Mecanismos de difusão de Políticas Sociais no Brasil

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Mecanismos de difusão de Políticas Sociais no Brasil
8ᵒ Encontro da ABCP, 01 a 04/08/2012, Gramado-RS
Área Temática: Políticas Públicas
Mecanismos de difusão de Políticas Sociais no Brasil:
uma análise do Programa de Saúde da Família
Denilson Bandeira Coêlho
(Instituto de Ciência Política/UnB)
[email protected]
Mathieu Turgeon
(Instituto de Ciência Política/UnB)
[email protected]
1
Resumo
Nas últimas décadas, os estudos de difusão política têm recebido grande atenção, especialmente,
nos EUA e na Europa. Estas pesquisas identificaram o papel de fatores internos (características
endógenas) e externos (características exógenas) das unidades de análise para explicar a difusão
política. A difusão política, no entanto, também está intimamente relacionada à questão temporal,
haja vista que muitas vezes o processo exige a ocorrência simultânea de fatores endógenos e/ou
exógenos para se desenvolver. Mas, com algumas exceções, pouco tem avançado nas análises de
difusão das políticas públicas nas regiões menos desenvolvidas do mundo. Neste trabalho,
propomos explorar a difusão das políticas sociais no Brasil, um país recentemente
redemocratizado e também uma federação altamente descentralizada. O artigo também inova ao
analisar o papel dos fatores internos e externos na difusão política usando uma análise unidade
não convencional, ou seja, os governos locais. É interessante notar que a Constituição Brasileira
de 1988 reconhece os municípios como jurisdições autônomas, dando-lhes consideráveis
atribuições no que tange às políticas públicas. No sentido de avançar na explicação dos
determinantes tanto internos e externos da difusão política no Brasil, empregamos o método event
history analysis utilizando os dados sobre umas políticas sociais mais descentralizadas do país, o
Programa de Saúde da Família, implementado em mais de 5.000 municípios ao longo de dos
últimos quinze anos.
Abstract
In recent decades, the study of policy diffusion has received a great deal of attention, especially
in the U.S. and in Europe. These studies have identified the role of internal (i.e., characteristics
proper to the unit of analysis) and external (i.e., characteristics outside the unit of analysis)
factors in explaining policy diffusion. Policy diffusion, however, is also closely related to a time
issue because it often requires the simultaneous occurrence of factors (either all internal or
external or both internal and external) to take place. But, with a few notable exceptions, much
less work has been done on policy diffusion in the less developed parts of the world and very few
studies have paid close attention to the timing issue mentioned above. Here, we propose to
explore the diffusion of social policies in Brazil, a recently (re)democratized country and also a
highly decentralized federation. This paper also innovates by examining the role of internal and
external factors in policy diffusion using a nonconventional unit analysis, namely local
governments. It is worth noting that the 1988 Brazilian Constitution recognizes municipalities as
autonomous jurisdictions, giving them broad latitude over policymaking. To best evaluate the
timing issue discussed above an the respective roles of internal and external factors on policy
diffusion, we adopt an event history analysis using data on health policy from over 5,000
municipalities over a period of nearly 20 years.
2
Introdução
A Ciência Política nas últimas décadas tem desenvolvido novas abordagens para estudar
comparativamente processos de mudança política. O campo de estudos que analisa a formação de
agenda e os determinantes do processo decisório vem sendo influenciado por vertentes teóricas
neoinstitucionalistas que focam o papel do Estado e a complexa interação com grupos de
interesse, partidos e sociedade civil. Assim, novas abordagens passaram a analisar os fenômenos
de inovação e emulação de políticas entre governos nacionais e subnacionais. Walker (1969) em
seu estudo original analisou as razões que explicam a emulação de programas entre os estados
americanos. A partir desse estudo outras colaborações surgiram em áreas como direitos civis,
educação, tecnologia, judiciário, constituição, modelos econômicos e modelos de privatizações
(Gray, 1973; Menzel e Feller, 1977; Regens, 1980; Glick, 1981). O interesse central em estudos
de difusão é saber o quê causa a adoção de um novo programa por outros governos. Por que
alguns governos adotam políticas públicas inovadoras enquanto outros governos não adotam? Por
que certos tipos de políticas são adotadas e outras não? O quê explica a velocidade do processo
de difusão? Estas são algumas das questões relevantes que a literatura tem investigado.
Como enfatizam Berry e Berry (1990), duas vertentes teóricas têm polarizado esse debate. Os
modelos de determinantes internos e de difusão regional fornecem explicações distintas. O
primeiro afirma que os fatores que conduzem a difusão são as características econômicas,
políticas e sociais das unidades adotantes. O segundo pressupõe que a decisão de uma unidade
adotar um novo programa está diretamente associada à proximidade geográfica de outras
unidades que anteriormente adotaram novas políticas. Seguindo a concepção dos Berry, este
trabalho argumenta que a divisão teórica apresenta fraquezas e não captura a complexidade dos
fenômenos de difusão. Por um lado, autores como Downs (1976) e Regens (1980) não
reconhecem a influência dos fatores regionais. Por outro lado, Grupp e Richards (1975) e Light
(1978) assumem a irrelevância dos fatores internos. Embora esses estudos tenham sido realizados
há mais de trinta anos, o fato é que ainda hoje a divisão encontra espaço na literatura. Este debate
teórico tomou novo rumo quando em 1990 foi lançado um estudo sobre a adoção de loterias
estaduais entre os estados americanos. Além de romperem com a lógica dualista determinantes
internos x efeitos regionais, os Berry deram grande contribuição teórico-metodológica para a área
de estudos de difusão. Os autores unificaram as duas teorias e demonstraram que é irrealístico
3
pensar que as decisões de mudança política são informadas isoladamente ou por influência dos
vizinhos ou pelas características locais. O argumento utilizado para qualificar a análise conjunta
encontra apoio teórico em Mohr (1969) a partir da noção de que a propensão de inovar é uma
função diretamente associada à: i) motivações, ii) a força dos obstáculos contra a inovação e iii) a
disponibilidade de recursos para ultrapassar os obstáculos. Em síntese, a tomada de decisão diz
respeito ao comportamento individual, mas também às dificuldades internas e externas que
constrangem os atores políticos. A instrumentalização desse aporte teórico veio acompanhado
também de testes de hipóteses por meio da modelagem estatística Event History Analysis (EHA).
