Revista Atitude Nº 07

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Revista Atitude Nº 07
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REVISTA ATITUDE – Construindo Oportunidades
Periódico da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre
- Ano IV - Nº 7 - Janeiro a Junho de 2010
Porto Alegre - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre.
ISSN 1809-5720
A REVISTA ATITUDE - Construindo Oportunidades tem por finalidade a produção e a divulgação do conhecimento nas áreas das ciências aplicadas produzido particularmente pelo seu corpo
docente e colaboradores de outras instituições, com vistas a abrir espaço para o intercâmbio de
ideias, fomentar a produção científica e ampliar a participação acadêmica na comunidade. O
Conselho Editorial reserva-se o direito de não aceitar a publicação de matérias que não estejam
de acordo com esses objetivos. Os autores são responsáveis pelas matérias assinadas.
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Porto Alegre, 2010
Revista Atitude - Construindo Oportunidades – Revista de Divulgação Científica da Faculdade
Dom Bosco de Porto Alegre
Ano IV, Volume 4, número 7, jan-jun 2010 – ISSN 1809-5720
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Editor/Editor
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Revisão:
Cristiane Billis – MTb 26.193
Os artigos e manifestações assinados correspondem, exclusivamente, às opiniões dos respectivos autores.
Sumário
Apresentação ...................................................................................................................... 7
CIÊNCIAS SOCIAIS E APLICADAS ................................................................................... 9
1. John Rawls: uma análise da antropologia, da sociedade e da justiça ................... 11
Adroaldo Junior Vidal Rodrigues
2. Considerações sobre o controle político da administração pelos parlamentos .... 19
Dr. Gustavo Vicente Sander
3. O uso de hipóteses na construção do conhecimento científico .............................. 27
Walter Guilherme Hütten Corrêa
4. Influência dos elementos linguísticos contextualizadores na compreensão
leitora por acadêmicos de administração ................................................................... 33
Maria Cristina dos Santos Martins e Tanise dos Reis
5. O poder de controle nas sociedades anônimas brasileiras........................................ 47
Prof. Dr. Silvio Javier Battello Calderon
6. Repensando a mídia ..................................................................................................... 67
Dr. Osvaldo Biz
CIÊNCIAS TECNOLÓGICAS .............................................................................................. 73
1. Uso de telhados verdes no controle quantitativo do escoamento
superficial urbano ......................................................................................................... 75
Andréa Souza Castro e Joel Avruch Goldenfum
2. Tratamento de chorume de aterro empregando a drenagem ácida
de minas como fonte de ferro para a reação de Fenton ............................................ 83
R.M.S. Fagundes, J.C.S.S. Menezes, I.A.H. Schneider
3. Hidrólise ácida, alcalina e enzimática ......................................................................... 89
Carlos Atalla Hidalgo Hijazin, Aline Tonial Simões, Diogo Rhoden Silveira
4. Comparativo entre os métodos de custeio por absorção e custeio baseado
em atividade - a importância da escolha do método em uma indústria .................. 95
Filipe Martins da Silva, Marco Antônio dos Santos Martins, Frederike Monika Budiner
Mette
Apresentação
A Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre faz parte de um núcleo maior chamado IUS, ou
seja, Instituições Salesianas de Educação Superior. Presente nos cinco continentes, seu objetivo é criar redes a partir da missão comum. Não se trata de uma organização, mas de um
movimento sinérgico em torno do ideal de Dom Bosco (1815-1888) de acolher e promover as
novas gerações.
É dentro deste esforço e desta visão maior que se coloca esta Revista. Ela abre possibilidade
a profissionais para divulgar suas reflexões e pesquisas. Aqui há intuições de educadores e
educandos... Publicada semestralmente com muita fidelidade, mantém uma linha editorial de
acolher transdisciplinarmente o que for importante para promover a cidadania dentro de cada
uma das áreas de abrangência de sua atuação.
Da área de ciências sociais aplicadas temos seis artigos.
Adroaldo Junior Vidal Rodrigues, jovem professor, aprofunda as concepções de John Rawls
numa visão muito crítica sobre suas concepções éticas.
Gustavo Vicente Sander, numa época de consolidação da democracia brasileira, contribui
especialmente projetando a atuação do parlamento, no que é e no que deveria ser, para controle político da administração. Este estudo é importante, sobretudo nesta época de descrédito
do parlamento e dos políticos.
Walter Guilherme Hütten Correa, docente de metodologia científica, aborda o tema complexo
das hipóteses na construção do conhecimento científico.
Maria Cristina dos Santos Martins, também docente de metodologia científica, sempre
atenta à docência eficiente e eficaz, constrói um texto a partir de uma pesquisa realizada com
acadêmicos do curso de Administração da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre. Seu objetivo é comparar acadêmicos ingressantes e acadêmicos concluintes sobre a compreensão
dos mesmos textos.
Osvaldo Biz, batalhador na leitura crítica dos Meios de Comunicação Social, apresenta
alguns elementos para um repensar da mídia, sobretudo em nosso país com grande concentração de poder nas mãos de poucas famílias. Aí avulta a necessidade de educar consumidores
de comunicação críticos e criativos.
Sílvio Calderón, pesquisador competente, compenetrado e perseverante, aborda a complexa
questão do controle nas sociedades anônimas brasileiras. A partir de uma visão comparatista,
se analisa a regulamentação legal do instituto, a distinção com o direito de propriedade e as
diversas formas ou espécies de controle societário.
Da área de ciências tecnológicas temos quatro artigos. Andrea Souza Castro e Joel Avruch
Goldenfum, jovens doutores, preocupados com a sustentabilidade e responsabilidade ambiental, aprofundam o tema do uso de telhados verdes no controle quantitativo do escoamento
superficial urbanos.
Carlos Atalla Hidalgo Hijazin, docente de nossa Faculdade, acompanhou um projeto de
iniciação científica com os acadêmicos Diogo Rhoden Silveira e Aline Tonial Simões. O tema
foi a questão da hidrólise. O grau de pesquisa e o de aprofundamento do tema são apenas
citados no artigo. Maiores aprofundamentos só consultando os autores.
Rosângela M. S. Fagundes, J. C. S. S. Menezes e I. A. H. Schneider aprofundam a questão
do tratamento de chorume de aterro numa região coureiro calçadista do Rio Grande do Sul.
Não é mais possível conviver com tanta poluição e, ao mesmo tempo, não é mais possível
desperdiçar tanta possibilidade de aproveitamento de resíduos. O artigo é um apelo e uma
indicação nesta direção.
Filipe Martins da Silva, Marco Antonio dos Santos Martins e Frederike Monika Budiner Mette
procuram comparar duas metodologias de alocação de custos para satisfazer suas necessidades de gestão de estoques, de modernização do processo produtivo e redução de desperdícios.
Nossa Revista não é monotemática, mas interdisciplinar. Ela foi feita com muita garra e
determinação na certeza de que somos novos como instituição, mas participamos de uma
Rede de Educação Superior mais que centenária. Nosso objetivo é educar as novas gerações
na dimensão da cidadania ativa e empreendedora. Daí nosso nome, Atitude, construindo
oportunidades.
Conselho Editorial da Revista Atitude – Construindo Oportunidades
Ciências Sociais e Aplicadas
Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010
John Rawls: uma análise da antropologia, da
sociedade e da justiça
Adroaldo Junior Vidal Rodrigues1
Resumo: O artigo aborda a teoria da justiça do jusfilósofo norte-americano John
Bordley Rawls. Num primeiro momento, descreve-se sua obra a partir de três elementos: a antropologia, a sociedade e a justiça. Num segundo momento, apresenta-se
algumas críticas a cada um desses elementos, utilizando-se da corrente chamada
comunitarista, destacando Alasdair MacIntyre, Michael Sandel e Charles Taylor.
Palavras-chave: John Rawls, Liberalismo, Comunitarismo, Alasdair MacIntyre.
Abstract: The aim of this article is to discuss the theory of justice of North-American
John Bordley Rawls.
Firstly, it is described his work from three elements: anthropology, society and justice.
Secondly, it is presented some criticism to each of those elements, using communalism theory of Alasdair MacIntyre, Michael Sandel and Charles Taylor.
Key-words: John Rawls, Liberalism, Comunitarism, Alasdair MacIntyre.
uma sociedade justa? Para testarmos a
viabilidade dessa interrogação invocaremos
a tese contrária, chamada de comunitarista,
e que será ilustrada, aqui, por Alasdair
MacIntyre, Michael Sandel e Charles Taylor.
Por óbvio, um diálogo se formará – o que
acreditamos ser benéfico para a ponderação
sobre a teoria de Rawls.
Este trabalho possui dois objetivos
específicos: um, expor alguns argumentos
presentes nas discussões entre liberais e
comunitaristas, tendo em vista a contribuição
ao adolescente do debate brasileiro sobre
esse tema; dois, fomentar estudos em torno
da teoria da justiça (que é um tema vinculador
das disciplinas de filosofia do direito, filosofia
política e ética), contribuindo, assim, para a
interdisciplinaridade dos estudos sobre as
ciências jurídicas. A metodologia aplicada é
a própria da pesquisa filosófica, qual seja, a
análise conceitual.
Introdução
O presente trabalho possui como objetivo
geral explorar as relações entre a concepção
de ser humano, sociedade e justiça de John
Rawls, sendo dividido em dois momentos.
Primeiro, verificaremos que a antropologia
rawlsiana corresponde ao autointeresse, a
sociedade liberal à neutralidade e a justiça
liberal à imparcialidade.
Para isso, utilizamos a leitura da obra
Uma Teoria da Justiça como principal guia
para a extração dos conceitos de Rawls,
muito embora, e com certa frequência,
invocamos outras de suas produções, não
só para complementar o sentido de seu
pensamento como também, para termos
uma visão geral sobre seus escritos.
Optamos por elaborar uma reflexão a
partir da seguinte problemática, cristalizada
pela interrogação: a teoria da justiça de
John Rawls é realmente capaz de constituir
1
Mestre em Teoria Geral do Direito pela UFRGS. Professor de Filosofia do Direito na Faculdade Dom Bosco de Porto
Alegre. Membro do Instituto Brasileiro de Filosofia do Direito (IBFD).
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divíduo provoca uma concepção de relativismo [...]” (BOBBIO, 1997, p. 701). Se as
escolhas morais dos indivíduos causam um
relativismo é natural que eles estejam em
constante conflito e, por isso, o altruísmo
seja substituído pelo seu avesso.
Outra característica igualmente importante da concepção antropológica de Rawls
é o modo como o indivíduo é definido dentro da sociedade liberal, a saber, a priori. O
indivíduo é definido sem se levar em conta
os bens que elege para sua boa vida. Em
outras palavras, são considerados de um
modo atomista e possuem uma igualdade
que é compartilhada de maneira absoluta
entre todos os membros que compõem a
sociedade.
Para Rawls, o homem é caracterizado de modo alheio à proposta de vida de
cada um, ou seja, não há importância se,
por exemplo, Tiago é membro de um partido político “x”, possui determinado emprego
e família. Os bens que Tiago escolhe para
sua vida são infecundos para a formação
da identidade liberal.
Nesse aspecto, o comunitarista Michael
Sandel afirma: “o ‘eu’ é anterior aos fins que
busca.” Na sua teoria, John Rawls é explícito em considerar que o ser humano rompe
com a sociedade, tornando-o um ser alheio
e pontuando a diferença entre eles, quando
diz que: “a aplicação consistente do princípio da oportunidade equitativa exige que
consideremos as pessoas independentemente das influências de sua posição social.” (RAWLS, 1997, p. 568).
Assim, existindo conflitos de interesses
na sociedade liberal, dada a concepção de
homem já trabalhada acima, resta-nos fazer uma análise sobre a concepção de sociedade e descobrir como ela é, tendo em
vista que uma é a sequência lógica da outra. Nas palavras de Rawls: “Assim sendo,
desde o começo, a concepção de pessoa
é considerada parte de uma concepção de
justiça política e social [...]” (RAWLS, 2000,
p. 36). Para, por fim, chegarmos à análise
da sociedade liberal.
1. A Teoria da Justiça de John Rawls –
Análise
1.1. A Antropologia Rawlsiana
Sem individualismo não há liberalismo.
Norberto Bobbio
Os indivíduos, dentro do modelo de sociedade proposto por Rawls, necessariamente
vão buscar os seus interesses. Isso fica evidente quando nas primeiras páginas da sua
teoria da justiça, Rawls considera que: “se a
inclinação dos homens ao interesse próprio
torna necessária a vigilância de uns sobre os
outros, seu sentido público de justiça torna
possível a sua associação segura.” (RAWLS,
1997, p. 5). Assim, o autointeresse torna a
justiça necessária e esse sentido de justiça
torna-a possível.
A teoria liberal de Rawls não engloba a
todos ou a felicidade do maior número possível, como é para o utilitarismo; ao contrário, prioriza o homem na sua individualidade.
Nesse contexto, ainda que haja uma “associação segura” entre os homens, é indubitável que os proveitos buscados por cada um
visam a vantagens para si próprios.
O liberalismo rawlsiano é tão dependente
dessa concepção de homem “onde os indivíduos buscam os seus fins particulares de
modo competitivo” (BARZOTTO, 2001, p.
141) que, sem esta, a teoria se descaracterizaria completamente. Ou seja, a sociedade
liberal e o papel da justiça principalmente,
que será tratado mais adiante, seriam mutilados, tendo em vista que somente poderão
ser compreendidos a partir de uma linha de
raciocínio que se inicia com a compreensão
desta concepção antropológica.
Para John Rawls, ao contrário, o homem
é apenas “associal”, isto é, tem sua identidade extraída à margem da sociedade. Neste
contexto, devemos considerar dois pontos
importantes. Um é que o restante dos homens deve ser ignorado, porque não trariam
benefício algum ao “meu” interesse. O outro
é que se “eu” me aproximar de alguém, será
para usá-lo como meio para atingir o fim que
quero.
Diante desta visão liberal de homem,
Norberto Bobbio dispõe que essa possibilidade de eleger valores de per si, fomenta a
quebra de padrões objetivos quando pensa
que “esta defesa da autonomia moral do in-
1.2. A Sociedade Liberal
A sociedade liberal deve ser concebida
como se um mercado fosse, porque a
sua antropologia individualista forja um
dissenso sobre a concepção de vida boa.
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A sociedade deve ser neutra para que cada
indivíduo busque de forma competitiva com
relação aos outros os bens que escolheu para
a realização da sua concepção particular de
vida boa.
E, essa ausência de consenso sobre
o plano racional de vida ocorre devido ao
pluralismo de valores que é inerente a cada
pessoa. Nesse sentido, pensa Rawls: “Como
consequência disso, os indivíduos não só
têm planos de vida diferentes, mas também
existe uma diversidade de crenças filosóficas
e religiosas, e de doutrinas políticas e
sociais.” (RAWLS, 1997, p. 138)
Então o justo para o liberalismo rawlsiano
será que a sociedade forneça, de maneira
neutra, elementos para que cada cidadão
cristalize a sua felicidade plena. A ideia de
Rawls é que: “por exemplo, podemos pensar
que a justiça igual significa que a sociedade
deve oferecer a mesma contribuição
proporcional para que cada pessoa realize
o melhor plano de vida que é capaz de
formular.” (RAWLS, 1997, p. 566)
Dado que a sociedade forneça
determinados bens de forma igual e imparcial
para cada pessoa, “fica obviamente a cargo
do próprio agente decidir o que ele mais quer
e julgar a importância comparativa de seus
vários objetivos”. (RAWLS, 1997, p. 461)
Nessas circunstâncias, a questão da
felicidade e do bem ficam atrelados ao
sucesso da realização do plano racional de
vida de cada ser humano nesta sociedade.
John Rawls os definiu, respectivamente,
deste modo: “um homem é feliz quando é
mais ou menos bem-sucedido na maneira de
realizar seu plano.” (RAWLS, 1997, p. 98)
Por óbvio, a sociedade liberal não possui
uma finalidade, um bem que lhe é próprio,
ao passo que cada cidadão elege para si o
que julga ser o melhor para estruturar o seu
projeto de vida desejável. Assim, John Rawls
no seu livro que leva em consideração a
globalização, é explícito, caso haja alguma
dúvida: “a resposta é que uma sociedade
liberal com regime constitucional não tem,
como sociedade liberal, uma concepção
abrangente do bem. Apenas os cidadãos e
associações dentro da sociedade cívica no
caso nacional possuem tais concepções.”
(RAWLS, 2001, p. 44.)
Diante disso, surge uma questão
inquietante: como os cidadãos vão construir
a sua concepção de boa vida, já que
cada um possui uma diferente da outra?
Rawls, então, utiliza a seguinte ferramenta
para poder dar conta desse problema: os
chamados bens primários – que visam
satisfazer as necessidades mínimas de
qualquer projeto de vida. Logo, esses bens
primários ajudam, quando não contribuem
muito, dependendo do plano racional de
vida, para a implementação da felicidade de
cada indivíduo. É como se fosse um aparato
indispensável para se poder desenvolver um
estilo de vida.
E quais são esses bens? Rawls os chama,
também, de “valores sociais” e que devem ser
distribuídos de forma igualitária entre todos
os membros da sociedade liberal. Há duas
passagens claras em Uma Teoria da Justiça
que abordam esta questão, e cremos, uma
complementa a outra. A primeira é quando
Rawls diz que: “Para simplificar, suponhamos
que os principais bens primários à disposição
da sociedade sejam direitos, liberdades e
oportunidades, renda e riqueza.“ (RAWLS,
1997, p. 66) John Rawls destaca, ainda,
os “bens naturais” (que ficam à margem do
controle pretendido por sua teoria) que são: a
saúde e o vigor, a inteligência e a imaginação.
E a segunda passagem do livro é esta (que
sublinha um dos bens primários como de
vital importância): “o fato de a liberdade e a
oportunidade, a renda e a riqueza, e, acima
de tudo, a autoestima, serem bens primários
deve realmente ser explicado pela teoria
restrita”. (RAWLS, 1997, p. 480)
Com essa visão é impossível haver
qualquer perspectiva comunitária e, além
disso, esta hipótese é negada por Rawls
quando diz literalmente que: “em resposta,
dizemos que a justiça como equidade
abandona, de fato, o ideal de comunidade
política [...]”. (RAWLS, 2000, p. 250)
1.3. A Teoria da Justiça
A justiça liberal é entendida como imparcialidade. E isto ocorre porque a antropologia que
subjaz a ela é apriorística, não sendo definida
pela adesão a um bem específico. Ou seja, é
concebida numa ótica de imparcialidade, bem
como a sociedade liberal que é neutra, assim é
natural que a justiça em Rawls também a seja.
Ademais, para registrar de forma explícita este ponto (em que a justiça liberal é
derivada de uma concepção antropológica
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autointeressada), vejamos as suas palavras: sociais aos dons naturais. Observa Rawls, so“Podemos supor, portanto, que a mais estável bre a situação em questão, que a efetividade
concepção de justiça é aquela que é evidente da posição original deve situar os participantes
para o nosso entendimento, congruente com o num ponto de partida igual.
Entra aí o véu de ignorância, que tem a
nosso bem, e fundada não na abnegação, mas
finalidade de congelar as pessoas numa situna afirmação do eu.” (RAWLS, 1997, p. 554)
Esta visão de que a concepção de homem ação de igualdade. Nas palavras do próprio
liberal conduz a tal concepção de justiça é Rawls: “e o que chamei de ‘véu de ignorância’
compartilhada, da mesma forma, por José significa que as partes não conhecem a poNedel, quando afirma que: “traz no âmago a sição social, ou a concepção do bem (seus
ideia de imparcialidade, porquanto as partes objetivos e vínculos particulares), ou as capaelegem os princípios através de procedimento cidades e propensões psicológicas realizadas,
e muito mais, das pessoas que representam”.
imparcial.”
Outro ponto sobre a teoria da justiça de (RAWLS, 2000, p. 359)
Postos os cidadãos num âmbito de igualRawls é a construção do seu fundamento
sob a guarda de princípios. No Liberalismo dade, cabe agora extrair os princípios. Só que
Político, Rawls afirma que: “Na justiça como estes princípios são buscados através de uma
imparcialidade, alguns desses grandes valo- norma chamada de maximim, que consiste em
res – os valores da justiça – são expressos colher a pior proposta entre as melhores, mas
pelos princípios de justiça para a estrutura bá- a melhor entre as piores. Rawls põe nestes
sica – entre eles, os valores de igual liberdade termos: a regra maximim determina que classifiquemos as alternativas em vista de seu pior
política civil.” (RAWLS, 2000, p.185)
resultado possível: devemos
Mas como são estabeadotar a alternativa cujo pior
lecidos estes princípios de
A regra maximim determiresultado seja superior aos
justiça? Como eles adquirem
na que classifiquemos as
piores resultados das outras.
forma na sociedade liberal? A
alternativas em vista de
Depois de passar por
partir do que Rawls chama de
seu pior resultado posessas etapas temos, por fim,
“posição original” e, através
sível: devemos adotar a
os princípios que vão estado contratualismo. Rawls dealternativa cujo pior resulbelecer a justiça imparcial.
fine a posição original como
tado seja superior aos pioMais que isso, vão permear
sendo o “status quo inicial
res resultados das outras.
a vida de cada indivíduo, já
apropriado para assegurar
que será a principal (senão a
que os consensos básicos”
única) observação que deve
possam ser concretizados de
ser respeitada.
uma forma equitativa.
São dois os princípios da justiça, sendo o
Então, essa convenção possui a intenção
de iniciar o pensamento, as construções das segundo dividido em duas partes: o primeiro
questões relativas à teoria da justiça, entendi- diz que cada indivíduo deve ter direito a uma
da de uma forma imparcial. E o contratualismo igual liberdade básica ou que “cada pessoa
é liame da posição original. Trata-se de uma deve ter um direito igual ao mais abrangente
espécie de reedição do contratualismo de sistema total de liberdades básicas iguais que
Jean-Jacques Rousseau, Immanuel Kant e seja compatível com um sistema semelhante
John Locke. E Rawls deixa claro tal inspira- de liberdades para todos” (RAWLS, 1997, p.
ção quando diz que: “explico a partir do que 333); o segundo prevê que as desigualdades
dissemos, é claro que a posição original deve sociais e econômicas devem satisfazer duas
ser considerada um artifício de representação condições. A primeira, é que traga o maior
e, por conseguinte, todo acordo estabelecido benefício possível para os menos favorecidos;
pelas partes deve ser visto como hipotético e a segunda, que “sejam vinculadas a cargos
e posições abertos a todos em condições
a-histórico.” (RAWLS, 2000. p. 67)
No entanto, para que esse acordo social de igualdade equitativa de oportunidades”.
seja feito de tal forma que conduza a uma justi- (RAWLS, 1997, p. 333)
Igualmente importante para a aplicação
ça imparcial, é necessário que os participantes
estejam num pé de igualdade; isso quer dizer dos princípios é a obediência à ordem léxica,
que se deve excluir desde as desigualdades ou seja, ao fato de que o primeiro princípio
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considerados muito importantes, a ponto de
serem opostos a todos os outros membros da
sociedade. Ocorre que nem sempre haverá
um ambiente de harmonia. Macintyre diz:
“Naturalmente, ocorre frequentemente que
as preferências de indivíduos e de grupos de
indivíduos diferentes entram em conflito”.
Então, o indivíduo posto numa ordem
liberal para saber como deve agir, com o
intuito de concretizar a sua vida feliz deve
fazer a seguinte pergunta: Qual regra eu
devo seguir? Rawls escreveu em Uma Teoria
da Justiça sobre a relação entre os princípios
e o homem: “na interpretação contratualista,
tratar os homens como fins em si mesmos
implica, no mínimo, tratá-los de acordo com
os princípios com os quais eles consentiram
em uma posição original de igualdade”
(RAWLS, 1997, p. 195).
Nesse sentido, o raciocínio de MacIntyre
é valioso para o entendimento desta questão:
Por conseguinte, na perspectiva moderna,
a justificação das virtudes depende de
uma justificação anterior das normas e dos
princípios; e se estes últimos se tornarem
radicalmente problemáticos, como têm se
tornado, as primeiras também se tornam
(MACINTYRE, 2001, p. 206).
Outra reflexão sobre a concepção
de homem liberal é no que tange a sua
característica de ser tomado a priori. Aquilo
que MacIntyre chama de “antropologia de
fantasmas”, na qual o indivíduo é visto do
lado de fora da relação social. E MacIntyre
aprofunda esta descrição quando afirma que:
“os indivíduos são vistos como possuindo
identidade
e
capacidades
humanas
essenciais independente e anteriormente à
sua participação numa ordem social e política
particular.”
E John Rawls confirma a análise de
MacIntyre quando diz que: “mais ainda,
admito que as partes não conhecem as
circunstâncias particulares de sua própria
sociedade” (RAWLS, 1997, p. 147).
No entanto, é inviável que este tipo de
caracterização do indivíduo possa alimentar
qualquer sociedade, isto porque a identidade
humana é dada a partir de uma rede de
interações. Valores comunitários, contrários
aos individuais, existem numa sociedade
liberal, ainda que se adote essa concepção
de indivíduo com fim em si mesmo. Michael
Sandel declara sobre essa hipótese:
possui superioridade em relação ao segundo
e a primeira parte do segundo tem preferência à segunda parte. Esses são, enfim, os
princípios de justiça necessários para uma
teoria da justiça liberal. Cremos que com isso
temos as principais passagens das obras de
Rawls para cristalizar uma visão unitária de
seu pensamento.
2. A Teoria da Justiça de John Rawls –
Crítica
2.1. A Antropologia Rawlsiana
Como vimos antes, para a antropologia
liberal rawlsiana, o indivíduo é um ser
autointeressado, e a justiça somente é
invocada para efetivar o interesse de cada
um. Vejamos como Rawls descreve essa
relação do indivíduo com a justiça: “Cada
membro da sociedade é visto como possuidor
de uma inviolabilidade fundada na justiça, ou,
como dizem alguns, no direito natural, que
nem mesmo o bem-estar de todos os outros
pode anular.” (RAWLS, 1997, p. 30).
Assim, percebemos que o interesse de
cada pessoa “fundada na justiça”, ou como
diria Ronald Dworkin, os “trunfos” que o
indivíduo possui e que podem ser invocados
contra a sociedade, determinam a exclusão
dos interesses de outras pessoas, a partir de
uma perspectiva do “meu” em contraposição
ao “teu”. Nas palavras de Michael Sandel:
“Este supuesto se parece supercialmente a
um presupuesto psicológico – estipula que
las partes no tienen interes em los intereses
de las demás [...]”. (SANDEL, 2000, p. 77)
Isso quer dizer que a justiça liberal
disponibiliza ao indivíduo uma proteção que
tem extensão não só contra outra pessoa que
venha a violar seus direitos, como também,
contra todos, ou seja, a própria sociedade.
Vejamos outra afirmação de Sandel: “La
justicia tiene primacía sobre los demás
valores porque sus princípios se derivan
independientemente” (SANDEL, 2000, p. 77).
As circunstâncias da justiça podem
conduzir a uma total exclusão de valores
fraternos e contribuir para a formação de
indivíduos egoístas racionais. Eis o que
afirma Sandel: “[...] introducen um sesgo
individualista, y que rechazan o desvirtúan
de alguna manera motivos tales como la
benevolência, el altruísmo y los sentimientos
comunitários” (SANDEL, 2000, p. 77).
Esses
direitos
individuais
são
15
Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010
“Probablemente os valores comunitarios a um único objetivo superior não viole os
existirían, al igual que todos los demás princípios da escolha racional (pelo menos
valores que los indivíduos pueden decidir não os princípios de cálculo), ela ainda nos
adoptar, e incluso posiblemente florecerían parece irracional ou, mais provavelmente,
en una sociedad gobernada por los principios insana” (RAWLS, 1997. p. 617). Mas talvez
de la justicia” (SANDEL, 2000, p. 85).
os princípios de justiça levem as sociedades
Charles Taylor, crítico de Rawls, assegura liberais a buscar um único bem: o estilo liberal
que: “o puro autointeresse esclarecido nunca de vida.
moverá um número suficiente de pessoas
2.2. A Sociedade Liberal
com força bastante para constituir uma real
Não havendo uma concepção compartiameaça a déspotas e putschistas potenciais”
(TAYLOR, 2000, p. 213). Existe, então, uma lhada de vida, a sociedade é vista como um
identidade social que quando é ultrajada, por mercado em que os indivíduos interagem de
exemplo, é vista de forma clara por todos na forma competitiva em busca da concretização
forma de uma reação. Taylor comenta sobre dos bens que escolheram. John Rawls é explícito ao abordar a questão:
isso e exemplifica: “É esse
“Assim, como notei no inísentido de identidade, e o
Rawls reforça a ideia de
cio, embora uma sociedade
orgulho que o acompanha,
que a sociedade é entenseja um empreendimento
que é ultrajado pelas ações
dida como um mercado, já
cooperativo para a vantagem
ocultas de um Watergate, e é
que ela não possui nada
mútua, ela é tipicamente
isso o que provoca a reação
em comum, a não ser um
marcada por um conflito e ao
irresistível” (TAYLOR, 2000,
conjunto de regras que
mesmo tempo por uma identip. 213).
preservam espaço na busdade de interesses” (RAWLS,
Outro argumento diz resca da autonomia dos in1997. p.136).
peito ao valor do patriotismo.
teresses dos indivíduos.
Por conseguinte, esta
Taylor o define do seguinte
sociedade
liberal “[...] que
modo: “o patriotismo é uma
tenta realizar, no maior grau
identificação comum com
uma comunidade histórica fundada em cer- possível, certos bens ou princípios de direito”
tos valores” (TAYLOR, 2000, p. 213). Esse não possui um bem que lhe é próprio, a saber,
valor, o patriotismo, brota neste terreno indi- o bem comum. E o bem comum é o fim de
vidualista com a diferença de que esse valor uma comunidade, pois ela nada mais é que o
não é erradicado, pelo contrário, e muitas ve- “bem de todos, naquilo que todos temos em
zes é superior à própria concepção individual. comum”. (SOUZA Jr., 2002, p. 29). Mas Rawls
Embora Taylor tenha escrito estas nega que a sociedade seja uma comunidade:
palavras antes do exemplo que darei, não há “Uma sociedade democrática bem-ordenada
como negar que serviu como uma luva. É o não é uma comunidade, nem, em termos mais
seguinte: o ataque de 11 de setembro de 2001 gerais, uma associação”. Este raciocínio nos
em Nova Iorque; ali se viu, de maneira clara, remete a duas características. A primeira, é
que um valor comunitário como o patriotismo que Rawls reforça a ideia de que a sociedade
foi superior a qualquer ato individual. Houve é entendida como um mercado, já que ela não
a limitação inclusive de direitos individuais, possui nada em comum, a não ser um conjunto
o que Rawls afirmou ser ilícito. Assim, o fato de regras que preservam espaço na busca da
não faz com que o argumento esteja errado, autonomia dos interesses dos indivíduos.
Com outras palavras, a sociedade é monmas é um forte indício para a sua revisão.
Outra observação é sobre a relação tada a partir dos direitos individuais. Taylor coantropológica e as comunidades que visam o menta sobre isso: “O liberalismo procedimental
bem antes do justo. É o caso das comunidades não pode ter um bem comum no sentido
teleológicas, em contraste com as sociedades estrito porque a sociedade tem de ser neutra
liberais, que visam o justo antes do bem, no tocante à questão da vida boa” (TAYLOR,
também chamadas deontológicas, e que 2000, p. 210).
A segunda, diz respeito à observação feita
são negadas por John Rawls. Eis as suas
palavras: “embora, estritamente falando, a por Charles Taylor, quando se sustenta que
subordinação de todos os nossos objetivos a sociedade liberal não é totalmente viável,
16
Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010
pois “embora o estado liberal procedimental aos princípios de justiça de Rawls. O caso é
possa de fato ser neutro diante de (a) crentes o dos índios Wanpanoag de Massachusetts,
e não-crentes em Deus, ou de (b) pessoas com Estados Unidos, descrito por MacIntyre no
orientações homossexual e heterossexual, capítulo XII de seu livro Depois da Virtude. Por
ele não pode sê-lo entre (c) patriotas e não meio de uma ação judicial, os índios Wanpanoag reclamaram que suas terras foram ilegalpatriotas” (TAYLOR, 2000, p. 214).
E de fato, não é. Um exemplo disso foi o mente e inconstitucionalmente expropriadas.
julgamento do cidadão norte-americano que lu- Detalhe: existe uma cidade em cima delas de
tou do lado dos Talibãs no Afeganistão. Nesse nome Mashpee.
caso, ignorou-se a suposta neutralidade da soConsiderações Finais
ciedade à concepção de vida
As características exposboa; afirmando-se um estilo
Para não deixar dúvidas,
tas por Rawls apresentam
coercitivo liberal de vida.
MacIntyre aponta ainda
problemas que podem comAlém disso, outro ponto
que a origem da doutrina
prometer a sua teoria da jusque pode ser destacado é
liberal que se propõe a ser
tiça. Primeiro, porque numa
a questão das sociedades
impessoal, de fato não o é.
linha antropológica a sua
desordenadas, ou que estaconcepção de homem é conriam excluídas do modelo de
taminada por circunstâncias
sociedade liberal, que Rawls
descreveu no segundo capítulo do seu livro que permitem extrair elementos substantivos
O Direito dos Povos como sendo uma “socie- de uma natureza humana – o que é constandade onerada por condições desfavoráveis”. temente negado, sobretudo quando aponta,
Parece-nos que uma sociedade, que pode por exemplo, como necessária a existência de
ser considerada, como tantas outras, onerada seres racionais para a sua teoria, o que evita
por condições desfavoráveis, sem dúvida, é o o risco frente à teoria maximim. Além disso, a
Brasil. Ou seja, o nosso país não serve para identidade de cada indivíduo é dada por uma
rede de interações que pressupõe o outro, e
a aplicação do projeto liberal.
não o exclui.
2.3. A Teoria da Justiça
Segundo, pois a sociedade liberal não pode
A justiça liberal é uma invocação a normas ser completamente neutra como se pretendia
e princípios para consubstanciar o valor indi- no projeto original. Vimos que é preciso envidual. Assim, seu objetivo é saber quais as dossar o patriotismo como aspecto relevante,
regras que se deve buscar para uma socieda- e os pontos de partida são sempre liberais.
de justa. O que pressupõe uma concepção de Terceiro, a justiça liberal, também, não é de
homem autointeressada. É o que afirma Rawls: todo imparcial, já que possui como prioridade
“Como cada pessoa é livre para planejar a implícita a manutenção da ordem liberal.
sua vida como quiser (contanto que suas intenções sejam consistentes com os princípios
da justiça); não se exige unanimidade sobre
Referências
os padrões de racionalidade” (RAWLS, 1997,
p. 495).
ARENDT, Hannah. A Condição Humana. 10.
Com isso, abre-se espaço para avaliarmos ed. São Paulo: Forense Universitária,2001.
que se a justiça de John Rawls é imparcial,
considera-se o valor da igualdade como uma ARISTÓTELES. A Política. São Paulo: Nova
das características principais. Mas, não há Cultural, 1999. (Os Pensadores)
um retrospecto do que levou, por exemplo,
as partes em conflito, na posição original, a _________. A Política. Bauru: EDIPRO, 1995.
chegarem a tal ponto. Isso é ignorado, e se faz
“[...] justiça numa questão de modelos presen- _________. Ética a Nicômaco. São Paulo:
tes de distribuição para os quais o passado é Abril Cultural, 1973. (Os Pensadores).
irrelevante“ (MACINTYRE, 2001, p. 416).
Postas essas considerações iniciais, faça- BARZOTTO, Luis Fernando. Modernidade e
mos uma reflexão sobre a aplicação da justiça Democracia. In: Anuário de Pós-Graduação.
liberal entendida como norma, que nos remete São Leopoldo: Unisinos, 2001.
17
Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010
_________. A Democracia na Constituição.
São Leopoldo: Unisinos. 2003.
_________. O Liberalismo Político. Trad. de
Dinah Azevedo. São Paulo: Ática,
2000.
BOBBIO, Norberto. Locke e o Direito Natural.
5. ed. Brasília: UNB, 1997.
_________. O Direito dos Povos. Trad. de
Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
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FUKUYAMA, Francis. Nosso Futuro PósHumano. Rio de Janeiro: Rocco, 2003.
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SOUZA Jr. Cezar Saldanha. A Supremacia
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Modelos Básicos. Porto Alegre: s/ed., 2002.
_________. Animales racionales y dependientes. Barcelona: Paidós, 2001.
TAYLOR, Charles. Argumentos Filosóficos.
São Paulo: Loyola, 2000.
NEDEL, José. A Teoria ético-política de John
Rawls. Porto Alegre: Edipucrs, 2000.
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NOZICK, Robert. Anarquia, Estado e Utopia.
Rio de Janeiro: Zahar, 1991.
WEBER, Max. Ciência e Política. 10. ed. São
Paulo: Cultrix, 2001.
RAWLS, John. Uma Teoria da Justiça. Trad.
de Almiro Pisetta e Lenita Esteves. São Paulo:
Martins Fontes, 1997.
18
Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010
Considerações sobre o controle político da
administração pelos parlamentos
Dr. Gustavo Vicente Sander1
Resumo: O presente artigo aborda os meios de controle político à disposição dos
Parlamentos para influenciar e fiscalizar a atuação da Administração pública. O artigo
situa este objeto sobre o pano de fundo mais amplo, referente à delimitação entre
atividades técnicas – típicas da Administração – e atividades políticas – típicas dos
Parlamentos, apontando também as inter-relações entre ambas.
Palavras-chave: Parlamento, Controle, Administração Pública.
Abstract: This article regards the means used by Parliaments to oversee and influence the activity of public Administration. The article frames this subject within the
larger framework concerning the differences between technical activities – typical of
the Administration – and political activities – typical of Parliaments – indicating also
the inter-relations between them.
Key-words: Parliament, Authority, Civil Service.
Introdução
O gigantismo da máquina administrativa
no Estado contemporâneo, sua intrusão
sobre os mais variados aspectos da vida
dos cidadãos e a ameaça potencial que isto
representa para a fruição das liberdades
públicas, leva-nos a fixar os limites do
objeto material deste trabalho em questões
atinentes à eficácia do controle político
exercido sobre a Administração pelos
principais órgãos de representação política
nas sociedades democráticas, os seus
respectivos Parlamentos.
O objeto formal do trabalho, isto é, a
angulação específica sob a qual o objeto
material será tratado, buscará explorar,
ao lado da abordagem jurídico-formal do
controle parlamentar da Administração, os
1
aportes que a sociologia e a ciência política
trazem à compreensão da dinâmica relação
entre política e administração, sem os quais
uma análise deste tema corre o risco de
resultar na construção de castelos de areia,
cuja integridade depende de mantê-los
hermeticamente isolados da realidade que
pretendem esclarecer.
O plano do trabalho que desenvolveremos
aborda, em uma primeira parte, o surgimento
e agigantamento do aparelho administrativo,
para, em seguida, tratar das relações
que, hoje em dia, travam a política e a
administração, buscando esclarecer o campo
específico de cada uma delas na estrutura
do Estado. A terceira e última parte será
dedicada à análise dos mecanismos formais
de controle e de seus limites.
Doutor em Direito do Estado pela Faculdade de Direito da USP e professor das cadeiras de Direito Constitucional,
na Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre, RS e de Teoria do Estado e Direito Econômico, no Centro Universitário
Ritter dos Reis de Porto Alegre, RS. E-mail: [email protected]
19
Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010
1. O desenvolvimento da administração entregue a políticos apoiados pela maioria
parlamentar e encarregados de apresentar e
independente no estado moderno
Não é novidade que um dos pilares do conduzir os programas interventivos; e a chefia
constitucionalismo liberal do século XVIII de Estado, que deveria assumir posição de
foi, e continua a ser no constitucionalismo neutralidade perante os conflitos políticos4,
contemporâneo, o princípio da separação motivo pelo qual deveria, idealmente, ser
de poderes. Na formulação original de entregue a um monarca hereditário.
