o registro de imóveis e os princípios da disponibilidade e da
Transcrição
o registro de imóveis e os princípios da disponibilidade e da
ESCOLA SUPERIOR DE ADMINISTRAÇÃO DIREITO E ECONOMIA CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO IMOBILIÁRIO NOTARIAL E REGISTRAL ELIANE TERESINHA DE OLIVEIRA MACHADO O REGISTRO DE IMÓVEIS E OS PRINCÍPIOS DA DISPONIBILIDADE E DA CONTINUIDADE Porto Alegre 2010 2 ELIANE TERESINHA DE OLIVEIRA MACHADO O REGISTRO DE IMÓVEIS E OS PRINCÍPIOS DA DISPONIBILIDADE E DA CONTINUIDADE Monografia apresentada à Escola Superior de Administração Direito e Economia, Curso de Pós-Graduação em Direito Imobiliário Notarial e Registral, como requisito parcial para obtenção do título de Especialista em Direito Imobiliário Notarial e Registral. Orientadora: Ms. Cláudia Fonseca Tutikian Porto Alegre 2010 ELIANE TERESINHA DE OLIVEIRA MACHADO O REGISTRO DE IMÓVEIS E OS PRINCÍPIOS DA DISPONIBILIDADE E DA CONTINUIDADE Monografia apresentada à Escola Superior de Administração Direito e Economia, Curso de Pós-Graduação em Direito Imobiliário Notarial e Registral, como requisito parcial para obtenção do título de Especialista em Direito Imobiliário Notarial e Registral. Aprovada pela Banca Examinadora em ______ de agosto de 2010. ___________________________________________________ Orientadora: Profª. Ms. Cláudia Fonseca Tutikian – ESADE-RS ___________________________________________________ Prof. Examinador: ___________________________________________________ Prof. Examinador: RESUMO Este trabalho procurou fazer uma abordagem a respeito do Sistema Registral Brasileiro e seus desmembramentos, em virtude da autora comungar com a idéia de renomados autores em nosso País, que o serviço registrário imobiliário é o exercício de uma atividade delegada estatal, cuja finalidade é assegurar e legitimar o direito da propriedade e os atos dela decorrentes, a fim de que a sociedade tenha uma garantia nos negócios imobiliários. Apresenta-se a evolução histórica do Registro de Imóveis no Brasil, onde se percebe claramente as várias transformações e evolução no registro de imóveis, originando um sistema dirigido à própria eficácia constitutiva de direitos reais, em especial, sobre os imóveis, o direito a propriedade destes só são adquiridos mediante registro. Discorre-se sobre a sua função na sociedade, juntamente com a apresentação da sua natureza jurídica. Verifica-se que as atividades inerentes ao Registro de Imóveis estão atreladas a princípios que norteiam as funções e estes alicerçados em normas jurídicas. Estes, em sua maioria, acham-se expressos em inúmeros artigos da Lei dos Registros Públicos – LRP. Palavras-chave: Registro de Imóveis, Princípios do Direito Registral Imobiliário Brasileiro. Serviços Notariais e Registrais. Função dos Registros de Imóveis. Lei dos Registros Públicos - LRP. ABSTRACT The main objective of this study was to present the Brazilian Registral System and other aspects related to the topic, due to the fact that the author shares similar ideas with many famous authors in the Country, that is, the property registral service is the state activity, whose aim is to ensure and legitimate the right of property and the consequent acts that are originated from it, in order to make sure that the society will have property business guarantees. Thus, we presented the historical development of the Property Register in Brazil, where we clearly verify many changes and the evolution of the property register, shaping a system, focusing to the efficiency of the constitutive real rights, particularly the ones related to property, whose property rights are acquired by registration. We also present its function in the society, along with its juridical nature. We observed that the proper activities of the Property Register are linked to the principles that guide the functions and their basis are on the juridical norms. They, in the great majority, are expressed in many articles of the Law of Public Registers – LRP. Key-words: Property register. Brazilian Registration Property Right Principles. Notarial and registrar services. Function of the Property Registers. Law of Public Registers – LRP. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................7 2 O REGISTRO DE IMÓVEIS.............................................................................................10 2.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA................................................................................................10 2.2 CONCEITUAÇÃO.............................................................................................................18 2.3 A FUNÇÃO DO REGISTRO DE IMÓVEIS ....................................................................20 2.4 NATUREZA JURÍDICA ...................................................................................................21 3 PRINCÍPIOS BASILARES DO REGISTRO DE IMÓVEIS .........................................24 3.1 PRINCÍPIO DA LEGALIDADE .......................................................................................26 3.2 PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE ......................................................................................29 3.3 PRINCÍPIO DA PRIORIDADE.........................................................................................30 3.4 PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE..................................................................................31 3.5 PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO E DA FÉ PÚBLICA .......................................................33 3.6 PRINCÍPIO DA INSTÂNCIA ...........................................................................................35 3.7 PRINCÍPIO DA INSCRIÇÃO ...........................................................................................36 3.8 PRINCÍPIO DA UNITARIEDADE DA MATRÍCULA ...................................................37 3.9 PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE ..................................................................................38 3.10 PRINCÍPIO DA DISPONIBILIDADE ............................................................................43 3.11 O OFICIAL REGISTRADOR E OS PRINCÍPIOS DA DISPONIBILIDADE E DA CONTINUIDADE ...........................................................................................................48 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................................51 REFERÊNCIAS .....................................................................................................................53 7 1 INTRODUÇÃO O Registro de Imóveis é o serviço público competente para inscrever os direitos relativos às propriedades imobiliárias nele matriculadas. De acordo com o Código Civil, imóvel pode ser caracterizado como sendo o solo juntamente com as suas acessões. Diante deste conceito pode-se afirmar que qualquer espaço de terra pode ser considerado um imóvel, mas, não uma propriedade imobiliária. Esta passa a existir a partir do instante em que um indivíduo qualificado tem a titularidade desse bem e o registra no órgão público competente. Desse modo, a propriedade imobiliária só existirá e terá proteção jurídica se estiver matriculada no Registro de Imóveis de forma regular. E com relação ao imóvel rural, Módulo Rural, de acordo com a legislação agrária brasileira, é a unidade de medida que serve para definir a quantidade mínima de terra admitida no imóvel rural, capaz de propiciar a uma família de porte médio condições de vida e de progresso social e econômico, não caindo no vício do minifúndio. A propriedade imobiliária teve seu início com o Descobrimento passando todas as terras ao domínio público – o descobridor - Portugal, adquiriu sobre o território a titularidade originária da posse. Já a propriedade privada surgiu com a doação de posse das terras, posteriormente, as capitanias hereditárias e enfim, o estímulo à ocupação da terra descoberta, se dava por intermédio das sesmarias, que eram áreas de dez léguas doadas aos “capitães”, daí a origem das capitanias, cuja propriedade das terras eram doadas, todavia, de forma condicionada. E com a promulgação da Lei das Terras, possibilitou-se a compra das terras. Assim sendo, o Direito à propriedade, a partir da Constituição de 1824, em seu art. 179, XXII, era assegurado, porém, sem abordar o sistema de seu registro. 8 Em 1843, surge a primeira lei no Brasil referente ao registro de imóveis por intermédio da lei orçamentária 317, que criou o registro de hipotecas. Após, em 1864, Nabuco de Araújo, Ministro da Justiça na época apresentou um projeto de lei hipotecária que originou a Lei 1.237/64. Esta basicamente tratava do registro geral levando em conta a transcrição como uma forma de transferir a propriedade e a exigência de escriturar todos os direitos reais imobiliários. Esta lei foi regulamentada pelos decretos n°3.453 e 3.465, de 1865, nomeando os profissionais responsáveis pelos registros de “oficiais do registro geral”. Em 1916, com o advento do Código Civil, o registro geral foi substituído pelo registro de imóveis, que apresentou alterações em sua redação, e dentre estas, tem-se a prova da propriedade juris tantum, isto é, passa-se a admitir prova em contrário. Tal matéria é tratada no art. 856 e posteriores. Com a criação do Decreto 18.542, de 1928, introduziu-se no sistema de registro de imóveis o princípio da continuidade que passou a exigir para qualquer transcrição ou inscrição, o registro do título anterior. Em 1939, alterou-se este decreto por meio do regulamento 4.857, no qual foram corrigidos os termos inscrição e transcrição separando-os, onde inscrição tratava da constituição de ônus reais e a transcrição passou a referir-se aos atos de transmissão da propriedade. A Lei 6.015, de 1973, apresenta em seu conteúdo todos os princípios norteadores do registro imobiliário. Sua maior contribuição foi a reformulação do cadastro predial brasileiro, em especial, o que se refere aos livros, centralizando em um livro único denominando de matrícula, que significa a individualidade de cada imóvel. Em 2002, o Novo Código Civil passa, também, a dar mais importância aos registros públicos. Neste, passou-se a assegurar que os direitos reais sobre os imóveis constituídos ou 9 transmitidos por atos entre vivos são alcançados com o registro no cartório de registro de imóveis (art. 1.245 e 1.247). Nessa perspectiva, a presente monografia tem a pretensão de, de forma sucinta (sem querer esgotar o assunto), apresentar conceitos baseados em renomados autores. Como foco central, tem-se o desenvolvimento dos princípios basilares do Registro de Imóveis Brasileiro, com ênfase nos princípios da Continuidade e da Disponibilidade. Tal escolha se deve ao fato de tais princípios estarem intimamente ligados às atividades desenvolvidas pelos notários e registradores que, diante do caráter público da função, estes ficam atrelados à obediência aos princípios basilares da administração pública, sob pena de ferir a credibilidade dos registros, bem como a segurança do serviço. Assim sendo, este trabalho está estruturado da seguinte forma: 1 Introdução; 2 O Registro de Imóveis - apresenta a evolução histórica acerca do Sistema Registral Imobiliário Brasileiro, segue com a apresentação de conceitos baseados em renomados autores. Posteriormente, temos a descrição da função do Registro de Imóveis e, por fim, discorre-se acerca da sua natureza jurídica; 3 Princípios Basilares do Registro de Imóveis, buscou-se apresentar os princípios norteadores da atividade de registros imobiliários. Estes princípios são diversos, muitos deles aplicáveis a todos os ramos do direito, outros em especial ao Registro de Imóveis. E, por fim, com as considerações finais acerca dos temas apresentados. 10 2 O REGISTRO DE IMÓVEIS 2.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA Para que se possa melhor compreender a sua sistemática atual é imprescindível que se faça uma análise histórica desde as suas origens babilônicas e romanas. Pois, somente conhecendo suas raízes e sua evolução ao longo dos séculos é que se conseguirá traçar um entendimento sobre o sistema registral imobiliário e da importância deste em uma sociedade, independente do sistema de governo adotado. As questões da terra, a extensão de seus limites como formas de delimitação de área, bem como a definição dos direitos a esta inerentes são originárias da Babilônia e do Império Romano; o que não poderia ser diferente, pois, o direito romano é um instituto de grande relevância e que muito contribuiu ao que hoje temos em nosso ordenamento jurídico. Na Babilônia já existiam arquivos públicos, inclusive o estudo dessa civilização conhece exemplares desses antigos registros coletivos de compra e venda de terra do aludido período. Bouzon elucidou em uma de suas obras, que na Babilônia já existiam arquivos públicos e a “assiriologia conhece hoje, cerca de quarenta e três exemplares desses antigos registros coletivos de compra e venda de terra do período protodinástico”1. O Código de Hammurabi convencionava a proteção à propriedade, relacionando-a aos deuses, a qual era limitada e inserida nos templos como forma de proteção divina. Diante disso percebe-se que, a propriedade desde os primórdios da civilização sempre esteve relacionada à religião. 