jean-claude milner

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jean-claude milner
JEAN-CLAUDE MILNER
por
PAULA CHIARETTI
Programa de Pós-Graduação em Ciências da Linguagem
Universidade do Vale do Sapucaí
Av. Pref. Tuany Toledo, 470 – 37550-000 – Pouso Alegre-MG.
[email protected]
Segundo Jean-Claude Milner, “a intensidade é o coração da inteligência”i.
Nascido em Paris, em janeiro de 1941, o linguista, filósofo e ensaísta vive com
intensidade sua carreira profissional e acadêmica marcada por diversas adesões e
rupturas.
Milner se declara proveniente de uma “petite bourgeoisie intelectuelle"
(“pequena burguesia intelectual”): filho de um tradutor e de uma professora, sua
formação inicial como linguista está inscrita desde sempre na via traçada por seus pais.
Em 1963, Milner começa seu percurso acadêmico na École Normal Superieur (ENS)
onde acompanha o seminário de Louis Althusser cujo objetivo era fazer dialogar os
campos do marxismo e do estruturalismo. É ali que conhece aqueles intelectuais com os
quais realizaria parceiras de trabalho e alguns dos quais o afastamento, por conta de
decisões intelectuais e políticas, seria inevitável.
Milner utiliza o modelo da disputa de corrida entre Aquiles e a tartaruga para
afirmar que até Sartre, a política e a filosofia não conseguem andar lado a lado. É
justamente essa impossibilidade que a leitura de Althusser supera, ao propor que a
política e a filosofia cheguem juntas ao final. É dessa maneira que também a obra de
Milner se caracteriza por uma tensão constante entre linguagem e política, que
aparecem necessariamente conectadas.
Entre os anos de 1963-1964, Althusser reserva uma sequência de seus encontros
sobre o estruturalismo à exposição de Jacques-Alain Miller sobre a obra de Jacques
Lacan. O encontro com essa obra, a respeito da qual Milner havia ouvido falar em 1962
durante os seminários de Roland Barthes na École des Hautes Études, lhe proporciona
uma nova visada sobre a Linguística Estrutural, não no sentido de uma revisão, mas sim
de algo dissonante ao que havia sido estabelecido como ciência Linguística.
O encontro com Lacan é assegurado ainda por uma segunda contingência: a
impossibilidade de que Lacan continuasse oferecendo seus seminários no Hospital
Sainte-Anne e consequente convite de Althusser para que acontecessem a partir de
então na ENS. Essa relação com a psicanálise se sustenta por toda a sua obra, sendo as
duas obras mais representativas de sua contribuição ao campo da Psicanálise O amor da
língua (traduzido pela Editora da Unicamp), na qual o linguista se propõe a realizar uma
releitura dos conceitos da Linguística (em especial de Saussure e de Chomsky) por meio
do recurso ao conceito de inconsciente e à lógica do não-todo propostos por Jacques
Lacan, e Obra Clara, que pretende investigar as relações entre o pensamento de Lacan,
a ciência e a filosofia.
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Não só o encontro com a psicanálise marca sua vida nos anos 60. Esse período
também se caracteriza por um engajamento político marcado pela militância quando já
era professor em Nanterre. Seu principal parceiro nessa empreita foi Benny Lévy com
quem mais tarde voltaria a trabalhar se debruçando sobre o tema do Judaísmo. De
acordo com Miller, durante as manifestações de 68, Milner e ele atravessam as bombas
de gás lacrimogêneo como se estivessem em um sonho, “conversando como dois
professores Nimbus”ii.
Milner abandona a Gauche prolétarienne muito antes da autodissolução em
1973. Todo esse percurso será rememorado mais tarde, em 2009, na publicação do livro
L'arrogance du présent : Regards sur une décennie, 1965-1975, no qual o autor retoma
uma espécie de remorso, relativo ao Maio de 68, que está relacionado ao seu “desejo de
absoluto” que nunca se realizou.
Para Milner, romper com o gauchisme é romper com o pensamento massivo.
Essa ruptura está já inscrita na própria Linguística qualificada pelo autor como
antimassiva e atenta aos detalhes. É daqui que se desponta sua forma de trabalhar: “[...]
é preciso calcular os riscos, e sempre ter em mente a necessidade de atenção aos
detalhes, que aparece sob a forma de disjunções, o realce dado aos equívocos, mesmo
quando o assunto se apresenta de uma forma aparentemente massiva [...]”iii.
O linguista atribui também o fim da sua militância ao ideal de sociedade
propagado por esse posicionamento: uma organização política perfeitamente livre que,
ao permitir que o indivíduo ‘se realize plenamente’, coloca o segredo como um de seus
obstáculos. Isso também se relaciona à crítica de Milner ao projeto de uma sociedade
sem segredos que tem sido cada vez mais imposta pela via de uma ‘transparência
absoluta’, algo que lhe parece intolerável. Para o autor, o segredo por sua
impenetrabilidade é uma arma dos mais fracos e, por isso, a sua condição de existência
deveria ser assegurada.
