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ISSN 1659-2697 ANO I EDIÇÃO Nº 3 Primeiro Fórum Brasileiro da Água ALTO PERFIL Entrevista com Abel Mejía Gerente da Unidade de Meio Ambiente para América Latina e Caribe do Banco Mundial LEGISLAÇÃO A governabilidade da água CASOS Opções sob medida para as comunidades FINANCIAMENTO DOS SERVIÇOS DE ÁGUA E SANEAMENTO ANO I EDIÇÃO Nº 3 CONSELHO EDITORIAL Maureem Ballestero | Presidente Pró-tempore da Comissão Interparlamentar de Ambiente e Desenvolvimento (CICAD), do Sistema de Integração da América Central (SICA). Claudio Osorio | Assessor regional em redução de risco iniciativa OPS/ OMS UNICEF para a mitigação de desastres em serviços de água e saneamento Roberto Salas | Presidente do Grupo Amanco María Luisa Torregrosa | Professora Pesquisadora da Faculdade LatinoAmericana de Ciências Sociais (Flacso), México. DIREÇÃO GERAL | Yazmín Trejos EDITORA CHEFE | Nidia Burgos EDITOR TÉCNICO | Richard Köhler COLABORADORES José Esteban Castro | Universidade de Newcastle Rubén Darío Avendaño | Banco Internacional de Desenvolvimento Gordon Mc Granahan | Instituto Internacional para o Ambiente e Desenvolvimento Helvecio Mattama Saturnino | Associação Brasileira de Irrigação e Drenagem Antônio Fernando Guerra | Associação Brasileira de Irrigação e Drenagem Omar Cruz Rocha | Associação Brasileira de Irrigação e Drenagem Miguel Solanes | Cepal Andrei Jouralev | Cepal DIRETOR DE ARTE | Erick Valdelomar | NG FOTOGRAFIAS | Latin Stock-Corbis | Carmen Abdo Zaglul FOTO DA CAPA | Carmen Abdo Zaglul DESENHO NG | Alajuela - Costa Rica FALE CONOSCO: [email protected] EDIÇÃO EM PORTUGUÊS: Ink Comunicação – São Paulo – Brasil Uma publicação promovida pelo Grupo Amanco Produzida por Comunicação Corporativa / Ketchum CONTEÚDO Projeto Prinwass 17 ALTO PERFIL Eng. Abel Mejía 21 Financiamento dos serviços de água e saneamento 33 Nas questões de serviços de água e saneamento existem muitas necessidades e modelos de financiamento, de acordo com Abel Mejía, representante do Banco Mundial. 22 Na busca de soluções para financiamento dos serviços de água e saneamento existem diversas opções cuja definição destaca os desafios que a América Latina deve enfrentar. CASOS Opções sob medida para as comunidades A experiência de diferentes comunidades da região mostra que não existe uma única receita para solucionar as múltiplas necessidades nos campos de água e saneamento. Casos de Monterrey, México e Puerto Cortés, Honduras. Governabilidade da água 11 Eficiência em irrigação 35 4 PERSPECTIVA 6 NOVA CULTURA 9 CURTAS DO MUNDO 10 OPINIÃO 11 LEGISLAÇÃO 16 SITES INTERESSANTES 35 IRRIGAÇÃO 38 CALENDÁRIO DE EVENTOS PERSPECTIVA Um enfoque multissetorial NA QUESTÃO DO FINANCIAMENTO DOS serviços de água e saneamento na América Latina, a participação de diferentes setores parece ser mais a regra do que a exceção nos projetos mais bem-sucedidos. A prática demonstrou a diferentes países que a união de esforços da sociedade: o Estado, as empresas e outras instituições como organismos de financiamento e ONGs, são fundamentais para alcançar melhores resultados. Está claro que o nível de investimento necessário para ampliar a cobertura e a qualidade da água para a população da América Latina é extremamente elevado, dada a quantidade de obras necessária a realizar, e portanto é essencial garantir a eficiência e probidade dos processos de contratação e a qualidade do resultado final. Conhecemos experiências muito positivas tanto do setor público como do privado, que alcançaram um grau mais elevado de satisfação quando tiveram a participação dos usuários dos serviços, que se apropriaram de seus recursos e apoiaram os processos de melhoria. Nestes casos, um papel importante foi desempenhado pelos bancos de segundo escalão, que ofereceram recursos financeiros, acompanhados de assessoria na administração eficiente destes serviços. Outro ator relevante foram os municípios, os quais tomaram a iniciativa de levantar os recursos e administrar as mudanças nas respectivas legislações para levar adiante projetos novos ou de melhorias nos serviços de água e saneamento. Também as ONGs se integraram fortemente para apoiar diversas comunidades em nossos países conseguindo oferecer assesso- ria, capacitação e recursos econômicos para que as diversas populações exerçam seu direito à água e contem com este recurso na quantidade, freqüência e qualidade que lhes cabe como seres humanos. Na presente edição de Aqua Vitae desejamos colocar na mesa de discussão este importante tema sobre o financiamento dos serviços de água e saneamento e, por meio de nossa própria pesquisa ou da informação fornecida por nossos colaboradores, pudemos mostrar experiências que demonstram que o interesse de obter serviços de qualidade vai além da iniciativa estatal ou privada. Hoje o que mais importa é a qualidade do enfoque multissetorial, onde diversos setores dão sua contribuição por meio de alianças eficientes, obtendo projetos sustentáveis. Atualmente, algumas destas organizações que se desenvolveram e se transformaram em instituições eficientes, estão dispostas a oferecer a outras comunidades os detalhes de seu modelo para que possam ser replicados em outras regiões, como nos casos de Puerto Cortés, em Honduras, e de Montería, na Colômbia, por exemplo. O ano de 2015 aproxima-se e embora alguns considerem que será difícil para a América Latina cumprir os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio no que diz respeito à cobertura dos serviços de água e saneamento, o salto que muitos países da região conseguiram dar, já é bem-vindo, pois a experiência lhes ensinou uma das normas mais importantes para alcançar o sucesso na obtenção de seus objetivos em água e saneamento: a necessidade de associar-se e trabalhar em conjunto com diversos setores. Um grande desafio que permanece para muitos, mas uma referência digna de ser experimentada. Roberto Salas Presidente, Grupo AMANCO 4 AQUA VITAE PRIMEIRO FÓRUM BRASILEIRO DA ÁGUA Brasil promove debate sobre seu recurso hídrico C onscientes da importância de analisar o presente e o futuro do recurso hídrico no Brasil, diversas organizações e empresas privadas realizaram o Primeiro Fórum Brasileiro da Água, em outubro último, atividade que se planeja realizar todos os anos. Um dos principais resultados do fórum foi o início de um verdadeiro diálogo multissetorial, de modo que representantes de diversos setores possam contribuir na busca de soluções, uma vez que existe a vontade para trabalhar de forma conjunta. Isto é especialmente importante em um país como o Brasil, muito sensível à questão da água, já que enquanto em algumas de suas regiões o recurso é abundante, em outras, pelo contrário, é muito escasso. Além disso, o país enfrenta ainda grandes desafios no abastecimento e saneamento para uma população de quase 200 milhões de habitantes. Participaram como conferencistas os mais importantes especialistas no assunto, entre eles o Professor Benedito Braga, diretor da Agência Nacional de Águas O Fórum Brasileiro da Água contou com representantes de uma grande quantidade de organizações. da Universidade de São Paulo e diretor do Centro Internacional de Referência em Reuso de Água CIRRA/IRCWR da Universidade de São Paulo; Mara Lucía Oliveira da Organização Panamericana de Saúde (OPS) e Expedito de Albuquerque Luna do Ministério da Saúde. CARMEN ABDO ZAGLUL No encontro discutiu-se o cenário mundial da água e o importante papel do Brasil no mesmo. Para tanto foram realizados cinco debates: “Água: um desafio multissetorial”; “Uso eficiente dos recursos hídricos para os três grandes usuários (seres humanos, agricultura e indústria)”; “Água, saneamento e saúde pública no Brasil”; “Saneamento básico: desafios e tendências legais” e “Água e instituições financeiras: gestão de riscos e financiamento”. CARMEN ABDO ZAGLUL Com o patrocínio da Amanco e organização do Conselho Empresarial Brasileiro de Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), o evento reuniu 250 participantes, entre representantes do governo brasileiro, ONGs, empresas públicas e privadas, comunidade acadêmica, especialistas do setor da água e jornalistas. Durante o Fórum foi lançada a versão em português da revista Aqua Vitae. (ANA); Samuel Barreto, coordenador do Programa Água para a Vida da WWFBrasil; Ivanildo Español, professor titular do Departamento de Engenharia Hidráulica e Sanitária da Escola Politécnica Andreas Eggenberg, diretor executivo de Soluções Agrícolas da Amanco, participou como palestrante no tema “Incentivo a sistemas eficientes no uso da água para irrigação” e comentou sobre como os sistemas eficientes de irrigação podem contribuir para que a América Latina tenha menos sede, por meio do uso racional da água, e menos fome, graças a uma maior produtividade agrícola. No Fórum Brasileiro de Água, a Amanco aproveitou a oportunidade para lançar a revista Aqua Vitae, em idioma português, a qual circulará em todo Brasil com distribuição gratuita por assinatura. p AQUA VITAE 5 NOVA CULTURA POR NIDIA BURGOS Q. A cidade do México viveu uma semana agitada com a conclamação mundial para participar do IV Fórum Mundial da Água, no qual milhares de pessoas de todo o planeta reuniram-se em um único lugar para discutir sobre um tema de importância comum: o presente e o futuro da água. Além das mais de 200 sessões apresentadas, quais foram os resultados deste importante encontro? Encontro de oportunidades El IV Foro Mundial del Agua se constituyó en el punto de encuentro de casi 20.000 personas, representantes de diferentes sectores, quienes tuvieron la oportunidad de escuchar y participar de las experiencias de los demás y ofrecer las propias. A OPINIÃO DE PARTICIPANTES concorda em que a principal conquista foi exatamente conseguir que representantes das mais diversas organizações de muitos países sentassem à mesma mesa para compartilhar experiências, discutir e recomendar novas opções para resolver os problemas associados ao fornecimento de água e saneamento. Força agregadora Se houver algo em que existe consenso com relação ao IV Fórum Mundial da Água é que ele conseguiu reunir as pessoas para trocar experiências – com as quais todos puderam aprender – e estabelecer parcerias. “Pela primeira vez, todos vieram sentar à mesma mesa: ministros, parlamentares, representantes locais, ONGs, empresas, instituições internacionais e profissionais. Este fórum teve uma força agregadora. As mulheres e os jovens tiveram uma maior representação que no passado”, afirma Loïc Fauchon, presidente do Conselho Mundial da Água, principal organizador dos Fóruns Mundiais da Água. Para Fauchon, outro benefício do encontro foi que assuntos como o direito à água ou seu financiamento foram objeto 6 AQUA VITAE de trabalhos preparatórios, de publicações e de propostas concretas. Além disso, a partir de múltiplas posições, às vezes divergentes, foi instituído o diálogo e houve convergência em alguns assuntos. Rubén Avendaño, especialista sênior em infra-estrutura do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), concorda que o grande mérito do Fórum é que as pessoas troquem opiniões e experiências de todo o mundo, sobre um tema comum. Este intercâmbio de experiências representa uma das mais importantes conquistas que Avendaño destaca: “O fórum permitiu aos participantes e às pessoas em geral conhecerem experiências funcionais de todas as partes do mundo, proporcionando um importante aprendizado sobre como os problemas de água estão sendo resolvidos em outras latitudes”. Uma visão similar tem María Angélica Alegría Calvo, representante para América Latina da Associação Holandesa Aliança de Gênero e Água, que afirma que, considerando o enfoque do Fórum em “Ações locais para um desafio global”, na prática foi favorecida a inclusão na base de dados de mais de duas mil experiências locais, muitas das quais foram apresentadas nas sessões temáticas. FOTO CORTESÍA DE IISD/HERAT NEGOCIATIONS BULLETIN. Encontro de oportunidades O IV Fórum Mundial da Água contou com mais de 20 mil participantes e mais de 200 sessões. Resultados práticos Embora os Fóruns Mundiais da Água não sejam planejados pare ter efeitos práticos imediatos, logo após o evento já se viu alguns resultados concretos. Um exemplo disto: o Conselho Mundial da Água associou-se a algumas iniciativas concretas locais ou mundiais que foram anunciadas durante o encontro. Neste sentido, o Conselho vai propor um programa denominado “Água para as escolas” (Water for School), com a finalidade de que mil centros educativos no mundo todo tenham acesso à água potável e a seu tratamento nos próximos três anos. Conforme explicou Fauchon, em conjunto com a comunidade internacional, também decidiu-se apoiar a criação de escolas regionais de manutenção, de forma a capacitar milhares de técnicos e administradores, que são capazes de fazer funcionar os serviços públicos de irrigação, distribuição e tratamento da água. O fato de conhecer experiências concretas compatíveis com o trabalho realizado pelo BID na América Latina, e a possibilidade de estabelecer contatos com seus organizadores, é outra das conquistas que – destaca Avendaño – o Fórum conseguiu. No entanto, esclareceu que os resultados práticos serão muito particulares para cada pessoa ou organização. Como exemplo, comentou que ele assistiu a uma sessão muito interessante sobre Números que importam A magnitude de uma reunião como o IV Fórum Mundial da Água revela em seus números os resultados de muitos meses de organização, de conquistas, de participação, de documentação, tudo com uma mesma finalidade: ampliar o debate e buscar consensos na questão da água. Alguns destes números são os seguintes: SESSÕES TEMÁTICAS Total de sessões Sessões exclusivas do México Sessões internacionais Sessões de grupos da sociedade civil Sessões especiais 206 44 162 35 21 AÇÕES LOCAIS Total de ações locais registradas Ações locais em sessão Ações locais em cartel 1.631 552 60 INSTITUIÇÕES PARTICIPANTES EM SESSÕES TEMÁTICAS Total de instituições que participaram Universidades e profissionais Intergovernamentais Governamentais Empresas Organizações da sociedade civil Atores locais e especialistas 323 113 48 82 9 71 1.236 FONTE: WWW.WORLDWATERFORUM4.ORG.MX AQUA VITAE 7 NOVA CULTURA uma experiência de financiamento que teve muito sucesso e que poderia ser reproduzida em outros lugares. Para María Angélica Alegría, com a realização do IV Fórum Mundial da Água, a América Latina ficou muito fortalecida, dada a grande quantidade de atividades preparatórias. “O contato entre diferentes organizações de todo tipo, privadas, da sociedade civil, acadêmicas e públicas foi muito intenso e estes grupos obtiveram poder ou saíram fortalecidos”, disse. Da mesma forma, obteve-se a criação de redes Latino-americanas, como a FAN (Fresh Action Network) Sudamérica, que realizou em maio passado sua reunião inicial de formação. Balanço Outra das conquistas que, em nível interno, o IV Fórum Mundial da Água teve, foi a pluralidade na participação de organizações de todo tipo. “Os números falam por si mesmos: 19 mil participantes, quase 150 delegações participaram da conferência ministerial, 120 prefeitos, 150 parlamentares, 340 empresas na exposição, cerca de 1.400 jornalistas”, destacou Fauchon. Acrescentou que a sociedade civil também esteve presente com a representação de mais de 800 organizações. A possibilidade de que governos como os da Bolívia ou da Venezuela, com posições muitas claras com relação à possível ingerência de outros países nos serviços de água e saneamento, e de que suas opiniões encontrassem eco, reflete esta abertura do Fórum, segundo Avendaño. “Fiquei surpreso em ver como a Santa Sé tem uma opinião sobre a questão da água e que também houve presença religiosa ali, digamos que houve um nível muito elevado de oportunidades”, acrescentou. De acordo com os números