O Direito ao Meio Ambiente como Direito Humano Fundamental
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O Direito ao Meio Ambiente como Direito Humano Fundamental
O DIREITO AO MEIO AMBIENTE COMO DIREITO HUMANO FUNDAMENTAL Cristiano Vilela de Pinho1 Wilton Luis da Silva Gomes2 RESUMO O direito ao meio ambiente deve ser compreendido como um direito fundamental. Sustentamos no presente trabalho, que a importância do direito a um meio ambiente saudável é base material à vida humana, haja vista que, sem um meio ambiente saudável, pleno em condições de subsistência, não existe como se desenvolver as demais garantias e direitos. Palavras Chave: Direito ao Meio Ambeinte, Estado, Soberania, Direitos Fundamentais. RESUMEN El derecho a la proteccion ambiental debe ser entendido como un derecho fundamental. Hemos sostenido en el presente trabajo que la protección a un ambiente sano constituye la base material de la vida humana. Sin un ambiente sano, no hay como desarrollar las demás garantizas y derechos fundamentales. Palabras Llave: Derecho a la protección Ambiental, Estado, Soberania, Derechos Fundamentales. Introdução O presente artigo objetiva tratar do direito ao meio ambiente como elemento considerado dentro do rol dos direitos humanos. 1 Advogado e Consultor Jurídico. É Graduado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo – USP. É aluno regular do curso de Doutorado em Direito Constitucional pela Universidade de Buenos Aires – UBA. É autor de diversos livros e artigos na área do Direito Público. E-mail: [email protected] 2 Advogado e Consultor Jurídico. É Graduado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo- USP. É Mestre e Doutor em Direito de Estado pela mesma Universidade. Foi Consultor da Unesco em matéria de Direito Público, É autor de diversos livros e artigos na área do Direito Público. E-mail: [email protected]. Buscamos iniciar o nosso trabalho com uma análise histórica do momento de consolidação dos direitos humanos como instrumento institucional e universal, com os elementos que o deram origem e sua instrumentalização a partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948. Neste sentido, promovemos uma breve análise acerca dos conceitos de Estado e de soberania, e analisamos de que forma esse processo de internacionalização dos direitos humanos contribuiu para o surgimento de uma noção mais flexível de soberania. Em seguida, buscamos contextualizar o direito ao meio ambiente no rol dos direitos humanos, por meio de revisão bibliográfica e analisar os instrumentos de efetivação de tais direitos no âmbito internacional, em especial através da Conferência de Estocolmo, de 1972 e da Conferência do Rio de Janeiro de 1992. Posteriormente, nos detemos com relação à análise da inserção da temática do direito ambiental na Constituição Federal brasileira de 1988, destacando o caráter pioneiro desta iniciativa, em relação às Cartas anteriores. Por fim, apresentamos nossas conclusões, ao passo que buscamos destacar que a relevância do tema está no porvir, isto é, o alcance de novas conquistas universais no âmbito do direito ao meio ambiente e, de forma mais ampla, no âmbito dos direitos humanos. 1. A Consolidação Internacional dos Direitos Humanos A estruturação dos direitos humanos enquanto instrumento universal, de aceitação ampla e institucionalizada é fenômeno recente, da metade do século XX, fruto do pós-guerra, que tem como marco inicial a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 19483. 3 CRETELLA NETO. Curso de Direito Internacional do Meio Ambiente. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 670. Não parece acertado, entretanto, se falar em “criação” dos direitos humanos com esse advento4. Bobbio sustenta que os direitos do homem são direitos históricos, “nascidos em certas circunstâncias, caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas5”. Para Hannah Arendt, os direitos humanos não são um dado, mas um construído, uma invenção humana em constante processo de construção e reconstrução6. Flavia Piovesan defende a historicidade dos direitos humanos e sustenta que, para se atingir a internacionalização dos direitos humanos, foi necessário redefinir o âmbito e o alcance do conceito de soberania estatal e, além disso, redefinir o status do indivíduo no cenário internacional, de forma a que este se tornasse efetivamente sujeito de Direito Internacional. Além disso, sustenta que o processo de internacionalização dos direitos humanos teve como precedentes históricos, primeiramente o Direito Humanitário e, em seguida, a Liga das Nações e a Organização Internacional do Trabalho7. O Direito Humanitário define as regras a serem aplicadas durante os conflitos armados, internacionais ou não, com o objetivo de proteger os direitos dos não combatentes, civis e militares e de restringir os direitos dos combatentes, através da limitação dos métodos e meios de guerra8. 