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Pontos anotados por alunos do Prof. Junqueira de Azevedo - Titular da Faculdade de Direito da USP
Direitos Reais – 3° ano – 2003
Antônio Junqueira de Azevedo – Lista inconclusa
Nome da disciplina (“Direitos Reais”) x nome do Livro III
do Código Civil (“Direito das Coisas”). Conteúdo do
Direito das Coisas.
A nomenclatura “Direitos Reais’ remete a direitos
subjetivos, e não ao direito objetivo, como nos outros ramos do
direito. Em geral, a palavra “direito” vem com o significado de
conjunto de normas, e no singular. O nome da disciplina,
portanto, não é o mais condizente com as outras partes do
direito. Para que houvesse coerência, deveria ser também
“direitos pessoais”, “familiares”, “sucessórios”, e não “direito
das obrigações”, “direito de família”, “direito das sucessões”.
A divisão em parte especial e geral tem origens
pandectistas, não sendo mera cópia do BGB, como se costuma
afirmar. Corresponde a longa tradição de estudos, com
preponderância dos alemães, mas anterior ao BGB. A parte
geral trata de elementos do Direito, aquilo que o compõe, e não
de direitos subjetivos. É uma espécie de visão estática. O Livro
III, que trata do Direito das Coisas, tem visão dinâmica.
O Código Civil denomina de “Direito das Coisas”, por
se tratar de normas de direito objetivo, principalmente da
propriedade. É a noção de propriedade que está por trás disso.
A propriedade é conteúdo fundamental do direito das
Coisas, apesar da existência dos outros direitos reais.
A propriedade é o núcleo dos direitos reais. Afirmar a
existência de outros direitos é desviar para questões menores.
O Código Civil os enumerou (art.1225), e são em dez: além da
propriedade, superfície, usufruto, uso, habitação, servidões,
compromisso de compra e venda, hipoteca, penhor e anticrese.
A enumeração já existia no Código Civil de 1916. Entretanto,
na enumeração está ausente outro direito real, que o Código
Civil trata logo no início do capítulo: a posse, que hoje é uma
situação extraordinária.
Portanto, há décimo primeiro direito real, que não foi
incluído no rol, mas que é tratado na mesma parte. Uma
característica básica dos direitos reais é que seu número é
fechado, ou seja, são estabelecidos numerus clausus, ao
contrário dos direitos pessoais.
A propriedade é como a gema do ovo, tema
fundamental, razão de ser dos direitos reais. Mas também é
necessário algo que circunde a gema: a clara, que compreende
a Segunda grande parte dos direitos reais: que são os iura in re
aliena. A posse seria o terceiro assunto, a casca, que é o que
em primeiro lugar se tem contato.
indispensável para o gozo do direito. Ainda, no esquema
apresentado por Arnoldo Wald, temos:
Sujeito
Ativo
1.
2.
Diferenças conceptuais e tipológicas entre direitos reais
e direitos pessoais.
Segundo Antonio Junqueira de Azevedo, algumas
diferenças principais podem ser apontadas entre os direitos
reais e obrigacionais. A primeira delas e única distinção
considerada conceitual pelo professor seria o fato de que nos
direitos obrigacionais há um direito subjetivo sobre a prestação
de uma pessoa e nos direitos reais, um direito subjetivo
diretamente sobre uma coisa. Assim, explica Silvio Rodrigues
que o direito real consiste numa relação entre a pessoa e a
coisa. Daí decorre que seu exercício independe da colaboração
de terceiro, ao contrário do que se dá no direito pessoal, em que
a colaboração do devedor, espontânea ou forçada, é
1
Direito pessoal
dir.subj.
Sujeito
Passivo
Dever jurídico
Objeto
Sujeito
Ativo
Direito Real
dir.subj.
Sujeito
Passivo
Dever jurídico
Objeto
As demais diferenças, segundo o professor, seriam
meramente tipológicas. Assim, nos direitos pessoais a
exigibilidade é relativa, ou seja, em relação a uma certa pessoa.
Já nos direitos reais, a exigibilidade é absoluta ou erga omnes,
contra todas as pessoas indistintamente. No entanto, como
diferença meramente tipológica, esta apresenta exceções. Assim,
existem direitos reais que apresentam um vínculo mais íntimo
com algumas pessoas específicas, e direitos pessoais que podem
ser exigidos de uma universalidade de pessoas, como é o caso do
contrato de locação devidamente registrado no Registro de
Imóveis, o que o torna público em relação a terceiros.
Aos direitos reais também é atribuído o chamado direito
de seqüela que, via de regra, não está presente nos direitos
pessoais. Segundo Silvio Rodrigues, a seqüela consiste na
prerrogativa concedida ao titular do direito real de seguir a coisa
nas mãos de quem quer que a detenha, de apreende-la para sobre
ela exercer seu direito real. Também aqui, poderíamos
vislumbrar exceções, como as obrigações propter rem, que
seguem a coisa, obrigando sempre seu proprietário atual. Já com
relação aos direitos reais, apresenta-se como exceção o caso do
comodatário que aliena bem móvel que está sob sua posse. Neste
caso, acredita o professor que o direito do terceiro de boa-fé
prevalece sobre o do antigo proprietário e comodante, que teve
culpa in eligendo.
Além disso, existe diferença tipológica de ordem
econômica entre direitos reais e obrigacionais, já que aqueles são
normalmente mais fortes que estes, que envolvem uma situação
de risco, por estarem sujeitos ao inadimplemento da obrigação.
Finalmente, diz-se que os direitos reais tendem a ser
permanentes, enquanto os pessoais tendem à precariedade, ou
seja, a obrigação se extingue uma vez cumprido o seu papel, com
o adimplemento. Mais uma vez, trata-se de diferença tipológica.
Assim, explica Silvio Venosa que existem direitos reais
transitórios e limitados no tempo, como o usufruto, bem como
obrigações sem limite de tempo, como ocorre com os contratos
de longa duração.
3.
Decomposição dos elementos do direito de propriedade:
sujeito, conteúdo, objeto, exigibilidade, deveres.
Antes de passar à decomposição do direito de
propriedade em si, cabe relembrar que se trata de direito real (art.
1225, I). É, sem sombra de dúvida, o mais relevante dos direitos
reais, sendo que JUNQUEIRA e SILVIO RODRIGUES são
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categóricos em afirmar que o direito de propriedade é o cerne,
a espinha dorsal do direito privado 1 .
Num segundo momento, deve-se ter bem frisado que
não se confundem o direito (direito subjetivo) de propriedade e
seu objeto, a propriedade em si. Esta última é o próprio bem
em relação ao qual temos essa especialíssima relação jurídica
reconhecida pelo Ordenamento como direito de propriedade.
Já o direito de propriedade em si é um direito
subjetivo; um vínculo jurídico (legal, portanto) a que se
submete coisas e/ou pessoas; ou, nas palavras do Prof.
JUNQUEIRA, um verdadeiro poder do titular, eis que dotado
de exigibilidade pelo Ordenamento.
Mais ainda, o direito de propriedade é direito subjetivo
por excelência, dito pelo Prof. Junqueira “direito subjetivo
exemplar” e por Silvio Rodrigues, “o mais completo dos
direitos subjetivos” 2 . E assim o é porque apresenta, bastante
visivelmente, todos os elementos de um direito subjetivo, bem
expressos no artigo 1228 do NCC:
- SUJEITO: é o proprietário, pessoa física ou jurídica. No
mundo pós-moderno, entretanto, tem-se reconhecido a
possibilidade de multiplicidade de titulares do direito
subjetivo de propriedade: (i) bem de família, que é do
sujeito coletivo “família”; (ii) o túmulo familiar, que
também é de titularidade coletiva; (iii) o time-sharing, na
sua concepção inicial [1ª fase, em que se restringia a um
único objeto, do qual cada proprietário teria direito a
tempo de uso], em que temos múltiplos titulares. Assim,
atualmente, não há necessidade de que haja um único
sujeito titular do direito de propriedade.