Encaminhada a solução para o problema
MONTESQUIEU – inspiradora do sistema de
governo por nós adotado desde a Proclamação institucional, a necessidade imperativa de
da República – isto significava distribuir as intervenção esbarrou, porém, na ineficiência
funções do Estado entre três poderes2: o poder do aparelho administrativo que então equipava
legislativo, o poder executivo e o poder judiciário. os Estados nacionais. Com efeito, diz FINER
Este sistema foi concebido para tolher a que não foi senão no século XIX que ganhou
ação do Executivo, procurando impedi-lo de pôr força o movimento de profissionalização da
em prática intervenções generalizadas sobre Administração, visando dotá-la de neutralidade
o domínio econômico e social, o que estava e eficiência no cumprimento dos objetivos
de acordo com a cosmovisão liberal que o governamentais:
inspirou, a qual propunha deixar aos próprios
O ideal de um serviço público desinteressado
indivíduos a persecução de seu bem individual,
e devotado é principalmente um fenômeno de fins
garantindo-se, pela ação da “mão invisível”,
do século dezoito e do século dezenove na Europa
que do conjunto destas ações chegar-se-ia ao
e na América. Até então, era dado como certo que
alguém ia para o serviço público para ali ganhar
melhor arranjo possível do bem comum3 . Não
dinheiro. Os efeitos da consequente corrupção dishaveria, assim, necessidade de frequentes
seminada eram os de distorcer e até mesmo frustrar
intervenções governamentais.
as intenções do governo. O que o governo queria e
Os arranjos institucionais que foram
o que ele obtinha eram duas coisas bem diferentes 5.
implementados com inspiração no ideário
liberal não permaneceram intactos por muito
De fato, a primazia na organização de
tempo. Já em meados do século XIX, a um serviço público isento e profissionalizado
chamada “questão social”
coube, uma vez mais, aos
tornava clara a necessidade
ingleses, que começaram
Não foi senão no século XIX
de intervenção estatal para
a implantá-lo antes do final
que ganhou força o movimento
mitigar os efeitos adversos
do século XIX. O exemplo
de profissionalização da
da industrialização sobre a
britânico repercutiu nos
Administração, visando
estrutura socioeconômica.
Estados Unidos, país onde
dotá-la de neutralidade e
O impacto de tal demanda
a ineficácia do spoil system
eficiência no cumprimento
sobre os sistemas de governo
já vinha se manifestando há
dos objetivos governamentais.
é também conhecido:
algum tempo. O trabalho
desenvolveu-se, a partir da
teórico de WOODROW
prática institucional britânica
WILSON assentou os
– recolhida nas reflexões de CONSTANT – o princípios que deveriam nortear a implantação
chamado sistema parlamentar, com a divisão do de um civil service profissionalizado e tinham
Executivo em dois ramos: a chefia de governo, como pedra de toque a separação entre Política
2
3
4
5
Neste sentido, é eloquente o Art. 16 da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão: “Tout societé dans laquelle
la garantie des droits n’est pás assurée, ni la separation des pouvoirs determine, n’a point de constitution.”
“Na verdade, Montesquieu via na separação de poderes uma doutrina política, um meio de o poder deter o poder,
como apontara mais atrás. Não via mal algum na inação. Isto se compreende, se se lembrar que, a seu tempo e
certamente para o seu pensamento, o papel do Estado não era o de promover o bem-estar do povo, mas sim o
de criar condições – mormente de segurança – para que cada um cuidasse dos próprios interesses.” FERREIRA
FILHO, Manoel Gonçalves. Princípios Fundamentais do Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 253.
cf. SOUZA JUNIOR, Cezar Saldanha. O Tribunal Constitucional como Poder – Uma nova teoria da Divisão dos
Poderes. São Paulo: Memória Jurídica, 2002. p. 69 e segs.
“The ideal of selfless, devoted public service is largely a late eighteenth – and nineteenth – century European and
American phenomenon. Till then it was taken for granted that one went into government service in order do make
money out of it. The effect of the consequent widespread corruption was to distort or even frustrate de intentions of
government. What government wanted and what it got where very different things.” FINER, Samuel E. The History
of Government. Oxford: University Press, 1999. Vol. III, p. 1616.
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Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010
e Administração6. Essa separação projetavase em duas dimensões: (a) de um lado como
instrumento para corrigir as disfunções do spoil
system, visando coibir a interferência política no
funcionamento da administração; (b) de outro,
visava construir uma ciência da administração
dedicada ao estudo e aplicação de técnicas
administrativas isentas de conteúdo político ou
ideológico.
Outro autor que deve ser lembrado pela
insistência na necessidade de separação
entre Política e Administração, como condição
necessária para o bom funcionamento da última,
é MAX WEBER, o qual considerava a aparição
da administração pública profissional como o
gérmen do Estado Moderno no ocidente, pois
a avaliava – com acerto – como instrumento
imprescindível para a condução administrativa
das sociedades de massas:
de poder das instâncias dirigentes de um governo
puramente burocrático de funcionários públicos,
que sempre tendem a apropriar-se de uma liberdade de movimentos a mais incontrolada possível...8.
Esta observação do sociólogo alemão
permaneceu quase ignorada até após a
segunda guerra mundial, quando o tamanho,
a intrusividade e a influência da máquina
administrativa sobre o processo político
decisório não puderam mais ser ignorados e
a questão da extensão do controle dos órgãos
representativos sobre ela foi novamente posta
na ordem do dia.9 Com efeito, a perda de
controle sobre a iniciativa governamental e
a crescente tecnicalização dessas decisões
colocaram os Parlamentos na berlinda, em
situação que não deixa de suscitar dúvidas
quanto a sua capacidade de exercer alguma
influência sobre elas.
Toda nossa vida cotidiana está tecida dentro
deste marco. Pois se a Administração Burocrática
é em geral – caeteris paribus – a mais racional
desde o ponto de vista técnico-formal, hoje é, ademais, nitidamente inseparável das necessidades da
Administração de Massas (pessoais ou materiais).
Tem-se que eleger entre a burocratização e o
diletantismo da Administração; e o grande instrumento da superioridade da administração burocrática é este: o saber profissional especializado... 7
2. As fronteiras entre a política e a
administração
A complexidade dos problemas, cuja
solução atualmente recai sobre os ombros
do Governo, torna indispensável o recurso
aos quadros especializados da Administração
pública na busca de soluções factíveis e
coloca nas mãos destes quadros – admitase ou não – margens maiores ou menores
de discricionariedade no planejamento e na
implementação das decisões políticas:
Uma nota distintiva em seu pensamento está
no olhar apurado de sociólogo, que não deixou
de reconhecer o próprio corpo burocrático do
Estado como um ente dotado de poder político,
ao qual deve ser contraposto o poder político
dos representantes eleitos para que seja
possível compatibilizar a eficácia administrativa
com o princípio democrático:
O Administrador ascende de seu papel secundário e
se configura como um co-decisor, passa da ‘implementação’ à ‘complementação’ e em casos extremos de bloqueio político chegará inclusive a realizar um trabalho de
‘suplementação’, já que passará a substituir a falta de impulso político. A formulação política inicial funciona como
força motriz que está longe de ser automaticamente aplicada pelo executor cujo papel político-criativo cresce.10
Os políticos devem ser o contrapeso ao poder
dos funcionários públicos. Mas a ele resiste o afã
6
cf. MASEDO, Laura Román. Política e Administración. Algunas notas sobre el origen y la evolución del debate teórico.
Madrid: Revista de Estudios Políticos. Vol. 98 (nueva época). Oct. - Dic. 1997. p. 121.
“Toda nuestra vida cotidiana está tejida dentro de ese marco. Pues si la administración burocrática es en general –
caeteris paribus – la más racional desde el punto de vista técnico-formal, hoy es, además, sencillamente inseparable de
las necesidades de la administración de masas (personales o materiales). Se tiene que elegir entre la burocratización
y el diletantismo de la administración; y el gran instrumento de la superioridad de la administración burocrática es
éste: el saber profesional especializado…” WEBER, Max. Economía y Sociedad. 2. ed. esp. Madrid: Fondo de
Cultura Económica, 2002. p. 178.
8
“Los políticos deben hacer de contrapeso al poder de los funcionarios. Pero a ello se resiste el afán de poder de
las instancias dirigentes de un gobierno puramente burocrático de funcionarios, que siempre tienden a acaparar la
libertad de movimientos lo más incontrolada posible…”. WEBER, Max. Escritos políticos. Madrid: Alianza, 1991. p.
173, apud, MASEDO, Laura Román. op. cit. p. 120.
9
cf. MASEDO, Laura Román. op. cit. p. 126.
10
“El administrador asciende de su papel secundario y se configura como un codecisor, pasa de la ‘implementación’ a
la ‘complementación’ y en casos extremos de bloqueo político llegará incluso a realizar un labor de ‘suplementación’
ya que pasará a sustituir la falta de impulso político. La formulación política inicial funciona como fuerza motriz que
está lejos de ser aplicada automáticamente por el ejecutor cuyo papel político-creativo crece.” CALVO, José Lopez.
Organización y Funcionamiento del Gobierno. Madrid: Tecnos, 1996. p. 99/100.
7
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Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010
O aporte de opiniões e a execução das precisam ser devidamente ponderadas em
decisões, contudo, não são sempre marcados outra instância, de horizonte mais extenso que
pela isenção técnica. Lembramos acima, com o técnico-administrativo.
WEBER, que a Administração,
Neste ponto, podeenquanto corpo dotado de
se ver com mais clareza a
poder, frequentemente utiliza-o
impossibilidade de dispensar a
A Administração, enno mais amplo escopo possível
arbitragem política na tomada
quanto corpo dotado de
a favor de seus próprios
de decisões sobre os objetivos
poder, frequentemente
interesses corporativos. 11
governamentais e sobre meios
utiliza-o no mais amplo
Outro pioneiro da sociologia,
de alcançá-los. Pois na confusão
escopo possível a faROBERT MICHELS, chega
de interesses dissonantes,
vor de seus próprios inà conclusão semelhante,
de opiniões contraditórias,
teresses corporativos.
no sentido de que todo o
de horizontes reduzidos a
organismo burocrático tende
particularismos, de dissenso e
a criar interesses particulares,
disputa, onde se poderá conciliáindependentes daqueles para cuja promoção los razoavelmente em prol de um bem maior,
foi constituída:
comum a todos, que é, afinal, a razão de
existir do Estado e de suas instituições? A
...é uma lei social inelutável que qualquer órgão
esfera política é o local apropriado para fazêda coletividade, nascido da divisão do trabalho, cria
lo, uma vez que o fim específico da atividade
para si, logo que estiver consolidado, um interesse espolítica é precisamente prover pelo bem
pecial, um interesse que existe dentro de si e para si. 12
comum, resolvendo os conflitos de visões e de
A pedra de toque sobre a qual WILSON interesses, construindo o consenso necessário
pretendia erigir uma Administração eficiente e ao encaminhamento de soluções aos problemas
imparcial mostra-se, afinal, menos sólida do que a todos atingem. Vale transcrever as
que o pretendido. É necessário reconhecer palavras de FREUND:
que os interesses particulares dos diversos
Qual é o bem específico da atividade política?
órgãos que formam a Administração e as
Ver-se-á que não se trata de um
disputas internas por
bem unicamente próprio dos parfatias de poder, agregados
ticulares e nem mesmo da soma
O fim específico da atividade
dos bens particulares, seja dos
à simples extensão do
política é precisamente prover
indivíduos, seja dos agrupamenaparato administrativo, à
pelo bem comum, resolvendo
tos subordinados, tal como da
multiplicidade de entidades
os conflitos de visões e de intefamília ou de alguma associação
que a compõem, às
profissional econômica, nem
resses, construindo o consendiferentes perspectivas com
é o bem do Estado enquanto
so necessário ao encaminhaEstado, mas da coletividade
que um mesmo problema é
mento de soluções aos prototal no meio da qual os indivíabordado e aos diferentes
blemas que a todos atingem..
duos são integrados a título de
atores do jogo político que
membros que se dão um Estado
são por ele afetados 13 ,
como instituição. 14 (grifamos)
fazem com que a decisão política seja informada
O autor acrescenta mais adiante:
por uma miríade de posições divergentes que
11
É a lição perspicaz e universalmente válida exposta por MONTESQUIEU: quem tem poder tende a dele usar até
que encontre limites.
12
MICHELS, Robert. Sociologia dos Partidos Políticos. 1. ed. Brasília: UNB, 1982. p. 234.
13
Conforme observa MOULIN: “...en virtud de su misma amplitud, toda macrodecisión afecta a todos los sectores
de la vida social; porque provoca la intervención de un gran número de datos, todos ellos heterogéneos y siempre
contradictorios; porque implica la existencia de aproximaciones y puntos de vista técnicos diferentes y casi siempre
opuestos entre sí; porque, por definición, y a menos de caer en el ‘josefinismo’ de los déspotas ilustrados, debe,
además, tener en cuenta una multitud de elementos afectivos, irracionales e imprevisibles…” La Tecnocracia,
Tentación y Espantajo del Mundo Moderno. Madrid: Revista de Estudios Políticos, Vol. 123. Mayo-Junio 1962. p.
104/105.
14
“Que est alors le bien spécifique de l’activité politique ? Il va de soi qu’il ne s’agit pas d’un bien propre uiniquement
aux particuliers ne même de la somme des biens particuliers, soit des individus, soit des groupements subordonnés,
tels de la familie ou toute outre association professionnelle économique, ni son plus du bien de l’État en quant
État, mais de celui de la collectivité totale ou sein de laquelle les individus sont integrés à titre de membres
que se donnent un État comme institution.” FREUND, Julien. L’Essence du Politique. Paris: Syrei, 1965. p. 651.
22
Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010
sentido em que um amestrador conhece os seus
animais, ou os pais suas crianças, ou maestros suas
orquestras, antagônica ao sentido em que os químicos conhecem o conteúdo dos tubos de ensaio.” 17
É, assim a ela [à política] que incumbe intervir quando os conflitos entre os grupos internos arriscam produzir desordens ou quando
os bens particulares ameaçam o bem comum. 15
Podemos também aduzir, em favor
Fique claro que tal abordagem não implica
desta posição, elementos oriundos das a defesa do obscurantismo. O conhecimento
circunstâncias vitais em que a pessoa técnico é imprescindível à boa condução dos
humana atua e desenvolve seus potenciais. negócios de Estado. Tudo aquilo que pode
Com efeito, o político costuma estar, por ser dissecado, analisado e articulado em
vocação, por experiência e pela posição uma análise científica deve sê-lo, trata-se,
que
ocupa,
melhor
no entanto, de reconhecer
aparelhado que o técnico,
que esse processo tem
Esse processo tem limites e
normalmente recluso em
limites e imperfeições que
imperfeições que não autoriseu campo específico do
não autorizam alimentar
zam alimentar a ilusão de que
saber, a tomar decisões
a ilusão de que seríamos
seríamos melhor governados
de ampla repercussão, em
melhor governados por uma
por uma tecnocracia politique é essencial apercebertecnocracia politicamente
camente irresponsável porse dos múltiplos elementos
irresponsável
porque
que dotada de conhecimene facetas que compõe
dotada de conhecimento
to “científico” incontestável.
um dado problema e
“científico” incontestável.18
sua solução, inclusive
Desse modo, ainda
os de cunho afetivos,
que a decisão política não
irracionais, que não costumam entrar no prescinda da informação por critérios técnicos,
cálculo dos “espíritos geométricos”16 . Não a competência última para sua tomada
por acaso, ISAIAH BERLIN assim sumariza deve recair, nos regimes democráticos,
as características distintivas do julgamento sobre o Governo e o Parlamento, isolados
político:
ou conjuntamente, i.e., sobre órgãos
politicamente responsáveis perante a nação.
A habilidade de que falamos abrange, sobretudo,
Estando assente que em uma democracia
uma capacidade para a integração de um vasto amála Administração não deve operar alheia ao
gama de dados constantemente em mudança, multicoloridos, evanescentes, perpetuamente sobrepondo-se
controle dos órgãos representativos, cumpre
uns aos outros, são muitos, muito ligeiros, muito enexplorar os mecanismos formais pelos quais
tremeados para serem capturados, reconhecidos e roo Parlamento pode exercer este controle.
tulados, como se fossem borboletas individualizadas.
(...)
Como nós chamamos esse tipo de habilidade?
Sabedoria prática, talvez razão prática, um senso
do que “vai funcionar” ou do que não vai. É uma
habilidade, em primeiro lugar, para a síntese, mais
do que para a análise, para o conhecimento no
3. Os mecanismos de controle e seus
limites
Dentre as diversas funções exercidas
pelos Parlamentos, a que hoje tende a
15
“C’est aussi à elle [à política] qu’il incombe d’invervenir quand les conflits entre des groupements internes risquent de
provoquer des désordres ou lorque les biens particuliers menacent le bien comum. ” FREUND, Julien. L’Essence...
p. 659.
16
A expressão é de MOULIN, que a contrapõe ao “espírito fino ”, característico dos políticos. Segundo o cientista político
belga, “Existe una racionalidad específica de la política que reclama el arte específico del político, y la observación,
específica, del estudioso de la política. Pero ‘racionalidad’ no significa en este caso ni objectividad científica, ni
tecnicidad absoluta. En primer lugar es inútil querer ‘despasionalizar’ los problemas políticos en un regímen como el
democrático, que habla el idioma de la pasión, necesariamente, y hace sufrir a los hechos simplificaciones extremas
y extremas distorsiones.” op. cit. p. 106.
17
“The gift we mean entails, above all, a capacity for integrating a vast amalgam of constantly changing, multicolored,
evanescent, perpetually overlapping data, too many, too swift, too intermingled to be caught and pinned down and
labeled like so many individual butterflies.
(...)
What do we call this kind of capacity? Practical wisdom, practical reason, perhaps, a sense of what will ‘work’, and
what will not. It is a capacity, in the first place, for synthesis rather than analysis, for knowledge in the sense in which
trainers know their animals, or parents their children, or conductors their orchestras, as opposed to that in which
chemists know the contents in their tubes… ”. BERLIN, Isaiah. Political Judgement. In: The sense of reality.[s.e].
London: Pimlico, 1996. p. 46/47.
18
É oportuno lembrar o trabalho de MAURICE DUVERGER, que demonstra como a crença no determinismo científico
deságua, no plano político, em regimes totalitários. Les Orangers du Lac Balaton. Paris: Seuil, 1980, passim.
23
Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010
destacar-se não é a legislativa, pois, cada aqueles inscritos no Art. 50 e respectivos
vez mais, o Executivo dispõe de meios para parágrafos da CRFB/88 (convocação de
liderar o processo decisório e legislar por Ministros de Estado, pedido de informações
conta própria (vide o exemplo brasileiro das por escrito etc).
Ao lado deste controle genérico, incidente
Medidas Provisórias). Assim, o que sobreleva
é a função de controle, fiscalizadora19 . sobre qualquer ato da Administração, temos
Sua força varia, antes de tudo, conforme os controles específicos, incidentes sobre
o sistema de governo adotado, tendendo atos determinados do Poder Executivo21,
a ser maior nos regimes parlamentaristas que concentra em sua estrutura o comando
onde a sustentação do Governo depende do de toda a Administração pública. A previsão
normativa para este controle
apoio da maioria parlamentar.
pormenorizado
encontraNos regimes presidenciais
O controle prévio, jusse dispersa em diversos
ele tende a ser mais fraco,
tamente por ocorrer anincisos do Art. 49 de nossa
mas ainda assim existe e as
tes do fato consumaCarta Magna22, e podem ser
Constituições não deixam
do,
costuma
ser
dotado
de prever instrumentos que
atos de controle a posteriori,
de maior efetividade.
incidentes sobre o ato já
possibilitam efetivá-lo.
praticado, como, por exemplo,
Em qualquer caso, a
a sustação de atos normativos
natureza deste controle é
sempre política, pois, conforme salienta do Poder Executivo que exorbitem o Poder
ANNA CÂNDIDA, ele atua por instrumentos regulamentar (inc. V), ou a priori, hipótese
políticos, visando resultados políticos, com em que determinado ato só pode ser
o Parlamento agindo dentro dos marcos praticado após apreciação e concordância do
constitucionais e das regras regimentais Congresso Nacional. É o caso da autorização
por ele mesmo estabelecidas, com plena para exploração de recursos hídricos e
autonomia para determinar a oportunidade e minerais em terras indígenas (inc. XVI) e
a conveniência do seu exercício.20
para a aprovação da alienação ou concessão
de terras públicas com área superior a dois
3.1. Os Mecanismos de Controle no mil e quinhentos hectares (inc. XVII). NoteBrasil.
se que o controle prévio, justamente por
No Brasil, a Constituição de 1988 prevê, ocorrer antes do fato consumado, costuma
no Art. 49, X, um controle genérico, a ser dotado de maior efetividade.
posteriori, sobre a Administração, inclusive
Insere-se, também, entre os meios de
indireta, e sobre o Governo:
controle da atuação do Executivo, o poder
de controle das contas, exercido pelo
“Art. 49. É da competência exclusiva do ConParlamento com o auxílio do Tribunal de
gresso Nacional:
Contas. Compete-lhe a fiscalização completa
(...)
da execução orçamentária, acompanhando
X – fiscalizar e controlar, diretamente, ou por
qualquer de suas Casas, os atos do Poder Exepari passu todo o ato ou despesa,
cutivo, incluídos os da administração indireta;”
examinando-lhe a legalidade e conveniência
perante o interesse público.23
Silencia o dispositivo, todavia, quanto
Recurso poderoso de controle são as
aos meios de controle, sendo, por isso, de comissões de inquérito (Art. 58, §3º, da
se entender que o Congresso o pratica de CRFB/88), cuja origem foi contemporânea
acordo com os meios previstos no próprio à origem dos Parlamentos, apontando-se,
texto constitucional, como, por exemplo, uma vez mais, a Inglaterra como o país
19
cf. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 34. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 161.
CUNHA FERRAZ, Anna Cândida. Conflito entre Poderes. São Paulo: RT, 1994. p. 154.
21
CUNHA FERRAZ, Anna Cândida. Conflito... p. 162.
22
Nos regimes presidencialistas, a reunião, em uma só pessoa, da Chefia de Estado, da Chefia do Governo e da
Chefia da Administração, reflete-se no conteúdo dos atos passíveis de controle elencados no Art. 49. Nem todos
dizem respeito a funções administrativas do Presidente da República. Os casos de apreciação da decretação do
Estado de Sítio, de Defesa e de intervenção Federal são típicos de controle sobre o exercício de competências
atinentes à Chefia de Estado ou de Governo.
23
cf. CAGGIANO, Mônica Herman Salém. Controle Parlamentar da Administração. São Paulo: Revista de Direito
Público, n° 96. Out. – Dez. 1994. p. 150.
20
24
Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010
de procedência destes organismos.24 De
acordo com nosso texto constitucional, estas
comissões possuem poderes investigatórios
equivalentes aos da autoridade judicial25,
mas não possuem poder de julgar e aplicar
penas, mesmo de natureza política, uma
vez que sua função precípua, como lembra
FERREIRA FILHO, é a de colher matéria
útil ao desenvolvimento dos trabalhos
legislativos26. Caso sejam detectados ilícitos
durante os trabalhos, suas conclusões
devem ser encaminhadas (a) às autoridades
judiciais para que estas promovam a
responsabilização civil ou criminal das
autoridades investigadas e/ou (b) aos órgãos
com competência para aplicação de sanções
políticas.
Finalmente, o impeachment, o mais
poderoso de todos os meios de controle,
uma vez que através dele o Parlamento
pode destituir do cargo o próprio Presidente
da República. Suas origens remontam,
novamente, ao direito inglês, onde era
empregado como meio não apenas de destituir
funcionários da Coroa, como também de
aplicar-lhes pena. No Brasil, aplica-se quanto
aos crimes de responsabilidade cometidos
pelo Presidente da República (Art. 85, da
CRFB/88). Em virtude da complexidade de
seu mecanismo, da gravidade da sanção e
da turbulência que provoca na vida política
da nação, seu emprego é raríssimo, a ponto
de, no Brasil, antes do caso Collor, boa parte
da doutrina considerá-lo uma peça de museu.
sem que sua utilização transborde para
ingerências indevidas no funcionamento de
outro Poder.
Com efeito, assim como é vedado à
Administração criar ou suprimir direitos ou
obrigações através da edição de normas
com caráter geral e abstrato – atividade que
é típica prerrogativa da função legislativa
– é igualmente vedado, ao Parlamento, a
pretexto de controle, emitir ordens diretas
e concretas aos órgãos administrativos
de outros poderes. Não há aqui relação
de subordinação direta entre o Executivo
e o Parlamento, pois a fiscalização que
este exerce sobre aquele se dá em uma
relação entre Poderes dotados da mesma
hierarquia constitucional. Configura o que
LOEWENSTEIN classificou de controle interórgãos28.
Conclusões
Do exposto no curso deste trabalho é
possível extrair as seguintes conclusões:
I. A Administração pública desenvolveuse como corpo autônomo e profissionalizado
no intuito de coibir as ingerências políticas
no curso de ação determinado pelo
governo. A complexidade dos problemas
governamentais, no entanto, praticamente
obriga a que esta ingerência ocorra em
algum grau.
II. A criação de uma burocracia forte
e independente levou ao afloramento de
interesses políticos particulares aos órgãos
que a compõem e que intervêm ativamente no
jogo político. O crescimento e multiplicação
destes órgãos, somado à indispensabilidade
de dados técnicos para informar a decisão
política, torna imprescindível a mediação,
na arena política, dos interesses e opiniões
discrepantes da Administração pública.
III.
Como
órgão
colegiado
de
representação e deliberação, o Parlamento
é um locus privilegiado onde esta mediação
pode ser feita. Isto por si só já constitui,
3.2. Limites do Controle
O exercício do controle parlamentar sobre
as atividades do Governo e da Administração
não é feito, por óbvio, indiscriminadamente.
Encontra um limite natural nos meios
que a Constituição coloca à disposição
do Parlamento. Todos estão à sombra do
princípio da separação de poderes, o que
significa que sua utilização deve ater-se aos
contornos fixados pelo texto constitucional27,
24
cf. CAGGIANO, Mônica Herman Salém. Controle... p. 151.
São recorrentes os debates quanto à extensão destes poderes. A posição que nos parece mais equilibrada é aquela
expressa por ANNA CÂNDIDA, a qual lembra, referindo-se a FERREIRA FILHO, que mesmo as autoridades judiciais
atuam ao abrigo de normas legais. Caberia, pois, ao regimento interno do Congresso indicar quais destas normas,
presentes, por exemplo, no CPC, podem ser invocadas pelas Comissões de Inquérito. Cf. Conflito... cit. p. 181.
25
Curso... cit. p. 162.
27
CAGGIANO, Mônica Herman Salém. Controle... p. 152.
28
“Cuando las instituciones de control operan dentro de la organización de un solo detentador del poder, son
designadas como controles intraórganos. Cuando, por otra parte, funciona entre diversos detentadores del
poder que cooperan en la gestión estatal, se les designa como controles interórganos.” (grifamos) Teoría de
la Constitución. 2ª ed. española. Barcelona: Ariel, 1976. p. 232.
25
25
Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010
pensamos, um meio de controle político sobre
a atividade Administrativa naquilo em que
esta intervém enquanto poder politicamente
interessado.
IV. Os variados mecanismos formais de
controle postos à disposição do Parlamento
devem ser utilizados dentro dos limites
recomendados pelo princípio da separação de
poderes. Ademais, viu-se que há diferenças
ontológicas, de natureza estrutural, entre
a função técnico-administrativa e a função
política, o que, igualmente, não recomenda
que o controle parlamentar chegue ao ponto
de sobrepor-se à função administrativa.
V. Juntos, o controle de caráter geral que o
Parlamento naturalmente impõe às demandas
políticas da Administração ao absorvê-las no
debate e confronto com demandas de outros
setores e o emprego efetivo dos mecanismos
formais que a Constituição coloca ao alcance
do Poder Político, abrem caminho para que
o Congresso Nacional exerça um efetivo
controle sobre a atividade administrativa.
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves.
Princípios Fundamentais do Direito
Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2009.
Curso de Direito Constitucional. 34. ed. São
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DUVERGER, Maurice. Les Orangers du
Lac Balaton. Paris: Suile, 1980.
26
Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010
O uso de hipóteses na construção do
conhecimento científico
Walter Guilherme Hütten Corrêa1
Resumo: Frequentemente pesquisadores iniciantes são levados a pensar que
um estudo aprofundado de um tema corresponde à produção científica. O caráter
científico de um trabalho não reside nisso, mas na construção e teste de hipóteses
racionalmente elaboradas. Tem-se a contribuição de Karl Popper para a teoria do
conhecimento como marco para a constituição de uma postura científica que assume todo o conhecimento teórico como hipotético, válido enquanto for suficiente
para explicar o mundo. Fazer ciência exige uma atividade de construção prévia das
verdades científicas possíveis (hipóteses) que são contrastadas com a realidade
empírica no experimento científico. A hipótese funciona como um guia para a realização da pesquisa. Dirige a atenção do pesquisador, destaca os elementos que
julga importantes, estabelece critérios de seleção das informações disponíveis e faz
a ligação entre teoria e fatos.
Palavras-chave: Conhecimento científico, Hipótese, Karl Popper.
Resumé: Les chercheurs débutants sont souvent encouragés à penser qu’une
étude approfondie d’un thème correspond à la production scientifique. Le caractère
scientifique d’une œuvre ne réside pas ici, mais dans la construction et les tests
d’hypothèses rationnellement conçues. La contribution de Karl Popper à la théorie
de la connaissance comme référence pour la formation d’une approche scientifique
qui prend toutes les connaissances théoriques comme hypothétique, valide depuis
qu’assez pour expliquer le monde. Science nécessite une activité de construction
préalable de possibles vérités scientifiques (hypothèses) qui sont confrontés a la
réalité empirique dans l’expérience scientifique. Hypothèse fonctionne comme un
guide pour la conduite de la recherche. Elle dirige l’attention de le rechercheur, met
en évidence les éléments qu’il pense importants, établit les critères de sélection des
informations disponibles et fait le lien entre la théorie et les faits.
Mots-clés: Connaissance scientifique, Hypothèse, Karl Popper.
pesquisa científica tem fundamento na possibilidade que o homem possui de apreender a
realidade e construir conhecimento com base
na experiência; e que o uso que fazemos das
hipóteses, no processo de pesquisa, revela a
concepção que temos da possibilidade e da
forma de conhecer.
Tendo base na teoria do conhecimento
desenvolvida por Popper, a hipótese tem papel
fundamental, “pois só com as nossas hipóteses
aprendemos que tipo de observações devemos fazer: para onde devemos dirigir nossa
atenção; onde ter um interesse.” (POPPER,
Introdução
Este ensaio pretende responder a um
desafio: demonstrar a importância e o uso de
hipóteses explícitas na pesquisa científica,
especialmente nas ciências sociais. Frequentemente pesquisadores iniciantes posicionamse frente à pesquisa científica confiantes que
tendo definido um problema de pesquisa
relevante, uma lista de livros pertinentes e
algumas horas de leitura, farão um trabalho
científico. A pesquisa científica é associada
ao estudo aprofundado.
Consideramos primeiramente que toda a
1
Bacharel em Direito (UFRGS, 1999), mestre em Sociologia (UFRGS, 2001), professor de metodologia da pesquisa
científica no curso de Direito da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre. [email protected]
27
Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010
1975, p. 318). Mais do que um guia, a hipótese tem o papel principal no constante jogo
de refutação e corroboração que constitui a
evolução do conhecimento científico.
A formulação de hipóteses não é apenas
possível, mas necessária em grande parte dos
estudos científicos. As pesquisas que buscam
teorias explicativas necessariamente utilizam
hipóteses. Já os trabalhos descritivos podem,
genericamente, prescindir do seu uso, especialmente quando são estudos exploratórios.
Ainda assim, podemos pensar que o estudo
exploratório tem por base alguma teoria que
é indiretamente testada através de hipóteses
subjacentes, não expressas, sobretudo quanto
à validade da teoria de base da pesquisa.
teorias e hipóteses frente aos fatos observáveis. Esta teoria é explicada resumidamente
no ensaio “O balde e o holofote: Duas teorias
do conhecimento” (POPPER, 1975, apêndice,
p. 313-32).
A “teoria do balde” parte da doutrina persuasiva de
que, antes de podermos conhecer ou dizer qualquer
coisa acerca do mundo, devemos primeiro ter tido
percepções – experiências dos sentidos. Supõe-se
decorrer desta doutrina que o nosso conhecimento, a
nossa experiência, consiste de percepções acumuladas (empirismo ingênuo) ou então de percepções assimiladas, separadas e classificadas (concepção mantida, por Bacon e, de maneira mais radical, por Kant).
Os atomistas gregos tinham uma noção um tanto primitiva deste processo. Admitiam que átomos
se desprendiam dos objetos que percebemos e
penetravam em nossos órgãos dos sentidos, onde
se tornavam percepções; e com eles, no decurso
do tempo, se montava nosso conhecimento (como
um quebra-cabeças de armar que se montasse a
si mesmo). De acordo com essa concepção, assim,
nossa mente se assemelha a uma vasilha – uma
espécie de balde – em que percepções e conhecimento se acumulam (POPPER, 1975, p.313), ou
seja, o mundo material, acessível aos sentidos é
absorvido na sua essência, pouco a pouco, pelas
experiências individuais e, quando suficientemente acumulada a essência do mundo na mente,
surgem as correlações e explicações do mundo.
1. Uso de hipóteses sob a perspectiva
popperiana
Uma questão fundamental na discussão
sobre ciência e pesquisa científica é a possibilidade de o ser humano apreender a realidade.
Se vivêssemos em um planeta onde nada jamais
mudasse, haveria pouca coisa a fazer. Não haveria
nada a ser calculado e nenhum ímpeto para a ciência.
E se vivêssemos em um mundo imprevisível onde as
coisas mudassem ao acaso ou de maneiras muito
complexas, não seríamos capazes de calcular nada.
Mais uma vez não haveria ciência. Porém, vivemos em
um universo limitado, onde as coisas mudam de acordo com padrões, regras, ou podemos chamá-las de
leis da natureza. Se eu atirasse uma vareta para o ar,
ela cairia. Se o Sol se pusesse no oeste, sempre surgiria na manhã seguinte no leste. Deste modo é possível
calcularem-se os fatos. Podemos fazer ciência e com
ela melhorar nossas vidas. (SAGAN, 1984, p. 46)
Popper critica esta concepção, e aponta
a diferenciação que faz entre observação e
percepção.
Na ciência, a observação, em vez da percepção,
é que desempenha o papel decisivo. Mas a observação é um processo em que nós desempenhamos
papel intensamente ativo. Uma observação é uma
percepção, mas uma percepção que é planejada
e preparada. Não “temos” uma observação (como
podemos “ter” uma experiência de sentidos) mas
“fazemos” uma observação. (...) Sempre uma observação é precedida por um interesse em particular,
uma indagação, ou um problema – em suma, por
algo teórico. Afinal de contas, podemos colocar
qualquer indagação em forma de uma hipótese ou
conjectura a que acrescentamos: “É assim? Sim ou
não?” Deste modo, podemos afirmar que cada observação é precedida por um problema, uma hipótese
(ou seja o que pudermos chamá-lo; de qualquer
modo, por algo que nos interessa, por algo teórico
ou especulativo. Por isto é que as observações são
sempre seletivas e pressupõem alguma coisa como
um princípio de seleção (POPPER, 1975, p.314).
Justamente no estudo destas regularidades
e na busca das causas dos fatos observáveis
está o objetivo da ciência, em sentido amplo,
e este conhecimento produzido é científico na
medida em que tem base em métodos válidos.
Sugiro que a meta da ciência é encontrar explicações satisfatórias de qualquer coisa que nos impressione como necessitando de explicação. Por explicação
(ou explicação causal) entende-se um conjunto de
asserções por meio das quais uma delas descreve o
estado de coisas a ser explicado (o explicandum) enquanto as outras, as asserções explicativas, formam
a ‘explicação’ no sentido mais estreito da palavra (o
explicans do explicandum). (POPPER, 1975, p. 180)
O princípio de seleção é o sistema de
expectativas do pesquisador, ou seja, as hipóteses com que trabalha de modo mais ou
menos consciente. Ao realizar uma observação, o pesquisador espera encontrar um dado
Karl Popper desenvolveu uma teoria do
conhecimento, que levou à elaboração do método hipotético-dedutivo, tendo base em que o
conhecimento se constrói a partir do teste de
28
Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010
resultado, não age com a mente vazia, mas no
centro de um horizonte de expectativas. Devemos entender expectativa como algo intrínseco
à postura do pesquisador. Este horizonte de
expectativas serve de moldura, conferindo
significado às experiências e observações.
“Essas expectativas podem ser formuladas em
forma de quesitos; e a observação será usada
para obter uma resposta confirmadora, ou corretiva, para as expectativas assim formuladas.”
(POPPER, 1975, p. 316).
As observações, ao colidirem com certas
expectativas, podem derrubar o horizonte
de expectativas, forçando o pesquisador a
reconstruí-lo, desta vez num plano superior,
num todo coerente que resiste à refutação
pelas observações iniciais. A sucessão de
construção de expectativas, colisão com as
observações e reconstrução das expectativas,
incorporando o observado, é o processo de
evolução do conhecimento científico, o que
Popper chama de “teoria do holofote”, em
contraposição à “teoria do balde”.
Podemos dizer que o teste de uma lei (lei
científica) frente aos fatos observáveis pode
levar à negação da lei ou parte dela (os fatos
que a lei prevê não se realizam). Configurase um problema de pesquisa. A investigação
implica em substituição desta lei, para que se
adeque aos fatos, adquirindo a capacidade
de explicá-los. Esta nova lei científica será
construída a partir de sucessivos testes de hipóteses até obter-se uma hipótese que resista
à refutação pelos fatos observados.
Popper entende que as hipóteses ocupam
papel central na pesquisa. As observações
funcionam como teste da hipótese em desenvolvimento. Se a hipótese não passar no
teste, se for falseada pelas observações, o
pesquisador deve buscar uma nova hipótese.
A nova hipótese surgirá depois de já conhecer
aquilo que refutou a hipótese anterior, sendo
já dirigida à superação deste problema. Isto
não afasta a importância da hipótese refutada,
pois ela foi o passo necessário à construção
da nova hipótese.
A hipótese funciona como um guia para a
realização da pesquisa. Dirige nossa atenção,
destacando os elementos que julgamos importantes, estabelecendo critérios de seleção das
informações disponíveis e fazendo a ligação
entre teoria e fatos.
Concentrando o olhar sobre a metodologia
de pesquisa em Ciências Sociais, esta postura
frente ao conhecimento já se mostra na afirmação de Cohen e Nagel, citados por Selltiz
et. al. (1974):
Não podemos dar um único passo adiante em
qualquer pesquisa, se não começarmos com uma
explicação ou solução sugeridas para a dificuldade
que provocou a pesquisa. Tais explicações provisórias nos são sugeridas por algo no objeto e por
nosso conhecimento anterior. Quando formuladas
como proposições são denominadas hipóteses.
(Cohen e Nagel, apud Selltiz et. al., 1974, p. 42-3)
Sobre a função da hipótese, prossegue:
A função de uma hipótese é orientar nossa busca
de ordem entre os fatos. As sugestões formuladas na
hipótese podem ser as soluções para o problema. Saber se o são é a tarefa da pesquisa. Não é necessário
que qualquer das sugestões conduza ao nosso objetivo. E, frequentemente, algumas das sugestões são
incompatíveis entre si, de forma que nem todas podem
ser soluções para o mesmo problema. (Cohen e Nagel, apud Selltiz et. al., 1974, p. 43) (grifos no original)
Talvez este posicionamento seja muito
radical ao afirmar que a pesquisa não pode
começar sem formulação de hipóteses. Os
próprios autores criticam Cohen e Nagel neste
sentido. As pesquisas exploratórias colocam
a formulação de hipóteses como um objetivo
e não como uma etapa prévia. Em Ciências
Sociais é comum o pesquisador encontrar-se
frente a um problema de pesquisa com poucos
elementos para prosseguir. A teoria adotada
pode ser excessivamente geral ou excessivamente específica para dirigir a pesquisa
empírica, ou não há pesquisas suficientemente semelhantes para permitir a crítica das
técnicas utilizadas, ou ainda, não há dados
disponíveis, ou em quantidade ou qualidade
adequados para a formulação de hipóteses
consistentes, ou mesmo para verificar a existência de um efetivo problema de pesquisa
onde o pesquisador intuiu haver.