4 “El hombre siempre ha luchado por el reconocimiento de sus diversos derechos y el hecho de que en ciertos momentos no haya reclamado algunos (como por ejemplo, el derecho al goce de un ambiente sano y equilibrado), no significa que estos no existieron, dado que se trata de derechos inherentes a la personalidad humana. Para tomar conciência de la necessidade de reconocer ciertos derechos se requieren determinadas condiciones”. In FLORES, Maria Victoria Pereira. El derecho al goce de un ambiente adecuado em el marco constitucional de Argentina y Uruguay." Acedido de http://www.juridicas.unam.mx/publica/librev/rev/dconstla/cont/2004.2/pr/pr5.pdf em 15 de maio de 2013. Biblioteca Jurídica Virtual do Instituto de Investigações Jurídicas da UNAM (Universidad Nacional Autónoma de México). p. 531. 5 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992. p. 32. 6 ARENDT, Hannah. As origens do totalitarismo. Rio de Janeiro, 1979. Apud PIOVESAN, Flavia. Direitos Humanos e Justiça Internacional: Um estudo comparativo dos sistemas regionais europeu, interamericano e africano. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 36. 7 PIOVESAN, Flavia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 177. 8 DEYRA, Michel. Direito Internacional Humanitário. Ed. Comissão Nacional para as Comemorações do 50º aniversário da Declaração Universal dos Direitos do Homem e Década das Nações Unidas para a Educação em matéria de direitos humanos: Lisboa, 2001. p.14. Existem atualmente pelo menos trinta textos internacionais nessa matéria, entre eles, as quinze convenções de Haia de 1899 e de 1907, o Protocolo de Genebra de 17 de junho de 1925, a Convenção das Nações Unidas de 10 de abril de 1981, o Tratado de Paris de 15 de janeiro de 1993, a Convenção de Ottawa de 3 de dezembro de 1997, entre diversos outros9. A Liga das Nações foi um organismo criado após a Primeira Grande Guerra no sentido de desenvolver a cooperação entre as nações, promover a paz e a segurança internacional. Sua Convenção estabelecia sanções de natureza econômica e militar a serem impostas pela comunidade internacional, contra aqueles Estados que violassem suas disposições. Teve papel destacado, à medida que iniciou o processo de redefinição da noção de “soberania absoluta do Estado, que passava a incorporar em seu conceito compromissos e obrigações de alcance internacional10”. Como uma organização multilateral pioneira, ensejou um novo cenário dentro do âmbito das relações diplomáticas internacionais, vez que diferentemente de uma diplomacia bilateral ou de conferências esporádicas, demonstrou a necessidade uma forma de se relacionar mais transparente e com um ganho de comprometimento muito maior em relação àquela coletividade11. A Liga das Nações teve um papel de grande relevância no período entreguerras, fornecendo subsídios valiosos que posteriormente levaram à criação da Organização das Nações Unidas12. A Organização Internacional do Trabalho, por seu turno, foi criada ao final da Primeira Guerra, com a pretensão de alinhar padrões internacionais dignos de condições de trabalho e bem-estar dos trabalhadores. Para Nicolau Valticos: 9 Ibidem. p. 19. PIOVESAN, Flavia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 179. 11 RODRIGUES, Daniel Lago; MIALHE, Jorge Luis. A participação e retirada do Brasil da Liga das Nações. p. 02. Acedido em 04 de maio de 2013 de https://www.metodista.br/revistas/revistasunimep/index.php/direito/article/download/699/258. 12 RODRIGUES, Daniel Lago; MIALHE, Jorge Luis. A participação e retirada do Brasil da Liga das Nações. p. 02. Acedido em 04 de maio de 2013 de: https://www.metodista.br/revistas/revistasunimep/index.php/direito/article/download/699/258. p. 02. 