O modelo EHA permite testar ambos os efeitos internos e regionais usando dados de séries
temporais agrupados em corte transversal.
A principal vantagem em usar EHA para estudar difusão de políticas é que o modelo captura as
características temporais da mudança ao utilizar informações como o momento, a quantidade de
casos, a sequência e a duração dos eventos (Box-Steffensmeier e Jones, 1997). Pesquisas que
utilizam EHA focam, portanto, os processos de mudança no tempo com dados temporais
longitudinais dando grande importância a dinâmica da estrutura temporal em uma clara
substituição à pesquisas que focam uma relação temporal estática. Comparando com outros
modelos, a vantagem metodológica de EHA é que o método permite estimar mais precisamente a
influência de fatores que determinam a mudança política no tempo. Uma diferença crucial é que
EHA identifica o tempo da mudança política a partir da definição de períodos em que os eventos
ocorrem. Assim, o modelo controla apropriadamente o estudo de processos dinâmicos a partir de
uma técnica também dinâmica. O artigo tem duas propostas principais. A primeira é apresentar
como EHA pode ser aplicado para investigar recentes fenômenos de difusão horizontal e vertical
no Brasil. A segunda é definir um desenho de pesquisa empírica para testar e incorporar ambos os
determinantes internos e os efeitos regionais que influenciaram a difusão do Programa de Saúde
da Família (PSF).
Abordagens de Difusão de Políticas Públicas
Estudos sobre difusão de políticas tem cada vez mais tomado a atenção de especialistas que se
preocupam em explicar por quê e como ocorre a disseminação de novos desenhos institucionais
4
entre países, estados ou municípios1. Dois indicadores que ilustram esse quadro são: o expressivo
aumento de artigos em periódicos internacionais das áreas ciência política e sociologia e sessões
temáticas em congressos relevantes como American Political Science Association (APSA),
Midwest Political Science Association (MPSA) e International Political Science Association
(IPSA). Estudos sobre difusão significam um avanço teórico-conceitual para se analisar novos
fenômenos que ocorrem nos Estados contemporâneos. De certa forma a aplicação de modelos de
difusão está limitada a um conjunto específico de unidades de análise em razão, por exemplo, das
regras do federalismo ou do tipo de sistema de governo de determinados Estados. Na prática, não
é possível aplicar a teoria para se estudar a emulação de políticas entre municípios argentinos ou
mexicanos porque a decisão de se adotar alguma nova política depende diretamente dos governos
provinciais e estaduais, respectivamente. Para estes dois países e para todos que apresentam
atributos semelhantes é mais apropriado analisar somente a difusão entre governos
estaduais/regionais. Originalmente, o termo “difusão” foi pegado emprestado das ciências
naturais, mais precisamente a biologia, que mapeia o padrão da disseminação de moléculas que
se espalham de uma área para outras áreas, resultando em uma distribuição mais uniforme. Nas
ciências sociais, a disseminação de modelos de políticas não necessariamente resulta numa
uniformidade. Ao contrário, há significativa variação de caso para caso. De acordo com Elkins e
Simmons (2005), este é um ponto crucial no debate sobre o conceito de difusão. Os autores
argumentam que na verdade é esperado que ocorra a não consonância ou a não harmonização,
tamanha a complexidade do fenômeno e o conjunto de fatores que o envolve. Apoiando-se em
definições clássicas de Rogers (1995) e Strang (1991)2, os autores defendem que difusão não é
um resultado, mas um conjunto de mecanismos e processos associados com um provável
resultado. Com base nessa discussão emerge uma questão central. Tratar a difusão como uma
variável dependente ou como uma variável independente? Para a vertente teórica que afirma ser a
difusão um resultado de ação coordenada, a difusão é independente de processos (Powell e
Dimaggio, 1991; Kerr, 1983; Drezner, 2001; Huntington, 1991). Para a vertente teórica que vê a
1
Estudos de difusão horizontal entre municípios ocupam menos espaço na literatura internacional. No Brasil, este
tipo de análise começou a despertar o interesse dos pesquisadores a partir dos trabalhos de Sugiyama (2007; 2008)
sobre a difusão do PSF e Bolsa Escola; Wampler (2008) e Spada (2010) que investigaram a disseminação do OP e
Coêlho (2009; 2012) em estudo sobre a emulação do bolsa escola municipal e federal entre municípios do Estado de
São Paulo.
2 “The process by which an innovation is communicated through certain channels over time among the members of a
social system” (Rogers 1995, 5). “[When] prior adoption of a trait or practice in a population alters the probability
of adoption for remaining non-adopters” (Strang 1991, 325).
5
difusão como um processo e um possível resultado, a difusão é dependente (Bennett, 1991;
Dolowitz e Marsh, 2000; Ikenberry, 1990; Ross e Homer, 1976). Embora em graus diferenciados,
o que vai aproximar as duas correntes é o reconhecimento da interdependência entre as unidades
que emulam as políticas. Assim, ondas de difusão coordenadas por agências ou partidos implicam
um alto grau de conectividade entre países ou governos subnacionais. Em outro cenário, ondas de
difusão não coordenadas implicam em um menor grau de interconexão entre governos. Mas o
fato é que as duas situações alteram a decisão governamental de se adotar uma dada política.