- OBJETO: é o bem, móvel ou imóvel, sobre o qual recai o
direito subjetivo. Houve, aqui, uma extensão do direito de
propriedade, de forma a se considerar objeto desse direito
também os bens incorpóreos. No entanto, em relação a
coisas incorpóreas, na verdade se protege a sua
exploração; seriam, então, direitos de propriedade
impróprios que, no NCC, não mais se encontram no
capítulo reservado à propriedade.
- PODERES (CONTEÚDO): o proprietário tem o poder (=
direito exigível) de usar, fruir e dispor de seu bem, bem
como de perseguí-lo, reavendo-o daquele que injustamente
o detenha ou possua (direito de seqüela). Esmiucemos
cada aspecto:
(i) jus utendi: possibilidade de usar o bem, excluindo
todos demais desse uso.
(ii) jus fruendi: poder de colher frutos naturais e civis
da coisa, explorando-a economicamente.
(iii) jus abutendi: alienar a coisa. Não significa que o
proprietário possa destruir gratuitamente a coisa (art.
1228, §2º e tb. a função social da propriedade,
adiante).
(iv) direito de seqüela: para que possa exercer todos
seus poderes, é indispensável ao proprietário a
garantia de que terá a coisa à sua disposição. Daí o
ordenamento conferir-lhe a prerrogativa de reivindicar
a coisa de quem injustamente a detenha.
- EXIGIBILIDADE: não se confunde com a seqüela, que é
conteúdo do direito subjetivo e envolve a prerrogativa de
buscar a coisa, retirando-a de quem a detenha
2
injustamente. A exigibilidade é, em si, a oponibilidade, a
pretensão [PONTES DE MIRANDA – no sentido de algo
que, de dentro de si mesmo, desenvolve esse aspecto
externo-impositivo]. A propriedade é exigível erga omnes,
contra todos. Deve-se ter cuidado ao usar a palavra
“pretensão” porque, para o NCC, só existe pretensão
quando da violação de direito subjetivo (art. 189:“violado o
direito, nasce para o titular a pretensão...”), mas aqui o
utilizamos no sentido que Pontes lhe deu, de
‘impositividade’.
Atualmente, entretanto, além de todos esses aspectos do
direito subjetivo de propriedade, são reconhecidos deveres a que
estão sujeitos os proprietários, os quais estão expressos nos
parágrafos art. 1228 do NCC. Estão englobados aí o respeito ao
meio ambiente e a própria função social da propriedade (incluída
aqui a possibilidade do usucapião social, dos §4o e 5o deste
mesmo artigo, e também a proibição de abuso inútil da
propriedade, nos termos do §2o).
Percebe-se, destarte, que é possível diferenciar
elementos estáticos e dinâmicos do direito subjetivo de
propriedade:
- ESTÁTICO: sujeito, objeto, poderes.
- DINÂMICO: pretensão, deveres.
4.
Posse e propriedade. Detenção. Ações possessórias. A
posse e a realidade brasileira. Posse e direito de posse.
A posse é uma criação romana e está presente apenas
nos sistemas jurídicos romano-germânicos. Desde sempre,
procurou-se distinguir de forma definitiva posse e propriedade e
já os próprios romanos já chegaram a, exageradamente, afirmar
que posse e propriedade nada têm em comum.
Se bem, é verdade, que pode existir posse sem
propriedade (ex: locatário, usufrutuário) e propriedade sem posse
(nu-proprietário, locador); a verdade é que a posse também faz
parte da propriedade e que propriedade sem posse é propriedade
esvaziada. Nesse sentido, o NCC considera possuidor aquele que
“tem de fato o exercício, pleno ou não, de alguns dos poderes
inerentes à propriedade” (art. 1196).
Nos termos do art. 1198, o detentor “conserva a posse
em nome” de outra pessoa, com a qual se acha em relação de
dependência. É o caso do comodatário, do depositário. Na
detenção, portanto, verifica-se um desdobramento da posse, em
que o detentor tem a posse direta.
Discute-se bastante a natureza jurídica da posse.
SILVIO RODRIGUES a entende como mera situação de fato e
afirma impossível qualquer entendimento em contrário, uma vez
que a posse não aparece no rol taxativo de direitos reais do art.
1225 do NCC. Para SILVIO RODRIGUES, a “posse, mera
situação de fato, vai ser protegida pelo legislador, não só porque
aparenta ser uma situação de direito, como para evitar que
prevaleça a violência” 3 . A posse, então, seria um mero fato, um
verdadeiro problema de paz social, que inclusive é resolvido na
maioria das vezes diretamente pela Polícia. O direito, nestes
termos, apenas poderia reconhecer essa relação fática e
conceder-lhe a tutela necessária.
No entanto, o que se verifica na realidade brasileira é a
super-valorização da posse em si, inclusive em detrimento da
1
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil – Direito das Coisas, Vol.
5, São Paulo, Saraiva, 2002, p. 76.
2
Idem, ibidem.
3
SILVIO RODRIGUES, Direito Civil – Direito das Coisas, Vol.
5, São Paulo, Saraiva, 2002, p. 16.
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própria propriedade. Aqui, negocia-se a posse como se fosse
um verdadeiro direito (daí a crítica ao NCC, que bem poderia
tem incluído a posse no rol do art. 1225, de modo a refletir
melhor a realidade brasileira...).
A confusão que existe deve-se à peculiaridade do
direito de posse: enquanto nos demais direitos subjetivos o fato
que lhes gera desaparece com seu nascimento, na posse, direito
e realidade são simultâneos, correm paralelamente. Direito de
posse e posse, não se confundem, mas são interdependentes.
Assim, segundo o Prof. Junqueira, o direito de posse é um
direito subjetivo que não se confunde com o substrato fático
que lhe suporta: a posse em si mesma. E, como direito,
receberá tutela jurídica adequada.
A posse é tutelada juridicamente por meio dos
interditos possessórios. A palavra interdito tem origem
romana: em Roma, reconheceu-se a imediatidade dos conflitos
possessórios, os quais, ao invés de passarem por todas as fases
do processo formular romano, eram desde logo analisados pelo
pretor, que de início concedia ordem que pacificasse a situação
(= o interdito). Hoje, temos verdadeiras ações possessórias,
mas ainda é utilizado o termo interdito.
São 3 as ações possessórias (art. 1210). Nelas, a
discussão é sobre a posse, apenas e tão-somente (se deseja-se
discutir posse com fundamento em direito de propriedade, a via
adequada é a ação petitória e não a possessória). São elas:
(i)
INTERDITO PROIBITÓRIO: em hipóteses de
meras ameaças à posse, quando não tenha havido
ainda quaisquer atos materiais de turbação.
(ii)
AÇÃO DE MANUTENÇÃO DE POSSE: nos
casos em que houve turbação da posse, ou seja,
não se retirou totalmente a posse do possuidor (=
esbulho), mas já houve atos materiais nesse
sentido.
(iii)
AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE:
houve esbulho.
Ressalte-se que pode haver a conversão de um
interdito em outro. Isso porque a situação fática, num caso de
atentado à posse, é extremamente volúvel – e nossos ritos e
formalidades processuais têm que acompanhar essa realidade
instável para que não resultem inócuos.
Cabe lembrar, ainda tendo em conta esse aspecto
fático extremamente relevado da posse, que o NCC reconhece
a possibilidade de o próprio possuidor defender sua posse: no
art. 1210, §1º, reconhece-se a possibilidade, desde que a defesa
seja imediata e proporcional.
