Aspectos emocionais da saúde da mulher na medicina tradicional

Transcrição

Aspectos emocionais da saúde da mulher na medicina tradicional
ESTUDO TEÓRICO
Aspectos emocionais da saúde da mulher na
medicina tradicional chinesa
Emotional aspects of woman´s health in traditional chinese medicine
Alexsandra Cassol de Vasconcelos(a)*
Resumo: A mulher está, atualmente, exposta às variações hormonais decorrentes do estilo de vida
atribulado e estressante, e vem aumentando, na mesma medida, os problemas relacionados aos ciclos
femininos. Assim, o presente estudo busca explorar as alterações vivenciadas no ciclo menstrual da mulher
ocidental sob a perspectiva da Medicina Tradicional Chinesa, aprofundando as relações existentes entre
os estados emocionais e as alterações menstruais. Através do levantamento bibliográfico constatou-se
que o padrão primário observado nas alterações do ciclo menstrual se refere à Estagnação do Qi do
Fígado. Os distúrbios emocionais tendem a congestionar ou bloquear o fluxo energético deste Órgão
que é responsável pela movimentação de Qi e Sangue e pela armazenagem do Sangue, ocasionando os
sintomas de tensão pré-menstrual. Os autores propõem que, quando se trata de ciclo menstrual, o mais
importante para a saúde da mulher é a forma como elas se relacionam com as emoções dissonantes do
dia a dia.
Palavras-chave: Irregularidades Menstruais; Saúde da Mulher; Medicina Chinesa
Abstract: The woman is currently exposed to the hormonal changes resulting from the stressful and
hectic lifestyle, and has increased to the same extent, problems related to female cycles. Thus, this
study aims to explore the changes experienced in the menstrual cycle of western woman's under the
perspective of Traditional Chinese Medicine, deepening the relationship between emotional states and
menstrual changes. A bibliographical survey found that the pattern observed in the primary changes of
the menstrual cycle refers to the Liver Qi Stagnation. Emotional disturbances tend to jam or block the
energy flow of this Organ, which is responsible for the movement of Qi and Blood and storage of Blood,
causing symptoms of premenstrual tension. The authors propose that, when it comes to the menstrual
cycle, the most important for the health of women is how they relate to their dissonant emotions in
everyday life.
Key words: Menstrual Irregularities; Women's Health; Chinese Medicine
a Psicóloga; Especialista em Acupuntura.
*E-mail: [email protected]
Sistema de Avaliação: Double Blind Review
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As irregularidades menstruais, as tensões emocionais e
mudanças comportamentais provocadas pelos ciclos femininos,
os tumores de mama, os sintomas da menopausa, entre outros
têm sido, nos últimos anos, temas amplamente debatidos nos
diversos meios de comunicação. Conforme Nunes (2009), os
especialistas afirmam que a mulher moderna, mais do que
nunca, está exposta às variações hormonais decorrentes do
estilo de vida atribulado e estressante, da alimentação sempre
inadequada e do uso de anticoncepcionais. Não há dúvidas,
segundo o autor, que os problemas sazonais de saúde física
e mental, relacionados com o ciclo menstrual, são típicos dos
tempos atuais.
Um estudo global, envolvendo 4 mil mulheres, em diversos
países, estima que 90% da população em idade fértil sofre de
sintomas que se enquadram nos critérios do CID-10 (Código
Internacional de Doenças) e, ainda, 3% a 5% dessas mulheres
apresentam sintomas de angústia e irritabilidade às vésperas da
menstruação ou a partir da metade do ciclo (Nunes, 2009). Dados
semelhantes são encontrados nos estudos de Valadares, Ferreira,
Correa Filho & Romano-Silva (2006) e Carvalho (2009) que
informam que um total de 75% a 80% das mulheres em idade
reprodutiva apresenta algum tipo de sintoma (físico, emocional
ou cognitivo) durante o período pré-menstrual. Ainda, 10%
dessas mulheres declaram que seus sintomas são perturbadores,
impondo a necessidade de intervenção profissional e, entre 2%
e 8% das mulheres padecem de sintomas severos o suficiente
para desequilibrar suas vidas social, familiar e ou profissional
durante uma ou duas semanas por mês.
Diante deste quadro, o objetivo do presente estudo foi
explorar as alterações vivenciadas no ciclo feminino da mulher
ocidental sob a perspectiva da Medicina Tradicional Chinesa,
investigando suas causas, padrões de desarmonia e formas de
tratamento, além de aprofundar as relações existentes entre
os estados emocionais e as alterações menstruais. Segundo
Souza (2008), a Medicina Chinesa é um conjunto de saberes e
práticas de saúde que constituem, prioritariamente, um modelo
de prevenção e promoção da saúde, além da face curativa. A
prática médica chinesa versa sobre o restabelecimento natural
do equilíbrio, da harmonia e da vitalidade do corpo, através da
valorização dos poderes internos de cura (Valins, 1999; Souza,
2008; Zhao, 2009). Assim, o estudo objetiva, também, reunir um
conjunto de práticas e providências de autocuidados oferecido
pela sabedoria oriental à mulher que certamente contribuirão
para a promoção de sua saúde íntima.
