o registro de imóveis e os princípios da disponibilidade e da

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o registro de imóveis e os princípios da disponibilidade e da
ESCOLA SUPERIOR DE ADMINISTRAÇÃO DIREITO E ECONOMIA
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO IMOBILIÁRIO
NOTARIAL E REGISTRAL
ELIANE TERESINHA DE OLIVEIRA MACHADO
O REGISTRO DE IMÓVEIS E OS PRINCÍPIOS DA DISPONIBILIDADE
E DA CONTINUIDADE
Porto Alegre
2010
2
ELIANE TERESINHA DE OLIVEIRA MACHADO
O REGISTRO DE IMÓVEIS E OS PRINCÍPIOS DA DISPONIBILIDADE
E DA CONTINUIDADE
Monografia apresentada à Escola Superior de
Administração Direito e Economia, Curso de
Pós-Graduação em Direito Imobiliário
Notarial e Registral, como requisito parcial
para obtenção do título de Especialista em
Direito Imobiliário Notarial e Registral.
Orientadora: Ms. Cláudia Fonseca Tutikian
Porto Alegre
2010
ELIANE TERESINHA DE OLIVEIRA MACHADO
O REGISTRO DE IMÓVEIS E OS PRINCÍPIOS DA DISPONIBILIDADE
E DA CONTINUIDADE
Monografia apresentada à Escola Superior de
Administração Direito e Economia, Curso de
Pós-Graduação em Direito Imobiliário
Notarial e Registral, como requisito parcial
para obtenção do título de Especialista em
Direito Imobiliário Notarial e Registral.
Aprovada pela Banca Examinadora em ______ de agosto de 2010.
___________________________________________________
Orientadora: Profª. Ms. Cláudia Fonseca Tutikian – ESADE-RS
___________________________________________________
Prof. Examinador:
___________________________________________________
Prof. Examinador:
RESUMO
Este trabalho procurou fazer uma abordagem a respeito do Sistema Registral
Brasileiro e seus desmembramentos, em virtude da autora comungar com a idéia de
renomados autores em nosso País, que o serviço registrário imobiliário é o exercício de uma
atividade delegada estatal, cuja finalidade é assegurar e legitimar o direito da propriedade e os
atos dela decorrentes, a fim de que a sociedade tenha uma garantia nos negócios imobiliários.
Apresenta-se a evolução histórica do Registro de Imóveis no Brasil, onde se percebe
claramente as várias transformações e evolução no registro de imóveis, originando um sistema
dirigido à própria eficácia constitutiva de direitos reais, em especial, sobre os imóveis, o
direito a propriedade destes só são adquiridos mediante registro. Discorre-se sobre a sua
função na sociedade, juntamente com a apresentação da sua natureza jurídica. Verifica-se que
as atividades inerentes ao Registro de Imóveis estão atreladas a princípios que norteiam as
funções e estes alicerçados em normas jurídicas. Estes, em sua maioria, acham-se expressos
em inúmeros artigos da Lei dos Registros Públicos – LRP.
Palavras-chave: Registro de Imóveis, Princípios do Direito Registral Imobiliário Brasileiro. Serviços
Notariais e Registrais. Função dos Registros de Imóveis. Lei dos Registros Públicos - LRP.
ABSTRACT
The main objective of this study was to present the Brazilian Registral System and
other aspects related to the topic, due to the fact that the author shares similar ideas with many
famous authors in the Country, that is, the property registral service is the state activity,
whose aim is to ensure and legitimate the right of property and the consequent acts that are
originated from it, in order to make sure that the society will have property business
guarantees. Thus, we presented the historical development of the Property Register in Brazil,
where we clearly verify many changes and the evolution of the property register, shaping a
system, focusing to the efficiency of the constitutive real rights, particularly the ones related
to property, whose property rights are acquired by registration. We also present its function in
the society, along with its juridical nature. We observed that the proper activities of the
Property Register are linked to the principles that guide the functions and their basis are on
the juridical norms. They, in the great majority, are expressed in many articles of the Law of
Public Registers – LRP.
Key-words: Property register. Brazilian Registration Property Right Principles. Notarial and
registrar services. Function of the Property Registers. Law of Public Registers – LRP.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................7
2 O REGISTRO DE IMÓVEIS.............................................................................................10
2.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA................................................................................................10
2.2 CONCEITUAÇÃO.............................................................................................................18
2.3 A FUNÇÃO DO REGISTRO DE IMÓVEIS ....................................................................20
2.4 NATUREZA JURÍDICA ...................................................................................................21
3 PRINCÍPIOS BASILARES DO REGISTRO DE IMÓVEIS .........................................24
3.1 PRINCÍPIO DA LEGALIDADE .......................................................................................26
3.2 PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE ......................................................................................29
3.3 PRINCÍPIO DA PRIORIDADE.........................................................................................30
3.4 PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE..................................................................................31
3.5 PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO E DA FÉ PÚBLICA .......................................................33
3.6 PRINCÍPIO DA INSTÂNCIA ...........................................................................................35
3.7 PRINCÍPIO DA INSCRIÇÃO ...........................................................................................36
3.8 PRINCÍPIO DA UNITARIEDADE DA MATRÍCULA ...................................................37
3.9 PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE ..................................................................................38
3.10 PRINCÍPIO DA DISPONIBILIDADE ............................................................................43
3.11 O OFICIAL REGISTRADOR E OS PRINCÍPIOS DA DISPONIBILIDADE E DA
CONTINUIDADE ...........................................................................................................48
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................................51
REFERÊNCIAS .....................................................................................................................53
7
1 INTRODUÇÃO
O Registro de Imóveis é o serviço público competente para inscrever os direitos
relativos às propriedades imobiliárias nele matriculadas.
De acordo com o Código Civil, imóvel pode ser caracterizado como sendo o solo
juntamente com as suas acessões. Diante deste conceito pode-se afirmar que qualquer espaço
de terra pode ser considerado um imóvel, mas, não uma propriedade imobiliária. Esta passa a
existir a partir do instante em que um indivíduo qualificado tem a titularidade desse bem e o
registra no órgão público competente. Desse modo, a propriedade imobiliária só existirá e terá
proteção jurídica se estiver matriculada no Registro de Imóveis de forma regular.
E com relação ao imóvel rural, Módulo Rural, de acordo com a legislação agrária
brasileira, é a unidade de medida que serve para definir a quantidade mínima de terra admitida
no imóvel rural, capaz de propiciar a uma família de porte médio condições de vida e de
progresso social e econômico, não caindo no vício do minifúndio.
A propriedade imobiliária teve seu início com o Descobrimento passando todas as
terras ao domínio público – o descobridor - Portugal, adquiriu sobre o território a titularidade
originária da posse. Já a propriedade privada surgiu com a doação de posse das terras,
posteriormente, as capitanias hereditárias e enfim, o estímulo à ocupação da terra descoberta,
se dava por intermédio das sesmarias, que eram áreas de dez léguas doadas aos “capitães”, daí
a origem das capitanias, cuja propriedade das terras eram doadas, todavia, de forma
condicionada. E com a promulgação da Lei das Terras, possibilitou-se a compra das terras.
Assim sendo, o Direito à propriedade, a partir da Constituição de 1824, em seu art.
179, XXII, era assegurado, porém, sem abordar o sistema de seu registro.
8
Em 1843, surge a primeira lei no Brasil referente ao registro de imóveis por
intermédio da lei orçamentária 317, que criou o registro de hipotecas.
Após, em 1864, Nabuco de Araújo, Ministro da Justiça na época apresentou um
projeto de lei hipotecária que originou a Lei 1.237/64. Esta basicamente tratava do registro
geral levando em conta a transcrição como uma forma de transferir a propriedade e a
exigência de escriturar todos os direitos reais imobiliários. Esta lei foi regulamentada pelos
decretos n°3.453 e 3.465, de 1865, nomeando os profissionais responsáveis pelos registros de
“oficiais do registro geral”.
Em 1916, com o advento do Código Civil, o registro geral foi substituído pelo registro
de imóveis, que apresentou alterações em sua redação, e dentre estas, tem-se a prova da
propriedade juris tantum, isto é, passa-se a admitir prova em contrário. Tal matéria é tratada
no art. 856 e posteriores.
Com a criação do Decreto 18.542, de 1928, introduziu-se no sistema de registro de
imóveis o princípio da continuidade que passou a exigir para qualquer transcrição ou
inscrição, o registro do título anterior.
Em 1939, alterou-se este decreto por meio do regulamento 4.857, no qual foram
corrigidos os termos inscrição e transcrição separando-os, onde inscrição tratava da
constituição de ônus reais e a transcrição passou a referir-se aos atos de transmissão da
propriedade.
A Lei 6.015, de 1973, apresenta em seu conteúdo todos os princípios norteadores do
registro imobiliário. Sua maior contribuição foi a reformulação do cadastro predial brasileiro,
em especial, o que se refere aos livros, centralizando em um livro único denominando de
matrícula, que significa a individualidade de cada imóvel.
Em 2002, o Novo Código Civil passa, também, a dar mais importância aos registros
públicos. Neste, passou-se a assegurar que os direitos reais sobre os imóveis constituídos ou
9
transmitidos por atos entre vivos são alcançados com o registro no cartório de registro de
imóveis (art. 1.245 e 1.247).
Nessa perspectiva, a presente monografia tem a pretensão de, de forma sucinta (sem
querer esgotar o assunto), apresentar conceitos baseados em renomados autores. Como foco
central, tem-se o desenvolvimento dos princípios basilares do Registro de Imóveis Brasileiro,
com ênfase nos princípios da Continuidade e da Disponibilidade. Tal escolha se deve ao fato
de tais princípios estarem intimamente ligados às atividades desenvolvidas pelos notários e
registradores que, diante do caráter público da função, estes ficam atrelados à obediência aos
princípios basilares da administração pública, sob pena de ferir a credibilidade dos registros,
bem como a segurança do serviço.
Assim sendo, este trabalho está estruturado da seguinte forma: 1 Introdução; 2 O
Registro de Imóveis - apresenta a evolução histórica acerca do Sistema Registral Imobiliário
Brasileiro, segue com a apresentação de conceitos baseados em renomados autores.
Posteriormente, temos a descrição da função do Registro de Imóveis e, por fim, discorre-se
acerca da sua natureza jurídica; 3 Princípios Basilares do Registro de Imóveis, buscou-se
apresentar os princípios norteadores da atividade de registros imobiliários. Estes princípios
são diversos, muitos deles aplicáveis a todos os ramos do direito, outros em especial ao
Registro de Imóveis.
E, por fim, com as considerações finais acerca dos temas apresentados.
10
2 O REGISTRO DE IMÓVEIS
2.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA
Para que se possa melhor compreender a sua sistemática atual é imprescindível que se
faça uma análise histórica desde as suas origens babilônicas e romanas. Pois, somente
conhecendo suas raízes e sua evolução ao longo dos séculos é que se conseguirá traçar um
entendimento sobre o sistema registral imobiliário e da importância deste em uma sociedade,
independente do sistema de governo adotado.
As questões da terra, a extensão de seus limites como formas de delimitação de área,
bem como a definição dos direitos a esta inerentes são originárias da Babilônia e do Império
Romano; o que não poderia ser diferente, pois, o direito romano é um instituto de grande
relevância e que muito contribuiu ao que hoje temos em nosso ordenamento jurídico.
Na Babilônia já existiam arquivos públicos, inclusive o estudo dessa civilização
conhece exemplares desses antigos registros coletivos de compra e venda de terra do aludido
período.
Bouzon elucidou em uma de suas obras, que na Babilônia já existiam arquivos
públicos e a “assiriologia conhece hoje, cerca de quarenta e três exemplares desses antigos
registros coletivos de compra e venda de terra do período protodinástico”1.
O Código de Hammurabi convencionava a proteção à propriedade, relacionando-a aos deuses, a
qual era limitada e inserida nos templos como forma de proteção divina. Diante disso percebe-se que, a
propriedade desde os primórdios da civilização sempre esteve relacionada à religião.
