tumor desmoide.p65 - Departamento de Diagnóstico por Imagem
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Tumor desmóide mesentérico: relato de caso / Santos JEM et al. Relato de Caso Tumor desmóide mesentérico: relato de caso José Eduardo Mourão Santos1, Donato R. Mucerino2, Giuseppe DIppolito3 Resumo Descritores: Fibromatose agressiva; Diagnóstico por imagem; Neoplasias peritoneais. Os autores relatam caso de um homem de 37 anos de idade submetido a laparotomia para retirada de massa indolor em fossa ilíaca esquerda, com diagnóstico histopatológico de fibromatose intraabdominal, entidade rara, de difícil planejamento terapêutico, com recidiva freqüente, agressiva localmente, ocasionando taxa de morbiletalidade bem definidas na literatura. Os exames de imagem realizados e seu papel no diagnóstico são aqui discutidos. ) Recebido para publicação em 10/5/2004. Aceito, após revisão, em 5/8/2004. Trabalho realizado no Serviço de US/TC/RM do Hospital São Luiz, São Paulo, SP. 1 Médico Pós-Graduando do Departamento de Diagnóstico por Imagem da Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina (Unifesp/EPM). 2 Mestre em Gastroenterologia Cirúrgica pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). palavra desmóide é derivada do grego desmos e significa em forma de banda[1,2]. O tumor desmóide, ou fibromatose, é uma neoplasia rara e de crescimento lento, sem metástases, mas localmente invasiva[3,4]. Foi descrita inicialmente por Mac Farlane em 1832[2,5]. É também denominada de fibromatose profunda, fibromatose agressiva e fibromatose musculoaponeurótica[6]. A incidência do tumor desmóide é de somente dois a quatro casos por um milhão de habitantes[1,79], correspondendo a menos de 0,1% de todos os tumores na população geral[2,7,10]. São mais comumente vistos nas extremidades (4251%) e menos comumente em outros sítios como parede abdominal (1222%) e na cabeça e pescoço[8,10]. A incidência aumenta quando está associado a polipose adenomatosa familiar (PAF)[1,2]. Estes pacientes têm risco de desenvolver tumores desmóides mil vezes maior do que a população em geral[1]. A fibromatose mesentérica é a neoplasia sólida primária mais comum do mesentério, porém é o tipo menos comum de fibromatose. Aproximadamente 80% dos desmóides intra-abdominais ocorrem no mesentério do intestino delgado[11]. Os desmóides são mais freqüentes em adultos jovens, e mulheres são três vezes mais afetadas do que homens[2]. No momento do diagnóstico os tumores desmóides podem apresentar grandes dimensões, pois em sua maioria são assintomáticos, a não ser quando envolvem ou invadem estruturas adjacentes como músculos, tendões, órgãos, nervos e vasos sanguíneos[11,12]. Quando sintomáticos, a queixa mais comum é dor[13]. A escolha da terapêutica adequada é difícil quando o tumor desmóide é intraabdominal, pois apresenta alta taxa de mortalidade, em torno de 11% nos pacientes com PAF e de 31% das mortes após colectomia, a segunda causa de morte quando o câncer colorretal não é levado em consideração[14,15]. Os desmóides das extremidades, ao contrário, apresentam risco de morte praticamente nulo[15]. O tratamento de escolha e, aparentemente, o mais efetivo é a remoção cirúrgica total do tumor com ampla margem de segurança[11,13], porém, nem sempre possível. 3 Professor Adjunto do Departamento de Diagnóstico por Imagem da Unifesp/EPM, Coordenador do Serviço de Diagnóstico por Imagem do Hospital São Luiz. RELATO DO CASO Correspondência: Prof. Dr. Giuseppe DIppolito. Rua Professor Filadelfo Azevedo, 617, ap. 61, Vila Nova Conceição. São Paulo, SP, 04508-010. E-mail: [email protected] Paciente do sexo masculino, 37 anos de idade, procurou auxílio médico queixando-se de massa indolor em fossa ilíaca esquerda. Dando seqüência à exploração Rev Imagem 2005;27(1):6973 69 Santos JEM et al. / Tumor desmóide mesentérico: relato de caso clínica, foram solicitados exames de tomografia computadorizada (TC) e ressonância magnética (RM) do abdome para elucidação diagnóstica. A TC mostrou massa sólida homogênea, de contornos regulares e bem definidos, sem evidências de calcificações ou gordura em seu interior, aderida à alça de delgado, com discreto realce heterogêneo após a injeção do contraste endovenoso (Figs.1 e 2). Na RM esta massa era homogênea e apresentava hipossinal nas seqüências ponderadas em T1 e T2, sugerindo um componente fibrótico. Na seqüência com