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ISSN 2177-966X
I Encontro Internacional de
Tecnologia e Inovação para
Pessoas com Deciência
Anais
2009
ISSN 2177-966X
Anais
São Paulo, 2009
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Encontro Internacional de Tecnologia e Inovação para
Pessoas com Deficiência (1. : 2009 : São Paulo)
Tecnologia e Inovação para Pessoas com Deficiência :
Anais / [organizadora] Linamara Rizzo Battistella ;
coordenadora editorial Neuza Maria de Oliveira. -São Paulo : Velhos Guerreiros Editores, 2010.
ISSN 2177-966X
1. Deficientes - Direitos civis 2. Deficientes - Inclusão social 3. Deficientes Reabilitação 4. Deficientes - Serviços de acessibilidade 5. Encontro
Internacional de Tecnologia e Inovação para Pessoas com Deficiência (1. :
2009 : São Paulo) 6. Inovação tecnológica 7. Qualidade de vida 8.
Tecnologia I. Battistella, Linamara Rizzo. II. Oliveira, Neuza Maria de.
10-05950
CDD-362.4045
Índices para catálogo sistemático:
1. Encontro Internacional de Tecnologia e Inovação
para Pessoas com Deficiência : Inclusão : Bem-estar
social : Anais 362.4045
Estes Anais contêm os resumos das palestras e sessões do I Encontro Internacional de Tecnologia
e Inovação para Pessoas com Deficiência.
A preparação dos resumos constantes deste volume foi realizada de acordo com técnicas especializadas
de transcrição e editoração, a partir de gravações das sessões, sendo de exclusiva responsabilidade
dos palestrantes as informações e opiniões veiculadas em suas exposições.
Governador
José Serra
Secretária de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência
Linamara Rizzo Battistella
Coordenadora editorial desta publicação
Neuza Maria de Oliveira
São Paulo, 2009
Apresentação
Inovação e tecnologia são dimensões que se integram nas mais avançadas e
abrangentes formas de garantia dos direitos da pessoa com deficiência.
Os avanços tecnológicos contribuem para a ampliação dos direitos civis e
humanos, possibilitando crescentes níveis de participação social. Inclusão
social, acessibilidade e pleno exercício da cidadania são os objetivos maiores
e mais nobres de quaisquer desenvolvimentos tecnológicos nessa área.
Trata-se de propiciar formas inclusivas de comunicação e relacionamentos
interpessoais, trabalho, educação, informação e cultura, esporte e lazer,
transporte, saúde, autonomia de locomoção e moradia, além de atender a
outras necessidades da pessoa humana.
As inovações possibilitam crescente superação das deficiências, na medida
em que práticas de reabilitação inovadoras e novos produtos acessíveis
contribuem para o aumento da funcionalidade, resgatando a dignidade da
pessoa, ampliando o leque de suas escolhas autônomas e de vida
independente, visando ao mais pleno usufruto da liberdade pessoal.
O I Encontro Internacional de Tecnologia e Inovação para Pessoas com Deficiência
contou com a participação de representantes do governo, da sociedade civil,
da universidade e da iniciativa privada. Pesquisas, experimentos, novas
práticas, serviços e produtos que correspondem aos mais recentes avanços
tecnológicos foram apresentados.
Com a publicação destes Anais, a Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa
com Deficiência disponibiliza ao público interessado o conteúdo das sessões
do evento, que tenho certeza representa uma valiosa contribuição para as
pessoas com deficiência e para todos aqueles que atuam em seu benefício.
Dra. Linamara Rizzo Battistella
Secretária de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência de São Paulo
Sumário
8 de dezembro de 2009
ABERTURA OFICIAL DO ENCONTRO
Linamara Rizzo Battistella
Secretária de Estado - Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com
Deficiência – São Paulo, SP
18
Ricardo Tortorella
Superintendente do SEBRAE – Serviço Brasileiro de Apoio às Micro
e Pequenas Empresas – São Paulo, SP
20
Antonino Grasso
Secretário Adjunto da Secretaria Municipal da Pessoa com Deficiência
e Mobilidade Reduzida, São Paulo, SP
22
Izabel Cristina Campanari Lorenzetti
Prefeita da cidade de Lençóis Paulista, SP
24
Lair Alberto Soares Krähenbühl
Secretário de Estado da Habitação de São Paulo, SP
24
TECNOLOGIAS ASSISTIVAS, AJUDAS TÉCNICAS E SEU PAPEL NA
SOCIEDADE – MELHORIA NA QUALIDADE DE VIDA
Gracinda Tsukimoto (moderadora)
Diretora de Serviços de Terapia Ocupacional do Instituto de Medicina Física
e Reabilitação do Hospital das Clínicas – Fundação Faculdade de Medicina
da Universidade de São Paulo, SP
Chao Lung Wen
Coordenador do Núcleo de Telemedicina e Telessaúde do Hospital das
Clínicas – Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, SP
27
Tom Babinszki
Diretor da Even Grounds Consultoria de Acessibilidade, Alexandria,
Virgínia – EUA
29
Robert Mortimer
Coordenador técnico do Laratec – Tecnologia Assistiva para Inclusão
da Pessoa com Deficiência Visual – São Paulo, SP
31
Sumário
Marcos Pinotti
Coordenador do Laboratório de Bioengenharia da Universidade Federal
de Minas Gerais – Belo Horizonte, MG
36
ACESSIBILIDADE, EDUCAÇÃO E INCLUSÃO SOCIAL
Alex Vicintin (moderador)
Presidente da Plura Consultoria e Inclusão Social, São Paulo, SP
José Antonio Borges
Coordenador de Projetos de Acessibilidade do Núcleo de Computação
Eletrônica da Universidade Federal do Rio de Janeiro, RJ
39
Ángel García Crespo
Vice-Diretor de Planejamento Docente da Universidade Carlos III e de
Responsabilidade Social do Centro Espanhol de Legendas e Audiodescrição
de Madri, Espanha
43
Carla Mauch
Coordenadora Geral do Mais Diferenças – Educação e Inclusão Social –
São Paulo, SP
44
Stella Kochen Susskind
Presidente da Shopper Experience – São Paulo, SP
49
TRANSFORMAÇÃO: UMA CIDADE PARA TODOS
Milton Jung (moderador)
Jornalista e âncora da Rádio CBN – São Paulo, SP
Eduardo Flores Auge
Secretário Executivo da Comissão Permanente de Acessibilidade –
Prefeitura Municipal de São Paulo, SP
53
Luis Antonio A. Silva
Vice-Prefeito Municipal de São José dos Campos, SP
56
Mara Gabrilli
Vereadora na cidade de São Paulo, SP
58
Osvaldo Franceschi Jr.
Prefeito Municipal de Jaú, SP
61
Ailton Brasiliense
Presidente da Associação Nacional de Transportes Públicos – São Paulo, SP
63
Sumário
HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL NOS MUNICÍPIOS
Luiz Baggio Neto (moderador)
Assessor da Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência –
São Paulo, SP
Fernando Lhata
Superintendente de Projetos da Companhia de Desenvolvimento
Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo – São Paulo, SP
67
Izabel Cristina Campanari Lorenzetti
Prefeita Municipal de Lençóis Paulista, SP
73
Sebastião Misiara
Presidente da União dos Vereadores do Estado de São Paulo – São Paulo, SP
77
PROTOCOLO DE INTENÇÕES PARA CRIAÇÃO DO NOTEBOOK DA
REABILITAÇÃO E DO NOTEBOOK
DA SAÚDE
81
9 de dezembro de 2009
TECNOLOGIAS E SAÚDE - DIAGNÓSTICO E REABILITAÇÃO
Daniel Gustavo Goroso (moderador)
Coordenador de Pesquisa e Desenvolvimento do Instituto de Medicina Física
e Reabilitação do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo, SP
Koichi Sameshima
Professor Associado do Departamento de Radiologia da Faculdade
de Medicina da Universidade de São Paulo, SP
88
André Fabio Kohn
Laboratório de Engenharia Biomédica – Escola Politécnica da
Universidade de São Paulo, SP
92
Júlio Cezar David de Melo
Professor Adjunto do Departamento de Engenharia Eletrônica da
Universidade Federal de Minas Gerais – Belo Horizonte, MG
95
Marcelo Knörich Zuffo
Coordenador do Laboratório de Sistemas Integráveis da Escola
Politécnica da Universidade de São Paulo, SP
100
Sumário
Milton Oshiro
Coordenador do Laboratório de Bioengenharia do Hospital das Clínicas
de São Paulo – Unidade Lapa do Instituto de Reabilitação Rede Lucy
Montoro – São Paulo, SP
104
Hermano Igo Krebs
Principal Research Scientist & Lecturer – Instituto de Tecnologia de
Massachusetts, Departamento de Engenharia Mecânica Cambridge, MA, EUA
107
MODA INCLUSIVA E CULTURA
Daniela Auler (moderadora)
Assessora da Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência
do Estado de São Paulo – São Paulo, SP
Thaís Tavares Terranova
Terapeuta Ocupacional do Instituto de Reabilitação Lucy Montoro –
São Paulo, SP
111
Lara Pozzobon
Diretora do Festival de Cinema do Assim Vivemos – Rio de Janeiro, RJ
114
Camila Yahn
Diretora do Pense Moda e Editora Assistente da Revista Moda – São Paulo, SP
117
Aline Cristina Fernandes de Nóbrega
Analista de Marketing – Vicunha Têxtil S/A – São Paulo, SP
118
A TRANSFORMAÇÃO EM NÚMEROS
Cid Torquato (moderador)
Coordenador de Articulação Institucional e Políticas Públicas da Secretaria
de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência – São Paulo, SP
Felícia Reicher Madeira
Diretora Executiva da SEADE - Fundação Sistema Estadual de Análise de
Dados – São Paulo, SP
121
Felipe Soutello
Presidente do Centro de Estudos e Pesquisas de Administração Municipal –
Fundação Prefeito Faria Lima – São Paulo, SP
124
José Roberto Sevieri
Diretor-Presidente do Grupo CIPA Congressos e Eventos Comerciais –
São Paulo, SP
127
Sumário
Hélio Zylberstajn
Professor da Faculdade de Economia da Universidade de São Paulo –
São Paulo, SP
131
Neyza Furgler
Gerente de Pesquisa da Cultura Data – Fundação Padre Anchieta –
São Paulo, SP
135
José Eduardo Soler
Gestor de Projetos da Secretaria de Gestão Pública do Estado de São
Paulo – São Paulo, SP
138
ACESSIBILIDADE NO MOBILIÁRIO URBANO
Marco Antonio Pellegrini (moderador)
Coordenador de Acessibilidade da Secretaria de Estado dos Direitos
da Pessoa com Deficiência – São Paulo, SP
Jorge Gonçalves dos Santos
Diretor da Federação Nacional das AVAPES – Associações para Valorização
de Pessoas com Deficiência – São Paulo, SP
141
Luciano Marques de Souza
Coordenador de Defesa de Políticas para Pessoas Portadoras de Deficiência
da Prefeitura Municipal de Santos, SP
149
Daniella Bertini
Arquiteta da Assessoria de Projetos da Secretaria Municipal da Pessoa com
Deficiência e Mobilidade Reduzida – Prefeitura Municipal de São Paulo, SP
153
MERCADO DE TRABALHO
João Baptista Cintra Ribas (moderador)
Gerência de Desenvolvimento Sustentável – Programa de Empregabilidade
de Pessoas com Deficiência – Serasa Experian – São Paulo, SP
Vandréia Silva de Oliveira
Gerente de Diversidade do Grupo Pão de Açúcar – São Paulo, SP
161
Roberto Siggers
Gerente de Sustentabilidade da Cielo – São Paulo, SP
163
João César de Oliveira Lima Júnior
PricewaterhouseCoopers – São Paulo, SP
164
Sumário
Edson Luiz Defendi
Coordenador de Projetos de Atendimento Especializado da Fundação
Dorina Nowill para Cegos – São Paulo, SP
165
O MERCADO DE TECNOLOGIAS ASSISTIVAS NO BRASIL
Cid Torquato (moderador)
Coordenador de Articulação Institucional e Políticas Públicas – Secretaria
de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência – São Paulo, SP
Mônica Cavenaghi
Diretora Comercial da Cavenaghi – São Paulo, SP
169
Wilson Zampini
Diretor Geral da Otto Bock Brasil – São Paulo, SP
170
Ricardo A. Conti
Departamento de Engenharia e Desenvolvimento da Ortopedia Jaguaribe
Ind. e Comércio Ltda. – Ferraz de Vasconcelos, SP
173
Orlando de Carvalho
Diretor Comercial da CARCI – São Paulo, SP
177
AJUDAS TÉCNICAS PARA O ESPORTE E LAZER
Vanilton Senatore (moderador)
Assessor Técnico de Gabinete – Secretaria de Estado dos Direitos
da Pessoa com Deficiência – São Paulo, SP
Paulo César Marinho Fernandes
Proprietário da Mobility Brasil – Goiânia, GO
181
Rivaldo Gonçalves Martins
Atleta Paraolímpico – Santos, SP
187
Marco Antonio Guedes de Souza Pinto
Ortopedista e Traumatologista – Fundador e Diretor do Centro Marian
Weiss – São Paulo, SP
ACESSIBILIDADE DIGITAL E GOVERNO ELETRÔNICO
Ricardo Kobashi (moderador)
Assessor Técnico da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo – São Paulo, SP
191
Sumário
Tânia Virginia de Souza Andrade
Superintendente de Operações do Poupatempo – São Paulo, SP
197
Marco Antonio de Queiroz
Consultor em Informática do Centro de Vida Independente Araci Nallin
e autor do “A Bengala Legal” – Rio de Janeiro, RJ
199
Vagner Diniz
Gerente Geral do Escritório Brasil do W3C – São Paulo, SP
202
SAÚDE E ASSISTÊNCIA
Marli Kioyoko Fujikawa Watanabe (moderadora)
Responsável Técnica para a Área de Saúde do Deficiente – Grupo Técnico
de Ações Estratégicas – Coordenadoria de Planejamento de Saúde –
Secretaria de Estado da Saúde – São Paulo, SP
Henrique Grego Maia
Presidente da Associação Brasileira de Ortopedia Técnica – ABOTEC –
São Paulo, SP
205
Júnia J. Rjeille Cordeiro
Superintendente do Lar Escola São Francisco – São Paulo, SP
212
Ana Beatriz Proença
Médica Fisiatra e Gerente Médica da Unidade da Mooca da Associação
de Assistência à Criança Deficiente – AACD – São Paulo, SP
216
Stela Felix Machado Guillin Pedreira
|Assistente Técnico de Ações Estratégicas da Coordenadoria de
Planejamento da Saúde da Secretaria de Estado da Saúde – São Paulo, SP
219
10 de dezembro de 2009
ECONOMIA DO CONHECIMENTO – TECNOLOGIA E INOVAÇÃO
Danilo Piaggesi (moderador)
Diretor do Programa Internacional de Economia do Conhecimento (IKEP)
230
Klaus-Peter Wegge
Chefe do Centro de Competência em Acessibilidade da Siemens Company –
República Federal da Alemanha
234
Sumário
David Andrés Rojas
Gerente Sênior do Programa de TCI – Diretor da POETA – The Trust for the
Americas – Organização dos Estados Americanos - Washington DC, USA
240
Pedro Primo Bombonato
Coordenador de Ciência, Tecnologia e Inovação da Secretaria de Estado
de Desenvolvimento – São Paulo, SP
244
Fernando Botelho
Diretor da Botelho & Paula Consultoria Empresarial – Curitiba, PR
248
Claudinei Martins
Pesquisador – Fundação Centro de Pesquisa e Desenvolvimento
em Telecomunicações – CPqD – Campinas, SP
253
RESIDÊNCIAS INCLUSIVAS
Tuca Munhoz (moderador)
Presidente do Instituto MID para a participação social das pessoas
com deficiência
Nikola Lafrenz
Secretária Executiva do Ministério do Trabalho e Assuntos Sociais
da República Federal da Alemanha – Berlim, RFA
261
Elvira Cortajarena Iturrioz
Delegada do Governo Basco na Argentina, representante
da Espanha – ES
267
Isabel Cristina Pessoa Gimenes
Secretária Municipal da Pessoa com Deficiência – Rio de Janeiro, RJ
271
Vânia Melo Bruggner Grassi
Diretora Técnica da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais
de Bauru – APAE – Bauru, SP
275
A COPA DO MUNDO, OLIMPÍADAS E PARAOLIMPÍADAS COMO
VETORES DE TRANSFORMAÇÃO E INCLUSÃO SOCIAL
Introdução: Linamara Rizzo Battistella
Secretária de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência – São Paulo, SP
Cid Torquato (moderador)
Coordenador de Articulação Institucional e Políticas Públicas – Secretaria
de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência – São Paulo, SP
282
Sumário
Alcino Reis Rocha
Assessor Especial do Futebol – Ministério do Esporte – Brasília, DF
283
Luis Salles
Assessor da Presidência da São Paulo Turismo – SPTuris – São Paulo, SP
286
Roque de Lázaro Rosa
Assessor da Presidência do Metrô – São Paulo, SP
291
Nilce Maria Costa dos Santos
Assessora da Presidência da Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária –
INFRAERO – Ministério da Defesa – Brasília, DF
297
Andrew George William Parsons
Presidente do Comitê Paraolímpico Brasileiro – Brasília, DF
302
Dia 8 de dezembro de 2009
Abertura Oficial do Encontro
Mestre de Cerimônia: O objetivo deste evento é promover uma grande discussão
sobre a importância das tecnologias assistivas e ajudas técnicas no processo de
reabilitação e no dia-a-dia das pessoas com deficiência, com mobilidade reduzida
permanente ou temporariamente, idosos e seus familiares, cuidadores, profissionais
da saúde, educadores e, em grande medida, de toda a sociedade, cada vez mais diversa
e inclusiva. Paralelamente, esta iniciativa visa formatar a fabricação e a oferta desses
produtos no mercado nacional, estimulando a inovação, a produção em larga escala
e seu barateamento para o público consumidor, garantindo assim uma melhor
qualidade de vida para aqueles que deles necessitam.
Convidamos para compor o palco a senhora Linamara Rizzo Battistella, Secretária
de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência, representando neste ato o
Governador do Estado de São Paulo, José Serra; o Sr. Lair Alberto Soares Krähenbühl,
Secretário de Estado da Habitação de São Paulo; o Sr. Antonino Grasso, Secretário
Adjunto da Secretaria Municipal da Pessoa com Deficiência e Mobilidade Reduzida,
neste ato representando o excelentíssimo Prefeito Gilberto Kassab; Izabel Cristina
Campanari Lorenzetti, Prefeita da cidade de Lençóis Paulista e o Sr. Ricardo Tortorella,
superintendente do SEBRAE – Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas
Empresas - de São Paulo. Nós gostaríamos de registrar e agradecer a presença dos
senhores Gilberto Wachtler, do Primavera, Vereador de Santo André; Marcos
Gonçalves, Presidente da FENAVAPE – Federação Nacional das Avapes; Sylvia Cury,
presidente da AVAPE – Associação para Valorização e Promoção de Excepcionais;
Valter José Augusto Ferreira, representando o Instituto de Pesquisas Tecnológicas;
Roberto Curi, representando a prefeita do Guarujá, Sra. Maria Antonieta de Brito; e
Daiane Oliveira de Paula, representando a Secretaria Municipal de Desenvolvimento
Econômico e Trabalho do Programa Inclusão Eficiente. Para abertura dos trabalhos,
ouviremos a Dra. Linamara Rizzo Battistella, Secretária de Estado dos Direitos da
Pessoa com Deficiência.
Abertura Oficial do Encontro
Dra. Linamara Rizzo Battistella: Boa tarde. Que prazer estar aqui com vocês
para tratar de um assunto tão importante como tecnologia e inovação! Exatamente
porque estamos tratando deste tema, não poderia deixar de estar presente conosco
nesta solenidade de abertura o Dr. Lair Alberto Soares Krähenbühl. O Dr. Lair inovou
na questão da habitação e inovou de forma surpreendente na garantia da adoção do
desenho universal nas moradias de interesse social, o que significa uma grande
inovação tecnológica e a garantia do direito do uso da habitação por todos. Eu quero
agradecer a presença dele aqui.
Eu quero cumprimentar o Antonino Grasso, o Secretário Adjunto da Secretaria da
Pessoa com Deficiência e Mobilidade Reduzida, representando o nosso querido Prefeito
Gilberto Kassab. Quando falamos em inovação, não podemos deixar de lembrar a
importância da criação dessa Secretaria, no Município e no Estado, que efetivamente
tratam da questão que não é nova, dos direitos humanos, mas exigia um olhar diferente
e inovador para garantir que todos os humanos com deficiência fossem assistidos,
entendidos e incluídos dentro das políticas do Estado e do Município.
Cumprimento a Izabel Cristina Campanari Lorenzetti, Prefeita da cidade de Lençóis
Paulista, essa cidade que está realmente “fazendo o planeta tremer”, com todas as
mudanças na articulação da saúde e da educação, criando um espaço conjugado e
articulado para que as crianças com deficiência tenham o seu turno na escola
convencional e o acesso garantido ao sistema de saúde. Cumprimentando a Izabel,
eu cumprimento também todos os Prefeitos e Vice-Prefeitos aqui presentes.
Quero cumprimentar o Ricardo Tortorella, superintendente do SEBRAE, e dizer da
importância de ter o SEBRAE presente. Quando falamos de inovação e tecnologia,
imediatamente lembramos da importância do SEBRAE, das nossas incubadoras e da
garantia de que podemos transformar cada uma dessas ideias, de inclusão e
acessibilidade, em produtos que podem significar uma nova cadeia econômica, um
novo potencial de geração de renda para produtores e, certamente, uma oportunidade
adicional para que as pessoas com deficiência possam se expressar funcionalmente,
na plenitude da sua condição, significando mais acesso ao trabalho, à educação, mais
garantia de autonomia e, portanto, maior inclusão social.
Cada um dos presentes aqui, o Gilberto, do Primavera, Vereador de Santo André, e a
esposa tão simpática, o Marcos Gonçalves, a Sylvia Cury, todos os coordenadores,
assessores da Secretaria, mas sobretudo os nossos palestrantes internacionais (e eu
quero cumprimentar a todos, cumprimentando o Hermano Igo Krebs, do MITMassachussets Institute of Technology), eu quero dizer para os senhores da nossa
18
Abertura Oficial do Encontro
alegria de tê-los aqui. Nesta primeira amostra de tecnologias e inovações, trouxemos
o que foi identificado como o que existe de mais importante, de mais expressivo neste
momento novo por que passa o Estado de São Paulo e a própria sociedade, entendendo
a importância de que se busquem soluções dentro da Universidade, que se permita
transformá-las em produtos dentro da indústria e do comércio, para que se efetive
esta condição de uma sociedade para todos.
É importante observar que cada um dos parceiros desta mostra traduziu o que há de
melhor nesta área: uma exposição pequena, com 40 ou 50 expositores, mas que
pretende ser o embrião, a ação inicial de uma exposição que vai se repetir anualmente,
para trazer as melhores inovações, os melhores trabalhos e garantir que, a partir
desse intercâmbio, da conexão entre pesquisadores, entre os pesquisadores e o mercado,
possamos efetivar o compromisso de garantir ajudas técnicas de qualidade e
certificadas, para melhorar a condição funcional de todas as pessoas e garantir que
as pessoas com deficiência tenham uma inclusão, com qualidade, dentro da sociedade.
O entendimento sobre esse conceito de inovação, sobre esse mercado que se prepara
para receber esses pesquisadores e essas pesquisas, é o foco do nosso encontro hoje.
Trouxemos as pessoas que efetivam o conceito de inovação, pessoas que vão discutir
as apostas que o Estado e a iniciativa privada têm feito dentro deste setor e trouxemos
os pesquisadores, para que eles entendam a importância desse trabalho no governo
José Serra. O Governo do Estado de São Paulo tem tido um papel pioneiro desde a
era de Montoro. No dia 3 de dezembro, assistimos à aproximação das grandes
lideranças do movimento pelos direitos das pessoas com deficiência, que se reuniram
no lançamento do Memorial da Inclusão da Pessoa com Deficiência na nossa
Secretaria. Foi uma ação pioneira, inovadora, que traduz o registro histórico e o
respeito, sem perder de vista a modernidade, as condições que garantem o acesso à
informação.
Na sequência, esta exposição mostra o que existe de mais importante no mundo de
tecnologia e pode estar disponível para as pessoas com deficiência. Estamos falando
de um mundo novo, do Estado como articulador, como fomentador de um novo ciclo
econômico. O Governador José Serra nos encomendou uma grande ação na área da
saúde. É por isso que a Rede de Reabilitação Lucy Montoro já está funcionando. O
Governador nos recomendou que não nos esquecêssemos da dignidade e do valor da
moradia, razão pela qual o Dr. Lair e eu pudemos assistir à finalização do programa
de moradia inclusiva dentro das habitações de interesse social.
19
Abertura Oficial do Encontro
Agora, estamos falando da tecnologia que vai perpassar o nosso cotidiano para garantir
autonomia, funcionalidade e inclusão social. Cada um dos senhores expositores sintase abraçado pelo Governador José Serra, entendendo que este momento, associado ao
SEBRAE, às universidades e ao Governo do Estado, é o momento de celebrarmos
uma nova iniciativa. Hoje à tarde, estamos assinando um protocolo com a Microsoft,
da aliança pela acessibilidade, para criar um novo produto, que vai significar muito
para os profissionais da área da saúde e da reabilitação, mas também para as pessoas
com deficiência. Na quinta-feira, faremos o lançamento formal do Núcleo de Inovação
e Tecnologia, uma parceria da Secretaria de Estado da Pessoa com Deficiência, com
recursos já disponibilizados, para que tenhamos um laboratório de multiusuários e a
possibilidade de trazer mais desenvolvimento para esta área.
Agradeço a participação de cada um dos senhores; quero dizer da alegria de nós
termos a oportunidade de ver isto acontecer. Esta é a primeira edição; as outras serão
certamente muito mais atraentes e muito mais ambiciosas, mas “a primeira a gente
nunca esquece”.
Mestre de Cerimônia: Nós registramos e agradecemos a presença da senhora Mônica
Câmara, representando o Vereador Antônio Carlos Rodrigues, presidente da Câmara
Municipal de São Paulo, da Dra. Cristina Müller, representando o Vereador Wadih
Mutran, da Câmara Municipal de São Paulo. Ouviremos Ricardo Tortorella,
superintendente do SEBRAE de São Paulo.
Sr. Ricardo Tortorella: Bom dia a todos, senhoras e senhores aqui presentes. É um
prazer e uma honra ter a oportunidade de falar um pouco; cumprimento os nossos
secretários, Lair, Linamara. É um prazer mesmo poder estar aqui, parabenizando e
cumprimentando. Eu sou testemunha da garra e da energia empenhadas para que
este evento acontecesse na cidade de São Paulo. Cumprimento também o Sr. Antonino
Grasso, da Prefeitura de São Paulo, a nossa Prefeita Izabel, parceira do SEBRAE de
Lençóis Paulista. Em nome do SEBRAE, da micro e pequena empresa do Estado de
São Paulo, eu fiz questão de vir dar este testemunho da importância da semente que
estamos lançando aqui hoje. É um mercado; sabemos da importância da micro e
pequena empresa para a nossa sociedade e para a realidade do Brasil.
De cada cem estabelecimentos que abrem a porta diariamente, 98 são de pequeno
porte, micro e pequenas empresas, que empregam mais de 60% das carteiras assinadas
na nossa sociedade. As micro e pequenas empresas têm alguns grandes desafios,
entre os quais inserir-se no mundo de tecnologia e inovação. Inovar processos e
produtos é um grande desafio; as universidades, a academia, os recursos, o dinheiro
20
Abertura Oficial do Encontro
para a tecnologia ainda estão longe da micro e pequena empresa. Nós temos tentado
aproximá-los e isso está mudando no Brasil, particularmente no Estado de São Paulo.
Juntamente com tudo isso, a semente que vemos aqui hoje “inibe” o segundo grande
problema da micro e pequena empresa: mercado. Várias vezes, o problema da micro e
pequena empresa não é ser “micro” ou “pequena”, mas estar sozinha, não ter condições
de competição, num mercado altamente competitivo. Estamos falando de um mercado
que podemos enxergar com estes 40 stands pequenos, começando no Brasil, no Estado
de São Paulo.
Salvo engano, é de 14 milhões, oficialmente, o número de portadores de alguma
deficiência. Esse número pode ser estendido para 15 ou 20 milhões, dependendo do
conceito utilizado, 10% da população brasileira. Além disso, para analisar e fomentar
esse mercado, a população brasileira de terceira idade envelhece a cada ano mais
tarde e, portanto, tem mais necessidades.
Há 20 anos, na média, o brasileiro morria com 65 anos; hoje é com 73 anos de idade.
Isso significa adequar o modo de vida dessas pessoas, muitas delas precisarão de
banheiros, de acessórios especiais nas suas casas, no escritório, no dia-a-dia, no
cotidiano, no acesso, no comércio, nos serviços, no carro, em todas as facilidades.
Nós, do SEBRAE, não temos dúvida do mercado que surge: 10% dos brasileiros já
fazem parte desses mercados. Se incluirmos os idosos, temos praticamente um terço
da população brasileira dentro desse mercado que precisa de produtos específicos.
Muitos dos produtos atualmente disponíveis ainda são importados; precisamos
nacionalizá-los. Queremos que a micro e a pequena empresa façam parte dessa
nacionalização, produza e entenda esse mercado, a força e pujança que ele terá nos
próximos cinco ou dez anos.
Em nome do SEBRAE, eu queria mais uma vez cumprimentar e parabenizar a nossa
Secretária Linamara, que liderou um processo para tornar este evento viável. Em
nome do SEBRAE e dos empresários de São Paulo, agradecemos. Conhecemos a
força desse mercado e a pujança que ele terá nos próximos anos. Muito obrigado, um
bom dia para todos.
Mestre de Cerimônia: Ouviremos o senhor Antonino Grasso, Secretário Adjunto
da Secretaria Municipal da Pessoa com Deficiência e Mobilidade Reduzida, neste
ato representando o excelentíssimo Prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab.
21
Abertura Oficial do Encontro
Sr. Antonino Grasso: Boa tarde a todos, eu gostaria de trazer as saudações do Sr.
Prefeito Gilberto Kassab, em nome do qual saúdo a excelentíssima Secretária
Linamara, o Secretário Lair, o nosso amigo Ricardo, do SEBRAE, e a nossa querida
Prefeita de Lençóis Paulista.
Eu vou fazer um breve relato da Secretaria da Pessoa com Deficiência e Mobilidade
Reduzida e acho isso importante, porque é um histórico que vem a seguir, depois
desses quase cinco anos de criação da Secretaria. Em 2005, depois de um gesto
extremamente forte e brilhante que é peculiar do nosso excelentíssimo senhor
Governador, na época Prefeito de São Paulo, foi criada por decreto a Secretaria
Municipal da Pessoa com Deficiência e Mobilidade Reduzida do Município de São
Paulo.
De lá para cá, ela tem atuado de maneira cada dia mais eficiente. Em 2007, o Prefeito
Gilberto Kassab consagrou definitivamente a Secretaria, com um projeto de lei enviado
à Câmara Municipal e hoje atua em conjunto com as outras Secretarias do município,
em um trabalho diário e contínuo para que se possa, cada vez mais, melhorar a
acessibilidade e a inclusão social no nosso município.
Trabalhamos muito, inclusive numa parceria cada vez melhor com a Secretaria do
Estado, com a nossa queridíssima Secretária Linamara, que nos ajuda muito e com a
qual colaboramos em muitas coisas. Eu vou apresentar a vocês alguns dados do
nosso trabalho.
Temos uma grande atividade, por exemplo, na área de educação, cultura, trabalho e
esporte. Hoje nós temos, no campo da empregabilidade, o nosso Programa de Inclusão
Eficiente, que já conseguiu pôr no mercado de trabalho mais de 4.600 pessoas. É um
serviço gratuito que funciona na Prefeitura, onde existe um banco de dados e se
cadastram tanto as pessoas que procuram emprego como as empresas que estão
procurando empregados.
Hoje, temos nesse banco de dados, mais ou menos 16 mil pessoas cadastradas. Fazemos
um trabalho com municípios da Brasil inteiro, que nos contatam cada vez mais para
que levemos a qualidade do nosso trabalho, desenvolvida ao longo desses anos. Damos
cursos em vários municípios, para que possam ser implantadas lá diretorias,
secretarias, órgãos que possam trabalhar na área da acessibilidade.
No Governo do Estado, esta é uma prioridade, inclusive por disposição do
excelentíssimo senhor Governador, que quer que todos os municípios do Estado
22
Abertura Oficial do Encontro
tenham alguém que cuide da acessibilidade. É uma questão muito séria e muito
importante.
Nós atuamos no Programa Sem Barreiras no Trabalho, que orienta profissionais de
RH para a inclusão profissional de pessoas com deficiência. Na realidade é um trabalho
árduo, junto com todo o aparato das Secretarias de Município, com as quais temos
uma atuação transversal e conseguimos, com isso, desenvolver os trabalhos com
uma dinâmica maior.
Na área da Engenharia e Arquitetura, nós já formamos mais de 1.700 arquitetos e
engenheiros que acessaram os nossos cursos, e hoje têm a qualificação em
acessibilidade. Isso é importante porque a Engenharia e a Arquitetura são a vida da
cidade e, na criação dos novos espaços públicos, de novas edificações, os técnicos,
engenheiros e arquitetos têm que estar sensibilizados e capacitados para que se criem
espaços, construções, edificações cada vez mais inclusivas e acessíveis.
O Município oferece um serviço altamente capacitado na área da transporte público,
com uma frota de mais de 3.600 ônibus acessíveis, bilhetes gratuitos para pessoas
com deficiência, enfim, uma série de atuações importantes conduzidas no dia-a-dia
do nosso trabalho. Sobre a atividade que está sendo desenvolvida neste evento muito
importante, que a Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência
organizou em São Paulo, este evento internacional, tenho a dizer que tudo o que se
refere às conquistas tecnológicas na área de acessibilidade e inclusão social é
fundamental para assegurar cada vez mais que a inclusão possa ser sempre melhor,
com todas as tecnologias que hoje existem no mundo moderno.
Eu queria terminar dando os parabéns a uma pessoa pela qual eu tenho muita estima,
admiração e respeito, que é a Secretária Dra. Linamara Rizzo Battistella. A senhora
é um exemplo a ser seguido por todos nós. Deus lhe dê muita luz e a abençoe sempre.
É um exemplo de vida pública e privada, no que se refere à causa do deficiente físico,
que nos inspira profunda admiração. Permita-nos citar uma frase do filósofo
Aristóteles: “Felicidade é a ação do espírito que manifesta a virtude.” Nada mais do
que a senhora merece nesse momento. Um agradecimento a todos vocês, organizadores
e participantes deste evento, e que nos próximos dias possamos ter bastante sucesso.
Muito obrigado a todos.
Mestre de Cerimônia: Nós gostaríamos de registrar e agradecer a presença do senhor
José Oliveira Justino, Presidente do Conselho Estadual para Assuntos da Pessoa
23
Abertura Oficial do Encontro
com Deficiência de São Paulo. Com a palavra a senhora Izabel Cristina Campanari
Lorenzetti, Prefeita da cidade de Lençóis Paulista.
Sra. Izabel Cristina Campanari Lorenzetti: Sra. Secretária Dra. Linamara, Sr.
Secretário Dr. Lair, Sr. Antonino, Secretário e representante do prefeito Kassab, Sr.
Ricardo Tortorella, do SEBRAE, é uma honra estar ao lado dos senhores e da senhora
nesta abertura do Encontro Internacional que olha para a acessibilidade. É um
momento muito importante e, representando os meus colegas, Prefeitos e Prefeitas,
acho que é o momento em que nos encontramos e temos a oportunidade de olhar o
global e pensar nas nossas cidades e, portanto, no local onde vivemos.
Aqui, poderemos ouvir e estamos ouvindo pessoas que trazem de outros países os
seus conhecimentos, as suas experiências. Cada um de nós vem e traz um pouco
daquilo que vive, daquilo que acredita. Pensar a nossa cidade sem pensar na
possibilidade de todos usufruírem de tudo, é pensar um pedaço da cidade. A cidade é
de todos. Quando se programa a cultura, quando se pensa em educação, em saúde,
no lazer, na habitação, na mobilidade urbana, temos que rever as nossas cidades e
pensar se realmente elas são acessíveis a todos os seus cidadãos. Cabe a nós, Prefeitos,
pensar a cidade e trabalhar pela acessibilidade na cidade, começando pela educação,
acolhendo a todos na escola de ensino regular, mas com responsabilidade, e não apenas
transformando os nossos prédios em prédios fisicamente acessíveis, mas tornando as
nossas escolas pedagogicamente acessíveis.
Cabe a nós uma grande tarefa; temos uma líder do Estado de São Paulo, a Dra.
Linamara, que comanda esse processo neste momento e o faz com maestria. Além do
conhecimento, a Dra. Linamara tem energia suficiente para nos transmitir a vontade
e a coragem para enfrentar os desafios do dia-a-dia.
Um evento como este é para ser comemorado. Eu tenho a honra, portanto, de
representar meus colegas nesta abertura e parabenizar a todos aqueles que, com o
seu trabalho e organização, possibilitam que nos unamos hoje, amanhã e depois para
aprender mais e para buscarmos cada vez mais aquilo que é direito de todos: ser feliz,
crescer e se desenvolver nos nossos municípios. É lá onde estamos e lá temos que
pensar a vida de cada cidadão brasileiro. Muito obrigada.
Mestre de Cerimônia: Ouviremos o Secretário de Estado da Habitação de São Paulo,
Lair Krähenbühl.
Sr. Lair Krähenbühl: Boa tarde a todos. Quero fazer apenas uma saudação e desejar
que este momento de reflexão, que está ocorrendo durante o dia e amanhã, possa ser
24
Abertura Oficial do Encontro
do maior proveito a todos. Eu tenho o privilégio de ter como amiga e Secretária,
colega de governo, a Linamara, que aliás já era Secretária antes de criar a Secretaria.
Os que estão sorrindo sabem que ela nunca deixou de lutar por essa causa e, três
meses antes de assumir, já estava me cobrando algumas ações. Essas pessoas sorriem
porque sabem da garra da Linamara, da vontade e, mais do que tudo, da sua
inteligência e da simplicidade com que ela leva um assunto tão complexo.
Quero cumprimentar o Dr. Ricardo Tortorella, do SEBRAE, parceiro fundamental
nas ações de empreendedorismo da iniciativa pública e privada. Cumprimento também
o meu caro Secretário Antonino Grasso, Secretário do Município de São Paulo, que
coordena um trabalho novo, uma Secretaria jovem, mas que já vem abençoada com
uma energia forte e boa, das coisas mais claras. A Sra. Prefeita de Lençóis também é
uma pessoa determinada, que aprendi a admirar por conta das causas da habitação.
Nesta singela menção, eu queria dizer que a questão da inclusão é uma política de
Estado da habitação. Não é um programa de governo; é uma política de Estado. Nós
fizemos uma parceria com a Secretária Linamara e a sua equipe; os nossos técnicos
trabalharam por mais de quatro meses; colocamos como política de Estado o desenho
universal, a habitação inclusiva.
A reflexão sobre o desenho universal é da maior importância, porque temos que
aproveitar a escala com a qual o Estado trabalha, com 70 mil unidades em construção,
e fazer projetos que sejam totalmente adaptados, desde a escolha do terreno. Quando
a prefeitura doa um terreno para a CDHU (Companhia de Desenvolvimento
Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo), temos que verificar que ele seja
acessível, senão não o aceitamos. Temos essa preocupação de mudança de paradigma
e diretriz. Ela passa também pela questão do transporte: entendemos que não adianta
nada morar num conjunto todo adaptado à acessibilidade, se não for possível chegar
ou sair dele. Por conta disso, mudamos os projetos. O Dr. Fernando Lhata vai mostrar
à tarde como estamos avançando no Governo do Estado. Todas as novas edificações
do Estado estão adaptadas, na área da habitação popular. Houve um aumento dos
custos; muitas vezes nos perguntamos se teremos que fazer menos unidades, porque
custa um pouco mais caro. Realmente, o custo é até 10% maior, mas é uma casa para
a vida toda, que não precisa ser adaptada, quebrada. As patologias que vemos na
habitação, por falta de um corredor mais largo, por uma porta que abre para dentro,
impedindo o acesso de alguém que queira socorrer uma pessoa na cadeira de rodas
dentro de um banheiro... Quanto custa a mudança de dobradiça? Quanto custa a
mudança de um peitoril, que normalmente tem um 1,10 m, para 80 cm, para permitir
que o cadeirante possa enxergar para fora. Quanto custa mudar a altura de um
25
Abertura Oficial do Encontro
interruptor, para 20 cm mais baixo? Não custa nada a mais numa habitação. Por
conta disso, adotamos como política, com muita honra eu tenho tido a oportunidade
de estar com a Linamara mudando esse paradigma, usando o poder de escala da
CDHU, que constrói 60 mil unidades por ano, com todos os projetos adaptados.
Vamos usar o nosso poder de indução e tentar mudar e entender esse ciclo de vida.
Para terminar, tenho a satisfação de informar que vamos inaugurar no dia 22, em
Avaré, o primeiro projeto para idosos sós. A política de asilamento é muito triste; o
idoso só é mais triste ainda. Assim, estamos inaugurando pequenas vilas, aos modos
antigos, como as que haviam na cidade de São Paulo antigamente, mostrando que a
figura do idoso pode ser assistida efetivamente. Será uma habitação equipada, na
qual a Prefeitura fará a condução. Nós vamos construir e a gestão do Conselho
Municipal do Idoso vai garantir a habitação para toda a vida do idoso. Quando o
idoso falecer, o Conselho Municipal do Idoso indica outro idoso. É um usufruto
vitalício, totalmente adaptado. Eu quero convidar a todos a conhecer e participar de
uma nova política habitacional inclusiva. Muito obrigado a todos.
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Tecnologias Assistivas, Ajudas Técnicas e Seu Papel
na Sociedade - Melhoria na Qualidade de Vida
A busca da qualidade de vida pela pessoa com deficiência é uma constante e repercute
não só em seu dia-a-dia, como também no de seus familiares, amigos e colegas de
trabalho. As inovações tecnológicas e as ajudas técnicas têm como principal missão
contribuir para melhorar, transformar e criar um ambiente mais receptivo para as
pessoas com deficiência, mas também, em grande medida, para toda a sociedade.
Gracinda Tsukimoto (moderadora) – Diretora de Serviços de Terapia
Ocupacional do Instituto de Medicina Física e Reabilitação do Hospital das
Clínicas - Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, SP
Chao Lung Wen – Coordenador do Núcleo de Telemedicina e Telessaúde do
Hospital das Clínicas - Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, SP
Tom Babinszki – Diretor da Even Grounds Consultoria de Acessibilidade,
Alexandria, Virgínia - EUA
Robert Mortimer – Coordenador técnico do Laratec - Tecnologia Assistiva
para Inclusão da Pessoa com Deficiência Visual - São Paulo, SP
Marcos Pinotti – Coordenador do Laboratório de Bioengenharia da
Universidade Federal de Minas Gerais - Belo Horizonte, MG
Chao Lung Wen: Num apanhado muito rápido, enxergamos a telemedicina
como um processo que faz a união entre a humanização e a tecnologia, para
promover algo muito maior, a chamada “cadeia produtiva de saúde”, ou
seja, o desenvolvimento desde a prevenção até a reintegração social das
pessoas. Essa tecnologia está acessível a todos.
Tecnologias Assistivas, Ajudas Técnicas e Seu Papel na Sociedade - Melhoria na Qualidade de Vida
Como desenvolver uma rede de relacionamentos? O complexo do Hospital
das Clínicas está se conectando ao Instituto Lucy Montoro e, portanto, à
Rede Lucy Montoro. Por meio da telemedicina, podem-se interligar os
grandes centros, permitindo o compartilhamento de experiências. Com a
tecnologia de videoconferência, que está se tornando comum, os grandes
centros podem compartilhar experiências entre os seus especialistas para
resolver um problema. Do ponto de vista tecnológico, há avanços por este
caminho.
Para que serve uma rede de telemedicina? Está sendo desenvolvido um centro
de convenção digital interativo. O seu propósito é unir os especialistas para
desenvolverem atividades entre si, em termos de excelência tecnológica. Por
meio do conceito de tele-homecare, consegue-se dar continuidade ao
atendimento em domicílio. Utilizando-se um notebook com recursos de
webconferência e consultório digital e acessibilidade, o profissional consegue
complementar o atendimento em domicílio. Assim, o processo de telehomecare é uma ferramenta complementar. Outra linha de desenvolvimento
é o chamado IP-saúde, que consiste em fornecer um conjunto de informações
para melhorar a qualidade de vida. Para uma pessoa com deficiência visual,
o IP-rádio é um bom mecanismo de transmissão de conhecimento. Outra
opção é a IP-TV, e assim por diante. São diversos os tipos de tecnologia, mas
o ponto importante é a rede de relacionamentos e vínculos sociais. O IPsaúde tem como propósito formar uma rede de vínculos sociais em que se
desenvolve uma parceria, um trabalho em conjunto com os pacientes e seus
familiares, para promover a qualidade de vida de uma pessoa com deficiência.
Assim, há todo um conjunto de ações tecnológicas: consultórios digitais, telehomecare (apoio em domicílio), IP-saúde e o centro de convenção digital
interativo, promovendo a união de especialistas.
O notebook da reabilitação é um equipamento que está sendo estruturado
para prover a inclusão digital e a acessibilidade. As suas diferentes facetas
de serviços incluem os já mencionados IP-saúde e o centro de convenção
digital, além de bibliotecas e livrarias digitais. Tudo isso não é ficção; é um
fato que já existe hoje e pode ser oferecido a todos.
O conceito de telecuidados domiciliares (o tele-homecare) envolve uma equipe
multiprofissional de centros de excelência, complementando a assistência e
o apoio para a pessoa com deficiência e seus familiares. O conceito de health
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Tecnologias Assistivas, Ajudas Técnicas e Seu Papel na Sociedade - Melhoria na Qualidade de Vida
delivery do IP-saúde permite levar conhecimentos e prevenção para dentro
da casa do usuário, a partir de um recurso tecnológico simples e interativo.
Por último, algumas ações utilizam a computação gráfica para explicar
conhecimentos um pouco mais complexos. São animações que fazem parte
do acervo do notebook da reabilitação, do projeto “Homem Virtual” de
computação gráfica, que permitem compreender mais facilmente aspectos
de amputações, deficiência auditiva e deficiência visual. Por exemplo,
podemos explicar quais os músculos envolvidos em determinados
movimentos que precisam ser desenvolvidos para que a pessoa volte a ter
uma marcha normal ao utilizar uma prótese.
Outra utilidade desses recursos é nas escolas, que muitas vezes precisam
treinar e qualificar professores a apoiar pessoas com necessidades especiais.
O notebook da reabilitação também tem esse propósito educacional, com a
criação do conceito de “museus educacionais”. A conectividade certamente
permitirá uma maior união das pessoas com deficiência aos profissionais
envolvidos no seu atendimento, para a melhoria da sua qualidade de vida.
Tom Babinszki: Muito se pode obter quando a inclusão e as tecnologias
assistivas são bem empregadas, minimizando os efeitos da problemática e
proporcionando informações às pessoas com incapacidades.
A tecnologia assistiva preenche as lacunas entre as pessoas com alguma
incapacidade e as pessoas que não têm aquela incapacidade. A definição é
muito vaga, mas entraremos em mais detalhes. Em certos casos, a única
possibilidade é fornecer às pessoas com incapacidades tecnologias
especialmente desenvolvidas para elas. Por exemplo, no caso da leitura para
pessoas cegas, por mais que nos esforcemos, não conseguiremos fazer um
cego enxergar. Portanto, precisamos oferecer outro meio para que ele consiga
ler. Em relação à leitura, a tecnologia deve ser capaz de assumir esse papel.
Outra questão é a da mobilidade. O cego precisa da tecnologia para moverse, mesmo que seja uma simples bengala branca. O mesmo vale no caso de
uma cadeira de rodas, para as pessoas que não podem caminhar. É preciso
também dispor de alternativas para as informações sonoras. As pessoas que
não podem ouvir precisam de algum método alternativo para que as fontes
sonoras sejam convertidas em um formato que elas possam compreender,
seja por meio da leitura, da linguagem de sinais, etc. Uma tecnologia assistiva
29
Tecnologias Assistivas, Ajudas Técnicas e Seu Papel na Sociedade - Melhoria na Qualidade de Vida
pode ser necessária também para que a pessoa com incapacidade forneça
informações, se ela não puder usar as mãos no teclado do computador, por
exemplo.
Entretanto, há grandes problemas relacionados ao uso das tecnologias
assistivas. O uso de tecnologias específicas deve ocorrer quando é realmente
necessário, pois é muito difícil produzi-las e o seu público-alvo é muito
pequeno. Há um grande número de pessoas com incapacidades, mas pessoas
diferentes têm incapacidades diferentes. Quando se planeja produzir algum
tipo de tecnologia assistiva, percebe-se que, em comparação com a população
inteira, o público-alvo que dela se beneficiará é realmente muito pequeno.
Portanto, a produção desse tipo de tecnologia torna-se muito dispendiosa. É
preciso criar a tecnologia, os protótipos, dispor dos equipamentos que
permitem criar a tecnologia e depois realmente colocar o produto
desenvolvido em produção.
Outro problema, ao menos nos Estados Unidos, é o seguinte: como essas
tecnologias são dispendiosas, a maioria das pessoas com incapacidades não
tem meios para adquiri-las do próprio bolso. Elas precisam de ajuda
governamental ou de alguma outra fonte para obter os equipamentos.
Infelizmente, algumas empresas têm ciência dessa condição e aumentam
artificialmente seus preços, pois o governo é que pagará pelos produtos,
tornando-os ainda mais caros. Assim, caso uma pessoa queira comprá-los
com recursos próprios, terá que pagar preços nada razoáveis.
A solução é utilizar o máximo possível as tecnologias de inclusão para
produzir equipamentos de acessibilidade. A vantagem é que, produzindo
esses equipamentos para um número muito maior de pessoas, o custo da
tecnologia em si é muito mais baixo que a contrapartida em tecnologia
assistiva. Há um custo de desenvolvimento desses equipamentos de
acessibilidade, mas ele corresponde apenas a uma pequena fração do custo
de produção.
A título de comparação, um sistema personalizado de GPS poderia custar
US$ 900 ou US$ 1.000, enquanto o equipamento de GPS produzido em larga
escala custa apenas US$ 100 nas lojas. A mesma disparidade se pode aplicar
aos equipamentos de acessibilidade para uso geral e os itens de tecnologia
assistiva, voltados para um público-alvo muito mais restrito.
30
Tecnologias Assistivas, Ajudas Técnicas e Seu Papel na Sociedade - Melhoria na Qualidade de Vida
Outro exemplo é o dos telefones celulares. Para um cego utilizar um telefone
celular, ele precisa dispor de um “leitor de tela”, muito mais caro que o
telefone em si. Quando a Apple lançou o iPhone, o leitor de tela já fazia parte
do produto. Podemos também pensar em itens de uso doméstico, como um
termostato ativado por voz, que também “fala” com o usuário. É um produto
“de inclusão”, que pode ser adquirido numa loja comum. Assim, basicamente,
pessoas com diferentes incapacidades podem utilizar esse tipo de produto.
Nos sistemas de entretenimento, soluções simples como marcas táteis em
botões diferentes permitem reconhecê-los e distingui-los entre si.
No final, o investimento em tecnologia assistiva acaba resultando em ganhos.
O desenvolvimento da tecnologia assistiva é uma excelente ideia, mas esta
deve sempre ser empregada de maneira sensata e produzida quando é
realmente necessária. Em certas situações, uma combinação das tecnologias
assistiva e de inclusão é a melhor solução. Por exemplo, uma pessoa com
incapacidade pode ir a uma loja e comprar um computador normal, mas às
vezes necessita de tecnologias específicas para tornar o computador acessível,
utilizando-o com algum tipo de equipamento assistivo.
No desenvolvimento de produtos de tecnologia assistiva, é muito importante
conhecer as pessoas que os utilizarão. O índice de sucesso é muito maior
quando se sabe para quem o produto é desenvolvido e quais as suas
necessidades. Às vezes, grandes ideias, quando implementadas, não chegam
a lugar algum, pois na verdade não são úteis para as pessoas com
incapacidades.
Robert Mortimer: Os produtos de tecnologia assistiva transformam as
sensações do mundo; os sinais e informações são traduzidos para um sinal
tátil, sonoro ou visual adaptado, que permite à pessoa com deficiência visual
obter informações, entender e evoluir naquele ambiente. A tecnologia assistiva
não substitui o olho, de maneira biônica, como por exemplo o implante coclear
para uma pessoa com deficiência auditiva voltar a escutar. A tecnologia
assistiva para pessoas com deficiência visual não é utilizada para dar acesso
direto ao mundo, mas para dar acesso à tecnologia não acessível a essas
pessoas. Como todos dependemos cada vez mais da tecnologia, em todas as
esferas, as pessoas com deficiência visual enfrentam um desafio muito grande
para ter acesso a ela. Esse é o papel da tecnologia assistiva.
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Tecnologias Assistivas, Ajudas Técnicas e Seu Papel na Sociedade - Melhoria na Qualidade de Vida
Fazendo um histórico rápido, um dos primeiros exemplos de tecnologia
assistiva, na verdade milenar, é a bengala. Há relatos bíblicos de cegos que
utilizavam bengalas. Provavelmente, ela já era utilizada bem antes. Embora
seja um instrumento muito simples, é extremamente eficiente em oferecer à
pessoa com deficiência visual informações diretas sobre o mundo. Portanto,
a bengala talvez seja uma exceção à regra geral da tecnologia assistiva. A
bengala realmente dá informações muito úteis sobre a superfície sobre a qual
o cego caminha: permite detectar texturas, se o solo está úmido, obstáculos,
desníveis, buracos e outros acidentes que impedem o caminho do cego.
Portanto, é uma tecnologia simples e fantástica.
Pode-se dizer que o desenvolvimento de produtos de tecnologia assistiva
realmente deslanchou na França, no século XVIII, quando um educador,
chamado Haüy, viu um espetáculo no qual pessoas com deficiência eram
ridicularizadas numa feira pública. Esse evento motivou Haüy a criar a
primeira escola de ensino formal para pessoas cegas. Ele adotou um sistema
de escrita em alto-relevo, de maneira bem simples e intuitiva. Foi uma das
primeiras inovações tecnológicas nesse sentido. Depois disso, diferentes
alfabetos mais simplificados foram sendo desenvolvidos em vários países
(Inglaterra, França e Estados Unidos, entre outros), para permitir a leitura
tátil e uma maior facilidade no reconhecimento e na produção de material
para pessoas com cegueira.
Pouco depois, um estudante francês adolescente, Louis Braille, adaptou o
sistema criado por um militar francês, para permitir que os soldados
passassem mensagens à noite no escuro, por meio do tato, evitando que
acendessem a luz e, com isso, denunciassem a sua presença. Quando esse
militar, Charles Barbier, apresentou o sistema a Louis Braille, que estudava
numa escola para cegos, este percebeu a utilidade do produto, simplificou o
sistema de Barbier, combinando muitos pontos, e nos legou o sistema braile,
utilizado até hoje.
Ao longo dos séculos XIX e XX, foram criados sistemas de escrita e produção
braile que se tornaram o principal produto de tecnologia assistiva para
permitir que pessoas com deficiência visual tivessem acesso à informação, à
cultura e pudessem se expressar utilizando a sua própria língua,
compreensível a todos. Posteriormente, foram desenvolvidas máquinas de
impressão, para produzir material em braile em grande quantidade, como
livros e produtos culturais.
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Tecnologias Assistivas, Ajudas Técnicas e Seu Papel na Sociedade - Melhoria na Qualidade de Vida
Desde então, ocorreram pequenos avanços e ajustes, mas tivemos que
aguardar até meados do século XX, depois da II Guerra Mundial, para o
advento da informática. A informática representou um ponto fundamental
na história dos produtos de tecnologia assistiva para pessoas com deficiência
visual. Os primeiros computadores eram enormes, ocupavam uma sala inteira
e não eram muito mais poderosos do que uma pequena calculadora eletrônica
dos dias de hoje.
O Apple II, um dos primeiros computadores pessoais, foi lançado em 1980 e
permitiu o acesso de muitas pessoas à informática, incluindo pessoas com
deficiência visual. No período de 1968 a 1980, houve um big bang, uma
explosão de produtos tecnológicos sofisticados, surpreendentes e inéditos,
que plantaram as sementes de um grande número de produtos de tecnologia
assistiva que existem hoje. O Optacon permitia a leitura de um documento
impresso em tinta, com uma câmera que passava sobre a sua superfície e
uma série de 120 pinos vibratórios que formavam uma “imagem tátil” do
texto. O sistema foi criado por um engenheiro americano cuja filha era cega.
O Instituto Tecnológico de Massachusetts desenvolveu um computador
conectado a uma impressora braile, aproximadamente em 1970. Em 1980,
surgiu um sistema que permitia a gravação das informações de um texto em
fita cassete, que era lida em braile por meio de um sistema eletromecânico,
que fazia pinos subirem e descerem em células braile.
Em 1976 surgiu o primeiro sistema de reconhecimento óptico de caracteres,
que permitia escanear uma página impressa e reproduzi-la em voz sintetizada
com os chips desenvolvidos na época.
Assim, a informática teve um impacto enorme em todas as esferas da vida
das pessoas com deficiência visual, na educação, no trabalho, no acesso à
cultura, na vida diária e também no lazer. O advento da informática realmente
abriu um leque enorme de possibilidades para a criação de produtos de
tecnologia assistiva, como os sintetizadores de voz, displays braile,
navegadores para a internet, navegadores GPS, impressoras em alto-relevo,
impressoras em braile. As impressoras, por exemplo, permitiram que a
produção de materiais pedagógicos para escolas e para uso pessoal fosse
muito mais rápida e fácil. Os sistemas de navegação em GPS fornecem uma
informação essencial em um produto portátil, para pessoas cegas,
complementando o uso da bengala, que continua sendo um instrumento
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Tecnologias Assistivas, Ajudas Técnicas e Seu Papel na Sociedade - Melhoria na Qualidade de Vida
fundamental. Os displays braile são produtos essenciais. Aliados a programas
específicos, permitem que pessoas com subcegueira também tenham acesso
à informática.
A informática, por meio dos microchips, também teve impacto em outros
produtos mais simples, como relógios, calculadoras, termômetros, medidores
de pressão, etc. A informática permitiu que todos esses produtos fossem
utilizados por pessoas cegas, graças a chips de voz sintetizada, que verbalizam
as informações exibidas pelos equipamentos. São centenas de produtos que
atualmente utilizam essa tecnologia.
Os ampliadores de tela ampliam a imagem das telas de computadores e
celulares e modificam as cores e o contraste, permitindo que as pessoas com
baixa visão tenham condições visuais para ler. Uma parte da tela é ampliada
várias vezes e as cores são invertidas, aumentando o contraste e facilitando
assim a leitura para muitas pessoas com baixa visão, por exemplo. Alguns
produtos já vêm de fábrica com esses recursos. Os ampliadores de tela
geralmente são comprados pelas pessoas que os utilizam, ao custo de R$
1.000 ou R$ 1.200, mas a Apple está tomando a iniciativa, em computadores
com o sistema Mac OS X, de oferecer a ampliação da tela e a mudança de
cores e contraste. O sistema de leitura com voz sintetizada também já está
embutido no programa. Os leitores de tela “falam” com a pessoa com
deficiência visual, “falam” tudo o que aparece na tela, não somente o conteúdo
dos documentos, mas também todas as informações sobre a aparência da
tela, a sua estrutura, as janelas que estão abertas, caixas de comunicação, etc.
Assim, oferecem uma acessibilidade fantástica, possibilitando acessar a
internet, escrever mensagens de e-mail, utilizar processadores de texto,
permitindo que as pessoas desenvolvam atividades profissionais altamente
sofisticadas, como de programadores, gerentes de rede e muitas outras áreas.
Há muitos programas, gratuitos ou não, inclusive para Linux e Apple. Alguns
programas gratuitos são muito bons, por sinal. Um dos mais novos é o NVDA,
desenvolvido na Austrália. Ele já foi traduzido para o português e outros
idiomas e está em constante desenvolvimento. Como já mencionamos, o
sistema operacional Mac OS X tem um excelente leitor de tela, embora com
algumas dificuldades em termos de navegabilidade, mas de qualquer forma
a Apple está recuperando o atraso e oferece um produto com acessibilidade
excelente.
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Tecnologias Assistivas, Ajudas Técnicas e Seu Papel na Sociedade - Melhoria na Qualidade de Vida
Os sistemas de videoampliação, que utilizam câmeras para ampliar material
impresso e exibi-los nas telas de computadores ou televisores, antigamente
utilizavam câmeras de vídeo. Atualmente, utilizam câmeras fotográficas e
depois reformatam o texto, permitindo uma leitura muito mais confortável
e econômica do texto por pessoas com baixa visão. O texto pode ser exibido
palavra por palavra, linha por linha ou numa página inteira.
Existem também sistemas de reconhecimento óptico de caracteres, que
captam imagens impressas e as convertem em texto, que podem então ser
exibidos na tela com um ampliador ou falados por meio de sintetizadores de
voz. O primeiro sistema foi criado em 1976 e desenvolveu-se de tal maneira
que, em 2000, já havia modelos com o mesmo tamanho de um scanner de
mesa, com botões para acionar o comando de fala e avanço do texto. Em
2005, já havia sistemas portáteis, que cabiam na mão e, desde 2008, há sistemas
puramente em software, executados em celulares comuns.
Recentemente, houve um lançamento de uma empresa que normalmente
não desenvolvia tecnologia assistiva, a Intel Corporation, fabricante dos chips
incluídos em muitos dos computadores que utilizamos. Poucas semanas atrás,
a Intel lançou um sistema portátil de captação de imagens impressas, que
depois são verbalizadas com um sintetizador de voz ou exibidas em altorelevo ou destaque, para auxiliar as pessoas com dislexia.
Os sistemas de display braile podem ser de mesa ou portáteis. Existem também
sistemas de impressão em tinta, que trabalham muito bem em computadores
com Windows. Sistemas muito populares no exterior, apesar do custo
elevado, são as agendas e computadores pessoais portáteis com adaptação
de teclado em braile e display braile. São muito utilizados no exterior, mas
aqui no Brasil raramente encontramos esses produtos, em razão do custo
elevado e dos impostos de importação. Infelizmente, a maioria dos produtos
para pessoas com deficiência não tem isenção de impostos no Brasil.
Como já mencionamos, no último modelo do celular iPhone a ser lançado,
com a tecnologia touch, os engenheiros conseguiram produzir um aparelho
com acessibilidade fantástica, dando acesso a todos os recursos do telefone e
a muitos dos mais de 30.000 aplicativos da Apple. Há ainda programas
lançados para aparelhos do tipo Blackberry, para pessoas que precisam ter
acesso a e-mail o tempo todo.
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Tecnologias Assistivas, Ajudas Técnicas e Seu Papel na Sociedade - Melhoria na Qualidade de Vida
Por fim, um desenvolvimento muito importante no acesso a livros é o sistema
de livros falados. Inicialmente, as pessoas que ouviam livros utilizavam discos
de vinil, depois as fitas cassete, os CDs e aparelhos de MP3. Um problema
desses produtos é que a pessoa não tinha realmente um acesso de navegação
rápida pelo livro, como o usuário de um livro impresso, que pode passar
para qualquer página rapidamente, avançar ou voltar um parágrafo, procurar
no índice uma parte específica do livro, etc. Assim, criou-se um sistema
chamado DAISY, com aparelhos de MP3 adaptados, que permite uma
navegação muito eficiente pelos livros. Esses produtos já estão chegando ao
Brasil e a Fundação Dorina Nowill, de São Paulo, está produzindo livros
nesse formato e disponibilizando um leitor para computador com download
totalmente gratuito no site da fundação.
O Kapten é um sistema de GPS portátil, menor do que a maioria dos celulares
do mercado, que possui apenas três botões e é ativado pela voz. Diante do
acionamento, o aparelho retorna informações sobre a localização e o trajeto,
além de permitir que se façam anotações sobre locais de interesse. É um
avanço muito importante e há hoje um grande leque de produtos
tecnológicos. Esperamos que esses recursos tecnológicos tornem-se realmente
itens de tecnologia assistiva e venham, cada vez mais, embutidos nos produtos
de uso geral.
Marcos Pinotti: O desenvolvimento tecnológico para o auxílio das pessoas
com deficiência utiliza recursos de alta tecnologia, mas alta tecnologia não
significa necessariamente alto custo. Na verdade, deve-se encontrar sempre
uma via para que, ao desenvolvermos essas tecnologias, elas sejam acessíveis
ao maior número possível de pessoas.
O Laboratório de Bioengenharia da UFMG trabalha com diversas linhas de
pesquisa, entre elas a tecnologia assistiva. No laboratório, há seis professores
e vários orientandos, que trabalham no desenvolvimento dessas tecnologias.
Dentre as áreas de pesquisas, a instituição trabalha com engenharia
cardiovascular, tecnologia assistiva, interação da luz e transmissão de calor
em tecidos e seres vivos, biomimética, neurovisão e ginecologia.
Imaginemos um mamute sendo espetado por várias lanças, surpreso com a
melhora da sua dor no pescoço. Este poderia ser o início de uma tecnologia.
36
Tecnologias Assistivas, Ajudas Técnicas e Seu Papel na Sociedade - Melhoria na Qualidade de Vida
Às vezes, as tecnologias surgem acidentalmente. A prótese de quadril
desenvolvida no laboratório da UFMG é dotada de um músculo artificial
pneumático. Já existem no mercado vários músculos artificiais desse tipo,
mas este é muito barato e opera a uma pressão muito menor do que os outros
dispositivos disponíveis comercialmente.
O músculo artificial pneumático baseia-se na bexiga de aniversário, daquele
tipo alongado, que pode ser moldada na forma de cachorrinhos, etc., envolta
numa corda de rapel. Quando colocamos a bexiga dentro da corda de rapel
e injetamos ar comprimido, o sistema encurta e faz força, como o nosso
músculo.
Num experimento demonstrativo, observou-se o encurtamento do músculo
artificial sincronizado com o sinal elétrico gerado pelo movimento do braço
de um engenheiro do laboratório, que participou do projeto. O sinal elétrico
pode ser captado de qualquer músculo e pode ser sincronizado, por exemplo,
com o movimento de caminhada. A pessoa que vai utilizar esta órtese muitas
vezes tem algum problema e o seu centro de massa não é equilibrado, de
forma que é preciso ajustar a órtese para que ela gaste menos energia e seja
confortável para o usuário. Assim, comparamos um grupo de pessoas hígidas,
em relação a dois parâmetros, de forma a determinar o gasto suficiente de
energia em pessoas hígidas. Quando a órtese for aplicada a pessoas com
deficiências, pode-se verificar o quanto os parâmetros se aproximam dos
valores das pessoas hígidas. Quanto mais próximos, mais confortável a órtese
e menor o gasto de energia.
O laboratório desenvolveu também uma órtese de mão. Trata-se de uma
luva, com tendões na parte dorsal e na parte ventral, ligados a um motor. O
motor é bem pequeno e é comandado pelo sinal mioelétrico. Pode-se escolher
o músculo que comandará os movimentos. Com os movimentos de abertura
e fechamento, devolve-se a função da mão a pessoas com lesão do plexo
braquial ou lesão medular, por exemplo. Essa órtese está sendo utilizada
também em pessoas que sofreram um acidente vascular encefálico, porém
de um modo um pouco diferente. O controle é progressivamente menos
sensível, para que o paciente desenvolva as reconexões no sistema nervoso
central, por meio da chamada neuroplasticidade, de forma que, depois de
algum tempo, possa “desmamar” da órtese. Alguns testes clínicos foram
realizados em pacientes com lesão do plexo braquial, nos quais se conseguiu
37
Tecnologias Assistivas, Ajudas Técnicas e Seu Papel na Sociedade - Melhoria na Qualidade de Vida
devolver a capacidade de pinça, em uma grande variedade de objetos que
podem ser manipulados.
Em outra área, o laboratório desenvolveu um sistema para medir a pressão
plantar com alta resolução espacial. Hoje, utilizam-se sensores muito precisos
em áreas pequenas. A instituição da UFMG desenvolveu um sistema com
alta resolução espacial. Quando pisamos sobre uma superfície plana, o peso
do corpo cria áreas de isquemia, que podem ser mapeadas, identificando os
pontos de maior pressão.
38
Acessibilidade, Educação e Inclusão Social
A educação é um direito de todos e, consequentemente, uma ferramenta de inclusão
na sua origem. As escolas, hoje em dia, devem levar em conta não só a acessibilidade
no recinto escolar e mobiliário, como também no suporte pedagógico e tecnológico e,
acima de tudo, na atitude. Ao tocar neste tema tão relevante, devemos considerar a
qualidade do ensino na rede pública, alternativas à educação inclusiva, educação
profissionalizante, acessibilidade aos meios audiovisuais e à modalidade de ensino a
distância, que facilita o acesso da pessoa com deficiência ao conhecimento, ao saber,
ao aprendizado e suas aplicações práticas.
Alex Vicintin (moderador) – Presidente da Plura Consultoria e Inclusão
Social, São Paulo, SP
José Antonio Borges – Coordenador de Projetos de Acessibilidade do Núcleo
de Computação Eletrônica da Universidade Federal do Rio de Janeiro, RJ
Ángel García Crespo – Vice-Diretor de Planejamento Docente da
Universidade Carlos III e de Responsabilidade Social do Centro Espanhol
de Legendas e Audiodescrição, de Madri, Espanha
Carla Mauch – Coordenadora Geral do Mais Diferenças - Educação e Inclusão
Social - São Paulo, SP
Stella Kochen Susskind – Presidente da Shopper Experience - São Paulo, SP
José Antonio Borges: No Brasil, houve uma opção pela inclusão escolar, ou
seja, decidiu-se que as escolas deveriam acomodar todas as crianças,
independentemente da sua situação física, intelectual, social e emocional.
Essa medida decorreu de uma série de acordos que o Brasil fez, originados
basicamente de dois grandes encontros internacionais, um deles na Tailândia
em 1990 e o mais importante em Salamanca, em 1994. A opção pela inclusão
Acessibilidade, Educação e Inclusão Social
não é nada fácil; significa que temos que colocar na escola todas as crianças,
por exemplo, as crianças deficientes e as superdotadas, as crianças de rua e
aquelas que trabalham, as crianças de origem remota, de populações
nômades, aquelas que pertencem a minorias linguísticas, que não falam o
português, com diferenças étnicas e culturais, que pertençam a grupos em
desvantagem social, marginalizadas, etc. O desafio é realmente
extraordinário.
Particularmente em relação às pessoas com deficiência, a primeira barreira é
a arquitetônica. É preciso que a criança consiga entrar na escola, no banheiro,
etc. O transporte adequado também é importante. A criança precisa ter acesso
às informações que estão sendo veiculadas. Por exemplo, se a pessoa é cega
e o professor utiliza um livro, esse livro precisa estar disponível no primeiro
dia de aula, numa forma que a pessoa consiga ler: em braile ou num
computador com uma versão em áudio daquele livro. Se a pessoa não
consegue mexer as mãos, como irá manusear o livro? Para todas essas
situações, precisamos de tecnologia. A tecnologia realmente é a chave para
tornar o processo de inclusão da pessoa com deficiência mais simples, mais
razoável. É claro também que as soluções só são possíveis com a atitude e o
desejo dos professores, dos políticos, da sociedade. Atualmente, essas
barreiras são as mais complicadas, pois as soluções tecnológicas já conseguem
resolver muitas dessas situações.
No caso do Brasil, houve um enorme avanço. Primeiramente, há uma grande
quantidade disponível de softwares e hardwares, alguns desenvolvidos aqui
mesmo no país. Além dos dispositivos desenvolvidos para deficientes visuais,
há muitos equipamentos para deficientes motores e para deficientes auditivos.
No caso do deficiente visual, podemos mencionar o braile, programas
gratuitos como o Dosvox (atualmente utilizado por mais de 30.000 pessoas
no Brasil), a produção automatizada de braile, por meio do programa Braile
Fácil, a musicografia braile, por meio do programa MusiBraille, e vários
programas para leitura DAISY, como o Dorina DAISY Reader ou o Mac Daisy.
Assim, uma pessoa cega hoje consegue romper a principal barreira que a
separa dos outros: escreve e as pessoas conseguem entendê-la; o que as outras
pessoas escrevem ela consegue ler. Portanto, a tecnologia tem cumprido um
papel da maior relevância para a deficiência visual.
Além desses programas, há uma enorme quantidade de dispositivos, como
impressoras braile, leitores de textos impressos por meio de sintetizadores
40
Acessibilidade, Educação e Inclusão Social
de voz, sistemas para ensino de matemática, ampliadores de tela inteligentes,
celulares com sistemas de leitores por voz sintetizada, GPS, etc. Toda essa
tecnologia permite que o deficiente visual se comporte quase como se não
tivesse deficiência. A tecnologia supre de tal maneira as necessidades da
pessoa com deficiência visual que ela passa a ter quase tudo o que uma pessoa
que enxerga normalmente tem.
No entanto, será que a pessoa com deficiência visual terá acesso a esse arsenal
tecnológico? Muitas dessas tecnologias são gratuitas e podem ser adquiridas
sem dificuldades no nosso país. Outras são bem caras.
No caso de deficiências motoras, alguns avanços também são muito rápidos.
Primeiramente, pela conscientização da necessidade de um “design
universal”. Uma torneira, por exemplo, deve poder ser manipulada por
pessoas com dificuldades motoras. Temos uma quantidade enorme de regras
em nosso país, a ABNT define normas para a colocação de equipamentos em
espaço urbano, é tudo muito bem delimitado. Houve um enorme avanço na
área de órteses e próteses. Na área de transportes, o nosso país já vivencia
uma era de transportes adaptados de várias modalidades, sistemas de
cadeiras de rodas motorizadas, elevadores, etc. As indústrias no Brasil já
estão fabricando e/ou instalando esse imenso arsenal de tecnologia para a
deficiência motora. Com o sistema Motrix, uma pessoa tetraplégica consegue
controlar completamente um computador por meio de comandos de voz.
Em situações especiais, com um sistema de eye tracking é possível manipular
o computador somente com movimentos dos olhos, ou então somente com
movimentos da cabeça. Há uma série enorme de equipamentos para
superação das limitações físicas. Parte dessa tecnologia é gratuita, como o
sistema Motrix de comando de voz, enquanto outra pode ser bastante cara,
com aplicação em casos de extrema debilidade.
No caso da surdez, há aparelhos auditivos, o closed caption, o implante coclear,
para pessoas surdas com inervação preservada. Um recurso maravilhoso,
ao qual as pessoas geralmente não dão tanta importância, que é o celular
com SMS, permitindo a comunicação remota da pessoa surda, em substituição
ao uso do telefone. Outro ponto importante a considerar é o intérprete para
a linguagem de sinais como um direito da pessoa surda. Hoje já se considera
que essas opções à língua falada podem ser automatizadas. O closed caption é
um exemplo, que pode ser automatizado.
41
Acessibilidade, Educação e Inclusão Social
Esta resenha muito breve mencionou diversos itens de tecnologia já existentes,
ou que estão sendo desenvolvidos, e ainda há um número enorme de itens
que precisariam ser desenvolvidos.
Por exemplo, para pessoas com autismo ou com síndrome de Down, há uma
quantidade imensa de dispositivos tecnológicos a ser criada. Na sua ausência,
o problema acaba recaindo sobre o professor. Se quisermos oferecer ensino a
pessoas com deficiência, o professor precisa estar habilitado, conhecer toda
a tecnologia e saber utilizá-la, pois isso pode fazer muita diferença na vida
da criança na escola.
Uma classe inclusiva tem justamente que ser inclusiva para todos, não pode
haver exclusão, o professor precisa ser formado convenientemente para lidar
com todas as especificidades, saber lidar com as tecnologias e fazer as
adaptações necessárias.
Infelizmente, esta é uma realidade que ainda não chegou ao nosso país. Outra
opção muito interessante é o ensino a distância. Para pessoas com dificuldades
de movimentação ou de acesso à informação, o ensino a distância pode ser
uma alternativa, especialmente no caso do ensino médio e do ensino superior.
No ensino fundamental, a presença física é muito importante, mas no ensino
médio e superior, a educação a distância pode realmente minimizar muitos
dos problemas clássicos que envolvem a questão do acesso à informação.
É importante que haja uma tomada de consciência: o ensino adequado para
as pessoas com deficiência não é barato, não se faz com poucos recursos.
Primeiramente, é preciso haver um grande investimento na formação humana
do professor, no apoio ao aluno e sua família. É preciso formar uma equipe.
A escola deve contar com rampas de acesso, portas grandes, equipamento
de transporte público adequado.
Existem opções tecnológicas de todos os preços. É preciso decidir em quais
delas investir. O ideal é que todas as tecnologias necessárias estejam presentes
nas escolas, para que a educação se dê de forma mais efetiva, não só em
termos de equipamentos, como também programas de computador e
conectividade. Para que uma pessoa com deficiência visual possa exercer a
cidadania em todo o seu potencial, por exemplo, ela precisa estar conectada.
Quem deve pagar por tudo isso? Não resta outra opção: quem paga é o
Estado. O Estado brasileiro cumpre o seu papel com o estabelecimento de
42
Acessibilidade, Educação e Inclusão Social
políticas, com a regulamentação. O Brasil tem uma vasta legislação que
garante o bem-estar da pessoa com deficiência, pelo uso conveniente de
tecnologia, mas a existência da lei não significa que ela seja de fato aplicada.
É preciso garantir o acesso de todos, com respeito às diferenças. É preciso
existir um fomento responsável, com relação aos projetos educacionais
inclusivos e de apoio. Quando se pensa em baratear o custo, é preciso investir
na tecnologia criada no próprio país, apoiar a criação e disseminação de
soluções para o acesso das pessoas à tecnologia.
A capacitação não deve se limitar aos professores, mas estender-se aos
familiares e mesmo aos médicos. O médico deve ser um canal de entrada da
pessoa com deficiência aos recursos tecnológicos que não vão curá-la, mas
tornarão a sua vida melhor. O papel do terapeuta ocupacional também deve
ser ampliado. Para uma pessoa com deficiência, a tecnologia realmente muda
tudo: o estudo, o trabalho, o lazer podem melhorar drasticamente. Se a
tecnologia torna a vida da pessoa sem deficiência mais agradável, no caso da
pessoa com deficiência, ela é fundamental. Precisamos todos tomar
consciência, produzir tecnologia no nosso país, apoiar políticas que garantam
o acesso a essa tecnologia.
Ángel García Crespo: O Centro Espanhol de Legendas e Audiodescrição é o
centro de referência técnica para ajudar as pessoas com incapacidades
sensoriais na Espanha, para as pessoas cegas e surdas. São descritos aqui
dois projetos desenvolvidos nesse centro: um sobre a educação de crianças
com incapacidades na escola, e outro que procura sensibilizar as crianças
para outras crianças que não têm as mesmas possibilidades que elas. A
educação e a cultura estão muito unidas; não há educação sem cultura, nem
cultura sem educação. A cultura e a educação começam na escola, quando as
crianças encontram outras pessoas, diferentes delas.
O primeiro projeto a ser mencionado é um sistema para crianças com
incapacidade auditiva, para crianças surdas que estão na mesma classe que
as outras crianças. O professor fala normalmente e, para a criança, aparece
na tela do computador o que o professor está falando na forma de texto, por
meio de um sistema de reconhecimento de voz. Por outro lado, a criança
pode escrever as suas perguntas no computador e as perguntas são
reproduzidas em áudio para todos na sala.
43
Acessibilidade, Educação e Inclusão Social
Certamente, a tecnologia ajuda muito na inclusão de todos. Muitas vezes,
porém, desconhecemos os problemas das outras pessoas. O que se pretende
com o segundo vídeo, feito na forma de um videogame, é que qualquer criança
entenda que há outras crianças como ela que não podem desfrutar dos filmes,
da cultura, dos desenhos da televisão. O videogame proposto está acessível a
todos, crianças surdas ou crianças que podem jogá-lo como se fossem surdas,
ou mesmo sem as imagens, como se fossem cegas.
Vivemos em uma cultura audiovisual. O que nos chega por meio dos olhos e
dos ouvidos é muito importante e sem isso, estaríamos deslocados. Por isso,
é tão importante tornar toda essa cultura audiovisual acessível a todos. As
crianças com necessidades especiais que frequentam a escola vão adquirindo
conhecimentos juntamente com as outras crianças, enquanto as crianças que
não têm necessidades especiais se dão conta da existência de outras crianças,
diferentes.
Carla Mauch: É fundamental que gestores ousados nos coloquem a pensar,
aprender e avançar nas questões da inclusão, e que consideremos que a
tecnologia pode ser um instrumento para isso.
Quando falamos de inclusão, pensamos em aprender outras palavras, outras
posições, outras formas. Trata-se de colocar-se em outro lugar, de saber e
não saber, de poder aprender com o outro, utilizar palavras que, cada vez
mais, todos nós falamos, que saem da nossa boca muito facilmente: inclusão,
justiça, respeito à diversidade, igualdade, aprender. Que a gente não esvazie
essas palavras. Pensar a inclusão é dar o devido valor às palavras, com tudo
o que isso traz de alegria, dificuldade e tristeza.
Quando nos propomos a fazer uma sociedade mais inclusiva, uma educação
inclusiva, assumimos que esse caminho é difícil, mas é possivelmente o único
que respeita os direitos humanos. Embora seja muito difícil pensar em toda
aquela listagem de recursos necessários para a inclusão das pessoas com
deficiências, e muito possivelmente existem outras listas para pessoas com
deficiências diferentes, o desafio é esse. Não se pode pensar numa escola
com um princípio educativo, que aprende com as diferenças e nas diferenças
e que exclua todas essas pessoas que historicamente não participaram da
escola.
44
Acessibilidade, Educação e Inclusão Social
Embora o desafio seja muito grande, apesar de precisarmos aprender a utilizar
a tecnologia, não temos o direito de esperar mais. Como educadores,
militantes dos direitos humanos e profissionais da universidade, ou seja, como
sociedade, não podemos mais dizer que ainda não estamos preparados. É
verdade que não estamos preparados, mas juntos, vivendo e fazendo, temos
o compromisso de nos preparar e de aprender. Inclusão é justamente isso:
poder aprender com os outros e assumir humildemente que existem muitas
coisas que não sabemos, o que não nos dá o direito de nos desresponsabilizarmos por esse grupo, que é a sociedade como um todo. Não podemos
mais seguir dizendo “é, é verdade, não conseguimos, então vamos esperar
mais uma geração e talvez então estejamos mais preparados”.
Quando falamos e pensamos em inclusão, recuperando a força, a beleza, a
singeleza e a dureza que podem haver nessas palavras, estamos falando em
enfrentar, em fazer um processo de diálogo e aprendizagem. Aprendermos
com a exposição do Antônio, ficarmos encantados com as possibilidades do
jogo que o Ángel nos apresentou, podermos pensar no que significa aquele
jogo para crianças com deficiência visual ou com deficiência auditiva, mas
também para todas as crianças.
Como educadores, como mediadores de aprendizagem e conhecimento,
podemos pensar como as outras crianças também podem aprender de outras
formas, podem inventar e também fazer uma escola mais verdadeira, mais
inventiva, que tenha mais sentido. A educação inclusiva trata de construir
uma sociedade e uma escola que possam ter sentido, que tenham uma escuta
sensível, que possam se emocionar, aprender e pensar, o tempo todo, em
como a cultura é potencializadora do processo. Como a magia da literatura,
do cinema pode nos ajudar a pensar em uma educação mais humanizada.
Como a tecnologia tem um papel fundamental para nos ajudar a humanizar
e qualificar a educação.
Para isso, sem sombra de dúvida, precisamos pensar também na formação
dos educadores. É preciso incluir os educadores na tecnologia e na cultura.
Não se pode incluir as pessoas com deficiências na tecnologia e no mundo
da cultura se não valorizarmos os educadores e os professores que estão na
sala de aula, todos os dias, com os nossos alunos, com os nossos filhos. É
preciso pensar em novas formas de trabalhar cooperativamente, a partir da
singularidade dos sujeitos, assumir as diferenças, e não negá-las. Temos
45
Acessibilidade, Educação e Inclusão Social
direitos iguais, mas somos todos diferentes. Podemos assumir essa diferença
e também aprender com ela, como educadores, gestores, alunos sem
deficiências, alunos com deficiências e famílias, cada um de nós é diferente.