Ainda na década de 60, não se sentindo representado pelas revistas que então
circulavam (Les Temps Modernes, Argument e as revistas comunistas), Milner,
juntamente com outros colegas, funda o Cahiers marxiste-léniniste e depois o Cahiers
pour l’analyse. É nesse segundo que seu primeiro trabalho, um artigo sobre a função do
ponto de partida em Marx, é publicado.
Milner é convidado pelo colega e amigo Benny Lévy para escrever no La Cause
Du Peuple, no qual conhece os filósofos Christian Jambet e Guy Lardeau. Os quatro
irão se cruzar sem parar nos anos subsequentes. Ainda em 1998, os quatro desistem da
publicação de uma coleção (“Islam spirituel”) em quatro volumes por conta do
afastamento provocado pela adesão de cada um a diferentes programas: enquanto Benny
Lévy, judeu ortodoxo, se dedica ao estudo do judaísmo, Lardeau e Jambet se dedicam
ao estudo do cristianismo. Para Milner, ateu convicto, mas de ascendência judaica, a
aproximação entre esses dois campos, a saber, o judaísmo e o cristianismo, só poderia
gerar perdas.
É pouco a pouco que Milner retoma a sua raiz judaica. Durante a guerra, seu pai,
lituano de família judaica, consegue documentos falsos para não portar a estrela
amarela. “Ele prefere a astúcia à coragem”iv. Convicto de que e única coisa que poderia
transmitir aos filhos é a inteligência, a questão religiosa fica apagada na vida de Milner
por muito tempo. Até o momento em que o linguista coloca o Holocausto no centro da
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cultura europeia e se questiona acerca do enodamento entre o Judaísmo e o Saber, sendo
essa a questão que tem mais o ocupado atualmente.
Milner também é reconhecido como o linguista que introduziu a Gramática
Gerativa na França. Em 1971, Milner vai para Estados Unidos e, inscrito no
Massachusetts Institute of Technology, traduz para o francês a obra do norte-americano
Noam Chomsky, Aspects of the Theory of Sintax. A despeito da necessidade de uma
nova teoria linguística que pudesse atualizar ou modernizar o marxismo na França, a
teoria de Chomsky não encontra sucesso em território francês. O linguista atribui esse
malogro ao fato de que a esquerda francesa prescinda dessa teoria, já que, segundo ele,
“politicamente, Chomsky não serve para nada”v.
Os ecos do engajamento político de Milner ainda hoje são ouvidos em sua obra,
bem como a interface constante entre linguagem e política. Para Milner, a palavra
‘revolução’, por exemplo, a despeito do seu fracasso fez com que a própria língua se
modificasse. Numa espécie de vivacidade contínua e de capacidade de deslocamento, a
questão que a palavra ‘revolução’ parece disparar atualmente é, segundo Milner, “qual é
a política para os seres falantes?”. Ou seja, como podem ser diversos e não serem
condenados ao silêncio?
É assim que a obra de Milner é marcada por essa atenção ao detalhe, ao
equívoco, ao que se encontra distante dos holofotes e dos grandes modelos explicativos.
A despeito de uma grande produção de livros e ensaios, a escrita para Milner é
considerada uma tarefa árdua. No intervalo entre Linguística e Política em que se
inscrevem, suas obras apresentam usualmente um estilo de escrita sintética e referências
constantes à lógica.
Atualmente, sem jamais haver se casado ou tido filhos, Milner é professor da
Université Paris Diderot – Paris 7 – e reside em Paris.
Bibliografia em ordem cronológica de trabalhos de Jean-Claude Milner:
Arguments linguistiques. Paris : Mame, 1973.
De la syntaxe à l’interprétation : quantités, insultes, exclamations. Paris : Le Seuil,
coll. « Travaux linguistiques », 1978.
L’amour de la langue. Paris : Le Seuil (coleção « Connexions du Champ freudien »),
1978. / Lagrasse : Verdier, 2009.
[Tradução em português pelas editoras Artes Médicas, em 1987 e da Unicamp, em
2012].
Ordres et raisons de langue. Paris : Le Seuil, 1982.
Les noms indistincts. Paris, Le Seuil (coleção « Connexions du Champ freudien »),
1983 / Lagrasse: Verdier, 2007.
[Tradução em português pela editora Leitura Dinâmica, em 2006].
De l’école. Paris : Le Seuil, 1984. / Lagrasse: Verdier, 2009.
De l'inutilité des arbres en linguistique, Paris, Département de Recherches
Linguistiques, Un. de Paris VII, coll. ERA 642, 1985
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Détections fictives. Paris : Le Seuil (coleção « Fictions & Cie »), 1985.