Uma possibilidade de se aprofundar esse debate é oportunizado quando comparamos as
abordagens de determinantes internos em contra posição ao modelo regional.
A abordagem dos Determinantes Internos
O modelo de determinantes internos pressupõe que a decisão de emular uma política está
fortemente associada às características locais das jurisdições. Importam elementos como as
condições sociais e econômicas da população, capacidade institucional e também o grau de
competição política. Nessa perspectiva, governadores ou prefeitos analisam tais fatores e tomam
a decisão de adotar ou não uma nova política. Uma das limitações dessa abordagem é que não
fica exatamente claro se a motivação individual de adotar a política sofreu alguma influência de
uma onda nacional ou regional de difusão. Governantes frequentemente tomam conhecimento de
novas práticas na administração pública via as redes de políticas públicas 3 ou ainda sofrem
pressões partidárias. Em síntese, embora o modelo não desconsidere tais eventos, preconiza que
os atributos internos é que determinam ou não a emulação. Uma parte da explicação que sustenta
essa posição é que os políticos tomadores de decisão sofrem uma série de constrangimentos
quando escolhem adotar uma política. Políticos vão arcar com custos concentrados caso o modelo
implantado falhe. Mohr (1969) vai propor então que a probabilidade que governos inovem está
diretamente relacionada à força dos obstáculos para a inovação. Assim, os políticos
necessariamente buscam dispor de um conjunto de recursos para ultrapassar os obstáculos, mas
sempre com a preocupação de serem bem avaliados pela sociedade. Ademais como expõem os
3
A literatura de redes em estudos de difusão analisa o impacto das policy networks em mudanças políticas. Por
exemplo, Adam e Kriesi (2007) consideram como o tipo de interação entre os atores determina a mudança política.
Os autores discutem também os problemas de interpretação de parte da literatura que não investiga a fundo a questão
dos monopólios políticos.
6
Berry (2007) o problema da gravidade da situação é um importante determinante da motivação
para inovar. Em um ambiente com demandas para maior oferta de assistência social, cobertura de
saúde ou educação provavelmente decisões de governo por reformas serão tomadas (Allard,
2004; Stream, 1999; Mintrom e Vergari, 1998). Entretanto, outros fatores como i) capacidade de
financiamento da política ii) posição ideológica de entidades representativas como sindicatos e
iii) relações executivo-legislativo, informam que o quadro é muito mais complexo, o que indica
um alto grau de tensão para a decisão de adotar uma política4. Ou seja, vemos que o conjunto de
variáveis independentes que influem sobre a variável dependente (adesão ou não à política)
indubitavelmente expressam a relevância do modelo de determinantes internos.
Do ponto de vista da definição da variável dependente o modelo apresenta duas estratégias
opostas. Uma visão classifica o ano em que a política foi adotada como a variável dependente
(Walker, 1969; Gray, 1973). Outros trabalhos definiram a própria tomada de decisão em um
período de tempo como a variável dependente (Regens, 1980 e Glick, 1981). Contudo, as visões
apresentam limitações. Por um lado, limitar em apenas um ano específico é problemático porque
fenômenos de difusão se estendem por vários anos e a decisão de emular pode não ser capturada
pela pesquisa dado o recorte temporal estabelecido. Por outro lado, definir um longo período para
a pesquisa pode indicar um problema de viés de seleção, onde a adoção tardia de uma dada
política não tem relação de interdependência com as adoções anteriores. Portanto, é fundamental
notar que a aplicação do modelo apresenta a necessidade de ajuste para cada fenômeno
investigado. Esses ajustes dizem respeito sobretudo ao quantitativo de adoções por unidades
similares e também a um recorte temporal que reflita uma espécie de efeito contágio sem
apresentar longas defasagens de tempo.
A abordagem do Modelo de Influências Regionais
Antes de definir as caracteríticas do modelo de influências regionais é importante identificar as
similaridades e diferenças com relação ao modelo de interação nacional. Os dois modelos
4
A literatura de Reforma Social oferece uma visão rival. Kaufman e Nelson (2004) pesquisam a influência de
stakeholders firmas, sindicatos e partidos oposicionistas como veto players de reformas amplas. A explicação é que
esses grupos de interesse desejam manter seu status quo e posição ideológica. Nessa visão, os governantes, portanto,
não dispõem de poder decisional para emular receitas universais de outros países.
7
pressupõem que governos adotam políticas porque estes são influenciados por outros governos
através de comunicação em redes institucionalizadas.