11 O instituto da possessio era utilizado durante o império romano, a fim de demonstrar que o possuidor mantinha sob o seu poder os elementos da coisa: animus e corpus; destarte, enquanto presentes tais requisitos perdurava também a posse, cuja perda ocorreria em razão do abandono, perda ou traditio. A proprietas ou dominium2 era o direito fundamentado em usar, fruir e abusar da coisa. Em que pese o direito romano não contemplar a existência do registro imobiliário, como forma de garantia da propriedade, este serviu de sustentáculo ao instituto da posse e da propriedade da terra de um modo geral. Pois, foi nos moldes da civilização romana que começou a se desenvolver o domínio das glebas durante a Idade Média. Nesse período, cabe aclarar que, tanto a posse quanto a propriedade, concentrava-se sob o domínio do senhor feudal. A princípio, o Registro de Imóveis teve seu início a partir do descobrimento do Brasil, com a aquisição, pelo Rei de Portugal, de um título originário de posse, onde o território passou a ser dividido em capitanias hereditárias governadas por donatários, que cediam parte de seus direitos de posse aos moradores das capitanias por meio das cartas de sesmaria3. As sesmarias eram concedidas em primeiro lugar pelos donatários das capitanias hereditárias, depois pelo governo geral, e por fim pela Coroa de Portugal. Assim sendo, podemos concluir que não havia propriedade nos moldes em que hoje temos, as relações econômicas naquela época eram regidas em torno da posse. Sem este regime (sesmarias) convém salientar que sob o seu comando, os posseiros eram desalojados de suas terras por quem as recebesse de sesmaria, sem qualquer indenização. Este fato foi levado ao conhecimento de Dom Pedro que acabou por culminar na suspensão das concessões 1 BOUZON, Emanuel. O direito à propriedade fundiária na antiga Babilônia até o Império de Hammurabi. Revista de Direito Imobiliário, São Paulo, n. 51, p. 185, 2001. 2 CRETELLA JÚNIOR, José. Direito romano moderno. Rio de Janeiro: Forense, 1970, p. 110. 3 Trechos de terras incultas que os donatários podiam dar aos moradores da capitania, gratuitamente, para que as cultivassem. (COSTA PORTO, B. Estudo sobre o sistema sesmarial. Recife: Imprensa Universitária, 1965). 12 de sesmarias, por meio da Resolução n° 17, de 17 de julho de 1822, até a convocação da Assembléia Geral Constituinte. Segundo Cunha Júnior, deste ponto em diante, a propriedade passou a ser adquirida ao léu, por meio de ocupações, sem qualquer regra. Somente em 1850 o Poder Público passou a controlar o sistema, e promulgou a Lei n° 601, de 18 de setembro, considerado por este autor como sendo “um marco em nossa legislação agrária”4. Segundo Carvalho: Quando o Brasil foi descoberto, o rei de Portugal, como descobridor, adquiriu sobre o território o título originário da posse. Investido desse senhorio, o descobridor, por meio de doações feitas em cartas de sesmarias, primeiro pelos donatários das capitanias, depois pelos governantes e capitães-generais, começou a destacar do domínio público os tratos de terras que viriam a constituir o domínio privado5. Percebe-se então que, a origem da propriedade privada no Brasil remonta à época do descobrimento. Embora fosse desconhecida à propriedade nos moldes que hoje conhecemos, já que, todas as relações econômicas giravam em torno da posse. Como a coroa portuguesa, na época, não dispunha de recursos suficientes, optou por delegar algumas tarefas de exploração a determinados particulares (capitães), doando-lhes terras (sesmarias) delimitadas, cuja administração territorial recebeu a nominação de “capitania”, sistema este que vigorou até a independência do Brasil (1822). A Constituição Imperial (1824) já assegurava o direito à propriedade, porém, não trazia nenhuma disposição sobre o registro da mesma. O sistema de registro ocorreu a partir da Lei Orçamentária n° 317 (1843), posteriormente regulamentada pelo Decreto n° 482/1.846 que criou o registro geral de hipotecas, objetivando tornar a terra a base para o crédito6. 4 CUNHA JÚNIOR, Dirley. Terras devolutas nas constituições republicanas. Disponível em: <http://www.jfse.jus.br/obras%20mag/artigoterrasdevdirley.html>. Acesso em: 15 nov. 2009. 5 CARVALHO, Afrânio. Registro de Imóveis. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1977, p. 12. 6 A legalização das aquisições de terras pela posse ocorreu somente no Segundo Império, com a promulgação da Lei n° 601 de 1850, também regulamentada pelo Decreto n° 1.318 de 1854. A Lei n° 601/1.850, dispôs sobre as terras devolutas no Império e sobre as possuídas por título de sesmaria sem que fossem preenchidos os requisitos legais, o 13 Em 1843 foi criada a Lei Orçamentária n° 317, regulamentada pelo Decreto n° 482, de 14 de novembro de 1846, específico ao registro de hipotecas, com o objetivo de garantir uma maior segurança às transações comerciais. “O registro de hipotecas não deu os resultados esperados por lhe faltarem os requisitos de especialidade e publicidade”7. As sesmarias perduraram até a independência do Brasil (1822), e somente em 1850, com a Lei n° 601 e seu Regulamento n° 1.318, de 1854, a posse foi legitimada; posto que, todas as posses levadas ao livro da Paróquia Católica (Registro do Vigário), eram separadas do domínio público, apresentando assim, uma característica de obrigatoriedade o registro da posse dos possuidores de terras devolutas. Já no Brasil, a partir do descobrimento, o reino de Portugal se apossou das terras brasileiras. Nesse momento histórico, surgiu no direito brasileiro o primeiro título de posse como forma originária de aquisição, o que, após longos anos, possibilitou ao reino a divisão da colônia em capitanias e posteriormente veio a culminar com o domínio privado das terras brasileiras. Com a promulgação da Lei nº 601 de 18 de Setembro de 1850 - Lei de Terras, as pessoas puderam começar a comprar terras, posto que, até então, estas apenas podiam receber doações condicionadas à produção da Coroa. E, conseqüentemente, denota-se a transformação da terra em mercadoria, uma vez que, a partir desta lei, ela somente poderia ser obtida por compra e venda (artigo 1º). Esta norma tratou esta lei de legalizar os títulos de sesmarias e as posses quaisquer que fossem suas extensões, mas era necessário que existissem nestes cultivos, desde que medidas e levadas a registro em livros próprios nas freguesias (artigos 4º, 5º, 7º e 8º). que legitimou o governo a delegar tais tarefas ao clero (Registro do Vigário). Contudo, somente era possível legalizar as aquisições de terras se fossem lavradas nas paróquias católicas, o que originou o chamado “título paroquial.” 7 CARVALHO, Afrânio de. Registro de Imóveis. Rio de Janeiro: Forense, 1976, p. 14. 14 Em síntese, todos os títulos de sesmarias concedidos às terras reais e ou imperiais, eufemisticamente chamadas de “posses mansas e pacíficas” puderam ser legalizadas por aqueles que as grilaram, porém, após a lei, isto não era mais possível, pois, somente a Coroa Imperial podia vender as terras devolutas em hasta pública. Esta Lei ainda definiu, por meio da exceção, o que era terra devoluta, (artigo 3º), levando muitos erroneamente a afirmar como sinônimo, terra devoluta como terra de ninguém. Na lei estava garantida punição para aqueles que ocupassem as terras devolutas ilegalmente, mandava expressamente para a prisão, além de exigir multa e indenização pela destruição da vegetação natural (artigo 2º). Dentre as terras devolutas estava assegurada a reserva para os indígenas através de colonização (artigo 12º). Assim sendo, Martins tratou do significado do papel desta lei e sua relação com a escravidão. Disse este: Ao contrário do que se deu nas zonas pioneiras americanas, a Lei de Terras instituiu no Brasil o cativeiro da terra — aqui as terras não eram e não são livres, mas cativas. A Lei 601 estabeleceu em termos absolutos que a terra não seria obtida por outro meio que não fosse o da compra. [...] Concretamente, a implantação da legislação territorial representou uma vitória dos grandes fazendeiros, já que essa não era a única categoria social a preocupar-se com a questão fundiária. De outro lado, havia os que advogavam um regime de terras livres que desse lugar, no Brasil, ao aparecimento de uma classe média de camponeses livres que quebrasse a estrutura social escravista e descaracterizasse os fazendeiros como senhores de escravos e terras, para fazê-los fundamentalmente burgueses e empresários. A fórmula consagrada na lei tinha, porém, o seu sentido naquela circunstância histórica. No mesmo ano de 1850 cessava o tráfico negreiro da África para o Brasil. A escravidão e o trabalho escravo estavam comprometidos. A própria Lei de Terras já define critérios para o estabelecimento regular de correntes migratórias de trabalhadores estrangeiros livres que, com o correr do tempo, substituíssem os escravos. Se, porém, as terras do país fossem livres, o estabelecimento de correntes migratórias de homens igualmente livres levaria, necessariamente, a que esses homens se estabelecessem como colonos nos territórios ainda não ocupados pelas grandes fazendas. Ao mesmo tempo, as fazendas ficariam despovoadas, sem possibilidade de expansão e de reposição de mão de obra. Por isso, a classe dominante instituiu no Brasil o cativeiro da terra, como forma de subjugar o trabalho dos homens livres que fossem atraídos para o país, como de fato o seriam às centenas de milhares até as primeiras décadas do nosso século [XX]. No processo de substituição do trabalho escravo, a nova forma de propriedade da terra desempenhou um papel fundamental como instrumento de preservação da ordem social e política baseada na economia colonial, na dependência externa e nos interesses dos grandes latifundiários. O homem que quisesse tornar-se proprietário de terra teria que comprá-la. Sendo 15 imigrante pobre, como foi o caso da imensa maioria, teria que trabalhar previamente para o grande fazendeiro8. Outra questão de suma importância referente à Lei de Terras de 1850 diz respeito à separação entre o domínio garantido pelo título e a posse. O título da terra tornou-se pela lei superior à posse efetiva. Portanto, aquele que tinha efetivamente a posse da terra estava destituído do direito sobre a mesma. Ademais, garantia àquele que sendo portador do título da terra, mesmo, sem nunca tê-la ocupado de fato, teria o domínio sobre a mesma, ou seja, o direito de propriedade privada da terra. Assim sendo, a propriedade nessa época não se transmitia pelo contrato, e sim pela tradição, que é a entrega real ou simbólica da coisa, sendo o registro do vigário um controle estritamente relacionado à posse. A Lei Hipotecária (Lei nº 1.237 de 1864), advinda da Lei nº 601 de 1850, foi o primórdio do serviço de registro no Brasil, a qual além de regular o domínio privado das áreas de terras, na medida em que outorgou a competência do registro paroquial à paróquia católica do local das terras, acabou definindo um dos princípios basilares do registro moderno, o da territorialidade, que impõe a efetivação do registro no local em que este está situado. Essa normatização, também possibilitou aos governantes a verificação das terras ocupadas9. Cartório do Registro de Imóveis. O registro da propriedade imobiliária, como função do Estado, foi instituído, no Brasil, pela Lei n. 1.237, de 24 de setembro de 1864. Antes, era ele praticado pelos vigários, dentro das respectivas paróquias, com finalidades meramente declaratórias, para discriminar o domínio público do instituto em nosso sistema legislativo: Suspensas, pela resolução de 17 de julho de 1822, as concessões de terras, que eram feitas, ora com o nome de sesmarias, ora com o de datas, veio, depois, a Constituição Imperial, de 25 de março de 1824, que, essa, então, aboliu o confisco e consagrou o respeito à propriedade, assegurando prévia indenização, em caso de desapropriação por utilidade ou por necessidade pública. Posteriormente, como decorrência desses princípios constitucionais, foi promulgada a Lei n. 601, de 18 de setembro de 1850, com o fim de discriminar o domínio 8 9 MARTINS, J. S. Expropriação e Violência (A questão política no campo). São Paulo: Hucitec, 1980, p. 73. GARCIA, Lysippo. A inscrição. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1927, p. 93. 