A pesquisa exploratória pode ser uma
fase do processo de pesquisa, justamente da
construção do problema de pesquisa e das
hipóteses, ou pode constituir-se em uma pesquisa de maior fôlego, que adquire autonomia
e, por si só, tem valor científico. Nesta situação
a pesquisa parte sem hipóteses expressas,
pois não objetiva comprovar a ideia que temos
de algo, mas busca justamente constituir uma
ideia sobre algo. Contudo podemos encontrar
hipóteses subjacentes, não expressas, que
estão guiando a pesquisa.
29
Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010
Se iniciarmos uma pesquisa apenas com dos diversos caminhos possíveis no desenvoluma pergunta: “o que é isto?” ou “que conse- vimento de uma pesquisa, permitindo escolhas
quências tal fato tem sobre tal aspecto da vida mais econômicas e realizáveis. A habilidade
de tal grupo na presença de tais condições?” criativa permite ao cientista enxergar aquilo
estaremos na verdade supondo que existe que no senso comum não existe, ou está
uma resposta significativa, que os elementos oculto. O cientista estabelece novas ligações
colocados na pergunta são significativos (a entre fatos, entre fato e teoria, pensa no impensado. Consiste em enxergar
ausência de um elemento implica
sinais, relações, hipóteses, onde o
na alteração da resposta) e temos
A hipótese pode
observador comum vê apenas um
uma expectativa de resposta, visívir a ser conamontoado de informações. Mais
vel pela direção que tomamos ao
firmada, bem
que isso, é encontrar no inesperado
tentar respondê-la.
como infirmada.
uma possível resposta ao problema
A pesquisa parte de uma susproposto.
peita, de uma hipótese que o pesEstes elementos devem estar
quisador acredita encontrar eco na
observação dos fatos. A hipótese pode vir a dosados entre si, pois um excesso de criativiser confirmada, bem como infirmada. Os dois dade pode levar o pesquisador a formular suas
resultados são igualmente interessantes para a hipóteses com base mais na sua intuição (ainciência, ainda que, humanamente, esperemos da que fundamental) que na teoria, nas leituras
a confirmação. Este é um dos pontos em que ou na experiência, levando a uma redução da
Popper significou um crescimento. Na sua viabilidade do projeto. Já o excessivo apego
às teorias consagradas, em
perspectiva devemos buscar a
detrimento da inovação criatinegativa da hipótese, a falseava, conduz à mera reprodução
bilidade, pois é mais fácil negar
Para a construção de
do conhecimento, perdendo
uma hipótese que corroborá-la.
hipóteses significativas
caráter científico.
O desejo, de fundo emocontribuem a leitura
cional, para a confirmação
disponível, a experiêndas hipóteses, associado a um
Conclusão
cia e a habilidade criasentimento negativo na evenO conhecimento científico
tiva do pesquisador.
tual negativa da hipótese, gera
é construído através de seu
uma pressão sobre o modo de
método, que o diferencia das
o pesquisador interpretar os fatos e a teoria, demais formas de conhecer. Tendo por referênreduzindo sua qualidade científica. Entender cia a teoria do conhecimento de Karl Popper,
como igualmente valorosa (no sentido de mé- assume-se que o conhecimento científico é
rito pessoal) a confirmação ou a negação da produzido no teste de hipóteses, levando à
hipótese é importante na medida em que se corroboração ou negação de teorias explicaticompreende que o verdavas. Nesta perspectiva toda
deiro desafio é a construção
pesquisa científica possui
O excessivo apego às teode hipóteses significativas,
hipóteses, ainda que não exrias consagradas, em detrionde se lança o espírito
pressas, e ainda que o pesmento da inovação criativa,
criativo do pesquisador.
quisador não as tenha tornaconduz à mera reproduPara a construção de
do conscientes. Reforça-se
ção do conhecimento, perhipóteses significativas conque é papel do cientista ser
dendo caráter científico.
tribuem a leitura disponível,
o mais consciente possível
a experiência e a habilidade
das hipóteses que utiliza.
criativa do pesquisador. A
A pesquisa qualitativa em
leitura disponível implica uma ampliação da ciências sociais, sobretudo quando de caráter
gama de alternativas em temas correlatos, exploratório, é dita destituída de hipóteses.
polêmicas e discussões sobre o tema pes- Não entendemos assim, pois, mesmo em
quisado, conhecimento dos processos de uma exploração, já estão presentes na própria
pesquisa já realizados, de modo a construir questão proposta os elementos para a hipóum cenário mental mais ou menos rico para tese. Já estão razoavelmente (ainda que não
lançar-se ao trabalho. A experiência na pes- definitivamente) delineados os fatores que o
quisa contribui para a avaliação da viabilidade pesquisador entende capazes de influir sobre
30
Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010
os resultados (elementos significativos) e a
direção em que pretende seguir em busca da
resposta (há uma expectativa de resposta).
A construção de uma hipótese constitui um
processo fundamentalmente criativo, mas que
exige em alguma medida o domínio dos temas
a serem abordados, a fim de evitar hipóteses
inconsistentes e inviáveis. Contudo a falta de
ousadia na construção de hipóteses pode levar
a um retardamento do processo de construção de conhecimento científico. O cientista
deve buscar um ponto entre a segurança do
conhecimento sedimentado e a ousadia do
impensado.
Referências
POPPER, Karl R. Conhecimento objetivo: uma abordagem evolucionária. Trad.
Milton Amado. Belo Horizonte: Itatiaia, São
Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo,
1975.
SAGAN, Carl. Cosmos. Trad. Angela do
Nascimento Machado. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1984.
SELLTIZ, Claire. et al. Métodos de pesquisa nas relações sociais. Trad. Dante
Moreira Leite. São Paulo: Editora Pedagógica
e Universitária, 1974.
31
Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010
Influência dos elementos linguísticos
contextualizadores na compreensão leitora por
acadêmicos de administração
Maria Cristina dos Santos Martins1
Tanise dos Reis2
Resumo: Este estudo teve por objetivo analisar, através do procedimento “cloze”, a
influência dos elementos linguísticos contextualizadores na compreensão leitora de
um texto explicativo (VOCÊ/S.A.), por sessenta e três universitários do 1º e 8º semestres do curso de graduação de Administração da Faculdade Dom Bosco de Porto
Alegre – FDB, que realizaram três instrumentos de testagem: teste de avaliação do
conhecimento prévio, teste cloze de avaliação da compreensão leitora, questionário
de percepções do aluno sobre sua atuação como sujeito da pesquisa. Os resultados
mostraram que os alunos não invocam os elementos linguísticos contextualizadores
como elementos que colaboram para a otimização da compreensão leitora, porque
desconsideram a relevância desses elementos como perspectivas interpretativas.
Palavras-chave: Leitura, Compreensão, Elementos linguísticos contextualizadores,
Texto Explicativo.
Abstract: This study had as objective, to analyse through the “cloze” procedure, the
influence of contextualized linguistic elements on the reading comprehension of a
explanatory text (VOCÊ/S.A.), of sixty three students from the 1st and 8th semesters of the Business Graduation Course at Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre
– FDB –, that underwent through three testing instruments: previous evaluation of
knowledge, cloze test evaluation of the reading comprehension, questionaire of the
students perceptions on his performance as subject of this study. Results show that
students do not invoke the contextualized linguistic elements that help with reading
comprehension optimization, because they do not consider the relevance of such
elements as interpretative perspectives.
Key-words: Reading, Comprehension, Contextualized linguistic elements, Explanatory
text.
Introdução
O presente trabalho ocupou-se da leitura,
mais especificamente da compreensão leitora
de um texto explicativo. Fundamentou-se na
Psicolinguística – ciência que analisa a influência dos processos cognitivos de produção
e recepção da linguagem verbal e as relações
entre essas influências.
A atividade leitora se faz presente em
todos os níveis educacionais das sociedades
letradas. Tal presença, sem dúvida marcante
e abrangente, começa no período de alfabetização, quando a criança passa a “compreen1
2
der o significado potencial” de mensagens
registradas através da escrita. Após esse
período, o adolescente encontra-se com os
mais variados estilos de livros-textos que
irão acompanhá-lo ao longo de sua trajetória
acadêmica. Então, durante a etapa do Ensino
Superior, infelizmente, percebe-se a realidade,
ou seja, o aluno “fingiu” que aprendeu a lerinterpretar textos, e o professor “fingiu” que
ensinou. O papel do docente, desde o Ensino
Fundamental, deveria ter sido o de criar oportunidades que desenvolvessem o processo
cognitivo de leitura e compreensão do texto
Mestra em Linguística Aplicada e Especialista em Linguística do Texto.
Professora da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre, da Faculdade SENAC de Porto Alegre e FTEC de Novo
Hamburgo, RS. e-mail: [email protected]
Acadêmica do Curso de Administração da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre.
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Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010
escrito, salientando que essas oportunidades
poderiam ter sido melhor criadas na medida
em que o processo fosse conhecido.
A compreensão de texto parece amiúde
tarefa fácil, porque o objeto é complexo, isto
é, abrange muitas das possíveis dimensões
do ato de compreender; contudo, a seguir será
examinada algumas facetas dessa complexa
tarefa.
E, finalmente, como não há quantidade
significativa de pesquisas relacionadas com
essa abordagem global de texto, e que privilegie o texto explicativo – (Revista VOCÊ/SA,
revista voltada ao público executivo brasileiro).
Considera-se esse tipo de leitura importante
meio de informação, instrução prática e/ou de
atualização relacionada à vida cultural deste
tipo de leitor) –, optou-se, por isso, em dedicarse a este estudo.
são apresentadas por GOODMAN, 1976 e
1991; SMITH, 1983, 1989 E 1999; LEFFA,
1996; POERSCH e AMARAL, 1991; KINTSCH, 1984; BROWN e YULE, 1984; KLEIMAN,
1989; FOUCAMBERT,1994; KATO, 1999 e
2000; SOLÉ, 1998.
Tanto Smith (19883) quando Goodman
(1991) reforçam que a compreensão é um
processo ativo que se estabelece entre leitor
e texto. O leitor interage com o texto e com o
autor, valendo-se tanto de informações visuais
apresentadas pelo texto (pistas grafofonológicas), quanto de informações não-visuais
(pistas semânticas), que estão em seu cérebro,
por intermédio de pistas sintáticas. Consequentemente, o significado que os leitores
constroem não reside na estrutura de superfície (ou no texto em si), mas é sempre relativo
àquilo que os leitores já sabem ou àquilo que
desejam saber.
Marcuschi (1985) afirma que, apesar de
pouco sabermos a respeito do problema da
compreensão de textos, já emerge como
fundamental um consenso, ou seja, que os conhecimentos individuais afetam decisivamente
a compreensão, de modo que o sentido não
reside no texto. Assim, embora permaneça
como ponto de partida para a sua compreensão, o texto só se tornará uma unidade de
sentido na interação com o leitor.
1. Revisão da Literatura
A leitura é uma habilidade para a qual há
necessidade de um aprendizado contínuo, pois
quanto mais o homem toma conhecimento de
seu mundo e de novas palavras, mais apto ele
será no conhecimento delas.
A capacidade de se comunicar bem é uma
das competências mais valorizadas no mercado de trabalho hoje. Na era do conhecimento,
profissionais de sucesso são aqueles que sabem obter, processar e divulgar as informações
capazes de fazer as coisas acontecerem.
Assim, acredita-se ser dever da universidade propiciar ao estudante uma formação que
lhe dê condições de desenvolver uma leitura
eficaz, principalmente no que tange à leitura
técnico-científica, que é primordial no futuro
desempenho profissional desse estudante.
(WITTER, 1996, 1997).
1.1.1. O que é ler?
O termo “leitura” pode receber inúmeras definições, pois, nas últimas décadas houve uma
explosão de conhecimentos relacionados com
a leitura, principalmente, com a compreensão
leitora em diversas áreas.
Contudo, para o embasamento deste
trabalho, e segundo os autores estudados,
no processo de compreensão, o leitor decodifica palavras, construindo seu significado na
memória. A estrutura gramatical da sentença,
sobre a qual o leitor aplica regras semânticas
a fim de interpretá-las, também é identificada.
Como o significado é construído, frequentemente o leitor faz inferências para resgatar
informações implícitas. Para a recuperação e
a compreensão do significado, o leitor faz uso
de conceitos e conhecimentos previamente adquiridos. Estes favorecem a acomodação e a
integração das novas informações do texto às
que o leitor já possuía, segundo POERSCH e
AMARAL, 1989; KATO, 1999; KLEIMAN, 1989;
MARCUSCHI, 1996; SMITH 1989 e 1999.
1.1. Compreensão Leitora
A compreensão na atividade de leitura não
é um processo simples nem uniforme, por isso
tem constituído um desafio para estudiosos
da área. Ao observar o modo como diferentes leitores compreendem um mesmo texto,
percebe-se que os resultados dificilmente
são idênticos, que leitores podem interpretar
de forma diversa os fatos apresentados. As
diferenças de interpretação que se evidenciam
de um leitor para outro falam de bagagem cognitiva armazenada durante o percurso de vida
de cada um, de acordo com Trevisan (1992).
Importantes considerações a esse respeito
34
Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010
1.1.4.1. Objetivo da Leitura
Os objetivos do leitor com relação a um texto podem ser muitos e variados, dependendo
da situação e do interesse do momento. Os
objetivos da leitura determinam a forma como
o leitor se situa frente a sua leitura.
Solé (1998, p. 93) cita várias finalidades
da leitura, todas consideradas na situação de
ensino: ler para obter uma informação precisa,
para seguir instruções, para obter informação
de caráter geral, para aprender, para revisar
um escrito, para comunicar um texto a um
auditório, para praticar a leitura em voz alta e
para se verificar o que foi aprendido.
Em consonância com Solé, Kleiman (1992)
afirma que há evidências inequívocas de que a
capacidade de processamento e de memória
do leitor melhoram significativamente quando
é fornecido um objetivo à leitura.
1.1.2. Preditibilidade
A preditibilidade é um instrumento que o
leitor utiliza para antecipação do conteúdo
do texto. O processo se dá através de pistas
formais. Os pesquisadores Goodman (1976 e
1993) e Smith (1978 e 1999) empregam este
termo para caracterizar os diversos comportamentos hipotetizados no leitor durante o
processo de ler. Para ambos, a estratégia de
predição, ou adivinhação, é fundamental numa
leitura significativa. Resumindo, na elaboração
da hipótese de leitura, é necessário ativar
conhecimento prévio do leitor sobre o assunto, pois quanto mais o leitor souber sobre o
assunto, mais seguras serão suas predições.
Para intensificar a compreensão e a lembrança do que lê, assim como para detectar
e compensar os possíveis erros e falha na
leitura, o leitor se utiliza de estratégias – procedimentos – que passam a ser tratadas a
seguir.
1.1.4.2. Conhecimento Prévio
O conhecimento prévio é um conjunto
de informações que está armazenado na
memória do leitor e é formado pela interação
dos níveis de conhecimento: conhecimento
de mundo, conhecimento linguístico e conhecimento textual – Kleiman (1999). Como
são utilizados conhecimentos que interagem
entre si, a leitura é considerada um processo
interativo. Leffa (1996) compara o leitor e o
texto a duas engrenagens; se não houver
encaixe nas engrenagens, o leitor e o texto
se separam e ficam rodando soltos.
O conhecimento prévio, portanto, constitui
todo conhecimento que o indivíduo adquiriu
ao longo de sua vida e envolve, como já foi
dito, três tipos:
• conhecimento linguístico;
• conhecimento textual: refere-se ao conjunto de noções sobre texto, ou seja, todo
o saber acerca das tipologias textuais, isto
é, a estrutura característica de cada tipo
de texto (poema, narrativa, reportagem,
receita, bula, etc.);
• conhecimento de mundo (ou enciclopédico).
Todos esses três sistemas de conhecimento são acessados durante o processamento
textual, a fim de possibilitar a compreensão.
1.1.3. Estratégias de Leitura
As estratégias de leitura, observadas sob
o ponto de vista cognitivo, referem-se aos
processos mentais que os indivíduos utilizam
quando estão envolvidos em uma tarefa de
leitura. Elas são divididas em dois tipos: estratégias cognitivas – designam os princípios
que regem o comportamento inconsciente
e automático do leitor, e seu conjunto serve
essencialmente para construir a coerência
local do texto – e estratégias metacognitivas
– referem-se às atividades planejadas, reflexivas e intencionais de processar o sentido do
texto. Essas estratégias caracterizam o comportamento do leitor maduro, pois derivam do
controle planejado e deliberado das atividades
que levam à compreensão.
1.1.4.Variáveis que interferem no Processamento da Compreensão Leitora
Como já foi dito anteriormente, o leitor
constrói o significado do texto, isto é, o significado de um escrito para o leitor não é a
tradução do significado que o autor quis lhe
dar, mas uma construção que envolve o texto,
os conhecimentos prévios e seus objetivos.
Portanto, a leitura é o processo através
do qual se compreende a linguagem escrita.
Nessa compreensão, intervêm tanto o texto,
sua forma e conteúdo, como o leitor, suas
expectativas e conhecimentos prévios. Esses
aspectos são analisados nos itens a seguir.
1.1.4.3. Tipos de Textos e Expectativas
do Leitor
Um leitor comporta-se diferentemente,
segundo a natureza dos textos que lhe são
35
Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010
apresentados, ou seja, autor, conteúdo, legibilidade, estrutura, etc.
Segundo os autores Alliende e Condemarín (1987), Solé (1998), Goodman (1991) e
Smith (1999), os alunos devem estar expostos
constantemente a diversos tipos de textos que
fazem parte do mundo em geral. Para esses
autores, é importante que os professores
revelem pistas que possam levar os alunos à
compreensão desses textos, pois o leitor pode
ser ensinado a utilizar as mesmas “chaves”
que o autor utilizou para formar o significado
do seu texto.
motivos da falta de incentivo a sua prática
e, por isso mesmo, os alunos ignorarem as
suas especificidades. Embora sua escrita
seja exigida desde uma simples resposta a
uma questão de prova ou a trabalhos mais
complexos que são desenvolvidos no decorrer
das disciplinas, ainda assim, é imprescindível
que se trabalhe sistematicamente com ele
através da leitura e da escrita.
O texto explicativo consiste em um gênero
textual que faz compreender um problema
da ordem do saber. Segundo Coltier (1987),
diante de um problema relacionado com o
saber, o texto explicativo questiona o real em
duas circunstâncias. A primeira refere-se à
existência de um paradoxo, que causa um
certo estranhamento com o sistema estabelecido de explicação de mundo; faz aparecer
uma incongruência. A segunda circunstância
em que o texto explicativo questiona o real,
conforme a citada autora, ocorre na investigação de uma evidência, que consiste em um
questionamento sobre um fenômeno normal
que se torna objeto de investigação, sem que
haja contradição.
Nos dois casos apresentados, tanto na
existência de um paradoxo, quanto na investigação de uma evidência, esse gênero constrói
enigmas a serem explicados a um interlocutor,
mediante um raciocínio lógico, conduzindo a
uma conclusão.
Ainda, segundo a autora, no texto explicativo, normalmente, os enunciados são
compostos por três categorias: os enunciados
descritivos, os explicativos e os balizados. Os
enunciados descritivos apresentam o fenômeno a ser explicado. O enunciador, como mero
observador, registra os fatos de modo objetivo.
Os verbos normalmente estão no presente
ou no imperfeito do indicativo. Há a ausência
dos pronomes em primeira e segunda pessoa. Os enunciados explicativos oferecem
uma solução. A escolha dos tempos verbais
dependerá do modo como se processa a
explicação. Em caso de antecipação de hipóteses, ou da retomada de certas explicações,
ocorre frequentemente o emprego do futuro
do pretérito (poderia, ocasionaria). Quando se
vai para a solução, o enunciado compreende
uma sequência de asserções no presente do
indicativo (ocasiona, resulta). Por sua vez,
os enunciados balizados comentam o desenvolvimento do texto, assinalando as diversas
etapas. Pode haver o emprego dos pronomes
1.1.5 Avaliação da Compreensão Leitora
– Procedimento Cloze
Desde seu surgimento, o cloze tem sido
utilizado no desenvolvimento de pesquisas relacionadas à compreensibilidade de materiais
impressos, à compreensão geral de leitura,
à linguagem, a aspectos metodológicos do
procedimento em si e suas possibilidades no
processo ensino-aprendizagem.
Criado por Taylor (1953), como uma nova
medida de leiturabilidade, o cloze possui,
ainda, a capacidade de medir a compreensão
leitora. É interessante esclarecer que Taylor,
ao elaborar o procedimento cloze, entendeu
que, assim como as pessoas tendem a completar um círculo que esteja parcialmente
fechado, também o leitor, ao deparar-se com
uma estrutura linguística incompleta, tende
a completá-la com o elemento sintático e
semântico adequado. Taylor alerta para o
fato de que o procedimento em questão não
é uma fórmula de leiturabilidade, nem uma
fórmula do familiar teste de completar sentenças. Para o autor, o procedimento é um novo
instrumento psicológico para medir a eficácia
da comunicação.
1.2 O Texto Explicativo
Neste trabalho, o tipo de texto escolhido
foi o texto explicativo, pois o mesmo tem sido
pouco estudado em todos os níveis escolares.
Além disso, a escolha se deve ao fato do aluno
conviver com ele diariamente, quer através de
leituras de livros didáticos, artigos, revistas
especializadas, entre outras. Neste estudo, o
texto explicativo é abordado como um gênero
textual que apresenta soluções para um problema da ordem do saber.
Acredita-se que o fato de haver poucas
pesquisas sobre gênero textual seja um dos
36
Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010
(eu, nós, se); de fórmulas imperativas; de verbos no futuro do presente e por expressões
que orientam o leitor (primeiramente, agora,
em segundo lugar, depois, finalmente). No
texto explicativo, a progressão das ideias é
fundamental para a solução da questão.
Por fim, este gênero textual sempre tem
em mente quem é o seu interlocutor, qual o
seu nível sociocultural, qual é a sua idade,
quais são os seus interesses, entre outros,
o que determinará as escolhas lexicais e o
grau de abstração. Se a explicação for dirigida
para um especialista de determinada área, a
linguagem será mais complexa; se for para um
interlocutor comum, o vocabulário será fácil e
a sintaxe, simples. Normalmente, as interrogações são diretas, mas as indiretas também são
empregadas ao propor uma questão. Pode
também haver a presença de tabelas, gráficos,
ilustrações para servir de complementação.
Os recursos visuais complementam o texto e
lhes conferem uma maior concretude.
• localização: diz de onde veio o documento, sendo esta uma informação relevante;
no caso do texto explicativo, temos a localização pelo veículo de informação.
• data: é um fator fundamental que localiza
o documento num determinado tempo.
• elementos gráficos: é o “design”, organização do texto como fonte para a situação
do universo textual.
1.3.2. Elementos Linguísticos Contextualizadores Perspectivos – ELC
Os ELC Perspectivos têm a função
de alavancar uma perspectiva de interpretação possível, contextualiza o leitor,
gerando expectativas. Eles podem ser
classificados como:
• título: o título de um texto, geralmente,
tem o poder de avançar comunicativamente elementos cognitivos em termos de
expectativas. Ele é um ponto decisivo de
partida ou abandono da leitura pretendida.
Muitas vezes ele pode desorientar o leitor,
para levá-lo justamente à leitura do texto,
como nas manchetes de vários jornais,
filmes, livros.
• autor: o autor é um dos motivos que podem fazer com que leitores optem ou não
pela leitura do texto. O fato de tomarmos
conhecimento do nome do autor do texto
pode ativar muitas suposições e expectativas com relação ao texto. Conforme
Marcuschi (1983), a expectativa criada pelo
conhecimento do autor terá repercussões
inclusive no grau de aceitabilidade que
será conferido ao texto, caso ele “burle”
convenções do sistema.
• início: quanto ao início de textos, o autor
afirma não haver uma regra que diga como
iniciar um texto, mas enfatiza que seu início
cria raios de dependência com um certo alcance, isto é, a primeira sentença pode ser
curta ou longa, tudo dependerá dos efeitos
que o autor deseja obter e das expectativas
que deseja suscitar no possível leitor.
Cabe salientar que muitos outros pesquisadores em Linguística também desenvolveram
estudos – ainda que contemplando um ou outro elemento – sobre os ELC, a saber: COSTE,
1978; MARTINS-BALTAR, 1978; HARWEG,
1968, 1977 e 1980; LOFFER-LAURIAN, 1975;
SOUZA, 1996; CORACINI, 1989; van DIJK,
1992, TERZI, 1992; MENEGASSI, 2000;
SMITH, 1989bock, 1980; MARCUSCHI, 1986.
1.3. Elementos Linguísticos Contextualizadores - ELC
Conforme Marcuschi (1983), os ELC são
elementos que propiciam alternativas de compreensão, podendo ser de dois tipos:
• a) contextualizadores propriamente ditos
– que ajudam a “ancorar o texto na situação comunicativa;
• b) perspectivos ou prospectivos – que
avançam expectativas sobre o conteúdo
e também a forma do texto.
Também Kleiman (1989, p. 43) refere-se
aos ELC, não só como alternativa de abordagem textual, mas também como portadores de
alto grau de informatividade. A autora afirma
que através desta abordagem a leitura passa
a ter um caráter de verificação de hipóteses,
revisão, confirmação, refutação, que envolvem uma série de estratégias necessárias à
compreensão.
1.3.1. Elementos Linguísticos Contextualizadores Propriamente Ditos – ELC
Os ELC propriamente ditos ajudam a “ancorar” o texto na situação comunicativa. Eles
podem ser
• assinatura: não tem, em geral, a mesma posição. Quando este item não está
presente no texto, sua ausência pode nos
levar a várias inferências possíveis. (ex.:
carta anônima).
37
Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010
Já que o texto não tem inscrito em si todos os sujeitos, distribuídos em duas turmas (Iniciansentidos objetivamente, segundo Marcuschi tes – alunos do 1º semestre – e Concluintes
(1999), o leitor deve ser ativo, produtivo e – alunos do 8º semestre). Cabe salientar que
criativo em sua ação individual de ler.
a disciplina de Português faz parte do primeiro
Por fim, pretendeu-se com este trabalho semestre do currículo do curso de Administracontribuir para o avanço dos estudos do ção, sendo uma disciplina obrigatória. O plano
processo cognitivo da leitura e da compreen- de curso da disciplina contempla o seguinte
são leitora; uma vez que os profissionais de conteúdo: análise textual, produção textual,
administração, na sua maioria, desconhecem constituintes textuais, coesão e coerência
a abordagem de leitura e compreensão leito- textuais, pontuação, estudo do parágrafo,
ra como processos que estão intimamente resumo e resenha.
relacionados, que a linguagem permeia
ambas as atividades e que
2.2. Instrumentos
a construção do sentido –
Esta pesquisa configuA população da pesquisa abran“mensagem” – se dá tanto
rou-se como estudo de caso
geu alunos que frequentavam o
num processo quanto no
qualitativo e quantitativo,
1º e 8º semestres do curso de
outro e o texto é o elemento
tendo como instrumentos:
Administração da Faculdade
intermediário. Além disso,
teste de avaliação do coDom Bosco – uma instituição
através deste estudo, prenhecimento prévio do aluparticular de Porto Alegre/RS.
tendeu-se, ainda, oferecer
no (TCPrévio), teste cloze
subsídios para uma prática
TCloze), questionário de
profissional mais “eficiente
percepções do aluno sobre
e eficaz”, por parte dos professores de Língua sua atuação como sujeito da pesquisa (QPAPortuguesa e Português Instrumental dos Cur- tuação).
sos de Administração, pois é de conhecimento
Teste de Conhecimento Prévio (TCPrévio)
destes docentes, que atividades que exigem – foi utilizado para avaliação do conhecimento
leitura e compreensão de textos são conside- prévio do aluno sobre o tema: RESILIÊNCIA.
radas, pelos discentes, como muito comple- Os discentes responderam a cinco questões
xas, desinteressantes, desnecessárias, por de escolha simples (V ou F). Como “texto de
isso, costumam realizá-las mecanicamente, apoio”, para emparelhamento do conhecimenisto é, utilizam-se de cópia.
to prévio, foi pedido aos alunos que lessem
Assim, a presente pesquisa teve como o texto “Afinal, o que é resiliência?” (2008),
objetivo analisar, através do procedimento retirado do Portal da Administração (www.
“cloze”, a influência dos elementos linguísticos administradores.com.br).
contextualizadores na compreensão leitora de
Teste Cloze (TCloze) – foi utilizado um
um texto explicativo (VOCÊ/S.A.), por sessen- texto de Max Gehringer (2005) intitulado “O
ta e três universitários do 1º e 8º semestres que é resiliência”. O texto continha aproxido Curso de Graduação de Administração da madamente 400 vocábulos, do qual se omitiu
Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre – FDB. sempre o quinto vocábulo, sendo que para o
espaço deixado entre cada palavra, adotou-se
2. Método
um padrão.
2.1. Sujeitos
Questionário de Percepções do aluno
A população da pesquisa abrangeu alunos sobre sua atuação como sujeito da pesquisa
que frequentavam o 1º e 8º semestres do (QPAtuação) – foi utilizado para obter inforcurso de Administração da Faculdade Dom mações adicionais sobre a importância da
Bosco – uma instituição particular de Porto presença dos Elementos Linguísticos ConAlegre/RS. O fato de o universo abranger textualizadores – ELC, para a otimização da
alunos que frequentam o Ensino Superior do compreensão leitora. Dez questões compucurso de Administração justificou-se por se seram o questionário.
supor que esses discentes já estejam aptos
2.3. Procedimento
a ler-interpretar textos mais complexos, publiOs instrumentos foram aplicados em uma
cados em revistas especializadas, dirigidas a
sessão, em horário de aula previamente
sua área de atuação.
A amostra foi constituída de sessenta e três cedido pelo professor, em dias alternados
38
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para cada turma, aplicados pela bolsista. As
disciplinas nas quais foram aplicados os testes
são as seguintes: Matemática (1º semestre),
Gestão de Projetos e Orçamento Empresarial
(8º semestre). Os alunos, no dia da aplicação,
receberam primeiro o Texto de Apoio para a
leitura; após, responderam ao TCPrévio. Em
seguida, foi-lhes pedido que preenchessem
todas as lacunas do TCloze e, por fim, respondessem ao questionário sobre sua atuação
como sujeitos da pesquisa – QPAtuação. Para
a aplicação dos instrumentos, os sujeitos das
turmas foram divididos em grupos, a saber:
deram o texto.
Tabela 1 – Desempenho dos sujeitos no
TCPrévio
Questões
1
2
3
4
5
Iniciantes
Acertos %acertos
30
85,7
24
68,6
33
94,3
33
94,3
12
34,3
Concluintes
Acertos %acertos
27
90,0
24
80,0
25
83,3
27
90,0
19
63,3
A questão número 1 tratava da origem
do termo que era também o tema central do
texto de apoio, ou seja, a origem do termo
RESILIÊNCIA. A turma Concluinte obteve melhor desempenho, isso parece mostrar certa
familiaridade, por parte dos alunos de final de
curso, com o tema relacionado à sua área de
estudo, além de uma possível maturidade linguística, isto é, maior capacidade de distinguir
informação principal das secundárias.
A questão número 2 tratava diretamente
do significado da palavra RESILIÊNCIA.
Também nesta questão a turma Concluinte
obteve melhor desempenho. O que confirma
as conclusões ditas anteriormente.
Já na questão 3, obteve melhor desempenho a turma dos Iniciantes. Essa questão,
assim como a questão anterior, referia-se à
palavra RESILIÊNCIA, contudo era necessária maior atenção para interpretá-la. Como
se observou certa impaciência e pouco comprometimento em participar desse tipo de
atividade por parte da turma dos Concluintes,
o resultado passa a não ser surpreendente.
A questão 4 relacionava o conceito de
RESILIÊNCIA aos exemplos do texto. Nessa
questão, também o desempenho da turma
dos Iniciantes foi melhor, ainda que por uma
margem pouco significativa.
Por fim, a questão 5 tratava do significado
do termo RESILIÊNCIA na área da física.
A turma dos Concluintes obteve resultado
bastante significativo em relação à turma dos
Iniciantes, isso talvez se deva ao fato de os
alunos terem entendido, de forma mais clara,
o que vem a significar este vocábulo.
Assim, como houve uma diferença pouco significativa entre as turmas, esse fato
possibilita que se chegue a duas conclusões
interessantes. Primeiro, o fato de os alunos
terem recebido como “material de apoio” um
texto, isso parece evidenciar que trabalhar
A.
• Iniciantes: turma do 1º semestre. Essa
turma foi dividida em dois grupos – ComELC e SemELC.
• Grupo ComELC de alunos que receberam
o teste cloze com a presença dos elementos linguísticos contextualizadores;
• Grupo SemELC de alunos que receberam
o teste cloze sem a presença dos elementos linguísticos contextualizadores.
B.
• Concluintes: turma do 8º semestre. Essa
turma foi dividida também em dois grupos
ComELC e SemELC, a saber:
• Grupo ComELC de alunos que receberam
o teste cloze com a presença dos elementos linguísticos contextualizadores;
• Grupo SemELC de alunos que receberam
o teste cloze sem a presença dos elementos linguísticos contextualizadores.
O procedimento adotado para a contagem
dos escores do TCloze foi o método da palavra exata, sendo consideradas corretas as
respostas que corresponderam exatamente
às palavras apagadas.
3. Resultados
3.1. Análise dos dados obtidos através
do teste de avaliação do conhecimento
prévio do aluno (TCPrévio)
A análise dos dados obtidos através do
teste de avaliação do conhecimento prévio do
aluno (TCPrévio) possibilitou observar que o
maior índice de acertos verificou-se na turma
dos alunos Concluintes, ainda que tenha sido
por uma diferença pouco significativa. Como
os índices de desempenho entre as duas
turmas foram bastante próximos, isso parece
mostrar que, de forma geral, os alunos enten39
Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010
compreensão; segundo, quando os ELC são
omitidos no texto, essa ausência parece não
ser percebida pelos alunos.
A maior nota é observada na turma dos
Iniciantes ComELC e a menor na turma dos
Concluintes SemELC. Como dito antes,
observou-se certa impaciência e pouco
comprometimento em participar desse tipo de
atividade por parte da turma dos Concluintes,
com o texto na íntegra e o contato com o
mesmo pode favorecer o bom desempenho
discente. Segundo, o material de apoio parece ter homogeneizado as turmas quanto ao
conhecimento prévio.
3.2 Análise dos dados obtidos através do
teste de avaliação da compreensão leitora
do aluno (TCloze)
Tabela 2 – Desempenho das turmas dos alunos Iniciantes e
Concluintes dos grupos ComELC e SemELC
ComELC
Iniciantes
SemELC
Concluintes
Iniciantes
Concluintes
40,3
54,2
31,9
50,0
56,9
44,4
55,6
44,4
51,4
45,8
54,2
44,4
55,6
48,6
43,1
68,1
41,7
50,0
51,4
41,7
36,1
45,8
50,0
54,2
51,4
48,6
56,9
40,3
37,5
55,6
59,7
48,6
47,2
45,8
45,8
41,7
22,2
31,9
40,3
59,7
30,6
50,0
38,9
47,2
38,9
54,2
41,7
58,3
*
41,7
*
62,5
*
*
*
Média
48,1
45,3
45,7
48,6
Desvio padrão
9,5
11,3
8,2
8,3
Maior
68,1
61,1
55,6
59,7
Menor
33,3
22,2
25,0
31,9
Amplitude
34,7
38,9
30,6
27,8
% acertos
37,5
Número
17
15
16
15
* alunos que não quiseram devolver o instrumento de pesquisa respondido
ao contrário da turma dos Iniciantes que
demonstraram evidente comprometimento,
por isso, entende-se, que o resultado
passa a não ser surpreendente. Quanto à
amplitude (a maior nota subtraída da menor),
percebe-se maior disparidade na turma dos
Concluintes, acredita-se pelas razões ditas
há pouco.
A tabela 2, quanto aos ELC influenciarem
na compreensão leitora, pelos dados
apresentados, parece que esses elementos
tendem a não exercer grande influência,
O maior índice de acertos verifica-se na
turma dos Concluintes SemELC (elementos
linguísticos ausentes): 48,6%. É possível
observar, através dessa tabela, que as
diferenças entre as médias dos quatro
grupos é sutil. Constata-se, também, que
as médias entre os grupos, em cada turma,
não apresentam grandes diferenças. Esses
dados nos conduzem para as seguintes
conclusões: primeiro, os ELC, quando
presentes no texto, parecem não ser
invocados pelos alunos para auxiliar na
40
Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010
observados até mesmo pela semelhança
entre as médias. Como os resultados dos
dados parecem sutis, foram realizadas outras
análises como, por exemplo, o ANOVA –
Análise de Variâncias, apresentados a seguir.
Tabela 5 – Resultado do TCloze dos grupos
ComELC e SemELC da turma dos Concluintes
RESUMO
Grupo
Contagem
ComELC
15
SemELC
15
Tabela 3 – Resultados do TCloze dos grupos
ComELC e SemELC da turma dos Iniciantes
RESUMO
Grupo
Contagem
ComELC
17
SemELC
16
Soma
589
527
Soma
489
525
Média
32,6
35
Variância
66,54286
35,28571
É possível observar na tabela 5 variação
de desempenho entre os grupos da turma dos
Concluintes. É possível observar também
que a variação é maior no grupo ComELC.
É provável que a percepção individual dos
ELC como detentores de informação tenha
auxiliado para a variação de desempenho.
Média
Variância
34,64706 46,74265
32,9375 34,8625
A tabela 3 mostra a variação de
desempenho entre os grupos da turma
dos Iniciantes. É possível observar que a Tabela 6 – Resultado do TCloze entre os grupos
variação é maior no grupo ComELC. Cabe ComELC e SemELC da turma dos Concluintes
lembrar que a turma
ANOVA
recebeu como material
Fonte de
de apoio um texto para
variação
SQ
gl
MQ
F
valor-P
F crítico
leitura e o TCloze foi
Entre
43,2
1
43,2
0,848485 0,36485 4,195972
entregue com os ELC
grupos
presentes neste grupo.
Dentro dos
grupos
Tabela 4 – Resultado do TCloze dos
Total
grupos ComELC e
SemELC da turma dos Iniciantes
ANOVA
Fonte de
variação
Entre
grupos
Dentro dos
grupos
Total
MQ
1425,6
28
1468,8
29
F
valor-P
50,91429
SQ
gl
F crítico
24,08924
1
24,08924 0,587626 0,449137 4,159615
1270,82
31
40,99419
1294,909
32
Percebe-se
que
o fator F não está na
região crítica. Assim,
não há evidência, a 5%,
de que as diferenças
sejam significativas.
Tabela 7 – Resultados do TCloze das turmas
dos Iniciantes e dos Concluintes dos grupos
ComELC
Observa-se que o fator F não está na
região crítica. Portanto, não há evidência, a
5%, de que as diferenças sejam significativas.
Parece importante lembrar o que afirma Coste
(1978): o levantamento e a compreensão
de diferentes elementos textuais – títulos,
subtítulos, diagramação, etc. – devem levar
o aprendiz a construir algumas hipóteses
preliminares e interpretações com respeito
ao sentido e à construção do texto. No
entanto, a familiaridade quanto ao domínio
e à existência de elementos co-textuais não
são próprias a leitores em geral.