5.
Teoria de Savigny e teoria de Jhering sobre a posse.
Organização vertical da posse. Posse direta e posse
indireta.
Para Savigny a posse é o poder de dispor fisicamente
da coisa, com o ânimo de considerá-la sua e defendê-la contra a
intervenção de outrem. Encontram-se, assim, na posse, dois
elementos: um elemento material, o corpus, que é representado
pelo poder físico sobre a coisa; e um elemento intelectual, o
animus, ou seja, o propósito de ter a coisa como sua, isto é, o
animus rem sibi habendi.
Os dois elementos são indispensáveis para que se
caracterize a posse, pois se faltar o corpus, inexiste relação de
fato entre a pessoa e a coisa; e se faltar o animus, não existe
posse, mas mera detenção, como no caso do motorista, do
caseiro ou da bibliotecária.
3
No Direito Romano havia três situações que o indivíduo
tinha a posse, mas não o animus: depositário, credor pignoratício
e o precarista (comodatário para eles). Savigny explicava como
meras exceções, em que não havia o animus de ter a coisa para
si, mas simplesmente de guardá-la.
Ihering considera a posse a condição do exercício da
propriedade. Ele dirige severas críticas a Savigny, pois que a seu
ver a distinção entre corpus e animus é irrelevante. A noção de
animus já se encontra na de corpus, sendo a maneira que o
proprietário age em face da coisa que é possuidor.
O madeireiro que lança à correnteza os troncos cortados
na montanha para que o rio os conduza à serralheria não tem o
poder físico sobre as madeiras, mas conserva a posse, pois dessa
forma é que age o proprietário.
Assim também o lavrador que deixa sua colheita no
campo não a tem fisicamente; entretanto, a conserva em sua
posse, já que age como proprietário em relação ao produto.
Porém, se deixa no local uma jóia, evidentemente não mais
conserva a posse sobre ela, porque não é assim que o proprietário
age em relação a um bem, dessa natureza.
Esses exemplos servem para revelar que para Ihering o
possuidor é aquele que age em face da coisa como se fosse o
proprietário, pois a posse nada mais é que a exteriorização da
propriedade.
A lei protege a posse porque ela é a exteriorização do
domínio, pois o possuidor é o proprietário presuntivo. Tal
proteção é conferida pelas ações possessórias.
Clóvis Bevilaqua e Sílvio Rodrigues, entre outros,
afirmam que o Código Civil adotou a teoria de Ihering. Isso
resulta do art. 1.196 CC: “Considera-se possuidor todo aquele
que tem de fato o exercício, pleno ou não, de alguns dos poderes
inerentes à propriedade”. Entretanto, para Junqueira o novo
Código não se baseou totalmente na Teoria de Ihering,
diferentemente do anterior.
Essa é a organização vertical da posse: detenção, posse
direta, posse indireta e posse legal.
Embora a posse seja exclusiva por natureza, o legislador
permite que ela se desdobre em direta e indireta.
É indireta a posse quando o seu titular, afastando de si
por sua própria vontade a detenção da coisa, continua a exercê-lo
mediatamente, após haver transferido a outrem a posse direta.
(art. 1.197 CC).
Logo, são possuidores diretos o usufrutuário, o
depositário, o credor pignoratício, o locatário, o comodatário,
pois que todos detêm a coisa que lhes foi transferida pelo dono;
mas este, ao transferir a coisa, conservou a posse indireta.
Tanto o possuidor direto como o indireto podem
recorrer aos interditos para proteger sua posse contra terceiros. E
mais, cada qual pode lançar mão dos remédios possessórios
contra o outro, para defender sua posse, quando por ele
ameaçado.
Junqueira explica que este conceito de posse direta e
indireta é relativo. Ex: o usufrutuário tem posse direta em relação
ao dono, que tem a posse indireta. Mas, quando o usufrutuário
aluga a coisa, o locatário passa a ter a posse direta em relação a
este, que tem a posse indireta em relação ao locatário e a posse
direta em relação ao proprietário.
6.
Composse. Posse de boa-fé e de má-fé. Posse justa e
injusta. Posse nova e posse velha. Efeitos da posse.
O código Civil, em seu artigo 1199, define o conceito de
Composse. Dessa forma, “se duas ou mais pessoas possuírem
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coisa indivisa, poderá cada uma exercer sobre ela atos
possessórios, contando que não excluam os dos outros copossuidores”. A Composse, portanto, é o exercício dos poderes
da posse, praticado ao mesmo tempo, por diversas pessoas. A
composse nada mais é que uma espécie de “condomínio” da
posse. Ela está para a posse assim como o condomínio está
para o domínio.
A posse se manifesta pelo exercício de algum dos
poderes inerentes ao domínio, nada impede que tais poderes
sejam exercidos simultaneamente por mais de um possuidor,
desde que o exercício por parte de um consorte não impeça o
exercício por parte do outro.
Quanto aos meios processuais de proteção à posse,
qualquer um dos compossuidores pode reclamar a proteção
possessória, caso seja turbado, esbulhado ou ameaçado.
O Código civil não traz uma definição exata da posse
mas sim do conceito de possuidor, base pela qual
subsidiariamente, infere-se o conteúdo da posse. Os artigos
1196 a 1224 delimitam todo o direito que reveste a Posse,
incluindo a sua constituição e classificação, os seus modos de
aquisição, os seus efeitos e a sua perda. Por ora, cabe delinear
as diversas classificações que o código traz sobre a posse. No
entanto, vale, primeiramente, uma pequena retomada da
matéria. Confira:
As coisas, em geral, podem ser objeto de direito real,
em casos em que a pessoa detém título legítimo; ou quando,
por outro lado, de fato, exercer tais direitos sem a preocupação
de haver ou não o título, o que define a posse. A posse
pressupõe a vontade, o animus, de permanecer com a coisa
como proprietário o que dá caráter próprio ao fato.
"Acreditamos todavia, que
não
é,
propriamente,
como
complemento
da
proteção
da
propriedade que a posse é regulada na
lei e estudada na doutrina, mas como
situação de fato, que, por si mesma,
deve ser respeitada si et in quantum,
na convivência social e pode, por seu
exercício, conduzir à aquisição da
propriedade, contrapondo-se mesmo a
quem apresente justo título."
Neste sentido, a posse não pressupõe que haja direito
efetivo para que se obtenha a titularidade sobre a coisa. Basta
que haja um direito subjetivo sobre a coisa para que a posse
seja caracterizada:
"É certo que originariamente,
é o proprietário que tem igualmente a
posse e exerce os direitos reais; pode,
entretanto, assim não acontecer. Bem
argumenta Messineo que a posse, no
sentido mais geral, é uma situação
que à titularidade de um direito
subjetivo. Essa titularidade pode
estar acompanhada, ou não, do
exercício efetivo do direito. Observa
o autor que o direito subjetivo é
exercido em regra, pelo titular, de
sorte que, normalmente, o exercício de
um determinado direito é sintoma do
fato que aquele que exerce o direito é
também seu titular."
4
(Espínola, Eduardo: Posse,
Propriedade, Condomínio, Direitos
Autorais, 1a edição, bookseller editora,
2002, nota de rodapé 39, pág. 30)
Classificações da Posse
Como quase todos os conceitos jurídicos, a posse pode
ser examinada do ponto de vista objetivo e subjetivo. Neste
aspecto, consideram-se os quesitos objetivos para determinar a
posse como justa ou injusta, velha ou nova, ad interdicto ou ad
usucapione e os subjetivos para classificá-la como de boa-fé ou
má-fé.