de participação de diversas organizações, que María Angélica Alegría exibe, parece que desta vez a sociedade civil pôde participar de uma maneira melhor. No entanto, ela acredita que isto não significa que foi uma participação equilibrada, devido ao custo de inscrição – que considera muito alto – e ao fato de não ter havido uma política oportuna sobre isenções ou descontos reais que permitissem a participação de um maior número de organizações sem fins lucrativos, com pouca disponibilidade financeira. A utopia dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio Da mesma forma, ficou claro para os 8 AQUA VITAE Compromisso com o futuro da água Por ocasião do IV Fórum Mundial da Água houve várias declarações de diversos setores interessados na questão da água, que manifestaram o interesse dos diferentes grupos em continuar a participar da luta pela água e na obtenção dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. nDeclaração dos Prefeitos e Autoridades nDeclaração Ministerial Locais A Conferência Ministerial contou com Pela primeira vez se reuniram prefeitos de a participação de 78 ministros do Am120 cidades de todo o mundo. biente ou da Água, assim como de 149 delegações destas pastas. nDeclaração dos Jovens sobre a Água Assistiram ao Fórum Mundial Juvenil da nDeclaração do México com base no Água 95 jovens. Encontro Mundial de Legisladores da Água nManifesto da Água dos Meninos e das O Encontro, que foi realizado pela priMeninas meira vez, contou com a presença de Participaram do 2° Fórum Mundial da Água mais de 100 legisladores, provenientes de Meninos, Meninas e Adolescentes, 112 de 17 países. crianças, representando 30 países. FONTE: WWW.WORLDWATERFORUM4.ORG.MX “Pela primeira vez, todos vieram sentar à mesma mesa: ministros, parlamentares, representantes locais, ONGs, empresas, instituições internacionais e profissionais” LOÏC FAUCHON, PRESIDENTE DO CONSELHO MUNDIAL DA ÁGUA. A ampla representação de culturas também foi destaque no Fórum. representantes dos países participantes que não conseguirão cumprir a tempo os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), no aspecto de água e saneamento, que eram esperados para 2015, na opinião de Avendaño. “Creio que os países se deram conta de que não vão ter tempo. O próprio fato de realizar o Fórum obrigou muitos países a ver que não estão cumprindo, que não conseguiram e que, além disso, nos resta pouco tempo”, comentou o representante do BID, que classificou isto como um “sinal de alerta”. María Angélica Alegría assegura que o Fórum teve um enfoque firme nos assuntos de água e saneamento, precisamente o mesmo interesse manifestado no Objetivo N° 7 de Desenvolvimento do Milênio, que pretende dotar de água segura um terço da população mundial que carece dela e oferecer saneamento adequado à metade das pessoas que não o têm. “Não sei se o Fórum poderá colaborar na obtenção da meta, mas ajudou enormemente a sensibilizar o mundo sobre este tema”, afirmou. Para Fauchon, “a voz da água” deve continuar a ser ouvida, e as mensagens que foram amplamente transmitidas no México devem ficar na mente daqueles que tomam as decisões, assim como na do público em geral, para que este recurso se transforme, de maneira definitiva, em uma prioridade no planeta. O próximo Fórum Mundial da Água será realizado no continente africano em 2009.p Informações adicionais também no site do Conselho Mundial da Água www.wwc.org CURTAS DO MUNDO Otimizando o uso da água TIBOR BOGNÁR/CORBIS Economizar água e dinheiro pode se constituir em uma boa mistura se forem encontrados os mecanismos mais eficazes e ao alcance das pessoas. Assim como implementar pequenas tecnologias domésticas, dessalinizar ou inclusive aproveitar a água de chuva parecem ser métodos possíveis de realizar em qualquer casa. Por exemplo, na ducha poderia ser utilizado um “perolizador”, que é um aparelho que permite que no banho a água saia em forma de gotas grandes, o que acarreta a economia de até 40% de água. Outra possibilidade é coletar e usar a água de chuva para regar o jardim, ou mesmo reciclá-la e utilizá-la na descarga ou na lavadora. Embora na América Latina a dessalinização não seja muito comum, é outra técnica que algumas pessoas poderiam utilizar, especialmente a osmose inversa, que se baseia no uso de uma membrana. Desafio da distribuição desigual de água no México No México, mais de 90% da população dos estados do norte e centro do país têm acesso à água potável, enquanto que no sudeste apenas a metade, conforme um estudo do Instituto de Geofísica (IGF) da Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM). Outros resultados desta pesquisa mostraram que os processos de purificação nos últimos dez anos, neste país, diminuíram substancialmente as doenças decorrentes da presença de bactérias. De acordo com dados da Comissão Nacional da Água (CNA) 95,9 % do total são desinfetados, embora sejam reciclados apenas 26,5% dos resíduos domésticos e industriais do país. Também mostrou que o nível de alguns aqüíferos mexicanos reduziu-se devido à superexploração subterrânea, e por isso considera-se importante harmonizar e utilizar a água em quantidade sustentável e aproveitá-la ao máximo. FONTE: BOLETIM UNAM, UNIVERSIDADE NACIONAL AUTÔNOMA DE MÉXICO. 2005 foi o ano mais quente O ano passado ultrapassou a marca de temperatura registrada em 1998, devido ao fato de a zona ártica ter registrado mais calor do que o normal, segundo informações da NASA, em um comunicado que aponta que o resultado vem confirmar “a forte tendência de aquecimento” da Terra. Desde meados da década de 1970, a temperatura do planeta aumentou 0,6 graus centígrados, enquanto que em todo o século XX o aumento foi de 0,8 graus. A maioria dos cientistas acredita que este fenômeno se deve à emissão dos gases que provocam o chamado “efeito estufa”, como dióxido de carbono, metano e ozônio. FONTE: REVISTA POPULAR MECHANICS, JUNHO 2006. Pela transparência Recentemente foi apresentado em Madri, na Espanha, o livro “Águas limpias, manos limpias. Corrupción e irregularidades en la gestión del agua en España”, que é uma iniciativa deflagrada pela Fundação Nova Cultura da Água (FNCA), para fazer um primeiro diagnóstico sobre a situação de corrupção e irregularidades que cercam a gestão da água na Espanha. O livro reúne um amplo conjunto de reconhecidos especialistas em matéria jurídica e de gestão da água e foi coordenado por Julia Martínez Fernández, doutora em Biologia da Universidade de Murcia, e Pedro Brufao Curiel, licenciado em direito da Universidade Complutense de Madrid. Este novo documento conta com uma primeira parte em que propõe uma série de reflexões gerais, e na segunda descreve diversos casos relevantes em cada bacia hidrográfica. FONTE: FUNDAÇÃO NOVA CULTURA DA ÁGUA. FONTE: AGÊNCIA EFE. AQUA VITAE 9 OPINIÃO . Engenheira MAUREEM BALLESTERO VARGAS > Presidente Pró tempore da Comissão Interparlamentar de Ambiente e Desenvolvimento (CICAD), do Sistema de Integração da América Central (SICA) Recursos ambientais: Em direção ao equilíbrio no aproveitamento da água A ÁGUA DOCE, TANTO SUA DISPONIBILIDADE COMO o acesso a ela, tem sido citada como um dos recursos naturais mais críticos. Diversos organismos internacionais têm mostrado que embora este recurso seja essencial para a saúde, para agricultura, a indústria e os ecossistemas, é freqüente a escassez em muitas regiões do mundo, não apenas nas zonas áridas. Em escala global, é possível considerar que existe uma emergência, que tenderá a se agravar, pois o ciclo da água não poderá suprir a demanda das décadas próximas, se permanecer o manejo irracional deste recurso. No século XXI, o manejo da água leva implícita uma complexidade extrema devido aos diferentes papéis que ela desempenha no desenvolvimento social, econômico, ambiental e até político. Embora a gestão integrada do recurso hídrico seja uma idéia amplamente aceita, também é de difícil implementação, sobretudo devido à concorrência, e até conflito existente pelo uso da água por parte dos diferentes setores produtivos e sociais; mas também por parte dos ecossistemas. Quero destacar este último aspecto, já que freqüentemente ignora-se, algumas vezes por omissões, intencionalmente na maioria das vezes, que os ecossistemas também são usuários deste precioso líquido. Além disso, a necessidade de que eles tenham acesso à água está ligada diretamente à proteção e à preservação da biodiversidade, a paisagem e a saúde. Do ponto de vista ambiental, foi dado início à realização de esforços importantes em diversos países do mundo para estabelecer os “recursos ecológicos ou ambientais”. Eles garantem que uma quantidade mínima de água, que cumpra os requisitos das espécies e o funcionamento dos ecossistemas, será reservada para os próprios ecossistemas e não atribuída para outros fins. Embora tenham sido desenvolvidas cerca de 150 metodologias com aplicações em mais de 40 países e muitos estudos de casos estejam disponíveis no meio científico, ainda existem algumas questões a resolver neste trabalho tão complexo. Infelizmente, a América Latina pouco avançou neste sentido. Provavelmente a sensação de abundância influa negativamente sobre a otimização do uso do recurso, considerando a 10 AQUA VITAE integridade dos ecossistemas. E se fizermos uma breve revisão, será fácil concluir que em muitas áreas de nosso continente americano (e do planeta inclusive) não são cumpridas as pautas necessárias para alcançar um uso racional da água e para o desenvolvimento sustentável. As intervenções do ser humano voltadas a criar “desenvolvimento” causaram impactos significativos sobre o recurso hídrico, reduzindo o fluxo total de muitos rios, afetando a sazonalidade dos fluxos, e incidindo sobre o tamanho e a freqüência das inundações. Muitas obras de infra-estrutura hidráulica como represas e diques, especialmente aquelas construídas nas décadas anteriores e cujo objetivo era permitir uma melhor regulação da água para a irrigação, ou para o abastecimento da população, a navegação ou o controle de inundações, foram realizadas sem considerar ou entender o “recurso ambiental”. Isto provocou grandes alterações nos serviços ecológicos e hidrológicos proporcionados por ecossistemas usuários de água, o que por sua vez aumentou a vulnerabilidade das pessoas e especialmente dos pobres. Sempre há uma face humana nas ações de desenvolvimento e, portanto, as decisões políticas devem procurar beneficiar o maior número de pessoas, e em especial os mais necessitados. Neste sentido, é importante que as instituições controladoras das águas em nossos países comecem a assumir a liderança na determinação de recursos ambientais. Os resultados dos estudos devem permitir a estas instituições tomar decisões de manejo, tais como ajuste de recursos sob concessão, incentivos por eficiência, aplicação de medidas de alívio, convênios entre usuários e outros. Da mesma forma, a legislação sobre recursos hídricos e os acordos institucionais devem ser atualizados com a finalidade de considerar os ecossistemas como usuários legítimos da água e aplicar a eles o conceito de recursos ambientais. Apenas desta forma poderemos defender um usuário que não nos fala com palavras, mas que comunica seus problemas de múltiplas formas, muitas delas afetando nossa qualidade de vida: os ecossistemas. p LEGISLAÇÃO POR MIGUEL SOLANES >Assessor Regional em direito de Águas e Regulação de Serviços AMDREI JOURALEV >Executivo para assuntos econômicos da Divisão de Recursos Naturais e Infra-estrutura Comissão Econômica para América Latina e Caribe (CEPAL) O grau de acordo social referente à natureza da relação entre a água e a sociedade é uma das considerações de governabilidade. A governabilidade da água © GUENTER ROSSENBACH/ ZEFA/ CORBIS O conceito de governabilidade aplicado à água refere-se à capacidade da sociedade de mobilizar energias de forma coerente, para o desenvolvimento sustentável dos recursos hídricos. Nesta definição está incluída a capacidade de elaboração de políticas públicas que sejam socialmente aceitas, voltadas ao desenvolvimento sustentável dos recursos hídricos e de tornar efetiva sua implementação por parte dos diferentes atores envolvidos. O nível de governabilidade de uma sociedade em relação à gestão da água é determinado, entre outras, pelas seguintes considerações: (1) o grau de acordo social (implícito ou explícito) referente à natureza da relação entre a água e a sociedade; (2) a existência de consensos sobre as bases das políticas públicas que expressam Embora alguns países da América Latina tenham dado grandes passos na governabilidade da água, em outros ainda existem limitações que dificultam o atendimento das necessidades que a população tem deste recurso. O entorno e as políticas macroeconômicas desempenham um importante papel neste sentido. AQUA VITAE 11 LEGISLAÇÃO esta relação; e (3) a disponibilidade de sistemas de gestão que possibilitem efetivamente, em um marco de sustentabilidade, a implementação destas políticas. Em resumo, a governabilidade supõe: (1) a capacidade de gerar as políticas adequadas; e (2) a capacidade de colocálas em prática. Estas capacidades passam pela busca de consensos, pela construção de sistemas de gestão coerentes (regimes, o que supõe instituições, leis, cultura, conhecimentos, práticas e tradições), e a administração adequada do sistema (que supõe participação e aceitação social, e o desenvolvimento de competências). Como se pode deduzir do que foi dito, um elemento central da governabilidade é a possibilidade de construir (implantar e desenvolver) acordos institucionais em harmonia com a natureza e com as competências, restrições e expectativas do sistema ou âmbito sob consideração. A importância do termo governabilidade na região está em grande parte associada às restrições e possibilidades dos países para incorporar as profundas mudanças institucionais que caracterizaram as últimas décadas. Em diversos casos, estas mudanças implicaram na construção de uma nova institucionalidade, entendida como a criação e o reconhecimento de novas regras do jogo, a criação de organizações e o desenvolvimento de novos comportamentos, formais e informais, dos agentes públicos e privados. Obviamente, como qualquer processo de construção social, este surge dentro de um forte processo de mudança e de destruição da ordem social anterior. Na realidade, são as desarmonias existentes entre o acordo institucional preexistente e o novo que podem estar na origem dos problemas de governabilidade, ou a crise de governabilidade, que caracteriza a situação em muitos países latino-americanos. Esta crise será mais intensa e maior em função da profundidade e amplitude das mudanças em curso, as competências e capacidades preexistentes e sua utilidade para enfrentar os desafios da transformação e, em particular, a coerência do novo acordo institucional com a natureza e estrutura social e com as possibilidades e restrições presentes para assumir, de maneira assertiva, as regras do jogo propostas (Corrales, 2003). A partir de uma perspectiva proativa, a crise pode ser considerada como um processo, no qual sempre existem lacunas a serem preenchidas e contradições que exigem negociação. 