RESUMO
Grupo
Contagem
ComELC
17
SemELC
15
Soma
589
489
Média
Variância
34,64706 46,74265
32,6
66,54286
A tabela 7 mostra a variação de desempenho entre as turmas do TCloze dos grupos
ComELC. A turma dos Concluintes mostra
maior variação da média. Esse fato pode estar relacionado ao fato de que os alunos do
final de curso se mostraram pouco receptivos
a desenvolver esse tipo de atividade que não
41
Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010
reverteria em nota para a disciplina.
lembrar o que Duran (1981) e Cardoso
(1994)
afirmaram
Tabela 8 – Resultados do TCloze das turmas dos
sobre a conclusão da
Iniciantes e dos Concluintes dos grupos ComELC
Educação Superior, isto
é, ela não é sinônimo
ANOVA
de
oportunidade
Fonte de
de
emprego
bem
variação
SQ
gl
MQ
F
valor-P
F crítico
remunerado,
já
Entre
33,39265
1
33,39265 0,596481 0,445966 4,170877
que é sabido que
grupos
grande parte desses
Dentro dos
1679,482
30
55,98275
alunos chegam ao
grupos
final do curso com
sérias
deficiências
Total
1712,875
31
no
conhecimento,
Observa-se que o fator F não está na resultado de uma baixa habilidade em leitura.
região crítica. Portanto, não há evidência, a
5%, de que as diferenças sejam significativas.
3.3 Análise dos dados obtidos através
Este resultado surpreende, pois se esperava do Questionário de Percepções do Aluno
que os alunos Concluintes obtivessem sobre sua Atuação como Sujeito da
melhor desempenho considerando o estágio Pesquisa (QPAtuação)
de escolaridade no qual se encontravam, isto
Os alunos, após responderem o TCloze,
é, finalizando o curso.
receberam da bolsista o QPAtuação para
ser respondido. O questionário continha 10
Tabela 9 – Resultados do TCloze das turmas dos questões do tipo abertas.
Iniciantes e Concluintes dos grupos SemELC
O objetivo da questão 1 era saber quantos
alunos haviam cursado a disciplina de Língua
RESUMO
Grupo
Contagem Soma
Média
Variância
Portuguesa que faz parte das disciplinas
ComELC
16
527
32,9375 34,8625
obrigatórias do 1º semestre. Entre os
SemELC
15
525
35
35,28571
Concluintes e Iniciantes, apenas 15 sujeitos
dos 63 não tinham cursado a disciplina, esse
A tabela 9 mostra a variação de dado é relevante para a pesquisa já que
desempenho entre as turmas do TCloze textos explicativos são contemplados no
dos grupos SemELC. A população das plano de curso
turmas apresenta um desempenho mais
A questão 2 indagava sobre a facilidade ou
padronizado. Cabe lembrar que esses alunos dificuldade na leitura do texto. A maioria dos
receberam o texto sem a presença dos ELC. alunos Concluintes considerou o texto fácil e
a maioria dos alunos Iniciantes considerou-a
Tabela 10 – Resultados do TCloze das turdifícil ou regular, ou seja, os alunos de final
mas dos Iniciantes e Concluintes entre os
de curso parecem mais familiarizados com
grupos SemELC
este tipo de texto.
Já com relação à
ANOVA
questão
3 que tratava
Fonte de
do
vocabulário
do texto
variação
SQ
gl
MQ
F
valor-P
F crítico
e de sua interpretação,
Entre
32,93347
1
32,93347 0,939163 0,340507 4,182964
a maioria dos sujeitos
grupos
revelou
não
ter
Dentro dos
1016,938
29
35,06681
encontrado dificuldade
grupos
em entendê-la.
Quanto à falta de
Total
1049,871
30
algum conhecimento
É possível observar que o fator F necessário para o preenchimento das
novamente não está na região crítica. Assim, lacunas, na questão 4, a maioria dos alunos
não há evidências, a 5%, de que as diferenças expressou não ter sentido falta de nenhum
sejam significativas. Parece importante aqui tipo de conhecimento e apenas 14 sentiram
42
Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010
necessidade de exercitar mais a leitura.
Sobre as informações presentes no texto
que foram relevantes para o preenchimento
das lacunas do TCloze, questão 5, as
respostas foram variadas, sendo que
predominaram as respostas dos alunos
que levaram em consideração todas as
informações do texto ou o conceito de
resiliência presente no texto de apoio e no
texto do TCloze.
A questão 6 era importante para esta
pesquisa, pois fazia referência aos ELC. A
maioria dos alunos das turmas de Iniciantes
e Concluintes SemELC expressou que não
faltavam informações no texto. Apenas um
sujeito disse estar faltando o título do texto.
Através desta questão esperava-se que
o grupo expressasse ter percebido a falta
dos ELC, para auxiliar na compreensão
leitor. Pode-se concluir, então, que além
dos discentes não perceberem que esses
elementos não estavam presentes, não
sentiram a falta dos mesmos, para possibilitar
alternativas de compreensão. Esse fato
parece evidenciar não uma dificuldade
dos alunos em relacionar os elementos às
informações do texto, mas sim completo
desconhecimento desses elementos como
“detentores” de informação.
Quanto à apresentação do texto
explicativo, tratada na questão 7, os alunos,
na sua grande maioria, responderam não
notar nada de diferente neste tipo de texto em
relação a outros já lidos. Apenas 7 discentes
expressaram como diferença em relação aos
outros textos lidos, o fato deste tipo de texto
apresentar uma explicação para um termo ou
dúvida apresentada na introdução.
O objetivo da questão 8 era saber se os
alunos sabiam reconhecer as características
de um texto explicativo. As respostas a
essa questão foram variadas. Embora os
conceitos tenham sido expressados de forma
incompleta pelos alunos, 17 mostraram ter
noção do que vem a ser um texto explicativo.
Contudo, a grande maioria, 46 discentes,
não sabia conceituá-lo nem parcialmente.
Este é um dado importante e preocupante
considerando o nível de escolaridade no qual
se encontram e/ou encontravam-se esses
alunos, principalmente por ser um tipo de
texto visto facilmente em revistas de cunho
cultural e em revistas especializadas na área
de atuação desses profissionais.
A questão 9 tratava da familiaridade do
aluno, em aula, com o texto explicativo, pois
indagava em quais disciplinas eles haviam
trabalhado com este tipo de texto. A grande
maioria dos alunos disse não ter trabalhado,
em aula, com este gênero de texto. Já 20
alunos disseram ter trabalhado com este
gênero textual, nas seguintes disciplinas:
português (11); filosofia (2); ciências
políticas (1), metodologia (2); sociologia (1);
mercadológica (2); recursos humanos (1).
Por fim, a questão 10 perguntava se os
discentes consideravam ter compreendido
o texto. Os alunos, na sua grande maioria,
consideraram tê-lo compreendido, sendo
que 11 expressaram não tê-lo entendido, isto
é, 5 Iniciantes e 6 Concluintes.
4. Discussão e conclusão
Esta pesquisa teve como objetivo analisar
a influência dos elementos linguísticos
contextualizadores na compreensão leitora.
Nesse sentido, os escores obtidos através
do Teste de Avaliação da Compreensão
leitora do aluno (TCloze) e as respostas
ao Questionário de Percepções do Aluno
sobre sua atuação como sujeito da pesquisa
(QPAtuação) constituíram-se em dados
fundamentais para o propósito deste trabalho.
Esperava-se que os discentes do início do
curso de Administração apresentassem certa
familiaridade com os textos apresentados,
uma vez que os mesmos abordavam
temas da área, publicados em veículo de
massa, de fácil acesso (Revista VOCE/SA).
Principalmente, por ser o autor dos textos
um profissional reconhecido na área por sua
atuação (Max Gehringer: escritor, consultor
de carreira e palestrante), tanto na revista
em questão como na televisão (emissora
Rede Globo), no programa “Emprego de A a
Z”, do Fantástico, aos domingos. Nesse dia
da semana, o escritor também trata de temas
relacionados ao mundo do trabalho, pois
este programa tem seu foco direcionado,
segundo o consultor (conforme contato por
e-mail), para o “mercado de trabalho” e a
revista para “o público corporativo”.
Por outro lado, esperava-se que o
resultado do teste de compreensão leitora,
com discentes do último semestre do curso
de Administração, fosse ainda mais positivo,
uma vez que esses alunos, acredita-se,
estão familiarizados com o tema dos textos,
43
Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010
são alunos que foram expostos a gêneros vista que esse estudante ingressará em um
textuais variadas ao longo do Curso – (in- mercado de trabalho competitivo, devendo
clusive textos explicativos, ainda que a possuir uma qualificação técnica que lhe
terminologia não tenha sido empregada) – e, será exigida. Os dados aqui apresentados
além disso, conhecedores do vocabulário da e as conclusões discutidas apontam para
área.
a necessidade de realização de novas
Através da observação e análise dos pesquisas sobre o tema, de forma a elucidar
dados fornecidos pelo ANOVA, pareceu ter as questões aqui levantadas.
ficado evidente que um dos problemas da
compreensão é considerá-la, na maioria dos
Referências
casos, uma simples e natural atividade de
ALLIENDE, F.; CONDEMARIN, M. Leitura:
decodificação de um conteúdo objetivamen- teoria, avaliação e desenvolvimento. Porto
te inscrito no texto. Esse aspecto já havia Alegre: Artes Médicas, 1987.
sido apontado por Marcuschi (1999). Para o
autor, compreender um texto envolve mais
CARDOSO, S. M. V. A prática docente
do que o simples conhecimento da língua e no ensino superior particular noturno: um
reprodução de informações. Atividades des- estudo de caso. Tese de Doutorado. Faculdase tipo parecem, ainda, ser o estilo de ativi- de de Educação da Universidade Estadual de
dade trabalhada em aula no que se refere à Campinas, Campinas – SP.
compreensão leitora. Através da pesquisa foi
possível constatar este fato, já que os aluCOLTIER, Danielle. Approches Du text
nos, além de não levarem
explicatf. Pratiques, metz
em conta as informações
(51): 3-22, sep. 1986. Trad.
presentes nos ELC, não
de Ignácio Antônio Neis.
A compreensão em leitura, espercebem sua ausência,
Porto Alegre: PUC/RS
sencial para o sucesso no Encomo se fosse possível
sino Superior, está associada
dispensar a inclusão desCORACINI, M.J.R.F. O
à maturidade em leitura, que
ses elementos que são altítulo: uma unidade subpode (e deve) ser implementernativas que auxiliam na
jetiva. Trabalhos em Lintada por atividades eficazes em
compreensão em leitura.
guística Aplicada. Campiaula e em todas as disciplinas.
Por tudo isso, cabe frisar
nas, n. 13, p. 54-235, 1989.
que a compreensão em
leitura, essencial para o sucesso no Ensino
COSTE, Daniel. Leitura e competência
Superior, está associada à maturidade em comunicativa. In: GALVES, Charlotte (org.).
leitura, que pode (e deve) ser implementada O texto: escrita e leitura. Campinas: Pontes,
por atividades eficazes em aula e em todas 1988.
as disciplinas, além de serem necessários
programas específicos de intervenção, no
DURAN, A. P. Padrões de comunicação
âmbito das várias disciplinas, garantindo a oral e compreensão da comunicação esoportunidade de superação de eventuais crita na universidade: estudos no Nordeste.
limitações.
Tese de Doutorado. Instituto de Psicologia da
Não se pode também ignorar a hipótese Universidade de São Paulo, São Paulo, 1981.
de a baixa pontuação no TCloze estar
FOUCAMBERT, Jean. A Leitura em
relacionada à falta de comprometimento do
aluno, principalmente de final de curso, ao Questão. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994.
responder ao instrumento de pesquisa, visto
que a tarefa não reverteria em pontuação
GOODMAN, Kenneth S. Reading a psypara a disciplina (nota). Fato não observado colinguistic guessing game. In: SINGER, H.;
de forma significativa entre os alunos
ingressantes no curso.
___; GOODMAN, Yetta. Reading and
Ainda, conforme observam Cardoso writing relationships: pragmatics functions.
(1994) e Witter (1997), a compreensão em Language e Arts. v. 15, n. 4, p. 63-79, 1983.
leitura é um tema de grande importância
dentro do contexto universitário tendo em
___. Unidade na leitura: um modelo psico44
Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010
linguístico transacional. Letras de Hoje, v. 26,
n. 86, p. 9-43, 1991.
___; AMARAL, M. P. Como as categorias
textuais se relacionam com a compreensão
em leitura. In: Veritas, v. 35, n. 133, p. 77-89,
1989.
KATO, Mary. O aprendizado da leitura.
São Paulo: Martins Fontes, 1999.
SMITH, Frank. Leitura significativa. 3. ed.
Porto Alegre: Artes Médicas, 1999.
___. No mundo da escrita: uma pespectiva psicolinguística. 7. ed. São Paulo:
Ática, 2000.
___. Compreendendo a leitura: uma análise psicolinguística da leitura e do aprender a
ler. 4. ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989.
KLEIMAN, Angela. Texto e leitor: aspectos
cognitivos da leitura. Campinas: Pontes, 1989.
___. Reading like a writer. Language
arts. Urbana: National Council of Teachers
of Englisch, 60, p. 627-643, 1983.
___. O conhecimento prévio na leitura. In:
KLEIMAN, Ângela. Texto e leitor: aspectos
cognitivos da leitura. São Paulo: Pontes, 1992.
SOLÉ, Isabel. Estratégia de Leitura. Porto
Alegre: Artes Médicas, 1998.
___. Leitura: ensino e pesquisa. São Paulo: Pontes, 1996
LEFFA, Vilson J. Aspectos de leitura.
Porto Alegre: Sagra, 1996.
TAYLOR, W.L. Cloze procedure: a new
tool for measuring readability. Journalism
Quarterly, v. 30, p. 415-433, 1953.
MARCUSCHI, Luiz Antônio. Linguística
do texto: o que é como se faz. Recife, UFPE/
Mestrado em Letras e Linguística, 1983.
TREVISAN, E. M. C. Leitura: coerência
e conhecimento prévio. Santa Maria: UFSM,
1992.
MOIRAND, Sophie. Situação da escrita,
imprensa escrita e pedagogia. In: GALVES,
Charlotte et all. O texto: escrita e leitura.
Campinas: Pontes, 1988, p. 87-108.
WITTER, Avaliação da produção científica sobre leitura na universidade. Psicologia Escolar e Educacional, n. 1, p. 31-37,
1996.
___. “Approache globale de textes
écrits”, Estudes de Linguistique Appliquée,
n. 23, 1973.
___. Leitura e Universidade. São Paulo:
Alínea, 1997.
POERSCH, José Marcelino. Por um nível metaplícito na construção do sentido textual.
Letras de Hoje, v. 26, n. 4, p. 127-143, 1991.
45
Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010
O poder de controle nas sociedades anônimas
brasileiras
Prof. Dr. Silvio Javier
Battello Calderon1
Resumo: O presente trabalho aborda a problemática do poder de controle nas
sociedades anônimas brasileiras. Desde uma visão comparatista, e tomando como
referência os aportes da doutrina norte-americana, se analisa a regulamentação
legal do instituto, a distinção com o direito de propriedade e as diversas formas ou
espécies de controle societário.
Palavras-chave: Sociedade Anônima, Propriedade, Poder de Controle.
Abstract: This paper discusses the problem to the legal control in Brazilian corporations. From a comparative view, and taking as reference the contributions of U.S.
doctrine, analyzes the legal regulation of the institute, distinction with property rights
and the various forms or types of corporate control.
Key-words: Corporation, Ownership, Control Power.
Introdução
Situado diante de qualquer instituição
organizada, seja uma fábrica, prefeitura ou
ainda uma entidade religiosa, o observador
provavelmente se perguntará: quem comanda
essa organização? Como fez para chegar ao
poder? Qual é o alcance do mesmo? Embora
constituam perguntas comuns, suas respostas
ficam longe de ser simples, e podem substan
cialmente ser conforme o tipo de instituição.
Comandar uma prefeitura é diferente de comandar ou controlar um time de futebol ou
uma entidade religiosa. O presente trabalho
pretende responder às perguntas, limitandose ao âmbito societário brasileiro, especialmente às sociedades anônimas.
1
Bacharel em Direito (UNC, Argentina); advogado na Argentina e no Brasil; Especialista em Direito Empresarial
(PUC-RS); Doutor em Direito (UFRGS); Pós-doutorando em Direito (UBA, Argentina); professor da Faculdade
Dom Bosco de Porto Alegre. E-mail: [email protected]
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figuração. O plano está dividido em duas partes. Na primeira, se estudam as características
do poder de controle à luz do direito brasileiro.
Já a segunda parte se propõe a sistematizar
as diversas peculiaridades do poder através
das formas de seu exercício.
Cabe destacar que, do ponto de vista
semântico, o termo “controle” possui duas
acepções: uma de origem francesa, utilizada
no sentido de fiscalização, inspeção, intervenção; e outra de origem inglesa, sinônimo
de comando, domínio ou preponderância. No
direito societário, quando se faz referência ao
controle ou ao poder de controle, sem nenhum
tipo de esclarecimento ou comentário, se lhe
está atribuindo o segundo significado – domínio societário. Também são utilizados como
sinônimos os termos dominação ou influência
dominante, todos para designar o exercício do
poder. As legislações também não são coincidentes, ao determinar o conceito, recorrendo
a expressões variáveis2. Diante da dificuldade de conceituação do “controle societário”,
De Aguinis afirma que “o poder nas ciências
sociais é como a energia na física: não se
define, mede-se por seus efeitos. Decidir políticas financeiras, de pessoal, de marketing,
do destino das utilidades, de investimentos,
da comercialização, tudo isso é a expressão
cotidiana e verdadeira do exercício do controle
societário” (DE ANGUINIS, 1996, p. 19).
I. Características
A) Propriedade e controle societário
É comum pensar que quem exerce o poder
numa companhia é seu dono. O proprietário
das riquezas produzidas por uma indústria ou
comércio deve ser, em princípio, quem possui
o poder de comando ou controle. Entretanto, o
conceito de riqueza sofreu profundas mudanças no decorrer do século XX. Ser proprietário
de grandes extensões de terras, de milhares
de cabeças de gado ou de uma fábrica foi,
em tempos passados, as principais exteriorizações de poder e dinheiro.
Esse paradigma de riqueza começou a
mudar, e os antigos bens que a representavam (todos eles materiais) começaram a ficar
atrás de outras fontes, de caráter imaterial,
tais como os contratos de software, transferências de know-how, títulos de diversas
espécies, ações, marcar, patentes de invenção, propriedade intelectual, etc. Basta pensar
em Bill Gates, que se converteu no homem
mais rico do mundo, não por possuir grandes
fazendas ou inúmeros imóveis, mas sim por
ser o pai do Windows, sistema operacional
de computadores que mudou radicalmente a
sociedade mundial.
A autonomia do conceito de poder de controle apareceu na primeira metade do século
passado, evidenciado pelo estudo dos professores Adolf A. Berle e Gardiner C. Means
(1940). Desde então foi ganhando cada vez
mais espaço nas bibliografias societárias de
todo o mundo3. A preocupação acadêmica
também teve efeitos no âmbito legislativo.
No Brasil, a atual Lei de Sociedades Anônimas4, a diferença da anterior, preocupou-se
em tratar o poder de controle como instituto
próprio, determinando seu significado e suas
consequências jurídicas.
As novas formas de riqueza (títulos de
diversas espécies, transferência de know how
etc.) apresentam uma característica comum,
a abstração. Nenhum deles possui por si só
um significado claro ou completo; são termos
representativos, relacionados a bens imate-
Nosso estudo centra-se na descrição do
poder de controle no Direito Brasileiro. Foge
do alcance deste trabalho o aprofundamento
sobre as consequências jurídicas da sua con-
2
Por exemplo, o art. 33 da Lei de Sociedades Comerciais Argentina e o art. 2.359, 2, do Código Civil Italiano
utilizam o termo “influência dominante”. Para uma análise comparativa e evolutiva dos conceitos, veja-se:
ALONSO, Felix Ruiz. “Holding” no Brasil. Revista de Direito Comercial. v. 10, São Paulo, p. 77-96. 1952.
3
Uma boa resenha bibliográfica pode ser consultada nas obras de: COMPARATO, Fabio Konder. O poder
de controle na sociedade anônima. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1976; a mesma obra com atualização
de Calixto Salomão Filho. Rio de Janeiro: Forense, 2005; FERREIRA DE MACEDO, Ricardo. Controle não
Societário. Rio de Janeiro: Renovar, 2004; MANÓVIL, Rafael M., Grupos de Sociedades en el derecho
comparado. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1998.
4
A seguir denominada Lei das S.A.
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Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010
irrevogável, visto que o direito de patente é
eminentemente temporário8.
O mesmo acontece com a propriedade
acionária. Com a evolução do direito, tornase complexa, a ponto de que as condições
ou atributos antes referidos não mais se
adequam à realidade atual, isso, em virtude
do enfraquecimento do caráter exclusivo da
propriedade. Nos dias de hoje, o “proprietário”
de ações não é necessariamente quem controla ou comanda a empresa.
A posse de ações não implica como corolário natural o exercício de poder na empresa. Existem várias categorias de acionistas
sem poder de controle, como é o caso dos
possuidores de obrigações negociáveis, certificados de inversão e tantos outros papéis
comerciais de sociedades. Assim, a própria
técnica jurídica é a encarregada de outorgar a
esses acionistas uma propriedade excluída da
posse e da disposição dos bens da empresa,
ou, como afirma Comparato, uma proprieda-
riais, intangíveis, frutos do avanço da ciência
jurídica para acompanhar a nova realidade
econômica. A realidade negocial pode ser
facilmente dimensionada em termos econômicos, mas dificilmente em termos jurídicos. O
sistema clássico de propriedade, baseado no
ideal do senhorio do titular sobre seus bens,
demonstra-se insuficiente para conceituar e
delimitar os avanços econômicos do último
século5 .
O conceito de propriedade necessitou
transformar-se, tornando-se mais elástico6.
O que consideramos como principais atributos do direito de propriedade, isto é, seu
caráter absoluto, exclusivo e irrevogável7,
não é aplicável às novas fontes de riquezas,
ou, pelo menos, com o alcance que têm em
relação aos bens materiais. Se, por exemplo, analisamos o conceito de Propriedade
Industrial, verificamos que se aplicam a este
as condições de absoluta e exclusiva, mas
não podemos dizer o mesmo de seu caráter
5
Para uma análise mais detalhada, veja-se: DE AGUINIS, Control de Sociedades. Buenos Aires: Abeledo-Perrot,
1996, em especial o cap. I; GALGANO, Francesco. Historia del Derecho Comercial, Barcelona: Laia, 1980,
capítulos II e III.
6
A evolução do conceito de propriedade foi muito bem exposta por Ihering, que, adiantando-se no tempo,
afirmava: “Nuestra vida jurídica, se sabe, conoce numerosos derechos que el lenguaje ha extendido el término
propiedad, aún cuando no tengan la cosa como objeto. Es así que se dice: propiedad literaria, propiedad de
misivas, de letras de cambio, entendiendo por tal, no la propiedad del manuscrito, de las copias o del trozo de
papel sobre el cual está escrita la carta o la letra de cambio, sino el derecho al contenido intelectual del papel, es
decir, la disposición propia, independiente, exclusiva, concerniente a dicho papel, y por consiguiente, el derecho
a interdecir su disposición a los demás (derecho de prohibición) que conforma el corolario indispensable. Es en
este sentido, también, que pueden ser materia de propiedad ‘comercial’ los nombres y marcas de fábrica.
Este lenguaje usual es criticado en la doctrina, y desde el punto de vista didáctico, el profesor hará bien en
prevenir al alumno contra el peligro de considerar estos derechos como constitutivos de una propiedad en el
sentido propio de la palabra. Pero una vez hecha esta observación, estimo que no hay nada que objetar contra
el empleo de estas expresiones. Yo las tengo, por el contrario, por las más precisas y las más exactas y estoy
convencido de que, precisamente por este motivo, el lenguaje no deberá dejarse apartar por ese escrúpulo
jurídico, Pronto, yo pienso, esas expresiones serán usadas por la ciencia, y se asistirá al fenómeno que ya hemos
visto se produjo en el Derecho Romano: las acciones y las formas que originariamente estaban referidas a ‘la
cosa’ transladadas a los derechos mismos.
Todos los actos, todas las relaciones de derecho patrimonial han tenido originariamente por objeto la cosa;
la cosa visible, palpable, formando el objeto primero y natural del Derecho y de toda disposición jurídica.
Empero, desde este punto de partida material, el Derecho es elevado poco a poco a una concepción inmaterial,
espiritualista, que coloca a las res incorporalis en la misma línea de la res corporalis. Las nociones y las palabras
creadas para estas últimas, en adelante, en todas partes donde se pueda, son transladadas a los derechos. Así
la noción de habere, realizado por la venta de una cosa se extiende a la venta de los créditos, de las sucesiones,
del usufructo. Así, aun aquéllos de lacatio rei se extienden a la locación de la renta (es decir al ejercicios de los
derechos). La noción de jus in re, ella misma se translada de la cosa a los derechos, el derecho de prenda y el
usufructo son extendidos a los créditos y a los patrimonios enteros”. In: Actio Injuriam, des Lésions injurieuses
en Droit Romain (et en Droit Français), traduit et annoté par O. De Meuleneare, Marescq, Paris, 1888, pag. 145.
Citado e traduzido para o espanhol por DE AGUINIS, Control..., p. 9-10.
7
Sobre esses conceitos, veja-se: MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil. 16 ed. São Paulo,
1980, p. 88 e ss.
8
Sobre o conceito e alcance da Propriedade Industrial veja-se: MICHELLI DE ALMEIDA, Marcus Elidius.
Propriedade Industrial frente à concorrência desleal. In: Adalberto Simão Filho e Newton de Lucca (org.) Direito
empresarial contemporâneo. 2 ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2004, p. 111-141.
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judicial para seu reconhecimento, o chamado
“direito em pé de guerra” como geralmente é
conhecido. É o próprio titular quem o exerce
perante terceiros, valendo-se da proteção
dada pela lei. Assim, o direito do proprietário
integra-se com a ação judicial, e é por força
dessa ação que o proprietário poderá conseguir a reivindicação da propriedade acionária,
contestar a ação de seu credor, executar o
devedor, etc.11
de estática, de mera fruição (COMPARATO,
2005, p. 41). Por sua vez, o management e a
moderna tecnoestrutura societária criaram sua
própria fonte de poder (acordo de acionistas,
leveraged, etc.), que não obedece ao sistema
organicista e democrático sob o qual se fundaram as bases das legislações societárias.
Assim, a propriedade da riqueza separou-se
do controle da riqueza9. Se atualmente o poder de controle não mais se identifica com a
propriedade, como distingui-lo?
Quem exerce o poder de controle está
numa situação objetiva, constituída por direitos e deveres. Trata-se de uma faculdade de
produzir efeitos jurídicos pela manifestação de
vontade de seu titular e não da propriedade
sobre a coisa. De forma mais taxativa: um
“autêntico iusum super partes, comportando a
suprema determinação da atividade empresarial e o consequente poder de disposição dos
bens da empresa” (COMPARATO, 1976, p. 106).
A faculdade de produzir determinados
efeitos jurídicos, em virtude do poder de
controle, deve ser exercida em benefício de
outrem – neste caso, da empresa – ou, pelo
menos, não exclusivamente por aquele que
exerce o poder. Dessa forma, os conflitos são
de interesses – e não conflitos surgidos do
âmbito convencional – entre quem representa
o poder e aquele que está representado. Para
aquele que o exerce, existem deveres correlatos, que servem para limitar ou restringir o
poder. Como bem ensina De Aguinis, o poder
de decidir sobre os bens de outrem é limitado
pelo dever de não causar dano, de não enriquecer sem justa causa. É uma questão de
lealdade, que não gera vínculos jurídicos (DE
AGUINIS, 1996, p. 29).
Para o professor Comparato, querer colocar o poder de controle dentro do direito de
propriedade é uma herança do direito burguês
e revolucionário francês, que visava suprimir
o domínio eminente da terra – a propriedade
estática – e tornar absoluto o domínio útil – a
propriedade dinâmica – dos que efetivamente
cultivavam a terra e possuíam os instrumentos
de trabalho, convergindo num único direito
de propriedade sobre o qual se edificaram
a maior parte das legislações pós-napoleônicas10, inclusive o Código Civil Brasileiro de
2002, quando estabelece:
Art. 1228. O proprietário tem a faculdade
de usar, gozar e dispor da coisa, de direito de
reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.
Art. 1231. A propriedade presume-se plena
e exclusiva, até prova em contrário.
Ser proprietário de ações não significa ter
o poder de controle da companhia, mas um
direito subjetivo para proteger sua propriedade, utilizando-o sempre em interesse próprio.
Deve-se destacar que a proteção de seus direitos está intimamente vinculada com a ação
Ante a violação dos respectivos deveres
por parte do titular do poder, existe a possi-
9
A frase, atribuída a Galgano, é citada por DE AGUINIS, Control..., p. 19.
Para esta afirmação, o autor cita a Jean Carbonnier: CARBONNIER, Jean Droit Civil, vol. 3, 7 ed. Paris, 1973,
p. 88, apud COMPARATO, O poder..., p. 101.
11
Para o desenvolvimento destes conceitos, veja-se ROUBIER, Paul. Droits Subjetifs et Situations Juridiques.
Paris: Dalloz, 1963.
10
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Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010
grupos de sociedades13. A Lei das S.A. inovou
ao regulamentar a posição do acionista controlador e da sociedade controladora.
bilidade da ação judicial daquele que tenha
sofrido o dano. A intervenção jurisdicional somente aplicará a sanção se verificado o dano
ou o enriquecimento sem causa, bem como a
legitimidade do autor da pretensão. A principal
diferença com a ação do titular do direito de
propriedade reside no fato de não ser o poder
de controle uma situação pré-determinada, “é
a própria ação de responsabilidade que faz
aparecer a situação jurídica. Não há direito
anterior” (DE ANGUINIS, 1996, p. 31). Importa
destacar que a divisão teórica entre a propriedade acionária e o poder de controle societário apresenta-se, na prática, muitas vezes
confundida em relações jurídicas complexas
que misturam direitos, poderes, deveres,
obrigações e prerrogativas de diversa índole.
Falar de “poder de controle” sugere, em
primeiro lugar, a existência de um binômio:
se existe controle é porque alguém exerce
esse poder sobre outrem, neste caso, uma
sociedade. A sociedade controlada é o sujeito
passivo necessário sobre a qual se atua ou se
exerce o poder. Em nenhum caso o controle se
manifesta sobre pessoas, o que configuraria
um caso de escravidão. O exercício do poder
não é absoluto, já que sempre estará limitado
pelos deveres correlatos, pelas circunstâncias
e também pela vontade de quem dispõe dele.
O direito brasileiro, a partir da Lei das S.A. de
1976, qualifica e regulamenta o controle no
âmbito societário, e precisamente sobre esta
lei nos deteremos adiante.
a) Acionista controlador
O conceito de acionista controlador surge
do art. 11614 da Lei das S.A., que trata claramente das situações em que se configura o
poder de controle. O caput da norma define
os possíveis sujeitos destinatários da configuração legal, podendo ser tanto pessoas
físicas como jurídicas, ou ainda um conjunto
de pessoas que componham a maioria e usem
as prerrogativas estabelecidas na norma. O
poder manifesta-se nas deliberações sociais e
na eleição da maioria dos administradores. É
importante destacar que legislador não exige
a “propriedade” de um percentual mínimo de
ações com direito a voto para caracterizar
a figura do controlador. Preferiu, diferentemente, identificar o controlador caso a caso,
analisando quem é a pessoa que comanda a
empresa, fazendo prevalecer suas decisões
nas assembleias e escolhendo os administradores. Dessa forma, o legislador abre a
possibilidade de que um não-acionista possa
ser considerado titular do poder sempre que
obtenha a maioria dos votos nas assembleias
gerais. Porém, para que a configuração legal
seja efetiva, há outras duas condições, uma
temporal e outra factual.
A condição temporal é a da letra “a” do referido artigo, ao exigir que o poder do titular dos
direitos de sócio na garantia dos resultados
das deliberações da assembleia geral ou no
permanente poder de escolha dos administradores da companhia. E como determinar essa
permanência? Trata-se de uma questão de
fato, e quem alega deve provar15. Entretanto,
o Banco Central estabeleceu em 1976, com a
Resolução n. 401, item IV (hoje revogada) um
critério que ainda hoje pode ser utilizado16. A
B) Sistema normativo
A Lei das S.A., lei nº 6.404, de 15-12-1976,
faz referências específicas sobre o poder de
controle e sua titularidade. A sistemática legal
é elogiável, visto que, na época da sua promulgação, os direitos da Família Continental
limitavam-se a reconhecer o poder de controle
dentro da estrutura interna societária12 ou
como matéria conexa à regulamentação dos
12
Por exemplo, o art. 366 e ss. da Lei de Sociedades Francesa de 1966 e os artigos 2.359 e 2.360 do Código
Civil Italiano de 1942.
13
Por exemplo, o art. 311 e ss. da Lei Alemã das Sociedades por Ações de 1965.
14
Art. 116. Entende-se por acionista controlador a pessoa, natural ou jurídica, ou o grupo de pessoas vinculadas
por acordo de voto, ou sob controle comum, que: a) é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo
permanente, a maioria dos votos nas deliberações da assembleia-geral e o poder de eleger a maioria dos
administradores da companhia; e b) usa efetivamente seu poder para dirigir as atividades sociais e orientar o
funcionamento dos órgãos da companhia.
15
Estabelece o art. 333 do Código de Processo Civil: O ônus da prova incumbe: I – ao autor, quanto ao fato
constitutivo do seu direito.
16
Neste sentido, COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. 5. ed. Vol. 2. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 280.
51
Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010
homem de negócios. O art. 11718, por sua
vez, enumera, de forma exemplificativa, as
modalidades do exercício abusivo do poder
em virtude das quais o controlador deverá
responder pelos danos causados. Nenhum
dos artigos pertinentes, tanto o art. 116 como
o art. 117, determinam quais são os sujeitos
legitimados para solicitar a intervenção jurisdicional, caso se verifique algumas dessas
hipóteses, cabendo ao próprio interessado
provar os extremos da litis: a existência do
dano e o interesse legítimo de agir19.
regulamentação determinava que se deveria
considerar permanente a manifestação do
poder de controle, se o acionista titularizasse ações que lhe asseguravam a maioria
absoluta de votos, ou, caso não existisse tal
possibilidade, se essa pessoa obtivesse a
maioria nas três últimas assembleias gerais.
A condição factual, estabelecida na letra
“b”, exige que o controlador use efetivamente
o poder. A existência de condição temporal,
isto é, da permanência, por si só não é suficiente para que o sujeito fique enquadrado
como controlador. Requer, ainda, que utilize
tal poder dirigindo a empresa e guiando os
órgãos da companhia. Se ambas condições
não são verificadas, não é possível verificar o
controlador ou os controladores. As possíveis
consequências legais ou responsabilidades a
ele deverão estender-se a todos os sócios e,
se for o caso, também aos administradores.
b) Sociedade controladora
Se quem exerce o controle é outra sociedade, o conceito é fornecido pelo art. 24320. A
diferença com o art. 116 é sutil. Esse último,
para qualificar o acionista como controlador,
exige que o mesmo tenha a maioria dos votos
na assembleia de acionistas, enquanto que,
para a sociedade controladora, a norma requer
que tenha preponderância nas deliberações
sociais. Sobre o tema, Rubens Requião afirma
que “O uso dessa expressão ‘preponderância’
se deve à circunstância de o controle poder
ocorrer entre sociedades de diferentes tipos,
como a sociedade por cota de responsabilidade limitada, quando evidentemente não se
menciona ‘acionista’ ou ‘maioria de votos’.
Preponderância foi a melhor expressão que o
O parágrafo único do mesmo artigo17 mostra os deveres que limitam esse poder. Como
se afirmou no ponto anterior trata-se de uma
questão de lealdade, que não gera vínculos
jurídicos. O exercício efetivo do poder aparece
limitado pelos deveres de lealdade comercial, de diligência, de um atuar previdente. A
norma não faz outra coisa senão colocar na
lei o princípio geral da conduta de um bom
17
Art. 116, Parágrafo único. O acionista controlador deve usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar
o seu objeto e cumprir sua função social, e tem deveres e responsabilidades para com os demais acionistas
da empresa, os que nela trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve
lealmente respeitar e atender.
18
Art. 117. O acionista controlador responde pelos danos causados por atos praticados com abuso de poder. §
1º São modalidades de exercício abusivo de poder: a) orientar a companhia para fim estranho ao objeto social
ou lesivo ao interesse nacional, ou levá-la a favorecer outra sociedade, brasileira ou estrangeira, em prejuízo
da participação dos acionistas minoritários nos lucros ou no acervo da companhia, ou da economia nacional; b)
promover a liquidação de companhia próspera, ou a transformação, incorporação, fusão ou cisão da companhia,
com o fim de obter, para si ou para outrem, vantagem indevida, em prejuízo dos demais acionistas, dos que
trabalham na empresa ou dos investidores em valores mobiliários emitidos pela companhia; c) promover
alteração estatutária, emissão de valores mobiliários ou adoção de políticas ou decisões que não tenham por fim
o interesse da companhia e visem a causar prejuízo a acionistas minoritários, aos que trabalham na empresa
ou aos investidores em valores mobiliários emitidos pela companhia; d) eleger administrador ou fiscal que
sabe inapto, moral ou tecnicamente; e) induzir, ou tentar induzir, administrador ou fiscal a praticar ato ilegal,
ou, descumprindo seus deveres definidos nesta Lei e no estatuto, promover, contra o interesse da companhia,
sua ratificação pela assembleia-geral; f) contratar com a companhia, diretamente ou através de outrem, ou de
sociedade na qual tenha interesse, em condições de favorecimento ou não equitativas; g) aprovar ou fazer
aprovar contas irregulares de administradores, por favorecimento pessoal, ou deixar de apurar denúncia que
saiba ou devesse saber procedente, ou que justifique fundada suspeita de irregularidade. h) subscrever ações,
para os fins do disposto no art. 170, com a realização em bens estranhos ao objeto social da companhia. § 2º
No caso da alínea e do § 1º, o administrador ou fiscal que praticar o ato ilegal responde solidariamente com o
acionista controlador. § 3º O acionista controlador que exerce cargo de administrador ou fiscal tem também os
deveres e responsabilidades próprios do cargo.
19
Para mais informações sobre a caracterização do abuso do poder, as provas necessárias e as medidas
judiciais cabíveis, veja-se: CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas. Vol. 2, 3 ed.,
São Paulo: Saraiva, 2003, p. 494-512.
20
Art. 243 § 2º Considera-se controlada a sociedade na qual a controladora, diretamente ou através de outras
controladas, é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, preponderância nas
deliberações sociais e o poder de eleger a maioria dos administradores.
52
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ao autor da ação. A ação de responsabilidade delitiva não impede que sejam aplicadas
outras sanções vinculadas com o atuar do
agente, tais como a anulação de votos ou de
atos da assembleia. O prazo prescricional é
de três anos, conforme art. 287, II,b.
Ainda sobre as sociedades controladoras,
a Lei das S.A. regulamentou, no capítulo XXI,
os grupos societários de direito, com o intuito
de fomentar a colaboração empresarial e
o desenvolvimento econômico do país. Os
redatores da Lei tomaram como inspiração
para a regulamentação dos grupos de sociedades brasileiros o Zaibatsu Japonês, forma
peculiar de organização ou concentração
financeiro-industrial-comercial, com estrutura
em forma de estrela, com um banco no centro.
Apareceram no Japão com a restauração da
Dinastia Meiji (fins do século XIX), sendo as
principais referências destes agrupamentos a
Mitsu, Mitsubishi, Sumitomo e Yasuda. Como
o sistema japonês é completamente diferente
dos paradigmas ocidentais, e apesar de ter
servido de fonte de inspiração para o legislador brasileiro, copiou-se o sistema alemão23.
legislador encontrou para, neste caso, traduzir
a ideia de uma sociedade sobre a outra, nem
todas do tipo sociedade anônima” (REQUIÃO,
2000, p. 248).
Além da semelhança, existem algumas
diferenças. Por que o art. 243 § 2º não exige
o uso efetivo do poder, como o inciso b) do
art. 116? Sobre este questionamento não cabe
outra afirmação a não ser se tratar de uma
omissão legal. Portanto, o requisito de uso efetivo do poder deve ser considerado implícito
na definição do art. 243, § 2º. Também cabe
perguntar: por que não se faz referência “ao
grupo de pessoas vinculadas por acordo de
voto, ou sob controle comum”, como no caput
do art. 116? Tal situação fática seria também
possível no caso de sociedades controladoras,
e não existe nenhum argumento legal que o
proíba, sempre que respeitadas as exigências
do art. 118 da Lei das S.A.21.