Método
O estudo realizado utiliza como parâmetro a pesquisa
bibliográfica, que se refere a um tipo de pesquisa elaborada a
partir de material publicado: livros, artigos de periódicos, teses,
monografias e base de dados eletrônicos. Este levantamento
objetivou recolher e analisar as principais contribuições literárias
sobre o papel das emoções nos problemas ginecológicos da
mulher a partir das práticas e conceitos médicos chineses. Para
tanto, foram consultados os catálogos da Biblioteca Virtual
em Saúde (BVS) disponibilizados na rede. As categorias de
descritores consultados foram: irregularidades menstruais, saúde
da mulher, acupuntura e medicina chinesa. Foi dada a devida
atenção aos livros publicados por autores contemporâneos
sobre Medicina Chinesa, cuja obra representa a análise de
temas relevantes à compreensão das concepções de saúde desta
Medicina. Para complementar a estratégia de busca foi realizada
a checagem manual das referências bibliográficas dos artigos
e livros consultados com o objetivo final de localizar textos
pertinentes ao tema pesquisado.
Resultados e discussão
Milhões de mulheres em idade reprodutiva apresentam
uma constelação de sintomas emocionais, cognitivos,
comportamentais e físicos relacionados ao seu ciclo menstrual.
Estes quadros sintomáticos recebem denominações como
tensão pré-menstrual (TPM), síndrome pré-menstrual (SPM),
transtorno disfórico da fase lútea tardia (TDFLT; Manual
Diagnóstico e Estatístico de Distúrbios Mentais – DSM-III-R) ou
transtorno disfórico pré-menstrual (TDPM; Manual Diagnóstico
e Estatístico de Distúrbios Mentais DSM-IV), cada um com a
sua gravidade e sustentados por um complexo conjunto de
fatores biológicos, psicológicos e ambientais (Valadares et al.,
2006). Carvalho (2009) acrescenta que os sintomas de ordem
emocional têm sido referidos como de maior intensidade.
Os autores são unânimes ao afirmar que há mais de 150
sintomas relacionados ao ciclo menstrual (Carvalho, 2009;
Deadman, 1995; Freitas, Menke, Rivoire & Passos (1997); Nunes,
2009; Valadares et al., 2006). Os sintomas mais comumente
descritos pela literatura são: 1) sintomas emocionais: humor
depressivo; ansiedade; tensão; irritabilidade; choro; inquietação;
baixa autoestima; sentimentos de solidão; tristeza. 2) sintomas
cognitivos: insônia ou aumento da sonolência; diminuição da
memória; confusão; concentração diminuída; distração. 3)
sintomas comportamentais: compulsão por alimentos ricos
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em carboidratos; aumento de apetite; não participação em
atividades sociais ou profissionais; maior permanência em
casa; aumento do consumo de álcool; aumento ou diminuição
da libido. 4) sintomas físicos: intumescimento e dolorimento
de seios e abdome; cefaleia; dores generalizadas; aumento de
peso; fogachos; desmaios; tonturas; náuseas; fadiga; palpitação;
diarreia; constipação; acne.
A prática médica chinesa trata as questões relativas ao ciclo
feminino e as inúmeras alterações acima relatadas sob uma ótica
diferenciada que será exposta a seguir. Primeiramente, há certas
particularidades do pensamento chinês ao analisar os conceitos
de sua medicina. Como esclarece Ferreira e Luz (2007, p.865), “os
sentidos e significados de cada parte do discurso no pensamento
chinês só se tornam claros em sua inserção no todo. O significado
de uma categoria é dado pela evocação de outras categorias, que
vão se ressignificando por meio da associação entre elas”. Dessa
forma, torna-se fundamental a exposição preliminar de alguns
princípios básicos da Medicina Tradicional Chinesa, dentre eles
o conceito de Yin e Yang, do Qi, dos Órgãos Zang Fu e dos Cinco
Elementos. As inter-relações e ressignificações destes conceitos
básicos permitem, a partir da proposta holística, o entendimento
das questões de saúde e doença, e mais estritamente, da saúde
íntima da mulher.
A Medicina Tradicional Chinesa entende e descreve o
funcionamento do corpo humano com base na filosofia taoísta
que considera o homem como um aspecto da natureza, dentre
milhares de outros e, como tais são regidos pelas mesmas
leis naturais que comandam o universo (Gomes, 1996; Zhao,
2009). O indivíduo é um microcosmo, e, portanto, é impossível
a separação de uma parte do corpo, ou de um sintoma, ou de
seu aspecto físico, ou de seu aspecto emocional, sem a devida
consideração do todo. Segundo Zhao (2009, p.27), “cada ser
humano é um corpo-mente-espírito orgânico unificado”. Da
mesma forma, não se pode isolar uma doença e tratá-la sem
entender de que forma ela afeta o restante do corpo.
Zhao (2009) esclarece que o microcosmo humano, bem
como o universo, está em constante transformação e movimento,
sofrendo a ação de forças que impulsionam um elemento ao
outro. Essa interação de forças opostas é conhecida como Yin e
Yang. Assim, conforme Requena (1990), Yin está associado aos
fenômenos materiais, sólidos, aos corpos, ao frio, ao sombrio,
à contração, à lua, ao feminino, ao inverno, ao interior. Yang
associa-se aos fenômenos imateriais, ao movimento, a atividade
psíquica, ao calor, a luminosidade, ao verão, a expansão, ao
masculino, ao sol, ao exterior.
Da mesma forma, Zhao (2009) lembra que o ser humano
também é uma combinação de Yin e Yang, ou seja, cada parte
do corpo é descrita como predominantemente Yin ou Yang (por
exemplo, nossa cabeça, por posicionar-se no alto é Yang, nossos
pés, Yin) e, mais ainda, a Medicina Chinesa vê a saúde como a
capacidade de manter um equilíbrio entre estes polos e a doença
como um desequilíbrio entre Yin e Yang.