Atuando em redes de comunicação de alcance nacional, burocracias aprendem com seus pares e
emulam políticas ou procedimentos de gestão pública. Segundo Gray (1973), a probabilidade de
adoção está associada ao número de interações. Um exemplo seria uma associação que reúne
estados ou municípios para comunicar e estimular as unidades a emularem uma política
inovadora já adotada por alguns governos. As duas teorias indicam que a adoção é cumulativa no
tempo, o que estabelece uma curva S-shaped, onde as taxas de adoções ocorrem a partir de
diferentes frequências entre os primeiros adotantes (baixa), os adotantes intermediários (grande) e
finalmente os últimos adotantes (muito baixa, até cessar). A diferença crucial entre as duas
abordagens é a variável proximidade geográfica. Enquanto que no modelo nacional a interação
entre as unidades ocorreria em todo o território do país, no modelo regional a interação acontece
por região. Estudos de difusão têm também explorado as limitações do modelo nacional. Uma
das falhas da teoria é hipotetizar que a probabilidade de uma unidade adotar políticas está
unicamente associada ao número de casos anteriores. Outra limitação é tratar os potenciais
adotantes como um grupo aleatório que reúne as mesmas chances de adoção. Ademais, o modelo
pressupõe que o sistema funciona em um ambiente político fixo com vínculos constantes entre os
atoress. Assim, atores políticos trocariam informações gerando um processo de aprendizado que
orientaria suas decisões. Contudo, o fato é que o modelo não captura a importância da natureza
da política pública e as diferenças de estratégias políticas dos atores. Por exemplo, ajustes
macroeconômicos feitos por um governo central irão atingir diferentemente as economias das
unidades da federação. Estas, a depender das dificuldades de realizar um ajuste fiscal podem não
implantar novas práticas políticas5. Portanto, a rede de comunicação político-institucional recebe
vários inputs contraditórios e os governos assumem posições distintas para cada área de política
pública. Em razão dessas fraquezas teóricas, o modelo de influências regionais surgiu como uma
abordagem mais realística ao definir mais apropriadamente a variável território e as conexões de
redes entre os governos. Conforme assinala Mintrom e Vergari (1998), um dos problema
clássicos de estudos de difusão é a falta de atenção dada para a modelagem dos mecanismos
através dos quais as ideias políticas são comunicadas entre os estados. O que os autores concluem
5
No Brasil, os governos subnacionais possuem autonomia federativa para decidirem se adotam ou não políticas do
governo central. Assim, para este caso específico, os estados podem definir planos de ajuste fiscal diferenciados.
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é que muitas dessas acepções não têm validade porque não foram testadas empiricamente. Sua
definição de Rede de Políticas afirma que consiste de um grupo de atores que dividem interesses
em algumas áreas de políticas estando ligados por seus contatos diretos e indiretos.
Argumento que além desses pontos, é relevante também investigar uma questão a mais: os temas
que são discutidos nos encontros. Para saber se de fato a rede cumpre papel decisivo em um
processo de difusão é vital estudar como a interação entre membros das comunidades políticas
influenciou o comportamento dos atores no tempo. As primeiras contribuições para esse debate
testaram a hipótese de proximidade geográfica como um fator decisivo para a emulação. Elazar
(1972) ao investigar comparativamente a implementação de políticas no federalismo americano,
observou que os estados mais similares economicamente e socialmente tendiam a emular seu
vizinhos mais próximos em razão da identificação de problemas comuns e da possibilidade de
efeitos positivos. Embora os pré-requisitos para emulação sejam o efeito vizinhança e a
similaridade entre as unidades, o modelo regional possui duas visões rivais quanto aos canais de
comunicação. A vertente teórica região fixa presume que todos os estados de uma mesma região
obtém as mesmas informações e são influenciados pela rede. Em contra posição o modelo efeito
vizinhança afirma que cada estado é influenciado por um conjunto específico de estados
territorialmente próximos, não necessariamente da mesma região. Esta visão, portanto, se
aproxima do fenômeno de dependência follow the leader, onde estados líderes são observados
pelos demais numa determinada região (Foster, 1978). As duas abordagens enfrentam também
sérias limitações teórica-conceituais. De acordo com Berry e Berry (2007) nenhum modelo puro
é completamente realístico. Estudos que aplicam o modelo região fixa assumem que estados
próximos a outras regiões não são afetados porque não estão localizados na mesma região.
Pesquisas que utilizam o modelo efeito vizinhança defendem que estados que não estão ligados
territorialmente não influenciam outros estados. Nessa perspectiva, os autores concluem que é
mais realístico supor que os estados que emulam políticas são mais influenciados por estados
próximos geograficamente, mas também sofrem influência de estados de outras regiões.
O primeiro teste empírico que mensurou o efeito do modelo regional sobre a emulação de
políticas foi realizado no trabalho seminal de Walker (1969). O autor utilizou o método estatístico
análise fatorial para determinar o padrão da difusão de 88 políticas públicas entre os estados
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americanos. A observação concluiu a identificação de agrupamentos de estados da mesma região
emulando as mesmas políticas, ou seja, o efeito regional foi constatado.
Unificando teorias a partir da metodologia Event History Analysis
Conforme Yamaguchi (1991) argumenta, pesquisas que utilizam EHA tem o objetivo de definir
quais são os padrões e as causas de mudanças [políticas] no tempo. O objetivo desses estudos é
investigar quanto tempo alguma situação persiste antes de mudar. Em função dessa característica
é extremamente relevante definir no modelo o tempo inicial e final da pesquisa, uma vez que se
quer definir com exatidão a data da ocorrência dos eventos. Ao demarcar o período do fenômeno,
o método EHA descreve apropriadamente a História do Evento. Os modelos de EHA em geral se
referem a modelos de sobrevivência e de risco e tem denominações variadas, como: duration
models, survival models, reliability models e failure-time models. A variação nas denominações é
explicada em razão das suas aplicações e também em razão do uso na área da bioestatística, onde
são comuns os termos: death, failure e termination. Isto porque tal modelo estatístico é
tradicionalmente utilizado para mensurar as chances de sobrevivência de pacientes submetidos a
tratamentos médicos. Portanto, é um tipo de pesquisa longitudinal que indica quanto tempo
pacientes em risco sobrevivem até morrer (se a morte é observada). Em suma, EHA é um
processo que observa eventos de mudança, podendo, assim, ter como objeto de pesquisa o
comportamento de governos, indivíduos ou grupos. Em outras palavras, EHA é a interpretação
probabilística do risco de um evento ocorrer em um dado período. A lógica por trás desse
processo está em definir bem o contexto histórico e as características do objeto em estudo e o
tempo da investigação. Portanto, as unidades em análise estão sujeitas a um “risco” de
experimentar um evento que passa a ocorrer mais frequentemente. Na operacionalização do
modelo, as unidades que não experimentam o evento são censuradas. Censura é a observação
parcial da resposta, a qual foi interrompida não permitindo a observação do tempo de falha. Ou
seja, temos então dois grupos no universo pesquisado: Grupo 1 que apresentou falhas e o Grupo 2
que não apresentou falhas6. No presente artigo, o modelo de EHA sugere a identificação das
covariáveis que influenciam a adoção dos programas PSF e OP. Box-Steffensmeier e Jones
6
É importante enfatizar que as unidades analisadas do Grupo 2 não apresentaram falhas no tempo pesquisado, mas
as unidades não estão livres de incorrerem em falhas no futuro (Allison, 1984; Yamaguchi, 1991; Box-Steffensmeier
e Jones, 2007).