Pensar numa sociedade inclusiva é poder pensar que precisamos romper
com o modelo homogeneizador no qual fomos construídos e criados a ferro
e fogo. Todos sabemos o quanto deixamos de aprender nesse modelo que só
valoriza o igual, que valoriza uma única forma de aprender e se comunicar
com os outros.
O que significa ter acesso, participar? É poder garantir e respeitar de fato as
diferentes identidades sociais, culturais, afetivas, étnicas, de gênero e físicas
de todos os envolvidos. É poder fugir da marca identitária somente, de
podermos nos entender de uma única forma. Precisamos pensar nas pessoas
com deficiências, mas precisamos pensar que essas pessoas são crianças,
jovens e adultos, são pessoas em estágio de envelhecimento, são homens e
mulheres, têm uma orientação sexual heterossexual, são gays, homossexuais,
lésbicas e por aí afora. Pensar no que há de singular, mas também no que há
de múltiplo. Não podemos seguir pensando que as pessoas com deficiências
são só pessoas com deficiência. Essas pessoas têm múltiplas composições,
múltiplas possibilidades e todos nós também temos essa multiplicidade, essas
facetas todas. Portanto, precisamos pensar numa escola e numa sociedade
que acolha de fato toda essa complexidade, tanto em termos de políticas
transversais como da própria sociedade civil. Precisamos aprender a trabalhar
com a diversidade, que não precisemos pensar ora na “parte mulher”, ora
na “parte com deficiência”, ora na “parte negra” de um indivíduo, mas
possamos pensar de uma forma mais inteira e verdadeira.
Precisaremos reconstituir nosso olhar para novas possibilidades, ousar
aprender, olhar de outras formas e experimentar. Não se pode fazer a
educação e uma sociedade inclusivas sem a coragem e ousadia de
experimentar, escutar, aprender com o outro.
Há um trabalho em andamento que procura fazer um mapeamento da
situação da educação no Estado de São Paulo, em parceria com a Secretaria
de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência, no qual escutamos dos
próprios professores e das famílias do deficiente, o que eles estão achando, o
que está bom, o que precisa melhorar. Precisamos também escutar as pessoas
com deficiência. Sabemos muito como profissionais, como técnicos, mas temos
46
Acessibilidade, Educação e Inclusão Social
muito que aprender. Precisamos sair do “para” e experimentar realmente o
“com”.
Para dizermos que a audiodescrição é interessante, é preciso assistir a um
filme sem a visão e experimentar outras possibilidades, outros acessos. As
legendas podem ser utilizadas para pessoas com deficiência, mas uma
tradução para diversas línguas permitiria ampliar o seu uso. Como trabalhar
com essa perspectiva, de um desenho universal de fato? Para responder, é
preciso experimentar.
Precisamos articular as dimensões do fazer viver, quer seja aprender o direito
de ir e vir, de brincar, de passear, de conviver e de silenciar também. Falamos
muito, mas em certas horas precisamos ficar um pouco em silêncio para poder
escutar o que o outro tem a dizer.
É necessário ousar, produzir novas práticas e formas de trabalho inclusivas,
criando espaços de interlocução, escutar e conferir poder aos diferentes atores
envolvidos nos processos. Como podemos escutar qual é a demanda de um
professor, como podemos trabalhar juntos, quais as estratégias de formação
para que o professor possa também ser um ator, exercitar a autoria e sentirse incluído no processo educacional.
Temos que conviver com novas possibilidades, com o não-saber, revisitar e
ressignificar as práticas instituídas na escola, em outras organizações ou no
poder público, aprender com e na experiência. Quando falamos de
experiência, referimo-nos a algo que se passa conosco, não apenas à
experiência do outro, mas afetarmos e sermos afetados pelo outro, ampliando
o olhar sobre os sujeitos, entrelaçando uma multiplicidade de saberes.
Podemos partir de conhecimentos fundamentais, mas que têm uma
especificidade própria, e criar um terceiro, quarto ou quinto saber, mais
articulado.
Para isso, precisamos necessariamente pensar, elaborar e implementar
políticas públicas inclusivas, precisamos pensar na universalização dos
direitos. Infelizmente, ainda não temos universalização de direitos à educação,
à saúde, ao transporte, à cultura e ao trabalho para a população com
deficiência.
Pensar na transversalidade e na articulação das políticas é um grande
exercício, um esforço muito grande, mas não podemos abrir mão dele. A
47
Acessibilidade, Educação e Inclusão Social
Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência tem, nesse
sentido, um papel fundamental. Ela não institucionalizará todas as políticas,
mas trabalhará com os diferentes atores públicos, com a sociedade e com a
iniciativa privada, para pensar em conjunto quais são essas políticas
transversais e qual o compromisso de cada um desses atores.
A garantia de acessibilidade implica pensar no acesso e na permanência em
todas as modalidades de ensino. Sem dúvida, apostamos que as nossas
crianças, daqui a dez anos, estarão incluídas, concluindo o ensino
fundamental e partindo para o ensino médio. Entretanto, o que faremos com
os jovens que não tiveram acesso à educação inclusiva? Que estratégias de
educação de jovens e adultos podemos propor? Não podemos simplesmente
dizer que “eles não puderam ir à escola; deixemos para a próxima geração”.
Quais estratégias podemos pôr em prática para que esses alunos cheguem
ao ensino médio com qualidade? Educação a distância? Pensar na formação
dos educadores do ensino médio agora, para não sermos surpreendidos pela
chegada dos alunos da educação inclusiva quando eles chegarem lá?
Precisamos pensar em ações de curto, médio e longo prazo com clareza e
organização, pensar na qualidade social da educação, de forma radical.
Precisamos ainda pensar na educação como um todo, pois não podemos ser
injustos e desonestos, assumindo que a grande questão da educação hoje é a
criança com deficiência. Este é mais um desafio da transformação da educação,
não é o único problema de que os educadores e os gestores não estão dando
conta, desse novo universo de pessoas que começa a entrar na escola.
Infelizmente, não estamos sabendo educar na sociedade contemporânea;
precisamos avançar. Pensar numa educação inclusiva e no ingresso dos alunos
com deficiência, garantir o acesso e o direito à educação de qualidade para a
população com deficiência é pensar numa educação de qualidade para todos.
Para isso, precisamos pensar na formação dos diferentes atores nas
comunidades, com um olhar muito atento às famílias. Quando nasce uma
pessoa com deficiência, as famílias não têm onde deixá-la, não podem “deixála na geladeira” e procurarem um curso, como muitas vezes nós, educadores
e gestores, fazemos. Nós não estamos preparados, então vamos fazer uma
formação. As famílias não têm essa escolha; não se prepararam para receber
uma pessoa com deficiência e, no entanto, convivem diariamente com o
deficiente, muitas vezes assumindo papéis e responsabilidades que não são
delas.
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Acessibilidade, Educação e Inclusão Social
Temos uma legislação avançada, mas precisamos pensar na articulação das
ações extensivas e intensivas de implementação das políticas públicas. Este é
o maior desafio. Como o poder público pensa em garantir essa universalidade,
sem esquecer que cada sujeito é único? Precisamos pensar o olhar para cada
sujeito, cada escola, cada realidade, cada município, com as suas
especificidades. Precisamos debater, ter outros espaços para discutir sobre
como garantir o acesso, sem esquecer de olhar para cada um.
Como trabalhar com equiparação de oportunidades? Não há como pensar
em inclusão se não aprendermos a trabalhar em rede, e ainda temos muito a
aprender. É preciso compartilhar oportunidades, construir e fortalecer uma
rede de cuidados e atenção, trabalhar na perspectiva do desenvolvimento
inclusivo das políticas como um todo, construir indicadores, monitorá-los e
avaliá-los. O poder público e a sociedade civil não podem implementar todas
essas práticas sem compartilhá-las e sem avaliá-las, verificar o que se está
aprendendo, para onde se avança. Que outras possibilidades teríamos? Temos
o compromisso ético, estamos num momento de virada e precisamos
aprender sobre essas práticas inclusivas, registrá-las, produzir conhecimento
e compartilhá-lo. Socializar, portanto, essas informações e conhecimento
produzido.
O que é ser diferente? O diferente e a diferença são partes da descoberta de
um sentimento, armado pelos símbolos de cultura.
“Nem tudo é o que eu sou e nem todos são como eu sou” (frase atribuída a
Carlos Henrique Brandão).
Stella Kochen Susskind: Abordaremos aqui como vencer obstáculos. Não
se trata de uma inovação tecnológica, como a proposta deste encontro, mas
de uma inovação cultural, um passo importante. A Shopper Experience é uma
empresa de pesquisa de mercado, que transforma dados em conhecimento
aplicável ao negócio, ajuda os seus clientes a melhorarem as relações com os
seus próprios clientes e auxilia na construção do comprometimento dos
clientes com as marcas.
A grande expertise da Shopper Experience é com uma solução de pesquisa
de mercado chamada cliente secreto, cliente-fantasma ou cliente misterioso. É
uma solução que existe há quase cem anos, desde a década de 1920, nos
49
Acessibilidade, Educação e Inclusão Social
Estados Unidos. Os banqueiros mandavam conhecidos irem até o banco para
verificarem se os funcionários estavam roubando ou trabalhando direito.
Começamos a trabalhar com essa metodologia no Brasil há quase vinte anos.
O cliente secreto nada mais é do que um cliente efetivo, com hábito de
compras de produtos ou serviços, que visita lojas, se hospeda em hotéis,
viaja de avião ou vai a uma agência bancária, na sua situação cotidiana, numa
situação de consumo. Ele é treinado para avaliar o serviço, o atendimento,
procedimentos e padrões em situações que vivemos todos os dias.
Essa solução é e sempre foi um sucesso. São avaliados todos os segmentos:
indústria, consumo, varejo, serviços, etc. No Brasil, atualmente há mais de
15 mil clientes secretos cadastrados, atuando em todos os segmentos. Nos
Estados Unidos, é uma indústria que movimenta milhões de dólares.
Uma verdade pouco falada e muito camuflada é que o Brasil possui 27 milhões
de pessoas com deficiência, de acordo com o último censo, o que equivale a
14,5% da população. Além das pessoas que nasceram com alguma deficiência,
há pessoas que infelizmente sofreram algum acidente e adquiriram a
deficiência durante a vida. Parte significativa desse contingente é
economicamente ativa, são consumidores, profissionais, pessoas que lutam
pelos seus direitos, vão ao banco, às lojas, etc. e se deparam com despreparo
no atendimento.
Vivemos hoje numa sociedade individualizada, como descrevem vários livros
sobre o assunto, mas as pessoas estão “saindo dos seus casulos”. Um
fenômeno recente, muito comentado, foi o da cantora Susan Boyle. Uma dona
de casa, que vivia no interior da Escócia, fora de todos os padrões de beleza,
tinha uma voz magnífica, saiu e encantou o mundo.
Contudo, independentemente da legislação e do apoio, excluindo-se os
esforços “de formiga” individuais, governamentais ou de instituições, poucos
procuram entender as demandas dos consumidores com deficiência ou
procuram meios de se aproximar desse público. Todas as demandas do
consumidor exigem proximidade. Não é à toa que uma das maiores
instituições financeiras do Brasil tem como principal mensagem publicitária
a presença, a proximidade do público.
Algum tempo atrás, uma palestra da Sra. Mara Gabrilli sobre superação
inspirou muitas reflexões e inquietações. De nada adiantaria estarmos à frente
de uma empresa, de uma equipe, somente por motivação financeira, se não
50
Acessibilidade, Educação e Inclusão Social
olhássemos para os lados, se não acreditássemos e divulgássemos o primeiro
artigo da Declaração Universal dos Direitos Humanos, segundo o qual todos
nascemos livres e iguais.
Procuramos então a Sra. Mara e iniciamos um projeto de acessibilidade. Com
seu apoio e inspiração, criou-se um projeto inédito de inclusão na Shopper
Experience. Foram treinadas 300 pessoas com deficiência para serem clientes
secretos e visitarem lojas, agências bancárias, caixas automáticos, hospitais
veterinários. Com o passar do tempo, firmaram-se parcerias. Procuramos a
AACD - Associação de Assistência à Criança Deficiente -, pois a própria
equipe do projeto se emocionava quando treinava os clientes com deficiência.
Uma menina que trabalhava em campo teve muita dificuldade de se
comunicar com uma pessoa com deficiência auditiva e procuramos superar
esse obstáculo. Passamos um dia na AACD, participamos do Teleton e
aproximamos a equipe dessa realidade.
A Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência está
participando do projeto, como também o Lar-Escola São Francisco, o Plura e
outros institutos de inclusão. É um projeto que espelha a demanda
contemporânea, incorporando redes com uma social media. Muitos dos clientes
secretos não precisam sair de casa, podem fazer checagem na internet, sejam
deficientes auditivos, visuais ou cadeirantes, podem fazer checagem
telefônica, podem preencher o relatório na sua residência. Investiu-se na
inclusão e abriu-se caminho para inclusão dessas pessoas no mercado de
trabalho como free-lancers. Mais ainda, o projeto dá voz a essas pessoas,
transmitindo às empresas e ao mercado o que esses consumidores estão
enfrentando. No website da Shopper Experience, há várias matérias que saíram
na imprensa sobre o assunto. Lá é possível também que as pessoas com
deficiência se cadastrem como cliente secreto e há um link para itens de
responsabilidade social.
Os clientes secretos, depois de cadastrados, são enviados a campo. Como foi
a sua experiência de consumo? O que se encontrou nesse grande mercado
de consumo? Obviamente, inúmeras barreiras físicas, como vagas para
deficientes físicos trancadas com correntes, vagas nas quais o usuário
estaciona e não consegue sair do carro, pouca sinalização para pessoas com
deficiência visual, pessoas que não se expressam em LIBRAS (linguagem
brasileira de sinais)... Muito mais impactantes, contudo, foram as barreiras
comportamentais. As dificuldades internas, de fazer a equipe da Shopper
51
Acessibilidade, Educação e Inclusão Social
entender a deficiência e dar as mãos às pessoas com deficiência, foram
observadas na dificuldade de lidar com esse público. Muitas vezes há um
constrangimento, pessoas que não sabem lidar com a situação, têm medo,
despreparo. O caminho a ser trilhado nesse sentido é gigantesco.
É evidente o despreparo e encontram-se “nãos” o tempo todo, de pessoas
que dizem que “não podem atender”, de um cadeirante que vai até o caixa
automático e não consegue enxergar nada, por causa da altura do
equipamento, agências bancárias que não têm uma pessoa que se esforce
para entender o que um deficiente auditivo está dizendo, que talvez não
consiga se comunicar em LIBRAS, mas que ao menos escreva alguma coisa...
Além de todas essas dificuldades, é chocante observar a quantidade de
pessoas que compram adesivos falsos nas bancas de jornal, para cadeirantes,
e estacionam nas vagas reservadas, por exemplo.
Assim, o projeto caminha a passos de formiga, nos dois sentidos: com os
clientes secretos e com as empresas. A Shopper lida com quatro mil pontos
de venda em todo o Brasil e procura veicular nas empresas a importância do
projeto.
Os progressos aparecem nas palavras de uma dessas “formiguinhas”, a
Mirian, uma cadeirante: “Me sinto muito privilegiada em ser cliente secreto,
pois sei que posso fazer a diferença. Sinto-me honrada em saber que hoje as
empresas estão interessadas em saber do bem-estar de seus clientes.” A Mirian
é um exemplo, que não desiste diante das dificuldades. Ela sobe no ônibus e
vai. A Cilmara, uma deficiente auditiva, acrescenta: “Me sinto ajudando a
sociedade a ter visão melhor do portador da deficiência auditiva. É importante
ver que hoje a sociedade está interessada no bem-estar do deficiente.” Outro
depoimento é do Hamilton, um deficiente visual: “Sinto-me muito bem como
cliente secreto, pois sei que isso é para melhorar o atendimento. Sei que
existem muitos lugares que necessitam dessas pesquisas, pois não há infraestrutura para receber pessoas com necessidades especiais. Ajudo a melhorar
o atendimento aos deficientes visuais, pois percebi algumas dificuldades ao
entrar nos bancos.”
52
Transformação: Uma Cidade para Todos
Atualmente, o verbo mais usado nas políticas públicas voltadas às pessoas com
deficiência é adaptar. O presente painel pretende ampliar esse conceito. O objetivo
maior é transformar a cidade em um ambiente onde todos, independentemente de
sua condição, possam usufruir do transporte, da saúde, da educação, do simples ir e
vir. Uma cidade que adota ações inclusivas transforma-se em um espaço para todos.
Milton Jung (moderador) – Jornalista e âncora da Rádio CBN - São Paulo, SP
Eduardo Flores Auge – Secretário Executivo da Comissão Permanente de
Acessibilidade - Prefeitura Municipal de São Paulo, SP
Luis Antonio A. Silva – Vice-Prefeito Municipal de São José dos Campos, SP
Mara Gabrilli – Vereadora na cidade de São Paulo, SP
Osvaldo Franceschi Jr. – Prefeito Municipal de Jaú, SP
Ailton Brasiliense – Presidente da Associação Nacional de Transportes
Públicos - São Paulo, SP
Eduardo Flores Auge: A cidade é composta de um mosaico de pessoas: idosos,
crianças, famílias... cada uma delas com seus desejos em relação à cidade.
Por exemplo, um jovem talvez gostasse de uma cidade alegre, barulhenta;
um idoso talvez preferisse uma cidade amigável, onde ele conseguisse
comunicar-se e que todos compreendessem a sua deficiência ao ir a uma
padaria e pedir uns pãezinhos.
Dentro do tema “cidade para todos”, temos que considerar as edificações, as
vias públicas, os logradouros e o sistema de transportes. Nesse sentido, a
mobilidade urbana é um tema bastante interessante, dentre as preocupações
da Comissão Permanente de Acessibilidade. Num passeio público, por
Transformação: Uma Cidade para Todos
exemplo, para a pessoa com deficiência visual é importante a sinalização do
piso, indicando as rotas acessíveis, o chamado piso tátil direcional. Na
ausência de outra referência, podemos utilizar esse recurso. É uma tecnologia
disponível, bastante simples, para orientar a pessoa com deficiência visual
no seu deslocamento.
Outra alternativa é o piso tátil de alerta, utilizado para indicar quando há
um obstáculo suspenso. A Rua Oscar Freire, em São Paulo, tem um passeio
público recém-reformado no qual se utilizou esse recurso, para que a pessoa
não bata a cabeça num deslocamento. Na Avenida Paulista, buscou-se a
ausência de barreiras e, ao mesmo tempo, sinalizações de piso indicando as
rotas acessíveis e os obstáculos suspensos.
A ausência da barreiras é muito importante para a pessoa com deficiência
visual. No passeio público, ela é obtida, por exemplo, pelas rampas e
eliminação da mureta nas orlas das árvores. Muitos pensam que a mureta
favorece a pessoa com deficiência visual, mas ela acaba sendo mais um
obstáculo para a pessoa dar uma topada. Portanto, na Comissão somos a
favor da eliminação das muretas nas orlas das árvores.
A sustentabilidade do revestimento do piso também é importante, por
exemplo com o uso de placas de concreto, previstas no decreto das calçadas,
o decreto nº 45.904, de 2005. Não se pode esquecer que a acessibilidade na
verdade é um dos itens de sustentabilidade. São exemplos o passeio da Rua
Olimpíadas, na Vila Olímpia, e da Rua Avanhandava, nas quais a ausência
de degraus corresponde à ausência de barreiras. Estamos buscando, na
reforma dos passeios, que se eliminem os degraus, mesmo nas calçadas de
inclinação excessiva, na intenção de garantir a acessibilidade assistida. Se
não houver uma rampa, a pessoa com deficiência ou mesmo alguém com
um carrinho de bebê ficam dependentes de alguém. A rampa facilita até
mesmo a acessibilidade assistiva.
No caso da Rua Avanhandava, percebemos que o resultado foi uma via
bastante agradável, embora alguns desaprovem, por defenderem a
padronização total dos passeios na cidade.
Outra solução relativamente simples é o alargamento do passeio público, de
forma a estreitar a faixa de travessia. Com isso, encurta-se a travessia, que
fica mais segura: a pessoa chega de uma calçada à outra mais rapidamente.
54
Transformação: Uma Cidade para Todos
A Rua Oscar Freire apresenta rampas e o alargamento da esquina. De maneira
bem simples, as rampas promovem a ausência de barreiras e as esquinas
com passeios aumentados proporcionam travessias reduzidas. São medidas
simples que ajudam muito na nossa cidade para todos.
O objetivo é que todas as esquinas de São Paulo, com ou sem faixa de travessia,
possuam rampas. A Comissão defende o uso de uma rampa com
características físicas melhores, a aba um pouco mais generosa.
A Rua João Cachoeira também foi objeto de reforma, com tijolos de concreto
intertravado, alargamento do passeio, com a tentativa de tornar a faixa livre
e segura, com ausência de barreiras, tampas de concessionárias alinhadas
(pois, infelizmente, muitas vezes não podem ser eliminadas).
O Programa Passeio Livre foi estendido a várias Subprefeituras. Por meio de
uma portaria intersecretarial, procura-se empregar um padrão que possibilite
sustentabilidade, drenagem da superfície e acessibilidade.
Citamos ainda a faixa de travessia elevada, vagas reservadas ao cartão DEFIS,
o táxi acessível, o Atende, que é um serviço porta a porta para pessoas com
deficiência grave de mobilidade. O bilhete único permite que, se um sistema
estiver dificultando o deslocamento, o usuário pode mudar de sistema sem
pagar a mais por isso. O transporte por ônibus com piso baixo, que garante
o acesso da pessoa com deficiência de forma autônoma ou, pelo menos, mais
segura, é outro exemplo, assim como os pontos, abrigos e terminais de ônibus
adequados, com tudo o que está previsto na norma NBR 9050/2004, da ABNT,
que inclusive está sendo objeto de reforma. O metrô conta com mapas táteis,
sinalização e primeiro carro reservado. O nosso desejo é uma rota acessível a
todos, com ou sem deficiência.
O piso em asfalto no passeio público é uma tentativa de buscar novas
tecnologias para, inclusive, reduzir o seu custo. Se a calçada é cara, como
dizem, devemos buscar alternativas, como no exemplo de Curitiba de piso
em asfalto. Quando observamos alguns exemplos dos Estados Unidos, de
rampas largas com abas generosas, percebemos que, ao menos no campo
das ideias, não estamos muito longe dessas soluções.
A título de exemplo, citamos a ausência de obstáculos suspensos em
mobiliário urbano com desenho universal, nos Estados Unidos, um mobiliário
urbano com ponto fechado e ar condicionado em Dubai, um ponto de ônibus
com bancos em Copenhague, na Dinamarca, o mobiliário urbano da lixeira,
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Transformação: Uma Cidade para Todos
que não é um obstáculo suspenso, sanitários públicos adequados em São
Francisco, nos Estados Unidos, estacionamentos para bicicletas, orlas de
árvores sem desníveis, bancos, luminárias, guarda-corpos, etc.
A Comissão Permanente de Acessibilidade foi instituída em 1996 e é dividida
em grupos de trabalhos ou GTs, com participação de diversas secretarias e
entidades das pessoas com deficiências, entidades do ramo imobiliário, o
Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura, etc. Na Secretaria, temos
cursos de educação continuada, softwares de vistoria eletrônica, um sistema
de qualificação em acessibilidade, os programas “Sem Barreiras no Trabalho”,
“Sem Barreiras na Cultura” e livros que estão à disposição na Internet e na
própria Secretaria.
Luis Antonio A. Silva: Em São José dos Campos, foi criada neste ano a
Assessoria de Políticas para a Pessoa com Deficiência. Inicialmente, fez-se
um levantamento do trabalho que já existia, o trabalho das entidades, os
serviços implantados, os conselhos criados, tudo o que já existia na região.
Já havia, por exemplo, o Programa Calçada Segura, com boas intenções e
algumas falhas. Na faixa da travessia faltava a rampa, alguns conceitos
precisavam ser introduzidos mais fortemente, motivo pelo qual a lei foi
revisada. Os ônibus de São José, de acordo com a licitação, deverão ser 100%
acessíveis. Hoje, 70% da frota é acessível e, em seis meses, ela estará totalmente
acessível.
Outra etapa foi o contato com as pessoas interessadas, um processo de
sensibilização e de aproximação com as entidades que já lidam com as pessoas
com deficiência. Nesses meses, aconteceram erros e acertos e essa
aproximação ocorreu um pouco tardiamente. Eventos como o fórum de
esportes que houve em São José são importantes para promover uma
mudança dos conceitos.
O contato com as próprias pessoas com deficiência e com as entidades é
muito rico em insights que norteiam as políticas nessa área. As pessoas da
equipe precisam ser sensíveis à causa e criativas. Normalmente, são trabalhos
transversais, com poucos recursos. Em São José, procura-se introduzir
conceitos e complementar os serviços que já existem, apoiar os conselhos e
as entidades, seguindo o planejamento, customizar e inovar, o que é um
grande desafio.
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Transformação: Uma Cidade para Todos
Há toda uma experiência pregressa de entidades da região, que pode ser
aproveitada. O governo do Estado tem uma política voltada para a pessoa
com deficiência, que também deve ser aproveitada. A cidade conta com
algumas pessoas com deficiência com uma riqueza muito grande de
capacidades e talentos, como o Vítor, um excelente pianista, ou a Dra. Márcia,
que já fazia um trabalho muito importante antes da nossa Assessoria. Há um
grupo de hip-hop formado por pessoas com síndrome de Down. Descobrimos
também que vários funcionários da prefeitura tinham deficiências e queriam
participar.
Recentemente, realizou-se a entrega de dez cadeiras de rodas para o time de
basquete de cadeirantes em São José.
Quanto ao Programa Calçada Segura, a lei foi recentemente aperfeiçoada e
elaborou-se uma cartilha com informações importantes sobre esse assunto.
Há também uma agência de atendimento, adaptada juntamente com a
Secretaria de Trânsito da cidade para as pessoas tirarem a sua carteira e
passarem pelo exame médico num local acessível. Foram implantadas
também botoeiras sonoras na cidade.
Neste momento, está em andamento um censo para a pessoa com deficiência
na cidade de São José dos Campos, para o qual elaborou-se um questionário
específico.
O parque tecnológico de São José está aberto a todos e várias empresas estão
se instalando na cidade. Há faculdades instaladas nas imediações e o parque
já conta com empresas como a Vale do Rio Doce, a Microsoft, a Embraer e a
Sabesp.
A unidade da rede Lucy Montoro em São José está a todo vapor, suscitando
muitas esperanças, numa parceria com a Secretaria de Estado da Pessoa com
Deficiência.
Assim, São José dos Campos polariza várias ações na área da pessoa com
deficiência, beneficiando muitos pacientes dessa população. Contamos com
ideias inspiradoras de pessoas que participaram da nossa formação e que
levam à frente trabalhos da mais alta relevância.
Há um projeto para a construção de um grande centro poliesportivo para
pessoas com deficiência. Estamos convencendo quatro secretários a participar,
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Transformação: Uma Cidade para Todos
visando a realização de treinos e competições paradesportivas, olimpíadas,
etc., fomentando o esporte na nossa cidade. Constam do projeto uma piscina,
quadras e uma área de convivência, entre outros recursos.
Além disso, já existem ações na educação, o Secretário de Educação é muito
sensível a essa causa, há um grupo de educação que trabalha bastante para
uma educação plena, ações na reabilitação, mas ainda há muito que avançar.
Na parte política, começamos com um pouco de receio, mas, passada a fase
inicial, percebe-se que é possível canalizar os recursos de forma certa. É um
privilégio, por um lado, e por outro esperamos aproveitar o tempo que nos
resta na administração para levar adiante o máximo possível de avanços
para a pessoa com deficiência. Percebemos que essas ações afetam todos nós,
a nossa qualidade de vida, as relações interpessoais, a nossa relação com o
mundo. É uma área muito gratificante, aberta, de mudança de conceitos.
Mais do que construir, fazer prédios ou leis, precisamos modificar conceitos.
O líder tem que ser, antes de tudo, um professor e um motivador. Temos na
Dra. Linamara uma professora, que ela sempre foi e continua sendo, e uma
grande motivadora, que nos inspira e nos leva a lutar cada vez mais por essa
causa.
Mara Gabrilli:
Inicialmente, a vereadora comenta o uso de um microfone pessoal, do
tipo lapela, que leva sempre consigo, de forma que pode frequentar todos
os plenários na Câmara Municipal de São Paulo. Na sua maioria, as
mesas da Câmara são baixas demais para a cadeira de rodas. Valoriza
também o recurso da estenotipia, que está sendo utilizado durante as
palestras do Encontro, por permitir que pessoas surdas ou com alguma
dificuldade acompanhem o que está sendo dito. Destaca como seria
importante contar com a audiodescrição na televisão brasileira.
Provavelmente, não há outro país com uma NBR incorporada à legislação,
como nós temos. Em 1992, São Paulo foi o município pioneiro do Brasil ao
incorporar essas normas técnicas ao Código de Obras. A legislação brasileira
realmente é invejável. Temos que trabalhar muito para que ela seja cumprida.
O Ministério das Comunicações está atualmente chamando a quarta audiência
pública para discutir a audiodescrição, como forma de afastar e esquecer
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Transformação: Uma Cidade para Todos
esses assuntos. A TV brasileira não ter audiodescrição chega a ser
anticonstitucional, considerando-se o número de pessoas com deficiência
visual no Brasil. Por acaso as emissoras não têm recursos para colocar uma
audiodescrição na programação?
A audiodescrição é uma forma de “legenda para cegos” na televisão, por
meio da tecla SAP, assim como há o closed caption para surdos, de modo que
todos tenham acesso a toda a programação. É um recurso básico para a
comunicação brasileira.
Quando falamos em tecnologia, não podemos nos esquecer disso. Na cidade
de São Paulo, um único teatro tem recurso de audiodescrição, o Instituto
Vivo, além do Centro Cultural, que também tem meios para utilizá-lo; outros
casos são muito esporádicos.
Assim, é uma conquista pela qual devemos lutar, pois trata-se de uma enorme
parcela da população e já existe a lei, que não está sendo cumprida, vai sendo
adiada a cada mês, a cada ano. O próprio ministro parece não dar tanta
importância ao assunto.
É importante lembrar que mesmo a eletricidade é fundamental para o
deficiente auditivo, que se norteia muito pela visão. A falta de iluminação,
no dia do apagão, gerou muitos transtornos, muitos não conseguiram chegar
em casa, mas, no caso dos deficientes auditivos, essa situação chega a ser
dramática.
A central de intérpretes de LIBRAS para surdos e guias-intérpretes para
surdos-cegos começa a ser implantada em algumas subprefeituras de São
Paulo. Cidades como Jaú ou São José dos Campos conseguem colocar
intérpretes de LIBRAS em todos os equipamentos que demonstrem essa
necessidade. Já em uma cidade grande como São Paulo, seria necessário um
número muito grande de intérpretes, que ficariam ociosos a maior parte do
tempo. Assim, a central de São Paulo é totalmente tecnológica: a tradução
pode ser assistida pela webcam. Há câmeras espalhadas por todas as praças
de atendimento das subprefeituras, pelos telecentros, pelas unidades básicas
de saúde. O surdo chega ao equipamento em que precisa ser atendido,
expressa-se na língua de sinais para a câmera e a atendente recebe aquela
mensagem on-line, na mesma hora, o mesmo ocorrendo no sentido inverso.
A central tem também a função de treinar outros intérpretes, crescer e um
dia fazer o atendimento presencial para surdos. É uma tecnologia
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Transformação: Uma Cidade para Todos
fundamental para que nossos surdos tenham direito aos serviços da cidade.
Se pensarmos bem, não é constitucional um surdo chegar a um hospital e
não conseguir relatar a dor que sente, chegar a uma delegacia e ser preso
porque não conseguiu se comunicar.
Assim, a tecnologia acaba perpassando todos os nossos desejos, as nossas
necessidades e muitas vezes não conseguimos utilizá-la. Um projeto de aviso
sonoro em ônibus foi vetado pela prefeitura, por falta até de aprofundamento.
Hoje, a prefeitura está tentando minimizar o erro, colocar um equipamento
para que haja esse aviso sonoro nos ônibus. Por que os cegos não podem
saber exatamente onde estão, qual é o destino, precisam ficar perguntando,
quando alguém pode dar uma informação errada ou pode não querer
responder?
Primeiramente, as pessoas com deficiência precisam ter um atendimento
adequado em saúde, para terem a energia inicial, conseguirem abrir a porta,
sair da casa e enfrentar a calçada, o segundo grande momento da vida. Para
isso, precisam ter para onde ir, por que ir, como ir. Se não houver tecnologia
perpassando todas as dimensões, as pessoas com deficiência não vão
conseguir chegar e não conseguirão exercer a sua cidadania. Das mais simples
às mais complexas, as discussões mudaram. Algum tempo atrás, tentávamos
convencer o administrador público da importância de um piso tátil, hoje
todos nós já sabemos dessa importância. Fomos evoluindo.
Hoje, discutimos onde uma pessoa com deficiência intelectual vai investir o
dinheiro que está recebendo no trabalho, obtido depois de muitos e muitos
anos de exclusão. As pessoas com deficiência intelectual estão trabalhando
dentro das empresas, e precisam aprender como vão investir o seu dinheiro.
Para isso, vão precisar de muita tecnologia.
Antes de mais nada, precisamos ter a predisposição para utilizar toda essa
tecnologia. Tomemos o exemplo mencionado pelo Eduardo, do software para
vistoria de calçada. O fiscal vai observar uma calçada ou uma edificação,
preencher um check-list com perguntas sobre a altura do vaso sanitário ou
do piso daquela calçada ou do degrau, de que forma foi concebido aquele
degrau. O fiscal vai preencher esse questionário e o software vai dar o veredicto
daquele estabelecimento ou daquela calçada. Esse processo tira a opinião
subjetiva do fiscal, não é o fiscal que dá o veredicto da calçada. É um
aprimoramento para a nossa cidade, mas eu não vejo os fiscais se utilizando
dessa tecnologia.
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Transformação: Uma Cidade para Todos
Com a Secretaria Municipal da Pessoa com Deficiência em São Paulo, com
todas essas tecnologias e a legislação, temos as ferramentas para transformar
todas as calçadas e edificações da cidade de São Paulo. Precisamos usá-las,
instrumentalizar todas essas dimensões. Por mais que a Secretaria faça cursos
para engenheiros, arquitetos da rede e outros, precisamos realmente de ações
afirmativas para conseguir a transformação, porque as ferramentas já existem.
Agora, precisamos de eventos como este, de extrema importância, pelo qual
a Dra. Linamara e o senhor Torquato merecem congratulações.
A vereadora comenta o equipamento desenvolvido para sua votação na
Câmara Municipal, composto de um monitor instalado à sua frente e
um sistema de reconhecimento de íris que identifica a vereadora. O mouse
pode ser conduzido com os olhos e, com um piscar dos olhos, ocorre a
votação. Relata que a tecnologia a equipara aos outros vereadores, pois
não precisa pedir que alguém vote por ela.
Portanto, é claro que há barreiras sistêmicas na cidade, que precisam ser
quebradas e enfrentadas. Um exemplo é o tempo dos semáforos da cidade,
que não foram programados para cadeirantes, para idosos ou para um
carrinho de bebê. Foram programados para atletas. É preciso ir mudando
aos poucos, convencendo a CET (Companhia de Engenharia de Tráfego) da
importância dos semáforos sonoros e outras tecnologias que realmente vão
democratizar mais a nossa cidade.
Osvaldo Franceschi Jr.: Neste ano, foi criada na cidade de Jaú a Secretaria
Municipal dos Direitos das Pessoas com Deficiências e Idosos, um grande
desafio para o novo milênio. As políticas públicas para a pessoa com
deficiência necessariamente envolvem projetos de acessibilidade e cidadania,
uma quebra de paradigmas que encontramos na nossa vida.
A primeira medida que a nova Secretaria tomou foi fazer um censo, para
verificar realmente qual é o número de deficientes que temos na nossa cidade,
quantos são os deficientes visuais, auditivos, e assim por diante. Será a
primeira base de informações para a elaboração e o cumprimento de leis
voltadas para as pessoas com deficiência.
O censo está sendo conduzido em conjunto com a Saemja, a autarquia de
águas da cidade. Em cada conta de água haverá um formulário, que servirá
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Transformação: Uma Cidade para Todos
de base para um levantamento das pessoas com deficiência e também dos
idosos a partir de 60 anos. Os formulários estão sendo elaborados em coautoria com a Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência e
deverão depois ser aplicados a todo o Estado.
A compilação dos dados está a cargo da FATEC (Faculdade de Tecnologia).
Na cidade de Jaú, há sete cursos regulares dessa instituição e um deles fará o
tratamento estatístico dos dados compilados.
Já existe um trabalho de inclusão dos deficientes auditivos, com mais de 800
adolescentes de 14 a 17 anos. Nas secretarias municipais, trabalham
atualmente nove deles, como a Jéssica, a Amanda e a Camila. Em algumas
empresas da cidade também trabalham deficientes auditivos.
Uma das primeiras medidas adotadas refere-se à mobilidade. O terminal
rodoviário de Jaú, construído em 1970, centraliza o tráfego de ônibus
intermunicipais e inter-regionais e não tinha nenhum dispositivo de
acessibilidade. Estão sendo instalados pontos de acessibilidade, com avisos
sonoros para as linhas do município, para deficientes, idosos e analfabetos.
Além disso, em parceria com a legião mirim da cidade, em cada turno de
quatro horas, haverá três mirins para auxiliar na acessibilidade das pessoas
que chegam à rodoviária.
A cidade de Jaú está no centro do Estado de São Paulo e tem quase 150 mil
habitantes. Os serviços de saúde da cidade estão bem estruturados. Há um
hospital especializado em oncologia que já realizou mais de mil transplantes
de medula óssea. A cidade também foi agraciada recentemente com uma
unidade Lucy Montoro. Há um projeto para que a região central da cidade
seja um modelo de acessibilidade. Com recursos próprios da prefeitura, serão
instalados pisos antiderrapantes, rampas de acesso, modificações no asfalto,
semáforos sonoros, avisos sonoros nos ônibus, para os deficientes visuais, e
piso tátil. Haverá também “fiscais de acessibilidade”, para que os
estabelecimentos comerciais, hotéis, mercados, etc. tenham condições de
receber os dispositivos de acessibilidade.
A cidade possui ainda o segundo curso de órteses e próteses do país, para o
desenvolvimento de tecnologia voltada ao deficiente. Na ETEC (Escola
Técnica Estadual), a partir do próximo ano, deverá ocorrer o primeiro curso
do interior do Estado de tecnologia voltada para órteses e próteses.
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Transformação: Uma Cidade para Todos
Foram feitas adaptações na grade curricular para permitir o acesso dos
deficientes auditivos e dos deficientes visuais à educação. Há também oficinas
culturais voltadas para os deficientes, em trabalhos conjuntos das Secretarias
de Cultura e de Educação. Em cada escola, há uma professora de LIBRAS
para os deficientes auditivos, ampliando a acessibilidade e estendendo a
própria cidadania a todos.
Na época do Natal, há uma árvore de Natal instalada na cidade com o tema
da acessibilidade, na qual são colocadas algumas cadeiras de rodas. Na
internet, há um recurso de acessibilidade em tecnologia da informação.
Para finalizar, transcrevemos a tradução livre de um poema de Harold
Cherney, que se tornou poeta graças aos recursos do software inclusivo:
E minhas rodas
E minhas rodas continuam girando por aí
Na minha cabeça e no solo
Elas me deixam imaginando por que aguento
Quando a dor, às vezes, parece muito forte
Mas, então, eu me lembro que sou como as outras almas
E o que meu corpo é, é outra coisa
Eu não posso me importar, minha alma quer cantar
Minha alma quer cantar
Ailton Brasiliense: Como a nossa sociedade trata das pessoas, tenham elas
alguma deficiência ou não? Tomemos, por exemplo, a Rua Inglesa, onde
fica a estação de metrô Parada Inglesa, com uma declividade de 8%, o que
não é tão pouco. O loteamento dessa rua foi feito de tal forma que, a cada
cinco metros, há um pequeno sobrado. As calçadas têm cerca de cinquenta
centímetros de cada lado da rua. A rua permite o estacionamento dos dois
lados da rua, para garantir o conforto das pessoas que utilizam o automóvel.
As mulheres que passam pela rua levam uma sacolinha na mão. Costumam
andar bem vestidas e, quando chegam à estação do metrô, tiram um sapato
de salto alto de dentro da sacolinha e ali guardam o tênis. Ao longo do trajeto
pela rua, as pessoas andam inclinadas, pois todos os moradores fizeram a
acomodação para que o automóvel entre na sua residência de maneira
confortável, o que obriga todos os pedestres a andarem inclinados. Além
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Transformação: Uma Cidade para Todos
disso, a cada cinco metros, os pedestres descem um degrau de
aproximadamente 40 centímetros. Ainda não é tudo, pois a cada vinte metros
há um poste, diante do qual as pessoas têm duas alternativas: ou descem
para a rua ou abraçam o poste e fazem o seu contorno.
Dos prefeitos e vereadores, exigimos que pavimentem as ruas. É a maior
exigência de qualquer cidade. Já a calçada, como não é nem um pouco
importante, fica a cargo do morador, que, evidentemente, não tem nenhuma
preocupação com quem passa na sua porta.
Imaginemos o traçado de uma pessoa que vá sair normalmente de casa e
chegar a outro local, seja para trabalho, saúde ou lazer. Em primeiro lugar,
ela vai encarar uma calçada, se é que ela existe. Muitas vezes, elas não são
construídas, não são mantidas e servem para depósito de areia, material de
construção e outras coisas. Esse cidadão chega a uma esquina, na qual
evidentemente a faixa de pedestres não faz parte da previsão de ninguém.
Se a rua tiver muito movimento e ele precisar atravessá-la, precisará ser um
atleta, porque os nossos motoristas, na nossa cultura, entendem que o
pedestre é um cidadão que atrapalha a circulação dos automóveis, portanto
não reduz velocidade e muito raramente para o veículo e permite que o
pedestre passe.
A relação entre o pedestre e o condutor é tão desvirtuada que, embora o
pedestre tenha prioridade de cruzamento, quando o condutor permite que
o pedestre atravesse, este agradece, pedindo desculpas pelo incômodo.
Se o nosso cidadão conseguir chegar próximo a um pedaço de pau espetado
na calçada, que nós chamamos de ponto de ônibus, basta ficar ali e deduzir
que o ônibus vai passar, a que horas vai passar, faça chuva ou sol.
Evidentemente, ele saiu de casa de forma adequada para não sofrer nem
com o tempo de espera, nem com o sol ou a chuva. Não há nenhuma
informação, inclusive quais os ônibus que passam por ali e, muito menos, de
quanto tempo será a espera.
Tenha ou não alguma deficiência, esse é o tratamento que qualquer pessoa
recebe normalmente. Depois que o cidadão conseguir subir em algum ônibus,
se ele conseguir perguntar para alguém e obtiver uma resposta correta, vai
ficar sabendo se chegará ao seu destino ou precisa fazer algum transbordo,
se há uma integração com uma linha de ônibus, metrô ou trem da CPTM
(Companhia Paulista de Trens Metropolitanos).
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Transformação: Uma Cidade para Todos
Portanto, tratar pessoas aparentemente normais da pior forma possível tem
sido o normal na nossa cultura. As pessoas com deficiência existem na
humanidade desde o primeiro casal. Porém, parece até que elas surgiram
muito recentemente. Onde é que estava a nossa consciência até então? Ainda
que tardiamente, começamos a rever os nossos conceitos sobre o respeito ao
próximo.
Às vezes, ficamos satisfeitos com alguma publicação, com a ação de um
político, algum evento. Rezamos para eleger um vereador, um deputado
estadual ou federal, um senador, um governador ou um presidente da
República que atente para prioridades milenares. Parece que nos
conformamos em esperar que fulano vá resolver os nossos problemas.
Rezamos para que apareça um “salvador da pátria”.
E parece que os salvadores da pátria estão em falta, não só aqui, como no
mundo todo. Consideremos os exemplos expostos aqui, de Jaú, São José dos
Campos ou outros lugares, para lembrar que devemos abandonar os
salvadores da pátria, aqueles que dizem que sabem o que o povo quer. Não
precisamos desse tipo de político, precisamos de uma sociedade que saiba o
que quer, invertendo a situação: que ele ouça o que nós queremos.
O que realmente a sociedade brasileira quer com respeito às pessoas com
deficiência ou não? Qual é o nosso projeto de sociedade? Podemos continuar
elegendo políticos e “jogando na loteria”. Quem sabe fulano venha a ser um
grande executivo? Normalmente, temos dado aos nossos políticos uma carta
em branco, para que eles façam o que bem entenderem. Às vezes, até fazem
algumas das coisas que gostaríamos, mas nem sempre.
Minha sugestão é que a sociedade civil e ONGs como a Associação Nacional
dos Transportes Públicos, mas também muitas outras, com interesses em
habitação, saneamento, instituições de engenharia, advogados, arquitetos,
etc., venhamos dizer aos candidatos políticos o que realmente a sociedade
brasileira quer. Caso contrário, as “Ruas Inglesas” continuarão sendo
construídas, os proprietários continuarão fazendo as calçadas como hoje, os
cruzamentos não terão faixas de pedestre ou semáforos, sonoros ou não, os
pontos de ônibus continuarão sendo como são e as pessoas continuarão sendo
tratadas como números, e não como pessoas.
65
Habitação de Interesse Social nos Municípios
É consenso que a construção de casas populares, de responsabilidade dos municípios,
deve obedecer a critérios de acessibilidade e conceitos do Desenho Universal. Sua
adoção é fundamental para proporcionar qualidade de vida para pessoas idosas, com
mobilidade reduzida ou com deficiência. Trata-se da possibilidade de acessar e usar,
com autonomia e independência, ambientes, produtos, serviços e informações
presentes na sociedade, a começar pelo próprio lar. Uma residência ideal é aquela que
respeita as diferentes fases da vida dos seus moradores, que deve ser garantida por
meio de legislação e de políticas públicas específicas.
Luiz Baggio Neto (moderador) – Assessor da Secretaria de Estado dos
Direitos da Pessoa com Deficiência - São Paulo, SP
Fernando Lhata – Superintendente de Projetos da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo - São Paulo, SP
Izabel Cristina Campanari Lorenzetti – Prefeita Municipal de Lençóis
Paulista, SP
Sebastião Misiara – Presidente da União dos Vereadores do Estado de São
Paulo - São Paulo, SP
Fernando Lhata: Descreveremos aqui o que a Companhia de
Desenvolvimento Habitacional e Urbano de São Paulo está fazendo com
relação à implantação, nos seus empreendimentos, do conceito do desenho
universal.
O conceito de desenho universal vem desde os anos 1960, nos Estados Unidos,
tomou um vulto muito forte e chegou ao Brasil. As incorporações e toda a
opinião pública está dando muita importância à acessibilidade. O Governo
do Estado de São Paulo, por um decreto estadual de setembro de 2008, criou
um grupo de trabalho; uma parceria entre a Secretaria da Habitação e a
Habitação de Interesse Social nos Municípios
Secretaria dos Direitos da Pessoa com Deficiência. O desafio desse grupo
era, até o final de 2008, desenvolver as diretrizes para implantação do desenho
universal na habitação de interesse social. Foram feitos vários estudos e, no
final de 2008, as diretrizes estavam definidas. O conceito de desenho universal
refere-se à necessidade de se criar espaços e ambientes para todas as pessoas.
Estão incluídas as pessoas que têm dificuldades de locomoção, como idosos,
gestantes, crianças e pessoas que tenham algum tipo de deficiência,
temporária ou permanente. Em resumo, todas as pessoas,
independentemente da situação em que estejam, têm que ter condições de
total acesso à sua unidade habitacional.
O público-alvo são as pessoas com mobilidade reduzida ou deficiência,
usuários de cadeiras de rodas, pessoas com problemas sensoriais e pessoas
com problemas cognitivos. Esse foi o enfoque do grupo de trabalho, para
chegar a um projeto de unidade habitacional com o conceito do desenho
universal, que pudesse cobrir todo esse rol de pessoas que utilizariam as
unidades.
O desenho universal, desde a década de 1990, baseia-se em sete princípios.
O primeiro é o tamanho do espaço para aproximação e uso. A pessoa que dependa
de uma cadeira de rodas deve ter condições de transitar, seja para chegar à
sua unidade habitacional, seja para chegar a equipamentos públicos que
fazem parte da cidade. As pessoas têm que ter total mobilidade e condições
de ocupar esses espaços.
O segundo princípio é o uso equiparável, que são produtos que possam ser
utilizados por pessoas de diferentes capacidades. As rampas, elevadores,
peças sanitárias, lavabos, bacias sanitárias, têm que estar compostos de tal
forma que qualquer pessoa, independentemente da sua situação, possa
utilizá-los dentro do contexto do empreendimento habitacional.
O terceiro é o uso flexível. Se uma pessoa hoje não tem nenhuma deficiência e
vier a ter, deve poder usar a unidade habitacional. A flexibilidade está em
paredes que podem ser deslocadas, por exemplo, de acordo com as condições
do usuário. As paredes se deslocam, podem ser removidas, não são paredes
estruturais, podem ser moldadas à necessidade de quem está utilizando a
unidade.
O uso simples e intuitivo refere-se aos aparelhos fáceis de identificar, que
qualquer pessoa pode utilizar e manusear sem dificuldade nenhuma. As
68
Habitação de Interesse Social nos Municípios
informações de fácil percepção, por estímulos táteis, visuais ou sonoros, por
exemplo, estão em alguns indicadores para pessoas com problemas visuais:
na base de uma escada, na numeração das portas dos apartamentos em alto
relevo, etc.
O princípio da tolerância ao erro procura minimizar ao máximo o risco de
acidentes dentro uma unidade habitacional, com elementos de segurança
como barras de proteção nos banheiros, corrimão, rampas, etc. O baixo esforço
vai desde uma maçaneta de porta que pode ser aberta e fechada com
facilidade a evitar degraus para entrar numa unidade, substituindo-os por
rampas.
A ideia do desenho universal é um espaço para todos e por toda a vida.
Atualmente, as famílias dificilmente adquirem uma unidade e ficam nela ao
longo de toda a sua vida. Por diversas necessidades, mudam-se e deixam de
ocupar a unidade, porque a unidade não atende mais à sua necessidade.
Com o desenho universal, procura-se dotar a unidade de uma condição tal
que as pessoas possam usá-la a vida inteira, independentemente da situação.
O espaço privativo, o espaço condominial e o espaço público devem ter
condições de ser utilizados por todas as pessoas.
O ser humano apresenta uma enorme variedade de tipos e características,
com diversos tipos de deficiências e dificuldades de locomoção. Ao longo do
tempo, essas condições também vão mudando. Como um cadeirante ocupa
uma área maior que as outras pessoas com alguma deficiência, adotaram-se
como módulo de referência, para o dimensionamento dos ambientes, as medidas
da projeção de uma cadeira de rodas padrão com seu usuário.
Nas unidades que estão sendo desenvolvidas pela CDHU, os vãos internos
dos corredores têm no mínimo 90 cm de largura e os vãos de portas, 80 cm,
para que uma cadeira de rodas possa transitar entre os ambientes das
unidades e não fiquem restritas a um determinado ambiente. Há áreas de
aproximação para cadeirantes, que podem entrar na unidade ou aproximarse de uma pia sem dificuldades. Dentro das unidades, há áreas de manobra
e espaços de circulação com no mínimo 80 cm, de acordo com o módulo de
referência, o que atende a todas as pessoas, em qualquer situação física.
Há um espaço de aproximação lateral para o fogão e a geladeira e frontal
para os armários de parede e seus utensílios. O mesmo vale para o tanque e
a aproximação lateral até a máquina de lavar. O dormitório também conta
69
Habitação de Interesse Social nos Municípios
com esse espaço para aproximação. O cadeirante muitas vezes tem
dificuldade de locomoção nos dormitórios, não consegue chegar até a janela.
No projeto, utilizam-se dimensões mínimas, de 80 centímetros, para que
qualquer pessoa possa acessar a janela. A altura da janela está sendo rebaixada
para que o cadeirante possa visualizar a parte externa através da janela. Nas
unidades horizontais, essas medidas já estão sendo adotadas. Nos prédios,
existe uma restrição do Corpo de Bombeiros e ainda se estuda quais poderiam
ser as soluções ou alternativas. Trabalha-se com uma área de manobra de
180 graus, para permitir as transposições dos ambientes. A circulação interna,
entre os móveis etc., deve ter no mínimo 80 centímetros, sendo no mínimo
90 centímetros nos corredores.
Um ponto crucial é o banheiro. O cadeirante deve poder acessar a bacia
sanitária e o chuveiro dentro do box. O projeto prevê uma forma de manobra
em que ele possa fazer todas esse aproximações, não só para o lavatório,
frontalmente, como até o chuveiro e até o vaso sanitário.
Outro ponto considerado é o das instalações elétricas. Hoje, todos os
empreendimentos da companhia já obedecem à altura de 90 centímetros a 1
metro para os pontos de comandos, de forma que a pessoa na cadeira de
rodas, que fica mais baixa, pode acessá-los com conforto e segurança. Isso
vale para os quadros de comando de luz, interfones e qualquer tipo de
comando que exista dentro das unidades.
Em relação às instalações hidráulicas, estuda-se junto ao mercado quais
seriam as opções de registros, torneiras e volantes de torneiras, que qualquer
pessoa com algum tipo de dificuldade tenha condições de manusear sem
dificuldade.
Os comandos das janelas também são levados em conta. Além de chegar até
a janela, a pessoa precisa ter condições de abri-la. É um ponto importante
para a pessoa com deficiência, até por questão de segurança.
Os passeios públicos e as áreas comuns estão sendo desenvolvidos com todas
as alternativas de acessibilidade. São rampas de acesso, sinalizações, etc.
Dentro do projeto, qualquer tipo de pessoa desloca-se do estacionamento
até a unidade ou um equipamento público que esteja no empreendimento,
sem dificuldade nenhuma. Os projetos elaborados dentro desse conceito
devem começar a ser implementados a partir do ano que vem. O trabalho
está muito avançado, dentro do conceito que o grupo definiu nas diretrizes.
70
Habitação de Interesse Social nos Municípios
Todos esses estudos foram baseados na norma da NBR 9050, que determina
especificações para projetos condominiais e públicos.
As vertentes conceituais que devem ser consideradas na elaboração dos
projetos são a distribuição e a inter-relação dos usos (poder utilizar todos os
ambientes dentro do empreendimento), as condições de acessibilidade e os
recursos sustentáveis.
Em relação aos passeios públicos, estuda-se a possibilidade de colocação de
faixas livres para cadeirantes de um lado da calçada, separadas de objetos
fixos, como árvores e postes, e de objetos móveis, como bancos, lixeiras, coisas
que eventualmente podem ser deslocadas. Inclusive, verifica-se junto às
concessionárias a possibilidade de incorporar valas técnicas, onde não há
posteamento na calçada, pois toda a fiação e tubulação passa por dentro da
chamada vala técnica. Nessas valas técnicas, passaria toda a parte da fiação
telefônica e elétrica das concessionárias, a rede de água e esgoto. A iniciativa
está no começo, pois envolve as concessionárias, dependendo do município
a concessionária tem suas legislações específicas, que estão sendo avaliadas.
O rebaixamento das guias é previsto em todos os empreendimentos da
companhia.
O Estado está implantando recursos sustentáveis e melhorias na qualidade
das unidades habitacionais, está desenvolvendo os projetos dentro do
conceito de desenho universal e o programa Vila Dignidade, que atende o
idoso.
Com relação aos recursos sustentáveis, todos os empreendimentos da
companhia hoje estão sendo entregues com aquecimento solar, seja a unidade
horizontal ou vertical. Produziu-se um protótipo dois anos atrás e, segundo
estudo do IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas), esse recurso representa
uma redução de 30% na conta de energia elétrica do mutuário, uma economia
bastante significativa. Portanto, todos os empreendimentos da companhia
atualmente têm aquecimento solar.
Há projetos pré-fabricados modulares, em estruturas metálicas (evitando-se
o uso da madeira, dada a sua escassez), medição individual de água e de
gás, bacias sanitárias acopladas, iluminação na parte condominial equipada
com sensores, caixilhos de alumínio ou aço galvanizado com pintura
eletrostática, o que representou um avanço muito grande na qualidade das
71
Habitação de Interesse Social nos Municípios
esquadrias (janelas e portas) dentro da unidade de interesse social da
Companhia da Habitação.
Dentro do espaço da unidade, há vários tipos de topologia, com dois ou três
dormitórios, e aumento da área útil. Com a adoção do desenho universal, a
área útil da unidade aumentou e o conforto interno é bem maior. Nem todas
as casas tinham laje de forro, e atualmente todas têm laje de forro, o que
confere um conforto térmico muito melhor, e o revestimento cerâmico.
Em toda a unidade, seja na sala, cozinha, dormitório ou banheiro, o cadeirante
(a pior situação possível, em termos de espaço e dificuldade de acesso)
consegue se deslocar por todo o ambiente, ter acesso à janela e aos comandos
todos. Esses projetos já estão em fase final de elaboração e vão entrar em
licitação. A expectativa é que, a partir do próximo ano, os empreendimentos
já comecem a ser construídos.
Por fim, o programa Vila Dignidade, que atende especificamente o idoso.
São projetos para idosos sós, que não têm vínculo familiar, estão
abandonados, e são autônomos, autossuficientes, não dependem de ninguém
e estão nas ruas, em hospitais, etc. Essas vilas foram desenvolvidas em
parceria com os municípios, por meio de um convênio no qual a companhia
constrói a vila e o município, juntamente com o SEADE (Fundação Sistema
Estadual de Análise de Dados), faz a gestão do idoso dentro da unidade. Um
desses empreendimentos será entregue em dezembro de 2009, já é uma
realidade, todas as unidades estão dentro do conceito de desenho universal.
Já foram firmados convênios com dez municípios; o primeiro deles é em
Avaré. São vilas totalmente muradas, nesse caso são 22 casas, com um
equipamento comunitário, onde os usuários podem fazer seus eventos, até
uma festa, é um equipamento de apoio para a vila do idoso. Há também
uma sala de atendimento. A prefeitura, que faz a gestão, se precisar fazer um
atendimento de rotina dos idosos, conta com um local dentro do
equipamento. As unidades são todas com aquecimento solar, com rampas
de acesso na parte condominial para qualquer pessoa circular pela vila toda
sem dificuldade nenhuma.
No equipamento, que está sendo chamado de salão de convivência, há uma
área para atividades, como um ateliê de costura ou outra atividade qualquer,
e as unidades são geminadas duas a duas. Há escadas, pois existem idosos
72
Habitação de Interesse Social nos Municípios
que não dependem só de rampas, mas há sempre uma rampa que permite o
acesso às praças da vila e a todos os ambientes.
O aquecimento solar tem sinalização de luminosidade. Como os idosos são
sós, se algum idoso vier a cair na unidade, há determinados pontos com um
botão para acionamento de uma luz de alarme. Todos os idosos são orientados
nesse sentido. Se a luz estiver acesa, algum problema aconteceu com o aquele
idoso, pode-se chamar a assistência ou mesmo outro idoso pode ajudá-lo.
Todas as torneiras têm água quente. Há uma porta balcão que dá acesso
para um jardim interno, com um tipo de horta, na qual o idoso pode trabalhar
- no interior, principalmente, muitos gostam dessa atividade. Os banheiros
são todos com barra de proteção e todo o sistema de segurança.
Para a implementação do desenho universal, é necessário aumentar a área
da unidade. Em alguns municípios, a legislação restringe a área máxima para
enquadramento de uma unidade como habitação de interesse social (HIS).
Em São Paulo, esse limite é de 50 metros quadrados. Para a unidade de três
dormitórios, o projeto chega a 67 metros quadrados. É um grande desafio
modificar essa legislação, de forma a não vincular o enquadramento de uma
obra como unidade de interesse social à área construída. Outras regras
poderiam ser consideradas. Caso contrário, quando as obras entrarem em
processo de licitação, haverá dificuldades na aprovação dos projetos. Um
exemplo é o empreendimento do município de Fernandópolis. A legislação
municipal desse município não vincula o enquadramento de HIS à área
construída, o que está facilitando a implementação do desenho universal no
projeto.
Izabel Cristina Campanari Lorenzetti: Lençóis Paulista é uma cidade
acolhedora, muito boa de se viver, que fica no centro-oeste do Estado de São
Paulo. É uma cidade de porte médio, com 62.270 habitantes, 23.036
residências, 808 Km2 de área territorial, a 565 metros de altitude.
As iniciativas de acessibilidade e inclusão em Lençóis Paulista começaram
mesmo em 2004, com a inclusão na educação. Buscou-se apoio na
Universidade e a educação inclusiva foi eleita no ano de 2005 como prioridade
máxima da administração municipal. Por conta disso, modificou-se a
legislação, os esforços foram voltados para a acessibilidade nas escolas, em
73
Habitação de Interesse Social nos Municípios
termos de prédios, mas também pedagógicos, de formação dos professores,
organização da escola para receber todas as crianças e jovens. Em Lençóis,
todo o ensino infantil é municipalizado e o ensino fundamental é quase que
totalmente, mas há ainda algumas escolas estaduais, da quinta à oitava série.
Esse movimento foi muito importante, foi desafiador. Muitas vezes diziam
que não daria certo, que o lugar daqueles alunos era na instituição. Passados
cinco anos, veem-se os frutos de um trabalho que nunca estará pronto, mas
que dá muita satisfação e corresponde às expectativas dos alunos e das suas
famílias.
O trabalho conta hoje com laboratórios de informática em todas as escolas,
salas de atendimento pedagógico especializado e professores especializados
em educação especial, atendendo em todas as escolas. As escolas muito
pequenas, as escolas infantis que não têm a sala fixa, são atendidas por um
serviço itinerante de apoio. Os professores recebem formação continuada
junto às universidades. Isso tudo não poderia ficar contido dentro dos muros
das escolas de Lençóis. O movimento foi muito grande e a acessibilidade
passou a ser uma questão de atenção, estudo e trabalho para todos os
lençoienses. As calçadas foram modificadas, passou-se a cuidar mais dos
projetos e criou-se a legislação que vai exigir que os novos prédios comerciais
sejam construídos dentro das normas, com acessibilidade. Os prédios públicos
terão que ser reformados e adaptados. Além disso, todos os projetos
residenciais passam também pela fiscalização e têm que ser aprovados, dentro
de normas que incluem especificações para as calçadas das casas particulares,
dos novos projetos residenciais.
Há dois meses, foi feita a licitação do transporte coletivo urbano. A empresa
vencedora da licitação começa a operar em março e uma das exigências é
que todos os veículos sejam acessíveis, com plataformas. É outro passo
importante, que a cidade não tinha até o ano passado. Além disso, está sendo
elaborado o Plano Municipal de Acessibilidade, com o apoio da Secretaria
dos Direitos da Pessoa com Deficiência.
A cidade recebeu a visita de Marcos Pellegrini e Carlos Cruz, numa reunião
à qual compareceram entidades representantes da população, engenheiros
civis e arquitetos da cidade, para que fossem sensibilizados e tomassem
consciência do trabalho sério que há pela frente, se o objetivo é que se tenha
uma cidade para todos, que a cidade seja acessível.
74
Habitação de Interesse Social nos Municípios
Quanto à construção de casas populares obedecendo a critérios de
acessibilidade, a realidade de Lençóis é a seguinte: são 1.786 famílias
cadastradas, das quais 71 tem idosos e 145 famílias têm pessoas com algum
tipo com deficiência.
Estava em construção um conjunto habitacional da CDHU, de 225 casas,
sendo 221 na cidade e 24 no distrito de Alfredo Guedes. Entre as 225 famílias
que já tinham sido contempladas com as casas, seis famílias tinham
deficientes. A prefeitura tomou então a decisão de atender a essas pessoas.
Não é o ideal, considerando-se o desenho universal descrito pelo Dr.
Fernando, mas era preciso encontrar uma saída dentro da realidade da cidade.
Para essas casas, foram escolhidos terrenos de esquina, maiores, com duas
frentes e uma topografia adequada. Foi feito o projeto dessas seis casas
acessíveis, que não têm o mesmo tamanho das outras casas-padrão, são
maiores, por conta da acessibilidade. O projeto foi desenvolvido pela Diretoria
de Obras da Prefeitura Municipal e foi aprovado pelo CDHU, para ser
colocado em prática.
Houve um acréscimo de 6% na área construída total. Houve um aumento de
56% na área útil do banheiro e de 88% na área útil do hall de circulação, com
aumento de 13% na largura das portas. Essas modificações resultaram num
aumento de 14% no custo da obra. A casa-padrão do CDHU, de 53 metros
quadrados, para ser acessível passou a ter 56 metros quadrados. O projeto
foi assumido pela Prefeitura, que colocou a sua equipe para trabalhar.
As casas têm barras de transferência para banho, vaso sanitário e lavatório,
banco para banho, abertura do chuveiro com monocomando, registros e
misturadores de alavanca. Os espelhos, tomadas, interruptores, registros,
quadro de luz, comandos e maçanetas têm altura e especificação de acordo
com a NBR 9050. As casas ficaram mais caras e o CDHU repassaria à Prefeitura
um valor fechado, referente à casa-padrão. A diferença dos custos da
construção dessas casas acessíveis ficou por conta da administração
municipal: uma casa normal custa R$ 39.402,37 e a casa acessível custou R$
45.000,00, com uma diferença de R$ 5.600,00. Como foram seis casas, a
diferença total ficou em R$ 33.600,00.
Para fazer isso, em primeiro lugar precisamos de vontade política. Foi preciso
também contar com uma equipe comprometida com essa causa. Se o gestor
municipal não acredita, não deseja, não passa à sua equipe essa paixão por
75
Habitação de Interesse Social nos Municípios
aquilo que faz e acredita, as coisas vão morrendo no meio do caminho. Assim,
a equipe comprometida também é responsável por esse sucesso. Foi
necessário também um investimento por parte da Prefeitura. Pode parecer
pouco um valor de R$ 5.600,00, mas, com tudo o que vivemos na área
econômica, foi uma decisão muito séria a ser tomada. A casa pronta é uma
unidade aparentemente simples, mas é um orgulho para todos os lençoienses.
Em poucas palavras, essa é a experiência de Lençóis Paulista na área de
habitação.
É comum que prefeitos, governadores, talvez mesmo o presidente sejam
procurados para “dar um jeitinho nas coisas”. Um empresário muito forte,
ampliando seu negócio no ramo do comércio, teve aprovado um projeto
maravilhoso, feito por arquitetos da capital, mas havia um problema. Ele
estava usando uma porcentagem do terreno maior do que a permitida, por
questão da permeabilidade do solo. O projeto previa 80% e naquela região
da cidade seria obrigatório deixar um espaço maior com solo permeável.
Depois de muito conversar, encontrou-se uma saída: o piso do estacionamento
foi feito com aquelas lajotas que permitem plantar grama dentro.
O fiscal da prefeitura percebeu também que, na planta original, havia um
banheiro para deficientes, mas na construção não havia e a obra foi
embargada, gerando muitos problemas, muitas visitas ao gabinete da prefeita,
acompanhadas de vereadores e outras pessoas influentes, e a posição da
administração municipal sempre foi muito firme. Numa das conversas, o
empresário disse que não tinha clientes deficientes. A resposta foi que,
obviamente não poderia ter clientes deficientes, pois a loja não era acessível.
Além do mais, os clientes de hoje poderiam vir a ter algum tipo de deficiência
amanhã, os clientes vão envelhecer e a loja tem que ser acessível,
independentemente de ter ou não ter no momento clientes com deficiência.
A legislação exige isso.
Essa loja foi inaugurada em Lençóis com muita pompa, desfile, foi
maravilhoso, é uma loja muito fina, talvez a melhor da cidade. Às vésperas
da inauguração, o empresário insistiu muito numa visita da administração
municipal, que foi feita. Ao apresentar o novo banheiro, muito caprichado,
no andar térreo, o empresário disse que havia sido convencido pelos
argumentos. Foi parabenizado mais uma vez.
A cidade é que tem que ser educadora. É possível uma cidade inclusiva?
Certamente, mas para que esse objetivo se realize, é preciso haver uma
76
Habitação de Interesse Social nos Municípios
mudança em todos, nos comerciantes, nos funcionários da prefeitura, na mãe,
que necessita de apoio na escola para educar o seu filho como cidadão, cheio
de autoconfiança. Essa mudança é uma mudança educadora. A cidade tem
que educar seus habitantes e, à medida que nos educamos e educamos nossos
cidadãos, a cidade vai ficando totalmente inclusiva. Provavelmente, este é o
único caminho.
Sebastião Misiara: A prefeita Izabel trouxe um exemplo maravilhoso. A sua
administração em Lençóis Paulista, nestes meses iniciais, demonstra que lá
está no rumo certo. O pensador espanhol Ledo Ivo dizia o seguinte: “A cidade
precisa ter o tamanho do homem.” O urbanista e ex-prefeito de Curitiba
Jaime Lerner diz que, para mudar a cidade, é preciso mudar a cabeça das
pessoas. A nossa proposta é dirigir uma ação aos vereadores do Estado de
São Paulo, para recomendar o olhar crítico a essa situação que hoje já se
apresenta como absolutamente reversível: tornar cada município desse Estado
um município inclusivo.
O Dr. Fernando lançou aqui uma dúvida e um desafio, um caminho tortuoso
que nós pretendemos que se abra de uma forma mais clara, de mudar a
legislação nos municípios. A legislação municipal dificulta a ação de trazer o
desenho universal para dentro do conceito de habitação de interesse social,
exatamente porque estabelece uma metragem máxima, como no exemplo
citado aqui no Estado de São Paulo.
Para a CDHU, que pretende iniciar no ano que vem as construções de interesse
social com desenho universal, o tempo realmente está dentro do limite do
otimismo, porque é preciso comunicar a todas as Câmaras Municipais que a
legislação tem que ser modificada, com a eliminação apenas de duas palavras:
metragem máxima.
Esta é a missão para a qual a União dos Vereadores foi convocada pela equipe
da Dra. Linamara, no trabalho de aproximar o agente público dessa
importante missão, que Jaime Lerner já antecipava: precisamos mudar a
cabeça das pessoas e, em seguida, mudaremos a cidade. A proposta é mudar,
por intermédio do vereador, que é o agente mais próximo do cidadão, a
cabeça das pessoas e passarmos a ter no Brasil um olhar crítico, um olhar
realmente positivo para as pessoas portadoras de deficiência.
77
Habitação de Interesse Social nos Municípios
Um dado indicava que 8% da população brasileira é portadora de deficiência.
Se juntarmos a estes 8% os portadores de deficiência transitória ou de sequelas
deixadas por problemas cardiovasculares ou vasculares cerebrais, a
proporção atinge 35% ou 36% da população brasileira com deficiência, seja
temporária ou permanente. É uma população enorme, que precisa de uma
resposta imediata.
Para fazer justiça, lembremos que a Dra. Ika Fleury, quando presidiu o Fundo
Social de Solidariedade, em 1990, iniciou um trabalho para eliminar as
barreiras arquitetônicas. A partir de 1992 com a determinação da ONU de se
criar o Dia Internacional da Pessoa Portadora de Deficiência, houve uma
capilaridade mais acentuada para discutir o problema, analisá-lo em nível
global pensar nesse problema com mais seriedade. Alguém começou esse
trabalho eliminando as barreiras arquitetônicas. Hoje, fala-se em município
inclusivo. Assim, asseguramos que a CDHU pode tocar normalmente seus
projetos.
Está sendo discutido um projeto para a realização de seminários nas regiões
administrativas do Estado de São Paulo, como caminho mais rápido para
resolver as questões mais urgentes da administração pública brasileira.
Num evento em Marília, que contou com a presença da prefeita Izabel,
discutiu-se a importância do agente público municipal no combate à
depredação do meio ambiente. O resultado é tão significativo, em pouco
tempo, que São Paulo já se destaca entre os outros Estados como aquele que
vai dar o “pontapé inicial” para que o Brasil melhore sua posição no ranking
de cidades protetoras do meio ambiente, exatamente pela conscientização
do agente municipal. A prefeita Izabel oferece uma oportunidade única de
se fazer uma apologia do municipalismo, do fortalecimento do poder local
como ente federado mais importante deste país.
O cidadão que está lá na ponta, esperando uma solução de nossas mãos, dos
nossos projetos, do nosso trabalho, não quer saber se o dinheiro é estadual,
federal ou municipal; ele quer a solução do seu problema.
A exemplo do mosquito da dengue, não adianta discutir se a mordida é
federal ou estadual, porque o mosquito morde é no município, não vamos
discutir aqui se este trabalho é do município, do Estado ou da União: é um
trabalho que temos que fazer.
78
Habitação de Interesse Social nos Municípios
O municipalismo prega uma reforma tributária. A Prefeita Izabel pagou a
conta e é de praxe: todo mundo paga a conta no município, quando o dinheiro
da Federação ou do Estado não é suficiente, porque o cidadão vai bater na
porta do prefeito.
Para concluir, este trabalho precisa da participação dos municípios. É
importante que o agente público se sensibilize, que a população convoque
aqueles em quem votaram. A legislação tem que mudar para facilitar esta
caminhada, que a Dra. Linamara e toda sua equipe, em tão bom momento,
colocam à disposição desses 8% ou até 40% de portadores com deficiência.
79
Protocolo de Intenções para Criação
do Notebook da Reabilitação e do Notebook da Saúde
Assinatura do protocolo de intenções que entre si celebram o Estado de São Paulo,
por intermédio da Secretaria de Estado das Direitos da Pessoa com Deficiência, a
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, a Fundação Faculdade de
Medicina da Universidade de São Paulo e a Microsoft Ltda., tendo por objetivo a
implantação do Notebook da Reabilitação e do Notebook da Saúde.
São convidados ao palco a Sra. Linamara Rizzo Battistella, Secretária de Estado dos
Direitos da Pessoa com Deficiência, neste ato representando o Governador José Serra,
o Sr. Michel Jacques Levy, diretor-presidente da Microsoft Informática Ltda., o Sr.
Marco Antonio Pellegrini, Coordenador de Acessibilidade da Secretaria de Estado
dos Direitos da Pessoa com Deficiência, o Sr. Cid Torquato, Coordenador de
Articulação Institucional e Políticas Públicas da Secretaria de Estado dos Direitos
da Pessoa com Deficiência, e o Dr. Wu Tu Hsing, representado a Disciplina de
Telemedicina da Universidade de São Paulo.
A Dra. Linamara enfatiza o tema, emblemático na vida de todos hoje em dia, com
destaque para a pessoa com deficiência, da inclusão digital. Num passado muito
recente, as pessoas tinham que se movimentar em direção ao outro, na busca de uma
interação e na garantia da conquista de um espaço social e profissional. Hoje, a
interação se faz com muita eficiência a partir do meio digital. É uma interação com
qualidade, que nos permite reconhecer a importância do espaço e o valor cultural de
outro país, por exemplo, ter uma interlocução ampla sobre diversos assuntos, com
qualquer personagem, em qualquer parte do mundo.
O direito de ir e vir, que está consagrado na nossa Constituição e, antes disso, é o
caput da Carta Universal dos Direitos Humanos, certamente hoje tem outra leitura.
Esse direito passa necessariamente pela inclusão no mundo digital; as oportunidades
de interação se ampliam de maneira surpreendente quando temos acesso a esse
universo, transferido a partir de uma tela, que nos dá a oportunidade de conhecer a
potencialidade do outro, interagir com o outro, de maneira brilhante, porque ocorre
Protocolo de Intenções para Criação do Notebook da Reabilitação e do Notebook da Saúde
em igualdade de condições. O que o mundo digital traz hoje para todos, como lição de
vida, é a capacidade de nos igualar. Ficamos absolutamente iguais diante de uma
tela. O esforço de pensar é mais homogêneo, a produção é exatamente igual. A condição
de interação, de colocar a nossa funcionalidade a serviço da causa social, da produção
das riquezas do país, torna-se verdadeira.
Há um esforço notável, no mundo todo, em busca desse objetivo: incluir de forma
absoluta todos – crianças, adultos, idosos, jovens, adolescentes, homens e mulheres
de todas as raças e cores, para efetivamente estarem dentro deste planeta, numa
única civilização.
Esse esforço, agora, em São Paulo, fica mais concreto. A partir da parceria com a
Microsoft, que é apenas o início de uma rede de colaboradores, oferece-se a todos a
oportunidade de inclusão digital, de uma completa transformação. Para uma
oportunidade como esta, de transformação da sociedade, nada mais emblemático do
que assinar esse termo de cooperação e iniciar uma nova trajetória, deixando que a
inclusão digital alcance as pessoas com deficiência.
Não se trata mais de trazer a pessoa com deficiência para dentro de um sistema em
que ela precisa encontrar uma forma de utilizá-lo. Ao contrário, trabalha-se para
criar condições para que o mundo digital alcance as pessoas com deficiência,
produzindo-se um equipamento que efetive essa possibilidade de interação ampla,
plena, com qualidade, por meio do sistema digital, da web, essa mídia composta, essa
interface composta que é o mundo da web.
Nada pode ser mais explícito e mais significativo do que interação entre as pessoas.
A interação a partir do mundo digital certamente nos aproxima e nos permite exercer
com mais serenidade a nossa relação humana, a interação social. Assim, é um momento
de muita alegria, com o início de um processo. Um programa como esse não se conclui,
mas se atualiza e está sempre em busca de novas soluções, mas conclui-se uma etapa
oferecendo o notebook da reabilitação ou o notebook da saúde, com todas as
possibilidades de utilização, com a banda larga e os programas instalados, como uma
ajuda técnica para a comunicação.
É um momento histórico para a Secretaria, de associação com parceiros de qualidade,
que já têm uma tradição na história da inclusão digital e no Governo de São Paulo,
no governo brasileiro. Com a associação a este grupo de renomado conhecimento da
área e de grande capacidade técnica, certamente os objetivos serão conquistados num
tempo mais curto.
82
Protocolo de Intenções para Criação do Notebook da Reabilitação e do Notebook da Saúde
A Dra. Linamara conclui agradecendo à Microsoft e à Telemedicina da Faculdade de
Medicina da Universidade de São Paulo, a grande articuladora do projeto, e aos Srs.
Cid Torquato e Marco Antonio Pellegrini, responsáveis pela concretização tão rápida
do projeto como uma cooperação público-privada.
A Secretaria está realizando o que o Governo do Estado ensina: ser mais ágil, chamar
os parceiros da iniciativa privada, criar diretrizes e garantir que os cidadãos do Estado
tenham garantia de acesso ao novo universo mediado pela web. Uma nova página da
história começa agora, desta vez escrita e também gravada, num site ao qual todos
terão acesso.
O Sr. Michel Jacques Levy cumprimenta a todos os presentes e propõe, para problemas
complexos, soluções coletivas. É o que se procura realizar com o protocolo. Participar
de projetos que incentivem a inclusão de pessoas com deficiência e ajudem o cidadão
de necessidades especiais está muito associado aos objetivos da Microsoft, assumindo
o papel transformador que faz parte da sua natureza.
Com a parceria hoje firmada, pode-se colocar em prática da forma mais abrangente
essa premissa. Juntamente com a Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com
Deficiência e a Disciplina de Telemedicina da Faculdade de Medicina da USP, a
empresa conseguirá prover ferramentas para que as pessoas com deficiência possam
usufruir dos benefícios da tecnologia digital. Ao mesmo tempo, poderá criar condições
para que os profissionais de saúde aprimorem as rotinas, ampliem seus conhecimentos
e troquem informações, elevando o nível do atendimento às pessoas com deficiência.
A Microsoft participa dessa ação, com seu programa mundial de alianças públicoprivadas. No acordo ora assinado, o programa visa a apoiar o governo paulista a
otimizar os investimentos em tecnologia, de forma a auxiliar as pessoas com
necessidades especiais a atingirem seu pleno potencial.
A atuação visa a aumentar o impacto positivo da política pública ora criada, fornecendo
gratuitamente programas de capacitação tecnológica, trazendo possibilidade de
reinvestir, em conjunto com o governo paulista, e oferecendo produtos e tecnologias
voltados à acessibilidade. Além disso, a empresa se esforçará para envolver parceiros
e profissionais especializados, incentivando-os a contribuir para o desenvolvimento
de projetos, criando um “ecossistema” em torno do tema, um centro de excelência no
Estado de São Paulo.
83
Protocolo de Intenções para Criação do Notebook da Reabilitação e do Notebook da Saúde
A questão da acessibilidade já faz parte da rotina da Microsoft. A empresa investe
pesadamente em pesquisa e desenvolvimento e traz em seus produtos importantes
recursos de acessibilidade. Um exemplo está no programa Windows 7, lançado
recentemente, que apresenta funções como lupa, para pessoa com deficiência,
reconhecimento de fala, narrador e notificador visual, entre outras. Com tudo isso,
contribui para que as pessoas com necessidades especiais possam usar a tecnologia e
realizar o seu potencial.
De acordo com a Fundação Getúlio Vargas, as pessoas com deficiências representam
só 2% da força de trabalho. A Microsoft quer ajudar na inserção dessas pessoas no
mercado de trabalho. A tecnologia pode certamente impulsionar a qualificação, criando
as oportunidades para esses cidadãos.
Assegurar a melhoraria da qualidade de vida das pessoas com deficiência, bem como
de seus familiares, também é um dos objetivos do acordo. O notebook da reabilitação
permitirá acesso as conteúdos específicos, destacando os cuidados necessários, e
possibilitará a interação com profissionais de saúde. Trata-se de uma tendência na
área da saúde. Ao viabilizar o atendimento remoto, não apenas o paciente e sua
família, mas também as instituições de saúde são beneficiadas, pois o teleatendimento
garante assistência de alto nível sem implicar em custos elevados.
Em nome da Microsoft, o Sr. Levy ressalta o orgulho de fazer parte de iniciativa tão
importante e reafirma o compromisso com ações de inclusão social e digital.
Constitui o projeto do presente protocolo de intenções a conjugação de esforços, entre
os partícipes já nomeados, do desenvolvimento das atividades necessárias para
implantação do notebook da reabilitação e do notebook da saúde, com o objetivo de
pesquisar, desenvolver e adaptar soluções e tecnologias de ensino e aprendizagem,
visando beneficiar as pessoas com deficiência e profissionais da área da saúde pública
do Estado de São Paulo.
A Microsoft, em parceria com a Faculdade de Medicina da Universidade de São
Paulo e a Telemedicina, promoverá o desenvolvimento do objeto deste protocolo de
intenções, representados pelos notebooks para pessoas com deficiência e profissionais
da área da saúde do Estado de São Paulo, em aliança público-privada, que trabalhará
em conjunto com a Secretaria, com o objetivo de promover a inclusão digital em
saúde.
A Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – Telemedicina é a responsável
pela concepção e construção das diversas aplicações integrantes do notebook da
84
Protocolo de Intenções para Criação do Notebook da Reabilitação e do Notebook da Saúde
reabilitação e saúde e pela estruturação dos diversos serviços de apoio à educação
permanente em saúde, suporte profissional especializado, telecuidados domiciliares
e o Centro Digital de Prevenção de Doenças. A Secretaria, a Faculdade de Medicina,
a Fundação e a Microsoft envidarão esforços para implementar o objeto do presente
protocolo de intenções, no prazo de 12 meses, a contar da sua assinatura.
Assinam o protocolo a Dra. Linamara Rizzo Battistella, Secretária de Estado dos
Direitos da Pessoa com Deficiência, o Sr. Michel Jacques Levy, diretor-presidente da
Microsoft Informática, a Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e a
Fundação Faculdade de Medicina.
85
Dia 9 de dezembro de 2009
Tecnologias e Saúde - Diagnóstico e Reabilitação
Ao se deparar com uma pessoa com deficiência, o profissional da saúde deve estar
atento para dois pontos distintos e ao mesmo tempo complementares: o diagnóstico
correto e a indicação de reabilitação eficiente. Quais são os avanços nestas duas áreas?
Como as novas tecnologias têm ajudado na recuperação desse paciente? Para onde
estão indo as pesquisas? Com o que Estado, universidades e fabricantes têm
contribuído para desenvolver essas questões?