11
O instituto da possessio era utilizado durante o império romano, a fim de demonstrar
que o possuidor mantinha sob o seu poder os elementos da coisa: animus e corpus; destarte,
enquanto presentes tais requisitos perdurava também a posse, cuja perda ocorreria em razão
do abandono, perda ou traditio. A proprietas ou dominium2 era o direito fundamentado em
usar, fruir e abusar da coisa.
Em que pese o direito romano não contemplar a existência do registro imobiliário,
como forma de garantia da propriedade, este serviu de sustentáculo ao instituto da posse e da
propriedade da terra de um modo geral. Pois, foi nos moldes da civilização romana que
começou a se desenvolver o domínio das glebas durante a Idade Média. Nesse período, cabe
aclarar que, tanto a posse quanto a propriedade, concentrava-se sob o domínio do senhor
feudal.
A princípio, o Registro de Imóveis teve seu início a partir do descobrimento do Brasil,
com a aquisição, pelo Rei de Portugal, de um título originário de posse, onde o território
passou a ser dividido em capitanias hereditárias governadas por donatários, que cediam parte
de seus direitos de posse aos moradores das capitanias por meio das cartas de sesmaria3. As
sesmarias eram concedidas em primeiro lugar pelos donatários das capitanias hereditárias,
depois pelo governo geral, e por fim pela Coroa de Portugal.
Assim sendo, podemos concluir que não havia propriedade nos moldes em que hoje
temos, as relações econômicas naquela época eram regidas em torno da posse. Sem este
regime (sesmarias) convém salientar que sob o seu comando, os posseiros eram desalojados
de suas terras por quem as recebesse de sesmaria, sem qualquer indenização. Este fato foi
levado ao conhecimento de Dom Pedro que acabou por culminar na suspensão das concessões
1
BOUZON, Emanuel. O direito à propriedade fundiária na antiga Babilônia até o Império de Hammurabi. Revista de
Direito Imobiliário, São Paulo, n. 51, p. 185, 2001.
2
CRETELLA JÚNIOR, José. Direito romano moderno. Rio de Janeiro: Forense, 1970, p. 110.
3
Trechos de terras incultas que os donatários podiam dar aos moradores da capitania, gratuitamente, para que as
cultivassem. (COSTA PORTO, B. Estudo sobre o sistema sesmarial. Recife: Imprensa Universitária, 1965).
12
de sesmarias, por meio da Resolução n° 17, de 17 de julho de 1822, até a convocação da
Assembléia Geral Constituinte.
Segundo Cunha Júnior, deste ponto em diante, a propriedade passou a ser adquirida ao
léu, por meio de ocupações, sem qualquer regra. Somente em 1850 o Poder Público passou a
controlar o sistema, e promulgou a Lei n° 601, de 18 de setembro, considerado por este autor
como sendo “um marco em nossa legislação agrária”4.
Segundo Carvalho:
Quando o Brasil foi descoberto, o rei de Portugal, como descobridor, adquiriu sobre
o território o título originário da posse. Investido desse senhorio, o descobridor, por
meio de doações feitas em cartas de sesmarias, primeiro pelos donatários das
capitanias, depois pelos governantes e capitães-generais, começou a destacar do
domínio público os tratos de terras que viriam a constituir o domínio privado5.
Percebe-se então que, a origem da propriedade privada no Brasil remonta à época do
descobrimento. Embora fosse desconhecida à propriedade nos moldes que hoje conhecemos,
já que, todas as relações econômicas giravam em torno da posse.
Como a coroa portuguesa, na época, não dispunha de recursos suficientes, optou por
delegar algumas tarefas de exploração a determinados particulares (capitães), doando-lhes
terras (sesmarias) delimitadas, cuja administração territorial recebeu a nominação de
“capitania”, sistema este que vigorou até a independência do Brasil (1822).
A Constituição Imperial (1824) já assegurava o direito à propriedade, porém, não
trazia nenhuma disposição sobre o registro da mesma. O sistema de registro ocorreu a partir
da Lei Orçamentária n° 317 (1843), posteriormente regulamentada pelo Decreto n° 482/1.846
que criou o registro geral de hipotecas, objetivando tornar a terra a base para o crédito6.
4
CUNHA JÚNIOR, Dirley. Terras devolutas nas constituições republicanas. Disponível em:
<http://www.jfse.jus.br/obras%20mag/artigoterrasdevdirley.html>. Acesso em: 15 nov. 2009.
5
CARVALHO, Afrânio. Registro de Imóveis. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1977, p. 12.
6
A legalização das aquisições de terras pela posse ocorreu somente no Segundo Império, com a promulgação da Lei
n° 601 de 1850, também regulamentada pelo Decreto n° 1.318 de 1854. A Lei n° 601/1.850, dispôs sobre as terras
devolutas no Império e sobre as possuídas por título de sesmaria sem que fossem preenchidos os requisitos legais, o
13
Em 1843 foi criada a Lei Orçamentária n° 317, regulamentada pelo Decreto n° 482, de
14 de novembro de 1846, específico ao registro de hipotecas, com o objetivo de garantir uma
maior segurança às transações comerciais. “O registro de hipotecas não deu os resultados
esperados por lhe faltarem os requisitos de especialidade e publicidade”7.
As sesmarias perduraram até a independência do Brasil (1822), e somente em 1850,
com a Lei n° 601 e seu Regulamento n° 1.318, de 1854, a posse foi legitimada; posto que,
todas as posses levadas ao livro da Paróquia Católica (Registro do Vigário), eram separadas
do domínio público, apresentando assim, uma característica de obrigatoriedade o registro da
posse dos possuidores de terras devolutas.
Já no Brasil, a partir do descobrimento, o reino de Portugal se apossou das terras
brasileiras. Nesse momento histórico, surgiu no direito brasileiro o primeiro título de posse
como forma originária de aquisição, o que, após longos anos, possibilitou ao reino a divisão
da colônia em capitanias e posteriormente veio a culminar com o domínio privado das terras
brasileiras.
Com a promulgação da Lei nº 601 de 18 de Setembro de 1850 - Lei de Terras, as
pessoas puderam começar a comprar terras, posto que, até então, estas apenas podiam receber
doações condicionadas à produção da Coroa. E, conseqüentemente, denota-se a transformação
da terra em mercadoria, uma vez que, a partir desta lei, ela somente poderia ser obtida por
compra e venda (artigo 1º). Esta norma tratou esta lei de legalizar os títulos de sesmarias e as
posses quaisquer que fossem suas extensões, mas era necessário que existissem nestes
cultivos, desde que medidas e levadas a registro em livros próprios nas freguesias (artigos 4º,
5º, 7º e 8º).
que legitimou o governo a delegar tais tarefas ao clero (Registro do Vigário). Contudo, somente era possível
legalizar as aquisições de terras se fossem lavradas nas paróquias católicas, o que originou o chamado “título
paroquial.”
7
CARVALHO, Afrânio de. Registro de Imóveis. Rio de Janeiro: Forense, 1976, p. 14.
14
Em síntese, todos os títulos de sesmarias concedidos às terras reais e ou imperiais,
eufemisticamente chamadas de “posses mansas e pacíficas” puderam ser legalizadas por
aqueles que as grilaram, porém, após a lei, isto não era mais possível, pois, somente a Coroa
Imperial podia vender as terras devolutas em hasta pública. Esta Lei ainda definiu, por meio
da exceção, o que era terra devoluta, (artigo 3º), levando muitos erroneamente a afirmar como
sinônimo, terra devoluta como terra de ninguém. Na lei estava garantida punição para aqueles
que ocupassem as terras devolutas ilegalmente, mandava expressamente para a prisão, além
de exigir multa e indenização pela destruição da vegetação natural (artigo 2º). Dentre as terras
devolutas estava assegurada a reserva para os indígenas através de colonização (artigo 12º).
Assim sendo, Martins tratou do significado do papel desta lei e sua relação com a
escravidão. Disse este:
Ao contrário do que se deu nas zonas pioneiras americanas, a Lei de Terras instituiu
no Brasil o cativeiro da terra — aqui as terras não eram e não são livres, mas cativas.
A Lei 601 estabeleceu em termos absolutos que a terra não seria obtida por outro
meio que não fosse o da compra. [...] Concretamente, a implantação da legislação
territorial representou uma vitória dos grandes fazendeiros, já que essa não era a
única categoria social a preocupar-se com a questão fundiária. De outro lado, havia
os que advogavam um regime de terras livres que desse lugar, no Brasil, ao
aparecimento de uma classe média de camponeses livres que quebrasse a estrutura
social escravista e descaracterizasse os fazendeiros como senhores de escravos e
terras, para fazê-los fundamentalmente burgueses e empresários. A fórmula
consagrada na lei tinha, porém, o seu sentido naquela circunstância histórica. No
mesmo ano de 1850 cessava o tráfico negreiro da África para o Brasil. A escravidão
e o trabalho escravo estavam comprometidos. A própria Lei de Terras já define
critérios para o estabelecimento regular de correntes migratórias de trabalhadores
estrangeiros livres que, com o correr do tempo, substituíssem os escravos. Se,
porém, as terras do país fossem livres, o estabelecimento de correntes migratórias de
homens igualmente livres levaria, necessariamente, a que esses homens se
estabelecessem como colonos nos territórios ainda não ocupados pelas grandes
fazendas. Ao mesmo tempo, as fazendas ficariam despovoadas, sem possibilidade de
expansão e de reposição de mão de obra. Por isso, a classe dominante instituiu no
Brasil o cativeiro da terra, como forma de subjugar o trabalho dos homens livres que
fossem atraídos para o país, como de fato o seriam às centenas de milhares até as
primeiras décadas do nosso século [XX]. No processo de substituição do trabalho
escravo, a nova forma de propriedade da terra desempenhou um papel fundamental
como instrumento de preservação da ordem social e política baseada na economia
colonial, na dependência externa e nos interesses dos grandes latifundiários. O
homem que quisesse tornar-se proprietário de terra teria que comprá-la. Sendo
15
imigrante pobre, como foi o caso da imensa maioria, teria que trabalhar previamente
para o grande fazendeiro8.
Outra questão de suma importância referente à Lei de Terras de 1850 diz respeito à
separação entre o domínio garantido pelo título e a posse. O título da terra tornou-se pela lei
superior à posse efetiva. Portanto, aquele que tinha efetivamente a posse da terra estava
destituído do direito sobre a mesma. Ademais, garantia àquele que sendo portador do título da
terra, mesmo, sem nunca tê-la ocupado de fato, teria o domínio sobre a mesma, ou seja, o
direito de propriedade privada da terra.
Assim sendo, a propriedade nessa época não se transmitia pelo contrato, e sim pela
tradição, que é a entrega real ou simbólica da coisa, sendo o registro do vigário um controle
estritamente relacionado à posse.
A Lei Hipotecária (Lei nº 1.237 de 1864), advinda da Lei nº 601 de 1850, foi o
primórdio do serviço de registro no Brasil, a qual além de regular o domínio privado das áreas
de terras, na medida em que outorgou a competência do registro paroquial à paróquia católica
do local das terras, acabou definindo um dos princípios basilares do registro moderno, o da
territorialidade, que impõe a efetivação do registro no local em que este está situado. Essa
normatização, também possibilitou aos governantes a verificação das terras ocupadas9.
Cartório do Registro de Imóveis. O registro da propriedade imobiliária, como função
do Estado, foi instituído, no Brasil, pela Lei n. 1.237, de 24 de setembro de 1864.
Antes, era ele praticado pelos vigários, dentro das respectivas paróquias, com
finalidades meramente declaratórias, para discriminar o domínio público do instituto
em nosso sistema legislativo: Suspensas, pela resolução de 17 de julho de 1822, as
concessões de terras, que eram feitas, ora com o nome de sesmarias, ora com o de
datas, veio, depois, a Constituição Imperial, de 25 de março de 1824, que, essa,
então, aboliu o confisco e consagrou o respeito à propriedade, assegurando prévia
indenização, em caso de desapropriação por utilidade ou por necessidade pública.