Outra diferença entre o acionista controlador e a sociedade controladora é o estabelecimento da responsabilidade. Afirmamos
que contra o sócio controlador não existem
condições para o exercício da ação. Em contrapartida, para a sociedade controladora, o
art. 24622 da Lei das S.A. determina quem são
as pessoas legitimadas para solicitar a reparação do dano: acionistas que representem
cinco por cento do capital social ou qualquer
acionista sempre que preste cautio judicatum
solvi. Sendo procedente a ação, a norma determina que a sociedade controladora deva,
tendo como base o valor da indenização, as
custas; os honorários de advogado, até vinte
por cento, além do prêmio de cinco por cento
O Konzern alemão pode caracterizar-se
como um grupo de empresas juridicamente independentes, mas que obedece a uma gestão
central ou unitária. A utilização destas políticas
unificadas por parte das empresas alemãs foi
anterior a qualquer tipo de regulamentação
legal. Aliás, as primeiras disposições para sua
regulamentação tinham como escopo impedir
que as empresas nacionais criassem grupos
econômicos centralizados, utilizando-se para
isso normas punitivas. Sendo infrutíferos os
intentos do governo de coibir essa praxe em-
21
Nesse sentido: COMPARATO, Fábio Konder. Titularidade do poder de controle e responsabilidade pela
concessão abusiva do crédito. In: Direito Empresarial. Estudos e Pareceres. São Paulo: Saraiva, 1990, p. 65-73;
EMBID IRUJO; José Miguel. El derecho de los grupos de sociedades en el Brasil – su significación y repercusión
en el ordenamiento jurídico español. Revista de direito mercantil industrial, econômico e financeiro, ano XXVII, n
71, p. 5-46, jul./set. 1998.
22
Art. 246. A sociedade controladora será obrigada a reparar os danos que causar à companhia por atos
praticados com infração ao disposto nos artigos 116 e 117. § 1º A ação para haver reparação cabe: a) a
acionistas que representem cinco por cento ou mais do capital social; b) a qualquer acionista, desde que preste
caução pelas custas e honorários de advogado devidos no caso de vir a ação ser julgada improcedente. § 2º
A sociedade controladora, se condenada, além de reparar o dano e arcar com as custas, pagará honorários
de advogado de vinte por cento e prêmio de cinco por cento ao autor da ação, calculados sobre o valor da
indenização.
23
Sobre a influência do sistema japonês na Lei das S.A., veja-se: CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Lei de
Sociedades Anônimas. Vol. 2, 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 295 ss.
53
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a 277. Trata-se, na verdade, de uma forma de
exercício do poder da sociedade dominante
sobre suas dominadas, de pouquíssima utilidade prática.
presarial, a legislação alemã deu soluções
diferentes conforme se trate de Konzern de
fato e de Konzern de direito. Para os primeiros,
os grupos de fato, o tratamento legal continua
tendo o caráter punitivo das primeiras regulamentações, tentando com isto dar maior
impulso ao Konzern de direito, para os quais
se cria um sistema de normas reguladoras
e de publicidade24. É o sistema alemão dos
Konzern de direito que serviu de base para a
Lei de S. A. brasileira.
c) Normas extra-societárias
Dentro do sistema legal brasileiro, existem
outras normas que complementam ou integram o direito societário nacional, trazendo
importantes regras sobre o poder de controle.
É o caso da Constituição Brasileira, que, por
questões de interesse público e segurança
nacional, estipula que determinadas atividades econômicas devem ser realizadas por
empresas constituídas por parte ou total do
capital em poder de brasileiros.
Exemplo disso é a Lei 10.610 de 20 de dezembro de 2002, que disciplina a participação
de capital estrangeiro nas empresas jornalísticas
e de radiodifusão sonora e de sons e imagens,
de que trata o § 4o do art. 222 da Constituição
Federal27. A lei estabelece:
Art. 2º: A participação de estrangeiros ou de
brasileiros naturalizados há menos de dez anos
no capital social de empresas jornalísticas e de
radiodifusão não poderá exceder a trinta por
cento do capital total e do capital votante dessas
empresas e somente se dará de forma indireta,
por intermédio de pessoa jurídica constituída
sob as leis brasileiras e com sede no País.
E no § 1º determina que “as empresas
efetivamente controladas, mediante encadeamento de outras empresas ou por qualquer
outro meio indireto, por estrangeiros ou por
brasileiros naturalizados, há menos de dez
O art. 265 da Lei das S.A.25 dispõe que a
sociedade controladora e suas controladas
podem constituir grupos de sociedades26,
sempre que a controladora seja brasileira e
que exerça seu poder, direta ou indiretamente,
como titular de direitos de sócio e acionista, ou
mediante acordo com outros sócios e acionistas. Para o presente estudo, a regulamentação
do artigo em questão, assim como as normas
vinculadas, não precisa de maiores esclarecimentos, já que, da mesma forma que para
o conceito de sociedade controladora do art.
243 § 2º, ao definir a sociedade controladora,
exige a titularidade de direitos de sócio.
O legislador brasileiro errou ao pretender
que esse tipo de associação fosse adotado
pelos empresários brasileiros não habituados
a este tipo de prática. Criou-se, ao invés, um
sistema híbrido, próprio e ineficiente. Isso
ocorreu porque somente a controladora, com
suas controladas, podem criar grupos de sociedades, exigindo-se, ainda, o adimplemento
das formalidades exigidas na Lei, artigos 265
24
Sobre o Konzern Alemão, e sua importância no Direito Comparado, veja-se: MANÓVIL, Grupos..., p. 421 ss.
Art. 265. A sociedade controladora e suas controladas podem constituir, nos termos deste Capítulo, grupo de
sociedades, mediante convenção pela qual se obriguem a combinar recursos ou esforços para a realização dos
respectivos objetos, ou a participar de atividades ou empreendimentos comuns. § 1º A sociedade controladora, ou
de comando do grupo, deve ser brasileira, e exercer, direta ou indiretamente, e de modo permanente, o controle
das sociedades filiadas, como titular de direitos de sócio ou acionista, ou mediante acordo com outros sócios ou
acionistas. § 2º A participação recíproca das sociedades do grupo obedecerá ao disposto no artigo 244.
26
Sobre os grupos de sociedades, a exposição de motivos da lei das S.A. explica que constitui uma forma
evoluída de inter-relacionamento das sociedades que, mediante aprovação pelas assembleias gerais de uma
convenção de grupos, dá origem a uma sociedade de sociedade.
27
Art. 222. A propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e imagens é privativa de
brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos, ou de pessoas jurídicas constituídas sob as leis brasileiras e
que tenham sede no País. § 1º Em qualquer caso, pelo menos setenta por cento do capital total e do capital votante
das empresas jornalísticas e de radiodifusão sonora e de sons e imagens deverá pertencer, direta ou indiretamente,
a brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos, que exercerão obrigatoriamente a gestão das atividades e
estabelecerão o conteúdo da programação. § 2º A responsabilidade editorial e as atividades de seleção e direção da
programação veiculada são privativas de brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos, em qualquer meio
de comunicação social. § 3º Os meios de comunicação social eletrônica, independentemente da tecnologia utilizada
para a prestação do serviço, deverão observar os princípios enunciados no art. 221, na forma de lei específica, que
também garantira a prioridade de profissionais brasileiros na execução de produções nacionais. § 4º Lei disciplinará
a participação de capital estrangeiro nas empresas de que trata o § 1º. § 5º As alterações de controle societário das
empresas de que trata o § 1º serão comunicadas ao Congresso Nacional.
25
54
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anos, não poderão ter participação total superior a trinta por cento no capital social, total
e votante, das empresas jornalísticas e de
radiodifusão” (grifo nosso).28
Sobre o tema, Carmen Tibúrcio afirma que “a
regra geral da igualdade (dos estrangeiros) não
se aplica aos chamados direitos econômicos
– que, de resto, não são considerados fundamentais, por boa parte dos operadores jurídicos.
Segundo o Pacto Internacional dos Direitos
Econômicos, Sociais, e Culturais, em vigor no
Brasil, os países em desenvolvimento (levando
em consideração os direitos humanos e a situação econômica nacional) podem determinar em
que medida garantirão os direitos econômicos
reconhecidos no Pacto àqueles que não sejam
seus nacionais. Assim, nessa área específica,
o estrangeiro pode receber tratamento distinto
do nacional, mesmo que não haja uma razão
expressa para isto, e o Estado não precisa
justificar tal atitude na esfera internacional.”29
II. Formas de Controle
As formas ou tipos de controle societário
dizem acerca do modus como se efetiva tal
poder. Devido à complexidade do conceito em
questão, diversas classificações ou sistematizações podem ser propostas31. Centraremos
nossos esforços na distinção entre controle
interno, tipicamente societário, e o externo, derivado geralmente de uma relação contratual32.
A) Controle interno
O controle interno, isto é, o controle exercido por meio de votos dentro da própria estrutura societária, pode ser analisado sob duas
perspectivas: primeiro, um estudo doutrinário
dedicado às distintas espécies apontadas pela
doutrina nacional; e, em segundo lugar, as
técnicas legais para sua obtenção no marco
da Lei das S.A..
Estas exceções já foram mais abrangentes. Antigamente também era restringida a
participação de empresas estrangeiras em
atividades de mineração (art. 176, §1), e em
empresas de navegação (art. 178, § 2), exceções revogadas pela EC nº 6, de 15 de agosto
de 1995. De qualquer forma, e salvo os casos
de exceção, a empresa estrangeira que cria
uma subsidiária com personalidade jurídica
própria para sua atuação no Brasil não oferece maiores dificuldades, pois, tratando-se
de sociedades juridicamente independentes
da controladora, a elas se aplicam na íntegra
o regime geral das sociedades nacionais.30
a) Diversas espécies
No trabalho dos professores americanos
Adolf A. Berle e Gardiner C. Means, entitulado
The Modern Corporation and Private Property,
já referido, os acadêmicos da Universidade
de Colúmbia chegaram à conclusão, baseando-se em dados estatísticos das empresas
americanas do ano 1929, de que era possível
dissociar a propriedade acionária do poder de
comando empresarial. Foi à luz dessa realidade que propuseram uma classificação do
controle interno em cinco espécies: a) controle
28
A Uma disposição semelhante, porém lacunosa e com aplicação duvidosa, é o § 3, do art. 199 da Constituição
Federal: “ É vedada participação direta ou indireta de empresas ou capitais estrangeiros na assistência à saúde
no País, salvo nos casos previstos em lei”. Afirma-se que a norma é de aplicação duvidosa porque é contrária ao
caput do mesmo art. 199: “A assistência à saúde e livre à iniciativa privada.”
29
Citada por DOLINGER, Jacob. Direito Internacional Privado, Parte Geral. 7 ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 510-512.
30
Mesmo que todos os acionistas sejam estrangeiros, trazendo recursos do exterior e constituindo uma
sociedade empresarial com sede da administração no território nacional, essa sociedade será considerada
brasileira para todos os efeitos jurídicos. Maiores informações sobre as sociedades estrangeiras são encontradas
em DOLINGER, Direito..., p. 506 ss.
31
Por exemplo, cita-se a distinção entre controle de fato e de direito, na medida em que exista ou não tipicidade
legal. O controle de direito foi analisado na primeira parte do trabalho, com referência exclusiva ao direito
brasileiro. As situações de controle de fato surgem da influência dominante exercida fora do âmbito societário ou
legal. Para um estudo aprofundado do controle de fato, veja-se o excelente trabalho de FERREIRA DE MACEDO,
Ricardo. Controle não societário. Rio de Janeiro: Renovar, 2004.
32
Nesse sentido, RICHARD, Efraín Hugo; MUIÑO, Orlando. Derecho Societario. Buenos Aires: Astrea, 1997, p. 154.
55
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no âmbito empresarial brasileiro, visto que
as empresas nacionais obedecem ao padrão
totalitário ou majoritário, sendo, ainda, as sociedades de grande dispersão de capital, uma
situação mais teórica do que prática.
fundado na posse da totalidade das ações da
companhia; b) controle fundado na posse da
maioria dessas ações; c) controle exercido
pelos sócios minoritários; d) controle gerencial
ou administrativo; e) controle obtido por meio
de expedientes legais. O professor Comparato, no referido trabalho sobre O Poder de
Controle na Sociedade Anônima, reduz esta
classificação no direito brasileiro para quatro33:
Gerencial: Da mesma forma que no controle minoritário, o gerencial somente é viável
nas grandes companhias abertas, com inúmeros acionistas de participação acionária mínima em relação ao total do capital social. Aqui
as decisões não são tomadas pelos acionistas
e sim pelos altos executivos da sociedade, que
possuem o conhecimento técnico necessário
para decidir acerca do futuro da empresa.
Constitui um controle completamente desvinculado da titularidade acionária. O managment
consegue impor o comando societário devido
ao abstencionismo da maior parte dos sócios
(somente interessados nos lucros) e pela representação que podem obter de acionistas
pouco interessados nas assembleias.
Confrontando esta classificação com o
conceito de controlador estabelecido pela
Lei das S.A., percebe-se que a Lei somente
positiva o poder exercido pela assembleia de
acionistas, isto é, o controle totalitário, majoritário e minoritário. Contudo nada diz acerca do
gerencial ou do controle exercido por meio de
outros expedientes legais. Sobre o gerencial,
não significa que tal controle não exista. E
mais, mesmo sem colocar os administradores
nas condições de sócios controladores, aplicase a eles toda a secção IV da Lei, sobre os
deveres e responsabilidades dos administradores, regulamentando o dever de diligência
(art 153); a finalidade das atribuições e desvio
de poder (art. 154); o dever de lealdade (art.
155); o conflito de interesses, (art. 156); o
dever de informar (art. 157); e a responsabilidade do administrador, (art. 158). Enfim, as
mesmas condições exigidas no art. 116, para
os acionistas controladores.
Totalitário: cem por cento do capital com
direito a voto está representado no controle
societário. Portanto, nenhum acionista é
excluído do poder de dominação na sociedade. Esta forma de controle é a mais comum
naqueles mercados que não estão completamente desenvolvidos, como é o caso dos
latinoamericanos. Nestes, a maior parte das
empresas são de tipo familiar fechado (totalitárias) ou empresas estatais.
Majoritário: Quando é exercido por
aqueles que detêm a maioria das ações com
direito a voto. É neste tipo de controle onde
começa a se evidenciar o efetivo exercício do
poder. Um ou alguns sócios conseguem impor
suas decisões sobre o resto, dando forma ao
antagonismo do grupo majoritário contra o
minoritário. Exemplo desta dicotomia entre
majoritários e minoritários pode se dar quando
os primeiros decidem não distribuir os lucros
gerando confronto entre os pequenos investidores, que querem obter algum resultado
do capital investido e o sócio (s) majoritário
(os) que, talvez por estarem no exercício da
administração societária, não precisem ou
não desejem tal distribuição. Este controle,
no dizer de Comparato, pode ser majoritário
simples ou majoritário absoluto, conforme
exista ou não uma minoria qualificada.
Minoritário: O controle minoritário é comum naquelas companhias que possuem
centenas ou milhares de acionistas, isto é, as
grandes empresas, geralmente internacionais.
O número de acionistas costuma ser enorme,
e o patrimônio social está tão diversificado que
possibilita a uns poucos acionistas com direito
a voto tomar decisões no que respeita aos
destinos da empresa. Esta não é a realidade
E a quinta forma de controle ilustrada por
Berle e Means? Não existe no direito brasileiro? A Lei das S.A. não trata do voting trust, isto
é, da forma mais comum de controle exercido
por expedientes legais? Não, sem dúvida, no
direito brasileiro não existe a figura do voting
33
A Para um estudo mais aprofundado desta classificação, veja-se: COMPARATO, O poder...., p. 37-65;. Essa
classificação é seguida, dentre outros, por REQUIÃO, Curso...,p. 130; BERTOLDI, Marcelo. Curso avançado de
direito comercial. v. 1, 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003; p. 340-342.
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trust, ou pelo menos com o significado ou alcance que a figura possui nos países da Common Law. Alguns autores tentam enquadrar o
trust como um simples acordo de acionista ou
colocam-no como a forma mais de controle
minoritário34. Não parece correto. O trust é
um negócio jurídico complexo e próprio da
cultura jurídica da Common Law, que surgiu
na Idade Média inglesa, sob os desígnios do
Lord Chancellor para solucionar, ex aequo et
bono, questões para as quais os tribunais da
Common Law não tinham respostas35.
alienante, sua esposa ou filhos). Eles têm um
equitable estate, existente de acordo com a
equity36. O cestui que trust goza do benefício
real da disposição. É para seu proveito que
o trust foi constituído e funciona. Por isso,
para os tribunais que exercem a jurisdição
da Equity, o “proprietário legal” (trustee) está
subordinado aos direitos do “proprietário-equitativo” (cestui que trust), que é quem goza dos
benefícios reais da disposição, sendo o trust
constituído em seu proveito. Pode afirmar-se
que sua propriedade é de caráter econômica,
beneficiária, mais substancial.
A utilização da figura do trust para o controle societário teve seu apogeu nos primeiros
anos do século passado. O caso mais famoso
foi o de Rockefeller, que conseguiu, por este
instituto jurídico, concentrar noventa por cento da capacidade de refino do petróleo dos
Estados Unidos. Como a prática facilitava a
criação de monopólios, feria-se diretamente
o Sherman Act, de 1890, que tornava “ilegais
‘every contract, combinations in the form of
trust or otherwise, or conspiracy, in restraint
of trade’ e ‘monopolization’, considerando tais
violações como infrações à lei, sem, porém,
defini-las.” (OLIVEIRA; RODAS, 2004, p. 6)
Foi em virtude dessa lei, no famoso processo
Standard Oil Co. of New Jersey v. U.S. (1911),
em que o magnata em questão foi obrigado a
dividir sua companhia.
Na evolução do instituto, criou-se um
conceito de propriedade que é desconhecida
pelos sistemas jurídicos da Família RomanoGermânica. Podemos resumir o funcionamento do instituto da seguinte forma: o proprietário
de um determinado bem (por exemplo, ações),
denominado settlor, transfere sua propriedade
a um terceiro denominado trustee (administrador da mesma empresa das ações ou um
banco), mas, com a condição de que esse
bem transferido seja utilizado em beneficio
de outra pessoa ou grupo de pessoas (que
poderá ser o próprio alienante, sua esposa,
filhos etc) denominados cestui que trust (ou
beneficiaries). A peculiaridade do instituto está
em que, após a transferência, o settlor não é
mais o proprietário do bem, e nem o trustee
nem cestui que trust adquirem a propriedade
plena do antigo settlor. Criam-se duas propriedades ou state sobre o bem.
Uma propriedade ou um estate pertencente
ao trustee (administrador ou banco). Ele é o
proprietário real ou efetivo do bem. Tem o legal
state, respaldado pelas regras da Common
Law. Mas suas prerrogativas são limitadas
pelo ato constitutivo do trust e pelas regras
da Equity. Tem o que poderia dizer-se de uma
propriedade formal, exterior. Outra propriedade ou estate sobre o mesmo bem pertencente
ao cestui que trust ou beneficiaries (o próprio
As legislações romano-germânicas não
conhecem um sistema semelhante. Os direitos
reais são limitados ou restritos. Não podem
existir sobre o mesmo bem dois titulares
com idêntico direito de propriedade. Poderá
existir condomínio, usufruto, uso, habitação,
mas nunca dois direitos de propriedade. Fabio Ulhoa Coelho ensina que, “no Brasil, as
companhias sempre foram, e ainda são, muito
diferentes das dos Estados Unidos no que diz
respeito ao poder de controle. De um lado, é
34
Entre outros, REQUIÃO, 2000, p. 130; COELHO, 2002, p. 278.
Sobre o trust veja-se, DAVID, René. O Direito Inglês. São Paulo: Martins Fontes, 2000; CLARET y MARTI, P.
De la Fidúcia y del Trust. Barcelona: Bosch , 1946.
36
Para uma melhor compreensão do equitable estate ou do interest, bem como dos princípios que lhes são
aplicáveis, veja-se: HAAR, Charles; LANCE, Liebman. Property and Law. Boston: Littl. Ed. Brown and Company.,
1977, p. 21-31.
35
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Esse fato pode ocorrer de diversas formas:
significativa a presença de subsidiárias de
empresas sediadas nos países centrais do
sistema capitalista. O seu capital representa,
basicamente, o investimento da multinacional
no país, e, assim, encontra-se sob controle
totalitário da matriz. Por outro lado, as companhias constituídas por iniciativa de capitalistas
brasileiros costumam reproduzir a cultura
empresarial centralizadora e assumem, muitas vezes, a forma de empresas familiares,
em que se sobrepõem laços de parentesco
e relações societárias (...). Não se encontra,
no Brasil, número significativo de companhias
sob controle minoritário, e nenhuma sob o
gerencial”. (COELHO, 2002, p. 278-279).
1.1. Pelo próprio nascimento da sociedade:
quando se cria ou se estabelece a estrutura
do controle em função da subscrição inicial
de ações (EMBID IRUJO, 1988, p. 15), cuja
hipótese não justifica maiores considerações;
1.2. Pela criação de uma nova sociedade
por outra empresa: conhecida no Brasil como
subsidiária integral (art. 251 a 253). O sistema
legal permite a fundação de uma sociedade
anônima com capital subscrito, em sua totalidade, por outra sociedade, com a única
condição que a constituinte seja brasileira.
Cabe destacar que a Lei das S.A. prevê duas
formas de constituição de subsidiária integral:
a criação de forma originária, mediante escritura pública, que é a hipótese em questão; e
também pode ser pela absorção do capital de
uma sociedade pré-existente, mas esta última
hipótese não configura uma forma originária
de controle. Aplicam-se à sociedade controladora as regras do acionista controlador.
Essas formas de controle, na prática, não
aparecem de forma tão clara. A realidade das
companhias, tanto nacionais quanto estrangeiras, demonstra que as diversas formas de
influência dominante enunciadas estão muitas
vezes misturadas, convivem umas com outras
de forma sucessiva, alternada ou conjunta. Para
uma melhor compreensão, resulta de grande
utilidade analisar quais são as técnicas legais
ou as formas jurídicas permitidas pelo direito
societário brasileiro para a obtenção do controle.
1.3. Pela cisão societária: como técnica de
reorganização que possibilita o surgimento de
uma nova sociedade controlada. Neste ponto,
somente nos interessam as hipóteses de cisão
parcial, isto é, nos casos em que da sociedade
cindida são constituídas uma ou várias novas
sociedades, mantendo a primeira sua própria
personalidade jurídica. Não possuem o mesmo caráter da aquisição originária os casos
de cisão total, em que a sociedade cindida se
dissolve por completo; ou os casos de cisão
imprópria, quando o patrimônio da sociedade
cindida é diluído entre outras companhias já
existentes (EMBID IRUJO, 1988, p. 44).
2. Aquisição derivada: dentro desta classificação se englobam todas as técnicas que
permitam obter controle societário já existente.
Neste grupo a obtenção pode acontecer:
b) Técnicas legais de obtenção
Para analisar as técnicas jurídicas utilizadas pelo legislador brasileiro na obtenção do
poder de controle, nos valemos da sistemática
proposta pelo professor espanhol José Miguel
Embid Irujo (1988), para quem a aquisição do
poder de controle, sempre que se trate das
técnicas de controle interno, pode ser dividida
em duas principais categorias:
1. Aquisição originária: quando há simultaneidade na constituição da sociedade e na obtenção do poder (EMBID IRUJO, 1988, p. 14).
58
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2.1. Por sucessão de atos: A compra
sucessiva de ações pode transformar um
acionista minoritário num acionista controlador37 . Talvez se apresente como a forma
mais comum de adquirir o controle de forma
derivada. Não justifica maiores explicações.
recebendo em contraprestação, além do valor
das ações, um plus pelo preço do controle.
A transferência instantânea do controle
pode, sem dúvida, lesar os acionistas minoritários, privados desse plus econômico que
gera a alienação do poder. Neste contexto, a
lei vem para limitar o exercício de tais manobras, estabelecendo, para o caso, uma série
de requisitos necessários40 , sob a autorização
e fiscalização da Comissão de Valores Mobiliários, art. 254-A, §1º e 2º41 . A consequência
jurídica da efetivação do negócio se traduz
em uma repartição proporcional dos benefícios da alienação, permitindo que os sócios
minoritários alienem seus títulos em condições
semelhantes à do sócio controlador, (art. 254A, caput) ou, existindo oferta do adquirente,
permaneçam na companhia recebendo um
prêmio equivalente à diferença entre o valor do
mercado de ações e o valor pago por ação integrante do bloco de controle, art. 254-A §4º.42
2.2. De forma instantânea: Adquire-se o
controle societário de forma derivada e instantânea pela cessão do controle (artigos 254
a 256), ou pela oferta pública de aquisição de
ações, (artigos 257 a 263). Estas modalidades são regulamentadas exclusivamente no
âmbito das sociedades anônimas abertas, inexistentes regras semelhantes para anônimas
fechadas ou outro tipo societário.
2.2.1. A Cessão do Controle aparece
regulamentada na seção VI do capítulo XX
da Lei das S.A., sob o título de “alienação de
controle”38. Pode-se interpretar o conceito de
alienação de controle, dado pelo parágrafo 1º
do art. 254-A 39, como sendo o negócio jurídico
pelo qual os acionistas detentores do poder de
controle societário, independente do título em
virtude do qual o possuem, alienam tal poder,
37
O prof. Embid Irujo, em seu trabalho El Derecho de los grupos..., cit., em p. 17 e nota nº 43, coloca nesta
categoria a aquisição do controle através de contratos. Afastamos-nos deste posicionamento, e colocamos a
utilização dos contratos como forma de obter o controle “externo”, forma que será analisada com maior atenção
no ponto “B” desta Segunda Parte.
38
A Lei 6.404/76 determinava, no art. 254, a obrigação dos controladores de promover a oferta pública aos
demais acionistas em caso de alienação em bloco das ações de comando a terceiros, isto é, sempre que se trata
de sociedade anônima aberta. O intuito da Lei era impedir que as ações dos controladores sejam cotadas a um
valor muito superior à dos acionistas sem esse poder, visto que o controle da companhia é algo que gera um plus
que deve beneficiar a todos os acionistas e não a alguns deles. A sistemática legal foi abandonada com a Lei
9.457/97, que revogou o artigo em questão, permitindo que o sobre-preço pago pelas ações dos controladores
ficasse nas mãos destes, o que foi fortemente criticado pela doutrina. No entanto, a Lei 10.303/2001 faz renascer,
com pequenas alterações, o antigo art. 254, agora denominado 254-A.
39
Art. 254-A § 1º Entende-se como alienação de controle a transferência, de forma direta ou indireta, de
ações integrantes do bloco de controle, de ações vinculadas a acordos de acionistas e de valores mobiliários
conversíveis em ações com direito a voto, cessão de direitos de subscrição de ações e de outros títulos ou
direitos relativos a valores mobiliários conversíveis em ações que venham a resultar na alienação de controle
acionário da sociedade.
40
Art. 254-A. A alienação, direta ou indireta, do controle de companhia aberta somente poderá ser contratada
sob a condição, suspensiva ou resolutiva, de que o adquirente se obrigue a fazer oferta pública de aquisição das
ações com direito a voto de propriedade dos demais acionistas da companhia, de modo a lhes assegurar o preço
no mínimo igual a oitenta por cento do valor pago por ação com direito a voto, integrante do bloco de controle.
(griffo nosso).
41
Art. 254-A §2º. A Comissão de Valores Mobiliários autorizará a alienação de controle de que trata o caput,
desde que verificado que as condições da oferta pública atendem aos requisitos legais. § 3o Compete à
Comissão de Valores Mobiliários estabelecer normas a serem observadas na oferta pública de que trata o caput.
42
Para um estudo detalhado da alienação de controle, veja-se, entre outros: BERTOLDI, Marcelo. Curso
Avançado de Direito Comercial. v. 1, 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 345 ss.; ALBINO DE
OLIVEIRA, Fernando A. A Alienação do Controle Societário na Lei das S.A. In: Fusões e aquisições: Aspectos
Jurídicos e Econômicos. Jairo Saddi (org.) São Paulo: IOB, 2002, p. 221-232; EIZERIK Nelson.
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2.2.2. A Aquisição de Controle Mediante
Oferta Pública de Ações, seção VII, do capítulo XX da Lei das S.A., permite a obtenção
do poder pelo pagamento em dinheiro (oferta
de compra, art. 258), ou em títulos de outra
sociedade (oferta de permuta, art. 259), de
uma parte ou de todas as ações de uma ou
de várias classes de ações43. Importa destacar que feita a oferta, a mesma se considera
irrevogável, art. 257§2º. Para Fran Martins,
“a oferta pública para a aquisição do controle
tende a beneficiar os acionistas minoritários
que, desse modo, poderão participar da operação em igualdade de condições com os
acionistas majoritários, no que diz ao preço
dado às ações dos primeiros” (MARTINS,
1978, p. 377).
ou negócios celebrados entre o controlador
(pessoa física ou jurídica) e a sociedade
controlada, independentemente de qualquer
vinculo societário. Esses vínculos contratuais
geram situações objetivas de controle, demonstradas pela dependência econômica que
efetivamente se verifica no desenvolvimento
das atividades negociais.
Sobre as vantagens deste sistema de
aquisição, Comparato afirma que para o grupo
oferente, a oferta pública oferece a grande
vantagem da concentração do ataque e do
efeito de surpresa, como autêntica blitz rieg.
Ao contrário do que sucede na aquisição sem
oferta pública, o oferente aqui goza das vantagens da rapidez e da economia de recursos
na superação de qualquer eventual oposição
ou manobra especulativa. Para os acionistas
da sociedade visada, é inegável que uma
take over-bid oferece a vantagem de lucro
patrimonial imediato, pois as ofertas públicas
são sempre lançadas por um valor unitário de
ação superior no mínimo 20% à colocação
bolsística. E mais, oferece a garantia de um
tratamento rigorosamente igualitário, evitando
pactos entre o grupo de adquirente das ações
e a diretoria da sociedade visada, ou alguns
de seus acionistas, para a venda do controle
(COMPARATO, 1976, p. 134-135).
Não fazem parte desta forma de controle
as relações pessoais que possam existir entre
controladores ou administradores da sociedade controladora e a controlada. Tais vínculos,
conhecidos como interlocking directories,
não são mais do que o reflexo do controle
societário, obtido tanto por contratos externos
como por mecanismos societários típicos (DE
AGUINIS, 1996, p. 52).
Além do vínculo contratual, o controle
externo exige que o dominante exerça influência de forma estável e continuada no funcionamento da sociedade controlada. Requer,
ainda, que a controlada realize suas atividades
utilizando os meios previstos pelo controlador,
de forma que esses sejam indispensáveis para
a realização de seu objeto social.
Uma sociedade pode utilizar diversas formas contratuais como ferramentas idôneas
para dirigir as empresas vinculadas a esses
contratos, gerando um verdadeiro controle,
ainda que sem ser titular de uma só ação
de tais companhias. Exemplo comum pode
ser as montadoras de carros, empresas de
hardware ou software. Resulta fácil perceber
que a matriz de uma montadora (ex: Ford, GM,
Toyota), assim como as empresas detentoras
de patentes de invenção de peças de alta
tecnologia (Intel, IBM, NEC), podem exercer sobre o conjunto de companhias a elas
relacionadas uma influência tão importante
que inclusive a própria existência dessas fica
sujeita àquelas. O motivo dessa sujeição não
decorre da posse das ações. O controle é
dado pela força de contratos, sejam para pro-
B) Controle externo
O controle externo, também referido como
subordinação contratual, verifica-se quando exercida uma influência dominante nas
decisões da companhia, em virtude de atos
Oferta Publica de Aquisição na Alienação de Controle de Companhia Aberta. In: Fusões e aquisições: Aspectos
Jurídicos e Econômicos. Jairo Saddi (org.) São Paulo: IOB, 2002, p. 233-248.
43
Por crise financeira, entendemos as situações de descompasso na cadeia de pagamentos, mas que de
forma alguma se traduz numa situação de inadimplemento definitivo. Existe simplesmente uma “demora” na
honra das obrigações contraídas. Diferente constitui o caso da crise econômica ou econômica financeira,
em que, independente da demora, o ativo patrimonial não é suficiente para cobrir o passivo, determinando
necessariamente uma situação falimentar.
60
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duzir com exclusividade, ou por transferência
de tecnologia, frutos da licença para utilização
da marca, ou por contratos de distribuição, etc.
Evidencia-se, nestes casos, um controle extrasocietário, exterior à estrutura da companhia
controlada, mas que produz uma verdadeira
situação de domínio.
Os vínculos contratuais que possibilitam
dominação dão origem a três espécies de
controle externo:45
a) Financeiro
A atividade de comando é exercida por
uma instituição financeira, que, pelos mecanismos do crédito, acaba-se transformando
em controladora de companhia solicitante. O
controle financeiro pode ser tanto por questões contingentes, que leve a empresa ao endividamento, como por questões estruturais.
A relação entre empresas dominadas e
dominantes pode surgir por contratos de diversas categorias: fornecimento, concessão,
agência, franchising, transferência de tecnologia; contratos de endividamento financeiro
direto; contratos de garantias pessoais, reais,
cauções, ou outras formas financeiras para a
garantia de dívidas alheias, etc. Dentre essas diversas formas contratuais, existe uma
coincidência: as empresas dominadas apresentam como elemento relevante a submissão
econômica frente à dominadora. Os contratos
acabam-se tornando instrumentos de controle,
porque sem eles as controladas não teriam os
meios necessários para exercer sua atividade, condicionando a viabilidade econômica
empresarial. O motivo ou circunstâncias pelas
quais esses contratos são assinados obedece
a diversas causas, que podem ser tanto contingentes como estruturais.
O controle financeiro decorrente de endividamento coloca a instituição financeira
numa situação de superioridade em relação
à empresa solicitante do crédito. Poderá a
primeira exigir, além do capital e dos juros
pactuados, comportamentos específicos da
devedora ou atribuir-se prerrogativas que lhe
permitam tomar conhecimento do exercício
das atividades desenvolvidas destinadas a
garantir o pagamento. Essas prerrogativas e
comportamento exigidos podem acabar transformando o vínculo contratual num vínculo de
gestão, de verdadeiro controle, direcionando a
atividade empresarial aos desígnios da instituição financeira. O modus dessas prerrogativas
apresenta-se variável, existindo tantas formas
possíveis quanto as partes possam negociar
em seus contratos. Entre as práticas mais
comuns, Ricardo Ferreira de Macedo destaca
que “essas prerrogativas são ordinariamente
modeladas através das conhecidas cláusulas
de negative pladge, cross default e através de
cláusula genérica de disclosure” (FERREIRA
DE MACEDO, 2004, p. 161-162).
Dentre as causas contingentes, as mais
comuns são as crises financeiras44. Uma empresa, por motivos vários (crises energética,
grandes secas, problemas de geopolítica,
etc.), pode precisar recorrer ao auxílio de
instituição financeira. Pode acontecer que o
empréstimo pecuniário transforme a instituição financeira em uma verdadeira diretora
dos negócios do solicitante. Já as causas
estruturais, diferentemente das anteriores, são
intrínsecas à atividade da sociedade dominada. Por exemplo, os contratos de distribuição
ou de transferência de tecnologia são causa
e efeito do mesmo poder. Sem eles, não somente inexiste dominação, como tampouco
seria possível o exercício de atividade da
sociedade controlada.
Acrescentamos que tais mecanismos de
controle somente são possíveis naquelas
companhias que possuem um capital social
pequeno em relação ao crédito solicitado.
Empresas com sólido patrimônio solicitam
financiamentos sem maiores inconvenientes,
já que o capital é garantia suficiente para os
44
Por crise financeira, entendemos as situações de descompasso na cadeia de pagamentos, mas que de
forma alguma se traduz numa situação de inadimplemento definitivo. Existe simplesmente uma “demora” na
honra das obrigações contraídas. Diferente constitui o caso da crise econômica ou econômica financeira,
em que, independente da demora, o ativo patrimonial não é suficiente para cobrir o passivo, determinando
necessariamente uma situação falimentar.
45
Também utiliza esta classificação, ORCESI DA COSTA, Carlos Celso. Controle externo nas companhias.
Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico, Financeiro, nº 44, São Paulo, 1981, p. 70 e ss.
61
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bancos. Mas, se a empresa possui um capital exíguo, a instituição financeira somente
viabilizará o crédito se prestadas, além das
garantias reais e pessoais necessárias, algumas das prerrogativas citadas em seu favor.
mente existe um dever de “informar”, inexiste
qualquer outra obrigação. Mas os estudos
empíricos realizados por Gilson e Vetsuypens,
em 199446, demonstraram a possibilidade de
que esse tipo de cláusula se torne ferramenta de controle, quando o tomador do crédito
requer, para continuar trabalhando, de novos
financiamentos. Nestes casos, a instituição
financeira transforma-se de uma simples fornecedora de capital, com direito a informação,
a uma verdadeira dominadora da companhia,
utilizando a mesma informação para renegociar novos financiamentos, determinando,
assim, o caminho financeiro a ser percorrido.
Existindo cláusula de negative pledge,
“a empresa captadora obriga-se, perante a
financiadora, a não onerar seus ativos, ou
parte deles, até satisfação do debt, o que –
desnecessário dizer – comprime a aptidão
da tomadora do financiamento para novas
captações e incrementos de sua estrutura de
alavancagem”. (FERREIRA DE MACEDO,
2004, p. 161-162). Neste caso, o controle se
verifica na perda do poder de gestão financeira
da empresa tomadora, que translada a competência decisória em assuntos econômicos
ao financiador. Esse poder não se limita ao
veto para contratação de novos empréstimos,
mas compreende, ademais, qualquer tipo de
gravame que possa ferir a capacidade de
pagamento.
O controle financeiro não é necessariamente decorrente do endividamento da
companhia. A dominação pode existir independentemente de problemas de caixa. Bancos
de fomento, fundos de pensão, instituições
financeiras especializadas em determinados
setores, dentre outros, podem alavancar atividades empresariais. À diferença dos casos anteriores, o financiamento de bens ou serviços
é motivo determinante do empreendimento
empresarial. Esse é o caso das ofertas de produtos de uso doméstico com grandes campanhas publicitárias, que oferecem pagamento
em várias parcelas. Uma simples calculadora
demonstrará que o bem ou o serviço não é
o mais valioso, e que o intuito do fornecedor
não é prover esse bem ou serviço. Trata-se,
na verdade, de oferta de crédito mediante a
utilização de empresas intermediárias, simples
vitrines de suas controladoras: as instituições
financeiras.
Sobre o cross default, “a empresa captadora estará sujeita ao vencimento antecipado
de seu débito (ou qualquer outra sanção contratual), caso incorra em impontualidades na
satisfação de qualquer outro débito assumido
junto a outros financiadores” (FERREIRA DE
MACEDO, 2004, P. 165). O dispositivo gera
um constrangimento para a atividade financeira da empresa solicitante. Sua operatividade
fica comprometida através da cláusula e,
caso existam outros passivos, estes deveram
prorrogar-se até a total quitação com a instituição financeira que gerou o cross default.
Essa imposição é, na verdade, uma forma de
controle por constrição da aptidão financeira
da empresa contratante
Acerca das cláusulas de disclosure, as
mesmas “obrigam a empresa financiada a
manter um fluxo de informações, muitas delas estratégicas, em favor de seu fornecedor
de exigíveis, que, nessa medida, passa a ter
condições de avaliar e monitorar a performance de manutenção de solvabilidade de sua
devedora” (FERREIRA DE MACEDO, 2004,
p. 166). Em regra, este tipo de cláusulas não
é apto para gerar dominação, visto que so-
46
b) Comercial
O controle externo também pode ser
determinado pelos vínculos contratuais da
atividade comercial. As modernas formas mercadológicas de comercialização possibilitam o
controle de uma companhia utilizando como
ferramenta figuras contratuais. Contratos de
franchising, distribuição, concessão de venda
com exclusividade, etc. são utilizados por fornecedores ou fabricantes para explorar novos
mercados ou afiançar os já existentes. A sociedade que se submete a esses instrumentos
Citado por FERREIRA DE MACEDO, Controle..., p. 168.