Daniel Gustavo Goroso (moderador) – Coordenador de Pesquisa e
Desenvolvimento do Instituto de Medicina Física e Reabilitação do Hospital
das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, SP
Koichi Sameshima – Professor Associado do Departamento de Radiologia
da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, SP
André Fabio Kohn – Laboratório de Engenharia Biomédica - Escola
Politécnica da Universidade de São Paulo, SP
Júlio Cezar David de Melo – Professor Adjunto do Departamento de
Engenharia Eletrônica da Universidade Federal de Minas Gerais - Belo
Horizonte, MG
Marcelo Knörich Zuffo – Coordenador do Laboratório de Sistemas
Integráveis da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, SP
Milton Oshiro – Coordenador do Laboratório de Bioengenharia do Hospital
das Clínicas de São Paulo - Unidade Lapa do Instituto de Reabilitação Rede
Lucy Montoro - São Paulo, SP
Hermano Igo Krebs – Principal Research Scientist & Lecturer - Instituto de
Tecnologia de Massachusetts, Departamento de Engenharia Mecânica Cambridge, MA, EUA
Tecnologias e Saúde - Diagnóstico e Reabilitação
Koichi Sameshima:
“Das Idéias à Prática Terapêutica sob a Perspectiva
das (Neuro)Ciências Básicas”
No exercício da ciência, é fundamental ter em mente um modelo do problema
com o qual se está lidando. Aqui, lidamos com o problema da deficiência,
que podemos chamar de “funções cognitivas”. Por que razão aspectos da
plasticidade neural, nos problemas relacionados com a deficiência ou com
algumas doenças, poderiam ser úteis e nortear o trabalho do cientista? Uma
das maiores dificuldades em medicina e na ciência em geral é estabelecer
uma relação de causa e efeito. Por muito tempo, por exemplo, afirmou-se
que o cigarro faz mal à saúde, mas a comprovação de uma relação de causa
e efeito só surgiu muito mais tarde. O problema em si já é cientificamente
difícil, mas há ainda o interesse corporativo, que poderia enviesar a descoberta
da verdade. Mais importante, a verdade muitas vezes não é única; diversas
verdades podem coexistir. Quem trabalha na área da saúde e, mais
especificamente, da terapêutica, provavelmente já descobriu isso.
Alguns problemas podem parecer bastante óbvios, mas a sua solução não é
tão clara. Por exemplo, o uso de computadores no ensino seria realmente
efetivo? A resposta óbvia parece ser “sim”, mas a escola pública de Nova
York fez um estudo extenso sobre o tema e recentemente os autores chegaram
à conclusão de que o uso de computadores no ensino não traz benefícios
significativos ao aprendizado das crianças. Essa conclusão pode parecer
surpreendente para a maioria, mas se pensarmos em termos de modelo de
plasticidade neural, pode fazer algum sentido.
Quais os fundamentos relacionados à reabilitação e também ao ensino?
Haveria uma diferença muito grande entre o aprendizado motor necessário
para o uso da escrita manual e para o uso da datilografia? Há uma tendência,
com o uso dos computadores difundido em todos os setores do ensino e das
profissões, de se utilizar cada vez menos a escrita manual. Qual seria o
impacto desse processo? O uso de material audiovisual através da internet
seria realmente efetivo?
Em relação à terapêutica, será que de fato o “esporte é saúde”? Mais uma
vez, a resposta parece muito óbvia, mas não sabemos se essa relação é tão
clara e fácil de provar. Muitas pessoas que nunca praticaram nenhum esporte
vivem até os 110 anos de idade; outras, que praticaram esportes em nível
88
Tecnologias e Saúde - Diagnóstico e Reabilitação
competitivo, têm uma vida muito curta. São questionamentos que pedem
uma reflexão.
Outra questão é se o alongamento realizado antes dos esportes realmente
preveniria as lesões musculares. Podemos pensar em termos evolutivos. Na
selva, quando um veado é perseguido por uma onça, não há tempo para
aquecimento. Assim, pensando em termos evolutivos, é pouco razoável
imaginar que o alongamento tenha uma função importante. O alongamento
poderia até provocar lesões musculares, que se agravariam ao longo da
prática dos exercícios.
Outras questões referem-se ao uso de suplementos vitamínicos e, mais
recentemente, de células-tronco em lesados musculares. Este último é um
problema bastante complexo, que exige muita reflexão e muita pesquisa.
A mensagem é que o chamado bom senso, na verdade, não existe em ciência.
É necessário submeter os problemas a uma pesquisa sistemática. Uma das
razões é que há uma grande variabilidade, não somente das pessoas, mas
também das doenças e de como elas se manifestam nas pessoas. Uma das
perguntas fundamentais da medicina é: “o procedimento que está sendo
utilizado é realmente efetivo, ou os efeitos observados são obra do acaso?”
Essa é a questão que os profissionais de saúde devem fazer o tempo todo.
Na busca pelo conhecimento científico e, particularmente, pelo conhecimento
médico, há basicamente duas abordagens: o ensaio clínico (utiliza-se o
procedimento em muitos pacientes e observa-se se é efetivo ou não,
obedecendo-se a uma sistemática científica) e o experimento (que permite
deduzir mecanismos da doença, por exemplo).
Os pacientes variam em relação às suas características biológicas, a como
reagem na saúde e na deficiência também. Portanto, há incertezas. Um mesmo
procedimento terapêutico pode funcionar para uma pessoa e não funcionar
para outra. Como se pode melhorar a proporção de situações nas quais o
procedimento funciona? É uma questão inerente aos problemas do cientista.
A neurociência pode propor um modelo, uma maneira de pensar sobre as
questões da reabilitação e do ensino, que podem ajudar a lidar com o
problema. Podemos chamar esse modelo de “reorganização do sistema
nervoso central (SNC)”, e ele poderia ser aplicado ao aprendizado, ao ensino
e à reabilitação.
89
Tecnologias e Saúde - Diagnóstico e Reabilitação
O achado fundamental nesse sentido foi feito há cerca de 30 anos, por dois
pesquisadores americanos, Michael Merzenich e Jon Kaas. Esses autores
demonstraram inequivocamente que mesmo os animais adultos preservam
a capacidade plástica do SNC. Ou seja, os velhos também aprendem; “macaco
velho também aprende truques novos”.
Trinta anos depois, é muito fácil fazer essa afirmação, o conceito já foi
incorporado por todos. Entretanto, até a década de 1980, a questão era um
tabu, pois dois ganhadores do prêmio Nobel (Hubel e Wiesel) afirmavam
que não havia plasticidade neural em animais adultos.
No mapeamento cerebral da área somestésica (do tato), em uma pessoa
normal, as áreas correspondentes aos dedos da mão são distintas entre si.
Entretanto, no trabalho de Merzenich e Kaas, após uma estimulação
prolongada, o macaco-coruja não era mais capaz de distinguir se a
estimulação havia sido no dedo indicador, médio ou anular. Houve uma
mudança da representação topográfica somestésica, sensorial, do animal.
Os autores observaram também que era possível mudar a representação do
sistema auditivo. O sistema auditivo também é capaz de aprender, mesmo
na vida adulta. Por isso, somos capazes de aprender línguas novas.
O mesmo se aplica à capacidade motora, como demonstrou um experimento
com a tarefa de finger tapping, que consiste em tocar alternadamente as pontas
dos quatro outros dedos à ponta do polegar, em ciclos repetidos. Os
participantes do experimento aprenderam, tornaram mais rápidos os
movimentos até atingirem um patamar. Com a prática, todos foram capazes
de melhorar o desempenho. É o que esperamos quando praticamos esportes,
treinamos, estudamos, etc.
São duas características importantes da plasticidade neural o seu aspecto
dinâmico e a adaptabilidade. Estamos nos adaptando a cada dia, a cada hora,
o tempo todo, conforme o que fazemos.
Essa habilidade estende-se também à percepção visual, conforme demonstrou
um experimento no qual o indivíduo avaliado fica em frente a um monitor e
deve localizar na tela determinados sinais. Um sistema de câmeras detecta o
tempo necessário para que a pessoa localize os sinais com o olhar. Com o
treinamento, ao longo de várias sessões, a pessoa melhora o seu desempenho,
fica mais rápida, até que atinge um patamar. Essa habilidade específica
permanece, mesmo que a pessoa deixe de realizá-la por meses. É como andar
90
Tecnologias e Saúde - Diagnóstico e Reabilitação
de bicicleta; uma vez aprendido não se esquece mais. É a chamada memória
implícita.
Outro aspecto bastante interessante da plasticidade neural é que o ganho de
habilidade, seja motora, somestésica ou perceptiva, apresenta uma melhora
depois de uma noite com oito horas de sono, sem que a pessoa faça nada
nesse período. Algo ocorre durante o sono que melhora o desempenho.
Assim, o sono é importante para o aprendizado e para a reabilitação, é
importante para o processo de plasticidade neural.
Na década de 1980, propôs-se a divisão da memória em uma memória
declarativa e uma memória implícita. A primeira seria referente a fatos e
eventos. Os exemplos já mencionados, relacionados a atividades, estão
relacionados à memória não declarativa ou à memória implícita. Essas
capacidades de memória estão localizadas em áreas específicas do cérebro.
Há áreas relacionadas com a aquisição de habilidades. Outras áreas, como o
hipocampo e o córtex pré-frontal, estão relacionadas com a aquisição da
chamada memória declarativa. Quando afirmamos que “a maçã é azul”, o
leitor não se esquecerá dessa informação até que termine de ler todo este
texto. É um típico caso de memória declarativa. Recebemos uma informação
e a guardamos. Para aquisição da memória implícita, por outro lado, é
necessária a repetição de um estímulo. É como andar de bicicleta ou chutar a
bola para o gol: quanto mais se pratica, melhor fica e, uma vez adquirida a
habilidade, não se perde mais.
Outro aspecto importante é o papel da motivação e do contexto em que se
realiza o processo de reabilitação e aprendizado. A prática é importante, mas
o contexto em que se realiza a reabilitação ou a aquisição de uma habilidade
é ainda mais importante do que a prática. Talvez o principal trabalho dos
terapeutas de reabilitação seja promover um contexto e uma motivação que
favoreçam a aquisição ou reaquisição da habilidade.
Resumidamente, os fatores moduladores da memória e do aprendizado são
a atenção, o contexto, o sistema colinérgico e o sono. Sem atenção não há
aprendizado. O sistema colinérgico modula o aprendizado. Um dos núcleos
relacionados ao aprendizado é o chamado nucleus basalis.
A distonia focal é um exemplo no qual a plasticidade é indesejável. Não se
conhece uma terapia adequada para o problema, mas provavelmente o que
ocorre na distonia focal é uma fusão das representações somestésicas e
91
Tecnologias e Saúde - Diagnóstico e Reabilitação
motoras. A solução seria fazer uma dissolução dessas representações
fundidas. A chamada “cãibra de escrivão” deve deixar de existir, pois as
pessoas não escrevem mais, somente datilografam. Em músicos, o problema
ainda é bastante importante.
A introdução de tecnologias em reabilitação requer envolvimento de uma
equipe multidisciplinar. A multidisciplinaridade é importante porque há uma
barreira de linguagem entre a área da saúde e a tecnologia, portanto é
necessário que haja pessoas treinadas em ambas as áreas.
Em 1982, John Tuckey dizia que, para se consultar com um químico, é preciso
tornar-se um químico. Esse matemático foi o criador da palavra “bit”.
Estendendo essa proposição, para se consultar com um engenheiro, é preciso
tornar-se um engenheiro, ter a cabeça de um engenheiro. Para se consultar
com um terapeuta, o engenheiro tem que se tornar um terapeuta. Para
consultar-se com uma pessoa deficiente, é preciso tornar-se uma pessoa
deficiente. Somente as pessoas com deficiência realmente entendem os
problemas dos deficientes.
André Fabio Kohn:
“Neurociência Computacional e Experimental como Ferramentas
no Estudo de Disfunções do Sistema Motor Humano”
A chamada neurociência computacional procura modelar matematicamente
neurônios, sinapses e fibras musculares. Se houvesse meios, poder-se-ia
simular matematicamente o corpo inteiro. Algumas abordagens
experimentais não invasivas, feitas em seres humanos, podem ser úteis na
avaliação de pessoas com algum déficit neurológico.
Um dos trabalhos desenvolvidos no Laboratório de Engenharia Biomédica
da Escola Politécnica da USP é um simulador, desenvolvido por Rogério
Cisi no seu doutorado. Realizou-se um trabalho matemático para representar
neurônios da medula espinhal. Foram modelados matematicamente, de
forma relativamente simples, os comandos descendentes, que provêm do
cérebro, a rede de neurônios e sinapses que ficam na região lombar da medula
espinhal e os nervos da parte posterior e anterior da perna, simulando
músculos como o sóleo, gastrocnêmios medial e lateral e tibial anterior,
permitindo assim uma representação matemática da flexão e extensão do
pé.
92
Tecnologias e Saúde - Diagnóstico e Reabilitação
Os comandos descendentes agem sobre neurônios da medula, cujos axônios
descem para as fibras musculares, gerando força, atividade elétrica. Tudo
isso é representado matematicamente, biofisicamente, num simulador
computacional. Incorporou-se ao modelo a opção de simular nervos
específicos, na sua parte sensorial ou motora.
São representados no modelo os motoneurônios, que controlam as fibras
musculares, uma série de interneurônios, que fazem uma computação
complexa na medula espinhal. Considerou-se também no modelo a inibição
recíproca, uma inibição entre músculos antagonistas.
Esse simulador funciona por meio da internet. Não é preciso baixar programa
nenhum. Ele já oferece valores de partida para todas as variáveis ajustáveis.
Por exemplo, o músculo sóleo pode iniciar com 900 motoneurônios, 600
interneurônios e certa quantidade de sinapses, que o próprio simulador
estima, assim como a força muscular desenvolvida como um todo.
A simulação pode produzir resultados interessantes. O modelo imita em
muitos detalhes o que ocorre no ser humano. Não é possível obter essas
informações diretamente nos seres humanos, pois o procedimento seria
invasivo.
O simulador permite, por exemplo, estudar como seria um movimento
preciso, numa pessoa sem déficits neurológicos, e um comando impreciso.
No comando impreciso, o comando descendente não seria o único que estaria
agindo sobre o músculo. Haveria fontes na medula espinhal, inapropriadas,
superpostas à atividade basal.
Pode-se também observar o princípio da inibição recíproca. Uma ativação
descendente para os músculos sóleos, que levaria a uma flexão plantar. A
partir de certo instante, ativa-se o nervo que vai inervar o músculo tibial
anterior, o que causa a tal inibição recíproca. A atividade elétrica muscular
decai e a força também decai. Portanto, trata-se de uma ferramenta para se
procurar diminuir algum grau de espasticidade ou situação similar, por meio
de estimulação elétrica funcional.
Se quisermos utilizar o simulador, que ainda está num estágio bastante
primário, será necessário fazer uma expansão considerável do mesmo, para
que de fato se possam estudar lesados medulares.
93
Tecnologias e Saúde - Diagnóstico e Reabilitação
Um grupo de Viena, que estuda pessoas com lesões medulares, propôs a um
paciente que fizesse uma flexão plantar e uma dorsoflexão e observou certo
grau de “co-contração” dos músculos apropriados, mas também contrações
de outros músculos, que não teriam nenhuma relação com esses movimentos.
Por que elas ocorreriam no lesado medular? Quais os déficits nos comandos
descendentes da medula? Com uma expansão considerável, muito grande,
o simulador do Laboratório de Engenharia Biomédica poderia representar
os vários núcleos neurais da medula espinhal, bem como os comandos
descendentes e as várias interconexões dos núcleos neurais da medula,
relativas aos músculos quadríceps, isquiotibiais, sóleos e tibiais anteriores.
Um simulador com esse porte poderia responder a perguntas como esta:
onde está o déficit? Se soubermos bem essa resposta, poderemos planejar
padrões de estimulação elétrica funcional para restaurar uma parte do
movimento e eventualmente inibir contrações musculares indesejadas. Seria
assim uma ferramenta para o planejamento de métodos de estimulação
elétrica funcional, contemplando inclusive o caso invasivo praticado
atualmente em alguns centros.
Outro trabalho desenvolvido no Laboratório não está relacionado à
modelagem matemática computacional, mas sim experimental. Avaliou-se
o sistema motor humano, por métodos não invasivos, somente com pessoas
saudáveis. Colocam-se, por exemplo, eletrodos de estimulação em
determinada região da perna, eletrodos de captação em diferentes músculos.
O estímulo aplicado atinge a medula e, em tempo apropriado, aplica-se outro
estímulo, que atinge a medula por meio de outro nervo. Assim, dois circuitos
neurais serão conectados, com influências mútuas. A diferença observada
entre a estimulação única e a estimulação dupla dá uma ideia do
funcionamento dessa alça na medula espinhal. Podem estar envolvidas nessa
diferença a inibição recíproca ou a inibição pré-sináptica. São informações
interessantes, que permitem averiguar um dado tratamento medicamentoso,
por exemplo, contra a espasticidade e sua progressão, pelas modificações
nas curvas resultantes dos dois tipos de estimulação.
Essa técnica ainda não foi usada para a área clínica, mas já foi utilizada para
a área de exercícios físicos. Um grupo fez um exercício físico de alta força,
outro fez um exercício de máxima velocidade e um grupo do exército fez um
exercício de resistência. O objetivo era detectar plasticidade na medula
espinhal, ou seja, modificações nos circuitos da medula espinhal nesses
94
Tecnologias e Saúde - Diagnóstico e Reabilitação
indivíduos saudáveis, em decorrência dos exercícios físicos. Realmente, foram
detectadas várias modificações nos circuitos da medula espinhal, dependentes
do tipo de exercício. Talvez seja um dos primeiros experimentos a mostrar
explicitamente a plasticidade neural da medula espinhal humana para
exercícios distintos. Trata-se de um trabalho de Eugênia Mattos, que concluiu
o doutorado neste ano. Infelizmente, ainda não publicamos o trabalho. A
sua relevância atinge as áreas de neurologia, reabilitação, educação física,
etc.
Outro trabalho desenvolvido no Laboratório de Engenharia Biomédica,
também em pessoas saudáveis, sem nenhuma disfunção, procurou obter
reflexos simultaneamente nas duas pernas, por meio de estimulação elétrica.
A pergunta básica era a seguinte: haveria assimetria entre os reflexos? Os
participantes eram todos destros. A cada um segundo se obtinha um reflexo,
que variava ao longo do tempo. Portanto, o sistema nervoso vai se alterando
dinamicamente. Outra pergunta do experimento foi se haveria uma diferença
nessa variação dinâmica, num indivíduo destro. Na pequena população do
estudo, não houve assimetria nos reflexos. Em patologias, sabemos que há
assimetrias entre o lado esquerdo e o direito. Com tratamentos
medicamentosos, por exemplo, dependendo do tipo de lesão, pode-se
começar a melhorar o quadro. Esta seria uma técnica proposta para se avaliar
a progressão do quadro com o tratamento. A variação dinâmica, temporal,
também não apresentou assimetrias entre os lados direito e esquerdo.
Pergunta-se: o que ocorreria em patologias quanto a essa variação dinâmica?
Enfim, trata-se de uma ferramenta experimental, não invasiva, testada em
seres humanos sãos, que muito facilmente poderia ser empregada em estudos
de uma série de disfunções neurológicas, com fins de acompanhamento e
verificação da melhoria do quadro ao longo do tempo. A sua relevância
interessa às áreas da neurologia, fisiatria, fisioterapia e áreas afins.
Júlio Cezar David de Melo:
“Perspectivas Tecnológicas no Desenvolvimento de Equipamentos
Orientados a Tecnologias Assistivas”
No desenvolvimento de equipamentos orientados a tecnologias assistivas,
uma plataforma muito utilizada em laboratórios de engenharia biomédica,
elétrica e outras é um computador pessoal (PC), um equipamento com custo
95
Tecnologias e Saúde - Diagnóstico e Reabilitação
acessível, universal e genérico, de alto desempenho, de fácil programação.
O maior problema é a falta de mobilidade. Obviamente, os PCs não são
orientados para utilização em equipamentos portáteis. Atualmente, há
alternativas como notebooks e PDAs, com vantagens no aspecto da
portabilidade. Tipicamente, os softwares utilizados para o desenvolvimento
dessas aplicações são programas de alto nível (Matlab, LabView, Delphi).
Outra plataforma empregada são os chamados sistemas embutidos.
Basicamente, é uma placa de pequenas dimensões, com um processador
semelhante ao processador de um PC, com desempenho muito inferior,
porém ajustado ao objetivo da tarefa específica. O seu custo de
desenvolvimento é relativamente alto, pois o volume de produção desses
sistemas é relativamente baixo, em comparação com o mercado dos PCs.
Entretanto, o seu custo de produção é baixo, o que é interessante para
aplicações portáteis. O programa incorporado a esse tipo de dispositivo,
chamado de firmware, é geralmente de baixo nível. Não existem ferramentas
tão poderosas como aquelas baseadas em PC, que facilitam muito o
desenvolvimento dos programas.
Os sistemas embutidos são considerados uma tecnologia habilitadora para
o desenvolvimento de tecnologias assistivas. São sistemas que permitem o
desenvolvimento de equipamentos orientados para tecnologias assistivas.
Eles possuem um microcontrolador, dispositivos de entrada e dispositivos
de saída de diversas naturezas, conforme o equipamento que está sendo
desenvolvido.
A abordagem adotada para o desenvolvimento de equipamentos voltados
para tecnologias assistivas envolve como primeiro passo uma plataforma de
alto nível, como o PC, pela facilidade de programação. Essa plataforma é
utilizada para a validação de algoritmos, verificação de funcionalidades,
simulação, configuração, determinação de parâmetros de operação. Uma vez
feita a simulação numa plataforma de alto nível, faz-se a migração para
ambientes de sistemas embutidos. Um software desenvolvido para o PC migra
para um sistema baseado em microcontroladores ou FPGAs. Assim, partese de um equipamento como o PC, que tem custo e volume elevados para
uma aplicação, para um equipamento portátil, com custo e peso reduzidos,
fazendo uso de dispositivos de microeletrônica.
Em microeletrônica, houve avanços significativos nas últimas décadas. Os
microcontroladores, que são chips semelhantes aos do PC, como o Pentium,
96
Tecnologias e Saúde - Diagnóstico e Reabilitação
por exemplo, mas com desempenho inferior. Entretanto, esse desempenho é
adequado à tarefa a que se propõe. O custo, a área, o peso e o consumo, em
compensação, são muito menores, favorecendo a sua aplicação em
equipamentos portáteis. Uma dimensão típica de um chip como esse é de 12
x 12 mm, com um processador e uma série de dispositivos de entrada e saída,
que cumprem o mesmo papel dos periféricos de um PC. Assim, pode-se
fazer a interface com sistemas de diversas naturezas, em função da interface
embutida e mais algum circuito lógico que seja adicionado para uma tarefa
específica.
Outra classe de processador é o chamado processador digital de sinais ou DSP.
É um chip utilizado para operações aritméticas em grande volume, como
por exemplo o processamento de imagens. As tarefas desse tipo demandam
muito maior desempenho, do que a do acionamento de uma chave e de um
motor, por exemplo. Essa classe de processador é otimizada para aplicações
desse tipo, como o processamento, compressão e reconhecimento de voz em
aparelhos celulares, processamento de vídeo em aparelhos MPEG, controle
de processos como o acionamento de motores. Todas essas aplicações existem
também em tecnologias assistivas.
A chamada FPGA implementa uma lógica digital de altíssima densidade.
Um dispositivo com 23 mm de lado contém lógica suficiente para fazer o
processamento de voz e imagem em espaços extremamente reduzidos.
Entretanto, dispositivos desse tipo sofrem com o problema do
desenvolvimento. O custo de desenvolvimento de aplicações com FPGAs é
muito mais alto do que aquele envolvido no desenvolvimento de um software
para PC, por exemplo, tanto do ponto de vista da construção do sistema
(hardware) como da própria programação. Em termos de desempenho, por
outro lado, em algumas aplicações os FPGAs chegam a superar um PC.
Outro dispositivo, atualmente de uso comum, é a chamada memória FLASH.
É uma memória de estado sólido (não tem partes móveis, como o disco rígido,
por exemplo), permitindo baixo tempo de acesso, baixo consumo e alta
densidade, em relação a discos magnéticos. É utilizado para armazenar
grandes volumes de dados em equipamentos portáteis, como os tocadores
de MP3 e outros exemplos. Da mesma forma, são apropriados para uso em
tecnologias assistivas. Nos últimos anos, sofreu uma variação muito grande
em termos de custo e de densidade: em sete anos, o custo de um megabyte
caiu de R$ 5,00 para meio centavo, enquanto a capacidade passou de 1
97
Tecnologias e Saúde - Diagnóstico e Reabilitação
megabyte para 32 gigabytes, tornando possíveis aplicações que, até cinco ou
dez anos atrás, eram inviáveis. Hoje, a memória FLASH é usada no
armazenamento de qualquer tipo de mídia: fotografias, músicas, vídeos,
arquivos de dados, programas, etc.
Outra tecnologia habilitadora é a comunicação por radiofrequência (RF) entre
equipamentos, formando uma rede que permite tarefas antes inviáveis, como
o reconhecimento de uma pessoa com deficiência em determinado ambiente.
Se a pessoa portar um equipamento com transmissor de RF, poderá interagir
com o ambiente com maior facilidade. Outro aspecto diz respeito à arquitetura
distribuída, na qual a inteligência de um sistema, ao invés de estar
concentrada em um único nó, pode estar distribuída em cada periférico ou
interface, o que permitirá novas abordagens no desenvolvimento dessas
tecnologias assistivas.
Um exemplo, desenvolvido na Universidade Federal de Minas Gerais,
permite que os deficientes visuais possam fazer uso do sistema de transportes
coletivos. O dispositivo, que o deficiente porta consigo, contém um
transmissor. Há um receptor instalado nos ônibus. O deficiente visual
programa no seu equipamento a linha que quer utilizar e aguarda no ponto
do ônibus. O transmissor emite o código daquela linha. Quando o ônibus
capta aquele código, o seu motorista é avisado da presença do deficiente no
próximo ponto. Quando o ônibus para no ponto, um altofalante anuncia ao
deficiente qual é o ônibus que parou ali, servindo também como uma
referência sonora para que o deficiente caminhe até o ônibus.
Nesse sistema, utilizou-se um microcontrolador, responsável por comandar
todo o sistema, pela emissão de mensagens (o dispositivo funciona por
mensagens de voz, que informam a programação das linhas, a operação do
menu, o nível de carga da bateria, etc.). O microcontrolador é extremamente
barato. Seus recursos são limitados, mas adequados a essa tarefa. O sistema
utiliza também uma memória FLASH de baixa densidade, da ordem de 2
megabytes, um circuito de áudio (para transformar as mensagens de voz,
armazenadas em arquivos digitais na memória FLASH, em formato analógico
para emissão no altofalante), um circuito de RF (para transmissão do código
ao ônibus) e uma fonte de energia, muitas vezes ignorado em equipamentos
portáteis. Nesse caso, esse componente é fundamental, pois para o deficiente
seria muito trabalhoso, além do custo elevado, ficar abrindo o equipamento
98
Tecnologias e Saúde - Diagnóstico e Reabilitação
para trocar a bateria. Por isso, o sistema de energia permite o uso de bateria
recarregável. O usuário só precisa, periodicamente, carregar a bateria. Uma
das primeiras informações que o sistema fornece ao usuário, quando é ligado,
é o nível de carga da bateria. Assim, pode ter certeza de que o equipamento
funcionará quando sair para tomar o ônibus.
Os trabalhos que estão sendo desenvolvidos pela equipe da Universidade
Federal de Minas Gerais estão relacionados a sistemas embutidos para uso
em equipamentos voltados às tecnologias assistivas e à educação, e ao
estabelecimento de competências em tecnologias habilitadoras, com o uso
combinado hardware e software (microcontrolador e FPGA), por exemplo para
uma aplicação com reconhecimento de voz. O nível de desempenho de
microcontroladores atualmente é insuficiente para fazer o reconhecimento
de voz em tempo real. Assim, propõe-se o uso de FPGA, encarregado dos
algoritmos mais intensos. Além disso, estão sendo desenvolvidos sistemas
de arquivos em memória FLASH. No exemplo já mencionado do
equipamento para uso pelos deficientes visuais, a memória FLASH adota
um formato proprietário. Imagina-se que, com a maior interação entre
equipamentos, será possível tornar a memória FLASH acessível a um
computador. Assim, o usuário poderia ter acesso a mensagens, gravar outros
tipos de dados naquela memória. Por fim, há um avanço muito grande em
redes de RF, que permitem o estabelecimento automático de redes: o próprio
sistema reconhece a existência de um novo “nó” e automaticamente o
configura para que ele seja “visível” para os outros nós. Hoje em dia, todos
utilizam Wi-Fi e outras tecnologias, mas mesmo no “baixo nível”, de
comunicação com RF em protocolos não tão elevados quanto as redes Wi-Fi,
está havendo uma migração desses protocolos para sistemas de nível mais
baixo.
Ressalta-se o uso dos sistemas embutidos no desenvolvimento de tecnologias
assistivas. Dois exemplos de produtos, apresentados como conceitos nos
estandes de exposição deste Encontro, são apropriados para o
desenvolvimento com o uso das tecnologias aqui descritas, como os
microcontroladores e outros componentes. Um deles é um dosador de
medicamentos para deficientes visuais. Muitos deles fazem uso de
medicamentos em solução e não têm como saber quantas gotas, qual o
volume, como dosar 10 ml, por exemplo. Estudantes do ensino médio, do
SENAI (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial), apresentaram o
99
Tecnologias e Saúde - Diagnóstico e Reabilitação
projeto de um dosador para deficientes visuais, baseado em PCs, como no
primeiro passo mencionado para o desenvolvimento de tecnologias. O
próximo passo seria utilizar microcontroladores num equipamento baseado
no mesmo projeto. Portanto, alunos do ensino médio e, claro, universitário
de cursos de engenharia elétrica, engenharia mecânica ou biomédica deveriam
ter uma ênfase maior na formação de recursos humanos para o
desenvolvimento de sistemas embutidos, especificamente. Seria interessante
também a publicação de editais orientados para o desenvolvimento de
tecnologias assistivas, que contemplassem o uso de sistemas embutidos.
Marcelo Knörich Zuffo: O Laboratório de Sistemas Integráveis é um
laboratório muito tradicional da Escola Politécnica, que há 35 anos atua na
questão da integração. Já foram abordados aqui aspectos da eletrônica e da
neuroplasticidade. Todos esses conhecimentos precisam ser integrados, com
a finalidade de produzir qualidade de vida. Atualmente, todos possuem
aparelhos eletrônicos muito sofisticados, como telefones celulares,
computadores, etc. Às vezes, eles não funcionam tão bem, inclusive porque
até recentemente o foco era mais a tecnologia do que o próprio ser humano.
De qualquer maneira, o fato é que, neste momento da humanidade, o volume
de componentes eletrônicos disponíveis é enorme. Num grupo de cem
pessoas, podemos estimar o uso de até um trilhão de transistores. Poucos
anos atrás, a humanidade conseguiu produzir mais transistores do que grãos
de arroz. O que se pode fazer com toda essa tecnologia?
Quando discutimos acessibilidade e inclusão, não podemos esquecer que
toda essa tecnologia é multissensorial: podemos perceber suas respostas
visuais, táteis ou vibratórias e auditivas, inclusive de comunicação de voz.
Entretanto, o volume de aplicações ainda é muito baixo, voltado sobretudo
para necessidades básicas, como a comunicação e o entretenimento. O nosso
esforço é tentar utilizar essas tecnologias para aplicações mais nobres,
voltadas à vida. É preciso desenvolver novas tecnologias e também embutilas nos equipamentos que todos utilizam.
É com esse tipo de visão que o grupo do Laboratório de Sistemas Integráveis
dedicou-se, no passado recente, a atividades de integração voltadas para a
maioria.
100
Tecnologias e Saúde - Diagnóstico e Reabilitação
Trabalhamos na definição do padrão de TV digital adotado no Brasil. São 50
milhões de lares, às vezes com dois a três aparelhos de TV em cada lar.
Portanto, trata-se de um volume muito grande de equipamentos eletrônicos,
que podem chegar a 250 milhões de dispositivos. O Brasil tem 160 milhões
de telefones celulares e consome anualmente 90 milhões de novos aparelhos.
Quantos desses aparelhos são projetados no Brasil? Nenhum. É preciso
reverter essa lógica. Uma das visões da equipe do Laboratório é aplicar esse
tipo de tecnologia à saúde, à educação e à acessibilidade.
Alguns anos atrás, fomos pioneiros ao desenvolver o primeiro sistema de
realidade virtual avançada do Brasil. Fazemos pesquisas muito sofisticadas
em computação em grade, estamos definindo a nova geração de padrões da
chamada “internet 3D” (as aplicações são muito poucas hoje, mas serão
muitas no futuro).
Num certo instante, constatou-se que tudo isso poderia ser levado à casa do
brasileiro, ao cidadão comum. Assim, muito da tecnologia presente numa
TV digital que compramos hoje em dia é brasileira. Num primeiro momento,
o foco recaiu sobre o entretenimento, pois esta é a demanda do mercado. No
próximo ano, provavelmente se assistirá à final do campeonato brasileiro
em 3D, a copa do mundo em 3D. Já se pensa o que pode ser feito para as
Olimpíadas de 2016.
De quase dois anos para cá, percebendo que esse ciclo se fecha, questionamos
o que se poderia fazer para uma grande maioria dos brasileiros, que tem
necessidades especiais. Mencionaremos três projetos, considerando que essas
tecnologias disponíveis na casa dos brasileiros podem incorporar recursos
de acessibilidade.
O primeiro projeto é um sistema de reabilitação de membros superiores,
com foco em vítimas de acidentes vasculares encefálicos. O objetivo é fazer
uma pesquisa que está resultando num software, que pode ser embutido num
celular, num laptop ou mesmo numa TV, no futuro próximo, levando-se em
conta que todos esses aparelhos têm desempenho computacional e os recursos
de interatividade de que necessitamos, como câmeras e microprocessadores
avançados. A intenção é investigar se a percepção visual da movimentação é
um elemento motivador na reabilitação motora do membro comprometido.
Temos tido alguns resultados muito promissores, já temos protótipos
experimentais, nos quais pacientes vítimas de AVE recebem instruções para
101
Tecnologias e Saúde - Diagnóstico e Reabilitação
realizar movimentos, que eles podem visualizar. Talvez as teorias da
plasticidade, já mencionadas, e outras estejam por trás disso. Foram realizados
vários exercícios em ensaios experimentais e os resultados preliminares são
muito promissores. Testamos em quatro pacientes e agora estamos
dimensionando uma segunda população, de controle, sem o uso da
tecnologia. Nas mensurações realizadas, há evidências de uma melhoria
muito grande no processo terapêutico. Há um entusiasmo por parte dos
pacientes, que perceberam aumento da velocidade dos movimentos,
diminuição do esforço necessário e redução do padrão flexor de cotovelo. A
ideia básica é utilizar nada mais que um computador, com a perspectiva de,
no futuro próximo, incorporar esse software num celular ou num laptop.
O segundo projeto é um modelo de realidade aumentada, para reabilitação
motora e cognitiva, o Genvirtual. Utiliza-se qualquer computador com uma
webcam (ou mesmo um celular com uma câmera), imprimindo-se em papel
padrões que podem ser reconfigurados pelo terapeuta. Cubos coloridos são
sintetizados pelo computador, na chamada “realidade aumentada”. O
paciente com necessidade motora e cognitiva pode realizar movimentos por
cima dos pedaços de papel, que o computador reconhece, gerando padrões
sonoros em resposta. Diga-se de passagem que esses padrões sonoros são
bastante sofisticados. O grande benefício é que qualquer instrumento musical
pode ser reconfigurado, permitindo o desenvolvimento, por meio da música,
de práticas reabilitadoras. Por que a reabilitação precisaria ser chata ou
monótona? Por que não associar ao processo um padrão cognitivo de
expressividade, criatividade e felicidade?
Ao mundo virtual, adicionam-se elementos 3D, que representam
instrumentos musicais de sopro, cordas e percussão. O acesso é muito
facilitado; basicamente manipula-se com a mão, mesmo com movimentos
muito limitados. Essa situação traz uma adequabilidade muito grande à
construção de práticas terapêuticas, de maneira muito flexível. Trabalhou-se
com várias populações de controle, na área de Terapia Ocupacional, numa
parceria com a ABDIM (Associação Brasileira de Distrofia Muscular), com
foco na reabilitação de membros superiores de crianças com distrofia
muscular de Duchenne. Os resultados são claramente mais positivos, em
termos de facilidade; o aspecto motivacional é muito forte e o grau de
satisfação também é muito alto, em comparação com outras práticas que
não utilizam a tecnologia.
102
Tecnologias e Saúde - Diagnóstico e Reabilitação
Estabeleceu-se também uma parceria com a AACD (Associação de Assistência
à Criança Deficiente), com foco em musicoterapia. Um grupo da AACD já
desenvolve essas práticas há vários anos e introduziu essas tecnologias que
nós propusemos.
Temos também a intenção de uso domiciliar. Atualmente, para isso é
necessário o uso de um computador, mas em breve qualquer TV com uma
webcam propiciará o uso dessa tecnologia. Portanto, o seu custo é muito
baixo e acessível. Há grupos de controle, cujos pacientes e familiares levam a
tecnologia para casa e desenvolvem os procedimentos no domicílio.
O terceiro projeto a incorporar recursos de acessibilidade, que
mencionaremos, é a própria TV digital. Somente neste Natal, serão adquiridos
pelos brasileiros 5 milhões de TVs e 8 milhões de celulares. Quais desses
aparelhos têm recursos de acessibilidade? Nenhum. Entraremos num círculo
muito virtuoso nesse mercado, com o Dia das Mães, a Copa do Mundo, o
Natal, algum tempo depois a Copa no Brasil e depois as Olimpíadas. O IBGE
estima que há no Brasil atualmente dois televisores por domicílio. Em 2016,
a perspectiva é que tenhamos quatro televisores por domicílio. É muita
tecnologia para que não possamos imaginar que esses aparelhos tenham
embutidos dispositivos voltados para populações com necessidades especiais.
Dentro desse espírito, numa parceria com a Secretaria de Estado dos Direitos
da Pessoa com Deficiência, de São Paulo, iniciou-se um projeto. Ele se encontra
atualmente em fase inicial, de levantamento de requisitos. Alguns exercícios
já foram realizados; montou-se um home theater, uma sala de estar com TV, e
começou-se a mapear todas as dificuldades possíveis e imagináveis que
pessoas com necessidades especiais têm, na realização de um ato muito
comum na vida do brasileiro: assistir à TV. Assim, pessoas com os mais
diversos tipos de deficiência têm visitado o laboratório montado para esse
fim, num levantamento de requisitos que já dura quase vinte dias.
O objetivo é desenvolver toda uma nova geração de equipamentos
extremamente baratos, chamados vulgarmente de “eletrônica de consumo
de massa” e introduzir esse tipo de conceito, não somente na indústria
brasileira, mas na indústria de todos os países emergentes que tenham
adotado o padrão brasileiro de TV digital. Somente na América Latina, são
sete países. Aparentemente, dez países africanos pretendem adotar a
tecnologia desenvolvida no Brasil. Temos uma oportunidade muito grande
103
Tecnologias e Saúde - Diagnóstico e Reabilitação
de oferecer nossas ideias e a nossa tecnologia, não somente à população
brasileira, mas à população de cerca de quinze países que estão adotando o
mesmo padrão que o nosso.
Milton Oshiro: Em agosto de 2008, a Dra. Linamara, Secretária de Estado
dos Direitos da Pessoa com Deficiência, fez uma proposta muito desafiadora,
partindo de recursos oriundos do Ministério do Trabalho, para a construção
de uma Unidade Móvel de Reabilitação. Havia dois desafios muito grandes:
gastar 1 milhão de reais em três meses e concluir o projeto no mesmo período.
Ele acabou sendo concluído em quatro meses.
A partir do esboço feito para a primeira proposta apresentada, a Dra.
Linamara propôs que se construísse uma unidade mais ampla, com maior
capacidade de atendimento, considerando-se os recursos disponíveis.
Partimos então para um modelo de unidade com uma carreta maior, com
diversos layouts propostos.
A versão final é uma carreta de 15 metros de comprimento e 2,60 metros de
largura. Uma unidade de reabilitação precisa de um consultório médico, uma
sala de espera, uma área para fisioterapia e para os atendimentos dos técnicos,
nos quais são feitos os moldes, um banheiro adaptado para pessoas com
deficiência e uma oficina completa de órteses e próteses. Tudo isso precisava
estar integrado no projeto de unidade móvel.
Para atender a essas necessidades, foi necessário fazer uma ampliação, com
um avanço lateral. Na entrada (no fundo da carreta) há um elevador, capaz
de acomodar um cadeirante ou mesmo uma maca, e uma sala de espera. Na
área do avanço lateral, há dois consultórios médicos. No interior da unidade,
há uma sala de fisioterapia e a sala onde os técnicos tiram os moldes, um
banheiro adaptado e a oficina de órteses e próteses, com áreas para
montagens, máquinas e modelagem de gesso. Na outra lateral, instalou-se
outro avanço com um palco, que pode ser utilizado em eventos, e uma sala
de espera para pacientes.
Inicialmente, fez-se um modelo virtual do projeto, para a aprovação final.
Ao longo do período de quatro meses em que a unidade foi projetada e
construída, diversas visitas foram feitas à empresa que construiu a unidade.
Em 19 de janeiro de 2009, foi feita a apresentação da unidade e partiu-se
104
Tecnologias e Saúde - Diagnóstico e Reabilitação
para a realização dos atendimentos. De janeiro até o início de dezembro,
foram atendidas cidades de cinco unidades regionais da Secretaria da Saúde
do Estado de São Paulo (os chamados DRS – Departamentos Regionais da
Saúde): Taubaté, Jacareí e Guaratinguetá, Avaré, Grande São Paulo (embora
esses pacientes não tenham sido atendidos na Unidade Móvel, mas na
Unidade Lapa), Sorocaba, Capão Bonito e Piracicaba. Os pacientes de cidades
periféricas às cidades atendidas vieram até a cidade visitada pela unidade
para ser atendidos. Foram 1.409 pacientes, foram entregues 2.474
equipamentos, há 487 pacientes aguardando, na maior parte atendidos
recentemente, em dezembro, com previsão de entrega dos equipamentos a
partir de janeiro de 2010. Foram percorridos, nesse período, 4.684 km.
Narração do vídeo: O Governo do Estado de São Paulo, por meio das
Secretarias de Estado da Saúde e dos Direitos da Pessoa com Deficiência,
tem o orgulho de apresentar sua mais nova unidade de atendimento: a
Unidade Móvel de Reabilitação da Rede Lucy Montoro. Com 15 metros
de comprimento e 2,60 metros de largura, a Unidade Móvel é um moderno
caminhão, com carreta totalmente adaptada. Sua principal tarefa é levar
a qualidade de atendimento da Rede Lucy Montoro para regiões do Estado
de São Paulo em que não haja fornecimento e adaptação de próteses,
órteses e cadeiras de rodas. Com uma média de 100 atendimentos mensais,
a Unidade Móvel terá uma equipe multidisciplinar para o atendimento
dos seus pacientes, compostas por médicos fisiatras, fisioterapeutas,
terapeutas ocupacionais, enfermeiros e técnicos em órteses e próteses,
com acesso facilitado e com toda a infraestrutura, a Unidade Móvel é
completa e totalmente adaptada. Esta é a sala de espera, onde o paciente
aguarda o seu médico. Na sala de consulta, a médica fisiatra avalia os
pacientes, prescreve as órteses ou prótese e os encaminha para as próximas
etapas do atendimento. Assim como outros ambientes, a sala é climatizada
e todas as superfícies são de fácil limpeza, o que mantém a Unidade sempre
higienizada.
As informações colhidas na consulta são colocadas no computador e
enviadas pela internet para a produção das próteses. Elas são entregues
aos pacientes na próxima visita à Unidade Móvel. Após todo o processo
de montagem e adaptação, é hora de ir para a sala de prova. Com a
fisioterapeuta, a paciente inicia o treinamento e são feitas as adaptações
para obter a melhor funcionalidade.
105
Tecnologias e Saúde - Diagnóstico e Reabilitação
Depoimento da paciente: “Nossa, isso aqui tudo é muito bom; nem
parece que eu estou aqui dentro de um caminhão.”
A terapeuta ocupacional é responsável pela confecção de órteses de
membros superiores e inferiores, observando sempre a funcionalidade
dos membros. Finalizadas todas as etapas, médicos e técnicos da Unidade
estão certos de que o paciente está confortável e bem adaptado. É hora de
voltar para casa e começar uma nova fase de vida.
Depoimento de funcionária: O atendimento a essas pessoas era feito
nos municípios, com um cadastro encaminhado ao DRS, e os
equipamentos eram comprados pelo DRS. Quando havia deficiência de
recursos financeiros, havia uma fila, que ficou muito grande. Com o
atendimento da Unidade Móvel, vamos conseguir “zerar” essa fila. A
partir de então, será formada uma fila única da Secretaria da Saúde e da
Unidade Móvel, e vamos estudar uma maneira de atendimento, de forma
que não se forme uma nova fila.
Depoimento do Vice-Prefeito de Jacareí: Este trabalho, em conjunto
com a Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo, é extremamente
importante para a nossa população. O município ofereceu toda a estrutura,
as pessoas foram comunicadas, chamadas e estão todas aqui. O
atendimento está transcorrendo muito bem, tranquilo. Podemos sentir a
felicidade dessas famílias que ansiavam e esperavam por isso há muito
tempo. É um trabalho muito bonito da Secretaria e o município de Jacareí
se orgulha de participar, ser um piloto, oferecer condições e estruturas
para a nossa comunidade.
Depoimento dos pais de uma paciente: Somos os pais da Natália,
moramos em Santa Branca. Nem sabíamos que pegaríamos a cadeira de
rodas hoje. Viemos para uma triagem para saber se um dia seria possível
conseguir a cadeira. Estamos ido embora muito felizes. Pedimos que essa
campanha continue, pois há muitas famílias que ficarão tão felizes como
nós estamos neste momento.
Depoimento: É uma satisfação imensa ver o trabalho do Governo do
Estado de São Paulo, com profissionais médicos, fisioterapeutas e outros
ajudando os nossos municípios. Tivemos aqui o atendimento de 56
pacientes e outros que virão receber as próteses do Governo do Estado de
São Paulo, que veio até aqui demonstrar o seu compromisso com a saúde
106
Tecnologias e Saúde - Diagnóstico e Reabilitação
pública. É uma felicidade muito grande sentir nos olhos dos pacientes a
satisfação de receber as próteses.
Depoimento: Foi um sucesso; superou todas as nossas expectativas.
Para mim, foi uma satisfação muito grande, estou muito feliz, pois acho
que o meu trabalho foi muito recompensado. A equipe é ótima,
maravilhosa. Todos trabalharam com sucesso, com muito afinco e alegria.
Só de vermos que os pacientes saíram daqui satisfeitos, alguns vieram
buscar um equipamento e saíram com dois ou três, foi muito
recompensador. Agradeço muito a essa equipe, estou muito feliz por estar
com vocês e espero estar nas próximas, se precisar.
Depoimento da terapeuta ocupacional: Estamos encerrando, pois
eu consegui atender os últimos pacientes nos últimos três dias. Todos
ficam esperando a T. O. acabar as órteses para podermos ir embora. A
sensação é de um trabalho cumprido. Para conseguir isso, eu tive a ajuda
de médicos, auxiliares e fisioterapeutas.
A equipe multidisciplinar que segue nessa Unidade Móvel varia entre 25 e
30 profissionais. A média de atendimentos é de 60 a 80 pacientes por dia. O
tempo de permanência nas cidades varia, dependendo da quantidade de
pacientes, geralmente entre um e dois dias. Quando o volume de pacientes é
muito grande, o tempo pode ser maior. No primeiro atendimento, com 350
pacientes, permanecemos de segunda a sábado percorrendo as três cidades.
Hermano Igo Krebs:
“Robótica de Reabilitação – Novas Ferramentas
para Terapia e Avaliação do AVC”
Obs: O Dr. H. I. Krebs é um dos inventores de patentes do Instituto de
Tecnologia de Massachusetts na área de reabilitação robótica. É também
fundador e mantém ações da companhia Interactive Motion Technologies,
que comprou a licença dessas patentes do MIT e comercializa produtos
com essa tecnologia.
A área de reabilitação robótica tem crescido muito nos últimos anos. O
número de publicações nessa área tem crescido de forma quase exponencial.
Nos últimos anos, foram quase 700 trabalhos acadêmicos na aplicação de
robótica à reabilitação. O motivo é muito simples: a população americana
107
Tecnologias e Saúde - Diagnóstico e Reabilitação
acima de 65 anos tem crescido de forma constante e deverá continuar a crescer
depois de 2030, porém de forma mais acelerada. Depois da Segunda Guerra
Mundial, tanto nos Estados Unidos como em muitos outros países, o
crescimento da população está ocorrendo de uma forma piramidal: à medida
que a população está envelhecendo, está formando uma “pirâmide invertida”.
Nesse aspecto, tanto o Brasil como os Estados Unidos estão bem atrás de
outros países. Na Coreia, Itália e muitos países europeus, a pirâmide já é
invertida, com o topo mais pesado que a base.
Em 1989, começou-se a estudar o que se poderia fazer para afetar esse
aumento da população de mais de 65 anos de idade. Introduziu-se então
uma tecnologia um pouco diferente. Em vez de se utilizar a tecnologia para
a assistência da pessoa, de forma que ela pudesse interagir com o ambiente,
construíram-se máquinas para auxiliar os terapeutas e os clínicos no
tratamento que ministravam. O objetivo era auxiliar o terapeuta na sua
profissão. Foi uma modificação no paradigma da terapia.
Um exemplo está num dos hospitais com os quais colaboramos, próximo de
Nova York, com uma melhora bastante razoável, de ordem significativa, no
grupo de 248 pacientes vítimas de AVC (acidente vascular cerebral) tratados
com o auxílio da tecnologia robótica desenvolvida no MIT.
Diversos outros trabalhos começaram a ser publicados nessa área. Uma metaanálise dos trabalhos de diferentes grupos mostrou resultados semelhantes.
A conclusão é que esse tipo de tecnologia pode ser muito benéfico ao paciente.
Há grandes estudos em andamento, similares aos grandes ensaios clínicos
com produtos farmacêuticos. O Departamento de Administração de
Veteranos das Forças Armadas Americanas concluiu no início desse ano e
publicará em fevereiro um estudo que incluiu centenas de veteranos que
sofreram um AVC, avaliando o impacto do uso desse tipo de tecnologia.
Instituições como os Institutos Nacionais de Saúde e o Departamento de
Administração dos Veteranos, ambos dos EUA, e grupos industriais como a
Toyota e a Pfizer, fornecem apoio financeiro para essas pesquisas.
Vídeo com cenas de uma reportagem da emissora de TV CNN sobre a clínica de
reabilitação do Burke Rehabilitation Hospital e o uso da robótica desenvolvida no
MIT pelos cientistas Hermano Krebs e Neville Hogan.
Na academia do Burke há sete robôs. São dois terapeutas, que trabalham
normalmente com seis pacientes simultaneamente (três para cada
108
Tecnologias e Saúde - Diagnóstico e Reabilitação
profissional). Como já se mencionou aqui, é muito importante que tecnologias
desse tipo sejam altamente interativas. O paciente está tentando atingir um
objetivo, interagindo e não simplesmente movendo-se de forma passiva.
É importante voltar ao início. Um professor da Cornell University, nas suas
aulas aos residentes de medicina, parafraseava Voltaire, dizendo que, depois
de um AVC, os médicos, os enfermeiros e os terapeutas estavam ali
simplesmente para o entretenimento do paciente, enquanto a natureza seguia
o seu rumo. Embora houvesse ideias de plasticidade cerebral, não se tinha
certeza se era possível influenciar suficientemente essa capacidade, com um
real benefício da terapia de movimento.
Assim, desde o início, procurou-se resolver essa questão. Se realmente não
fosse possível influenciar essa capacidade, não haveria valor para a robótica
nesse campo de aplicação. Iniciou-se com um grupo de pacientes agudos e
semiagudos do Burke Rehabilitation Hospital, divididos aleatoriamente em um
grupo experimental e um grupo-controle. Os avaliadores não tiveram acesso
a qual grupo pertencia o paciente. Além da terapia normal, o grupo
experimental recebia uma hora diária de terapia robótica. O grupo-controle
recebia uma hora semanal desse tipo de terapia, mas no caso o robô não
assistia ao paciente. Eles usavam a mão não afetada para levar a mão afetada
a fazer os movimentos dos mesmos jogos da terapia robótica.
Utilizando escalas clínicas, observou-se como resultado que o grupo
experimental melhorou duas vezes mais que o grupo-controle. O experimento
mostrou que a terapia de movimento, de forma geral, aplicada com robótica
ou não, tinha um impacto sobre a plasticidade e a recuperação do paciente.
Depois que saem do hospital, a maioria dos pacientes não recebe uma terapia.
Na época, vários estudos, como o Estudo de AVC de Copenhague,
postulavam que, 11 ou 12 semanas após o AVC, não haveria mais
possibilidade de recuperação. A recuperação obtida nas primeiras 12 semanas
seria o máximo possível.
De um grupo inicial de 96 pacientes, 31 foram contatados três anos após a
alta hospitalar. Não somente o grupo experimental, que recebeu a terapia
robótica, havia melhorado mais que o grupo-controle, mas observou-se
também que ambos os grupos melhoraram ao longo do período de três anos.
Portanto, aquela noção de que não adiantaria continuar com alguma terapia
após as 12 semanas iniciais, já na fase crônica, não era correta.
109
Tecnologias e Saúde - Diagnóstico e Reabilitação
Nos últimos quinze anos, observou-se que as variáveis envolvidas eram
muitas e procurou-se identificar qual seria a influência das diferentes variáveis
na reabilitação do paciente; qual seria a melhor terapia para esses pacientes.
Um dos modelos utilizados, também já mencionado neste simpósio, foi
utilizar conceitos do aprendizado motor como um paralelo para a reabilitação.
Não há necessariamente um modelo mais correto, mas esse foi o modelo
adotado. Tanto na reabilitação motora como no aprendizado motor, o objetivo
é aprender rápido, mas também é manter o que se aprendeu. Dias ou semanas
depois, desejamos ser capazes de repetir o que se aprendeu previamente.
Foram realizadas diferentes pesquisas, com grupos distintos, procurando
observar se haveria um limite de idade, qual a influência do local da lesão
(dependendo do local da lesão, o paciente melhora de maneira muito diferente
depois de um AVC), da prática e da intensidade dos exercícios (uma ou duas
horas por dia).
Há cerca de três ou quatro anos, começamos a trabalhar com algumas outras
áreas. Uma delas é formada por crianças com paralisia cerebral, outra é a
dos membros inferiores, além dos membros superiores, na parte de marcha.
Imediatamente após o AVC, antes que o paciente esteja pronto para iniciar a
terapia, ainda no quarto do hospital, 48 ou 72 horas após o AVC, inicia-se a
terapia com o paciente sentado, de forma mais confortável.
110
Moda Inclusiva e Cultura
Debater moda inclusiva é promover a diversidade. O objetivo é chamar a atenção
para o tema, ajudando na promoção de uma sociedade mais inclusiva, bem como
colaborando para elevar a autoestima das pessoas com deficiência. O crescente ingresso
de pessoas com deficiência no mercado de trabalho gera consequente aumento de seu
poder aquisitivo e sua demanda por produtos e serviços em geral, como peças de
vestuário e programas culturais acessíveis a todos os públicos.
Daniela Auler (moderadora) – Assessora da Secretaria de Estado dos Direitos
da Pessoa com Deficiência do Estado de São Paulo - São Paulo, SP
Thaís Tavares Terranova – Terapeuta Ocupacional do Instituto de
Reabilitação Lucy Montoro - São Paulo, SP
Lara Pozzobon – Diretora do Festival de Cinema do Assim Vivemos - Rio de
Janeiro, RJ
Camila Yahn – Diretora do Pense Moda e Editora Assistente da Revista Moda
- São Paulo, SP
Aline Cristina Fernandes de Nóbrega – Analista de Marketing - Vicunha
Têxtil S/A - São Paulo, SP
Thaís Tavares Terranova: A Terapia Ocupacional considera que a promoção
e manutenção da saúde ocorre quando as pessoas são capazes de se engajar
em atividades e desempenhar papéis ocupacionais que permitam a sua
participação, desejada e necessária, em casa, na escola, no trabalho e na
comunidade.
Esse conceito baseia-se na Classificação Internacional da Funcionalidade, que
encara a condição de saúde/doença como resultante não somente das
estruturas e funções corporais, mas, numa visão mais ampliada, da
Moda Inclusiva e Cultura
participação de fato nas atividades que compõem a rotina e o dia-a-dia da
pessoa nesses diferentes contextos. Tudo isso é influenciado, o tempo todo,
por fatores ambientais e sociais.
Nesse sentido, atividade é o ato ou ação específica de um indivíduo. Por
exemplo, cozinhar. Já a participação é o ato de se envolver numa situação real
de vida, envolvendo todas as características do ambiente, da atividade que
está sendo realizada, a interação com as pessoas e com o ambiente.
Daí vem a ideia que temos, na Terapia Ocupacional, da relação entre a
atividade, o indivíduo e o meio. Essa tríade define o perfil ocupacional (as
ocupações que a pessoa vai assumindo ao longo da vida, os seus papéis em
todos esses contextos), o seu desempenho na atividade ou ocupação, as
habilidades e padrões necessários, os fatores individuais da pessoa que realiza
dada atividade e a identificação de facilitadores e barreiras para o
desempenho daquela atividade.
As áreas de desempenho ocupacional são as atividades da vida diária
(atividades de autocuidado e automanutenção), as atividades instrumentais
de vida diária (que complementam as atividades básicas, como o cuidado
com a casa, o cuidado com outra pessoa, fazer compras, gerenciamento do
dinheiro, etc.), descanso, sono, lazer, trabalho, estudo e brincar.
Nesse contexto, vamos nos deter aqui na atividade de vestuário. Trata-se de
atividade bastante comum, rotineira, que realizamos várias vezes ao dia,
geralmente sem parar para pensar na sua complexidade. As tarefas
relacionadas ao vestuário incluem selecionar roupas e acessórios apropriados
ao período do dia, ao clima e à ocasião, ir até o local onde roupas e acessórios
estão guardados e alcançá-los, o ato de se vestir e despir, ajustar e manusear
complementos como botões, zíperes, cadarços, fivelas, etc.
As habilidades requeridas para essas tarefas são de natureza motora
(amplitude de movimentos, força, equilíbrio, etc.), sensorial (visão, tato) e
cognitiva (planejamento, sequência, etc.).
Em seguida, há que se considerar o que poderia facilitar e o que poderia
representar uma barreira para essa atividade. Pensamos numa pessoa com
deficiência, numa gestante que precisa ir várias vezes ao banheiro, um idoso
com dificuldades de movimento. As peças de roupa disponíveis no mercado
respondem a algumas das demandas dessas pessoas?
112
Moda Inclusiva e Cultura
Considerando-se os fatores facilitadores, temos algumas estratégias para
adequar as peças de roupa, às vezes de maneira personalizada, como
substituir zíperes ou botões por velcro, utilizar calçados com velcro ou elástico
em vez de cadarço, argolas que podem facilitar o manuseio do zíper, aberturas
laterais na calça, que facilitam o desempenho de atividades como passar uma
sonda, colocar ou retirar a prótese, etc. São estratégias que contribuem para
o processo de reabilitação.
Complementarmente, como uma tendência, há algumas inovações
tecnológicas, como elásticos incorporados aos tecidos pouco flexíveis,
acabamentos químicos utilizados nos tecidos que promovem hidratação para
a pele, ou são cicatrizantes, bactericidas, etc. Essas opções todas estão
disponíveis fora do Brasil, particularmente no mercado europeu e americano.
Há empresas que produzem peças com design customizado, bastante
adequadas às necessidades do cliente. As roupas sem costura já são um pouco
mais comuns. Além disso, há tecidos orgânicos, com maior flexibilidade, a
texturização e as etiquetas em braile.
Um dos vários aspectos importantes relacionados ao vestuário é a
funcionalidade (o quanto a roupa permite o bom desempenho das atividades
do dia-a-dia). Essa noção não se restringe às pessoas com deficiência. É preciso
que a roupa que usamos seja adequada às atividades que realizamos; ela
não deve limitar a atividade. O conforto e a segurança das peças de vestuário
e calçados (algumas pesquisas mostram que certos tipos de calçado impõem
maior risco de queda ou torção do pé) também são aspectos importantes. Os
valores, significados e costumes também são fatores importantes, pois a
escolha de uma roupa não é mediada somente pela sua funcionalidade. Há
que se considerar se aquela estética agrada ao seu usuário, há uma relação
com a sua identidade. O vestuário está colaborando para a autoestima? Uma
pessoa que nunca gostou de usar uma calça de moleton provavelmente não
se sentirá bem ao utilizar uma calça desse tipo agora. Outro aspecto que
pode ser levado em conta é o das tendências da moda.
A título de exemplo, algumas roupas diferentes para pessoas e atividades
diferentes: uma mulher grávida precisa de uma roupa confortável e com
certa leveza; para dançar, a roupa precisa ter uma funcionalidade apropriada,
mas a estética também é um ponto valorizado; para praticar educação física,
a roupa deve ser flexível; um artista circense que utiliza uma perna de pau
também precisa de uma roupa adequada para a sua atividade.
113
Moda Inclusiva e Cultura
Lara Pozzobon:
A produtora relata que seu conhecimento sobre a relação entre as pessoas
com deficiência e a cultura provém da sua experiência na condução do
Festival de Cinema Assim Vivemos e do diálogo estabelecido com as
pessoas que participam do festival.
O Festival Assim Vivemos é realizado bienalmente desde 2003, no Rio de
Janeiro e em Brasília, no Centro Cultural Banco do Brasil, com patrocínio do
Banco do Brasil. A partir deste ano, realiza-se também em São Paulo. O festival
recebe inscrições do mundo todo e procura selecionar os mais variados títulos,
tanto do ponto de vista geográfico como dos temas abordados. Como em
qualquer festival de cinema, o critério é a qualidade dos filmes. Como se
trata de um festival temático, sobre pessoas com deficiências, juntamente
com a qualidade estética e técnica, considera-se também a adequação e a
abordagem do tema.
Por incrível que pareça, as pessoas que produzem cinema no mundo todo
eventualmente não têm muita familiaridade com a questão da pessoa com
deficiência. Por vezes, o festival recebe trabalhos marcados por um perfil
preconceituoso, aparentemente sem que o diretor o perceba. A grande maioria
das inscrições, entretanto, é de filmes feitos por pessoas entregues,
apaixonadas pelo personagem retratado. A grande maioria dos trabalhos é
formada por documentários. Há também filmes de ficção, nos quais atuam
pessoas com deficiência. Eventualmente, o festival recebe ainda animações
sobre o tema.
A produtora descreve o primeiro filme produzido por ela e pelo Sr. Gustavo
Acioli, o curador do Festival Assim Vivemos. Trata-se de um curtametragem de ficção, cuja personagem principal é uma moça cega. Para
fazer o filme, os realizadores conheceram o universo das pessoas com
deficiência visual. A atriz que fez o papel da moça cega é vidente e fez
uma preparação no Instituto Benjamin Constant, que incluiu aulas de
reabilitação vendada. Foi um trabalho universitário, uma produção muito
modesta, tecnicamente e na sua proposta. O filme acabou tendo uma
carreira muito maior que a inicialmente imaginada e foi convidado para
um festival em Munique, na Alemanha. Ao descobrirem que se tratava
de um festival temático, somente com filmes relacionados a pessoas com
deficiências, tiveram a inspiração de fazer um festival brasileiro nos
mesmos moldes.
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Moda Inclusiva e Cultura
A respeito da relação das pessoas com deficiência com a cultura, pode-se
pensar em três situações. Na primeira, a pessoa é retratada na obra, seja em
filmes de ficção, em documentários ou no jornalismo e, de forma mais ampla,
na comunicação audiovisual em geral. Na segunda situação, a pessoa com
deficiência é espectadora da obra, com todas as questões da acessibilidade,
como a audiodescrição para cegos e as legendas ou a interpretação em LIBRAS
para surdos. O ideal é que haja esses dois recursos, pois parte da audiência
pode ter deficiência visual e outra parte pode ter deficiência auditiva. A
terceira situação é aquela em que a pessoa com deficiência é criadora de arte,
de conteúdo cultural.
Em relação à pessoa com deficiência como espectadora, os recursos de
acessibilidade disponíveis no Festival Assim Vivemos desde a sua primeira
edição são a audiodescrição, com uma descrição de todas as cenas e imagens
que não podem ser entendidas somente pelo áudio. Tudo o que ocorre entre
os diálogos do filme, somente nas imagens, é descrito para que a pessoa que
não enxerga entenda a cena: as ações físicas, o cenário, detalhes da atuação,
objetos, a movimentação que ocorre no filme, etc. A audiodescrição pode ser
feita no cinema, no teatro, em espetáculos de ópera. Ela permite que a pessoa
com deficiência visual assista e compreenda uma obra audiovisual ou uma
encenação.
Em relação às pessoas com deficiências retratadas nas obras audiovisuais
inscritas no Festival, observa-se que, mesmo com toda a intenção de retratar
aquela realidade com sensibilidade, percebe-se que falta aos realizadores,
muitos deles brasileiros, a intimidade necessária com o tema. Os realizadores
não estão desarmados do preconceito ou de alguma forma de “susto” em
relação à diferença. Assim, há projetos e procura-se divulgar a noção de que
uma aproximação com o objeto a ser retratado, seja uma pessoa ou um grupo
com deficiência ou ainda outros grupos sociais, necessariamente é preciso
ter uma proximidade, uma compreensão daquilo, sem as barreiras de
preconceito. Caso contrário, não será possível fazer um retrato mais natural
e a pessoa não conseguirá se manifestar claramente ou mais amplamente,
inclusive alcançando maior ressonância no público, por se tratar de um retrato
mais integral.
Na condição de criadores, existem alguns festivais no mundo que recebem
filmes feitos por pessoas com deficiências. Ocorre que esses festivais acabam
se tornando eventos de assuntos gerais, um festival de cinema que não tem
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Moda Inclusiva e Cultura
um foco temático. Assim, no Festival Assim Vivemos, esse não é um critério
de aceitação da inscrição, pois o filme poderia tratar de qualquer assunto. Se
o filme for sobre pessoas com deficiência e tiver sido realizado por pessoas
com deficiência, naturalmente é possível que desperte maior interesse, mas
esse não é um critério.
Quanto à acessibilidade nos meios de comunicação e nas produções culturais
em geral, a experiência com o Festival levou a uma descoberta óbvia: a
acessibilidade é importante em todas as esferas, tanto da cultura e da
informação como da mobilidade, por exemplo. Começou-se então a pensar
em projetos que não tivessem um foco temático na questão da deficiência,
mas que dispusessem de recursos de acessibilidade. Assim, produziu-se
recentemente uma peça de teatro, de Tennessee Williams, sem qualquer
relação com o tema da deficiência, mas que contou com audiodescrição e
também com interpretação em LIBRAS. Não foi possível apresentar legendas,
mas o público atendido ficou bem coberto por esses dois recursos. Procurase também fazer com que os produtores culturais em geral percebam que
qualquer tipo de produto cultural e artístico precisa ter recursos de
acessibilidade, pois esse público quer assistir a todo tipo de espetáculo, e
não somente sobre os seus próprios temas.
Criou-se também um website que, à medida que foi sendo desenvolvido,
descobriu-se tratar de um pioneiro mundial. Trata-se do “Blindtube.com”,
um portal de entretenimento com acessibilidade. Ali são apresentados curtasmetragens de todos os temas, principalmente filmes de ficção e alguns
documentários, com acessibilidade. A ideia é sinalizar que a acessibilidade é
um dado fundamental. Procura-se assim sensibilizar as pessoas,
especialmente outros produtores, para a necessidade da acessibilidade em
todo tipo de conteúdo cultural.
Além do Festival Assim Vivemos, realizado apenas a cada dois anos, em três
cidades do Brasil, há tentativas de se levar o Festival para outras cidades. De
qualquer forma, continuará sendo um evento pontual, com duração de apenas
duas semanas. Por isso, a televisão pública brasileira “TV Brasil” dispôs-se a
exibir o programa Assim Vivemos, semanalmente. Atualmente, vai ao ar às
quintas-feiras ao meio-dia e meia. É um programa de meia hora, com filmes
que já foram exibidos no Festival e outros inéditos.
No programa traça-se o perfil de um brasileiro, inserido na nossa sociedade,
com a sua vida e a sua autonomia. Em seguida, é exibido um filme, na maioria
116
Moda Inclusiva e Cultura
são filmes estrangeiros (de trinta e poucos filmes, apenas três são brasileiros).
Assim, trata-se de um grande painel multicultural, a exemplo do Festival.
Há trabalhos da Bulgária, da Polônia (por sinal, um grande país produtor de
filmes sobre o tema). É um canal que permite exibir, com a ampla divulgação
da TV pública aberta.
Foi possível também editar um DVD com quatro curtas-metragens dos mais
votados pelo público do Festival de 2007, com dois mil exemplares para
distribuição gratuita a instituições. Essa iniciativa foi possível graças à entrada
da Petrobras como copatrocinadora do Festival. O DVD tem legenda, closed
caption e audiodescrição.
Camila Yahn: Infelizmente, na moda, estamos muito atrasados. A moda que
vemos nas revistas, no cinema e pouco nas ruas, que causa o desejo de se
consumir uma roupa, um corte de cabelo, escolhe um padrão e o impõe à
sociedade. “A mulher bonita é a Gisele Bündchen.” “A bolsa legal é aquela
que custa quatro mil reais.” Infelizmente, a mídia é muito responsável por
isso. A moda não é democrática.
Pode começar a existir um movimento para “quebrar” um pouco a imagem
de perfeição que todos passam a perseguir. As próprias telenovelas
contribuem para essa idealização, da beleza cada vez mais jovem. O assunto
é vasto. Muitos ainda veem a moda como algo fútil, mas esse é o segundo
maior segmento gerador de trabalho em São Paulo. Portanto, o mercado a
explorar é gigantesco.
Tomemos, por exemplo, a GAP, uma marca americana que não atua no Brasil,
e possui uma linha para grávidas, roupa de baixo masculina, roupas
masculinas, femininas, para crianças, adolescentes, bebês, todas as estações
do ano, de todas as cores e tecidos, roupas amplas, justas ... Por que a GAP
não possui uma linha para pessoas com deficiência?
Uma empresa que já possui uma boa estrutura poderia formar mais uma
equipe, que pesquisasse, envolvendo também as próprias pessoas com
deficiências em diferentes níveis, de forma a alcançar uma expertise e poder
lançar produtos que sejam úteis, que estejam além de uma moda, que
propiciem um momento de inclusão. É muito gostoso ir a uma loja, depois
de olhar as campanhas em jornais e revistas, TV ou trailers de cinema, e
117
Moda Inclusiva e Cultura
adquirir aquele produto, sentir-se parte daquela moda. Por outro lado, é
ruim perceber que não somos bem-vindos, pois não existe ali algo que
possamos utilizar.
No Brasil, C&A, Renner, Riachuelo, Marisa também teriam muita estrutura
para iniciar esse segmento. Se houvesse seções em cada loja voltadas para
esse público, isso ajudaria muito na autoestima das pessoas. Uma calça de
moleton é muito simples, fácil de usar, não tem zíper ou velcro, é confortável,
aquece. No entanto, quem disse que essa seria a opção de uma pessoa com
algum tipo de deficiência? Essa pessoa também quer consumir, também quer
fazer parte, também olha e acha bonito, poderia consumir produtos de moda.
Entretanto, não há disponibilidade de produtos para esse público. Roupas
mexem muito com a nossa autoestima. A roupa traduz um pouco o nosso
espírito, nosso comportamento, nosso humor.
Economicamente, é um mercado a ser explorado, com muitas possibilidades.
Para a pessoa com deficiência, há esse aspecto da autoestima, que é muito
importante. Além disso, seria um novo espaço de trabalho para pessoas com
deficiência. No primeiro concurso de moda inclusiva, realizado neste ano,
muitas estilistas desenharam roupas especialmente para pessoas com uma
determinada deficiência. A própria pessoa consultada desfilou com a sua
roupa. Foi muito inspirador ver estilistas bem jovens, recém-formados,
mergulhando numa profunda pesquisa para melhorar o dia-a-dia dessas
pessoas, por meio de roupas bonitas, que favorecem a acessibilidade, dão
mais independência.
Não por acaso, esta discussão está ocorrendo em São Paulo, onde o mercado
é muito forte, mas para ocorrer em nível nacional talvez fosse necessária
uma iniciativa do poder público. Sem dúvida, uma vez iniciado um
movimento nesse sentido, sensibilizando as grandes empresas, que possuem
mais estrutura para a criação de segmentos específicos, ele se disseminaria
para as marcas menores e eventos de moda, como a São Paulo Fashion Week e
a Fashion Rio. É um longo caminho, mas muito promissor.
Aline Cristina Fernandes de Nóbrega: Com base no conhecimento de
empresas do ramo têxtil e do contato com empresas de aviamentos e outras,
pode-se dizer que a criação de um segmento de moda voltado para pessoas
com deficiência é perfeitamente possível. O Brasil tem confecções espalhadas
118
Moda Inclusiva e Cultura
por todo o país, é uma área economicamente forte. Alguns dados indicam
que a área de confecção é a segunda maior do Brasil, em movimento. O país
conta com empresas têxteis dos mais diversos tipos de tecido, malharias,
tecido plano, empresas de aviamento, confecção, etc.
Muitas vezes, a pessoa com deficiência nem mesmo percebe a possibilidade
de usar roupas que a satisfaçam mais esteticamente. É preciso despertar para
aspectos como estética, beleza e autoestima. São aspectos que fazem parte
da vida de todos. Todos querem estar bonitos, bem-vestidos. É preciso
também despertar as empresas e profissionais, trazer essa discussão inicial,
como o evento de moda inclusiva realizado recentemente, para um âmbito
maior.
Thaís Tavares Terranova: Observamos no dia-a-dia do atendimento que as
pessoas com deficiência procuram soluções específicas e personalizadas para
os seus problemas. Faz-se uma barra diferenciada, uma abertura para a
passagem de uma sonda, uma bolsa de tecido para colocar o coletor de urina,
etc. Com orientação do terapeuta, numa camisa com botões pode-se aplicar
o velcro para a função de abrir e fechar, mantendo-se os botões por cima
para que a aparência estética seja semelhante à camisa convencional. Assim,
aparentemente a camisa está abotoada, mas o que a mantém fechada é o
velcro.
São medidas muito individualizadas, que inclusive respeitam as preferências
do usuário. Algumas pessoas não gostam do velcro, preferem manter os
botões. O uso da saia é outro exemplo. Mulheres com alguma deficiência,
que gostem de usar saia, têm muita dificuldade e deixam de usar esse tipo
de roupa. As calças jeans geralmente possuem bolsos posteriores, numa
região sobre a qual a pessoa fica sentada o dia todo. Talvez fosse interessante
posicionar os bolsos em outro lugar, facilitando o seu alcance e evitando a
agressão da pele pelas costuras, geralmente muito salientes nas calças jeans.
As próprias famílias das pessoas com deficiência é que providenciam essas
adaptações.
Aline Cristina Fernandes de Nóbrega: Percebemos que as medidas citadas
são corriqueiras, que exigiriam poucas providências para a sua adoção pela
119
Moda Inclusiva e Cultura
indústria, como a mudança de localização de um bolso, uma abertura
adicional numa calça, etc. Ressaltamos que é possível criar soluções
esteticamente interessantes que a indústria poderia incorporar às suas peças.
Daniela Auler: Essas soluções surgem quando os estudantes de moda são
convidados a criá-las e levá-las para o mercado, daí a importância de
programas como o concurso de moda inclusiva, já mencionado. Alguns
participantes do concurso já estão trabalhando no mercado com foco na
criação de produtos que contemplem a diversidade, pensando na pessoa
com deficiência, fora do padrão estético imposto por certo tipo de sociedade.
Assim, programas que promovam uma mudança na forma de os criadores
enxergarem a moda, têm um potencial muito grande para chegarem ao
mercado têxtil e de confecção. Com a lei de cotas, a crescente autonomia das
pessoas com deficiência, cada vez mais presentes, trabalhando, surge um
mercado consumidor forte, que também pressiona toda a indústria.
Aline Cristina Fernandes de Nóbrega: O estudante tem sempre uma ideia
inusitada, original. Se essa visão vem desde a época da faculdade, mais ampla,
naturalmente as iniciativas vão surgindo.
Camila Yahn: Muitas ações podem ser realizadas. A moda, como qualquer
outro segmento, deve explorar também a inclusão profissional da pessoa
com deficiência. Quando um profissional recém-formado vai fazer um estágio
no mercado profissional, o estilista começa cortando botão, por exemplo. É
o relato do Alexandre Herchcovitch, um importante estilista brasileiro. Se
entrar um botão com defeito, perde-se a qualidade do produto final. Parece
uma questão menor, mas tem a sua importância. Em seguida, passa-se para
outra área. Depois de algum tempo, o profissional está mais próximo daquilo
que realmente deseja fazer, seja desenhar, modelar ou mexer com tecido.
Essas vagas também devem estar abertas para pessoas com deficiência, que
podem preencher algumas delas e se profissionalizarem naquilo que gostam
de fazer. Poderia haver um portal na internet que levasse as pessoas para o
mercado de trabalho.
120
A Transformação em Números
No Brasil, os dados do Censo de 2000, realizado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística), indicaram um percentual de 14,5% da população com algum
tipo de deficiência. Desse total, 16,7% têm deficiência auditiva, 48,0% deficiência
visual, 22,9% deficiência motora, 4,1% deficiência física e 8,3% deficiência
intelectual. Mais do que estatísticas, esse contingente representa uma importante
parcela da população, que requer uma melhor compreensão sobre quem são e do que
necessitam para a garantia de sua completa inclusão social.
Cid Torquato (moderador) – Coordenador de Articulação Institucional e
Políticas Públicas da Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com
Deficiência - São Paulo, SP
Felícia Reicher Madeira – Diretora Executiva da SEADE - Fundação Sistema
Estadual de Análise de Dados - São Paulo, SP
Felipe Soutello – Presidente do Centro de Estudos e Pesquisas de
Administração Municipal - Fundação Prefeito Faria Lima - São Paulo, SP
José Roberto Sevieri – Diretor-Presidente do Grupo CIPA Congressos e
Eventos Comerciais - São Paulo, SP
Hélio Zylberstajn – Professor da Faculdade de Economia da Universidade
de São Paulo - São Paulo, SP
Neyza Furgler – Gerente de Pesquisa da Cultura Data - Fundação Padre
Anchieta - São Paulo, SP
José Eduardo Soler – Gestor de Projetos da Secretaria de Gestão Pública do
Estado de São Paulo - São Paulo, SP
Felícia Reicher Madeira: A Fundação SEADE é um órgão ligado à Secretaria
de Economia e Planejamento do Estado de São Paulo. A área de atuação da
A Transformação em Números
Fundação SEADE é semelhante à do IBGE: este último faz parte do
planejamento em nível federal e a Fundação SEADE é um órgão estadual.
O objetivo da Fundação SEADE é justamente trabalhar com números,
transformar a realidade em números. Ela capta, organiza e divulga números
extremamente importantes, de estatísticas, porque na verdade as pessoas
têm um universo de circulação muito pequeno. Elas tendem a ver a realidade
segundo esse universo de circulação e, frequentemente, se surpreendem
quando os dados dizem respeito a um universo muito maior. Assim, a
Fundação SEADE trabalha com indicadores de monitoramento da situação
socioeconômica do Estado ou do país. Talvez o indicador mais frequente
levantado pela Fundação SEADE seja o das taxas de desemprego, divulgadas
todos os meses. Recentemente, divulgou o índice de vulnerabilidade juvenil.
Vários órgãos das diferentes Secretarias ou mesmo da sociedade civil
procuram a SEADE para desenvolver projetos, para captar as informações
de gestão dos programas ou para conhecer a realidade efetiva do fenômeno
tratado. A Secretaria dos Direitos da Pessoa com Deficiência, ao procurar o
SEADE, surpreendeu pela qualidade da interlocução.
Normalmente, as pessoas que procuram a SEADE para pesquisa, grosso
modo, são de dois tipos. Um deles afirma que os dados disponíveis estão
errados, vai levantar os dados, porque já sabe que “a realidade é assim”. O
interlocutor que começa com essa postura não está esperando um retrato da
realidade, mas que a realidade seja uma projeção do que efetivamente ele
quer. Isso é muito comum. Do lado oposto, outro tipo de demandante que
procura a SEADE não sabe como resolver o problema, não tem ideia, não
tem números e nenhuma informação. É muito difícil organizar informação
para quem não sabe o que quer.
O diferencial da Secretaria dos Direitos da Pessoa com Deficiência, ao procurar
a SEADE, é que as pessoas surpreendentemente sabiam o que queriam, de
que forma queriam e estavam efetivamente buscando uma instituição que
fornecesse informações para a implementação das políticas.
O objetivo geral da colaboração da SEADE com a Secretaria dos Direitos da
Pessoa com Deficiência é a organização e produção de dados captados junto
a instituições e prefeituras, visando a prover a Secretaria de informações
para a ampliação de sua atuação e inclusão social das pessoas com deficiência.
122
A Transformação em Números
São três projetos. Um deles é a geração de um cadastro de instituições públicas
e privadas que atuem na área de pessoas com deficiência. Atualmente, não
existe um cadastro com essas características. Uma vez definido o cadastro,
um segundo projeto envolve entrar em contato com as instituições, para
verificar se o cadastro está correto e levantar uma série de informações sobre
essas instituições. Assim, pela primeira vez a Secretaria está organizando
um cadastro que não existe atualmente, de instituições que trabalham com
pessoas com deficiências. O terceiro projeto é uma pesquisa realizada
diretamente com as prefeituras, para descobrir quais os municípios que
efetivamente têm programas para deficientes, quais municípios não têm
programas e quais são os programas existentes.
Para gerar o cadastro único, é necessário consultar todos os cadastros
previamente disponíveis. Por meio de um processo de palavras-chave, um
avanço tecnológico muito grande, constroi-se o cadastro único. Depois de
concluído o cadastro único, pode-se colocar um questionário na Internet,
para coletar informações bastante detalhadas de cada uma das instituições.
O interessante é que as informações cadastradas ficam num sistema, de tal
forma que um gestor pode, por exemplo, quantificar as instituições
apropriadas para os deficientes e obter um indicador. Outra informação é o
número médio de deficientes nessas instituições. Os dados podem ser
organizados por característica das instituições. Assim, não se trata de
simplesmente “transformar em números”, como no título deste simpósio,
aqui, mas é um instrumento de gestão da maior importância, no qual são
baseados repasses de verbas para as instituições. É possível ter um
monitoramento efetivo do que está acontecendo nessas instituições.
No terceiro projeto, igualmente importante, as prefeituras preenchem um
questionário pela Internet sobre o seu trabalho com os deficientes, a natureza
do trabalho, se é vinculado a alguma ONG (Organização NãoGovernamental) ou não; é um conjunto grande de questões. O salto de
qualidade se deu porque cada um desses trabalhos é feito numa relação muito
estreita com a Secretaria, que conhece efetivamente o problema. Cada uma
dessas informações é testada em relação à sua consistência. Assim, concluído
o projeto, a Secretaria terá dois instrumentos de gestão e organização de
informação extremamente importantes. Uma delas é originária das
instituições que efetivamente trabalham com deficientes. A outra será um
outro cadastro, que diz respeito às prefeituras.
123
A Transformação em Números
Felipe Soutello: O CEPAM (Centro de Estudos e Pesquisas de Administração
Municipal) é uma fundação do Governo do Estado de São Paulo, criada para
ajudar os municípios no seu desenvolvimento, no seu fortalecimento. Os
números que o CEPAM tem a apresentar representam o esforço do Estado e
seus municípios no sentido de tornar suas cidades mais acessíveis. Há 42
anos, essa fundação vem prestando consultoria em projetos, desenvolvendo
políticas públicas, fazendo a relação entre o Governo do Estado de São Paulo
e as prefeituras e ajudando os municípios do Estado de São Paulo a se
desenvolverem.
No tema específico da acessibilidade, da pessoa com deficiência, por meio
do trabalho da Adriana Almeida Prado e outros colaboradores, há 16 anos o
CEPAM vem atuando em conjunto com os municípios. A transformação em
números é decorrente de uma transformação política; vivemos um momento
muito interessante no país e particularmente no Estado de São Paulo. Nunca
a causa da pessoa com deficiência, a dificuldade de mobilidade e a
acessibilidade tiveram tanta reverberação e tanto apoio político institucional.
O Governador, preocupado com essa temática, criou uma Secretaria específica
para isso, com uma Secretária que é um ícone do movimento, brilhante, com
muita tenacidade, que está fazendo um belíssimo trabalho.
Temos que transformar o momento político e não deixar que o movimento
retroceda, temos que potencializar esse movimento. O CEPAM, que de
alguma forma vem há mais de uma década conversando com as cidades
sobre esse tema, está muito satisfeito com esta oportunidade. Desde 1993,
promove uma discussão com os municípios sobre as necessidades da pessoa
com deficiência. Em 1994, discutiu a participação da pessoa com deficiência
na administração pública e, em 2001, houve uma parceria do CEPAM com o
SEBRAE (Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), chamada
“Município Acessível ao Cidadão”. Talvez poucos conheçam um trabalho
pioneiro muito interessante, sobre como os passageiros portadores de
necessidades especiais com deficiência física devem ser tratados nos trens
da região metropolitana. O CEPAM é o parceiro da Companhia Paulista de
Trens Metropolitanos nesse processo.
