições culturais paleoindias se mantêm estáveis entre 12 e 8 ka.
Fig. 5.7.1. - Localização geográfica das três principais tradições de pedra lascada do início do Holoceno: em amarelo,
Tradição Itaparica; em azul, Indústria Lagoassantense; em cinza, Tradição Umbu.
O “Hiato do Arcaico” no Holoceno Médio
O quadro de estabilidade dos Paleoindios parece chegar ao fim a partir 8ka. Amplas áreas na porção
centro-leste do Brasil são aparentemente depopuladas, com poucos sítios datando do período entre
8ka e 2ka, com um mínimo de ocupação humana ocorrendo por volta de 5ka. Tal evento,
denominado de ―Hiato do Arcaico‖ (Araujo et al., 2005), se repete em outras áreas, tanto do Brasil,
como também da América do Sul (Araujo et al., 2006; Gil et al., 2005; Neves, 2007, Nuñez et al.,
2001; Nuñez et al., 2002). A explicação mais parcimoniosa para este fenômeno de abandono
regional é o impacto que o período hipsitermal teve sobre as massas de ar e os regimes de
precipitação em termos globais, fazendo com que amplas áreas passassem a apresentar uma maior
instabilidade climática e tendência a regimes mais secos, enquanto outras se tornariam mais
chuvosas (Cruz at al., 2009; Servant & Servant-Vildary, 2003). O deslocamento de populações
humanas interioranas a partir de regiões climaticamente instáveis para outras climaticamente mais
estáveis é uma forte possibilidade, ainda que requeira mais dados para ser corroborada. É
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importante notar que por volta de 5ka, o litoral brasileiro já estava densamente povoado por grupos
humanos sambaquieiros (Ybert et al., 2003), com feições cranianas mongolóides e, portanto,
distintos dos Paleoindios. Assim, podemos propor o Holoceno Médio como um cenário onde a
convergência de fatores climáticos, densidades demográficas nunca antes alcançadas e o advento de
uma nova onda migratória propiciariam a reorganização de grupos humanos pré-históricos em
territórios cada vez mais circunscritos, o que levaria, em muitos casos, a uma maior complexidade
social (Iriarte, 2006).
A explosão demográfica, social e cultural posterior ao hiato
A partir do início do primeiro milênio DC, é notável um quadro de mudanças sociais e políticas,
manifestadas em padrões claramente visíveis no registro arqueológico. Dentre eles, cabe destacar: o
estabelecimento de sinais de modificações da natureza, ou seja, de criação de paisagens ou
antropização, (Neves & Petersen, 2006); o estabelecimento de tradições cerâmicas distintas e com
localizações geográficas relativamente bem definidas, que em alguns casos podem ser associadas a
grupos lingüísticos conhecidos etnográfica e historicamente, o estabelecimento da vida sedentária
ao longo da Amazônia e áreas adjacentes nas terras baixas. Embora existam sinais anteriores de
vida sedentária, estes se tornam muito mais claros, visíveis e ubíquos a partir dessa época. Esse
padrão pode ser verificado:
1) No Brasil central, onde, após 11 milênios de ocupação se verifica, a partir do século VIII
DC, uma mudança brusca nas formas de vida, que se tornam muito mais sedentárias e
incluem o início local da produção cerâmica e a ocupação de aldeias de formato circular
(Wüst & Barreto, 1999);
2) No litoral atlântico sul grupos falantes de línguas da família Tupi-Guarani vindos da
Amazônia ocupam áreas anteriormente habitadas durante 7.000 anos por grupos
construtores de sambaquis (Scheel-Ybert et al., 2008);
3) .Na ilha de Marajó há uma longa seqüência de ocupação que iniciou há pelo menos 5,5 ka,
mas com sinais de crescimento demográfico e aumento da monumentalidade dos sítios a
partir do início do primeiro milênio DC (Schaan, 2007);
4) Na região de Santarém, após um início de ocupação humana há 11 ka (Roosevelt et al.,
1996) e da produção de cerâmicas há 8 e 7 ka (Roosevelt et al., 1991, 1996) ocorreu um
hiato que, com algumas interrupções, foi rompido apenas no primeiro milênio AC, através
de ocupações associadas à fase Pocó (Guapindaia, 2009);
5) Na área de confluência dos rios Negro e Solimões, os sítios mais antigos datam de 8.600 ka,