62
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legais fica vinculada a uma relação comercial
peculiar, visto que de tais contratos surgem
deveres e obrigações que lhe impedem exercer sua atividade livremente, ficando sempre
sob a direção de outra empresa, geralmente
o fornecedor. Certamente esse acatamento
não é gratuito, receberá, em contrapartida,
uma relativa segurança de êxito comercial
fundada em estratégias de marketing, venda
de produtos exclusivos, formas especiais de
comercialização, etc. Para a empresa controladora, o sistema traz vantagem, pois não
precisa preocupar-se com a burocracia de
abrir novos locais comerciais, investimentos,
contratação de pessoal, clientela, etc.
Apresenta-se curiosa a regulamentação
brasileira acerca da concessão comercial
entre produtores e distribuidores de veículos
automotores de via terrestre, presente na Lei
nº 6.729, de 28-11-1979. O art. 16, I, estabelece a vedação para “prática de atos pelos
quais o concedente vincule o concessionário
a condições de subordinação econômica,
jurídica ou administrativa, ou estabeleça interferência na gestão de seus negócios.” A norma
é interessante porque evidencia o agir corriqueiro, no setor automobilístico, das grandes
fábricas ou montadoras de carros sobre suas
concessionárias ou filiadas, impondo-lhes
diretivas de comercialização. Infelizmente, os
fatos demonstram que a finalidade legislativa
de coibir essa prática resultou ineficiente.
Pode-se destacar outra forma de controle
comercial fora da cadeia de comercialização.
Nos últimos tempos, a realidade operacional
das empresas evidenciou uma crescente
terceirização de seus trabalhos. Quando
as empresas crescem, começam a surgir
problemas de logística, gestão, controle de
qualidade, concorrência internacional, etc.
Um dos mecanismos para fazer frente a esses
problemas é a divisão do trabalho em setores
especializados, células independentes, muitos
das quais, pela própria engenharia organizacional, podem estar, desde o ponto de vista
societário, desvinculadas da empresa matriz.
Quando essas áreas ganham autonomia,
se transformam em prestadoras de serviços
autônomas, consultoras, controladoras de
qualidade, serviços de pós-venda, etc.
Outro motivo pelo qual as empresas utilizam trabalho terceirizado é por permitir uma
redução dos conflitos trabalhistas. A uma empresa com elevado número de dependentes,
pode ser mais proveitoso diminuir o número
de funcionários em troca de alguns contratos
de prestação de serviço ou fornecimento de
material assinados com empresas alheias à
companhia-mãe. Em todos os casos, a empresa matriz exerce uma influência dominante sobre as terceirizadas, impondo diretivas gerais,
formas de prestação dos serviços, delimitando
as condições de trabalho etc. Em resumo, um
verdadeiro controle externo fruto dos vínculos
contratuais mantidos.
c) Tecnológico
Da mesma forma que no controle comercial, aqui também se utilizam mecanismos
contratuais para obter uma influência dominante numa empresa. Porém, neste caso,
com a peculiaridade de ser o fator tecnológico
a principal causa de subordinação.
Assim, as empresas que dependem para
seu exercício de know-how específico, licenças de uso ou transferências de tecnologia
condicionam sua viabilidade econômica a
duas regras: primeiro, a existência de tecnologia, patente determinante ou condicionante da
atividade empresarial; e segundo, as diretivas
da empresa detentora desses fatores à qual
a controlada se submete pela via contratual.
Inexistindo a tecnologia ou perdendo seu caráter de exclusividade, a empresa contratante
pode deixar de existir pela falta de tecnologia
ou por ausência de mercado, ou pode se
transformar numa empresa completamente
autônoma, sem nenhum tipo de dever ou
obrigação relacionado à tecnologia. Não atendendo às diretivas impostas pela fornecedora
da tecnologia, a viabilidade econômica se vê
comprometida por causa do inadimplemento
contratual.
63
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de influência dominante na assembleia geral,
estabelecido no art. 116 da Lei das S.A.. Circunstância que não prejudica a possibilidade
de o controlador ser outra pessoa jurídica, art.
243 da mesma Lei, e ainda, a possibilidade de
que o controlador e suas controladas possam
criar maiores vínculos jurídicos através da
criação de um grupo de direito.
Essa dependência tecnológica ficou claramente evidenciada no caso Power-Tech/
Matel, julgado pelo CADE47. A representante,
Power-Tech Teleinformática, denunciou a representada, Matel Tecnologia de Informática
Ltda., por se negar a vender peças de um
modelo determinado de central telefônica. O
CADE reconheceu o pedido e condenou a
representada ao pagamento de multa. Dentre
as práticas anticoncorrenciais citadas pelo
conselho, estão as previstas nos artigos 20, IV
(Exercer de forma abusiva posição dominante)
e 21, VI (Impedir o acesso do concorrente às
fontes de insumo, matérias-primas, equipamentos ou tecnologia, bem como os canais
de distribuição), ambos da Lei 8.884/94. E
como consequência verifica-se, no caso em
concreto, a existência de um poder de controle
externo tecnológico.
Também destacamos que durante a vida
de uma companhia, o poder controle pode
apresentar diversas formas. Devido à cultura
e à tradição legal brasileira, as companhias
nacionais geralmente respondem a controles
totalitários ou majoritários, sendo raros os
casos de controle minoritário ou gerencial.
Contudo, a configuração do poder não é estática. Muito pelo contrário, a própria dinâmica
dos mercados pode determinar mudanças nas
estruturas internas de poder. É por isso que a
mesma Lei das S.A. oferece uma série de ferramentas jurídicas para que essas mudanças
possam acontecer, seja de forma originária ou
derivada. Além do controle interno, também foi
caracterizada a importância crescente das formas de controle extrassocietário – o controle
externo que nasce de formas contratuais. Sem
regulamentação específica na Lei das S.A., a
influência dominante que surge dos contratos
pode dar lugar a controles de tipo financeiro,
comercial ou tecnológico, cada um com suas
respectivas qualidades.
Conclusão
O estudo do poder de controle no âmbito
jurídico é delicado. Os avanços da economia
e da ciência jurídica fizeram do poder de
controle societário um instituto complexo e de
difícil delimitação. Contudo, a radiografia feita
para o caso do direito brasileiro permite obter
algumas conclusões.
O direito de propriedade sobre ações de
sociedade anônima brasileira não confere
necessariamente a seu possuidor o poder de
comando na companhia. No Brasil, deve-se
distinguir o direito dos donos de ações (por
exemplo, o direito de fruição) dos poderes e
deveres que aparecem como consequência do
exercício do poder de comando daquelas pessoas que determinam os rumos da atividade
empresarial, isto é, os detentores do poder de
controle. Para se identificar os controladores,
utiliza-se como critério norteador o exercício
Estabelecidas as características e formas
do poder de controle, resta aos operadores
jurídicos determinar, no caso concreto, as
consequências jurídicas de sua configuração.
Seja para o estabelecimento de consequências positivas (limites de atuação, formas de
transferências, etc.) ou negativas (regime de
responsabilidade, abuso de poder, desconsideração da personalidade jurídica, etc.).
47
Processo administrativo nº 08012.000172/1998-42, conselheiro relator Celso Campilongo, data do julgamento
26 de março de 2003, 283 Sessão Ordinária do CADE. Publicação no DOU de 4-04-2003, seção 1, nº 66, p.53,
acórdão no DOU em 13-05-2003, seção 1. nº 90, p. 40. Mais informações sobre o caso In: www.cade.gov.br.
Especificamente sobre o Direito Concorrencial no Brasil: OLIVEIRA, Gesner; RODAS, João Grandino. Direito e
Economia da Concorrência. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. De forma mais abrangente, e sob uma perspectiva
comparatista: JAEGER JUNIOR, Augusto. Liberdade de Concorrência. Na União Européia e no Mercosul. São
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Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010
Repensando a Mídia
Osvaldo Biz1
Resumo: O artigo Repensando a Mídia tem por objetivo prestar algumas
informações a respeito do modo como são divulgadas certas notícias pelos “Donos
da Mídia”. Lembrar aos leitores sobre a necessidade de descobrir interesses
escondidos em muitas das informações veiculadas. Desse modo, é possível crescer
no senso de análise, buscando caminhos para uma nova comunicação.
Palavras-chave: Mídia, Consciência crítica, Concessão, Hegemonia
Abstract: The aim of the article rethinking the media is to inform about the
way in which certain news are spread by ‘media’s owners’. To recall readers over
the necessity to disclosure the hidden interests by spreading information. Thus,
it is possible to increase analyses, searching for ways towards a new kind of
communication.
Key-words: Media, Critical consciousness, Concession, Hegemony.
Introdução
Uma reflexão sobre mídia é inerente a
todas as pessoas que afirmam e reafirmam
sua cidadania, já que mídia está presente em
todos os aspectos de nossa vida cotidiana. É
fundamental não ignorá-la, bem como é premente aprofundar um olhar crítico sobre ela.
municação subjaz ao mercado. Mídia e capitalismo caminham juntos.
Herbert de Souza alerta que o capitalismo não atinge apenas a esfera da produção.
“Ele invade tudo, todas as relações. Em sua
caminhada, é como um líquido derramado:
vai molhando e penetrando por onde passa,
tingindo, sujando, encardindo.” (1990,p.6)
O que se está exigindo é o cumprimento
da Constituição Brasileira de 1988, que em
seu artigo 220, parágrafo 5º prescreve que
os meios de comunicação social não podem
direta ou indiretamente ser objeto de monopólio ou oligopólio.
Enquanto não chegam as mudanças na
legislação, urge criticar e denunciar os monopólios existentes na comunicação. Crescer
no espírito crítico é uma tarefa diária, não é
algo que nasce de forma automática.
A pergunta que a descrição deste quadro
suscita é a seguinte: onde fica a pluralidade
de informações, o contraditório, a diversidade de opiniões, o direito de dizer sua palavra,
principalmente na linha do telejornalismo,
que constitui a principal fonte de informação?
Edward Murron, na Convenção da Associação dos Diretores de Rádio e Telejornalis-
Nossa jornada diária implica movimento pelos
diferentes espaços midiáticos e para dentro e fora
do espaço da mídia. A mídia nos oferece estruturas
para o dia, pontos de referência, pontos de parada,
pontos para olhar de relance e para a contemplação,
pontos de engajamento e oportunidades de desengajamento. Os infinitos fluxos da representação da
mídia são interrompidos por nossa participação neles.
(SILVERSTONE, 2002, p.24)
No modo de produção capitalista, fundamentado no lucro, não se trata só de produzir
bens, o que pode ser considerado relativamente fácil. Há um complicador: a comercialização. Aí entra a publicidade, inserida nas
mídias que darão como retorno, a permanência de suas empresas no mercado e a possibilidade de concretizar novos negócios.
É híbrida a relação entre os donos dos
meios de comunicação e os do capital. Por
conseguinte, não é difícil concluir que a co1
Jornalista. Mestre em História e Doutor em Comunicação Social pela PUC/RS. Acadêmico de DIreito da Faculdade
Dom Bosco de Porto Alegre.
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mo, dos Estados Unidos em 15 de outubro mas verdadeiro construtor de conteúdos. De
de 1958, pronunciou uma frase muito feliz: uma mesma informação é possível apresen“Eu gostaria que a TV produzisse algumas tar resultados totalmente diferentes. Depenpílulas de coceira no lugar desta efusão sem de de quem dá “forma” a essa informação.
Ela deve localizar as contradições, os intefim de tranquilizantes”.
A informação acaba sendo apenas um resses que os proprietários defendem, uma
vez que sempre há algo
detalhe. Não existe
para ser descoberto. E
explicação sobre as
No modo de produção capitaliso receptor deve deixar
razões de determinata, fundamentado no lucro, não
de lado a ideia de ser
do acontecimento, a
se trata só de produzir bens, o
um mero leitor ou escontextualização
da
que pode ser considerado relatipectador.
notícia, a extradiscurvamente fácil. Há um complicaÉ fácil concluir ensividade e suas consedor: a comercialização. Aí entra
tão, que não existe uma
quências. Estas realia publicidade, inserida nas mímídia impressa ou eledades essenciais para
trônica, independente,
dias que darão como retorno, a
a compreensão do que
neutra, apartidária, em
permanência de suas empresas
é repassado ficam de
que o leitor é sua razão
no mercado e a possibilidade
lado. Permanecemos
de ser, como gostam
de concretizar novos negócios.
na primazia do texto,
de lembrar, continuado óbvio, do singular,
mente, os proprietários
não reconhecemos a
importância do particular, ou seja, das infor- de veículos eletrônicos.
mações a mais de que dispomos.
A educação para o espírito crítico
Os meios de comunicação podem, paraQual deve ser o nosso trabalho? Já que a
doxalmente, informar desinformando, ocultar
mostrando, em outras palavras, apresentam comunicação é composta de condições objeas notícias de variedades, de comportamen- tivas e subjetivas? Interpretar o fator subjetito, ainda assim, somente as que formam vo, observando não só o conteúdo, mas as
consenso, deixando de lado o que realmen- entrelinhas, os sinais, as marcas e pegadas
te é importante, mostrando, de acordo com deixadas, o não-dito, o indizível na vida social, a ideologia que é repassada.
Bourdieu,
Umberto Eco, um dos dez intelectuais
uma coisa diferente do que seria preciso
mais citados no mundo nos adverte: “a mídia,
mostrar caso se fizesse o que supostamente
não pode eximir-se de críticas, é condição
se faz, isto é, informar; ou ainda mostrando o
de saúde para um país democrático que ela
que é preciso mostrar, mas de tal maneira que
possa colocar-se em questão”. (2001, p.56).
não é mostrado ou se torna insignificante, ou
E Herbert de Souza segue na mesma linha
construindo-o de tal maneira que adquire sentido
que não corresponde absolutamente à realidade.
ao igualar a participação dos cidadãos na
(1997, p.24)
democracia à participação dos cidadãos na
comunicação.
Se no passado, a mídia (Silverstone,
Editar uma notícia é escolher e, essa
2002) podia ser pensada como apêndice do escolha já é uma tomada de posição. Se o
processo político e até como o quarto poder, veículo de informação não é neutro, o destiagora, a política não existe fora de uma es- natário também pode não sê-lo. Entretanto,
trutura midiática. Ela exerce, cada vez maior este precisa ter uma visão abrangente das
influência na decisão da escolha das pesso- mensagens que a ele chegam. Só assim há
as. É o que afirma Libânio:
de crescer seu discernimento o que lhe possibilitará uma interpretação crítica. A postura
A mídia cria artificialmente a imagem dos
crítica do receptor oferece condições de lopolíticos, forja-os do nada e joga-os na arecalizar as contradições, os interesses que os
na eleitoral, conseguindo elegê-los indepenproprietários da mídia defendem.
dentemente dos valores éticos, quer da pessoa do político quer dos meios para elegê-los.
A educação para a mídia é um campo vas(1995, p.29)
to de ensino e aprendizado que proporciona
a desconstrução das mensagens veiculadas
O jornalista não é apenas transmissor,
68
Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010
homens públicos frente à realidade brasileira
como fica?
Entretanto, a existência dos “reality Shows” pode suscitar outras considerações. As
regras do jogo podem ser comparadas às do
próprio sistema capitalista e a doutrina neoliberal que grassa na sociedade mundial. Vale
a competitividade, o individualismo, em que
a tônica é a eliminação do concorrente. Ninguém deve ser ajudado.
Se não foi possível vencer, é porque faltou-lhe empenho. O importante é começar de
novo. Mais adiante você poderá triunfar. Este
é, na verdade, o grande chamariz e sedução
do Neoliberalismo. Todos têm oportunidade
de vencer. Desaparece, então, o que poderia ser o contraponto às regras capitalistas:
a solidariedade, uma vez que a luta é pela
exclusão dos concorrentes.
Este formato de programa pode suscitar
outras considerações.
Segundo o Geógrafo e colunista da Folha
de São Paulo, Demétrio Magnoli.
pelos meios de comunicação, de modo a
oportunizar a compreensão de como se opera a formação de opinião, gostos e valores.
Frente a uma sociedade que aparece
pronta, acabada, entra a necessidade da
análise, da capacidade que o indivíduo tem
de intervir, de interpretar, para provocar as
mudanças. Com tal postura, novas alternativas se abrem à prática histórica.
Na festa literária Internacional de Paraty,
Rio de Janeiro, no ano de 2003, o historiador inglês Eric Hobsbawm insistiu em olhar
a história de modo global. Para ele, narrar os
fatos que ocorrem sem referir, minimamente,
as razões que os constituem é tomar o todo
pela parte, é destituí-los de sua natureza
complexa.
A mídia (Natali, 2004) delicia-se com celebridades e não com personalidades. A celebridade vira um “fetiche”, “ídolos” e atrai leitores e telespectadores, ávidos por fofocas.
É a pauta única de determinadas revistas especializadas e das colunas sociais, preocupadas muito mais em falar do comportamento das pessoas, das cirurgias plásticas, das
colunáveis siliconadas, dos novos namoros
de atores, atrizes, modelos2. Vale o glamour,
as extravagâncias, a superficialidade.
A vida privada virou consumo público.
Um dos exemplos clássicos é o programa da
Rede Globo “Big Brother”. Os “atores” saem
do anonimato de suas vidas privadas para
expô-las publicamente. Não há passado. O
futuro é desconhecido. Vale o presente. E
um pouco mais adiante, voltam para o anonimato, donde saíram. A imprensa brasileira
parece uma imensa coluna social.
É lamentável que informações sobre
comportamento, celebridades, novelas, variedades, “reality Shows” ganhem grandes
espaços na mídia, que sejam esperadas e
consumidas com avidez pelo público, a ponto de levá-lo à excitação. Este mundo é o da
superficialidade.
O mesmo vale para atividade política. A
mídia se preocupa com a vida privada dos
detentores do poder; e sua atividade como
2
O sucesso dos “reality shows”, medido pela audiência como pela crescente complacência dos intelectuais, parece indicar uma crise profunda do mundo
privado e um esgarçar da noção de intimidade. O fenômeno não pode ser isolado do recuo geral da privacidade, nessa época de fabricação midiática de celebridades efêmeras e despudoradas, de vigilância eletrônica de hábitos, gostos e preferências, de comercialização empresarial de dados pessoais. Mas ele ocupa
um lugar de vanguarda nessa ofensiva da barbárie.
(2005, A2)
O que chama também atenção neste
Programa é o interesse pelo público em participar através de telefonemas para confirmar ou retirar do Programa (paredão) o seu
amigo ou desafeto. Milhões de ligações são
feitas, colaborando ainda mais com o caixa
da Rede Globo. Afinal, em determinados momentos do Big Brother 5, as ligações ultrapassaram a casa dos 22 milhões.
Na interatividade pós moderna do “Big Brother”, todos os antigos atos do otário foram reunidos do impulso emotivo único de digitar teclas
de telefone. A rapinagem é direta, implacável,
Dados da Ipson/Marplan, empresa especializada em estudos de marketing e consumo mostram quais são os
principais grupos consumidores: Pelo menos 38% da população brasileira com mais de 13 anos tem interesse
por gente famosa. 12% da população pesquisada tem o hábito de ler revistas de celebridades/fofocas. Mulheres
(74%), as classes A e B (54%) e pessoas de 20 a 34 anos (39%). Folha de São Paulo, São Paulo, 8 de junho de
2004, E6.
69
Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010
brutal. Existem leis contra isso, e temos até um
Ministério da Justiça. Mas quem se importa.
(MAGNOLI, 2005, E4)
também na mídia.
Na análise das instituições duas teorias
se notabilizam: a teoria positivista-funcionalista para a qual o máximo que podemos
fazer é tirar uma radiografia da sociedade,
descrevê-la como é, como funciona, mas a
partir de si mesma; e a teoria histórico-crítica,
que além de nos mostrar como se estrutura,
traz elementos que nos faz compreender por
que ela é assim. Procura buscar as causas.
Temos, então, a infra-estrutura, capital e
trabalho, e as superestruturas representadas
pela família, escola, igrejas, meios de comunicação. São desejos, ideias, aspirações
pensados pelos responsáveis destas instituições, que, até certo ponto se materializam
e reproduzem determinadas formações sociais.
Mas essas instituições nunca se cristalizam de maneira absoluta. Contêm sempre
um espaço de contradição, apesar de se tornarem hegemônicas e, até certo ponto, estáveis dentro de um determinado grupo. No
caso em foco, a mídia, é uma instituição que
responde às tensões existentes na estrutura dessa sociedade, representando, como
regra geral, os interesses e os valores dos
grupos dominantes.
A tolerância e a aceitação das diferenças
são princípios de uma democracia. Ora, é
sabido que os grupos mais poderosos encontram espaços para difundir suas ideias,
já que o rosto da mídia é o poder. E a população como fica? Daí a necessidades de
se buscar outros caminhos para a comunicação, que combata a intolerância com os excluídos em nível econômico, político e cultural. É urgente radicalizar quando o objetivo
é a publicação de uma imprensa alternativa, um jornal de bairro, por exemplo. A
divulgação de jornais alternativos - sejam
semanais, quinzenais, mensais, e seus
empreendedores - é inerente ao processo
democrático.
Mas isto não é de estranhar, numa sociedade que se preocupa muito mais em conhecer e falar sobre as celebridades, ler revistas especializadas que tratam da área do
comportamento das pessoas, das plásticas
feitas, das colunáveis siliconadas, dos novos
namoros de atores, atrizes, modelos.
Magnoli critica aquilo que ele chama de
crescente complacência dos intelectuais, a
respeito do sucesso dos “reality shows”. O
jornalista está chamando a atenção sobre
aquilo que parece ser uma unanimidade. Na
verdade, está faltando reflexão, função principal de um intelectual. O “Big Brother’ é a
inversão das coisas. Eles não estão na televisão por serem importantes. É o contrário.
Eles são celebridades porque estão aparecendo na televisão .
Responsabilidade social da Mídia
A mídia constrói a realidade. As pesquisas
mostram que mais de oitenta por cento de
tudo o que as pessoas falam durante o dia,
seja no trabalho, no trânsito, em casa, é pautado pela mídia. Os meios de comunicação
são os que dão a agenda da discussão como
também a suprimem. O que não está na mídia não está no mundo. Ela exerce cada vez
maior influência na decisão das escolhas das
pessoas. O que significa que determinados
assuntos não chegam a se constituírem em
realidade.
A Responsabilidade social pode ser definida como a consciência e a prática das
dimensões políticas e éticas. No desenvolvimento das comunicações é possível constatar a falta, muitas vezes, da ética, que de
acordo com Márcio Fabri dos Anjos (1996)
deve ser compreendida como uma instância
crítica e propositiva.
Se observamos como a realidade é mostrada na mídia, verificamos que ela é apresentada como algo acabado, pronto, absolutizado, invariável, desenraizado do passado,
sem antecedentes. Necessário se faz então,
a busca de ações e relações objetivando dar
respostas a uma nova visão de homem, de
sociedade, do agir humano e das suas transformações. Por isso, a ética é imprescindível
Estudar a mídia é torná-la mais inteligível.
Progredir na análise de conjuntura é observar as articulações e as dimensões locais, regionais, nacionais dos fenômenos midiáticos,
dando-se conta como os meios de comunicação funcionam. O objetivo é provocar uma
intervenção, ou seja, propor o surgimento de
70
Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010
uma nova sociedade, mais justa, mais democrática, mais igualitária, mais participativa.
NATALI, João Batista. Jornalismo Internacional. São Paulo: Contexto, 2004.
Referências
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Repensar a reforma- reformar o pensamento.
3.ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001.
______. Para Sair do Século XX. Tradutora: Vera de Azambuja Arvey. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 1986.
71
Ciências Tecnológicas
Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010
Uso de telhados verdes no controle quantitativo
do escoamento superficial urbano
Andréa Souza Castro1
Joel Avruch Goldenfum2
Resumo: Os telhados verdes são estruturas que se caracterizam pela aplicação
de cobertura vegetal nas edificações, utilizando impermeabilização e drenagem
adequadas. Os telhados verdes são estruturas que surgem como uma alternativa
de cobertura capaz de proporcionar várias vantagens sobre as coberturas convencionais, dentre as principais podemos citar: diminuição da água de escoamento
que seria direcionada ao pluvial, melhoria nas condições de conforto ambiental das
edificações e visual paisagístico. O presente artigo procura avaliar o escoamento
superficial proveniente de um experimento composto por quatro módulos. Neste
estudo é feita uma comparação entre telhado e terraço com a utilização de cobertura
vegetal e terraço e telhado convencional.
Os resultados preliminares mostram que para os eventos estudados, os telhados
verdes conseguiram reduzir o escoamento superficial em 50% para o telhado e em
100% no terraço, para as primeiras três horas após o início da chuva. Após seis
horas após o início da chuva, a eliminação do escoamento superficial ocorre em 50%
dos eventos no telhado e de 63% no terraço. Passando 12 horas do início da chuva,
a cobertura verde continua retendo o escoamento superficial, sendo os valores de
25% no caso do telhado e 63% no terraço.
Os dados preliminares indicam que os usos de coberturas vegetais podem proporcionar uma melhor distribuição do escoamento superficial, diminuição da velocidade
de liberação do excesso de água e redução nos volumes escoados.
Palavras-chave: Telhados verdes, Escoamento superficial.
Abstract: Green roofs are structures that use plant coverage in buildings, including
appropriate waterproofing and drainage devices. These structures that can provide
several advantages compared to the conventional roofs, including: reduction of the
water flow that would be directed to pluvial dranage systems; improvement of building environmental conditions; amelioration of visual landscape of the buildings. The
present article seeks to assess the runoff from an experimental green roof structure
comprised of 4 modules. A evaluation of inclined roofs and terraces, comparing the
use of plant cover and conventional roof, is presented. Preliminary results show that,
for the studied events, the green roofs were able retain up to 50 % of the runoff on the
inclined roofs and 100% reduction on the terrace, for the first 3 hours after the onset
of rain. After 6 hours of the start of rainfall, 50% of runoff reduction was observed on
the inclined roofs, and 63% in the terrace. After 12 hours of the rainfall start, green
coverage continues retaining the runoff, with 25% reduction in the case of inclined
roofs and 63% in terrace. Preliminary data indicates that the uses of green roofs can
provide a better distribution of runoff, slow release of excess water and reduction in
the disposed volumes.
Key-words: Green roofs, Run-off
1
2
Aluna de Doutorado do Programa de Pós-Graduação em Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, Professora da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre.
Professor Adjunto do Instituto de Pesquisas Hidráulicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Project
Manager - Greenhouse Gas (GHG) Research International Hydropower Association.
75
Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010
Introdução
Mentens et al. (2006), Connelly e Liu (2005),
A urbanização que ocorre com o cresci- Wan Woert et al. (2005), Villarreal (2005), Momento das cidades provoca uma diminuição ran (2004); Simmons et al. (2008) citam o uso
na cobertura vegetal, modificando o ciclo de telhados verdes no controle do escoamento
hidrológico, através de alterações nas quan- superficial.
Mas, pouco se conhece sobre o efeito
tidades de água envolvidas nos processos
dos telhados verdes sobre o
constituintes do ciclo. O amescoamento pluvial no Brasil.
biente impermeabilizado passa
Os telhados verdes
Sendo assim, é de extrema
a direcionar maior parcela de
são estruturas que se
importância o estudo para
água pluvial a um escoamento
caracterizam pela apliverificar a aplicabilidade e os
superficial, dada a redução
cação de cobertura veefeitos dessas estruturas no
da interceptação vegetal, ingetal nas edificações.
escoamento superficial urbano.
filtração e evapotranspiração
pela retirada da sua proteção
Objetivos
natural. A consequência deste processo é um
Este trabalho tem como objetivo verificar a
aumento nos volumes escoados, ao mesmo
efi
ciência
do uso de telhados verdes no contempo em que ocorre a redução do tempo de
trole
quantitativo
do escoamento superficial
concentração, provocando assim hidrogramas
urbano.
de cheias cada vez mais críticos.
Os telhados verdes são estruturas que se
Materiais e Métodos
caracterizam pela aplicação de cobertura veO módulo experimental telhado verde foi
getal nas edificações. Consistem basicamente
instalado
no IPH/UFRGS. É um dispositivo
em uma camada da vegetação, uma camada
composto
por quatro módulos de 4 m2 cada,
de substrato (onde a água é retida e a vegetasendo
a
estrutura cedido pela empresa
ção é escorada) e uma camada de drenagem
©
. A figura 1 mostra o módulo
Ecotelhado
responsável pela retirada da água adicional.
experimental.
Os telhados verdes são estruturas que
surgem como uma alternativa de cobertura
capaz de proporcionar várias vantagens sobre
as coberturas convencionais. Dentre as principais podemos citar: controle do escoamento
superficial; melhoria nas condições de conforto
ambiental das edificações e visual paisagístico;
proteção do telhado contra a luz do solar e
grandes flutuações de temperatura, melhorando assim a vida útil do telhado.
Os efeitos dos telhados verdes no escoamento superficial consistem em: diminuição da
água de escoamento que seria direcionada ao
pluvial, já que o telhado verde é composto por
Figura 1 – Módulo experimental instalado
plantas que têm a capacidade de reter água
no IPH/UFRGS.
e atraso no pico do escoamento, pois ocorre
absorção da água no telhado verde.
Os módulos que constituem o experimento
Algumas desvantagens podem surgir com a são:
adoção de coberturas verdes, tais como: custo
• Módulo horizontal com telhado verde
de implantação, problemas de infiltração e
(terraço);
umidade (caso o sistema não seja aplicado de
• Modulo horizontal sem telhado verde
forma correta), aumento de carga na estrutura
(terraço);
da edificação.
• Módulo com declividade de 15o (graus)
Esse tipo de tecnologia está sendo usado
com presença de telhado verde (telhado);
em diversos países na Europa e Estados
• Módulo com declividade de 15o (graus)
Unidos, onde é adotado não só em empreendisem presença de telhado verde (telhado).
mentos residenciais como também comerciais
Neste experimento um módulo de telhae industriais. Vários autores internacionais, do e um módulo de terraço são constituídos
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Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010
vatório irá captar o excesso de água que
não é retido pelas plantas. Já no lado que
simula um telhado convencional a água captada será a que escorre diretamente para
o sistema público de águas pluviais. Sendo
assim será possível fazer o balaço hídrico
para verificar a eficácia da estrutura na retenção de água da chuva. Uma visão geral
do experimento é apresentada na figura 3.
por ecotelhas. Além das ecotelhas, o módulo
do telhado verde é composto por duas membranas, uma para a retenção de água e nutrientes e outra antirraízes. A membrana para
a retenção de raízes é colocada abaixo da
membrana de retenção de água e nutrientes.
A figura 2 mostra em detalhe a instalação
da ecotelha, que se encontra entre a membrana para retenção de água e nutrientes e
membrana para a retenção de água.
Figura 2 – Instalação do telhado verde no
IPH/UFRGS.
Figura 3 – Cobertura verde instalada no
IPH/UFRGS
A ecotelha é um conjunto formado por
substrato rígido, um substrato leve e as
plantas. Agrega nutrientes essenciais que
proporcionam retenção de água e drenagem do excedente. Cada ecotelha possui
35 cm de largura, 68 cm de comprimento e 6 cm de espessura. A ecotelha já vem
plantada e enraizada, pronta para o uso.
Neste experimento, para cada módulo existem dois reservatórios de coleta de
água com capacidade de 200 litros cada. O
primeiro reservatório está ligado diretamente através de tubulações a um dreno. Este
dreno está localizado na parte mais baixa
do módulo, para que a água seja conduzida por gravidade ao primeiro reservatório.
O segundo reservatório foi interligado ao
primeiro, para servir como vertedouro no
caso de o primeiro reservatório extravasar.
Sensores de níveis ligados a um datalloger estão instalados no primeiro reservatório, permitindo assim que se monitore a
quantidade de água da chuva que o telhado verde consegue segurar, além do tempo
em que começa o escoamento do mesmo.
No lado que possui a ecotelha, o reser-
Resultado e Discussão
Análise quantitativa
Para o presente estudo foram analisados o comportamento da estrutura para oito
eventos de precipitação durante os meses
de maio a setembro de 2008. Os dados sobre as características de cada evento, tempos para o início do escoamento e os volumes acumulados nos reservatórios para
os quatro módulos experimentais são mostrados nas tabelas 1 e 2. Na análise dos
eventos de chuva, o presente artigo avalia
comportamento da cobertura vegetal até as
primeiras 12 horas do início da chuva. Logo,
a intensidade média da chuva apresentada
na tabela 1 foi calculada também para as
primeiras 12h de precipitação. A exceção
ocorreu nos eventos dos dias 20/06/2008 e
01/08/2008 (duração da precipitação menor
que 12h), nos quais a média apresentada na
tabela 1 é a precipitação média do evento.
As tabelas 3, 4 e 5 apresentam os valores dos volumes escoados na estrutura após 3, 6 e 12 horas do início da chuva.
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Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010
Tabela 1 – Características da precipitação para os seis eventos estudados.
Data do Evento
Início da Chuva
Total Prec. (mm)
28/05/2008
07/06/2008
20/06/2008
20/07/2008
27/07/2008
01/08/2008
16/08/2008
05/09/2008
13h
13h55
6h
5h
3h55
21h40
13h40
4h
66,33
71,58
11,87
21,44
139,54
38,30
72,70
100,37
Duração totak da
chuva (h:mm:seg)
34:55:00
55:00:00
05:30:00
48:00:00
71:50:00
8:00:00
71:40:00
33:10:00
Tabela 2 – Horário de início do escoamento superficial e tempo para início do escoamento do início da chuva para os 4 módulos experimentais.
Data do Evento
28/05/2008
07/06/2008
20/06/2008
20/07/2008
27/07/2008
01/08/2008
16/08/2008
05/09/2008
Início do escoam. c/ telhado verde
Terraço
Telhado
17h40 (4:40:00)
14h40 (1:40:00)
2h40 (12:45:00)
15h20 (0:25:00)
S/ escoamento
S/ escoamento
S/ Escoamento
7h35 (2:35:00)
15h40 (12:05:00)
14h15 (10:40:00)
1h30 (3:50:00)
0h25 (2:45:00)
17/08/2008
17/08/2008 15h05
15h10 (25:30:00)
(25:25:00)
15h20 (11:20:00)
9h45 (5:45:00)
Início do escoam. s/ telhado verde
Terraço
Telhado
13h10 (00:10:00)
13h10 (00:10:00)
14:00:00 (00:05:00)
15h (01:05:00)
6h05 (0:05:00)
6h05 (0:05:00)
5h10 (0:10:00)
5h10 (0:15:00)
3h40 (0:05:00)
1h15 (4:50:00)
21h50 (10min)
23h20 (1:40:00)
14h15 (00:35:00)
14h20 (00:40:00)
4h00 (0:00:00)
4h05 (0:05:00)
Tabela 3 – Volumes escoados nos 4 módulos experimentais após 3
horas do início da recipitação.
Intensidade da
para as
Data do Evento chuva
primeiras 3hs
(mm/h)
28/05/2008
6,27
07/06/2008
2,95
20/06/2008
3,28
20/07/2008
1,68
27/07/2008
0,75
01/08/2008
5,84
16/08/2008
2,78
05/09/2008
1,26
Dias antecedentes sem
chuva
14
4
5
11
4
1
3
11
Vol. Escoado (mm) após 3h (c/
cobertura verde)
Terraço
0
0
0
0
0
0
0
0
78
Vol. Escoado (mm) após 3h
(s/cobertura verde)
Telhado
Terraço
Telhado
4,53
12,76
6,26
13,20
3,11
7,12
3,90
1,71
11,51
6,32
3,13
0,58
0
0,16
0
0,29
0
0
7,02
3,31
1,36
12,07
6,21
3,02
Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010
Tabela 4 – Volumes escoados nos 4 módulos experimentais após 6
horas do início da precipitação.
Intensidade da
para as
Data do Evento chuva
primeiras 6h
(mm/h)
28/05/2008
7,37
07/06/2008
2,28
0
(evento
já
20/06/2008
finalizado)
20/07/2008
0,84
27/07/2008
0,38
01/08/2008
6,09
16/08/2008
1,39
05/09/2008
1,77
Dias antecedentes sem
chuva
Vol. Escoado (mm) após 6h (c/
cobertura verde)
Vol. Escoado (mm) após 6h
(s/cobertura verde)
Terraço
Telhado
Terraço
Telhado
14
4
3,75
0,
21,09
7,39
28,03
10,52
28,69
10,69
5
0
0,
8,50
8,56
11
4
1
3
11
0,12
0,
0
0
2,04
0,
0,14
3,68
1,89
25,15
6,27
8,88
3,89
1,95
24,68
6,26
8,80
7,.67
0,
0
Tabela 5 – Volumes escoados nos 4 módulos experimentais após 12
horas do início da precipitação
Intensidade da
para as
Data do Evento chuva
primeiras 12h
(mm/h)
28/05/2008
4,19
07/06/2008
1,35
20/06/2008
20/07/2008
27/07/2008
01/08/2008
16/08/2008
05/09/2008
0 (evento já
finalizado)
0,74
2,52
0 (evento já
finalizado)
0,74
3,16
Dias antecedentes sem
chuva
Vol. Escoado (mm) após 12h
(c/cobertura verde)
Vol. Escoado (mm) após 12h
(s/cobertura verde)
Terraço
Telhado
Terraço
Telhado
14
4
4,61
0
27,16
10,79
31,52
11,36
32,33
10,74
5
0
0
8,68
8,62
11
4
0
0
0,57
8,91
6,28
19,33
6,79
20,26
2
9,84
2,50
26,27
25,74
3
11
0,
2,21
0
16,66
6,39
27,34
6,46
27,64
Os resultados preliminares do módulo
terraço com cobertura vegetal mostram
que, para os oito eventos estudados não
houve escoamento superficial nas primeiras
três horas após o início da chuva. Já para
o módulo telhado com cobertura vegetal,
houve escoamento superficial nas primeiras
três horas após o início da chuva somente
para quatro eventos, sendo os volumes
escoados bem menores em comparação
com um telhado sem cobertura vegetal.
Após seis horas do início da chuva
ocorreu escoamento superficial no terraço
com cobertura vegetal somente para
três eventos. Já para o telhado, houve
escoamento superficial para quatro eventos
após seis horas do início da chuva.
Após 12 horas do início da chuva, o
terraço com cobertura vegetal continua
retendo todo o escoamento superficial em
63% dos eventos analisados. Já o telhado
retém a totalidade do escoamento em 25%
dos eventos. Os volumes escoados no
módulo telhado com cobertura vegetal são
ligeiramente maiores do que no terraço com
cobertura vegetal em 63% dos eventos que
79
Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010
geram escoamento após 12hs do início da de coberturas vegetais pode proporcionar
uma melhor distribuição do escoamento
chuva.
Os resultados preliminares mostram que, superficial ao longo do tempo através da
para os eventos estudados, os telhados e diminuição da velocidade de liberação
terraços com cobertura vegetal têm uma do excesso de água retido nos poros do
redução no escoamento superficial de até substrato. Além disso, os dados demonstram
50 e 100% respectivamente nas primeiras uma redução no volume de água escoado, já
três horas após o início da chuva. Já seis que o telhado verde é composto por plantas
horas após o início da chuva, a redução no que têm a capacidade de reter água.
Para os oito eventos analisados, a
escoamento superficial diminui, com uma
taxa de 63% a 100% no terraço e de 50 a intensidade da chuva parece ter maior
influência nos volumes de
100% no telhado, dependo
escoamento superficial se
do evento de chuva.
Os dados demonstram uma
comparados com os dias
Após 12 horas após
redução no volume de água
antecedentes sem chuva.
o início da chuva, houve
escoado, já que o telhado verde
redução da capacidade de
é composto por plantas que
retenção do escoamento,
Agradecimentos
têm a capacidade de reter água.
para o telhado e terraço.