12 AQUA VITAE Decisões públicas que afetam os recursos hídricos Existem diversas decisões associadas aos recursos hídricos que podem melhorar ou piorar sua contribuição para o desenvolvimento socioeconômico nacional. Um primeiro tipo de decisões que tem um potencial importante para distorcer a utilização da água, chegando inclusive em alguns casos a comprometer a estabilidade das finanças públicas, é a oferta indiscriminada de subsídios estatais para fomentar o uso de águas sem dimensionar seu impacto na economia ou na sustentabilidade do recurso. O caso típico é o de subsídios agrícolas à utilização da água para irrigação. Um dos exemplos de má utilização deste tipo de subsídios foram os subsídios à irrigação na Argentina. Neste caso, os subsídios, por um lado, afetaram a sustentabilidade dos aqüíferos em lugares como Mendoza, e por outro, contribuíram para um nível de produção que superou a demanda efetiva pelos produtos de agricultura de irrigação, o que resultou por sua vez em subsídios a produtos que finalmente levaram, em associação com outros fatores, a uma grave crise das finanças públicas e a falências maciças no setor vitivinícola. Entre as decisões que afetam a inserção produtiva dos recursos hídricos, encontram-se também aquelas relacionadas com os projetos públicos vinculados à água, geralmente de irrigação, cujos benefícios, por problemas de avaliação, em diversos casos, foram menores que seus custos, e que portanto acarretaram per- das líquidas para os países. Este problema torna-se mais grave quando o financiamento dos projetos é feito em moeda forte e os créditos gerados em moeda local. O resultado líquido é o empobrecimento. Em resposta a estes problemas, alguns países, como o Chile, impuseram normas sobre rentabilidade de projetos com financiamento público, com limites de relação custo-benefício, abaixo dos quais tal financiamento não é permitido. No que diz respeito a subsídios a investimentos privados em obras de irrigação e drenagem, também no Chile, eles são atribuídos por meio de concursos públicos e com base em critérios objetivos, com a finalidade de promover a concorrência entre os licitantes. Finalmente, no que se refere à água como insumo agrícola, sua inserção na economia produtiva, no caso de Chile, viuse fortalecida por políticas públicas que consideraram não apenas a problemática de uso da água, mas também o melhoramento da qualidade de produtos, sua oportuna apresentação nos mercados externos e a elaboração de sistemas de marketing aptos a tais fins. A conclusão é que a inserção produtiva e sustentável da água exige uma avaliação adequada de incentivos e subsídios ao setor privado, avaliações realistas de projetos públicos e a devida consideração das realidades macroeconômicas nacionais e a integração do insumo água em serviços de utilidade pública e em cadeias de valor agregado. Importância do tema na região programas e propostas existentes para reformar os serviços associados, em especial os de água potável e saneamento. Estas propostas e programas tiveram, em alguns casos, bases e forte determinação local de conteúdos, enquanto que, em outros, foram principalmente estimulados por agentes externos. Entre os casos de reformas consolidadas vale mencionar: Brasil, pelo que realiza para a criação de uma legislação e um sistema nacional de administração dos recursos hídricos; Chile, com as reformas do regime de águas e de prestação dos serviços de água potável e saneamento; a Argentina, com a privatização do setor hidroelétrico e de água potável em diversas províncias; Colômbia e A governabilidade transforma-se em objeto de reflexão quando se manifestam suas limitações (Olson, 1986). A consciência crescente em nível regional sobre questões como o uso insustentável das águas, sua contaminação, sua monopolização e a inacessibilidade dos serviços a elas vinculados por parte de importantes setores da população, demonstra a relevância do tema. A importância do tema na América Latina reflete-se claramente na série de experiências, postulações e processos de reforma das legislações e administrações de água que surgiram na maioria dos países da região, assim como nos FONTE: SOLANES (2004). ©FRANS LANTING/CORBIS A governabilidade da água O desenvolvimento sustentável dos recursos hídricos está implícito na governabilidade da água. Bolívia, com a privatização de uma série de serviços; México, com reformas recentes da legislação de águas e com privatizações de alguns serviços ou seus segmentos; e alguns outros casos. Os países com processos de discussão de nova legislação de águas, ou alterações na legislação vigente, incluem entre outros, Bolívia, Colômbia, Costa Rica, Equador, El Salvador, Guatemala, Honduras, Paraguai, Peru e Venezuela. O conteúdo básico dos processos foi determinado por diferentes visões, desde aquelas que enfatizam um reducionismo de critérios, que não necessariamente correspondem à natureza do objeto tratado (como enfatizar a questão de apropriação privada, mini- mizando os elementos de bem público que a água envolve), aos que assumem situações de concorrência perfeita que não existem na prática (como o caso de algumas regulamentações de serviços de utilidade pública). Em alguns casos, estas visões limitadas, ou muito otimistas dos problemas, resultaram em monopolização do acesso ao recurso e sistemas regulatórios deficientes. As questões citadas acima testemunham a importância da noção da governabilidade. Basicamente, se a governabilidade é a gestão sustentável da água e a provisão sustentável dos serviços de utilidade pública a ela vinculados, é necessário enfatizar seu tratamento, uma vez que não estão sendo superados os desafios apresentados pelo manejo dos recursos hídricos e a prestação de serviços acessíveis à população (Corrales, 2003). O entorno e as políticas macroeconômicas Uma das constatações dos estudos elaborados pelo Comitê Técnico Assessor para a América do Sul (SAMTAC) no marco do projeto “Investigação Sistêmica sobre Regimes de Gestão de Águas”, foi que, no período 1985-1995, o Chile consolidou a contribuição de seus recursos hídricos ao processo de desenvolvimento socioeconômico, sendo particularmente visível o papel da agricultura 1 Vale destacar, neste sentido, que na região foram adotadas em algumas ocasiões sistemas regulatórios que supõe concorrência, quando esta não existe na prática (Altomonte, 2002). Seria conveniente que os países estabelecessem o princípio da capacidade regulatória residual, entendida como a capacidade necessária para remediar o déficit em matéria de regulação, quando as expectativas iniciais de desempenho e comportamento não forem cumpridas (CEPAL 2000). AQUA VITAE 13 LEGISLAÇÃO sob irrigação, mineração, aqüicultura, processamento de madeiras e papel, e a sustentabilidade dos serviços de água potável e saneamento. No mesmo período, a Argentina perde superfície sob irrigação, e seus serviços de água potável sofrem de tal maneira que alguns dos investidores estrangeiros retiram-se do país. Além disso apresentam queixas perante tribunais arbitrais internacionais. A explicação do sucesso relativo de um sistema e do fracasso do outro reside nas políticas macroeconômicas e em nos critérios de tomadas de decisões de política pública que os dois aplicam. O enfoque tradicional da legislação de águas e da maioria dos advogados especialistas no assunto é concentrar todas as análises nos textos de leis e, em função de premissas formais, fazer análises descritivo-filosóficas da validade de leis e instituições. No entanto, a vida do direito é a experiência e uma análise dinâmica de seu impacto não pode prescindir de sua interação com políticas econômicas gerais. De fato, é a qualidade destas políticas que determina o contexto no qual o direito cumpre seu papel. Uma política macroeconômica saudável é condição necessária, ainda que não necessariamente suficiente, para que as normas jurídicas cumpram propósitos de desenvolvimento sustentável. Expresso em termos concretos, o direito de águas contribuiria para realizar o potencial das políticas econômicas, mas se estas forem falhas, ou oferecerem incentivos não voltados a fomentar o investimento e a conservação do recurso, pouco ou nada pode fazer o direito a este respeito. Esta noção, e a identificação de fatores relevantes, foi realizada há mais de meio século, pelo economista norte-americano Ciriacy-Wantrup (1951). A eficácia das melhorias setoriais em questão de água e de seus investimentos, da mesma forma que sua legislação e organização, vê-se então condicionada pelas políticas macroeconômicas e pelo ambiente Situação da legislação hídrica em alguns países da região Bolívia Nicarágua A legislação hídrica é baseada na lei de Águas de 1906, cujas considerações, na maior parte, encontram-se fora de contexto. Além do mais, conta-se com outros instrumentos que foram sendo aprovados à medida que se evidenciavam lacunas legais, que geralmente não têm relação entre si e menos ainda com a lei de 1906 (Mattos e Crespo, 2000). A numerosa legislação e as instituições regularam as questões hídricas unicamente com propósitos setoriais. Não existe um conjunto coerente de regulamentações uma vez que as existentes foram emitidas em diferentes épocas e não são voltadas para a gestão integrada da água (Ballestero, 2005). Costa Rica Há uma grande quantidade de regulamentações jurídicas em matéria de recursos hídricos. O problema consiste em que muitas delas são obsoletas e não estão de acordo com a situação que se vive atualmente. O que torna necessária a adoção de outras novas ou a modernização das existentes (CRRH, 2001). A legislação hídrica é ampla e desarticulada e, em parte, obsoleta. Existem problemas com contraposição de leis e decretos. As leis existentes regulam as diferentes áreas a partir de uma perspectiva setorial e não integral. A lei de Águas de 1942 apresenta problemas para adequar-se às circunstâncias atuais (Ballestero, 1999). Equador A lei de Águas vigente foi promulgada em 1972. Esta normativa dá especial importância ao setor de irrigação e trata os outros setores de forma superficial. Nas últimas décadas, e desde então, as necessidades e possíveis soluções para problemas do setor se alteraram (Küffner, 2005). El Salvador O país conta com um conjunto de leis para a gestão da água, mas a normativa existente carece de coerência e harmonia (PRISMA, 2001). A grande diversidade de leis relacionadas com os recursos hídricos incide na confusão de campos de ação e na indefinição de responsabilidades (El Salvador, 1999). Honduras O marco nacional de políticas sobre recursos hídricos é extenso e complexo, mas por outro lado incompleto e muitas vezes incoerente (Medina e Montoya, 2002). A Lei Geral da Água de 1927 ainda está em vigência, mas é pouco funcional devido ao fato de as necessidades e condições do país terem se alterado muito (Ballestero, 2005). Panamá Paraguai Existe uma grande dispersão de disposições legais, entre as quais existem evidentes inconsistências. Profusão de leis, com vazios que são realmente muito importantes e, em muitos casos, completamente desatualizadas e desvinculadas da realidade nacional. O papel que o Estado assume perante a tarefa da gestão da água, por ter sido concebido por aproximações sucessivas, mostra-se incompleto, tendencioso e, em diversos tópicos, anacrônicos. (Crespo e Martínez, 2000) Peru Permanece vigente a Lei Geral de Águas de 1969 que se baseia no exagerado papel do Estado e tem uma clara tendência agrária. Muitos dos elementos desta lei, que aparece como defasada e dispersa, já não têm relevância, e proliferaram diversas normas de nível inferior modificando aspectos importantes da lei original (Zegarra, 2005). Vale acrescentar que setores não agrários começaram a dar força a normas paralelas e em muitos casos contrárias à lei de 1969 (Zegarra, 2004). FONTE: BALLESTERO (1999) E (2005); CRESPO E MARTÍNEZ (2000); CRRH (2001); EL SALVADOR (1999), KÜFFNER (2005); MATTOS E CRESPO (2000); MEDINA E MONTOYA (2002); PRISMA (2001); ZEGARRA (2004) E (2005). 2 Trata-se dos estudos Diaz e Bertranou (2003), Peña e Brown (2004) e Lobato, Cordeiro e Soares (2004). 14 AQUA VITAE que elas criam. No longo prazo, elas se mostram tão poderosas e estruturalmente determinantes, que a melhor legislação setorial não pode em nenhuma circunstância fazer frente à sua influência (Donoso e Melo, 2004). Isto pode ser visto claramente em países como Índia, Omã e Iêmen e ainda nas províncias do oeste argentino que tornaram parte importante de sua política econômica conceder fortes subsídios ao uso das águas subterrâneas. Não houve normativa legal que permitisse deter a deterioração da água, diante do poderoso incentivo destas políticas. Quando elas são contraproducentes, como ocorre em muitos países em vias de desenvolvimento, o contexto macroeconômico desfavorável corrói as melhores reformas institucionais. Um conjunto de políticas macroeconômicas distorcidas, que tipicamente incluía altas taxas de inflação ou taxas de câmbio artificiais, afeta o crescimento e distorce a receita. Quando isto passa, aparecem pressões pela mudança e as opções de política hídrica ficam limitadas: mais investimento, mais subsídios e mais apoio tecnológico. No entanto, por si só isto não basta para compensar os problemas gerais que a falta de crescimento econômico e os incentivos criam para o aproveitamento sustentável da água. Os criadores da política hídrica devem estar conscientes dos impactos de política macroeconômica em seu setor e promover um diálogo com os gestores da economia nacional. Como a maioria dos produtos da água, sejam eles agrícolas, eletricidade, serviços de água potável ou recreação, são vendidos em mercados, eles mesmos e seus insumos são afetados por estes mercados secundários. Tais mercados, por sua vez, são parte de economias complexas. Tudo isto impossibilita a obtenção de respostas plausíveis por meio de simplificações (Ciriacy-Wantrup, 1951). Possivelmente um exemplo de simplificações com abstração de conseqüências tenham sido as políticas macroeconômicas argentinas dos anos noventa. Estas políticas mantiveram a moeda local artificialmente alta, mediante a injeção de dinheiro estrangeiro no mercado de divisas local. Para fazer isto, o Estado pedia empréstimos, o que elevou as taxas de juros, encareceu o crédito e, combinado com o encarecimento artificial da moeda local, © MARCUS FÞHRER/DPA/CORBIS La A governabilidade gobernabilidad del da agua água A falta de acesso à água para alguns setores faz com que a governabilidade assuma relevância. restringiu a competitividade dos produtos de agricultura de irrigação. Nas zonas fortemente dependentes destes produtos o impacto foi a perda de áreas sob irrigação e a não sustentabilidade dos serviços vinculados à água, por falta de crescimento econômico (Diaz e Bertranou, 2003). De uma forma mais geral, foi dito que as decisões dos usuários de água são afetadas por forças econômicas gerais, como taxas de juros, incerteza, preços, taxas de câmbio, direitos de propriedade e impostos (CiriacyWantrup, 1951). As altas taxas de juros reduzem os investimentos, não apenas em águas, mas também em geral e, além disso, limitam os esforços em favor da conservação e proteção ambiental, porque com o capital caro prefere-se sobreutilizar o recurso ou o ambiente. Um usuário que enfrenta taxas de juros altas, provavelmente reduzirá seus investimentos em melhorias, obras e equipamentos. O mesmo fenômeno sucede com usuários cujos mercados são erráticos em preços e demanda. Os efeitos de políticas macroeconômicas adequadas foram notados claramente no caso do Chile (Peña, Luraschi e Valenzuela, 2004). Este país implan- tou um modelo de desenvolvimento baseado em equilíbrios macroeconômicos e exportações centradas em vantagens comparativas. A grande maioria dos produtos nos quais se baseia o modelo de desenvolvimento têm como insumo a água, seja no produto primário ou em sua elaboração. Os equilíbrios macroeconômicos e taxas de câmbio realistas resultam em um país que não se endivida e, como conseqüência, em sistemas creditícios e taxas de juros relativamente moderadas, que não funcionam como um desestímulo ao investimento. Além disso, a evolução nas políticas públicas, aparte promover um ambiente propício ao investimento, foi-se alterando para responder a objetivos sociais e ambientais, com relação aos quais as adequadas políticas macro permitiram gerar recursos para sua cobertura. p Este artigo foi extraído, com autorização, do documento “Integrando