supressão de gordura não se observou alteração significativa do comportamento de sinal da massa (Figs. 3, 4 e 5). O paciente foi submetido a laparotomia, com ressecção da lesão e do segmento de alça de delgado aderido a esta. A macroscopia não evidenciou sinais significativos de necrose ou hemorragia (Fig. 6). Na microscopia observou-se lesão fusocelular com áreas hipocelulares e colagenizadas envolvendo a parede intestinal e mesentério, com discreto pleomorfismo nuclear, sem figuras de mitoses. O estudo imuno-histoquímico revelou positividade para beta-catenina em padrão nuclear. Estes achados foram compatíveis com tumor desmóide (fibromatose intra-abdominal). Fig. 1 TC sem contraste endovenoso. Massa sólida homogênea de contornos regulares e bem definidos (seta maior). Não se visualizam calcificações ou gordura em seu interior. Observa-se alça de delgado com contraste, aderida à lesão (seta menor). Fig. 2 TC com contraste endovenoso mostrando discreto realce heterogêneo da lesão em mesentério. Fig. 3 RM com imagem pesada em T1 (400/11), corte axial. A massa apresenta hipossinal homogêneo. Fig. 4 RM com imagem pesada em T2 (1.800/140). Massa com hipossinal homogêneo. 70 DISCUSSÃO A fibromatose pode ser dividida em superficial (fascial) e profunda (musculoaponeurótica). O grupo superficial compreende a contratura palmar de Dupuytren, a Rev Imagem 2005;27(1):6973 Tumor desmóide mesentérico: relato de caso / Santos JEM et al. Fig. 5 RM com supressão de gordura (1.800/90). A lesão não apresenta alteração significativa do sinal em relação às imagens sem supressão de gordura. Fig. 6 Aspecto macroscópico da lesão após sua retirada cirúrgica. Não se observam sinais significativos de necrose ou hemorragia. doença plantar de Ledderhose e a doença peniana de Peyronie. O grupo profundo inclui os desmóides extraabdominal, abdominal e intra-abdominal. As lesões intra-abdominais ainda podem ser subdivididas em: fibromatose pélvica, fibromatose mesentérica e síndrome de Gardner[11]. O tumor pode atingir grandes dimensões antes de sua detecção, devido à grande mobilidade do mesentério[11]. Macroscopicamente, o tumor desmóide apresenta-se como massa com consistência semelhante à borracha, de coloração branco-acinzentada, não encapsulada[12]. Microscopicamente, é formada por fibroblastos em forma de fuso, dispostos em bandas e fascículos e envoltos por quantidade variável de colágeno, que infiltram a musculatura e podem se tornar aderentes aos órgãos adjacentes, apresentando comportamento agressivo localmente, no entanto, sem achados citológicos sugestivos de malignidade e não se observando metástases[14]. A coloração imuno-histoquímica para beta-catenina auxilia na diferenciação com tumores gastrintestinais estromais (GIST) e mesenterite esclerosante[6]. A etiologia da fibromatose não é clara. No passado era considerada lesão secundária a trauma ou a cirurgia[12,16]. A gravidez é outra causa comumente relacionada ao seu aparecimento[12,13]. Atualmente, fatores hormonais têm sido considerados, com subsídios que sugerem estímulo estrogênico no seu crescimento[3,8,11,12,14,16]. Em pacientes com PAF o gene APC no cromossomo cinco[10] parece ser o fator individual de risco mais importante em determinar a formação de tumores desmóides[7]. A lesão ao ultra-som (US) apresenta ecogenicidade variável[17], podendo se apresentar como massa sólida hipoecóica[8], com margens bem definidas[17]. Na TC apresenta densidade de partes moles, discretamente hipoatenuante em relação ao tecido muscular e com realce pelo contraste endovenoso[8,14]. Pode apresentar margens bem definidas ou não e estriações na gordura mesentérica adjacente. A TC é útil no planejamento cirúrgico e em predizer o prognóstico do paciente[18]. A RM não apresenta padrão de imagem característico, mostrando hipo ou isossinal nas imagens pesadas em T1. Em T2 a lesão apresenta hipossinal ou discreto a forte hipersinal[8,19,20]. Provavelmente esta variação é devida a diferentes quantidades de colágeno compondo os tumores desmóides[3,20]. A literatura confere à TC e particularmente à RM um papel importante na detecção e caracterização da lesão, bem como na avaliação de envolvimento de estruturas vizinhas[8]. No que se refere a estes aspectos, a utilização de seqüências pesadas em T1, com supressão de gordura e após a injeção de gadolínio, auxiliam na caracterização de lesões fibróticas como o tumor