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(1997) postulam que uma preocupação prática para a estimação em EHA é a estrutura do
conjunto de dados da investigação. O argumento é que noções teóricas ajustadas devem guiar
adequadamente a definição das hipóteses para mensurar a probabilidade do “risco” de emular
uma política. Para refinar o estudo, o pesquisador deve conhecer o intervalo de tempo em que o
fenômeno ocorreu para estabelecer o quadro de unidades que estiveram sob o risco de
experimentar o evento.
A abordagem de EHA possui duas formulações para estimar as mudanças políticas. No modelo
de tempo discreto (discrete time models), a unidade está em risco a partir de tempos pré-definidos
como o dia de uma eleição. No modelo de tempo contínuo (continuous-time model) o evento
pode ocorrer em qualquer momento no tempo. Em qualquer formulação, uma vez que a falha
ocorre, a unidade é retirada do universo e consequentemente os riscos para as outras unidades
diminuem progressivamente. Num dado momento nenhuma delas está mais sob risco. Desse
modo, as unidades estão censuradas à direita. A questão da censura à esquerda e à direita é
crucial para pesquisas de EHA porque podem resultar em estimações enviesadas. No primeiro
caso, há viés quando as observações dos casos começam após as unidades já estarem sob risco.
No segundo caso, quando o tempo final da pesquisa negligencia novos casos. Portanto, o
problema do recorte temporal e a decisão de antecipar ou estender o fenômeno pode resultar em
inferências erradas (Tuma e Hannan, 1979; Yamaguchi, 1990; Ham e Lalonde, 1996).
Determinantes da Difusão no Brasil: O Programa de Saúde na Família
O Programa de Saúde na Família - PSF, uma das políticas públicas mais descentralizadas do
Brasil, faz parte de uma estratégia do modelo assistencial de saúde, operacionalizada mediante a
implantação de equipes multiprofissionais em unidades básicas de saúde. Iniciada em 1991 a
política teve como finalidade principal contribuir para a redução das mortalidades infantil e
materna, principalmente nas regiões Norte e Nordeste, através da extensão de cobertura dos
serviços de saúde para as áreas mais carentes do país.
De acordo com Labate e Rosa (2005), o PSF gerou um importante movimento de reordenamento
do modelo de atenção no Sistema Único de Saúde (SUS), alterando o foco medicina curativa e
passando a atuar mais na prevenção. Além da premissa universalista da saúde como direito de
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todos e dever do Estado, preconizado pela Constituição de 1988, o programa também incorpora
os princípios de integralidade, qualidade, eqüidade e participação social.
O programa funciona baseado em equipes compostas por médico, enfermeiro, auxiliar de
enfermagem e agentes comunitários de saúde, como também por dentistas. Cada equipe
acompanha um mínimo de quatro mil habitantes de uma determinada area e atuam com ações de
promoção da saúde, prevenção, recuperação, reabilitação de doenças e agravos mais freqüentes, e
na manutenção da saúde desta comunidade.
Embora gerenciado pelo Ministério da Saúde, responsável pela operacionalização dessa política
no âmbito da gestão federal do SUS, a execucão é compartilhada pelos governos subnacionais,
estados, Distrito Federal e municípios. As responsabilidades do governo federal os coloca em
posição de normatizador e principal financiador da política, enquanto os estados atuam na
coordenação e assistência aos municípios. Estes, por sua vez, são de fato os executores do
programa na medida em que acumulam atribuições como: i) implantar o modelo de atenção
básica em seu território; ii) manter a rede de unidades básicas de saúde em funcionamento; iii)
co-financiar as ações de atenção básica; iv) alimentar os sistemas de informação e avaliar o
desempenho das suas equipes. Como resultado, o PSF é considerado uma referência internacional
de atenção básica de saúde, sobretudo, devido aos impactos sobre a redução da mortalidade
infantil (Aquino et al., 2009).
Ademais, a implementação do programa também apresenta um excelente desempenho no que
tange à estratégia de descentralização. É importante salientar que os governos locais atuam como
atores protagonistas desta política pública, entretanto, a execução da prefeitura não pressupõe a
simples adesão ao programa, mas também um conjunto de atribuições que tornam a decisão do
gestor local em participar ou não da política algo nada trivial. Como é possível visualizar no
gráfico 1, a evolução da participação dos governos municipais no PSF é bastante expressiva,
sobretudo, após 1996. A partir de 2009, o programa passa a estar presente em quase a totalidades
das municipalidades brasileiras com uma cobertura de aproximadamente 97%.
[Figura 1 aqui]
Nesse sentido, o processo de implementação desta política pública constitui um excelente
laboratório para a abordagem comparada da sua difusão entre os governos locais no Brasil.