mas é apenas a partir do final do primeiro milênio AC que os sinais de ocupação humana
ficam mais claros e visíveis (Neves, 2008). Esse processo culminou, já no primeiro milênio
DC com a formação de solos férteis e antrópicos conhecidos como ―terras pretas‖ associadas
a sítios arqueológicos de grandes dimensões (Neves et al., 2003). Essas datas são
compatíveis com datas obtidas em outros locais espalhados pela calha do rio Amazonas e
seus afluentes, como Araracuara, no rio Caquetá, a própria região de Santarém e o baixo
Amazonas. A hipótese favorecida por arqueólogos propõe que tais sítios se formaram como
resultado do estabelecimento de ocupações sedentárias e de longa duração (Arroyo-Kalin,
2008, Neves et al., 2003);
6) Na bacia do alto rio Purus estruturas de terra artificiais, com formato geométrico circular,
quadrangular ou composto, conhecidas como ―geoglifos‖ têm sido identificadas (Parsinnen
et al. 2009). As datas obtidas até o momento para a construção dos geoglifos mostram que
essas estruturas artificiais começaram a ser construídas no início do primeiro milênio DC;
7) Na bacia do alto Madeira há um registro que cobre praticamente todo o Holoceno. Mesmo
ali, malgrado as evidências relativamente antigas de estabelecimento de vida sedentária, os
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sítios se tornam maiores e mais densos no milênio que antecede o início da era Cristã com,
datas que se tornam mais freqüentes nos primeiros séculos posteriores ao anno domini.
A relativa rapidez, a aparente sincronia e a amplitude da escala geográfica dessas mudanças podem
ter resultado dos eventos de mudança climática, com a estabilização de condições semelhantes às
atuais, ocorridas a partir do ano 1.000 BC.
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5.8 Mudanças climáticas durante o último milênio
Abdelfettah Sifeddine, Cristiano M. Chiessi, Francisco W. da Cruz Júnior
Introdução
Quando comparado com outros períodos da história geológica da Terra, o último milênio (i.e., entre
o ano 1000 AD e o início do período industrial) é marcado por uma variabilidade relativamente
baixa das principais forçantes climáticas externas (e.g., gases de efeito estufa, atividade solar,
erupções vulcânicas) e também por variações climáticas de relativa baixa amplitude. Neste sentido,
o estudo em detalhe do clima durante o último milênio permite não só compreender a sensibilidade
do sistema climático a alterações relativamente pequenas nas forçantes externas como também
identificar a existência de ciclos climáticos naturais multidecenais a seculares que não se encontram
adequadamente representados nos registros climáticos instrumentais. No entanto, o Hemisfério Sul
apresenta uma quantidade extremamente reduzida de registros paleoclimáticos com modelos de
idades confiáveis e resolução temporal adequada (Fig. 5.8.1). Este fato faz com que estudos
paleoclimáticos que abordem o último milênio no Brasil e nas regiões adjacentes assumam um
caráter de urgência.
a) 1000
b) 1750
Fig. 5.8.1. - Localização dos registros paleoclimáticos utilizados por Jansen et al. (2007) para reconstituir as
temperaturas do planeta para o último milênio (modificado de Jansen et al., 2007). (a) Registros que valores disponíveis
desde 1000 AD; (b) registros com valores disponíveis desde 1750 AD. Termômetros vermelhos: registros
instrumentais; triângulos marrons: anéis de crescimento de árvores; círculos pretos: poços profundos em rochas e
sedimentos; estrelas azuis: testemunhos de gelo/poços profundos em geleiras; quadrados roxos: outros incluindo
registros com baixa resolução temporal. Notar a pequena quantidade de registros no Hemisfério Sul.
Discussão
Apesar do número ainda bastante reduzido, os estudos paleohidrológicos realizados nos trópicos e
subtrópicos da América do Sul (e.g., Haug et al., 2001; Baker et al., 2005; Reuter et al., 2009;
Pessenda et al., 2010; Bird et al., 2011) que abordam o último milênio mostram certa coerência nas
alterações de precipitação durante a Pequena Idade do Gelo (PIG; entre ca. 1400 e 1700 AD)
(Mann et al., 2009).