desmóide[20]. Quando há suspeita de envolvimento vascular, principalmente dos vasos mesentéricos[4], as técnicas de angio-RM e angio-TC, realizadas com tomógrafos com múltiplos detectores, são de grande utilidade[21]. A TC tem seu papel bem estabelecido na literatura no seguimento das lesões tratadas clinicamente ou no pósoperatório, para avaliar o sucesso do tratamento ou possíveis recorrências[2,10,12,22]. A biópsia percutânea guiada por US ou TC pode ser empregada para diagnóstico de massas abdominais, no entanto, os tumores mesentéricos apresentam um complicador devido à interposição de alças intestinais, não sendo freqüentemente possível a realização de estudos histopatológicos (core biopsy); nestes casos, o estudo citopatológico obtido de uma biópsia por agulha fina é Rev Imagem 2005;27(1):6973 71 Santos JEM et al. / Tumor desmóide mesentérico: relato de caso considerado um procedimento seguro, mesmo havendo transfixação intestinal[23]. O diagnóstico diferencial do tumor desmóide mesentérico se faz com massas irregulares mal definidas, notadamente o carcinóide de intestino delgado, os tumores gastrintestinais estromais e a mesenterite esclerosante[6,11,18], além dos linfomas e infiltrações neoplásicas do câncer de pâncreas, estômago e cólon[18]. A cirurgia é o tratamento de escolha[8]. A taxa de recidiva é alta, variando de 29% a 86%[2,810,12,13] e ocorrendo um a dois anos após o tratamento inicial[12]. Devido à sua grande agressividade local, com aderência a estruturas circunvizinhas, nem sempre é possível a sua excisão completa. Nos casos em que a cirurgia não está indicada ou como adjuvante ao tratamento cirúrgico, são propostas outras terapias, em sua maioria medicamentosas: hormonais, antiinflamatórios não hormonais e quimioterapia e também a radioterapia[1416,24]. Nos casos em que a massa neoplásica é extensa, tem sido advogada a retirada de grande segmento de alça associada a transplante intestinal[4,25]. Recentemente, Hansmann e cols.[1] propuseram o uso de altas doses de tamoxifeno e sulindac como tratamento inicial em tumores desmóides nos pacientes com polipose adenomatosa familiar. Tendo em vista todos estes aspectos, a abordagem terapêutica mais adequada é difícil de ser estabelecida[15]. Em nosso caso, o paciente apresentou um tumor desmóide intra-abdominal não relacionado a polipose adenomatosa familiar. A massa estava localizada no mesentério do intestino delgado, sítio mais comum das neoplasias sólidas primárias mesentéricas[11]. Nas imagens de TC a massa apresentou padrão sólido e homogêneo. Na RM a lesão mostrou hipossinal em T1 e T2 e realce heterogêneo após a injeção do contraste endovenoso, provavelmente traduzindo um maior componente de fibras colágenas. O tratamento escolhido foi a excisão cirúrgica da massa, com ressecção da alça de intestino delgado adjacente e enteroanastomose. Concluindo, o tumor desmóide de mesentério, apesar de infreqüente, deve ser considerado entre os diagnósticos diferenciais de massas tumorais mesenteriais, principalmente quando na presença de lesão sólida e bem definida e com comportamento de sinal de RM que indique componente fibrótico e sem evidência de gordura no seu interior. A TC e a RM podem ser utilizadas para um planejamento cirúrgico seguro e para acompanhamento evolutivo. REFERÊNCIAS 1. Hansmann A, Adolph C, Vogel T, Unger A, Moeslein G. Highdose tamoxifen and sulindac as first-line treatment for desmoid tumors. Cancer 2004;100:61220. 72 2. Ozuner G, Hull TL. Familial desmoids in association with adrenal and ovarian masses and leiomyomas: report of three cases. Dis Colon Rectum 1999;42:52932. 3. Chao AS, Lai CH, Hsueh S, Chen CS, Yang YC, Soong YK. Successful treatment of recurrent pelvic desmoid tumour with tamoxifen: case report. Hum Reprod 2000;15:3113. 4. Morris JA, Johnson DL, Rimmer JA, et al. Identical-twin smallbowel transplant for desmoid tumour. Lancet 1995;345:1577 8. 5. Lima MFP, Melo ALKO, Leite LSB, Cavasini AM. Tumor desmóide abdominal: dificuldades no diagnóstico clínico e radiológico. Radiol Bras 1998;31:1613. 6. Montgomery E, Torbenson MS, Kaushal M, Fisher C, Abraham SC. 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We discuss the imaging methods used and their role in the diagnosis of this patient. Key words: Aggressive fibromatosis; Diagnostic imaging. Peritoneal neoplasms. 73
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