16 público do particular e regularizar a situação das terras, mandando legitimar as 10 posses e revalidar as sesmarias . De acordo com Carvalho, esta norma jurídica foi regulamentada pelo Decreto n° 3.453, de 26 de abril de 1865, que passou a normatizar a transcrição dos títulos de propriedade de imóvel, por ato intervivos, excluindo-se as transmissões causa-mortis e as decorrentes de atos judiciários11. A Lei n° 1.237 foi substituída, em 1890, pelo Decreto n° 169-A e seu Regulamento, pelo Decreto n° 370, porém as alterações não foram substanciais, isto é, o domínio das terras continuava a mercê da existência comprobatória de provas12. Com a chegada do Código Civil de 1916, o Registro Geral foi substituído pelo Registro de Imóveis, onde se manteve a transcrição, contudo, com uma alteração de suma importância, onde se passou a provar a propriedade juris tantum, isto é, admitia-se a prova em contrário. Segundo Clóvis Beviláqua mencionado em Waldemar Loureiro citado por Balbino Filho: Finalmente, o Código Civil erigiu o registro imobiliário em instituição pública, de caráter jurídico, encarregada de consignar os atos de fatos, que afetem o domínio em suas diferentes situações ou limitações, tomando-o apto a dar certeza à propriedade e garantia ao crédito real, por meio da escrita dos seus livros, consoante ensina Lysippo Garcia. Sua denominação – Registro de Imóveis – resultou de emenda do Senado aos projetos de Código Civil, em os quais, quer no de Clóvis Beviláqua, quer no da Câmara dos Deputados, era ele impropriamente intitulado registro predial13. Segundo a Lei n° 4.827 de 1924, regulada pelo Decreto n° 18.542, de 1928, introduziu-se no sistema registrário o princípio da continuidade, passando-se a exigir para qualquer transcrição ou inscrição, o registro do título anterior14. 10 BALBINO FILHO, Nicolau. Registro de Imóveis: doutrina – prática e jurisprudência. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 30. 11 CARVALHO, Afrânio de. Registro de Imóveis. Rio de Janeiro: Forense, 1976. 12 Ibidem, 13 LOUREIRO, Waldemar apud BALBINO FILHO, Nicolau. Registro de Imóveis: doutrina, prática, jurisprudência. 8. ed. São Paulo: Atlas, 1996, p. 53. 14 CARVALHO, op. cit. 17 Para este mesmo autor, no Regulamento n° 4857 de 1939, corrigiu-se a terminologia do ordenamento anterior, separando os atos sujeitos à transcrição e inscrição. Os primeiros referem-se aos atos de transmissão de propriedade, e os segundos, dizem respeito à constituição de ônus reais15. Com o surgimento, em 1973, da Lei n° 6.015, passou-se a ter reunidos os princípios norteadores do Registro de Imóveis. Esta lei revolucionou o cadastro predial no Brasil, no que diz respeito, especificamente, aos livros, uma vez que além de reduzir a quantidade destes, centralizou um livro principal no imóvel, criando a matrícula, que passa a representar a individualidade do imóvel, sua situação geográfica e perfeita descrição, facilitando as pesquisas e expedição de certidões. Segundo Gandolfo, matrícula “é um ato de registro, no sentido lato, que dá origem à individualidade do imóvel na sistemática registral brasileira, possuindo um atributo dominial derivado da transcrição da qual se originou”16. E, em 2002, com o advento do novel Código Civil, outorgou-se maior importância aos registros públicos, consagrando princípios registrários, ressaltando assim, a importância do Registro de Imóveis no Brasil. O art. 1.227 mostra a ênfase dada pelos juristas no que concerne aos direitos reais sobre imóveis constituídos ou transmitidos por ato entre vivos, e estes só passam a ser adquiridos com o registro dos títulos no Cartório de Registro de Imóveis (arts. 1.245 a 1.247)17. Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis. § 1o Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel. § 2o Enquanto não se promover, por meio de ação própria, a decretação de invalidade do registro, e o respectivo cancelamento, o adquirente continua a ser havido como dono do imóvel. 15 CARVALHO, Afrânio de. Registro de Imóveis. Rio de Janeiro: Forense, 1976. GANDOLFO, Maria Helena Leonel. Reflexões sobre a matrícula 17 anos depois. Revista de Direito Imobiliário do IRIB, n. 33, p. 105, 1994. 17 CÓDIGO CIVIL COMPARADO. São Paulo: Saraiva, 2002. 16 18 Art. 1.246. O registro é eficaz desde o momento em que se apresentar o título ao oficial do registro, e este o prenotar no protocolo. Art. 1.247. Se o teor do registro não exprimir a verdade, poderá o interessado reclamar que se retifique ou anule. Parágrafo único. Cancelado o registro, poderá o proprietário reivindicar o imóvel, independentemente da boa-fé ou do título do terceiro adquirente. Nota-se que através dos artigos acima citados, enquanto o título translativo não for registrado, o alienante continuará sendo o proprietário do imóvel e também o registro terá validade jurídica no momento em que este for apresentado ao oficial de registro e este providenciar os devidos apontamentos nos respectivos livros de registros. 2.2 CONCEITUAÇÃO Difícil é a tarefa de definir os registros públicos, uma vez que, a própria legislação pertinente, qual seja, a Lei dos Registros Públicos - Lei nº 6.015/73, acabou por deixar in albis tal definição, portanto, cabe à doutrina, aos juristas e aos demais profissionais do direito procurarem uma definição que melhor se adeque ao modelo que hoje temos. Desse modo vejamos a definição de registro público na visão do doutrinador português Carlos Ferreira de Almeida, in verbis: Registro público é o ato assento efetuado por um oficial público e constante de livros públicos, do livre conhecimento, direto ou indireto, por todos os interessados, no qual se atestam fatos jurídicos conformes com a lei e referentes a uma pessoa ou a uma coisa, fatos entre si conectados pela referência a um assento considerado principal, de modo a assegurar o conhecimento por terceiros da respectiva situação jurídica, e do qual a lei faz derivar, como efeitos mínimos, a presunção do seu conhecimento e a capacidade probatória18. 18 ALMEIDA, Carlos Ferreira de. apud TUTIKIAN, Cláudia Fonseca; TIMM, Luciano Benetti; PAIVA, João Pedro Lamana (Coords.). Novo direito imobiliário e Registral. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 228. 19 Para Aguiar Vallim, o registro de imóveis foi definido como: “serventia da Justiça encarregada de trasladar para os seus livros os atos jurídicos relativos aos bens imóveis, dando publicidade a estes atos que então se presumem autênticos, seguros e eficazes contra todos”19. Mister se faz transcrever a conceituação, segundo o registrador imobiliário da Comarca de Araçatuba/SP, Marcelo Augusto Santana de Melo, especialista em Direito Imobiliário, cuja citação segue: Destarte, podemos definir o Registro de Imóveis como órgão auxiliar do Direito Civil destinado ao assentamento de títulos públicos e privados, outorgando-lhes oponibilidade a terceiros, com ampla publicidade e destinado ao controle, cadastro, eficácia, segurança e autenticidade das relações jurídicas envolvendo imóveis, garantindo-lhes presunção relativa da prova da propriedade20. Feitas estas considerações históricas, onde se buscou percorrer acerca da evolução do Registro de Imóveis no Brasil, podemos concluir que os direitos da propriedade juntamente com os direitos reais sobre imóveis que pertencem a terceiros somente são adquiridos por meio do registro. Com a evolução do Registro de Imóveis, faz-se necessário discorrer sobre a função deste Registro no direito brasileiro, uma vez que, este passa a regular a maioria das relações patrimoniais que envolvem imóveis, o que será visto no próximo item. 19 VALLIM, Aguiar apud TUTIKIAN, Cláudia Fonseca; TIMM, Luciano Benetti; PAIVA, João Pedro Lamana (Coords.). Novo direito imobiliário e Registral. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 228. 20 TUTIKIAN, Cláudia Fonseca; TIMM, Luciano Benetti; PAIVA, João Pedro Lamana (Coords.). Novo direito imobiliário e Registral. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 228-229. 20 2.3 A FUNÇÃO DO REGISTRO DE IMÓVEIS A função do registro de imóveis é a de definir o direito real, a partir de um respectivo título, dando assim segurança às relações jurídicas instituídas com relação aos imóveis. Ressalta-se a obra de Nicolau Balbino Filho: O Registro seja uma fiel reprodução da realidade dos direitos imobiliários. A vida material dos direitos reais, bem como a sua vida tabular, deveriam-se desenvolver paralelamente, como se a segunda fosse espelho da primeira. Com efeito, esta é uma ambição difícil de se concretizar, mas em se tratando de um ideal, nada é impossível; basta perseverar21. Para Fioranelli: A precisão do Registro Imobiliário no mundo dos negócios é vital para que nele existam, de forma irrepreensível, segurança e confiabilidade, verdadeiros pilares que hão de sustentá-lo. Sem essas bases sólidas, os negócios imobiliários, via de regra vultosos, estariam sujeitos a fraudes, prejuízos, decepções e irreparáveis danos aqueles que dele se valessem. Assim, a segurança e a confiabilidade transmitidas pelo registro é que proporcionam a estabilidade nas relações entre os participantes dos múltiplos negócios realizados nessa área22. A função registral é regulada essencialmente pela Lei dos Registros Públicos – Lei n° 6.015/73, mediante o sistema de matrícula, em que o imóvel terá o seu fólio real, no qual são registrados ou averbados todos os atos a este inerente23. O art. 167 da LRP discorre os atos que são praticados no Registro de Imóveis, sob duas categorias: (1) os registros e (2) as averbações. Os registros referem-se à criação, instituição, declaração e transferência dos direitos reais sobre os imóveis e as averbações 21 22 BALBINO FILHO, Nicolau. Direito Imobiliário Registral. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 35. FIORANELLI, Ademar. Direito Registral Imobiliário. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris; Instituto de Registro Imobiliário do Brasil, 2001, p. 381. 21 dizem respeito aos atos referentes às alterações de situações jurídicas embasadas nos registros dos imóveis e ao titular deste direito24. Uma das principais funções do registrador é a análise do título, também chamada qualificação25. Apresentado o título a registro o Oficial Registrador irá proceder a aplicação dos princípios registrários ao caso concreto, surgindo a viabilidade ou não do acesso ao fólio real. Em suma, para a obtenção da propriedade do imóvel não basta o simples acordo de vontades entre adquirente e o transmitente. A título exemplificativo, pode-se mencionar o contrato de compra e venda, que por si só não basta para transmitir o domínio. Faz-se necessário que essa transferência seja operacionalizada mediante o registro do título no registro imobiliário. Anterior a este existirá única e exclusivamente o direito pessoal. 2.4 NATUREZA JURÍDICA Precipuamente, pode-se dizer que, a natureza jurídica da atividade registraria advém da harmonia social, da estabilidade das relações negociais imobiliárias, bem como dos seus incidentes. De modo que, tal função estabilizadora de proteção é exercida em sua plenitude pelo oficial registrador. No que tange a natureza do serviço registrário, cabe transcrever o posicionamento de Mario Antonio Silveira, in verbis26: 23 CENEVIVA, Walter. Lei dos Registros Públicos comentada. 16. ed. atual. até 30 de junho de 2005. São Paulo: Saraiva, 2005. 24 Ibidem. 25 MELO, Marcelo Augusto Santana de. Breves anotações sobre o Registro de Imóveis. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 429, 9 set. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5669>. Acesso em: 25 jan. 2010. 26 SILVEIRA, Mario Antonio.registro de imóveis: função social e responsabilidades. São Paulo: RCS Editora, 2007. 22 A natureza do serviço registrário é de direito público, quer quanto à execução do serviço ou quanto à fiscalização da atividade. Deve-se, no entanto, ressalvar que as relações do oficial registrador com o `registrário´regem-se pelas regras do direito privado, estabelecendo-se no direito civil, no direito consumerista e na lei regulamentadora da função registraria a responsabilidade pelos danos que venham a ocorrer na atividade registraria. Assim, o poder público reserva para si a titularidade, ao delegar ao oficial registrador tão-somente a execução desse serviço. Posto que, o estado, ao manter a titularidade, delega a executoriedade dos serviços ao particular a exegese do disposto no caput do artigo 236 da Constituição Federal. Enquanto o artigo 3º da Lei nº 8.934/94 regulamentou o aludido dispositivo constitucional, ao definir que quem exerce tais atividades (notário, tabelião, oficial de registro ou registrador), são profissionais do direito dotados de fé pública, a quem é delegado o exercício das atividades notariais e de registro. A partir dessa premissa, pode-se dizer que, tais atividades são públicas por excelência, pois, exercidas em caráter privado por particulares mediante delegação. Todavia, o estado delega a executoriedade dos serviços registrais e notariais ao particular mediante preceito constitucional (artigo 236 da Constituição Federal); regulamentao através de leis complementares (Lei nº 6.015/73 e Lei nº 8.935/94), além de intervir na prestação e extinguir a delegação caso seja necessário. Destarte, a atividade registraria requer do serventuário a total observância aos preceitos legais, em consonância aos valores contidos num estado de direito, imparcialidade, igualdade, legalidade, moralidade, publicidade, isonomia e eficiência em razão da função delegada que este exerce, pois, somente assim a sociedade conseguirá obter segurança jurídica nas relações imobiliárias. 