Para o extremo norte da América do Sul, uma diminuição nas concentrações de Titânio em
sedimentos marinhos coletados na Bacia de Cariaco (~10°N) sugere aumento na aridez neste setor
do Atlântico Tropical (Haug et al., 2001, Peterson & Haug, 2006). Já os arquivos paleohidrológicos
coletados ao sul da linha do Equador na porção continental indicam um cenário oposto. Para o
Lago Titicaca (~15°S) os registros disponíveis indicam aumento de precipitação (Baker et al.,
2005). Na vertente Atlântica dos Andes ao redor de 6°S, Reuter et al. (2009) demonstraram que
durante a PIG houve um aumento de ca. 30% na precipitação em relação aos valores recentes. Um
incremento na precipitação durante o mesmo período também foi descrito por Bird et al. (2011) ao
Primeiro draft do capítulo 5 do Grupo de Trabalho 1 do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas – 06/2011
50
estudar os sedimentos depositados em um lago localizado na porção oriental dos Andes do Peru
(~10°S). Estas mudanças observadas durante a PIG estariam associadas a uma intensificação do
Sistema de Monção da América do Sul (SMAS) possivelmente controlada pela diminuição da
temperatura da superfície marinha (TSM) do Atlântico Norte (e.g., Mann et al., 2009; Reuter et al.,
2009; Bird et al., 2011). Neste cenário, as menores TSMs no Atlântico Norte poderiam estar
associadas a uma desintensificação da Célula de Revolvimento Meridional do Atlântico (AMOC).
Esta relação entre a intensidade da AMOC e do SMAS já foi descrita em outras escalas temporais
(e.g., Wang et al., 2007; Chiessi et al., 2009; Strikis et al., in press) e aparenta ser um mecanismo
capaz de atuar em escalas temporais distintas e sob múltiplas condições de contorno.
Na costa leste do Pacífico, os estudos de registros sedimentares coletados na Zona de Mínimo
Oxigênio (ZMO) da plataforma continental central do Peru e na plataforma continental norte do
Chile revelaram mudanças consideráveis na paleoceanografia regional durante o último milênio
(e.g., Sifeddine et al., 2008; Valdéz et al., 2008; Gutierrez et al., 2009). Durante a PIG, a
produtividade primária foi relativamente baixa nesta região e a abundância de pequenos peixes
pelágicos foi marcantemente reduzida. A partir de 1820 AD, houve a reintensificação da ZMO e
aumento dos teores de matéria orgânica e de pequenos peixes pelágicos (Sifeddine et al., 2008;
Valdéz et al., 2008; Gutierrez et al., 2009). Segundo os mesmos autores, uma elevação nas TSMs
descrita para o leste do Pacífico Tropical durante a PIG (e.g., D´Arrigo et al., 2005) poderia ter
reduzido as condições de ressurgência nesta região e deslocado a Zona de Convergência
Intertropical para o sul, conforme simulado por Timmermann et al. (2007).
Dentre os raros estudos que utilizaram arquivos paleoambientais provenientes do Brasil ou do
Oceano Atlântico adjacente Souto et al. (2011) basearam-se nas variações das associações de
foraminíferos em um testemunho coletado na zona de ressurgência do Cabo Frio (~23°S) para
inferir uma intensificação da ressurgência durante a PIG muito provavelmente associada ao
fortalecendo dos ventos de NE. Por outro lado, Pessenda et al. (2008) demostraram que no
arquipélago de Fernando de Noronha (3°S) a PIG apresentou diminuição na precipitação, em
consonância com os resultados obtidos na Bacia de Caricao (e.g., Haug et al., 2001).
Outro intervalo temporal do último milênio que apresentou alterações climáticas com duração de
centenas de anos foi a Anomalia Climática Medieval (ACM; entre ca. 950 e 1250 AD) (Mann et al.,
2009). Entretanto, a ACM encontra-se representada no Brasil de forma ainda mais fragmentada e
esparsa em relação à PIG e por este motivo não será tratada neste subcapítulo.
Considerações finais
Apesar da sua importância intrínseca, existem ainda poucos estudos no Brasil e nas regiões
adjacentes que permitam um conhecimento mais aprofundado a respeito das modificações
climáticas do último milênio.
Mesmo assim, pode-se inferir que a PIG foi caracterizada por uma diminuição na precipitação no
extremo norte da América do Sul e por uma elevação na precipitação no restante das porções
tropicais e subtropicais de baixa altitude do continente, incluindo a vertente Atlântica dos Andes. A
associação destas anomalias de precipitação com anomalias de TSM no Atlântico Norte e com a
intensidade da AMOC foram sugeridas.