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Primeiro, chama a atenção o grande número de observações (municípios) disponíveis, o que
propicia uma maior capacidade de generalização dos resultados da pesquisa. Aliado a isso, como
os governos locais dispõem de um arcabouço institucional homogêneo, isto é, estrutura formal de
organização política e jurídica, sistema eleitoral e partidário, bem como competências
administrativas semelhantes, é possível
focar variação de outras características desejadas -
variáveis relativas à dinâmica política municipal e aspectos estruturais (Snyder, 2001). Por fim, o
terceiro aspecto favorável à abordagem envolve o fato da decisão das prefeituras em executar o
programa não ser simples, haja vista que a gestão local do PSF possui uma série de atividades
que demandam recursos físicos e financeiros. Em suma, as características do processo de difusão
do programa de saúde na família apresentam vantagens tanto metodológicas quanto teóricas que
favorecem a análise dos seus determinantes.
Determinantes da implementação do PSF nos municípios brasileiros
O propósito central desta pesquisa é compreender a difusão das políticas públicas em um país
altamente descentralizado. Conforme discutido no tópico destinado à contextualização teórica da
temática, a questão que norteia este estudo envolve o por quê alguns governos adotam uma
determinada política e outros não. Seguindo a tendência da literatura (Berry e Berry, 1990), o
modelo explicativo dos determinantes da implementação do PSF incorpora tanto as premissas da
abordagem dos determinantes internos quanto do modelo regional. Se por um lado, a primeira
preconiza que a difusão é resultante de aspectos políticos, econômicos e sociais das
municipalidades que em grande medida moldam os incentivos e constrangimentos relativos à
tomada de decisão do político. Por outro lado, o modelo regional pressupõe que a decisão de
adotar um novo programa está diretamente associada à proximidade geográfica de outras
unidades que anteriormente adotaram novas políticas.
Como variável a ser explicada ou dependente, a pesquisa utiliza a implementação municipal do
programa de saúde na família, atribuindo 0 para os casos de não adesão e 1 para a adesão.
Seguindo a tradição da literatura de policy diffusion, do lado direito da equação o modelo
incorpora um conjunto diversificado de variáveis que refletem os fatores internos e os efeitos
regionais. Assim, o foco desta pesquisa é analisar, principalmente, a influência dos determinantes
de caráter político e geográficos da difusão do PSF.
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No que tange à dinâmica política, o pressuposto é que fatores subjacentes ao funcionamento do
sistema político, especialmente, no nível municipal influenciaram a decisão do prefeito em
implementar a política pública. A expectativa é que aspectos eleitorais e partidárias, mesmo as
informais, atuem como estímulo e controle democrático para que os políticos desempenhem suas
atividades.
A principal variável a ser testada é a competição eleitoral. A fundamentação teórica é que as
eleições possuem como função central propiciar aos cidadãos um momento para realizarem a
avaliação dos governantes (Manin, Przeworski e Stokes, 1999). O processo eleitoral é o principal
mecanismo da accountability, utilizado pelos eleitores não apenas para punir os atuais
ocupantes dos cargos, visão padrão do voto retrospectivo (Fiorina, 1981), mas também para
escolher os melhores governantes, sob a ótica do voto prospectivo (Maravall, 2009). No caso
brasileiro, o grau de competitividade das eleições municipais para cargo de prefeitos, realizadas
de quatro em quatro anos, atuaria como ameaça aos políticos locais de modo a estimulá-los a
implementar inovações institucionais como o PSF. A partir dessa premissa e da literatura de
adoção de políticas públicas (Coêlho, 2009; Sugiyama, 2007; Walker 1969), temos a primeira
hipótese:
Hipótese 1: Quanto maior a competição eleitoral no município, maior a propensão de se adotar
uma política pública nova.
Existem diversas formas de se calcular a competição eleitoral, mas o método mais utilizado é o
Número Efetivo de Partidos (NEP) que ganhou uma versão mais sofisticada elaborada por
Grigorii Golosov (2010):
Onde,
Np : indicador de competição político-partidária por ano eleitoral;
S1: é a maior componente, ou seja, a maior proporção na divisão de votos partidários;
Si : é a outra ou outras componente(s) de proporção na divisão de votos partidários;
x : é a menor componente, ou seja, a menor proporção na divisão de votos partidários.
14
Na esfera partidária, a primeira variável é ideologia do partido do prefeito que almeja mensurar o
impacto desse aspecto, sobre a adoção da política pública. A premissa teórica é que governos de
esquerda tendem a ser mais intervencionistas e proativos na área social do que os políticos de
direita (Przeworski, 1985). No caso brasileiro, de acordo com Mainwaring et al. (2000), os
partidos de centro-direita tendem a apoiar políticas mais liberais enquanto legendas de esquerda
defendem ações governamentais direcionadas à distribuição de renda. Nesse contexto, testamos a
segunda hipótese:
Hipótese 2: Quanto mais à esquerda o partido do prefeito, maior a probabilidade de adoção uma
nova política pública.
Para a variável ideologia, são utilizadas as medidas de posicionamento ideológico de Power e
Zucco Jr (2008), resultantes das estimativas das pesquisas sobre a percepção dos congressistas
acerca do posicionamento ideológico de seus partidos que podem variar de 0 (extrema esquerda)
a 10 (extrema direita).
Ainda no âmbito dos partidos, outro aspecto relevante é o alinhamento partidário entre chefes do
Executivo de diferentes esferas de governo. Em outras palavras, almeja-se testar se a
convergência partidária entre esses atores políticos reflete em cooperação em torno da
implementação do programa de saúde da família, conforme a literatura indica (Cox e McCubbins,
1986).
Hipótese 3: Prefeito de partidos da Base do Governo Federal possuem maior propensão em
adoção uma nova política pública.
O alinhamento partidário mensurado por meio de uma dummy que considera 0 para prefeitos de
partido de oposição ao Presidente da República e 1 para aqueles de legenda que possui ao menos
um ministro de Estado no Executivo federal.
Os incentivos aos políticos inerentes ao processo eleitoral em si também são testados.