Posse: boa-fé ou má-fé
Ocorre que como na maioria dos direitos, a posse pode
ser analisada também quanto a questão da intenção subjetiva do
autor, caracterizando à pela má-fé ou boa-fé do autor. Confira
entendimento:
“Será de boa-fé a posse quando o
possuidor ignora o vício, ou o obstáculo
que impede a aquisição da coisa (CC, art.
1201). Será de má-fé quando o possuidor
exerce a posse a despeito de estar ciente
de que é clandestina, precária, violenta,
ou encontra qualquer outro obstáculo
jurídico à sua legitimidade.
Assim, o que distingue uma posse
da outra é a posição psicológica do
possuidor. Se sabe da existência do vício,
sua posse é de má-fé. Se ignora o vício que
a macula, sua posse é de boa-fé”. 4
Para o Professor Junqueira, a boa ou má-fé da Posse
pode implicar em quatro efeitos diferentes no âmbito dos frutos,
das benfeitorias, do direito de retenção e, por fim, da perda da
coisa, no seguinte entendimento:
(i) frutos: quem está de boa-fé adquire os
frutos e quem está de má-fé não os adquiri e é
impelido a devolver ou compensar o patrono dos
frutos colhidos. Tem o único direito em ser
recompensado com a devolução do valor gasto nas
despesas para a produção dos frutos colhidos.
Destaca-se que os frutos colhidos por antecipação
devem ser restituídos mesmo que o possuidor haja
boa-fé;
(ii) benfeitorias necessárias, úteis e
voluptuárias (ou de mero deleite): Quando de boafé, o possuidor tem direito a restituição do valor
gasto nas benfeitorias necessárias e úteis e, além
disso, tem o direito de retenção. Por outro lado,
quando de má-fé, o possuidor tem direito apenas de
ser restituído do valor gasto nas benfeitorias
necessárias;
(iii) direito de retenção: O direito de
retenção é uma espécie de garantia real embora não
seja elencada no código como tal mas funciona
como se assim o fosse. Dessa forma, o possuidor
tem direito de se manter no imóvel enquanto o
proprietário não pagar as benfeitorias, sob o
resguardo dos embargos de retenção;
4
Rodrigues, Silvio: Direito Civil 5 – Direitos das coisas, editora
Saraiva, edição 2002, pág. 31
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(iv) Perda da coisa: Se estiver de má-fé,
o possuidor responde por tudo, até por evento de
força maior. No entanto, caso se demonstre que
ocorreria da mesma forma se em posse do
proprietário, o possuidor não será impelido a
pagar.
Pelo exposto, caracteriza-se como posse de má-fé
aquela que seja clandestina, precária, violenta ou aquela que
encontre qualquer outro obstáculo jurídico à legitimidade, o
que será mais a frente estudado. Preliminarmente, verifica-se
que a precariedade da posse será sempre fundada em um título
e na intenção do autor. Portanto, nos autos de ações
possessórias, é válido que seja detalhada a boa intenção do
possuidor em não prejudicar outrem pela sua posse para que
esta se caracterize pela boa-fé, a ponto de se beneficiar com
seus efeitos.
Posse: justa ou injusta
Para o Professor Junqueira, Posse justa é aquele que
não é obtida pelos defeitos da violência ou de clandestinidade
ou mesmo pelo abuso da confiança. Por outro lado, a posse
injusta se caracterizaria como sendo a posse vi ou aquela obtida
por violência, clan ou, em outras palavras, aquela adquirida de
maneira oculta, e, por último, precária ou aquela determinada
por meio de abuso de confiança.
O direito de posse leva ao direito maior, que seja, a
propriedade do imóvel. Neste sentido, verifica-se que a posse é
uma aparência do direito. Surge a partir do momento em que,
aos olhos dos outros, há a imputação de aparência de
proprietário, isso, de acordo com a teoria de Jhering,
amplamente usada pelo nosso código. Dessa forma, a posse se
torna injusta, por exemplo, quando o ladrão toma o imóvel, ou
quando transfere ao receptador pois obtida às ocultas. Da
mesma forma, o empregado que tem apenas a detenção, será
possuidor injusto a partir do momento que se recusar a entregar
a coisa.
O texto legal define que: “É justa a posse que não for
violenta, clandestina ou precária”. Por oposição, será injusta a
posse que contenha qualquer um desses três vícios.
O possuidor com justo título, título hábil para conferir
ou transmitir direito à posse se proviesse do verdadeiro
possuidor ou proprietário, presume-se de boa-fé. Cabe,
portanto, à parte adversa que alega, provar do contrário. É uma
presunção relativa. Transferido o bem de forma pacífica e de
forma regular, fundada em direito real de propriedade, a posse,
impreterivelmente, será justa. Confira doutrina sobre o assunto:
“A invocação do justo título
para caracterizar a posse justa ou a
melhor posse é admitida geralmente
pelos direitos positivos no processo
possessório. Na controvérsia entre
possuidores considera-se melhor posse
a que se apóia em justo título. Cf.
Código Civil português art. 488,
parágrafo único: ‘É melhor a posse
que se abona em justo título...’(...)” 5
Atenta-se que a posse justa pode se tornar injusta
quando o devedor tomar ciência de algo que o impede de
permanecer em detenção do bem como proprietário. É o que se
chama de facta concludencia, que seja, fatos conclusivos que
podem levar à mudança da situação subjetiva. Assim, aquele que
é o verdadeiro dono do imóvel, quando pleiteada a posse do bem
e o possuidor deixar de dá-la, fará com que esta deixe de ser justa
passando a caracterizar-se como injusta.
No nosso ordenamento, a posse de justa pode se
transformar em posse injusta ao tomar, o possuidor,
conhecimento do vício que infrinja sua posse (art. 1202). O
possuidor não ignora que possui o imóvel indevidamente. Na
jurisprudência, discute-se ainda o fato da citação, em ação
possessória, ser um ponto determinante de transformação do
caráter da posse. Neste aspecto, verifica-se que no momento em
que houve a ciência pelo justo possuidor dos motivos dos
defeitos de sua posse, os efeitos destas passaram a ser
restringidos como se de má-fé estivesse.
“(...) a partir de então deve o
possuidor devolver os frutos percebidos
e responder pelos percipiendos; a partir
daquele momento perde o direito às
benfeitorias úteis e às volunptuárias; a
partir de então passa a responder pelas
perdas e deteriorações, ainda que as não
tenha causado.” 6
Posse precária
Posse precária é aquela que nas mãos de um indivíduo
que, tendo recebido a coisa para depois devolvê-la, acaba sendo
retida indevidamente quando reclamada. Lafayette definia bem a
posse precária, dizendo ser a posse daquele que, tendo recebido
a coisa das mãos do proprietário, por um título que o obriga
a restituí-la, recusa injustamente a fazer a devolução e passa
a possuir a coisa em nome próprio.
Prosseguem, os juristas, definindo a posse precária no
sentido de que não é nunca um fato irregular, contrário a
direito, ao passo que a verdadeira posse muitas vezes o é, como
no caso de um roubo. Todas as pessoas que possuem a título
precário detêm em virtude de um título; mas é justamente a
existência deste título que constitui o estado de precariedade,
implicando o reconhecimento do direito de outrem. São,
portanto, detentores ou possuidores precários, o locatário, o
depositário, o comodatário, o administrador dos bens de outrem
etc. 7
No direito francês, a posse precária é considerada uma
espécie de detenção, que seja, a situação não só daquele que,
achando-se em relação de dependência para com outro, conserva
a posse em nome deste em cumprimento de ordens ou instruções
suas como também daquele que detém, com fundamento em
obrigação ou direito, emanados de outrem, em virtude de
convenção, ou da lei. No entanto, não é o caso que se verifica na
lide, ora tratada.