23 Nesse diapasão, pode-se dizer que, a natureza jurídica do registro de imóveis está intrinsecamente ligada ao pleno exercício do serviço registrário brasileiro, o qual visa assegurar e legitimar o direito de propriedade, bem como os atos desta decorrentes. Após analisarmos a natureza jurídica, passaremos a abordar sobre os princípios basilares do Registro de Imóveis. 24 3 PRINCÍPIOS BASILARES DO REGISTRO DE IMÓVEIS O Direito dos Registros Públicos, como regra jurídica autônoma surge como “o complexo de normas e princípios que regulam a organização dos serviços de registro”27. No Brasil, temos desmembrados o Direito Notarial e Registral, com especificações distintas, embora possuam finalidades semelhantes. Para Melo Jr., “cada qual tem regime jurídico próprio, com estrutura e princípios particulares”28. Segundo Melo Filho: O principio possui uma função especificadora dentro do ordenamento jurídico: ele é de grande valia para a exegese e perfeita aplicação, assim dos simples atos normativos que dos próprios mandamentos constitucionais. O menoscabo por um princípio importa na quebra de todo o sistema jurídico. É que o direito forma um sistema, é um axioma que nem sequer precisa ser demonstrado, já porque axioma (de universal acatamento, diga – se de passagem), já pela proibição lógica do regressum ad infinitum (da infinita reciclagem das premissas eleitas)29. Os princípios são os norteadores de influência ao aplicado ordenamento jurídico, os quais têm o escopo importante nos atos praticados no serviço registrário imobiliário, em razão da sua formalidade escritural, a qual está intrinsecamente entrelaçada aos princípios e no dever legal da fidelidade, transparência e conservação dos dados escriturados, não só como forma de propiciar a publicidade dos atos registrários, mas principalmente, como segurança da conduta social do oficial registrador e da confiabilidade neste depositada30. 27 MELO JR., Regnoberto Marques de. Lei de Registros Públicos comentada. Rio de Janeiro: Freitas de Bastos, 2003, p. 9. 28 Ibidem. 29 MELO FILHO, Álvaro. Princípios do direito registral imobiliário. Revista do Direito Imobiliário, n. 17/18, p. 26, jan.-dez. 1986. 30 Vale lembrar que, antes mesmo da promulgação da Constituição Federal de 1988, a qual imprime em seu bojo tanto na parte preambular como nos direitos e garantias fundamentais, que impôs uma preocupação do legislador voltada ao interesse social, uma vez que, já vigorava a Lei de Introdução do Código Civil Brasileiro – Decreto-Lei nº 4.657/1942 que de certa forma, como norma cogente exige do magistrado que, na aplicação da lei, notadamente, este atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum concorde o disposto no artigo 5º da referida lei. 25 Destarte, o julgador ao examinar o caso concreto, diante de uma lacuna ou até de uma vacância legis pode se socorrer de outros meios a fim de solucionar a controvérsia. Para tanto, poderá se valer da analogia, dos costumes e dos princípios gerais de direito31. E, da mesma forma, o intérprete da sistemática registrária também pode se amparar nos princípios gerais do direito e, notadamente, dos princípios registrais. Tanto que Chico y Ortiz atenta sobre as funções relevantes dos princípios registrários, “como a de informar, proporcionar o sentido às normas legais e agir com fonte de direito, quando ocorre lacuna no texto legal”32. Para o exercício regular da atividade registrária, o oficial registrador, ao aplicar os princípios registrários, tem de ater-se às leis, ao princípio da legalidade, ou seja, apenas poderá registrar um título que esteja cumprindo estritamente os requisitos legais. O registrador, ao cumprir sua função, que é estar ligado à lei, estará respeitando esta lei, como por exemplo, diante da conferência de um título, requisito indispensável de sua intervenção garantidora e estabilizadora dessa mesma realidade social. Essa intervenção, imprescindível à função social do oficial registrador, traz consigo a obrigação da correta análise do documento apresentado pelo “registrário”, como forma de controle legal da formalização da vontade das partes manifestada perante o tabelionato. Embora o presente estudo tenha por finalidade e limite abordar os princípios da Disponibilidade e Continuidade, no Sistema de Registro de Imóveis, vamos adentrar no tema através de uma preliminar visão panorâmica dos demais princípios existentes em nosso país, os quais serão examinados abaixo: 31 “Art. 4º. Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito. LICC - Lei de Introdução do Código Civil Brasileiro – Decreto-Lei Nº 4.657 de 04 de setembro de 1942”. (VADE MECUM. Obra Coletiva de Autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Antônio Luiz de Toledo Pinto, Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia Céspedes. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 163. 32 CHICO Y ORTIZ, José Maria apud SILVEIRA, Mario Antonio. Registro de Imóveis: função social e responsabilidades. São Paulo: RCS Editora, 2007, p. 34. 26 3.1 PRINCÍPIO DA LEGALIDADE Este princípio é encontrado no art. 19833, da LRP, tendo como função a qualificação dos registradores buscando impedir o registro de títulos inválidos ou imperfeitos, permitindo ao registrador apontar os vícios ou defeitos que impregnam o título, fazendo exigências por escrito, levando à parte interessada à regularização. Ainda de acordo com o caput do artigo mencionado acima, em não aceitando a exigência feita pelo Oficial, por entendê-la descabida ou no caso de não poder satisfazê-la, pode o apresentante requerer seja o título juntamente com a declaração de dúvida ser remetido à análise e solução a cargo do juízo competente. A abertura do processo de suscitação de dúvida obedece aos requisitos relacionados nos incisos do art. 198. O título deverá ser prenotado; à margem da prenotação, na coluna atos formalizados, será anotada a observação dúvida suscitada, deixando-se um espaço para a anotação do resultado; após a certificação da prenotação e da dúvida suscitada, será o título rubricado em todas as suas folhas; a seguir o Oficial deve dar ciência da dúvida ao apresentante, cedendo a este uma cópia da peça e notificando o mesmo para impugná-la no prazo de 15 (quinze) dias. Tendo sido cumprido todos os termos acima, as razões da suscitação serão encaminhadas ao juízo competente, juntamente com o título questionado a ser registrado. 33 Art. 198. Havendo exigência a ser satisfeita, o oficial indicá-la-á por escrito. Não se conformando o apresentante com a exigência do oficial, ou não a podendo satisfazer, será o título, a seu requerimento e com a declaração de dúvida, remetido ao juízo competente para dirimi-la, obedecendo-se ao seguinte: (Alterado pela L-006.216-1974) I - no protocolo, anotará o oficial, à margem de prenotação a ocorrência da dúvida; II - após certificar, no título, a prenotação e a suscitação da dúvida, publicará o oficial todas as suas folhas; III - em seguida, o oficial dará ciência dos termos da dúvida ao apresentante, fornecendo-lhe cópia da suscitação e notificando-o para impugná-la perante o juízo competente, no prazo de quinze dias; IV - certificado o cumprimento do disposto no item anterior, remeter-se-ão ao juízo competente, mediante carga, as razões da dúvida, acompanhada do título. 27 Para Ceneviva: [...] todos os títulos, sem nenhuma exceção com relação à sua origem, devem ser analisados pelo registrador. Seja o público, particular, ou judicial, este poderá ou não aceitá-lo para registro. Isto é, o registrador pode declará-lo em condições perfeitas para registro como uma vez apresentando alguma deficiência, devolvê-lo ao apresentante 34 para que sejam sanadas as irregularidades, segundo as exigências detectadas . De acordo com Silva Filho, o registrador ao exercer a sua função qualificadora goza de total independência e autonomia, “Ele é autônomo e independente ao decidir pela admissão ou não de um título no Registro de Imóveis sob sua direção e responsabilidade”35, todavia, sempre adstrito à lei. Em relação à qualificação registral imobiliária, Ricardo Dip nos diz que ela é o juízo prudencial, positivo ou negativo, da potência de um título em ordem à sua inscrição predial, importando no império de seu registro ou de sua irregistração36. A qualificação, explorada pelo Registrador se constitui, em uma apreciação técnica imparcial, que transcende aos interesses, uma vez que, a publicidade registral emerge, nitidamente, o interesse público de obter a satisfação de certos fins comunitários com uma dose de credibilidade dos atos registrários, ou seja, pretende-se que a matrícula espelhe exatamente a realidade, além do que, se lançar um ato indevido, fica sujeito à responsabilidade penal, administrativa e civil. Afrânio Carvalho, ao ressaltar que o exame prévio da legalidade faz com que a sociedade confie plenamente no registro, profere que: Diante dessa contingência, cumpre interpor o título e a inscrição um mecanismo que assegure, tanto quanto possível, a correspondência entre a titularidade presuntiva e a titularidade verdadeira, entre a situação registral e a situação jurídica, a bem da estabilidade dos negócios imobiliários. Esse mecanismo há de funcionar como um 34 CENEVIVA, Walter. Lei dos Registros Públicos comentada. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 325. SILVA FILHO, Elvino. A competência do oficial do registro de imóveis no exame dos títulos judiciais. Revista de Direito Imobiliário, n. 8, p. 57, jul-dez 1981. 36 DIP, Ricardo. Registro de Imóveis (vários estudos). Porto Alegre: IRIB/Sérgio Antonio Fabris, 2005, p. 186. 35 28 filtro que, à entrada do registro, impeça a passagem de títulos que rompam a malha da lei, quer porque o disponente careça da faculdade de dispor, quer porque a disposição esteja carregada de vícios ostensivos37. Neste mesmo contexto, Adriano Damásio nos diz: “o administrador público somente poderá fazer o que estiver expressamente autorizado em lei e nas demais espécies normativas, inexistindo, pois, incidência de sua vontade subjetiva”38. O rígido controle de legalidade deve ser levado a efeito em condições psicologicamente favoráveis ao acesso do título ao registro, obviamente sem menosprezo às condições normativas aplicáveis. Vejamos o que nos diz Serpa Lopes: Um princípio deve ter em vista, quer Oficial de Registro, quer o próprio Juiz: em matéria de Registro de Imóveis toda a interpretação deve tender para facilitar e não para dificultar o acesso dos títulos ao Registro, de modo que toda propriedade imobiliária, e todos os direitos sobre ela recaídos fiquem sob o amparo do regime do Registro Imobiliário e participem dos seus benefícios39. Encontramos no art. 37 da Constituição Federal, que a Administração Pública obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. E, neste sentido, Bandeira de Mello nos diz que: Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão a sua estrutura mestra40. Em síntese, este princípio resume-se no aspecto de impedir o ingresso no Cartório de Registro de Imóveis, de títulos que sejam inválidos ou imperfeitos. 37 CARVALHO, Afrânio de. Registro de Imóveis. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 226. DAMÁSIO, Adriano. Limite das medidas provisórias. In: MOTA DE SOUZA, Carlos Aurélio (Coord.). Medidas provisórias e segurança jurídica. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002, p. 68. 39 SERPA LOPES, Miguel Maria. Tratado dos registros públicos. 3. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1955, v. II, p. 346. 38 29 Superada a análise do princípio da legalidade, faz-se necessário ao entendimento da sistemática registral, o que ocorrerá no item abaixo, o estudo de um princípio demasiadamente importante: o Princípio da Publicidade. 