economia, legislação e administração na gestão de água e seus serviços na América Latina e no Caribe”, publicado pela CEPAL na Série 101 de Recursos Naturais e Infra-estrutura, outubro de 2005. AQUA VITAE 15 SITES INTERESSANTES www.irrigation.org www.unizar.es/fnca www.iadb.org/forumagua Este site pertence à Associação de Irrigação (IA, conforme a sigla em inglês), organização sem fins lucrativos, que busca a conservação da água, por meio de uma irrigação eficiente. Oferece informações sobre diversos programas de certificação de profissionais no campo da irrigação, assim como cursos que oferecem sobre este tema. Também tratam de assuntos como iniciativas da indústria e relações com o Estado. Informam sobre o Show Internacional de Irrigação que realizam a cada dois anos. Portal da Fundação Nova Cultura da Água (FNCA), com sede na Espanha. Apresenta versões em espanhol, português e inglês. No site podem ser encontrados dados sobre a organização, assim com seus projetos, notícias e agenda sobre cursos locais e internacionais. Além disso, oferece documentação sobre diversos estudos realizados por membros da Fundação e uma livraria virtual, onde podem ser adquiridos alguns livros. O Fórum de Água Potável e Saneamento pertence ao Banco Interamericano de Desenvolvimento e seu objetivo é promover a transparência no setor de água potável e saneamento, colocando ao alcance dos interessados informações de diferentes tipos. Este portal oferece ampla informação sobre temas da atualidade, fomenta debates sobre diversos aspectos relacionados com a água e informa sobre eventos, projetos e publicações. www.wbcsd.org www.worldwatercouncil.org/ www.la-wetnet.org/ Site do Conselho Mundial para o Desenvolvimento Sustentável (WBCSD, conforme a sigla em inglês), que tem uma divisão dedicada à questão da água. Conta com uma abordagem do tema desde o ponto de vista empresarial, informa sobre publicações, casos de estudo e discursos, e inclui alguns videoclipes sobre o assunto. Da mesma forma, você poderá encontrar informações sobre o estudo “Cenários da Água”, que recentemente divulgou seus resultados. Também conta com um link para a iniciativa Business Action for Water (BAW) e um acesso a boletins sobre diversos temas relacionados com a água. Portal do Conselho Mundial da Água (WWC, conforme a sigla em inglês). É dedicado totalmente ao tratamento de diversos assuntos relacionados com a água em nível mundial. Entre suas seções encontram-se os programas que estão desenvolvendo, informação sobre os quatro Fóruns Mundiais da Água organizados desde 1997 no Marrocos, Haia, Kyoto e México. Tem uma seção que trata de temas como a crise da água, água e natureza, provisão de água e saneamento. Site da Rede Latino-americana de Desenvolvimento de Capacidades para a Gestão Integrada da Água (LA WET net). Informa sobre seus programas e conta com uma seção de publicações. Tem um link chamado Bases de Dados, onde se encontram centros de recursos, cursos, materiais de capacitação e ferramentas para a gestão da água, entre outras. O site tem em sua página inicial um mapa interativo onde é possível localizar seus membros e aliados. 16 AQUA VITAE ALTO PERFIL © MAX WHITTAKER/ CORBIS POR NIDIA BURGOS Q. As necessidades relativas aos serviços de água são amplas. Múltiplas necessidades, soluções variadas Na questão dos serviços de água e saneamento existem muitas necessidades de investimento em infra-estrutura e diferentes modelos para conseguir o financiamento necessário. E N T R E V I S TA C O M A B E L M E J Í A Gerente da Unidade de Meio Ambiente para a América Latina do Banco Mundial AQUA VITAE 17 ALTO PERFIL Abel Mejía, que concedeu uma entrevista a Aqua Vitae, refere-se às múltiplas necessidades existentes na região, no campo do investimento em infra-estrutura de água e saneamento, e aos diferentes modelos que se mostraram viáveis para alguns países, e assegura conhecer experiências bem-sucedidas, tanto do setor público como do privado. Esta busca de diferentes opções para incrementar e melhorar os serviços de água e saneamento na América Latina favorecerá que os países da região reduzam a falha indicada nos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, o que para Mejía já é uma importante conquista para a região. 1 – Que tipo de recursos os países da América Latina deveriam utilizar para o financiamento da infra-estrutura necessária para seus serviços de água e saneamento? Em primeiro lugar eu gostaria de comentar sobre as necessidades de investimento, e depois como financiá-las. As necessidades de investimento da infra-estrutura de água e saneamento são diversas. Muitas vezes não se tem a perspectiva sobre tudo o que implica a expansão de coberturas por meio de redes e conexões domiciliares de água potável e esgoto. Estas conexões necessitam tubulações, matrizes de água, interceptores e coletores de águas servidas, tanques de armazenamento para regular a operação, plantas de tratamento, estruturas hidráulicas de armazenamento e regulação, represas, equipamentos de controle e medição, equipamentos e partes para a manutenção etc. Todos estes elementos formam os ativos que permitem a operação dos serviços de água e saneamento. Tais ativos na América Latina são estimados na faixa de US$ 2 mil a US$ 2,5 mil por conexão, nas cidades latino-americanas com serviços integrados (incluindo tratamento de águas servidas) e coberturas superiores a 95% da população em ambos os serviços. Estes ativos também necessitam investimentos de manutenção e reabilitação importantes que, infelizmente, são muitas vezes subestimados ou simplesmente esquecidos, o que provoca deficiências de 18 AQUA VITAE serviço e eventualmente reparações muito dispendiosas no futuro. Atualmente, o investimento, tanto da expansão como da manutenção dos ativos, estima-se que pode ser da ordem de 1% do Produto Interno Bruto (PIB) em países como o Brasil, que já têm altos níveis de atenção da população urbana. Lamentavelmente, na maioria dos países, o investimento está entre 0,2% e 0,5% do PIB. Estes níveis de investimentos são insuficientes para atender a toda a população e para manter adequadamente os ativos necessários para o serviço de água e saneamento. O financiamento deste investimento tem duas origens: as tarifas pagas pelos usuários e os subsídios que o Estado transfere. Em poucos países as tarifas cobrem os investimentos em sua totalidade. Em muitos outros nem sequer cobrem os custos de operação e manutenção. Em geral, calcula-se que as tarifas deveriam cobrir uma parte importante dos investimentos. Algumas instituições financeiras recomendam que as tarifas devem cobrir 30% dos investimentos e o restante mediante subsídios, consideradas as grandes externalidades positivas que estes serviços geram, particularmente em saúde e qualidade ambiental. Em todos os países, o grosso do investimento em água potável e saneamento é público, por isto a qualidade do gasto público nestes investimentos é possivelmente o elemento mais importante a levar em consideração. Por isto, o planejamento adequado dos inves- timentos e a transparência dos processos de contratação pública são elementos essenciais para garantir a eficiência e também a eqüidade na aplicação dos recursos públicos. Os governos, por sua vez, utilizam transferências orçamentárias para o financiamento de obras ou para cobrir as contribuições ao investimento das famílias de menores recursos, como é o caso do Chile. Também podem recorrer ao mercado de capitais para financiar projetos de longo prazo, solicitar financiamento de longo prazo de instituições financeiras como o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) ou o Banco Mundial (BM), por meio de contratos de investimento ou gestão com o setor privado. Também existem experiências limitadas de investimentos privados vinculados a projetos urbanísticos, ou ampliação de serviços mediante a exploração privada de aqüíferos, como é o caso do Paraguai. 2 – Você considera importante a intervenção privada? Eu a considero importante, mas não essencial, e em muitos casos não é viável por razões legais. Além disso, a intervenção privada pode ter muitas formas, dependendo do nível de risco que se deseje transferir ao setor privado, incluindo contratos de serviço, delegação de gestão com investimento, concessões que transferem o risco empresarial e de investimento a um particular, até a venda FOTO CORTESÍA DE IISD/HERAT NEGOCIATIONS BULLETIN. Múltiplas necessidades, soluções variadas Abel Mejía (direita) foi um dos expositores durante o IV Fórum Mundial da Água. Na foto ao lado de Cristóbal Jaime Jáquez, Diretor Geral da Conágua e Abel Madani, Ministro da Água da Bolívia. de ativos. De qualquer maneira, a intervenção privada deve ser precedida por uma grande clareza sobre os contratos e um sistema regulatório com credibilidade. A intervenção privada é também importante porque é uma forma a mais de financiar e operar serviços de água e saneamento, que pode ter incentivos fortes para acelerar os investimentos e melhorar a eficiência na gestão dos serviços por meio de relações contratuais entre os setores público e privado e uma adequada regulação pública. É importante ressaltar que a intervenção privada é simplesmente uma solução a mais para um problema que é eminentemente público. Existem modelos muito bem-sucedidos de intervenção privada em países como Chile, Argentina e Brasil. Mas também há modelos de gestão pública muito bem-sucedidos, como é o caso das empresas de água e saneamento de cidades como Medellín, Monterrey, São Paulo, Curitiba, Santa Cruz, Lima, entre outras. A intervenção privada é importante porque geralmente ajuda a melhorar a informação e transparência da gestão, introduz mecanismos de governabilidade que permitem o planejamento de longo prazo e não deixa os investimentos e ser- Ambiente e desenvolvimento Abel Mejía Betancourt, nasceu na Venezuela, país onde se formou como engenheiro civil na Universidade Católica de Caracas. Fez também uma licenciatura em desenvolvimento econômico na CEPAL, no Chile, e mestrado em gestão de engenharia civil e outro em engenharia industrial, na Universidade de Stanford. É um grande conhecedor da realidade da América Latina, onde participou na maioria dos países em diversos projetos, entre eles alguns nos setores de água e energia. Desde 1999 é gerente da Unidade de Meio Ambiente para América Latina, onde, entre outros, está muito relacionado com a questão hídrica. viços sujeitos às oscilações políticas, que em muitos casos afetam negativamente as decisões gerenciais sobre o investimento e a gestão. 3 – Qual é o principal desafio, em termos de financiamento, que os países da região latino-americana têm para o cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, na questão da água? Você acredita que estes parâmetros chegarão a ser cumpridos? A maioria dos países de América La- tina cumprirá os Objetivos do Milênio em termos de redução do déficit em conexões melhoradas de água e saneamento básico. Isto parece um paradoxo, considerando os baixos níveis de investimento na região. A explicação é que a ampliação de conexões não leva em consideração a qualidade sanitária da água e nem a pressão e continuidade dos serviços. Muitos latino-americanos têm conexões, mas com água intermitente e com qualidade duvidosa. Por isso a mortalidade associada a infecções de origem hídrica continua sendo notavelmente elevada na América Latina. Isto afeta particularmente a população mais vulnerável: as crianças, os idosos e os pobres. Mais de 25% do custo de saúde tem sua origem em enfermidades relacionadas com a má qualidade da água. Um terço da mortalidade infantil tem sua origem em diarréias. O custo em saúde relacionado com enfermidades gastrointestinais está na ordem de 0,7% do PIB em países como Peru e Colômbia. Paradoxalmente, representam um valor equivalente aos investimentos necessários para assegurar uma cobertura de água e saneamento de 100%. No entanto, campanhas de higiene pessoal e lavagem das mãos têm tido uma acolhida cada vez maior. Estas intervenções, em termos de custo-eficácia, são as mais promissoras para reduzir os impactos na saúde do mau serviço de água e saneamento. Em resumo, os Objetivos do Milênio em água serão alcançados, mas com um impacto mínimo na redução do custo em saúde, relacionado com enfermidades gastrointestinais. 4 – Você não acredita que ao privatizar total ou parcialmente os serviços de água e saneamento, a água poderia ser transformada em uma mercadoria? Não creio. Como eu mencionei, a intervenção privada pode assumir muitas formas, dependendo do risco que o setor público queira transferir ao privado, e definitivamente não deixa de ser uma solução a mais, privada neste caso, para um problema que é, e continuará sendo, AQUA VITAE 19 ALTO PERFIL 5 – O que aconteceria com o direito à água nestas condições? O direito à água sempre está no domínio público, por isto não é afetado. Se existirem as condições para uma participação privada, que interesse ao setor público, esta precisa contar com marcos legais e regulatórios adequados que protejam os interesses dos usuários e garantam a execução dos contratos. Por exemplo, no caso de Chile, a população mais vulnerável é protegida com subsídios diretos que complementam a tarifa até um limite que seja exeqüível, que em geral estima-se que não passe de 2% da renda mínima. 6 – Como você vê que organismos internacionais contabilizem o investimento como despesa? Imagino que isto se relacione com a forma como é contabilizado o déficit/superávit primário de acordo com o FMI. Em alguns países tentou-se retirar os investimentos em água e saneamento desta contabilidade como um mecanismo para aumentar o investimento público em níveis superiores do PIB. Esta discussão é importante e, na minha opinião, uma porcentagem dos investimentos deveria ser excluída do cálculo do déficit primário para dessa forma levar em consideração seu impacto em saúde e mitigação da pobreza. 7 – Alguns setores qualificaram o Banco Mundial como promotor da privatização. Qual sua opinião a este respeito? Na década de noventa a privatização foi percebida como uma solução exclu20 AQUA VITAE ©A.J. CASSAUGNE/ PHOTONONSTOP essencialmente público. A água como mercadoria é a água que se vende engarrafada, a que se vende como refrigerante ou cerveja. Apenas como referência, um litro de cerveja necessita 9 litros de água em sua produção! Estes itens aumentam suas vendas em 10%, 20% ao ano, em grande parte devido à necessidade de contornar a má qualidade sanitária da água dos serviços em redes. Acredito que a participação privada na prestação de serviços de água e saneamento, de forma total ou parcial, pode trazer benefícios muito importantes para acelerar investimentos e melhorar a qualidade da gestão. Isto não é possível sem um marco legal e regulatório adequado, o que em muitos países ainda não é uma solução viável. Os modelos de financiamento dos serviços de água são múltiplos, mas todos buscam conseguir um maior acesso e qualidade da água. siva. Esta visão mudou. A privatização é vista atualmente como uma solução dentro de uma série mais ampla de opções, onde o financiamento público eficiente tem prioridade. Além disso, o investimento privado em água nunca se materializou aos níveis previstos, e o investimento público se mantém como a principal fonte de financiamento dos serviços de água e saneamento. 