A causa desses desequilíbrios está no movimento dinâmico
do Qi dentro do corpo. O Qi é definido como força vital que move
e gera a vida, sustentando o corpo, mente, coração e espírito.
O Qi é a energia que estimula a atividade – a capacidade
de digerir os alimentos, de se movimentar, de pensar (Zhao,
2009). O Qi flui pelo corpo por determinadas vias condutoras
chamadas Meridianos. A prática médica chinesa trabalha com a
harmonização do fluxo do Qi através destes caminhos - no total
12 Meridianos Principais (Kemmer, 2006). Quando o Qi não flui
suavemente surge a doença. A acupuntura, uma das técnicas
terapêuticas chinesas, atua sobre os Meridianos, em pontos
específicos, para recuperar o equilíbrio da energia do corpo
gerando saúde (Zhao, 2009).
A Medicina Chinesa ensina que a Energia (Qi) e o Sanguea
(Xue) estão estritamente relacionados e são inseparáveis. O Qi é
fundamental para a produção de Sangue que vai nutrir todo o
organismo e que, por sua vez vai gerar Qi. A união harmoniosa
e constante entre Sangue e Qi é a que melhor simboliza dentro
do corpo as relações de dependência e complementaridade
entre o Yin e o Yang (Sangue como expressão do Yin e Qi como
expressão do Yang). E essa interdependência se exprime nos
conceitos de que o Qi forma, movimenta e controla o Sangue
enquanto o Sangue é a Mãe do Qi. É ligada ao Sangue que a
Energia Qi encontra um canal de circulação (Auteroche, Navailh,
Maronnaud & Mullens, 1987; Auteroche, Solinas & Mainville,
2000; Gomes, 1996; Zhao, 2009).
A interconexão de todos os órgãos do nosso corpo,
através dessa dinâmica de circulação energética recebe o
nome de Zang Fu. Os órgãos Yin são conhecidos como Zang,
e as vísceras Yang, como Fu. Cada um dos seis órgãos Zang –
Fígado, Coração, Pericárdio, Baço-Pâncreas, Pulmão e Rins
– tem vísceras Fu correspondentes – Vesícula Biliar, Intestino
Delgado, Triplo Aquecedor, Estômago, Intestino Grosso e Bexiga,
respectivamente. Cada um desses pares de órgãos tem funções
básicas, está relacionado a um órgão do sentido e também a
tecidos. Dada a interdependência destes sistemas, um padrão
a
Para fazer a diferenciação entre a forma que a Medicina Ocidental e a Tradicional Chinesa veem determinados órgãos e
líquidos corpóreos optou-se por utilizar letra maiúscula quando se trata da visão oriental que contempla além da estrutura
físico-anatômica as qualidades energéticas.
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de desequilíbrio em determinado órgão tem efeito profundo em
todos os outros órgãos, o que, por fim, pode levar à ocorrência
de doenças (Zhao, 2009).
Essa sequência de fenômenos ocorre de forma contínua
como uma força de transformação dentro do universo e no
homem e se traduz pelos Cinco Elementos: Fogo, Terra, Metal,
Água e Madeira. No homem cada processo - físico e psíquico tem relação com um desses elementos (Gomes, 1996). A Figura
1 (Adaptado de Gomes, 1996) esclarece essas relações:
Madeira
Zang Fu: Fígado
Órgão do sentido: Olhos
Tecido: Tendão, ligamentos
e unhas
Emoção: Raiva
Sabor: Azedo
Cor: Verde
Estação do ano: Primavera
Fogo
Zang Fu: Coração
Órgão do sentido: Língua
Tecido: Vasos sanguíneos
Emoção: Alegria
Sabor: Amargo
Cor: Vermelho
Estação do ano: Verão
o Coração, a ansiedade, o Baço, a perda ou tristeza, os Pulmões,
e o medo, os Rins”. Os autores propõem exemplos elucidativos
deste processo em nosso dia a dia. Quando a pessoa é muito
preocupada ou rumina pensamentos, o Qi do Baço pode ficar
bloqueado, o que talvez se traduza em problemas digestivos ou
sangramentos excessivos durante a menstruação (Zhao, 2009).
Ou quando a pessoa está triste ou não pode dar vazão à sua
raiva e medo, pode reprimir os seus sentimentos prendendo a
respiração, tensionando a garganta e enrijecendo os músculos
Terra
Zang Fu: Baço
Órgão do sentido: Boca
Tecido: Músculos
Emoção: Preocupação
Sabor: Doce
Cor: Amarelo
Estação do ano: Canícula
Metal
Zang Fu: Pulmão
Órgão do sentido: Nariz
Tecido: Pele
Emoção: Dor e tristeza
Sabor: Picante
Cor: Branco
Estação do ano: Outono
Água
Zang Fu: Rim
Órgão do sentido: Ouvido
Tecido: Ossos
Emoção: Medo e ansiedade
Sabor: Salgado
Cor: Preto
Estação do ano: Inverno
Figura 1. Os Cinco Elementos
Os órgãos e as vísceras são distribuídos, de acordo com
suas funções, pelos Cinco Elementos. Dado que na Medicina
Tradicional Chinesa, o corpo e a mente são inseparáveis, as
diversas emoções são sentidas por todas as regiões do corpo
e cada uma das emoções se identifica com um órgão e se
reflete em várias outras áreas dentro deste circuito energético,
imprimindo um ritmo e um sentido de circulação de energia
próprio (Gomes, 1996).