Posteriormente, como decorrência desses princípios constitucionais, foi promulgada
a Lei n. 601, de 18 de setembro de 1850, com o fim de discriminar o domínio
8
9
MARTINS, J. S. Expropriação e Violência (A questão política no campo). São Paulo: Hucitec, 1980, p. 73.
GARCIA, Lysippo. A inscrição. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1927, p. 93.
16
público do particular e regularizar a situação das terras, mandando legitimar as
10
posses e revalidar as sesmarias .
De acordo com Carvalho, esta norma jurídica foi regulamentada pelo Decreto n°
3.453, de 26 de abril de 1865, que passou a normatizar a transcrição dos títulos de propriedade
de imóvel, por ato intervivos, excluindo-se as transmissões causa-mortis e as decorrentes de
atos judiciários11.
A Lei n° 1.237 foi substituída, em 1890, pelo Decreto n° 169-A e seu Regulamento,
pelo Decreto n° 370, porém as alterações não foram substanciais, isto é, o domínio das terras
continuava a mercê da existência comprobatória de provas12.
Com a chegada do Código Civil de 1916, o Registro Geral foi substituído pelo Registro de
Imóveis, onde se manteve a transcrição, contudo, com uma alteração de suma importância, onde
se passou a provar a propriedade juris tantum, isto é, admitia-se a prova em contrário.
Segundo Clóvis Beviláqua mencionado em Waldemar Loureiro citado por Balbino
Filho:
Finalmente, o Código Civil erigiu o registro imobiliário em instituição pública, de
caráter jurídico, encarregada de consignar os atos de fatos, que afetem o domínio em
suas diferentes situações ou limitações, tomando-o apto a dar certeza à propriedade e
garantia ao crédito real, por meio da escrita dos seus livros, consoante ensina Lysippo
Garcia. Sua denominação – Registro de Imóveis – resultou de emenda do Senado aos
projetos de Código Civil, em os quais, quer no de Clóvis Beviláqua, quer no da
Câmara dos Deputados, era ele impropriamente intitulado registro predial13.
Segundo a Lei n° 4.827 de 1924, regulada pelo Decreto n° 18.542, de 1928,
introduziu-se no sistema registrário o princípio da continuidade, passando-se a exigir para
qualquer transcrição ou inscrição, o registro do título anterior14.
10
BALBINO FILHO, Nicolau. Registro de Imóveis: doutrina – prática e jurisprudência. 13. ed. São Paulo: Saraiva,
2008, p. 30.
11
CARVALHO, Afrânio de. Registro de Imóveis. Rio de Janeiro: Forense, 1976.
12
Ibidem,
13
LOUREIRO, Waldemar apud BALBINO FILHO, Nicolau. Registro de Imóveis: doutrina, prática, jurisprudência.
8. ed. São Paulo: Atlas, 1996, p. 53.
14
CARVALHO, op. cit.
17
Para este mesmo autor, no Regulamento n° 4857 de 1939, corrigiu-se a terminologia
do ordenamento anterior, separando os atos sujeitos à transcrição e inscrição. Os primeiros
referem-se aos atos de transmissão de propriedade, e os segundos, dizem respeito à
constituição de ônus reais15.
Com o surgimento, em 1973, da Lei n° 6.015, passou-se a ter reunidos os princípios
norteadores do Registro de Imóveis. Esta lei revolucionou o cadastro predial no Brasil, no que
diz respeito, especificamente, aos livros, uma vez que além de reduzir a quantidade destes,
centralizou um livro principal no imóvel, criando a matrícula, que passa a representar a
individualidade do imóvel, sua situação geográfica e perfeita descrição, facilitando as
pesquisas e expedição de certidões. Segundo Gandolfo, matrícula “é um ato de registro, no
sentido lato, que dá origem à individualidade do imóvel na sistemática registral brasileira,
possuindo um atributo dominial derivado da transcrição da qual se originou”16.
E, em 2002, com o advento do novel Código Civil, outorgou-se maior importância aos
registros públicos, consagrando princípios registrários, ressaltando assim, a importância do
Registro de Imóveis no Brasil. O art. 1.227 mostra a ênfase dada pelos juristas no que concerne
aos direitos reais sobre imóveis constituídos ou transmitidos por ato entre vivos, e estes só passam
a ser adquiridos com o registro dos títulos no Cartório de Registro de Imóveis (arts. 1.245 a
1.247)17.
Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título
translativo no Registro de Imóveis.
§ 1o Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido
como dono do imóvel.
§ 2o Enquanto não se promover, por meio de ação própria, a decretação de
invalidade do registro, e o respectivo cancelamento, o adquirente continua a ser
havido como dono do imóvel.
15
CARVALHO, Afrânio de. Registro de Imóveis. Rio de Janeiro: Forense, 1976.
GANDOLFO, Maria Helena Leonel. Reflexões sobre a matrícula 17 anos depois. Revista de Direito Imobiliário
do IRIB, n. 33, p. 105, 1994.
17
CÓDIGO CIVIL COMPARADO. São Paulo: Saraiva, 2002.
16
18
Art. 1.246. O registro é eficaz desde o momento em que se apresentar o título ao
oficial do registro, e este o prenotar no protocolo.
Art. 1.247. Se o teor do registro não exprimir a verdade, poderá o interessado
reclamar que se retifique ou anule.
Parágrafo único. Cancelado o registro, poderá o proprietário reivindicar o imóvel,
independentemente da boa-fé ou do título do terceiro adquirente.
Nota-se que através dos artigos acima citados, enquanto o título translativo não for
registrado, o alienante continuará sendo o proprietário do imóvel e também o registro terá
validade jurídica no momento em que este for apresentado ao oficial de registro e este
providenciar os devidos apontamentos nos respectivos livros de registros.
2.2 CONCEITUAÇÃO
Difícil é a tarefa de definir os registros públicos, uma vez que, a própria legislação
pertinente, qual seja, a Lei dos Registros Públicos - Lei nº 6.015/73, acabou por deixar in
albis tal definição, portanto, cabe à doutrina, aos juristas e aos demais profissionais do direito
procurarem uma definição que melhor se adeque ao modelo que hoje temos.
Desse modo vejamos a definição de registro público na visão do doutrinador português
Carlos Ferreira de Almeida, in verbis:
Registro público é o ato assento efetuado por um oficial público e constante de
livros públicos, do livre conhecimento, direto ou indireto, por todos os interessados,
no qual se atestam fatos jurídicos conformes com a lei e referentes a uma pessoa ou
a uma coisa, fatos entre si conectados pela referência a um assento considerado
principal, de modo a assegurar o conhecimento por terceiros da respectiva situação
jurídica, e do qual a lei faz derivar, como efeitos mínimos, a presunção do seu
conhecimento e a capacidade probatória18.
18
ALMEIDA, Carlos Ferreira de. apud TUTIKIAN, Cláudia Fonseca; TIMM, Luciano Benetti; PAIVA, João Pedro
Lamana (Coords.). Novo direito imobiliário e Registral. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 228.
19
Para Aguiar Vallim, o registro de imóveis foi definido como: “serventia da Justiça
encarregada de trasladar para os seus livros os atos jurídicos relativos aos bens imóveis, dando
publicidade a estes atos que então se presumem autênticos, seguros e eficazes contra todos”19.
Mister se faz transcrever a conceituação, segundo o registrador imobiliário da
Comarca de Araçatuba/SP, Marcelo Augusto Santana de Melo, especialista em Direito
Imobiliário, cuja citação segue:
Destarte, podemos definir o Registro de Imóveis como órgão auxiliar do Direito
Civil destinado ao assentamento de títulos públicos e privados, outorgando-lhes
oponibilidade a terceiros, com ampla publicidade e destinado ao controle, cadastro,
eficácia, segurança e autenticidade das relações jurídicas envolvendo imóveis,
garantindo-lhes presunção relativa da prova da propriedade20.
Feitas estas considerações históricas, onde se buscou percorrer acerca da evolução do
Registro de Imóveis no Brasil, podemos concluir que os direitos da propriedade juntamente
com os direitos reais sobre imóveis que pertencem a terceiros somente são adquiridos por
meio do registro.
Com a evolução do Registro de Imóveis, faz-se necessário discorrer sobre a função
deste Registro no direito brasileiro, uma vez que, este passa a regular a maioria das relações
patrimoniais que envolvem imóveis, o que será visto no próximo item.
19
VALLIM, Aguiar apud TUTIKIAN, Cláudia Fonseca; TIMM, Luciano Benetti; PAIVA, João Pedro Lamana
(Coords.). Novo direito imobiliário e Registral. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 228.
20
TUTIKIAN, Cláudia Fonseca; TIMM, Luciano Benetti; PAIVA, João Pedro Lamana (Coords.). Novo direito
imobiliário e Registral. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 228-229.
20
2.3 A FUNÇÃO DO REGISTRO DE IMÓVEIS
A função do registro de imóveis é a de definir o direito real, a partir de um respectivo
título, dando assim segurança às relações jurídicas instituídas com relação aos imóveis.
Ressalta-se a obra de Nicolau Balbino Filho:
O Registro seja uma fiel reprodução da realidade dos direitos imobiliários. A vida
material dos direitos reais, bem como a sua vida tabular, deveriam-se desenvolver
paralelamente, como se a segunda fosse espelho da primeira. Com efeito, esta é uma
ambição difícil de se concretizar, mas em se tratando de um ideal, nada é
impossível; basta perseverar21.
Para Fioranelli:
A precisão do Registro Imobiliário no mundo dos negócios é vital para que nele
existam, de forma irrepreensível, segurança e confiabilidade, verdadeiros pilares que
hão de sustentá-lo. Sem essas bases sólidas, os negócios imobiliários, via de regra
vultosos, estariam sujeitos a fraudes, prejuízos, decepções e irreparáveis danos
aqueles que dele se valessem. Assim, a segurança e a confiabilidade transmitidas
pelo registro é que proporcionam a estabilidade nas relações entre os participantes
dos múltiplos negócios realizados nessa área22.
A função registral é regulada essencialmente pela Lei dos Registros Públicos – Lei n°
6.015/73, mediante o sistema de matrícula, em que o imóvel terá o seu fólio real, no qual são
registrados ou averbados todos os atos a este inerente23.
O art. 167 da LRP discorre os atos que são praticados no Registro de Imóveis, sob
duas categorias: (1) os registros e (2) as averbações. Os registros referem-se à criação,
instituição, declaração e transferência dos direitos reais sobre os imóveis e as averbações
21
22
BALBINO FILHO, Nicolau. Direito Imobiliário Registral. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 35.
FIORANELLI, Ademar. Direito Registral Imobiliário. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris; Instituto de Registro
Imobiliário do Brasil, 2001, p. 381.
21
dizem respeito aos atos referentes às alterações de situações jurídicas embasadas nos registros
dos imóveis e ao titular deste direito24.
Uma das principais funções do registrador é a análise do título, também chamada
qualificação25. Apresentado o título a registro o Oficial Registrador irá proceder a aplicação dos
princípios registrários ao caso concreto, surgindo a viabilidade ou não do acesso ao fólio real.
Em suma, para a obtenção da propriedade do imóvel não basta o simples acordo de
vontades entre adquirente e o transmitente. A título exemplificativo, pode-se mencionar o
contrato de compra e venda, que por si só não basta para transmitir o domínio. Faz-se
necessário que essa transferência seja operacionalizada mediante o registro do título no
registro imobiliário. Anterior a este existirá única e exclusivamente o direito pessoal.
2.4 NATUREZA JURÍDICA
Precipuamente, pode-se dizer que, a natureza jurídica da atividade registraria advém
da harmonia social, da estabilidade das relações negociais imobiliárias, bem como dos seus
incidentes. De modo que, tal função estabilizadora de proteção é exercida em sua plenitude
pelo oficial registrador.