3.2 PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE Antes de analisarmos este princípio, convém salientar a eficácia do registro. Como já desenvolvemos no Capítulo I deste trabalho, a propriedade e os demais direitos reais só passam a existir com o registro do respectivo título. Estes são direitos erga omnes, ou seja, enquanto o direito obrigacional diz respeito exclusivamente às pessoas participantes do ato, o direito real projeta-se sobre o imóvel, conferindo ao seu titular um direito oponível contra todos. Assim sendo, o registro dá ao direito adquirido uma publicidade constitutiva ou material. A situação jurídica dos imóveis, existente a partir dos atos praticados à vista dos títulos que são apresentados ao registrador deve, porém, ser de conhecimento público. Esta publicidade por sua vez, pode ser escrita ou verbal; uma vez que, o registrador tem obrigação legal de fornecer aos interessados as informações que lhe forem solicitadas, como também expedir certidões quando requeridas. Tais documentos podem referir-se a registros e averbações constantes nos livros do cartório. Podem ser requeridas por qualquer pessoa sem a necessidade de indagação quanto à razão ou interesse do pedido (art. 17 da LRP)41. 40 41 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 748. Art. 17. Qualquer pessoa pode requerer certidão do registro sem informar ao oficial ou ao funcionário o motivo ou interesse do pedido. Parágrafo único. O acesso ou envio de informações aos registros públicos, quando forem realizados por meio da rede mundial de computadores (internet) deverão ser assinados com uso de certificado digital, que atenderá os requisitos da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileiras - ICP. (Incluído pela Lei nº 11.977, de 2009). 30 Na atualidade, uma vez que, esteja o imóvel matriculado, tais informações encontram-se espelhadas na certidão da matrícula, expedida por processo reprográfico. Mesmo existindo ônus, originários da transcrição anterior, estarão presentes na nova matrícula, uma vez que, a averbação de tais atos é imperiosa para a abertura da matricula (art. 230 da LRP)42. Posto isto, a simples leitura da matrícula revela quem é o proprietário e quais são as restrições existentes. Em síntese, uma análise sobre a natureza jurídica da matrícula nos leva a concluir que: “a publicidade é a alma dos registros públicos, É a oportunidade que o legislador quer dar ao povo de conhecer tudo que lhe interessa a respeito de determinados atos. Deixa a sociedade a par de todo o movimento de pessoas e bens”43. Passaremos a seguir a analisar o Princípio da Prioridade. 3.3 PRINCÍPIO DA PRIORIDADE A análise do Princípio da Prioridade faz-se necessária em virtude da sua importância, que pode ser percebida quando surge no Registro de Imóveis a preocupante situação da existência, para o registro, de dois títulos que se referem a direitos reais contraditórios sobre um mesmo imóvel. Vejamos o que nos ensina Afrânio de Carvalho: A prioridade desempenha o seu papel de maneira diferente, conforme os direitos que se confrontam sejam, ou não sejam, incompatíveis entre si. Quando os direitos que ocorrem para 42 Art. 230. Se na certidão constar ônus, o oficial fará a matrícula, e, logo em seguida ao registro, averbará a existência do ônus, sua natureza e valor, certificando o fato no título que devolver à parte, o que o correrá, também, quando o ônus estiver lançado no próprio cartório. (Incluído pela Lei nº 6.216, de 1975). 43 BALBINO FILHO, Nicolau. Registro de Imóveis. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 9. 31 disputar o registro são reciprocamente excludentes, a prioridade assegura o primeiro, determinando a exclusão do outro. Quando, ao contrário, não são reciprocamente excludentes, a prioridade assegura o primeiro, concedendo graduação inferior ao outro44. A prioridade deve ser analisada de acordo com a natureza do direito cujo registro é buscado. Se forem direitos excludentes – tal como dois registros de propriedade – a prioridade garante que o primeiro negócio levado a registro exclua a possibilidade de o segundo, que seja com o mesmo incompatível, ser registrado. Porém, caso não venha a tratar de direitos reciprocamente excludentes, a prioridade assegurará uma graduação prioritária ao primeiro registro lançado. O protocolo tem importância prática na aplicação desse princípio. É o seu número de ordem que marca a prioridade e esta a preferência do direito sobre o outro que possuir número de ordem posterior. Segundo o art. 1.246 do Código Civil, não importa que entre o protocolo e a efetiva inscrição decorra algum espaço de tempo, pois o número e a data da prenotação garantirão que os efeitos do assento retroajam à data do protocolo, retroagindo os efeitos da prioridade45. O princípio a seguir desenvolvido será o Princípio da Especialidade. 3.4 PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE Esse princípio informa que os componentes das inscrições devem ser individuados com exatidão. A identificação de todos os imóveis de direitos reais e de toda obrigação que seja garantida por direito real é obrigatória, devendo-se precisar o valor garantido. Ressalta-se que, a qualificação completa das partes deve sempre ser buscada. 44 CARVALHO, Afrânio de. Registro de Imóveis. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 182. 32 Com relação ao imóvel, o princípio da especialidade aponta no art. 176, parágrafo 1º, II, 3 da LRP, como requisitos da matrícula, sua identificação, feita mediante a indicação de suas características e confrontações, localização, área e denominação, se rural, ou logradouro e número, se urbano, e sua designação cadastral, se houver. Segundo Afrânio de Carvalho: O requisito registral da especialização do imóvel, vestido no fraseado clássico do direito, significa a sua descrição como corpo certo, a sua representação escrita como individualidade autônoma, com seu modo de ser físico, que o torna inconfundível e, portanto, heterogêneo em relação a qualquer outro. O corpo certo imobiliário ocupa um lugar determinado no espaço, que é abrangido por seu contorno, dentro do qual se pode encontrar maior ou menor área, contanto que não sejam ultrapassadas as reais definidoras da entidade territorial46. E, para Ceneviva: A indicação dos característicos e confrontações, em núcleos densamente habitados, não é das que ofereçam maior dificuldade. É diversa a situação nas áreas rurais. Nestas, a descrição exige particular cuidado. É de evitar referência, comum na tradição brasileira, às árvores, touceiras isoladas, cercas, vegetais, e acidentes facilmente removíveis. A tendência deve ser da clara delimitação, a contar do ponto inicial rigorosamente assinalado, de preferência evoluindo no sentido dos ponteiros do relógio, orientando-se segundo o meridiano do lugar, dados os rumos seguidos, levantados por instrumentos de precisão e mediante auxílio técnico especializado47. Com relação à especialidade para garantias reais e dívidas, o art. 176, III, 5 da LRP, deixa claro ao enumerar os requisitos de qualquer registro: do valor do contrato, da coisa, da dívida, do prazo, das condições e das especificações, inclusive juros, se houver. Já o art. 241 da LRP, prescreve que o registro da anticrese deve declarar o prazo e a época do pagamento, e o art. 242 estabelece que o contrato de locação deve consignar o valor, a renda, o prazo, o tempo e o lugar do pagamento, bem como a pena convencional. 45 Art. 1.246. O registro é eficaz desde o momento em que se apresentar o título ao oficial do registro, e este o prenotar no protocolo. 46 CARVALHO, Afrânio de. Registro de Imóveis. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 27. 47 CENEVIVA, Walter. Lei dos Registros Públicos comentada. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 342. 33 Visto isto, conclui-se pela importância vital deste princípio da especialidade – que se divide na especialidade objetiva e subjetiva –, pois é através dele que se pode verificar se a cadeia de imóveis, de direitos e de pessoas está sendo devidamente cumprida para se poder atender ao princípio da continuidade. O que será estudado abaixo. A seguir será desenvolvido o Princípio da Presunção e da Fé Pública. 3.5 PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO E DA FÉ PÚBLICA Esses dois princípios têm cada qual seu significado próprio, mas foram amalgamados durante certo tempo no nosso país por uma corrente da doutrina que pretendeu dar ao primeiro, previsto na lei, a eficácia do segundo, omitido nela. Ao passo que o primeiro reforça a eficácia da inscrição, sem a tornar, contudo, saneadora, pois mantém o primado final do direito subjetivo, o segundo abre uma brecha nesse primado ao admitir que a inscrição se torne saneadora relativamente ao terceiro de boa-fé que, confiando nela, adquire o direito. A regra é a tutela do direito subjetivo, ou a segurança jurídica, a exceção é a tutela do terceiro de boa-fé, ou a segurança do comércio. De certa maneira, esse princípio reporta-nos ao princípio anterior, onde a presunção juris tantum admite prova contrária, uma vez que, a aquisição feita não é frustrada por motivos que se ignora. Nesse sentido, Afrânio de Carvalho comenta que: Embora o princípio de fé pública se circunscreva à transmissão negocial, a diferença de segurança que disso resulta entre os atos negociais e os atos judiciais de aquisição tende, entre nós, a dissipar-se na prática graças às cautelas tomadas para o processamento dos segundos. Para que os atos judiciais de aquisição não discrepem 34 dos atos negociais na menção dos requisitos de inscrição, o Código de Processo Civil exige a especialização dos imóveis e a indicação do número de inscrição do título anterior tanto na descrição dos bens em inventário, como no edital de praça (CPC, artigo 993)48. A proteção do terceiro de boa-fé, que confia na inscrição ou no cancelamento, pressupõe que o mesmo tome conhecimento do conjunto de assuntos relativos ao imóvel, em vez de ater-se a uma inscrição isolada. Essa proteção frustra-se se o terceiro ler apenas a inscrição originária do direito, seja da matrícula do imóvel, seja a de uma hipoteca, sem ter abaixo a inscrição preventiva de uma contradita de uma penhora ou a cessão de grau de uma hipoteca a ele referente. Além de prevenir malogro, a atual LRP preceitua que, requerida uma certidão, o registrador deverá consignar de sua iniciativa a qualquer alteração posterior, de sorte que, se for concernente a ônus de imóvel, alcançará aqueles inscritos após o requerimento (LRP, art. 21). Ceneviva discorre sobre as características da fé pública. Este diz: “corresponde à especial confiança atribuída por lei ao que o oficial declare ou faça, no exercício da função, com presunção de verdade”49. Assim sendo, pelo fato de portarem fé pública, presumem-se certos e verazes os assentamentos feitos pelos registradores, bem como os atos por estes praticados. E, assim, detêm responsabilidade exclusiva pelos mesmos. O princípio a seguir desenvolvido será o Princípio da Instância. 48 49 CARVALHO, Afrânio de. Registro de Imóveis. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 178. CENEVIVA, Walter. Lei dos Registros Públicos comentada. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 14. 35 3.6 PRINCÍPIO DA INSTÂNCIA O princípio da instância é aquele pelo qual, em regra, o registrador somente pode praticar registros e averbações se solicitado pelo interessado. Prescreve o artigo 13, II, da LRP que, salvo as anotações e as averbações obrigatórias, os atos de registro serão praticados a requerimento verbal ou escrito dos interessados. E o artigo 217 da mesma norma prescreve que o “registro e a averbação poderão ser provocados por qualquer pessoa, incumbindo-lhe as despesas respectivas”. A primeira vista, esse dois artigos parecem contradizer-se: o primeiro fala em interessado e o segundo em qualquer pessoa. No saber de Silva Filho, a conciliação dessas disposições está na presunção de que qualquer pessoa que leve o título para registro tem interesse na realização do ato registral50. Na verdade, o simples fato de o portador apresentar um título e efetuar o recolhimento dos emolumentos devidos, cria a presunção de que está solicitando seu registro e de que tem interesse nisso. Entretanto, para alguns atos a lei exige requerimento escrito do próprio interessado. São eles as averbações de construção, demolição, reforma e mudança de numeração de prédios, de desmembramento de lotes, enfim, averbações que alterem o imóvel da propriedade de determinada pessoa (artigo 167, II, 4 e 5, LRP). E igualmente as averbações que dizem respeito ao titular do direito registrado, tais como a mudança de nome por casamento ou separação, alteração de estado civil, etc. Ceneviva ilustra que: 50 SILVA FILHO, Elvino. A competência do oficial do registro de imóveis no exame dos títulos judiciais. Revista de Direito Imobiliário, n. 8, p. 45-82, jul.-dez. 1981. 