Fundamentado nos pressupostos da teoria do ciclo político de negócios (Nordhaus, 1975),
almeja-se avaliar se a proximidade das eleições em nível municipal tende a impactar a disposição
15
dos governantes em adotar o PSF, fator já testado em estudos de difusão de políticas públicas
(Berry e Berry, 1990). Assim, segue a última hipótese de ordem política:
Hipótese 4: Em ano eleitoral nas municipalidades, a adoção de uma nova política social é mais
provável.
As duas últimas hipóteses desta pesquisa incorporam a premissa basilar do modelo regional de
que a difusão do PSF é consequência da disseminação do programa nas unidades vizinhas
(Walker, 1969; Gray, 1973). Seguindo essa lógica, a primeira variável testa os efeitos da adoção
da política em unidades com maior proximidade geográfica:
Hipótese 5: Quanto maior o número de vizinhos que implementam a política pública, maiores as
chances da prefeitura adotá-la.
Neste caso, utiliza-se como medida a proporção de cidades no estado que adotaram o PSF no ano
anterior. Por conseguinte, espera-se que o aumento desse percentual tende a gerar maior difusão
do programa. Ademais, é importante considerar os efeitos de vizinhança do ponto de vista
regional. De acordo com Walt (2000), as políticas são normalmente espalhadas em governos
inovadores e, posteriormente, transferem-se para as demais regiões. No caso do PSF, foram os
municípios da região Nordeste os precursores (Sugiyama, 2007), portanto, é de se esperar que
haja uma maior difusão nesta região e, em seguida, no Norte do país que possui maiores
similaridades.
Hipótese 6: A difusão da política será maior nas regiões precursoras e tende a se espalhar pelas
regiões mais próximas.
A medida utilizada para testar o efeito regional sobre a difusão do PSF são variáveis dicotômicas
para cada quatro regiões do país: Centro-Oeste, Nordeste, Norte e Sudeste.
Como controle, o modelo inclui um conjunto de variáveis de caráter administrativo, econômico e
demográfico. Do ponto de vista administrativo, é esperado que o prefeito tenha mais incentivos
para adotar o PSF na medida em que seu governo possui melhores condições financeiras, isto é,
16
quanto melhor a capacidade fiscal da prefeitura mais propenso ele estaria para implementar o
programa (Berry e Berry, 1990). Para mensurar a capacidade fiscal, utilizamos a variável
arrecadação própria per capita7 que mede o quão efetivo o gestor municipal exerce seu poder
tributário de modo a gerar mais recursos em seu território para a implementação e gestão das
políticas públicas.
O nível de desenvolvimento socioeconômico do município também pode ser considerado um
fator importante na explicação da difusão da política (Berry e Berry, 1990; Sugiyama, 2007). Em
outras palavras, quanto mais pobre a municipalidade maior a propensão dos governos locais em
adotarem o PSF. O pressuposto é que a renda per capita8 baixa de uma municipalidade reflete na
maior demanda por atendimento de saúde da rede pública e, por conseguinte, uma maior pressão
sobre o prefeito para aderir ao PSF. Também nessa dimensão, o modelo inclui urbanização9, haja
vista que esta consiste em um componente importante do desenvolvimento econômico que tende
a expandir as responsabilidades governamentais gerando mais demanda da sociedade por
políticas sociais. Por outro lado, na análise do PSF, a variável pode apresentar um efeito oposto
na medida em que a priorização da política no início da implementação foi a zona rural.
Finalmente, o log da população 10 também é empregado de modo a testar se o número de
habitantes importa na explicação do fenômeno analisado por esta pesquisa.
Portanto, para analisar os determinantes da difusão do Programa de Saúde na Família pelos
municípios brasileiros, nós combinamos todas essas variáveis no seguinte modelo de Event
History Analysis - EHA:
7
O indicador consiste no total de recursos das receitas tributárias municipais – ISS, IPTU, ITBI, taxas e
contribuições municipais - dividido pelo número de habitantes. O cálculo é realizado com base nos valores
declarados entre os anos de 1997 e 2010. Com vistas a facilitar as análise e comparações, foram aplicadas correções
nos valores de acordo com a inflação do período. Assim, foi utilizado o Índice Nacional de Preços ao Consumidor
Amplo (IPCA/IBGE), índice oficial do Governo Federal, correspondentes à data de 31 de junho de 2011. Segue a
fórmula da medida:
8
A medida utilizada é o PIB municipal por habitante medido pelo IBGE nos anos de 1996 e 1999 a 2008.
A taxa de urbanização consiste no percentual da população residente em zona urbana disponível pelo IBGE para os
anos de 1996, 1999, 2007 e 2010.
10
Os dados de população são oriundos do IBGE.
9
17
ADOTAR ᵢ,t = f
(Competição Políticaᵢ,t, Ideologiaᵢ,t, Alinhamento Partidárioᵢ,t, Efeito Vizinhançaᵢ,t,
Capacidade Fiscalᵢ,t, PIB per capitaᵢ,t, Urbanizaçãoᵢ,t, Log Populaçãoᵢ,t, Regiões
Precursorasi,t).
Resultados da Pesquisa
Para avaliar o papel de cada uma das covaráveis identificadas acima, estimamos um modelo de
riscos proporcionais de Cox usando o cálculo exato marginal para cuidar das ocorrências
simultâneas de adoção do PSF. A Tabela 1 abaixo apresenta os coeficientes estimados assim com
seus respectivos erros padrão.
Tabela 1.
Competição eleitoral (NEP)
Ideologia
Alinhamento partidário
Efeito vizinhança
Capacidade fiscal
PIB per capita
Urbanização
População
Nordeste
Norte
Centro-oeste
Sudeste
N
Log-Likelihood
Coeficiente estimado (e.p.)