Para preencher as lacunas existentes e para melhorar nosso entendimento a respeito das variações
climáticas naturais multidecenais e seculares faz-se urgente a busca, coleta, análise e interpretação
Primeiro draft do capítulo 5 do Grupo de Trabalho 1 do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas – 06/2011
51
de novos arquivos paleoambientais que tenham registrado as condições climáticas do último
milênio em alta resolução temporal.
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53
5.9 Comparações entre reconstituições paleoclimáticas e dados de modelos climáticos
Flavio B. Justino, Ilana E.K.C. Wainer
Introdução
Um dos objetivos que motivaram a investigação da paleoclimatologia foi a necessidade de
determinar a variação do sistema climático através de uma longa escala continua de tempo. O clima
varia sobre todas as escalas temporais, da sazonal a aquelas associadas à evolução tectônica da
Terra. Uma compreensão da variabilidade através de cada uma destas bandas de freqüência é
necessária para se antecipar a dinâmica do sistema climático no futuro. O objetivo principal em se
modelar o paleoclima é o de se investigar os padrões, processos e causas das mudanças climáticas e
ambientais no passado. Uma avaliação do sistema climático no passado através de modelos
numéricos utilizando dados paleoclimáticos é um passo fundamental para demonstrar a capacidade
do modelo em poder simular mudanças climáticas futuras. A modelagem paleoclimática se baseia
no estudo de modelos numéricos com forçantes ajustadas para épocas significativas da evolução da
Terra, baseados nas análises dos dados paleoclimáticos (proxy-data).
O estudo e a validação do sistema climático do passado, através de modelos numéricos, em
conjunto com os dados proxy é importante para demonstrar a capacidade de representação do
sistema acoplado para aplicações no futuro de previsão de aquecimento, por exemplo. O curto
período de registros dos dados oceanográficos e climáticos instrumentais (aproximadamente 140
anos) é insuficiente para observar e estudar variações no sistema climático em escalas de tempo
maiores do que algumas décadas. A obtenção de longos períodos de dados através da modelagem
numérica possibilita compreender a variabilidade climática em escalas de tempo da anual a secular.
A necessidade de longos períodos ou paleo-perspectiva é fundamental para compreender e avaliar o
comportamento do sistema terra diante das mudanças naturais e/ou forçadas.
Outra motivação importante para simular condições climáticas passadas é que estes experimentos
oferecem uma oportunidade única para estudar a importância das retro-alimentações entre os
diversos componentes do sistema climático. Eles podem ajudar, portanto, na avaliação e validade
das previsões do clima futuro. Uma comparação cuidadosa entre reconstruções paleoclimáticas com
base na utilização de dados observados (proxies), com previsões de modelos numéricos para
diversas épocas, deve ser o primeiro passo para uma avaliação do desempenho de tais modelos sob
regimes de clima significativamente diferentes.
O clima glacial tem sido objeto de vários esforços de modelagem focando em mudanças
atmosféricas (e.g., Brocolli & Manabe, 1987; Vettoretti et al., 2000; Justino et al., 2005) e
alterações de circulação oceânica (e.g., Hewitt et al., 2001; Shin et al., 2003a; Peltier & Solheim,
2004). O entendimento do comportamento das teleconexões inter-hemisféricas também tem sido
explorado (e.g., Shin et al., 2003b). Embora várias investigações tenham sido foco de estudos para o
entendimento do clima glacial do hemisfério norte, poucas investigações focam em análises para o
hemisfério sul.
Neste sentido, Wainer et al. (2005) demonstrou que a combinação de menores temperaturas
superficiais do mar (TSM) e anomalias de vento levaram a um clima mais seco na América do Sul
durante o Último Máximo Glacial (LGM, 21000 cal yr BP). Da mesma forma, Vizy & Cook,
(2005) com base em simulações a partir de um modelo regional de clima orientadas por quatro
versões de TSM características do LGM demonstraram que estas simulações produziram condições
mais secas na América do Sul tropical. No entanto, a extensão da aridez parece estar associada com
o grau de esfriamento dos oceanos circundantes, especialmente o Atlântico tropical.