10 A primeira Guerra Mundial produziu modificações na posição e no peso da classe trabalhadora das potências aliadas. A trégua social e cooperação que se estabeleceu na Europa ocidental entre os dirigentes sindicais e os governantes, os grandes sacrifícios suportados especialmente pelos trabalhadores e o papel que desempenharam no desenlace do conflito, as promessas dos homens políticos de um mundo novo, a pressão das organizações obreiras para fazer com que o Tratado de Versalhes consagrasse as suas aspirações de uma vida melhor, as preocupações suscitadas pela agitação social e as situações revolucionárias existentes em vários países, a influência exercida pela Revolução Russa de 1917, foram fatores que deram um peso especial às reivindicações do mundo do trabalho no momento das negociações do tratado de paz. Estas reivindicações expressaram-se tanto em ambos os lados do Atlântico como em ambos os lados da linha de combate, inclusive durante os anos de conflito mundial. Ao final da guerra, os governos aliados e, principalmente os governos francês e britânico, elaboraram projetos destinados a estabelecer mediante o tratado de paz, uma regulamentação internacional do trabalho13”. Esses três adventos, acima relacionados, foram pioneiros e a seu modo contribuíram para o processo histórico que, mais adiante, redundaria na efetiva formalização e consolidação dos direitos humanos. Com isso, é somente a partir da Segunda Guerra que a concepção de direitos humanos ganha corpo. As inúmeras manifestações de desrespeito brutal à pessoa humana, com a matança de milhões de pessoas por parte dos regimes totalitários, especialmente do nazismo, levaram à conscientização da necessidade da construção de um arcabouço institucional que prevenisse conflitos e que garantisse os valores elementares de garantia à vida humana, marcaram um momento definitivo. 13 VALTICUS, Nicolas. Droit International du Travail. Paris: Dalloz, 1983. Apud SUSSEKIND, Arnaldo. Direito Internacional do Trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 2000. p. 52. A partir desse contexto histórico, advém a aprovação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, e começa a se desenvolver o direito internacional dos direitos humanos, mediante a adoção de inúmeros tratados de alcance global, voltados a garantir a proteção dos direitos considerados elementares14. Para Bobbio, com a Declaração de 1948 inicia-se uma fase na qual a afirmação dos direitos humanos é universal “no sentido de que os destinatários dos princípios nela contidos não são mais apenas os cidadãos deste ou daquele Estado, mas todos os homens”. E ainda, “no sentido de que põe em movimento um processo em cujo final os direitos do homem deverão ser não mais apenas proclamados ou apenas idealmente reconhecidos, porém efetivamente protegidos até mesmo contra o próprio Estado que os tenha violado15”. Percebe-se neste momento histórico, a formulação de uma nova concepção conceitual que redefine o paradigma moderno de Estado, relativizando a noção de soberania como forma de garantir a efetivação dos direitos humanos. 2. Os Direitos Humanos e a Soberania do Estado Dalmo Dallari define o Estado como sendo a “ordem jurídica soberana que tem por fim o bem comum de um povo situado em determinado território”. Afirma ainda, que a noção de soberania está implícita na noção de poder, como elemento característico da própria ordem jurídica; a politicidade do Estado encontra-se expressa na referência ao bem comum, com a vinculação deste a determinado povo16. A noção de soberania pode ser concebida como o conjunto de poderes internos sobre os quais se assentam os fundamentos do Estado e pelos quais se realizam seus objetivos. 14 Como observa Rogério Taiar, “a semente do caráter universal, no sentido da interdependência, interrelacionamento e indivisibilidade dos direitos humanos foi plantada na Carta das Nações Unidas, afirmada na Declaração Universal dos Direitos Humanos, e reafirmada no paragrafo 5º. da Declaração e Programa de Ação de Viena, adotada na Conferência Mundial sobre os Direitos Humanos, em 1993" TAIAR, Rogério. Direito Internacional dos Direitos Humanos. Uma discussão sobre a relativização da soberania face à efetivação da proteção internacional dos direitos humanos. Tese de Doutorado apresentada perante a Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo USP, 2009. p. 199. 15 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992. p. 30. 16 DALLARI, Dalmo. Elementos de Teoria Geral do Estado. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 1993. p.101. A palavra "poder" atrelada à "soberania" traz a noção de sujeição ao mesmo tempo que estabelece um contraponto de não-sujeição. No contexto moderno, Estados se sujeitam a ordenamentos convencionais através de tratados internacionais, de atos unilaterais de vontade, num sistema de harmonização de poderes, consubstanciados e fundados em suas soberanias17. Neste sentido, compreende-se que a partir da efetivação da proteção internacional dos direitos humanos, podemos perceber certa relativização na ideia de soberania, ao passo que esta traz em seu cerne o elemento “dignidade humana”. Ou seja, em nome da “dignidade humana”, ou melhor dizendo, em nome da proteção aos direitos humanos, uma intervenção humanitária na jurisdição doméstica dos Estados não afronta a sua soberania, mas sim atua-se pela sua concretização, haja vista que “já não existe soberania sem a garantia da dignidade humana18”. Observa Rogério Taiar: “Um Estado que não realiza a dignidade humana não exercita a sua soberania. A soberania, então, é relativa, não somente em decorrência da internacionalização dos direitos humanos, mas também porque nunca existiu uma soberania absoluta, simplesmente em razão de que o ser humano, sociável por natureza e vivendo em sociedade, submete-se a regras de conduta, instituída para dirimir conflitos e promover a paz social, isto é, convencionou-se ceder parte de sua liberdade em benefício da convivência social19”. Compreende-se, dessa maneira, que a proteção internacional dos direitos humanos ensejou uma nova forma de conceber a soberania estatal, ao passo que esta passa a ser analisada não de “cima para baixo”, no sentido de imposição uma vontade do poder “central e superior” aos seus cidadãos, mas sim de “baixo para cima”, como um conjunto de poderes 17 MORE, Rodrigo Fernandes. O moderno conceito de soberania no âmbito do direito internacional. Texto acedido em 29 de abril de 2013 de http://www.more.com.br/artigos/Soberania.pdf 18 TAIAR, Rogério. op. cit. p. 253. 19 TAIAR, Rogério. op. cit. p. 253. para a realização dos seus objetivos de Estado, e dessa forma, do bem comum dos seus e de sua harmonização com a comunidade internacional20. 3. Direito ao Meio Ambiente enquanto Direito Humano Fundamental O direito ao meio ambiente, muito embora não tenha sido arrolado expressamente na Declaração Universal dos Direitos Humanos, deve ser compreendido como pertencente a categoria dos direitos humanos21. Para Mazzuoli, “a proteção ambiental, abrangendo a preservação da natureza em todos os seus aspectos relativos à vida humana, tem por finalidade tutelar o meio ambiente em 20 1. Cumpre citar: “O conceito de soberania está em conexão íntima com a natureza sociológico-jurídica de qualquer organização humana. Existe, com efeito, em toda pessoa jurídica, um poder central capaz de realizar o fim colimado por essa sociedade. Tal poder central assumirá caráter diverso de acordo com a natureza do agrupamento humano e da finalidade que lhe é inerente. Dentro da sociedade estatal, o poder central e centralizador, tomará, consequentemente, as proporções decorrentes da própria natureza do Estado. Será, então, um poder originário, congênito ao Estado, como união pluripersonal, proveniente da própria natureza humana que o postula. Apresentará, porém, ao mesmo passo, características de poder ultimo, máximo em seu gênero, visto não existir outro da mesma espécie que lhe seja superior; Com efeito, desde que o Estado for independente e não houver subordinação a outro Estado como membro de federação, o poder estatal será máximo no seu gênero. Dá-se a este poder supremo dentro da comunidade estatal o nome de soberania, suprema potestas. Abrange dois aspectos: é a autoridade máxima na direção interna dos negócios do estado, ao que se chama usualmente, soberania interna ou autonomia; denota ausência de poder estatal ao qual o estado esteja subordinado, embora só em parte, ao que se denomina soberania externa ou independência”. SODER, JOSÉ. Direitos do Homem. São Paulo: Companhia Editorial Nacional, 1960. p. 166 Apud TAIAR, Rogério. op. cit. p. 253. 