Mais recentemente, o CEPAM desenvolveu com a Secretaria dos Direitos da
Pessoa com Deficiência três trabalhos interessantes. Em 2008, um livro reuniu
todas as informações para que as cidades possam se tornar mais acessíveis,
os próprios públicos, ruas, calçadas, etc. Em 2009, produziu-se um material
124
A Transformação em Números
que trata do Plano Municipal de Acessibilidade e uma revista que consolida,
de alguma forma, todo o trabalho realizado ao longo dessas décadas,
sobretudo com a Secretaria neste último ano, mostrando os avanços da
política voltada para a pessoa com deficiência no Estado de São Paulo.
Depois deste breve histórico, vale mencionar três princípios de motivação
para o trabalho do CEPAM. O seu campo de trabalho é a administração
pública municipal. Somente quando todos os serviços públicos, todos os
prédios públicos forem acessíveis a todas as pessoas, teremos uma sociedade
igualitária e democrática. Este é um princípio norteador do trabalho do
CEPAM. Em segundo lugar, lamentavelmente nós, seres humanos, de modo
geral somos pouco criativos em incluir; somos mais criativos em excluir do
que em incluir. Temos dificuldade em recepcionar e incluir o namorado novo
da nossa irmã, o amigo novo na roda do bar. É um desafio muito grande
mudar essa cultura, sermos mais criativos em incluir do que em excluir. Em
terceiro lugar, consideramos o tamanho dessa questão no Estado de São Paulo:
são 4,2 milhões de pessoas com algum dificuldade da acessibilidade. Portanto,
é preciso um esforço coletivo de instituições, de empresas, de pessoas
interessadas no tema, para que se possa reverter a situação. Essa é a motivação
do CEPAM para essa política.
Com toda a experiência que o CEPAM vem acumulando, é um grande prazer
trabalhar com a equipe da Secretaria dos Direitos da Pessoa com Deficiência,
para subsidiar a gestão pública e aprimorar a política desse segmento. Dentre
os seus vários capítulos, vale destacar neste momento as oficinas de
acessibilidade e o observatório.
As oficinas da capacitação para elaboração do Plano Municipal de
Acessibilidade constituem os instrumentos pelos quais as cidades declaram
a determinação de tornar-se mais acessíveis. Há princípios para que esse
plano aconteça. Um deles é a participação, para que o plano aconteça de forma
democrática e aberta a toda a sociedade. Outro é a inclusão: na discussão do
plano devem ser incluídas as pessoas com deficiência, para que elas possam
dar o seu testemunho, ajudar e orientar a cidade na direção daquilo que é
importante. Os realizadores da política devem ter poder real de transformação,
como o Governo do Estado de São Paulo está fazendo com a sua Secretaria,
ao menos para quebrar a inércia e colocar a política em movimento.
125
A Transformação em Números
É preciso também que a ação seja matricial, que envolva todas as áreas da
administração. A acessibilidade não é o mero rebaixamento das calçadas, é
também educação inclusiva, é uma questão muito mais ampla. Todas as áreas
da administração têm que estar envolvidas com a política de acessibilidade.
O quinto tópico é que é preciso ter dinheiro. Discurso e vontade não bastam;
é preciso ter dinheiro para realizar a tarefa. O orçamento público deve prever
a despesa, o investimento para realização dessa tarefa. O sexto ponto é visão
de futuro. O plano municipal é uma expressão de planejamento, não deve
levar em conta apenas a situação atual, definir quem são as pessoas com
dificuldade de mobilidade ou acesso na cidade e desenvolver um plano para
agora. É preciso pensar em perspectiva de tempo. A sociedade está
envelhecendo; a proporção de idosos na população aumenta num ritmo
bastante acelerado. No futuro, todos teremos alguma dificuldade de
mobilidade. A cidade acessível é para todos nós, não só para quem tem
deficiência, mas também para quem tem alguma dificuldade circunstancial.
O último ponto, mais importante e difícil de acontecer, é a mudança de cultura.
O arquiteto, ao projetar a nova escola ou o novo equipamento urbano, precisa
incorporar o conceito da acessibilidade desde o projeto. Ninguém precisaria
lembrar a ele da necessidade de uma rampa, de um piso tátil ou algo parecido.
Essa questão precisa ser incorporada à nossa vida como algo cotidiano.
Quando esse dia chegar, não precisaremos mais de um Plano Municipal de
Acessibilidade, pois a acessibilidade estará presente em todas as políticas.
A partir desses princípios, foram realizadas 18 oficinas, junto com a Secretaria,
pelo Estado de São Paulo. Foram contatadas mais de 600 pessoas, entre
técnicos públicos, pessoas ligadas a ONGs, membros de conselhos, empresas,
do Ministério Público, pessoas interessadas na questão e membros da
imprensa. Foram atingidas diretamente 218 cidades no Estado de São Paulo,
ou um terço dos municípios paulistas.
Mais importante do que essa cobertura territorial é que esse conjunto de
cidades significa 64,5% da população do Estado de São Paulo. As conversas
envolveram os líderes, as pessoas que fazem a política pública acontecer.
Esse é o número bastante significativo do esforço que está sendo feito para
levar a mensagem da mudança de cultura para o interior do Estado.
As principais conquistas alcançadas foram três. A primeira foi a troca de
experiência, os contatos, os laços refeitos, a união para uma causa importante.
A segunda foi que a questão dos direitos da pessoa com deficiência foi
126
A Transformação em Números
iluminada, passou a ser enxergada com maior impacto. Existe uma cobertura
espontânea da mídia em todo o Estado de São Paulo, que cobriu eventos,
colocou o assunto nos jornais e no rádio, fortaleceu a causa. Em terceiro lugar,
foram plantadas as sementes de que as cidades precisam ter Conselhos
Municipais, gestores, algum tipo de estrutura com pessoas preocupadas com
essa questão, para que a política possa acontecer.
Outro lado do nosso trabalho é a questão do observatório. Trata-se de um
projeto complementar ao que a Fundação SEADE e a Secretaria vêm
desenvolvendo. Experiências interessantes nessa área estão sendo registradas.
Todos estão convidados a fazê-lo, por intermédio de um link na internet. É
importante que as pessoas possam conhecer o que está sendo feito de bom, o
que há de interessante acontecendo no Estado, que os municípios possam
compartilhar e levar aos outros as coisas que já deram certo. É preciso
aumentar a escala, precisamos aumentar o número de pessoas que pensam
sobre esse assunto. Trocar experiências, disseminar iniciativas é um
instrumento muito importante.
Já estão catalogadas 73 experiências, que representam iniciativas espalhadas
pelo Estado, em acessibilidade, em Conselhos Municipais, em educação
inclusiva, em iniciativas na área de transporte, etc. Cabe aqui uma menção
elogiosa à Prefeitura de São Paulo, que tem dado um exemplo de política no
setor, que pode ser evidenciado no número de calçadas acessíveis, na melhora
das calçadas da cidade, na Operação Passeio Livre, no rebaixamento de guias,
no volume de ônibus acessíveis, com um aumento de quase dez vezes na
frota, ao longo dos últimos cinco anos. Vinte e três das experiências
catalogadas estão na região metropolitana de São Paulo, que tem dado um
passo importante no sentido de uma política mais inclusiva. Há exemplos
em todo o Estado de São Paulo, mas precisamos de mais. Todos estão
convidados a participar e a espalhar a informação de que a Secretaria tem
um observatório, quer conhecer as ideias e iniciativas e trocar experiências.
José Roberto Sevieri: Já se afirmou neste simpósio que é preciso mudar a
cultura. Até dez anos atrás, achávamos que não havia deficientes no Brasil,
pois não os víamos. Não se pode mudar a cabeça para uma questão que não
sabemos que existe. Muitos questionam: por que fazer adaptações se não
aparece ninguém? Não aprendemos algo que não sabemos que é preciso
127
A Transformação em Números
aprender; temos que ser estimulados para isso. A ReaTech (Feira Internacional
de Tecnologias em Reabilitação, Inclusão e Acessibilidade) procura produzir
um impacto e levar à sociedade muitas informações sobre as necessidades
das pessoas com deficiência e as necessidades da sociedade, de enxergar
melhor essa realidade.
Projeção de um vídeo produzido para divulgar a ReaTech 2009, com a
seguinte narração:
ReaTech 2009 – a maior feira de reabilitação e acessibilidade do Brasil.
Venha ver o que há de melhor em equipamentos, serviços e novas
tecnologias. A ReaTech 2009 contará com vários eventos, além de uma
variada programação destinada à atividade e inclusão social. Centro de
Exposições Imigrantes, de 2 a 5 de abril. ReaTech 2009 – Um Mundo
Novo em Reabilitação, Inclusão e Acessibilidade.
Esse vídeo foi veiculado nos quinze dias que antecederam a feira, em vários
canais de televisão, levando informações sobre a feira e também sobre
acessibilidade.
Na sua primeira edição, em 2002, a feira ocupou uma área de apenas 4.000
metros quadrados, dos quais 2.000 metros quadrados foram ocupados com
os estandes, e recebeu 7.600 pessoas. O número estimado para indicar o
sucesso do evento seria de 4.000 pessoas, e chegou quase ao dobro disso. Em
2003, foram 10.700 pessoas; em 2004, quase 14.000 pessoas; em 2005, 17 mil
pessoas; em 2006, 18 mil pessoas. Em 2007, houve um salto para 30 mil
pessoas. Em 2008, imaginava-se que o público seria de 32 ou 33 mil pessoas,
mas chegou a 37 mil e, em 2009, voltou para 35 mil pessoas. É a maior
concentração de pessoas com deficiência da América do Sul, a segunda maior
do mundo. Talvez, a ReaTech perca somente para a feira da Alemanha. Todas
essas pessoas juntas acabam conseguindo convergir, falar e passar
informações que também não sabemos, precisamos aprender.
Por exemplo, um projeto de lei do Deputado Arnaldo Faria de Sá prevê que
as pessoas com deficiência aposentadas tenham o direito de suspender a
aposentadoria para assumir um emprego. Se o emprego não der certo, a
pessoa pode voltar para a aposentadoria. Enquanto a aposentadoria está
suspensa, a pessoa não está tomando dinheiro da previdência e ainda recolhe
128
A Transformação em Números
dinheiro aos cofres da previdência, mas mesmo assim essa possibilidade não
está prevista nas leis previdenciárias.
No início do Governo Lula, todos os benefícios fiscais foram cortados,
inclusive aqueles das pessoas com deficiência. Em quatro meses, conseguimos
aprovar um projeto de lei no Senado, para que retornassem os benefícios a
todas as pessoas com deficiência.
Participamos também da confusão das vagas nos estacionamentos dos
shoppings, que hoje são obrigados a chamar a polícia para tirar um carro
estacionado indevidamente na vaga para deficientes. Se o shopping não
chamar, pode ser multado. Se a polícia for chamada, tem que tomar as
providências.
Conseguimos neste ano criar a Carteira Nacional da Pessoa com Deficiência,
permitindo que um deficiente estacione o seu carro em qualquer vaga para
deficientes no país. Até então, uma pessoa de São Paulo, com deficiência,
que estacionasse numa vaga de Santo André, seria multada, porque as vagas
de Santo André eram para os deficientes de lá e não de São Paulo.
A associação da feira, juntamente com as mais de 35 mil pessoas que a
frequentam, mostra caminhos, representando uma massa muito grande de
pessoas, buscando o sucesso das políticas e mudando a cabeça das pessoas
para esse assunto.
A área da feira evoluiu da seguinte maneira: em 2002 a feira ocupou uma
área de 2.300 metros quadrados, em 2003 e 2004 a área foi de 3.800 metros
quadrados; em 2005 foi de 4.500 metros quadrados. Junto com o crescimento
da feira, aumentou a sua importância; as associações e as empresas que
trabalham nesse setor foram aderindo. Presenciamos um grande crescimento
das empresas do setor, que trouxeram novidades e atendem mais e melhor a
todas as pessoas. Em 2006, a área foi de 5.000 metros quadrados, em 2007 foi
de 6.000 metros quadrados, em 2008 foi de 7.700 metros quadrados e, em
2009, de 6.400 metros quadrados, dentro de um ambiente de 22 mil metros
quadrados. Os valores descritos referem-se às áreas de estandes para atender
a pessoas com deficiência. Temos ainda toda a área de esportes, a área das
entidades, de artistas, etc.
Esses números acabam fazendo com que a feira tenha bastante força para
chamar a imprensa, para que a imprensa possa falar à sociedade que a pessoa
com deficiência tem importância, precisa de atenção e de políticas.
129
A Transformação em Números
Trecho do Jornal Nacional, da TV Globo, que abordou o assunto:
Fátima Bernardes: Uma feira em São Paulo apresentou soluções
tecnológicas para ajudar milhões de brasileiros que têm necessidades
especiais. É o que nós vamos ver agora na reportagem de Alan Severiano.
Alan Severiano: O interruptor ficou mais baixo, o corredor é largo e a
janela está ao alcance de quem usa cadeira de rodas.
Depoimento de uma cadeirante: “É muito bom poder olhar pela
janela e ver o que está acontecendo lá fora, sem ter que ficar se erguendo
ou fazendo malabarismos.”
Alan Severiano: A partir de agora, os conjuntos habitacionais em São
Paulo serão erguidos nesse padrão. O custo da casa acessível é 5%
mais alto.
Depoimento: Isso vale não só para a pessoa com deficiência, mas
também para pessoas com mobilidade reduzida: o idoso, a pessoa obesa,
a mulher gestante, entre outros.
Alan Severiano: Esse equipamento, que parece um aparelho auditivo,
promete melhorar a qualidade de vida de quem sofre de gagueira.
Depoimento: A pessoa vai usar o aparelho na orelha e terá a sensação
de estar falando junto com outra pessoa, de forma que a gagueira é
reduzida. O efeito é obtido por meio de um pequeno atraso, ajustado
com o uso de um computador.
Alan Severiano: Metade do mercado para pessoas com deficiência é
de carros adaptados, o que explica a presença maciça de montadoras e
fabricantes de peças de adaptação. Aqui, a tecnologia é cada vez mais
evoluída. A maior barreira continua sendo o preço. Um carro adaptado
custou a este taxista 30 mil reais a mais do que o comum. Para quem
tem carro particular, a última tecnologia à disposição do passageiro é
um banco que se acopla à cadeira de rodas e custa 40 mil reais.
Depoimento: Começando a se disseminar no mercado, o preço será
reduzido.
Alan Severiano: Foi o que aconteceu com o equipamento comprado
por Valdir, que em três anos caiu de 4 mil para 2 mil e oitocentos reais.
130
A Transformação em Números
Depoimento: A gente agora pode sair para tudo quanto é lado, balada,
praia... Esse equipamento é a nossa liberdade.
Uma matéria desse porte no Jornal Nacional custa mais de 450 mil reais.
Para custear o conjunto de tudo o que saiu na televisão apenas neste ano,
seria necessário mais de 1,5 milhão de reais.
No Jornal da Tribuna, saiu uma matéria de página inteira sobre a feira e as
necessidades das pessoas com deficiência. O jornal O Estado de Minas e a
revista Caras abordaram o mundo das pessoas com deficiência. O Jornal da
Tarde destacou a “feira de mobilidade” e os jornais O Estado de São Paulo,
Metrô News, São Paulo News, O Dia, o Jornal do Comércio, o Diário do
Paraná e muitos outros noticiaram a feira. A revista Época também noticiou
a feira. A Folha de São Paulo fez um caderno inteiro, como se fosse o Salão
do Automóvel. Na verdade, a ReaTech é a segunda maior feira de automóveis
do Brasil, pela participação das montadoras. A ReaTech não é apenas uma
feira de automóveis; é uma feira de soluções, com tudo o que se possa
imaginar do mundo das pessoas com deficiência.
A edição do próximo ano terá sinalização para cegos, com piso tátil em toda
a feira e um balcão de informações em cada rua da feira para orientar os
visitantes. A quadra mudará de figura, o palco será invertido, com a frente
para a parede, para diminuir a quantidade de ruído, a ecoterapia será mantida
e, no lugar da fazendinha, faremos a “pet-terapia”.
A ReaTech faz o seu papel de apresentar soluções para pessoas com
deficiência; é um shopping temporário, um local aonde as pessoas vão se ver
e até namorar, inclusive três casamentos já foram realizados no palco da
feira, pois os noivos haviam se conhecido lá. É também um local onde as
pessoas conseguem buscar um novo emprego, pois há empresas procurando
currículos, e conseguem levar as suas dificuldades.
Hélio Zylberstajn: O mercado de trabalho finalmente parece que está se
abrindo para as pessoas com deficiência, e já podemos medir o grau dessa
abertura. O Brasil é um país muito rico em dados do mercado de trabalho e,
surpreendentemente, as estatísticas de trabalho separam os deficientes.
Portanto, podemos saber exatamente quantos são, quem são, o que fazem,
enfim todo o perfil das pessoas que estão empregadas. São informações muito
interessantes, das quais faremos uma síntese.
131
A Transformação em Números
O Dr. Hélio Zylberstajn menciona que, além de professor de economia da USP, é
pesquisador da FIPE - Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas, órgão de apoio
à Faculdade de Economia da USP.
A Secretaria dos Direitos da Pessoa com Deficiência contratou a FIPE para
montar um boletim periódico sobre a inclusão das pessoas com deficiência
no mercado de trabalho. O nome do projeto é MODEM – Monitoramento da
Inserção da Pessoa com Deficiência no Mercado de Trabalho.
As informações são obtidas a partir da RAIS – Relação Anual de Informações
Sociais, que todas as empresas devem apresentar anualmente, fornecendo
detalhes do seu quadro de funcionários ao Ministério do Trabalho, que
divulga as estatísticas resultantes. A RAIS, na verdade, está disponível para
qualquer cidadão, no website do Ministério do Trabalho. O que a FIPE fez foi
organizar os dados da RAIS com a finalidade de monitorar o trabalho dos
deficientes.
Em relação ao tipo de deficiência, nos dados de 2008 observa-se uma
predominância (56%) do deficiente físico. O deficiente auditivo representa
28% e os outros tipos de deficiência têm uma participação menor. Assim,
além de sabermos quantos são os deficientes no mercado de trabalho,
podemos observar qual o seu tipo de deficiência no setor formal da economia.
Dentre as 20 ocupações mais importantes para os trabalhadores com
deficiência, está a ocupação de escriturários, onde atuam 14% dos
trabalhadores com deficiência. É uma proporção maior do que a dos
escriturários no conjunto total dos trabalhadores. Ou seja, em algumas
ocupações há uma propensão maior a aceitar os trabalhadores com
deficiência. É possível fazer essa mesma análise para as 585 famílias
ocupacionais. Foram selecionadas somente as 20 mais importantes.
De maneira semelhante, alguns setores são muito mais receptivos para os
trabalhadores com deficiência: 32% dos trabalhadores com deficiência estão
na indústria. Nos trabalhadores em geral, essa proporção é de 20%. Esses
dados mostram um mapa da ocupação dos trabalhadores com deficiência.
Outro setor bastante acolhedor é o de educação: há uma proporção muito
grande de trabalhadores com deficiência no setor de educação. Outros setores
são menos acolhedores.
132
A Transformação em Números
Os dados podem ser regionalizados e até municipalizados. O prefeito de
uma cidade qualquer do Brasil pode saber qual a participação dos deficientes
no mercado de trabalho da sua cidade. Naturalmente, esse projeto refere-se
somente ao Estado de São Paulo. As regiões administrativas mais acolhedoras
são as de São José dos Campos, Campinas e Bauru, nas quais a proporção de
deficientes é maior do que a proporção dos não deficientes. Provavelmente,
esse dado indica uma intensidade maior de políticas públicas para promover
a inclusão dos deficientes.
Quanto ao gênero, em geral há uma facilidade maior de colocação dos homens
do que das mulheres com deficiência. Dos trabalhadores com deficiência,
64% são homens e 36% são mulheres. Nos trabalhadores em geral, a
proporção de homens é um pouco menor.
Os dados da RAIS mostram também a escolaridade. A proporção de
trabalhadores com deficiência e educação superior é muito grande.
Aparentemente, o mercado recepciona mais os trabalhadores com deficiência
com educação de nível universitário. Nos outros níveis, a proporção de
deficientes é menor do que a do restante do mercado, enquanto no nível
universitário parece que há uma propensão maior.
Os trabalhadores com deficiência são ligeiramente mais idosos do que o
restante dos trabalhadores, o que pode indicar diversas coisas. Por exemplo,
pode indicar que o jovem com deficiência tem um dificuldade maior para se
inserir, por isso a idade média seria maior. É uma possibilidade. Os
trabalhadores com deficiência que têm a menor idade média são
trabalhadores com deficiência mental.
Em relação ao tamanho do estabelecimento, nos dados de 2007 e 2008, há
uma predominância dos estabelecimentos de maior porte. É nesses
estabelecimentos que os trabalhadores com deficiência estão conseguindo
se inserir mais. De um ano para o outro, observa-se também um aumento da
participação de estabelecimentos de tamanho médio, o que talvez seja
resultado da intensificação da política de inclusão.
Sobre os salários, há um achado surpreendente. O salário médio dos
trabalhadores com deficiência é maior do que o dos trabalhadores em geral.
A distribuição não é igual: os com deficiência auditiva são os que recebem
maiores salários e os trabalhadores com deficiência mental recebem menores
salários. Provavelmente, estes últimos exercem funções mais mecânicas, mais
133
A Transformação em Números
manuais, com reflexos no salário médio. No conjunto, entretanto, os
trabalhadores com deficiência recebem salários mais altos que os demais
trabalhadores. É difícil encontrar um emprego, mas, quando se consegue
incluir o trabalhador, a remuneração é relativamente boa, comparando com
o restante do mercado.
Os maiores salários estão nos setores de informação e comunicação; os
menores em alojamentos e alimentação. A distribuição salarial é bastante
heterogênea, refletindo a heterogeneidade do próprio mercado de trabalho.
É possível também saber quais setores pagam mais e quais pagam menos
aos trabalhadores com deficiência, em comparação com os trabalhadores em
geral. Por exemplo, no setor de eletricidade e gás, o salário médio em geral é
de quatro mil reais e dos trabalhadores com deficiência é de 1.600 reais.
Outra informação fornecida pela RAIS é sobre o tempo de serviço e a jornada.
Em média, o trabalhador brasileiro fica 54 meses no seu emprego. O
trabalhador brasileiro com deficiência fica 78 meses. Essa duração também
varia com o tipo de deficiência. Em termos de rotatividade,
surpreendentemente o trabalhador com deficiência está melhor do que os
trabalhadores em geral. A jornada média no Brasil é de 41 horas por semana.
Essa é uma informação interessante, pois há no Brasil uma campanha para a
redução da jornada, mas ela já é relativamente pequena. O Brasil se compara
muito bem, em termos internacionais, na questão da jornada de trabalho. O
trabalhador com deficiência faz uma jornada menor, em torno de 40 horas.
Mais uma vez, esse dado varia de acordo com o tipo de deficiência. O
trabalhador com deficiência auditiva faz jornadas de 44 horas, um pouco
acima da média. O trabalhador com deficiência física faz jornadas de 36 horas.
Esses são os dados produzidos. Na verdade, os dados já existiam; a FIPE
apenas os organizou. Há um trabalho em andamento, com outro conjunto
de dados, também do Ministério do Trabalho, que é o CAGED – Cadastro
Geral de Empregados e Desempregados. Ele mostra a oscilação do emprego
no mês (é um dado mensal). Com isso tudo, pretende-se produzir um boletim
trimestral, acompanhando o mercado de trabalho no Estado de São Paulo
para os trabalhadores com deficiência, em nível municipal. Será possível para
qualquer cidadão entrar na Internet e obter informações muito detalhadas,
muito ricas e precisas sobre a inclusão dos trabalhadores com deficiência no
mercado de trabalho.
134
A Transformação em Números
A outra parte do projeto MODEM será realizada no próximo ano, com uma
pesquisa de campo, pois os dados atualmente disponíveis dizem muito, mas
não dizem tudo. Seria interessante entrar nas empresas em que há
trabalhadores com deficiência e realizar entrevistas de campo, para verificar
como elas estão no seu trabalho, se estão satisfeitas, em que condições
trabalham, como se comparam, em condições de tratamento e de trabalho,
com os outros trabalhadores.
Essa pesquisa envolverá algumas dezenas de estabelecimentos no Estado de
São Paulo. A expectativa é que os resultados sejam positivamente
surpreendentes. As notícias descobertas até o momento são muito boas.
Imaginava-se que o quadro não fosse muito favorável, mas aparentemente
as coisas estão caminhando bem no mercado de trabalho.
Neyza Furgler: Informação e conscientização são essenciais para a inclusão
da pessoa com deficiência e para o desenvolvimento de ambientes mais
integradores e receptivos. Para isso, é preciso primeiramente disseminar a
informação e analisar a produção de conteúdos. A disseminação de
informação se dá pelos meios de comunicação, por exemplo a televisão,
principalmente a televisão pública. A análise da produção de conteúdos é
feita por meio de pesquisas.
É bem sabido que a abrangência da televisão no Brasil é imensa. A televisão
é o meio “horizontal”: 95,1% dos domicílios brasileiros têm televisão. Em
todas as regiões do país, esse índice é bastante alto. A TV está em primeiro
lugar na lista de itens mais importantes do dia-a-dia: 77% dos brasileiros
veem TV. Oitenta e um por cento dos brasileiros passam cerca de quatro
horas diariamente na frente da TV. Portanto, a TV é a principal fonte de
informação dos brasileiros; praticamente seis em cada dez brasileiros
preferem a televisão como meio de informação. Todas essas informações
foram obtidas pelo IBOPE (Instituto Brasileiro de Opinião Pública e
Estatística).
Em resumo, a televisão é o principal meio de comunicação e informação no
Brasil, tem alta abrangência e penetração, está inserida nos hábitos de
consumo do dia-a-dia dos brasileiros, é a mídia da maior alcance (talvez
135
A Transformação em Números
somente o rádio chegue próximo da TV) e potencializa o impacto e a
visibilidade de iniciativas locais.
Ela pode contribuir de maneira significativa para a conscientização da
população e a disseminação de informações. A TV Cultura, por excelência a
TV pública do Estado de São Paulo, atinge diariamente cerca de 3,4 milhões
de pessoas. A título de comparação, a circulação dos jornais diários Folha de
São Paulo, O Estado de São Paulo, Jornal da Tarde, Agora São Paulo e Diário
de São Paulo é de 751 mil por dia. Assim, a TV cultura atinge quatro vezes e
meia mais domicílios em um dia do que a média das edições dos jornais
diários somados em São Paulo.
A TV Cultura tem, no Estado de São Paulo, uma cobertura de 93% (mais de
400 municípios) ou 36 milhões de pessoas somente no Estado de São Paulo.
Se considerarmos o Brasil, por meio das antenas parabólicas, estimadas em
cerca de 15 milhões, cerca de 52 milhões de domicílios ou quase 180 milhões
de pessoas são atingidas pelas emissoras públicas em todo o país.
Assim, a TV Cultura, como uma TV pública do Estado de São Paulo, tem o
papel de usar a sua abrangência e penetração em prol do desenvolvimento
social. Um programa chamado “Vida em Movimento” foi ao ar entre
novembro de 2008 e março de 2009. Esse programa tratou da inclusão, por
meio da prática de atividades físicas, de educação, de trabalho, de esportes,
de recreação, de acessibilidade e de tecnologias assistivas. O apresentador
do programa era o Dudu Braga, que é também uma pessoa com deficiência.
A exibição era feita todos os sábados. Na semana passada houve o Dia
Internacional da Pessoa com Deficiência e a TV Cultura reprisou esse
programa de segunda-feira, dia 30/11, até sábado, dia 5/12.
O perfil do telespectador, quando da exibição de novembro a março do ano
passado, era ligeiramente mais masculino do que feminino, com participação
majoritária de pessoas acima de 35 anos, mas com 22% entre 4 e 17 anos de
idade. Houve um predomínio das classes A, B e C, com cerca de sete pessoas
em cada dez. A audiência média foi de 0,8%, a participação foi de 1,9% e os
picos de audiência ocorreram em novembro, com 1%, e em janeiro, com 0,7%.
Na região metropolitana de São Paulo, 1% significa cerca de 58 mil municípios
atingidos.
O alcance do programa, ou seja, o número de pessoas que viram algum
programa durante no mínimo um minuto, de novembro de 2008 a até março
136
A Transformação em Números
de 2009, foi de mais ou menos 1,2 milhão de pessoas na grande São Paulo.
Projetando-se esse dado para o Estado de São Paulo, chegamos a mais de 1,5
milhão de domicílios e mais e 2,3 milhões de pessoas atingidas.
A conclusão é que, quando se quer informação e conscientização, essenciais
para a inclusão de pessoas com deficiência e o desenvolvimento de ambientes
mais integradores e receptivos, é preciso usar esse meio de comunicação que
é a televisão. A mídia TV tem um papel relevante nessa conscientização da
população brasileira, pelo seu alto índice de afinidade e penetração.
Passando para o outro item, de análise da produção de conteúdos por meio
de pesquisas, a Fundação Padre Anchieta – TV Cultura, em parceria com a
Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência, está
desenvolvendo um projeto de pesquisa em três etapas. A primeira etapa é
qualitativa, com a população em geral. A segunda etapa, também qualitativa,
vai se constituir de entrevistas em profundidade com públicos específicos,
empresários, formadores de opinião, e também de discussões em grupo. Por
fim, haverá uma etapa quantitativa, pela aplicação de um questionário
estruturado, também junto a públicos específicos.
O objetivo dessa pesquisa, num primeiro momento é compreender como a
população encara a deficiência, esteja ela envolvida ou não com esse assunto.
É uma exploração mais conceitual, para saber o que as pessoas pensam, quais
são as atitudes, os comportamentos a respeito dos preconceitos, pré-juízos
que as pessoas têm, sentimentos, reações diante de uma situação que envolva
pessoas com deficiência, que possam nortear o discurso de mudança de
atitude com relação a pessoas com deficiência. A pesquisa pretende captar
justamente o sentimento mais subliminar das pessoas, ver aflorar os
preconceitos e pré-juízos, para tomar decisões a respeito da comunicação.
Após esse estudo conceitual, serão avaliadas as expectativas dos jovens com
deficiência, em relação ao seu futuro, sobretudo ao futuro profissional, as
expectativas das famílias desses jovens e, além disso, o nível de conhecimento
de programas direcionados para pessoas com deficiência, de oficinas de
preparação para o trabalho em instituições especializadas, e de como se dá o
processo de inserção e integração dessas pessoas no mercado competitivo
do trabalho.
O trabalho pretende também avaliar a opinião dos empresários e dos gestores
das empresas públicas sobre o trabalho de pessoas com deficiência e o
137
A Transformação em Números
processo e mecanismo de sua inclusão.
Essas pesquisas e os demais estudos mencionados previamente permitem a
compreensão de como a deficiência é percebida no Brasil, quais são as formas
de aprimorar as condições para as pessoas com deficiência, enfim, permitem
elaborar um quadro da situação, para que se possa avançar no processo de
inclusão. Nesse contexto, a TV tem o papel de potencializar a informação e a
conscientização das pessoas em relação a todos os temas abordados neste
evento.
José Eduardo Soler: A Secretaria de Gestão Pública do Estado de São Paulo
é uma Secretaria-Meio, que provê recursos e habilidades para ajudar outras
Secretarias. Estão vinculadas a ela a FUNDAP (Fundação de Administração
Pública do Estado de São Paulo) e a PRODESP (Companhia de Processamento
de Dados do Estado de São Paulo), onde são executados os programas
Poupatempo e Acessa São Paulo. A missão da Secretaria é ampliar a
capacidade da administração pública e prover ferramentas tecnológicas de
informações gerenciais.
A Unidade de Tecnologia da Informação e Comunicação provê a idealização
dos recursos de tecnologia para as diversas Secretarias estaduais, políticas
de TIC (tecnologia da informação e comunicação) e políticas de acessibilidade
nas questões de tecnologia.
A solução “Informações Inteligentes” é um projeto que visa a captar, extrair
e gerar informações gerenciais para que a Secretaria dos Direitos da Pessoa
com Deficiência tenha maior foco e efetividade nas suas ações.
Há hoje pessoas com deficiência cadastradas nos diversos órgãos da
administração, cada uma de um jeito, cada uma da sua forma diferente. Uma
Secretaria não fala com a outra sobre aspectos dos deficientes. Uma pessoa
cadastrada na Secretaria de Educação precisa fazer um novo cadastro na
Secretaria da Saúde, outro para solicitar um bilhete único, etc. Assim, não se
pode mensurar os benefícios que as pessoas com deficiência recebem do
Estado. Em parte, este é o trabalho confiado à Secretaria de Gestão Pública.
A ideia é unificar as bases de informações das pessoas com deficiência,
cadastradas nos órgãos da administração paulista, seja direta ou indireta,
com a finalidade da apoiar nas decisões da Secretaria. É um projeto conjunto
138
A Transformação em Números
das duas Secretarias, um trabalho em conjunto da Secretaria de Gestão Pública
e da Secretaria dos Direitos da Pessoa com Deficiência.
O ambiente da aplicação desenvolvida no projeto, baseado na rede interna
do Governo Estadual, tem algumas abas no lado esquerdo da tela, nas quais
é possível identificar alguns tipos de visões possíveis do cidadão com
deficiência. Temos hoje a base dos servidores públicos com deficiência no
Estado de São Paulo, comparada à base do IBGE de 2000. A Secretaria dos
Direitos da Pessoa com Deficiência terá os dados na mão, para manusear
conforme a necessidade, seja por região administrativa, por município,
programa ou benefício. Na população do Brasil, com 168 milhões de pessoas,
24 milhões são deficientes, ou seja, 14% da população brasileira tem alguma
deficiência. A proporção no Estado de São Paulo é de 11,35%. Os servidores
públicos do Estado de São Paulo são 603 mil, sem considerar as universidades,
instituições e empresas vinculadas. Destes, são deficientes físicos auditivos,
visuais ou motores cerca de 11 mil, o que equivale a 1,9%. Como a proporção
determinada por lei é de 5%, o Estado ainda tem esse déficit e a próxima
ação é tentar mudar esse número. Temos o dado, agora podemos trabalhar
em cima desse número. Até pouco tempo atrás, não se sabia qual era a real
proporção de deficientes funcionários públicos no Estado. São números
importantes, que permitem identificar o que está faltando no Estado para
melhorar em termos de servidores, trabalhistas.
A aplicação permite identificar a natureza da ocupação, qual é o tipo de
deficiência que determinado servidor tem e qual o seu endereço. É um projeto
que disponibiliza os dados para que a Secretaria dos Direitos da Pessoa com
Deficiência possa organizá-los conforme a sua necessidade. Com base nos
endereços das pessoas, podemos determinar o melhor endereço para um
centro de reabilitação naquela região ou mesmo deslocar a unidade móvel
de reabilitação para perto dessas pessoas.
Quando a aplicação dispuser das bases das outras Secretarias e dos outros
órgãos, poderemos saber exatamente quais são as pessoas, onde elas estão,
quais os benefícios que recebem e quais os benefícios que podem receber.
Com a unificação dessas bases, será possível identificar quem é o cidadão
com deficiência, que recebe um benefício na saúde, na educação, tem isenção
de impostos, tem desconto no DETRAN para o seu veículo, tem uma
habilitação diferenciada. Ainda mais: por que aquela pessoa não tem o
benefício, por exemplo, do cartão-cidadão? Num caso como esse, seria
139
A Transformação em Números
possível fazer uma ação direcionada para aquele grupo de pessoas. Esse é o
objetivo do projeto.
O grupo de trabalho conta com pessoas da Secretaria de Gestão Pública e da
Secretaria dos Direitos da Pessoa com Deficiência. Inclusive, a própria Dra.
Linamara é um membro efetivo da equipe, que atua e discute com os demais.
Todos aqueles que disponham de uma base de dados que permita identificar
as pessoas com deficiência estão convidados a entrar em contato com o grupo.
É preciso que essas bases sejam alimentadas no ambiente do projeto.
No encerramento deste simpósio, a Dra Linamara Rizzo Battistella reafirma a
importância das informações apresentadas, que têm sido a base de sustentação das
políticas da Secretaria, mudando o conceito de que o Estado vai trabalhando sem
uma boa dimensão dos números e seus significados. Graças aos esforços do SEADE,
da PRODESP, da Secretaria de Gestão, da Cultura Data e da FIPE, pode-se ter uma
dimensão do mercado de trabalho, identificar as instituições, saber o que pensam as
pessoas com deficiência, entender esse mercado novo descortinado pela ReaTech. Tudo
isso é muito importante para subsidiar o governo na definição das políticas que
realmente importem e atinjam as pessoas com deficiência. É importante ver o quanto
o governo está empenhado, observar o resultado prático de uma política pública muito
bem sustentada. A ação do Governador José Serra tem colocado São Paulo numa
situação muito diferenciada, certamente como bom exemplo para o restante do Brasil.
As pessoas começam a entender a importância de se trabalhar com dados e informação.
140
Acessibilidade no Mobiliário Urbano
Devemos levar em conta a acessibilidade e usabilidade de bens e serviços públicos
pelas pessoas com deficiência, com especial atenção ao espaço urbano, às edificações
e aos sistemas de transporte. A atual legislação cobre todos esses aspectos, mas sua
aplicabilidade ainda é um desafio para os governantes. Contudo, havendo vontade
política, é possível desenvolver ações emblemáticas, que resultam na melhora da
qualidade de vida para toda a sociedade.
Marco Antonio Pellegrini (moderador) – Coordenador de Acessibilidade
da Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência - São Paulo, SP
Jorge Gonçalves dos Santos– Diretor da Federação Nacional das AVAPES Associações para Valorização de Pessoas com Deficiência - São Paulo, SP
Luciano Marques de Souza – Coordenador de Defesa de Políticas para
Pessoas Portadoras de Deficiência da Prefeitura Municipal de Santos, SP
Daniella Bertini – Arquiteta da Assessoria de Projetos da Secretaria Municipal
da Pessoa com Deficiência e Mobilidade Reduzida - Prefeitura Municipal de
São Paulo, SP
Jorge Gonçalves dos Santos: A Federação das AVAPES foi criada para
articular e representar as organizações federadas do movimento AVAPE no
Brasil. Ela conta atualmente com unidades licenciadas desse programa e
metodologia em dez cidades. A AVAPE é uma organização que atua há 27
anos na área de reabilitação clínica, profissional, capacitação e inclusão das
pessoas com deficiência no mercado de trabalho. Ao desenvolver um trabalho
para inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho, percebeu
que, nos espaços da empresa, havia uma dificuldade de inserção da pessoa
com deficiência. Iniciou assim um programa de análise ocupacional e
Acessibilidade no Mobiliário Urbano
neurofuncional, para adaptar a função à pessoa e à realidade do ambiente
da trabalho.
Com esse trabalho, realizado por um grupo de profissionais de várias áreas,
cujo responsável é um neurologista, percebeu-se que não somente a empresa
precisava se adaptar, mas também os municípios, como está previsto na
legislação.
A AVAPE desenvolve uma minuciosa avaliação técnica de orientação e
mapeamento, quanto às questões da acessibilidade, de forma universal. Em
relação às cidades, faz um diagnóstico, um mapeamento da acessibilidade
no município e a qualificação para o atendimento das pessoas com deficiência
e mobilidade reduzida.
Na cidade de Socorro, no interior de São Paulo, desenvolveu-se um projeto
nesses moldes porque, coincidentemente ou não, o plano do Ministério do
Turismo era um plano de inclusão e não havia nenhuma organização com
experiência nessa área para discutir a questão do mobiliário e vencer as
barreiras normais, dentro do município, na Associação Comercial, nos
conselhos regionais, nas empresas, etc. Os empresários questionavam se as
adaptações dariam resultados, se com as mudanças receberiam turistas, se
haveria interessados.
Um atrativo estava nos recursos propícios para o turismo de aventura. Já
existia na cidade uma atividade na área da aventura, de esportes radicais. O
processo conduzido pela AVAPE foi exatamente o mapeamento e a
qualificação para quem trabalha no atendimento da pessoa que chega à
cidade.
A convite do Ministério do Turismo, houve um trabalho de qualificação e
inserção de pessoas com deficiência na rede hoteleira do Rio de Janeiro. A
cidade do Rio tem vários problemas de acessibilidade, como por exemplo a
topografia de difícil acesso. Entretanto, a rede hoteleira carioca percebeu que
poderia atender à lei de cotas, desde que houvesse pessoas qualificadas.
Iniciou-se também um trabalho de qualificação de pessoas sem deficiências,
para atender a pessoas com deficiência. Algumas universidades foram
parceiras e ajudaram na área da capacitação.
No caso de Socorro, a articulação de todos os atores envolvidos foi de suma
importância. Inicialmente, esses atores não pensavam nas barreiras a vencer,
142
Acessibilidade no Mobiliário Urbano
na questão do ambiente, mas no que iriam ganhar com as mudanças e quais
seriam os benefícios a esse público. A necessidade da acessibilidade não se
limitava à pessoa com deficiência, mas estendia-se às pessoas com mobilidade
reduzida, como o idoso, a gestante, um esportista que eventualmente tenha
machucado a perna e apresente por algum tempo uma redução de
mobilidade, obesos, etc.
Assim, percebeu-se que o público-alvo dos recursos de acessibilidade seria
grande e que o trabalho deveria envolver a rodoviária, o fórum da cidade, a
igreja (muitas vezes, as igrejas trazem dificuldades de adaptação, por serem
edifícios históricos), etc. Começou-se a sensibilizar os meios de hospedagem,
a sinalização turística, os portais. Os componentes que fizeram parte da matriz
foram muito importantes, mas o elemento fundamental era o empresário,
que precisaria investir em adaptações, em mudanças de postura. Além da
parte agradável do brasileiro, de receber bem o turista, o empresário precisaria
olhar com mais cuidado, conhecer um pouco de LIBRAS e outras questões
de acessibilidade.
Assim, por meio de um convênio com o Ministério do Turismo, a AVAPE
conduziu todo o programa, fez a qualificação do gestor, dos prestadores de
serviços turísticos em geral e dos serviços de apoio ao esporte. Vários
workshops foram realizados para sensibilizar as organizações envolvidas. A
cidade de Socorro é pequena, tem 40 mil habitantes e 5% de habitações
acessíveis. Os empresários e o setor público precisavam ser sensibilizados
para a questão. Formar uma Comissão Permanente de Acessibilidade, que
não havia na cidade, foi um passo importante. O Conselho do Turismo da
cidade também poderia participar. Enfim, foi um ano de trabalho intensivo,
com vários parceiros e profissionais da área, que apoiaram e ajudaram no
desenvolvimento do projeto.
Exibição de um vídeo com a seguinte narração:
Socorro é conhecida por ser um dos polos do turismo de aventura mais
importantes do interior paulista, um local de pura diversão e acessível
a qualquer pessoa. Pegar a estrada para viajar, encontrar estacionamento
exclusivo, piso tátil, cardápio em braile, acesso a todos os locais e
atividades de lazer. Não, essa não é mais uma descrição do que espera
uma pessoa com deficiência, mas uma realidade, um exemplo que vem
de uma cidade na encosta da Serra da Mantiqueira, com montanhas,
143
Acessibilidade no Mobiliário Urbano
rios e cachoeiras. Muito prazer, você está na Estância Turística de
Socorro, a 130 km de São Paulo.
A acessibilidade mostrada é um projeto-piloto no Hotel-Fazenda Campo
dos Sonhos, uma vez que Socorro foi escolhida pelo Ministério do
Turismo para ser o primeiro destino totalmente adaptado para as pessoas
com deficiência. Além do Ministério e da Prefeitura, faz parte do
convênio a ONG AVAPE, que mapeou pontos da cidade a serem
adaptados e irá capacitar profissionais para atender ao turista.
Depoimento: Nessa capacitação, vamos trabalhar a comunicação
alternativa, a parte de LIBRAS para o deficiente auditivo, a comunicação
para o deficiente visual, material em braile...
Diagnosticar e sugerir mudanças. Foi esse o trabalho que a AVAPE
também fez no Hotel-Fazenda Campo dos Sonhos.
Depoimento: O cuidado da administração foi muito grande, em
propiciar liberdade com autonomia para a locomoção dentro dos
aposentos. Eu faço tudo sozinho: o cabideiro está na minha altura, não
bato a perna embaixo para acessar [os pontos de interesse], a altura do
interruptor de luz, a largura das portas (uma preocupação básica), o
banheiro preparado. Não há dificuldades. Você se sente bem, em termos
de opções, atividades, atrações. Eu acho que, foi um dos lugares em que
eu já estive com maior leque de opções, de atividades para curtir no
local, para aproveitar, sem sair dali.
É um espaço com lazer para todos os tipos de deficiência: bicicletas
adaptadas, passeio de charretes, trator e cavalgada são apenas alguns
atrativos do turismo rural.
Depoimento: Estou me sentindo bem, posso andar a cavalo, ter mais
contato com a natureza... Geralmente, quando eu vou fazendo alguma
atividade, o pessoal vai descrevendo para mim...
Depoimento: O principal, fundamental, é realmente a questão da
segurança, mas não com exagero. Dá liberdade para o deficiente fazer
uma atividade como outra qualquer.
Socorro é conhecida como a cidade dos esportes de aventura. Então, é
hora de ir para o Parque dos Sonhos e conferir a acessibilidade das
atividades radicais, feita pela ONG Aventura Especial.
144
Acessibilidade no Mobiliário Urbano
Daqui para a frente, começa a nossa aventura radical em Socorro. Para
começar, uma tirolesa de aproximadamente 1 km, que vai terminar numa
cidade mineira chamada Bueno Brandão. Confira agora como nossos
aventureiros especiais vão se sair nessa. Quem se arrisca primeiro é o
André, de 24 anos e com Síndrome de Down. Depois, vem Gerônimo,
cego desde o nascimento.
Depoimento: Sensação de liberdade, de voar mesmo.
Para Márcia, há necessidade de uma adaptação.
Depoimento: Esta é uma cadeirinha de paraglider. A intenção é que
realmente ela fique sentada e confortável. Ela proporciona uma
sustentabilidade de tronco e quadril.
Pouso tranquilo em terra, é hora de receber as orientações para descer o
rio.
Depoimento: É gostoso, divertido, porque a água leva junto.
Depoimento: Não saber o que vem pela frente é melhor ainda, porque
na hora que você chega lá, dá aquele tranco e você fala “Nossa, olha
isso!”. E aí, você tem que pensar rápido para saber aonde vai jogar o
cotovelo, para não sair da boia.
Depoimento: Deu um pouquinho de medo, mas eu quero repetir.
Mais do que promover a inclusão, a cidade cumpre o Decreto nº 5.296
de 2004, que regulamenta a Lei 10.098, onde está prevista a
acessibilidade nos estabelecimentos de uso privado e público até
dezembro deste ano. Os hotéis e pousadas devem ter 5% de suas
acomodações adaptadas.
Depoimento: Mesmo antes de concluirmos o projeto de adaptação,
ficamos muito surpresos porque mais de 20 pessoas por mês, com
deficiência física, passaram a visitar os nossos locais. Todo passo que
você dá, em termos de responsabilidade social, reverte imediatamente
em termos de resultados para a empresa.
Depoimento: O pessoal que está em casa, que acha que o único lazer é
o shopping, vir a Socorro, conhecer e participar de tudo isso aqui, uma
charrete adaptada, uma tirolesa, um rapel, um rafting, tudo adaptado,
é bem bacana.
145
Acessibilidade no Mobiliário Urbano
Esse conjunto de ações contou também com o trabalho da Associação
Brasileira de Esportes de Aventura, que cuida da parte da segurança de todos
os equipamentos de esporte de aventura, para todas as pessoas, com
deficiência ou não. No parque, pessoas de idade bem avançada descem na
tirolesa com total segurança.
Com base nesse trabalho, a AVAPE foi convidada a participar de um projeto
que envolve várias organizações em todo o Brasil, desenvolvendo seminários
pelo país. Uma coordenadora tem feito encontros em muitos lugares do Brasil,
apresentando esse modelo, no qual se articulam todas as organizações
envolvidas no projeto e apresenta os resultados, mostrando que promover a
acessibilidade é importante.
Dando continuidade ao trabalho de Socorro, haverá uma segunda fase com
o próprio Ministério do Turismo, durante a qual serão qualificados mais
profissionais. Além disso, o mapeamento da rota de visita da cidade foi
ampliado e alguns recursos são necessários para que a cidade possa receber
mais turistas, principalmente o turista com deficiência.
A partir desse projeto de Socorro, firmou-se uma parceria com a RedeTuris,
do Rio de Janeiro, para desenvolvimento de um trabalho nos polos de turismo
do Rio. A AVAPE foi convidada para reuniões com os secretários encarregados
das Olimpíadas e da Copa, para desenvolver modelos de indicadores de
acessibilidade para a cidade do Rio.
Sabe-se que, no ParaPan, houve vários problemas de acessibilidade; somente
o táxi é que foi acessível na cidade; o restante da mobilidade urbana apresenta
grandes dificuldades. No caso do Rio, a demanda veio da iniciativa privada:
a Associação Comercial, os polos comerciais do Rio e a RedeTuris iniciaram
o movimento, dos empresários preocupados com a questão da recepção dos
visitantes do Rio de Janeiro.
Essa matriz está sendo divulgada; a AVAPE faz parte do grupo de trabalho
reunido pelo Ministério do Turismo, que tem especialistas de várias áreas
do turismo, desde esportes de aventura até o turismo rural. É interessante
observar que, para uma pessoa com deficiência ir a um ponto turístico
acessível, é preciso que o hotel, a farmácia, o hospital e diversos outros pontos
de utilização no entorno do ponto turístico sejam acessíveis.
Outra questão discutida no Ministério do Turismo é que, no entorno de um
ponto adequado para a prática de esportes de aventura, é preciso haver
146
Acessibilidade no Mobiliário Urbano
cinema e outras atividades de lazer, pois a família pode não querer fazer
aquele tipo de atividade, por exemplo. Se não houver alternativas, ela pode
não levar a pessoa com deficiência.
Do trabalho com o Ministério do Turismo, resultaram quatro cartilhas que
apresentam tudo o que foi feito, desde o mapeamento até a qualificação,
todos os protocolos seguidos nesse trabalho. Houve um encontro sobre a
segmentação do turismo e as cartilhas foram disponibilizadas. Elas estão no
website do Ministério do Turismo e foram impressos mais de cinco mil
exemplares, para distribuição no município e para os interessados.
Exibição de um segundo vídeo, sobre a atividade do rapel, com a seguinte
narração:
Mais uma vez os esportes radicais são destaque do programa Sentidos,
e quem vive essas emoções é o repórter sobre rodas Ronaldo Denardo.
Pendurado pelas cordas do rapel, ele retrata como se sente nessa situação,
em que literalmente está “por um fio”.
Ronaldo: Em busca de mais uma aventura, nossa equipe foi até a cidade
de Socorro, em São Paulo, na Serra da Mantiqueira, próximo ao circuito
das águas, a 132 km da capital, pela rodovia Fernão Dias. Lá, quem nos
recebeu de braços abertos foi o Parque dos Sonhos, um campo de lazer
adequado às atividades de ecoturismo para pessoas com ou sem
deficiência.
Depoimento: A gente fala que [as atividades] são para pessoas leigas,
que nunca praticaram, mas têm vontade de praticar. Elas vêm e
praticam, não conhecem, recebem instrução e praticam sem problema
algum. Não existe risco. Os esportes de aventura são praticados por
pessoas que já praticam aquela atividade, que fazem a sua própria
segurança.
Ronaldo: A prática das atividades de aventura é segura e saudável.
Por isso, eu não recuso nenhum bom desafio. Sob a corda bamba de
uma cadeirinha de rapel ou sob os trilhos de uma tirolesa, lá vou eu.
Depoimento: Tem aquele risco controlado, mas não existe risco. A
pessoa conhecendo bem a técnica, ... No rapel, você desce por uma corda.
Há um sistema de redução, o “freio oito”, que é montado na cadeirinha
e reduz em média 70% do peso do corpo. Você desce por essa corda. O
147
Acessibilidade no Mobiliário Urbano
rapel que será feito agora é o rapel “totalmente negativo”, no qual não
há contato nenhum com a rocha. Na tirolesa, é feita a descida com o
equipamento chamado de cadeirinha, com dois auto-seguros, mosquetão
e polia. A descida é feita de um ponto mais alto ou mais baixo, deslizandose por dois cabos de aço.
Ronaldo: Para provar um pouco da adrenalina, também convidamos
o Luciano a participar da nossa aventura, um corajoso cadeirante
disposto a diferentes emoções. Equipamentos prontos e conferidos, era
hora de embarcar num jipe adaptado e subir até o nosso ponto de partida,
ou melhor, o nosso ponto de descida.
Depoimento: Para uma pessoa com deficiência, nós usamos um
equipamento no paraglider, uma cadeirinha acolchoada que proporciona
sustentabilidade para o tronco, de forma que a pessoa desce numa posição
confortável, sentada, curtindo todo o visual. Estamos aqui trabalhando
há algum tempo, é muito prazeroso ver a felicidade estampada no rosto
das pessoas. Para nós, isso é fantástico, tudo de bom.
Ronaldo: A 180 metros de altura e 50 quilômetros por hora, a tirolesa
percorre mil metros em poucos segundos, mas com muita emoção. No
mundo das emoções, uma das opções para a pessoa com deficiência e
para quem gosta de fortes emoções é a tirolesa. Agora, chegou a hora de
o Luciano se jogar num vale de emoções.
Depoimento: A primeira vez que eu consegui fazer uma atividade de
aventura foi mais ou menos 12 anos depois do meu acidente. Então, eu
tinha muita insegurança, em relação ao meu corpo, ao meu equilíbrio.
Na primeira vez em que eu fui me soltar sozinho numa tirolesa de 180
metros de altura, a primeira atividade que eu pratiquei, realmente deu
uma insegurança muito grande. Logo depois que eu saí, que eu me
senti seguro, eu pude curtir a descida inteira e a sensação foi muito
boa.
Ronaldo: Simulamos a emergência de uma parada sobre os trilhos
para testar a segurança. Em poucos segundos, o condutor fez o resgate
sem nenhum problema.
Depoimento: [É importante] saber que você vai estar no local e praticar
uma atividade sem correr risco algum, principalmente. Eu acho que
uma pessoa que está na cadeira de rodas já perde a autoconfiança. [Aqui,]
148
Acessibilidade no Mobiliário Urbano
você pode curtir o tempo inteiro, sem pensar que estará correndo um
risco.
Até pouco tempo atrás, era shopping, cinema, teatro... Fazer uma tirolesa
ou rapel era totalmente impensável para uma pessoa com deficiência.
Depoimento: O praticante desce sozinho. Eu fico em cima, com um
sistema de redução também, com um freio oito em cima e uma segunda
corda, liberando. Você estará preso a outra corda e o monitor estará
fazendo a sua segurança em baixo.
Ronaldo: Literalmente, na corda bamba e sustentado por um fio, é
hora de experimentar uma nova emoção – descer uma montanha por
rapel.
Depoimento: A superação de limites é bem maior. Eu já tive
oportunidade de praticar vários esportes antes do acidente e, hoje, a
sensação é bem diferente. Você começa a curtir um pouco mais, a olhar
uma cachoeira de modo diferente, olhar para um lado que você não
tinha olhado antes, vai mudando. A sensação sempre é muito boa.
Luciano Marques de Souza: Para o tema “Santos – Cidade Inclusiva”,
procuramos abordar um aspecto mais geral da palavra acessibilidade e não
apenas a questão da mobilidade e do acesso urbano. Não é de hoje que Santos
vem investindo na questão da acessibilidade, da inclusão das pessoas com
deficiência. Em 2005, no seu primeiro mandato, o atual Prefeito criou a
Coordenaria de Defesa de Políticas da Pessoa com Deficiência, justamente
na intenção de ter um órgão dentro da organização da Prefeitura para uma
articulação transversal entre as Secretarias, um trabalho intersecretarial. A
cidade até comportaria uma Secretaria específica, mas a Coordenadoria goza
do prestígio e do status de uma Secretaria dentro do governo e tem interagido
com todos os Secretários.
Santos conta com 52% ou 54% da frota adaptada. A última licitação foi feita
em 2005, naquela ocasião garantiu-se uma proporção de 50% e, até o final do
mandato do atual Prefeito, a proporção da frota adaptada deve chegar à
casa dos 100%, à medida que a frota vai sendo renovada e os ônibus já chegam
adaptados, por força de um decreto. Os fabricantes de ônibus já estão fazendo
veículos com elevador ou piso baixo. A expectativa é que até 2012, quando
149
Acessibilidade no Mobiliário Urbano
termina o mandato deste Prefeito, a frota de transportes coletivos de Santos
esteja 100% acessível.
Em relação à mobilidade urbana, há duas boas notícias para os moradores e
os turistas que visitam a cidade. A primeira é a mudança das calçadas. O
código que determina as características das calçadas mudará radicalmente.
O piso adotado é de concreto escovado, que já está sendo adotado no centro
histórico da cidade e nos canais, que ligam a praia até a região central da
cidade. Esse será o piso padrão na cidade de Santos, a partir do ano que
vem, quando o decreto das calçadas for modificado a fundo.
Até o Natal, deve ser lançado o projeto “Praia Inclusiva”, um projeto
perseguido há dois anos, que começou com o trabalho de transpassar os
canais. São sete canais em toda a orla da praia de Santos. Os canais eram
transpassados através de pontes com degraus; hoje existem passarelas em
arco, o que facilita a passagem de um lado ao outro do canal. A passarela fica
na parte de areia mais compacta, que permite uma certa circulação de cadeiras
de rodas. Faltava ainda vencer o calçadão, o que o projeto Praia Inclusiva
faz. Está sendo testada uma passarela que vai beirar os canais e dar acesso ao
pontilhão. Assim, os deficientes terão acesso ao mar em cada canal. Até então,
era impossível para pessoas em cadeira de rodas ou com mobilidade reduzida
chegar bem próximo do mar. Essa era uma ansiedade que havia há muito
tempo.
A malha cicloviária da cidade vem crescendo assustadoramente, o que tem
facilitado a vida das pessoas com cadeiras de rodas em especial, pois é possível
andar por toda a orla, num trajeto de 4 quilômetros e meio. Em direção ao
centro, o canal 1 também começa a receber a ciclovia e a Avenida Ana Costa
também deverá receber uma ciclovia. Portanto, atualmente a pessoa com
deficiência, se não quiser ir de ônibus, pode perfeitamente ir da orla até o
centro da cidade em 20 ou 30 minutos, tocando a sua própria cadeira.
Além do transporte público coletivo, a cidade tem também o transporte
escolar público adaptado. São dois ônibus que levam as crianças às escolas
inclusivas. São atendidas mais de 2.700 crianças na rede regular de ensino.
Existem ainda convênios com entidades, que atendem mais de mil crianças
com educação inclusiva. O projeto Inclusão Digital, da Secretaria da Educação,
tem softwares para o deficiente visual e um professor capacitado em LIBRAS
para ensinar computação para a pessoa surda.
150
Acessibilidade no Mobiliário Urbano
Na área da saúde, a cidade tem 60 unidades recentemente reformadas ou
construídas, todas elas seguindo a lei 5.296 ou a lei 9.050, que inclusive está
sendo revisada no CEPAM. Algum tempo atrás, a espera para obtenção de
uma prótese ou órtese era de quatro anos, hoje é de quatro a cinco meses e o
programa atende cerca de 300 pessoas por ano.
O Conselho Municipal da Pessoa com Deficiência, em parceria com a
Coordenaria e com as Secretarias de Saúde e Assistência, vem realizando
cursos, ao menos duas vezes por ano, para a capacitação de cuidadores ou
facilitadores. O Conselho vem trabalhando insistentemente no sentido de
treinar profissionais da área da saúde e de outras áreas, para que amanhã
possam dar o suporte de facilitador às pessoas com deficiência, até porque
as pessoas com deficiência cada vez mais têm acesso ao mercado de trabalho
e, conseqüentemente, consomem produtos, vão ao shopping, passeiam, fazem
turismo e, em alguns casos, o facilitador é de suma importância para que
tudo isso aconteça.
Ainda na área da saúde, a cidade de Santos tem um Centro de Referência da
Saúde Auditiva. Esse Centro funciona em Santos, com profissionais da cidade,
remunerados pela Prefeitura de Santos, mas o serviço é da Secretaria da Saúde
do Estado de São Paulo e atende a toda a região da baixada santista, de
Peruíbe a Bertioga.
Em termos de acessibilidade, alguns equipamentos possuem plataformas
elevatórias, pois nem sempre é possível construir rampas. Quando é
necessário, as plataformas são utilizadas em equipamentos públicos, de
esporte, educação, saúde, assistência, facilitando muito a vida dos deficientes,
mas também da própria Prefeitura, que teria que ocupar um espaço muito
grande para construir uma rampa. A plataforma elevatória não tem um custo
tão elevado, talvez um pouco mais que a rampa, e facilita bastante o acesso
vertical.
Em termos de acesso ao trabalho, até pouco tempo atrás os deficiente não
tinham um atendimento, as empresas ainda não sabiam como ou não queriam
encontrar os meios necessários. A Prefeitura da cidade foi chamada a
colaborar com o Ministério Público. Criou-se um cadastro único, num
trabalho iniciado no Conselho Municipal, atendendo ao pedido do Ministério
Público. Com o tempo, percebeu-se que das quase 800 pessoas cadastradas,
mais de 200 estavam no mercado formal de trabalho. As demais estavam
fora do mercado, sem nenhuma qualificação profissional. Uma segunda etapa
151
Acessibilidade no Mobiliário Urbano
foi a qualificação dessas pessoas, em parceria com a AVAPE, em três cursos
atualmente, mais dois que estão prestes a começar. Assim, serão cinco cursos:
garçom, auxiliar de lanchonete, auxiliar administrativo, informática e mais
outro de auxiliar administrativo. Conforme o mercado vai pedindo, buscase sempre fazer a capacitação nas áreas mais solicitadas.
No período de outubro do ano passado até o presente momento, já foram
realizados mais de nove cursos. Inicialmente realizado pelo Conselho, a
Coordenadoria acabou herdando esse trabalho dos cursos, com muito prazer.
Nos cursos, os monitores são indicados pela AVAPE, que também prepara
as apostilas, responde pela parte didática e pedagógica.
No esporte, a cidade tem a Secretaria de Recuperação e Fisioterapia na Saúde,
a Seção de Valorização da Pessoa com Deficiência na Secretaria de Assistência
Social, a Seção de Esporte Adaptado, que trabalha com atletas de alto
rendimento, com apoio da Secretaria e da Fundação Pró-Esporte, que
participam dos Jogos Abertos Regionais do Interior, competindo pela cidade
nas categorias Deficiência Física e Visual, no atletismo e natação. Há também
a parte de lazer e recreação, com um projeto da Secretaria da Educação que
inclui a surfeterapia para crianças da rede regular de ensino, com ou sem
deficiência. Cerca de 400 pessoas e atletas estão envolvidos no projeto.
Na Secretaria de Cultura, desde 2004 foi implantada a primeira escola pública
de dança em cadeira de rodas. Neste momento, as meninas estão em Juiz de
Fora, disputando o VIII Campeonato Brasileiro de Dança de Salão. A atuação
é na área de dança esportiva em cadeira de rodas (dança de salão) e também
na área de dança artística. São dois professores, um professor de dança de
salão e uma professora de dança clássica. São atendidas crianças de 9 anos
até adultos de 50 anos. A grande maioria é de meninas. Muitos meninos
ainda têm preconceitos em relação à dança, mas também esses tabus vão
sendo quebrados. A arte e o esporte têm sido grandes ferramentas de inclusão,
não somente de pessoas com deficiência, mas também para quebrar esses
tipos de preconceitos.
Na Secretaria da Cultura, há também um grupo de teatro inclusivo, no projeto
Tantan, que trabalha com doentes mentais, deficientes intelectuais, deficientes
com paralisia cerebral, com síndrome de Down, deficientes físicos... O grupo
faz várias performances e foi premiado pela Funarte no projeto “Arte Sem
Fronteiras”, em 2003 ou 2004.
152
Acessibilidade no Mobiliário Urbano
Em relação à acessibilidade e lazer, o bonde da cidade, que começou puxado
por mulas, hoje tem linhas turísticas, cujo percurso atualmente está sendo
ampliado: tinha 1,5 km e terá 4,5 km, partindo do centro histórico da cidade,
a Praça Mauá, com uma vista privilegiada. O bonde tem tido uma procura
grande; as pessoas não acreditam que um bonde tão antigo pode ser acessível,
mantendo as suas características históricas.
O orquidário está passando por uma reforma, que prevê acessibilidade aos
deficientes visuais, com leituras em braile. O projeto Praia Inclusiva original
previa estruturas de concreto, mas será feito em madeira, inspirado na cidade
de Valência, na Espanha, que possui estruturas semelhantes. O Prefeito
solicitou às docas do porto os dormentes de madeira, que estão sendo
amarrados com um cabo, para que não sejam removidos, nem pela maré,
que é muito forte nessa parte da praia, nem por alguma pessoa malintencionada.
Para encerrar, o Sr. Luciano afirma que não é fácil trabalhar no serviço público,
depois de 25 anos no movimento pelos direitos das pessoas com deficiência. Pondera
que é importante que os militantes do movimento assumam cargos públicos e sejam
um pouco “vidraças”. A administração pública é difícil, a máquina pública é
engessada, os atores públicos ficam expostos e se esforçam para que as ações aconteçam.
As ações descritas são muito importantes, mas não aconteceriam se as pessoas com
deficiência não participassem do processo. Não adianta criar lei de Conselho, não
adianta criar decreto 5296, NBR 9050, decreto do transporte, etc. se nós, cidadãos
com deficiência, não pegarmos as ferramentas e começarmos a trabalhar. Sem a gente,
as leis são só leis, muitas não são cumpridas. As pessoas é que as fazem acontecer.
Daniella Bertini: Há três anos, a Secretaria Municipal da Pessoa com
Deficiência e Mobilidade Reduzida propôs o desafio de criar um curso de
educação continuada de certificação em acessibilidade, para capacitar
profissionais da construção civil, arquitetos e engenheiros, profissionais que
lidam com o espaço público, as residências, as edificações de uso coletivo, a
criar espaços acessíveis. O curso visa a orientar os profissionais,
primeiramente na própria Prefeitura e depois os profissionais autônomos
também. Atualmente, cerca de três mil profissionais já foram capacitados, e
o curso continua.
153
Acessibilidade no Mobiliário Urbano
O curso tem duração de dois dias e é dividido em uma parte teórica, na qual
há uma interpretação da NBR 9.050 e das legislações municipais, estaduais e
federais, e uma parte de vivência, na qual o aluno convive na prática com as
questões de acessibilidade. Assim, pode perceber “na pele” as dificuldades
de meio centímetro de desnível, de uma área de alcance, da importância de
se usar o desenho universal.
No curso, apresenta-se o texto da lei, para que ele seja interpretado, porque
isso também é importante. A própria definição de acessibilidade gera
controvérsias. Muitas vezes, uma pessoa pode remeter-se somente à cadeira
de rodas, ao acesso do cadeirante. A definição é muito mais ampla: é a
possibilidade e condição de alcance para utilização, com segurança e
autonomia, de edificações, espaços, mobiliários, vias públicas e equipamentos
urbanos de transporte coletivo. Esta é a definição da NBR 9.050. A partir do
desenho universal e dos sete princípios apresentados no curso, acaba-se
percebendo que cada um de nós tem uma necessidade especial.
Mesmo sem considerar a eventualidade de uma pessoa quebrar um braço
ou ter que utilizar uma cadeira de rodas temporariamente, ela envelhecerá.
Portanto, em pelo menos 20% dos anos vividos por qualquer pessoa haverá
algum tipo de incapacidade, mesmo que seja a mobilidade reduzida. Assim,
o projeto de acessibilidade também é feito para nós mesmos.
O sistema de vias públicas é composto pelo passeio (a calçada), o mobiliário
urbano (os orelhões, um ponto de ônibus, um banco para as pessoas se
sentarem, a vegetação) e o estacionamento.
Em frente ao Shopping Light, um corredor cultural de São Paulo, passam
em torno de dois milhões de pessoas diariamente. É muita gente. Imagine-se
o nível de organização que precisa existir entre os veículos de transporte e os
pedestres. Os cadeirantes fazem parte dos pedestres. A pessoa idosa, a pessoa
com mobilidade reduzida também. É preciso haver uma organização de
tempo de semáforo, para a pessoa conseguir atravessar a rua e não ter trânsito.
Todas essas questões precisam ser analisadas no sistema de vias públicas.
O decreto nº 45.904/2005 determina diretrizes para a padronização do passeio
público (calçada) dentro do município de São Paulo. O munícipe é responsável
pela sua calçada, na cidade de São Paulo e na maioria dos estados brasileiros
também. O órgão público tem a função de orientar e, muitas vezes, de
participar, dando o exemplo, especialmente em frente às edificações públicas.
154
Acessibilidade no Mobiliário Urbano
A definição constante do decreto é a seguinte: o passeio público é a parte da
via pública, normalmente segregada e em nível diferente, destinada à
circulação de pessoas, independente de idade, estatura, limitação de
mobilidade ou percepção, com autonomia e segurança, bem como à
implantação de mobiliário urbano, equipamentos de infraestrutura,
vegetação, sinalização e outros fins previstos em leis específicas. Vale observar
as duas palavras-chave presentes no texto da lei: autonomia e segurança.
Não adianta ter uma porta de entrada larga, com rampa, ou seja, acessível,
se for necessário pedir para alguém abrir a porta, porque ela está trancada.
Assim, não há autonomia para a pessoa com deficiência. Esse é um aspecto
muito destacado no curso: autonomia, sempre ligada à segurança.
No passeio público, não basta levar em consideração a acessibilidade. É
preciso considerar a segurança, a sinalização, a fácil utilização, aspectos
estéticos e harmônicos e a diversidade de uso. As nossas legislações não
sugerem nada; elas trazem referências de outros países, que já tenham
experiências anteriores. Um exemplo é o período do pós-guerra nos Estados
Unidos. A norma técnica brasileira, a NBR 9.050, por exemplo, tem como
referência normas estrangeiras, como a dos Estados Unidos.
São tomados como referências as faixas de travessia de pedestres, a guia
rebaixada, o piso tátil de alerta na guia rebaixada, que serve para o deficiente
perceber que ali há uma travessia, etc.
A Sra. Daniella descreve as fotos projetadas, justamente para as pessoas
com deficiência visual:
Aqui temos uma foto de Barcelona, onde há uma via pública com faixa
de travessia de pedestres larga, com guia rebaixada. A guia rebaixada
serve não só para o cadeirante, mas também para uma pessoa com
mobilidade reduzida ou mesmo para uma pessoa com deficiência visual,
porque tem o piso tátil de alerta. A foto ao lado mostra uma via pública
de São Paulo com as mesmas características.
Observa-se, inclusive, que a maioria das pessoas acaba utilizando a guia
rebaixada, pois é mais fácil atravessar pela guia rebaixada.
Como já mencionado, o decreto nº 45.904/2005 refere-se à padronização dos
passeios públicos no Município de São Paulo. A NBR 9.050, de 2004, trata da
acessibilidade a edificações, mobiliário, espaços e equipamentos urbanos.
155
Acessibilidade no Mobiliário Urbano
Há NBRs anteriores, de 84 e 94. A atual, de 2004, está sendo revisada e
provavelmente haverá algumas mudanças em breve.
O mobiliário urbano é composto por todos os objetos, elementos e pequenas
construções integrantes da paisagem urbana, de natureza utilitária ou não,
implantados mediante autorização do poder público em espaços públicos e
privados. No caso da Avenida Paulista, que possui um passeio bastante largo,
em torno de oito metros de largura, a guia de balizamento para o deficiente
visual é indicada por um piso tátil direcional no centro. Em passeios mais
estreitos, considera-se como guia de balizamento a própria testada do imóvel.
Assim, na Avenida Paulista, o deficiente visual tem duas possibilidades: a
guia de balizamento pela testada do imóvel e o piso tátil direcional, que
conduz sempre a uma guia rebaixada e à faixa de travessia. O piso utilizado
nas reformas feitas pela Prefeitura de São Paulo segue um padrão, de concreto
moldado in loco ou placas de concreto. Na Avenida Paulista, optou-se pelo
concreto moldado in loco, por ser o melhor tipo de piso em termos de atrito
e rolamento, para a cadeira de rodas, facilitando inclusive o deslocamento
das pessoas com mobilidade reduzida.
O decreto determina que a calçada deve ser dividida em três faixas: uma
livre, uma de serviço e outra de acesso, quando possível. O decreto refere-se
a calçadas com largura média de 2 metros. Sabemos, no entanto, que muitas
vezes a calçada não chega a ter um metro de largura. Nesses casos, a
prioridade é da faixa livre. Nessa faixa, devemos nos imaginar dentro de um
túnel, livres de qualquer interferência, desde uma copa de árvore, a 2,10
metros de altura, até o nível do chão. Essa faixa tem uma largura mínima de
1,20 metro.
Fora da faixa livre, foram criadas faixas de acomodação, uma faixa de serviço
e uma faixa de acesso, onde ficam a vegetação, o mobiliário, os equipamentos
urbanos, tampas de inspeção, de visita, etc. Há outros pisos sugeridos pelo
decreto, como o ladrilho hidráulico e o bloco intertravado, por exemplo. A
divisão das faixas geralmente é feita por cores diferentes, para permitir que
pessoas com baixa visão também possam identificá-las. Assim, além da guia
de balizamento e o piso tátil direcional, a cor também é um elemento
importante para as pessoas com baixa visão, para o idoso com catarata.
Como referências para a guia de balizamento e o passeio dividido em três
faixas, o Japão é um ótimo exemplo de acessibilidade. No Japão, quase não
156
Acessibilidade no Mobiliário Urbano
existe o SIA (Símbolo Internacional de Acesso – aquela imagem com a cadeira
de rodas), porque lá todos os espaços públicos, objetos e ambientes são feitos
segundo o desenho universal. Não existe um local específico para as pessoas
que têm determinada necessidade; todos os locais são feitos para todas as
pessoas utilizarem, de forma autônoma, segura e confortável.
Nas calçadas de Tóquio, podemos ver as faixas divididas, com uma faixa
livre, de acomodação, e uma para o mobiliário urbano, muito bem organizado,
junto à sarjeta, ao leito carroçável. Na faixa de serviço, há elementos de
vegetação, que são importantes para manter a permeabilidade do solo,
drenando a água pluvial. Em algumas vias de pouco movimento, não há
“guia”; o leito carroçável fica no mesmo nível que o passeio. Para diferenciar
os dois, há apenas uma sarjeta para escoamento da água pluvial. A questão
da cultura da população também é muito importante e é muito discutida no
curso. Não adianta nada haver um local acessível, se a pessoa que trabalha
naquele local não sabe lidar com a pessoa com deficiência. É a chamada
barreira da atitude. Pode ser um saco de lixo, um elemento do mobiliário
fora do local... É um trabalho enorme para tornar o local acessível e uma
simples lixeira pode tornar-se um obstáculo.
Em Washington, nos Estados Unidos, há um exemplo que utilizou concreto
moldado in loco. Há quem critique, considere “feio, tudo cinza”... Ocorre
que não é somente a estética que está em jogo, existe também a questão da
manutenção. As juntas de dilatação são divididas em menores escalas em
áreas próximas da área de serviço, da vegetação, para facilitar a manutenção
do passeio. Há grelhas de acomodação, também na faixa de serviço, juntas
de dilatação com placas menores, para facilitar a manutenção.
Os materiais recomendados pelo decreto municipal, que estão sendo
utilizados nas reformas do passeio público em São Paulo, são o concreto
moldado in loco ou em placas, o ladrilho hidráulico e o bloco intertravado.
Lembramos que o ladrilho hidráulico é um revestimento, portanto, se houver
muito tráfego de veículos, deve-se preferir o bloco intertravado ou o concreto
moldado in loco.
O mobiliário urbano que existe dentro do passeio público também é muito
discutido no curso. Muitas vezes o mobiliário urbano não compete ao
arquiteto, mas outras vezes é preciso colocar um item do mobiliário, como
um telefone, por exemplo, dentro da edificação, numa área de uso comum.
157
Acessibilidade no Mobiliário Urbano
Por isso, é importante conhecer algumas restrições referentes ao seu uso.
Outra situação é que o curso serve também para orientação das
concessionárias. Assim, é importante saber que 5% dos telefones públicos
devem ser acessíveis a pessoas com deficiência e estar sinalizados. O
equipamento deve ter um amplificador de sinal e a botoeira deve estar a
uma altura de 1,20 metro do piso, que é uma faixa de alcance confortável
para o cadeirante ou uma pessoa que tenha baixa estatura.
Uma solução é a cabine telefônica em que o aparelho tem altura regulável,
como se encontra na cidade de Washington, nos Estados Unidos. Ela é
considerada acessível para qualquer pessoa, com princípios do desenho
universal. Em São Paulo, temos um orelhão mais baixo, acessível para o
cadeirante ou para a pessoa de baixa estatura. Se por um lado esse
equipamento ajuda o cadeirante, por outro acaba atrapalhando o deficiente
visual que trafega pela calçada. Isso ocorre porque a solução não atende aos
princípios do desenho universal.
O semáforo também é um assunto importante em relação ao mobiliário
urbano. Existem semáforos sonoros, que emitem um sinal, um bip, quando
a pessoa com deficiência visual deve fazer uma travessia, proporcionando
mais segurança. Existem muito poucos dispositivos desse tipo no município
de São Paulo, próximos às instituições que fazem a solicitação, frequentadas
por pessoas com deficiência visual.
Os pontos de ônibus acessíveis dispõem de assentos fixos, para pessoas com
mobilidade reduzida. Quando se pensa no assento fixo, é preciso considerar
um módulo de referência ao seu lado. Esse módulo corresponde ao espaço
que a cadeira de rodas ocupa, de 0,80 x 1,20 metro no mínimo. Esse espaço
deve ser reservado ao lado do assento fixo, para um cadeirante que esteja
esperando o ônibus. Às vezes, observamos que esse espaço acaba sendo
ocupado por uma lixeira. Por isso, a orientação é importante. A pessoa
responsável pela limpeza, pela manutenção daquele local, não sabe que
aquele espaço está reservado, daí também a importância da sinalização.
As bancas de jornal têm legislação específica. As bancas devem estar afastadas
no mínimo 15 metros das esquinas, têm que preservar uma área de passagem
para o pedestre e têm que ter um balcão de atendimento cuja altura permita
atender a qualquer pessoa.
158
Acessibilidade no Mobiliário Urbano
A vegetação dentro do passeio não pode invadir a faixa livre, as copas das
árvores devem ser podadas. Suponhamos que haja uma árvore antiga,
digamos uma seringueira com cem anos de idade. Nesses casos, é preciso
entrar num acordo com o órgão responsável pela vegetação. O mesmo vale
para edificações tombadas pelo patrimônio. Cada órgão deve ceder de um
lado. Muitas vezes, é possível fazer a remoção de uma árvore para outro
local, para dar acesso ao passeio público.
Existem também algumas soluções de isolamento do canteiro de raízes das
árvores. Se não for possível remover uma árvore do local, é possível fazer o
isolamento da raiz, erguendo-se uma mureta de alvenaria ao seu redor, com
uma vegetação rasteira, isolando a árvore e permitindo a passagem de uma
pessoa com deficiência visual, por exemplo, que de outra forma poderia
tropeçar na elevação do piso provocada pela raiz.
Outros aspectos abordados no curso são as grelhas e juntas de dilatação. Às
vezes, 1,5 cm faz muita diferença, principalmente numa junta de dilatação e
num desnível. Para uma pessoa com mobilidade reduzida, que anda raspando
os pés no chão, um desnível de 1,5 cm será um obstáculo. O mesmo vale
para a rodinha da cadeira de rodas.
Esse foi um breve resumo dos itens abordados no curso. Os interessados
podem obter outras informações no website:
www.prefeitura.sp.gov.br/pessoacomdeficiencia.
159
Mercado de Trabalho
O trabalho representa uma das principais formas de inclusão. Para tanto, é
fundamental garantir às pessoas com deficiência o direito à educação de qualidade e
à qualificação profissional. O Estado e as empresas têm papel fundamental nesse
processo, como mostram experiências bem-sucedidas de valorização da diversidade
como vetor de aprimoramento das relações de trabalho.
João Baptista Cintra Ribas (moderador) – Gerência de Desenvolvimento
Sustentável - Programa de Empregabilidade de Pessoas com Deficiência Serasa Experian - São Paulo, SP
Vandréia Silva de Oliveira – Gerente de Diversidade do Grupo Pão de Açúcar
- São Paulo, SP
Roberto Siggers – Gerente de Sustentabilidade da Cielo - São Paulo, SP
João César de Oliveira Lima Júnior – PricewaterhouseCoopers - São Paulo, SP
Edson Luiz Defendi – Coordenador de Projetos de Atendimento
Especializado da Fundação Dorina Nowill para Cegos - São Paulo, SP
Vandréia Silva de Oliveira: Para que a inclusão realmente aconteça dentro
das organizações, é necessário um trabalho de muito aprendizado. Sabe-se
que há uma determinação legal, que precisa ser cumprida, mas como? Não
basta simplesmente cumprir a lei, é preciso realizar um trabalho que se
sustente ao longo do tempo, fazer com que essas pessoas que estão começando
a trabalhar, que ainda não tenham uma experiência, uma vivência
profissional, efetivamente se tornem pessoas competitivas e possam alçar o
seu voo profissional.
Nesse sentido, o Grupo Pão de Açúcar vem procurando implantar um
trabalho sustentável, buscou parceiros no mercado que levassem aos
Mercado de Trabalho
diretores, gerentes e líderes a importância do tema diversidade, da inclusão
social e a importância de incluir pessoas com deficiência.
Recebendo conhecimento, informações, essas pessoas responderam que têm
dúvidas, não sabem como lidar com essa situação, não sabem como é o diaa-dia. Além da acessibilidade, é importante considerar que há uma pessoa
na nossa frente e, historicamente, não fomos educados e não sabemos qual a
melhor maneira de lidar com ela.
O grupo procurou também ampliar o recrutamento, a seleção e a capacitação
desses profissionais. Atualmente, são quatro parceiros em diferentes estados
brasileiros, que têm trabalhado fortemente para a identificação desses
profissionais. A parceria tem obtido sucesso e tem mostrado que não é fácil.
Recentemente, um parceiro do grupo estava realizando um processo de
seleção em Brasília. Descobriu-se que, naquela região, o número de pessoas
que recebem o benefício do LOAS (Lei Orgânica de Assistência Social) é muito
grande, em comparação com o que já se observou em São Paulo, Rio de
Janeiro, Nordeste e outras praças. Essa condição inviabilizou uma meta
definida para aquela região.
É preciso enfrentar essas situações no dia-a-dia, buscar outras formas de
encontrar pessoas que tenham disponibilidade e queiram trabalhar no grupo.
Ao longo deste ano, por meio da área de comunicação interna, foram
divulgados diversos comunicados e informações relacionados à inclusão de
pessoas com deficiência, abrindo-se inclusive um canal para que os
colaboradores do grupo possam indicar alguém conhecido, uma pessoa do
seu relacionamento que tenha uma deficiência.
A brincadeira interna foi que, até a chegada das Casas Bahia, o Grupo Pão de
Açúcar tinha mais ou menos 87 mil funcionários. Se cada funcionário indicasse
uma pessoa com deficiência, não precisaríamos nem da Lei de Cotas, pois
rapidamente se atingiria a meta.
É interessante quando se procura lembrar quantas pessoas com deficiência
havia na nossa sala do colégio ou da faculdade. Percebe-se então que esse
número de indicações acaba não sendo tão grande. Aqueles que chegam são
muito bem-vindos. Essa ação também acaba envolvendo os colaboradores e
faz com que a inclusão não seja um tema do RH (Recursos Humanos) ou da
área de diversidade, mas de todos, como deve ser.
162
Mercado de Trabalho
Esse tem sido o maior aprendizado no grupo. Há uma determinação legal a
atingir, mas quando aprendemos a conviver com a diferença, essa
determinação começa a fazer muito mais sentido para o dia-a-dia do trabalho.
Roberto Siggers: A Cielo, antes conhecida como Visanet, faz com que uma
transação eletrônica, feita com cartão ou por outro meio, seja efetivada. Aquele
terminal que utilizamos no estabelecimento comercial onde fazemos uma
compra, para passar o cartão e fazer o pagamento, é da Cielo. Por meio dele,
a Cielo capta as informações da transação, verifica a possibilidade de se tratar
de uma fraude, informa essa possibilidade de fraude ao banco que emitiu o
cartão e, se o banco aprovar, emitimos aquele comprovante.