No que tange a natureza do serviço registrário, cabe transcrever o posicionamento de
Mario Antonio Silveira, in verbis26:
23
CENEVIVA, Walter. Lei dos Registros Públicos comentada. 16. ed. atual. até 30 de junho de 2005. São Paulo:
Saraiva, 2005.
24
Ibidem.
25
MELO, Marcelo Augusto Santana de. Breves anotações sobre o Registro de Imóveis. Jus Navigandi, Teresina, ano
8, n. 429, 9 set. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5669>. Acesso em: 25 jan.
2010.
26
SILVEIRA, Mario Antonio.registro de imóveis: função social e responsabilidades. São Paulo: RCS Editora, 2007.
22
A natureza do serviço registrário é de direito público, quer quanto à execução do
serviço ou quanto à fiscalização da atividade. Deve-se, no entanto, ressalvar que as
relações do oficial registrador com o `registrário´regem-se pelas regras do direito
privado, estabelecendo-se no direito civil, no direito consumerista e na lei
regulamentadora da função registraria a responsabilidade pelos danos que venham a
ocorrer na atividade registraria.
Assim, o poder público reserva para si a titularidade, ao delegar ao oficial registrador
tão-somente a execução desse serviço. Posto que, o estado, ao manter a titularidade, delega a
executoriedade dos serviços ao particular a exegese do disposto no caput do artigo 236 da
Constituição Federal.
Enquanto o artigo 3º da Lei nº 8.934/94 regulamentou o aludido dispositivo
constitucional, ao definir que quem exerce tais atividades (notário, tabelião, oficial de registro
ou registrador), são profissionais do direito dotados de fé pública, a quem é delegado o
exercício das atividades notariais e de registro. A partir dessa premissa, pode-se dizer que, tais
atividades são públicas por excelência, pois, exercidas em caráter privado por particulares
mediante delegação.
Todavia, o estado delega a executoriedade dos serviços registrais e notariais ao
particular mediante preceito constitucional (artigo 236 da Constituição Federal); regulamentao através de leis complementares (Lei nº 6.015/73 e Lei nº 8.935/94), além de intervir na
prestação e extinguir a delegação caso seja necessário.
Destarte, a atividade registraria requer do serventuário a total observância aos
preceitos legais, em consonância aos valores contidos num estado de direito, imparcialidade,
igualdade, legalidade, moralidade, publicidade, isonomia e eficiência em razão da função
delegada que este exerce, pois, somente assim a sociedade conseguirá obter segurança jurídica
nas relações imobiliárias.
23
Nesse diapasão, pode-se dizer que, a natureza jurídica do registro de imóveis está
intrinsecamente ligada ao pleno exercício do serviço registrário brasileiro, o qual visa
assegurar e legitimar o direito de propriedade, bem como os atos desta decorrentes.
Após analisarmos a natureza jurídica, passaremos a abordar sobre os princípios
basilares do Registro de Imóveis.
24
3 PRINCÍPIOS BASILARES DO REGISTRO DE IMÓVEIS
O Direito dos Registros Públicos, como regra jurídica autônoma surge como “o
complexo de normas e princípios que regulam a organização dos serviços de registro”27. No
Brasil, temos desmembrados o Direito Notarial e Registral, com especificações distintas,
embora possuam finalidades semelhantes. Para Melo Jr., “cada qual tem regime jurídico
próprio, com estrutura e princípios particulares”28.
Segundo Melo Filho:
O principio possui uma função especificadora dentro do ordenamento jurídico: ele é
de grande valia para a exegese e perfeita aplicação, assim dos simples atos
normativos que dos próprios mandamentos constitucionais. O menoscabo por um
princípio importa na quebra de todo o sistema jurídico. É que o direito forma um
sistema, é um axioma que nem sequer precisa ser demonstrado, já porque axioma
(de universal acatamento, diga – se de passagem), já pela proibição lógica do
regressum ad infinitum (da infinita reciclagem das premissas eleitas)29.
Os princípios são os norteadores de influência ao aplicado ordenamento jurídico, os
quais têm o escopo importante nos atos praticados no serviço registrário imobiliário, em razão
da sua formalidade escritural, a qual está intrinsecamente entrelaçada aos princípios e no
dever legal da fidelidade, transparência e conservação dos dados escriturados, não só como
forma de propiciar a publicidade dos atos registrários, mas principalmente, como segurança
da conduta social do oficial registrador e da confiabilidade neste depositada30.
27
MELO JR., Regnoberto Marques de. Lei de Registros Públicos comentada. Rio de Janeiro: Freitas de Bastos,
2003, p. 9.
28
Ibidem.
29
MELO FILHO, Álvaro. Princípios do direito registral imobiliário. Revista do Direito Imobiliário, n. 17/18, p. 26,
jan.-dez. 1986.
30
Vale lembrar que, antes mesmo da promulgação da Constituição Federal de 1988, a qual imprime em seu bojo tanto
na parte preambular como nos direitos e garantias fundamentais, que impôs uma preocupação do legislador voltada
ao interesse social, uma vez que, já vigorava a Lei de Introdução do Código Civil Brasileiro – Decreto-Lei nº
4.657/1942 que de certa forma, como norma cogente exige do magistrado que, na aplicação da lei, notadamente,
este atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum concorde o disposto no artigo 5º da referida lei.
25
Destarte, o julgador ao examinar o caso concreto, diante de uma lacuna ou até de uma
vacância legis pode se socorrer de outros meios a fim de solucionar a controvérsia. Para tanto,
poderá se valer da analogia, dos costumes e dos princípios gerais de direito31.
E, da mesma forma, o intérprete da sistemática registrária também pode se amparar
nos princípios gerais do direito e, notadamente, dos princípios registrais. Tanto que Chico y
Ortiz atenta sobre as funções relevantes dos princípios registrários, “como a de informar,
proporcionar o sentido às normas legais e agir com fonte de direito, quando ocorre lacuna no
texto legal”32. Para o exercício regular da atividade registrária, o oficial registrador, ao aplicar
os princípios registrários, tem de ater-se às leis, ao princípio da legalidade, ou seja, apenas
poderá registrar um título que esteja cumprindo estritamente os requisitos legais. O
registrador, ao cumprir sua função, que é estar ligado à lei, estará respeitando esta lei, como
por exemplo, diante da conferência de um título, requisito indispensável de sua intervenção
garantidora e estabilizadora dessa mesma realidade social. Essa intervenção, imprescindível à
função social do oficial registrador, traz consigo a obrigação da correta análise do documento
apresentado pelo “registrário”, como forma de controle legal da formalização da vontade das
partes manifestada perante o tabelionato.
Embora o presente estudo tenha por finalidade e limite abordar os princípios da
Disponibilidade e Continuidade, no Sistema de Registro de Imóveis, vamos adentrar no tema
através de uma preliminar visão panorâmica dos demais princípios existentes em nosso país,
os quais serão examinados abaixo:
31
“Art. 4º. Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais
de direito. LICC - Lei de Introdução do Código Civil Brasileiro – Decreto-Lei Nº 4.657 de 04 de setembro de
1942”. (VADE MECUM. Obra Coletiva de Autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Antônio Luiz de
Toledo Pinto, Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia Céspedes. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 163.
32
CHICO Y ORTIZ, José Maria apud SILVEIRA, Mario Antonio. Registro de Imóveis: função social e
responsabilidades. São Paulo: RCS Editora, 2007, p. 34.
26
3.1 PRINCÍPIO DA LEGALIDADE
Este princípio é encontrado no art. 19833, da LRP, tendo como função a qualificação
dos registradores buscando impedir o registro de títulos inválidos ou imperfeitos, permitindo
ao registrador apontar os vícios ou defeitos que impregnam o título, fazendo exigências por
escrito, levando à parte interessada à regularização.
Ainda de acordo com o caput do artigo mencionado acima, em não aceitando a
exigência feita pelo Oficial, por entendê-la descabida ou no caso de não poder satisfazê-la,
pode o apresentante requerer seja o título juntamente com a declaração de dúvida ser remetido
à análise e solução a cargo do juízo competente.
A abertura do processo de suscitação de dúvida obedece aos requisitos relacionados
nos incisos do art. 198. O título deverá ser prenotado; à margem da prenotação, na coluna atos
formalizados, será anotada a observação dúvida suscitada, deixando-se um espaço para a
anotação do resultado; após a certificação da prenotação e da dúvida suscitada, será o título
rubricado em todas as suas folhas; a seguir o Oficial deve dar ciência da dúvida ao
apresentante, cedendo a este uma cópia da peça e notificando o mesmo para impugná-la no
prazo de 15 (quinze) dias.
Tendo sido cumprido todos os termos acima, as razões da suscitação serão
encaminhadas ao juízo competente, juntamente com o título questionado a ser registrado.
33
Art. 198. Havendo exigência a ser satisfeita, o oficial indicá-la-á por escrito. Não se conformando o apresentante
com a exigência do oficial, ou não a podendo satisfazer, será o título, a seu requerimento e com a declaração de
dúvida, remetido ao juízo competente para dirimi-la, obedecendo-se ao seguinte: (Alterado pela L-006.216-1974)
I - no protocolo, anotará o oficial, à margem de prenotação a ocorrência da dúvida;
II - após certificar, no título, a prenotação e a suscitação da dúvida, publicará o oficial todas as suas folhas;
III - em seguida, o oficial dará ciência dos termos da dúvida ao apresentante, fornecendo-lhe cópia da suscitação e
notificando-o para impugná-la perante o juízo competente, no prazo de quinze dias;
IV - certificado o cumprimento do disposto no item anterior, remeter-se-ão ao juízo competente, mediante carga, as
razões da dúvida, acompanhada do título.
27
Para Ceneviva:
[...] todos os títulos, sem nenhuma exceção com relação à sua origem, devem ser
analisados pelo registrador. Seja o público, particular, ou judicial, este poderá ou não
aceitá-lo para registro. Isto é, o registrador pode declará-lo em condições perfeitas para
registro como uma vez apresentando alguma deficiência, devolvê-lo ao apresentante
34
para que sejam sanadas as irregularidades, segundo as exigências detectadas .
De acordo com Silva Filho, o registrador ao exercer a sua função qualificadora goza
de total independência e autonomia, “Ele é autônomo e independente ao decidir pela admissão
ou não de um título no Registro de Imóveis sob sua direção e responsabilidade”35, todavia,
sempre adstrito à lei.
Em relação à qualificação registral imobiliária, Ricardo Dip nos diz que ela é o juízo
prudencial, positivo ou negativo, da potência de um título em ordem à sua inscrição predial,
importando no império de seu registro ou de sua irregistração36.
A qualificação, explorada pelo Registrador se constitui, em uma apreciação técnica
imparcial, que transcende aos interesses, uma vez que, a publicidade registral emerge,
nitidamente, o interesse público de obter a satisfação de certos fins comunitários com uma
dose de credibilidade dos atos registrários, ou seja, pretende-se que a matrícula espelhe
exatamente a realidade, além do que, se lançar um ato indevido, fica sujeito à
responsabilidade penal, administrativa e civil.
Afrânio Carvalho, ao ressaltar que o exame prévio da legalidade faz com que a
sociedade confie plenamente no registro, profere que:
Diante dessa contingência, cumpre interpor o título e a inscrição um mecanismo que
assegure, tanto quanto possível, a correspondência entre a titularidade presuntiva e a
titularidade verdadeira, entre a situação registral e a situação jurídica, a bem da
estabilidade dos negócios imobiliários. Esse mecanismo há de funcionar como um
34
CENEVIVA, Walter. Lei dos Registros Públicos comentada. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 325.
SILVA FILHO, Elvino. A competência do oficial do registro de imóveis no exame dos títulos judiciais. Revista de
Direito Imobiliário, n. 8, p. 57, jul-dez 1981.