36 A averbação é feita com requerimento escrito da parte, salvo se, no título apresentado, as partes tenham inserido autorização genérica para todas as que se fizerem necessárias. Requerida pela parte ou em cumprimento de mandado judicial, subordina-se à existência de registro na serventia e, em certos casos, a satisfação de pressupostos legais. Serve de exemplo a sentença de divórcio (artigo 14, II, LRP), que só pode ser averbada depois de registrada a partilha (artigo 23, I, LRP)51. A própria LRP excepciona a instância em duas situações: para averbações de mudança de nomes de logradouros, decretada pelo Poder Público (artigo 167, II, 13) e as retificações que o registrador pode proceder ex officio nos casos de erro evidente contido no registro (artigo 213, § 1º.). Também ex officio o registrador pode cancelar as hipotecas convencionais peremptas, isto é, aquelas que foram inscritas (registradas) há mais de 30 anos (Houve alteração na Lei 10.931/2004), com base no artigo 1.485 do Código Civil Brasileiro. Diante do exporto até aqui, passaremos a analisar o Princípio da Inscrição. 3.7 PRINCÍPIO DA INSCRIÇÃO O princípio da inscrição significa que a constituição, transmissão e extinção de direitos reais sobre imóveis só se operam por atos inter vivos mediante sua inscrição no registro. Ainda que uma transmissão ou oneração de imóveis haja sido estipulada negocialmente entre particulares, na verdade só se consumará para produzir efeitos o deslocamento da propriedade ou de direito real do transferente ao adquirente pela inscrição. A mutação jurídico-real nasce com a inscrição e, por meio desta, se exterioriza a terceiros.52 51 52 CENEVIVA, Walter. Lei dos Registros Públicos comentada. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 322. Em Brasil, rige el sistema de inscripción constitutiva. C esto, basado em el principio de inscripción, la const, transmissión y extinción de los derechos reales en los actos ter vivos, sólo puede hacerse por la inscripción en el Registro Inmobiliario. 37 Para Carvalho: O princípio da inscrição justifica-se facilmente pela necessidade de dar a conhecer à coletividade a existência dos direitos reais sobre imóveis, uma vez que ela tem de respeitá-los. Quando duas pessoas ajustam uma relação real imobiliária, esta transpõe o limite dual das partes e atinge a coletividade por exigir a observância geral. Daí o apelo a um meio que, ao mesmo tempo, a traduza e a torne conhecida do público53. A inscrição é sempre obrigatória, quer se trate da constitutiva (aquela que aufere direito real), quer da declarativa (aquela que divulga direitos auferidos antes dela); mas não é saneadora, conforme já vimos anteriormente. Pode ser promovida por qualquer dos interessados, já que a lei alude à “qualquer pessoa”. Algumas devem ter como fundamento título bilateral, isto é, em acordo de vontades que cria o jus ad rem (escritura), outras em título unilateral, oriundo de apenas uma das partes, daquela a quem a inscrição beneficia, prescindindo-se assim do consentimento da outra (cancelamento). O princípio a seguir descrito refere-se ao da Unitariedade da Matrícula. 3.8 PRINCÍPIO DA UNITARIEDADE DA MATRÍCULA O princípio da unitariedade da matrícula, consagrado no artigo 176, § 1º. I, da LRP, consiste resumidamente no seguinte: a todo imóvel deve corresponder uma única matrícula (ou seja, um imóvel não pode ser matriculado mais de uma vez) e a cada matrícula deve corresponder um único imóvel (isto é, não é possível que a matrícula descreva e se refira a mais de um imóvel). 53 CARVALHO, Afrânio de. Registro de Imóveis. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 137. 38 Também em decorrência desse princípio é que não se pode abrir matrícula de parte ideal do imóvel, sendo indispensável, para a alienação ou oneração dessa parte ideal, que a matrícula seja do imóvel todo e aberta em nome de todos os proprietários. Ceneviva relata que: A matrícula é o núcleo do registro imobiliário. Seu controle rigoroso e a exatidão das indicações que nela se contiverem acabarão dando ao assentamento da propriedade imobiliária brasileira uma feição cadastral. Cada imóvel (artigo 176,* 1º, I, da LRP) indica a individualidade rigorosa da unidade predial. Na sistemática da lei, cada é interpretado em sentido estrito, indicando prédio matriculado, estremando-o de dúvidas dos vizinhos. Tratando-se de imóveis autônomos, mesmo negociados em um só título, cada um terá matrícula individual54. Visto este princípio e os demais, passa-se ao cerne desta monografia ressaltando os princípios da Disponibilidade e Continuidade, uma vez que, o registrador na prática dos atos registrais deve ter total atenção aos mesmos, sob pena de ferir a credibilidade do instituto, bem como a segurança do serviço. O que será visto abaixo. 3.9 PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE De acordo com o objetivo principal deste trabalho, qual seja, analisar os princípios basilares do Sistema Registral Brasileiro, em especial, os princípios da Continuidade e da Disponibilidade, nestes itens presente e próximo serão apresentados estes dois princípios de forma a identificar que a sistemática consolidada do direito brasileiro, em especial, o serviço registrário imobiliário tem a finalidade de assegurar e legitimar o direito da propriedade e os atos dela decorrentes, a fim de que a sociedade tenha uma garantia nos negócios imobiliários. 54 CENEVIVA, Walter. Lei dos Registros Públicos Comentada. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 341. 39 Foi o Decreto nº 18.542/28 que introduziu no ordenamento nacional, através do artigo 206, o Princípio da Continuidade, nos seguintes termos: Se o imóvel não estiver lançado em nome do outorgante, o oficial exigirá a transcrição do título anterior, qualquer que seja a sua natureza, para manter a continuidade do registro.55 Observa-se que, através do Princípio da Disponibilidade, pode-se afirmar que ninguém pode transferir o que não possui. Já em relação ao Princípio da Continuidade, este traça diretrizes de que, em relação a cada imóvel individuado, deve existir uma cadeia de titularidade, sem a qual, não há como fazer a inscrição de um direito. O Princípio da Continuidade define que todos os atos praticados pelo registro de imóveis devem obedecer a uma seqüência lógica, encadeada, sem espaços vazios entre um ato e outro. Este princípio está intimamente ligado ao da especialidade e busca estabelecer uma correspondência entre toda a cadeia dominial de um determinado imóvel. Este princípio está previsto nos artigos 195 e 237 da Lei nº 6015/73 que dizem respectivamente: Art. 195. Se o imóvel não estiver matriculado ou registrado em nome do outorgante, o oficial exigirá a prévia matrícula e o registro do título anterior, qualquer que seja a sua natureza, para manter a continuidade do registro. Art. 237. Ainda que o imóvel esteja matriculado, não se fará registro que dependa da apresentação de título anterior, a fim de que se preserve a continuidade do registro.56 Pela leitura dos respectivos artigos, verifica-se que o centro da continuidade está na pessoa do titular do direito em questão. Esta continuidade não diz respeito somente à coincidência do nome e dos dados identificadores (RG, CPF). Estende-se, também, à qualificação do titular, com relação ao estado civil, que se alterado, deve ser justificado por certidão hábil, averbada qualquer mudança nesse aspecto. 55 DECRETO 18542/1928, artigo 206. 40 Afrânio de Carvalho elucida: A sua essência repousa na necessidade de fazer com que o registro reflita com a maior fidelidade possível a realidade jurídica. Ao exigir-se que todo aquele que dispõe de um direito esteja inscrito como seu titular no registro, impede-se que o não-titular dele disponha. A pré-inscrição do disponente do direito, da parte passivamente interessada, constitui, pois uma necessidade indeclinável em todas as mutações jurídico-reais.57 E, segundo Borges: No registro de imóveis este princípio significa que todo registro efetuado há de ter um correspondente que o precedeu, como deve corresponder àquele que o seguirá, criando uma cadeia dominial para conservar a individualidade do imóvel ad perpetuam rei memoriam.58 Para Passos: A correta e perfeita caracterização do imóvel também liga-se à continuidade registral, que somente poderá sofrer alterações se legalmente justificadas. Alterações de área, medidas e confrontações exigem processo próprio na esfera jurisdicional, se depender de produção de provas, ou administrativa, nos casos da Lei n° 10.931 de 2 de agosto de 2004, que alterou os artigos 212, 213 e 214 da Lei de Registros Públicos [...].59 O Princípio da Continuidade é sem dúvida, o baldrame do nosso sistema registral, aquele que garante a segurança dos registros imobiliários. A continuidade, pressupõe um encadeamento de atos transcritos ou registrados, bem como dos titulares destes direitos constante na tábua do registro, ou seja, aquele que não é titular do direito tabular jamais poderá comparecer num título alienando ou onerando este direito. 56 BRASIL. Lei 6015, de 31 de Dezembro de 1973. Dispõe sobre os Registros Públicos, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 31 de Dezembro de 1973. 57 CARVALHO, Afrânio de. Registro de Imóveis. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 254. 58 BORGES, Antônio Moura. Registro de Imóveis no Direito Brasileiro. 2. ed. Campo Grande: Contemplar, 2009, p. 637. 59 PASSOS, Tatiana. Registro de Imóveis para Profissionais do Direito: Guia prático para o cotidiano jurídicoimobiliário-registral. 2. ed. Campinas: Russell, 2008, p. 55. 41 De acordo com Carvalho: O princípio, que se apóia no da especialidade, quer dizer que, em relação a cada imóvel, adequadamente individuado, deve existir uma cadeia de titularidade à vista da qual se fará a inscrição de um direito se o outorgante dele aparecer no registro como seu titular. Assim, as sucessivas transmissões, que derivam umas das outras, asseguram sempre a preexistência do imóvel no patrimônio do transferente60. O artigo 236 da LRP afirma que “nenhum registro poderá ser feito sem que o imóvel a que se referir esteja matriculado”, devendo a matrícula mencionar obrigatoriamente ao número do registro anterior. O princípio da continuidade é, ao lado da especialidade, outro sustentáculo da segurança jurídica, na medida em que, em relação a cada imóvel individuado, deve existir um encadeamento de titularidades dos direitos reais. Este encadeamento contribui para a segurança jurídica, pois assegura, apenas ao titular do direito, a possibilidade de outorgá-lo. Na função qualificadora o oficial é que faz o controle da disponibilidade subjetiva e objetiva. Vê-se, portanto, como a LRP, reiteradamente, determina a observância desse princípio, que mais fácil se tornou com a instituição da matrícula do imóvel, na qual os registros são lançados cronologicamente, permitindo uma rápida visualização da situação jurídica do imóvel e a titularidade de seu proprietário. Disso fundamentalmente decorre a segurança dos registros imobiliários. O número de dispositivos legais que tratam de forma expressa do princípio ora em estudo demonstra sua importância. A responsabilidade pelo registro contínuo é do serventuário, que funcionará como fiel escudeiro da continuidade registrária. Tal princípio determina o encadeamento entre assentos pertinentes a um dado imóvel e às pessoas que neles figurem como partes interessadas. Ademais, traduz-se em primordial ferramenta para manutenção da segurança jurídica e da legalidade na transferência da propriedade imobiliária 42 no Brasil, obrigando à menção, no registro, das referências originárias, derivadas e sucessivas dos registros anteriores, de modo que a cadeia dominial reste completamente esclarecida para todos que consultem o repositório fiel da "vida" do imóvel, ou seja, sua matrícula. Existe uma regra básica para o exame inicial de um título apresentado a registro: o imóvel, ou direito a que ele se referir, tem de estar registrado em nome do disponente, ou seja, do outorgante (transmitente, devedor, cedente, etc.). Essa verificação é aparentemente simples, mas requer muita atenção. Não basta ser a mesma pessoa o outorgante e o titular do direito. É preciso verificar como se acha qualificado no registro existente e comparar essa qualificação com a declarada no título apresentado para ser registrado. Também com relação ao imóvel tal princípio encontra teto, uma vez que, ao se examinar o título apresentado e encontrar nele como objeto uma casa construída e, na matrícula constar somente um terreno, é preciso previamente averbar-se a construção desta. O mesmo procedimento deve ser adotado quando houver reforma do prédio, com ou sem aumento de área ou sua demolição. Contudo, voltando ao que diz respeito à titularidade do imóvel, observamos que mesmo os títulos de origem judicial devem observar ao princípio da continuidade. É inadmissível, por exemplo, o registro de uma adjudicação compulsória cuja ação tenha sido proposta contra quem não é titular do domínio do imóvel. Esse título tem que ser recusado, da mesma forma que não poderia ser registrada escritura de venda e compra outorgada pelo cedente (no caso, promissário comprador), que não é proprietário do imóvel. Segundo Passos: A Continuidade é de suma importância quanto às mudanças de competência territorial de uma serventia para outra, com transporte de matrículas imobiliárias e 60 CARVALHO, Afrânio de. Registro de Imóveis. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 253. 43 abertura de novas. Deve-se respeitar todos os atos registrados/averbados na serventia de origem, para que não seja ferida a continuidade dos registros.61 Devemos estar atentos às duas exceções a tal princípio: quanto a usucapião e na desapropriação, que são denominadas aquisições originárias. Nesses dois casos, farta é a doutrina e a jurisprudência no sentido de que não existe um transmitente que realiza a transferência do imóvel. Não há vinculo entre o anterior titular do domínio e o possuidor que adquire o imóvel. Pelo que foi tratado, percebe-se a estreita ligação deste princípio com o da especialidade objetiva e subjetiva, pois visam a proteger a cadeia registral. 3.10 PRINCÍPIO DA DISPONIBILIDADE O princípio da disponibilidade é o corolário do princípio da continuidade. Está alicerçado em um primeiro momento na máxima: “ninguém poderá transmitir o que não possui” – nem dat quod sine non habet – nemo plus jus transfere. Este princípio está intimamente ligado ao direito de propriedade, que é direito de usar, fruir e dispor de determinado bem (artigo 1.228 do Código Civil Brasileiro). E o direito de dispor, pode tanto significar a faculdade de transferir o imóvel para terceiro (alienações em geral: venda, doação permuta, etc.), ou de gravá-lo com algum ônus real (compromissando-o, oferecendo-o em garantia hipotecária, instituindo usufruto sobre ele em favor de terceiro, etc.)62. 61 PASSOS, Tatiana. Registro de Imóveis para profissionais do direito: guia prático para o cotidiano jurídicoimobiliário-registral. 2. ed.. Campinas: Russell, 2008, p. 52. 62 Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha. 44 A propriedade e os direitos a esta relativos só se transmitem com o registro do título e, para que este seja registrado, necessário será que os direitos constantes no mesmo estejam disponíveis em nome do transmitente. Assim, não poderá o transmitente vender mais área do que constar no registro e nem vender um imóvel gravado com cláusula de inalienabilidade. A primeira é a Disponibilidade Física que se refere à área do imóvel e a segunda é a Disponibilidade Jurídica que se refere com a titularidade do imóvel. No que diz respeito ao imóvel, sua aplicação na prática registral parece relativamente simples: se alguém é proprietário de um terreno com 500 m2 não pode transmitir uma área de 550 m2. Assim como, sendo proprietário de terreno, não pode vender uma casa sem que antes tenha averbado sua construção. Em decorrência deste princípio, é imperioso verificar-se se o imóvel está disponível. Convém ressaltar que, deverá ser observado se o imóvel está em condição de ser alienado ou onerado, tanto do ponto de vista físico, quanto sob o prisma jurídico. Sob o prisma jurídico, a disponibilidade ocorre se, por exemplo, alguém adquire um imóvel por doação, com a cláusula de inalienabilidade, não poderá dispor dele para venda a qualquer outra pessoa e, se o fizer, o título não poderá ser registrado. § 1o. O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas. § 2o São defesos os atos que não trazem ao proprietário qualquer comodidade, ou utilidade, e sejam animados pela intenção de prejudicar outrem. § 3o O proprietário pode ser privado da coisa, nos casos de desapropriação, por necessidade ou utilidade pública ou interesse social, bem como no de requisição, em caso de perigo público iminente. § 4o O proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel reivindicado consistir em extensa área, na posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos, de considerável número de pessoas, e estas nela houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante. § 5o No caso do parágrafo antecedente, o juiz fixará a justa indenização devida ao proprietário; pago o preço, valerá a sentença como título para o registro do imóvel em nome dos possuidores. 45 Hodiernamente, com a instituição da matrícula, a verificação da disponibilidade tornou-se mais fácil. O imóvel está nela descrito e caracterizado, eventuais modificações havidas terão sido averbadas. Basta cortejar a descrição feita no título com a descrição constante da matrícula. A idéia de disponibilidade esta também associada com a titularidade do direito real e, portanto, com o princípio da continuidade, pois, para que alguém disponha de um imóvel, é preciso que o mesmo esteja registrado em seu nome. É o caso anteriormente tratado com relação ao registro do formal de partilha na sucessão causa mortis, o qual não transmite o direito, mas torna-se fundamental para que o novo proprietário exerça-o em plenitude. O princípio da disponibilidade também está interligado com o princípio da legalidade, uma vez que, só é válido o registro de um título se o negócio jurídico formalizado for válido. É o caso de alienações por menores incapazes, onde imperiosa é a apresentação do alvará judicial, e também para os interditos. Gandolfo, conclui que: Para a perfeita aferição da disponibilidade de um imóvel, ele não pode estar indisponível. Seja por ter sido gravado com cláusula de indisponibilidade, testamentária ou em doação, que deve estar averbada na matrícula, ou na transcrição (artigo 167, II, 11, LRP), seja pela ocorrência de indisponibilidade nos caos previstos em lei (artigo 227, LRP)63. O princípio da disponibilidade é aplicado também nos parcelamentos e apurações de remanescente de imóveis. Com efeito, nessas hipóteses é preciso respeitar sempre a área total do imóvel primitivo, a fim de que a transcrição ou matrícula possa ser esgotada e assim encerrada, afastando-se eventuais sobreposições. Este princípio está previsto na LRP, nos artigos 172, 196, 225, 227, 228, 236 e 237 da LRP, que dizem: 63 GANDOLFO, Maria Helena Leonel. Matrícula – Uma abordagem prática. Cadernos do IRIB – Prática Registral, extraído do 18º Encontro Regional dos Oficiais de Registro de Imóveis de Natal, p. 32, jun. 2002. 46 Art. 172. No Registro de Imóveis serão feitos, nos termos desta Lei, o registro e a averbação dos títulos ou atos constitutivos, declaratórios, translativos e extintivos de direitos reais sobre imóveis reconhecidos em lei, inter vivos ou mortis causa, quer para sua constituição, transferência e extinção, quer para sua validade em relação a terceiros, quer para a sua disponibilidade. (Alterado pela L-006.216-1974). Art. 196. A matrícula será feita à vista dos elementos constantes do título apresentado e do registro anterior que constar do próprio cartório. (Alterado pela L006.216-1974). Art. 225. Os tabeliães, escrivães e juízes farão com que, nas escrituras e nos autos judiciais, as partes indiquem, com precisão, os característicos, as confrontações e as localizações dos imóveis, mencionando os nomes dos confrontantes e, ainda, quando se tratar só de terreno, se esse fica do lado par ou do lado ímpar do logradouro, em que quadra e a que distância métrica da edificação ou da esquina mais próxima, exigindo dos interessados certidão do Registro Imobiliário. (Alterado pela L006.216-1974). Art. 227. Todo imóvel objeto de título a ser registrado deve estar matriculado no livro n. 2 - Registro Geral - obedecido o disposto no Art. 176. (Alterado pela L006.216-1974). Art. 228. A matrícula será efetuada por ocasião do primeiro registro a ser lançado na vigência da presente Lei, mediante os elementos constantes do título apresentado e do registro anterior nele mencionado. (Alterado pela L-006.216-1974). Art. 236. Nenhum registro poderá ser feito sem que o imóvel a que se referir esteja matriculado. (Alterado pela L-006.216-1974). Art. 237. Ainda que o imóvel esteja matriculado, não se fará registro que dependa da apresentação de título anterior, a fim de que se preserve a continuidade do registro. (Alterado pela L-006.216-1974). Pontes, ao referir-se ao Princípio da Disponibilidade nos ensina que existem quatro situações que merecem relevância, no que diz respeito à divisão ou partilha: 1°) nos casos em que, na divisão ou partilha, um ou mais herdeiros ou condôminos sejam aquinhoados em excesso, ou a mais do que lhes caiba na distribuição eqüitativa dos bens, mediante reposição ou compensação ou mesmo a título gratuito, tal excesso deverá ser havido como oneroso ou gratuitamente alienado, perdendo o ato, em relação a esses pontos, o seu caráter declaratório para assumir a feição de ato atributivo de propriedade; em tais hipóteses, o registro não será o previsto para efeito de mera disponibilidade, mas para operar a transferência do domínio; 2°) mesmo quando ainda indivisa a propriedade – desde que não se trate de sucessão de morte – pode qualquer condômino, independentemente de divisão, ou do registro desta, alienar ou onerar a sua parte ideal no imóvel (Código Civil, art. 623, III), salvo, na hipótese de imóvel indivisível, o direito de preferência dos demais condôminos (Código Civil, art. 1.139); com esse direito de preferência, porém, nada tem a ver o oficial do registro, que não poderá recusar o registro, no caso a que aqui nos referimos, sob o pretexto de falta de consentimento dos demais condôminos. 3°) Independentemente de divisão, ou do registro desta – a não ser no caso de sucessão hereditária – pode o condômino alienar ou gravar individualmente a sua parte do imóvel, ou uma porção dela, se os demais condôminos, no próprio ato, ou em instrumento à parte (Código Civil, art. 132), consentirem nessa individuação; o ato assim praticado, equivalerá a uma divisão parcial, seja para excluir do condomínio o condômino que onerou ou alienou a sua parte, seja para reduzir a sua participação no condomínio; 4°) Em se tratando de sucessão por morte, admissível não é a oneração dos direitos do sucessor, ainda que este seja tido como condômino do acervo hereditário, dada a 47 impossibilidade da individuação dos quinhões antes da partilha, a herança, embora seja um condomínio, tem a natureza peculiar de universalidade de direitos e obrigações, insuscetível de divisão, ainda que puramente ideal, entre os herdeiros e demais interessados nela, só pela partilha podendo individuar-se a participação de cada um; pode o sucessor, porém, fazer cessão gratuita ou onerosa dos seus direitos, mas esse ato de alienação de direitos hereditários não é suscetível de isncrição ou transcrição.64 Por fim, pode-se afirmar que este princípio deve ser analisado sob três aspectos: (1) objetivo; (2) subjetivo e (3) jurídico.65 O aspecto objetivo diz respeito ao fato de que ninguém pode alienar mais do que tem, sendo necessária a comparação da área disponível com a alienada, não podendo esta última ultrapassar a primeira. Sob o enfoque subjetivo, o Princípio da Disponibilidade está intimamente ligado ao Princípio da Continuidade, uma vez que, o imóvel deverá estar matriculado em nome do disponente, caso contrário, se estará alienando o que não se tem. E, por fim, sob o prisma jurídico diz respeito à juridicidade do imóvel matriculado, posto que, se este estiver indisponível, não poderá ser onerado ou alienado. André afirma que: O Oficial do Registro de Imóveis não é mero registrador de títulos. Incumbe-lhe o exame dos títulos à luz dos princípios norteadores do sistema registrário, inclusive no que respeita à disponibilidade da área. Mesmo os títulos judiciais estão sujeitos a esse exame e podem ser objeto de procedimento de dúvida.66 Vê-se assim que o papel do Oficial de Registro de Imóveis é de suma importância para que os registros referentes aos imóveis se dêem de forma eficiente e eficaz, sendo este profissional o responsável pelos apontamentos, em especial, pelas análises dos títulos que lhe 64 PONTES, Valmir. Registro de Imóveis. São Paulo: Saraiva, 1982, p. 30-31. PASSOS, Tatiana. Registro de Imóveis para Profissionais do Direito: guia prático para o cotidiano jurídicoimobiliário-registral. 2. ed. Campinas: Russell, 2008. 66 ANDRÉ, Affonso de. Registro de Imóveis. São Paulo: Saraiva, 1984, p. 76. 65 48 são apresentados, e esta análise deve estar sempre embasada nos princípios norteadores do sistema de registro de imóveis. 