Essa explicação serve para que se entenda um pouco do perfil das pessoas
que trabalham na Cielo. É um perfil muito avançado nas áreas de tecnologia
e finanças, pois é feita também a consolidação financeira da transação. Tratase de um universo de mais ou menos mil e cem pessoas. Na política original
da empresa, somente poderiam entrar pessoas de nível universitário na
empresa.
Quando se começa a pensar na contratação de pessoas com deficiência, é
preciso reestudar políticas. As pessoas com deficiência não necessariamente
conseguem atender a algumas políticas, por isso é preciso mudar as políticas
para poder fazer a inclusão. São políticas de recrutamento e seleção, políticas
de treinamento e de educação (para que as pessoas possam melhorar o seu
nível educacional) que devem ser modificadas.
Muitas empresas queixam-se de não encontrar pessoas qualificadas no
mercado. De fato, é difícil. Por que não qualificá-las? Faz sentido a própria
empresa qualificar as pessoas quando há um universo de pessoas com o
mesmo tipo de qualificação. Por exemplo, os cursos de empresas de auditoria
para contadores, às vezes, são melhores que os próprios cursos de
contabilidade. Em um ou dois anos, a pessoa se torna melhor contadora do
que se tivesse feito um curso de contabilidade. O mesmo não ocorre numa
empresa com várias áreas diferentes. Talvez, numa empresa como as Casas
Bahia, onde há muitos vendedores, se possa capacitar muitas pessoas para
fazer vendas. Quando há uma grande diversidade de naturezas de trabalho,
num universo talvez não tão grande de pessoas, é difícil fazer um curso
interno de capacitação.
163
Mercado de Trabalho
No caso da Cielo, por exemplo, recorre-se a cursos externos de capacitação
para atividades administrativas. A Cielo teve a sorte de estar num prédio
novo, para o qual mudou em 2004. Na ocasião da mudança, alguém propôs
que o prédio fosse adaptado, o que foi feito, principalmente para cadeirantes.
Depois, começou-se a fazer adaptações para deficiências de outras naturezas.
Em resumo, é necessário fazer adaptações e é o que a Cielo tem procurado
fazer nos últimos cinco anos. Ainda há muito que fazer. Pode-se dizer que a
própria direção não está ainda satisfeita com o nível de adaptação da
organização como um todo alcançado até o momento.
João César de Oliveira Lima Júnior: A PriceWaterhouseCoopers, embora
seja uma organização de auditoria e consultoria, de cumpridores de regras
contábeis, procedimentos contábeis, etc. é de opinião de que infeliz é a
sociedade que precisa de muitas regras para definir seu comportamento. Se
todos tivessem um comportamento ético, precisaríamos de muito poucas
regras. Para que é preciso dizer que é proibido matar? Se ninguém matasse,
não haveria essa regra. Uma lei que estabelece um número mínimo de
profissionais com algum tipo de deficiência para trabalhar numa organização
é, por si só, um mau sinal, é sinal de que alguma coisa não está indo bem.
A PriceWaterhouseCoopers trabalha, há mais de dez anos, num processo de
inclusão social nos mais diversos níveis. Ela tem um programa para capacitar
pessoas com baixa formação profissional, com baixa renda no mercado de
trabalho, tem aulas de inglês, tem um programa para capacitação de pessoas
jovens recém-saídos de presídios, para colocá-los no mercado de trabalho.
Agora, depara-se com a questão legal e o foco passa a ser se a lei está ou não
sendo cumprida na organização. Este é um grande desvio. A
PriceWaterhouseCoopers, fundamentalmente, é uma organização de
conhecimento. Ela treina pessoas às vezes melhor que algumas universidades,
tem mais de 170 cursos ministrados internamente, para mais de 15 mil pessoas
anualmente. Esse é o negócio da organização: gerar e transferir conhecimento
para os seus clientes. Isso é feito a partir da diversidade. Sem diversidade,
não há geração de conhecimento. Se todos agissem e pensassem da mesma
maneira, a capacidade de gerar conhecimento e, portanto, atender aos clientes
seria absurdamente reduzida. A diversidade é parte do dia-a-dia da
organização; é isso que se exige de cada um que trabalha na organização.
164
Mercado de Trabalho
Mudar esse foco para o cumprimento da legislação pode até servir de estímulo
para algumas empresas que não têm essa visão contratarem pessoas com
deficiência. Na prática, entretanto, observa-se que as empresas forçadas a
praticar a inclusão não têm condições de fazê-lo, porque não sabem como
fazê-lo, não têm apoio e cria-se uma iniciativa frustrante para todos.
É preocupante quando se observa que uma organização tem que fazer algo,
porque se não fizer pode aparecer um fiscal e multar a empresa em 200 mil
reais. Isso é um absurdo, pois com esse dinheiro pode-se fazer uma série de
investimentos em capacitação profissional e inclusão social. É uma punição
desregrada.
Um dos momentos mais tristes que já presenciamos na vida profissional está
ligado à questão legal. Ligamos para uma pessoa, um profissional com
deficiência, para convidá-lo para uma entrevista. Queríamos conhecê-lo para
que ele viesse trabalhar na nossa organização. Ele respondeu que não estava
procurando emprego, queria ser incluído na lista de pagamento para ajudar
a empresa a cumprir sua cota legal, não queria trabalhar. Todo o esforço de
mais de dez anos se perde em situações como essa. É um completo absurdo,
um total desvirtuamento da questão.
Não se trata de querer ser ilegal, mas trazer a questão da inclusão social para
um requisito legal, sem o apoio das entidades, é perder tempo. Reforçar que
não se deve matar, porque quem o faz vai preso é um caminho errado.
Devemos concentrar nossos esforços em capacitar pessoas. Queremos investir
o tempo da organização capacitando mais e mais pessoas para o mercado de
trabalho, sejam pessoas com deficiência, pessoas que têm algum problema e
não tiveram oportunidade, para que elas possam ingressar no mercado de
trabalho e ser cidadãos melhores.
A determinação legal, infelizmente, é infrutífera e desvirtua o processo de
inclusão que grandes empresas, como as que estão participando deste
simpósio, praticam.
Edson Luiz Defendi: A Fundação Dorina Nowill, que completou este ano 63
anos de atuação, tem como missão oferecer produtos e serviços que
proporcionem às pessoas com deficiência visual condições para assumir seu
papel de cidadãos, oferecer à sociedade informações e serviços a esse respeito
165
Mercado de Trabalho
e participar ativamente de ações voltadas à prevenção da cegueira. Seus
valores são a ética, a qualidade, a credibilidade e a transparência.
Em maio de 1953, a Helen Keller visitou o Brasil, numa reunião articulada
pela Fundação Dorina Nowill. Foi a primeira reunião com um olhar específico
para a importância da pessoa com deficiência (no caso, a deficiência visual)
no mercado de trabalho. Nessa ocasião, pessoas da FIESP (Federação das
Indústrias do Estado de São Paulo) e de órgãos governamentais se uniram
para pensar em estratégias de inclusão (na época, falava-se em integração).
Desse trabalho, surgiu uma primeira recomendação da Organização
Internacional do Trabalho. Foram marcos iniciais para a inclusão das pessoas
com deficiência visual. Para quem não conhece, Helen Keller era uma norteamericana que tinha uma deficiência auditiva e visual, e esteve nessa ocasião
no Brasil, para selar esse compromisso.
A partir de um levantamento dos arquivos da Fundação, encontrou-se um
folder criado na década de 1970, mostrando que a Fundação já tinha uma
preocupação de inserir a pessoa com deficiência visual no mercado de
trabalho. No folder, aparecia uma telefonista – a maior tecnologia da época –
sendo treinada para exercer essa função no mercado de trabalho. Não havia
lei, nem cota, mas havia uma ideologia que permeava90 o trabalho de inclusão
da Fundação: o deficiente pode e deve ser capacitado para o mercado de
trabalho.
O Sr. Edson descreve algumas fotos, nas quais aparecem pessoas com
deficiência visual trabalhando na indústria, na inspeção de rolamentos, na
montagem de peças, uma recepcionista, um trabalhador da indústria
farmacêutica, na linha de embalagem da Pfizer Química, um bloquista na
gráfica do Banco de Boston, numa câmara escura em um hospital e na linha
de embalagem de uma indústria cosmética. Era outro conceito, outra forma
de entender a inclusão da pessoa com deficiência no mercado de trabalho.
De qualquer forma, é interessante perceber que já havia uma iniciativa. A
inclusão da pessoa com deficiência visual no mercado de trabalho aconteceu
há cinquenta anos, logicamente, guardando as devidas especificidades de
cada época.
Atualmente, a Fundação tem um programa de empregabilidade, baseado
no paradigma de direitos, de cidadania e de trabalho. A Fundação trabalha
em parcerias com empresas e instituições, promovendo dois eixos: um eixo
166
Mercado de Trabalho
de serviço à pessoa com deficiência visual e um eixo de serviço às empresas,
com projetos de responsabilidade social, capacitações, orientações,
sensibilização, uma série de ações específicas em prol dessa inclusão.
Com o avanço tecnológico, houve uma série de mudanças nos postos de
trabalho, das quais as pessoas com deficiência se beneficiaram muito, como
os softwares de voz para algum trabalho específico. Cada vez mais, os postos
estão informatizados, o que é uma grande vantagem, um auxílio grande para
a pessoa com deficiência visual.
Todos falam em capacitação e, de fato, a Fundação só acredita que a inclusão
possa acontecer se for integrada a outras áreas de inclusão, principalmente a
educação. A ética deve permear todo o processo. As pessoas devem estar
capacitadas, qualificadas para exercerem seu cargos e terem o direito de
receber tudo isso.
Além dos serviços já mencionados, a Fundação promove essa capacitação
por meio dos livros digitais acessíveis. São três produtos: o livro em braile,
livros e revistas falados e o livro digital acessível. O livro em braile é
extremamente importante para o processo de alfabetização, de construção
do conhecimento e de aprendizagem das pessoas com deficiência visual. A
Fundação tem a maior gráfica em braile da América Latina. Como a questão
da deficiência visual está muito pautada na barreira da comunicação, é preciso
transpor essa barreira por meio do acesso à informação. Uma das formas de
romper essa barreira é com o livro em braile. Percebe-se que falta uma atenção
específica para a questão da produção de material em braile, para o acesso à
informação imediata.
Os livros falados são gravados na Fundação e possuem algumas
características específicas. A revista Veja é distribuída para todo o Brasil, por
exemplo. O livro digital acessível foi desenvolvido na Fundação em 2007 e
atende à demanda de livros universitários e de pesquisa. Eles possuem uma
série de vantagens em relação ao livro em braile e ao livro falado. É um
recurso tecnológico extremamente eficaz para a inclusão da pessoa com
deficiência visual.
Um avanço na produção dos livros digitais é o consórcio DAISY, ao qual a
Fundação está conveniada, com a produção do programa Dorina Daisy
Reader.
167
Mercado de Trabalho
Somos essencialmente produtos de nossas épocas e de nossos contextos
sociais. Não escapamos às convenções aí desenhadas. Se nas décadas de 1960,
1970 e 1980 nos deparávamos com uma série de problemas, neste início de
século temos outras responsabilidades. Para concluir, uma frase da Dona
Dorina: “Navegar é preciso, sonhar é imprescindível.”
168
O Mercado de Tecnologias Assistivas no Brasil
Apenas no Estado de São Paulo, cerca de 4,2 milhões de pessoas têm algum tipo de
deficiência. Esse público é consumidor de produtos especiais, que vão desde uma
simples colher adaptada a uma sofisticada cadeira de rodas. No Brasil, esse mercado
ainda tem grande potencial de crescimento, com a ampliação da produção nacional,
o aumento da oferta em um maior número de pontos de vendas e o barateamento
desses produtos para o consumidor final.
Cid Torquato (moderador) – Coordenador de Articulação Institucional e
Políticas Públicas - Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência
- São Paulo, SP
Mônica Cavenaghi – Diretora Comercial da Cavenaghi - São Paulo, SP
Wilson Zampini – Diretor Geral da Otto Bock Brasil - São Paulo, SP
Ricardo A. Conti – Departamento de Engenharia e Desenvolvimento da
Ortopedia Jaguaribe Ind. e Comércio Ltda. - Ferraz de Vasconcelos, SP
Orlando de Carvalho – Diretor Comercial da CARCI - São Paulo, SP
Mônica Cavenaghi: As estatísticas sobre pessoas portadoras de deficiências
no Brasil são pouco consistentes. A produção e comercialização de veículos
para pessoas com deficiência constituem um mercado mais maduro e os
números disponíveis sobre o setor permitem uma reflexão sobre a população
de pessoas com deficiência no Brasil como um todo. Pelos dados do censo,
há no Brasil 24 milhões e 600 mil deficientes.
Todas as montadoras com fábrica no Brasil têm um programa para pessoas
com deficiência. Alguns deles são mais eficientes, outros menos, mas todas
procuram treinar sua equipe de vendas.
O principal diferencial é a renúncia fiscal, com isenção de ICMS e IPI.
Realmente, a pessoa com deficiência tem uma vantagem competitiva para
comprar seu veículo.
O Mercado de Tecnologias Assistivas no Brasil
Outro fator importante é a abundância de crédito. O mercado brasileiro não
é diferente de nenhum outro. O setor financeiro brasileiro oferece crédito
com muito mais critérios, com muito maior rigor que os Estados Unidos. De
qualquer forma, é preciso trabalhar com crédito, as pessoas precisam ter
acesso às tecnologias com uma facilitação de crédito.
Por fim, existem alguns produtos aos quais, mesmo com todos esses recursos,
as pessoas não terão acesso. Por exemplo, um veículo totalmente acessível
para que um tetraplégico possa ocupar o cockpit do motorista com sua cadeira
de rodas e sair dirigindo com um controle por comando de voz. Não seria
preciso inventar essa solução; ela já está disponível no mercado, mas é uma
tecnologia extremamente cara. Mesmo com a renúncia fiscal, com a inclusão
da pessoa deficiente no mercado de trabalho, com receita própria, com um
crédito muito facilitado, a pessoa não conseguirá comprar. É uma tecnologia
para um público absolutamente restrito. O Estado brasileiro precisa decidir
se quer que essa pessoa tenha acesso a essa tecnologia ou não. Se quiser, terá
que subsidiá-la.
Portanto, mesmo com todas essas facilidades, haverá um conjunto de
produtos e serviços, de equipamentos, que caberá ao Estado prover ou não.
Se o Estado decidir que essa pessoa deve ser independente e produtiva, terá
que proporcionar esses equipamentos.
No mercado de trabalho brasileiro, as empresas que desejarem contratar uma
pessoa com deficiência têm como concorrente o SUS, que aposenta a pessoa
e esta só aceita trabalhar na informalidade, para não perder o benefício. No
mercado alemão, por exemplo, quanto mais a pessoa é produtiva, maior é a
renúncia fiscal que o Estado faz para a compra de produtos e serviços. Se for
uma pessoa que não trabalha, terá um determinado desconto. Se trabalhar,
terá um desconto maior. Se for funcionária pública, terá um desconto maior
ainda. A política segue o princípio de que as pessoas devem ser produtivas;
o Estado não quer uma pessoa gerando despesas, mas gerando receitas. O
governo alemão não procede dessa maneira por paternalismo, mas porque
prefere que a pessoa seja produtiva, gere riquezas para o Estado. É uma
questão matemática bastante simples.
Wilson Zampini: No sistema brasileiro de fornecimento de próteses, há três
grandes fontes de recursos: o SUS, que atende através de licitações, o INSS e
170
O Mercado de Tecnologias Assistivas no Brasil
os recursos particulares, do próprio paciente ou seus familiares, empresas
que doam ou seguradoras que cobrem os custos da prótese em caso de
acidente. Esta última fonte, por uma questão social, de poder aquisitivo e
outros fatores, representa menos de 10% do total.
No setor público, o primeiro desafio é a limitação de recursos. Além disso,
há a ineficiência do processo para a utilização dos recursos disponíveis.
Quando se pensa em tecnologia nesse segmento, discute-se como fazer a
tecnologia chegar à pessoa que pode se beneficiar. A Otto Bock trabalha com
componentes que utilizam tecnologia de ponta, com o desenvolvimento de
tecnologia, traz para o mercado os equipamentos mais modernos.
No momento, como já se comentou, não adiantaria simplesmente trazer a
produção desse tipo de equipamento para o Brasil. Cedo ou tarde, chegará o
momento da produção local. Por ora, entretanto, é uma questão de volume
de mercado, de viabilidade econômica. O que importa é que o preconceito
contra o produto nacional ou contra o produto importado já não faz parte
das considerações válidas. O importante é fazer com que o produto de
qualidade, nacional ou importado, reverta em benefícios para o usuário final.
Outro ponto de discussão intensa nos últimos anos é que não adianta trazer
tecnologia de ponta se não houver uma capacitação técnica para adaptação
e viabilização dessa tecnologia para o usuário. Esse é um gargalo muito
importante, que o país precisa enfrentar. Em todos os programas se observa
hoje uma atenção muito maior ao atendimento; esta necessidade não está
sendo observada com a devida atenção e o devido peso. Há um projeto de
financiamento de várias oficinas ortopédicas, especialmente no Norte e
Nordeste, onde a deficiência é maior, mas é preciso haver técnicos para que
essas oficinas funcionem.
Seguindo com os desafios a enfrentar nesse segmento, é preciso pensar na
adequação das soluções oferecidas ao indivíduo que será beneficiado pela
prótese. Não adianta oferecer uma Ferrari a uma pessoa cuja capacidade de
direção está mais para um Fusca. É preciso pensar em uma solução que
realmente ajude a pessoa com deficiência a ter uma vida o mais próximo do
normal ou com o mínimo possível de limitações. Assim, o indivíduo voltará
a uma atividade, a contribuir eficiente e efetivamente para a sociedade.
Pode-se discutir a respeito dos prós e contras da política pública alemã de
conceder maiores descontos aos deficientes mais produtivos, mas é certo
171
O Mercado de Tecnologias Assistivas no Brasil
que o sistema procura estimular aquele profissional para que volte a ter uma
vida produtiva, ao convívio social, a ser um consumidor e contribuinte, o
que é benéfico para a sociedade, em todos os sentidos. É uma visão
pragmática, uma visão moderna da sociedade. Essa perspectiva precisa estar
presente na discussão de políticas e tecnologias para o deficiente físico.
Em segmentos do governo brasileiro, essa discussão costuma tomar por base
a quantidade “x” de pessoas que precisam ser atendidas, se certa cota de
recursos for destinada a essa condição, será necessário deixar de atender a
uma quantidade maior de pacientes. É preciso encarar essa questão de
maneira mais aberta, abrangente e inteligente. O sistema brasileiro precisa
contemplar as pessoas que podem voltar a contribuir com a sociedade e
atualmente isso não ocorre. Todos são tratados do mesmo jeito. É preciso
desenvolver uma visão mais moderna de sociedade, que permita que essas
variáveis sejam consideradas na equação geral.
O sistema também não contempla a valorização do resultado final do
processo. Este é outro aspecto importante. Grande parte do fornecimento de
órteses, próteses e cadeiras de rodas com recursos públicos é feita através de
licitações. A licitação tem por finalidade comprar, fazer a aquisição de um
bem ou serviço com o menor preço possível, teoricamente protegendo os
interesses do governo e os recursos disponíveis para aquele fim. Essa prática
pode ser um “tiro no pé”. Quando se trata de uma prótese, um produto
totalmente adaptado, customizado especificamente para um indivíduo, com
um perfil específico, necessidades específicas, em uma situação específica,
em muitos casos há um verdadeiro desperdício de recurso público, e não
uma economia de recurso público. No processo licitatório, em muitos casos
se compra um serviço por um valor baixo, que no final das contas não fornece
o benefício pretendido ao usuário. Segundo levantamentos do próprio
governo, muitas dessas próteses acabam penduradas atrás da porta. O
próprio governo estima que muitas das próteses fornecidas pelo SUS não
estão sendo usadas porque não foram adaptadas, não houve um processo
de adaptação da prótese. O sistema precisa contemplar essa adaptação. É
preciso pagar de forma justa, que remunere o trabalho fornecido, desde que
o benefício realmente aconteça.
A título de exemplo, suponhamos o caso de um paciente jovem, de alta
atividade, submetido a amputação acima do joelho, que necessite de uma
prótese. Com a prótese, o paciente poderia voltar a uma atividade profissional
172
O Mercado de Tecnologias Assistivas no Brasil
plena e a uma boa vida social. Se o processo de preparação do paciente, a
colocação da prótese, o treinamento para que a pessoa utilize a prótese forem
mal feitos, porque o sistema não contempla a qualidade final do processo,
pode ser que todo o investimento feito, toda a possibilidade do paciente de
voltar a uma vida boa e produtiva sejam frustrados. Esta é uma mensagem
importante para se discutir a tecnologia à disposição das pessoas com
deficiência.
O amputado brasileiro tem um perfil jovem. O percentual de pessoas mais
jovens que sofrem amputação no Brasil é muito maior do que em outros
países, basicamente por conta da violência urbana, seja por ação de tiros, do
tráfego de veículos ou por outros meios. Logo se pensa que uma prótese
para o paciente com um perfil de alta atividade custa muito caro. Com o
valor de uma prótese como essas, seria possível protetizar uma quantidade
maior de pacientes com próteses mais simples. É verdade, mas, para uma
pessoa como essa, esse tipo de prótese seria uma solução, ela poderia voltar
a ter uma vida plena, produtiva, com reintegração social. É preciso considerar
o potencial de reinserção e de reabilitação total, e não simplesmente o
fornecimento da prótese, da órtese ou da cadeira de rodas. A visão precisa
ser muito mais ampla. Qualquer empresa ou instituição que atue nesse setor
precisa ter esse compromisso, para que todo o processo melhore e o sistema
seja mais bem desenvolvido.
Outro aspecto importante é que a aplicação dessa tecnologia exige uma
estrutura adequada, para que os deficientes possam realmente ser
beneficiados. Não adianta trazer equipamentos de ponta ou desenvolvê-los
aqui mesmo no Brasil, se não houver toda uma estrutura que permita que o
benefício realmente chegue ao deficiente.
A tecnologia já está disponível, pode revolucionar o atendimento das pessoas
com deficiência, mas precisa ser introduzida de forma responsável, para
proteger os interesses do deficiente físico e da sociedade brasileira como um
todo. Todos os envolvidos nesse segmento, mesmo uma empresa que,
obviamente, vise ao lucro, precisa ter esse compromisso mais amplo, de não
fazer somente a sua parte, mas contribuir para o desenvolvimento e o
crescimento de todo o segmento.
Ricardo A. Conti: Infelizmente, a cultura das indústrias de cadeira de rodas
é de não divulgar números, e isso é negativo para a própria indústria, porque
173
O Mercado de Tecnologias Assistivas no Brasil
com números podem-se concentrar os esforços e a dedicação das pessoas, o
que é o mais importante. Sem números, ficamos um pouco órfãos nesse
aspecto.
O Sr. Cid Torquato sugere a criação de uma associação das empresas de tecnologias
assistivas no Brasil, talvez com o grupo formado pelos palestrantes do simpósio como
núcleo inicial, inclusive para a produção de dados como aqueles cuja falta o Sr. Ricardo
Conti menciona.
Embora não existam dados oficiais, dá para arriscar alguns números. Nas
feiras internacionais, os números aparecem com frequência. Como simples
impressão, pode-se supor que a indústria nacional de cadeiras de rodas deva
fabricar em torno de 200 a 300 mil unidades por ano, dos diversos tipos:
higiênicas, para tetraplégicos, paraplégicos, obesos, idosos. Nos Estados
Unidos, há um dado que indica a produção de mais de 600 mil cadeiras
motorizadas por ano. Aqui, todos os tipos de cadeiras somariam 300 mil. A
produção de cadeiras motorizadas no Brasil é muito baixa. Trata-se de outra
população; o número de idosos nos Estados Unidos é maior. A população
total é quase 50% maior que a do Brasil: cerca de 300 milhões. Portanto,
imagina-se que essa área no Brasil tenha um grande crescimento pela frente.
A cadeia produtiva da cadeira de rodas é considerada complexa, porque é
preciso investir em metalurgia, que é a base da cadeira de rodas, na indústria
de polímeros (injeção de plásticos), na indústria têxtil (assentos, encostos) e
de borracha natural (os pneus das cadeiras). Até a década de 1990, a indústria
de cadeira de rodas do Brasil viveu uma fase de baixa demanda. Por isso, os
processos de fabricação se verticalizaram. Todos os componentes da cadeira
eram produzidos dentro da própria indústria. O volume era baixo. A
vantagem do processo verticalizado era a independência de terceiros, havia
tudo dentro de casa, havia maior autonomia e o controle sobre a tecnologia.
Se uma indústria desenvolvia um produto, estava tudo dentro da sua casa.
As desvantagens seriam um investimento grande em processos. Era preciso
que todo o processo estivesse disponível na empresa, um processo caro e
extenso. A flexibilidade era menor, em função do tamanho do processo, e a
sua estrutura ia inchando. À medida que a demanda foi crescendo, tornouse necessário ter cada vez mais funcionários.
Com a evolução nos últimos 10 anos, ocorreu a horizontalização do processo.
As indústrias começaram a desenvolver parceiros no mercado interno e
externo, começaram a importar também, para obter rodas, freios, etc.
174
O Mercado de Tecnologias Assistivas no Brasil
Algumas indústrias pintavam os produtos fora, com um parceiro no exterior,
ou faziam tecido nas oficinas de costura e a própria confecção da estrutura
de alguns produtos mais simples começou a ser terceirizada. As vantagens
dessa horizontalização eram que a empresa podia manter o foco no seu
negócio, que é comercializar, e no processo mais complexo de preparação da
estrutura, de engenharia de desenvolvimento. A outra vantagem de dividir
as tarefas foi obter parceiros com tecnologia própria. Assim, a indústria
nacional começou a adquirir o know-how dos seus parceiros. Aumentou a
capacidade produtiva, com o processo de horizontalização, e obteve-se maior
flexibilidade nos volumes. Aumentaram os volumes porque a indústria já
tinha um pouco mais de espaço, não estava inchada, começou a terceirizar
várias tarefas e aumentou a produção.
As desvantagens desse processo de horizontalização incluem o menor
controle tecnológico. Um determinado parceiro começa a fornecer para um
concorrente, por exemplo. É o que ocorre nos países mais desenvolvidos.
Há, por exemplo, uma indústria de componentes para cadeira de rodas. Todos
compram desses fornecedores e eles acabam adquirindo tecnologia própria.
Começam a homologar o componente que fabricam. Têm laboratórios, fazem
testes. Recebe-se o material com garantia para se utilizar na produção da
cadeira. Outra desvantagem é a alta dependência de terceiros e uma logística
um pouco mais complexa. Tudo tem que estar programado para chegar na
hora certa. É o que aconteceu na indústria montadora de veículos. Algumas
décadas atrás, elas eram um pouco mais verticalizadas. Hoje são chamadas,
inclusive, de montadoras, pois compram os componentes e montam, somente.
Quanto à evolução dos produtos, até a década de 1990, os produtos
apresentavam mínimos recursos de adequação às necessidades do usuário.
Eram muito básicos. Não se mexia na linha de produtos. Com o passar dos
anos, principalmente na última década, começaram a aparecer recursos
importantes nas cadeiras de rodas. Vários produtos no mercado permitem a
regulagem de tilt, que é o ângulo de assento, o deslocamento do centro de
gravidade, anteriorizar e posteriorizar a roda traseira, projetos customizados.
Hoje, as empresas têm linhas de fabricação que permitem fazer a cadeira sob
medida, com largura, profundidade de assento e altura do encosto
personalizadas para cada usuário. E houve o desenvolvimento de projetos
em parceria com os centros de referência em reabilitação, realmente uma
evolução muito grande. Outra evolução é a grande disponibilidade de cores.
175
O Mercado de Tecnologias Assistivas no Brasil
No passado não havia essa variedade; hoje há um mostruário de cores, cada
um compra a cadeira na cor de sua preferência. A introdução de módulos
para adequação postural foi outro avanço. Muitas cadeiras já saem de fábrica
com módulo de adequação postural. E há produtos motorizados, com maior
valor agregado de alta tecnologia.
A indústria de cadeira de rodas pode seguir algumas normas, como por
exemplo a ISO 9001, um sistema de gestão da qualidade aplicável a qualquer
processo. É uma norma de alcance mundial. A NBR ISO 13.485, uma norma
baseada na ISO 9000, tem características próprias para o processo de
fabricação de produtos para a saúde. A RDC 59, da ANVISA, sobre as boas
práticas de fabricação, é uma norma aplicável aos países do MERCOSUL.
Recentemente saiu a NBR ISO 7.176, com normas que definem os métodos
de ensaios para cadeiras de rodas. Há testes de rodagem, de impacto e de
estabilidade estática, que é um ensaio muito importante. Essas normas foram
homologadas pela ABNT a partir de maio deste ano. O INMETRO usará
essas normas para verificar a conformidade dos produtos e será criado um
mecanismo de certificação compulsória. Portanto, o INMETRO passará a
reger o segmento; dentro de pouco tempo os produtos terão o selo do
INMETRO. Haverá uma certificação compulsória na cadeira de rodas, um
parâmetro de qualidade para todos os produtos fabricados no Brasil. Essa é
uma evolução muito grande no mercado nacional, porque hoje há no mercado
cadeiras de rodas das quais não se sabe nem a marca. Alguém entra no
mercado, começa a produzir e coloca em risco a segurança do usuário. Com
a regulamentação do INMETRO, isso não vai mais acontecer. Na hora de
comprar o produto, será possível ver se ele tem o selo do INMETRO.
Dentre os fatores que podem incentivar a oferta de produtos, um muito
importante é a abertura de linhas de crédito para a ampliação da capacidade
produtiva, destinada especificamente a essa finalidade. A população tem um
poder aquisitivo muito baixo ainda. Se o país tiver um crescimento econômico,
certamente, aumentará a produção. A atuação mais forte do setor público na
aquisição e distribuição de equipamentos também é muito importante para
a expansão da produção.
Quais os outros fatores que podem trazer uma redução de custos e do preço
final do produto? A escala está muito relacionada ao custo. Com uma escala
maior na produção, o custo diminui. O foco na conquista de novos mercados
é uma opção. A indústria nacional exporta muito pouco ainda. A exportação,
176
O Mercado de Tecnologias Assistivas no Brasil
especialmente para os países do MERCOSUL, é muito importante para
aumentar a demanda e reduzir custos. Outro ponto é obter o financiamento
de equipamentos, processos e projetos voltados para a redução de custo dos
produtos. Acelerar o processo de horizontalização, fazer cada vez mais
componentes fora, também reduz custos. Outro tópico é a melhoria nos
índices de produtividade da indústria. A indústria precisa ter produtividade
também para oferecer melhores custos. Para ter produtividade, é preciso
investir em sistemas de gestão de produtividade, de qualidade.
O desenvolvimento tecnológico talvez seja o maior desafio da indústria de
cadeiras de rodas no Brasil. É preciso aumentar o investimento em pesquisa
de movimentos, de produtos, de processos. A indústria nacional investe muito
pouco nisso. Existem as equipes de engenharia de desenvolvimento, mas
ainda há muito que se investir. A indústria precisa ter tecnologia própria,
senão realmente as coisas vão ficando cada vez mais difíceis. A
regulamentação compulsória do setor, com o estabelecimento de um padrão
mínimo de qualidade para a comercialização do produto, está sendo feita
pelo INMETRO. O desafio da indústria de cadeiras de rodas é manter-se
competitiva no mercado globalizado. Nesse contexto, a qualidade, a
produtividade, a inovação e custos competitivos são cada vez mais
importantes.
Orlando de Carvalho: O Sr. Orlando de Carvalho relata um episódio em
que recebeu a visita de umas senhoras que faziam doações de cadeiras de
rodas. Queriam saber o valor do produto. Questionadas sobre o problema
do futuro usuário, disseram tratar-se de uma criança com paralisia cerebral.
Seria o caso de fazer uma avaliação prévia, pois caso contrário se poderia
piorar ainda mais o problema. O Sr. Orlando sugeriu a avaliação de um
profissional, que foi feita. Quando as senhoras souberam do preço do
equipamento proposto, disseram que, com aquele valor, poderiam comprar
dez cadeiras de rodas. O Sr. Orlando comentou então, brincando, que elas
estavam querendo ganhar o reino do céu pela quantidade, não pela qualidade.
Segundo o Sr. Orlando, daquele dia em diante, aquelas senhoras passaram a
levar em consideração alguns fatores.
Comenta-se que em outros países, como na Alemanha, por exemplo, o
governo dá total apoio ao cidadão que precisa de uma cadeira de rodas.
177
O Mercado de Tecnologias Assistivas no Brasil
Houve um período em que havia inúmeros centros de reabilitação na cidade
de São Paulo, pagos pelo INPS. O Brasil era um dos países com os mais altos
índices de acidentes do trabalho e o Governo deveria manter um cidadão
dependente ou investir em fisioterapia para a reabilitação desses indivíduos
acidentados. Nesse contexto, é importante buscar políticas públicas de isenção
de impostos. Na isenção de veículos, são 2 milhões e 600 mil veículos
beneficiados. O Governo reduziu o IPI, mas nunca se pensou em zerar o IPI
de um haltere para exercícios. Esse tipo de produto paga 20% de IPI. Houve
redução de IPI para produtos da chamada linha branca, para móveis de
madeira, enquanto os produtos utilizados na fisioterapia e reabilitação, para
melhorar a qualidade de vida de um paciente, pagam 20%, como uma bicicleta
ergométrica ou uma esteira ergométrica. Isso tudo porque, quando se criou
o conceito de NCM (Nomenclatura Comum do MERCOSUL), estabeleceuse que o condicionamento físico era um luxo, era supérfluo. Tudo o que se
podia fazer foi verificado, reduziram o IPI do automóvel, houve períodos
em que reduziram também o IPI do liquidificador, de máquinas e
equipamentos, mas e os produtos de tecnologia assistiva? O que representaria
para a arrecadação de impostos uma isenção na área de reabilitação?
A fisioterapia é muito abrangente e o campo envolve também o trabalho de
terapia ocupacional. Há impostos diferenciados, uma linha de aparelhos
elétricos paga 8%, a mobilização é isenta, outros segmentos pagam 20%. Para
importar toda a tecnologia disponível no exterior, primeiramente é preciso
submeter-se às exigências da ANVISA. Para importar um produto, é preciso
obter antes um registro. O setor importa não por simpatia, mas porque se
quer oferecer um padrão de qualidade melhor e a indústria nacional ainda
não produz esse tipo de material, no padrão exigido e com o respeito que se
pretende em relação ao usuário. Entretanto, para se conseguir um registro,
leva-se quase um ano. Não se pode comercializar um produto simplesmente
com o protocolo do pedido de registro. Se isso ocorrer e a empresa for
flagrada, corre-se o risco de prisão.
Em relação às boas práticas de fabricação, com muito boa vontade, recebe-se
a auditoria da ANVISA seis a oito meses depois de solicitada. Durante esse
período, não se pode comercializar o produto. Portanto, há uma necessidade
urgente de mobilização dos homens públicos em Brasília, para que esse estado
de coisas seja alterado.
178
O Mercado de Tecnologias Assistivas no Brasil
Cerca de quatrocentas empresas são afiliadas à ABIMO (Associação Brasileira
da Indústria de Artigos e Equipamentos Médicos, Odontológicos,
Hospitalares e de Laboratórios). Para se obter uma certificação CE, para
permitir a exportação para a Europa, para a Ásia ou a África, é preciso
contratar uma auditoria externa. Ocorre que essa auditoria não serve para a
ANVISA. A diferença é que os auditores da Europa ou dos Estados Unidos
são pessoas qualificadas no seu setor de trabalho. Na ANVISA, ocorre o
contrário. Sem demérito à ANVISA ou ao enfermeiro por ela enviado,
acontece que um profissional de saúde vai à fábrica questionar o engenheiro
eletrônico com relação ao PCI utilizado no aparelho, sugere uma alteração
no projeto...
Portanto, é hora de procurar apoio, de “comprar essa briga” de alguma forma.
A Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência, comandada
pela Dra. Linamara, representa um passo muito importante para que se
consiga uma abertura, uma sensibilização da classe política em Brasília.
As dificuldades de isenção de impostos são muito claras. Costuma-se dizer
que o Governo não sabe o que é um PC, um portador de paralisia cerebral,
pois ele não vota. Existem hoje cerca de 4,2 milhões de pessoas no Estado de
São Paulo com algum tipo de deficiência. É mais do que a população do
Uruguai ou do Paraguai. A deficiência envolve muito mais do que os
cadeirantes. Em termos de reabilitação, às vezes um cubo de gelo resolve
uma situação crítica. Uma massinha resolve alguma condição, para que se
comece a desenvolver um trabalho.
Alguns dizem que somente os malucos continuam trabalhando na área da
saúde, pois são punidos diariamente. São psicólogos, nutricionistas,
terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos e muitos outros profissionais. Para
encerrar, considere-se o grande volume de ambulâncias, micro-ônibus e vans
que se deslocam de todo o interior do Estado e do sul de Minas com pacientes
que vêm a São Paulo para fazer uma avaliação. Eles acordam, quando
dormem, por volta das duas horas da manhã, tomam a estrada, arriscando
tudo, para chegar aqui ao Hospital das Clínicas, ou a uma clínica de olhos,
fazer uma avaliação e retornar à tarde. Quanto custa isso ao Estado? Será
que vale a pena? Hoje, felizmente, a Dra. Linamara conduz um projeto para
criar centros de reabilitação maiores e o Governador José Serra diz que, em
cada município, quer um representante dessa Secretaria. Não importa o
tamanho do município, sempre haverá, na área rural ou na cidade, pessoas
179
O Mercado de Tecnologias Assistivas no Brasil
necessitadas, mesmo que seja um idoso. Hoje já são mais de 16 milhões de
idosos. Daqui a cinco anos, talvez cheguem a 30 e tantos milhões. Não se
trata apenas de cadeiras de rodas; são adaptadores para o banheiro, uma
barra, tudo faz parte de um contexto pelo qual somos responsáveis e
precisamos abraçar a ideia e mostrar ao Governo essa necessidade.
180
Ajudas Técnicas para o Esporte e Lazer
O Brasil tem se tornado uma verdadeira potência no paradesporto. Além da
perspectiva de preparação de uma nova geração de atletas com vistas à Paraolimpíada
de 2016, no Rio de Janeiro, é necessário ampliarmos a participação de pessoas com
deficiência em atividades esportivas e de lazer, como importantes vetores de inclusão
social, além dos benefícios para o corpo e a mente. O alto custo dos materiais e
equipamentos, problemas de acessibilidade e a falta de capacitação profissional
adequada precisam ser equacionadas para que tais atividades promovam os resultados
esperados.
Vanilton Senatore (moderador) – Assessor Técnico de Gabinete - Secretaria
de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência - São Paulo, SP
Paulo César Marinho Fernandes – Proprietário da Mobility Brasil - Goiânia, GO
Rivaldo Gonçalves Martins – Atleta Paraolímpico - Santos, SP
Marco Antonio Guedes de Souza Pinto – Ortopedista e Traumatologista Fundador e Diretor do Centro Marian Weiss - São Paulo, SP
Paulo César Marinho Fernandes:
O Sr. Paulo inicia dizendo que é muito difícil separar a sua própria história
de uma apresentação como esta, pois ele foi personagem de uma história
de inclusão e tecnologia. Em 1976, sofreu um acidente, foi atropelado e
ficou paraplégico. A primeira cadeira de rodas que recebeu pesava 36 kg.
É cadeirante e ex-atleta da seleção brasileira de basquete em cadeira de
rodas, na qual atuou por muitos anos.
Por que o Brasil possui mais medalhas paraolímpicas em esportes como
atletismo, natação e judô? Ocorre que o equipamento tecnológico não é
definitivo para essas modalidades. O basquete, o atletismo, a maratona e o
Ajudas Técnicas para o Esporte e Lazer
tênis em cadeira de rodas já não têm tantos resultados positivos, justamente
porque falta-nos essa tecnologia acessível. Na natação, basta ter uma piscina,
um professor e o atleta. Para formar uma equipe paraolímpica de basquete,
é preciso considerar que uma cadeira competitiva atualmente não sai por
menos de sete mil reais. A manutenção dos equipamentos, a especificidade
de cada item, como uma cadeira de corrida, por exemplo, são aspectos
tecnológicos fundamentais. Os nossos atletas não despontam em modalidades
nas quais o equipamento é decisivo pelos mesmos motivos observados nas
modalidades olímpicas, como aquelas que dependem da tecnologia de fibra
de carbono, barcos especiais, equipamentos de ginástica. O paradesporto
enfrenta os mesmos tipos de dificuldade.
Porém, há outro fato a considerar. O homem não foi feito para locomover-se
por meio de uma cadeira de rodas; trata-se de uma adaptação de mobilidade.
Ergonomicamente, os seres humanos diferenciam-se de outros animais pela
posição ereta. Ao observarmos a natureza do alto, nos tornamos seres
supremos. Quando o ser humano se levantou e tornou-se bípede, mudou a
história da humanidade.
Entretanto, logo no início da história humana, a falta de mobilidade já estava
presente. Ao caçar, ao descobrir novos territórios, diante das ameaças dos
inimigos, quantas pessoas pararam de andar, perderam pernas ou braços
nas guerras? Assim, o homem começou a perceber que a perda de mobilidade
não significaria a perda da vida. Há muito tempo, procura-se devolver a
mobilidade a essas pessoas. Aí começou a história dos profissionais da área
e da tecnologia assistiva.
Inicialmente, alguém colocou rodas numa cadeira de descanso do idoso,
talvez mais como facilidade para o cuidador do que um recurso para a
independência do deficiente. Em 1917, criou-se uma pequena carroça puxada
por um cão, na qual ia sentada uma pessoa que havia tido poliomielite.
Percebemos ali o desenvolvimento da tecnologia: a carrocinha já dispunha
de rodas, era de madeira torneada (portanto já havia um torno para produzila) e havia a motivação do seu usuário. Era uma pessoa que queria se
movimentar, sem que pudesse caminhar normalmente. Em síntese, todas as
tecnologias modernas surgem dessas mesmas condições: tecnologia e
motivação.
182
Ajudas Técnicas para o Esporte e Lazer
Com o desenvolvimento industrial, novas alternativas foram surgindo: o
vime, as rodas fundidas (a partir da Revolução Industrial), os carros de luxo
emprestaram as capotas da época, surgiram bicicletas adaptadas, híbridas.
Até então, não havia “luta pelos direitos da pessoa com deficiência”, mas
medidas para garantir a sobrevida das pessoas amadas. A sociedade tolerava
esses indivíduos; eles ainda eram um peso na família, recebiam esses artefatos
como reconhecimento pela sua luta numa guerra, por exemplo. Os
equipamentos eram elitizados; poucos tinham direito a eles. As pessoas menos
favorecidas não tinham a mesma sorte e muitas vezes acabavam morrendo.
Ainda não havia antibióticos e todos sabemos que o que mata não é a
paraplegia em si, mas as consequências urinárias, neurológicas do mau
cuidado, a má reabilitação, etc.
No início do século XIX, a autonomia começa a ser um objetivo: surgem as
cadeiras com aro propulsor. Antes, todos os cadeirantes eram movimentados
por alguém. O aro de impulsão representou maior autonomia dentro de casa,
maior liberdade. O cadeirante já podia conseguir um copo d’água por si só,
se tivesse sede. A ideia de independência começa a se tornar presente. A
sobrevida após uma lesão medular também começa a se prolongar, sobretudo
com o advento dos antibióticos.
Desenvolveu-se um triciclo para duas pessoas, um andante que pedalava e
um cadeirante que ia sentado à frente. Com a possibilidade de se movimentar
para distâncias mais longas, ampliavam-se os horizontes, o cadeirante podia
ver a montanha e o rio que antes não via, e aumentaram também as
possibilidades de atividade dos cadeirantes. Essas bicicletas começaram a
levar os cadeirantes para passear. Quando as pessoas começaram a ver os
cadeirantes na rua, passaram a questionar o que se poderia fazer com eles,
pois eram muitos e cada vez havia mais. Surgiram cadeiras em padrão
industrializado. Antes, em três anos o paraplégico acabava morrendo, por
insuficiência renal, escara, infecção... Assim, a indústria e a tecnologia
começam a acompanhar o movimento de inclusão social.
O grande divisor de águas no uso da tecnologia para as pessoas com
deficiência ocorreu num local da Inglaterra chamado Stoke Mandeville: um
centro de recuperação fundado pelo neurocirurgião alemão Ludwig
Goodmann, a primeira pessoa que pensou em associar o esporte e a
reabilitação, após a Segunda Guerra Mundial.
183
Ajudas Técnicas para o Esporte e Lazer
Como seria possível reabilitar o enorme contingente de paraplégicos vítimas
da guerra, civis e militares, naquela época? O número de profissionais de
reabilitação era absolutamente insuficiente para os milhares ou mesmo
milhões de pessoas que haviam perdido movimentos. Assim, por meio da
prática esportiva, numa quadra de basquete, com uma bola e uma cesta, o
médico propôs-se a reeducar e treinar as pessoas para a vida. Inicialmente
as cadeiras eram rústicas, tinham as características dos equipamentos usuais
da época, com couro e madeira, e utilizavam-se muitas peças de bicicletas.
Entretanto, aquele já era o projeto embrionário de uma Paraolimpíada.
Essas pessoas começaram a mostrar para a sociedade que eram capazes de
jogar basquete. Aqueles que antes as viam como um peso social, dependentes
da coletividade, começaram a perceber que elas poderiam ser produtivas,
menos dependentes do Estado. Se o esporte pudesse motivá-las, elas sairiam
mais rapidamente do centro de reabilitação. O centro de reabilitação não
trabalha para que a pessoa volte a andar, mas para que volte a viver. Por
isso, as pessoas frequentam essas instituições por anos a fio. E, nesse sentido,
nada como o esporte para motivar as pessoas.
Os anos se passaram e a tecnologia foi melhorando. Surgiram as cadeiras
tubulares, com aço industrial, rodas enraiadas, uma maior padronização.
Até então, porém, todos andavam da mesma maneira, nas mesmas cadeiras.
Não se levavam em conta variáveis como largura, profundidade do encosto,
peso da cadeira, desempenho. Simplesmente, os cadeirantes se reabilitavam
por meio da bola de basquete. De qualquer forma, as pessoas da comunidade
começavam a não vê-los mais como pobres-coitados. Quando vemos uma
partida de basquete jogada por cadeirantes ou uma pessoa sem braço numa
prova de natação, não sentimos pena. Pode-se sentir muito mais do que
comiseração. Assim, as indústrias começaram a reabsorver a mão-de-obra e
esse enorme contingente deixou de ser um peso social e passou a colaborar.
Por que o Brasil é tão atrasado em relação às políticas sociais de reabilitação?
Quem já viajou para o primeiro mundo, percebe claramente a diferença. Uma
das respostas talvez seja o fato de o nosso país não ter entrado em guerras. O
americano médio não para na vaga para deficientes porque, enquanto ele
assistia a uma partida de futebol americano e comia pipoca, o usuário da
vaga estava colocando a vida em risco no Vietnã. Como desrespeitar esse excombatente, que lutou pelo país? Assim, as políticas de reabilitação nos países
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Ajudas Técnicas para o Esporte e Lazer
que entraram em guerra fazem parte de outra realidade e de outro respeito.
O cadeirante no Brasil foi uma pessoa que teve azar, caiu do andaime, foi
atropelado, tomou um tiro porque reagiu a um assalto, deve estar pagando
alguma coisa que fez no passado...
No restrito círculo das pessoas que têm um pé na inclusão, os direitos das
pessoas com deficiência são respeitados, mas num prédio residencial, por
exemplo, os moradores pensam apenas: “Coitado daquele rapaz que ficou
paraplégico”.
Podemos pensar em alguns itens que foram definitivos para que se passasse
da fase de “brincadeira de basquete”, de recreação e motivação, para um
passo adiante. Primeiro, as competições começaram a se tornar uma realidade
no mundo inteiro. O projeto-piloto americano e inglês de reabilitação
começou a se espalhar pelo mundo. A vontade de superar desafios e realizar
conquistas é inerente ao ser humano. O indivíduo começa a jogar a bola, faz
a cesta, joga com outros e não quer perder.
Com o tempo, percebeu-se que alguns cadeirantes tinham maior mobilidade
e levavam vantagem sobre outros. O amputado tem maior equilíbrio na
cadeira do que o indivíduo com lesão medular em T4, T8 ou T10, por exemplo.
Daí surgiu a classificação funcional, com a finalidade de equalizar os
competidores. O sujeito com uma lesão completa deveria ter a mesma chance
de ser um bom jogador de basquete que um amputado bilateral, que
funcionalmente é muito mais ágil na cadeira de rodas.
Nessa luta pela vitória e pela igualdade de condições de competição, a alta
performance passou a ser uma meta. Percebeu-se que itens como um encosto
mais baixo, um cinto que prendesse o quadril, um melhor posicionamento
de perna, um melhor posicionamento do centro de gravidade do corpo, para
a impulsão, poderiam determinar a vitória de uma equipe. Assim, começou
a busca por materiais mais leves e resistentes, adequação à cadeira e
componentes de alta tecnologia.
Essas novidades foram fantásticas, pois as pessoas começaram a querer
melhorar o seu desempenho e, automaticamente, testaram os modelos da
engenharia que levaram à produção de itens hoje comumente disponíveis.
Atualmente, fala-se em cadeiras com largura correta, centro de gravidade e
altura do encosto adequados.
185
Ajudas Técnicas para o Esporte e Lazer
Numa fotografia de uma partida disputada na Paraolimpíada da Espanha,
observa-se que vários atletas disputam a bola na área do garrafão e um deles
inclina a cadeira sobre uma roda só para fazer o arremesso. Certamente,
nessas condições, o eixo das rodas não empenará, a cadeira não pesa 20 kg, o
pneu não é aquele pneu meio murcho com o qual se anda pela rua. O atleta
dispõe de um material de alta tecnologia para chegar a esse nível de
performance esportiva.
Se tivermos essa qualidade de equipamento na quadra, certamente um
usuário que quer trabalhar, estudar e melhorar a sua condição de vida
também vai querer essa tecnologia no seu dia-a-dia. Portanto, as cadeiras
esportivas emprestaram toda a leveza das estruturas, o design, o conceito e
as técnicas de fabricação para as cadeiras de rodas que milhares de pessoas
utilizam para se reinserir socialmente.
Atualmente, é possível ver uma pessoa com tetraplegia, antes considerada
“intocável”, que não podia fazer nada, participar de jogos paraolímpicos,
cair e voltar à sua cadeira sozinha, tomar um ônibus, ir para o seu alojamento,
tudo graças à alta tecnologia, a uma cadeira de rodas com comandos de
digitação ou voz, que pesa 8 kg. Um tetraplégico que ganha uma medalha
paraolímpica certamente não terá dificuldade para conseguir um emprego,
reinserir-se, voltar a estudar... Ele próprio poderá criar um ambiente
favorável, para que seja feliz, pois já é um vitorioso.
Há cadeiras de rodas fabricadas em titânio, um metal presente na natureza,
mais resistente e mais leve que o alumínio. Uma cadeira de alta performance,
disponível atualmente para jogos de basquete de várias modalidades, é
totalmente fabricada em titânio e pesa 8 kg. Se compararmos uma equipe
que jogue com cadeiras como essa a outra, que utilize cadeiras de 12 kg,
obviamente depois de 40 minutos a primeira estará mais disposta e apta a
realizar movimentos de arremesso. A seleção brasileira de basquete em
cadeira de rodas, quando jogava com os Estados Unidos, saía-se muito bem
no primeiro tempo, o placar ficava equilibrado. No segundo tempo, perdia
por 20 pontos de diferença. Não se pode deixar de levar em conta a diferença
de tecnologia. Por isso, será mais difícil o Brasil ser campeão mundial de
basquete do que conseguir 20 medalhas na natação paraolímpica.
Além de toda a dificuldade representada pelo custo em si, para se importar
uma cadeira como essas, é preciso registrar, obter aprovação da ANVISA,
186
Ajudas Técnicas para o Esporte e Lazer
num processo que pode levar um ano. As leis sanitárias qualificam esse tipo
de cadeira como equipamento hospitalar.
As cadeiras de uso ativo observam técnicas de fabricação específicas, utilizam
materiais leves e resistentes, são customizadas e possuem ajustabilidade. São
todos frutos da história esportiva aqui descrita. Daí a importância de o Brasil
ser um país paraolímpico: para semear novos caminhos para os usuários de
cadeiras de rodas, na sua vida social, que representam um número
extremamente maior do que o dos atletas que praticam jogos de basquete.
Hoje, graças à evolução da tecnologia, existem cadeiras totalmente fabricadas
em titânio, sempre com menos de 10 kg, com diversos recursos de
ajustabilidade, com os mesmos tipos de rolamentos que as cadeiras usadas
nas práticas esportivas, com pneus específicos para cadeiras de rodas (mais
leves, que não sujam as mãos e o ambiente), etc. Os usuários podem transpor
limites, por exemplo, fazendo uma trilha no meio da floresta ou atuando no
mercado de trabalho, totalmente adaptados às suas necessidades de
locomoção. Um profissional assim dificilmente estaria atuando se utilizasse
uma cadeira de 40 kg. Na primeira vez em que saísse, desistiria. O mesmo
vale para outras atividades, como a de médico ou de artistas de várias áreas.
Há excelentes competições de dança de salão no Brasil. Tudo isso graças à
tecnologia. Nesse sentido, o Brasil é um país privilegiado, pois são bem poucos
os países em desenvolvimento que possuem tecnologia própria para oferecer
aos seus usuários.
Com relação às crianças com deficiência, quanto mais cedo elas tiverem o
equipamento mais apropriado, maior será a sua ambientação, maior a sua
mobilidade e independência dos familiares, para que possa traçar o seu
próprio caminho, estudar, trabalhar e realizar as suas conquistas.
O objetivo, afinal, é que não vejamos os homens em suas cadeiras de rodas.
Elas devem ser apenas os meios utilizados para que esses homens realizem
todas as conquistas a que se propõem. Isso, só com uma cadeira leve.
Rivaldo Gonçalves Martins: O Sr. Rivaldo conta que já era professor de educação
física e praticava esportes muito antes de sofrer um acidente com amputação de
membro inferior, 23 anos atrás e já sabia, por essa experiência prévia, que o esporte
pode ajudar as pessoas a vencer na vida e a superar barreiras que precisam enfrentar
eventualmente. Descreverá a seguir como a tecnologia o ajudou no desempenho do
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Ajudas Técnicas para o Esporte e Lazer
dia-a-dia, no trabalho, no lazer e nas conquistas esportivas. São vinte anos praticando
esportes com o uso de uma prótese.
Como já se mencionou, o Brasil está bem aquém de muitos outros países em
relação aos recursos tecnológicos para as pessoas com deficiência. É o que se
percebe claramente nas Paraolimpíadas e nos campeonatos mundiais. O Brasil
é uma grande potência paraolímpica, desde que não seja necessário utilizar
nenhum equipamento especial. O basquete masculino brasileiro, por outro
lado, ainda não obteve classificação para as próximas Paraolimpíadas,
completando três edições seguidas sem a participação do país. No atletismo,
os resultados dos amputados de braço e dos deficientes visuais são
fenomenais, mas não temos sequer um atleta em cadeira de rodas nas
Paraolimpíadas. Nas últimas Paraolimpíadas, realizadas na China, tivemos
pela primeira vez um garoto que conquistou a medalha de prata com o uso
de uma prótese.
Nos jogos paraescolares de Fortaleza, o Alan fez a prova de 100 metros e não
pode participar da prova de 200 metros, porque a prótese estava machucando.
Dali em diante, todo o possível foi feito para que ele conseguisse próteses
mais apropriadas, que foram obtidas. Dois anos depois, ele representou o
Brasil nos jogos paraolímplicos da China e hoje é um dos destaques mundiais
nas provas de 100 e 200 metros para amputados com prótese.
O Sr. Rivaldo conta que, até 2004, era o único atleta de toda a delegação
brasileira a usar uma prótese. Participou de três Paraolimpíadas na
modalidade de ciclismo.
Portanto, no campo das próteses o Brasil ainda está muito aquém do seu
potencial, que é muito grande. No atletismo em cadeira de rodas, o México
“dá um banho” no Brasil, justamente por ter maior facilidade de acesso a
toda a tecnologia do país vizinho, os Estados Unidos.
O Sr. Rivaldo comenta que se considera um privilegiado, pois a sua
carreira esportiva de certa forma acompanhou a evolução tecnológica
das próteses, ocorrida no mesmo período. Menciona uma matéria
publicada no jornal Correio Braziliense, premiada como melhor matéria
esportiva do ano em Brasília. Nela, há um gráfico que indica a melhora
progressiva dos tempos nas provas de ironman, obtida ao longo da sua
carreira, com o avanço das próteses.
188
Ajudas Técnicas para o Esporte e Lazer
Amputado em 1986, retornou ao triatlo em 1988 com uma prótese que
não era adequada ao esporte e quebrou após dois meses de treinos. Ouviu
falar de uma prótese feita para corrida e esportes em geral, a Flex-Foot,
entrou em contato com a empresa Össur, nos Estados Unidos, que o
apresentou ao Dr. Marco Antonio Guedes, participante do simpósio e
médico que o acompanha até hoje.
Desde então, tornou-se um atleta da Össur e tem acesso rápido aos
avanços tecnológicos que vão surgindo. Além do próprio Alan, procura
facilitar a obtenção de próteses especiais para outros atletas brasileiros.
Em 1989, iniciou o uso de uma primeira prótese adequada à prática
esportiva, feita de fibra de carbono. Utilizava a mesma prótese para pedalar
e para correr. Num encaixe adaptado à perna amputada, fixa-se uma
lâmina de fibra de carbono que faz um arco para a frente, simulando o pé.
A esse arco, fixa-se outra lâmina que simula o calcanhar. Depois, passou
a utilizar outro modelo, que possui um amortecedor, muito útil nas provas
longas.
A prova de ironman dura o dia todo, cerca de 17 horas. É preciso nadar 4
quilômetros, pedalar 180 quilômetros e correr a maratona (42 quilômetros).
Portanto, para fazer tudo isso, é preciso utilizar uma prótese muito leve e
confortável. Não se pode ficar pensando que a prótese pode causar algum
desconforto ou machucar.
Mais tarde, a Össur lançou uma prótese chamada Cheetah, usada até hoje. É
uma prótese de corrida, leve, com a qual se utiliza uma meia de silicone. Ao
longo da história de evolução tecnológica das próteses, os grandes avanços
foram a introdução da fibra de carbono e do titânio, que as tornaram muito
resistentes e leves, e a introdução do silicone nas meias. As meias utilizadas
antigamente, entre a pele e o cartucho no qual a prótese é encaixada, com a
transpiração, acabavam provocando alguma bolha ou um incômodo. As
meias de silicone mudaram tudo isso. Os atletas de maratona ou ironman,
em locais muito quentes e úmidos, normalmente acabam apresentando bolhas
nos pés. O atleta que utiliza uma prótese, muitas vezes, termina uma prova
com bolhas no pé não amputado, e nenhum problema na perna com prótese,
justamente pelo uso da meia de silicone.
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Ajudas Técnicas para o Esporte e Lazer
O desenvolvimento das próteses chegou a tal ponto que um corredor sulafricano tentou participar das últimas olimpíadas como atleta olímpico (e
não paraolímpico) e não foi autorizado. Realmente, o atleta que utiliza
próteses nas duas pernas fica um pouco mais alto que o atleta não amputado,
e a amplitude da passada é maior. As próteses não “jogam” o atleta como se
fossem molas; a tecnologia não chegou a esse ponto, ao menos por enquanto,
mas o Comitê Olímpico considerou a possibilidade de favorecimento do atleta
que utiliza as próteses. A diferença é muito grande, em relação às próteses
mais antigas. Fala-se que antigamente tínhamos um “pé morto” e que agora
temos um “pé vivo”.
Atualmente, existem próteses mais apropriadas a provas rápidas de atletismo,
a provas longas, que exigem maior resistência, etc.
O Sr. Rivaldo relata algumas conquistas esportivas obtidas com o uso
das próteses esportivas: campeão brasileiro e vice-campeão mundial de
triatlo, três vezes campeão mundial de ironman e quatro campeonatos
mundiais em distâncias paraolímpicas. O triatlo será modalidade
paraolímpica nos jogos que serão realizados no Brasil, em 2016. A
modalidade já existe – o paratriatlo – e é reconhecida pela International
Triathlon Union, entidade que prepara o ranking de classificação para as
Olimpíadas. Em todos os campeonatos mundiais, já existe o paratriatlo:
aos domingos, geralmente, ocorrem as provas de triatlo e, aos sábados, de
paratriatlo.
Com o desenvolvimento das próteses esportivas, observamos que não apenas
as atividades esportivas ganharam muito, mas o próprio andar da pessoa
tornou-se mais confortável. A pessoa coloca a prótese às seis horas da manhã
e retira somente à noite, sem nenhum desconforto. A vida de um amputado
hoje é infinitamente melhor do que era trinta anos atrás. Formavam-se bolhas,
que acabavam impedindo o uso da prótese por vários dias. Hoje, o amputado
leva uma vida normal, sem nenhum obstáculo significativo.
Há uma grande diferença entre a amputação feita na coxa ou abaixo do joelho.
A amputação mais alta, no nível da coxa, gerava dificuldades bem maiores,
na manutenção do joelho e no próprio encaixe da prótese. Até cinco anos
atrás, era bem difícil para um amputado de coxa praticar esportes, exceto
com o uso da cadeira de rodas. Atualmente, já é possível praticar muitas
modalidades nessas condições, com o uso de próteses. O conforto do encaixe
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Ajudas Técnicas para o Esporte e Lazer
atualmente, mesmo para biamputados de coxa, é muito maior. Infelizmente,
no Brasil há grande dificuldade de acesso a equipamentos desse nível. Nos
Estados Unidos, mesmo os deficientes congênitos são amputados e recebem
próteses que permitem uma vida normal, permitem que as crianças brinquem,
corram, participem de jogos. Aqui, essas crianças estarão no colo da mãe ou
num carrinho de bebê, pois é difícil até mesmo obter a cadeira de rodas.
No caso dos amputados de coxa, as próteses mais recentes estão simplesmente
eliminando o joelho. O atleta realiza movimentos diferentes, com passadas
em arco lateral, como se estivesse “ceifando” o ar com a perna. Um inglês,
biamputado de coxa, está completando a maratona em 2 horas e 50 minutos.
Quem conhece maratona, sabe o quanto é difícil correr a maratona em menos
de três horas, mesmo para corredores amadores “top”, que estão bem
próximos dos atletas profissionais. O atleta Rudy Garcia, biamputado de
coxa, deve ser o primeiro atleta nessas condições a completar o ironman.
Com o desenvolvimento da tecnologia, atualmente está muito mais fácil obter
conquistas paraolímpicas e oferecer uma vida ativa para uma criança ou
para um adulto. Os esforços agora devem ser voltados para a redução dos
custos de importação e da burocracia, para viabilizar o uso dessas próteses
para mais pessoas.
O Sr. Rivaldo relata que, recentemente, foi presenteado com algumas
meias de silicone para a prótese, enviadas dos Estados Unidos. Ao
chegarem ao Brasil, a ANVISA quis saber do que se tratava e, para obter
a liberação da agência, foram necessários quatro meses. Isso porque as
meias eram para uma pessoa conhecida por praticar esportes
paraolímpicos. Qualquer outra pessoa talvez tivesse muito mais trabalho.
De qualquer forma, são recursos excelentes, que vale a pena conhecer e
que deveriam estar ao alcance de mais pessoas.
Marco Antonio Guedes de Souza Pinto:
O Dr. Marco Antonio conta da expectativa de, um dia, ver no Brasil um
trabalho semelhante ao da clínica de San Diego mencionada pelo Sr.
Rivaldo, com o uso de próteses de qualidade e um trabalho de educação
de pessoas amputadas. Esse exemplo mostra o quanto estamos atrás e
precisaremos “correr” para alcançar essa realidade.
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Ajudas Técnicas para o Esporte e Lazer
O primeiro elemento de um atleta amputado, visando a uma prótese de alta
performance, é o coto de amputação, ou seja, o “motor” da prótese. Quem
controla e comanda o aparelho é o coto de amputação. Sem um bom coto de
amputação, nenhuma prótese será de alta performance.
Quando se remove um membro doente de uma pessoa, é preciso haver uma
preocupação com a pessoa que está ficando, e não com o membro removido.
O coto de amputação deve ter condições para uma adaptação protética
adequada, pois o paciente dificilmente terá chance de uma segunda operação.
A deficiência do coto, que impede a adaptação protética adequada,
acompanhará o paciente pelo resto da vida.
A educação do cirurgião para criar um bom coto de amputação é praticamente
nenhuma no nosso país. Essa educação é fundamental a uma melhor
qualidade de vida para a pessoa amputada. O coto e o encaixe protético é
que fazem a interface com o dispositivo terminal. Se eles não forem bons, a
melhor tecnologia mecânica não funcionará naquela pessoa amputada.
Relatamos o caso de uma moça que sofreu um acidente de motocicleta, que
teve o pé totalmente “desenluvado”. O desenluvamento é o arrancamento
das partes moles em torno do esqueleto. No caso mencionado, o cirurgião
plástico “forrou” o esqueleto de enxertos e preservou o pé, ao custo de nunca
mais ele ser capaz de pisar no chão. Esse é considerado um bom resultado,
possivelmente apresentado em congressos de cirurgia plástica. O pé foi
preservado, à custa da perda da capacidade ambulatória.
Um “mau” resultado seria o biamputado, com dois cotos de amputação feitos
com uma técnica chamada de “ponte óssea” entre a tíbia e a fíbula. Se o
cirurgião puder enxergar essa situação, é uma oportunidade maravilhosa
de criar um novo órgão numa pessoa. Não se trata da remoção de um pé
doente, mas a criação de uma extremidade com um planejamento funcional.
A fíbula é ligada à tíbia por um fragmento ósseo, a musculatura é toda
reinserida e o “mau resultado” poderá correr numa esteira com uma prótese,
fazer arborismo ou mesmo correr uma maratona, com as próteses adequadas.
O “mau resultado” voltou a viver a sua vida e a ter um grande prazer, que é
o de praticar esportes, caminhar e interagir com as pessoas, numa condição
bipedal, enquanto o “bom resultado” ficou se arrastando com muletas ou
algo assim, pelo resto da vida. Portanto, enquanto existir essa visão na
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Ajudas Técnicas para o Esporte e Lazer
cirurgia, não daremos o primeiro passo, que é criar o bom amputado, que
possa receber um bom aparelho.
Em outro exemplo, a musculatura foi desinserida do esqueleto, com uma
ponta óssea protuberante na frente da tíbia. O coto operado mostrava a tíbia
arredondada e a musculatura reinserida na extremidade tibial. Trata-se do
atleta Paulo de Almeida, atualmente tetracampeão da maratona de Nova
York. Depois de uma cirurgia adequada, da construção de um coto de
amputação adequado e do aparelhamento com uma prótese de resposta
dinâmica, um motorista de empilhadeira mal-sucedido tornou-se um atleta
que, quando chega a Nova York, é recebido quase que com um tapete
vermelho para participar da maratona. São outros exemplos: um atleta da
Costa Rica, que participa das provas mais difíceis de enduro ciclístico, e o
Rivaldo Martins, recordista do ironman para pessoas amputadas.
Na prótese esportiva, o objetivo é atingir a máxima resistência com o mínimo
peso, otimizar a eficiência do braço de alavanca do coto de amputação e tirar
o máximo de proveito da energia disponível. Em 1976, enquanto praticava
esqui aquático, Van Phillips caiu e ficou com o esqui preso no pé, o que o
manteve flutuando. Outra lancha o atropelou, levando à amputação do
membro inferior esquerdo. Entre 1976 e 1984, Van Phillips “quebrou a cabeça”
para ter um aparelho melhor do que o que ele havia recebido. Foi para a
Northwestern University, em Chicago, e fez um curso de protesista. Tornouse pesquisador e desenhou um protótipo que ele acreditava que poderia dar
mais conforto ao descer de uma calçada, sem que sentisse o choque
transmitido para todo o corpo. Esse foi o desenho do pé modular Flex-Foot.
O mais importante para desenhar esse tipo de dispositivo terminal foi se
libertar da imagem do pé, no processo de criação, buscando a reprodução
da função. Depois de reproduzida a função, se necessário, o técnico protesista
poderia tentar cobrir a prótese com uma solução mais cosmética. A cosmética,
entretanto, não deve ser a busca inicial ou fundamental do portador de
deficiência física, na sua reabilitação, mas sim a melhor reposição possível
da função perdida.
Os pacientes são como entidades que habitam um corpo; o corpo é um objeto
de mobilidade no planeta e deslocar-se pelo planeta é muito bom: poder
tomar um avião para a Manchúria, para a Tailândia ou para Sidney, caminhar
numa mata, etc. Se não conseguimos que o nosso corpo nos leve aonde
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Ajudas Técnicas para o Esporte e Lazer
queremos, ficamos restritos, limitados. Pensando assim, conseguimos criar
muito melhor, pois deixamos de buscar um pé bonitinho, com unhas, etc., ao
qual nos apegamos tanto. Já é difícil perder fios de cabelo ou uma unha,
imagine-se então perder uma extremidade, uma parte importante da nossa
imagem corporal. Uma das coisas que o amputado aprende, no seu processo
de reabilitação, é se libertar um pouco dessa referência e enxergar a existência
de uma maneira um pouco mais nobre, um pouco diferente.
A primeira coisa que Van Phillips percebeu é que, na parte ativa da passada,
quando deveríamos empurrar o corpo para a frente (nessa fase do
desprendimento, os flexores plantares do pé e, finalmente, o flexor longo do
hálux empurram o corpo para a frente), com as próteses antigas (o famoso
pé Sach comum, que ainda hoje vemos nas licitações para próteses no nosso
pobre país), isso não ocorria. Com base nessa falha é que Van Phillips
desenhou o projeto em “L” de carbono, com uma lâmina de calcanhar também
de carbono. Segundo Van Phillips, o calcanhar ativo verdadeiro é a “linha da
vida” de uma marcha natural e da progressão tibial sem que o corpo precise
ser empurrado para a frente a cada passo, o que é extremamente desgastante.
Assim, na prótese proposta por Van Phillips, o calcanhar é a primeira peça a
ser ativada. O peso do corpo deforma a lâmina (com uma resposta de
praticamente 100% em milhares de ciclos ao longo do seu uso), que vai sendo
dobrada com o peso do corpo e depois “empurra” a pessoa, devolvendo a
energia que seria dissipada no solo, no pé comum, em força cinemática. Com
o prosseguimento da passada, o peso do corpo desloca-se para o antepé,
dobrando a prótese nesse segmento, até que a lâmina da frente,
correspondente ao antepé, empurre a pessoa para a frente. Com isso, o
inventor conseguiu fazer uma progressão sobre a prótese bastante harmônica
e suave, como utilizou todo o comprimento do pé. O peso do corpo, que
normalmente seria dissipado no choque sobre o solo, passou a ser usado
como força cinética de impulsão. Assim, com essa prótese, é possível devolver
à pessoa a fase de impulsão da marcha, como faz o pé normal. O amputado
tibial, com essa prótese, é capaz de pular sobre o pé da prótese. Com o pé
Sach convencional, isso não era possível, não havia a devolução elástica de
energia que permite saltitar, pular sobre o membro adaptado.
No esporte paraolímpico, a primeira resposta obtida com o desenho da
prótese de Van Phillips foi em 1988, em Seul, com o atleta Dennis Oehler, nas
provas de velocidade de 100 e 200 metros. O lema dos amputados que
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Ajudas Técnicas para o Esporte e Lazer
utilizam esse tipo de dispositivo tem sido to close the gap, ou seja, reduzir a
diferença entre os atletas amputados e as pessoas normais. Há pouco tempo,
foi o que o atleta sul-africano já mencionado quase fez, ao conseguir se
classificar para uma prova de Olimpíada, sendo um biamputado de membros
inferiores.
Nas Olimpíadas de Atlanta, em 1996, o atleta americano Tony Volpentest
disputa a prova dos 100 metros. Dennis Oehler também disputa a prova e
cai, sofrendo uma lesão. Tony Volpentest, um tetra-amputado congênito, com
amputação dos membros inferiores abaixo dos joelhos, “esmagou” o recorde
mundial, marcando 11,36 segundos. Chegou com uma vantagem de 7 ou 8
metros em relação ao segundo colocado. Desde então, os atletas
paraolímpicos americanos realizaram inúmeras conquistas.
O Dr. Marco Antonio descreve as enormes dificuldades para conseguir
equipamentos adequados no Brasil, por conta de barreiras alfandegárias
altamente injustas para esse tipo de tecnologia, entraves burocráticos na
liberação dos equipamentos, etc.
Com o tempo, foram desenvolvidos modelos diferentes de próteses
esportivas, como o Sprint e o C-Sprint, este último muito confortável para
provas de longa distância, como as maratonas. No caso do ciclismo, o pé não
é importante; é possível terminar a prótese no cleat, que prende no pedal. O
importante é o desenho do encaixe, para que o usuário possa flexionar
bastante o joelho e prender o encaixe, para poder puxar o pedal também, e
não somente empurrar.
O progresso do atleta Rudy Garcia é exemplo de uma grande conquista dos
amputados femorais em provas de corrida: a eliminação do joelho. Sem
joelhos mecânicos, correndo de maneira ceifada, esse atleta consegue um
rendimento fantástico nessas provas.
Para terminar, o Dr. Marco Antonio relata o caso de um desarticulado de quadril,
com quarenta e poucos anos de idade, que disputava uma prova de salto e ultrapassava
a marca de dois metros no salto em altura, sem prótese. Esse, na sua visão, é o conceito
de reabilitação do amputado. Reabilitação é reinserção social; não é equipamento
tecnológico. O importante não é tanto o que nos acontece, mas o que fazemos com o
que nos acontece.
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Acessibilidade Digital e Governo Eletrônico
Um dos principais objetivos do e-Gov é ampliar o acesso da população a dados,
documentos, informações e serviços públicos, facilitando a vida do cidadão. No caso
das pessoas com deficiência, essa importância é ainda maior, tendo em vista, em
muitos casos, suas dificuldades de locomoção e comunicação. Neste sentido, não
basta disponibilizá-los na internet. A construção de sites e portais acessíveis é uma
obrigação dos governos e um dever de todos, para garantir o exercício da cidadania,
incluir o cidadão e, acima de tudo, democratizar a usabilidade desses recursos
tecnológicos cada vez mais essenciais nos dias de hoje.
Ricardo Kobashi (moderador) – Assessor Técnico da Imprensa Oficial do
Estado de São Paulo - São Paulo, SP
Tânia Virginia de Souza Andrade – Superintendente de Operações do
Poupatempo - São Paulo, SP
Marco Antonio de Queiroz – Consultor em Informática do Centro de Vida
Independente Araci Nallin e autor do "A Bengala Legal" - Rio de Janeiro, RJ
Vagner Diniz – Gerente Geral do Escritório Brasil do W3C - São Paulo, SP
Tânia Virginia de Souza Andrade: O Poupatempo é um órgão do Governo
do Estado de São Paulo, vinculado à Secretaria de Gestão Pública e
administrado pela PRODESP. O primeiro posto implantado foi o Poupatempo
Sé, em 1997. Portanto, são doze anos de serviços prestados à população. No
mesmo local, são reunidos vários órgãos prestadores de serviços de natureza
pública. Hoje, estão disponibilizados para a população mais de quatrocentos
tipos de serviços. Entre os mais procurados, estão a emissão da carteira de
identidade, da carteira de trabalho, do atestado de antecedentes criminais,
licenciamento de veículos, carteira de habilitação, seguro-desemprego, acesso
Acessibilidade Digital e Governo Eletrônico
gratuito à internet (Acessa São Paulo) e também o e-Poupatempo, um órgão
que presta serviços públicos eletrônicos.
Hoje, são 21 postos implantados no Estado de São Paulo, dos quais quinze
são fixos e seis são unidades móveis. Há um plano de expansão, já anunciado
pelo Governador José Serra, que inclui várias outras cidades e regiões.
Desde a inauguração do primeiro posto, foram realizados até hoje 237 milhões
de atendimentos, dos quais 22 milhões foram feitos pelo disque-Poupatempo,
serviço que oferece informações antes que a população vá até o Poupatempo,
incluindo os documentos necessários para efetuar um serviço, por exemplo.
A média diária atual é de 104 mil atendimentos em todos os postos. A meta é
aumentar esses números com o plano de expansão.
Todos os postos possuem rampas, elevadores e cadeiras de rodas. As
informações estão disponibilizadas em folhetos e há um serviço de orientação
ao cidadão. Para as pessoas que tenham dificuldade de leitura ou que
apresentem alguma deficiência, há orientadores, que encaminham o usuário
até o atendimento referente ao serviço procurado.
O Poupatempo conta hoje com mais de trezentos funcionários treinados na
linguagem gestual, que agora atuam como multiplicadores também. Quando
se implanta um novo posto, o treinamento conceitual inclui noções de como
receber e tratar a pessoa com deficiência. O orientador recebe, encaminha,
orienta e acompanha o cadeirante até o final da realização do serviço
procurado.
No dia 7 de outubro de 2009, foram inaugurados alguns terminais de acesso
universal nos postos Poupatempo, com a proposta de expansão para os
demais postos. São salas no Poupatempo que dispõem de computadores e
funcionários que estimulam os cidadãos a utilizar os serviços pela internet.
Todos os monitores que ficam nas salas do Poupatempo tiveram treinamento
sobre como auxiliar e orientar pessoas com deficiências a utilizar os serviços
públicos disponibilizados pela internet. Os computadores possuem monitores
de LCD, as mesas são ajustáveis conforme as necessidades do usuário,
inclusive para cadeirantes. Há também um fone de ouvido, caso o usuário
vá utilizar o Virtual Vision, e a colmeia para teclado, utilizada por pessoas
com deficiência e também por idosos com doença de Parkinson, por exemplo.
Os programas utilizados são o Virtual Vision, um leitor de tela, e o
198
Acessibilidade Digital e Governo Eletrônico
Headmouse, para pessoas com deficiência física do membro superior, pelo
qual a webcam lê os gestos da face do usuário e realiza determinados
comandos. O sistema com Headmouse é muito sensível e exige um local
afastado da movimentação de pessoas, pois qualquer movimento nas
proximidades pode desencadear um comando.
Algum tempo atrás, o Poupatempo de Guarulhos fez um trabalho em parceria
com a APAE de Guarulhos. Cerca de 30 alunos com deficiência mental leve
foram educados sobre a utilização da internet. O trabalho teve o
acompanhamento de psicólogos e dos próprios monitores da APAE. O
resultado foi extremamente positivo e o trabalho continua, embora em
proporção menor.
“A questão tecnológica, quando colocada em função do real
desenvolvimento humano, é algo extraordinário, chega a emocionar a
gente. O Poupatempo está de parabéns porque percebeu isso, essa
possibilidade de, na prática, humanizar um trabalho de alta tecnologia...”
“Maravilhoso esse trabalho. Tomara que não parem por aí e que outras
empresas privadas ou do Estado sigam o exemplo do Poupatempo.”
“Trata-se de uma experiência, de uma proposta importantíssima, porque
vai além de uma inclusão técnica, do mero uso de uma ferramenta. Acho
que esse terminal é uma janela aberta para o mundo. Ele possibilita
a redescoberta da própria mente, da própria alma.”
Estes são depoimentos de pessoas que utilizaram os terminais de acesso do
Poupatempo. Já está bem claro que, quando unimos tecnologia com um
atendimento humanizado, não há como dar errado. É uma experiência
comprovada no dia-a-dia dos postos do Poupatempo.
Marco Antonio de Queiroz:
Projeção de um vídeo sobre questões de acessibilidade na internet para
deficientes visuais. A psicóloga Leda Lúcia utiliza a internet para ter
acesso a jornais e revistas, pagar contas bancárias, participar de listas de
discussão profissionais, etc. Cega, Leda comenta que seria muito difícil
manter a autonomia que tem no trabalho e na vida pessoal, se não fosse a
internet. Relata que nem todos os websites podem ser acessados. Utiliza
199
Acessibilidade Digital e Governo Eletrônico
um programa que lê a tela para o usuário. Caso o website não tenha sido
feito de acordo com determinados padrões, o programa não consegue ler
a tela e o acesso à internet fica muito prejudicado, ou mesmo impossível,
para o deficiente visual.
Como exemplo, cita um jornal on-line, no qual não consegue ter fácil
acesso à manchete. A audição não é sintética como a visão. O programa
leitor de tela tem que ler uma coisa de cada vez. Ele lê da esquerda para a
direita, de cima para baixo. Como a notícia está no centro da tela, é preciso
passar primeiramente por tudo o que vem antes, nessa ordem. Há duas
maneiras de se chegar à manchete: pressionando a seta para baixo, para
ler tudo o que está na tela (o que é link e o que não é link), ou pressionando
a tecla TAB, para navegar de link em link.
Em seguida, aparece o depoimento de um profissional da informática,
Marco Antonio de Queiroz, conhecido como MAQ. Quando a internet
começou a ser difundida no Brasil, ele já trabalhava com informática.
Além de lidar com as questões abordadas pela Leda, MAQ queria fazer a
sua própria página na internet. MAQ também é cego, queria fazer uma
página na qual pudesse navegar e que fosse acessível a todas as pessoas.
Para isso, teve que aprender acessibilidade.
O vídeo retorna para o depoimento da Leda, que finalmente encontra a
notícia na página da internet. MAQ então explica que, para resolver
esse problema, basta haver, no início da página, um link direto para o
conteúdo. Assim, pressionando-se “enter”, passa-se diretamente para a
notícia. O link para o conteúdo pode ser usado também por pessoas que
não têm deficiência visual. É o caso de André, que tem muita dificuldade
motora e só consegue navegar por meio do teclado. Um site com boa
navegação via teclado ajuda muitas pessoas, tornando o site mais acessível,
com uso facilitado.
Outro problema comum em muitos sites é a falta de acesso a subitens no
menu principal. Os subitens são exibidos quando se passa o mouse sobre
os itens do menu principal, mas isso só ocorre quando se utiliza o mouse.
O MAQ e a Leda, que só podem navegar por meio do teclado, não fazem
nem ideia de que os subitens existem. A mesma estrutura de subitens no
menu poderia ser acionada pelo teclado.
200
Acessibilidade Digital e Governo Eletrônico
Outro exemplo é um site de compras, que tem mais de trinta itens sem
descrição em texto. Para quem está vendo, existe um texto. Para o
programa leitor de tela, entretanto, os itens são apenas imagens. O
máximo que o programa consegue mostrar é o nome do arquivo onde
está a imagem ou o endereço para onde o navegador irá se o usuário
clicar no link. Muitas vezes, contudo, isso não ajuda. Nesse caso, a solução
também é simples: basta colocar um descritor em cada imagem. Esse
texto descritor aparece quando a imagem não é exibida e pode ser lido
pelo programa leitor.
O problema mais sério que Leda enfrenta ao navegar na internet é no
site do banco em que mantém a sua conta-salário. Leda é uma internauta
experiente e utiliza um leitor de tela de última geração, por isso consegue
chegar até essa página, consegue digitar o número da agência e o número
da conta. Na hora de digitar a senha, entretanto, é preciso clicar
exclusivamente com o mouse num gráfico totalmente inacessível, mesmo
para quem utiliza os melhores recursos disponíveis. Trata-se de um
recurso contra fraudes. Outro banco encontrou uma solução muito mais
acessível, pois no seu website é possível alcançar os dígitos de um teclado
virtual, sem necessidade do mouse, e escutar os dígitos selecionados.
Outro problema grave é quando os sites de serviços públicos são
inacessíveis. Por exemplo, para consultar a restituição do imposto de
renda no site da Receita Federal, por medida de segurança, é preciso
digitar um código que aparece na tela. Para quem enxerga, o código é
formado por letras, mas, para quem usa o leitor de telas, o código é um
gráfico sem descrição. É uma imagem que o deficiente visual não tem
como identificar. O problema dessa técnica é que ela não só é inacessível
para deficientes visuais, como também para a grande maioria das pessoas.
Mesmo enxergando perfeitamente, muitos têm dificuldades para entender
os caracteres distorcidos, em caixa alta e caixa baixa. Uma solução para
resolver esse problema seria substituir as imagens por perguntas simples,
como “Quantos dias tem a semana?” ou “Quantos meses tem um ano?”
Existem outras barreiras, por exemplo um site em Flash, totalmente
inacessível. Num site assim, não é possível ler nenhuma informação,
nem navegar para parte alguma dentro do site. As páginas em Flash,
além de completamente inacessíveis, têm sérios problemas de usabilidade.