36
DIP, Ricardo. Registro de Imóveis (vários estudos). Porto Alegre: IRIB/Sérgio Antonio Fabris, 2005, p. 186.
35
28
filtro que, à entrada do registro, impeça a passagem de títulos que rompam a malha
da lei, quer porque o disponente careça da faculdade de dispor, quer porque a
disposição esteja carregada de vícios ostensivos37.
Neste mesmo contexto, Adriano Damásio nos diz: “o administrador público somente
poderá fazer o que estiver expressamente autorizado em lei e nas demais espécies normativas,
inexistindo, pois, incidência de sua vontade subjetiva”38.
O rígido controle de legalidade deve ser levado a efeito em condições
psicologicamente favoráveis ao acesso do título ao registro, obviamente sem menosprezo às
condições normativas aplicáveis. Vejamos o que nos diz Serpa Lopes:
Um princípio deve ter em vista, quer Oficial de Registro, quer o próprio Juiz: em
matéria de Registro de Imóveis toda a interpretação deve tender para facilitar e não
para dificultar o acesso dos títulos ao Registro, de modo que toda propriedade
imobiliária, e todos os direitos sobre ela recaídos fiquem sob o amparo do regime do
Registro Imobiliário e participem dos seus benefícios39.
Encontramos no art. 37 da Constituição Federal, que a Administração Pública
obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
E, neste sentido, Bandeira de Mello nos diz que:
Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A
desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento
obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade
ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa
insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia
irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão a sua estrutura mestra40.
Em síntese, este princípio resume-se no aspecto de impedir o ingresso no Cartório de
Registro de Imóveis, de títulos que sejam inválidos ou imperfeitos.
37
CARVALHO, Afrânio de. Registro de Imóveis. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 226.
DAMÁSIO, Adriano. Limite das medidas provisórias. In: MOTA DE SOUZA, Carlos Aurélio (Coord.). Medidas
provisórias e segurança jurídica. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002, p. 68.
39
SERPA LOPES, Miguel Maria. Tratado dos registros públicos. 3. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1955, v. II,
p. 346.
38
29
Superada a análise do princípio da legalidade, faz-se necessário ao entendimento da
sistemática registral, o que ocorrerá no item abaixo, o estudo de um princípio demasiadamente
importante: o Princípio da Publicidade.
3.2 PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE
Antes de analisarmos este princípio, convém salientar a eficácia do registro. Como já
desenvolvemos no Capítulo I deste trabalho, a propriedade e os demais direitos reais só passam
a existir com o registro do respectivo título. Estes são direitos erga omnes, ou seja, enquanto o
direito obrigacional diz respeito exclusivamente às pessoas participantes do ato, o direito real
projeta-se sobre o imóvel, conferindo ao seu titular um direito oponível contra todos. Assim
sendo, o registro dá ao direito adquirido uma publicidade constitutiva ou material.
A situação jurídica dos imóveis, existente a partir dos atos praticados à vista dos
títulos que são apresentados ao registrador deve, porém, ser de conhecimento público.
Esta publicidade por sua vez, pode ser escrita ou verbal; uma vez que, o registrador tem
obrigação legal de fornecer aos interessados as informações que lhe forem solicitadas, como
também expedir certidões quando requeridas. Tais documentos podem referir-se a registros e
averbações constantes nos livros do cartório. Podem ser requeridas por qualquer pessoa sem a
necessidade de indagação quanto à razão ou interesse do pedido (art. 17 da LRP)41.
40
41
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 748.
Art. 17. Qualquer pessoa pode requerer certidão do registro sem informar ao oficial ou ao funcionário o motivo ou
interesse do pedido. Parágrafo único. O acesso ou envio de informações aos registros públicos, quando forem
realizados por meio da rede mundial de computadores (internet) deverão ser assinados com uso de certificado
digital, que atenderá os requisitos da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileiras - ICP. (Incluído pela Lei nº
11.977, de 2009).
30
Na atualidade, uma vez que, esteja o imóvel matriculado, tais informações
encontram-se espelhadas na certidão da matrícula, expedida por processo reprográfico.
Mesmo existindo ônus, originários da transcrição anterior, estarão presentes na nova
matrícula, uma vez que, a averbação de tais atos é imperiosa para a abertura da matricula
(art. 230 da LRP)42.
Posto isto, a simples leitura da matrícula revela quem é o proprietário e quais são
as restrições existentes. Em síntese, uma análise sobre a natureza jurídica da matrícula nos
leva a concluir que: “a publicidade é a alma dos registros públicos, É a oportunidade que o
legislador quer dar ao povo de conhecer tudo que lhe interessa a respeito de determinados
atos. Deixa a sociedade a par de todo o movimento de pessoas e bens”43.
Passaremos a seguir a analisar o Princípio da Prioridade.
3.3 PRINCÍPIO DA PRIORIDADE
A análise do Princípio da Prioridade faz-se necessária em virtude da sua importância,
que pode ser percebida quando surge no Registro de Imóveis a preocupante situação da
existência, para o registro, de dois títulos que se referem a direitos reais contraditórios sobre
um mesmo imóvel.
Vejamos o que nos ensina Afrânio de Carvalho:
A prioridade desempenha o seu papel de maneira diferente, conforme os direitos que se
confrontam sejam, ou não sejam, incompatíveis entre si. Quando os direitos que ocorrem para
42
Art. 230. Se na certidão constar ônus, o oficial fará a matrícula, e, logo em seguida ao registro, averbará a existência
do ônus, sua natureza e valor, certificando o fato no título que devolver à parte, o que o correrá, também, quando o
ônus estiver lançado no próprio cartório. (Incluído pela Lei nº 6.216, de 1975).
43
BALBINO FILHO, Nicolau. Registro de Imóveis. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 9.
31
disputar o registro são reciprocamente excludentes, a prioridade assegura o primeiro,
determinando a exclusão do outro. Quando, ao contrário, não são reciprocamente
excludentes, a prioridade assegura o primeiro, concedendo graduação inferior ao outro44.
A prioridade deve ser analisada de acordo com a natureza do direito cujo registro é
buscado. Se forem direitos excludentes – tal como dois registros de propriedade – a prioridade
garante que o primeiro negócio levado a registro exclua a possibilidade de o segundo, que seja
com o mesmo incompatível, ser registrado. Porém, caso não venha a tratar de direitos
reciprocamente excludentes, a prioridade assegurará uma graduação prioritária ao primeiro
registro lançado.
O protocolo tem importância prática na aplicação desse princípio. É o seu número de
ordem que marca a prioridade e esta a preferência do direito sobre o outro que possuir número de
ordem posterior. Segundo o art. 1.246 do Código Civil, não importa que entre o protocolo e a
efetiva inscrição decorra algum espaço de tempo, pois o número e a data da prenotação garantirão
que os efeitos do assento retroajam à data do protocolo, retroagindo os efeitos da prioridade45.
O princípio a seguir desenvolvido será o Princípio da Especialidade.
3.4 PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE
Esse princípio informa que os componentes das inscrições devem ser individuados
com exatidão. A identificação de todos os imóveis de direitos reais e de toda obrigação que
seja garantida por direito real é obrigatória, devendo-se precisar o valor garantido. Ressalta-se
que, a qualificação completa das partes deve sempre ser buscada.
44
CARVALHO, Afrânio de. Registro de Imóveis. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 182.
32
Com relação ao imóvel, o princípio da especialidade aponta no art. 176, parágrafo 1º,
II, 3 da LRP, como requisitos da matrícula, sua identificação, feita mediante a indicação de
suas características e confrontações, localização, área e denominação, se rural, ou logradouro
e número, se urbano, e sua designação cadastral, se houver.
Segundo Afrânio de Carvalho:
O requisito registral da especialização do imóvel, vestido no fraseado clássico do
direito, significa a sua descrição como corpo certo, a sua representação escrita como
individualidade autônoma, com seu modo de ser físico, que o torna inconfundível e,
portanto, heterogêneo em relação a qualquer outro. O corpo certo imobiliário ocupa
um lugar determinado no espaço, que é abrangido por seu contorno, dentro do qual
se pode encontrar maior ou menor área, contanto que não sejam ultrapassadas as
reais definidoras da entidade territorial46.
E, para Ceneviva:
A indicação dos característicos e confrontações, em núcleos densamente habitados,
não é das que ofereçam maior dificuldade. É diversa a situação nas áreas rurais.
Nestas, a descrição exige particular cuidado. É de evitar referência, comum na
tradição brasileira, às árvores, touceiras isoladas, cercas, vegetais, e acidentes
facilmente removíveis. A tendência deve ser da clara delimitação, a contar do ponto
inicial rigorosamente assinalado, de preferência evoluindo no sentido dos ponteiros
do relógio, orientando-se segundo o meridiano do lugar, dados os rumos seguidos,
levantados por instrumentos de precisão e mediante auxílio técnico especializado47.
Com relação à especialidade para garantias reais e dívidas, o art. 176, III, 5 da LRP,
deixa claro ao enumerar os requisitos de qualquer registro: do valor do contrato, da coisa, da
dívida, do prazo, das condições e das especificações, inclusive juros, se houver. Já o art. 241
da LRP, prescreve que o registro da anticrese deve declarar o prazo e a época do pagamento, e
o art. 242 estabelece que o contrato de locação deve consignar o valor, a renda, o prazo, o
tempo e o lugar do pagamento, bem como a pena convencional.
45
Art. 1.246. O registro é eficaz desde o momento em que se apresentar o título ao oficial do registro, e este o
prenotar no protocolo.
46
CARVALHO, Afrânio de. Registro de Imóveis. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 27.
47
CENEVIVA, Walter. Lei dos Registros Públicos comentada. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 342.
33
Visto isto, conclui-se pela importância vital deste princípio da especialidade – que se
divide na especialidade objetiva e subjetiva –, pois é através dele que se pode verificar se a
cadeia de imóveis, de direitos e de pessoas está sendo devidamente cumprida para se poder
atender ao princípio da continuidade. O que será estudado abaixo.
A seguir será desenvolvido o Princípio da Presunção e da Fé Pública.
3.5 PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO E DA FÉ PÚBLICA
Esses dois princípios têm cada qual seu significado próprio, mas foram amalgamados
durante certo tempo no nosso país por uma corrente da doutrina que pretendeu dar ao
primeiro, previsto na lei, a eficácia do segundo, omitido nela. Ao passo que o primeiro reforça
a eficácia da inscrição, sem a tornar, contudo, saneadora, pois mantém o primado final do
direito subjetivo, o segundo abre uma brecha nesse primado ao admitir que a inscrição se
torne saneadora relativamente ao terceiro de boa-fé que, confiando nela, adquire o direito. A
regra é a tutela do direito subjetivo, ou a segurança jurídica, a exceção é a tutela do terceiro de
boa-fé, ou a segurança do comércio.
De certa maneira, esse princípio reporta-nos ao princípio anterior, onde a presunção juris tantum
admite prova contrária, uma vez que, a aquisição feita não é frustrada por motivos que se
ignora.
Nesse sentido, Afrânio de Carvalho comenta que:
Embora o princípio de fé pública se circunscreva à transmissão negocial, a diferença
de segurança que disso resulta entre os atos negociais e os atos judiciais de aquisição
tende, entre nós, a dissipar-se na prática graças às cautelas tomadas para o
processamento dos segundos. Para que os atos judiciais de aquisição não discrepem
34
dos atos negociais na menção dos requisitos de inscrição, o Código de Processo
Civil exige a especialização dos imóveis e a indicação do número de inscrição do título
anterior tanto na descrição dos bens em inventário, como no edital de praça (CPC,
artigo 993)48.