8 – Como você avalia os grupos que se opõem à chamada privatização da água? Têm um grande valor. Elevaram o nível da discussão e do debate. Fizeram com que as empresas públicas sejam mais trans- parentes. Ajudaram a corrigir o curso e afinar as opções para melhorar a prestação dos serviços de água e saneamento. Todos estão de acordo com os princípios de Dublin em que se reconhece o valor econômico da água, a responsabilidade social e institucional e o compromisso com o meio ambiente e com as gerações futuras inédito até agora. p FINANCIAMENTO DOS SERVIÇOS DE ÁGUA E SANEAMENTO NA AMÉRICA LATINA O fornecimento de serviços de água e saneamento na América Latina representa para cada um dos países desta região uma série de importantes desafios quanto aos aspectos sociais, políticos, de recursos hídricos, com implicações econômicas muito importantes. Por isto, e diante da meta dos países de reduzir a quantidade de pessoas sem acesso à água em 2015, assim como os que não contam com serviços de saneamento, é que a Aqua Vitae, em seu afã de gerar o debate e oferecer informações úteis para a discussão dos principais problemas relacionados com a água, apresenta a seguir três artigos nesta seção, que pretendem analisar, a partir de uma ótica objetiva, qual foi o papel dos diferentes setores da sociedade na consecução destes objetivos. Da mesma forma, apresentamos uma experiência em Montería, na Colômbia, onde com recursos de diversos setores foi possível resolver o problema do acesso à água para uma população de origem pobre. As opiniões apresentadas nos artigos seguintes não são necessariamente compartilhadas por Aqua Vitae. AQUA VITAE 21 PROJETO PRINWASS NOVOS DESAFIOS EM SERVIÇOS DE ÁGUA E SANEAMENTO (SAS) O © STEVE STARR/ CORBIS projeto “Barreiras e condições para a participação da empresa e do capital privado nos serviços de água e saneamento na América Latina e África: A busca da sustentabilidade econômica, social e ambiental (PRINWASS)”, foi realizado por uma série de pesquisadores de diferentes universidades da região e coordenados pela Escola de Geografia e Meio Ambiente da Universidade de Oxford, da Inglaterra. Este projeto foi financiado com recursos da Comissão Européia. Entre os objetivos principais do projeto, estava examinar teoricamente e empiricamente as políticas de “privatização” implementadas desde a década de 80 em nível internacional. Em particular, a tarefa foi orientada a revisar os principais argumentos empregados para promover a privatização destes serviços. O acesso à água de qualidade é um dos principais Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. 22 AQUA VITAE DR. JOSÉ ESTEBAN CASTRO Escola de Geografia, Ciência Política e Sociologia Universidade de Newcastle upon Tyne, Inglaterra AÑO 2 | Nº2 Projeto Prinwass Entre as conclusões principais PRINWASS cabe destacar: de 1) As políticas de promoção da participação privada na prestação dos SAS fundamentaram-se nas premissas de que (a) o setor público é inerentemente ineficiente, (b) não dispõe de recursos financeiros e (c) que a expansão da participação privada produziria um aumento na eficiência dos serviços, mediante (1) o aumento da competitividade e (2) a provisão de recursos financeiros privados, o que por sua vez (d) contribuiria para ampliar a cobertura destes serviços aos setores mais necessitados. Os resultados do estudo contradizem estas premissas. 2) A equipe de PRINWASS reconhece que os fornecedores públicos do serviço, sejam municipais, estatais ou de outra origem, tiveram uma história de altos e baixos quanto à qualidade e à cobertura no fornecimento dos serviços, um problema que contribuiu substancialmente para reproduzir as desigualdades persistentes que afetam a maioria dos países menos desenvolvidos em relação ao acesso a uma provisão adequada de SAS. No entanto, a pesquisa realizada demonstra que a expansão da participação privada no setor se caracteriza por uma clara tendência ao descumprimento das obrigações contratuais por parte de muitos dos fornecedores privados (por exemplo, com relação aos objetivos de investimento ou à manutenção de padrões de qualidade estabelecidos inicialmente nos contratos de concessões). Na América Latina o estudo obteve evidências bem documentadas de tais tendências e cabe destacar os casos de Tucumán e Buenos Aires, na Argentina, e Cochabamba, na Bolívia. 3) Outra tendência importante obser- vada é que, em muitos casos, as falhas na provisão de SAS por parte do setor público foram agravadas e inclusive provocadas por decisões de política pública. Assim, as políticas promovidas ou executadas pelo Fundo Monetário Internacional, pelo Banco Mundial e outros organismos internacionais, freqüentemente estrangularam as autoridades e empresas públicas de serviço mediante a negação do acesso aos recursos financeiros necessários para investir na renovação e extensão da infra-estrutura de serviços. Tais políticas outorgaram um certo grau de credibilidade ao argumento de que a única saída era incorporar investimentos privados. A evidência também indica que freqüentemente as instituições financeiras internacionais e os governos centrais ofereceram créditos e fundos de ajuda aos países me- que a natureza de longo prazo do capital fixo requerido pelos SAS representa um risco alto demais para seus acionistas. 5) Dados agregados sobre o fluxo de capital demonstram que houve um decréscimo dos investimentos privados desde 1997 (em 2004 representavam apenas cerca de 3% do total) e que os fluxos são extremamente seletivos, uma vez que favorecem regiões de alta e média renda, o que implica que a África subsaariana e outras regiões pobres do mundo continuam sem ter cobertura. Estes dados sugerem que as Metas de Desenvolvimento do Milênio, que pretendem reduzir pela metade a proporção da população mundial que não tem acesso aos SAS até 2015 e eventualmente a universalização destes serviços até 2025, não estão recebendo a O serviço de água deveria permitir cobrir as necessidades básicas das pessoas, segundo os ODM. © OWEN FRANKEN/CORBIS Por exemplo, nos interessava analisar a validade do argumento segundo o qual é necessário transferir tais serviços ao setor privado (a) porque este é inerentemente mais eficiente do que o setor público, (b) para atrair investimento privado “fresco” e (c) para poder estender a cobertura aos setores mais pobres da sociedade. Estes são os argumentos utilizados por instituições como o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento, entre outras instituições líderes neste campo, para promover as referidas políticas. nos desenvolvidos com a condição de que estes governos aceitem a privatização ou a concessão dos SAS. 4) No entanto, e em contraste com os argumentos utilizados, o estudo identificou que, na realidade, o capital privado é um componente insignificante da estrutura de financiamento dos SAS outorgados em concessão a empresas privadas. Como tendência geral, os recursos utilizados nos investimentos realizados pelo setor privado originavam-se da cobrança da tarifa dos usuários, de fundos externos de ajuda e subsídios estatais ou de endividamento. As empresas privadas consideram atenção prioritária que se esperava. 6) A expansão da participação privada na prestação dos SAS não introduziu competição. Na prática, o que se verifica é a transformação de monopólios públicos em monopólios privados. Por exemplo, as concessões e outras formas de contrato de gestão outorgados às empresas privadas tendem a ser de longa duração (20-30 anos em geral, nos casos de concessão). Nos casos estudados verificou-se ainda, a debilidade e inclusive a inexistência de marcos legais que permitam controlar o comportamento monopolista destas empresas. AQUA VITAE 23 > FINANCIAMENTO DOS SERVIÇOS DE ÁGUA E SANEAMENTO NA AMÉRICA LATINA 7) As evidências também sugerem que existe uma clara tendência ao descumprimento dos contratos por parte das empresas privadas. Em um número importante de casos, percebe-se uma prática de renegociação sistemática depois da assinatura dos contratos que procura reduzir os compromissos de investimento assumidos originalmente pelas empresas privadas. Em outros casos, verifica-se um padrão de irregularidades nos contratos (seja por ignorância, incompetência, corrupção ou outros problemas) que em alguns casos provocaram controvérsias públicas de grande magnitude. O caso mais emblemático é o de Cochabamba, na Bolívia, onde um movimento público de protesto levou à rescisão da concessão dos SAS a uma empresa privada em tempo recorde. 8) No que se refere ao melhoramento da eficiência na infra-estrutura, a tendência registrada é que as empresas privadas não têm um desempenho melhor do que as públicas (por exemplo, em referência ao controle de perdas de água e de água não contabilizada) e em algumas áreas como os sistemas de fossas e drenagem o desempenho das empresas privadas é claramente inferior. Em vários dos países incluídos neste estudo, as empresas de SAS mais eficientes continuam sendo empresas públicas (por exemplo, no Brasil e no México). 9) Outra tendência consistente que o estudo evidencia é a debilidade, quando não a inexistência, de capacidade regulatória (ou inclusive de marcos regulatórios) que caracteriza a maioria das experiências examinadas. Esta é uma tendência preocupante se levarmos em consideração o padrão já documentado de descumprimento de obrigações contratuais por parte dos operadores privados. 10) Um componente crucial neste contexto é a escassez de informação disponível para os reguladores, as autoridades locais e os cidadãos sobre o desempenho dos operadores privados, o que na prática tende a impedir a monitoração e o controle efetivos da gestão dos serviços. Entre nossas principais conclusões a este respeito, incluem-se (a) a necessidade de reforçar a capacidade das autoridades locais para que possam exercer o controle 24 AQUA VITAE e a regulação efetivos dos prestadores de SAS e (b) garantir o acesso às informações relevantes sobre a gestão dos SAS com a finalidade de aumentar a transparência e permitir o controle cidadão (por exemplo, informações acerca dos compromissos de inversão assumidos por contrato, as taxas de retorno, os níveis de endividamento autorizados, etc.). A pesquisa também identificou excelentes exemplos de processos que pretendem promover a participação significativa dos cidadãos, cujos resultados valem a pena serem explorados (por exemplo, em certas cidades do Brasil e da Argentina). 11) Em nível mundial, a maioria das empresas de SAS são municipais e mostram uma grande variedade de formas específicas que se desenvolveram historicamente. Além desta variada gama organizacional, nota-se a existência de diferentes acordos e tradições em relação aos regimes de propriedade (públicos, privados, comunitários etc.), gestão e valorização (cultural, religiosa etc.) da água e seus serviços essenciais, que funcionaram em muitos casos durante séculos e continuam funcionando. No entanto a persistência e a eficácia destas formas não foram suficientemente levadas em consideração na elaboração das políticas que privilegiaram as formas especiais de participação privada estudadas no PRINWASS. Uma das conclusões gerais é que os problemas fundamentais subjacentes nos desafios que o setor dos SAS enfrenta, são principalmente de natureza política e econômica. Dado que estes problemas – muitas vezes enraizados em profundas crenças e valores culturais que adotam formas diversas para diferentes grupos sociais – afetam de um modo ou outro a todos os cidadãos, é importante manter a continuidade do processo de investigação assim como também a ampliação e o aprofundamento do diálogo. Também o reconhecimento de que as tecnologias e os modelos organizacionais são parte de um contexto socioeconômico mais amplo é um princípio fundamental para promover o desenvolvimento de alternativas que permitam adaptar os sistemas às diferentes situações. Por outro lado, e lamentavelmente, embora os modelos repetidos de tomada de decisões e os sistemas de monitoração constituam os princípios básicos de toda boa gestão, nas tendências identificadas pelo estudo, estes continuam sendo desatendidos na prática. Além disso, é necessário resistir à tendência persistente de fundamentar a análise e os processos de tomada de decisões em pressuposições ideológicas ou especulativas. Em particular, é necessário superar a dicotomia de “o público” contra “o privado” que continua permeando grande parte do debate, mediante a busca de marcos analíticos que contribuam ao estudo das formas passadas e presentes que caracterizam a interação entre o público e o privado na gestão da água e dos SAS. Neste sentido, a evidência tende a contradizer de forma muito clara a retórica ainda predominante em nível global e em muitos países da América Latina, segundo a qual a única solução para a crise dos SAS seria a expansão da participação privada no setor. As tendências indicam claramente que para alcançar o cumprimento das Metas do Milênio, os governos da região não podem fundamentar sua política na privatização ou outras formas de participação privada, uma vez que estas têm um impacto muito limitado e, muitas vezes, francamente negativo, sobre o desempenho geral dos serviços. Isto é especialmente certo no que se refere ao atendimento dos setores mais desfavorecidos, que são precisamente o objetivo principal de tais metas. Nossa pesquisa confirma a necessidade de reforçar as autoridades e organismos públicos de prestação dos SAS, particularmente em nível local, que foram identificados como o ator fundamental para alcançar a obtenção das Metas. Simultaneamente é necessário implementar as medidas pertinentes (por exemplo, segundo estipulado nos Princípios de Rio de Janeiro de 1992) para garantir as condições de participação e controle social cidadão sobre o funcionamento de tais serviços. p O projeto “Barreiras e condições para a participação da empresa e do capital privado nos serviços de água e saneamento na América Latina e na África: A busca da sustentabilidade econômica, social, e ambiental” (PRINWASS) foi coordenado pelo autor e contou com a participação de universidades em 9 países, incluindo Argentina, Bolívia, Brasil e México. O projeto foi financiado pela Comissão Européia dentro do Quinto Programa Marco de Investigação Científica 1998-2002 (Contrato: PL ICA4-2001-10041) e foi realizado entre 2001 e 2004. Os documentos do projeto (estudos de caso, relatórios de sínteses, relatório final, etc.) com os dados e a fundamentação destas conclusões sintéticas podem ser obtidos visitando http://users.ox.ac. uk/~prinwass/. © KAREN KASMAUSKI/CORBIS CONCESSÕES POSSÍVEISEM MUNICÍPIOS: O caso de Montería na Colômbia RUBÉN DARÍO AVENDAÑO Especialista sênior em infra-estrutura do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) A população pobre é a mais afetada pela falta de serviços de água e saneamento. AQUA VITAE 25 FINANCIAMENTO DOS SERVIÇOS DE ÁGUA E SANEAMENTO NA AMERICA LATINA E sta era a frase com a qual ano após ano, durante mais de uma década, o prefeito da vez da cidade de Montería, na Colômbia, capital do departamento de Córdoba era recebido no Governo central. Esta história mudou com a bem-sucedida concessão dos serviços de água e esgoto há seis anos. Se não fosse pelas características de pobreza da cidade, esta seria outra concessão a mais, mas o modelo de financiamento adotado para estas condições especiais e a forma como a concessão foi estruturada fazem deste bem-sucedido caso, um exemplo que vale a pena revisar por outras cidades latino-americanas. Montería é uma cidade de 300 mil habitantes, localizada ao noroeste da Colômbia. Embora esteja localizada em uma zona rica em terras agrícolas e recursos naturais, paradoxalmente cerca de 85% de seus habitantes são pobres. Esta situação agravou-se nos últimos anos como conseqüência do conflito interno colombiano. Cerca de 40 mil desalojados pela violência regional buscaram refúgio em Montería, o que fez aumentar as zonas mais pobres. Os elevados índices de pobreza da cidade conviviam com os piores índices de cobertura e qualidade dos serviços de água potável e saneamento entre as cidades capitais dos departamentos da Co- lômbia. A cobertura de aqueduto era de apenas 55% e a de esgoto de 25%, muito abaixo das médias nacionais de 87% em aquedutos e 75% em esgoto. O serviço funcionava apenas três