Por exemplo, a barra de rolagem é muito fina, com pouco contraste, pouco
201
Acessibilidade Digital e Governo Eletrônico
intuitiva, difícil de usar. É preciso ter muita destreza no mouse para
fazê-la funcionar. Uma pessoa com alguma dificuldade motora, que utilize
apenas um dedo para teclar, não conseguiria usar essa barra de rolagem,
de modo algum.
Para orientar criadores de sites, existem diretrizes internacionais de
acessibilidade, dicas e artigos que podem ser encontrados no site
www.acessodigital.net. Acessibilidade na web significa uma internet
verdadeiramente inclusiva e com mais oportunidades de acesso e negócios
para todos.
Nos créditos finais do vídeo, há um agradecimento a todos os participantes
e a informação de que a narração do vídeo foi sintetizada pelo programa
leitor de tela “Jaws for Windows”.
Vagner Diniz: A acessibilidade digital é um tema bastante novo, pois a própria
internet é um assunto novo na nossa vida. Na melhor das hipóteses, são
vinte anos de existência da rede mundial como a conhecemos, criada por
Tim Berners-Lee, também fundador da Fundação W3C. Portanto, não houve
tempo ainda de se digerir no cotidiano o impacto que a internet causa a
todos. A acessibilidade na web é uma questão mais nova ainda. Todos estão
tateando e aprendendo.
A discussão sobre acessibilidade na web pode ser colocada num patamar
mais geral, de “rede universal” e, mais amplamente ainda, de desenho
universal. Para o W3C, um consórcio preocupado com o desenvolvimento
de padrões para a web, é importante destacar que a compreensão da web está
inserida numa ideia de desenho universal. É preciso ter sempre em mente
que os desenhos, os projetos devem ser feitos de uma maneira ampla, global,
que pense em todas as pessoas, que pense também na particularidade.
A web traz o impacto da globalização mais intensamente. A internet facilita
muito esse processo, reúne muito mais gente, muito mais cultura, variedade
e diversidade, reúne grupos que antes não se podia reunir com tanta
facilidade. Assim, o desenho universal tem que dar conta dessa diversidade
existente no planeta, a diversidade da língua, as habilidades que as pessoas
têm com diversas técnicas ou tecnologias, as diferenças geográficas, as
diferentes culturas.
202
Acessibilidade Digital e Governo Eletrônico
Essa noção vale para a arquitetura, para veículos, para qualquer dimensão
da nossa vida e, particularmente, para a web. É importante considerar que a
web tem que atingir todas as pessoas, em qualquer lugar. A web é, por natureza,
ubíqua, ou seja, está em qualquer lugar do mundo. Mais que isso, ela deve
estar em todas as coisas, inclusive em outras dimensões da nossa vida. Hoje,
podemos pensar em web no telefone celular, para enviar uma mensagem de
SMS ou mesmo navegar na rede. Cada vez mais, as pessoas estão em
movimento e precisam acessar informações a partir do dispositivo que estão
utilizando. Em breve, teremos a internet no carro, no relógio, na geladeira,
etc. Essas novidades vão surgindo muito rapidamente e, num futuro muito
breve, todos estaremos conectados, para o bem e para o mal.
Pensar na acessibilidade digital é pensar numa web que seja universal. Isso é
essencial. Além de ser universal, global, ela precisa respeitar também as
particularidades, a privacidade, a confidencialidade. É preciso que a web tenha
segurança. Não adianta ser uma rede inclusiva, trazer todo mundo para a
conexão, se não for possível garantir a confidencialidade e a privacidade.
Para o W3C, esses são eixos temáticos essenciais para pensar numa web
universal. A acessibilidade na web é uma dimensão extremamente importante.
Para isso existe o W3C, um consórcio internacional com mais de quatrocentos
participantes. No Brasil, o W3C é um programa do Comitê Gestor da Internet,
que vem trabalhando no sentido de construir padrões, normas, regulação,
para que a web atenda efetivamente ao conceito de desenho universal.
A acessibilidade na web significa acesso para todos, independentemente de
qualquer tipo de limitação pessoal. Ela compreende três dimensões: o
conteúdo acessível, os desenvolvedores das páginas da web e os usuários,
que entram na web para navegar.
Em relação ao conteúdo, é preciso que as aplicações geradas, os sítios
desenvolvidos na web levem em conta as necessidades das pessoas que vão
navegar, de tal forma que as pessoas possam perceber o que existe naquela
página, entender o que está escrito e exposto ali (independentemente de poder
enxergar e ouvir ou não), ter facilidade para navegar e interagir com o
conteúdo. Portanto, o conteúdo é uma dimensão importante da acessibilidade
na web, pois precisa ser preparado com essas quatro características: percepção,
entendimento, navegação e interação.
203
Acessibilidade Digital e Governo Eletrônico
A outra dimensão da acessibilidade na web para o W3C é a dos usuários.
Estes precisam ter ferramentas para navegar na web, adequadas às suas
necessidades. Os navegadores (os chamados browsers) precisam ser capazes
de entender aquele conteúdo para todos os tipos de pessoas que navegam
nas páginas e precisam ser capazes de interagir com as chamadas tecnologias
assistivas; eles precisam ser interoperáveis com essas tecnologias, de tal forma
que as pessoas que precisam das tecnologias consigam usar os navegadores.
A terceira dimensão importante para o W3C, com relação à acessibilidade
na web, são os desenvolvedores. Estes precisam ter ferramentas de
desenvolvimento e novas tecnologias que permitam produzir páginas
acessíveis. Nem sempre as ferramentas hoje disponíveis produzem páginas
com essas qualidades. Muitas ferramentas de desenvolvimento de páginas
para a internet geram páginas rápidas, porém não acessíveis. Às vezes, a
empresa que contrata alguém para desenvolver as suas páginas exige muita
rapidez. Portanto, os desenvolvedores utilizam programas rápidos. Resultado
final: páginas feitas com muita rapidez, às vezes bonitas, porém nada
acessíveis. Portanto, é importante compreender que os desenvolvedores são
parte de um tripé: conteúdo, usuário e desenvolvedores.
Assim, o W3C se preocupa em produzir tecnologia, ferramentas e linguagens
que atendam a essas três dimensões da acessibilidade na web. Nesse sentido,
para caminhar para um consenso global de acessibilidade, é importante, por
um lado, que os governos estabeleçam metas e prazos muito bem definidos,
definam marcos regulatórios de acessibilidade na web. É preciso definir o
prazo para que os órgãos públicos atendam aos seus marcos regulatórios de
acessibilidade na web, utilizando os padrões abertos internacionalmente
aceitos, em termos de acessibilidade. O padrão adotado pelo W3C – o WCAG
(Web Content Accessibility Guidelines ou Diretrizes para Acessibilidade do
Conteúdo da Internet) – é um dos mais aceitos internacionalmente e está
hoje na versão 2.0. É importante também exigir a aderência a esses padrões
na compra de serviços baseados na web. O Governo compra muito, solicita o
desenvolvimento de muitas aplicações por agências digitais, o
desenvolvimento de páginas na web por terceiros e tem um grande poder de
compra. Pode-se incluir no edital da licitação que somente serão aceitos os
serviços baseados na web que estejam dentro dos padrões de acessibilidade
internacionalmente aceitos.
204
Saúde e Assistência
Como funcionam os serviços de reabilitação no Brasil? Em que estágio estamos
comparados com as principais instituições dos países desenvolvidos? Como devem
ser as interfaces entre os sistemas públicos federais, estaduais e municipais? Qual o
papel das organizações privadas e não governamentais? Em que devemos avançar
nas políticas públicas e critérios para o fornecimento de órteses, próteses e meios
auxiliares de locomoção?
Marli Kioyoko Fujikawa Watanabe (moderadora) – Responsável Técnica
para a Área de Saúde do Deficiente - Grupo Técnico de Ações Estratégicas Coordenadoria de Planejamento de Saúde - Secretaria de Estado da Saúde São Paulo, SP
Henrique Grego Maia – Presidente da Associação Brasileira de Ortopedia
Técnica - ABOTEC - São Paulo, SP
Júnia J. Rjeille Cordeiro – Superintendente do Lar Escola São Francisco São Paulo, SP
Ana Beatriz Proença – Médica Fisiatra e Gerente Médica da Unidade da Mooca
da Associação de Assistência à Criança Deficiente - AACD - São Paulo, SP
Stela Felix Machado Guillin Pedreira – Assistente Técnico de Ações
Estratégicas da Coordenadoria de Planejamento da Saúde da Secretaria de
Estado da Saúde - São Paulo, SP
Henrique Grego Maia: No passado, a formação do profissional ortesistaprotesista era precária. Alguns poucos profissionais formados no exterior
chegaram ao Brasil para desenvolver esse trabalho, com origem na Alemanha,
Suíça, Itália. Foram os pioneiros no Brasil. Há noventa e oito anos instalouse a primeira empresa no país, no Rio Grande do Sul. Assim teve início a
Saúde e Assistência
fabricação de órteses e próteses no Brasil. Durante muitos anos, não havia
nenhuma profissionalização. Os técnicos eram treinados pelas empresas
criadas por esses profissionais vindos do exterior. Havia uma escassez de
cursos de aprimoramento, matéria-prima de baixa qualidade, o país ainda
era muito fechado, não havia acesso a novas tecnologias ou a matérias-primas.
Faltava ferramental, qualificação técnica e matéria-prima. Além disso, havia
dificuldade para a importação de componentes e ausência de uma indústria
nacional de componentes. Os componentes eram feitos artesanalmente pelos
profissionais, nas próprias oficinas, utilizando-se madeira, couro e ferro.
Faltava também a regulamentação da atividade profissional pela ANVISA
(Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
A formação do profissional ortesista-protesista inicialmente era feita nas
oficinas particulares. A primeira organização com um curso regular de que
se tem notícia foi a AACD (Associação de Assistência à Criança Deficiente),
que formou vários profissionais no país nos últimos trinta anos. Com o tempo,
alguns profissionais buscaram formação no exterior, principalmente nos
Estados Unidos e na Europa.
As matérias-primas mais utilizadas naquela época eram o ferro e aço, madeira,
couro, cortiça e tecido de algodão. Era algo semelhante a uma selaria para
seres humanos, e não para animais. Muitos dos bons seleiros que faziam
artefatos para animais acabaram entrando para essa área, com muito boa
vontade e pouca experiência. Era um trabalho de artesão.
No sistema de concessão, que provavelmente será o grande responsável por
esse mercado no futuro, fazia-se antigamente uma carta-convite e um
credenciamento, após a avaliação de uma equipe multidisciplinar (médico
fisiatra, fisioterapeuta, ortesista-protesista) para definir o tipo de prótese a
ser adotada. Havia o Centro de Reabilitação Profissional, do INSS, e bem
poucas oficinas públicas. As primeiras oficinas públicas de órteses e próteses
ainda não têm trinta anos. Por fim, havia um pregão presencial, que era a
forma de se conceder publicamente a órtese ou prótese aos portadores de
necessidades especiais. O processo todo levava vários anos, até ser concluído.
Enquanto isso, o quadro do paciente que necessitava do aparelho mudava
bastante.
O sistema procurava privilegiar a qualidade técnica e a reabilitação, pois
havia uma equipe multidisciplinar envolvida, não somente o pregoeiro e a
206
Saúde e Assistência
equipe que elabora os editais. A equipe fazia uma avaliação, convidando
todos os interessados na reabilitação. Esse sistema funcionava razoavelmente
e foi muito bom por um período, mas as coisas foram mudando.
Em 1988, houve a fundação da ABOTEC (Associação Brasileira de Ortopedia
Técnica) e, com ela, um salto no aprimoramento técnico dos profissionais,
por meio de cursos. Eles começaram a buscar as novidades na área de órteses
e próteses, em parceria com as empresas fornecedoras. Na época, somente
as multinacionais poderiam trazer essa tecnologia. Elas aplicavam os cursos,
que iam reciclando os profissionais. Os profissionais mais antigos, com
formação no exterior ou com larga experiência na área também mantêm
cursos regulares, por meio da ABOTEC, trazendo novas tecnologias, técnicas
e matéria-prima para aprimorar o conhecimento dos profissionais.
A ABOTEC organizou também o 1º Congresso Brasileiro de Ortopedia
Técnica, que facilitou o intercâmbio de profissionais com colegas do exterior,
despertando grande interesse das empresas fornecedoras de tecnologia, de
componentes e matérias-primas. Até então, essas iniciativas eram muito
esporádicas. O intercâmbio profissional foi importante, pois houve um salto
de qualidade. O profissional que teria a sua empresa no futuro resolveu se
regulamentar e profissionalizar, adquirindo conhecimento e preparação para
a sua oficina ortopédica.
Depois disso, por meio de um trabalho intenso da ABOTEC, conseguiu-se a
primeira regulamentação da categoria, a RDC 192/2002, instituída pela
ANVISA, que outorgou à ABOTEC a certificação da capacitação técnica dos
profissionais. Anteriormente, essa certificação era feita por comprovação
documental, com pelo menos cinco anos de experiência, pelo menos cinco
cursos de atualização na área de ortopedia técnica e três profissionais ou
empresas que comprovassem a capacitação profissional.
O processo foi aprimorado, com a melhor qualidade dos cursos e um controle
maior. Uma equipe da ABOTEC, com profundo conhecimento na área de
órteses e próteses, verifica a qualidade dos cursos, o seu conteúdo, o
palestrante, a carga horária e as provas aplicadas. Como se não fosse
suficiente, para o próximo ano foi promulgada uma nova portaria e os
profissionais que queiram adquirir pela primeira vez o certificado terão que
passar por uma prova realizada na própria ABOTEC, com questões de
anatomia, patologia, biomecânica, tecnologia de materiais e a prática
207
Saúde e Assistência
profissional. O candidato terá que reabilitar um paciente com uma prótese e
um paciente com uma órtese e será avaliado, para que possa ter o
reconhecimento técnico da categoria. Tudo isso para trazer maior segurança
ao mercado, principalmente para o usuário de órteses e próteses. Quando
for atendido por um profissional com reconhecimento da ABOTEC, ele saberá
que o mesmo passou por um rigoroso processo de avaliação. Caso contrário,
será o profissional chamado “de fundo de quintal”, que não tem
reconhecimento, cuja empresa não é regulamentada e que trabalha de boa
vontade, apenas.
Para a profissionalização, atualmente, há um curso da ABOTEC em parceria
com a Universidade Dom Bosco. Trata-se de um curso com duração de dois
anos e meio, que aborda aspectos da anatomia, biomecânica, patologia,
tecnologia de materiais, prática profissional, administração de oficina e outros.
O curso é voltado para profissionais ortesistas-protesistas que comprovem
sete anos de experiência na área.
A Faculdade Pestalozzi, no Rio de Janeiro, também tem um curso de formação
profissional, com duração de três anos, no nível de tecnólogo. Há ainda o
curso de aprimoramento técnico, realizado mensalmente na ABOTEC, com
tecnologias específicas: um sistema novo de encaixe para próteses transtibiais,
um sistema novo para o membro superior, avaliação de um colete, técnicas
de moldagem, etc. Tudo o que há hoje de mais moderno e inovador no mundo,
a ABOTEC já está aplicando nos seus cursos. Os cursos podem ser feitos por
profissionais ortesistas-protesistas, por filiados e não-filiados à ABOTEC e
também por profissionais que queiram se aprimorar, como um médico fisiatra
ou um fisioterapeuta que queira ter um conhecimento maior da área, para
poder fazer a sua prescrição melhor, saber o que está acontecendo no mundo,
para se atualizar e ter um contato facilitado com o paciente.
Por meio do CEFET (Centro Federal de Educação Tecnológica), um órgão
federal, algumas escolas já estão oferecendo cursos de formação de
profissionais nessa área, assim como algumas Secretarias Estaduais (Mato
Grosso, São Paulo e alguns outros Estados). O problema é que ainda não
existe a regulamentação profissional do ortesista-protesista.
Além do Congresso Brasileiro de Ortopedia Técnica, a ABOTEC organizou
também o Congresso Latino-Americano de Ortopedia Técnica, com 22 países
representados, inúmeras empresas e profissionais de todos os cantos do país.
208
Saúde e Assistência
A ABOTEC também organiza seminários da própria Associação e de
empresas afiliadas.
Em relação à matéria-prima, antigamente os coletes eram moldados em couro,
com marreta, e fixados com rebites de aço. Hoje existe a facilidade dos
termoplásticos. Resinas epóxi e acrílicas, ligas de titânio, aço inox e alumínio,
fibra de carbono, kevlar e fibra de alumínio, polímeros espumados (uretanos,
utilizados em palmilhas e na combinação de materiais com fibra de carbono)
e silicone são outros materiais atualmente facilmente disponíveis no mercado
brasileiro. O profissional que quiser aplicar alta tecnologia na produção da
sua prótese ou órtese não terá dificuldade.
Um avanço já incorporado no Brasil é o uso de componentes modulares.
Antigamente, para fazer uma canela, o profissional esculpia a madeira ou
usava uma peça de alumínio rebatido sobre o molde, curtia um pedaço de
couro e fazia o aparelho. Hoje, os componentes modulares facilitam muito o
trabalho, reduzem o tempo e aumentam muito a qualidade e a durabilidade
da órtese ou prótese. Foram também introduzidas novas articulações de
joelho e tornozelo; não são mais uma articulação simples, de um eixo só.
Atualmente, existem joelhos biônicos, muito avançados, com
microprocessador incorporado, o que trouxe mais opções de controle da
marcha. As técnicas de modelagem por contato total também evoluíram
bastante. Quando uma nova técnica é lançada no exterior, rapidamente é
assimilada pelos profissionais do país, com cursos específicos. O Brasil está
no mesmo nível que qualquer outro país na área de órteses e próteses. Outro
recurso cada vez mais usado é a incorporação de eletrônica embarcada nas
órteses e próteses. O uso da fibra de carbono em próteses com resposta
dinâmica facilitou a marcha e melhorou a qualidade de vida dos pacientes.
O grande problema é o sistema atual de concessão, que está trazendo grandes
malefícios à área de órteses e próteses em todo o país. O pregão eletrônico é
um sistema predatório de uso do dinheiro público e da reabilitação do
paciente, pois não visa a qualidade técnica. Alguém pode estar deitado na
praia, dando lances num laptop para o fornecimento do produto, sem nunca
ter visto o paciente, suas características físicas, peso, idade, sexo, etc. O edital
faz uma descrição simples da prótese, que não é elaborada por uma equipe
multidisciplinar, não recomenda um joelho eletrônico, hidráulico, multieixo,
policêntrico... O menor lance ganha a concessão e o paciente não é reabilitado.
209
Saúde e Assistência
Quem oferece o produto ao menor preço não tem recursos para aplicar o
produto adequado ao paciente. Esse fornecedor fará uma prótese com um
pedaço de madeira e um eixo de ferro, o mais barato possível. Ele encaixará
o valor definido no produto e não na reabilitação do paciente. Nem o
fornecedor que ganhou a licitação a um preço muito baixo, nem o governo
que utiliza esse método demonstram preocupação com a reabilitação do
paciente. As informações mais conservadoras indicam que cerca de 60% dos
pacientes não são reabilitados. Portanto, 60% dos recursos aplicados nessas
concessões são jogados fora. As pessoas voltam para a fila, para ganhar outro
produto, mais uma vez não são reabilitadas e assim sucessivamente, até
desistirem. Essa situação toda torna o processo muito caro. Depois, houve a
introdução da tabela SUS (Sistema Único de Saúde), que representou um
pequeno avanço, pois define-se um determinado valor para cada produto
adequado à reabilitação. Entretanto, o valor definido na tabela muitas vezes
ainda não é suficiente para reabilitar o paciente; trata-se de um valor geral,
para todos os casos, embora um paciente necessite de um joelho hidráulico,
outro de um joelho pneumático, outro de um joelho mais simples, etc.
No futuro, a tendência é a incorporação cada vez maior de eletrônica
embarcada. Essas inovações vêm da indústria aeroespacial, da indústria
bélica, de grandes empresas que vão desenvolvendo dispositivos para
diversos fins e a área de órteses e próteses vai incorporando. Outra tendência
é o aumento da eficácia das órteses e próteses, com o aprimoramento
profissional e a incorporação da tecnologia para obter um produto mais
adequado para as necessidades do paciente.
A exigência de conhecimentos técnicos dos ortesistas-protesistas (das
tecnologias, das patologias, de biomecânica) também tende a aumentar, com
os cursos da Universidade Dom Bosco, em parceria com a ABOTEC, da
Faculdade Pestalozzi e outros cursos que devem começar. Só não há mais
cursos atualmente porque a profissão de ortesista-protesista ainda não é
reconhecida. Vários modelos de implantes, com interação homem-máquina,
vêm sendo testados, ainda com pouco sucesso.
Outras tendências para o futuro, que de alguma forma já podem ser
observadas hoje, incluem o controle da velocidade dos movimentos das
articulações, o input sobre as fases do movimento com o uso de sensores
eletrônicos e a substituição dos atuadores mecânicos por eletromecânicos.
210
Saúde e Assistência
Na empresa Honda, há aparelhos desenvolvidos para os funcionários, para
que eles tenham um desgaste físico menor no desempenho das suas funções.
Várias pesquisas com um “exoesqueleto” permitem que um paraplégico
caminhe e desempenhe algumas funções. É um recurso a ser mais explorado
no futuro.
O reconhecimento profissional continua sendo aguardado. A da lei que
regulamenta a profissão de ortesista-protesista ortopédico (PL 5635/2005)
foi aprovada em uma das comissões da Câmara Federal e deverá passar para
uma segunda fase. As categorias dos médicos e fisioterapeutas, e também os
deputados federais, estão entendendo a suma importância da regulamentação
desse profissional. Ele lida com vidas humanas, com perspectivas de vida e
reabilitação; é uma injustiça que essa profissão não seja reconhecida.
Atualmente, se o ortesista-protesista erra no seu trabalho, não tem como ser
cobrado. Se compramos uma torradeira com defeito, recorremos ao PROCON
(Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor) e recebemos o dinheiro de
volta. Por outro lado, se o paciente tiver que passar por uma nova cirurgia,
tiver a sua esperança destruída, não tem a quem recorrer.
Além do reconhecimento da profissão, é necessário criar um Conselho Federal
de Ortesistas-Protesistas, implementar novos cursos e promover um maior
intercâmbio profissional no mundo todo.
Quanto ao sistema de concessão de órteses e próteses, o ideal é que a avaliação
seja feita por uma equipe multidisciplinar, seja para pacientes do SUS,
segurados do INSS ou qualquer órgão público que vá fornecer a prótese ou
órtese. Com base nessa avaliação, define-se o tipo de produto de que a pessoa
necessita. Um paciente do interior do Pará necessitava de uma prótese e
recebeu um produto com joelho microprocessado, embora não houvesse
energia elétrica na casa do paciente. Esse exemplo dá uma ideia do nível dos
problemas enfrentados no país. No sistema proposto, o próprio portador de
necessidade especial procuraria a empresa ou entidade credenciada que
melhor atendesse à sua necessidade de reabilitação. A tabela de valores para
o fornecimento dos equipamentos deveria ser unificada em nível nacional e
as empresas e entidades aptas a produzi-los seriam credenciadas pelo
Governo, fiscalizadas pela ANVISA e demais órgãos competentes.
As vantagens de um sistema como o descrito acima seriam o melhor
aproveitamento do dinheiro público disponível, os melhores resultados na
211
Saúde e Assistência
reabilitação, a redução da demanda reprimida em curto prazo, a geração de
empregos, o aumento da arrecadação de impostos e a seleção natural de
empresas e entidades com melhor capacidade técnica (pelo usuário). Com
uma reabilitação efetiva, o portador de necessidade especial não voltaria à
fila para obter uma nova prótese, gerando novos custos, e seria reinserido
no mercado de trabalho, voltando a produzir. A capacidade instalada no
país é capaz de absorver rapidamente a demanda reprimida, com empresas
credenciadas de acordo com a regulamentação da ANVISA e a RDC 192 e
com certificação da ABOTEC. Se o sistema mudar, aumentará o interesse
das empresas em atuar no mercado de licitações. Atualmente, inúmeras
empresas não se interessam, por causa da “briga de preços”, que acaba
exigindo a prática de um serviço inadequado. No caso proposto, com
empresas credenciadas, quem seleciona o fornecedor é o paciente, que se
torna dono da sua reabilitação.
Júnia J. Rjeille Cordeiro: O Lar Escola São Francisco é uma instituição
filantrópica dedicada a crianças e adultos com deficiências, que visa a
recuperação física, educacional e integração social, que prima pela sua
excelência humanitária, técnica e científica e procura incessantemente a sua
sustentabilidade. Foi fundado em 1943, por Dona Maria Hecilda Campos
Salgado, que encontrou treze crianças num abrigo com sequelas de
poliomielite, levou-as para casa, depois alugou uma casa e criou um dos
primeiros centros de reabilitação da América Latina, na época da epidemia
de pólio. A casa primou, desde o início, pela educação e pela reabilitação. A
oficina ortopédica faz parte da sua história, chegando a fabricar as suas
próprias cadeiras de rodas, próteses e órteses. A partir de 1991, a instituição
fez um convênio com a UNIFESP (Universidade Federal de São Paulo), que
assumiu a área técnica.
Hoje, o Lar Escola São Francisco é um centro de reabilitação ambulatorial.
Há alguns anos não existe mais o internato, que era a própria casa das crianças,
nem o semi-internato. O foco são os pacientes do SUS; a maior parte dos
atendimentos é gratuita, pelo SUS, embora sejam feitos também alguns
atendimentos particulares. São realizados cerca de mil atendimentos por dia,
com aproximadamente 2.000 pacientes em tratamento. A escola de educação
especial continua funcionando, dentro do sistema de ensino do Governo
Estadual, regulada pela Secretaria de Educação. Há também um serviço de
212
Saúde e Assistência
orientação em empregabilidade, que fornece consultoria a empresas de
recrutamento, para a capacitação e inclusão dos pacientes. A oficina
ortopédica atende aos pacientes da própria instituição e ao mercado externo.
O bazar Samburá é um bazar permanente do Lar Escola São Francisco. A
instituição conta com uma equipe multiprofissional, com médicos fisiatras,
pneumologistas, reumatologistas, geriatras e toda a equipe terapêutica, com
odontólogos especiais, educadores físicos, fonoaudiólogos, terapeutas
ocupacionais, psicólogos e assistentes sociais. A diretoria técnica é da
UNIFESP, que realiza no Lar Escola atividades de extensão e pesquisa, com
nove cursos de pós-gradução lato sensu. Portanto, a instituição presta
assistência e realiza formação e capacitação na área de reabilitação.
Os programas de formação envolvem as áreas de reabilitação fisiátrica
(pacientes com doenças neuromusculoesqueléticas), reabilitação pulmonar
(pacientes com doenças pulmonares crônicas), reabilitação gerontológica
(pacientes com mais de 60 anos e limitação física para recuperação funcional,
com abordagem preventiva) e reabilitação reumatológica (pacientes com
idades variadas que apresentam doenças reumatológicas que comprometam
o aparelho locomotor). Todos os programas seguem protocolos baseados
em evidências científicas e são dirigidos pela UNIFESP, por professores
doutores, dando origem a diversos trabalhos de pesquisas e pós-graduação.
Os programas buscam a funcionalidade, a qualidade de vida, a inclusão social
e o uso de tecnologias assistivas. Com exceção dos trabalhos realizados na
oficina ortopédica por solicitação externa, a atenção ao paciente em termos
de próteses e órteses é feita dentro do programa. Portanto, a tecnologia
assistiva é prescrita e confeccionada na oficina e os pacientes são reavaliados,
treinados no seu uso e acompanhados no longo prazo. É dessa forma que as
próteses, órteses e outras ajudas técnicas se incluem no processo assistencial
da instituição.
As dificuldades para incorporação das tecnologias assistivas são de várias
naturezas. Primeiramente, há dificuldades de legislação e de coordenação
na utilização dos recursos públicos. A instituição atende a pacientes pelo
SUS e utiliza recursos públicos. Os códigos do SUS não contemplam todas
as tecnologias, como órteses de membros superiores, cadeiras de rodas
adaptadas e adaptações para atividades de vida diária. Nesses casos, o
paciente tem que pagar ou é preciso encontrar alguma entidade que possa
fazer uma doação. Outro problema é a falta de informação dos pacientes
213
Saúde e Assistência
sobre os recursos aos quais têm direito. Muitos pacientes não sabiam que
tinham direito a um sapato especial ou a uma palmilha. Portanto, é preciso
fazer uma divulgação para o grande público a respeito desses direitos,
garantidos por lei. Muitas vezes, há prescrições incompletas, recebidas de
outras instituições, exigindo contatos com os médicos e outras providências,
gerando atrasos ou mesmo algum mal-entendido e a provisão inadequada
do equipamento. A cronologia entre a prescrição de um serviço e a sua
provisão também pode ser inadequada, causando prejuízo à evolução do
paciente ou desperdício de recursos. Já foram atendidos casos de pessoas
que precisaram recorrer à justiça para conseguir o fornecimento daquele
equipamento e chegam com uma prescrição de dois anos, por exemplo.
Outro tipo de dificuldade refere-se à produção e aquisição das tecnologias.
O prazo de entrega das cadeiras de rodas, pelas fábricas, para que elas sejam
adaptadas é prolongado, atrasando todo o processo de provisão. Há carência
de técnicos de órteses e próteses no mercado para suprir as oficinas
ortopédicas. O alto custo de tecnologias mais sofisticadas, como próteses
mioelétricas, ajudas técnicas em fibra de carbono, etc., não é coberto pelo
SUS. Há também um desinteresse da indústria nacional pela produção de
adaptações para atividades da vida diária. Um exemplo é a caneca de duas
asas para o idoso. No mercado, as canecas de duas asas são somente as
infantis. As opções importadas são poucas, difíceis de encontrar e podem ter
um custo bastante elevado. São artefatos simples, como uma calçadeira de
cabo longo, uma caneca de duas asas, etc. Como não se conhece a demanda,
os empresários não se interessam em produzir.
Há dificuldades também na produção do conhecimento em tecnologia
assistiva. Sem produção de conhecimento e sem gestão, não basta capacitação
técnica nessa área. As inovações são geralmente tratadas de forma
individualizada e não são registradas como produto para o mercado. A título
de comparação, nos Estados Unidos um terapeuta ocupacional pode folhear
um catálogo enorme, escolher um produto e solicitar por telefone. Aqui, é
preciso fazer adaptações com a ajuda de um marceneiro, de um serralheiro,
caso a caso. Às vezes, criações geniais beneficiam somente um paciente, pois
falta uma compreensão a respeito das inovações tecnológicas, do seu registro
e disponibilização para todo o mercado. Há também carência de estudos
científicos para comprovação da efetividade das tecnologias. Numa revisão
sistemática da literatura sobre tecnologia assistiva para a artrite reumatoide,
214
Saúde e Assistência
somente um estudo cumpriu os critérios de inclusão e concluiu-se que a
tecnologia proposta não era efetiva. Portanto, a revisão aponta a urgente
necessidade de pesquisas de alta qualidade nessa área. As evidências em
reabilitação são muito fracas, em comparação com outras áreas da saúde.
Por fim, há dificuldades de gestão e sustentabilidade da oficina ortopédica e
do centro de reabilitação. Oficinas muito antigas, como a do Lar Escola São
Francisco, já passaram por muitas fases, artesanais, mais profissionalizadas,
etc. As instituições filantrópicas, especialmente, podem ter resistências a
modificações na gestão, na sua própria cultura, capacitação de pessoal, etc.,
processos que têm alto custo. Outro aspecto é que o SUS cobre somente 40%
dos custos do Lar Escola. Assim, a instituição se vê obrigada a buscar outras
formas de autossustentabilidade financeira, como bazares, etc.
Levando-se em conta as dificuldades mencionadas, algumas sugestões podem
ser feitas. A primeira delas é integrar as instituições privadas e filantrópicas
em rede, com suporte financeiro e técnico para garantir a perenidade da
parceria com o Estado. Essas instituições cumprem uma parte do trabalho
do Estado. Portanto, que o Estado faça a integração dessas entidades. Outra
sugestão é que o Estado possa fazer gestões junto ao SUS para ampliação
dos códigos de tecnologia assistiva. É importante também promover a
elaboração de protocolos assistenciais e de prescrição, com vistas ao custoefetividade dos recursos utilizados nos programas de reabilitação e provisão
de ajudas técnicas. Isso facilitaria muito a comunicação, agilizaria o
atendimento e eliminaria mal-entendidos. Outra sugestão é incentivar a
pesquisa na área, com suporte financeiro e metodológico. O Lar Escola
“respira ciência” porque a Universidade está ali dentro, mas quantas
instituições filantrópicas não contam com esse lastro científico? Não basta
fornecer o dinheiro; é preciso ensinar a fazer as pesquisas. Nas pesquisas em
reabilitação, não se lida com amostras de sangue, mas com uma variabilidade
enorme de fatores, com a cronicidade, com situações de longo prazo, nas
quais é muito difícil comprovar resultados. É preciso, inclusive, estudar a
metodologia de pesquisas em reabilitação. Uma sugestão seria a criação de
um prêmio de pesquisas na área. É preciso também ampliar a capacitação
dos Recursos Humanos, não só de técnicos em órteses e próteses, mas de
gestão em geral. Por fim, é preciso incentivar a produção e o registro de
inovações tecnológicas. O Estado poderia promover cursos sobre inovação
215
Saúde e Assistência
tecnológica, o que fazer com a criação, onde registrar, quais os riscos
envolvidos e como encontrar uma indústria para produzir a inovação.
Ana Beatriz Proença: A AACD promove a reabilitação de grandes
incapacitados e está dividida basicamente em clínicas de adultos e infantil.
Na clínica infantil, são atendidas crianças com paralisia cerebral,
mielomeningocele, malformação congênita e doenças neuromusculares. Na
clínica de adultos, são atendidos casos de traumatismo medular e
traumatismos cranianos ou lesões medulares, como acidentes vasculares
encefálicos.
Todas as clínicas têm seus critérios de elegibilidade, com foco na deficiência
física. Os pacientes passam primeiramente por uma triagem médica. Se o
quadro se enquadrar no foco da instituição, ele será encaminhado para uma
consulta médica inicial e para uma avaliação global com uma equipe
multidisciplinar. Como no Lar Escola São Francisco, a AACD também conta
com fisioterapeutas, inclusive aquáticos, fonoaudiólogos, terapeutas
ocupacionais, psicólogos, pedagogos e enfermeiros. Depois da avaliação
global, o paciente é encaminhado para as terapias nos diversos setores, onde
são traçadas as metas da sua reabilitação, a curto e a médio prazo. Nesse
processo, há protocolos que são seguidos, são realizadas discussões semanais
e cada caso é discutido em média a cada três meses.
Além dos pacientes da reabilitação, há pacientes internos, em trezes leitos,
com casos de pós-operatório, grandes incapacitados submetidos a cirurgia
no Hospital Abreu Sodré (que fica dentro da AACD). Diferentemente dos
pacientes externos, os pacientes internos têm uma reabilitação bastante
intensiva, por um período pré-determinado de três, quatro ou cinco meses.
Há ainda reuniões de alta ou desligamento. A AACD possui a certificação
ISO 9001, portanto tudo o que ocorre na instituição é protocolado, segue
diretrizes, o que é muito importante, já que a instituição conta atualmente
com nove unidades e parcerias técnicas em Salvador e no Piauí. Assim, o
que é feito na AACD de São Paulo, também é feito na AACD de Joinville, na
AACD de Recife, de acordo com os protocolos.
Numa comparação entre o trabalho desenvolvido na AACD e em instituições
similares fora do país, podemos observar algumas diferenças. Os programas
216
Saúde e Assistência
de reabilitação têm maior duração na AACD, pois aqui não conseguimos
realizar uma reabilitação tão intensiva, de quatro, cinco ou até seis vezes por
semana. Ao invés de permanecer um ano em reabilitação, aqui o paciente
fica seis, sete ou oito anos. Em relação aos procedimentos médicos e
terapêuticos, não há grandes diferenças. Os médicos e terapeutas da
instituição são estimulados a participar de congressos e têm a oportunidade
de fazer estágios no exterior. Quanto às cirurgias, infelizmente a lista de espera
na AACD é muito grande, com mais de cinco mil pacientes, com óbvias
repercussões negativas na reabilitação dos pacientes. Por exemplo, um
paciente em treinamento de marcha que evolui com encurtamento muscular,
muitas vezes precisa ter alta da reabilitação, aguardar a cirurgia e depois
voltar à reabilitação. O mesmo ocorre em relação ao fornecimento de órteses,
próteses e cadeiras de rodas. Um paciente com mielomeningocele em
treinamento geralmente não consegue ter logo o seu aparelho e recebe alta
até que consiga receber a sua prótese ou órtese, o que também atrasa muito
a reabilitação. Esses diferenciais explicam, ao menos em parte, a demora dos
processos de reabilitação no Brasil. Um paciente amputado poderia ser
reabilitado em muito menos tempo, mas, como precisará esperar até receber
a sua prótese, a reabilitação acaba sendo muito mais longa do que deveria.
Outro diferencial do Brasil em relação aos países desenvolvidos está nas
bombas de infusão medicamentosa intratecal, muito difíceis de se conseguir
aqui no país, mesmo nas universidades. Alguns pacientes graves, do ponto
de vista motor, poderiam ser beneficiados com o uso desse tipo de bomba de
infusão, mas aqui não é possível, entre outros motivos por causa do alto
custo, que não é coberto pelo SUS.
Em relação à interface com órgãos públicos, é importante conhecer os
pacientes que a instituição atende. São grandes incapacitados, portanto são
pacientes muito peculiares, que não são como o pós-operatório de uma
fratura. Às vezes, são necessários dois profissionais ao mesmo tempo para a
terapia. É preciso que o SUS leve em conta essas peculiaridades. O paciente
com uma grande incapacidade quase que certamente necessitará de aparelhos
ortopédicos, cirurgias e terapias. É um paciente caro para o sistema, que
necessita de muita terapia, durante muito tempo, necessita de cirurgia e
necessitará de uma prótese. Na AACD são atendidos muitos pacientes de
outros estados, e não há repasse de verbas de outros estados para isso. Há
217
Saúde e Assistência
uma carência de dados estatísticos e epidemiológicos, com maior uso da
tecnologia da informação.
O papel das ONGs e instituições privadas deveria ser complementar às
necessidades do sistema público, mas na realidade não é o que ocorre. Os
profissionais acabam fazendo tudo e o retorno financeiro é realmente
pequeno. Atualmente, a AACD faz toda a habilitação ou reabilitação dos
pacientes. Por mais que haja uma verba do SUS para a cirurgia, a maior parte
do custo é bancada pela instituição, que é filantrópica. A capacitação dos
profissionais também é feita pela instituição, seja da área técnica, de
professores ou médicos. Para as órteses, próteses e adequação postural, há
uma verba do SUS, mas a AACD é obrigada a contar com a renda de bazares,
doações, cartões de Natal, do Teleton, pois os pacientes têm um custo muito
alto.
Como sugestões, a AACD propõe a criação de um cadastro único para listas
de espera, de fácil acesso aos serviços e que evitaria a duplicidade.
Atualmente, com uma prescrição o paciente entra numa lista de espera para
receber uma cadeira de rodas no Lar Escola São Francisco, na AACD e outras,
permanecendo em várias listas ao mesmo tempo. O paciente acaba tendo
um custo elevado para o SUS, pode receber três cadeiras ao mesmo tempo,
que ficarão encostadas, pois não terão sido adaptadas adequadamente. O
mesmo vale para as próteses recebidas, que talvez não sejam usadas. O
cadastro único funcionaria como uma lista de transplantes. Outra sugestão é
que o profissional que faz a prescrição precisa saber prescrever e levar em
conta uma série de fatores. Não adianta prescrever uma prótese de titânio
para uma senhora que ficará em casa o tempo todo. Como a verba é fixa,
procura-se retirar alguns itens de uma órtese ou uma prótese, para ganhar
em quantidade, sem comprometer a qualidade. Além da correta prescrição,
a confecção da órtese ou da prótese deve ser feita corretamente, o que nem
sempre se observa. Tanto os profissionais que prescrevem como aqueles que
confeccionam as próteses ou órteses precisam conhecer os materiais
utilizados.
O controle das empresas que participam das licitações é outro aspecto
importante. Às vezes, o fornecedor ganha uma licitação em outro estado e,
quando o paciente necessita de um ajuste, ele não é feito. A reabilitação acaba
sendo interrompida, pois o paciente não tem meios para ajustar a prótese.
Portanto, na licitação é importante que o fornecedor se comprometa com
218
Saúde e Assistência
um acompanhamento a médio e longo prazo do material que é oferecido.
Deve-se também observar as melhores práticas e capacitação para realizar a
confecção do aparelho solicitado, ou seja, é preciso um cuidado na prescrição,
na confecção, no acompanhamento do uso, tudo com uma reabilitação
completa.
Stela Felix Machado Guillin Pedreira: Numa época relativamente recente
do século passado, os serviços públicos de saúde, não apenas os
governamentais, foram instituídos ao longo do processo de industrialização
brasileira. Pensava-se na população que trabalhava nas indústrias, que
necessitava de um atendimento específico para ter um bom padrão de mãode-obra, que os funcionários tivessem boa produtividade. No começo do
século, surgiram os IAPs, que eram grupos de trabalhadores de determinada
categoria, aos quais depois juntaram-se os empregadores e o Governo, já no
período Getúlio Vargas. O objetivo desses grupos era a proteção daquelas
categorias específicas. Assim, havia o IAPI, o IAPTEC, o IAPC, etc. Para cada
categoria, havia um financiamento específico e um desconto no salário do
trabalhador. No governo Getúlio Vargas, com as leis trabalhistas, implantouse um sistema maior, chamado de INPS, que unificou a previdência social
dos trabalhadores. A saúde estava muito vinculada à previdência social. Até
aquele momento, havia trabalhadores de categorias diferentes: os
trabalhadores formais, que tinham acesso aos serviços de saúde, e aqueles
que não tinham acesso, por serem trabalhadores informais ou porque não
trabalhavam. As pessoas que não tinham acesso ao serviço de saúde do INPS,
ou procuravam as entidades filantrópicas ou recebiam atendimento “por
interesse científico”, na condição de verdadeiras cobaias humanas, para
tratamentos experimentais.
Esse sistema de saúde, extremamente centralizador, tinha grandes hospitais
e estruturas que não tinham resolutividade e gastavam muito dinheiro
público. Com o tempo, percebeu-se que este não era o sistema adequado
para o país. Era um sistema fragmentado, com restrição de acesso e sem
participação da sociedade.
Durante o período de exceção vivido no Brasil (de 1964 até a década de 1980),
São Paulo, que já tinha uma estrutura sanitária diferenciada, começou a
capitanear um movimento, movido não apenas pelos sanitaristas, mas
219
Saúde e Assistência
também pela população, principalmente as mulheres da Zona Leste da
cidade. Esse movimento, que estava acontecendo no mundo inteiro, buscava
a saúde para todos. Foi um movimento importante depois das duas grandes
guerras mundiais, principalmente com a instalação do welfare state (bemestar social). A noção de que toda a população devia ter acesso aos serviços
de saúde começou a se difundir nos países mais desenvolvidos, especialmente
na Europa. Com certo atraso, o Brasil também começou a mover-se nesse
sentido. Como queria o Banco Mundial, a proposta era de “saúde de pobre
para pobres”, com pouca tecnologia. São Paulo teve um papel de liderança
nesse processo e conseguiu, mesmo durante o governo Collor, que
apresentava certas divergências em relação a essa proposta, implantar o SUS.
No SUS, todo cidadão, independentemente da classe, cor, sexo, etnia,
condição social e condição de vida, deve ter acesso à saúde. É um sonho,
talvez bastante difícil de realizar num país com renda per capita baixa,
condições de financiamento difíceis, que não consegue equacionar seus
grandes problemas, com grande dependência dos sistemas públicos de saúde
para a maioria da população.
O SUS está garantido na “Constituição cidadã”, de 1988, e no conjunto de
ações e serviços de saúde prestados por órgãos e instituições públicas federais,
estaduais e municipais, na administração direta, como também de fundações
mantidas pelo poder público. Entretanto, o SUS é complementado pelas
instituições privadas, seja por contratação ou parceria. O sistema SUS não é
somente governamental; é um sistema publicizado, no qual várias instituições
atuam juntas para proporcionar o acesso do público em geral, da população
brasileira, aos serviços de saúde. Ele tem como base a promoção, a prevenção
e a recuperação da saúde. O SUS não visa a uma área só. Até então, antes do
SUS (e como querem alguns ainda hoje), o Estado fazia simplesmente as
ações que são atribuições do Estado: vacinação, contagem de doenças,
estatísticas e epidemiologia. O SUS se propõe a algo muito maior: atuar sobre
a integralidade do indivíduo, desde o nascimento, em toda a complexidade
do ser humano, considerando os determinantes e os condicionantes de saúde
(não apenas os condicionantes biológicos, mas também os sociais e
econômicos).
Foi longo o caminho percorrido pelo SUS, com muitos acertos e erros. Com
o tempo, foi possível estabelecer uma série de normas operacionais, em 1991,
em 1993, em 1996, determinando parceiros, protagonistas e municipalizando
os serviços de saúde. Enquanto a sua estrutura era verticalizada, baseada
220
Saúde e Assistência
numa lógica em que o Governo Federal determinava as ações, num país com
dimensões continentais, era possível prever que não daria certo. As
populações são diferentes, assim como os objetivos e as condições de vida,
principalmente.
Com a NOAS (Norma Operacional da Assistência à Saúde) de 2001 e a NOAS
de 2002, começava-se a falar em regionalização, em montar áreas
homogêneas, em termos culturais, sociais e nos aspectos da saúde,
culminando em 2007 com o “Pacto pela Saúde”.
Assim, o Pacto pela Saúde é uma proposta relativamente nova, que muitos
ainda desconhecem, que defende exatamente um pacto entre as três esferas
de governo, cada uma assumindo o que é capaz de fazer pela saúde. Os
municípios muito pequenos, que não têm condições estruturais, assumirão
a atenção básica. Municípios maiores, que tenham uma estrutura de saúde,
assumirão uma maior complexidade, e assim o pacto é feito e sempre
renovado pelos gestores, com objetivos e metas muito precisos.
O “pacto pela vida”, que faz parte do Pacto pela Saúde, aborda algumas
questões fundamentais: a saúde do idoso, a mortalidade maternoinfantil, o
câncer de colo do útero, algumas doenças emergentes, como dengue,
hanseníase, tuberculose, influenza e malária, o fortalecimento da atenção
básica, a promoção da saúde, a saúde mental, a saúde do trabalhador, a saúde
da pessoa com deficiência, a atenção integral às pessoas em situação de
violência e a saúde do adulto.
Essas ações são todas transversais; não se pode pensar em nenhuma delas
como se fosse somente a assistência. O indivíduo, em determinado momento
da sua vida, será idoso, ou adulto, ou terá uma doença emergente, um câncer,
enfim, é preciso pensar que as pessoas não são a sua doença ou a sua
deficiência. São indivíduos completos, que precisam receber o atendimento
de uma linha de cuidado, ou seja, desde o seu nascimento até a sua morte,
com um acompanhamento em todas as suas doenças, as condições de vida.
É um grande desafio, que parece estar sendo bem-sucedido.
Os princípios do SUS são muito claros: universalidade (o indivíduo pode ser
atendido em qualquer lugar), equidade (diferentemente da igualdade,
equidade significa dar mais para quem precisa mais, o que determina
incentivos financeiros e de estruturação de investimentos para determinadas
áreas) e integralidade (quando se atende um indivíduo, ele é atendido “por
221
Saúde e Assistência
inteiro”). Pensando na integralidade, a porta de entrada deve ser a atenção
básica, que normalmente fica no município, com uma área adscrita, onde o
paciente responde a um médico de família, preferencialmente, ou a uma
Unidade Básica de Saúde. Há serviços de média complexidade, com
especialistas, e de alta complexidade, nos hospitais. Os serviços de média e
alta complexidade, no Estado de São Paulo, estão divididos entre o Estado e
alguns municípios. A gestão não é apenas do município, mas compartilhada,
porque o Estado de São Paulo já tinha estruturas de saúde muito bem
estabelecidas.
As redes de saúde representam o sistema de referência e contra-referência.
Tomemos por exemplo um paciente que sofre um acidente, é atendido no
pronto-socorro e tem um membro amputado. Dali, o paciente retornará ao
serviço especializado, que prescreverá uma órtese ou uma prótese. A
prescrição será acompanhada pelo gestor local, que dará o apoio necessário
para que o paciente utilize o equipamento. Caso contrário, a possibilidade
de aquela órtese ficar em cima do armário é muito grande. O mesmo vale
caso o paciente precise se deslocar de um município remoto, no Pontal do
Paranapanema, por exemplo, até a AACD, na capital. Por isso, as redes
municipais precisam estar estruturadas para dar esse suporte.
Esse processo só é possível com a territorialização. No Pacto pela Saúde, o
Estado de São Paulo foi dividido em 64 territórios – os colegiados de gestão
regional – com características muito próximas e que obedecem a essa lógica
de saúde, com um serviço de referência e serviços de atenção primária que
utilizam os serviços de referência secundários e terciários. São zonas
homogêneas socialmente, em termos de cultura econômica, permitindo que
esse trânsito ocorra de maneira mais fácil.
Os critérios para a definição desses territórios são os contextos
socioeconômico e cultural, o território vivo, os fatores de risco e de proteção
(sob uma visão epidemiológica), as vulnerabilidades, os dados
epidemiológicos, a distribuição dos equipamentos de saúde e os protagonistas
no processo (ou seja, quem assume a gestão do quê).
O sistema deve ser visto a partir de princípios importantes. Primeiramente,
a linha de cuidado – o indivíduo precisa ser visto na sua totalidade. A linha
de cuidado prevê uma atenção desde o início até o final da vida, com todas
as possibilidades que o indivíduo desenvolverá. Não se pode atender o
indivíduo somente na infância, como acontecia muito, nos “postos de saúde”.
222
Saúde e Assistência
Outra iniciativa é que os homens também frequentem as Unidades Básicas
de Saúde. Quando o homem procura atendimento médico, geralmente é no
pronto-socorro ou diretamente para uma cirurgia, por exemplo, porque não
fez um acompanhamento prévio do problema. Na cultura brasileira, o aspecto
materno-infantil recebe mais atenção e outras faixas etárias e segmentos da
população ficam um pouco esquecidos. O Pacto pela Saúde procura reverter
essa situação.
Um aspecto importante do sistema é o estabelecimento de protocolos clínicos
e de regulação. Quando se fala em saúde coletiva, não se pode dispensar
medicamentos, insumos e equipamentos de qualquer maneira. Existe um
orçamento e é preciso pensar em tudo o que deve ser feito para a maioria da
população. Embora seja válido, é muito mais difícil atender a casos isolados.
Infelizmente, trata-se de uma “escolha de Sofia”: com o dinheiro disponível
é preciso atender à maioria da população, portanto é necessário fazer
padronizações. Procura-se fazer essas adequações na rede.
É importante considerar que um município com 800 habitantes, por exemplo,
que não consegue ter uma estrutura de saúde mais organizada, tenha uma
referência, tanto para o atendimento em si quanto para o embasamento
técnico. Uma pessoa desse município, que não conta com um fisiatra ou uma
terapeuta ocupacional e precisa de uma prótese, irá para um serviço de
referência, mas uma enfermeira ou outro profissional disponível no município
deverá acompanhar o paciente, para conhecer o trabalho de adaptação. Esse
é o chamado “apoio matricial”.
A “clínica ampliada” é exatamente a ação advinda do apoio matricial, uma
ampliação técnica da clínica a partir da verificação de outros problemas
envolvidos. Os grupos de apoio à saúde da família também respondem ao
programa de saúde da família, regionalmente, com alguns especialistas.
Podem fazer parte desses grupos fisiatras, terapeutas ocupacionais,
fonoaudiólogos, etc., dependendo da situação epidemiológica e do
planejamento do município.
As redes de atenção à saúde precisam ter uma dimensão técnica,
administrativa, financeira e política. Deve-se pensar nelas como redes mesmo,
ou seja, como teias, com possibilidade de ir e voltar pelos fios, com interrelações entre os pontos.
223
Saúde e Assistência
O sistema de saúde pode ser organizado de duas maneiras. Na forma clássica,
a atenção básica é a porta de entrada do sistema e remete seus pacientes para
o atendimento de média complexidade, especializado, que pode retorná-los
à atenção básica ou encaminhá-los para o atendimento de alta complexidade.
O movimento é feito de maneira hierarquizada. Na organização em rede, a
atenção primária à saúde relaciona-se diretamente com as diversas esferas,
o que confere uma dinâmica maior ao atendimento, mas depende de uma
organização dos protocolos e do referenciamento. Se a matriz estiver bem
definida, essa dinâmica funciona. No território municipal, propõe-se a
autossuficiência em atenção primária à saúde. No território microrregional,
com vários municípios, a autossuficiência deve ser no nível secundário e, no
território macrorregional, é preciso haver também a atenção terciária.
Sabe-se que, no Brasil, cerca de 10% da população é constituída por pessoas
com algum tipo de deficiência. Destes, alguns têm limitações funcionais e
deficiência. O problema mais importante está relacionado às condições de
vida desses pacientes: 70% vivem abaixo da linha de pobreza. No Brasil em
geral, 22% da população vive abaixo da linha da pobreza. Portanto, percebese como essa população é vulnerável. Além disso, 33% dessas pessoas são
analfabetas, enquanto na população brasileira em geral essa proporção não
chega a 20%. Noventa por cento das pessoas com deficiência estão fora do
mercado de trabalho. Como referência, numa favela do Rio de Janeiro, os
desempregados chegam a 19%; no Estado do Rio de Janeiro como um todo,
a proporção é de 9%. Portanto, o aspecto social é talvez mais grave que o
próprio aspecto funcional das pessoas com deficiência.
O Brasil é um dos países mais inclusivos do mundo, por incrível que pareça.
É reconhecido por sua legislação e pelas políticas públicas, inclusive aquelas
voltadas para as pessoas com deficiência. O grande fator diferencial do Brasil
é exatamente a mobilização da população. A sociedade civil organizada
conseguiu um espaço, principalmente nos Conselhos de Saúde, nos quais
tem representação e consegue impor suas questões. Até certo tempo atrás,
nós não víamos os deficientes, pois eles ficavam confinados em casa e tinham
vergonha de se mostrar. Hoje não é mais assim; os deficientes estão cobrando
do poder público, das instituições o espaço que merecem.
A agenda social do deficiente não pode estar focada somente na questão da
sua saúde individual. Ela precisa focalizar o emprego, o ambiente acessível,
a escola acessível, o transporte e entorno acessível, a habitação acessível e
224
Saúde e Assistência
também as órteses e próteses, pois esses equipamentos possibilitam a sua
inclusão social.
A política estadual da pessoa com deficiência procura pensar nesses diferentes
âmbitos. São Paulo é um dos poucos Estados que possuem uma secretaria
específica para os direitos da pessoa com deficiência. Esse é um grande
avanço, que visa a reabilitar a pessoa, proteger a sua saúde e prevenir agravos.
As diretrizes da Secretaria são a promoção da saúde, a qualidade de vida, a
prevenção de deficiências, a assistência integral à saúde, a organização da
rede para a pessoa com deficiência, a capacitação de recursos humanos e a
estruturação do sistema de informações. Por muito tempo, todas essas
questões foram deixadas de lado. Hoje, procura-se rediscutir e reestruturar
a rede, rever os parceiros, para que se obtenha uma resposta mais efetiva.
Qual seria o papel do Estado na questão dos direitos da pessoa com
deficiência? O Ministério da Saúde financia e determina os protocolos, as
ações. O município normalmente executa, pois o paciente vive no município
e mantém uma relação com os serviços de saúde do município. E o Estado, o
que faz? O Estado faz a adequação da política nacional à sua realidade e
suplementa as verbas vindas do Ministério e do município. O financiamento
do SUS é solidário entre as três esferas de poder.
A rede de assistência ao paciente com deficiência obedece aos princípios do
SUS: é regionalizada, descentralizada e hierarquizada. A porta de entrada
do sistema é a atenção básica, os serviços de emergência ou o prontoatendimento. Sob gestão estadual, nos diferentes níveis de complexidade,
estão os ambulatórios de especialidades (AMEs), a rede hospitalar e a Rede
de Reabilitação Lucy Montoro, uma parceria com a Secretaria dos Direitos
da Pessoa com Deficiência. O acompanhamento, a supervisão e o controle
dos serviços também é feita pelo Estado, assim como a educação permanente,
tanto dos gestores como dos profissionais de saúde.
A reabilitação é um aspecto pontual dentro da política da pessoa com
deficiência, do conjunto de ações de atenção à saúde, para reduzir o impacto
da deficiência. Há níveis de referência: o nível municipal, o nível
intermunicipal de reabilitação física, o nível intermediário, o serviço de
referência em medicina física e reabilitação e os leitos de reabilitação no
hospital geral ou especializado.
225
Saúde e Assistência
Com relação à deficiência auditiva, é preciso fazer uma avaliação e a
manutenção da rede existente, é preciso mapear os serviços que existem no
Estado, que atendem ao deficiente auditivo, em que nível atendem e em qual
área atendem, para que se possa referenciar e contra-referenciar os serviços.
Implantar a triagem auditiva neonatal universal também é um desafio, pois
exige equipamentos e nem todas as maternidades públicas conseguem
realizá-la. Haverá um projeto inicial em duas maternidades de São Paulo
(Interlagos e Leonor Mendes de Barros), para saber qual será a dimensão do
trabalho e como se poderá ampliar essa ação.
Quanto ao atendimento à deficiência visual, também será necessário
identificar os serviços e implantar a rede. Já existe uma rede de serviços de
reabilitação visual, ainda pequena, por falta de adesão dos próprios serviços,
que não se motivaram pelos valores que o Ministério repassa. Assim, é uma
rede ainda incipiente, mas está sendo ampliada.
Com relação à deficiência mental, intelectual e múltipla, os serviços ainda
estão sendo identificados e organizados. É uma área difícil, na qual o acesso
é muito ruim, há uma certa confluência com os problemas de saúde mental e
tem havido uma grande demanda de ações judiciais relacionadas a esses
pacientes.
No que diz respeito ao deficiente físico, é necessário reorganizar a rede de
reabilitação, serviços terciários e serviços de referência, que está nas mãos
da Rede Lucy Montoro. Conta-se também com a rede estadual, os serviços
municipais e filantrópicos integrados à rede. A rede não se resume a uma
prestação de serviços secundários e terciários; ela tem que ter essa
conformação de atenção básica, serviços de referência especializados e
também de nível mais alto.
O Estado financia e suplementa os valores dados pelo Ministério da Saúde,
complementando a tabela para aquisição dos equipamentos. No momento,
está sendo realizado um mutirão para atender às filas de espera. Um grande
número de pacientes “represados”, que não conseguiam seus equipamentos,
tanto por problemas de financiamento no próprio Ministério como por
questões da prescrição. Duas macrorregiões de São Paulo já foram atendidas
e a fila, até o final de 2010, deve ser totalmente atendida dentro dos padrões,
com a adequação das prescrições. Realmente, as prescrições até recentemente
eram muito ruins, feitas por pessoas que não tinham nenhum conhecimento.
226
Saúde e Assistência
Com a demora, às vezes havia problemas na adaptação ao coto, etc. Por isso,
todas as prescrições estão sendo reavaliadas, para uma maior adequação.
Algumas pessoas da fila estavam credenciadas em várias instâncias, faziam
filas paralelas e não havia uma dimensão real de quantos pacientes realmente
estavam na fila. Assim, foi criado um sistema, que já está sendo aplicado
para o credenciamento, com uma fila única, dentro das necessidades
múltiplas.
Com relação ao financiamento federal, houve uma mudança na tabela
unificada. Antes se pagava por “APAC”, e hoje utiliza-se o recurso MAC (de
média e alta complexidade), passado fundo a fundo, do Ministério para o
município. O município já não tem que fazer as prestações de contas que
antes era obrigado a fazer, mas deve demonstrar, por meio do boletim de
produção ambulatorial, coletivo ou individual, que conseguiu prescrever
aquela órtese ou prótese. No ano passado, o sistema recebeu muitas críticas,
porque muitas APAEs perderam dinheiro, mas ocorre que essas instituições
não haviam faturado as órteses ou próteses que tinham dispensado. Portanto,
para se conseguir as verbas, é importante preencher o boletim, para garantir
que as verbas sejam mantidas.
O Ministério percebeu também que o período histórico tomado como média
não foi adequado e os valores serão revisados. Até meados do próximo ano,
deve ocorrer uma suplementação dos valores, para que as verbas sejam mais
adequadas.
Entre os serviços existentes no Estado de São Paulo, sob gestão estadual ou
municipal, há 34 serviços de nível intermediário e 19 serviços de medicina
física e reabilitação, tidos como referência.
É importante não deixar que a pessoa com deficiência se torne uma “lenda”.
A única lenda em que se vê o deficiente alegre, sem uma perna, é a do SaciPererê. Sabe-se que ainda há vários problemas para a dispensação das órteses
e próteses, mas o processo está evoluindo no sentido de uma melhoria de
qualidade e do acesso dessa população.
227
Dia 10 de dezembro de 2009
Economia do Conhecimento – Tecnologia e Inovação
O conceito de Economia do Conhecimento (EC) surge da compreensão de que
atualmente a economia baseia-se não somente no aproveitamento de recursos naturais,
no gerenciamento de recursos financeiros ou na produção industrial, mas cada vez
mais no aproveitamento dos recursos do conhecimento. A aplicação simultânea dos
cinco pilares que sustentam o conceito de EC – inovação, educação, inclusão social,
tecnologias da informação e comunicações e os direitos de propriedade intelectual,
uma vez orientada para a satisfação das necessidades, aproveitamento das capacidades
diferenciadas e integração na sociedade das pessoas com deficiência, possibilitará a
sua utilização como uma estratégia institucional. O fato de a EC agregar um valor
ao conhecimento, por considerá-lo um bem de produção como qualquer outro, coloca
em evidência o potencial das pessoas com deficiência para que tenham um papel
significativo no desenvolvimento social e econômico de uma região.
Danilo Piaggesi (moderador) – Diretor do Programa Internacional de
Economia do Conhecimento (IKEP)
Klaus-Peter Wegge – Chefe do Centro de Competência em Acessibilidade
da Siemens Company - República Federal da Alemanha
David Andrés Rojas – Gerente Sênior do Programa de TCI - Diretor da
POETA - The Trust for the Americas - Organização dos Estados Americanos
- Washington DC, USA
Pedro Primo Bombonato – Coordenador de Ciência, Tecnologia e Inovação
da Secretaria de Estado de Desenvolvimento - São Paulo, SP
Fernando Botelho – Diretor da Botelho & Paula Consultoria Empresarial Curitiba, PR
Economia do Conhecimento – Tecnologia e Inovação
Claudinei Martins – Pesquisador - Fundação Centro de Pesquisa e
Desenvolvimento em Telecomunicações - CPqD - Campinas, SP
Danilo Piaggesi: Este painel tem um objetivo bem preciso: introduzir o tema
da Economia do Conhecimento, com base nas descrições da literatura
internacional, e tentar fazer uma conexão com o tema das pessoas com
deficiência, para apresentar uma proposta à consideração da Secretaria dos
Direitos da Pessoa com Deficiência, do estabelecimento de um centro de
excelência em inovação e tecnologia em favor das pessoas com deficiência.
A melhor maneira de se definir a Economia do Conhecimento é a
convergência dos diferentes componentes de uma economia interconectada
e globalizada, na qual os recursos do conhecimento (como o know-how, a
expertise e a propriedade intelectual) são mais importantes que outros recursos
econômicos, como o território, os recursos naturais ou mesmo a mão-deobra, que eram importantes no passado, especialmente na economia mundial
baseada na agricultura.
Ela reconhece o conhecimento como um elemento de competitividade, uma
noção importante no centro que será proposto ao final deste painel. A
tecnologia é utilizada aqui como meio, e não como objetivo final.
Admite-se que a Economia do Conhecimento tem um considerável impacto
no funcionamento dos mercados e na eficiência dos serviços governamentais.
Ela capta e representa o valor de tal conhecimento, introduzindo-o como
fator na tomada de decisões. Trata-se de uma nova visão da economia. E
economia está passando por mudanças dramáticas. Economistas, intelectuais
e pesquisadores se reúnem para definir quais poderiam ser os elementos de
uma sociedade melhor para as futuras gerações. O conhecimento passa a ser
um objetivo.
Pode-se perceber o valor agregado pela Economia do Conhecimento nos
esforços para se captar, analisar, disseminar e avaliar o conhecimento
(institucional, cultural, indígena, etc.) e retroalimentar os investimentos em
desenvolvimento e as próprias comunidades. Não se trata apenas da
produção e melhora de conhecimento local, mas também da importação do
conhecimento produzido em regiões desenvolvidas, que poderia ser
adaptado às condições locais.
230
Economia do Conhecimento – Tecnologia e Inovação
Já se afirmou que a economia da tecnologia não se constitui num objetivo em
si, mas uma abordagem, não se trata de fazer coisas diferentes, mas as mesmas
coisas de uma maneira melhor. O conceito nasceu provavelmente quinze
anos atrás, na Finlândia, quando o país sofreu uma grave crise na agricultura.
Os finlandeses decidiram investir simultaneamente em cinco pilares
diferentes: educação, tecnologia da informação e comunicação, inovação,
inclusão social e revisão das políticas institucionais. O ciclo de riqueza
produzido pelos investimentos nesses cinco pilares converteu o conhecimento
numa mercadoria tangível, no coração da nova “economia do conhecimento”.
O objetivo passou a ser aumentar o conhecimento e transformá-lo em moeda
corrente na sociedade do futuro. A Finlândia iniciou esse movimento e os
chamados “tigres asiáticos” (Coreia, Japão e, recentemente, a China) a
seguiram. Prevê-se que o Brasil se tornará uma usina, um centro desse novo
conceito de economia no futuro próximo.
É impressionante observar que as pessoas com deficiência representam um
sexto da população mundial em idade produtiva e que ainda apresentam
maiores índices de desemprego e subemprego, em comparação com as
pessoas sem deficiência. Muitos países estão perdendo a oportunidade de
aproveitar o conhecimento que essas pessoas poderiam produzir, numa
contribuição para a economia do conhecimento. Com a redução da força de
trabalho no mundo, as pessoas com deficiência poderão constituir valiosos
elementos da massa de trabalhadores no futuro.
Há um novo contexto internacional. Recentemente, realizou-se a Convenção
das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, com o
objetivo de promover, proteger e garantir o pleno e equitativo gozo de todos
os direitos humanos pelas pessoas com deficiência. As principais mudanças
sinalizadas na Convenção foram do conceito de bem-estar social para a
questão dos direitos humanos, reconhecendo-se que as barreiras e
preconceitos sociais são, por si só, incapacitantes, e dos aspectos médicos e
individuais da incapacidade para a ênfase no processo de interação da pessoa
com deficiência, suas atividades, condições de saúde e fatores contextuais.
A Convenção focalizou tópicos específicos: acessibilidade, mobilidade
pessoal, saúde, educação, emprego, habilitação e reabilitação, participação
na vida política e social, igualdade e não discriminação.
Eis a conexão proposta entre a Economia do Conhecimento e as pessoas com
deficiência: os instrumentos usados pela Economia do Conhecimento podem
231
Economia do Conhecimento – Tecnologia e Inovação
ajudar muito em questões de acessibilidade, mobilidade pessoal, saúde e
educação, emprego, participação na vida política e social, enfim, nos tópicos
centrais da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com
Deficiência. A ótica da Economia do Conhecimento pode conferir um sentido
econômico à inclusão das pessoas com deficiência na sociedade.
Por que a Economia do Conhecimento seria relevante para essa fonte
represada de recursos, das pessoas com deficiência? As pessoas com
deficiência constituem um setor da sociedade cujas capacidades especiais e
conhecimentos específicos permanecem represados e cujo potencial para
contribuição com o crescimento econômico e social é subestimado. Elas
podem participar da geração, gerenciamento, utilização e transmissão dos
conhecimentos.
No novo contexto internacional, a tecnologia da informação e comunicação
pode ser uma interface fundamental entre as pessoas com deficiência e seu
ambiente. A inovação está na base da pesquisa e desenvolvimento da
tecnologia da informação e comunicação. Uma melhor interface significa uma
melhor inclusão social. A inclusão requer alterações sociais e revisão de
políticas e a maior inclusão social significa maiores possibilidades de melhor
educação formal e informal. As vantagens de uma aplicação sinóptica da
Economia do Conhecimento às necessidades das pessoas com deficiência
são evidentes. Em outras palavras, trata-se de um círculo virtuoso da
Economia do Conhecimento e da participação das pessoas com deficiência
nessa nova economia.
Mais de seis milhões de crianças têm um diagnóstico de deficiência nos EUA
e são elegíveis para um programa de educação especial. A tecnologia da
informação e comunicação poderia amenizar esse problema. Nos EUA, 29%
dos estudantes com deficiência apresentam alguma deficiência no
aprendizado, especialmente aqueles que não têm pleno acesso ao conteúdo
da internet. Às vezes, os websites criam barreiras para as pessoas com
deficiência, o que constitui um tipo de discriminação. O mesmo vale para as
oportunidades de trabalho. A tecnologia da informação e comunicação pode
melhorar as oportunidades de vida independente, facilitar uma maior
autonomia e aumentar a integração social ao dar acesso à comunicação,
educação e aprendizado informal, abrindo oportunidades na nova Economia
do Conhecimento.
232
Economia do Conhecimento – Tecnologia e Inovação
Vale destacar que estar fora da internet significa falta de informações,
reforçando padrões de desigualdade. O acesso à internet representa uma
porta para o emprego e desencadeará reformas no mercado de trabalho.
É claro que, nesse processo de transformação, é preciso realizar certas ações,
em nível de iniciativas governamentais, educacionais, modificações
institucionais, iniciativas de desenvolvimento econômico e apoio às pesquisas
necessárias. Para cada um desses itens, há uma variedade de ações que
precisam ser tomadas para conformar a sociedade de forma que ela se adapte
às prioridades da Economia do Conhecimento.
Em relação às iniciativas institucionais, é fundamental instituir políticas e
desenvolver melhores práticas que facilitem o envolvimento das pessoas com
deficiência nas equipes que desenvolvem e testam as tecnologias. As pessoas
com deficiência devem ser o ator principal, devem estar envolvidas desde o
princípio nessas ações. O mesmo vale para as iniciativas de desenvolvimento
econômico e para o apoio às pesquisas necessárias.
Assim, essas ações estão diretamente ligadas à proposta de criação de um
Centro de Excelência em Inovação e Tecnologia em favor das pessoas com
deficiência (CEIT-D), em São Paulo, de âmbito e alcance internacionais, capaz
de levar adiante todas as ações identificadas anteriormente. Trata-se de uma
proposta aberta às sugestões e contribuições de todos.
A justificativa para a criação do centro é clara: em áreas novas e inovadoras
de aplicação tecnológica, a inclusão social de pessoas com deficiência e a
compreensão de suas necessidades tornam-se muito relevantes,
especialmente nos países em desenvolvimento, com recursos econômicos
limitados, baixo grau de instrução e assimilação limitada da tecnologia. As
pessoas sem deficiência já encontram dificuldades para liderar a
transformação da Economia do Conhecimento; para as pessoas com
deficiência, é ainda mais difícil tornar-se parte dessa transformação. Assim,
o papel do centro seria torná-las protagonistas do processo.
O centro atenderia às necessidades da Economia do Conhecimento e
permitiria que as pessoas com deficiência tivessem acesso a informações do
mercado, exigissem melhores serviços, recebessem educação e adquirissem
novas habilidades para aumentar sua empregabilidade na sociedade baseada
na Economia do Conhecimento.
233
Economia do Conhecimento – Tecnologia e Inovação
A propósito, já estamos numa Economia do Conhecimento, não é algo que
está prestes a ocorrer, mas já está presente. Aqueles cinco pilares que
mencionamos já são uma necessidade. Precisamos de melhor educação,
inclusão social, maior acesso à tecnologia. Precisamos promover a inovação,
que por sua vez necessita de um ambiente legal que permita produzir essas
modificações.
O CEIT-D teria três linhas de ação: inovação industrial para necessidades
especiais, um mercado de trabalho inovador para necessidades especiais e
adaptações sociais e de infraestrutura para a integração das pessoas com
deficiência. A lista das suas atribuições está em aberto, aguardando as
contribuições de todos, mas já inclui a identificação de adaptações na interação
entre as pessoas com deficiências e a sociedade como um todo, incluindo os
aspectos de moradia, infraestrutura, serviços públicos, comunicação social,
etc.
As prioridades técnicas do centro, com base na literatura pesquisada, seriam
o desenvolvimento de tecnologias básicas e aplicadas (microeletrônica,
optoeletrônica, tecnologia de materiais, engenharia mecânica e de produção,
reabilitação e engenharia biomédica) relevantes para as deficiências.
O ideal é que o centro seja, inicialmente, um programa especial da Secretaria
de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência do Governo do Estado de
São Paulo. Com base nos resultados, seria institucionalizado como um centro
independente.
Klaus-Peter Wegge: Os desafios e oportunidades representados pelo desenho
universal e pela acessibilidade aplicam-se muito bem aos conceitos de
Economia do Conhecimento, pois é cada vez mais desejável que os produtos
da indústria sejam acessíveis e úteis para a maioria ou para todas as pessoas.
A Siemens atua no mercado global e, de maneira relativamente similar à de
muitas outras empresas de grande porte, precisa incorporar o design acessível
à produção de maneira eficiente, compreender a situação atual, as
perspectivas futuras e os avanços nesse campo.
Bjarne Stroustrup, um famoso cientista da computação, disse certa vez: “Eu
sempre quis que o meu computador fosse tão fácil de usar quanto um telefone.
Esse desejo se realizou, pois já não sei mais como usar o meu telefone.”
234
Economia do Conhecimento – Tecnologia e Inovação
Na maioria dos países europeus, na América do Norte, no Japão e,
possivelmente, também na América do Sul, observa-se um envelhecimento
da população (os países europeus estão adiante do Brasil nesse processo). O
número de pessoas com mais de 65 anos na população está aumentando, as
pessoas estão vivendo mais e têm menos filhos. A sociedade está
envelhecendo e é preciso enfrentar os problemas decorrentes desse fato.
Em relação às deficiências na população, observamos que, nos dados alemães,
65% das pessoas têm mais de 60 anos. As causas para uma deficiência, em
83% dos casos, é uma doença ou lesão. Muitas dessas deficiências não se
instalam subitamente, mas desenvolvem-se lentamente, com o
envelhecimento.
Do ponto de vista da empresa, o conceito de acessibilidade é dividido, de
maneira simplificada, em vários tipos de clientes. No primeiro grupo estão
os consumidores, que compram um produto para si próprios, procuram a
melhor solução para a sua situação individual: utensílios domésticos,
telefones celulares ou sem fio, sistemas de navegação, etc. O segundo tipo
de cliente é representado por autoridades públicas e prestadores de serviços
que fornecem soluções para todos, portanto, é preciso incorporar o conceito
de acessibilidade aos produtos que esses clientes procuram, como serviços
de internet, programas, caixas automáticos de bancos, transporte público,
etc. Outro grupo é formado pelas pessoas com necessidades especiais que
precisam de itens de tecnologia assistiva, como aparelhos auditivos e outros
dispositivos. O quarto grupo é formado por pessoas com deficiências que
trabalham. O ambiente de trabalho precisa ser operado de maneira muito
eficiente, porque o mercado é competitivo e essas pessoas não podem ficar
para trás.
Para o primeiro grupo, a Siemens tem dispositivos de uso doméstico com
itens de acessibilidade, como comandos de voz, opções automatizadas, etc.
No segundo, por exemplo, a empresa produz trens com itens de
acessibilidade, como plataformas de acesso para cadeirantes, etc., No terceiro,
sistemas de rastreamento ocular, teclados especiais, etc. Por fim, a Siemens
tem aplicações que utilizam um sistema operacional “Linux acessível”.
O design acessível baseia-se na ampliação do design convencional para pessoas
com algum tipo de limitação de desempenho, de forma a aumentar ao
máximo o número de possíveis clientes que poderiam utilizar prontamente
o produto, construção ou serviço, de acordo com a ISO/IEC uma organização
235
Economia do Conhecimento – Tecnologia e Inovação
internacional de padronização. Essa definição envolve o próprio objetivo
das empresas: aumentar ao máximo o número de possíveis clientes. Há três
estratégias para criar acessibilidade: desenvolver um “design para todos” ou
para a maioria das pessoas, sem modificações do produto; desenvolver um
design com fácil adaptação para diferentes usuários, que permita configurar
o produto a diferentes necessidades; e, se as primeiras opções não forem
suficientes, desenvolver um design que permita a pronta conexão com
dispositivos assistivos.
Outro aspecto importante é o dos custos. A acessibilidade não deve aumentar
dramaticamente o custo dos produtos. A Siemens criou um Centro de
Competência em Acessibilidade. Não se trata de uma criação exclusiva;
muitas empresas estão seguindo a mesma estratégia. A tarefa desse tipo de
centro é participar desde o início da criação do design de um produto. Nesse
estágio, é muito mais fácil obter acessibilidade, com uma excelente relação
custo-efetividade. Se o produto já estiver quase pronto ou já estiver pronto,
qualquer mudança implicará grandes aumentos de custos. Assim, o processo
de treinamento é feito dentro da própria empresa. Há engenheiros
especializados em acessibilidade, mas não se pode esperar que os mais de
trezentos mil engenheiros que trabalham para a empresa sejam especialistas
em acessibilidade. Portanto, eles necessitam de informações básicas, de forma
que a acessibilidade se torne autoevidente, seja parte da qualidade do
produto.
Estão sendo incorporados à equipe especialistas em diferentes tipos de
incapacidade. Além disso, há um processo de aprendizado a partir das
informações dos próprios usuários. Para isso, são realizadas exposições e
conferências, os usuários participam de projetos de pesquisa e
desenvolvimento e promove-se a cooperação com organizações de pessoas
com deficiência e fornecedores de tecnologia assistiva. Esse contato é feito
preferencialmente quando um produto está sendo desenvolvido, não
necessariamente fabricado.
É muito importante que a acessibilidade como estratégia da empresa seja
definida como uma meta. A própria direção central da empresa divulgou
oficialmente um documento de compromisso corporativo com o design
universal e a acessibilidade. Para atingir essa meta, é necessário que haja
uma coordenação interna e troca de informações. O Centro de Competência
em Acessibilidade é o parceiro de contato com os órgãos reguladores e as
236
Economia do Conhecimento – Tecnologia e Inovação
associações da indústria. Nesse contexto, é crucial a contribuição de
organizações como a ISO ou a CEN/CENELEC para uma padronização na
acessibilidade. Por fim, é preciso também lidar com as solicitações e queixas
dos usuários.
É um grande erro considerar as pessoas com deficiências um único grupo de
consumidores. O mesmo vale para as pessoas idosas. Os idosos constituem
um grupo muito heterogêneo. Esse grupo de consumidores precisa ser muito
bem informado sobre as diferentes possibilidades dos produtos. Os
revendedores precisam ser informados para fazer uma boa orientação aos
seus clientes. O mesmo vale para os arquitetos e os técnicos que instalam os
produtos. Um erro de instalação pode tornar o produto inacessível. O cliente
deve ser orientado e muitas vezes treinado no uso do produto, com material
de instrução apropriado. É preciso levar em conta quem toma a decisão de
comprar o produto e a quem o produto se destina. A usabilidade de um
produto é percebida de maneira muito individual, dependendo da idade, da
experiência, do treinamento ou grau de limitação. Todas essas considerações
são válidas também, de maneira individualizada, para as pessoas debilitadas.
É interessante observar que as necessidades das pessoas idosas e das pessoas
com diferentes tipos de deficiência são quase as mesmas em todos os países,
e as empresas produzem para um mercado global. Contudo, há definições e
termos incompatíveis entre si, diferentes regulamentos nacionais, padrões
nacionais inconsistentes, diretrizes contraditórias e diferentes expectativas
dos usuários. A título de exemplo, em relação às deficiências existem na
Europa oito diferentes padrões nacionais com definições referentes à
acessibilidade.
São relatados a seguir alguns princípios e alguns tópicos a evitar para a
promoção da acessibilidade na indústria. É preciso que não haja desvantagens
para os usuários (a acessibilidade não deve trazer pontos negativos para os
usuários convencionais). Não se pode incorrer em discriminação ou
estigmatização dos usuários. Por exemplo, um telefone disponível no
comércio não deve divulgar que se trata de um produto para pessoas com
deficiência ou para idosos; deve-se dizer simplesmente que o produto é fácil
de usar. Se for divulgado como um produto para idosos, os idosos não vão
comprá-lo e os outros também não. O produto pode ser prontamente
utilizado? Quem paga pela acessibilidade? Trata-se de uma decisão do tipo
sim ou não? O que significa um website acessível? Na Europa, apenas 9% dos
237
Economia do Conhecimento – Tecnologia e Inovação
websites das autoridades públicas são acessíveis. Isso não quer dizer que os
outros 91% dos websites sejam totalmente inacessíveis. Apenas uma pequena
parte deles é completamente inacessível. Na indústria, há sempre a discussão
sobre um “selo de acessibilidade” para os produtos. A indústria prefere a
autodeclaração de conformidade.
Quais seriam os instrumentos para a implementação da acessibilidade?
Primeiramente, é claro, é preciso compradores. Os usuários precisam
descobrir o que atende melhor às suas necessidades. A acessibilidade deve
ser incluída como critério em processos de licitação para órgãos públicos.
Trata-se de uma estratégia iniciada nos Estados Unidos, que agora está sendo
adotada na Europa. Pode não ser a melhor ideia, mas parece ser uma medida
muito efetiva. A conscientização dos engenheiros é outra medida muito
importante. Em muitos casos, há carência de dados científicos. É preciso
ampliar o conhecimento científico de ergonomia em pessoas com deficiências
ou idosos. Os termos, definições, necessidades dos usuários e recomendações
precisam ser simplificados. Por fim, a harmonização internacional é
fundamental. Um exemplo é o documento da ISO, a TR 22411, que apresenta
“dados ergonômicos e diretrizes para aplicação do Guia 71 da ISO/IEC a
produtos e serviços, de forma a atender às necessidades de idosos e pessoas
com deficiências”. O documento fornece muitas informações básicas. Uma
sugestão para o Brasil seria traduzir esse documento antes da padronização
de termos e definições relacionados à acessibilidade. Por outro lado, os
conhecimentos já adquiridos no país poderiam também contribuir para a
elaboração de trabalhos como esse.
A acessibilidade não é responsabilidade de uma empresa ou de uma agência.
Ela está sempre vários anos atrás das tecnologias mais recentes. Portanto, é
preciso criar mecanismos para que a acessibilidade seja incluída tão logo as
tecnologias surjam no mercado. A chamada ambient assisted living (vivência
em ambiente assistido), que está sendo implantada em muitos países, apoia
as pessoas com deficiência e os idosos a permanecerem mais tempo em casa,
criando serviços especiais acessíveis.
Atualmente, o usuário também é responsável pela acessibilidade, pois, com
as novas tecnologias baseadas na internet, todos podem contribuir, publicar
conteúdos na rede e conversar com outras pessoas, o que deve ser feito de
maneira acessível.
238
Economia do Conhecimento – Tecnologia e Inovação
Toda a teoria aqui mencionada torna o problema mais compreensível.
Podemos citar como exemplos práticos vários utensílios de uso doméstico
que “conversam” com o usuário, voltados para as pessoas cegas ou com
baixa visão, mas também para pessoas com comprometimento cognitivo leve.
Uma norma de padronização estabelecida pela Comissão Europeia, o
“decreto 376”, define os requisitos de acessibilidade para a aquisição pública
de produtos e serviços na área de TCI. A ideia é utilizar o poder das
autoridades públicas para a aquisição de produtos acessíveis. O documento
procura harmonizar e facilitar a aquisição pública de produtos e serviços de
TCI acessíveis, por meio da identificação de um conjunto europeu de
requisitos de acessibilidade para essas aquisições e fornecer um mecanismo
de acesso a recursos eletrônicos que permitam aos agentes públicos utilizar
os requisitos harmonizados nos processos de aquisição.
O processo já está formalizado. As normas foram divididas em duas fases e
os dados da primeira delas podem ser acessados na internet. Os resultados
da primeira fase incluem um inventário de produtos e serviços de TCI
adquiridos pelas autoridades públicas, uma lista de requisitos funcionais de
acessibilidade, a identificação de lacunas, para as quais não há definições de
requisitos de acessibilidade, uma lista dos padrões já existentes e uma
proposta para o desenvolvimento de requisitos e critérios de premiação. O
segundo documento disponível é um relato da análise dos testes e esquemas
de conformidade dos produtos e serviços que atendem aos requisitos de
acessibilidade.