Primeiro draft do capítulo 5 do Grupo de Trabalho 1 do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas – 06/2011
54
A escassez de registros paleoclimáticos da América do Sul dificulta a avaliação precisa de climas
passados (e.g., COHMAP Members, 1988; Kohfeld & Harrison, 2000). Além disso a interpretação
de registros paleoclimáticos é problemática devido ao baixo entendimento dos mecanismos de
controle local e regional do clima. Embora de um modo geral o clima da América do Sul tenha sido
mais frio que o atual (e.g., Bush & Philander, 2001; Wainer et al., 2005), diferentes tipos de
registros paleoclimáticos sugerem que a parte ocidental de Amazônia apresentou condições
climáticas mais secas que a parte oriental. Esta assimetria leste-oeste pode ser atribuída à presença
de um corredor climático mais seco (baixa precipitação) na parte ocidental de Amazônia (Colinvaux
et al., 2000; van der Hammen & Hooghiemstra, 2000). Registros lacustres entre o equador e 25oS
mostram uma lacuna na sedimentação (incluindo ausência de deposição de matéria orgânica),
sugerindo condições secas (Ledru et al., 1998; Mourguiart & Ledru, 2003). Por outro lado, um
aumento da precipitação de inverno (neve) pôde ser identificado no sul da Bolívia (Sylvestre et al.,
1998). Redução da linha de árvores superior (van der Hammen et al., 1980; 1981) e dados de
espeleotemas do sul do Brasil (e.g., Cruz et al., 2005) também indicam climas mais úmidos e frios
que o período atual nesta banda latitudinal. Entre 25oS e 40oS a leste dos Andes, os níveis dos lagos
foram mais elevados do que hoje (Bradbury et al., 2001), enquanto em 50oS as condições eram mais
secas (Clapperton, 1993; Markgraf, 1993).
No que segue, uma comparação entre os recentes resultados propostos por Wainer et al. (2005) e
Justino et al. (2008) para o clima do LGM e do Holoceno Médio (HM, 6000 yr atrás) para a
América do Sul, são apresentados e confrontados com paleoreconstruções climáticas.
Fig. 5.9.1. - Distribuição de paleoreconstruções (círculo laranja:seco; círculo azul: úmido) e histogramas
correspondentes precipitação do modelo mostrando as anomalias entre o Último Máximo Glacial e o período atual. As
barras azul e laranja denotam o verão e o inverno austral, respectivamente. Extraído de Wainer et al (2005).
Metodologia
Embora modelos com as mais complexas e distintas hierarquias tenham sido utilizados para
simular/entender o clima glacial e do HM, nossas comparações no presente trabalho tiveram como
base resultados propostos pelo modelo NCAR-CCSM. O componente de circulação geral
Primeiro draft do capítulo 5 do Grupo de Trabalho 1 do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas – 06/2011
55
atmosférica do modelo é a versão de baixa resolução do CCSM 1.4, que incorpora 18 níveis
verticais na atmosfera, que corresponde a uma grade de longitude e latitude de 96 por 48 pontos
(Kiehl et al., 1998). A dinâmica do oceano é descrita em 25 níveis verticais em uma grade de 3 por
3 graus. Além disso, o acoplamento do modelo inclui um componente sofisticado de gelo marinho,
bem como uma representação simplificada de processos na superfície terrestre.
Na simulação LGM, definimos as quatro principais condições de contorno que são necessários para
efeitos de tal análise da seguinte forma: (i) orbital parâmetros foram fixados para os
correspondentes vigentes a 21 cal kyr BP; (ii) albedo e topografia foram fixadas de acordo com o
modelo ICE-4G (Peltier, 1994), (iii) o nível do mar foi corrigido de acordo com o modelo ICE-4G;
e (iv) as concentrações do gases de efeito estufa (CO2, CH4 e N2O) foram ajustado com base em
estimativas do testemunho de gelo de Vostok. Especificamente, estas concentrações foram levadas
para 200 ppmv de CO2, 400 ppbv para CH4 e 275 ppbv de N2O. A simulação do HM é configurada
de acordo com os requisitos do Paleoclimate Modelling Intercomparison Project (PMIP2). A maior
diferença entre o HM e simulações para o período atual decorrem da configuração orbital. A
inclusão dos parâmetros orbitais leva a uma intensificação do ciclo sazonal de radiação solar na
parte superior da atmosfera no hemisfério norte, e a uma diminuição deste no hemisfério sul
(Braconnot et al., 2007). Isto pode indicar que o clima durante o HM pode ter sido ligeiramente
mais quente que hoje no verão e mais frio no inverno (Otto-Bliesner et al., 2006).