Quando o corpo é saudável e forte, as emoções também são
sadias. Elas fluem livremente e são adequadamente expressas
(Zhao, 2009). São sete emoções: a alegria, a raiva, a ansiedade,
a obsessão, a tristeza e o medo. No entanto, elas são causas de
doenças quando sentidas de forma excessiva por um período
prolongado (Gomes, 1996; Zhao, 2009).
As emoções, conforme esclarece Zhao (2009), são
consideradas expressões de nosso Qi e, assim sendo, gerarão
problemas se estiverem bloqueadas, se forem canalizadas ou
expressas de forma inadequada. Esta sobrecarga emocional
inclui a negação ou recusa em percebê-las ou aceitá-las. Para
Gomes (1996), este desequilíbrio precipita a desorganização
do fluxo energético, inviabilizando uma boa circulação de Qi,
Sangue e outros líquidos do organismo.
Nei Jing (O Clássico do Imperador Amarelo), citado por
Zhao (2009, p.45), esclarece que todas as doenças surgem da
perturbação do Qi: “a raiva faz subir o Qi, a alegria o abranda,
o dor o dispersa, o medo o faz descer, o terror o confunde e a
ansiedade o deixa estagnado. A raiva prejudica o Fígado, a alegria,
abdominais. Com o tempo essas tensões musculares acabam
afetando a postura, o equilíbrio e o fluxo de energia (Valins,
1999).
Ainda, conforme Gomes (1996), quando a pessoa está
excessivamente raivosa ela perde a razão; ou quando se sente
frustrada a ponto de inibir sua ação; ou quando a pessoa está
deprimida, amedrontada, impedindo-a de sentir prazer; ou
excessivamente alegre fazendo com que sua concentração se
disperse, entre outros. Zhao (2009) também fala de situações
onde o individuo usa táticas para não lidar com emoções
ameaçadoras ou medos subjacentes e acaba por expressá-las de
forma inadequada. Por exemplo, quando a pessoa chora ao invés
de expressar raiva ou ressentimento ou quando culpa os outros
por não ouvi-la e, na verdade, deveria enfrentar suas fraquezas
e se fazer ouvir.
Assim, fica claro para Valins (1999), que as doenças são
causadas por um desequilíbrio de energia ou por uma obstrução
do fluxo de energia, e que muitas causas de doenças estão na
incapacidade de expressar abertamente a dor e o ultraje, e de
ter os sentimentos reconhecidos e satisfeitos. A autora ainda
complementa que o bloqueio dos sentimentos simplesmente
força a emoções a acharem outro modo de expressão em outra
parte do corpo.
Conforme Rocha (2009), esta ruptura do fluxo de energia quase sempre causado por desequilíbrios emocionais - poderá
afetar o órgão ao qual está relacionado. Assim, um problema
emocional negligenciado pode tornar-se um problema
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fisiológico no futuro. Na mesma medida, Zhao (2009) relaciona
sintomas crônicos dos indivíduos com emoções mal resolvidas.
Esta relação entre o emocional, o mental e o físico é
particularmente significativo em disfunções ginecológicas.
Muitos dos sintomas presentes nas perturbações femininas
não são físicos por natureza, tais como ataques de choro ou
as explosões de raiva que, geralmente, precedem o período
menstrual (Zhao, 2009).
Em Medicina Chinesa, a fisiologia feminina é dominada
pelo Sangue. Como o Sangue só pode circular graças à
movimentação do Qi, é a abundância de Qi e Xue (Sangue),
juntamente com o funcionamento balanceado e adequado dos
órgãos e com uma boa circulação nos vasos é que se permite
assegurar a regularidade dos ciclos menstruais, a gravidez, o
parto e a lactação (Auteroche et al., 1987); Maciocia, 2000; Zhao,
2009). Da mesma forma, o estado patológico de um repercutirá
obrigatoriamente no outro (Auteroche et al., 1987).
A vida de uma mulher engloba uma série de ciclos de sete
anos. Aos 14 anos, a menstruação começa a fluir dada uma série
de fatores. Qi e Xue têm que estar fortes e robustos para fluir
suavemente através dos Zang Fu e o pleno desenvolvimento
da energia dos Rins permitirá que haja abundância de Sangue
acumulado no Fígado que será enviado ao Útero. Os dois Canais
responsáveis por comandar o ciclo feminino de sete anos devem
estar funcionando adequadamente - o Vaso Concepçãob (Ren
Mai) deve estar fluindo com intensidade e o Vaso Penetradorc
(Chong Mai) deve receber Sangue em abundância (Gomes,
1996; Zhao, 2009).
O ciclo menstrual é entendido, segundo Gomes (1996) como
um crescente acúmulo de Sangue e posteriormente de Qi, que se
esvaem com a descida da menstruação. Maciocia (2000) expõe
as quatro fases distintas do ciclo menstrual: Primeiramente, a
fase menstrual (cerca de cinco dias) na qual o Sangue está se
movimentando, contando com o livre fluxo do Qi do Fígado e
do Sangue do Fígado. Após, a fase pós-menstrual (cerca de sete
dias) quando o Sangue e o Yin estão relativamente vazios e os
Canais Chong Mai e Ren Mai estão exauridos. Segue então para
a fase do meio do ciclo (cerca de sete dias) onde Sangue e Yin
gradualmente enchem os Canais Chong Mai e Ren Mai e, por
b Canal energético que circula pela linha média anterior do corpo, de forma superficial. Seu trajeto está intimamente relacionando com o útero e a capacidade reprodutiva.
c Também chamado Mar do Sangue. Este canal não tem trajeto
próprio na superfície da pele, utilizando-se de pontos e fazendo a união dos Meridianos do Estômago e dos Rins para que
sua energia possa fluir. No interior do organismo ele envolve o
útero e é responsável pelo Sangue que ciclicamente lá se concentra.
fim, a fase pré-menstrual (cerca de sete dias) quando o Qi Yang
sobe e o Qi do Fígado se movimenta como preparação do ciclo. A
mobilidade do Qi do Fígado é essencial para mover o Sangue do
Fígado durante o ciclo.