Alguns documentos relacionados à padronização dos requisitos de
acessibilidade podem ser encontrados nos seguintes websites:
– Decreto 376 da Comissão Europeia:
http://ec.europa.eu/information_society/activities/einclusion/archive/
deploy/pubproc/eso-m376/index_en.htm
- Relatório Técnico ETSI DTR 102 612: “Fatores Humanos (FH); Requisitos
europeus de acessibilidade para aquisição pública de produtos e serviços
no campo da TCI”
http://portal.etsi.org/stfs/STF_HomePages/STF333/STF333.asp
– Relatório da CEN: “Análise dos testes e esquemas de conformidade de
produtos e serviços que atendem aos requisitos de acessibilidade”
239
Economia do Conhecimento – Tecnologia e Inovação
http://www.econformance.eu/euconformancereport.html
– “Europa Digital” - “Relatório técnico governamental sobre eAcessibilidade”
http://www.digitaleurope.org/fileadmin/user_upload/document/
document1166614008.pdf
– “Europa Digital” - “Manual das Melhores Práticas de Acessibilidade”
http://www.digitaleurope.org/web/news/telecharger.php?iddoc=627
A segunda fase do decreto 376 está sendo iniciada atualmente e desenvolverá
os padrões europeus, que serão baseados em padrões internacionais.
Aguarda-se ansiosamente uma harmonização com as normas norteamericanas e japonesas e, enfim, uma harmonização global nessa área.
Criar acessibilidade às vezes exige pesquisas e os trabalhos descritos nos
websites www.haptimap.org, www.monami.info, www.easylineplus.com e
www.i2home.org são alguns exemplos de esforços nesse sentido.
Para finalizar, um exemplo de produto que não foi inicialmente desenvolvido
para pessoas com deficiência e cada vez mais é utilizado por elas. Trata-se de
um sistema de navegação portátil, muito pequeno, com um sistema completo
de síntese de voz e controle por voz. Assim, pode ser totalmente operado
por voz. Já está no mercado de alguns países europeus e é excelente para
cegos. Além disso, é um rádio e reproduz arquivos de áudio. É um dispositivo
voltado para o público em geral, que também tem recursos de acessibilidade.
Há muito que fazer. É preciso deixar de discutir e tornar a acessibilidade
uma realidade. É preciso pensar na acessibilidade como um critério de
qualidade, não somente para pessoas com deficiência, mas que pode ajudar
a todos.
David Andrés Rojas: A Trust for the Americas é uma ONG afiliada à
Organização dos Estados Americanos, que tem trabalhado em diferentes
programas na região, procurando reduzir a pobreza e proporcionar mais
oportunidades às comunidades carentes. Quase oito anos atrás, a Trust
começou a aprender, com base em outros programas, como melhorar o
processo de inclusão das pessoas com deficiência. Depois da Convenção
Latino-Americana contra qualquer tipo de discriminação de pessoas com
240
Economia do Conhecimento – Tecnologia e Inovação
deficiência, a Trust começou a desenvolver instrumentos e programas, para
descobrir como a tecnologia poderia servir de instrumento de inclusão.
Em 2004, com um projeto-piloto realizado na Guatemala, começou o
programa POETA – Programa de Oportunidades para o Emprego por meio
da Tecnologia nas Américas. O programa atualmente está sendo executado
em 18 países, com o objetivo principal de proporcionar às pessoas com
deficiência acesso e treinamento no uso de tecnologias da informação (TI),
aumentando seu nível de educação, seu acesso ao trabalho e sua participação
nas atividades da comunidade.
O projeto-piloto iniciado em 2004 contou com a participação de dois centros
na Guatemala e basicamente um doador: a Microsoft. Nesses cinco anos, o
programa foi aperfeiçoado, com a experiência de outros, criando parcerias e
aprendendo nos diferentes países em que atua. Atualmente, são 18 países,
praticamente 81 centros e uma carteira de doadores que inclui a Microsoft, o
Banco Interamericano de Desenvolvimento, a Agência de Cooperação do
Canadá, a Hewlett-Packard e agências governamentais locais. Já foram
treinadas mais de 28 mil pessoas nos centros do programa POETA e quase
110 mil pessoas utilizaram os seus centros. A taxa de colocação póstreinamento, atualmente, é de 17%. Os centros do POETA promovem a
inclusão e o objetivo é criar um ambiente solidário.
O programa evolui com base no aprendizado obtido com diferentes práticas
e na percepção do que ocorre fora do seu campo de ação, especialmente em
termos de compreender as tendências globais. A participação de um evento
como este, para compartilhar o conhecimento adquirido, é um passo
importante. Até 2004, o programa promoveu a acessibilidade em telecentros,
em diferentes países, procurando incluir as tecnologias assistivas para facilitar
a inclusão de pessoas com deficiência numa tendência comum na criação de
telecentros na região. Naquela época, os governos procuravam reduzir a
desigualdade digital. Começou-se então a perceber que, além de reduzir a
desigualdade digital, era importante reduzir a desigualdade de aprendizado,
sobre como utilizar a tecnologia. Esse foi o principal objetivo dos telecentros.
O objetivo não era apenas ter acesso a computadores, mas aprender a usálos.
Entre 2004 e 2006, percebeu-se que o papel do POETA não era apenas procurar
patrocinadores, mas capacitar essas instituições para que elas possam prestar
melhores serviços às suas comunidades e criar meios inovadores de engajar
241
Economia do Conhecimento – Tecnologia e Inovação
seus governos e empresas do setor privado. Assim, os telecentros tornaramse um instrumento mais útil para conscientizar o público quanto à inclusão.
Passou-se de um nível local, com trabalhos na Guatemala ou El Salvador,
para um nível regional: 8 países em 2006, 12 países em 2007 e assim por
diante, até chegar a 18 países em 2009.
Em 2007, percebeu-se que o papel do POETA não deveria ser trabalhar
isoladamente, mas em conjunto com os três setores da sociedade: o setor
privado, o governo e a sociedade civil. Os três setores juntos podem criar
melhores soluções. Naquele momento, a abordagem mais inovadora passou
a ser o estabelecimento de parcerias. Passou-se do nível regional para o nível
hemisférico, observando-se o padrão em toda a América Latina. Outras
iniciativas foram reconhecidas. A “Década das Deficiências” foi um bom
momento para esse trabalho.
Em 2008, percebeu-se a importância da informação. As tecnologias da
informação e comunicação já eram usadas como um importante instrumento
de trabalho, mas começou-se a compreender o poder da informação para
acelerar o processo. Compartilhar informações tornou-se um tópico central.
As novas tendências de relações entre as organizações, inclusive as redes de
relacionamento, tornaram-se importantes nas ações do POETA. Já não se
pensava em trabalhar num país isoladamente, mas em compartilhar as
informações. Atinge-se assim o nível global de atuação.
Uma ONG como o POETA prevê um grande potencial na criação de um
centro de excelência e inovação em pesquisas sobre pessoas com deficiência,
especialmente no Brasil, que pode aproveitar o comprometimento político
deste momento, o empenho da Secretaria Estadual da área. O Brasil pode
beneficiar-se de ser uma economia emergente, podendo tornar-se a ponta
do iceberg de muitas mudanças. O Brasil pode aproveitar o melhor do mundo
desenvolvido e do mundo em desenvolvimento.
Há ainda uma coalizão pela responsabilidade social, não somente nas relações
com o setor privado, mas também em nível governamental, o que não ocorre
em muitos outros países. No Brasil, o setor privado pode imediatamente
tomar parte nessa parceria. Do ponto de vista tecnológico, o Brasil tem
apresentado muitas inovações tecnológicas e de pesquisas.
Considerando-se a experiência do POETA, algumas recomendações poderiam
ser apresentadas. Primeiramente, é importante determinar um claro plano
242
Economia do Conhecimento – Tecnologia e Inovação
de ação, com instrumentos de monitoramento e evolução. Num projeto
realista, é preciso saber como medir os avanços. Utilizar muito bem as
informações disponíveis é fundamental, não somente para pessoas com
deficiência, mas para as organizações em geral. Os governos procuram um
melhor uso das informações e elas valem ouro hoje em dia. Elas podem pôr
em marcha muitas ações, promover muitas parcerias em ações que, de outra
maneira, seriam realizadas pelo setor privado e pelo setor público
separadamente. Numa economia emergente, é importante conectar a infraestrutura global e regional ao conhecimento local. Pode-se observar o que há
lá fora, as necessidades ou vantagens nas tendências internacionais,
especificamente na área da acessibilidade para pessoas com deficiência, em
termos de treinamento e inclusão cultural e social.
É recomendável utilizar os melhores recursos disponíveis para a colaboração
“em tempo real”, com a web 2.0, que permite maior interação. O importante
é utilizar os instrumentos que permitam engajar os diferentes usuários. Todos
os participantes devem ser engajados no trabalho. Não se trata de um trabalho
governamental ou do setor privado ou do terceiro setor isoladamente. É
preciso aproveitar as vantagens de todos os setores no desenvolvimento do
centro, sua experiência e orientações, de forma que os resultados sejam
observados mais rapidamente.
Podem-se utilizar outras iniciativas já disponíveis, como a G3ict, a Década
das Deficiências nas Américas, etc. A ideia é trabalhar em conjunto para se
obter um resultado melhor. Outro ponto é a sistematização das melhores
práticas. Às vezes, começamos a trabalhar mas nos esquecemos de
sistematizar como as informações podem ser compartilhadas. A tecnologia
pode facilitar esse trabalho, com kits de instrumentos que permitem criar
um verdadeiro banco de dados, que pode ser útil para o setor privado (na
inclusão de pessoas com deficiência e nos seus produtos e serviços), para o
governo (na promoção da inclusão entre as pessoas com deficiência ou na
comunidade em geral) e para o terceiro setor (para subsidiar os criadores de
políticas com informações consistentes).
É preciso compreender o novo mercado com o qual interagem as pessoas
com deficiência. Para isso, devem-se repensar as estratégias, num mercado
com grande potencial. As pessoas com deficiência não devem ser encaradas
como um mercado isolado, mas podem apresentar muitas vantagens, de
muitas formas. O centro de inovação pode ser um processo para conceber
243
Economia do Conhecimento – Tecnologia e Inovação
ideias, combiná-las, incubá-las e produzir resultados. Não se trata apenas de
uma ideia, mas de uma realidade. Basta pensar no que já está disponível e
incorporar esses recursos em soluções que facilitem a inclusão de pessoas
com deficiência.
Pedro Primo Bombonato: Vivemos num mundo com crescente demanda
por conhecimento, no qual a perspectiva de poder tem mudado bastante. O
poder já não está na mão de governos e pessoas; ele se estabelece onde o
conhecimento e a informação estão baseados. Nesse sentido, o conhecimento
passa a ser um propulsor do desenvolvimento econômico e social. Numa
das encíclicas papais de Paulo VI, há uma expressão que marca a nova
perspectiva do entendimento do papel da ciência, da tecnologia, da pesquisa
e da inovação no mundo moderno: “o novo nome para o desenvolvimento é
a paz.”
Nesse contexto, algumas mudanças de paradigma são importantes. Sabemos
que o capital humano é essencial para a pesquisa e a inovação. No entanto,
essa posição deve ser estudada com outros aspectos e com a inclusão de
uma série de outras variáveis, que efetivamente possibilitam que a pesquisa
e a inovação se tornem produtos, processos e sistemas acessíveis.
Vivemos particularmente num Estado em que os números são muito grandes.
Entender o Estado de São Paulo é entender uma grande nação, com grande
diversidade cultural. O Estado de São Paulo tem como capital humano cerca
de um milhão e meio de estudantes de nível superior, possui 73 universidades
e centros de pesquisa, utiliza cerca de 13,5 bilhões de reais no processo de
desenvolvimento científico e tecnológico, consome anualmente cerca de 4.500
a 5.000 doutores que ingressam no mercado de trabalho, é responsável por
43% da produção científica brasileira, por mais de 30% da produção de
doutores e mestres no Brasil. Esse capital humano é responsável pelo
desenvolvimento de produtos, processos, sistemas, serviços e mecanismos
que tornam a nossa vida mais plausível.
O capital humano foi um conceito introduzido na década de 1950 por
Theodore Schultz, com uma perspectiva muito importante, que deve ser
ponderada ao se tratar de um centro de inovação, particularmente em São
Paulo. Formar pessoas capazes de propor soluções, de gerar conhecimento e
criar é realmente muito importante, contudo existem vários outros elementos
244
Economia do Conhecimento – Tecnologia e Inovação
tão importantes quanto o chamado capital humano, que chamamos de
“capitais intangíveis”. Quando examinamos a ciência e a tecnologia, devemos
também incorporá-las. Os capitais intangíveis estão ligados às instituições,
às organizações, o chamado “capital sinérgico” (os ambientes nos quais se
produzem as articulações entre os diferentes capitais, capazes de produzir
ciência e conhecimento), o chamado “capital social” (que busca a cooperação
entre diferentes grupos, as ações coletivas) e, finalmente, o “capital humano”,
essencialmente positivo e importante para o desenvolvimento da ciência e
da tecnologia.
Um dos maiores problemas das políticas do Estado, que não seria
propriamente um erro, mas uma visão míope da produção do conhecimento
para a criação de produtos e sistemas acessíveis, é considerar que a simples
transferência de recursos seria suficiente para suportar o processo. Não
adianta fazer a transferência de recursos financeiros, sem que haja capital
humano habilitado a recebê-los. Não adianta ter um grande centro de
acessibilidade, que disponha de equipamentos de última geração, de alta
complexidade, se as pessoas não forem capacitadas a utilizá-los. A tendência
das estruturas de governo, normalmente, é oferecer dinheiro e equipamento,
esquecendo-se do capital humano e do capital intangível. Não apenas os
governos incorrem nesse equívoco; as empresas também têm essa perspectiva.
No setor empresarial, segundo uma equação utilizada até pouco tempo atrás,
para o empresário ter sucesso era necessário buscar o máximo lucro e o
mínimo custo. Com isso, conseguiria sucesso. Ao aplicar essa formulação, os
produtos e processos com adaptações para pessoas com deficiência eram
relegados a um plano secundário, pois não trariam sucesso. Num segundo
instante, outro modelo de equação se impôs: o sucesso estaria representado
pelo somatório do capital humano, dos capitais intangíveis e dos capitais
variáveis (de acordo com Theodore Schultz, eles seriam representados pelas
questões salariais e outras). As formulações dessas duas equações já não
satisfazem mais. Há necessidade de outro modelo, que estabeleça a
acessibilidade pelo desenvolvimento de novas pesquisas científicas e
tecnológicas. Pode-se dizer que, nessa nova equação, o capital humano seria
potencializado e somado aos capitais intangíveis, ao capital fixo (representado
pela materialidade, pela instrumentação) e ao capital variável (os salários).
Por que o deficiente tem um salário menor que a pessoa sem deficiência? A
nova equação do mundo empresarial introduz a questão da inovação e de
como a inovação pode ajudar a tornar o mundo mais acessível. Na verdade,
245
Economia do Conhecimento – Tecnologia e Inovação
na equação ideal a inovação, a pesquisa científica e o desenvolvimento
tecnológico garantirão maior competitividade e, quando aplicados em
benefício das pessoas com deficiência, serão inversamente proporcionais às
práticas de políticas inadequadas. Estas últimas distanciam a pesquisa e a
inovação dos mecanismos que possam promover a acessibilidade.
Diante dessa nova realidade, é preciso construir uma nova agenda para a
tecnologia do conhecimento. O setor empresarial começa a perceber que essa
equação está mudando. A nova agenda passa pela percepção de uma série
de ações que precisam se adotadas diante da mudança de paradigma do
setor empresarial, do setor governamental e das pessoas que desenvolvem
ciência e tecnologia no país. É preciso compreender que o modelo de
financiamento do governo para a ciência e tecnologia em geral, não somente
aquelas voltadas para as pessoas com deficiência, está chegando à exaustão.
No Estado de São Paulo, o gasto anual é de cerca de 13,5 bilhões de reais
para a ciência e a tecnologia. É preciso construir um novo modelo, com a
participação do setor empresarial, do setor privado, no desenvolvimento
tecnológico e científico. É preciso também adotar uma política seletiva
responsável, que não se limite à transferência de recursos, mas seja alicerçada
na formação do capital humano, capaz de receber e incorporar os recursos
financeiros, transformando-os em algo importante. Em terceiro lugar, é
preciso compreender que a sustentabilidade é uma necessidade social. Sem
compreender esses três novos princípios, não será possível construir uma
nova agenda para a economia do conhecimento.
É preciso aumentar o risco das pesquisas. Atualmente, pesquisamos e
desenvolvemos produtos com público garantido. Desenvolver produtos,
sistemas e processos para pessoas com deficiência, ao empresário, causa uma
grande interrogação. É preciso incentivar o setor privado e o setor público
que desenvolve ciência e tecnologia a aumentar os riscos, focalizando as
questões, os conflitos, as divergências. Para cada ação proposta e planejada,
é preciso construir um instrumento.
Para a proposta de um centro de inovação e tecnologia para o
desenvolvimento de produtos, processos e sistemas para pessoas com
deficiência, é preciso ter instrumentos adequados, para o seu estabelecimento
de fato. É uma regra básica de planejamento: para cada item planejado, é
preciso ter um instrumento. É necessário contar com um instrumento que
promova a instalação desse centro no Estado de São Paulo. Por fim, é preciso
246
Economia do Conhecimento – Tecnologia e Inovação
adotar ações que forcem a transferência de tecnologia. De nada adianta obter
conhecimento, se ele não chegar às pessoas que têm necessidade dele. O
conhecimento, por si só, não tem o poder da transformação; ele somente tem
esse poder quando é transferido e atinge as pessoas que têm essas
necessidades. Assim, é preciso analisar uma questão importante na economia
do conhecimento: o chamado “custo da oportunidade”. Trata-se de perceber
o quanto cada um dos atores (setor privado, órgãos governamentais e
sociedade civil organizada) contribuirá com trabalho, recursos financeiros,
investimento e suporte para a criação dessa nova proposta de crescimento.
O suporte governamental, nesse processo, passa pela construção de um marco
regulatório – legislações que permitam o estabelecimento desse novo modelo
da economia do conhecimento – e também, ainda que chegando ao estado
de exaustão, pelo financiamento destas ações. Independentemente de
qualquer ideologia política, todos devem concordar que o governo é um
excelente indutor de ações, mas um péssimo mantenedor das mesmas ações.
A indução de um modelo em que pesquisa e tecnologia possam chegar às
pessoas com deficiência é uma tarefa do Estado, não somente com a
formulação do marco regulatório, mas também com o financiamento.
Os ambientes econômicos, políticos e legais são algumas condições
importantes para que a ideia frutifique. Nós estamos vivendo um instante
desse no país. As pessoas começam a perceber que ciência e tecnologia não
são um custo social, mas um investimento social. A melhoria da vida das
pessoas passa necessariamente pelas universidades e institutos de pesquisa.
A roupa que utilizamos, o carro com o qual nos deslocamos, a comida que
comemos, a forma como trafegamos, tudo isso em algum instante passou
por um laboratório de pesquisa. Atualmente, a percepção social da
importância da pesquisa e do desenvolvimento científico já é notória.
No instante em que se propõe a pesquisa, a inovação e a necessidade de uma
nova construção para o conhecimento, especialmente voltado para atender
às pessoas com deficiência, lembramos da história de uma fazendeira, que
estava muito perturbada com a presença de um ratinho na casa grande. O
ratinho a infernizava e, certo dia, ela resolveu acabar com o ratinho. Foi à
cidade, comprou algumas ratoeiras e espalhou-as pela casa. Quando o ratinho
viu que a casa estava cheia de ratoeiras, ficou muito abalado e saiu pela
fazenda desesperado, gritando por ajuda. O primeiro animal que encontrou
foi uma galinha. Explicou que a fazendeira havia colocado ratoeiras na casa
247
Economia do Conhecimento – Tecnologia e Inovação
grande e que precisavam fazer alguma coisa. A galinha respondeu que nunca
havia visto uma ratoeira pegar uma galinha; que aquele não era um problema
dela. Deu as costas ao ratinho e foi-se embora. Muito aborrecido, preocupado,
desgastado e ansioso, o ratinho encontrou o porquinho e comentou o que
estava acontecendo. O porquinho também respondeu que aquele não era
um problema dele. O mesmo aconteceu com a vaca Mimosa, que também
ponderou que aquele não era um problema dela. Sem sucesso, o ratinho
voltou para a sua toca e, no meio da noite, ouviu-se um estalo na sala da casa
grande. A fazendeira acordou alegre, achando que havia conseguido pegar
o rato. Para seu azar, não era o rato, mas uma cobra, que a picou. Ela ficou
preocupada, mas voltou a dormir. Na manhã seguinte, apresentou febre e
dores pelo corpo. O marido pensou que um bom remédio para aquele estado
era uma canja de galinha. Foi até o quintal, matou a galinha e fez a canja.
Não adiantou nada, a região da picadura piorava dia após dia. Os vizinhos
perceberam o estado da fazendeira e foram ajudá-la. O fazendeiro,
reconhecendo a solidariedade dos vizinhos, resolveu servir a eles um almoço.
Matou o porquinho, assou-o e serviu uma boa refeição aos seus vizinhos.
Afinal, descobriu-se que a cobra era venenosa e a fazendeira acabou
morrendo. Como é hábito em algumas cidades do interior, o funeral recebeu
muitas pessoas que vieram de longe e se arrastou por muito tempo, até que
o fazendeiro resolveu matar a vaca Mimosa para servir aos parentes e amigos
que vieram para o funeral. Assim, quando alguém disser que há uma ratoeira
na casa grande da fazenda, o problema não é somente do ratinho, mas de
todos nós. Ciência e tecnologia para pessoas com deficiência é um problema
para todos aqueles que fazem ciência e tecnologia. Ou se muda o paradigma
atual ou não sairemos da inércia e do processo medonho de discriminação e
exclusão das pessoas com deficiência.
Fernando Botelho:
O Sr. Fernando relata ter trabalhado nos Estados Unidos por muitos
anos (no setor privado e em uma ONG), na Suíça (em uma agência das
Nações Unidas e num banco multinacional) e agora no Brasil, como
consultor. No seu trabalho em Genebra, no Centro de Comércio
Internacional, a diretoria da organização percebeu que era a primeira
vez que viam uma pessoa com deficiência exportando serviços. Sugeriram
que ele buscasse outros exemplos, em países da América Latina. Pediram
248
Economia do Conhecimento – Tecnologia e Inovação
que ele identificasse vinte exemplos. Depois de passar pela Costa Rica,
El Salvador, Peru, Equador, Argentina e Brasil, levantou 144 exemplos.
Esses exemplos enfatizaram um questionamento: por que não há mais
profissionais com deficiência em atividade no mercado de trabalho?
Percebeu-se um potencial enorme de empregabilidade, mas para que se
realize esse potencial é essencial que haja oportunidades educacionais,
acessibilidade à tecnologia adequada, etc. É claro que o problema não
pode ser simplificado, responsabilizando-se exclusivamente a falta de
acesso à tecnologia. Como todo problema social sério, seja a pobreza ou o
desenvolvimento econômico, não há uma causa isolada. Assim, entre
causas políticas, sociais e econômicas, há também uma causa tecnológica.
Nos países em desenvolvimento, 99% das mulheres com deficiência são
analfabetas e 90% das crianças com deficiência visual não têm acesso à
educação (não se trata de uma educação inferior, mas de nenhum acesso à
educação). Nos Estados Unidos, dois terços das pessoas com deficiência que
querem trabalhar não conseguem emprego. O dado não é apenas atual, nesta
época de crise, mas está estável há mais de dez anos. Na Suíça, 70% das
pessoas com deficiência não conseguem emprego. Portanto, há uma falha e
ela não se deve à falta de dinheiro, pois os dois países citados possuem muitos
recursos. Certamente, os recursos financeiros poderiam ser usados mais
efetivamente e seriam necessários mais recursos para melhorar o trabalho,
mas é preciso pensar também em mudanças estruturais, na forma de trabalho,
em como se incentiva a cooperação entre os setores da sociedade e o
desenvolvimento tecnológico.
Numa comparação entre os anos de 1997 e 2006, com valores corrigidos
quanto à inflação, os preços do programa leitor de tela mais vendido no
mundo aumentaram mais de 20%, enquanto os preços do computador básico
de boa marca caíram mais de 80% no mesmo período. Percebe-se assim que
o grande obstáculo está nos programas, e não no hardware. O foco desta
comparação é na área de tecnologias assistivas para a deficiência visual, mas
o mesmo se aplica às deficiências motoras. O hardware às vezes pode até ser
genérico (de uso geral, para outras finalidades), mas o programa pode ser
uma limitação. Mesmo quando o programa é doado e utilizado no ensino de
um jovem com deficiência, quando este procurar um emprego, precisará
tornar-se altamente competitivo e encontrar o emprego em grandes empresas,
pois uma empresa pequena provavelmente não poderá comprar o programa.
Assim, em vez de gerar uma situação de auto-suficiência, o programa gera
249
Economia do Conhecimento – Tecnologia e Inovação
dependência. Aquela doação “amarra” a criança a uma coleção de
conhecimentos específicos, que depois não a ajudam, a não ser nos poucos
casos (1% a 5%) de pessoas cegas que têm acesso à tecnologia de que
necessitam e podem competir no mercado de trabalho.
Outras restrições importantes são a impossibilidade de instalação em vários
computadores, impedindo o seu uso em estágios – uma das maneiras mais
efetivas de uma pessoa com deficiência mostrar que é competitiva, produtiva,
e de se educar o empregador.
Em relação à vulnerabilidade financeira, já se mencionou a situação de uma
solução que a pessoa com deficiência, sua família ou seu empregador não
conseguem comprar. Depender de caridade geralmente não é uma boa
estratégia. Entretanto, há também uma vulnerabilidade tecnológica. Quantos
já não despenderam tempo e dinheiro aprendendo a utilizar os programas
Wordstar ou Wordperfect? O mesmo valeria, por exemplo, para o primeiro
programa leitor de tela feito para Windows, o SlimWare Window Bridge. Dois
meses depois que o principal programador da empresa que distribuía o
produto sofreu um acidente, a empresa fechou. Assim, todo o investimento
feito por pessoas, empresas e governos para o uso desse programa foi perdido.
No desenvolvimento de soluções de acessibilidade, o trabalho de toda a
sociedade em conjunto é claramente uma necessidade. Nem o setor, nem o
setor público ou as ONGs serão capazes de fornecer todas as respostas
isoladamente. As tecnologias envolvidas, em geral, são muito básicas, como
a de um sintetizador de voz. Quando um “bloco de tecnologias”, com apoio
do governo, é disponibilizado como programa livre, que pode ser modificado
por qualquer pessoa, sem o controle de uma entidade que pode ou não ter
os mesmos interesses da comunidade, muitas empresas aproveitam a
tecnologia e desenvolvem produtos finais, como leitores de tela, programas
para digitalizar livros, etc. São blocos utilizados na construção de uma solução
final para o cliente.
As iniciativas realizadas com recursos públicos, em longo prazo,
estrategicamente deveriam ser disponibilizadas de maneira livre. Os governos
mudam, as empresas mudam, algumas vão à falência, outras têm um interesse
estratégico que não convém à sociedade. Diversas vulnerabilidades
estratégicas podem ser evitadas quando a tecnologia básica está disponível
livremente. Um dos projetos da Botelho & Paula é uma solução completa
para deficientes visuais, instalada em um pendrive, que utiliza somente
250
Economia do Conhecimento – Tecnologia e Inovação
programas livres. A metodologia final para criar a tecnologia será distribuída
em vários países da América Latina. No Brasil, esse conhecimento começará
a ser distribuído por meio de parcerias já firmadas. Um dos maiores
contribuintes para essa tecnologia é o leitor de tela Orca, da Sun Microsystems,
empresa que está sendo adquirida por outra empresa. Tipicamente, quando
se trabalha com tecnologias fechadas, num caso como esse não se sabe se a
nova empresa cancelará o projeto, se considerará aquele produto estratégico
a longo prazo, se manterá uma filosofia de inclusão... Como se trata de um
programa livre, a preocupação neste momento é firmar um contrato para se
criar uma versão em árabe do pendrive, mas a eventual perda de interesse
não é uma preocupação. Caso o projeto seja abandonado na nova empresa,
os seus talentos ligados ao programa trabalharão para outras empresas, que
já contribuem para o mesmo projeto. Portanto, trata-se de uma indústria
que não é muito bem compreendida pelas instituições atuais. Há muitos
monopólios (e novos estão sendo criados). A dinâmica de mercado do mundo
digital é muito diferente daquela do mundo de hardware, que as nossas leis
conseguem regulamentar e monitorar com maior efetividade.
Aparentemente, uma solução para os problemas de tendência ao monopólio
seria a mesma proposta que visa a garantir a acessibilidade a longo prazo:
todo o esforço governamental regulatório, de incentivo fiscal ou de
financiamento de pesquisa e desenvolvimento deve incentivar os padrões
abertos: protocolos de comunicação, formatos de arquivos e interfaces.
Citamos um exemplo. Nos anos 1990, nos Estados Unidos e em muitos outros
países, houve a popularização do e-mail. No final dos anos 1990, houve a
popularização do instant messenging (sistemas de mensagens instantâneas).
A diferença, não somente para quem é surdo, mas também para quem é
cego, é que uma das empresas que desenvolveram programas de instant
messenging fez um sistema completamente inacessível. Houve um processo
legal, no sistema judiciário americano, lento e caro, não somente para os
indivíduos envolvidos diretamente, mas também para a sociedade. Durante
aquele tempo, os deficientes não puderam participar das oportunidades
sociais, educacionais e de negócios, das quais as pessoas com acesso àquela
tecnologia podiam participar.
As ONGs, o Governo e as empresas não souberam lidar com aquela tecnologia
muito nova. Não se pode criar uma legislação que regulamente o acesso a
tecnologias que nem mesmo se sabe como funcionarão. As ONGs já têm
problemas suficientes com as suas dificuldades atuais; a maioria não tem
251
Economia do Conhecimento – Tecnologia e Inovação
recursos para olhar o futuro ou novidades recém-lançadas. As empresas têm
muitas pressões competitivas; preocupam-se com 85% ou 90% do mercado,
pois querem ser as primeiras a chegar com uma solução nova no mercado.
No mundo digital, a competição, os monopólios e o controle do mercado
compõem uma dinâmica tão radical que aqueles que chegam primeiro têm
uma vantagem desproporcional. Assim, nenhum dos três setores foi efetivo
em assegurar que a tecnologia de mensagens instantâneas fosse acessível às
pessoas com deficiência.
Por que o e-mail não teve a mesma controvérsia? Quando o e-mail foi
popularizado, nem o terceiro setor, nem o governo, nem o setor privado
eram mais efetivos ou conhecedores das necessidades das pessoas com
deficiência do que na época em que as mensagens instantâneas foram
lançadas. Por que então não houve o mesmo processo legal? Ocorre que,
como a maior parte das tecnologias fundamentais da internet, o e-mail está
baseado em padrões e protocolos de comunicação abertos. Não é preciso
pedir autorização a nenhuma empresa, nenhum governo ou ONG, não é
preciso licenciar nenhuma patente para criar um programa que saiba enviar
e receber e-mails. No mercado, havia uma enorme variedade de clientes de
e-mail. O cego que não podia utilizar um determinado programa
simplesmente utilizava outro. Esse é o segredo para a competitividade, para
a inovação e para a acessibilidade. Com competição e diversidade, o próprio
usuário escolhe o que precisa. Aqueles que forem mais efetivos em escutar a
voz do usuário terão mais sucesso na comunidade e evoluirão no seu plano
de negócios.
Já se identificaram algumas tecnologias interessantes, baseadas em padrões
livres: o leitor de tela (Orca) já mencionado, um ampliador de tela, um
programa de entrada de dados para pessoas com deficiência motora, como
paralisia cerebral, chamado Dasher. Compreendendo as dificuldades do
usuário comum, todos esses programas foram instalados e pré-configurados
num pendrive. Com uma simples modificação no BIOS do computador, na
presença do pendrive o computador carrega o sistema operacional e os
aplicativos contidos no pendrive (editor de texto, planilha eletrônica, leitor
de tela). Os arquivos do usuário são também gravados no pendrive. Assim,
tecnologias gratuitas e livres, em alguns casos de instalação muito complexas,
agora estão disponíveis no Brasil, por uma empresa brasileira, em pendrives
que podem ser usados por qualquer pessoa. A ideia é produzir versões para
alunos que querem ter todos os programas de matemática avançada num
252
Economia do Conhecimento – Tecnologia e Inovação
único conjunto, versões para pessoas com outras deficiências, etc. Outra ideia
é aproveitar um projeto da comunidade europeia, que disponibiliza
programas livres para pessoas com deficiência. Um programa que será
livremente distribuído faz um rastreamento dos movimentos oculares com
uma webcam. Trata-se de um dispositivo barato, que permitirá emitir
comandos e escrever no computador com os movimentos dos olhos.
No momento em que uma das pequenas empresas envolvidas na distribuição
das soluções mencionadas aqui tornar-se cara, demorar a atender a uma
ligação ou ficar desatualizada na tecnologia, os clientes procurarão outro
fornecedor de tecnologia. Essa é a garantia de qualidade, de inovação e
evolução, por uma questão de sobrevivência. O mesmo vale para aquele que
utiliza a tecnologia para obter um emprego. Portanto, é preciso pensar
estrategicamente, em critérios para o apoio a projetos que promovam
protocolos de comunicação livres, arquivos padronizados, que qualquer
pessoa ou empresa possa melhorar ou incorporar aos seus programas, e
interfaces acessíveis. Assim, ninguém dependerá de uma única entidade.
Todas as empresas, grandes ou pequenas, mencionadas aqui cometeram erros
graves, do ponto de vista de uma visão estratégica e do interesse na
acessibilidade. Convém criar um ambiente competitivo e inovador, que
funcione a longo prazo.
Claudinei Martins: Num instituto de pesquisa ou numa empresa em geral,
o ciclo de inovação é um processo interativo, em que as atenções estão
voltadas ao mercado, focadas na pesquisa, no desenvolvimento e na entrega
do produto ao mercado. Para alimentar o ciclo de inovação, basicamente
conta-se com dois tipos de ações: programas de pesquisa e desenvolvimento
(P&D), muitas vezes fomentados por instituições públicas e privadas, e ações
comerciais. Alguns produtos levam a gerar ações que acabam sendo soluções
comerciais.
Um novo produto nasce de uma necessidade do mercado. Há uma
mobilização por parte de um grupo específico, alguma empresa, algumas
pessoas, preocupados com uma situação, acabam procurando centros de
pesquisa capacitados naquela área (no caso do CPqD, em telecomunicações
inicialmente e, atualmente, em tecnologia da informação e comunicação),
promovem ações de P&D. Recursos são captados nas empresas e nos órgãos
públicos, que gerem pesquisas em inovações com base nesse fomento. Ocorre
253
Economia do Conhecimento – Tecnologia e Inovação
também a adaptação de um produto, de maneira “natural” ou por percepção
da oportunidade. Um produto concebido com determinado intuito acaba
sendo inclusivo em outros aspectos.
O primeiro grande produto com o qual o CPqD trabalhou foi o telefone para
surdos. Na época, em 2002, uma empresa importava esse produto do mercado
externo, a custos elevados, sem qualquer incentivo. A proposta era criar um
produto nacional. Como já havia uma base instalada do produto estrangeiro,
a tecnologia foi mantida, para preservar a compatibilidade entre os produtos
que já estavam em uso e aquele que seria criado. O telefone para surdos
permite o diálogo entre duas pessoas por meio de texto, com o uso de uma
linha telefônica convencional.
O processo de produção nacional começou com a solicitação de uma empresa
do mercado interno, em 2003. Seguiu-se um período de investigação, no qual
a tecnologia foi compreendida, aproveitando-se a expertise da empresa na
área de telecomunicações. As normas brasileiras de telecomunicações deviam
ser respeitadas. Essas legislações muitas vezes diferem de estado para estado,
país para país e em blocos de nações, como a Comunidade Europeia, por
exemplo. Num processo relativamente rápido, em 2004 o CPqD apresentou
o primeiro protótipo da tecnologia. A etapa final do processo foi a
transferência da tecnologia para a indústria. Em determinado momento da
pesquisa, o conhecimento permanece somente com a entidade encarregada
daquela pesquisa, mas depois é preciso que o conhecimento retorne para a
sociedade. Os centros de pesquisa não fabricam produtos, mas as empresas.
Assim, o retorno do conhecimento para as empresas é que torna os produtos
factíveis. É uma maneira de fazer os produtos chegarem aos setores da
população que necessitam daquele recurso.
O primeiro produto gerado foi um modelo residencial híbrido, para ouvintes
e para surdos. Depois, foi feita a versão pública, que utiliza um cartão
magnético indutivo, pois a telefonia pública no Brasil funciona com esse tipo
de cartão. Assim, uma pessoa que estivesse na rua, com um cartão telefônico
comum, poderia fazer a ligação telefônica orientada ao surdo. Para fechar o
ciclo, é preciso criar um “ecossistema”. Não se pode limitar o processo à
entrega da ferramenta, simplesmente recomendando o seu uso. É preciso
gerar premissas e condições para que a tecnologia seja efetivamente utilizada.
Entendeu-se que o mercado precisava de um dispositivo mais eficaz, em
relação à maneira como as pessoas são atendidas. No Brasil, houve uma
254
Economia do Conhecimento – Tecnologia e Inovação
migração muito grande para os call centers. Assim, o produto, que nasceu da
necessidade de proporcionar acessibilidade nos centros de atendimento
telefônico das grandes empresas, pôde ser conectado a um computador
pessoal e ser utilizado num connect center. Dessa maneira, procurou-se fechar
um ciclo, criar um “ecossistema”, uma cultura disseminada de uso da
tecnologia. Não adiantaria fornecer um aparelho a uma pessoa que não
poderia ligar a ninguém.
Outro produto interessante foi o conversor texto-fala ou sintetizador de voz.
É uma tecnologia muito utilizada nos leitores de tela, que não nasceu para
essa finalidade. As pesquisas começaram em 1992, época em que a tecnologia
não era trivial no Brasil. Em 1995, chegou-se a uma primeira versão, com
muitas limitações e uma voz que não era muito clara. Novas versões foram
surgindo desde então. Portanto, fomentar uma tecnologia pode trazer
resultados num primeiro momento, mas é importante também manter o
trabalho e acompanhar a evolução tecnológica. Inicialmente, começou-se a
utilizar os sintetizadores de voz nos call centers, nas chamadas “unidades de
resposta audível” executadas automaticamente quando ligamos para um
telefone equipado com um sistema desse tipo. Esse foi o primeiro foco desse
tipo de tecnologia; o segundo foi nas forças de trabalho. Os técnicos das
operadoras de telecomunicações em campo carregavam maços de papel;
trabalhavam nos postes utilizando as duas mãos e precisavam que as
informações fossem utilizadas de forma mais organizada. Assim, as ordens
de serviço passaram a ser feitas com sistemas desse tipo. O operador, no alto
do poste, liga para a central e ouve a próxima tarefa a cumprir. Já não precisa
carregar todo aquele papel e o atendimento ficou mais ágil.
Em meados de 2005 começou um projeto dessa natureza no CPqD. Existem
atualmente muitos exemplos de leitores de tela; os mais usados são os mais
completos. Houve um projeto de fomento do Governo que resultou num
produto em 2007, época em que o seu desenvolvimento cessou, pois não
houve mais evolução. A tecnologia e os sistemas operacionais evoluíram, os
computadores também, e o sistema ficou “engessado” naquele momento.
Assim, manter a tecnologia é uma das questões mais importantes para a
economia do conhecimento. Assim como uma empresa pode fechar, um
produto também pode “morrer” por falta de evolução. O sistema de
sintetizador de voz foi utilizado também em caixas automáticos de bancos,
até por força de legislação: a pessoa cega conecta o seu fone de ouvido, a tela
apaga e, a partir daí, começa a interação com o caixa eletrônico por comandos
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Economia do Conhecimento – Tecnologia e Inovação
de voz e mensagens de voz sintetizada. Ao contrário do telefone para surdos,
o ciclo do sintetizador de voz foi bastante longo. Entre 1992 e 2008 ou 2009,
houve um longo período de pesquisa e desenvolvimento. Pesquisas com
características muito específicas, como esta, mobilizam profissionais muito
qualificados e, portanto, não são baratas. Não se consegue treinar profissionais
“a toque de caixa” para o desenvolvimento de certas tecnologias. Assim, a
cultura das pesquisas exige um foco em determinada área de atuação.
Um terceiro exemplo seria uma tecnologia muito atual, que vem sendo
divulgada no último ano. A UNICAMP contribuiu com o processamento de
imagens e o CPqD, com a síntese de fala num trabalho conjunto para prover
um mecanismo mais universal, que se aproxima do chamado desenho
universal. A evolução da tecnologia tem proporcionado isoladamente a
interação com equipamentos e pessoas de formas diferenciadas. Ocorre que
a nossa comunicação não está somente no que falamos, mas no que vemos
de expressão facial, no comportamento do nosso interlocutor, etc. Esse é um
dos grandes desafios que temos pela frente: humanizar a comunicação digital.
De fato, por telefone ainda se consegue perceber, pelo tom de voz das pessoas,
o seu estado de espírito. Num comunicador, pode-se colocar uma “caretinha”,
que eventualmente indicará que o interlocutor está bem, mesmo que ele não
esteja. São questões que extrapolam o âmbito da tecnologia em si, passando
à personalização da comunicação. Estamos cada vez mais imersos num
mundo digital; as crianças já estão crescendo em contato com comunicadores,
participam de redes sociais, colocam fotos na internet, etc. Entretanto, essas
atividades não garantem o relacionamento interpessoal.
Há mais de trinta anos, nossa comunicação baseia-se em três elementos:
teclado, mouse e monitor. Essa forma de interação perdurou até agora, mas
as formas de interação estão mudando. Nos próprios videogames, estamos
interagindo com joysticks com movimento. Se o sistema pode interpretar o
movimento... Os sistemas de reconhecimento de fala estão cada vez melhores,
mais independentes da pessoa que fala. Se qualquer pessoa pode falar e ser
reconhecida... Essas mudanças, que estão sendo chamadas de interfaces
intermodais ou multimodais significam que o sistema deve aprender a se
comunicar da maneira com a qual a pessoa se comunica. Outro centro de
pesquisas da região de Campinas trabalha com os poucos movimentos de
uma pessoa com paralisias, como suspiros, piscar de olhos, etc. Já é possível
utilizar gratuitamente um sistema de rastreamento dos movimentos oculares.
As ferramentas devem ser construídas de maneira universal, não devem se
256
Economia do Conhecimento – Tecnologia e Inovação
limitar a uma forma de comunicação, mas entender e retornar ao usuário de
maneira que ele entenda. Esse é o grande desafio que temos pela frente.
O Sr. Claudinei apresenta uma breve animação demonstrativa do
dispositivo de síntese de voz e animação facial, com o seguinte texto:
“Olá, participantes do Primeiro Encontro Internacional de Tecnologia e
Inovação para Pessoas com Deficiência. Esta é uma demonstração da
pesquisa com animação facial 2D, desenvolvida pelo CPqD em conjunto
com a UNICAMP. Obrigada.”
Trata-se da foto de uma pessoa com movimentos labiais sincronizados com
a fala. O sistema utiliza vários recursos: a voz (para aqueles que não
enxergam) e o movimento labial (para aqueles que não ouvem). Esse protótipo
movimenta apenas a boca, mas no futuro os movimentos de LIBRAS podem
ser incorporados, incluindo mais pessoas aos usuários em potencial. É uma
pesquisa ainda inicial. Os sistemas de reconhecimento de face já são capazes
de detectar a expressão facial das pessoas. O que ocorre é que as iniciativas
estão muito pulverizadas, dispersas. Ainda não há um padrão que garanta
que a tecnologia A será compatível com a tecnologia B. Daí a importância de
se utilizar protocolos abertos, com uma funcionalidade que proporcione
acessibilidade. Essa prática é fundamental para a construção universal.
Outra ferramenta é uma solução para ensino a distância. Uma solução desse
tipo, geralmente, fornece uma área de vídeo, uma área multimídia (para
apresentações, imagens, etc.) e uma área de áudio. Não é necessário fazer
nenhuma alteração numa ferramenta desse tipo; basta criar um conteúdo
em LIBRAS. Se tivermos o conteúdo em LIBRAS (o áudio e a parte escrita),
atenderemos pessoas cegas e surdas, com a mesma ferramenta. Basta que
instituições de ensino passem a criar conteúdos (como reforços de aulas, por
exemplo), que sejam publicados de forma mais abrangente, sobre os temas
das aulas presenciais. Assim, será possível colocar pessoas atualmente
excluídas na educação tradicional, numa iniciativa muito interessante que
tem sido fomentada pelo Governo: a Escola Para Todos. Para isso, é preciso
contar com algumas ferramentas. É aí que entra a tecnologia. A tecnologia é
um elemento acessório, que pode dar um suporte, com o qual as pessoas
com deficiência podem ter o mesmo nível de aprendizado que as pessoas
que não têm essas necessidades.
257
Economia do Conhecimento – Tecnologia e Inovação
Um projeto que está em andamento no CPqD é o STID (Soluções de
Telecomunicações para Inclusão Digital). Trata-se de uma iniciativa do
Governo Federal, em parceria com o Governo do Estado de São Paulo. Dentre
as tecnologias disponíveis, estudou-se uma forma de interação com foco no
indivíduo. Num mesmo grupo, as pessoas têm necessidades diferentes. O
sistema STID foi construído com base em dois componentes muito utilizados
pela população geral: marcação de consultas dos serviços de saúde e a
previdência social. O sistema conta com um leitor de telas (uma pessoa cega
pode usar), tem um “avatar” que se comunica em LIBRAS e, sempre que
necessário, uma explicação contextual sobre a área ativada pelo usuário. O
sistema reconhece a pessoa, com o uso de webcams e, a partir desse
reconhecimento, configura-se automaticamente para as necessidades daquela
pessoa, com base num cadastro feito previamente. O sistema STID está
instalado em dois telecentros no interior do Estado de São Paulo. Numa
pesquisa com os usuários sobre quais recursos seriam mais convenientes,
identificou-se outro grupo que inicialmente não estava previsto. Trata-se de
uma realidade brasileira: uma parcela considerável da população geral possui
baixo letramento (analfabetos ou os chamados analfabetos funcionais). Esse
grupo também estava excluído do mundo digital, porque não teve acesso à
educação. Uma adaptação do leitor de telas foi batizada de ALFA (Auxílio à
Leitura e Fixação do Alfabeto). Com a ajuda dos monitores dos telecentros,
as pessoas começam a usar o computador com uma interface mais intuitiva,
sem que precisem saber ler e escrever. As explicações não se limitam ao texto
na tela; faz-se uma explicação do conteúdo de várias formas, permitindo
que a pessoa entenda o que o sistema quer dizer. Uma das interfaces do
sistema é o “Previdência Fácil”, que tem vários bonequinhos com
características específicas para ajudar o usuário a se enquadrar em
determinadas condições previdenciárias (um deles usa uma muleta,
indicando acidente do trabalho ou alguma dificuldade física, outro usa um
chapéu, indicando o trabalhador rural, etc.). Quando o usuário clica num
desses bonecos, o sistema fornece uma série de informações, contando uma
história, que pode ser acompanhada por outras pessoas da fila. Essa solução
foi sugestão dos próprios usuários do sistema.
Os resultados do estudo levam à formulação de recomendações; não têm
um caráter regulatório ou de fiscalização, mas orienta para que os conteúdos
sejam apresentados de maneira mais aberta, mais clara e acessível.
258
Economia do Conhecimento – Tecnologia e Inovação
Lembramos que o ciclo produtivo envolve a participação de diversos
elementos, numa interação bastante complexa: indústria, universidade,
governo, empresa, pesquisa e tecnologia, produto, cliente e aplicações. Todos
esses elementos podem estar concentrados dentro de grandes corporações,
mas, fora das grandes empresas, observamos essas ações isoladas. Elas
precisam ser coordenadas. Daí a importância das ações regulatórias do
governo, dos eventos que acabam unindo as tecnologias e divulgando as
informações. Uma solução isolada pode não resolver o problema, mas servir
para que outra solução o resolva.
A base da economia do conhecimento envolve educação, know-how, expertises,
necessidades especiais e regionalidades (incluindo legislação e cultura). A
tecnologia não é o fim, mas o meio. Ela dá suporte, incluindo a
competitividade, a globalização, as fontes de fomento, as políticas e a
propriedade (esta última uma questão complexa: a proteção do conhecimento
precisa ser revista). A finalidade é a inclusão digital, que envolve a inovação,
novos serviços e produtos, que garantam a acessibilidade e a igualdade.
259
Residências Inclusivas
É notória a importância da família na vida das pessoas com deficiência. Na ausência
do suporte familiar, o Estado deve oferecer condições para garantir a dignidade desses
indivíduos. Existem experiências bem-sucedidas de residências inclusivas que são
modelos de serviço público a serem replicados.
Tuca Munhoz (moderador) – Presidente do Instituto MID para a participação
social das pessoas com deficiência
Nikola Lafrenz – Secretária Executiva do Ministério do Trabalho e Assuntos
Sociais da República Federal da Alemanha - Berlim, RFA
Elvira Cortajarena Iturrioz – Delegada do Governo Basco na Argentina,
representante da Espanha
Isabel Cristina Pessoa Gimenes – Secretária Municipal da Pessoa com
Deficiência - Rio de Janeiro, RJ
Vânia Melo Bruggner Grassi – Diretora Técnica da Associação de Pais e
Amigos dos Excepcionais de Bauru - APAE - Bauru, SP
Nikola Lafrenz – Secretária Executiva do Ministério do Trabalho e Assuntos
Sociais da República Federal da Alemanha – Berlim/RFA
A República Federal da Alemanha é um país densamente povoado. Sua
população é de cerca de 82 milhões de pessoas, numa área de
aproximadamente 360 mil quilômetros quadrados, o que corresponde a uma
densidade populacional de 200 habitantes/km2. Para fins de comparação, a
densidade na Europa como um todo é de 116 habitantes/km2 e no Brasil,
salvo engano, é de 23,9 habitantes/km2. É claro que esse valor não vale para
metrópoles como São Paulo, onde a densidade é de mais de 7 mil habitantes/
km2, muito mais alta que a de Berlim, com cerca de 4 mil habitantes/km2.
Residências Inclusivas
Como na maioria dos países industrializados, a geração de jovens alemães é
relativamente pequena. Observa-se um contínuo aumento da expectativa de
vida, com crescimento proporcional dos idosos na estrutura etária. Em 1950,
a maioria da população tinha menos de 20 anos de idade. Atualmente, a
proporção entre jovens e idosos é aproximadamente meio a meio e, em 2050,
cerca de 30% da população terá mais de 65 anos de idade, enquanto somente
16% terá menos de 20 anos.
Na Alemanha de hoje, há mais pessoas com 65 anos ou mais do que jovens
de 15 anos ou menos. Por muitos anos, houve uma tendência a famílias
menores. São extremamente raros os lares com mais de cinco pessoas e o
número de lares com uma pessoa só está aumentando, particularmente nas
grandes cidades. Assim, é cada vez menos possível basear-se no papel
tradicional das famílias, de prover cuidado e apoio aos idosos e deficientes.
Na Alemanha, 8,6 milhões de pessoas têm algum tipo de deficiência, o que
corresponde a aproximadamente 10,5% da população total. Lá, faz-se uma
distinção entre deficiência e deficiência grave, e o grau de deficiência é medido
com uma graduação de dez em dez pontos. As pessoas com deficiência de 50
pontos ou mais são consideradas gravemente incapazes. Se vivem ou
trabalham na Alemanha, têm direito a um apoio especial: assistência específica
à sua deficiência, folgas extras remuneradas, uma proteção especial contra
demissão e atribuição de tarefas especiais. Do total de pessoas com deficiência
na Alemanha, 6,9 milhões têm deficiência grave, o que corresponde a 8,2%
da população total.
Com o aumento da idade, estima-se que a proporção de pessoas com
deficiência ou deficiência grave aumente. Somente 5% das pessoas com
deficiência nasceram com elas, o que significa que mais de 90% de todas as
deficiências são adquiridas durante a vida. É mais uma razão para que todos
se preocupem com o assunto. Todos nós podemos sofrer uma deficiência,
causada por acidente ou doença, a qualquer momento.
Seguindo a tendência demográfica, o número de pessoas com deficiência
deveria ser ainda maior, mas, em decorrência da política de extermínio
nazista, que resultou no desaparecimento de toda uma geração de pessoas
com deficiência mental ou física, não há na Alemanha experiência com o
envelhecimento das pessoas com deficiência mental. O grupo atual de 65
anos de idade ou mais constitui a primeira geração de pessoas idosas com
262
Residências Inclusivas
deficiência, nascidas após a Segunda Guerra Mundial. Portanto, não há dados
confiáveis sobre o desenvolvimento de problemas relacionados à idade.
A Alemanha possui uma tradição secular em instituições de atendimento a
pessoas com deficiência. A situação começou a mudar somente em 1975.
Antes, as pessoas com deficiência mental viviam principalmente em
instituições psiquiátricas, pois não havia outros tipos de residências para
essa finalidade. Cegos e muitas outras pessoas com deficiência grave
estranhamente viviam naquelas instituições. Depois de 1975, um novo
conceito se desenvolveu. As enfermarias psiquiátricas foram transformadas
em grupos de residência. Centros de atendimento a deficiência foram criados,
oferecendo o diagnóstico, tratamento, instalações para moradia, lares
abrigados com enfermagem, oficinas de trabalho protegido, escolas para
necessidades especiais, opções de lazer e residências adaptadas às
necessidades das pessoas com deficiência.
Ao mesmo tempo, a condição das pessoas com deficiência também mudou.
Já não eram pacientes privados dos seus direitos e responsabilidades, mas
residentes nessas moradias, com amplos direitos próprios. Entretanto, o
princípio do atendimento apropriado e abrangente continuava insuficiente
para atender aos desejos e expectativas das pessoas com deficiência.
No início dos anos 1980, novos conceitos de instituições baseadas na
comunidade começaram a surgir como alternativa ao atendimento
institucional. O principal objetivo era a organização em pequenas residências
e o acompanhamento de apoio pedagógico na comunidade local. Em alguns
casos, foram organizadas casas de acolhimento de grupos, num conceito que
ainda evocava os antigos lares. Em outros, foram criados espaços de
convivência, compostos de uma sala de convivência, banheiros e toaletes
adaptados e um quarto privativo para cada residente. Alguns projetos
incluíam também apartamentos individuais. Contudo, essas novas estruturas
estavam disponíveis somente a um pequeno número de usuários, pois
inicialmente os fundos para o seu financiamento não eram suficientes. A
acomodação em instituições continuava sendo a mais comum.
Atualmente, as pessoas com grave ou múltiplas deficiências vivem nessas
residências, que necessitam de atendimento especializado, vivem com suas
famílias ou nas residências inclusivas descritas. Ainda há mais de cinco mil
lares para deficientes na Alemanha, oferecendo um total de 80 mil vagas.
263
Residências Inclusivas
Nesse contexto, infelizmente ainda há locais nos quais as pessoas com
deficiência particularmente grave são colocadas em lares abrigados para
idosos, o que não é adequado. Nesses lares, eles não têm contato com outros
jovens e há poucas atividades diárias de rotina.
É pequena a porcentagem de pessoas com deficiência grave ou que necessitam
de cuidados constantes que, com o apoio necessário, já são capazes de viver
de maneira independente em acomodações individuais. A política, contudo,
é abandonar a acomodação institucional. Nos últimos dez anos, a política
concentrou-se em oferecer às pessoas com deficiência a oportunidade de viver
a sua vida com autodeterminação. Este princípio foi incorporado à legislação,
garantindo que as pessoas com deficiência tenham o que necessitarem para
participar da sociedade.
Na reabilitação e nas residências inclusivas, o princípio é “tratamento
ambulatorial antes do institucional”. Todas as leis relacionadas estipulam a
preferência das medidas ambulatoriais. Na Alemanha, a Convenção das
Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência deu um novo
reforço a esses esforços.
Utiliza-se o termo “ambulatorial” para indicar que o indivíduo não está preso
à instituição e que os cuidados e a assistência necessários são fornecidos onde
quer que a pessoa com deficiência física, mental ou psicológica viva. Para
garantir a sua autodeterminação, as pessoas dispõem de diferentes opções:
viver com a família, possivelmente uma família escolhida, viver num
apartamento individual ou num lar abrigado. É claro que outra opção é viver
numa “residência de apoio”. Isso significa que não haverá necessariamente
atendimento ambulatorial disponível para as pessoas com deficiência 24 horas
por dia, mas de acordo com as necessidades da pessoa. A natureza e a extensão
da assistência são determinadas caso a caso.
Qual o significado da expressão “residência de apoio”? Nela, as pessoas vivem
sós ou com uma ou várias pessoas, em um apartamento individual. Uma ou
várias vezes por semana, um atendente vai ao local ajudar nas atividades
cotidianas que os residentes não conseguem fazer por si sós. Tudo o mais é
de sua própria responsabilidade. Assim, os residentes têm uma vida
independente e autodeterminada, até onde suas capacidades permitirem,
com todos os direitos, mas também todas as obrigações.
264
Residências Inclusivas
O conceito de assistência pessoal, ou seja, uma pessoa que preste o apoio
necessário, foi desenvolvido por pessoas com deficiência física, capazes de
realizar as tarefas definidas no conceito. Uma pessoa com deficiência física
contrata um assistente que, se necessário, presta o apoio até 24 horas por
dia. A pessoa com deficiência é o empregador e dá instruções ao seu assistente.
Por outro lado, deve arcar com as substituições nas folgas e afastamentos
por saúde e agir como um empregador. Nem sempre é fácil.
As pessoas com deficiência mental ou com dificuldades de aprendizado
podem atuar como empregadores somente até certo ponto. Elas necessitam
de assistência e apoio de outras pessoas para viver com autodeterminação
numa residência inclusiva.
Na Alemanha, há diversas possibilidades para permitir que uma pessoa com
deficiência viva fora das instituições. No caminho da vida independente em
uma moradia individual, as pessoas com deficiência frequentemente passam
por um treinamento ambulatorial em atividades cotidianas, residências de
apoio abrigadas ou experiências de vida independente, em apartamentos
fornecidos especificamente para esta finalidade.
Muitos modelos procuram encontrar novas formas de ajudar as pessoas com
deficiência mental a deixarem os lares abrigados e treiná-las para a vida
independente. Antes de saírem da instituição, as pessoas precisam aprender
a realizar atividades cotidianas, como cozinhar, limpar a casa, cuidar das
contas pessoais e arrumar a casa. Esse tipo de apoio deve ajudar as pessoas
com deficiência mental a aumentar a sua capacidade de lidar com as
atividades da vida diária. As pessoas com deficiência física também podem
precisar de treinamento para as atividades cotidianas.
As pessoas com deficiência grave precisam ser preparadas para a vida
independente, de acordo com as suas necessidades, e devem ter a
oportunidade de influenciar as suas condições de vida. Todas essas medidas
procuram tornar possível que as pessoas com ou sem deficiência vivam juntas,
da maneira mais normal possível, na comunidade.
Uma das iniciativas de participação da vida da comunidade são os chamados
“grupos de participação local”. Numa atitude natural baseada na parceria,
nesses grupos procuram conviver pessoas com e sem deficiência. É crescente
a noção na nossa sociedade de que as pessoas com deficiência grave são
capazes de viver nas suas próprias casas, desde que recebam o apoio
265
Residências Inclusivas
adequado e que se compreenda a necessidade de um ambiente inclusivo
para a implementação desse modo de vida.
Assim, é preciso trabalhar ainda mais para que sejam criadas na Alemanha
estruturas que permitam às pessoas com deficiência viverem de maneira
independente na sua comunidade. Isso significa que os seus lares, e também
o ambiente ao redor dos lares, devem ser acessíveis e livres de barreiras.
Além disso, essas pessoas devem ter à sua disposição uma variedade de
escolhas de atendimento e equipamentos. As pessoas com deficiência devem
ser integradas à comunidade e pelo menos os edifícios públicos devem ser
projetados de forma a serem acessíveis a pessoas com ou sem deficiências.
Em relação ao ambiente livre de barreiras e à participação, o governo alemão
subsidia mais de quarenta projetos dentro do programa de casa-modelo
construída por serviços de assistência aos cidadãos idosos ou com deficiência.
Os projetos exploram novas ideias relacionadas à assistência e ao
atendimento, mas também à participação e à inclusão. Eles buscam vários
objetivos: a qualidade dos cuidados aos idosos deve ser comprovada, mas é
necessário também promover o potencial dos idosos, pois a sociedade
necessita urgentemente desse potencial.
Todos esse projetos buscam modelos inovadores de vivência, que possam
ser implementados nas comunidades. Não focalizam somente os idosos, mas
consideram também as necessidades especiais de pessoas com deficiência.
As chamadas “pessoas sem deficiência” podem muitas vezes aprender
talentos e habilidades com as pessoas com deficiência. Esses projetos,
portanto, também buscam transformar o conceito de bem-estar social e
introduzir o conceito de autodeterminação, participação e inclusão.
A ideia é participar da vida diária da comunidade, estabelecer uma vida
autodeterminada e redes sociais, com o envolvimento de todos os serviços
disponíveis. É realmente importante que a assistência administrativa e os
serviços de enfermagem, bem como as pessoas de contato nas prefeituras
persigam os mesmos objetivos que as pessoas com deficiência, de forma que
todos os esforços sejam efetivos e coordenados.
Em muitos municípios, as agências de assistência foram organizadas
recentemente. Essas agências devem proporcionar melhor assistência às
pessoas com deficiência e seus familiares, com serviços seguros, flexíveis,
ajustados às necessidades individuais.
266
Residências Inclusivas
Viver na comunidade não significa apenas viver no próprio apartamento. O
sonho de maior independência para muitas pessoas inclui também um
emprego fora das oficinas de trabalho protegido para as pessoas com
deficiência. O acesso ao mercado de trabalho regular é também um objetivo
definido atualmente. Criou-se o modelo de apoio ao emprego, que
proporciona apoio à pessoa no local de trabalho, até que ela possa lidar com
as suas tarefas sem auxílio.
Assim, a conscientização é realmente cada vez maior. As pessoas estão
percebendo que mesmo as pessoas com deficiência grave ou que necessitam
de cuidados de enfermagem merecem o mesmo respeito e têm os mesmos
direitos que todos os outros. É uma noção que encontra apoio no princípio
constitucional de que “ninguém pode sofrer discriminação por conta de sua
deficiência”.
A palavra alemã wohnen, que significa “viver, residir”, no idioma antigo
originariamente significava “estar em paz, contente, e protegido contra danos
e ameaças”. Este significado também deve ser respeitado nesse processo.
Ter o próprio apartamento ou, ao menos, o próprio quarto privativo numa
acomodação protegida significa que todos devem fazer um esforço especial
e tornar-se parte ativa do processo. A política atual da Alemanha defende
que todas as pessoas com deficiência devem viver na sua própria moradia.
Assim, foram criados diferentes instrumentos de apoio ambulatorial. Durante
o processo, aprendeu-se também que os medos expressos inicialmente pelas
pessoas com deficiência, de sair das instituições e viver em estruturas com
apoio ambulatorial eram exagerados. A chamada “equipe profissional” teve
que aprender muitos conceitos novos: organizar a transição das instituições
para uma moradia própria e deixar que as pessoas com deficiência sejam
independentes.
Elvira Cortajarena Iturrioz: Na Espanha, em certo sentido, a situação era
muito semelhante à da Alemanha. Sem entrar nos aspectos históricos dos
trinta anos da democracia espanhola, mas pode-se garantir que o início foi
tão duro como os inícios de qualquer política social, quando se sai de um
sistema no qual os direitos sociais não fazem parte da agenda política.
Parece importante levar em conta que há pessoas com deficiência desde o
nascimento, mas os casos de deficiência congênita não chegam a 5% do total.
267
Residências Inclusivas
Cada vez mais, a deficiência é decorrente de acidentes do trabalho e do
trânsito. As motos e automóveis fazem estragos na juventude: lesões cerebrais,
paraplegias, tetraplegias, etc.
Vale a pena comentar o desenvolvimento da política social em relação à
deficiência na Espanha. Em primeiro lugar, a linguagem não é neutra. Quando
se começou a trabalhar com as incapacidades, as habilidades eram
reconhecidas pela sua anormalidade. Graças à coletividade das pessoas com
deficiência, deu-se um salto e elas passaram a ser chamadas de menos-valia.
Depois, passou-se a chamá-las de deficiências e atualmente, com
reconhecimento das Nações Unidas e de organismos internacionais, de
incapacidades. A linguagem não é neutra e esses saltos na denominação
representam uma nova situação da sociedade e da cidadania, uma nova forma
de encarar as pessoas afetadas.
A verdade é que, dentre as deficiências mais comuns, as incapacidades físicas,
psíquicas e sensoriais, estas últimas apresentaram grandes melhoras em
termos de autonomia pessoal e determinados tipos de apoios para as pessoas
permanecerem em suas comunidades, em uma moradia tradicional. Para as
pessoas com deficiências físicas, a tecnologia, os programas, as ajudas técnicas
e os serviços de apoio estão evoluindo muito rapidamente. Restam as pessoas
com deficiência psíquica. Quais seriam os programas e as residências
inclusivas para essas pessoas?
O exército voluntário de mulheres, em sua maioria mães, de 45 a 65 anos,
está deixando de funcionar como serviço de apoio a essas pessoas na nossa
sociedade. Elas estão sendo incorporadas ao trabalho remunerado e, ademais,
essa função deve ser uma responsabilidade de caráter social das instituições
e de toda a sociedade, em seu conjunto.
Quais seriam as necessidades dos espaços de convivência? Há muitos
modelos que podem ser escolhidos. Na Espanha comete-se um erro quando
se inicia na política social, deve-se reconhecer, de se pensar que, quanto maior
a residência, mais equipamentos ela tiver, com todos vestidos de branco,
imitando aspectos de caráter sanitário, mais próximo se está do ideal. As
pessoas vivem 24 horas por dia numa residência, 365 dias por ano. A
residência não pode ser uma alternativa de caráter hospitalar, pois as
atividades sanitárias configuram uma porcentagem muito pequena da vida
diária neste tipo de centro. Portanto, é muito importante que a direção dos
268
Residências Inclusivas
centros leve em conta que o âmbito sanitário seja uma parte, mas não ocupe
o eixo central da atenção. O eixo central deveria ser o residente, o usuário.
Nos estatutos de uma residência, não há uma carta de direitos do residente,
não há uma carta de deveres da residência para com o residente. É preciso
criar essa carta.
Outro aspecto fundamental é que as residências devem funcionar como
guarda-chuvas que deem cobertura a determinados modelos alternativos
de vida institucional. Programas de ajuda domiciliar, como os da Alemanha,
realmente evitam institucionalizações desnecessárias, pois esse tipo de ajuda
pode servir a muitas pessoas, para que elas vivam em suas próprias casas.
Não devemos nos esquecer que todos, inclusive as pessoas com deficiência,
querem viver na sua própria casa.
Um segundo modelo seriam moradias configuradas com viúvas, por
exemplo, ou outras pessoas que tenham tempo livre que queiram dedicar ao
cuidado de terceiros. Há convênios de colaboração entre essas pessoas e as
pessoas com deficiência, para programas dirigidos pelas residências, que estão
dando resultados muito interessantes.
Outro tipo de projeto são moradias de caráter público, para as quais pessoas
com deficiência se inscrevem. Elas são adequadas às necessidades de vivência
e convivência das pessoas, que recebem ajuda domiciliar e a visita de um
psicólogo ou médico, uma ou duas vezes por semana. As ações de caráter
sanitário são oferecidas em função das necessidades. São programas com
custos muito mais baixos que a criação de uma residência tradicional. A
construção de uma residência consome recursos equivalentes a três anos de
gestão. A partir do quarto ano, o custo de manutenção é muito alto. Quanto
maiores e mais bonitas, mais cara é a sua manutenção. Nada desumaniza
mais a vida das pessoas que um centro com 100 ou 150 vagas, sobretudo no
âmbito das deficiências. Nas deficiências psíquicas muito graves, pode-se
considerar a existência de residências com números maiores de vagas, em
módulos. Contudo, para haver boa qualidade assistencial, de convivência,
de serviços e de vida, 80 a 100 vagas seria o número máximo em uma
residência.
Outro elemento interessante é que alguns centros educativos localizados no
centro das cidades já não têm clientela, pois na Espanha há poucas crianças.
Está claro que, na política social e assistencial, a responsabilidade deve ser
269
Residências Inclusivas
pública. Na década de 1990, discutiu-se muito a divisão das atribuições entre
os setores público e privado. Se a gestão pública é muito cara, que se recorra
ao sistema privado, mas sempre com responsabilidade pública. Não se pode
esquecer que os usuários dessas residências são pessoas que têm a sua vida
nas mãos de um equipamento e dos profissionais daquele centro. Essa
situação deve ter um controle, uma assistência técnica e uma avaliação. Não
se pode deixar que as residências façam o que quiserem. Na Espanha, alguns
centros tiveram que ser fechados. Abriam uma casa, um “centro residencial”
para pessoas com demência, em condições sub-humanas. Portanto, a
responsabilidade pública é muito grande.
Outro tema importante para os centros residenciais seria a concessão de
“férias”. Se há duas residências em províncias diferentes, os residentes de
uma podem passar as férias na outra, voluntariamente, é claro, e vice-versa.
É uma maneira de arrumarem a mala, conhecerem outras pessoas, passarem
um tempo em outro local, fazerem novos relacionamentos, mudarem seus
mundos, suas vidas. Às vezes, a institucionalização é produzida pelos
próprios gestores, que não conseguem imaginar alternativas, não tão
institucionalizadas. À medida que se acomodem as dinâmicas de atenção às
pessoas com deficiência às necessidades que possam apresentar, que se dá a
elas o protagonismo da sua vida cotidiana, se escuta e vê as possibilidades
que as instituições oferecem, outras alternativas podem ser desenvolvidas.
Muitas vezes, na vizinhança, é possível encontrar pessoas dispostas ao
trabalho voluntário de um dia por semana, ir à casa e levar alguém ao cinema.
Essas pequenas medidas podem mudar a vida da pessoa que vive num centro.
Não são medidas que exigem recursos muito elevados. Trata-se de acumular
cada equipamento, no seu âmbito local, com a sua cultura. A residência é a
alternativa e o lugar das pessoas que ali vivem. É preciso usar a imaginação,
oferecer solidariedade, novos modelos existentes e que podem ser criados.
Nem tudo está inventado. Assim, seria possível dar um grande salto. Tudo
aquilo que pode ser feito na coletividade, na sociedade, tende a funcionar
melhor.
Quando se criaram “jornadas de reabilitação” de dois dias por semana a
outro tipo de centro, estas foram muito mais eficazes que a proposta de novas
residências específicas para tetraplégicos, paraplégicos ou outras pessoas com
deficiência.
270
Residências Inclusivas
Outro elemento importante são as pesquisas permanentes, não identificadas,
sobre a qualidade, a assistência, o grau de conforto, as ideias dos residentes.
Muito se pode aprender quando os residentes sabem que suas opiniões serão
ouvidas.
Todos os elementos aqui descritos devem ser valorizados, devem ser levados
em conta numa reflexão sobre as instituições, que podem melhorar de muitas
maneiras, tornando-se mais versáteis e permeáveis.
Isabel Cristina Pessoa Gimenes: A Secretaria Municipal da Pessoa com
Deficiência do Rio de Janeiro começou em 1920, com um abrigo para meninas
órfãs. O trabalho tinha esse viés assistencial, mas estava voltado para essas
meninas que não tinham vínculo familiar, naquela época. Em 1983, houve
uma mobilização intensa de pais, funcionários e familiares pela
municipalização do Lar-Escola Francisco de Paula, que realmente tornou-se
uma fundação municipal e muitos talvez conheçam por Funlar-Rio. Em 2004,
foi criada a Secretaria Extraordinária do Deficiente Cidadão. A instituição
deixava de ser a Fundação Municipal Lar-Escola Francisco de Paula para ser
uma Secretaria Municipal. Em 2007, a secretaria deixou de ser extraordinária,
passou por um processo de reorganização diretiva e passou a ser a Secretaria
Municipal da Pessoa com Deficiência. Portanto, como Secretaria, na realidade,
a SMPD existe somente há dois anos, mas como instituição que presta
atendimento à pessoa com deficiência, a sua história é bem longa.
As primeiras ações realizadas em unidades da Secretaria, de grande porte,
localizam-se nos bairros de Vila Isabel e Campo Grande e foram ações
centralizadas. Na unidade de Vila Isabel, há gerências voltadas ao
desenvolvimento das pessoas com deficiência, que chegam desde bebês,
desde os três meses de idade, até a faixa etária adulta. Nessas unidades de
grande porte, há uma gerência de desenvolvimento global inclusivo, que
inclui uma das maiores creches do Brasil atualmente, com quase 300 crianças,
com e sem deficiência, convivendo num cotidiano de muita diversidade e
muito respeito. Dentro dessa mesma gerência, há um serviço de estimulação
ampliada, onde são atendidas crianças com e sem deficiência, porque, na
realidade, a unidade de Vila Isabel se localiza dentro do Morro do Macaco,
com uma população bastante vulnerável. Assim, a estimulação ampliada
atende crianças com deficiência e crianças em situação de risco social iminente.
271
Residências Inclusivas
Ainda nas grandes unidades, a gerência do mundo do trabalho atende a
pessoas acima dos 14 anos de idade, com a perspectiva de incluí-las, de
trabalhar para que elas sejam de fato incluídas no mundo do trabalho. E,
obviamente, há um serviço de reabilitação também, pois a missão da
Secretaria Municipal da Pessoa com Deficiência é reabilitar para incluir. Essa
é a sua principal missão, desenvolvida num eixo de articulação e num eixo
de execução. A SMPD executa o atendimento da pessoa com deficiência, mas
também tem a missão de induzir a política, no município do Rio de Janeiro,
para que de fato as pessoas com deficiência tenham seus direitos garantidos.
No ano de 1992, inaugurou-se mais uma unidade de grande porte, em Campo
Grande, com os mesmos serviços, as mesmas ações e as mesmas gerências.
Em 1995, foi lançado o programa de Reabilitação Baseada na Comunidade,
o RBC, a primeira ação descentralizada da SMPD. Hoje, o RBC está em mais
de 600 comunidades do Rio de Janeiro e é composto por profissionais da
área da reabilitação e da assistência que, em parceria com o Programa de
Saúde da Família, vão até as casas e batem à porta das pessoas com deficiência,
levantando as suas demandas e encaminhando essas pessoas para as políticas
setoriais. É um trabalho em parceria com a Secretaria Municipal de Saúde,
que tem tido bastante êxito no sentido de incluir as pessoas com deficiência,
que muitas vezes não conseguem sair das suas comunidades e chegar ao
asfalto, para que essas pessoas possam de fato ter garantidos os seus direitos,
seu atendimento em reabilitação, a sua inclusão nas políticas sociais.
Há dez anos, com a inauguração da primeira Casa-Lar, iniciava-se um
trabalho em parceria com o Instituto Franco Basaglia, na lógica da
desospitalização de pessoas que viviam em condições sub-humanas, numa
instituição do Rio de Janeiro, o Centro Educacional Deolindo Couto. A
intervenção foi feita por imposição do Ministério Público, pois as pessoas
viviam ali em situação degradante, asiladas, em total exclusão. Com essa
ação, nascia a primeira Casa-Lar, retirando as pessoas daquele espaço
excludente e sub-humano para um espaço de residência, onde os moradores
tiveram garantidos seus direitos de residência, de frequentar uma escola,
espaços de reabilitação, atividades de cultura, esporte e lazer. Assim, a
primeira Casa-Lar foi inaugurada em 1999, no bairro do Grajaú. É um trabalho
no qual são atendidas dez pessoas em cada equipamento, pois é preciso
preservar o espaço de convivência, de moradia. Pode parecer pouco para
uma política pública, mas é preciso garantir que os usuários convivam num
272
Residências Inclusivas
espaço de moradia, portanto não seria adequado utilizar um espaço de
dimensões muito grandes.
Também no ano de 1999 passou a ser concedida, em parceria com o Instituto
Franco Basaglia, a bolsa-cidadã. As pessoas que estavam no Centro Deolindo
Couto e tinham algum vínculo familiar puderam retornar ao convívio das
suas famílias e passaram a receber um recurso, pago até hoje, para
desospitalizar aquelas pessoas. Atualmente, o recurso se expandiu para as
pessoas que vivem situações de iminente asilamento. A bolsa-cidadã e o
projeto Casa-Lar protegem e previnem o asilamento das pessoas com
deficiência.
Em 2002, surgiu outra proposta, em parceria com o Consulado da Itália: a
Casa-Dia, cujos usuários têm vínculos familiares preservados, com certo
esgarçamento e a iminente possibilidade de asilamento. A Casa-Dia surge
também com finalidade preventiva, para que a pessoa tenha um espaço de
garantia dos seus direitos, permanecendo oito horas diárias, na escola, nos
espaços de reabilitação, de esporte, cultura e lazer. A responsabilidade é da
Secretaria Municipal da Pessoa com Deficiência, de ir e vir com a pessoa
para os espaços em que ela precisa estar inserida. Há atualmente três CasasDia no município do Rio de Janeiro, cada uma com 20 pessoas incluídas. A
lógica é garantir direitos, é a lógica da inclusão. Se aquela pessoa está com
riscos severos, a família não dispõe de recursos, de ferramentas para estar
com a pessoa em casa, seja por qual motivo for, o equipamento surge para
prevenir o asilamento.
Há ainda o Passe Livre, que garante o transporte gratuito à pessoa com
deficiência, um marco na concessão de gratuidade do sistema de transporte
rodoviário às pessoas com deficiência.
Outro marco bastante importante para a Secretaria foi a inauguração do
Centro Integrado de Atenção à Pessoa com Deficiência, em 2003. É bom frisar
que os usuários da Casa-Dia, da Casa-Lar e da República frequentam todos
esses espaços da Secretaria da Pessoa com Deficiência. É um trabalho marcado
pela intersetorialidade: o CIAD dá concretude a essa lógica da política macro;
são cinco secretarias dentro do mesmo espaço, responsáveis pela política de
inclusão da pessoa com deficiência no Rio de Janeiro: Secretaria de Trabalho,
Secretaria de Esporte e Lazer, Secretaria de Educação, Secretaria de Ciência
e Tecnologia e SMPD. Há uma vertente dentro desse espaço, de execução
direta pelo Centro Municipal de Referência, para o atendimento a crianças e
273
Residências Inclusivas
adolescentes com autismo. O CIAD Mestre Candeia fica na Avenida
Presidente Vargas, no centro do Rio de Janeiro.
Em 2004, foi inaugurada a primeira República. O projeto surgiu a partir da
necessidade de intervenção na fazenda-modelo, um espaço que abrigava
população de rua. Ali, o trabalho entre as secretarias aconteceu de forma
bastante interessante. A Secretaria de Assistência Social, juntamente com a
Secretaria da Pessoa com Deficiência e a Secretaria de Saúde, por meio do
Serviço de Saúde Mental, retirou as pessoas que ali estavam, também em
condições precárias. Na República, as pessoas já podem prover seu próprio
cotidiano, têm um nível de autonomia maior. Cuidam da higiene da casa, da
alimentação. É um espaço também bastante interessante. São quatro
Repúblicas hoje, uma feminina e três masculinas.
A quarta Casa-Dia foi inaugurada na Rocinha, no Centro de Cidadania
Rinaldo De Lamare. Além de Casa-Dia, é também um espaço cultural com
ações de reabilitação baseadas na comunidade, atividades socioculturais das
pessoas com deficiência, por ação da equipe de RBC.
A SMPD existe não só para realizar o atendimento das pessoas com
deficiência, mas também para induzir a política de inclusão dessas pessoas e
garantir então os seus direitos. São resultados dessa atuação a rede básica de
transportes, o ônibus adaptado e manual de transporte de deficientes, a
regulamentação da paridade do Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa
com Deficiência, o CONDEF-Rio, telefones públicos para pessoas com
deficiência, a Rede Cidadania e Trabalho, a participação nos Jogos
Parapanamericanos, a orientação para adaptação de prédios residenciais,
cursos para síndicos e administradores de imóveis, a capacitação de
trabalhadores do sistema de transporte coletivo, do Metrô Rio, da SuperVia,
da rodoviária e empresas aéreas, a capacitação dos profissionais da área de
turismo, entretenimento e restaurantes, a Mostra de Arte Eficiente do RBC,
uma mostra que mobiliza toda a cidade (os usuários das comunidades
aguardam ansiosamente por esse momento), o manual de acessibilidade para
a rede hoteleira, seminários de tecnologias assistivas, do esporte, inclusão
social, cidadania e trabalho, o Congresso Internacional de Acessibilidade, o
Carnaval da Inclusão, a capacitação de profissionais da cooperativa de táxi,
o nosso website acessível, o Prêmio Parceria Eficiente (entregue todos os anos
àqueles que se destacam na área das pessoas com deficiência) e os Jogos da
Inclusão.
274
Residências Inclusivas
Todos os moradores, todos os usuários fazem parte da proposta de trabalho
da SMPD, que é uma proposta de inclusão, de garantia de direitos. Ela ainda
não atende a uma quantidade tão considerável de pessoas, que merecem
estar incluídas, residirem, ir e vir, mas já é um começo. O desafio atual é
ampliar esses serviços, num processo de construção.
Vânia Melo Bruggner Grassi: Segundo o site da Secretaria de Estado dos
Direitos das Pessoas com Deficiência, residências inclusivas são moradias
providas de ajudas técnicas para abrigo de pessoas com deficiência, de baixa
renda, que necessitam de apoio externo para algumas de suas atividades da
vida diária, conferindo-lhes ampla autonomia, cidadania e inclusão. A
primeira definição foi um passo positivo na reflexão sobre o trabalho da APAE
de Bauru, pois a experiência está de acordo com este conceito.
No Fórum de Residência Inclusiva, a proposta de minuta entre o Ministério
da Saúde e o Ministério do Desenvolvimento também conceitua a residência
inclusiva. Esses serviços seriam casas inseridas na comunidade destinadas à
moradia de pessoas com deficiência, internadas por longa permanência, ou
em risco de institucionalização, por não possuírem laços familiares ou suporte
social de maneira inclusiva. Mais uma vez, nessa reflexão sobre a APAE de
Bauru, pode-se concluir que ela está no caminho certo. Em novembro de
2009, a tipificação dos serviços socioassistenciais do Brasil cita as residências
inclusivas, mas não as conceitua. Fala-se da importância e da necessidade de
se criarem esses serviços, mas não há uma conceituação, não se definem as
características e as provisões necessárias.
A Casa-Lar da APAE de Bauru, “Lar, Doce Lar”, é um convênio com o Estado
de São Paulo, financiada pela Secretaria Estadual de Assistência e
Desenvolvimento Social, que tem por finalidade a execução de programas
de proteção social especializada. O acompanhamento em Bauru, pela
Secretaria, se dá por meio das Diretorias Regionais de Assistência e
Desenvolvimento Social (DRADS). Há um acompanhamento, um
monitoramento constante, periódico, da DRADS Bauru. De um lado está o
Estado, a SEADS, a DRADS, e do outro a APAE de Bauru, que gerencia o
serviço. Todo o serviço de acolhimento (hoje não se fala mais em “abrigo”) é
de responsabilidade de uma guardiã, que é a presidente da instituição. A
presidente da APAE de Bauru, Olga Bicudo, é a responsável legal e cabe a
275
Residências Inclusivas
ela toda a assistência material, moral e educacional das pessoas que residem
na casa. A supervisão é feita pela diretora técnica.
A Casa-Lar é uma experiência muito nova, pontual, que surgiu porque três
anos atrás, em 2007, a DRADS fez o convite para sua criação, por motivos
similares aos já mencionados neste painel. Havia duas instituições muito
grandes na cidade, com sete pessoas, numa condição de asilo. O convênio
havia sido encerrado. As pessoas seriam transferidas para outros serviços,
não se sabe para onde, no Estado de São Paulo. A APAE de Bauru ficou
muito preocupada e aceitou o desafio, pois uma das sete meninas já estudava
na APAE. A casa da APAE é uma casa de convivência, acolhedora e simples.
É um lar, no aspecto físico, mas essencialmente educativa nos seus ambientes,
na sua dinâmica. Estimula o contato e a preparação para o mundo, para a
vida, para a família, em alguns casos, e para comunidade. Para aceitar o
desafio, a APAE impôs algumas condições para a própria DRADS. Por
exemplo, o acolhimento daquelas meninas teria que ser diferente. A equipe
da APAE gostaria de preparar e sensibilizar as residentes, quando entrasse
alguma usuária nova e, ao mesmo tempo, quando alguma menina fosse
indicada para o acolhimento da casa, a APAE iria até a cidade da menina. É
o que está sendo feito. A APAE já foi a Taquarituba, a Valinhos, para preparar
essa pessoa para vir para o lar da APAE, para que nada aconteça de forma
traumática, como é a experiência por elas vivida até então.