Do ponto de vista objetivo, pela leitura do artigo 1208
do código civil, a posse precária não convalesce, diferentemente
da posse clandestina ou violenta, pois o dever do comodatário,
6
5
Espínola, Eduardo: Posse, Propriedade, Condomínio, Direitos
Autorais, 1a edição, bookseller editora, 2002, nota de roda-pé 255, pág.
111
5
Rodrigues, Silvio: Direito Civil 5 – Direitos das coisas, editora
Saraiva, edição 2002, pág. 34
7 Espínola, Eduardo: Posse, Propriedade, Condomínio, Direitos
Autorais, 1a edição, bookseller editora, 2002, nota de rodapé 67,
pág. 39
Pontos anotados por alunos do Prof. Junqueira de Azevedo - Titular da Faculdade de Direito da USP
do depositário, do locatário entre outro de restituir é e será
sempre devido. Dessa forma, a posse continuará de forma
continua e permanente viciosa. O vício da precariedade
permanece apegado à posse, enquanto ela perdurar.
Neste aspecto, percebe-se que o legislador tratou de
forma mais rigorosa a questão da perda da confiança. Assim
sendo, conforme estudos de Silvio Rodrigues, pode-se chegar a
três conclusões:
(i) “é injusta a posse quando violenta,
clandestina ou precária;
(ii) a posse violenta e a clandestina
podem convalescer e ser protegidas, uma vez que
cesse a violência e a clandestinidade, durante o
período de ano e um dia;
(iii) a posse precária não convalesce
jamais, continuando sempre viciosa”. 8
No entanto, tendo em vista que a precariedade está
intimamente ligada à justiça ou não da posse, vale se apegar a
este conceito mais efêmero e subjetivo para dar validade a
posse do bem imóvel. Para caracterizar a posse em justa ou
injusta, é necessário que se analise a boa-fé ou a má-fé do
titular do direito, matéria esta já exposta anteriormente. De
acordo com Silvio Rodrigues 9 , a lei confere, ao titular de posse
justa, a proteção possessória contra quem quer que o esbulhe, o
pertube, ou o ameace em sua posse, mesmo que este seja o
próprio proprietário
Quando a aparência de direito de propriedade ainda
permanece, a parte contrária deve provar o seu direito:
“Entendemos que, sendo a
posse uma situação de fato em que
se
desenvolvem
atividades
correspondentes ao exercício de um
direito, é mantida e protegida como
aparência desse direito, si et
quantum, isto é, até quando se
destrua essa aparência com o
reconhecimento judicial de ser
outro o titular do direito.
Parece-nos , com Messineo,
que a tutela da posse é uma das
manifestações do princípio pelo qual
se respeita a aparência do direito, isto
é, se presume, pelo fato do exercício
de um direito, a qualidade de titular
em quem o exerce: é protegido quem
tem por si a aparência da qualidade
de titular do direito, que pode ser o
proprietário, o titular de um direito
destacado do domínio, ou (no
sistema do nosso direito, do alemão
e outros) o titular de um direito
oriundo de contrato ou obrigação
(usufrutuário, locatário etc.)” 10
Importante ressaltar que a legislação confere ao
possuidor direto meios próprios e tutela para que continue na
6
posse do bem imóvel ou mesmo diminua seus danos pela perda
da posse. Quando várias pessoas disputam a situação possessória,
esta será mantida provisoriamente a quem detiver a coisa, salvo
sendo manifesto que a obteve por modo vicioso.
Conforme ensinamentos de Clóvis Beviláqua, a posse é
simples fato, que é protegido em atenção à propriedade, da qual
ela é a manifestação exterior. Como possuidor, sustentado em
registro em cartório e sua boa-fé, poderá intentar ação
possessória ou interditos possessórios, mesmo que não tenha o
título íntegro.
Finalmente, na ausência de outro meio para evitar a
imissão na posse do imóvel, por ser um ato expropriatório, é
válido que seja demandada caução prévia por conta de futura
indenização por perdas e danos.
Posse: nova ou velha
A Posse é considerada nova quando tem menos de ano e
dia e velha quando tem mais de ano e dia. A diferença essencial
entre as duas será no âmbito processual, com o entendimento que
o legislador deu à urgência da causa em cada um dos casos.
“Nestes casos é irrelevante que
a posse tenha sido gerada na violência
ou na clandestinidade. Isso porque, se
após a cessação desses vícios
transcorreu o período de tempo
reclamado na lei, o possuidor adquire o
domínio da coisa”. 11
Dessa forma, à posse nova, cabe liminar em ação
possessória. No entanto, à posse velha, não é permitido ao juiz
conceder liminar mas, da mesma forma, a parte terá direito de
propor ação possessória nos ritos normais, ordinários.
“Esse intervalo de ano e dia é o
necessário para consolidar a situação de
fato, purgando a posse dos defeitos de
violência e clandestinidade, como foi
visto. E, desde que a posse tenha ano e
dia, o possuidor será mantido
sumariamente, até que seja convencido
pelos meios ordinários”. 12
Posse: ad interdicta e ad usucapionem
Para se ter direito a interditos possessórios, é necessário
que o possuidor haja posse justa. Posse justa, conforme já visto
anteriormente, pode ser também aquela que se originou por
violência ou clandestinidade, mas passado ano e dia, revestiu-se
do caráter justo. Em rigor, qualquer posse confere direito a
Interdito perante terceiro.
Posse ad usucapionem é aquela capaz de gerar o direito
futuro e certo da propriedade, ou seja, que confere mediante a
passagem de tempo determinado em lei o título de propriedade
ao possuidor.
“Nestes casos, é irrelevante que
a posse tenha sido gerada na violência
ou na clandestinidade. Isso porque, se
após a cessação desses vícios
transcorreu o período de tempo
8
Rodrigues, Silvio: Direito Civil 5 – Direitos das coisas,
editora Saraiva, edição 2002, pág. 29.
9
Rodrigues, Silvio: Direito Civil 5 – Direitos das coisas,
editora Saraiva, edição 2002, pág. 34.
10
Espínola, Eduardo: Posse, Propriedade, Condomínio,
Direitos Autorais, 1a edição, bookseller editora, 2002, pág. 98
11
Rodrigues, Silvio: Direito Civil 5 – Direitos das coisas, editora
Saraiva, edição 2002, pág. 35.
12
Rodrigues, Silvio: Direito Civil 5 – Direitos das coisas, editora
Saraiva, edição 2002, pág. 35.
Pontos anotados por alunos do Prof. Junqueira de Azevedo - Titular da Faculdade de Direito da USP
reclamado na lei, o possuidor adquire
o domínio da coisa”. 13
7.
Características atuais do direito de propriedade.
Limites, limitações e restrições do direito de
propriedade. Função social e função ecológica.
A evolução da propriedade começou, de forma
bastante geral, com a propriedade coletiva, praticada ainda hoje
em algumas comunidades indígenas. Tal forma de organização,
entretanto, mostrou-se possível apenas em um contexto de
grande abundância material. Posteriormente, passou-se ao
sistema feudal de divisão da terra em lotes para utilização em
rodízio. Por fim, com as revoluções burguesas do século XIX,
chegou-se ao conceito de propriedade privada, trazendo
consigo suas características de plenitude, exclusividade,
perpetuidade e elasticidade.
A concepção burguesa de propriedade, em suas linhas
mestras ainda dominante nos dias atuais, substituiu a leitura
objetiva da propriedade, advinda da filosofia tomista, pela
leitura subjetiva, oriunda da filosofia iluminista. Por conta
desse posicionamento, a propriedade é encarada como uma
extensão da própria personalidade do indivíduo, uma
necessidade para a determinação do indivíduo como sujeito.