Dentre os Zang Fu, os sistemas energéticos dos Rins, Fígado
e Baço têm uma relação privilegiada com as funções fisiológicas
e as manifestações patológicas femininas (Auteroche et al.,
1987; Hirsch, 2003; Zhao, 2009). Para Zhao (2009), embora as
disfunções ginecológicas possam ser rastreadas até qualquer
Órgão, dada a inter-relação deste circuito energético conforme
já mencionado, o sistema de Órgãos do Fígado e dos Rins
são basicamente os responsáveis por essas alterações. Hirsch
(2000) sintetiza estas interconexões da seguinte forma: Os Rins
fornecem a Essência que supre o Útero com Qi e Sangue para o
fluxo normal das menstruações, além de favorecer a produção
de Sangue pelo Baço. Este, por sua vez, regula o Sangue, a Linfa
e a circulação de ambos, e está ligado à digestão e aos seios
pelo trajeto de seu canal. Já o Fígado armazena o Sangue que é
enviado para o Útero para ser liberado.
Auteroche et al. (1987) lembra também que com as perdas
mensais do ciclo menstrual a mulher, fisiologicamente, tem
mais Energia que Sangue, o que facilita o desregulamento de Qi
e Xue, a desarmonia do Baço e do Estômago, o esgotamento do
Fígado e dos Rins e o ataque de Chong Mai e Ren Mai. Os autores
são unânimes ao afirmar que o padrão primário observado nas
alterações do ciclo menstrual se refere à Estagnação do Qi do
Fígado (Auteroche et al., 1987; Chenggu, 2006; Rocha, 2009;
Deadman, 1995; Gomes, 1996; Hirsch, 2000; Maciocia, 2000;
Valins, 1999; Zhao, 2009).
O Fígado é responsável pelo movimento suave e equilibrado
do Qi e do Sangue e pela armazenagem do Sangue que é
liberado a pedido do organismo. Esta atividade condiciona
o funcionamento normal ou patológico das menstruações
(Auteroche et al., 1987; Zhao, 2009). Então, quando o Qi
do Fígado está harmonizado, aberto e com livre fluxo o
ciclo menstrual, a gravidez e o parto são normais, ao passo
que, o distúrbio do Qi acarretará menstruações irregulares,
dismenorreias, amenorreias, leucorreias, perturbações do
climatério, entre outras (Auteroche et.al, 1987).
Tendo em mente que o Fígado rege o movimento
desobstruído do Qi pelo corpo e as emoções são manifestações
de Qi, a este sistema energético cabe também regular as
emoções (Zhao, 2009; Rocha, 2009). Gomes (1996) ilustra esta
questão ao afirmar que o este Órgão é como um laboratório que
filtra inúmeras substâncias químicas, naturais ou estranhas ao
organismo e com as emoções ele tem o mesmo comportamento.
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O Fígado, segundo Valins (1999), é o órgão mais
temperamental e facilmente afetado pelo estresse. Assim,
quaisquer distúrbios emocionais, resultado de emoções
reprimidas, não expressadas ou excessivas tendem a
congestionar ou bloquear o fluxo energético e há uma tentativa
de se desobstruir a Estagnação do Qi do Fígado por meio de
ataques de raiva ou choro. Raiva, ressentimento, aborrecimento,
animosidade, frustração são emoções associadas ao Fígado e se
ele está desequilibrado, estas emoções vêm de maneira mais
intensa (Rocha, 2009; Zhao, 2009,). Segundo Gomes (1999),
este bloqueio de circulação do Qi do Fígado é comumente
traduzido pelas mulheres como uma sensação semelhante a
uma ‘panela de pressão prestes a explodir’, ou ainda como ‘uma
fera pronta a pular no pescoço de alguém’.
A obstrução ao fluxo regular de Qi do Fígado impede
a circulação do Sangue no Útero e, com o passar do tempo,
pode estagnar, gerando não apenas sintomas emocionais, mas
também físicos. O impacto é ainda maior no período menstrual,
pois é o Fígado que realiza seu controle energético. Deve-se
lembrar, de acordo com Gomes (1999), que este é o período
de concentração máxima da Energia e Sangue, dentro do ciclo
mensal da mulher e os acúmulos e as deficiências, se presentes,
tornam-se proeminentes. Então, nesses casos, os ciclos podem
se tornar irregulares, com volume ora diminuído, ora aumentado.
A instabilidade emocional, inquietude, irritabilidade será
acompanhada por cefaleias, seios doloridos, inchaço abdominal,
enfim, toda a sintomatologia que, ocidentalmente, é conhecida
como tensão pré-menstrual (Auteroche et al., 1987, Gomes,
1999; Maciocia, 2000; Zhao, 2009).