Ao CNPq que concedeu
Mesmo assim, a cobertura
financiamento da pesquisa,
verde retém a totalidade do escoamento bolsa de doutorado à primeira autora (Andréa
superficial em 25% dos eventos analisados Souza Castro) e bolsa de produtividade em
no telhado e em 63% no terraço.
pesquisa para o segundo autor (Joel Avruch
Para os oitos eventos analisados, os Goldenfum). Daiane M. Lino contribuiu para
dias antecedentes sem chuva parecem não o trabalho e recebeu bolsa de iniciação
contribuir pra a diminuição dos volumes científica da FAPERGS.
escoados. Os eventos que possuem os
maiores números de dias antecedentes
Referências
sem chuva não correspondem aos menores
CONNELLY, M.; LIU, K. 2005. Green roof
volumes de escoamento superficial.
research in british Columbia - an overview.
Nas primeiras três horas do início da In: Greening rooftops for sustainable
chuva, a intensidade média parece não ter communities, 2005, Washington, dc.
influencia nos volumes escoados superficialmente. É importante considerar que para os
MENTENS, J.; RAES, D.; HERMY, M.
eventos analisados a intensidade média de (2006). Green roofs as a tool for solving the
chuva (3h do início da chuva) foi menor do rainwater runoff problem in the urbanized
que 7 mm/h. A influência da intensidade mé- 21 st century? Landscape and Urban
dia da chuva passa a ser percebida a partir Planning. Amsterdam, v. 27, p.217-226.
das 12h do início da chuva, quando as maiores intensidades correspondem aos maiores
MORAN, Amy Christine. (2004). A North
volumes acumulados.
Carolina field study to evaluate greenroof
runoff quantity, runoff quality, and plant
growth. 300f. Dissertação (Mestrado
Conclusões
Os dados indicam que terraços e telhados em Biological Agricultural Engineering) –
com cobertura vegetal fazem um controle Graduate Faculty of North Carolina State
adequado do volume de escoamento University, Raleigh.
superficial, mesmo passando 12 horas do
início da chuva.
SIMMONS, Mark T.; GARDINER, Brian;
Os resultados sugerem um melhor WINDHAGER, Steve; TINSLEY, Jeannine
desempenho hidrológico dos terraços em (2008). Green roofs are not created equal:
relação aos telhados na maioria dos eventos the hydrologic and thermal performance
estudados. Isso indica que a inclinação do of six different extensive green roofs and
telhado pode ter influência nos volumes reflective and non-reflective roofs in a subtropical climate. Urban Ecosystems. v.11,
escoados.
Os dados preliminares indicam que o uso p. 339–348.
80
Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010
VAN WOERT, N. D.; ROWE, D.
B.; ANDRESEN, J. A.; RUGH, C. L.;
FERNANDEZ, R. T.; XIAO, L. 2005. Green
Roof Stormwater Retention: Effects of Roof
Surface, Slope, and Media Depth. Journal of
Environmental Quality. v. 34, p. 1036-1044.
VILLARREAL, E. L.; BENGTSSON,
L. 2005. Response of a sedum greenroof to individual rain events. Ecological
Engineering. n. 25, p. 1–7.
81
Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010
Tratamento de chorume de aterro empregando
a drenagem ácida de minas como fonte de ferro
para a reação de Fenton
R.M.S. Fagundes1
J.C.S.S. Menezes1
I.A.H. Schneider1
Resumo: Este trabalho teve como objetivo verificar a eficiência do processo Fenton
(H2O2/Fe) no tratamento do lixiviado do aterro sanitário de Campo Bom – Vale do
Sinos utilizando uma solução de drenagem ácida de minas (DAM) como fonte de
ferro. Foram realizados ensaios considerando diferentes misturas de chorume
e DAM, com e sem a adição de H2O2. O efeito de coagulação, em ambos os
casos, melhorou as características do efluente em termos de carga orgânica e
nutrientes. Porém, quando foi adicionado o H2O2 (Reação de Fenton), o efluente
final apresentou melhores resultados em relação a cor, COT (Carbono Orgânico
Total) e, principalmente, em termos de bactérias do grupo coliforme. Os resultados
demonstram que a drenagem ácida de minas, especialmente as mais concentradas
e ricas em Fe+2, podem ser empregadas a baixo custo como fonte de ferro para a
Reação de Fenton
Palavras-chave: Drenagem ácida de minas, Lixiviado de aterros sanitários, Reação
de Fenton, Tratamento de efluentes.
Abstract: The aim of this work was to study the treatment of landfill leached
in the Vale dos Sinos - RS using the acid mine drainage (AMD) as a source of
iron for Fenton´s Oxidation Process (H2O2/Fe). The experiments were carried
out considering different levels of mixture of the wastewater and AMD, with and
without the addition of H2O2. The coagulation effect, in both situations, improved the
wastewater characteristics in terms of organic load and nutrients. However, when
the H2O2 was added (Fenton´s Reaction), the final effluent showed better results in
terms of collor, COT and bacteria of the coliform group. The results demonstrates
that the AMD, especially the most concentrated and rich in Fe+2 , can be used as low
cost source of iron for the Fenton´s Reaction.
Key-words: Acid mine drainage, Municipal landfill leachate, Fenton´s Reaction,
Wastewater treatment
1
LEAmet - Laboratório de Estudos Ambientais para a Metalurgia. Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Minas,
Metalúrgica e Materiais - Centro de Tecnologia - Campus do Vale - Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
E-mails: [email protected], [email protected], [email protected]
83
Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010
2,8 V (Metcalf & Eddy, 2006).
Introdução
A disposição de resíduos sólidos
(1)
urbano em aterros sanitários é uma prática
bastante comum em países desenvolvidos e
A fonte mais utilizada para dosagem de
subdesenvolvidos. Devido à própria natureza
dos resíduos, com grande quantidade de Fe2+ é o sulfato ferroso - FeSO4 (Barros et
matéria orgânica e em função das infiltrações al., 2005; Lee e Shoda, 2007). Entretanto, ao
de água nestes aterros, uma variedade considerar a alta concentração de ferro (total
de poluentes orgânicos e
e na forma de iônica Fe2+)
inorgânicos é dissolvida
em águas provenientes da
O objetivo do presente trae transportada, gerando
drenagem ácida de minas
balho foi estudar o tratao
chamado
percolado
(DAM), é de interesse
mento de um chorume de
de aterro sanitário ou,
científico e ambiental a
aterro sanitário via processimplesmente, chorume. As
avaliação do uso de DAM
sos Fenton, utilizando a DAM
características do chorume
como fonte de Fe2+ no
2+
como fonte de Fe total e Fe .
gerado variam em função
tratamento de efluentes via
do regime pluvial, do clima
processo Fenton.
da região, da idade do
Assim, o objetivo do
aterro, da composição do resíduo (maior ou presente trabalho foi estudar o tratamento de
menor quantidade de matéria orgânica), das um chorume de aterro sanitário via processos
condições hidrogeológicas e de operação do Fenton, utilizando a DAM como fonte de Fe
aterro.
total e Fe2+. Avaliou-se a redução de carga
O tratamento do chorume em plantas orgânica (DBO5 e DQO) e desinfecção
de tratamento clássicas é raramente (coliformes totais e Escherichia Coli) do
praticado devido à natureza e concentração chorume e a possível concentração residual
dos poluentes presentes (DQO elevada, de metais pesados.
baixa biodegradabilidade, metais pesados,
patogênicos, etc. – Tzaoui et al., 2007).
Materiais e Métodos
Os tratamentos empregados hoje utilizam
A amostra de chorume foi coletada no
combinações dos seguintes processos: Aterro Sanitário do Município de Campo
coagulação/floculação,
biológico
– Bom (Figura 1). Neste aterro, o chorume
anaeróbicos e aeróbicos, oxidação, oxidação gerado no aterro é armazenado em lagoas,
avançada, membranas, recirculação do o que permite um processo de biodigestão.
chorume ao aterro, banhados construídos, Quando a lagoa encontra-se no limite
entre outros. A escolha de um fluxograma de de sua capacidade, o chorume é tratado
tratamento depende principalmente do custo por coagulação e descartado. A amostra
de operação e investimento (custo efetivo) e empregada no presente trabalho foi retirada
da legislação ambiental local.
da lagoa de armazenamento, preservada
Tratamentos oxidativos e oxidativos a 4oC e utilizada nos experimentos em um
avançados são atrativos para o tratamento período inferior a 24 horas da coleta.
de chorume devido ao potencial de oxidação
A DAM utilizada é proveniente de drenagem
da matéria orgânica e de diminuição da de área de mineração de carvão na região de
presença de patogênicos. Ainda, estes Criciúma - SC e foi caracterizada quanto a pH
processos têm sido utilizados em conjunto e metais pesados. A determinação da fração
com outros processos como pré e pós- de Fe total e na forma de Fe2+ foi realizada
tratamento de chorume (Zhang et al., 2006).
pelo método titulométrico de dicromato de
Entre os processos oxidativos avançados potássio (Jeffery et al, 1989).
o processo Fenton se destaca devido ao
O reagente H2O2 (32-36,5%) fornecido
baixo custo efetivo e facilidade operacional pela Nuclear® foi utilizado na reação de
(Lee e Shoda, 2007). Durante a reação Fenton. H2SO4 e NaOH a 5% foram utilizados
Fenton, peróxido de hidrogênio é catalisado no ajuste do pH.
em meio ácido (pH 3-5) por íon ferroso para
Os ensaios de tratamento do chorume
produzir radical hidroxila (equação 1), que iniciaram com a caracterização da DAM
apresenta elevado potencial de oxidação – utilizada como fonte de ferro. A dosagem de
84
Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010
Fe total necessária para eficiente coagulação/
precipitação e clarificação do chorume foi
definida em 1000 mg.L-1. O tratamento foi
realizado utilizando alíquotas de 1 L e foram
divididos nas seguintes etapas:
Coagulação Simples: (a) adição de DAM
na dosagem de 1000 mg.L-1 e ajuste do pH
foi tratada com ácido fosfórico 1 M à pH 2
e gás oxigênio para eliminação do carbono
inorgânico. As demais análises, DBO, DQO,
N, P, Fe total, Al total, Mn total e Zn total foram
realizadas seguindo metodologia indicada
pelo Standard Methods for the Examination
of Water and Wastewater (APHA, 2005).
Resultados e discussão
Caracterização do Chorume e da DAM
A Tabela 1 apresenta os resultados
das análises químicas realizadas para
caracterização do chorume e da DAM. A
carga orgânica do chorume (DQO) é bastante
elevada e a biodegradabilidade (DBO/DQO
= 0,3) bastante baixa. Estas características
apontam para provável baixa eficiência de
tratamento por processos biológicos - lodo
ativado, por exemplo (Russell, 1943). A DAM
apresenta baixo pH e altíssima concentração
de Fe total. A razão Fe2+/Fe total é próxima
a 65 %, fazendo esta DAM um reagente
bastante interessante como insumo do
processo Fenton.
Figura 1 – Aterro Sanitário do Município de
Campo Bom.
Fonte: Prefeitura de Campo Bom.
para 3,5; (b) agitação em jar-teste por 3
horas; (c) ajuste do pH à 8,7; (d) separação
sólido/líquido por filtração (papel filtro de 8
µm).
Reação de Fenton: (a) adição de DAM
na dosagem de 1000 mg.L-1, ajuste do pH
para 3,5 e adição de H2O2, com razão H2O2/
Fe2+ previamente definida em 0,0825 g Fe2+/
mL H2O2 (Barros et al., 2005); (b) agitação
em jar-teste por 3 horas; (c) ajuste do pH à
8,7; (d) separação sólido/líquido por filtração
(papel filtro de 8 µm).
Análises físico-químicas foram realizadas
no efluente bruto e tratado. As análises
de tubidez, cor e pH foram realizadas,
respectivamente, com as técnicas de
nefelometria (NTU), colorimetria (Hz) e
membrana de íon seletivo. A concentração
residual de H2O2 foi estimada com uso de
teste de tiras – QUANTOFIX® Peroxide 100
(0 – 100 mg.L-1). A massa de lodo gerada
em cada ensaio foi avaliada por diferença
de massa do papel filtro (8 µm) antes e
após filtragem. O filtro foi pesado à massa
constante. A determinação do carbono
orgânico total – COT foi realizada com a
transformação do carbono da amostra, em
chama ionizante, a CO2 e a concentração
obtida por leitura em espectrofotômetro UV.
A amostra, volume de 500 µL, primeiramente
Tabela 1 – Características do chorume e
da DAM
Parâmetros
pH
S.Suspensos,
mg.L-1
DBO, mg.L-1
DQO, mg.L-1
COT, mg.L-1
Col.Totais
Sulfato total, mg.L-1
N, mg.L-1
P, mg.L-1
Zn, mg.L-1
Al, mg.L-1
Mn, mg.L-1
Fe total, mg.L-1
Fe2+, mg.L-1
Chorume
DAM
7,37
44
1,07
0,0
979
3264
1240
110000
47,4
284,2
4,19
0,18
0,59
2,55
25,4
-
19.544.00
30.172.00
Tratamento do chorume
A Tabela 2 apresenta o resultado da
caracterização das amostras coletadas
após realização dos ensaios de tratamento
do chorume com o processo Fenton e com
85
Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010
Quanto à emissão do clarificado dos
ensaios a corpos hídricos, os resultados
mostram que a eficiência de tratamento
não é suficiente. Os parâmetros acima das
exigências federais e estaduais de emissão
são DQO, DBO5 e nitrogênio. Por outro
lado, a concentração residual de metais
pesados em ambos os ensaios é menor que
a exigida par descarte. A massa de lodo seco
gerada no ensaio Fenton foi um pouco maior
que a gerada no ensaio de coagulação/
precipitação.
Na Figura 2 é possível visualizar a
alteração no aspecto visual do chorume
tratado via Fenton. Este resultado foi possível
principalmente pela redução significativa dos
compostos orgânicos presente na amostra.
o processo de coagulação/precipitação. Os
resultados apontam para uma eficiência
de redução de DQO de aproximadamente
35% para o processo Fenton e de 45% para
o processo de coagulação/precipitação,
atingindo valores finais de DQO próximos a
2000 mg.L-1.
A razão DBO/DQO de ambas as amostras é de aproximadamente 0,3, igual a do
chorume sem tratamento, o que mostra que
não houve aumento da biodegradabilidade
do chorume. Entretanto, os resultados de
DQO e DBO5 do ensaio Fenton podem estar alterados devido a concentração residual
de H2O2 (Lee e Shoda, 2007), que é de 30
mg.L-1.
A menor concentração residual de COT
e o menor valor de cor para a amostra
Fenton mostram que este processo é
efetivamente mais eficiente na destruição
de carga orgânica dissolvida. Os resultados
de Coliformes totais e Escherichia Coli
confirmam a maior eficiência de desinfecção
do processo Fenton.
Tabela 2 – Características do chorume tratado via Fenton e coagulação/
precipitação e parâmetros de descarte de efluentes no Brasil e no Rio Grande do Sul.
Condições dos ensaios: Fenton – 1000 mg.L-1 Fe total, 663 mg.L-1 Fe2+, 7,63 mL.L-1
H2O2; Coagulação/precipitação - 1000 mg.L-1 Fe total, 663 mg.L-1 Fe2+
Parâmetros
Coagulação/
precipitação
Reação de Fenton
CONAMA 357/05
CONSEMA 128/06
pH
S.Suspensos, mg.L-1
DBO, mg.L-1
DQO, mg.L-1
COT, mg.L-1
Turbidez, NTU
Cor, NTU
Col. Totais, NMP/100 mL
E. coli, NMP/100 mL
N, mg.L-1
P, mg.L-1
Zn, mg.L-1
Al, mg.L-1
Mn, mg.L-1
Fe2+, mg.L-1
8,06
25
649
2163
800
11
339
< 1,8
< 1,8
214,5
0,21
< 0,05
0,79
< 0,05
3,02
8,32
25
530
1770
1140
12
457
240
4
209
0,01
< 0,05
0,49
0,09
1,5
5-9
80
300
104
20
3
5
1
15
H2O2, mg.L-1
30
-
-
3,4
3,0
-
Massa de lodo seco g.L
-1
86
Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010
apoio financeiro à pesquisa (Edital Universal
Processo 484881/2007-8), à Prefeitura
Municipal e à Central de Tratamento de
Resíduos Domésticos de Campo Bom (RS),
pela amostra de Chorume, e à Carbonífera
Criciúma S.A (SC) pela amostra de drenagem
ácida de minas.
Referências
APHA - AWWA-WEF. Standart Methods
for the Examination of Water and Wastewater. American Public Health Association,
Washington D.C, 2005.
BARROS, A. L., PIZZOLATO, T.M., CARISSIMI, E., SCHNEIDER, I.A.H. Decolorizing
dye wastewater from the agate industry with
Fenton oxidation process. Minerals engineering, 19, p. 87-90, 2006.
Figura 2 – Resultado do tratamento
utilizando a Reação Fenton
Conclusões
Os resultados mostram que o tratamento
BIDONE, F.R.A.; POVINELLI, J. Conde chorume utilizando a DAM como fonte
de ferro apresenta eficiência na redução ceitos Básicos de Resíduos Sólidos. São
de carga orgânica e bactérias do grupo Carlos: EESC/USP,1999.
coliformes totais. Ao confrontar os processos
JEFFERY, G.H., BASSET, J., MENDHAM,
Fenton e coagulação simples, pode-se
observar superioridade do processo Fenton J., DENNEY, R.C. (Eds). Vogel´s Textbook
na redução de COT e cor e também na of Quantitative Chemical Analysis. London:
desinfecção do efluente. Quanto à emissão, Longman Scientific & Technical, 1989.
o tratamento é insuficiente para enquadrar
KONARSEWSKI, V.H., SCHNEIDER,
o efluente nas exigências de DQO, DBO e
nitrogênio, exigindo etapas posteriores de I.A.H. Atenuação de efluente de aterro sanitratamento. Por outro lado, a concentração tário utilizando-se a mistura do chorume com
de metais pesados no efluente após o drenagem ácida de minas. In: XXIII Encontro
Nacional de Tratamento
tratamento através deste
de Minérios e Metalurgia
processo
atende
às
Ao confrontar os procesExtrativa, 2009. Gramaexigências.
sos Fenton e coagulação
do. Anais..., v.2, p.219-223,
Com base no trabalho
simples, pode-se observar
2009.
realizado, pode-se atestar
superioridade do procesa eficiência do Processo
so Fenton na redução de
KONTOPOULOS, A. Acid
Oxidativo Avançado como
COT e cor e também na
mine
drainage control. In: Eftratamento do chorume,
desinfecção do efluente.
fluent Treatment in the Minonde se pode constatar
ing Industry. Castro, S.H.;
a remoção da maioria
dos parâmetros exigidos pelo CONSEMA Vergara, F.; Sánches, M.A.; (Eds.). University
128/2008, além dos aspectos de cor e of Concepción, 1998.
turbidez da amostra. O processo mostrouKOPEZINSKI, I. Mineração X Meio Amse eficiente também para redução de
sólidos suspensos e microrganismos, o que biente: Considerações Legais, Principais
comprova que houve efetiva ação do radical Impactos Ambientais e seus Processos
hidroxila, gerado pelo Fe+2 presente na DAM Modificadores. Porto Alegre: Editora da Universidade, 2000.
e o peróxido de hidrogênio.
LEE, H., SHOA, M. Removal of COD and
color from livestock wastewater by the Fenton
Agradecimentos
Os autores agradecem ao CNPq pelo
87
Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010
PACHECO, J.R., PERALTA-ZAMORA,
P.G., Integração de Processos Físico-Químicos e Oxidativos Avançados para Remediação
de Aterro Sanitário (Chorume). Engenharia
Sanitária e Ambiental, v. 9, n.4, p.306-311,
2004.
method. Journal of Hazardous materials,
153, p. 1314-1319, 2007.
MENEZES, J.C.S.S.; SILVEIRA, P.S.;
SCHEIDER, I, A.H. Potencial de Produção
de Sulfato Férrico a partir de Rejeitos de
Carvão dos Estados do Rio Grande do Sul,
Santa Catarina e Paraná. In: XXIII Encontro
Nacional de Tratamento de Minérios e Metalurgia Extrativa, 2009. Gramado. Anais…,
v.2, p.391-396, 2009.
RIO GRANDE DO SUL. Conselho Estadual
de Meio Ambiente. Resolução nº 128/2006.
Porto Alegre, 24. Nov.2006.
RUSSEL, D.L. Practical Wastewater
Treatment. Hoboken. New Jersey: WileyInterscience, 1943.
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Technologies, and Applications. Mc GrawHill, 2006.
TIZAOUI, C., BOUSELMI, L., MANSOURI,
L., GHRABI, A. Landfill leachate treatment with
ozone and ozone/hydrogen peroxide systems.
Journal of Hazardous materials, 140, p.316324, 2006.
MORAES, P. B.; BERTAZZOLI, R. Degradação fotoelétrica de chorume de
lixo gerado em aterros sanitários. In: III
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Workshop Brasil Japão: energia, meio ambiente desenvolvimento sustentável. Campinas:
CORI – Unicamp, v.1, p.24-24, 2005.
ZHANG, H., ZHANG, D., ZHOU, J. Removal of COD from landfill leachate by electro-Fenton method. Journal of Hazardous
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OPPENLANDER, T. Photochenical Purification of Water and Air. Weinheim: Wiley
– Vch Verlang, 2003.
88
Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010
Hidrólise ácida, alcalina e enzimática
Prof. Ms. Carlos Atalla Hidalgo Hijazin1
Aline Tonial Simões2
Diogo Rhoden Silveira3
Resumo: A hidrólise é uma reação química em meio aquoso, em que a água
sofre dupla decomposição em um composto, e é um processo que geralmente se
mostra eficiente na solubilização de proteínas. Neste artigo de revisão bibliográfica
aborda-se e exemplifica-se os três métodos químicos principais utilizados para
obtenção de hidrolisados, que são as hidrólises alcalina, ácida e enzimática. Com
a crescente preocupação com o desenvolvimento de tecnologias limpas, que
busquem o desenvolvimento sustentável, as hidrólises enzimática, alcalina e ácida
mostram-se como uma alternativa.
Palavras-chave: Hidrólise, Alcalina, Ácida, Enzimática, Tecnologias limpas.
Abstract: The hydrolysis is the chemistry reaction in water, in which water performs
a dual erosion in one compound, and it is a process mostly efficient for the
solubilization of proteins. In this bibliographic review article we have the aim to
approach and exemplify the three principal chemical method of hydrolysis, what are
acid, alkaline and enzymatic. With the growing worry about development of clean
technology, that view sustainable development, the acid, alkaline and enzymatic
hydrolysis seem like a alternative.
Key-words: Hydrolysis, Acid, Enzymatic, Alkaline, Clean technology.
Introdução
O termo reação química, segundo
Rozemberg (2002), pode ser generalizado
como todo o fenômeno que é processado
com uma substância ou mais, e que acarreta
a transformação destas em uma ou mais
substâncias diferentes das primeiras. Já
uma solução é uma mistura homogênea de
duas ou mais substâncias, que é composta
por soluto e por solvente. As reações que
ocorrem entre o soluto (espécie em menor
quantidade) e o solvente (espécie em maior
quantidade) são conhecidas, de acordo com
1
2
3
Rozemberg, como reações de solvólise;
dessas, a hidrólise é um caso particular em
que o solvente é a água. Segundo Mano e
Seabra (1969), de acordo com o solvente
que reage, a designação também pode ser
alcoólise (com álcoois), amonólise (com
amônia), aminólose (com aminas) e etc.
A hidrólise é, portanto, uma reação
química em meio aquoso, em que a água
sofre dupla decomposição em um composto:
um hidrogênio da molécula de água é
transferido para um dos produtos, e o grupo
OH é transferido para o outro produto. A
Mestre em Engenharia de Minas, Metalúrgica e de Materiais pela UFRGS (2003). Professor do ensino médio, técnico
e professor titular da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre, onde é orientador de projeto IC. Tem experiência na área
de Engenharia Química, com ênfase em Processos Industriais de Engenharia Química.
E-mail: [email protected]
Bolsista de Iniciação Científica e graduanda do curso de Engenharia Ambiental e Sanitária da Faculdade Dom Bosco
de Porto Alegre.
E-mail: [email protected]
Bolsista de Iniciação Científica e graduando do curso de Engenharia Ambiental e Sanitária da Faculdade Dom Bosco
de Porto Alegre.
E-mail: [email protected]
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Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010
diferentes tipos de hidrólise, e neste artigo
de revisão bibliográfica temos o objetivo
de abordar e exemplificar os três métodos
químicos principais utilizados para obtenção
de hidrolisados, que são as hidrólises
alcalina, ácida e enzimática. Para tal, foram
feitas leituras de revistas, artigos científicos,
livros e dissertações envolvendo o assunto.
reação de hidrólise é representada abaixo:
Figura 1 – Reação de Hidrólise. Fonte:
www.dequi.eel.usp.br/~barcza/Hidrolise.pdf
A hidrólise é aplicada em reações
orgânicas e inorgânicas e segundo Barcza
Hidrólise ácida
(p.2), “na química orgânica, hidrólise inclui,
Sabe-se que os ácidos “são substâncias
entre outras reações, saponificação de
ácidos graxos e outros ésteres, inversão de moleculares que, em solução aquosa,
açúcares, quebra de proteínas (hidrólises sofrem ionização, fornecendo como cátions
enzimáticas)”. Segundo Mano e Seabra íons H3O+ (hidroxônio)” (POLITI, 1982, p. 43).
(1969), a hidrólise tem grande importância A hidrólise ácida ocorre quando se usa um
ácido mineral (ácido obtido
na química orgânica, pelo
a partir de substância
fato de que é utilizada em
O processo de hidrólise ácida
mineral inorgânica) em
processos de preparação
contribui para o desenvolvisolução aquosa, podendo
de álcoois e ácidos
mento de tecnologias limpas
ser esta diluída ou
partindo
de
ésteres,
e é uma das alternativas para
concentrada. De acordo
preparação de ácidos
combater a crescente preocom Barcza (2010), ela
partindo de nitrilas, dentre
cupação com a disposição
ocorre com os compostos
outras utilidades. Ainda
final dos resíduos sólidos.
orgânicos ésteres, amidas,
de acordo com Mano e
açúcares, dentre outros.
Seabra (1969), “a hidrólise
Os ácidos mais utilizados
de produtos naturais,
como amido, glicosídios, proteínas etc. é nessa reação hidrolítica são, ainda segundo
processo importante em química industrial, Barcza, o ácido sulfúrico (H2SO4) e o ácido
e pode muitas vezes ser realizada por via clorídrico (HCl).
A hidrólise ácida pode ser utilizada como
enzimática” (MANO e SEABRA,. 1969, p.95).
A palavra hidrólise, conforme teoriza Barcza: uma alternativa para o tratamento de alguns
resíduos sólidos. Segundo Hijazin (2003), a
“significa decomposição pela água, mas são raros
serragem de rebaixadeira (que é um resíduo
os casos em que a água, por si mesma, sem outra
de couro cromado) muitas vezes não é
ajuda, pode realizar uma hidrólise completa. Neste
descartada corretamente, sendo armazenada
caso é necessário operar a temperaturas e pressões
em depósitos ou disposta aleatoriamente no
elevadas. Para que a reação seja rápida e completa é
sempre indispensável um agente acelerador, qualquer
solo sem um tratamento prévio. Existem,
que seja o mecanismo da reação. Os mais importantes
entretanto, alternativas viáveis para o
são álcalis, ácidos e enzimas” (BARCZA, 2010, p.3).
tratamento deste resíduo, como a separação
do cromo da proteína, que pode ser feita, por
Ribeiro (2003) afirma que de acordo com
exemplo, através de descromagem ácida.
a UTRESA o processo de hidrólise da cadeia
Hijazin (2003) afirma que:
protéica do couro é uma destinação final
para estes resíduos que não envolve uma
“Côrrea et al. (1998) realizou um estudo de hidrótecnologia alta e nem grandes investimentos.
lise ácida em resíduos de couro cromados, utilizando
ácido sulfúrico e sulfato de alumínio com injeção de
Ainda segundo Ribeiro (2003), estudos
vapor em recipiente fechado por 60 min. O hidrolisado
anteriores apontam que “a separação e
obtido foi utilizado como banho de piquel, no processo
recuperação de cromo e proteínas através
de curtimento, constatando a viabilidade deste uso,
da hidrólise tem se mostrado uma alternativa
sem prejuízo das peles obtidas” (HIJAZIN, 2003, p.19).
viável para tratamento destes resíduos”
(RIBEIRO 2003 p.11).
Assim pode-se considerar que o
A hidrólise é, portanto, um processo processo de hidrólise ácida contribui para
que geralmente se mostra eficiente na o desenvolvimento de tecnologias limpas
solubilização de proteínas. Existem cinco e é uma das alternativas para combater a
90
Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010
enzimas funcionam como catalisadores dos
processos biológicos e são responsáveis por
várias fases do metabolismo. Elas ajudam,
portanto, na aceleração da velocidade das
reações, e “são componentes fundamentais
da vida das plantas, dos animais e dos
microorganismos” (REDDY, 2007, p.1).
Esse aumento na velocidade das reações
químicas pode ser do valor de até cerca de 1
milhão de vezes, sem modificar a constante
de equilíbrio químico e com regeneração da
enzima ao final da reação. De acordo com
a Revista Aditivos e Ingredientes (2009), a
atividade catalítica de enzimas vem sendo
utilizada pelo homem durante milhares de
anos, em processos como fabricação de
queijo e pão e fermentação do suco de uva
para obtenção de vinho. Contudo, ainda
segundo a revista:
crescente preocupação com a disposição
final dos resíduos sólidos.
Hidrólise alcalina
As bases, conforme Politi (1962), “são
substâncias iônicas que, em solução aquosa,
sofrem dissociação, fornecendo cátions
diferentes de H3O+ e ânions diferentes
de OH-“ (POLITI, 1962 p. 45). Também
conhecida como hidrólise básica, a hidrólise
alcalina é uma reação hidrolítica em que um
álcali (ou base) é utilizado no lugar da água,
fazendo com que no final se obtenha como
produto um sal alcalino e um ácido. A reação
é exemplificada abaixo:
“estas eram apenas aplicações práticas, uma
vez que o conhecimento do modo de ação dos
catalisadores biológicos só foi elucidado recentemente, precedido por uma série de fatos que
culminaram nos conhecimentos para utilização de
enzimas em diferentes ramos da atividade humana” (Revista Aditivos e Ingredientes, p. 43, 2009).
Figura 2 – Hidrólise alcalina.
Fonte: www.dequi.eel.usp.br/~barcza/Hidrolise.pdf
Segundo Barcza, a hidrólise alcalina
possui classes, que são: o uso de baixas
concentrações de álcali na hidrólise, e que é
usado, por exemplo, nas reações de ésteres;
a fusão de materiais orgânicos com potassa
ou soda cáustica; e o uso de álcali suficiente
em alta concentração e sob pressão.
Ribeiro (2003), baseada em outros
autores, explica que a hidrólise alcalina
utilizada para tratamento de resíduos de
couro (serragens cromadas), por exemplo,
consiste de adição de um hidróxido ao
resíduo com elevação de temperatura, e com
esse processo:
Segundo Reddy (2007), “o uso de
enzimas cresceu drasticamente nos últimos
anos. As enzimas podem ser aplicadas
nas comidas, nos produtos de limpeza, em
indústrias farmacêuticas, em indústrias de
couros, entre outras” (REDDY, 2007, p.2).
De acordo com Ribeiro (2003), há um tipo
de enzimas conhecidas como protease ou
proteolíticas, e essas enzimas:
“[...] catalisam a quebra das ligações peptídicas em proteínas e aceleram a velocidade da reação, sem participar dela como
reagente ou produto” (RIBEIRO, 2003 p. 11).
“pode-se dissolver uma parte da serragem
e também extrair gelatina, mas apenas até uma
quantidade muito limitada.O uso de enzimas proteolíticas pode melhorar o processo de decomposição
das serragens cromadas” (RIBEIRO, 2003 p.11).
Alguns estudos atuais utilizam-se da
enzima pepsina para realizar hidrólise
enzimática de resíduos de couro, com o
objetivo de criar soluções alternativas para
uma destinação adequada desses resíduos
sólidos ricos em cromo. Essa enzima é
encontrada no suco gástrico, e conforme
Freire e Lopes (1995), está presente no
estômago de todos os vertebrados, com
exceção das carpas, e pertence ao grupo
das anteriormente citadas proteases.
A hidrólise enzimática ocorre por quebra
de proteínas. Segundo Zavareze et al.
Percebe-se, então, que a hidrólise alcalina
também é uma alternativa para ajudar no
desenvolvimento de tecnologias limpas.
Hidrólise enzimática
As enzimas (“zyme”, em grego, significa
levedura) são proteínas complexas que,
conforme Reddy (2007), reduzem a energia
de ativação (que é a energia necessária para
iniciar a reação) requerida numa reação.
Assim, ainda de acordo com Reddy (2007), as
91
Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010
As enzimas podem ser aplicadas como
(2009), o uso de proteases específicas tem
algumas vantagens se comparado com as uma alternativa para tratamento de resíduos
hidrólises alcalina e ácida; estas vantagens sólidos. Segundo Gutterres (2005), a
seriam a especificidade, o controle do grau de biotecnologia (que é o processo tecnológico
hidrólise, as condições moderadas de ação, que usa material biológico para fins
a menor quantidade de sal no hidrolisado industriais) “já tem propiciado lançamento de
obtido no final da reação e a possibilidade vários produtos no mercado mundial com o
desenvolvimento, produção
que as enzimas geralmente
têm de serem empregadas
e aplicação de enzimas”
As enzimas podem ser
(GUTTERRES, 2005, p. 4).
em concentrações muito
aplicadas como uma albaixas, sendo desnecessária
Gutterres ainda afirma que
ternativa para tratamena hidrólise enzimática pode
a sua remoção. O processo
to de resíduos sólidos.
ser utilizada no tratamento
de
hidrólise
enzimática,
conforme teoriza Dors (2006
de resíduos, como aparas
e farelos de couro, para
apud
PEREIRA,
2004),
precisa de dois requisitos para a operação: produzir colágeno hidrolisado; esse colágeno
formação de interface lipídeo/água e resultante possui habilidade de formar
adsorção da enzima nesta interface; quanto gel, propriedades de absorção de água e
maior a interface, maior vai ser a quantidade óleo, adesividade, e pode ser usado em
de enzima adsorvida, levando a velocidades cosméticos, preparação de adesivos, dentre
de hidrólise mais elevadas. As etapas da outras utilidades.
reação de hidrólise enzimática de óleos
Considerações
e gorduras são exemplificadas na figura
A reação de hidrólise pode ser utilizada
abaixo:
em muitos processos, como por exemplo
na criação de alternativas tecnológicas que
combatam o crescente descaso com o meio
ambiente. O desenvolvimento de estudos
que visem ao alcance de tecnologias limpas
é extremamente importante nos dias de hoje,
em que cada vez mais se fala em proteção
aos recursos naturais. O problema da
disposição inadequada de resíduos sólidos,
dentre tantos outros, é um exemplo real que
precisa ser considerado.
Portanto, através do levantamento
bibliográfico e consulta a pesquisas já
realizadas acerca das hidrólises alcalina,
ácida e enzimática, podemos considerar que
as reações hidrolíticas vêm se mostrando
de grande importância no estudo de
soluções alternativas que contribuam para o
desenvolvimento sustentável.
Referências
BARCZA, Marcos Villela. Hidrólise. Escola
de Engenharia de Lorena, EEL. USP. Disponível em: <http://www.dequi.eel.usp.br/~barcza/
Hidrolise.pdf>. Acesso em 15 abr. 2010.
DORS; Gisanara. Hidrólise enzimática
e biodigestão de efluentes da indústria de
produtos avícolas. Dissertação de mestrado. Universidade Federal de Santa Catarina.
Figura 3 – Hidrólise enzimática de
óleos e gorduras.
Fonte: DORS, 2006, p.25.
92
Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010
Florianópolis: UFSC, 2006.
POLITI, Elie. Química. 3. edição São Paulo: Moderna, 1982.
Enzimas em Panificação. In: Revista
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2009. São Paulo: Editora Insumos, 2009.
Disponível em: <http://www.insumos.com.br/
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REDDY, Rajayshree. Advanced in stabilised enzimes for leather. SLTC, AS Convention. June 2007.
RIBEIRO, Karen Cristina Rodenbusch.
Hidrólise de resíduos de couro curtido ao
cromo. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal do Rio Grande do Sul: Porto
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FREIRE, Ronaldo Bastos; LOPES, Carlos
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por pepsina e tripsina na obtenção de hipnozoítas de cystoisospora feliz (wenyon, 1923)
frenkel 1977 (apicomplexa: sarcocystidae). In:
Rev. Bras. Parasitol Vet. 4,1, 21-23, 1995.
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Ltda, 2002.
GUTTERRES, Mariliz. Tendência Emergentes na Indústria do Couro. Universidade
Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre:
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ZAVAREZE, Elessandra da Rosa; SILVA,
Carolina Moroni; SALAS-MELLADO, Myriam;
PRENTICE-HERNÁNDEZ, Carlos. Funcionalidade de hidrolisados proteicos de cabrinha
(Prionotus punctatus) obtidos a partir de diferentes proteases microbianas. In: Quím. Nova.
vol.32 no.7 São Paulo: 2009. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S010040422009000700011&script=sci_arttext>
Acesso em: 17 abr. 2010.
HIJAZIN, Carlos Atalla Hidalgo. Descromagem de resíduos de couro (serragem
de rebaixadeira). Dissertação de mestrado.
Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Porto Alegre: UFRGS, 2003.
MANO, Eloisa Biasotto; SEABRA, Affonso
do Prado. Práticas de química orgânica. São
Paulo: Edart, 1969.
93
Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010
Comparativo entre os métodos de custeio por
absorção e custeio baseado em atividade – a
importância da escolha do método em uma
indústria
Filipe Martins da Silva1
Marco Antônio dos Santos Martins2
Frederike Monika Budiner Mette3
Resumo: O gerenciamento dos custos se constitui em um processo de múltiplas
variáveis, envolvendo aspectos operacionais como a gestão de estoques, a
modernização do processo produtivo, a redução de desperdícios. Dentro desse
contexto, as indústrias estão em busca de uma metodologia de alocação de custos
que satisfaça suas necessidades. Dentre os mecanismos de alocação utilizados
pelas empresas brasileiras destacam-se a aplicação do Custeio por Absorção e o
do Custeio Baseado em Atividades (ABC). O presente artigo se propõe a comparar
os resultados da aplicação de ambos os métodos em uma empresa industrial, e
após a execução do estudo de caso, verificar qual modelo melhor se aplica na
empresa em análise.
Palavras-chave: Método de custeio, ABC, Absorção.
Abstract: The administration of the costs is constituted in a process of multiple
variables, involving operational aspects as the administration of stocks, the
modernization of the productive process, the reduction of wastes. Inside of that
context, the industries are in search of a methodology of allocation of costs that
satisfies their needs. Among the allocation mechanisms used by the Brazilian
companies stand out the application of the Costing for Absorption and the one of
the Costing based on Activities (ABC). The present article intends to compare the
results of the application of both methods in an industrial company, and after the
execution of the case study, to verify which better model is applied in the company
in analysis.
Key-words: Method of costing, ABC, Absorption.
Introdução
No mercado atual, a competitividade
está cada vez mais acirrada. Neste contexto
é preciso buscar um diferencial nos
produtos ofertados, seja na qualidade ou no
custo destes. Em algumas situações este
1
2
3
diferencial define a aceitação e permanência
do produto no mercado, fazendo com que
os consumidores optem pelo produto que
apresenta a melhor relação custo-qualidade.
Em última análise, pode-se dizer que
o mercado acaba por definir o preço da
Bacharel em Ciências Contábeis pela Unifin.