horas por dia, as perdas eram estimadas em 65%, a eficiência do recolhimento em 40% e a empresa gerava um déficit permanente. Em um cenário como o descrito, o prefeito, os vereadores e o próprio Governo central se surpreenderam quando alguém propôs fazer uma concessão dos serviços com o setor privado. E a surpresa não era infundada: se havia um caso em que a teoria das concessões não deveria funcionar, este era Montería, uma cidade majoritariamente pobre. Mas a forma como foi estruturada derrubou o mito de que onde há pobres não pode haver participação privada. Antecedentes Os antecedentes do processo remontam a dezembro de 1992, quando foi liquidada a empresa de serviços públicos municipais de Montería (EPMM). Ela operava com mais de 350 funcionários (7,1 por mil conexões), nomeados por critérios políticos, e mostrava indicadores alarmantes. Depois de sua liquidação foi formada uma empresa de serviços de capital misto, Sociedade de Aqueduto e Esgoto de Montería (SAAM), que man- tinha uma equipe de 21 empregados para as funções de direção e administrativas, e subcontratava a operação com cooperativas que incluíam pouco mais de 100 ex-empregados da EPMM. Mesmo quando o esquema idealizado para manejar os sistemas representou uma melhora substancial, em termos de eficiência e isolamento da gestão dos fatores políticos, não constituiu uma solução definitiva para um problema que vinha sendo alimentado desde décadas atrás, pois o capital subscrito pelos sócios privados foi claramente insuficiente para financiar o plano de investimentos que era estimado em US$ 150 milhões, com o que se pretendia alcançar cobertura universal em aqueduto e esgoto. Depois de três anos da decisão, uma concessão foi formalizada em janeiro de 2000. Os US$ 150 milhões que Montería pedia superavam o orçamento nacional do Governo colombiano para apoiar os cerca de mil municípios do país. As gestões do prefeito, em 1996, coincidiram com a subscrição de créditos do BID e do Banco Mundial no contexto do programa “Apoio do Processo de Concessões e Privatizações em Infra-estrutura”. Neste entorno, o Governo ofereceu ao prefeito de Montería o apoio para estruturar um projeto de participação privada, com a promessa de apoiar com recursos não reembolsáveis, para assegurar a base financeira do eventual projeto. No final de 1996, autoridades locais e nacionais decidiram desenvolver o projeto de Montería Conexão de esgoto para mais de 100 usuários, em Puente Número Uno, Montería. 26 AQUA VITAE JUAN OÑATE “Doutor: necessitamos 500 milhões para o aqueduto... Com isso, conseguimos terminar este ano...” Concessões possíveis em municípios: o caso de Montería na Colômbia como caso piloto. O receio era grande: que investidor iria aportar recursos em uma cidade onde 80% da população era pobre, em um setor com períodos longos de retorno e em um contexto de violência como o desses anos? O processo de concessão Em julho de 1999, foi aberta a licitação pública internacional para entregar em concessão os serviços por um período de 20 anos. Três empresas apresentaram ofertas. O critério de outorga da concessão dava a maior pontuação de acordo com os editais e consistia na ponderação de menor tarifa pelos serviços de aqueduto e esgoto simultaneamente, com a proposta de maiores conexões nos bairros de baixa renda, além de algumas metas de cumprimento obrigatório. O consórcio ganhador ofereceu uma tarifa de referência de US$ 0,32/m3 de aqueduto e US$ 0,24/m3 em esgoto. Da mesma forma, este consórcio ofereceu cerca de 4,5 mil conexões adicionais às metas contratuais para os dois primeiros anos da concessão. A diferença na pontuação final entre este consórcio e os outros dois participantes foi clara, o que permitiu um processo de adjudicação sem tropeços, aceito por todos os participantes e as autoridades nacionais e municipais. Até o final de 1999, a empresa constituída para administrar a concessão comprovou contribuições ao projeto de US$ 2,5 milhões e compromissos creditícios assumidos de outros US$ 5 milhões, com o que demonstrava a base financeira. Em 5 de janeiro de 2.000 foi formalizada a entrega dos sistemas e duas semanas depois, a empresa ganhadora apresentou o plano de investimentos. Por que a concessão de Montería é diferente? A equipe que estruturou a concessão encontrou um serviço com coberturas de 76,1% em aqueduto e 28,2% em esgoto, e perdas estimadas em mais de 55%. O plano de investimentos para corrigir estas deficiências alcançava US$ 150 milhões e, embora permitisse alcançar coberturas universais em seis anos, era impossível de financiar. Com base em uma inspeção do sistema e na avaliação da disponibilidade de pagamento da população, foi estruturado um modelo financeiro com a flexibilidade suficiente para modelar diferentes esquemas de delegação ao setor privado, ritmo de investimentos, montante dos Contrato de concessão e obrigações do concessionário (Montería, Colômbia) 1 Aumentar as coberturas em um cronograma estabelecido nos editais em termos de novos usuários por ano. Para o horizonte do projeto, as novas conexões chegam a 40 mil em aqueduto e 51 mil em esgoto. O cronograma considera um ritmo mais acelerado para os primeiros anos da concessão, e considera a pontuação para qualificar ofertas com 20%, o número de derivações adicionais que o proponente oferecer para os dois primeiros anos. Da mesma forma, é estabelecido no contrato, que para cada nova conexão nos estratos elevados e de clientes não residenciais, o concessionário está obrigado a conectar um novo usuário em cada um dos três grupos de população mais pobre. 2 A qualidade da água deve ser de norma bioquímica de oxigênio em carga. 3 A água não contabilizada (perdas) deve atingir um nível máximo de 30% no prazo de cinco anos. 4 A pressão da água deve ser de pelo menos 10 mca (metros de coluna de água), medida na entrada dos domicílios. Excetuam-se quedas temporárias de pressão por danos na rede, mas a situação não pode persistir por mais de 24 horas. 5 Nos primeiros três anos do projeto, o concessionário deve oferecer continuidade do serviço pelas 24 horas. aportes e as tarifas. Foi selecionada como a melhor alternativa uma concessão de 20 anos, na qual o objeto contratual não era levar a cabo um programa específico de obras, como é comum nas concessões, mas responder por uma série de indicadores de serviço. O cenário de referência, com o qual se estruturou o contrato, previa investimentos próximos de US$ 70 milhões, que constituíam um indicativo, não uma obrigação contratual. Da mesma forma, com os recursos era possível instalar e repor cerca de 250 quilômetros de redes de aqueduto e uma quantidade similar de coletores de esgoto. O plano de redes contemplava a extensão do sistema para suportar os aumentos de cobertura e a reposição de 50% das redes do sistema. O plano de investimentos previa a instalação de 40 mil novas conexões em aqueduto e 51 mil em esgoto, e a instalação de micromedição para alcançar cobertura total. De acordo com as previsões de crescimento demográfico, com este programa seria alcançada no final do período de concessão, cobertura de 90% em água potável e de 80% em esgoto. Neste último serviço, o orçamento com o qual foi realizado o exercício de encerramento financeiro, compreendia – além do programa de redes e coletores – a construção de dois sistemas de tratamento de águas residuais e a adaptação de outra planta para esta finalidade. O contrato foi estruturado de maneira que o concessionário era obrigado a cumprir um padrão de metas do serviço. Desta forma, nos editais e no contrato, o concessionário não é obrigado a seguir um programa determinado de obras, mas sim, a cumprir padrões de serviço. O descumprimento destas metas gera sanções pecuniárias e uma reincidência no descumprimento leva à rescisão antecipada do contrato e à aplicação de fórmulas de rescisão desfavoráveis ao concessionário. O esquema financeiro Diante da impossibilidade de um financiamento do plano de US$ 150 milhões, foi considerado um cenário alternativo de US$ 70 milhões em um horizonte de 20 anos, menos da metade dos valores considerados no plano diretor de aqueduto e esgoto. O financiamento foi em quatro partes: o governo central colombiano contribui com US$ 3,3 milhões, dos quais US$ 2,7 emitidos em 2000 e US$ 600 mil em 2001. Este valor foi repassado ao município no marco de um convênio financeiro. O município, por sua vez, entregou os recursos ao concessionário na forma de contribuição. Por outro lado, o município penhorou, a favor do concessionário, os recursos de transferências de lei do governo central. Nos primeiros anos da concessão, de 2001 até 2004, o município aporta anualmente US$ 1,26 milhão em sete parcelas anuais. De 2005 a 2019, a contribuição foi fixada em US$ 1,88 milhão anuais, em um esquema similar. O município constituiu um fideicomisso que capta os recursos de transferências da AQUA VITAE 27 Concessões possíveis em municípios: o caso de Montería na Colômbia JUAN OÑATE Os resultados Planta de tratamento para três mil habitantes em Sierra Chiquita, Montería. nação e os entrega automaticamente ao concessionário nas condições acordadas contratualmente, a menos que o município comunique à fiduciária um descumprimento por parte do concessionário. O concessionário, por sua vez, efetuou um aporte de capital à sociedade de US$ 3,6 milhões, dos quais US$ 2,5 milhões foram aportados no dia da constituição, US$ 1,1 durante o primeiro ano do contrato e, para o fechamento financeiro do projeto, apresentou um compromisso de financiamento mediante um crédito no valor de US$ 5 milhões. O restante dos recursos necessários para financiar o plano de investimentos e para cobrir os custos de AOM são as tarifas. Cerca de 80% da pontuação de qualificação para adjudicar o projeto foi a tarifa. Os proponentes deviam oferecer uma tarifa de referência, dividida em encargo fixo e variável com um consumo de referência de 20 m3/mês. A tarifa do con28 AQUA VITAE sórcio ganhador foi de US$ 0,32/m3 para aqueduto e de US$ 0,24/m3 para esgoto. Estas tarifas na primeira etapa, estariam sujeitas a um processo linear de transição a partir das tarifas vigentes até alcançar aquela oferecida pelo concessionário e, a partir de então, são indexadas pela inflação. De acordo com o modelo financeiro da equipe estruturadora, as tarifas, além de cobrir os gastos de AOM, (Administração, Operação e Manutenção) gerariam um excedente de US$ 30 milhões para financiar parte do plano de investimentos. Desta forma, a estrutura para o financiamento do plano de investimentos baseou-se em tarifas em 42%, contribuições do município de 47%, o concessionário deu 5% e o governo central outros 5%. Desta maneira, conseguiu-se fazer uma eficaz associação público-privada com a participação de dois níveis de governo, os particulares e a cidadania. Transcorridos seis anos, desde a entrega dos sistemas ao concessionário, a prestação dos serviços, em particular do aqueduto, melhoraram substancialmente. Neste serviço, os usuários passaram de 30 mil a 46 mil nos primeiros três anos da concessão, superando o número de conexões novas estipuladas no contrato. Em rede de esgoto, a cobertura passou de 27% a 40%. No total, em dezembro de 2002, haviam sido instalados 132 km de rede, mais do dobro das metas constantes do contrato. Em esgotos, nos três anos de execução do contrato, foram instalados 12 km de rede. Como mencionado, o plano de investimentos em redes de esgoto desacelerou, entre outras razões, devido à impossibilidade de desenvolver a infra-estrutura de tratamento. O contrato estipula uma pressão mínima de 10 mca (metros de coluna de água) na entrada dos domicílios. De acordo com medições realizadas pela empresa concessionária, e verificadas pelo supervisor, as pressões com que o sistema opera superam amplamente as metas contratuais. Em relação à continuidade do serviço, os avanços também são notáveis. Depois de ter em média três horas de serviço por dia na cidade, agora as condições são as seguintes: f As zonas de menor serviço têm, pelo menos, quatro horas por dia. f Outras, entre quatro a oito horas. f Em uma terceira zona é de oito a dezesseis. f Outra já alcançou de 16 a 24 horas por dia. Finalmente, segundo uma pesquisa realizada por uma empresa de auditores/ consultores, em novembro de 2002, 90% dos entrevistados considera que o serviço melhorou desde que está a cargo do concessionário, e 72% considera que a água é de boa qualidade. Depois da concessão, os prefeitos continuam batendo à porta do Governo central colombiano para pedir recursos, mas já não são para resolver os problemas do aqueduto. p FINANCIAMENTO DOS SERVIÇOS DE ÁGUA E SANEAMENTO NA AMÉRICA LATINA O setor privado poderia cumprir um papel importante no abastecimento de água. MELHORAR SEMPRE É POSSÍVEL CARMEN ABDO ZAGLUL AS CONTROVÉRSIAS SOBRE A OPÇÃO ENTRE O ABASTECIMENTO PÚBLICO E O PRIVADO DE ÁGUA DESVIARAM A ATENÇÃO DE UMA QUESTÃO MAIS IMPORTANTE: COMO CONSEGUIR QUE, INDEPENDENTEMENTE DA OPÇÃO ESCOLHIDA, SEJAM ASSEGURADOS OS MELHORES SERVIÇOS NAS ÁREAS DE BAIXA RENDA. GORDON MC GRANAHAN Diretor do Programa de Assentamentos Humanos do International Institute for Environment and Development (IIED) AQUA VITAE 29 > FINANCIAMENTO DOS SERVIÇOS DE ÁGUA E SANEAMENTO NA AMÉRICA LATINA D urante grande parte do século 20, a sabedoria tradicional nos círculos de política pública era que as redes de água e sistemas de deságüe eram monopólios naturais e proporcionavam benefícios à saúde pública. Se tivessem liberdade, os monopólios privados cobrariam a mais, abasteceriam menos e ignorariam os benefícios da água e saneamento para a saúde pública. O setor público devia assumir o controle, para prevenir o abuso dos poderes monopolistas e para dar a conhecer os benefícios que tanto a água como o saneamento representavam para a saúde pública. Além disso, os governos que assumiam compromissos políticos com relação à cobertura universal sentiram-se obrigados a manifestar este compromisso em seus planos e a fixar preços de água em níveis considerados acessíveis a todos. No entanto, à medida que o século chegava ao fim, estas crenças começaram a ser criticadas. Nos anos 90, os promotores da participação do setor privado lançaram uma crítica sustentada aos serviços públicos e suas falhas, e promoveram uma alternativa privada (regulada). Sustentavam que, especialmente em assentamentos de baixa renda, os serviços públicos tendem a ser ineficientes, a contar com excesso de pessoal, a prestar-se à corrupção, a estar abertos à manipulação por parte de políticos que buscam vantagens políticas de curto prazo e tendem a ser indiferentes às demandas dos consumidores. As tarifas de água baixas, longe de assegurar que as residências de baixa renda possam arcar com a água encanada, transformam a distribuição de água em clientelismo e contribuem com as dificuldades financeiras dos serviços, muitas vezes inibindo o investimento e impedindo que as redes de água e saneamento se estendam a assentamentos de baixa renda (mesmo quando os residentes estão dispostos a pagar por eles). Os serviços privados, segundo seus promotores, se preocupariam pelos custos, seriam apolíticos e atenderiam a demanda. A regulação independente, junto com a concorrência por concessões ou 30 AQUA VITAE O serviço de água que se oferece deve ser bom, independentemente do setor que o forneça outros contratos, evitaria o abuso dos poderes monopolistas. Ao menos para a água, a recuperação de custos poderia ser alcançada por meio da reforma de tarifas. Estes serviços, regulados de acordo com o interesse público, fariam o que os serviços públicos tão claramente não conseguiram fazer. Não é de espantar que quando foram iniciadas as medidas para promover ativamente uma maior participação do setor privado tenha havido resistência, tanto política como retórica. Alguns dos que se opunham, voltaram a