A existência de um estado de bloqueio crônico de Energia
do Fígado passa a ser traduzido em muitos sintomas comumente
encontrados em mulheres, como a depressão, irritabilidade,
síndrome pré-menstrual, dismenorreias e outras (Gomes,
1996). A estagnação prolongada do Qi do Fígado pode também
dar origem ao padrão chamado Fogo do Fígado, já que o Qi
estagnado pode se converter em Fogo após um longo período
de tempo causando patologias mais complexas (Auteroche et
al., 1987; Maciocia, 2000). Este padrão é caracterizado, de acordo
com Deadman (1995) por explosões de raiva e fúria. Quando o
Fogo ascende para a cabeça, poderá haver tontura, zumbido,
cefaleia e dor no pescoço. Se esse Calor entrar no Sangue (o
Fígado armazena o Sangue) haverá sinais de sangramento
irregular, com antecipação, grande volume ou prolongamento
da menstruação (Deadman, 1995; Maciocia, 2000). Nestes
casos, Hirsch (2003) propõe que as terapias de ordem mental
são indicadas para chegar à raiz do problema.
A estase do Sangue do Fígado, desenvolvida a partir da
estagnação do Qi do Fígado causa ciclos com dor, sangue escuro
e coágulos também escuros (Maciocia, 2000) e pode levar à
infertilidade, segundo Zhao (2009). A autora também enfatiza
que as disfunções menstruais, quando não tratadas, além de
causar problemas durante os anos reprodutivos da mulher,
podem afetá-la na menopausa.
Fica claro então que quando se trata de ciclo menstrual,
o mais importante para a saúde da mulher é a forma como
elas se relacionam com as emoções. Suas diversas expressões
são causas poderosas que geram desequilíbrios no corpo e, de
maneira mais estrita, tem impacto direto na saúde menstrual
(Zhao, 2009). A tradição chinesa sempre promoveu a ideia
sobre a interação existente entre o ciclo menstrual anormal e os
sentimentos (Deadman, 1995; Gomes, 1999; Maciocia, 2000;
Zhao, 2009).
A espontaneidade emocional é uma pré-condição para o
livre fluxo da função do Fígado (Deadman, 1995). Os autores
citam como desequilíbrios emocionais geradores de bloqueios
ou alterações da circulação do Qi os sentimentos de perda ou
de culpa; estresse adaptativo em relação a situações novas;
raiva, ressentimento ou frustração reprimida, com consequente
aparecimento de sintomas depressivos; tristeza; e rancores
direcionados para si próprio e para os outros (Deadman, 1995;
Gomes, 1999; Maciocia, 2000; Zhao, 2009).
Conforme mencionado anteriormente, devido à
dependência mútua entre todos os Órgãos - a raiva que fere
o Fígado, o medo que machuca os Rins, a alegria exagerada
que estressa o Coração, a ansiedade que prejudica o Baço ou a
tristeza que causa danos ao Pulmão – com o passar do tempo
tais emoções produzem, um desequilíbrio nos demais Órgãos,
gerando outras doenças (Zhao, 2009). Assim, segundo a autora,
é de extrema importância entender como manejar aspectos
emocionais, físicos e mentais, pois equilibrá-los tem grande
influência sobre a saúde íntima da mulher e seu bem estar geral.
Para Deadman (1995) e Rocha (2009), alegria, raiva,
culpa, medo são comuns a todos, fazem parte do dia-adia e são intrínsecas a personalidade de cada individuo. No
entanto, a falha está em não dar chance à vazão estas emoções
reprimindo-as. Uma das maneiras indicadas por Deadman
(1995) é o reconhecimento e a expressão destes sentimentos
num estágio mais precoce, buscando sempre um equilíbrio entre
a passividade excessiva e a transformação desses sentimentos
em agressividade, reencontrando, segundo Rocha (2009) o seu
“eixo” ou o seu centro novamente.
Zhao (2009) complementa e afirma que entrar em contato
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com os sentimentos, reexaminá-los, perceber as preocupações
diárias, determinar a importância de cada uma delas, confiar
nos sinais que o corpo expressa a cada ciclo são meios possíveis
para retomar o equilíbrio em todos os aspectos da vida. E assim,
segundo Gomes (1996), abrir os caminhos para que a Energia
e, como consequência, as emoções encontrem um canal de
circulação.
Os Rins são outro sistema que, quando em desequilíbrio,
causa os sintomas relacionados à tensão pré-menstrual (Zhao,
2009). Os Rins armazenam a Essência, considerada a matéria
base para a formação do Sangue e é a origem para a formação
de Tian Gui (substância material do Sangue menstrual). A
menstruação também é chamada Água Celestial. O Tian Gui
é encontrado em homens e mulheres: nos homens, ele forma
esperma e, nas mulheres, sangue menstrual (Maciocia, 2000).
Assim, a Essência do Rim, que origina a Água Celestial
influencia de modo marcante a fisiologia das mulheres,
especialmente na puberdade, fertilidade, concepção, gravidez
e menopausa (Maciocia, 2000; Zhao, 2009). Quando o Qi dos
Rins está florescente, a Essência e o Sangue são suficientes, a
circulação nos Canais Ren Mai e Chong Mai é normal e o ciclo
menstrual se produz no devido tempo. Se o Qi dos Rins for
insuficiente ou então se o Yin ou o Yang dos Rins estiverem
enfraquecidos, pode se instalar um desequilíbrio e as doenças
ginecológicas podem surgir (Auteroche et al., 1987).
De acordo com os autores acima o enfraquecimento do Qi
do Rim e o consequente empobrecimento do Sangue suscitam
perturbações nas menstruações, amenorreias, dismenorreias,
metrorragias, leucorreias, abortos, etc. Zhao (2009) complementa
e afirma que a Deficiência do Qi do Rim manifesta-se na forma
de medos de longa duração, retenção de líquidos no período
pré-menstrual, inchaço na região baixa do abdome, dores nas
costas, diminuição da libido e infecções no trato urinário, todos
os sintomas relacionados ao período menstrual.