3.11 O OFICIAL REGISTRADOR E OS PRINCÍPIOS DA DISPONIBILIDADE E DA CONTINUIDADE A idéia de disponibilidade está associada com a titularidade do direito real e, portanto, com o princípio da continuidade, pois, para que alguém disponha de um imóvel, é preciso que o mesmo esteja registrado em seu nome. E, com relação ao Princípio da Continuidade, este se refere basicamente ao fato de que se um imóvel não estiver matriculado ou registrado em nome do outorgante, o oficial exigirá a prévia matrícula e o registro do título anterior, qualquer que seja a sua natureza, para assim manter a continuidade do registro. Por meio das averbações, toda e qualquer ocorrência que, venham a alterar o registro de um imóvel, faz-se necessário que estas sejam registradas, para que assim se possa garantir o direito real sobre o qual este irá recair. A partir do exposto, convém salientar que a atividade do oficial registrador provém da estabilidade das relações inerentes aos imóveis67. Segundo Bevilácqua: “O registro de imóveis é o instrumento da publicidade das mutações da propriedade e da instituição do ônus reais sobre imóveis”68. Com relação às atividades inerentes a estes dois princípios, objetos de análise deste trabalho, percebemos que o exercício da atividade do oficial registrador inspira 67 Para tanto, o serviço público pode ser prestado de diversas formas, ora como entre privado, como ente público e, também, por particulares, por meio de concessão, autorização, permissão ou delegação do Poder Público. 68 BEVILACQUA, Clóvis. Teoria geral do direito civil. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1951, p. 183. 49 confiabilidade, pois além de estar investido de representação Estatal, deve manter postura ímpar e é esta que leva a todo e qualquer cidadão a acreditar que o serventuário não irá exercer sua atividade erroneamente. O oficial investe-se em função social e deve efetivá-la de forma clara, ímpar e transparente. Contudo, sua obrigação não se extingue na investidura, mas se estende para a sua finalidade, qual seja: a garantia dos atos negociais, em especial, a garantia do direito de propriedade. Nessa garantia, encontra-se o fim social que se destina a atividade do oficial registrador: a busca da paz, harmonia e integração social. Nota-se que a atuação do notário visa garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos preventivamente, desobstruindo o Judiciário do acúmulo de processos instaurados no intuito de restabelecer a Ordem Jurídica do país, e atuando como instrumento de pacificação social. Para um melhor entendimento da função notarial deve-se discorrer sobre seus caracteres, abarcando seu caráter jurídico, cautelar, imparcial, público, técnico e rogatório. A atividade notarial apresenta seu caráter jurídico quando o Tabelião orienta as partes e concretiza a sua vontade na formulação do instrumento jurídico adequado à situação jurídica apresentada. Através da orientação prévia, nota-se o caráter cautelar da atividade. Por sua vez, a Lei de Registros Públicos modificou a sistemática do registro imobiliário, estabelecendo um registro próprio para cada imóvel, instituindo a matrícula, diferindo dos regulamentos anteriores que previam registro próprio para cada título, independentemente do número de imóveis, a malfadada transcrição. O registro era efetuado pela transcrição do título, em ordem cronológica, podendo conter mais de um imóvel ou partes ideais. Com a adoção do fólio real, inegavelmente houve considerável progresso na organização cadastral. 50 Dessa forma, nosso ordenamento jurídico aproximou-se do germânico, cuja eficiência decorre de sua feição cadastral, plausível na realidade sócio-econômica alemã desde meados do século XIX. A feição cadastral citada pode ser explicada pelo fato de o registro alemão ter incorporado, desde seu início, as informações do cadastro físico. Com a adoção dessa sistemática registral no Brasil, sua eficácia plena fica condicionada a obediência cega aos princípios registrais mencionados, que se interrelacionam entre si de maneira a conferir a LRP uma unicidade organizacional que garanta a segurança jurídica almejada para a relações obrigacionais relativas a direitos reais. 51 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS A abordagem ao aspecto histórico do Registro de Imóveis no Brasil, confirma ser ele o produto da evolução histórica da sociedade brasileira, e conseqüência das suas normas civis. Para consagrar-se como estrutura da segurança das relações jurídicas, o registro imobiliário enquanto instrumento jurídico preventivo, encontra-se ajustado em formas e procedimentos. Assim sendo, toda a sua estruturação encontra-se atrelada a um sistema, e assim, à obediência de determinados princípios gerais, aptos a conduzir-lhe ao contínuo aperfeiçoamento que as transformações sócio-econômicas passam a agir na sua área. A Lei dos Registros Públicos alterou o sistema do registro imobiliário, estabelecendo um registro próprio para cada imóvel, instituindo a matrícula, diferindo dos regulamentos anteriores que previam registro próprio para cada título, independente do número de imóveis. Trata-se aqui da transcrição. O registro era efetuado pela transcrição do título em ordem cronológica, podendo conter mais de um imóvel ou partes ideais. Assim sendo, com a adoção dessa sistemática registral no Brasil, sua eficácia plena fica condicionada a obediência cega aos princípios registrais mencionados, que se interrelacionam entre si de maneira a conferir a LRP uma unicidade organizacional que garanta a segurança jurídica aspirada para as relações obrigacionais relativas aos direitos reais. Em especial, este trabalho buscou ressaltar os princípios da Continuidade e da Disponibilidade em virtude destes estarem intimamente ligados às atividades dos notários e registradores. Percebemos que o Princípio da Continuidade é a viga mestra do sistema registral brasileiro, uma vez que garante a segurança dos registros imobiliários. Vimos, também, que a LRP reiteradamente determina a observância desse princípio, tendo esta atividade sido 52 facilitada com a criação da matrícula do imóvel, na qual os registros são lançados cronologicamente, permitindo uma visualização rápida da situação jurídica do imóvel. Ao exigir que cada inscrição encontre sua origem em outra anterior, que venha a garantir a legitimidade da transmissão ou da oneração do direito, acaba por transformá-la no elo de uma corrente contínua de assentos, cada um dos quais se liga ao seu antecedente, como o seu subseqüente se ligará a ele, posteriormente. E, com relação ao Princípio da Disponibilidade, podemos concluir que este está intimamente ligado ao direito de propriedade, que é o direito de usufruir e dispor de determinado bem. Este princípio, em síntese, é a aplicação do axioma “ninguém pode transferir mais direitos do que possui”. Esse princípio deve ser observado em relação aos dois elementos estruturais do registro, são estes: os contratantes e o objeto que se está colocando à disposição. Por sua vez, este princípio está ligado, também, ao princípio da legalidade, pois passa a ter validade o registro de um título se o negócio jurídico por ele formalizado for válido. No Brasil, assim como na maioria dos países que adotam sistemas jurídicos de origem romanística, os princípios são considerados como fonte subsidiária do direito. Assim sendo, revelada a importância de um princípio no sistema jurídico, pois estes não são meros acessórios interpretativos, mas sim elementos fundamentais que servem de base para a inspiração, elaboração, interpretação e aplicação do direito e, estejam implícita ou explicitamente no direito, acabam por serem aplicados a todos os casos concretos existentes. Entende-se que os princípios registrais são uma forma de “fechar’ o sistema registral, fazendo com que cada vez mais as informações constantes nas matrículas do Registro de Imóveis correspondam à realidade, o que trará um enorme benefício social. Acreditamos que o hodierno estudo possa vir a contribuir com os leitores desta monografia, uma vez que, permite a estes obterem uma visão panorâmica acerca do Registro de Imóveis no Brasil. REFERÊNCIAS ANDRÉ, Affonso de. Registro de Imóveis. São Paulo: Saraiva, 1984. BALBINO FILHO, Nicolau. Registro de Imóveis. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. _______. Direito imobiliário registral. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. _______. Registro de Imóveis: doutrina, prática, jurisprudência. 8. ed. São Paulo: Atlas, 1996. _______. Registro de Imóveis: doutrina – prática e jurisprudência. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 2000. BORGES, Antônio Moura. Registro de Imóveis no direito brasileiro. 2. ed. Campo Grande: Contemplar, 2009. BOUZON, Emanuel. O direito à propriedade fundiária na antiga Babilônia até o Império de Hammurabi. Revista de Direito Imobiliário, São Paulo, n. 51, p. 185, 2001. BRASIL. Lei 6015, de 31 de Dezembro de 1973. Dispõe sobre os Registros Públicos, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 31 de Dezembro de 1973. CARVALHO, Afrânio de. Registro de Imóveis. Rio de Janeiro: Forense, 1976. _______. Registro de Imóveis. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1977. _______. Registro de Imóveis. Rio de Janeiro: Forense, 1997. _________. Registro de Imóveis. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998. _______. Registro de Imóveis. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. _______. Registro de Imóveis. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. CENEVIVA, Walter. Lei dos Registros Públicos comentada. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. _______. Lei dos Registros Públicos comentada. São Paulo: Saraiva, 2002. _______. Lei dos Registros Públicos comentada. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. _______. Lei dos Registros Públicos comentada. 16. ed. atual. até 30 de junho de 2005. São Paulo: Saraiva, 2005. CHICO Y ORTIZ, José Maria. Estudios sobre derecho hipotecario. 4. ed. Tomo I. Madrid: Marcial Pons, 1994. CÓDIGO CIVIL COMPARADO. São Paulo: Saraiva, 2002. 54 COSTA PORTO, B. Estudo sobre o sistema sesmarial. Recife: Imprensa Universitária, 1965. CRETELLA JÚNIOR, José. Direito romano moderno. Rio de Janeiro: Forense, 1970. CUNHA JÚNIOR, Dirley. Terras devolutas nas constituições republicanas. <http://www.jfse.jus.br/obras%20mag/artigoterrasdevdirley.html>. Acesso em: 15 nov. 2009. DAMÁSIO, Adriano. Limite das medidas provisórias. In: MOTA DE SOUZA, Carlos Aurélio (Coord.). Medidas provisórias e segurança jurídica. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002. DINIZ, Maria Helena. Sistemas de Registros de Imóveis. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. DIP, Ricardo. Registro de Imóveis (vários estudos). Porto Alegre: IRIB/Sérgio Antonio Fabris, 2005. FIORANELLI, Ademar. Direito registral imobiliário. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris; Instituto de Registro Imobiliário do Brasil, 2001. GANDOLFO, Maria Helena Leonel. Reflexões sobre a matrícula 17 anos depois. Revista de Direito Imobiliário do IRIB, n. 33, p. 105, 1994. ______. Matrícula – Uma abordagem prática. Cadernos do IRIB – Prática Registral, extraído do 18º Encontro Regional dos Oficiais de Registro de Imóveis de Natal, p. 32, jun. 2002. GARCIA, Lysippo. A inscrição. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1927, p. 93. JACOMINO, Sérgio. Registro de Imóveis. <http;//www.quinto.com.br/paginas/ri.htm>. Acesso em: 12 nov. 2009. Disponível em: MARTINS, J. S. Expropriação e Violência (A questão política no campo). São Paulo: Hucitec, 1980. MELLO, Henrique Ferraz Corrêa de. A tipicidade dos direitos reais. Revista de Direito Imobiliário, São Paulo, n. 52, p. 75, jan.-jun. 2002. MELO FILHO, Álvaro. Princípios do direito registral imobiliário. Revista do Direito Imobiliário, n. 17/18, p. 26, jan.-dez. 1986. MELO JR., Regnoberto Marques de. Lei de Registros Públicos comentada. Rio de Janeiro: Freitas de Bastos, 2003. MELO, Marcelo Augusto Santana de. Breves anotações sobre o Registro de Imóveis. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 429, 9 set. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5669>. Acesso em: 25 jan. 2010. PASSOS, Tatiana. Registro de Imóveis para Profissionais do Direito: guia prático para o cotidiano jurídico-imobiliário-registral. 2. ed. Campinas: Russell, 2008. PONTES, Valmir. Registro de Imóveis. São Paulo: Saraiva, 1982. SERPA LOPES, Miguel Maria. Tratado dos registros públicos. 3. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1955. 55 SILVA FILHO, Elvino. A competência do oficial do registro de imóveis no exame dos títulos judiciais. Revista de Direito Imobiliário, n. 8, p. 45-82, jul.-dez. 1981. SILVEIRA, Mario Antonio. Registro de Imóveis: função social e responsabilidades. São Paulo: RCS Editora, 2007. TUTIKIAN, Cláudia Fonseca; TIMM, Luciano Benetti; PAIVA, João Pedro Lamana (Coords.). Novo direito imobiliário e Registral. São Paulo: Quartier Latin, 2008. VADE MECUM. Obra Coletiva de Autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Antônio Luiz de Toledo Pinto, Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia Céspedes. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.