enfatizar suas preocupações sobre monopólios naturais e o interesse público, argumentando que a participação privada levaria a elevados preços de água e saneamento e concentraria os esforços em servir àqueles que podiam pagar os custos. Outros argumentavam que a água e o saneamento são direitos humanos e que é intrinsecamente pernicioso que as corporações multinacionais baseadas em países ricos obtenham benefícios vendendo água ou saneamento a pessoas que vivem na pobreza. Os mais extremistas asseguravam que os esforços para privatizar a água resultavam em palavras do título de um livro recentemente publicado, em um “roubo corporativo da água do mundo”. Mais preocupante para os promotores da participação do setor privado foi a difusão na imprensa popular de muitos países da percepção de que as políticas de “privatização” da água afetavam os pobres de maneira negativa e eram promovidas para beneficiar a estrangeiros ricos. Mas talvez o que era realmente mais preocupante foi que as experiências concretas de uma maior participação do setor privado estavam longe de ser o ideal que havia sido promovido. CARMEN ABDO ZAGLUL. Melhorar sempre é possível Houve falsas expectativas com relação à participação do setor privado? A postura a favor da participação privada era muito mais fácil de sustentar quando se podia comparar a turbulenta realidade dos serviços públicos com as versões idealizadas da participação do setor privado. Uma vez que a participação do setor privado alcançou níveis significativos, algumas das afirmações mais ambiciosas tornaram-se menos convincentes. Longe de despolitizar o abastecimento de água e saneamento, ocorreu que a participação do setor privado podia aumentar as manipulações políticas, não apenas colocando as pessoas na rua (como em Cochabamba, Bolívia), mas criando novas oportunidades para o clientelismo e a corrupção. No mundo real, a eficiência e a resposta ao consumidor por parte dos fornecedores privados de água e saneamento não são garantidas pelo mercado, mas dependem da natureza dos contratos e da qualidade da regulação, como também do contexto local. Além disso, as maiores companhias privadas já não estão mais convencidas nem elas mesmas – se é que algum dia estiveram – de que os pobres estejam dispostos a pagar o custo total de um abastecimento seguro de água e saneamento. Mesmo aqueles que simpatizam com um papel maior do setor privado estão começando a questionar os fortes argumentos a favor da participação do setor privado e a forma como foram promovidos. Isto contribuiu para diversas tentativas de promover uma participação privada que esteja em maior sintonia com os pobres. Também contribuiu, na África do Sul, por exemplo, para tentar combinar a participação do setor privado com um reconhecimento mais explícito do direito à água em quantidade suficiente para satisfazer as necessidades básicas. Mas isto não conseguiu impedir que a participação do setor privado continue sendo altamente controvertida. Foi exagerada a própria divisão entre o público e o privado? Além disso, há uma percepção crescente de que foi dedicada atenção demais aos méritos relativos dos fornecedores públicos e privados. A participação privada não parece ter tido muito impacto na cobertura da água e os sistemas de deságüe na América Latina, onde foram iniciados muitos dos primeiros exercícios de privatização (Clarke et al., 2004). Muitos dos obstáculos para melhorar o abastecimento de água e saneamento não têm nada a ver com o fato de serem operadores de serviços privados ou públicos. É provável que um setor público que tem dificuldades para criar um clima regulatório adequado para os serviços públicos também tenha dificuldades com os serviços privados. Os residentes precariamente instalados, que vivem em lugares de difícil acesso e carecem dos meios suficientes para investir em conexões (apenas para citar alguns exemplos), talvez tenham a mesma dificuldade para convencer os serviços privados como os públicos de conectá-los. Mais do que isso, os serviços públicos podem ser forçados a enfrentar princípios comerciais, enquanto que os serviços operados de forma privada talvez estejam protegidos destas pressões. A distinção entre serviços privados e públicos não é tão clara como muitas vezes se acredita. De qualquer maneira, existem poucos indícios de que as empresas privadas, que precisam enfrentar pressões comerciais e recuperar seus custos a partir da cobrança dos usuários, estejam interessadas em investir grandes somas de dinheiro em bairros e assentamentos onde vive a maior parte daqueles sem água ou saneamento adequados. De fato, exatamente como é descrito a seguir, o financiamento privado não se mostrou tão fácil de conseguir como muitos esperavam. As grandes companhias de água estão interessadas em vender água e saneamento em assentamentos de baixa renda? Fortes promotores e fortes opositores do aumento da participação do setor privado, muitas vezes estão de acordo em que as empresas internacionais de água estão interessadas em ter acesso aos mercados de água nos assentamentos urbanos da Ásia, África e América Latina – suas discordâncias concentram-se na questão de se isto deve ser considerado algo bom. Mas apesar de ter sido vigorosamente promovida pelas agências internacionais de desenvolvimento nos anos 90, o alcance da participação privada nos serviços de água e saneamento ainda é pequeno, particularmente se forem excluídas as empresas pequenas e informais de água e saneamento. Os serviços operados de forma privada abastecem apenas entre 5% e 10% da população mundial de água, e ainda AQUA VITAE 31 > FINANCIAMENTO DOS SERVIÇOS DE ÁGUA E SANEAMENTO NA AMÉRICA LATINA menos de saneamento. Durante os anos 90, as empresas privadas obtiveram contratos para operar uma série de serviços nas cidades africanas, asiáticas e latinoamericanas, mas desde 1997 a quantidade de novos contratos foi diminuindo. Surgiram problemas em diversas das concessões existentes. Fatos, como a crise asiática de 1997, fizeram com que os investidores privados avaliassem melhor seus riscos em relação aos lucros. Muitos dos lugares que eram mais atraentes para os investidores privados – grandes cidades em países com grandes economias, com uma grande classe média – foram escolhidos antecipadamente. A divisão entre regiões e países foi desigual e concentrou-se majoritariamente na América Latina e no sudeste asiático (Budds e Mc Granahan, 2003). A participação do setor privado atrai o financiamento privado ao setor? Em regiões com contratos fundamentalmente de curto prazo e carentes de investimento – como a África subsaariana – quase todo o financiamento para os serviços de água e saneamento ainda chega via setor público e as tarifas dos usuários, não de investidores privados. Nas áreas mais pobres, são raros os contratos de investimento, e o investimento global em projetos de participação do setor privado não satisfez as expectativas. Mesmo onde foram acordados contratos de investimento de longo prazo, a assistência internacional para o desenvolvimento e os fundos públicos ainda participam com uma grande porcentagem dos resultados financeiros investidos, mesmo considerando que os números disponíveis raramente identificam os diferentes tipos de financiamento, é muito difícil ver exatamente quando vem do setor privado (Budds e McGranahan, 2003). E o que ocorre com empresas pequenas e informais? As controvérsias sobre o aumento da participação do setor privado focalizaram-se nas grandes redes de água, que tendem a ser favorecidas tanto pelos ser32 AQUA VITAE Aumentar (ou suprimir) a participação do setor privado no fornecimento de água é algo essencialmente polêmico, não porque as pessoas que carecem de água e saneamento adequados tenha fortes convicções sobre o assunto, mas pelos interesses encontrados dentro do setor da água e dentro da comunidade internacional de desenvolvimento. viços privados como pelos públicos. Mas uma grande proporção daqueles sem água nem saneamento adequados, não poderão ter acesso às grandes redes de água e sistemas de deságüe em um futuro próximo. Isto é especialmente certo para os habitantes rurais, mas também se aplica a muitos dos pobres urbanos, especialmente os que vivem em pequenos centros urbanos. Ainda mais, entre as empresas privadas que fornecem água e saneamento aos pobres urbanos, os fornecedores de pequena escala e os vendedores e fornecedores de serviços informais são mais significativos que os grandes operadores de serviços privados (Solo, 2003, McIntosh, 2003, Collignon e Vecina, 2000). Estas pequenas empresas talvez sejam privadas, e muitas vezes em mercados muito mais competitivos do que os grandes operadores de serviços privados. Mas de modo geral, os debates desviaram a atenção – e muito provavelmente a assistência para o desenvolvimento – para as grandes redes de água e sistemas de deságüe. Aumentar (ou suprimir) a participação do setor privado no fornecimento de água é algo essencialmente polêmico, não porque as pessoas carentes de água e saneamento adequados tenham fortes convicções sobre o assunto, mas pelos interesses encontrados dentro do setor de água e dentro da comunidade internacional de desenvolvimento. Os esforços para que o setor privado ajude a promover melhores serviços para as residências de baixa renda deveriam ser menos contenciosos. Talvez seja difícil gerar apoio político ou econômico para melhorias que beneficiam apenas as pessoas com pouco poder político ou econômico. Além disso, existe o perigo de que interesses criados em relação com as disputas público-privadas continuem interferindo: é possível que os proponentes do abastecimento privado assegurem que é muito fácil lograr que as empresas privadas forneçam serviços adequados aos pobres urbanos (e advoguem em favor de uma intervenção mínima); os oponentes talvez assegurem que é muito difícil (e advoguem em favor do tipo de regulações voltadas a eliminar as empresas privadas por completo). Mas, em princípio, todos podem estar de acordo que é bom que as empresas privadas que operam em assentamentos de baixa renda ofereçam melhores serviços àqueles que ainda não têm acesso adequado à água e ao saneamento. Em certos lugares e momentos, pode ser crítica a escolha entre operadores privados e públicos de serviços. Mas isto não justifica uma agenda internacional de promoção (ou eliminação) da participação do setor privado no abastecimento de água e saneamento. Assim como é mais provável que surjam empresas privadas bem-sucedidas a partir da concorrência justa no mercado, também é mais possível que surjam acordos com empresas privadas a partir da concorrência justa no âmbito político local. Aumentar (ou suprimir) a participação do setor privado no abastecimento de serviços é um tema controvertido, e requer determinação política. Deveriam ser menos contenciosos – embora não menos difíceis – os esforços para fazer com que o setor privado ajude a prestar melhores serviços às residências de menor renda. p O artigo anterior é parte da publicação “Como fazer com que o setor privado trabalhe em favor dos pobres: um novo olhar sobre o debate da privatização”, publicado em novembro, 2005 na revista Meio Ambiente e Urbanização N°62-63, no qual o autor refere-se primeiro aos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio e seu papel no melhor abastecimento de água e saneamento, a seguir ao debate existente entre o público e o privado e, finalmente refere-se à forma como as empresas públicas podem satisfazer melhor as necessidades dos pobres urbanos. CASOS POR NIDIA BURGOS Q. Opções sob medida para as comunidades n Por Nidia Burgos Q. A S EXPERIÊNCIAS VIVIDAS por grande quantidade de comunidades na região latinoamericana demonstram que os projetos mais bem-sucedidos na gestão dos serviços de água e saneamento são aqueles que levam em consideração os interesses dos seus habitantes. Entretanto, não há uma única receita para solucionar as múltiplas necessidades existentes nestes campos. Os casos do Estado de Nuevo León, no México, e da cidade de Puerto Cortés, em Honduras, partiram dos governos locais, mas foram além no aperfeiçoamento da qualidade dos seus serviços. Somando as duas comunidades, os serviços atendem mais de um milhão de habitantes que têm agora resolvidos seus problemas de água e saneamento. Estes casos demonstram que o importante não é se os serviços pertencem à esfera pública ou à privada, mas que estejam nas mãos adequadas de pessoas e organizações com interesses comuns. Monterrey, México: um salto qualitativo A empresa Servicios de Agua y Drenaje de Monterrey comemora 100 anos de prestação de serviços à cidade de Monterrey. A companhia começou como uma empresa privada que depois passou a ser pública. O caso de Monterrey, estado de Nuevo León, México, demonstra como o setor público pode chegar a ser muito eficiente com tenacidade e visão. Características da Comunidade A cidade de Monterrey conta com 910.379 usuários dos serviços de água. Destes, 852.103 são domésticos, 52.132 comerciais, 1.424 industriais e 4.270 públicos. Situação inicial Em 1906, o governo de Nuevo León concedeu os serviços de água potável e esgoto a uma companhia canadense. Em 1956, por decreto do governo local, foi criada uma instituição pública descentralizada que recebeu o nome de Servicios de Agua y Drenaje de Monterrey. A entidade teria o objetivo de prestar serviços municipais de água e drenagem aos habitantes da cidade de Monterrey, sendo que em 1995 a atuação foi ampliada para todo o estado. Como foi resolvido Em 2000 também foi reformulada a lei que criou a referida instituição pública descentralizada, dando a ela um número maior de funções: prestar os serviços públicos de fornecimento de água potável, não potável, residual, tratada, águas servidas, saneamento das águas residuais de drenagem de sanitário pluvial para os habitantes do Estado de Nuevo León. RESULTADOS Na região metropolitana moram 85% da população de Monterrey f Atualmente a região metropolitana da cidade de Monterrey tem uma cobertura de fornecimento de água potável de 99,30%, assim como de 97,80% para a drenagem sanitária de 100% para o tratamento de águas residuais. f Na área externa da cidade a cobertura de fornecimento de água é de 98%, a de drenagem sanitária fica 69,50% e a de tratamento de águas residuais de 70%. f Outras realizações desta gestão é que a medição do consumo é de 100%. Além disso, a instituição descentralizada é totalmente auto-suficiente e não recebe subsídios do governo. f A água pode ser consumida conforme sai da torneira, a sua qualidade é assegurada. f A instituição conta com um centro de informação e serviço 24 horas diárias, 365 dias ao ano. f Obteve a certificação ISO-EIC-17025 na qualidade do serviço. f Consegue arrecadar entre 90% e 95% do faturamento. f O seu sistema de reajuste de tarifas é automático e inclui variáveis como salários, custo da energia elétrica, depreciação e outros gastos. AQUA VITAE 33 CASOS Puerto Cortés, Honduras: entusiasmo e visão. A Prefeitura de Puerto Cortés não conseguiu enfrentar os desafios logísticos e financeiros que a reconstrução da infra-estrutura de água e saneamento implicava, logo depois de ter sofrido catástrofes naturais. Por essa razão, o mecanismo que esta comunidade aplicou em primeiro lugar foi descentralizar a sua operação e, finalmente, chegou a um sistema privatizado que se mostrou muito efetivo. Características da comunidade Puerto Cortés é uma cidade situada no extremo oeste de Honduras e tem uma população de 100 mil habitantes, dos quais 60% são urbanos e 40% rurais. Por estar situada ao nível do mar, seus terrenos são pantanosos. Nesta área está localizado o principal porto de entrada e saída de produtos do país. Situação inicial O sistema de água potável da cidade de Puerto Cortés foi construído em 1983. Os serviços de água e esgoto em Puerto Cortés eram