21 “O meio ambiente constitui um direito humano fundamental, devendo ser compreendido sob o enfoque indivisível, interdependente e inter-relacionado dos direitos humanos” In PIOVESAN, Flavia e FACHIN, Melina Girardi. Direitos Humanos e Meio Ambiente. In GALLI, Alessandra. Direito Socioambiental: Homenagem a Vladimir Passos de Freitas. Curitiba: Juruá, 2010. p.35. Além disso, cite-se também: “A proteção do meio ambiente está intimamente ligada com a proteção da pessoa humana, na medida em que não se pode imaginar o exercício dos direitos humanos sem que exista um ambiente sadio e que propicie o bem-estar para o desenvolvimento pleno e digno para todos” GUERRA, S. Direito Internacional Ambiental: breves reflexões. Revista Direitos Fundamentais & Democracia. Curitiba: UniBrasil, Faculdades Integradas do Brasil. Curso de Mestrado em Direito da UniBrasil, v. 02, n. 02, jun/dez 2007. Disponível em http://revistaeletronicardfd.unibrasil.com.br/index.php/rdfd/article/view/99/68. Apud PIOVESAN, Flavia; FACHIN, Melina Girardi. op. cit. p.35. Além disso, cumpre citar: “Derechos humanos y médio ambiente están tan ligados que no se conciben los primeiros sin el segundo” In: MARTINEZ, Augusto Durán. Derechos humanos y médio ambiente. Ponencia presentada en la XII Conferência de Facultades de Derecho de América Latina, Santa Fé de Bogotá (Colômbia), noviembre, 1998 Apud FLORES, Maria Victoria Pereira. op. cit. p. 01. E citar ainda “El derecho a un medio ambiente sano es, sin duda, un derecho humano fundamental, y presupuesto del disfrute y ejercicio delos demás derechos, por la íntima vinculación del ambiente con el nivel de vida en general”. ALFONSÍN, Marcelo Alberto López; TAMBUSSI, Carlos Eduardo. El meio ambiente como Derecho Humano. Acedido em 29 de abril de 2013 de www.gordillo.com/pdf/der_hum/Capitulo_XIII.pdf . p. 02. decorrência do direito à sadia qualidade de vida, em todos os seus desdobramentos, sendo considerado uma das vertentes dos direitos fundamentais da pessoa humana22”. José Renato Nalini assevera a “imprescindibilidade do meio ambiente saudável para que existam os demais direitos humanos. Basta recordar que sua vulneração atinge não só todos os demais direitos – segurança, igualdade, liberdade e propriedade – como inviabiliza aquele que é o pressuposto à fruição de todo e qualquer direito: o bem da vida23”. Existe, porém, defensores de ideia contrária, que rejeitam o enquadramento do direito ao meio ambiente nesse rol dos direitos humanos. Para José Cretella Neto, “terá já o Direito Ambiental ascendido à categoria inscrita no seleto rol dos direitos humanos? Parece ser uma questão de tempo para que seja plenamente reconhecido como tal, mas, no presente momento histórico, essa equiparação ainda não parece tão evidente”. Argumenta ainda existirem diversos pontos de contato entre os direitos humanos e o Direito Ambiental, mas, “daí a concluir que o direito ao meio ambiente sadio – direito este que, de resto, absolutamente não se contesta – estaria incorporado, vai alguma distância24”. Nesse sentido, ao passo que assimilamos o direito ao meio ambiente como direito humano, entendemos que, no rol desses direitos, o direito ao meio ambiente deve ser enquadrado no âmbito dos direitos de terceira geração. Essa é a posição doutrinária dominante. Neste diapasão, Bobbio afirma “emergiram hoje direitos de terceira geração, que constituem uma categoria, para dizer a verdade, ainda excessivamente heterogênea e vaga, o que nos impede de compreender do que efetivamente se trata. O mais importante deles é o reivindicado pelos movimentos ecológicos: o direito de viver num ambiente não poluído25”. 22 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Soberania e a proteção Internacional dos Direitos Humanos: Dois fundamentos irreconciliáveis. Texto acedido em 01 de maio de 2013 de http://www.stf.jus.br/repositorio/cms/portalTvJustica/portalTvJusticaNoticia/anexo/Artigo__Soberania_e_Direit os_Humanos__Valerio_Mazzuoli.pdf p. 167. 23 NALINI, José Renato. Dignidade Humana e Meio Ambiente à luz da jurisprudência da Câmara Especializada do TJSP. In: SOUZA, Luciana Cordeiro de; LIQUENS, Flavio Lopes (orgs.). I Simpósio Nacional do Direito Ambiental da Aprodab. Jundiaí: In House, 2009. p. 86. Apud SEGUIN, Elida. A Correlação entre Direitos Humanos, Direito Ambiental e Justiça Ambiental In GALLI, Alessandra. Direito Socioambiental: Homenagem a Vladimir Passos de Freitas. Curitiba: Juruá, 2010. p. 46. 24 CRETELLA NETO, José. op. cit. p. 747. 