A propriedade, em seu conceito burguês, passou a
gerar uma série de injustiças, principalmente devido à
aplicação literal de suas características. Dessa forma, ela
passou a sofrer temperamentos, com concessões a teorias antiindividualistas, como o conceito de função social (para maiores
detalhes sobre a visão do Junqueira a respeito, ver ponto 5) e o
de abuso de direito.
Abandonando o campo dos princípios (em que se situa
a função social da propriedade), atualmente há temperamentos
mais concretos ao direito de propriedade, representados por
três categorias: limites, limitações e restrições.
Primeiramente, a propriedade é limitada (isto é, sofre
“limites”) pelo interesse do proprietário. Abandonou-se,
modernamente, a noção de propriedade infinita para cima
(espaço aéreo) e para baixo (subterrâneo), entendendo-se que a
propriedade estende-se somente até onde interessa ao
proprietário, além do respeito a regras insculpidas no próprio
sistema constitucional a respeito de minas subterrâneas e poços
de petróleo.
Limitações ao direito de propriedade são regras legais
que criam para o proprietário deveres de origem negativa,
como não construir acima de determinada altura, ou não usar a
propriedade de forma contrária ao interesse coletivo; ou
positiva, como pagar impostos prediais. Além disso, muito
recentemente vêm ganhando expressividade as normas de
proteção ao patrimônio artístico, histórico e cultural, que
também podem impor diversas limitações ao direito de
propriedade.
Restrições ao direito de propriedade são impedimentos
que surgem voluntariamente, ou seja, advêm da vontade de
particulares titulares ou antigos titulares do direito de
propriedade. Os melhores exemplos de restrições são as
cláusulas de inalienabilidade impostas por doadores ou
testadores, ou as determinações a respeito de construções,
13
Rodrigues, Silvio: Direito Civil 5 – Direitos das coisas,
editora Saraiva, edição 2002, pág. 35.
7
constante de contratos de compra e venda de imóveis em
loteamentos.
Por fim, cabe estabelecer a distinção entre a função
social da propriedade e sua função ecológica. A existência ou
não da diferenciação identificada coloca frente a frente duas
concepções mais gerais a respeito da ecologia: o
antropocentrismo e o biocentrismo. Para os antropocêntricos, a
natureza deve ser preservada visando o bem-estar futuro do
próprio ser humano, enquanto para os biocêntricos a natureza é
um valor em si próprio, ou seja, a vida natural é merecedora de
preservação pelo simples fato de ser vida. Como decorrência
disso, para os primeiros, a função ecológica não passa de
desdobramento da função social, confundindo-se com um
segmento desta. Para os outros, ao contrário, trata-se de outro
conceito, com outro objeto e tratamento. Importa, entretanto, que
o proprietário, no uso de sua propriedade, tem de observar
deveres em relação ao meio ambiente, em vista da previsão legal
da função ecológica da propriedade no parágrafo 1º do artigo
1.228 do Novo Código Civil (“o direito de propriedade deve ser
exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e
sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com
o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas
naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e
artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas”).
8.
Os modos de aquisição da propriedade imóvel. Aquisição
a título singular e a título universal. Aquisição originária
e derivada.
Em regra, a transferência da propriedade imóvel dá-se
por escritura pública devidamente registrada no Cartório de
Registro de Imóveis (art. 1.245). Por outro lado, os bens móveis
são transferidos, geralmente, pela tradição, independentemente
de registro (art. 1.267). Essa divisão foi realizada tendo-se em
vista o aspecto econômico: em Roma, a divisão entre res mancipi
(solo, animais de arado) e res nec mancipi (elefante, tigre)
refletia os valores econômicos em uma economia agrícola.
Atualmente, observa-se que tal classificação nem
sempre corresponde à real importância da coisa: um automóvel
Mercedez é seguramente mais valioso que um lote em uma
cidade pequena. Neste diapasão, bens móveis de considerável
valor econômico (navios e automóveis, por exemplo) exigem o
registro nos órgãos competentes, para que seja dada a devida
publicidade ao ato.
Adaptando-se ao quadro hodierno, o Professor
Junqueira propôs no Projeto de Código Civil de 1972 a seguinte
dicotomia: bens com registro e bens sem registro, à medida que
os bens móveis reputam, muitas vezes, maior valor econômico.
Entretanto, o Código Civil vigente, seguindo uma linha
tradicionalista, preferiu conferir maior relevância aos bens
imóveis.
Há três sistemas de aquisição de direitos reais no direito
romano-germânico:
1) Sistema prático (adotado na França e seguido em Portugal e
na Itália), pelo qual o título é suficiente para a transmissão dos
direitos sobre coisa. É criticado por permitir que direito pessoal
repercuta em direito real, cujos efeitos têm caráter erga omnes. O
registro exigido no sistema romano é fundamental para conferir a
publicidade necessária a um ato que a atinge a todos. A tradição,
do mesmo modo, é modo de transferência que atribui publicidade
à constituição de um direito real, mediante a transmissão da
posse direta sobre a coisa.
Pontos anotados por alunos do Prof. Junqueira de Azevedo - Titular da Faculdade de Direito da USP
2) Sistema romano (vigente no Brasil), pelo qual a traslação de
domínio requer uma sucessão de atos: é preciso título
(comumente um contrato) e modo determinado em lei (registro
ou tradição) para que se constitua direito real, inclusive de
propriedade. No caso do usufruto, faz-se mister o registro da
escritura de instituição do usufruto (acordo bilateral nãotipificado) na matrícula do imóvel.
Na França vigia este sistema, até que, com a utilização
reiterada da tradição convencional (estipulada no contrato),
através de cláusulas de estilo, dispensou-se o modo, restando a
tradição implícita aos contratos. Nesse sentido, confundiram-se
direito obrigacional e direito real, seguindo um forte apelo
popular. Destarte, na visão do Professor Junqueira, nosso
sistema é superior tanto nas conseqüências (especifica quem
arca com os prejuízos da coisa, por exemplo), quanto na
diferenciação entre direito real e direito pessoal.
3) Sistema radical (adotado na Alemanha), pelo qual basta o
modo para que se transfira propriedade. Há, nesta concepção,
dois atos voluntários desvinculados: um primeiro ato cria
obrigação e outro direito real (Einigung). Este último ato é
abstrato, abstraído de sua razão de ser. Desse modo, se advém
o inadimplemento definitivo, mas ocorre a transferência do
direito real sobre o bem, há enriquecimento sem causa.
Enquanto no Brasil, a transferência é um procedimento:
sucessão de atos; na Alemanha, o contrato (Vertrag) gera
efeitos desvinculados do direito real.
No Novo Código Civil, os artigos 1226 e 1227
consagram a aquisição do direito real, no Brasil, com o título e
o modo (tradição ou registro). No nosso sistema, o título
continua no modo para gerar o direito real (capítulo das
disposições gerais), de modo que a nulidade daquele contamina
o modo da aquisição.
O Código de 1916 elencava (artigo 530) entre os
modos de aquisição da propriedade imóvel, além do registro, o
usucapião, a acessão e o direito hereditário, olvidando-se do
casamento (especialmente em regime de comunhão de bens) e
do loteamento irregular – cujas ruas e praças passam para o
domínio do Poder Público, sem qualquer registro. Não há
artigo equivalente no novo diploma legal, mas observa-se certo
paralelismo com as atuais seções do capítulo sobre a aquisição
da propriedade imóvel.
A aquisição a título singular representa o recebimento
da coisa individuada, sem dívidas do transmitente, ao passo
que a aquisição a título universal refere-se a um patrimônio ou
à parte dele, incluindo ativo e passivo. A hipótese do legado,
no direito hereditário, é modo de transmissão a título singular;
diferentemente, é o caso dos herdeiros que recebem a
propriedade a título universal.