Figure 5.9.2. Anomalia do campo de umidade relativa entre o Último Máximo Glacial e o período atual para o trimestre
Dezembro-Janeiro-Fevereiro (direita) e Junho-Julho-Agosto (esquerda). Modificado de Justino et al. (2010).
Resultados
A maior parte dos registros paleoclimáticos do LGM selecionados mostram regiões mais áridas
(círculos laranja) no período (Fig. 5.9.1). Algumas regiões, todavia, apresentam condições mais
úmidas, como mostrado pelos círculos azuis. Os círculos com ambas as cores indicam diferenças
nas interpretações do dados de reconstituições. Para cada registro, um histograma, o ciclo sazonal
da precipitação simulada, também é mostrado. Os valores foram normalizados por seu desviopadrão. A Fig. 5.9.1 mostra a distribuição de paleoreconstruções e diferenças de precipitação das
Primeiro draft do capítulo 5 do Grupo de Trabalho 1 do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas – 06/2011
56
simulações correspondentes ao LGM e aos dias atuais. As melhores correspondências entre os dois
conjuntos de dados é notado nos pontos 11, 13, 14 e 15, indicando condições passadas mais secas, e
nos locais 3, 4, 7 e 12 mostrando condições mais úmidas durante o LGM. A Fig. 5.9.2, apresenta o
campo das anomalias de umidade relativa entre o LGM e o período atual a partir das simulação
avaliadas por Justino et al. (2010).
Com base nestes dados torna-se claro que existem substanciais variações que são sazonalmente
dependentes. Por exemplo, durante o verão do hemisfério sul o continente sul-americano apresenta
condições mais secas, com exceção do sul da Argentina e Chile. Isto está de acordo com o proposto
nas reconstruções paleoclimáticas (Fig. 5.9.1). Deve ainda notar que estas anomalias de umidade
relativa estão de acordo com a atividade de fogo detectadas a partir de carvão encontrado no solo
(Power et al., 2008). Para a porção sul da América do Sul, registros indicam menos atividade de
fogo (mais úmido) durante o período glacial e a última deglaciação, de 21000 a 11000 cal yr BP.
Em contraste, as latitudes tropicais da América do Sul mostram maior atividade (mais seco) de do
que no presente. Deve-se notar que embora no inverno do hemisfério sul existam anomalias
positivas de umidade relativa, estes valores de um modo geral são extremamente baixos já que este
é o período de estiagem para a maior parte da América do Sul. Isto pode indicar, no que concerne o
ciclo hidrológico, que as variações nas reconstruções são fortemente relacionadas as mudanças
ocorridas no verão austral.
Fig. 5.9.3. - Anomalia de temperatura média anual entre as simulações do Último Máximo Glacial e atual (direita) e
anomalia de temperatura do mês mais frio entre ambas simulações (esquerda). Figura baseada em Farrera et al (1998) e
Kerry Cook (http://www.nicholas.duke.edu/cgc/groups/presentation/).
A Fig. 5.9.3 mostra as anomalias entre as simulações para o LGM e o período atual para a média
anual e a temperatura do mês mais frio (MTCO). Pode-se observar uma razoável concordância entre
os dois conjuntos de dados, principalmente no que concerne a média anual. Os valores na região
equatorial mostram anomalias de temperatura entre 4 e 6K, valores mais baixos são encontrados na
Primeiro draft do capítulo 5 do Grupo de Trabalho 1 do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas – 06/2011
57
região entre 10oS e 25oS. As análises para o campo da MTCO mostra que o modelo apresenta
condições mais frias sobre a Amazônia brasileira.
Conclusões
Registros paleoclimáticos fornecem diretrizes que servem para avaliar modelos numéricos do
sistema climático, assim como são ferramentas úteis que podem sugerir novos modelos conceituais
para explicar variações do clima tanto nas regiões tropicais com nas extratropicais. Um ponto
importante a ser observado é que existem limitações nos registros paleoclimáticos. O presente
estudo mostra que a América do Sul, durante o último período glacial foi dominada por condições
climáticas mais frias e secas em sua maior parte, embora substanciais variações podem ser notadas
como função da sazonalidade. De acordo com a avaliação as mudanças mais intensas se dão durante
o verão austral. Estudos estão em curso para caracterizar a evolução da região da Mata Atlântica em
registros paleoclimáticos interpretados com o auxílio dos modelos numéricos no Holoceno.