25 BOBBIO, Norberto. op. cit. p. 06. Os direitos de terceira geração são considerados os direitos transindividuais ou difusos, que se caracterizam por não poderem ser divididos pelos atores sociais, mas sim, pertencentes ao mesmo tempo a toda a sociedade. Para Celso Lafer, “o titular destes direitos deixa de ser a pessoa singular, passando a sujeitos diferentes do individuo, ou seja, os grupos humanos como a família, o povo, a nação, coletividades regionais ou étnicas e a própria humanidade26”. O direito fundamental ao meio ambiente foi reconhecido efetivamente pela Declaração sobre o Meio Ambiente Humano, adotada pela Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, em Estocolmo, em 1972. Salienta José Afonso da Silva que esta declaração “abriu caminho para que as Constituições supervenientes reconhecessem o meio ambiente ecologicamente equilibrado como um direito humano fundamental entre os direitos sociais do Homem, com sua característica de direitos a serem realizados e direitos a não serem perturbados27”. A Convenção de Estocolmo, que contou com a presença de representantes de cento e treze nações, além da presença de duzentos e cinquenta28 organizações nãogovernamentais, aprovou sua Declaração com vinte e seis princípios, explicitando a preocupação ambiental como um direito humano a ser preservado. De acordo com o documento, “o homem tem direito fundamental à liberdade e ao desfrute de condições de vida adequados em um meio ambiente de qualidade tal que lhe permita levar um vida digna e gozar de bem-estar, tendo a solene obrigação de proteger e melhorar o meio ambiente para as gerações presentes e futuras29”. Além de reafirmar o direito ao meio ambiente como um direito humano fundamental, a Declaração pretendeu minimizar os contrastes existentes entre o desenvolvimento econômico e a proteção ambiental, estabelecendo preceitos básicos que 26 LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos: A contribuição de Hannah Arendt. Estudos Avançados, v.1, n.30, maio/agosto, 1997. p. 131. 27 SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 67 28 KOHLER, Maria C.M.; PHILIPPI JR., Arlindo. Agenda 21 como Instrumento para a Gestão Ambiental. In: PELICIONI, Maria Cecília Focesi; PHILIPPI JR. Arlindo (orgs.). Educação Ambiental e Sustentabilidade. São Paulo: Manole, 2005. p. 713. 29 Princípio 01 da Declaração de Estocolmo. nortearam os inumeráveis instrumentos jurídicos ambientais, sobre as mais distintas matérias, que surgiram posteriormente30. Como consequência a Conferência de Estocolmo, diversos outros documentos internacionais se somaram no mesmo sentido31, com destaque para a Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, que enfatizou a ideia de desenvolvimento sustentável. Aliás, é importante destacar o avanço percebido no campo da conscientização ambiental, nesse período de vinte anos que separam de Estocolmo da Rio-92. Essa evolução pode ser percebida tanto no campo do Direito Internacional do Meio Ambiente, como em relação à percepção da necessidade de uma nova forma de se portar frente às questões ambientais32. Neste sentido, registre-se que ainda em 1972, meses após a Conferência de Estocolmo, foi criado o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente - PNUMA, com sede em Nairóbi, no Quênia, sendo este o primeiro secretariado da ONU com sede em um país não-desenvolvido. Este programa demonstrou-se muito valioso para a sedimentação de práticas ambientais pelo mundo. A Conferência Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento foi realizada em julho de 1992, no Rio de Janeiro. A Rio-92 foi marcado pela presença de cento e setenta países e cerca de catorze mil organizações não governamentais, ficando conhecida como a maior assembleia internacional sobre o meio ambiente33. A Conferência foi importante para 30 KOHLER, Maria C.M.; PHILIPPI JR., Arlindo. Agenda 21 como Instrumento para a Gestão Ambiental. In: PELICIONI, Maria Cecília Focesi; PHILIPPI JR. Arlindo (orgs.). Educação Ambiental e Sustentabilidade. São Paulo: Manole, 2005. p. 714. 31 Convenção para Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural E Natural (1972); Convenção sobre a Prevenção da Poluição Marinha por Alijamento dos Resíduos e Outros Materiais ou Convenção de Londres (1972); Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (1982); Convenção de Viena para Proteção da Camada de Ozônio (1985); Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento (1986); Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (1992); Convenção sobre a Diversidade Biológica (1992); Convenção-quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (1992); e o Protocolo de Quioto à Convenção-quadro das Nações Unidas sobre Mudança no clima In: PIOVESAN, Flavia; FACHIN, Melina Girardi. op. cit. p.34. 