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Brasília, 9 de novembro de 2011. Nº 119
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A distante solução da crise européia
Volatilidade elevada tem sido a marca mais forte da evolução dos acontecimentos
na zona do euro, refletida nas expressivas oscilações das cotações da moeda comum.
Ora o euro se deprecia, diante de sinais de aprofundamento do quadro de crise, ora se
fortalece, na presença de indícios de que as dificuldades serão superadas. Tem sido difícil
a vida dos que, entendendo a gravidade da situação econômico-financeira européia, apostam na perda de valor da moeda única.
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Os eventos dos últimos dias na Grécia têm constituído um dos mais importantes
fatores por trás das guinadas mais recentes das cotações do euro. Como é natural e
têm acontecido repetidas vezes, os participantes de mercado gostam quando determinada
ameaça se dissipa ou se afasta.
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Mas, cabe lembrar que continua gigantesca a tarefa que os gregos e, por extensão,
os demais países em crise, têm pela frente. Mais cortes de gastos públicos e aumentos de impostos serão aplicados a uma economia que, a julgar pelas estimativas do Fundo
Monetário Internacional (FMI), deverá perder cerca de 13 % do Produto Interno Bruto
(PIB) entre 2008 e 2012. Nesse mesmo período, a taxa de desemprego deverá subir de
7,7% para 18,5%, ao passo que a dívida pública deverá se elevar de 107% para 180% do PIB.
Se o haircut (percentual subtraído do valor de mercado de um ativo usado como garantia)
de 50,0%, aplicável a credores privados, ocorrer de acordo com o combinado, haverá um
bom alívio de dívida. Mas devemos reconhecer que 120,0% de relação dívida sobre PIB,
em 2020, está longe de ser uma projeção tranqüilizadora para os mercados financeiros.
Entretanto, um plano mais ambicioso de saneamento da Grécia esbarra em sérios entraves, diante do já deteriorado quadro econômico da região, da precária saúde do sistema
bancário e das cada vez mais óbvias dificuldades políticas das autoridades européias.
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A dimensão política parece especialmente nítida e preocupante no caso da Itália,
economia supostamente solvente, mas da qual o mercado desconfia. Em setembrooutubro do ano passado, os títulos de 10 anos do governo italiano rendiam entre 3,5% e
4,0% ao ano. De lá para cá, as taxas entraram numa inequívoca tendência de alta, apenas
momentaneamente interrompida, em agosto de 2011, quando o Banco Central Europeu
(BCE) estendeu a esses papéis o seu programa de compras. Na última sexta-feira, os juros
chegaram a 6,4%. Um vasto programa de reformas econômicas teria grandes chances de
reverter a desconfiança, mas há muita dúvida sobre se um governo fraco, como o de Sílvio
Berlusconi, terá condições de efetivamente implementá-lo.
No próximo sábado sai a coluna da senadora Kátia Abreu,
presidente da CNA, na Folha de S. Paulo,
no caderno B - Mercado.
Vamos conferir!
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Outra importante fonte de preocupação é a alta continuada do risco dos papéis do
governo da França, segunda maior economia da zona do euro, e cujo presidente tem
liderado (juntamente com a chanceler Angela Merkel) o chamado plano de resgate. Entre
junho de 2010 e junho de 2011, os CDSs de 5 anos dos títulos franceses tiveram média de
82 pontos. A partir do início do segundo semestre deste ano, porém, essa relativa estabilidade deu lugar a uma acentuada escalada, que levou a taxa para mais de 200 pontos em
setembro último. Na sexta-feira, o mercado fechou em 180 pontos. Em síntese, há certos
movimentos de mercado que não se caracterizam apenas por volatilidade expressiva, mas
por nítida tendência de deterioração, constatação que dá uma boa dimensão do tamanho
dos problemas. O risco de uma crise sistêmica na zona do euro e, em conseqüência, na
economia global, se situa exatamente na possibilidade de que os efeitos de contágio dos
países periféricos se transmitam para as grandes economias da região (Itália, Espanha e
talvez França). É fundamental que, enquanto se encaminham os programas de apoio aos
pequenos, os grandes sejam “blindados” da contaminação. E nisso o BCE, agora sob nova
direção, poderia ter um papel crucial.
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O que dizer dos primeiros passos de Mario Draghi no comando do BCE? De um
lado, pode-se imaginar que o novo presidente do Banco decidiu marcar posição,
mostrando-se flexível, logo de saída, ao reduzir o juro sem o costumeiro “aviso prévio”.
De outro, porém, parece claro que tal ação só se justifica (especialmente diante de uma
inflação corrente superior a 3,0%) na medida em que se vislumbra um quadro de atividade
econômica enfraquecida, possivelmente de recessão, já no começo de 2012. Embora tenha
elogiado a decisão recente de forçar os bancos europeus a trabalhar com uma relação capital próprio sobre ativos de 9,0%, Mario Draghi certamente sabe que grande parte desse
ajuste provavelmente envolverá redução de ativos e aperto de crédito. Este é o drama: ajustes macroeconômicos e de dívida terão de ser feitos num ambiente claramente recessivo.
Até aqui, Draghi restringiu a surpresa à queda do juro. No tocante ao programa de compra de títulos governamentais, foi mais enigmático e acabou dando força à política de seu
antecessor, que se recusou a operar como emprestador de última instância dos governos.
Para os que entendem que o contágio da crise só será efetivamente contido quando o BCE
decidir atuar de maneira mais decidida nesse campo, as palavras do presidente não foram
propriamente alvissareiras.
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Em contraposição, é notório que a economia norte-americana apresenta sinais importantes de melhora. A variação do non-farm payroll (folha de pagamento não-agrícola)
desta sexta-feira é disto um bom exemplo, especialmente quando se consideram as revisões
dos dados de meses anteriores. Ainda assim, é preciso notar que, para que se confirme a recente hipótese do Federal Reserve (Fed) de que a taxa de desemprego ficará perto de 7,25%
em 2014, o fluxo de criação de novos empregos teria de ser da ordem de 230.000 por mês1.
Portanto, para que o desemprego caia para valer e a atual capacidade ociosa seja eliminada,
a economia norte-americana precisará se mostrar bem mais pujante do que foi até agora.
Se as novas estimativas do Fed estiverem corretas, em 2012 os Estados Unidos crescerão
em ritmo pouco superior ao seu potencial.
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Nesse exercício, supusemos que a taxa de participação, ou seja, a relação entre população economicamente
ativa (PEA) e população em idade ativa (PIA) subirá dos atuais 64,2% para a média de 66%, observada de 2000 para
cá.
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Se as expectativas do Fed se concretizarem, isto amenizará os efeitos da crise européia, mas dificilmente os compensará. Justamente por isto, acreditamos que a volatilidade dos mercados não deverá se abater nos próximos meses. Isso significa que o cenário
permanecerá ruim para os ativos europeus de modo geral, o que talvez seja verdade para
o próprio euro, embora eventuais apostas quanto ao enfraquecimento da moeda comum
exijam especiais cuidados.