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59
5.10 Considerações finais
Abdelfettah Sifeddine, Cristiano M. Chiessi, Francisco W. da Cruz Júnior
Os estudos paleoclimáticos desenvolvidos com base principalmente em registros brasieliros e do
Atlântico Sul e subordinadamente de outros países da América do Sul e dos oceanos adjacentes que
foram sintetisados neste capítulo permitem elaborar as seguintes afirmações:
 As mudanças na insolação recebida pela Terra em escala temporal orbital foram a causa
aparente de marcantes modificações na precipitação e nos ecossistemas das regiões tropical
e subtropical do Brasil, principalmente aqueles sob a influência do Sistema de Monção da
América do Sul. Valores altos de insolação da verão para o hemisfério sul foram associados
a períodos de fortalecimento do Sistema de Monção da América do Sul.
 Na escala temporal milenar, foram descritas fortes e abruptas oscilações no gradiente de
temperatura do Oceano Atlântico bem como variações abruptas na pluviosidade associada às
monções sul-americanas e à Zona de Convergência Intertropical. A causa destas mudanças
climáticas abruptas reside aparentemente em marcantes e abruptas mudanças na intensidade
da Célula de Revolvimento Meridional do Atlântico. Um enfraquecimento desta célula está
associado a um aumento na precipitação das regiões tropicais e subtropicais do Brasil.
 Marcantes alterações na circulação da porção oeste do Atlântico Sul foram reconstituídas
para o Último Máximo Glacial, a última deglaciação e o Holoceno. Dentre elas pode-se
citar: (i) uma diminuição na profundidade dos contatos entre as massas de água
intermediárias e profundas durante o Último Máximo Glacial que foi caracterizado por uma
célula de revolvimento que não foi nem significativamente mais fraca nem uma versão
intensificada da atual; (ii) um aquecimento das temperaturas de superfície do Atlântico Sul
durante eventos de diminuição na intensidade da Célula de Revolvimento Meridional do
Atlântico em períodos específicos da última deglaciação; e (iii) o estabelecimento de um
padrão similar ao atual de circulação superficial na margem continental sul do Brasil entre 5
e 4 cal kyr BP.
 O nível relativo do mar na costa do Brasil atingiu até 5 m acima do nível atual entre ca. 6 e 5
cal kyr BP e diminuiu gradativamente desde então.
 Análises paleoantracológicas indicam que por um longo período do Quaternário tardio o
fogo tem sido um fator de grande perturbação em ecossistemas tropicais e subtropicais e,
juntamente com o clima, de suma importância na determinação da dinâmica da vegetação no
passado.
 Apesar de ainda existirem marcantes controvérsias a respeito de pontos importantes
relacionados à ocupação humana das Américas (e.g. idade das primeiras migrações, quantas
levas de migração ocorreram, por que caminhos se processaram as migrações), pode-se
afirmar que toda a América do Sul já estava ocupada pelo Homo sapiens ao redor de 12 cal
kyr BP e tais ocupações já mostravam padrões adaptativos e econômicos distintos entre si. A
aparente estabilidade na ocupação humana do Brasil é interrompida entre ca. 8 e 2 cal kyr
BP com significativo abandono regional e depopulação e deve estar associada a marcantes
mudanças climáticas.
 A Pequena Idade do Gelo foi caracterizada na porção (sub)tropical da América do Sul ao sul
da linha do Equador por um aumento na precipitação que provavelmente está associado a
um fortalecimento do Sistema de Monção da América do Sul e a uma desintensificação da
Célula de Revolvimento Meridional do Atlântico.
Genericamente, se observa um número ainda bastante restrito de registros paleoclimáticos
provenientes do Brasil e da porção oeste do Atlântico Sul. Para algumas regiões (e.g., região
Centro-Oeste, Zona de Confluência Brasil-Malvinas) e tópicos (e.g., temperatura da superfície do
Primeiro draft do capítulo 5 do Grupo de Trabalho 1 do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas – 06/2011
60
mar para o Holoceno, variabilidade multidecenal e secular na precipitação) apenas nos últimos anos
foram publicados os primeiros estudos (e.g., Cheng et al., 2009; Chiessi et al., 2009; Souto et al.,
2011; Laprida et al., in press; Strikis et al., in press). Neste sentido, espera-se que lacunas de suma
importância nesta área do conhecimento sejam preenchidas nos próximos 10 anos.
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