32 “A conservação da fauna e da flora selvagens – preocupação atricuída, até poucos anos atrás, a alguns cientistas excêntricos e a sonhadores, amigos da Natureza – passou a ser cada vez mais percebida como a condição sine qua non para a manutenção do nível de vida da época e do futuro, devido ao perigo do empobrecimento extremamente rápido do patrimônio genético do planeta” CRETELLA NETO, José. op. cit. p. 143. 33 KOHLER, Maria C.M.; PHILIPPI JR., Arlindo. Agenda 21 como Instrumento para a Gestão Ambiental. In: PELICIONI, Maria Cecília Focesi; PHILIPPI JR. Arlindo (orgs.). Educação Ambiental e Sustentabilidade. São Paulo: Manole, 2005. p. 714-715. discutir a crise ambiental do planeta e analisar a evolução das políticas de proteção ambiental, estabelecidas duas décadas antes, na Conferência de Estocolmo. A Rio-92 também teve como objetivos principais identificar estratégias regionais e globais para ações apropriadas referentes às principais questões ambientais; recomendar medidas a serem tomadas, em âmbito nacional e internacional, referentes à proteção ambiental através de política de desenvolvimento sustentado; promover o aperfeiçoamento do Direito Internacional do Meio Ambiente; examinar estratégias de promoção de desenvolvimento sustentável e da eliminação da pobreza nos países em desenvolvimento, entre outros34. Um dos resultados mais importantes da Conferência Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992, foi Agenda 21, uma carta com quarenta capítulos, assinada por todos os países participantes da Conferência. A Agenda 21 ampliou o conceito de desenvolvimento sustentável, procurando os caminhos para concretizar esse conceito, indicando as ferramentas de gerenciamento necessárias e buscando conciliar justiça social, eficiência econômica e equilíbrio ambiental 35. 4. O Direito ao Meio Ambiente na Constituição do Brasil Em âmbito nacional, o direito brasileiro passou a assumir preocupação mais significativa com a preservação ambiental, a partir do advento da Constituição Federal de 1988, tendo sido olvidado pelas Constituições anteriores36. Antes de 1988 existiam algumas leis sobre o tema (com destaque para a lei 6.938 de 31 de agosto de 1981, que instituiu a 34 DIAS, Genebaldo Freire. Educação Ambiental: Princípios e Práticas. 9. ed. São Paulo: Gaia, 2004. p. 521. KOHLER, Maria C.M.; PHILIPPI JR., Arlindo. Agenda 21 como Instrumento para a Gestão Ambiental. In: PELICIONI, Maria Cecília Focesi; PHILIPPI JR. Arlindo (orgs.). Educação Ambiental e Sustentabilidade. São Paulo: Manole, 2005. p. 716. 36 FIORILLO. Celso Antonio Pacheco. Fundamentos Constitucionais do Direito Ambiental Brasileiro. Acedido em 21 de abril de 2013. Disponível em: http://www.observatorioeco.com.br/wpcontent/uploads/up/2009/10/fundamentos-constitucionais-do-direito-ambiental-brasileiro.pdf. p. 22. 35 Política Nacional do Meio Ambiente), mas somente com o advento da Carta de 1988 é que se pode perceber uma inclinação efetiva à proteção ao meio ambiente no Brasil. A Constituição de 1988 estabeleceu em seu artigo 225 que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. Com isso, finalmente o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é elevado à condição de direito fundamental garantido Constitucionalmente e resta evidenciado que sua definição jurídica está atrelada à tutela da vida em todas as suas formas. Com isso, o direito ambiental se ocupa das relações jurídicas vinculadas à vida em decorrência de sua complexidade. O direito à vida, desse modo, em todas as suas formas é garantido no plano constitucional de maneira ecologicamente equilibrada37. Para José Afonso da Silva: “O que é importante é que se tenha a consciência de que o direito à vida, como matriz de todos os demais direitos fundamentais do homem, é que há de orientar todas as formas de atuação no campo da tutela do meio ambiente. Cumpre compreender que ele é um fator preponderante, que há de estar acima de quaisquer outras considerações, como as de desenvolvimento, como as de respeito ao direito de propriedade, como as da iniciativa privada. Também estes são garantido no texto constitucional, mas, a toda evidência, não podem primar sobre o direito fundamental à vida, que está em jogo quando se discute a tutela da qualidade do meio ambiente. É que a tutela da qualidade do meio ambiente é instrumental no sentido que que, através dela, o que se protege é um valor maior: a qualidade da vida38”. 