A proteção do terceiro de boa-fé, que confia na inscrição ou no cancelamento,
pressupõe que o mesmo tome conhecimento do conjunto de assuntos relativos ao imóvel,
em vez de ater-se a uma inscrição isolada. Essa proteção frustra-se se o terceiro ler apenas a
inscrição originária do direito, seja da matrícula do imóvel, seja a de uma hipoteca, sem ter
abaixo a inscrição preventiva de uma contradita de uma penhora ou a cessão de grau de uma
hipoteca a ele referente. Além de prevenir malogro, a atual LRP preceitua que, requerida
uma certidão, o registrador deverá consignar de sua iniciativa a qualquer alteração posterior,
de sorte que, se for concernente a ônus de imóvel, alcançará aqueles inscritos após o
requerimento (LRP, art. 21).
Ceneviva discorre sobre as características da fé pública. Este diz: “corresponde à
especial confiança atribuída por lei ao que o oficial declare ou faça, no exercício da função,
com presunção de verdade”49.
Assim sendo, pelo fato de portarem fé pública, presumem-se certos e verazes os
assentamentos feitos pelos registradores, bem como os atos por estes praticados. E, assim,
detêm responsabilidade exclusiva pelos mesmos.
O princípio a seguir desenvolvido será o Princípio da Instância.
48
49
CARVALHO, Afrânio de. Registro de Imóveis. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 178.
CENEVIVA, Walter. Lei dos Registros Públicos comentada. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 14.
35
3.6 PRINCÍPIO DA INSTÂNCIA
O princípio da instância é aquele pelo qual, em regra, o registrador somente pode
praticar registros e averbações se solicitado pelo interessado. Prescreve o artigo 13, II, da
LRP que, salvo as anotações e as averbações obrigatórias, os atos de registro serão praticados
a requerimento verbal ou escrito dos interessados. E o artigo 217 da mesma norma prescreve
que o “registro e a averbação poderão ser provocados por qualquer pessoa, incumbindo-lhe as
despesas respectivas”.
A primeira vista, esse dois artigos parecem contradizer-se: o primeiro fala em
interessado e o segundo em qualquer pessoa. No saber de Silva Filho, a conciliação dessas
disposições está na presunção de que qualquer pessoa que leve o título para registro tem
interesse na realização do ato registral50. Na verdade, o simples fato de o portador apresentar
um título e efetuar o recolhimento dos emolumentos devidos, cria a presunção de que está
solicitando seu registro e de que tem interesse nisso.
Entretanto, para alguns atos a lei exige requerimento escrito do próprio interessado.
São eles as averbações de construção, demolição, reforma e mudança de numeração de
prédios, de desmembramento de lotes, enfim, averbações que alterem o imóvel da propriedade
de determinada pessoa (artigo 167, II, 4 e 5, LRP). E igualmente as averbações que dizem
respeito ao titular do direito registrado, tais como a mudança de nome por casamento ou
separação, alteração de estado civil, etc.
Ceneviva ilustra que:
50
SILVA FILHO, Elvino. A competência do oficial do registro de imóveis no exame dos títulos judiciais. Revista de
Direito Imobiliário, n. 8, p. 45-82, jul.-dez. 1981.
36
A averbação é feita com requerimento escrito da parte, salvo se, no título
apresentado, as partes tenham inserido autorização genérica para todas as que se
fizerem necessárias. Requerida pela parte ou em cumprimento de mandado judicial,
subordina-se à existência de registro na serventia e, em certos casos, a satisfação de
pressupostos legais. Serve de exemplo a sentença de divórcio (artigo 14, II, LRP),
que só pode ser averbada depois de registrada a partilha (artigo 23, I, LRP)51.
A própria LRP excepciona a instância em duas situações: para averbações de mudança
de nomes de logradouros, decretada pelo Poder Público (artigo 167, II, 13) e as retificações
que o registrador pode proceder ex officio nos casos de erro evidente contido no registro
(artigo 213, § 1º.). Também ex officio o registrador pode cancelar as hipotecas convencionais
peremptas, isto é, aquelas que foram inscritas (registradas) há mais de 30 anos (Houve
alteração na Lei 10.931/2004), com base no artigo 1.485 do Código Civil Brasileiro.
Diante do exporto até aqui, passaremos a analisar o Princípio da Inscrição.
3.7 PRINCÍPIO DA INSCRIÇÃO
O princípio da inscrição significa que a constituição, transmissão e extinção de direitos
reais sobre imóveis só se operam por atos inter vivos mediante sua inscrição no registro.
Ainda que uma transmissão ou oneração de imóveis haja sido estipulada negocialmente entre
particulares, na verdade só se consumará para produzir efeitos o deslocamento da propriedade
ou de direito real do transferente ao adquirente pela inscrição. A mutação jurídico-real nasce
com a inscrição e, por meio desta, se exterioriza a terceiros.52
51
52
CENEVIVA, Walter. Lei dos Registros Públicos comentada. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 322.
Em Brasil, rige el sistema de inscripción constitutiva. C esto, basado em el principio de inscripción, la const,
transmissión y extinción de los derechos reales en los actos ter vivos, sólo puede hacerse por la inscripción en el
Registro Inmobiliario.
37
Para Carvalho:
O princípio da inscrição justifica-se facilmente pela necessidade de dar a conhecer à
coletividade a existência dos direitos reais sobre imóveis, uma vez que ela tem de
respeitá-los. Quando duas pessoas ajustam uma relação real imobiliária, esta
transpõe o limite dual das partes e atinge a coletividade por exigir a observância
geral. Daí o apelo a um meio que, ao mesmo tempo, a traduza e a torne conhecida do
público53.
A inscrição é sempre obrigatória, quer se trate da constitutiva (aquela que aufere
direito real), quer da declarativa (aquela que divulga direitos auferidos antes dela); mas não é
saneadora, conforme já vimos anteriormente. Pode ser promovida por qualquer dos
interessados, já que a lei alude à “qualquer pessoa”. Algumas devem ter como fundamento
título bilateral, isto é, em acordo de vontades que cria o jus ad rem (escritura), outras em título
unilateral, oriundo de apenas uma das partes, daquela a quem a inscrição beneficia,
prescindindo-se assim do consentimento da outra (cancelamento).
O princípio a seguir descrito refere-se ao da Unitariedade da Matrícula.
3.8 PRINCÍPIO DA UNITARIEDADE DA MATRÍCULA
O princípio da unitariedade da matrícula, consagrado no artigo 176, § 1º. I, da LRP,
consiste resumidamente no seguinte: a todo imóvel deve corresponder uma única matrícula
(ou seja, um imóvel não pode ser matriculado mais de uma vez) e a cada matrícula deve
corresponder um único imóvel (isto é, não é possível que a matrícula descreva e se refira a
mais de um imóvel).
53
CARVALHO, Afrânio de. Registro de Imóveis. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 137.
38
Também em decorrência desse princípio é que não se pode abrir matrícula de parte
ideal do imóvel, sendo indispensável, para a alienação ou oneração dessa parte ideal, que a
matrícula seja do imóvel todo e aberta em nome de todos os proprietários.
Ceneviva relata que:
A matrícula é o núcleo do registro imobiliário. Seu controle rigoroso e a exatidão
das indicações que nela se contiverem acabarão dando ao assentamento da
propriedade imobiliária brasileira uma feição cadastral. Cada imóvel (artigo 176,*
1º, I, da LRP) indica a individualidade rigorosa da unidade predial. Na sistemática
da lei, cada é interpretado em sentido estrito, indicando prédio matriculado,
estremando-o de dúvidas dos vizinhos. Tratando-se de imóveis autônomos, mesmo
negociados em um só título, cada um terá matrícula individual54.
Visto este princípio e os demais, passa-se ao cerne desta monografia ressaltando os
princípios da Disponibilidade e Continuidade, uma vez que, o registrador na prática dos atos
registrais deve ter total atenção aos mesmos, sob pena de ferir a credibilidade do instituto,
bem como a segurança do serviço. O que será visto abaixo.
3.9 PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE
De acordo com o objetivo principal deste trabalho, qual seja, analisar os princípios
basilares do Sistema Registral Brasileiro, em especial, os princípios da Continuidade e da
Disponibilidade, nestes itens presente e próximo serão apresentados estes dois princípios de
forma a identificar que a sistemática consolidada do direito brasileiro, em especial, o serviço
registrário imobiliário tem a finalidade de assegurar e legitimar o direito da propriedade e os
atos dela decorrentes, a fim de que a sociedade tenha uma garantia nos negócios imobiliários.
54
CENEVIVA, Walter. Lei dos Registros Públicos Comentada. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 341.
39
Foi o Decreto nº 18.542/28 que introduziu no ordenamento nacional, através do artigo
206, o Princípio da Continuidade, nos seguintes termos:
Se o imóvel não estiver lançado em nome do outorgante, o oficial exigirá a
transcrição do título anterior, qualquer que seja a sua natureza, para manter a
continuidade do registro.55
Observa-se que, através do Princípio da Disponibilidade, pode-se afirmar que ninguém
pode transferir o que não possui. Já em relação ao Princípio da Continuidade, este traça
diretrizes de que, em relação a cada imóvel individuado, deve existir uma cadeia de
titularidade, sem a qual, não há como fazer a inscrição de um direito.
O Princípio da Continuidade define que todos os atos praticados pelo registro de
imóveis devem obedecer a uma seqüência lógica, encadeada, sem espaços vazios entre um ato
e outro. Este princípio está intimamente ligado ao da especialidade e busca estabelecer uma
correspondência entre toda a cadeia dominial de um determinado imóvel.
Este princípio está previsto nos artigos 195 e 237 da Lei nº 6015/73 que dizem
respectivamente:
Art. 195. Se o imóvel não estiver matriculado ou registrado em nome do outorgante,
o oficial exigirá a prévia matrícula e o registro do título anterior, qualquer que seja a
sua natureza, para manter a continuidade do registro.
Art. 237. Ainda que o imóvel esteja matriculado, não se fará registro que
dependa da apresentação de título anterior, a fim de que se preserve a
continuidade do registro.56
Pela leitura dos respectivos artigos, verifica-se que o centro da continuidade está na
pessoa do titular do direito em questão. Esta continuidade não diz respeito somente à
coincidência do nome e dos dados identificadores (RG, CPF). Estende-se, também, à
qualificação do titular, com relação ao estado civil, que se alterado, deve ser justificado por
certidão hábil, averbada qualquer mudança nesse aspecto.
55
DECRETO 18542/1928, artigo 206.
40
Afrânio de Carvalho elucida:
A sua essência repousa na necessidade de fazer com que o registro reflita com a
maior fidelidade possível a realidade jurídica. Ao exigir-se que todo aquele que
dispõe de um direito esteja inscrito como seu titular no registro, impede-se que o
não-titular dele disponha. A pré-inscrição do disponente do direito, da parte
passivamente interessada, constitui, pois uma necessidade indeclinável em todas as
mutações jurídico-reais.57
E, segundo Borges:
No registro de imóveis este princípio significa que todo registro efetuado há de ter
um correspondente que o precedeu, como deve corresponder àquele que o seguirá,
criando uma cadeia dominial para conservar a individualidade do imóvel ad
perpetuam rei memoriam.58
Para Passos:
A correta e perfeita caracterização do imóvel também liga-se à continuidade
registral, que somente poderá sofrer alterações se legalmente justificadas. Alterações
de área, medidas e confrontações exigem processo próprio na esfera jurisdicional, se
depender de produção de provas, ou administrativa, nos casos da Lei n° 10.931 de 2
de agosto de 2004, que alterou os artigos 212, 213 e 214 da Lei de Registros
Públicos [...].59
O Princípio da Continuidade é sem dúvida, o baldrame do nosso sistema registral,
aquele que garante a segurança dos registros imobiliários.
A continuidade, pressupõe um encadeamento de atos transcritos ou registrados, bem
como dos titulares destes direitos constante na tábua do registro, ou seja, aquele que não é titular
do direito tabular jamais poderá comparecer num título alienando ou onerando este direito.
56
BRASIL. Lei 6015, de 31 de Dezembro de 1973. Dispõe sobre os Registros Públicos, e dá outras providências.
Diário Oficial da União, Brasília, 31 de Dezembro de 1973.
57
CARVALHO, Afrânio de. Registro de Imóveis. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 254.