oferecidos primeiramente pelo Servicio Autónomo Nacional de Acueductos y Alcantarillados (SNAA), uma entidade pública. Apesar dos esforços realizados por esta instituição havia alta morosidade, alta porcentagem de conexões ilegais e baixa capacidade de assumir investimentos para melhorias. Em 1993, devido aos efeitos de uma tempestade tropical, algumas tubulações de água romperam-se e a população ficou durante seis meses sem fornecimento de água, porque o SNAA não conseguiu realizar as religações, fato que provocou protestos na comunidade. Como foi resolvido Esta situação coincidiu com a mudança do governo local, em 1994, e o novo prefeito, Dr. Marlon Lara, assumiu o desafio um mês depois de ter sido empossado. O prefeito solicitou ao governo central o repasse da administração dos bens do sistema de água potável para o município, solicitação que foi aceita por um período de 16 meses. O governo, depois de ter feito uma avaliação, decidiu fazer o repasse definitivo, realizando assim a primeira experiência de descentralização da gestão do serviço público de água e saneamento em Honduras. Foram necessárias mudanças na legislação nacional. Por meio deste repasse e descentralização, a prefeitura de Puerto Cortés decidiu criar a Divisão de Águas Municipal de Cortés (DAMCO) com autonomia de ação, conseguindo melhorar sensivelmente os serviços de fornecimento de água. Mais adiante, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), para a concessão de um empréstimo, solicitou da prefeitura um modelo de gestão com maior participação comunitária e menor ingerência política. Foi assim que foi fundada a Empresa de Águas de Puerto Cortés, na qual a prefeitura é a principal acionista, com uma participação de 95%, ficando 5% em poder do setor privado, representado por oito mil usuários. RESULTADOS f Contam com uma política de transparência que garante informações no seu site na web e nos seus escritórios, sobre questões como licitações, contratações, salários dos executivos e todos os demais assuntos que o consumidor considere necessário conhecer. f Tem um programa de cultura da água dedicado à população em geral e realiza campanhas escolares. f Foi possível ampliar a cobertura do serviço de 10% da população (da SNAA) para 91% da população. f Houve uma melhora da qualidade e quantidade da água e o serviço é ininterrupto 24 horas diárias. f Melhorou consideravelmente a arrecadação, chegando a 95% do faturamento mensal. 34 AQUA VITAE f Foi realizado um cadastro para a identificação física de todos os usuários e criou-se um banco de dados para o faturamento mecanizado. Também foram instalados medidores domiciliares e as tarifas são discutidas com a comunidade. f Construiu-se uma barragem para transportar a água usando a força da gravidade, até a planta de tratamento. f Criou-se um órgão regulador que fiscaliza a execução do contrato de arrendamento. f O governo de Honduras não precisa subsidiar os serviços de água potável e saneamento para a população de Puerto Cortés. IRRIGAÇÃO POR HELVECIO MATTANA SATURNINO, ANTÔNIO FERNANDO GUERRA E OMAR CRUZ ROCHA f [email protected] © HANS REINHARD/ZEFA/CORBIS membros da Associação Brasileira de Irrigação e Drenagem (ADIB) Eficiência na irrigação: muito além do termo. N A PRÁTICA, todos querem utilizar os fatores de produção para gerar riqueza, promover o desenvolvimento sustentável e o bem-estar. Portanto, ao inserir um projeto de irrigação dentro de uma bacia hidrográfica, dependendo dos múltiplos usos e da concorrência pela água existente, serão maiores as exigências para obter, cada vez mais e com mais sustentabilidade, resultados por metro cúbico de água captada. Se a captação for de águas servidas, seja de efluentes urbanos, industriais ou da criação de gado, há uma eficiência “adicional” na irrigação que passa a ser cúmplice da revitalização do setor hídrico e de saneamento. Do ponto de vista mercantil, partindo da base de que a sustentabilidade será preservada ou melhorada, fica claro que a eficiência é uma proporção entre a água captada e o valor recolhido, sendo assim possível agregar ao valor recolhido as outras externalidades derivadas dos benefícios da irrigação. Na ABID há uma constante integração tecnológica, sócio-ambiental e mercantil dentro da qual são fomentadas as interlocuções dirigidas e esses objetivos, com a participação de empresas de equipamentos de irrigação, universidades, produtores, instituições públicas e privadas, e uma diversidade de atores. Com a necessidade da concessão do uso da água, com as evoluções para a sua AQUA VITAE 35 cobrança e com as implicações e implementações dos Comitês de Bacias Hidrográficas, o Brasil já apresenta áreas de conflito pelos múltiplos usos da água, exigindo uma urgente atenção no que se refere à utilização do sistema de irrigação. Nesse agronegócio, o consumidor dos sistemas de irrigação terá, cada vez mais, que saber como dialogar com seus fornecedores de projetos e de equipamentos, e como “negociar” para que a compra do sistema proporcione bons resultados e para que o pagamento escalonado dos bens e serviços esteja em conformidade com o que foi acordado, assegurando assim a qualidade. Para tanto, faz-se necessário que depois da instalação do equipamento, um técnico ou uma empresa de confiança faça uma análise dos parâmetros do projeto em operação, e confirme que tanto os materiais como os parâmetros relativos à capacidade, como a uniformidade e a eficiência representem o que foi proposto no projeto. Por essa razão, é recomendável valorizar a competência, a tradição e a seriedade da empresa fornecedora dos equipamentos de irrigação e ter, como consumidor, um bom entendimento das terminologias sobre a eficiência da irrigação, utilizando-a como referência para a interlocução com os fornecedores. Ao mesmo tempo, isso também serve de referência para que os fornecedores tenham como base a utilização do termo “eficiência” em todo o seu escopo, podendo incluir diversas vertentes para obter bons resultados. Independentemente da área a ser irrigada, o consumidor sempre deve prestar atenção ao que é fundamental para poder conseguir a eficiência: uma boa gestão e a qualidade total nas diversas fases do projeto. Da mesma forma que muitas empresas que fabricam e fornecem equipamentos de irrigação põem em prática esses fundamentos todos os dias, é necessário prestar atenção para incorporar, ao máximo, esses mesmos fundamentos em favor de uma maior eficiência no planejamento, na implementação e na execução de cada projeto. O termo eficiência na irrigação deve ser entendido e analisado considerando a sua relação com a proposta do projeto. Para o projetista, um sistema de irrigação tem uma eficiência de 100% quando atinge os objetivos propostos com base 36 AQUA VITAE nas demandas preestabelecidas no projeto. Isso significa que se um determinado sistema tiver sido projetado para aplicar uma determinada quantidade de água a mais, para retirar excessos de sais do volume de solo ocupado pelo sistema radicular, ou projetado para aplicar apenas uma fração da água requerida pela cultura, como acontece na irrigação deficitária, o sistema é considerado eficiente, por cumprir os objetivos previstos no projeto. Uma perda de eficiência sempre deve estar relacionada ao desempenho do sistema, usando como base as premissas contidas no projeto. Entretanto, o termo eficiência da irrigação foi utilizado na literatura referindo-se a parâmetros de avaliação utilizados para analisar parcialmente os sistemas de irrigação, tais como eficiência do uso da água, uso consultivo, uniformidade de distribuição da água do sistema, fração de água ameaçada e tratada, eficiência da aplicação da água, entre outros. No seu trabalho sobre o assunto, Jensen, M.E. (ICID – 2002) apresenta uma ampla revisão da literatura e demonstra que é comum a utilização inadequada da terminologia por parte de diversos autores. Buscando padronizar as terminologias sobre este aspecto, Jensen, M.E. (2002) sugere mudanças nos termo usados até o momento, conforme explicado a seguir: a) mudar o termo de eficiência de irrigação a fração de irrigação pelo uso consultivo ou, simplesmente, coeficiente de uso consultivo da irrigação; b) alterar o termo eficiência da aplicação da água para fração de água ameaçada ou, simplesmente, fração ameaçada. Entretanto, esta proposta parece não ser adequada, porque uma mudança nos termos técnicos não soluciona o erro conceitual associado ao termo eficiência de irrigação. O termo eficiência de irrigação deve se referir ao conjunto de parâmetros relevantes do sistema de irrigação proposto na criação do projeto. Eficiência da condução da água: razão entre o volume de água que chega ao ponto de distribuição e o volume derivado da fonte. Esse termo tem uma importância fundamental, quando a condução da água é realizada por canais. Em sistemas pressurizados, as filtragens apenas interferem para reduzir essa eficiência. Eficiência da distribuição da água: uniformidade de distribuição de água pelo sistema de irrigação. Este é um parâmetro bastante complexo, considerando que a garantia de uma operação adequada depende da qualidade do projeto e da manutenção dos sistemas de irrigação. Na irrigação por superfície, os cuidados na determinação de esvaziamento máximo não erosivo e do esvaziamento reduzido, associados à aplicação de água intermitente permitem otimizar a distribuição de água desses sistemas. Na irrigação pressurizada, deve-se tomar cuidados especiais na qualidade da distribuição dos emissores e também no que se refere à limpeza da água para evitar obstruções que prejudiquem a distribuição da água dos sistemas. Eficiência da aplicação da água: proporção entre a quantidade de água armazenada no perfil de solo ocupado pelo sistema radicular, mais uma fração de separação de sais, quando for necessária, e o total de água aplicado na irrigação. Esse parâmetro é, sem dúvida, o mais complexo por ser afetado pela uniformidade de distribuição de água, redistribuição de água no solo, critério técnico de gestão de irrigação, presença de sais no solo ou na água de irrigação, e fatores ambientais. Considerando que na prática é impossível distribuir água com uma uniformidade de 100%, sempre há a necessidade de aumentar uma porção para suprir essa desigualdade, fato que por ele mesmo contribui para que determinadas partes da área recebam água em excesso, na tentativa de assegurar a porção requerida em grande parte da área irrigada. Por outro lado, a capacidade do solo de redistribuir a água ajuda a equilibrar consideravelmente as diferenças de porção, devido à uniformidade de distribuição. A utilização de um critério técnico de gestão da irrigação é fundamental para aumentar a eficiência da aplicação da água. Nesse sentido, a utilização de instrumentos que permitam monitorar o status hídrico do solo ou da planta, e a demanda hídrica da atmosfera, possibilitam o cálculo em tempo real da porção requerida pela irrigação e contribuem para otimizar a eficiência da aplicação da água. Finalmente, em áreas onde existem sais nocivos para as plantas, aplica-se uma fração de água para lavar e arrastar parcialmente esses sais para © TED SPIEGEL/CORBIS Eficiência na irrigação: muito além do termo A utilização de um critério técnico de gestão da irrigação é fundamental para aumentar a eficiência na aplicação da água. fora da zona radicular, tornando o solo apto para a agricultura. Essa fração de água deve ser acrescentada à quantidade armazenada na área radicular, para não prejudicar o cálculo de eficiência da aplicação de água, considerando que esse procedimento é uma proposta de projeto. Da forma como foram abordados, os diferentes conceitos de eficiência de irrigação presentes na literatura têm apenas uma finalidade didática para a formação de profissionais na área de irrigação. Uma proposta prática para o campo é que a “eficiência da irrigação” seja mantida e utilizada somente para analisar e quantificar o desempenho do sistema em relação com as metas propostas no projeto de irrigação. Investir tempo e recursos na preparação de um bom projeto, atendendo todos os requisitos para implantá-lo bem, todas as necessidades, alternativas e recomendações dos aspectos operacionais e de gestão, trabalhando nele em conjunto com os fornecedores, significa trabalhar em favor de uma maior eficiência na irrigação. AQUA VITAE 37 CALENDÁRIO 2007 FEVEREIRO >1/11 2a Conferência sobre tratamento e reutilização de águas Local: Tomar, Portugal Site: www.engconfintl.org/7aa.html Organização: Conferências Internacionais de Engenharia MARÇO >7/9 2a Conferência Internacional de Mecânicas de Solos não saturados. Local: Weimar, Alemanha Site: www.cig.ensmp.fr/~iahs/ conferences/2007Weimar.pdf Organização: Organização Meteorológica Mundial, Ministério do Ambiente Espanhol >19/27 Conferência Internacional sobre Vivência Segura e Sustentável: Benefícios Econômicos e Sociais dos Serviços do Tempo, do Clima e da Água Local: Madrid, Espanha Site: www.wmo.int/Madrid07/ Organização: Organização Meteorológica Mundial, Ministério do Ambiente Espanhol >27/28 Congresso da Mudança Climática e Hidrologia Local: Lyon, França Site: www.shf.asso.fr/upload/ manifestation_programme69.pdf Organização: Sociedade Hidrotécnica Francesa >29 Março/ 1o Abril Exposição Internacional e Conferências sobre Veículos Ecológicos & Energias Renováveis Local: Mônaco Site: www.ever-monaco.com /accueil_us.htm Organização: MITI 38 AQUA VITAE ABRIL >11/13 Conferência sobre a contaminação da água em meios porosos naturais (WAPO2) Local: Barcelona, Espanha Site: www.proyectosh2o.upc.es/WAPO/index.php Organização: Instituto Geológico e de Mineração da Espanha (IGME); Universidade de Málaga, Espanha; Universidade Politécnica de Catalunha, Espanha; Programa Hidrológico Internacional da UNESCO (PHI) MAIO >20/23 Eficient 2007 / IV Conferência Internacional sobre Uso e Gestão Eficiente da Água Urbana Local: Ilha de Jeju, Coréia Site: www.efficient2007.com/ Organização: Associação Internacional da Água (IWA, siglas em Inglês) >23/25 Gestão de Bacias Fluviais 2007 Local: Kos, Grécia Site: www.unesco.org/water/water_ events/Detailed/1389.shtml Organização: Instituto Tecnológico de Wessex, Reino Unido O POÇO > DE TUDO UM POUCO PARA PENSAR MAIS DE 2,6 BILHÕES DE PESSOAS VIVEM SEM SERVIÇOS BÁSICOS DE SANEAMENTO E MAIS DE 1 BILHÃO NÃO TÊM ACESSO A ÁGUA POTÁVEL E SEGURA a fonte que e Seja comoda, não como o açud transbor s contém lho que apena Paulo Coe “ ” PROGRAMA DE AJUDA E SANEAMENTO BANCO MUNDIAL TODOS OS ANOS, AS INUNDAÇÕES AFETAM 520 MILHÕES DE PESSOAS Na América Central, o custo unitário da água (preço/m3) é 15 vezes mais alto para as famílias que não têm uma ligação domiciliar que para aquelas que a têm. ASSIM COMO SEUS MEIOS DE SUBSISTÊNCIA, CAUSANDO A MORTE DE 25.000 PESSOAS NO MUNDO INTEIRO. PORTAL DA ÁGUA DO BID. BOLETIM DA UNESCO. Cheiro da água Águas da terra Águas de março Águas dos rios Águas da fonte Que carregam a energia De onde surge até o ser. De noite, de dia... Segue o horizonte. Água que aguarda Ou transporta a vida Água doce... Água florida Salgada... Ou refletida Que rodeia a terra que permite a vida Vem com os ventos do sul... Ou com os ventos do norte. Lava o tempo... Leva uma semente Limpa... Transparente. Transportando a luz. Saciando a sede. E também, Acalmando a mente TÊRE ZAGONEL Disponibilidade de água per capita Investimento em serviços de água segundo a fonte, em países em desenvolvimento Fonte de financiamento por subregião - Continente americano M3/pessoa/ano Contribuição Governo Nacional/Setor público Nacional não governamental Fluxos de ajuda internacional Companhias privadas internacionais 62% 15% 14% 9% FUENTE: SUNMMAN 2002 EM: DOCUMENTO AMÉRICAS, IV FÓRUM MUNDIAL DA ÁGUA FONTE: DOCUMENTO AMÉRICAS, IV FÓRUM MUNDIAL DA ÁGUA. AQUA VITAE 39
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