-0,150 (0,090)
0,010 (0,024)
0,256* (0,103)
0,045* (0,006)
-0,000 (0,000)
-0,000 (0,000)
-0,002 (0,002)
0,067 (0,053)
-0,947* (0,204)
0,234 (0,195)
-0,203 (0,234)
-0,510* (0,125)
24150
-1216
*<0,05.
A Tabela 1 apresenta alguns resultados interessantes. Antes de tudo, é importante esclarecer a
interpretação destes coeficientes estimados com respeito a função risco. Coeficientes positivos
indicam que a partir de variações na covariável a função risco aumenta, enquanto coeficientes
negativos indicam, ao contrário, que variações na covariável diminuem a função risco. Assim
sendo, coeficientes positivos significam que o tempo até a adoção é reduzido e coeficientes
negativos que o tempo até adoção é estendido. Das covaráveis políticas consideradas no modelo
temos que apenas o alinhamento partidário tem efeito estatisticamente significativo sobre a
adoção do PSF. Especificamente, temos que municípios que têm prefeitos da base do governo
18
federal possuem maior propensão em adotar o PSF. Comparados a municípios com prefeitos que
não são alinhados com a base do governo federal, estes municípios alinhados têm um risco de 29%
maior de adotar o PSF. As outras variáveis políticas de competição eleitoral e ideologia não têm
efeito sobre o risco de adotar o PSF.
Outro efeito importante é aquele relacionado a proliferação do programa nos municípios vizinho.
Para capturar este efeito, incluímos no modelo uma variável que mede o percentual dos
municípios no estado que adotaram o PSF. Os resultados da estimação indicam que quanto maior
a proporção de municípios de um estado que já tem adotado o programa maior também é a
propensão do município em adotar o PSF. Precisamente, o aumento de um ponto percentual no
número de municípios que adotam o PSF aumenta em 5% o risco de um municípios deste mesmo
estado em adotar a política. Este efeito é muito grande pois o aumento em 10 pontos percentuais
no número de municípios de um estado que adota o PSF teria por efeito um aumento de 50% no
risco dos municípios do mesmo estado em adotar o programa.
Os resultados da Tabela 1 não indicam o efeito maior de difusão do PSF nas regiões precursoras.
Ao contrário, o Nordeste tem apenas 39% do risco da região Sul de adotar o programa. A região
Sudeste também tem risco menor de adotar o PSF, quando comparado com o Sul. As regiões do
Norte e Centro-Oeste, por sua parte, não tem risco diferenciado do Sul quanto a sua adoção da
política.
Por último, os resultados indicam que a capacidade fiscal do município, a sua riqueza, a sua taxa
de urbanização assim como seu tamanho populacional não têm efeito sobre a sua propensão de
adotar o PSF.
Em soma, estes resultados preliminares sugiram um papel importante para as variáveis políticas e
de vizinhança em explicar a propensão de um município brasileiro aderir ao PSF. O alinhamento
do prefeito do município com a base do governo federal tem um efeito muito forte sobre a
propensão do mesmo adotar a política. Similarmente, temos que quando maior o número de
municípios de um estado que adotam o PSF, maior é a "pressão" para os outros municípios do
mesmo estado adotar também a política. Outro resultado interessante, mas contrário aos achados
de outros pesquisadores na área, é aquele relacionado ao efeito da região precursora. No caso, foi
esperado um efeito de difusão maior na região Nordeste do Brasil por ser a região precursora do
programa. Porém, os resultados indicam que esta região exibe o menor risco de propensão entre
19
as cinco regiões do País. Finalmente, as variáveis de caráter administrativo, econômico e
demográfico, por sua parte, não exibem efeito significativo sobre a propensão dos municípios em
adotar a política.
Conclusões
Este paper apresentou uma proposta de estudo de difusão e resulatos preliminares para explicar o
fenômeno da adoção do PSF no Brasil. O principal interesse foi o de demonstrar a utilidade de
EHA para unificar teorias rivais e testar hipóteses de pesquisa. Os modelos propostos tentam
capturar a dinâmica de mudanças políticas e demarcar quando e porque estas mudanças ocorrem.
Conforme assinalam alguns autores clássicos da literatura, EHA não é um método “resolve-tudo”.
A validade dos resultados para esse tipo de investigação dependem do ajuste adequado entre as
hipóteses teóricas e a coleção de dados extraídos do evento. Nesse sentido, conclui-se que os
dados que informam o início da história do evento se configuram em condição sine qua non para
a robustez dos achados de pesquisa. Discorrer sobre este ponto é relevante, uma vez que o poder
de inferência a partir do uso de EHA está diretamente associado ao exercício de como estimar e
interpretar os dados. Em outras palavras, cientistas políticos que aplicam EHA devem, por
exemplo, controlar o potencial efeito das ondas de difusão ao medir com precisão o espaço de
distanciamento entre as adoções das unidades analisadas. Com relação a contribuição à literaruta
o objetivo é aumentar o escopo de aplicação de EHA e aplicar o modelo à novas unidades de
análise, no caso, os municípios. Isto pode significar um avanço teórico-metodológico para
reconstruir respostas para velhas questões e explicar mais adequadamente os novos fenômenos.
Além disso, ainda são raros as pesquisas de difusão que exploram os Large-N studies. Assumindo
que temos dados disponíveis, precisamos agora enquadrar teorias e fatos para avançarmos em
novas abordagens empíricas em busca de uma ciência política mais positiva e menos subjetiva.
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Figura 1 – Evolução do PSF nos Municípios Brasileiros, 1991-2010.
5000
4000
3000
2000
1000
0
Série2
1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
35
58
78
178
266
476
722 1409 1898 2754 3507 3878 4083 4408 4750 5113 5313 5346 5357 5383
Fonte: Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde / DataSus (08/11/2011).
25

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