No modo de aquisição derivado (direito hereditário,
por exemplo), o adquirente recebe a propriedade do alienante
do modo como estava, com suas limitações inerentes, à medida
que se impõe o princípio de que “ninguém transfere mais
direitos do que tem”. Há uma relação de causalidade entre o
domínio do adquirente e o do alienante, segundo o Professor
Silvio Rodrigues. Por outro lado, na aquisição por modo
originário (usucapião e acessão), o direito de propriedade não
vem carregado dos limites anteriores. Casamento é modo de
aquisição derivada – recebe as coisas no estado que estava - a
título universal (patrimônio comum).
9.
O registro; valor constitutivo ou declaratório do
registro. A matrícula do imóvel.
8
O Registro Imobiliário surgiu, no Brasil, em 1843, por
meio da lei n. 317, para garantir o crédito hipotecário. Mais
tarde, em 1865, é criado o Registro Geral, pelo Decreto n. 3453.
Alarga-se, então, o número de documentos registráveis,
passando-se a exigir a transcrição dos títulos de compra e venda,
pura ou condicional e todos os demais títulos de transmissão
inter vivos da propriedade imóvel suscetíveis de hipoteca,
mantendo-se a função do registro como forma de garantir o
crédito.
O registro não era concebido, portanto, como forma de
aquisição dos direitos reais, mas simplesmente como forma de
exteriorização de seus efeitos a outras pessoas que não somente
as partes contratantes. O registro era, portanto, uma condição de
eficácia do título perante terceiros.
Esse panorama transforma-se com o advento do Código
Civil de 1916. Seu artigo 530 declara que a propriedade imóvel
adquire-se pela transcrição do título de transferência no Registro
de Imóveis. De um sistema de aquisição pelo título, o direito
pátrio passa a considerar o registro como ato constitutivo do
direito real sobre imóveis.
Desde então, o contrato de compra e venda, troca,
incorporação e doação não criam direitos reais no Sistema
Brasileiro, mas apenas vínculos obrigacionais. No ordenamento
pátrio, a aquisição de direitos reais sobre imóveis opera-se a
partir de dois atos coligados: o título e o modo de aquisição.
Sendo a transcrição do título negocial no registro público modo
de aquisição reconhecido pelo artigo 1245 do Novo Código
Civil, trata-se de um ato necessário, juntamente com o título
translativo, para a aquisição de direitos reais sobre imóveis. O
título expressa a vontade dos contratantes e cria apenas direitos e
obrigações pessoais. O registro, por sua vez, transfere o direito
real e possui, no atual Sistema Brasileiro valor constitutivo 14 . O
artigo 1227 reconhece esse valor constitutivo ao estipular que
“os direitos reais sobre imóveis constituídos, ou transmitidos por
atos entre vivos, só se adquirem com o registro...” (grifa-se).
Ademais, os direitos reais adquiridos só se tornam oponíveis a
terceiros a partir do registro (art. 221). O adquirente que não
transcreva o título, portanto, não possui ação reivindicatória do
direito real.
Os dois atos são coligados, sendo o registro ato causal,
dependente do título. Dessa forma, se o contrato é considerado
nulo, contamina o segundo ato que dele depende, de modo que
também o será o registro. O artigo 1245, § 2º, porém, determina
que enquanto não cancelado o registro, o adquirente continua a
ser havido como seu dono. Assim, mesmo que o título seja
anulado ou rescindido, o registro continuará produzindo seus
efeitos legais até que seja cancelado com base no vício do
negócio que lhe deu causa. O registro pode ser anulado ou
retificado, ainda, a pedido do interessado se o teor não exprimir a
verdade (art. 1246).
Ademais, cabe ressaltar que, conforme dispõe o artigo
1246, considera-se eficaz o registro desde o momento em que o
título é apresentado ao Oficial, que deve prenotá-lo no Protocolo.
Por assim ser, a transferência do direito real opera-se tão logo
seja o título prenotado pelo Oficial. Nesse momento, ainda que
14
WASHINGTON DE BARROS, no entanto, não entende dessa
forma: “A transcrição funciona não como ato transmissor do
domínio, mas como ato declaratório de sua disponibilidade. O
domínio preexiste anteriormente ao registro” (sic). Monteiro,
Washington de Barros. Curso de Direito Civil. V.3. São Paulo:
Saraiva, 1979, 19 ed, p. 108.
Pontos anotados por alunos do Prof. Junqueira de Azevedo - Titular da Faculdade de Direito da USP
tarde o registro definitivo na matrícula, o adquirente assume o
direito transferido e torna-se responsável pelas obrigações e
ônus que sobre ele recaiam.
Necessário que se diga, ainda, que o Código Civil
revogado conferia ao registro presunção relativa (juris tantum)
fundada na fé pública. Por força do art. 859, presumia-se
proprietária a pessoa inscrita na matrícula do imóvel até prova
em contrário. Todavia, tal dispositivo não encontra
correspondência no Novo Código.
O processo de registro dos títulos translativos de direitos
reais sobre imóveis encontra-se pormenorizadamente regulado
pela Lei dos Registros Públicos (6015/1973). Esse diploma
determina que o registro deve ser realizado na circunscrição do
imóvel, (art. 169), em matrícula própria para cada imóvel (art.
176, I da mesma lei), aberta por ocasião do primeiro registro e
na qual todos os atos jurídicos que se referem ao imóvel devem
ser registrados continuamente em uma seqüência ininterrupta
(art. 237). A matrícula e seus registros são feitos a partir dos
elementos constantes do título apresentado (arts. 196 e 228) e
devem conter (art. 176, II) o número de ordem, a data e a
identificação do imóvel. Essas regras têm por finalidade
permitir que o adquirente e terceiros interessados possam
comprovar se o alienante de fato é detentor do direito que
pretende transmitir e verificar quais ônus recaem sobre o
imóvel.
Dessa forma, o registro confere considerável grau de
segurança à circulação de bens imóveis, possibilitando sua
individuação (através da necessária descrição do imóvel) e
conferindo publicidade aos negócios jurídicos imobiliários,
requisitos fundamentais para que o título translativo torne-se
oponível a o direito exigível erga omnes, qualidade ínsita aos
direitos reais.
O Sistema Brasileiro de aquisição de direitos reais não
pode ser confundido com o Sistema Francês, mas tampouco
com o seu oposto, o Sistema Alemão. O primeiro, utilizado em
grande parte da Europa Continental (Itália, França e inclusive
Portugal), só exige o título para a transmissão dos direitos reais
sobre imóveis. Nos países que seguem esse sistema, a tradição
ficta - ou convencional - que se completa, por exemplo, com a
entrega das chaves, era muito consagrada e, assim, foi
transformada em regra jurídica, eliminando a necessidade do
modo de aquisição. A transcrição do título é realizada, nesses
países, apenas como meio de garantir publicidade ao ato e
torná-lo eficaz contra terceiros.
Necessário observar que esse sistema ocasiona alguns
problemas jurídicos. Em especial, aquele que surge quando do
perecimento da coisa antes da entrega. Nesse caso, encetado o
contrato e vindo a coisa a perecer, o negócio não pode ser
desfeito, já que o adquirente é dono desde a assinatura do
negócio.
No Sistema Alemão, por sua vez, a transmissão do
direito real sobre imóveis dá-se com o registro do imóvel em
nome de seu novo titular. Ao contrário do que ocorre no
Sistema Brasileiro, o ato de registro é abstrato e, assim sendo,
não depende da validade ou existência de um título translativo.
Ademais, o registro tem valor absoluto, pois toda propriedade
imobiliária alemã está inscrita em um cadastro, em que
constam todas as mutações dos imóveis, como um fiel espelho
da situação imobiliária. Há presunção absoluta de veracidade
dos dados constantes no cadastro, de modo que o direito
considera proprietário, para todos os efeitos, aquele cujo nome
está inscrito.