Já as mulheres que apresentam Deficiência do Qi do Rim e do
Baço-Pâncreas tendem a manifestar sintomas preponderantes
de inchaço nos olhos e tornozelos, desconforto torácico e
epigástrico, pouco apetite, lombalgia e fraqueza nas pernas e
nos joelhos, que começam antes da menstruação e podem se
estender até após seu término. Essas mulheres apresentam uma
deficiência habitual da energia Yang, que promove o movimento
e eliminação de líquidos corporais dentro do organismo. Como
durante o período pré-menstrual, essa carga energética é muito
requisitada, os sintomas acabam se sobressaindo (Gomes,
1999).
Percebe-se, conforme ressalta Zhao (2009), que as redes de
Órgãos do Fígado e dos Rins são basicamente as responsáveis
pelas perturbações menstruais. O Fígado armazena o Sangue
que é enviado para o Útero e, então, liberado, e os Rins fornecem
a Essência que é necessária para suprir o Útero com Sangue e
Qi para o fluxo normal da menstruação. É importante lembrar
que, segundo Gomes (1999), com as perdas mensais de Sangue
faz-se necessário sua renovação regular através da alimentação.
O Baço fabrica o Sangue que, então, é armazenado
no Fígado. Desse modo, embora o Fígado tenha influência
primordial na função menstrual, seu Sangue é fabricado pelo
Baço (Auteroche et al., 1987; Maciocia, 2000). Assim, segundo
Maciocia (2000), qualquer deficiência do Sangue do Fígado
em mulheres, geralmente indica que o Baço também está
deficiente e precisa ser tonificado Quando uma Deficiência de
Qi do Baço leva a uma Deficiência de Sangue, a periodicidade e
regularidade menstruais podem ser alteradas, se apresentando
com uma menstruação de pouca quantidade, prolongada e com
sangue pálido, que com o tempo pode evoluir para a amenorreia
(Gomes, 1999), além de trazer problemas de insônia (Zhao,
2009).
A origem da Deficiência do Baço pode estar no erro alimentar,
bem como no excesso de preocupação (Gomes, 1999). Zhao
(2009) complementa ao afirmar que a ingestão de alimentos
gelados ou crus pode roubar as energias do Baço e desvitalizálo. Assim este Órgão fica impossibilitado de cumprir seu papel,
que é conter o sangue dentro das paredes dos vasos (Auteroche
et al., 1987; Maciocia, 2000; Zhao, 2009). Quando ocorre um
desequilíbrio no Baço aparecem sangramentos intensos, enjoos,
espasmos musculares ou um desejo intenso de comer doces.
Se esta deficiência ocorre por períodos prolongados pode gerar
acúmulo de Frio e Umidade causando dores articulares, além de
agravar os sintomas de inchaço, as cólicas e o desconforto. Uma
Deficiência de Qi do Baço também pode provocar mãos e pés
frios, diarreia e problemas digestivos (Zhao, 2009).
De modo sintético, Maciocia (2000) esclarece que a
Deficiência de Qi do Baço não é causa direta de problemas
ginecológicos, mas está diretamente envolvido com estas
perturbações já que o Qi do Baço tem origem no Qi e no
Sangue. Além disso, este Órgão lida com a Umidade, importante
fator patológico em problemas femininos. E, por último, o Qi
deficiente do Baço, ao falhar em manter o Sangue nos vasos,
pode causar menorragia.
Após a explanação de todas essas formas de desequilíbrio
que resultam em grande número de perturbações do ciclo
menstrual, convém conceder alguma atenção aos métodos
terapêuticos utilizados para a retomada da harmonia entre os
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Sistemas e restabelecimento da saúde da mulher. Gomes (1999)
salienta que a associação de uma ou mais formas terapêuticas,
quando dentro de um mesmo princípio, tem efeito sinérgico que
só trará benefícios.
Auteroche et al. (1987) propõem a utilização de métodos
terapêuticos gerais, seguindo a metodologia clássica da Medicina
Chinesa, da seguinte forma: primeiramente regularizar o Qi e o
Sangue, já que em ginecologia, as doenças são essencialmente
enfermidades do Sangue e do Qi, dado o seu caráter inseparável;
harmonizar Baço e Estômago que possuem papel importante na
transformação do alimento em Sangue. Para o autor, quando a
opressão dos sentimentos suscita em desequilíbrio deste Zang
Fu, estes se tornam incapazes de receber, decompor, transformar
o Qi e tirar o suco para produzir o Sangue. Colocar este sistema
energético em harmonia equivale a regularizar o Qi e o Sangue;
e, por fim, alimentar o Fígado e os Rins – O Fígado armazena o
Sangue. Essa função combinada com o controle que este Órgão
exerce no baixo-ventre faz dele o órgão mais importante em se
tratando de sexualidade e ciclo menstrual. O enfraquecimento
do Fígado afetará os Rins. Inversamente, os desequilíbrios do
Fígado e dos Rins poderão suscitar uma insuficiência de Chong
Mai e Ren Mai. Assim, tratando o Fígado e os Rins, os canais
Chong Mai e Ren Mai também serão harmonizados.