37 38 FIORILLO. Celso Antonio Pacheco. op.cit. p. 23. SILVA, Jose Afonso. op. cit. p. 46. A Constituição Federal faz reiteradas menções à proteção ambiental e matérias correlatas em diversos pontos, a saber: incisos XXIII, LXXI e LXXIII do artigo 5º.; incisos I, II, III, IV, V, VI, VII, VIII, IX, X, XI e parágrafos 1º. e 2º. do artigo 20; incisos XIX, XX, XXIII (alíneas a, b e c) e XXV do artigo 21; incisos IV, XII e XXVI do artigo 22; incisos I, III, IV, VI, VII, IX e XI do artigo 23; incisos VI, VII e VIII do artigo 24; artigo 49 parágrafo 2º. (inciso IV); artigo 91 (caput e parágrafos); artigo 129, inciso III; artigo 170, inciso VI; artigo 174 parágrafos 3º. e 4º; artigo 176 (caput e parágrafos); artigo 182 (caput e parágrafos); artigo 186; artigo 200, incisos VI e VIII; artigo 216 inciso V e parágrafos 1º, 3º e 4º; artigo 225; artigo 231 (caput e parágrafos); artigo 232; artigo 43 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e o artigo 44 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. A Constituição de 1988, ao tratar o meio ambiente em momentos diferentes39, isto é, natural (art. 225), cultural (arts. 215 e 216), construído (arts. 182 e 183) e do trabalho (art. 6º. e art. 200 inciso VII), busca garantir uma abrangência mais ampla, de sorte que, quando trata de “meio ambiente ecologicamente equilibrado”, está se referindo não somente “ao meio Natural, mas também ao Cultural, Construído e do Trabalho”, no sentido de que todos estes devem estar equilibrados para que se possa atingir o pleno desenvolvimento da sociedade brasileira40. Note-se, ainda, que o “direito ao meio ambiente interage também com o direito de propriedade e sua função social, bem como, com o planejamento e uso do solo, tanto urbano (arts. 182 e 183), quanto rural (art. 184 e ss.)”, além de ser compreendido como um dos princípios condicionadores da atividade econômica. Conclusão O presente trabalho objetivou promover uma abordagem do direito ao meio ambiente como direito humano fundamental. 39 40 CRETELLA NETO, José. Curso de Direito Internacional do Meio Ambiente. p. 849. SEGUIN, Elida. op. cit. p. 46. Neste sentido, a revisão bibliográfica trazida a este estudo, nos permite afirmar com segurança o entendimento que é majoritário na doutrina, de que o direito ao meio ambiente pertence ao rol dos direitos humanos. Como bem sintetizado pelas professoras Flavia Piovesan e Melina Girardi Fachin: O direito ao meio ambiente é direito humano que compõe o core dos processos de defesa material do principio da dignidade humana. Esta conformação renovada abre espaços importantes no cenário internacional de proteção à tutela do direito ao meio ambiente41”. A internacionalização da proteção ao direito ao meio ambiente, especialmente a partir dos anos 1970, formalizou sua concepção como direito humano fundamental, devendo ser concebido sob o enfoque “indivisível, interdependente e inter-relacionado dos direitos humanos42”. Assim, não se pode conceber o exercício pleno dos direitos humanos, sem que se tenha um meio ambiente sadio e em plenas condições de garantir a plenitude do exercício de todos os demais direitos aos seres humanos. O olhar sobre a questão ambiental é, até certo ponto, recente em nível global e seu ingresso explícito no Texto Constitucional brasileiro foi tardio, datado de 1988. Mas, por outro lado, as pesquisas relacionadas ao presente estudo nos levam a concluir que o arcabouço legislativo brasileiro, no que tange à temática ambiental, encontra-se bem mais evoluído que os demais América Latina. Não se pode, todavia, diante de uma certa modernidade legislativa, se conformar com situações que se percebem no dia-a-dia do País, referentes ao desrespeito ao direito ambiental e aos direitos humanos, de forma geral. Para tanto, urge um maior desenvolvimento 41 42 PIOVESAN, Flavia; FACHIN, Melina Girardi. op. cit. p. 39. Ibidem, p. 35. no âmbito da educação ambiental e um maior rigor na aplicação da legislação vigente, além de um maior respeito aos compromissos internacionais. E, mais do que isso, um maior respeito ao ser humano, objetivo maior de toda a proteção em direito existente. Bibliografia BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992. CAMACHO, Emílio; CLAUDE, Luis Lezcano. Comentário a La Constitución, Tomo II, Homenaje al Décimo Aniversario. Assuncion: Corte Suprema de Justitia, 2002. CRETELLA NETO. Curso de Direito Internacional do Meio Ambiente. São Paulo: Saraiva, 2012. DALLARI, Dalmo. Elementos de Teoria Geral do Estado. 17. ed. 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