58
BORGES, Antônio Moura. Registro de Imóveis no Direito Brasileiro. 2. ed. Campo Grande: Contemplar, 2009,
p. 637.
59
PASSOS, Tatiana. Registro de Imóveis para Profissionais do Direito: Guia prático para o cotidiano jurídicoimobiliário-registral. 2. ed. Campinas: Russell, 2008, p. 55.
41
De acordo com Carvalho:
O princípio, que se apóia no da especialidade, quer dizer que, em relação a cada
imóvel, adequadamente individuado, deve existir uma cadeia de titularidade à vista
da qual se fará a inscrição de um direito se o outorgante dele aparecer no registro
como seu titular. Assim, as sucessivas transmissões, que derivam umas das outras,
asseguram sempre a preexistência do imóvel no patrimônio do transferente60.
O artigo 236 da LRP afirma que “nenhum registro poderá ser feito sem que o imóvel a
que se referir esteja matriculado”, devendo a matrícula mencionar obrigatoriamente ao
número do registro anterior.
O princípio da continuidade é, ao lado da especialidade, outro sustentáculo da
segurança jurídica, na medida em que, em relação a cada imóvel individuado, deve existir um
encadeamento de titularidades dos direitos reais. Este encadeamento contribui para a
segurança jurídica, pois assegura, apenas ao titular do direito, a possibilidade de outorgá-lo.
Na função qualificadora o oficial é que faz o controle da disponibilidade subjetiva e objetiva.
Vê-se, portanto, como a LRP, reiteradamente, determina a observância desse
princípio, que mais fácil se tornou com a instituição da matrícula do imóvel, na qual os
registros são lançados cronologicamente, permitindo uma rápida visualização da situação
jurídica do imóvel e a titularidade de seu proprietário. Disso fundamentalmente decorre a
segurança dos registros imobiliários.
O número de dispositivos legais que tratam de forma expressa do princípio ora em
estudo demonstra sua importância. A responsabilidade pelo registro contínuo é do
serventuário, que funcionará como fiel escudeiro da continuidade registrária. Tal princípio
determina o encadeamento entre assentos pertinentes a um dado imóvel e às pessoas que neles
figurem como partes interessadas. Ademais, traduz-se em primordial ferramenta para
manutenção da segurança jurídica e da legalidade na transferência da propriedade imobiliária
42
no Brasil, obrigando à menção, no registro, das referências originárias, derivadas e sucessivas
dos registros anteriores, de modo que a cadeia dominial reste completamente esclarecida para
todos que consultem o repositório fiel da "vida" do imóvel, ou seja, sua matrícula.
Existe uma regra básica para o exame inicial de um título apresentado a registro: o
imóvel, ou direito a que ele se referir, tem de estar registrado em nome do disponente, ou seja,
do outorgante (transmitente, devedor, cedente, etc.). Essa verificação é aparentemente
simples, mas requer muita atenção. Não basta ser a mesma pessoa o outorgante e o titular do
direito. É preciso verificar como se acha qualificado no registro existente e comparar essa
qualificação com a declarada no título apresentado para ser registrado.
Também com relação ao imóvel tal princípio encontra teto, uma vez que, ao se
examinar o título apresentado e encontrar nele como objeto uma casa construída e, na
matrícula constar somente um terreno, é preciso previamente averbar-se a construção desta. O
mesmo procedimento deve ser adotado quando houver reforma do prédio, com ou sem
aumento de área ou sua demolição.
Contudo, voltando ao que diz respeito à titularidade do imóvel, observamos que
mesmo os títulos de origem judicial devem observar ao princípio da continuidade. É
inadmissível, por exemplo, o registro de uma adjudicação compulsória cuja ação tenha sido
proposta contra quem não é titular do domínio do imóvel. Esse título tem que ser recusado, da
mesma forma que não poderia ser registrada escritura de venda e compra outorgada pelo
cedente (no caso, promissário comprador), que não é proprietário do imóvel.
Segundo Passos:
A Continuidade é de suma importância quanto às mudanças de competência
territorial de uma serventia para outra, com transporte de matrículas imobiliárias e
60
CARVALHO, Afrânio de. Registro de Imóveis. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 253.
43
abertura de novas. Deve-se respeitar todos os atos registrados/averbados na serventia
de origem, para que não seja ferida a continuidade dos registros.61
Devemos estar atentos às duas exceções a tal princípio: quanto a usucapião e na
desapropriação, que são denominadas aquisições originárias. Nesses dois casos, farta é a doutrina
e a jurisprudência no sentido de que não existe um transmitente que realiza a transferência do
imóvel. Não há vinculo entre o anterior titular do domínio e o possuidor que adquire o imóvel.
Pelo que foi tratado, percebe-se a estreita ligação deste princípio com o da especialidade
objetiva e subjetiva, pois visam a proteger a cadeia registral.
3.10 PRINCÍPIO DA DISPONIBILIDADE
O princípio da disponibilidade é o corolário do princípio da continuidade. Está
alicerçado em um primeiro momento na máxima: “ninguém poderá transmitir o que não
possui” – nem dat quod sine non habet – nemo plus jus transfere.
Este princípio está intimamente ligado ao direito de propriedade, que é direito de usar,
fruir e dispor de determinado bem (artigo 1.228 do Código Civil Brasileiro). E o direito de
dispor, pode tanto significar a faculdade de transferir o imóvel para terceiro (alienações em
geral: venda, doação permuta, etc.), ou de gravá-lo com algum ônus real (compromissando-o,
oferecendo-o em garantia hipotecária, instituindo usufruto sobre ele em favor de terceiro,
etc.)62.
61
PASSOS, Tatiana. Registro de Imóveis para profissionais do direito: guia prático para o cotidiano jurídicoimobiliário-registral. 2. ed.. Campinas: Russell, 2008, p. 52.
62
Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem
quer que injustamente a possua ou detenha.
44
A propriedade e os direitos a esta relativos só se transmitem com o registro do título e,
para que este seja registrado, necessário será que os direitos constantes no mesmo estejam
disponíveis em nome do transmitente.
Assim, não poderá o transmitente vender mais área do que constar no registro e nem
vender um imóvel gravado com cláusula de inalienabilidade. A primeira é a Disponibilidade
Física que se refere à área do imóvel e a segunda é a Disponibilidade Jurídica que se refere
com a titularidade do imóvel.
No que diz respeito ao imóvel, sua aplicação na prática registral parece relativamente
simples: se alguém é proprietário de um terreno com 500 m2 não pode transmitir uma área de
550 m2. Assim como, sendo proprietário de terreno, não pode vender uma casa sem que antes
tenha averbado sua construção.
Em decorrência deste princípio, é imperioso verificar-se se o imóvel está disponível.
Convém ressaltar que, deverá ser observado se o imóvel está em condição de ser alienado ou
onerado, tanto do ponto de vista físico, quanto sob o prisma jurídico.
Sob o prisma jurídico, a disponibilidade ocorre se, por exemplo, alguém adquire um
imóvel por doação, com a cláusula de inalienabilidade, não poderá dispor dele para venda a
qualquer outra pessoa e, se o fizer, o título não poderá ser registrado.
§ 1o. O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de
modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas
naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.
§ 2o São defesos os atos que não trazem ao proprietário qualquer comodidade, ou utilidade, e sejam animados pela
intenção de prejudicar outrem.
§ 3o O proprietário pode ser privado da coisa, nos casos de desapropriação, por necessidade ou utilidade pública ou
interesse social, bem como no de requisição, em caso de perigo público iminente.
§ 4o O proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel reivindicado consistir em extensa área, na posse
ininterrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos, de considerável número de pessoas, e estas nela houverem
realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico
relevante.
§ 5o No caso do parágrafo antecedente, o juiz fixará a justa indenização devida ao proprietário; pago o preço, valerá
a sentença como título para o registro do imóvel em nome dos possuidores.
45
Hodiernamente, com a instituição da matrícula, a verificação da disponibilidade tornou-se
mais fácil. O imóvel está nela descrito e caracterizado, eventuais modificações havidas terão sido
averbadas. Basta cortejar a descrição feita no título com a descrição constante da matrícula.
A idéia de disponibilidade esta também associada com a titularidade do direito real e,
portanto, com o princípio da continuidade, pois, para que alguém disponha de um imóvel, é
preciso que o mesmo esteja registrado em seu nome. É o caso anteriormente tratado com
relação ao registro do formal de partilha na sucessão causa mortis, o qual não transmite o
direito, mas torna-se fundamental para que o novo proprietário exerça-o em plenitude.
O princípio da disponibilidade também está interligado com o princípio da legalidade,
uma vez que, só é válido o registro de um título se o negócio jurídico formalizado for válido.
É o caso de alienações por menores incapazes, onde imperiosa é a apresentação do alvará
judicial, e também para os interditos.
Gandolfo, conclui que:
Para a perfeita aferição da disponibilidade de um imóvel, ele não pode estar
indisponível. Seja por ter sido gravado com cláusula de indisponibilidade,
testamentária ou em doação, que deve estar averbada na matrícula, ou na transcrição
(artigo 167, II, 11, LRP), seja pela ocorrência de indisponibilidade nos caos
previstos em lei (artigo 227, LRP)63.
O princípio da disponibilidade é aplicado também nos parcelamentos e apurações de
remanescente de imóveis. Com efeito, nessas hipóteses é preciso respeitar sempre a área total
do imóvel primitivo, a fim de que a transcrição ou matrícula possa ser esgotada e assim
encerrada, afastando-se eventuais sobreposições.
Este princípio está previsto na LRP, nos artigos 172, 196, 225, 227, 228, 236 e 237 da
LRP, que dizem:
63
GANDOLFO, Maria Helena Leonel. Matrícula – Uma abordagem prática. Cadernos do IRIB – Prática Registral,
extraído do 18º Encontro Regional dos Oficiais de Registro de Imóveis de Natal, p. 32, jun. 2002.
46
Art. 172. No Registro de Imóveis serão feitos, nos termos desta Lei, o registro e a
averbação dos títulos ou atos constitutivos, declaratórios, translativos e extintivos de
direitos reais sobre imóveis reconhecidos em lei, inter vivos ou mortis causa, quer
para sua constituição, transferência e extinção, quer para sua validade em relação a
terceiros, quer para a sua disponibilidade. (Alterado pela L-006.216-1974).
Art. 196. A matrícula será feita à vista dos elementos constantes do título
apresentado e do registro anterior que constar do próprio cartório. (Alterado pela L006.216-1974).
Art. 225. Os tabeliães, escrivães e juízes farão com que, nas escrituras e nos autos
judiciais, as partes indiquem, com precisão, os característicos, as confrontações e as
localizações dos imóveis, mencionando os nomes dos confrontantes e, ainda, quando
se tratar só de terreno, se esse fica do lado par ou do lado ímpar do logradouro, em
que quadra e a que distância métrica da edificação ou da esquina mais próxima,
exigindo dos interessados certidão do Registro Imobiliário. (Alterado pela L006.216-1974).
Art. 227. Todo imóvel objeto de título a ser registrado deve estar matriculado no
livro n. 2 - Registro Geral - obedecido o disposto no Art. 176. (Alterado pela L006.216-1974).
Art. 228. A matrícula será efetuada por ocasião do primeiro registro a ser lançado na
vigência da presente Lei, mediante os elementos constantes do título apresentado e
do registro anterior nele mencionado. (Alterado pela L-006.216-1974).
Art. 236. Nenhum registro poderá ser feito sem que o imóvel a que se referir esteja
matriculado. (Alterado pela L-006.216-1974).
Art. 237. Ainda que o imóvel esteja matriculado, não se fará registro que dependa
da apresentação de título anterior, a fim de que se preserve a continuidade do
registro. (Alterado pela L-006.216-1974).