Outra coisa muito importante é a participação da comunidade na vida dessas
pessoas. Teria que ser uma casa na comunidade e as meninas teriam que
fazer parte da comunidade local. Assegura-se a garantia da escolarização,
da profissionalização, do atendimento à saúde. Outro ponto foi o BPC –
Beneficio de Prestação Continuada. Algumas dessas meninas,
vulnerabilizadas, têm direito a esse benefício, e uma das condições
estabelecidas pela diretoria da APAE é que esse recurso fosse empregado
totalmente em beneficio das residentes.
A proposta foi iniciar com um grupo pequeno, de dez pessoas, e a pretensão
é crescer, mas sempre com residências para pequenos grupos de dez pessoas.
Sempre fazendo aquilo que é a obrigação da instituição: respeitar a
individualidade, a diversidade, e promover a vida das meninas com
dignidade. Outro ponto, já levantado aqui, é a participação das meninas no
planejamento e na avaliação. As regras são discutidas com elas, juntamente
com as cuidadoras e com as responsáveis, e elas participam do planejamento
e das decisões da casa. Muitas delas chegam sem história de vida, se perderam
276
Residências Inclusivas
numa sucessão de transferências, de instituição para instituição. Portanto,
um princípio seguido é mantê-las atualizadas, manter a história de vida delas.
O objetivo principal, como é um serviço de acolhimento especial para meninas
fragilizadas, meninas que têm o vínculo familiar rompido ou fragilizado, é
acolher e garantir a proteção integral. É resgatar um ambiente de família,
oferecendo uma oportunidade de convivência afetiva, equilibrada e saudável,
favorecer a convivência comunitária, favorecer o desenvolvimento de
aptidões, habilidades, sempre buscando a autonomia e a participação das
meninas no processo. Um item muito difícil, mas que se procura seguir, com
certo sucesso, é preservar os vínculos com a família de origem, salvo
determinação judicial em contrário. E o trabalho visa sempre à independência,
autonomia e autocuidado.
Trata-se de uma casa simples, acolhedora, inserida na comunidade, num
bairro de classe média de Bauru. Em termos de características fisicofuncionais
(é uma casa alugada), não é acessível ainda, mas sofreu algumas adaptações.
Em Bauru, uma cidade do interior do estado, é difícil conseguir uma sala
que acolha dez pessoas. As casas são muito pequenas ou estão num bairro
mais privilegiado e não de classe média. A casa da APAE é um pouco antiga,
foi reformada, mas tinha que ter algumas características iniciais. Possui duas
salas de estar, com mobiliário adequado para o conforto e a comodidade. A
decoração e a escolha da cor partiu das meninas. Elas escolheram o sofá
vermelho. Os dormitórios ainda não proporcionam a individualidade e a
privacidade ideais. Seria muito bom poder contar com um dormitório para
uma ou duas pessoas, mas não é possível ainda. Os dormitórios têm três a
quatro residentes cada um. A copa e cozinha contém todos os equipamentos,
liquidificador, micro-ondas, tudo para que elas realmente tenham condição
de executar as atividades domésticas. As instalações sanitárias não são
acessíveis. Neste primeiro momento, todas as residentes são deficientes com
deficiência intelectual. Há uma área de lazer, uma área de serviço,
churrasqueira, enfim, os recursos necessários para oferecer uma boa
qualidade de vida para as meninas. Busca-se garantir a segurança e a
funcionalidade. Embora a casa ainda não atenda às normas de acessibilidade,
há um projeto na SEADS totalmente adaptado, dentro das normas da ABNT,
aprovado pela Vigilância Sanitária, que aguarda financiamento. Decidiu-se
não contar com uma perua para o transporte. Há um automóvel comum
para o transporte, para levar uma residente ao médico, a algum atendimento
na comunidade.
277
Residências Inclusivas
A dinâmica das meninas na casa envolve todas as atividades da vida prática,
levantar, dormir, cuidar da casa, fazer seu leite, arrumar sua mesa. Como a
casa está inserida no bairro, na comunidade, as meninas estão em escola de
educação especial, ensino comum e também em cursos profissionalizantes.
Das dez residentes hoje acolhidas, três já foram colocadas no mercado de
trabalho desde o momento em que vieram para a casa. Uma que trabalha
numa universidade, como auxiliar de cozinha, uma numa loja de confecção,
é atendente, e a outra no supermercado do bairro, com a função de
empacotadora.
Há uma menor de 18 anos, sete têm entre 18 e 30 anos e duas têm mais de 30
anos. O diagnóstico é de deficiência intelectual, com algumas comorbidades,
e uma apresenta transtorno invasivo do desenvolvimento. Os graus de apoio
na casa são diferenciados. Não são todas intermitentes, têm desde o apoio
limitado a até o pervasivo, de acordo com a avaliação da equipe.
É importante ressaltar as circunstâncias antes do acolhimento. Três delas
passaram por abandono físico, afetivo ou psicológico, duas são órfãs e nove
passaram por violência doméstica, vitimização física, psicológica, sexual ou
negligência. O tempo de acolhimento é de três anos (o tempo de existência
da casa), mas algumas meninas foram institucionalizadas por mais de vinte
anos.
A quantidade de transferências é outro ponto a ser considerado. Algumas
meninas passaram por sete instituições diferentes durante a vida. Três delas
estão no mercado de trabalho, como já se mencionou, duas estão no curso de
educação profissional, três em escola de educação especial, duas em centro
de convivência e uma no ensino comum. Sete delas conseguem manter o
vínculo familiar, mas no caso de três delas a família permanece
institucionalizada. Alguns pais, que vivem na comunidade, visitam a
residente, e outros apenas telefonam. Todas estabelecem um vínculo afetivo
com a equipe. Quatro delas estão namorando e duas recebem amigos da
comunidade.
O serviço oferecido pela APAE é caro. É difícil mantê-lo. Optou-se por não
oferecer a mãe social, mas há uma assistente social e uma psicóloga
diariamente no lar, que funcionam como mãe social e possuem um vínculo
afetivo muito grande com as meninas. Há quatro cuidadoras para o período
diurno, quatro para o período noturno e uma auxiliar de limpeza. Há ainda
uma equipe de retaguarda: o atendimento na área de saúde é feito no
278
Residências Inclusivas
ambulatório da instituição fora da casa, que conta inclusive com um
neuropsiquiatra e toda a equipe multidisciplinar.
Está clara atualmente a necessidade de uma melhor definição dos papéis do
Estado, do Ministério Público e da sociedade civil, não somente em relação a
esses lares, aos serviços de acolhimento, mas principalmente no serviço de
apoio e assistência às famílias vulneráveis pela pobreza que tenham uma
pessoa com deficiência que necessite de assistência. Novos modelos de
acolhimento, mais humanos e inclusivos, são necessários. O desafio maior é
a emancipação das residências. Como fazer para que essas meninas realmente
sejam incluídas e saiam deste lar? Um dos meios propostos é restabelecer
vínculos, que já foram bastante fragilizados, mas o grande desafio da APAE
de Bauru é o estabelecimento de novos vínculos. As meninas já estão
namorando, estão querendo casar, formar uma nova família. Os namorados
também são deficientes intelectuais. É para esses novos desafios que a APAE
está se preparando a partir de agora.
Com certeza, não se pode mudar o passado de exclusão e violência a que
essas pessoas foram submetidas nas instituições, mas nós, Estado e sociedade,
temos o dever de construir um presente digno, com perspectiva de um futuro
de inclusão, onde a humanidade transcenda o discurso e assuma atitudes
concretas. Ou seja, é preciso parar com discursos, leis, e realmente partir
para a ação.
279
A Copa do Mundo, Olimpíadas e Paraolimpíadas
como Vetores de Transformação e Inclusão Social
É notório o legado que os maiores eventos esportivos – Copa do Mundo, Olimpíada
e Paraolimpíada, deixam em seus países-sede. O Brasil terá, nos próximos anos,
uma oportunidade ímpar de promover desenvolvimento e importantes transformações
sociais no processo de preparação para sediar essas competições. Toda a sociedade se
beneficiará desse processo. Contudo, para as pessoas com deficiência, trata-se de um
momento particularmente especial, já que as normas e critérios de acessibilidade
deverão pautar, inclusive por força de lei, todo o planejamento e execução das obras
e ações necessárias, tanto nos locais das provas como no restante do País.
Introdução: Linamara Rizzo Battistella – Secretária de Estado dos Direitos
da Pessoa com Deficiência - São Paulo, SP
Cid Torquato (moderador) – Coordenador de Articulação Institucional e
Políticas Públicas - Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência
- São Paulo, SP
Alcino Reis Rocha – Assessor Especial do Futebol - Ministério do Esporte Brasília, DF
Luis Salles – Assessor da Presidência da São Paulo Turismo - SPTuris - São
Paulo, SP
Roque de Lázaro Rosa – Assessor da Presidência do Metrô - São Paulo, SP
Nilce Maria Costa dos Santos – Assessora da Presidência da Empresa
Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária - INFRAERO - Ministério da Defesa
- Brasília, DF
Andrew George William Parsons – Presidente do Comitê Paraolímpico
Brasileiro - Brasília, DF
A Copa do Mundo, Olimpíadas e Paraolimpíadas como Vetores de Transformação e Inclusão Social
Introdução: Linamara Rizzo Battistella:
Uma palavra muito rápida de agradecimento aos nossos expositores. A
ideia desse encontro de tecnologia era realmente juntar pessoas com
vocação para o desenvolvimento tecnológico, para a inovação, e traduzir
o encontro, de maneira sinérgica, em novas oportunidades para o mercado
e para as pessoas com deficiência.
O tema deste bloco é muito interessante: como a cidade se organiza, ou
como o país se organiza, para dois eventos que terão destaque mundial,
que são a Copa do Mundo e a Olimpíada. O Estado brasileiro tem um
papel relevante no sentido de descobrir ou vocacionar os jovens para que
comecem agora a se preparar para o momento olímpico, que é tão
importante. Costuma-se dizer que o Brasil do paradesporto tem sido
melhor que o Brasil do desporto convencional. É preciso continuar
mantendo essa marca. O novo cenário exige que as cidades se adaptem,
que as instituições se tornem mais acessíveis, que o mobiliário urbano, o
transporte, os hotéis, os centros de convenções tenham efetivamente uma
condição de acessibilidade que permita incluir a todos.
Quando se fala em acessibilidade na Copa do Mundo e nas Olimpíadas,
fala-se no transporte sobre rodas, no transporte sobre trilhos, nos
aeroportos, nos portos marítimos e fluviais, em uma série de serviços que
precisam ser implantados. É uma grande oportunidade, do ponto de vista
mercadológico, um novo ciclo econômico que o Brasil passa a liderar e
para o qual muitos poderão contribuir. Essas ações devem receber o devido
destaque dentro das políticas governamentais, efetivar-se em produtos
que tenham significado para as pessoas com deficiência. Não é demais
desejar que, a partir desse esforço, São Paulo se coloque como um
paradigma na inclusão das pessoas com deficiência, na construção de
uma sociedade para todos, e que se chegue a 2014 e 2016 como um marco
de acessibilidade e inclusão social. Mas, para que isso aconteça, além das
discussões que ajudarão a refletir sobre esse novo momento, há um papel
importantíssimo daqueles que estão dentro dessa área de desenvolvimento,
que fazem deste um mercado extremamente promissor. Registramos aqui
o nosso agradecimento muito especial a cada um dos expositores, sejam
da universidade, dos institutos de apoio à pesquisa ligados às fontes de
financiamento do governo federal ou das instituições do mercado. A cada
um deles, à UFMG, à ITS, Ecomed, BBZ, Cajumoro, Espaço Dumont,
282
A Copa do Mundo, Olimpíadas e Paraolimpíadas como Vetores de Transformação e Inclusão Social
Borrachas Daud, Lógica Soluções, Geraes, All 4 All, Aureside, Mais
Diferenças, Phonak, Fundação Veritas, Andaluz, Tecassistiva, WG / Efeito
Visual, Cavenaghi, Laratec e Agillize, o nosso agradecimento por
tornarem a vida mais inclusiva, por possibilitarem que as pessoas com
deficiência se expressem com a melhor e a mais completa funcionalidade,
que as diferenças se constituam em oportunidades, que a eficiência seja
um fator de relevância capaz de introduzir cada um dos brasileiros dentro
deste cenário. Registramos nossos agradecimentos pelo esforço da
inovação e nosso desejo de que este grupo continue unido, constituindose num bloco uniforme para que as pessoas com deficiência tenham
oportunidades justas. Fica ainda o agradecimento à Instrucom, Brava,
Tempur do Brasil, Terra Indústria Eletrônica, Ansett, Fundação CPqD,
Centro Paula Souza, Mandic, Carci, Guldmann do Brasil, Click, Touch
Bionics / OSSUR, Fundação Otorrinolaringologia, Bengala Branca,
Blumenthal Importadora e Distribuidora, KF Veículos Especiais, IMREA/
Telemedicina da USP, Bonavision, Rea Team, Interactive Motion,
Freedom, Expansão, Altra, Signo Sinal, THK Brasil, Antarq, Hocoma
AG, Supereficiente, Universidade Estadual de Londrina, SENAI, Otto
Bock, Prokinetics e Proaid. Foi uma incrível oportunidade para rever
velhos amigos, identificar novas oportunidades. O mais importante agora
é não nos dispersarmos. Vamos continuar juntos.
O agradecimento de todos nós, do Cid Torquato, do Marco Antonio
Pellegrini, de todos que integraram esse esforço, aos organizadores, ao
Banco de Projetos, aos nossos colaboradores diretos da Secretaria, como
a Graça Santos e a Maria Alice Cerello, por esse esforço, pela sinergia
que oportunizou este grande momento. Somente por meio de uma intensa
colaboração se consegue chegar a esses resultados, e essa colaboração não
pode acabar aqui. Mais uma vez, vamos continuar juntos; não vamos
nos dispersar.
Alcino Reis Rocha: Os três grandes eventos abordados neste painel, a Copa
do Mundo de Futebol, as Olimpíadas e as Paraolimpíadas, mostram os
resultados de uma nova política que o nosso país adotou no cenário
internacional. Não é gratuita a presença do Brasil, com opinião própria e
uma política específica, nos grandes eventos internacionais. Ela faz parte da
estratégia de ocupar uma posição mais apropriada ao tamanho e à
283
A Copa do Mundo, Olimpíadas e Paraolimpíadas como Vetores de Transformação e Inclusão Social
importância do nosso país no continente e no mundo. No entanto, para
desenvolver essa política, é preciso que o país seja uma referência na
realização de grandes eventos internacionais. Mais recentemente, houve o
Pan-americano e o Parapan-americano no Rio de Janeiro em 2007. Cúpulas
internacionais acontecem agora rotineiramente no nosso país, em especial
em Brasília, com a presença cada vez maior de chefes de Estado. A
possibilidade de realizar esses três grandes eventos coroa a decisão de nos
tornarmos uma grande vitrine para o mundo.
Não se trata, simplesmente, de grandes eventos esportivos. Nenhum outro
evento, de qualquer natureza, consegue reunir tantas pessoas de todo o
mundo em um único país, ou atrair tanta atenção, através das transmissões
pela televisão e outros meios de comunicação, como os eventos citados. A
Copa da Alemanha, realizada em 2006, conseguiu mobilizar dois milhões de
pessoas somente para assistir às competições em território alemão, além dos
turistas tradicionais que visitam aquele país.
Aqui, a final da Copa do Mundo de Futebol reúne o maior número de pessoas
no mesmo dia e no mesmo horário como expectadores de um único evento.
Não existe nada comparável, em termos de audiência mundial, a uma Copa
do Mundo de Futebol. Portanto, temos uma oportunidade de ouro para
mostrar ao mundo a capacidade do Brasil de adotar determinadas soluções
que sirvam de referência internacional e, acima de tudo, deixem um grande
legado para a nossa população. Este é o desafio: tentar tornar esses eventos
mais presentes na vida dos brasileiros após a sua realização, por meio de
boas práticas, de novas tecnologias, da compreensão correta de determinados
direitos. O nosso grande desafio é traduzir a realização desses eventos em
grandes legados. Muitas vezes, quando se fala em legado, pensa-se única e
exclusivamente em obras físicas, na construção de estádios, metrôs, VLTs,
estradas, rodovias. Na concepção do Ministério dos Esportes, legado quer
dizer também determinadas condutas, comportamentos e atenções a direitos
que, com a Copa e as Olimpíadas, nosso país começa a assumir.
Nas Olimpíadas da China, a imprensa do mundo todo deu destaque ao hábito
do chinês de cuspir no chão, e o governo chinês preparou toda a população
para que não fizesse mais aquilo. Aquele comportamento era incabível para
uma cidade que estava sediando as Olimpíadas e, portanto, deveria ser
abandonado, não somente durante a realização das Olimpíadas, como
também depois do evento. Essa é uma demonstração simples de
284
A Copa do Mundo, Olimpíadas e Paraolimpíadas como Vetores de Transformação e Inclusão Social
determinados hábitos culturais que podem ser modificados. No Brasil, não
temos a prática de respeitar o assento quando compramos ingresso para
assistir a determinado jogo no estádio. Compramos o ingresso para um
determinado assento numerado e ninguém ocupa o respectivo assento. Isso
vai ter que mudar, porque no mundo todo isso é respeitado, em especial nos
grandes eventos. É uma prática corriqueira que terá que mudar e queremos
que a mudança fique como legado.
A Copa do Mundo de Futebol será realizada em doze cidades brasileiras.
Em cada uma dessas cidades, haverá intervenções para recepcionar o evento,
em especial a construção de um grande estádio de futebol, respeitando
rigorosamente todas as determinações da FIFA. Além de se obedecer à
legislação nacional, no que diz respeito à construção, serão respeitados
também todos os parâmetros de qualidade que a FIFA exige para a realização
da Copa do Mundo. O Governo Federal e o Comitê Organizador têm
acompanhado o desenvolvimento dos projetos e foi lançada recentemente
uma linha de crédito do BNDES, da ordem de 5 bilhões de reais, específica
para os estádios. Alguns estádios serão construídos, outros demolidos e
reconstruídos e outros reformados. Um bom exemplo é o Morumbi, em São
Paulo, que será o estádio da Copa de 2014.
Paralelamente à realização dessas obras, terão destaque as obras de
mobilidade urbana. Essa foi uma decisão do próprio Presidente da República:
privilegiar os recursos de mobilidade urbana nas doze cidades que sediarão
a Copa do Mundo de Futebol. Outro grande destaque de infraestrutura serão
as obras necessárias aos aeroportos dessas cidades. É de conhecimento geral
que boa parte dos nossos aeroportos já está mais do que esgotada em termos
de capacidade de atendimento ao público. O próprio crescimento da
economia brasileira tem gerado um público em condições de ter acesso a
esse meio de transporte. Quando se associa essa situação à realização de
grandes eventos como a Copa e a Olimpíada, a situação fica bem mais difícil.
Portanto, em todos esses aeroportos foram programadas obras de intervenção
para, justamente, aumentar a capacidade de atendimento.
Assim, os três grandes vetores de intervenção com obras são os estádios, a
mobilidade urbana e os aeroportos. Em relação à mobilidade urbana, o
Governo Federal apoia um projeto apresentado pelo Governo do Estado de
São Paulo, que é a construção de um monotrilho, também chamado de VLT,
que ligará as estações São Judas/Jabaquara, o aeroporto de Congonhas e o
285
A Copa do Mundo, Olimpíadas e Paraolimpíadas como Vetores de Transformação e Inclusão Social
estádio do Morumbi, justamente para facilitar a locomoção das pessoas que
acessem a rede pública do metrô e mesmo o aeroporto, para que cheguem
mais facilmente ao estádio do Morumbi. A obra deve ser iniciada já no ano
que vem e pretende-se que esteja concluída até o final de 2013.
Além dessas grandes obras, o governo brasileiro está se preparando para
adequar o seu ordenamento jurídico, ou seja, criar leis para que os eventos
sejam realizados da melhor forma possível. No que diz respeito à Copa, está
se desenhando uma lei geral da Copa do Mundo de Futebol, que tem como
pressuposto o cumprimento de algumas garantias apresentadas à FIFA para
a realização desses eventos. Propõe-se um tratamento privilegiado a
determinadas necessidades da FIFA, ou mesmo do COI, para a realização da
Copa. Nessa legislação, pretende-se ir além, abordando as já referidas boas
práticas, as boas condutas, para que permaneçam como um legado ao país.
Nesse momento, teremos uma possibilidade privilegiada de debater essas
questões, em especial a sensibilidade a grandes intervenções urbanísticas,
não somente ao que diz respeito aos estádios.
Nesse sentido, nosso país pode dar um bom exemplo ao mundo. Discute-se
a questão da promoção do turismo nacional, procura-se dar oportunidade
ao cidadão ou ao turista que venha ao Brasil, para conhecer o país de Porto
Alegre a Manaus, passando por Cuiabá e pelo Nordeste. Discutem-se políticas
específicas de sustentabilidade ambiental, a questão do carbono, a
possibilidade de mostrar a biodiversidade brasileira, e também devem ser
incluídas a pauta da acessibilidade e a garantia de preservação dos direitos
das pessoas com deficiência, como um grande exemplo na realização desses
eventos, em especial da Copa do Mundo, já que será realizada em doze
cidades.
Luis Salles: O Sr. Luis inicia a apresentação reproduzindo uma gravação de áudio,
com a seguinte narração:
“Estádio do Pacaembu. Não há lugar melhor para deixar a emoção a mil.
Tradicional palco de grandes disputas, o estádio do Pacaembu, o Paulo
Machado de Carvalho, foi sede do empate entre Brasil e Suíça na Copa
do Mundo de 1950. Assim como os estádios do Morumbi, Canindé e
Palestra Itália, é um templo para sentir a paixão brasileira que é o futebol.
Consulte a tabela de jogos e faça parte dessa festa.
286
A Copa do Mundo, Olimpíadas e Paraolimpíadas como Vetores de Transformação e Inclusão Social
[depoimento]: Quando eu entrei no estádio fiquei muito, muito, feliz.
Foi ótimo, um sonho que se tornou real. A sensação é de fazer parte do
jogo, como se estivesse lá, junto com os jogadores. As pessoas sentem a
partida com o coração. Quando o time fez o primeiro gol, eu fiquei
impressionado com todas aquelas pessoas gritando: Goooooooooooool!
Que boa impressão! Foi a primeira vez que estive numa partida de futebol
no Brasil e foi um grande momento para mim.”
Esta pequena gravação faz parte do mapa das sensações, um projeto pioneiro
no Brasil, desenvolvido pela São Paulo Turismo e pela Prefeitura Municipal
de São Paulo, no qual se ouvem turistas nacionais e estrangeiros, de várias
partes do mundo, falando sobre vinte locais escolhidos como mais
emblemáticos da cidade de São Paulo, do ponto de vista da sensação que ele
causa. Ela pode ser auditiva, visual, degustativa, ou seja, é a análise dos cinco
sentidos determinando o posicionamento do turismo na cidade de São Paulo.
O trabalho gerou um mapa, disponível na internet no seguinte endereço:
www.omapadassensacoes.com.br - website em que se tem acesso aos vídeos
e ao áudio. De acordo com o último censo consultado, o maior índice de
deficiência é o visual, portanto fez-se questão de criar um link específico de
áudio, por meio do qual fosse possível transmitir um pouco da sensação que
esses locais causam.
Em relação à Copa do Mundo, em São Paulo foi criado um comitê executivo,
formado basicamente por secretarias municipais e estaduais de vários
segmentos. Desde 2007, quando o Brasil foi indicado como sede de Copa do
Mundo, a SPTuris tem participado de muitos debates e palestras sobre o
assunto. No início de 2008, foi convidada pela Polícia Militar a apresentar o
planejamento da cidade de São Paulo para a Copa, aos oficiais que irão dirigir
a polícia em 2014 e queriam, desde já, estar preparados para esse
planejamento. Em alguns dias, haverá uma reunião com a Comissão
Permanente de Acessibilidade da Secretaria Municipal da Pessoa com
Deficiência e Mobilidade Reduzida, para que as providências necessárias
sejam tomadas desde já, basicamente em duas vertentes: a pessoa com
deficiência como expectadora e como colaboradora. A Comissão Permanente
de Acessibilidade passa a fazer parte do comitê executivo de preparação da
cidade de São Paulo para a Copa do Mundo.
O comitê tem basicamente seis núcleos. O núcleo de infraestrutura abordará
uma série de itens já mencionados, que envolvem a realização de obras. O
287
A Copa do Mundo, Olimpíadas e Paraolimpíadas como Vetores de Transformação e Inclusão Social
núcleo de integração cuidará da ação de governo em cada um dos itens
desenvolvidos para a Copa do Mundo. Haverá uma troca de Governo
Municipal, uma troca de Governo Estadual e uma troca de Governo Federal.
O núcleo de integração vai trabalhar justamente para que não se perca o fio
da meada. O terceiro núcleo é o de eventos e oportunidades. A cidade de São
Paulo tem essa característica: um evento pequeno em São Paulo tem dois
milhões de pessoas, ou seja, embora a cidade seja um pouco rígida em alguns
momentos, também é bastante elástica do ponto de vista da organização de
eventos. O núcleo de legislação cuidará de toda a compatibilização legal. O
núcleo de turismo é autoexplicativo. Para o núcleo de comunicação e dados,
a CPA está sendo convidada justamente a ajudar, para que se entenda o que
é esse segmento e como abordá-lo. É extremamente difícil fazer este trabalho,
por isso a CPA está sendo convidada.
O núcleo de integração tem responsabilidade socioambiental e de legado. O
de infraestrutura cuida das dezenove grandes obras que estão sendo
realizadas na cidade de São Paulo. O Governo Municipal e o Governo
Estadual, com a ajuda do Governo Federal, estão investindo 37 bilhões de
reais em obras de mobilidade, sistemas de transporte, novas vias, no rodoanel,
ou seja, a cara de São Paulo mudará totalmente até 2014, com saneamento,
tecnologia e governança. O núcleo de legislação é fundamental, porque a
cidade precisa se adequar a uma série de exigências da FIFA e tem que
compatibilizar essas exigências com as leis existentes. Um exemplo: hoje nos
estádios de São Paulo é proibido vender bebida alcoólica, mas na Copa do
Mundo tem que ser permitido, por razões comerciais, de um evento privado.
Em São Paulo temos o programa “Cidade Limpa”; será feito um estudo de
abrandamento do “Cidade Limpa” para a época da Copa, porque a FIFA faz
uma exploração comercial desses espaços. Então tem que haver uma grande
compatibilização de normas e legislações. O núcleo de turismo cuidará
basicamente de como o setor privado vai lidar com esse grande evento, da
criação de produtos e da capacitação. Mais importante que o legado físico
da Copa do Mundo é a condição que o Brasil passa a ter no pós-Copa. O
núcleo de eventos e oportunidades, ou seja, todo e qualquer tipo de evento
que aconteça durante a Copa e antes da Copa, o calendário definido de julho
de 2010 a julho de 2014, todo o calendário de eventos será organizado nesse
núcleo. No núcleo de comunicação e dados, que envolve pesquisa, imprensa,
comunicação visual e voluntariado, as pessoas com deficiência física podem
vir a ter um papel fundamental, inclusive no fornecimento de mão-de-obra.
288
A Copa do Mundo, Olimpíadas e Paraolimpíadas como Vetores de Transformação e Inclusão Social
O estádio do Morumbi, como se sabe, possui uma arquitetura antiquada
que está sendo adaptada. Ainda haverá um grande processo de adaptações
que a FIFA tem exigido, principalmente porque há uma expectativa de que a
abertura da Copa poderia ser realizada nesse estádio. É preciso compatibilizar
a área que não está disponível com a área que a FIFA exige para realização
de Copa do Mundo. Além do estádio do Morumbi, serão utilizadas as
instalações do clube do São Paulo, toda a área social, e também a Praça
Roberto Gomes Pedrosa, que fica bem em frente ao estádio, para que sejam
montadas as áreas de hospitalidade que serão exploradas pela FIFA. Hoje o
estádio tem 75 mil lugares, mas esse número cairá para perto de 62 mil. Será
um estádio 100% coberto, independente da abertura da Copa. O investimento
do São Paulo Futebol Clube (pelo acordo firmado com os Governos Estadual
e Municipal, toda obra a ser realizada dentro do estádio ou do perímetro
privado será paga pelo próprio clube). A Prefeitura, o Estado e a FIFA arcarão
com as despesas provisórias de adaptação para a Copa do Mundo, num
orçamento de 300 milhões de reais.
Ainda há muitas dificuldades pela frente, o limite da responsabilidade se
aproxima e alguns gargalos estão sendo enfrentados. No caso do São Paulo
Futebol Clube, são as obras e a ausência de área para hospitalidade. No caso
da cidade, do Governo do Estado, a definição do projeto da Praça Roberto
Gomes Pedrosa e da Linha Ouro. A FIFA tem uma série de exigências que
devem ser atendidas, inclusive algumas de acessibilidade que, felizmente,
no caso do Morumbi já estão sendo providenciadas. No caso do Governo
Federal, falta a definição dos projetos que serão financiados pelo BNDES, de
aeroportos, etc. Este é um tópico particularmente importante: segundo dados
de agosto de 2009, 71% de todos os voos internacionais do Brasil têm relação
com os aeroportos de São Paulo. A INFRAERO tem sido bastante acessível,
já demonstrou a sua preocupação com relação a essa questão também no
passado, mas essa realidade pode comprometer em parte o evento, se não
for tomada uma providência agora, pois infraestrutura aeroportuária não é
algo que se faz do dia para a noite. Essa é uma concentração muito perigosa.
Já hoje, sem a Copa do Mundo, a Agência Nacional das Águas fez um balanço
e informou que é necessário um investimento de 27 bilhões de reais nos
próximos anos para que não haja problema de abastecimento de água e
problemas com esgotos em todas as regiões metropolitanas, as quais já
consomem mais água do que têm capacidade de gerar. Portanto, se o
investimento não for feito, além do apagão, haverá falta d’água também.
289
A Copa do Mundo, Olimpíadas e Paraolimpíadas como Vetores de Transformação e Inclusão Social
Voltando à questão das pessoas com deficiência e às duas vertentes apontadas,
lembramos que a pessoa com deficiência física de qualquer grau participa
do evento Copa do Mundo como expectadora e também como colaboradora.
Em termos de inclusão social e profissional, é importante contar com planos
de capacitação, de reciclagem, de atualização profissional, que as pessoas
com algum tipo de deficiência participem também, pois esta é uma grande
oportunidade de geração de emprego. O turismo, diferentemente de outros
setores, é eminentemente utilizador de mão-de-obra. Ou seja, quando
aumenta a produção do turismo, aumenta naturalmente a necessidade de
interação com o ser humano. Eventos como esses têm essa capacidade, essa
força motora e o comitê não trata os eventos Copa do Mundo, Olimpíada e
Paraolimpíada como um objetivo final, mas como ponto inicial que capacita
o Brasil para voos mais altos e outros eventos. É importante ter essa visão,
principalmente do ponto de vista de formação de mão-de-obra.
O que esperamos que aconteça no Brasil no pós-Copa? Primeiro, a eliminação
de gargalos históricos de transporte. O investimento de 37 bilhões é bastante
expressivo e vai realmente resolver alguns problemas históricos. No caso
dos estádios, teremos doze arenas qualificadas, doze estádios em condições
de receber qualquer tipo de evento, o que em si já constitui uma mudança
cultural. No caso de serviços, obteremos um índice de qualificação que nunca
conseguimos alcançar. E, no caso da promoção internacional, a cidade passará
a receber mais eventos. Todos esses fatores proporcionarão melhor mão-deobra para atender às pessoas, melhor infraestrutura, melhor sistema de
transporte, ou seja, é um jogo em que dificilmente o Brasil perde. A cidade
de São Paulo realiza atualmente 90 mil eventos por ano, um evento a cada 6
minutos. Este próprio Encontro está engrossando essa estatística. Quem
trabalha com eventos sabe da sua importância, da capacidade de geração de
empregos, de manutenção das pessoas em suas comunidades, ou seja, o
evento hoje é fundamental.
Uma breve observação dos eventos mais importantes programados para a
cidade de São Paulo nos próximos anos destaca a Fórmula 1, já garantida na
cidade até 2014. Em 2013 temos Copa das Confederações. Em 2014, a Copa
do mundo. Em 2015, teremos Congresso Mundial do Rotary, em São Paulo.
A expectativa é de 50 a 60 mil pessoas que virão à cidade, do exterior, para
participar do evento. Teremos os Jogos Olímpicos em 2016, considerando
que os jogos de futebol das Olimpíadas serão em São Paulo, Brasília, Salvador
290
A Copa do Mundo, Olimpíadas e Paraolimpíadas como Vetores de Transformação e Inclusão Social
e Belo Horizonte. As finais é que serão no Rio de Janeiro. Haverá ainda os
Jogos Paraolímpicos. Entre 2018 e 2020, pretende-se realizar uma “Expo”
aqui no Brasil. Em 2010 haverá a Expo Shangai, em 1998 houve a Expo em
Lisboa. Já houve diversas exposições desse tipo em vários países do mundo
e São Paulo está se candidatando a fazer uma grande exposição mundial a
partir de 2018. O horizonte de planejamento da cidade termina em 2022,
com os 200 anos da Independência, que foi proclamada aqui no estado de
São Paulo, que vai ser um grande evento também, sem contar a rotina desses
90 mil eventos anuais. Assim, a Copa do Mundo não é um ponto final, mas
um pontapé inicial. Se for possível utilizar a força catalisadora da Copa do
Mundo, um evento de muita expressão, para qualificar nossa mão-de-obra e
nossa infraestrutura como se deve, poderemos tirar maior proveito de todos
esses eventos.
Em 2010 haverá também em São Paulo a C40, uma reunião com prefeitos
das quarenta maiores cidades do mundo. Virão chefes de estado e grandes
delegações. O horizonte de eventos na cidade de São Paulo é muito grande.
Se conseguirmos capacitar a mão-de-obra e fazer os investimentos corretos,
prever tudo que é necessário para uma atuação de inclusão, não esquecendo
de nenhum tipo de público, mormente as pessoas com deficiência,
resolveremos questões estruturais básicas, com rampas, solo tátil, esse tipo
de equipamento.
A título de exemplo, o Museu do Futebol, um projeto desenvolvido pela São
Paulo Turismo, juntamente com a Fundação Roberto Marinho e o Governo
do Estado, obteve um selo garantindo que a instituição é 100% acessível para
qualquer tipo de público. Foi uma vitória para a qual se trabalhou muito,
foram feitas várias adaptações no projeto. É um equipamento qualificado,
que passou a ser o padrão de todos os equipamentos culturais da cidade de
São Paulo.
Roque de Lázaro Rosa: Inicialmente, cabe mencionar que a Linha 4 – Amarela
do metrô de São Paulo terá a estação Morumbi, no ponto final da Linha
Ouro, que deve começar a operar no próximo ano. Em 2011, a estação
Morumbi deverá estar operando. O metrô de São Paulo faz parte de um
grupo de benchmarking de metrôs, que procura as melhores práticas para os
metrôs. É um grupo de 12 metrôs, do qual fazem parte os metrôs de Pequim,
Shangai, Berlim e Londres, que estão enfrentando, ou enfrentaram, o
291
A Copa do Mundo, Olimpíadas e Paraolimpíadas como Vetores de Transformação e Inclusão Social
problema de grandes eventos, sejam a Olimpíada e a Paraolimpíada, seja a
Copa do Mundo. O grupo desenvolve trabalhos a respeito de como o sistema
de transporte pode atender a esses grandes eventos. Obviamente já existe
alguma experiência em São Paulo com eventos de porte, como o Carnaval, a
Parada Gay e vários outros, que carregam bastante o sistema de transportes.
Além disso, há muito tempo se trabalha no sentido de prover a acessibilidade,
garantir que todas as pessoas possam circular de forma autônoma no metrô.
O início da operação do metrô de São Paulo foi em 1974. Naquela época,
dobrou a quantidade de escadas rolantes do país. Só em 1981 começou o
treinamento de empregados para o atendimento de pessoas com alguma
dificuldade de mobilidade. Não havia elevadores, inicialmente; apenas
escadas rolantes e escadas fixas. A circulação vertical era feita somente por
esses meios. Em 1994, foram instalados nas Linhas 3 e 2 elevadores e cancelas
nas estações. Antes de existirem as cancelas, as cadeiras de rodas tinham que
ser carregadas por cima dos bloqueios.
Na sequência, vieram as normas de edificação e de transporte público e a Lei
10.048. No ano 2000, o Conselho das Pessoas com Deficiência reuniu um
grupo de pessoas e fez uma visita técnica, uma avaliação da acessibilidade
no metrô. Em 2002, a partir desse trabalho, feito em parceria com as pessoas
que efetivamente entendem do problema, apresentou-se um plano de ação
institucional, que entrou em vigência naquele ano, com algumas obras.
Desenvolveu-se um protótipo na estação Marechal Deodoro. A estação
Marechal Deodoro é muito próxima da Instituição Lara Mara, que tinha uma
afluência bastante grande de deficientes visuais naquela ocasião. Depois, veio
a revisão da lei de acessibilidades e edificações, o decreto de regulamentação
da lei, a revisão da norma de acessibilidade e um planejamento estratégico
do metrô que incluía a parte de acessibilidade. A meta era implantar
equipamentos, adequar as instalações para tornar acessíveis as estações e
trens da rede existente e dos edifícios administrativos até dezembro de 2010.
A data prevista na legislação, de 2012, em alguns casos até 2014, foi antecipada.
Segundo a norma, desde o entorno da estação até o trem deve haver uma
acessibilidade autônoma e, em situações de anormalidade nas entrevias (em
caso de parada, por exemplo), a acessibilidade deve ser parcial, ou seja,
assistida. Nesses casos, é necessária a presença dos funcionários. Esses são
os princípios que estão sendo adotados atualmente no metrô de São Paulo.
O planejamento estratégico prevê a implantação de equipamentos e a
292
A Copa do Mundo, Olimpíadas e Paraolimpíadas como Vetores de Transformação e Inclusão Social
adequação das instalações para tornar as estações de trens da rede acessíveis
até 2010.
Na primeira fase, de 2002 a 2007, havia um plano e uma verba do orçamento
do Estado para esse fim. Investiu-se na estação Deodoro e algumas outras,
mas ainda com muitas limitações. A partir de 2007, a acessibilidade passou a
ser parte integrante do planejamento estratégico e hoje a previsão
orçamentária já faz parte do orçamento do Estado e foi aprovada pela
Assembléia, de mais de 63 milhões de reais. Um dos pontos críticos na
acessibilidade do metrô, da CPTM e de todos os outros sistemas de transporte
é a circulação vertical. Há elevadores nas linhas 3 e 2, mas não havia na linha
1. Hoje, há uma série de elevadores novos e, até 2010, todas as estações do
metrô terão elevadores. Na Linha 3, o elevador ligava a área da rua à
plataforma, ou seja, uma área não paga à área paga. Atualmente, o problema
está sendo resolvido de outra forma.
As escadas fixas e rolantes estão sendo adequadas, com recursos de
sinalização e escadas novas. Alguns recursos de segurança foram necessários,
porque algumas escadas eram lisas: atualmente, a escova do rodapé está
implantada em quase todas as escadas do metrô. Na época da Copa, em
todas as estações do metrô serão instalados totens para comunicação do
usuário com uma central. Serão 450 equipamentos. Nesses totens, existe um
vídeo, botões em braile e som, ou seja, há uma comunicação sonora e visual.
Uma câmera pode captar a imagem do usuário e, o que é interessante, a
comunicação será multilíngue, em português, inglês, espanhol e LIBRAS.
Quanto aos bloqueios, haverá torniquetes mais largos para permitir a
passagem de cadeiras de rodas. Haverá também um equipamento de redução
do vão entre trem e plataforma. Há um protótipo, ainda em fase de
desenvolvimento, que diminui a distância nas estações curvas, cujo vão está
acima do valor especificado pelas normas. O monitoramento é um serviço
prestado pelo metrô há muito tempo, em todas as estações, mediante
solicitação. A pessoa com deficiência ou dificuldade solicita auxílio na entrada,
é conduzida até o local de embarque e o centro de controle rastreia o
passageiro até o seu destino. No destino, alguém já estará esperando para
levá-la até o acesso de saída.
Em 2005, foram 124 mil usuários assistidos; em 2008 chegou-se a 395 mil
usuários, dos quais a grande maioria eram pessoas com deficiência visual.
Em 2009, são 430 pessoas por milhão de passageiros transportados. O número
293
A Copa do Mundo, Olimpíadas e Paraolimpíadas como Vetores de Transformação e Inclusão Social
de passageiros transportados atualmente é de 3 milhões e meio por dia.
Portanto, são cerca de 1.500 pessoas assistidas a cada dia.
Há um trabalho de comunicação visual, sinalização e piso tátil. Foram
instalados pisos antiderrapantes, sinalização de alerta nos degraus das
escadas fixas e pintura de faixa branca para delimitar a plataforma. A faixa
amarela atualmente é uma faixa tátil e serve também para manter as pessoas
longe do trem enquanto ele está chegando. O piso tátil de alerta já foi instalado
em todas as estações do metrô. Ele evita que as pessoas atinjam obstáculos
ou corram riscos. O piso direcional pode levar uma pessoa com deficiência
visual desde o acesso até o trem. Nos elevadores há câmeras, um painel
permite que o usuário se comunique com o centro de operação da estação e
há também uma botoeira em braile, para inicializar o contato. Dentro do
elevador a sinalização é toda em braile e há comunicação por voz.
Quando se chega a uma estação do metrô, todos querem se localizar na região.
O metrô tem um mapa de arredores em todas as estações. São mapas muito
interessantes, e há um mapa tátil de arredores, com sinalização em braile
dos nomes das ruas e algumas instituições, alguns locais de interesse, por
exemplo a Santa Casa, a FESP, a Biblioteca Monteiro Lobato, etc. Hoje existe
apenas um desses mapas, na estação Santa Cecília, mas teremos esse mapa
em todas as estações.
Outro ponto é a veiculação de informação em tempo real. A nova comunicação
visual utiliza recursos para veiculação em tempo real, por meio de vídeos
em painéis de LCD, mostrando as mais diversas mensagens. As mensagens
visuais são sincronizadas com mensagens sonoras. A nova comunicação
visual vai ser bilíngue, em inglês e português. Provavelmente, será incluído
também o espanhol. Outro tópico interessante é a representação por ícones,
que facilita mais o entendimento geral do que palavras escritas.
A adequação dos sanitários públicos às pessoas com deficiência está sendo
feita e deve terminar ainda este ano ou no começo do próximo ano. São apoios
de mão, o vaso na posição indicada pela norma, o caminho até o sanitário
todo sinalizado. Tudo o que é necessário num sanitário público acessível
estará disponível. Como nem todas as estações do metrô têm sanitário
público, mas todas têm o sanitário do pessoal administrativo, todos os
sanitários internos também estão sendo adequados, para que uma pessoa
com deficiência possa ser atendida. Quem viaja de metrô já observou que
todos os corrimãos foram trocados. São quilômetros e quilômetros de
294
A Copa do Mundo, Olimpíadas e Paraolimpíadas como Vetores de Transformação e Inclusão Social
corrimãos trocados, para que eles fiquem adequados à norma também. No
caso de rampas, há corrimãos com dois níveis, para que as pessoas com
cadeira de rodas possam utilizá-los.
Outro ponto são os assentos para obesos. Todos os trens, em todas as estações,
já têm assentos para obesos, como exige a legislação. Não tem havido grande
uso, muito pouca gente usa. Pode ser utilizado por qualquer um, sem
problema, mas é preferencial para o obeso. Há ainda os assentos preferenciais
nos trens, para pessoas com mobilidade reduzida. Em cada carro, aumentou
o número de assentos preferenciais. Todas as estações do metrô de São Paulo
já têm telefones acessíveis para surdos e pessoas em cadeira de rodas. Para
os surdos, na verdade, há um terminal com display e teclado e a pessoa
pode se comunicar com a Telefônica. A Telefônica tem essa facilidade,
inclusive para interconectar a ligação com um telefone comum. Já o telefone
mais baixo facilita o uso do cadeirante.
Desde 1981, os funcionários do metrô são treinados para a condução e o
atendimento a pessoas com deficiência e mobilidade reduzida. Eles estão
sendo requalificados. Foram 2.000 funcionários treinados em 2008 e mais
2.000 estão programados para 2010, para a condução de cadeira de rodas
motorizada, outros 2.000 foram treinados em 2009, além da produção de
vídeo e material didático de treinamento.
Novos trens estão sendo adquiridos e toda a frota de trens do metrô está
sendo modernizada, não somente por questões de acessibilidade, mas por
outros motivos também. Há trens em circulação há 35 anos e, apesar da
qualidade muito boa, as peças são antigas e já não existem no mercado.
Portanto, é preciso realmente modernizar. Além disso, estão sendo incluídas
várias facilidades e o vagão está sendo remodelado. O novo trem que está
circulando na Linha 2 é o padrão que circulará em todas as linhas. Atualmente
são 16 novos trens para a Linha 2 e 17 novos trens para as Linhas 1 e 3. Já foi
contratada a modernização de todos os trens existentes nas linhas 1 e 3.
Outro item implementado no metrô é o embarque preferencial. Em algumas
estações, em alguns horários específicos, o carro-líder, que vai à frente, fica
reservado aos idosos, às pessoas com deficiência e às gestantes.
Um dos pontos críticos é a segurança. O grupo de benchmarking já mencionado
ajudou bastante nesse sentido. Inclusive, a equipe de Londres veio ao Brasil;
já haviam feito uma análise profunda da situação lá e ajudaram bastante a
295
A Copa do Mundo, Olimpíadas e Paraolimpíadas como Vetores de Transformação e Inclusão Social
equacionar a segurança aqui. Achava-se que a segurança era muito boa,
porque não havia tantos problemas, mas aprendeu-se muito, houve
mudanças e muita evolução. Atualmente, o metrô está terminando a
implementação de um sistema de monitoração de segurança bastante amplo,
que possibilita uma série de recursos. Houve ampliação da área de cobertura,
até mesmo fora das dependências do metrô, há câmeras com zoom, com
rotação, equipamento que permitem, inclusive, a identificação de imagens,
etc. Todas as bilheterias estão blindadas. O público em geral não conhece os
detalhes, mas a diminuição da quantidade de assaltos dentro do metrô é
muito significativa. Hoje, o metrô de São Paulo tem um dos melhores
indicadores de segurança do mundo.
Por fim, sabe-se que São Paulo tem pouco metrô. O transporte público
realmente carece de uma ampliação, na nossa visão. Espera-se que a Linha 2
até março tenha mais três estações em operação, até a Vila Prudente,
integrando-se à CPTM, em Tamanduateí. Um sistema monotrilho ligará a
Vila Prudente à Cidade Tiradentes, numa substituição do antigo Fura-Fila.
A Linha 4 começa a operar parcialmente no ano que vem e, no ano seguinte,
deverá estar operando totalmente, da Luz até Vila Sônia. A Linha 5, que hoje
é apenas um apêndice, do Largo 13 até o Capão Redondo, até o final de 2010
deverá ter mais uma estação e, até 2013, todas as estações, passando por
Moema, Vila Mariana, cruzando a estação Santa Cruz, da Linha 1, e
terminando na estação Chácara Klabin, na Linha 2. Uma nova Linha é a 6;
vai de São Joaquim até a Zona Norte. A Linha 15 será uma extensão da Linha
2. É uma linha nova, que se iniciará na Vila Prudente e cruzará a Linha 3 na
Penha e a CPTM em Tiquatira.
Vale lembrar que o transporte público não é só o metrô. Tudo deve estar
integrado: metrô, CPTM, ônibus, etc. A CPTM está transformando 140
quilômetros de suas linhas em metrô, operando as linhas da CPTM como se
fossem metrô, com baixo intervalo, regularidade, estações adequadas para
atender à alta demanda. O Expresso ABC da CPTM utilizará o mesmo leito
da linha turquesa, mas será um expresso, parando somente em algumas
estações. A Linha 11 (Expresso Leste) será ampliada, haverá o Expresso
Aeroporto, permitindo o transporte até o aeroporto de Guarulhos por trem,
e o corredor de Guarulhos liga o Tucuruvi ao Aeroporto de Guarulhos por
ônibus. Há ainda o corredor Itapevi e o corredor São Mateus/Jabaquara, que
já existe, mas será expandido até o Brooklin, juntando-se à CPTM. Haverá
296
A Copa do Mundo, Olimpíadas e Paraolimpíadas como Vetores de Transformação e Inclusão Social
um VLT na Baixada Santista e o Corredor Noroeste na região metropolitana
de Campinas. Novas frotas, 60 trens novos para a CPTM e 47 para o metrô,
reforma e modernização de todos os trens da CPTM e do metrô. Enfim, a
proposta é que o metrô tenha o mesmo padrão dos países que já abrigaram
eventos como a Copa do Mundo, a Olimpíada e a Paraolimpíada.
Nilce Maria Costa dos Santos: A INFRAERO é uma empresa pública, criada
em 1972, com 31 mil empregos diretos e indiretos. É uma das maiores
administradoras de aeroportos do mundo, responsável por 98% dos pousos
e decolagens da aviação regular em solo brasileiro. Administra 67 aeroportos,
34 terminais de carga aérea, 68 grupamentos de navegação aérea e 50
unidades técnicas de aeronavegação. Quando se pensa na INFRAERO,
geralmente se pensa em administração de aeroportos, mas a empresa também
é responsável por grande parte do tráfego aéreo, inclusive em aeroportos
que ela não administra.
A empresa tem por missão prover infraestrutura e serviços aeroportuários
com segurança, conforto e eficiência, e a sua visão de futuro é ser reconhecida
pela excelência da infraestrutura e dos serviços aeroportuários. Não se pode
imaginar a busca de excelência em infraestrutura se esta não for totalmente
acessível e se as pessoas não estiverem adequadamente capacitadas para
prestar um bom atendimento.
Dentro dessa visão, a empresa criou uma política de acessibilidade que trata
do assunto dentro de uma visão estratégica. A política de acessibilidade faz
parte do planejamento empresarial. Ela é calcada em sete macro-objetivos
que permeiam todas as vertentes de acessibilidade do aeroporto. Nos 16
aeroportos existentes nas 12 cidades que vão sediar a Copa do Mundo, há
diversos investimentos previstos.
No caso de Confins, em Minas Gerais, o terminal tem uma capacidade
instalada para 5 milhões de passageiros e está prevista a ampliação e reforma
do mesmo, passando para 8,5 milhões, com investimento da ordem de 383,5
milhões de reais. Diz-se que os aeroportos estão com a demanda de
passageiros superior à sua capacidade. Realmente, é o caso de alguns deles,
mas a empresa calcula a capacidade instalada em função do conforto do
passageiro (1,5 m2 por passageiro) e, segundo essa projeção, vários aeroportos
não estão totalmente saturados. No caso de Cuiabá, a capacidade instalada é
297
A Copa do Mundo, Olimpíadas e Paraolimpíadas como Vetores de Transformação e Inclusão Social
de 1,6 milhões de passageiros e passará para 2,3 milhões com um investimento
de 85 milhões de reais. Em Curitiba, a ampliação do terminal de passageiros
levará sua capacidade para 8 milhões, com um investimento de 70 milhões
de reais. Em Fortaleza, a capacidade do terminal é de 3 milhões e, realmente,
a demanda é de 4 milhões. Em 2014, a capacidade passará a 6 milhões, com
um investimento da ordem de 156 milhões. No caso de Manaus, a capacidade
do terminal dobrará com um investimento de 193 milhões. Em Porto Alegre
também dobrará a capacidade do terminal, com a reforma e ampliação do
terminal já existente e do pátio de aeronaves, com um investimento de 360
milhões de reais. O aeroporto de Recife já tem uma capacidade instalada de
8 milhões. A previsão para 2014 é uma demanda de 7,3 milhões de
passageiros. Haverá uma ampliação na parte de pontes, com mais 4 pontes
de embarque, com um investimento de 19,7 milhões. O aeroporto do Galeão,
no Rio de Janeiro, tem hoje uma capacidade instalada de 18 milhões de
passageiros, opera 11,4 milhões. Com a reforma do terminal 1 e a finalização
do terminal 2, essa capacidade passa para 26 milhões e a previsão é que, em
2014, a demanda de passageiros seja de 16,4 milhões. O investimento previsto
para o aeroporto do Galeão é de 648 milhões de reais. Em Salvador, também
haverá um investimento para construção da torre e reforma do terminal de
passageiros, de 43 milhões. Em Congonhas, São Paulo, haverá um
investimento de 250 milhões de reais. A capacidade hoje é de 12 milhões de
passageiros, o aeroporto opera um volume de 13 milhões e terá uma
capacidade de 15 milhões de passageiros. Já o aeroporto de Guarulhos, em
São Paulo, tem uma capacidade instalada de 20,5 milhões de passageiros, a
demanda atual já é de 20 milhões e passará, em 2014, para uma capacidade
de 30 milhões de passageiros, com a implantação, adequação, ampliação e
revitalização dos sistemas de pistas e pátios e a construção do terceiro
terminal. O investimento em Guarulhos é da ordem de 1,389 bilhão de reais.
Em Campinas, a reforma do terminal de passageiros existente terá um
investimento de 40 milhões e a construção de um novo terminal, um
investimento total de 740 milhões. A capacidade atual, de 3,5 milhões passará
a 11 milhões de passageiros. Estes são os investimentos que a INFRAERO
realiza nos aeroportos das cidades que sediarão a Copa, totalizando 4 bilhões
e 614 milhões de reais.
Haverá também grandes investimentos em outros aeroportos, como
Florianópolis, Goiânia, João Pessoa, Macapá. Diversos investimentos estão
298
A Copa do Mundo, Olimpíadas e Paraolimpíadas como Vetores de Transformação e Inclusão Social
sendo feitos nos aeroportos, além daqueles das cidades que sediarão a Copa,
da ordem de 1,308 bilhão de reais.
No aeroporto de Guarulhos, está sendo revisada uma obra específica de
acessibilidade para tornar o aeroporto de Guarulhos totalmente acessível,
com um investimento de 2 milhões de reais específico para a acessibilidade.
A expectativa é que o aeroporto esteja totalmente acessível já no ano de 2010.
A acessibilidade é um elemento indutor da inclusão social. Todos os requisitos
de acessibilidade estão sendo rigorosamente cumpridos nos projetos de
ampliação, reforma e construção de novos aeroportos. A empresa está indo
além do que prevê a NBR 9050, em termos de conforto para o passageiro, no
que se refere à questão da acessibilidade. Nos aeroportos, conforme
determinação estabelecida pela área de engenharia, nos termos de referência
da INFRAERO, todos os aeroportos com grande movimento terão banheiros
com uma melhor adaptação, inclusive com bancadas para facilitar o uso em
alguns tipos de deficiência, quando a pessoa necessita trocar uma fralda ou
mesmo tomar um banho. Tudo isso já está previsto nos novos projetos.
Contudo, não basta atingir a excelência em infraestrutura aeroportuária. É
essencial incorporar o elemento humano, para que se possa garantir o acesso
de todos. O fator humano é o aspecto principal em todo esse processo de
acessibilidade. Pode-se ter o aeroporto totalmente acessível, mas as pessoas
precisam estar treinadas para dar um bom atendimento. O aeroporto é um
equipamento urbano importante, com processos complexos, o próprio
embarque dos passageiros é complexo. Dificilmente haverá autonomia total
aos diversos tipos de deficiência, em alguns momentos o passageiro precisa
de assistência, portanto o atendimento é essencial. Sem um pessoal
adequadamente treinado, os esforços dos arquitetos, engenheiros e
planejadores tornam-se infrutíferos.
O aeroporto do Galeão é antigo, foi construído numa época em que não
havia todas essas exigências de acessibilidade, e adequar um aeroporto é
muito mais difícil do que construir um aeroporto já acessível. Durante os
Jogos Pan-americanos, para vencer as dificuldades de edificações que ainda
não tinham sido totalmente adequadas, foi preciso fazer um trabalho muito
forte de preparação de toda a comunidade aeroportuária, para atender aos
1.300 atletas com deficiência que vieram para os Jogos Parapan-americanos.
Os funcionários do aeroporto de Guarulhos também foram capacitados, pois
299
A Copa do Mundo, Olimpíadas e Paraolimpíadas como Vetores de Transformação e Inclusão Social
diversos voos passavam pelo aeroporto, por conexão. No aeroporto do Galeão
foram 800 pessoas, e realmente foi um sucesso. O pessoal do comitê
organizador do Rio também foi capacitado para dar apoio, tanto no aeroporto
quanto na Vila Olímpica. Foi uma experiência importante, inclusive para os
próximos grandes eventos (Copa do Mundo, Olimpíada e Paraolimpíada).
Foram capacitadas inclusive as pessoas que trabalham nos banheiros do
aeroporto, porque muitas vezes o primeiro local aonde o passageiro quer ir,
quando chega, é o banheiro. Os atletas chegavam com aquela cadeira de
basquete, que tem a roda bem aberta; mesmo com a porta na dimensão
estabelecida pela NBR 9050, a cadeira não passa. As pessoas já estavam
treinadas para montar e desmontar as cadeiras. O atleta chegava, já tiravam
a roda, entravam com o atleta, davam todo o atendimento. Foram treinadas
as pessoas dos restaurantes e das lanchonetes, para que dessem apoio aos
atletas, no momento de servir a comida. Todos os agentes da Polícia Federal,
os agentes da Receita Federal, companhia aérea, concessionários, todo o
pessoal da INFRAERO também foi treinado para prestar esse atendimento,
e foram diversos os relatos dos atletas e elogios do próprio Comitê Olímpico
Internacional, segundo o qual sempre ocorrem problemas nos aeroportos
das Paraolimpíadas e não houve nenhum problema no Galeão.
Um episódio que vale mencionar foi a chegada de atletas da Venezuela. Foi
um voo fretado que chegou às duas horas da manhã. Não havia sido
contratada uma empresa no Brasil para dar apoio no desembarque dos atletas.
Chegaram 58 atletas usuários de cadeiras de rodas e a tripulação do avião
simplesmente foi embora, deixou ali os 58 atletas dentro do avião. Dois
colegas da INFRAERO e uma agente da Polícia Federal é que tiraram todos
os 58 atletas da aeronave. As cadeiras vieram totalmente desmontadas e sem
numeração. Não se sabia qual era a peça de uma cadeira e qual era de outra,
foram três horas para montar todas as cadeiras e tirar os 58 atletas da
aeronave. Pode-se imaginar o que teria ocorrido se o treinamento para
manusear as cadeiras e dar o atendimento não tivesse sido realizado. Portanto,
a experiência do Parapan foi muito rica, hoje sabe-se que o atendimento é
essencial.
No aeroporto em Sidney, na Austrália, existe um terminal doméstico e um
terminal internacional, é preciso pegar um ônibus ou uma van para se deslocar
de um terminal ao outro. Se Sidney conseguiu fazer uma Olimpíada, nós
também, com os nossos aeroportos, com certeza vamos conseguir. Um
consultor de Sidney ressaltou que o ponto principal é a preparação das
300
A Copa do Mundo, Olimpíadas e Paraolimpíadas como Vetores de Transformação e Inclusão Social
pessoas para o atendimento. É claro, há todo um trabalho de logística da
administração aeroportuária com as companhias aéreas, com o comitê
organizador, mas a parte do atendimento é essencial.
Com base nessa experiência do Parapan, a INFRAERO estruturou um curso
de atendimento a pessoas com deficiência que já está sendo levado aos
aeroportos de todo o Brasil. Esse treinamento já foi feito em 38 aeroportos,
com 5.200 colaboradores já treinados, são 990 pessoas treinadas para falar
na língua brasileira de sinais, até 2011 todos os aeroportos da rede já terão
esse curso e até 2014 os aeroportos das cidades-sedes da Copa do Mundo
passarão por um treinamento anualmente. A meta é chegar a um contingente
de 20 mil pessoas. A importância do curso de atendimento vai além da
comunidade aeroportuária, especialmente em localidades mais distantes. Em
Boa Vista, o SAMU havia sido criado 30 dias antes e a equipe do SAMU
solicitou a participação no treinamento. Todo o pessoal do SAMU e do CREA,
inclusive, foi treinado, na parte de atendimento. Em outros aeroportos, a
própria Polícia Rodoviária Federal também solicitou a participação e o
treinamento foi inclusive filmado, para que eles possam levar como proposta
para capacitar o pessoal da Polícia Rodoviária Federal de todo o Brasil, porque
eles dão também atendimento nos postos das estradas.
Portanto, a INFRAERO faz um trabalho de transformação. O aspecto principal
para o sucesso das ações voltadas para a acessibilidade, para as pessoas com
deficiência, é mesmo essa transformação, uma mudança de consciência, uma
mudança na forma de pensar e agir, e o curso está fazendo uma grande
diferença. O quadro de instrutores já foi ampliado, com o apoio de uma
empresa de São Paulo, a AME, do hospital Sara Kubitschek, que também
treinou os colaboradores para lidar com a questão da deficiência física.
Além da infraestrutura aeroportuária e das pessoas treinadas para o
atendimento, é importante que haja uma boa conexão com outros meios de
transporte. A viagem do passageiro não termina no aeroporto e, por isso, a
interligação com os demais meios de transporte acessíveis é essencial. Há
relatos de companhias de turismo que trazem grupos de pessoas para a cidade
de Socorro, uma cidade desenvolvida como turismo acessível, e as pessoas
conseguem desembarcar no aeroporto, mas não há um táxi adaptado, uma
van adaptada ou um ônibus adaptado para levar o grupo até a cidade de
Socorro. Para chegar ao aeroporto uma pessoa com deficiência deve ter a
possibilidade de escolher entre os diversos meios de transporte existentes,
301
A Copa do Mundo, Olimpíadas e Paraolimpíadas como Vetores de Transformação e Inclusão Social
aplicando os mesmos critérios pessoais de custo, de tempo e de qualidade
que qualquer outro indivíduo. Não basta o aeroporto estar totalmente
adequado. É muito importante que os demais meios de transporte também
estejam.
Sem dúvida nenhuma, a Copa do Mundo, a Olimpíada e a Paraolimpíada
são grandes oportunidades de transformação e inclusão social, e a INFRAERO
está totalmente inserida nesse contexto. Além da responsabilidade com a
integração nacional, a INFRAERO também tem um papel de agente de
transformação que, com os demais fatores, contribui para a construção de
um mundo melhor.
Andrew George William Parsons: Comentando o episódio do desembarque
dos atletas venezuelanos para os Jogos Parapan-americanos, realmente a
INFRAERO resolveu toda a questão antes que o Comitê Paraolímpico
Brasileiro tivesse que tomar qualquer medida, de maneira muito eficaz.
Destaque-se que, em novembro de 2009, o Comitê Paraolímpico e a
INFRAERO assinaram um contrato de patrocínio para o judô paraolímpico.
A INFRAERO é a primeira empresa brasileira, que patrocina especificamente
uma modalidade na versão olímpica, a estender o seu patrocínio à versão
paraolímpica da mesma modalidade. A INFRAERO patrocinava a
Confederação Brasileira de Judô e hoje patrocina também o judô paraolímpico
brasileiro. Isso é integração, é encarar o atleta com deficiência da mesma
forma que o atleta sem deficiência.
Agora, passemos aos Jogos Paraolímpicos Rio 2016. Já se falou aqui em
“legado”. Qualquer megaevento esportivo deve deixar um legado esportivo
e não-esportivo para a cidade e para o país que o organiza e que o recebe. É
preciso aproveitar a oportunidade da realização do evento para promover o
desenvolvimento e a transformação, que podem ser de naturezas diversas.
Para o movimento paraolímpico brasileiro e para as pessoas com deficiência,
a oportunidade é de natureza esportiva. Trata-se de um evento esportivo e,
acima de tudo, social. É uma oportunidade que nunca tivemos na história
desse país. Por isso, o Comitê Paraolímpico Brasileiro se engajou desde o
início nesse processo, desde o planejamento da candidatura, num processo
muito extenso, voltando ao ano de 2001, quando se iniciou a candidatura
para o Pan de 2007, que foi, obviamente, um dos caminhos para se chegar a
302
A Copa do Mundo, Olimpíadas e Paraolimpíadas como Vetores de Transformação e Inclusão Social
organizar os Jogos Olímpicos de 2016 e os Jogos Paraolímpicos de 2016. Desde
o início, a proposta foi organizar, já em 2001, seis anos antes, os Jogos Pan e
Parapan-americanos. O Brasil saiu na frente, mostrando uma visão mais
inclusiva, com um pouco mais de integração, mesmo antes do chamado boom
do esporte paraolímpico, do momento da virada do esporte paraolímpico,
que foi o ano de 2004.
Por isso, vale destacar alguns aspectos do planejamento para 2016.
Primeiramente, o conceito dos jogos. Existe uma frase, um conceito, uma
filosofia dos jogos Paraolímpicos de 2016: “Integração e mudança, através
da igualdade”. Ou seja, a mudança está no conceito dos jogos, está no DNA
do planejamento de 2016. Portanto, os jogos paraolímpicos têm que
representar mudança. O movimento paraolímpico brasileiro empenhará
todos os seus esforços para que esta não seja uma festa puramente esportiva.
E quando se diz “através da igualdade”, é porque é dessa forma que os jogos
serão realizados, com um só Comitê Organizador para Jogos Olímpicos e
Paraolímpicos. Isso significa que o departamento que planeja, por exemplo,
o transporte, planejará o transporte dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos,
ou seja, o serviço prestado aos atletas com deficiência será do mesmo nível,
com a mesma qualidade, com a mesma eficiência, que o prestado aos atletas
olímpicos. Essa é a maneira como os jogos serão organizados: cada
departamento cuidando sempre dos dois jogos.
Entretanto, haverá ali um Departamento de Jogos Paraolímpicos, capitaneado
pelo Comitê Paraolímpico Brasileiro, dentro da estrutura do comitê
organizador, para garantir essas entregas. O Departamento de Jogos
Paraolímpicos terá uma visão que permeará todas as outras áreas funcionais:
transporte, segurança, alimentação, vila, marketing, promoções, revezamentos
das tochas olímpica e paraolímpica, todos esses departamentos, que são
inúmeros dentro de um comitê organizador. O Comitê Paraolímpico
Brasileiro, por meio do Departamento de Jogos Paraolímpicos, terá uma visão
transversal, porque muitas vezes é fácil perder o foco dos Jogos Paraolímpicos.
O escopo dos Jogos Olímpicos é maior, temos que admitir, os Jogos Olímpicos
vêm antes, então são dois desafios que às vezes se impõem, mas em nenhum
momento se pode perder de vista que os Jogos Paraolímpicos ocorrem um
pouco menos de 10 dias depois, contando a chegada das delegações.
A candidatura brasileira, a candidatura do Rio, baseou-se em sete conceitos,
dos quais mencionaremos alguns. O dossiê de candidatura, além de ser uma
303
A Copa do Mundo, Olimpíadas e Paraolimpíadas como Vetores de Transformação e Inclusão Social
publicação que detalha ao Comitê Olímpico Internacional como pretendemos
entregar os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos, é um documento de
compromisso. Não se pode escrever no dossiê e submeter ao Comitê Olímpico
Internacional um planejamento que não será cumprido. O que se escreve ali
é um compromisso perante o Comitê Olímpico Internacional. Muitos falam
que no Pan e no Parapan muita coisa foi prometida, mas não se deve confundir
a ODEPA com o COI. O escopo dos Jogos Olímpicos é diferente do escopo
dos Jogos Pan-americanos. O que foi proposto terá que ser cumprido. Um
dos conceitos-chave, que está escrito no dossiê, é a acessibilidade universal.
Além das instalações esportivas, ruas, espaços públicos, o modelo de
transporte da cidade do Rio de Janeiro terá que ser transformado para garantir
benefícios de longo prazo, ou seja, o modelo de transporte da cidade do Rio
de Janeiro vai sofrer uma intervenção para os Jogos, e o novo modelo foi
concebido para ser acessível desde o seu início.
Como já mencionou a Nilce, é mais barato projetar e construir algo acessível
do que reformá-lo depois. É dessa forma que o sistema de transporte da
cidade do Rio de Janeiro para os Jogos Olímpicos e paraolímpicos foi
concebido. Outro conceito é a inspiração. Novos atletas com deficiência vão
surgir, novos herois, novas referências. Eles vão ajudar a educar a população
brasileira e a inspirar a delegação brasileira. É a cultura inclusiva. A educação
será um ponto fundamental nos jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016.
Toda uma geração de jovens e crianças no Brasil será educada para respeitar
e compreender o universo das pessoas com deficiência, para que a pessoa
com deficiência seja respeitada e entendida como um igual, com uma
característica diferente daquela criança, que não tem deficiência, mas que
deve ser respeitada e ter igualdade de direitos e oportunidades. É um legado
tangível. Nesse caso, um legado tangível esportivo.
As instalações esportivas serão todas acessíveis para os atletas e o público. O
Centro Olímpico e Paraolímpico de treinamento será construído na Barra da
Tijuca, na região do autódromo. O Centro Olímpico, o coração dos Jogos,
que será na Barra, depois se tornará um centro de treinamento para atletas
olímpicos, mas também para atletas paraolímpicos. Onze modalidades
paraolímpicas poderão utilizar aquele centro, na Barra da Tijuca, para
preparar as equipes paraolímpicas futuramente, após 2016. Além disso, há
um legado esportivo intangível, que é a força de trabalho. Os profissionais
treinados no esporte paraolímpico, que hoje participam dos eventos, das
304
A Copa do Mundo, Olimpíadas e Paraolimpíadas como Vetores de Transformação e Inclusão Social
delegações, que trabalham no Comitê Paraolímpico, nas federações e nos
clubes paraolímpicos, foram treinados e formados durante o Parapan. O
mesmo acontecerá durante os Jogos Paraolímpicos. Teremos uma
infraestrutura esportiva melhor para o esporte paraolímpico e o
desenvolvimento do desporto no Brasil.
O sistema de transporte é hoje um dos maiores desafios na hora do
recrutamento, na hora do treinamento de atletas paraolímpicos. Se um atleta
não consegue chegar ao seu local de treinamento, obviamente ele não treina.
Se um atleta não consegue se deslocar até aquela praça esportiva aonde vai
competir, obviamente ele não compete. Por incrível que pareça, o transporte
ainda hoje (São Paulo tem uma situação privilegiada diante do resto do país)
é um dos maiores obstáculos para a pessoa com deficiência iniciar a sua
carreira esportiva. E esse será um dos legados. O modelo de transporte do
Rio de Janeiro foi concebido para ser absolutamente acessível, já em 2014.
Existe um decreto no Rio de Janeiro, segundo o qual já na Copa do Mundo
todo o sistema de transporte terá que ser acessível. Com isso, espera-se que
não só os visitantes possam se movimentar para as praças desportivas durante
os jogos, mas depois os atletas ou pessoas com deficiência do Rio de Janeiro
também possam se deslocar de uma forma mais livre. A acessibilidade não
abarca só a pessoa com deficiência, mas outros segmentos, e esses segmentos
somados totalizam um número bastante considerável da sociedade brasileira,
que também se beneficiam das obras de acessibilidade no meio de transporte.
Em termos de hotelaria e acomodação, os novos hotéis que serão construídos
no Rio de Janeiro para os jogos Olímpicos e Paraolímpicos estarão dentro
dos padrões estabelecidos pelo comitê paraolímpico internacional, ou seja,
com 5%, pelo menos, de quartos adaptados acessíveis. O objetivo é atingir,
pelo menos 1% de quartos acessíveis em todo o Rio de Janeiro, considerando
os hotéis que já existem. Infelizmente, muitos dos hotéis que já existem não
têm nenhum quarto adaptado. A ideia é fazer com que haja um balanço,
colocando-se mais quartos adaptados nas novas construções para suprir de
alguma forma os hotéis hoje existentes que não têm qualquer tipo de quarto
adaptado.
Em termos de acessibilidade, será formado um painel nacional de especialistas
para trabalhar junto com o gerente de acessibilidade do comitê organizador
e com o painel internacional de acessibilidade. São experiências internacionais
305
A Copa do Mundo, Olimpíadas e Paraolimpíadas como Vetores de Transformação e Inclusão Social
capitaneadas pelo Nick Morris, o consultor mencionado pela Nilce. Reunindo
essa experiência internacional, com bons exemplos dos Jogos Paraolímpicos,
à experiência nacional, serão revisados todos os projetos, sejam eles esportivos
ou de infraestrutura.
Já temos bons exemplos de mudança positiva com os Jogos Paraolímpicos.
Em Pequim, a cidade se transformou, não somente nos hábitos. Os chineses
realmente pararam de cuspir no chão, mas na China havia um aspecto cultural
muito peculiar, a pessoa com deficiência era vista de outra forma: se você
tem uma deficiência, o problema é seu. Essa mentalidade, com os Jogos
Olímpicos, se transformou. Também se transformou a cidade, no que diz
respeito a barreiras arquitetônicas, à acessibilidade no metrô, que mudou de
forma significativa com o advento dos Jogos. Atenas é sempre um exemplo
não muito positivo em termos de organização de Jogos Olímpicos e
Paraolímpicos. A Olimpíada e Paraolimpíada de Atenas não foi bem
organizada. Poucos anos antes dos jogos, o COI ameaçou retirá-los de lá,
mas no que diz respeito à acessibilidade, o programa ERMIS de Atenas é
uma referência internacional. A cidade de Atenas mudou, ela tem uma
topografia difícil, assim como o Rio de Janeiro. Uma intervenção numa favela
que fica num morro, em termos de acessibilidade, é difícil e tem que ser feita,
pois hoje uma pessoa usuária de cadeira de rodas numa favela é praticamente
um prisioneiro da sua casa, do seu barraco. Atenas não tem esses morros,
mas é uma cidade com muitas ladeiras e fez um programa bastante
interessante de acessibilidade.
A Olimpíada e Paraolimpíada de Atenas foi o momento da virada. Havia
uma frase dentro do Comitê Paraolímpico Brasileiro, um dito, que era o
seguinte: os atletas paraolímpicos brasileiros sempre ganharam medalhas e
tiveram bons desempenhos internacionais, desde 1972, só que ninguém sabia.
Eles iam para o exterior, competiam, ganhavam medalhas, muitas vezes de
ouro, voltavam ao Brasil e nada acontecia. Um exemplo muito bom é o do
Antônio Tenório, um judoca medalhista de ouro em Atlanta 1996, Sydney
2000, Atenas 2004 e Pequim 2008. Seria interessante perguntar ao Antônio
Tenório o que cada medalha de ouro daquelas representou em mudança na
sua vida. Quando ele voltou de Atlanta, não havia ninguém no aeroporto
para esperá-lo. Quando voltou de Pequim, já era um atleta patrocinado, com
um nível de vida e uma possibilidade de treinamento bastante melhor, um
atleta conhecido e reconhecido no Brasil. Essa diferença tem uma explicação
muito simples, na verdade. Em 2004, o Comitê Paraolímpico Brasileiro
306
A Copa do Mundo, Olimpíadas e Paraolimpíadas como Vetores de Transformação e Inclusão Social
resolveu fazer com que o Brasil vivenciasse os Jogos Paraolímpicos de Atenas.
Comprou os direitos de transmissão dos jogos pela televisão, e sublicenciouos, sem custo nenhum, para as redes de televisão nacionais. Muitos disseram
que o CPB não devia gastar dinheiro em comunicação, mas no treinamento
de atletas. O CPB respondeu que “os atletas nós temos; o Brasil tem grandes
atletas. O Brasil precisa entender que o esporte paraolímpico é de alto
rendimento”. Não é um festival ao qual as pessoas com deficiência vão com
o objetivo de estarem juntas, um grande momento de congraçamento. Não.
Trata-se de esporte de alto rendimento. O Clodoaldo Silva, por exemplo,
treinava 6 dias por semana, 8 horas por dia. Ele não queria ir confraternizar,
queria ganhar o maior número de medalhas de ouro possível e bater todos
os recordes mundiais que pudesse. Tinha os mesmos objetivos que um atleta
convencional. O CPB sabia que, até que o Brasil visse os jogos ou
acompanhasse as transmissões pela televisão, essa mentalidade não mudaria.
Éramos muito confundidos com o Special Olympics, um movimento bastante
interessante, mas que visa a participação. O esporte paraolímpico visa a
qualquer coisa, menos a participação. Já de início, o recorde mundial de
transmissão foi batido, com 168 horas de transmissão ao vivo para o Brasil.
Praticamente toda a Paraolimpíada, mais as cerimônias de abertura e
encerramento, foram transmitidas ao vivo. A emissora que transmitiu todo
o evento foi o SporTV, que não é de TV aberta, mas tem um grande público
e acabou despertando o interesse das outras redes de televisão que estavam
em Atenas. Assim, conseguiu-se que o Brasil visse, vivenciasse e entendesse
os jogos paraolímpicos. No primeiro dia de competição pela televisão,
ouviram-se dúvidas sobre a classificação funcional (“Por que aquele chinês
que não tem os dois braços, na natação, está competindo com aquele menino
do Brasil que não tem um braço e não tem uma perna?”) A partir do segundo
ou terceiro dia, o sentimento, principalmente nas crianças, já era outro. “Eu
quero que o brasileiro ganhe. Eu quero que ele ganhe do argentino. Eu quero
que ele pegue aquele americano, quero que o Tenório jogue aquele americano
no chão. Eu quero que a Adria Santos vença aquela chinesa, vença a
espanhola.” E esse é o sentimento que todos nós temos quando a gente
acompanha Olimpíada. Provavelmente, ninguém que conheçamos é
especialista em badminton, em tiro com arco ou pentatlo moderno, mas, na
Olimpíada, todos viram especialistas nessas modalidades. Falamos: “Esse
menino do Brasil não está treinando direito o badminton” - porque queremos
ver o Brasil ganhar algo.
307
A Copa do Mundo, Olimpíadas e Paraolimpíadas como Vetores de Transformação e Inclusão Social
O brasileiro gosta das modalidades nas quais o Brasil ganha, como o tênis
com o Guga, a Fórmula 1 com o Senna, o vôlei com a seleção vitoriosa há
muitos anos. E somos ótimos no esporte paraolímpico. O Brasil ainda tem
muito a caminhar quanto à inclusão social e ao respeito à pessoa com
deficiência, mas somos uma potência paraolímpica. Estamos entre os dez
melhores do mundo. Temos um longo caminho ainda, mas somos uma
potência. Esse sentimento, essa transformação será um dos maiores legados
que o Rio 2016 poderá deixar.
Quando uma pessoa sem deficiência se pega tendo como ídolo, se pega sendo
fã de um menino como o Daniel Dias, por exemplo, que tem uma
malformação congênita, de certa forma grave, muda o conceito daquela
pessoa. O esporte tem essa capacidade, Talvez só o esporte consiga esse tipo
de fenômeno. O esporte tem o momento da conquista muito evidente, você
tem o pódio, a medalha, o recorde mundial. Quando se vê um atleta como o
Clodoaldo, o Daniel Dias ou o André Brasil ganhando 6 medalhas de ouro,
Lucas Prado ganhando medalha de ouro nos 100, 200, 400 metros, um cego
que diz que vai ser o primeiro cego do mundo a correr os 100 metros abaixo
de 11 segundos, tudo isso muda a perspectiva das pessoas. Só é possível
mudar a realidade a partir do momento em que muda a perspectiva que a
pessoa tinha antes sobre determinado assunto.
Como exemplo, o vice-presidente do Comitê Paraolímpico é o Mizael
Conrado, bicampeão paraolímpico do futebol de 5. Ele é totalmente cego
desde o início da adolescência. Antes de perder a visão, como bom sãopaulino, era fã do Careca, daquele time campeão brasileiro de 86, e o seu
sonho era ser jogador de futebol. Quando perdeu a visão, achou que o seu
objetivo de vida havia sido eliminado, até que descobriu um instituto em
São Paulo, o Padre Chico, onde ouviu uma algazarra e perguntou à irmã
(que o levava pela mão) que barulho era aquele. A irmã disse: “São os meninos
jogando bola”; ele perguntou, “Mas aqui não é um instituto para cegos?” e
ela respondeu: “Mas são eles que estão jogando”. Mizael começou a jogar
futebol e tornou-se campeão mundial. No primeiro mundial, em 98, foi eleito
o melhor jogador do mundo, foi bicampeão paraolímpico em 2004 e 2008.
Hoje, o menino que fica cego aos 12, 13 anos de idade não precisa sonhar em
ser o Ronaldo ou o Kaká. Ele pode sonhar em ser Mizael Conrado. Ele tem
um modelo real, alguém que tem uma deficiência como ele, um exemplo ao
qual ele pode sonhar em ser igual no futuro. E isso, sem dúvida nenhuma,
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A Copa do Mundo, Olimpíadas e Paraolimpíadas como Vetores de Transformação e Inclusão Social
tem um efeito multiplicador muito grande. O circuito Loterias Caixa de
Atletismo e Natação aconteceu em Curitiba, dois anos atrás, num final de
semana na Universidade Positivo. Na semana seguinte, de segunda à sexta,
só na academia de natação de um dos treinadores da cidade, mais de 60
pessoas com deficiência procuraram a natação. Foi o efeito multiplicador de
um evento de dois dias. Sente-se na pele a demanda que os Jogos
Paraolímpicos ou Parapan-americanos geram com o exemplo. Cada vez mais
pessoas com deficiência saem das suas casas para fazer esporte. Isso não
quer dizer que elas serão campeãs paraolímpicas ou vão integrar a seleção
paraolímpica do Brasil, mas, sem dúvida nenhuma, melhorarão a sua
qualidade de vida.
O esporte integra, não é um jargão ou uma frase feita. No esporte se
encontram boas amizades, amigos com interesses positivos. Não é à toa que
o esporte é um dos melhores instrumentos no trabalho com comunidades
em situação de risco, para retirar o jovem da criminalidade. O esporte parece
um remédio universal, uma panaceia. Coloque-se o esporte na favela e tudo
mudará. É uma das formas de exercício de cidadania que agrega mais fatores
positivos.
Além disso, tem um aspecto muito interessante de convencimento do
potencial da pessoa com deficiência, porque quando a pessoa sem deficiência
se pega fã de uma com deficiência, começa a entender que essa pessoa com
deficiência pode ser feliz, pode produzir e consumir. A pessoa com deficiência
usa celular. Os cegos adoram telefone, usam celular, tomam refrigerante,
comem em lanchonete, usam cartão de crédito. Uma fatia enorme dos
consumidores brasileiros está ficando à margem, quando automaticamente
se pensa que a pessoa com deficiência é um cidadão de segunda classe. E o
esporte convence as pessoas do contrário.
Um dos sentimentos, talvez, mais perversos é quando alguém sem deficiência
olha uma pessoa com deficiência e fala: “coitado”. Classifica-a
automaticamente, separa-a da sociedade de alguma forma. Ou: “Essa pessoa
está sobrevivendo. Ela é cega, mas que bacana, faz isso ou aquilo; sobrevive.”
Não. Existem pessoas com deficiência felizes e existem pessoas sem deficiência
felizes, existem pessoas com deficiência tristes e pessoas sem deficiência
tristes. Pessoas amarguradas com e sem deficiência, pessoas eficientes com
ou sem deficiência, pessoas que produzem com ou sem deficiência. O esporte
tem esse grande poder transformador.
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A Copa do Mundo, Olimpíadas e Paraolimpíadas como Vetores de Transformação e Inclusão Social
Se antes os atletas brasileiros iam às competições, ganhavam medalha e
ninguém sabia, em Atenas e Sidney souberam, em Atenas viram e no Rio
2007 vivenciaram. Havia mais gente no Maria Lenk no Parapan do que no
Pan. No primeiro e no segundo dia havia muitos estudantes da escola pública,
mas no terceiro, quarto e no penúltimo dia de competição, havia uma fila
quilométrica do lado de fora, pois as pessoas queriam ver o Brasil ganhar.
Foram no primeiro dia, viram Daniel Dias, Clodoaldo, André Brasil e falaram:
“Eu vou voltar. Esse esporte é entretenimento, ele é emocionante. O Brasil
ganha, eu vejo um brasileiro no topo do pódio, escuto o Hino Nacional, isso
aqui é esporte. Eu vou voltar amanhã”. Esse é o grande legado não tangível
que o esporte paraolímpico pode proporcionar no Rio 2016. Se o Parapan foi
muito importante por ser no Brasil, em 2016 teremos um momento único na
história para fazer com que, de uma vez por todas, se entenda que a pessoa
com deficiência é uma pessoa que tem suas características, que a sua
deficiência pode limitá-la em algum aspecto da vida, mas não a limita em
todos os aspectos. Pessoas sem deficiência têm aspectos muito mais limitantes,
às vezes.
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