De forma sintética, os principais pontos de acupuntura
propostos pelos autores (Auteroche et al., 1987; Deadman,1995;
Maciocia, 2000) para o tratamento dos distúrbios menstruais
são: pontos para tonificar e preencher o Qi do Rim (VC4, B23,
B52, R2, R3, R7 e R13); pontos para eliminar a estagnação do
Qi do Fígado (F3, F2, F13, PC6, VB34, VB40, BP6, BP8, TA6) e;
pontos para reforçar o Baço (BP6, BP7, E29, E36, E43, VC12, B20,
B21, VC4). Levando-se em conta que a orientação terapêutica
não é restrita a um único método podendo compreender
múltiplas abordagens algumas recomendações podem ser
dadas no sentido de estimular e resgatar energeticamente as
deficiências apresentadas (Gomes, 1999).
Para a mulher, segundo Zhao (2009), a forma básica
de cuidar de sua saúde consiste em lidar com os problemas
emocionais, entrando em contato com os seus sentimentos e
descobrindo maneiras de expressá-los de forma construtiva.
Orienta a busca de profissionais, familiares ou amigos para
compartilhar os problemas, o que auxilia na identificação dos
fatores de estresse, da intensidade das reações diante destes
eventos e o entendimento do significado que é dado a eles.
Outras medidas de autocuidados devem ser incluídas na
rotina diária. A adoção de novos hábitos alimentares é uma
delas (Gomes, 1999; Hirsch, 2003; Maciocia, 2000; Zhao, 2009).
Evitar a ingestão de grandes quantidades de café, álcool, carne
vermelha e comidas apimentadas que agridem o Fígado, além
de frituras e doces em excesso que afetam o movimento livre
tanto do Qi do Fígado quanto do Qi do Baço (Gomes, 1999;
Hirsch, 2003; Zhao, 2009). No período menstrual também evitar
alimentos e líquidos gelados e comidas cruas que fazem com
que o Baço trabalhe em ritmo mais lento, levando a um quadro
de Deficiência. Para promover a recuperação do Sangue perdido
durante a menstruação alimentos como espinafre, couve, peixe,
ovos possuem propriedades de fortalecimento do Sangue (Zhao,
2009).
Outra maneira eficaz de dar suporte ao Qi é a prática das
antigas artes chinesas do Qi Gong e Tai Chi, pois combinam
meditação com movimentos e respiração, recuperando assim o
fluxo de Qi e Sangue ao longo dos Meridianos e restabelecendo
a harmonia nos Zang Fu e no corpo como um todo (Zhao,
2009). Também são indicados os exercícios físicos moderados,
meditação, Ioga e a consciência do ritmo respiratório. Vale
também tornar-se presente e atenta ao próprio corpo (Valins,
1999). Todas objetivando aliviar as tensões físicas e mentais e,
através do relaxamento, proporcionar o movimento suave do Qi
pelo corpo.
Considerações finais
O estudo das questões da mulher à luz da Medicina
Chinesa evidencia duas contribuições fundamentais para o
entendimento das questões de saúde e doença. Primeiramente,
a proposição de que mente e corpo são inseparáveis, e assim,
as alterações emocionais repercutirão em todo o sistema de
Órgãos, e vice-versa. O entendimento fundamental é que tanto
o físico como o psíquico adoecem juntos, não sendo possível
uma visão de causalidade ou de “compartimentalização” do
indivíduo: ao contrário, preconiza o envolvimento de múltiplas
relações de variáveis. O tratamento passa, então, a depender do
entendimento de toda essa rede energética que ao reequilibrarse novamente, proporcionará a retomada de seu bem-estar
geral.
Além disso, a Medicina Tradicional Chinesa utiliza um
enfoque colaborativo. Ora, se o pensamento oriental esclarece
que a doença decorre do desequilíbrio do organismo, através
da exposição a fatores internos como conflitos e dificuldades
emocionais, traumas, alimentação inadequada, estilo de vida
estressante, atividade física inadequada ou sua ausência, além
de exposição a fatores climáticos, ele também propõe que o
indivíduo assuma a responsabilidade por esse restabelecimento,
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administrando com inteligência as emoções dissonantes da vida
diária e adotando comportamentos mais harmônicos e positivos.
Propõe-se então em deslocar das mãos do profissional
ou terapeuta para o próprio indivíduo a opção de tornar-se
o principal instrumento de sua própria cura. O trabalho das
emoções é particularmente importante para a mulher e é
evidenciado ao longo deste estudo, pois se faz unânime nos
textos chineses as inter-relações entre a forma de se lidar com as
emoções, as alterações do sistema energético do Fígado, órgão
que rege as emoções, e a consequente perturbação da saúde
íntima da mulher. Ao se pensar no quanto a mulher atualmente
está exposta a um estilo de vida atribulado e estressante, com
diversas exigências, cada vez mais desatenta aos sinais que seu
corpo manifesta, fica mais claro o entendimento da causa pela
qual os sintomas ou tensões pré-menstruais e as disfunções do
ciclo vem se exacerbando e se tornando uma constante no diaa-dia, sendo considerado por alguns autores questão de saúde
pública.
Foi possível perceber também que há dificuldade em se
encontrar estudos ocidentais que discutam a conexão entre
os aspectos emocionais e suas repercussões nos problemas
ginecológicos. Alguns artigos somente relacionam eventos
estressantes com episódios de perturbação menstrual. Novos
estudos que possam favorecer o enfoque preventivo, não apenas
curativo, também se fazem necessários. Por fim, ressalta-se
a ideia de que o conhecimento de si, do seu corpo feminino e
de seus sentimentos, os cuidados com a alimentação, e com a
atividade física, são as melhores estratégias de cuidados para
sanar problemas menstruais, e resgatar o bem-estar.
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Recebido em abril/2012
Revisado em setembro/2012
Aceito em outubro/2012
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