Pontes, ao referir-se ao Princípio da Disponibilidade nos ensina que existem quatro
situações que merecem relevância, no que diz respeito à divisão ou partilha:
1°) nos casos em que, na divisão ou partilha, um ou mais herdeiros ou condôminos
sejam aquinhoados em excesso, ou a mais do que lhes caiba na distribuição
eqüitativa dos bens, mediante reposição ou compensação ou mesmo a título gratuito,
tal excesso deverá ser havido como oneroso ou gratuitamente alienado, perdendo o
ato, em relação a esses pontos, o seu caráter declaratório para assumir a feição de ato
atributivo de propriedade; em tais hipóteses, o registro não será o previsto para
efeito de mera disponibilidade, mas para operar a transferência do domínio;
2°) mesmo quando ainda indivisa a propriedade – desde que não se trate de sucessão
de morte – pode qualquer condômino, independentemente de divisão, ou do registro
desta, alienar ou onerar a sua parte ideal no imóvel (Código Civil, art. 623, III),
salvo, na hipótese de imóvel indivisível, o direito de preferência dos demais
condôminos (Código Civil, art. 1.139); com esse direito de preferência, porém, nada
tem a ver o oficial do registro, que não poderá recusar o registro, no caso a que aqui
nos referimos, sob o pretexto de falta de consentimento dos demais condôminos.
3°) Independentemente de divisão, ou do registro desta – a não ser no caso de
sucessão hereditária – pode o condômino alienar ou gravar individualmente a sua
parte do imóvel, ou uma porção dela, se os demais condôminos, no próprio ato, ou
em instrumento à parte (Código Civil, art. 132), consentirem nessa individuação; o
ato assim praticado, equivalerá a uma divisão parcial, seja para excluir do
condomínio o condômino que onerou ou alienou a sua parte, seja para reduzir a sua
participação no condomínio;
4°) Em se tratando de sucessão por morte, admissível não é a oneração dos direitos
do sucessor, ainda que este seja tido como condômino do acervo hereditário, dada a
47
impossibilidade da individuação dos quinhões antes da partilha, a herança, embora
seja um condomínio, tem a natureza peculiar de universalidade de direitos e
obrigações, insuscetível de divisão, ainda que puramente ideal, entre os herdeiros e
demais interessados nela, só pela partilha podendo individuar-se a participação de
cada um; pode o sucessor, porém, fazer cessão gratuita ou onerosa dos seus direitos,
mas esse ato de alienação de direitos hereditários não é suscetível de isncrição ou
transcrição.64
Por fim, pode-se afirmar que este princípio deve ser analisado sob três aspectos: (1)
objetivo; (2) subjetivo e (3) jurídico.65
O aspecto objetivo diz respeito ao fato de que ninguém pode alienar mais do que tem,
sendo necessária a comparação da área disponível com a alienada, não podendo esta última
ultrapassar a primeira.
Sob o enfoque subjetivo, o Princípio da Disponibilidade está intimamente ligado ao
Princípio da Continuidade, uma vez que, o imóvel deverá estar matriculado em nome do
disponente, caso contrário, se estará alienando o que não se tem.
E, por fim, sob o prisma jurídico diz respeito à juridicidade do imóvel matriculado,
posto que, se este estiver indisponível, não poderá ser onerado ou alienado.
André afirma que:
O Oficial do Registro de Imóveis não é mero registrador de títulos. Incumbe-lhe o
exame dos títulos à luz dos princípios norteadores do sistema registrário, inclusive
no que respeita à disponibilidade da área. Mesmo os títulos judiciais estão sujeitos a
esse exame e podem ser objeto de procedimento de dúvida.66
Vê-se assim que o papel do Oficial de Registro de Imóveis é de suma importância para
que os registros referentes aos imóveis se dêem de forma eficiente e eficaz, sendo este
profissional o responsável pelos apontamentos, em especial, pelas análises dos títulos que lhe
64
PONTES, Valmir. Registro de Imóveis. São Paulo: Saraiva, 1982, p. 30-31.
PASSOS, Tatiana. Registro de Imóveis para Profissionais do Direito: guia prático para o cotidiano jurídicoimobiliário-registral. 2. ed. Campinas: Russell, 2008.
66
ANDRÉ, Affonso de. Registro de Imóveis. São Paulo: Saraiva, 1984, p. 76.
65
48
são apresentados, e esta análise deve estar sempre embasada nos princípios norteadores do
sistema de registro de imóveis.
3.11 O OFICIAL REGISTRADOR E OS PRINCÍPIOS DA DISPONIBILIDADE E DA
CONTINUIDADE
A idéia de disponibilidade está associada com a titularidade do direito real e, portanto,
com o princípio da continuidade, pois, para que alguém disponha de um imóvel, é preciso que
o mesmo esteja registrado em seu nome.
E, com relação ao Princípio da Continuidade, este se refere basicamente ao fato de que
se um imóvel não estiver matriculado ou registrado em nome do outorgante, o oficial exigirá a
prévia matrícula e o registro do título anterior, qualquer que seja a sua natureza, para assim
manter a continuidade do registro. Por meio das averbações, toda e qualquer ocorrência que,
venham a alterar o registro de um imóvel, faz-se necessário que estas sejam registradas, para
que assim se possa garantir o direito real sobre o qual este irá recair.
A partir do exposto, convém salientar que a atividade do oficial registrador provém da
estabilidade das relações inerentes aos imóveis67. Segundo Bevilácqua: “O registro de imóveis
é o instrumento da publicidade das mutações da propriedade e da instituição do ônus reais
sobre imóveis”68.
Com relação às atividades inerentes a estes dois princípios, objetos de análise deste
trabalho, percebemos que o exercício da atividade do oficial registrador inspira
67
Para tanto, o serviço público pode ser prestado de diversas formas, ora como entre privado, como ente público e,
também, por particulares, por meio de concessão, autorização, permissão ou delegação do Poder Público.
68
BEVILACQUA, Clóvis. Teoria geral do direito civil. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1951, p. 183.
49
confiabilidade, pois além de estar investido de representação Estatal, deve manter postura
ímpar e é esta que leva a todo e qualquer cidadão a acreditar que o serventuário não irá
exercer sua atividade erroneamente.
O oficial investe-se em função social e deve efetivá-la de forma clara, ímpar e
transparente. Contudo, sua obrigação não se extingue na investidura, mas se estende para a
sua finalidade, qual seja: a garantia dos atos negociais, em especial, a garantia do direito de
propriedade. Nessa garantia, encontra-se o fim social que se destina a atividade do oficial
registrador: a busca da paz, harmonia e integração social.
Nota-se que a atuação do notário visa garantir a publicidade, autenticidade, segurança
e eficácia dos atos jurídicos preventivamente, desobstruindo o Judiciário do acúmulo de
processos instaurados no intuito de restabelecer a Ordem Jurídica do país, e atuando como
instrumento de pacificação social.
Para um melhor entendimento da função notarial deve-se discorrer sobre seus
caracteres, abarcando seu caráter jurídico, cautelar, imparcial, público, técnico e rogatório.
A atividade notarial apresenta seu caráter jurídico quando o Tabelião orienta as partes
e concretiza a sua vontade na formulação do instrumento jurídico adequado à situação jurídica
apresentada. Através da orientação prévia, nota-se o caráter cautelar da atividade.
Por sua vez, a Lei de Registros Públicos modificou a sistemática do registro
imobiliário, estabelecendo um registro próprio para cada imóvel, instituindo a matrícula,
diferindo dos regulamentos anteriores que previam registro próprio para cada título,
independentemente do número de imóveis, a malfadada transcrição. O registro era efetuado
pela transcrição do título, em ordem cronológica, podendo conter mais de um imóvel ou
partes ideais. Com a adoção do fólio real, inegavelmente houve considerável progresso na
organização cadastral.
50
Dessa forma, nosso ordenamento jurídico aproximou-se do germânico, cuja eficiência
decorre de sua feição cadastral, plausível na realidade sócio-econômica alemã desde meados
do século XIX. A feição cadastral citada pode ser explicada pelo fato de o registro alemão ter
incorporado, desde seu início, as informações do cadastro físico.
Com a adoção dessa sistemática registral no Brasil, sua eficácia plena fica
condicionada a obediência cega aos princípios registrais mencionados, que se interrelacionam entre si de maneira a conferir a LRP uma unicidade organizacional que garanta a
segurança jurídica almejada para a relações obrigacionais relativas a direitos reais.
51
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A abordagem ao aspecto histórico do Registro de Imóveis no Brasil, confirma ser ele o
produto da evolução histórica da sociedade brasileira, e conseqüência das suas normas civis.
Para consagrar-se como estrutura da segurança das relações jurídicas, o registro
imobiliário enquanto instrumento jurídico preventivo, encontra-se ajustado em formas e
procedimentos. Assim sendo, toda a sua estruturação encontra-se atrelada a um sistema, e
assim, à obediência de determinados princípios gerais, aptos a conduzir-lhe ao contínuo
aperfeiçoamento que as transformações sócio-econômicas passam a agir na sua área.
A Lei dos Registros Públicos alterou o sistema do registro imobiliário, estabelecendo
um registro próprio para cada imóvel, instituindo a matrícula, diferindo dos regulamentos
anteriores que previam registro próprio para cada título, independente do número de imóveis.
Trata-se aqui da transcrição. O registro era efetuado pela transcrição do título em ordem
cronológica, podendo conter mais de um imóvel ou partes ideais.
Assim sendo, com a adoção dessa sistemática registral no Brasil, sua eficácia plena
fica condicionada a obediência cega aos princípios registrais mencionados, que se interrelacionam entre si de maneira a conferir a LRP uma unicidade organizacional que garanta a
segurança jurídica aspirada para as relações obrigacionais relativas aos direitos reais.
Em especial, este trabalho buscou ressaltar os princípios da Continuidade e da
Disponibilidade em virtude destes estarem intimamente ligados às atividades dos notários e
registradores.
Percebemos que o Princípio da Continuidade é a viga mestra do sistema registral
brasileiro, uma vez que garante a segurança dos registros imobiliários. Vimos, também, que a
LRP reiteradamente determina a observância desse princípio, tendo esta atividade sido
52
facilitada com a criação da matrícula do imóvel, na qual os registros são lançados
cronologicamente, permitindo uma visualização rápida da situação jurídica do imóvel.
Ao exigir que cada inscrição encontre sua origem em outra anterior, que venha a
garantir a legitimidade da transmissão ou da oneração do direito, acaba por transformá-la no
elo de uma corrente contínua de assentos, cada um dos quais se liga ao seu antecedente, como
o seu subseqüente se ligará a ele, posteriormente.
E, com relação ao Princípio da Disponibilidade, podemos concluir que este está
intimamente ligado ao direito de propriedade, que é o direito de usufruir e dispor de
determinado bem. Este princípio, em síntese, é a aplicação do axioma “ninguém pode
transferir mais direitos do que possui”. Esse princípio deve ser observado em relação aos dois
elementos estruturais do registro, são estes: os contratantes e o objeto que se está colocando à
disposição.
Por sua vez, este princípio está ligado, também, ao princípio da legalidade, pois passa
a ter validade o registro de um título se o negócio jurídico por ele formalizado for válido.
No Brasil, assim como na maioria dos países que adotam sistemas jurídicos de origem
romanística, os princípios são considerados como fonte subsidiária do direito.
Assim sendo, revelada a importância de um princípio no sistema jurídico, pois estes
não são meros acessórios interpretativos, mas sim elementos fundamentais que servem de
base para a inspiração, elaboração, interpretação e aplicação do direito e, estejam implícita ou
explicitamente no direito, acabam por serem aplicados a todos os casos concretos existentes.
Entende-se que os princípios registrais são uma forma de “fechar’ o sistema registral,
fazendo com que cada vez mais as informações constantes nas matrículas do Registro de
Imóveis correspondam à realidade, o que trará um enorme benefício social. Acreditamos que
o hodierno estudo possa vir a contribuir com os leitores desta monografia, uma vez que,
permite a estes obterem uma visão panorâmica acerca do Registro de Imóveis no Brasil.
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