Introduction à un traitement du passif. Paris : Département de Recherches
Linguistiques, Un. de Paris VII (coleção ERA 642), 1986 (reedição).
Dire le vers (em colaboração com François Regnault). Paris : Le Seuil, 1987. /
Lagrasse : Verdier, 2008.
Introduction à une science du langage. Paris : Le Seuil (coleção « Travaux
linguistiques »), 1989.
Constat. Lagrasse : Verdier, 1992.
Archéologie d’un échec : 1950-1993. Paris : Le Seuil, 1993.
L’Œuvre claire : Lacan, la science et la philosophie. Paris : Le Seuil (coleção
« L’Ordre philosophique »), 1995.
[Tradução em português pela editora Zahar, em 1996].
« Les dénis ». In : MICHEL, Natacha (org). Paroles à la bouche du présent : le
négationnisme, histoire ou politique ?. Marseille : Éd. Al Dante, 1997.
Le salaire de l’idéa. Paris : Le Seuil, 1997.
Le triple du plaisir. Lagrasse : Verdier, 1997.
Mallarmé au tombeau. Lagrasse : Verdier, 1999.
Lacan, l'écrit, l'image : Sous la direction de l'Ecole de la Cause freudienne. (em
colaboração com Jacques Aubert, François Cheng e Gérard Wajcman). Paris:
Flammarion, 2000.
[Tradução em português pela editora Autêntica, em 2012].
Existe-t-il une vie intellectuelle en France ? Lagrasse : Verdier, 2002.
Les Pas philosophique de Roland Barthes. Lagrasse : Verdier, 2003.
Les penchants criminels de l'Europe démocratique. Lagrasse : Verdier, 2003.
Voulez-vous être évalué ? : Evaluation et psychanalyse. (em colaboração com JacquesAlain Miller). Paris : Grasset, 2004.
[Tradução em português pela editora da Manole, em 2006].
Le périple structural, figures et paradigmes. Paris : Le Seuil (coleção « La couleur
des idées »), 2002. / Lagrasse : Verdier, 2008.
Constats. Paris : Gallimard (coleção Folio/Essais). (obras publicadas em
conjunto: Constat, Le triple du plaisir, Mallarmé au tombeau).
Le pas philosophique de Roland Barthes. Lagrasse : Verdier, 2003.
La politique des choses. Paris : Navarin éditeur, 2005.
Le Juif de savoir. Paris : Grasset, 2007.
L'arrogance du présent : Regards sur une décennie, 1965-1975. Paris : Grasset, 2009.
La politique des choses : Court traité politique 1. Lagrasse : Verdier, 2011.
Pour une politique des êtres parlants. Court traité politique 2. Lagrasse : Verdier,
2011.
Clartés de tout : de Lacan à Marx, d’Aristote à Mao (entrevistas com Fabian Fajnwaks
et Juan Pablo Lucchelli). Lagrasse : Verdier, 2011.
Malaise dans la peinture : à propos de la Mort de Marat. Paris : INHA/Ophrys, 2012.
Controverse : Dialogue sur la politique et la philosophie de notre temps. (em
colaboração com Alain Badiou e Philippe Petit). Paris : Seuil, 2012.
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Le sage trompeur : Libres raisonnements sur Spinoza et les Juifs. Court traité de
lecture 1, Paris, Verdier, 2013.
L'universel en éclats. Court traité politique 3. Lagrasse : Verdier, 2014.
Harry Potter : A l'école des sciences morales et politiques. Paris : PUF, 2014.
Loi juive, loi civile, loi naturelle : Lettres sur le mariage pour tous et ses effets à venir.
(em colaboração com Pascal Bacqué). Paris : Grasset, 2014.
i
Perfil de Jean-Claude Milner por Phillipe Laçon – Une Langue Bien Tendue –, publicado em Libération de
dezembro de 2006 (disponível em http://www.editions-verdier.fr/v3/auteur-milner-6.html, consultado
em 20 de maio de 2014).
ii
Professor Nimbus é um personagem de história em quadrinhos criado por André Daix. Carregando um
ponto de interrogação sobre a cabeça, o personagem se popularizou pela personalidade desconectada
aos aspectos concretos da realidade.
iii
Jean-Claude Milner em entrevista para Donatien Grau para a revista Transfigure n. 28, de março de
2009.
iv
Perfil de Jean-Claude Milner por Phillipe Laçon – Une Langue Bien Tendue –, publicado
em Libération de dezembro de 2006 (disponível em http://www.editions-verdier.fr/v3/auteur-milner6.html, consultado em 20 de maio de 2014).
v
Propos recueillis par Jean Birnbaum, para Le Monde, em junho de 2010. (disponível em
http://www.lemonde.fr/livres/article/2010/06/03/jean-claude-milner-il-ne-cache-pas-son-mepris-pourles-intellectuels-parisiens_1367031_3260.html, consultado em 21 de maio de 2014).
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