E-mail: [email protected]
Doutorando em Finanças pelo PPGA/UFRGS, Mestre em Economia pela UFRGS e Bacharel em Ciências Contábeis
pela Faculdade São Judas Tadeu
Professor da ESPM e Unifin
E-mail: [email protected]
Mestre em Finanças pelo PPGA/UFRGS, Especialista em Economia e Finanças pela UFRGS e Bacharel em Ciências
Atuariais pela UFRGS
Professora da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre e ESPM
E-mail: [email protected]
95
Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010
maioria dos produtos, ou seja, quanto os
consumidores estão dispostos a pagar por
um determinado item ofertado. Assim, cabe
às organizações gerenciarem sua estrutura
de custos e despesas, visando minimizá-los,
como forma de aumentar a margem sem
afetar a competitividade.
O adequado gerenciamento dos custos
se constitui em um processo de múltiplas
variáveis, envolvendo aspectos operacionais
tais como a gestão de estoques, a
modernização do processo produtivo, a
redução de desperdícios etc. Além disso,
é preciso alocar adequadamente os custos
incorridos no processo produtivo aos
respectivos itens fabricados.
Dentro desse contexto, as indústrias
estão permanentemente em busca de uma
metodologia de alocação de custos que
satisfaça as suas necessidades. Dentre
os mecanismos de alocação utilizados
pelas empresas brasileiras destacam-se
a aplicação do Custeio por Absorção e o
do Custeio Baseado em Atividades (ABC).
A escolha de um destes métodos tem se
gerado uma farta discussão não só na
academia como também no setor industrial.
O presente artigo se propõe a comparar
os resultados da aplicação do método de
custeio por Absorção e o ABC em uma
empresa industrial, fabricante de MDF Cru,
mediante a realização de estudo de caso.
A escolha do estudo de caso está
fundamentada no fato de que Yin (1989)
define que o estudo de caso é uma inquirição
empírica que investiga um fenômeno
contemporâneo dentro de um contexto da vida
real, quando a fronteira entre o fenômeno e
o contexto não é claramente evidente e onde
múltiplas fontes de evidência são utilizadas.
Para atingir o objetivo proposto, o artigo
está estruturado em seis seções além
desta. Na primeira seção será apresentado
um pequeno retrospecto da evolução das
metodologias de alocação de custos. A
segunda seção será dedicada à construção
de referencial teórico capaz de conceituar
e definir os dois principais métodos de
custeamento. Já na terceira seção serão
apresentados alguns achados e conclusões
de trabalhos acadêmicos dedicados à
aplicação dos métodos. Na quarta seção
encontra-se a aplicação do estudo de caso e
seus resultados. A análise dos resultados será
apresentada na quinta seção. Finalmente,
a última seção é dedica às considerações
finais.
Contabilidade de Custos
A diferenciação entre custos e despesas é
importante, pois os custos são incorporados
aos produtos (estoques), ao passo que
as despesas são levadas diretamente
ao resultado do exercício. Para Souza e
Diehl (2009), custos “são o valor monetário
despendido pelo consumo de recursos”.
Os autores complementam afirmando que
estes custos são divididos geralmente em
três: materiais diretos, mão-de-obra direta e
custos indiretos, podendo ser resumido na
seguinte equação:
Custo = Material Direto + Mão-de-obra
Direta + Custos Indiretos
Segundo Martins (2003), o custo é
reconhecido como gasto, ou seja, desembolso
de recursos financeiros, porém, somente
é considerado um custo no momento da
utilização destes fatores que geraram esse
desembolso, podendo ser bens ou serviços,
para a produção de um produto ou execução
de um serviço. Como exemplo citamos a
compra de matéria-prima, que entra no
estoque no momento de sua compra no
ativo de sua empresa, porém só é transferida
para o custo (resultado) no momento de sua
utilização. Podemos definir estes custos da
seguinte maneira:
Matéria-Prima
Para Garrison, Norreen e Brewer
(2007), as matérias-primas são os
materiais incorporados ao produto final,
correspondendo a qualquer material usado
no produto final. Souza e Diehl (2009)
incluem neste item também as embalagens
dos produtos.
Segundo Martins (2003), estes custos são
perfeitamente apropriados aos produtos já
que é possível identificar quanto foi utilizado
e para quantos produtos produzidos foram,
caso seja produzido mais de um item.
Mão-de-Obra Direta
Este termo é reservado para os custos de
mão-de-obra que são facilmente associados
a unidades individuais de produto, ou seja,
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Anselme Payen, um magistrado que
abrira uma fábrica de açúcar de beterraba,
reconheceu que também deviam ser
incluídos os custos indiretos de fabricação.
Conforme Silva (2005, p. 27) sobre o
Custeio por Absorção:
fácil identificação da relação entre quanto
produziu e quanto gastou para produzir.
Ainda Garrison, Norren e Brewer (2007)
informam como exemplo que o custo desta
mão-de-obra são os salários dos operários,
carpinteiros e pedreiros, pois participam do
processo produtivo ou, no caso de empresas
prestadores de serviços, o salário de quem
executa a atividade principal da empresa.
Consiste na apropriação de todos os custos de
produção aos bens elaborados, e só os de produção
aos bens elaborados: todos os gastos relativos ao
esforço de fabricação são distribuídos para todo os
produtos feitos, fixos e variáveis. Esse sistema leva
a empresa a fazer uma distinção entre custos e despesas gerais, simplifica os processos de custos e usa
critérios subjetivos de rateio dos custos fixos aos produtos, além de considerar os estoques de produtos em
elaboração como custos e não como investimentos.
Custos Indiretos
Segundo Garrison, Norren e Brewer,
(2007) incluem-se neste item todos os outros
custos da empresa, abrangendo itens como
matéria-prima indireta, mão-de-obra indireta,
manutenção de equipamentos de produção,
energia elétrica, aluguel etc.
“Um custo indireto é aquele que não pode
ser fácil ou convenientemente identificado
com o particular objeto de custo de discussão”
(GARRISON, NORREN E BREWER, 2007,
p. 40).
Os custos indiretos vêm sendo os grandes
vilões da Contabilidade de Custos, por serem
de difícil alocação, pois muitas vezes, são
difíceis de mensurar e de alocar entre os
produtos.
Segundo Crepaldi (2004), o Custeio
por Absorção é um método derivado da
aplicação dos princípios fundamentais de
contabilidade, pois estão de acordo com
o regime de competência e confrontação
receitas e despesas do período. Este método
é inclusive adotado pela legislação Comercial
e Fiscal no Brasil.
Martins (2003) diz que este método
de custeio é basicamente baseado na
apropriação de todos os custos de produção
sendo distribuídos aos bens elaborados
ou serviços feitos. Este método é muito útil
principalmente para empresas que produzam
poucos produtos.
Para Santos, Schimidt e Pinheiro (2006),
esse método de custeio tem como principais
características:
• É um sistema de custos que apropria
aos produtos ou serviços todos os custos
diretos e indiretos ocorridos na atividade
de produção ou prestação do serviço.
• Este método de custeio trabalha com a
figura do “Custo Total do Produto”.
• Este sistema apura um resultado para o
produto.
• É voltado mais para um enfoque interno,
por considerar o preço de venda uma
função predominantemente de custos e
não de mercado.
Os autores ainda fazem algumas críticas
sobre este método, tais como:
• É um sistema bastante inflexível para
efeitos de estratégia de preços, notada
principalmente em situações de recessões
ou situações competitivas.
• Demonstra uma ilusória segurança, na
medida em que são apropriados todos os
1.1 Métodos de Custeio
Um dos grandes problemas em
contabilidade é encontrar a metodologia
adequada para apropriar os custos indiretos
aos produtos. Santos, Schimidt e Pinheiro
(2006) acrescentam que o Custeio está
intimamente relacionado à definição de
análise das informações para se adequarem
às necessidades da empresa.
Ao longo dos anos vários métodos de
custeio foram sendo desenvolvidos, dentre
eles os que ganharam maior destaque pela
sua aplicação estão os métodos de do
Custeio por Absorção, Custeio Variável, ABC
e RKW.
Custeio por Absorção
Conforme Fleishman (1996, apud
Carvalho 2002 p. 50), possivelmente a
primeira aparição do método de custeio por
absorção tenha ocorrido na França do século
XIX, pois, naquela época, uma figura contábil
chamada prix de revient, um equivalente
francês para o custo dos produtos vendidos,
originalmente, incluía apenas os custos
diretos de produção. Mas no ano de 1817,
97
Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010
custos para avaliar a mão-de-obra direta e
custos de despesas gerais na conversão
matérias-primas em fios e tecidos acabados.
Uma das primeiras se deu na Lyman Mills,
uma tecelagem de algodão integrada e
movida a força hidráulica, construída no
final da década de 1840, em Holyoke,
cidade do oeste de Massachussetts. O
autor complementa que essa informação ao
custeio variável também evoluiu para custeio
por absorção.
Conforme Ferreira (2009), em razão dos
problemas existentes no uso do sistema de
custeio por absorção no que diz respeito à
apropriação dos custos fixos, surge o sistema
de custeio variável, que segundo Martins
(2003), só é alocado ao produto os custos
variáveis, separando os fixos, considerando-os como despesas, classificandoos diretamente no resultado do período,
enquanto os variáveis serão demonstrados
no estoque. Este método não é aceito pelo
Fisco, justamente por diminuir o resultado do
período por considerar os custos fixos como
despesa, somente então ser usado para
análises internas. Para Santos, Schimidt e
Pinheiro (2006), esse método de custeio
como principais características:
• Este sistema só apropria ao produto
ou serviço ofertado os custos e
despesas variáveis ocasionados para
que os mesmos sejam ofertados ou
comercializados.
• Apura uma “Margem de Contribuição”
dos produtos, mercadorias e serviços.
• O sistema é voltado para o mercado,
considerando o preço de venda,
predominantemente, uma função do
mesmo.
Ferreira (2009) ainda acrescenta que se
caso toda a produção iniciada e acabada no
período for vendida, o lucro bruto pelo custeio
variável será maior que o apurado pelo
custeio por absorção, justamente por não ser
apropriado o custo fixo ao produto, porém
o lucro líquido será igual nos dois métodos,
pois os custos fixos integrarão o custo dos
produtos vendidos (CPV) no custeio por
absorção e estarão entre as despesas
operacionais no custeio variável.
Porém, para Santos, Schimidt e Pinheiro
(2006), esse sistema não permite uma
visualização individualizada do produto ou
serviço, exigindo assim um planejamento com
custos e despesas aos itens ou serviços
ofertados, pois há uma aparente garantia
na cobertura dos custos através do preço
de venda apurado, podendo esta garantia
não se realizar dependendo do volume
atingido.
Exemplificando
No segundo trimestre de 2002, a Indústria
Alfa de Produtos Fabris concluiu a produção
de 600 unidades do item X2, tendo logrado
vender 400 dessas unidades, ao preço
unitário de 120,00. No mesmo período foram
coletadas as seguintes informações.
• Custo Variável Unitário: 20,00
• Total de Custos Fixos: 18.000,00
• Despesas Variáveis de Vendas Unitária:
2,00
• Inexistência de estoque inicial no período
Com base nessas informações, calcule
pelo Custeio de Absorção o Custo dos
Produtos Vendidos, o Estoque Final do
Período e o Lucro Líquido do Período:
Resolução:
Custeio Direto ou Variável
Custo Fixo Unitário ( 18.000,00/600
unidades)
Custo Variável Unitário
Custo Total Unitário
Custo Total dos Produtos Vendidos
(50,00 X 400 Un.)
Estoque Final (600 Prod – 400
Vend = 200 X 50,00)
DRE
Receita (400 x 120,00)
CPV
Lucro Bruto
Despesas Variáveis (400 x 2,00)
Lucro Líquido
30,00
20,00
50,00
20.000.00
10.000,00
48.000.00
(20,000,00)
28.000,00
800,00
27.200,00
Fonte: Curso Básico de Contabilidade de Custos,
página 226
Conforme Johnson e Kaplan (1996, apud
Carvalho 2002 p. 56), há um consenso, entre
os historiadores da área, de que o método do
custeio variável pode ter sido a primeira forma
encontrada de apropriar custos a produtos.
O autor ainda acrescenta que as primeiras
organizações comerciais americanas a
desenvolverem sistemas de contabilidade
gerencial foram da área de tecelagens de
algodão mecanizadas e integradas, surgidas
após 1812, utilizando as informações dos
98
Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010
dos produtos.
Para Santos, Schimidt e Pinheiro (2006)
outro conceito importante obtido através
do Custeio Integral é o de despesas de
vendas (DV), que representam os gastos
que surgem após a realização do ato de
venda, como por exemplo, os impostos sobre
vendas, descontos bancários e comissões
do vendedor. Dessa forma, as respectivas
parcelas são calculadas como percentagem
do preço, de maneira que também se podem
considerar as DV como sendo uma redução
proporcional do preço. Assim, a diferença
entre o preço de venda e as despesas de
vendas representa o preço líquido do produto.
enfoque global na relação custo x volume x
margem. Os autores acrescentam que esse
sistema não é aceito pela legislação para
efeitos de apuração de estoque, sendo usado
então somente gerencialmente, que apesar
de bastante flexível, ele é voltado mais para o
aspecto mercadológico externo da empresa.
Exemplificando:
Uma indústria, elaborando um único
produto, tem a seguinte movimentação:
Resolução:
Custeio Integral
Custos Variáveis Unitários
Matéria-Prima
Energia
Materiais Indiretos
30,00
20,00
4,00
6,00
Custos Fixo
Mão-de-Obra
Depreciação e Impostos
Manutenção
Diversos
2.100.000,00
1.300.000,00
400.000,00
300.000,00
100.000,00
Preço de Venda
Quantidade Produzida
Quantidade Vendida
75,00
60.000,00
40.000,00
RESUMO DOS RESULTADOS
Vendas (40.000 x 75,00)
Custo Variável (40.000 x 30,00)
Margem de Contribuição
Custos Fixos
3.000.000,00
(1.200.000,00)
1.800.000,00
(2.100.000,00)
Lucro
Estoque Final (60.000 – 40.000 =
20.000 x 30,00)
Exemplificando:
Suponha que a empresa Ômega não
possua estoques inicias de produtos prontos,
em processo e nem em elaboração, e os
dados sejam os seguintes:
Receita de Vendas
Consumo de Matéria-Prima
Mão-de-Obra Direta
Custos Indiretos de Fabricação
Variáveis
Custos Indiretos de Fabricação
Fixos
Despesas Indiretas de Administração
Despesas Indiretas de Distribuição
Despesas de Vendas
100.000,00
15.000,00
25.000,00
10.000,00
2.000,00
7.000,00
3.000,00
11.000,00
Resolução:
(300.000,00)
600.000,00
Fonte: Contabilidade de Custos, página 199
Para Júnior e Klippel (2002), na primeira
metade do século XX começou a surgir a
teoria do Custeio Integral, propugnando que
todos os custos deveriam ser repassados
aos produtos, implicando na geração de
bases de rateio para o repasse dos custos
fixos aos produtos.
Para Santos, Schimidt e Pinheiro (2006)
o Custeio Integral é o método em que todos
os custos fixos e variáveis são imputados ao
produto. Nesse sistema, além dos custos,
aos produtos são imputadas as despesas,
ou seja, todos os insumos envolvidos na
produção da receita são considerados custos
Matéria-Prima
Mão-de-Obra Direta
Custos Indiretos de Fabricação
(Variável + Fixo = 10.000 + 2.000)
Custo de Produção
15.000,00
25.000,00
12.000,00
Despesas Indiretas de Administração
Despesas Indiretas de Distribuição
Despesas de Vendas
Despesas Totais
7.000,00
Custo Total dos Produtos (52.000
+ 21.000)
73.000,00
Receita de Vendas
Custo Total dos Produtos
Resultado
100.000,00
(73.000,00)
27.000,00
52.000,00
3.000,00
11.000,00
21.000,00
Fonte: Fundamentos de Gestão Estratégica de
Custos, página 62
99
Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010
Método de Centro de Custos ou RKW
(Reichskuratorium für Wirtschaftlichtkeit)
Para Martins (2003), este método surgiu
no início do século XX, disseminado na
Alemanha por um órgão similar ao CIP
(Conselho Interministerial de Preços),
fundamentado na ideia de que para formar
o preço de venda devemos saber qual é o
valor dos nossos custos.
Martins (2003) ainda descreve que o
método de trabalho deste modelo consiste
no rateio dos custos e despesas (incluindo
as financeiras), semelhante a outras já
estudadas, ou seja, são feitas as alocações
de todos estes custos e despesas aos
departamentos da empresa, para somente
depois, serem transferidos para o produto,
chegando-se assim, ao custo de “produzir
e vender” e “administrar e financiar”, nos
dando assim o gasto completo do processo
de obtenção de receita.
Como o principal objetivo deste método
é formar o preço, para Martins (2003), para
formar este preço apenas acrescenta-se a
margem de lucro desejada ao valor do custo.
Para Seronatto, Rigotto e Gimenes
(2006), o RKW não é recomendado por sua
metodologia de formação de empresa, porém
sempre que uma empresa fixar seu preço
com base nos custos estará empregando
alguma forma variante do RKW.
Exemplificando:
Uma empresa do ramo calçadista utiliza
o método de RKW (centro de custos) para o
cálculo e controle dos seus custos de transformação. Para facilitar o controle de seus
custos, a empresa foi dividida em quatro
departamentos (centro de custos): administração geral, manutenção, corte/pesponto e
montagem/acabamento. A administração é
um centro muito amplo, porque realiza um
número variado de atividades distintas; porém, a atividade principal é de controle de
administração de pessoal. A manutenção trabalha basicamente para manter os equipamentos de corte/pesponto e de montagem/
acabamento, mantendo um nível de atividade média de 1.000 horas de manutenção
por mês. O centro de custo corte/pesponto
está relacionado com a produção dos pares de calçados que serão finalizados no
centro de custo de montagem/acabamento;
ambos os centro de custos têm capacidade
de 1.000 horas por mês. Os itens de custos
foram classificados em salários e encargos,
energia elétrica, depreciação e matérias de
consumo. Em um determinado mês, os custos de transformação totalizaram 60.000,00,
sendo classificados da seguinte forma:
• Salários e Encargos: 30.000,00;
• Energia Elétrica: 10.000,00;
• Depreciação: 15.000,00;
• Material de Consumo: 5.000,00.
A empresa produz dois tipos de calçados:
calçados masculinos e calçados femininos,
que passam pelos centros de custos
produtivos (corte/pesponto e montagem/
acabamento) com os tempos padrões
apresentados na tabela abaixo:
Calçados
Tempo de Corte/
Pesponto (h)
Masculino
Feminino
0,5
0,4
Tempo de
Montagem/
Acabamento (h)
0,6
0,5
Neste mês, o setor de controle estatístico
de processo (CEP) da empresa apresentou
os valores evidenciados na figura a seguir:
Dados
Administração
Manutenção
Potência Instalada
Valor Equipamento
Materiais Requisitados
Salários e Encargos
Número de Empregados
Tempo de Manutenção
Produção Calçado Masculino/pares
Produção Calçado Feminino/pares
Tempo Utilizado (h)
Retrabalho Calç. Masculino/Pares
Retrabalho Calç. Feminino/Pares
10
2.000
500
10.000
10
200
-
25
15.000
3.000
3.000
3
150
-
100
Corte/pesponto
50
40.000
4.000
9.000
18
600
5.000
6.000
200
10
12
Montagem/
Acabamento
30
20.000
2.500
8.000
15
400
5.000
6.000
195
15
10
Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010
Com base nesses dados foi possível determinar os custos por centro de custos, conforme apresentado na tabela a seguir:
Item
Base de
Distrib.
Adm.
Manut.
30.000
Diretto
10.000
3.000
9.000
8.000
10.000
Potência
870
2.174
4.348
2.608
500
Valor
390
2.922
7.792
3.896
1.500
9.596
2.000
23.140
1.250
15.754
959
5.755
4.796
10.555
28.895
20.550
6.333
4.222
32.228
24.772
$
Salários e Encargos
Energia Elétrica
Depreciação
Mat. Cons.
5.000
Requisição
250
Total
11.510
Rateio 1 – Número de Empregados
Total
Rateio 2 – Tempo de Manutenção
Total
Considerando que a unidade de trabalho
dos dois centros de custo diretos e o tempo
de produção e tomando os tempos unitários
dos produtos nos centros e os volumes
produzidos, chegamos à conclusão que no
corte/pesponto foi produzido o equivalente
a 4.900 horas (0,5 x 5.000 pares + 0,4 x
6.000 pares) e na montagem/ acabamento
o equivalente a 6.000 h (0,6 x 5.000 pares
+ 0,5 x 6.000 pares). A tabela abaixo
demonstra o cálculo dos custos unitários dos
centros diretos e dos custos unitários dos
dois produtos obtidos pela multiplicação dos
custos unitários dos centros pelos tempos
unitários de passagem.
Para chegar ao Custo Unitário (Custo
Custos Unitários dos Centros Diretos
Centro de
Centro de
Centro de
Custos
Custos
Custos
Custos Totais
Custos Totais
Custos Totais
Produções
Produções
Produções
Equivalentes
Equivalentes
Equivalentes
Custo Unitário
Custo Unitário
Custo Unitário
Custos Unitários dos Produtos
Produto
Produto
Produto
Calçado
Calçado
Calçado
Masculino
Masculino
Masculino
Calçado
Calçado
Calçado
Feminino
Feminino
Feminino
de transformação) do par de calçado foi
efetuado o seguinte cálculo.
• Sapato masculino: (7,19 x 0,5 h/un)
Corte/
Pesponto
Montagem/
Acabamento
+(4,13 x 0,6 h/un.) = 6,07 por unidade;
• Sapato feminino: (7,19 x 0,4 h/un) +
(4,13 x 0,5 h/un.) = 4,94 por unidade;
Fonte: SANTOS; SCHMIDT; PINHEIRO, 2006, p.
259.
Custeio Baseado em Atividades (ABC)
Conforme Martins (2003, p. 87):
Com o avanço tecnológico e a crescente complexidade dos sistemas de produção, em muitas indústrias
os custos indiretos vêm aumentando continuamente,
tanto em valores absolutos quanto em termos relativos,
comparativamente aos custos diretos (destes, o item
Mão-de-Obra Direta é o que vem mais decrescendo).
Para Nakagawa (2001), o ABC já era
conhecido e usado por contadores entre
os anos de 1800 e 1900. Seu uso está
intimamente relacionado ao bom senso
e ao fomento de criatividade. Podemos
considerar inclusive o método de RKW um
percursor do ABC. O autor acrescenta que
entre os estudiosos que contribuíram para
o ABC, através de seus estudos de tempos
e movimentos da organização de trabalho
estão Taylor, Fayol e Elton Mayo. No Brasil,
as pesquisas se iniciaram em 1989 no
Departamento de Contabilidade e Atuária da
Faculdade de Economia, Administração e
Contabilidade da USP.
Um dos fatores que contribuíram para o
aparecimento do Custeio ABC foi, segundo
Santos, Schmidt e Pinheiro (2006), a evolução
tecnológica, alterando assim a composição
dos custos dos fatores de produção,
101
Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010
tornando-se assim, mais significativos os
custos indiretos e menos significativos o
custo da mão-de-obra direta.
Porém, como Brimson (1996 apud
SCHMIDT, SANTOS, LEAL, PERINAZZO
2009, p. 6) descreve, em muitas empresas, a
Contabilidade de Custos era encarada como
um mal necessário, que visava atender às
exigências contábeis – fiscais, deixando de
ser explorada como ferramenta gerencial,
devido a deficiências, principalmente
relacionadas com agilidade e confiabilidade
das informações, que consequentemente
perdiam a utilidade como ferramenta de
gerenciamento e tomada de decisão.
Sob este aspecto, os velhos conceitos
da contabilidade de custos devem ser
substituídos por novos conceitos, como os
que serão apresentados pelo ABC.
Nakagawa acrescenta que o ABC é um
dado que poderá tornar-se uma poderosa
ferramenta de alavancagem de atitudes
das pessoas envolvidas no processo de
mudança da empresa, porém requer uma
mudança na cultura da empresa, buscando
o envolvimento e o comprometimento das
pessoas, contribuindo inclusive para a
mudança da cultura organizacional.
Martins (2003) descreve que o ABC é um
método de custeio que tem como objetivo
a redução das distorções provocada pelos
rateios arbitrários dos custeios indiretos,
porém, o ABC também pode ser aplicado
nos Custos Diretos. Nakagawa (2001) diz
que o objetivo da metodologia do ABC é
facilitar a análise estratégica dos custos
ao relacionarmos com as atividades que
impactam com consumo de recursos da
empresa.
Conforme Schmidt, Santos, Leal e
Perinazzo (2009, p. 5):
A perseguição ao menor custo, sem afetar
a funcionalidade e a qualidade dos produtos e
serviços, deve ser um objetivo permanente nas
empresas que buscam a excelência empresarial.
Dentro deste conceito, o ABC representa muito
mais que um novo sistema de custeio, significa
o “estado da arte” no gerenciamento de custos,
com várias aplicações dentro das empresas, pois
permite uma análise detalhada e compreensiva de
custos de qualquer natureza, sempre sob o enfoque das atividades desenvolvidas e a respectiva
contribuição (agregação de valor) para o negócio.
2000, p. 255), no ABC, devemos assumir
que os recursos da empresa são consumidos
por atividades e não por produtos que
são fabricados, sendo os mesmos, uma
consequência das atividades necessárias
para a execução da atividade principal da
empresa.
Para Souza e Diehl (2009), o ABC
preocupa-se basicamente em identificar quais
são as atividades desenvolvidas, permitindo
responder o porquê dos custos ocorreram,
levando ao entendimento da razão de sua
ocorrência, permitindo assim agir sobre eles,
aumentando a eficiência operacional. Os
autores ainda acrescentam que os custos
são causados pela execução das atividades,
pois são as mesmas que geram o consumo
dos recursos, e não necessariamente as
mesmas são proporcionais ao volume
vendido ou produzido, critério esse utilizado
para outros métodos de custeio, sendo
assim, seus direcionadores serem das mais
diferentes naturezas (ex.: setups, número de
lotes de produto, etc.).
Motta e Pamplona (1999) acrescentam
que o uso do ABC consiste na sistemática de
apropriação dos custos às atividades, usando
direcionadores de custos de primeiro estágio
e dos custos das atividades para os produtos
através dos direcionadores no segundo
estágio, reduzindo efeitos prejudiciais destas
alocações através de critérios subjetivos dos
métodos anteriores, proporcionando cálculos
de custos mais precisos, possibilitando assim
uma gestão adequada dos custos.
Exemplificando:
Suponha que a Fábrica de Pomadas
Milagrosas São Francisco fabrique dois
produtos: Pomada A (200 pacotes) e Pomada
B (200 pacotes). A contabilidade determinou
que o total dos custos e despesas relacionado
à atividade tem uma relação significativa com
os movimentos dos materiais (6 movimentos
para a pomada A e 14 movimentos para a
Pomada B).
Segundo Nakagawa (1994 apud LEONE
102
Resolução:
Taxa de Aplicação dos
Movimentos
Total dos Custos e Despesas
Total de Movimentos (A +
B = 6 + 14 = 20 movimentos)
3.600,00
20
Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010
Custo por Movimentos
180,00
Distribuição dos Custos
Pomada A (6 movimentos
1.080,00
x 180,00)
Pomada B (14 movimen2.520,00
tos x 180,0)
Total
Custo
Valor
Pintura
210.000,00
Acabamento
460.000,00
No período analisado foram produzidas e
vendidas as seguintes quantidades:
3.600,00
Produto
Fonte: SANTOS; SCHMIDT; PINHEIRO, 2006, p. 101.
Estudo de Caso
Uma determinada empresa do ramo de
madeira trabalha com dois produtos: MDF
de Carvalho e MDF de Castanho. Cada
um dos dois produtos leva o mesmo tempo
de produção e as máquinas despendem o
mesmo esforço para produzi-los.
Sendo assim, podemos identificar como
custos diretamente ligados à produção de
ambos os produtos:
MDF de
Carvalho
MDF de
Castanho
Quantidade
(un.)
% (un.)
Quantidade
(Ton.)
KW Utilizados
60.000
71%
42.000
15.000
25.000
29%
14.000
25.000
A empresa em questão está em dúvida
sobre qual método de custeio deverá utilizar:
Custeio Direto ou Custeio ABC. Primeiro ela
verificou o custeio Direto, em cuja situação os
custos indiretos de produção foram rateados
em função das proporções da produção dos
produtos unitariamente:
MDF de Carvalho
Custo
Uni
ICMS
PSI/COFINS
Valor Unitário
Valor
Líquido
Índice
Madeira
ton
0,00%
9,25%
40,00
36.30
1,20
Resina
ton
12,00%
9,25%
1.400,00
1.102,50
0,10
Energia Elétrica
Kw
18,00%
9,25%
360,00
261,90
0,15
Aditivos Químicos
ton
17,00%
9,25%
2.000,00
1.475,00
0,01
Embalagens
un.
17,00%
9,25%
10,00
7,38
1,00
Biomassa
un.
17,00%
9,25%
35,00
25,81
0,50
Depreciação
un.
0,00%
9,25%
15,00
13,61
1,00
Mão-de-Obra MDF
R$/m³
0,00%
0,00%
30,00
25,00
1,00
Custo
Uni
ICMS
PSI/COFINS
Valor
Unitário
Valor
Líquido
Índice
Madeira
ton
0,00%
9,25%
55,00
49,91
1,70
0,20
MDF de Castanho
Resina
ton
12,00%
9,25%
3.600,00
2.835,00
Energia Elétrica
Kw
18,00%
9,25%
-
331,74
0,35
Aditivos Químicos
ton
17,00%
9,25%
1.590,00
1.172,63
0,05
Embalagens
un.
17,00%
9,25%
10,00,00
7,38
1,65
Biomassa
un.
17,00%
9,25%
55,00
40,56
0,36
Depreciação
un.
0,00%
9,25%
15,00
13,61
1,00
Mão-de-Obra MDF
R$/m³
0,00%
0,00%
35,00
35,00
1,00
A empresa incorre ainda nos seguintes
custos indiretos de produção:
103
Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010
Custo
Memória de
Memória de
Cálculo – MDF MDF Carvalho Cálculo – MDF MDF Castanho
Carvalho
Castanho
Valor
Pintura
210.000,00
210.000x71%
148.235,00
210.000x29%
61.765,00
Corte
460.000,00
460.000x71%
324.706
460.000x29%
135.294
Os custos diretos, para serem alocados
aos produtos, seguiram basicamente a
seguinte fórmula: Valor dos Custos Unitário X
Quantidade Produzida X Índice de Produção.
Um detalhe importante: o item “Quantidade
Produzida” tem relação direta com a unidade
de produção do custo. O preço de venda
dos produtos MDF de Carvalho e MDF
de Castanho são de 400,00 e 450,00 por
unidade. Após analisadas essas informações,
o modelo de cálculo através do custeio direto
chegou aos seguintes resultados:
MDF Carvalho
1.829.520
1.187.918
Resina
4.630.500
1.543.500
589.275
2.902.725
Aditivos Químicos
309.750
103.250
Embalagem
442.500
184.375
Biomassa
774.375
180.688
Depreciação
816.750
180.688
Mão-de-obra
1.500.000
875.000
Custo Com Pintura
148.235
61.765
Custo com Corte
324.706
135.294
11.365.611
7.355.201
60.000
25.000
CUSTO UNITÁRIO
189
294
Preço de Venda
400
450
Lucro
211
156
53%
35%
12.634.388.82
3.894.798.68
CUSTO TOTAL
Quantidade Produzida/Vendida
% Lucro
Lucro Total
Pintura (Quantas Vezes por
Produto)
Corte (Quantas Vezes por
Produto)
MDF de Carvalho
0,5
0,5
MDF de Castanho
5
6
O primeiro passo será descobrir quanto
custa executar cada atividade, lembrando
que cada atividade é executada por produtos
unitários:
Custo
MDF Castanho
Madeira
Energia Elétrica
Produto
Total do
Custo
Total
Produzido
Custo
Total de
Por AtiviAtividade
dade
60.000+
Pintura 210.000,00 25.000=
85.000
85.000x
(0,5+5)=
467.500
2,226
60.000+
460.000,00 25.000=
85.000
85.000x
(0,5+6)=
552.500
1,201
Corte
Logo após, verificaremos quanto foi o total
do custo de cada atividade em cada produto:
MDF de Carvalho
Custo
Quantidade da QuantidaCusto por
Ativida- de ProduAtividade
de por
zida
Produto
Custo
Total
Pintura
2,226
0,5
60.000
40.645,00
Corte
1,201
0,5
60,000
76.667,00
MDF de Castanho
Custo
Para aplicarmos o custeio ABC, mantendo
os dados já utilizados, precisaremos da
seguinte informação: quais são as atividades
que geraram os custeios indiretos, e
quantas vezes essa atividade foi executada
por produto. Através de pesquisas com
os técnicos responsáveis, chegamos às
seguintes conclusões:
Quantidade da QuantidaCusto por
Ativida- de ProduAtividade
de por
zida
Produto
Custo
Total
Pintura
2,226
0,5
25.000
169.355
Corte
1,201
0,5
25,000
383.333
Os demais cálculos dos custos diretos se
mantêm. Então, logo após a execução dos
cálculos acima, chegamos aos seguintes
resultados através do custeio ABC:
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Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010
MDF Carvalho
MDF Castanho
Madeira
1.829.52
1.187.918
Resina
4.630.50
1.543.500
Energia Elétrica
589.275
2.902.725
Aditivos Químicos
309.750
103.250
Embalagem
442.500
184.375
Biomassa
774.375
180.688
Depreciação
816.750
180.688
Mão-de-obra
1.500.000
875.000
Custo Com Pintura
40.645
169.355
Custo com Corte
76.667
383.333
11.009.9
7.710.831
60.000
25.000
CUSTO TOTAL
Quantidade Produzida/Vendida
CUSTO UNITÁRIO
183
308
Preço de Venda
400
450
Lucro
217
142
adequado para as empresas que prestam serviços,
pelas dificuldades que têm na definição de seus
custos, gastos e despesas. Tendo essas empresas
menor necessidade de imposição de seus rateios.
Apesar das vantagens anteriormente
mencionadas,
uma
das
grandes
desvantagens, mencionadas por diversos
autores estudados, a implantação do custeio
do ABC é trabalhoso, caro e de complicada
implantação, devido a, primeiramente, serem
necessárias diversas entrevistas com os
setores geradores de custos da empresa.
Logo após implantado, porém, será de
grande valia para o gestor, fazendo assim
com que tenha um resultado mais exato e
que sua tomada de gestão seja baseada em
uma ferramenta que possibilite uma maior
administração dos custos e atingir o objetivo
principal da entidade: maximizar o lucro e
administrar os seus custos.
Conclusão
Com o presente artigo, chegamos à
% Lucro
54%
31%
conclusão de que não basta à empresa
conhecer bem os seus custos para alcançar
Lucro Total
12.990.00 3.539.169,33
o lucro. Ela deve conhecer também onde está
sendo gerado o custo, qual atividade executa
Considerações
que gera custo bem como de que maneira
Ao analisarmos ambos os métodos de deve alocar os custos comuns ou indiretos
custeio (Direto e ABC), nota-se que os aos produtos, qual método de custeio deve
produtos de MDF de Carvalho mantiveram- utilizar.
se basicamente os mesmos, ocasionando
Um dos grandes problemas identificados
apenas uma pequena variação de 1% do lucro nas empresas ultimamente é a utilização
total. No produto MDF de Castanho, porém, de critérios subjetivos, e muitas vezes, sem
ocorreu uma variação mais significativa de relação causa x efeito do custo com o produto
4% do seu lucro.
analisado, muitas vezes, supervalorizando
Esta variação ocorre basicamente por ou subvalorizando o custo do produto
causa do custo indireto de produção com ofertado, afetando assim, o resultado da
corte, por, no método de custeio direto, estar empresa. Existem situações em que essa
sendo rateado com base na produção e não variação entre os resultados, comparando os
suas atividades, subvalorizando seu custo diferentes métodos de custeio, muitas vezes
assim. Ao identificarmos as atividades que acaba por não ser relevante.
ocasionaram estes custos indiretos, fugimos
Para diminuir esse grau de subjetividade
da subjetividade do critério de rateio, uma dos critérios de rateio surgiu o Método
vez que ao identificarmos as atividades, de Custeio através das Atividades (ABC),
alcançamos um resultado mais exato do visando um controle maior das atividades
custo de produção deste período.
geradoras de custos para melhor identificar
Conforme Rinaldi (2008, p. 3):
quais atividades geram custos bem como
para qual produto esta atividade está
O sistema ABC surgiu para fornecer informações
relacionada.
mais precisas. Esta metodologia permite um controle
Esse gerenciamento de métodos de
mais efetivo dos gastos, e os custos indiretos não são
tratados mais por produtos, mas, sim, por atividade.
custeios acabou por se tornar um diferencial
Esse sistema traz informações gerenciais mais secompetitivo no mercado atual, pois o mesmo
guras por meio da utilização do rateio, sendo mais
afetará diretamente a competitividade no
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Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010
mercado, afetando assim diretamente o
preço de venda. No estudo de caso utilizado,
acabou-se por não se tornar relevante
percentualmente a diferença entre os
resultados. Em matéria de valores, porém,
tornou-se relevante entre os métodos,
cabendo à empresa analisar outros fatores
para a escolha de qual dos dois métodos
acaba por ser o melhor, sendo que, entre
os fatores, deve-se analisar qual quantidade
vendida do produto, deve ser considerada o
carro chefe, com mais aceitação no mercado,
entre outros.
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Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010
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publicação final, já que a dimensão das menores letras e símbolos não deve ser inferior
a 2 mm depois da redução. Ilustrações em cores são aceitas, mas o custo de impressão
é de responsabilidade do autor.
As citações no interior do texto devem obedecer as seguintes normas: um autor (Linsen, 1988); dois autores (Vergara e Vermonth, 1960); três ou mais autores (Larrousse
et al., 1988). Trabalhos com mesmo(s) autor(es) e mesma data devem ser distinguidos
por sucessivas letras minúsculas (Exemplo: Scouth 2000a,b), o mesmo ocorrendo com
trabalhos de múltiplos autores que tenham em comum o primeiro deles. Não utilizar op.
cit. nem apud. Devem ser evitadas citações a informações pessoais e de trabalhos em
andamento.
Os artigos deverão ser enviados em CD, acompanhado de duas vias impressas ou via
e-mail, em arquivo eletrônico anexo, desde que não ultrapasse a 8 Mb. O autor receberá
a confirmação de recebimento.
Os artigos serão selecionados de acordo com a sua relevância, originalidade e qualidade científica. Toda submissão deverá estar adequada às normas da revista ATITUDE
e aprovada por todos os autores do trabalho.
Os trabalhos enviados para a publicação serão analisados, primeiramente, por um dos
membros da Comissão Editorial, que decidirá pela sua pertinência para as áreas de
Ciências Sociais, Ciências Tecnológicas ou afins. Posteriormente, os manuscritos serão
enviados a pelo menos dois avaliadores ad-hoc, que farão uma revisão cega. Os pareceres
dos avaliadores deverão discorrer sobre os seguintes pontos do manuscrito: atendimento
das normas de publicação estipuladas; pertinência na área; relevância dos resultados;
adequação científica da redação; atualização da literatura utilizada; clareza dos objetivos,
da metodologia e dos resultados; e sustentabilidade da discussão pelos resultados obtidos
e na literatura científica. O parecer final poderá ser: aceito sem modificação; aceito com
modificações; ou recusado. O(s) autor(es) serão informados da decisão, assim que ela
for tomada.
Os artigos que tiverem recomendação de alteração serão remetidos ao autor para as
devidas providências e será necessário o reenvio de nova cópia impressa em um mês e
outra em disquete ou CD ou e-mail para a Comissão Editorial.
A aceitação final do manuscrito será condicionada à concretização das modificações solicitadas pelo pareceristas ou com a devida justificativa do(s) autor(es) para não fazê-la.
O Conselho Editorial da Revista Atitude fará revisões de linguagem no texto submetido,
quando necessário.
Toda responsabilidade do conteúdo do artigo é do(s) autor(es).
Cada artigo submetido à Revista Atitude receberá cinco exemplares da revista.
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were not performed. The Editorial Committee of Atitude Journal of Dom Bosco Faculties from
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