9
Se, após a transmissão – operada mediante transcrição no
Cadastro Geral de Imóveis da Alemanha – houver
inadimplemento contratual, utiliza-se como meio de defesa a
figura do enriquecimento sem causa.
10. A aquisição de bens (móveis e imóveis) “a non domino”.
O Registro Público detém quatro princípios norteadores:
a Continuidade da filiação dos proprietários; a Prioridade dos
Registros (determinada pela prenotação no protocolo); a
Publicidade (acesso livre de todos); e a Presunção de Veracidade
(o oficial de registro de imóveis tem fé-pública, servindo o
registro como prova). Ao comprar um imóvel, pede-se a certidão
vintenária do mesmo ao Registro (embora hoje seja de 15 anos o
prazo de usucapião, porém estamos em fase de transição).
O problema surge quando constar o nome de alguém
que não é dono, com falsificação de registro, de certidão, apesar
da fé-pública. O registro tem presunção iuris tantum. O
verdadeiro proprietário pode pedir para regularizar certos dados
(como o tamanho, por exemplo), conforme o artigo 1.247 do
Código Civil.
Cabendo reivindicação, caberia indenização do Estado?
O cartório é particular, embora tenha função pública (desde a
Idade Média!), apesar de estar mudando certas coisas, como não
passar por herança. Cabe indenização entre as partes, não do
cartório, salvo por ato ilícito deste.
Se o comprador confia no registro e o antigo dono pede
para alterar o registro há conflito, pois a propriedade é perpétua,
permanente. Cancelado o registro, o proprietário pode requisitar
o imóvel, independente da boa-fé ou do título do terceiro
adquirente (§ único do art. 1.247). Contudo, no capítulo do
Pagamento indevido, o proprietário que paga indevidamente a A,
o Legislador estabeleceu, no artigo 879, que “se aquele que
indevidamente recebeu um imóvel o tiver alienado em boa-fé,
por título oneroso, responde somente pela quantia recebida; mas
se agiu de má-fé, além do valor do imóvel, responde por perdas e
danos”. O proprietário terá direito somente ao valor, não à coisa.
Porém, só se reivindica se o imóvel foi alienado por título
gratuito ou se, por título oneroso, o terceiro agiu de má-fé.
Contudo, se esse terceiro vende a um quarto, não cabe
reivindicação, protegendo este. No pagamento indevido, protegese o 3° porque é negligência.
Quanto aos bens móveis, por meio da tradição, não se
aliena bem quem não é dono, salvo se perante terceiro de boa-fé,
coisa oferecida publicamente e o alienante pareça ser dono –
(teoria da aparência).
Pela Teoria da Aparência, exige-se: a) boa-fé subjetiva;
b) título oneroso; c) error communis (qualquer um cometeria).
Neste caso, a boa-fé aliena a propriedade de bens
móveis.
O artigo 1.268, em seu parágrafo 1°, estabelece que “se
o adquirente estiver de boa-fé e o alienante adquirir depois a
propriedade, considera-se realizada a transferência desde o
momento em que ocorreu a tradição”. Neste ato, o negócio
jurídico entre ambos é existente, válido e eficaz – o que acarreta
a possibilidade de perdas e danos, etc -, contudo, a tradição
permanece ineficaz, até a ocorrência da pós-eficacização do ato.
Título de negócio jurídico nulo não transfere a
propriedade (art. 1.268, § 2°).
11. Acessão: formação de ilhas, aluvião, avulsão e álveo
abandonado.
Pontos anotados por alunos do Prof. Junqueira de Azevedo - Titular da Faculdade de Direito da USP
A palavra acessão vem do latim, accessione, e indica
acréscimo, adição, aumento. Está ligado a acessório. Os antigos
dividiam a acessão em: de imóvel a imóvel; de móvel a imóvel;
de móvel a móvel.
No entanto, esta classificação é muito teórica, e como
o objeto do estudo é aquisição de propriedade imóvel, devemos
nos remeter à divisão feita pelo Código Civil na Seção III, do
Capítulo II do Título II, que trata da aquisição da propriedade
imóvel por acessão.
O artigo 1.248 determina que a acessão pode se dar de
5 formas: por formação de ilhas; por aluvião; por avulsão; por
abandono de álveo; por plantações ou construções.
De acordo com Silvio Rodrigues, acessão é o aumento
do volume ou do valor da coisa principal, em virtude de um
elemento externo, podendo advir de causas naturais ou de ato
humano. Das formas de acessão elencadas acima, podemos
dizer que as 4 primeiras derivam de causas naturais, sendo que
a última, plantações ou construções são fruto de ato humano.
Este ponto trata apenas das causas naturais.
No tocante à acessão, temos basicamente dois
problemas a serem resolvidos: a atribuição do domínio da coisa
acedida (que se resolve pela regra do acessório segue o
principal) e as conseqüências oriundas da acessão (norteadas
pelo princípio que veda o enriquecimento indevido). Nas
subseções dedicadas a cada espécie de acessão, o legislador
regulou tanto a questão do domínio quanto suas conseqüências.
Neste ponto é relevante apontar que é mais conveniente atribuir
a propriedade do todo ao dono da coisa principal e conferir
uma indenização, quando possível, ao proprietário desfalcado,
do que se constituir um condomínio indesejável, totalmente
desproporcional.
Ilhas
Quando surge uma ilha em alto-mar, ela não pertence
a ninguém, é res nullius, tendo em vista que o alto-mar é um
espaço que não está subordinado a nenhuma soberania. Desta
forma, a ilha pertencerá ao primeiro ocupante.
No caso de surgir uma ilha em mar territorial ou na
plataforma continental (o mar territorial pode ter a largura de
até 12 milhas marítimas, enquanto que a plataforma continental
pode se estender até 200 milhas a partir da linha da baixa-mar
do litoral continental e insular, ou linha de base), ela será do
país que exerce soberania sobre aquelas águas.
A ilha que aparecer num rio fronteiriço entre dois
países será dividida entre os dois países vizinhos da mesma
forma que uma ilha é dividida entre dois particulares: faz-se
uma linha imaginária no meio do leito do rio, de modo que
cada Estado fica com a parte da ilha que estiver de seu lado.
Os rios navegáveis são públicos, logo, as ilhas que
nele se formarem pertencem à pessoa de direito público a que
tais correntes pertencerem (art. 23 do cód. de águas – Dec.
24.643/34). De acordo com a CF, são da União os rios que
banhem mais de um estado, fazem limite com outros países ou
se estendam a territórios estrangeiros ou deles provenham; se
um rio estiver totalmente dentro de um estado federado, o rio
será dele.
As ilhas surgidas nos rios particulares, não
navegáveis, pertencem aos proprietários ribeirinhos, conforme
o artigo 1.249 do Código Civil. Neste, são aventadas 3
hipóteses:
- ilhas que se formam no meio do rio são consideradas
como acréscimo aos terrenos ribeirinhos de ambas as
-
-
10
margens, na proporção de suas testadas (parte dos
terrenos) até a linha que divide o álveo em duas parte
iguais. Assim, traça-se uma linha imaginária que divida
o leito pala metade. Ao imóvel ribeirinho será acrescido
o segmento que ficar do lado de sua margem, na
proporção da sua testada.
as ilhas que se formarem entre a referida linha e uma
das margens são acréscimo aos terrenos ribeirinho
fronteiros desse lado.
as ilhas que se formarem pelo desdobramento de um
novo braço do rio continuam a pertencer aos
proprietários dos terrenos à custa dos quais se
constituíram. Isso significa que o dono do terreno
transformado em ilha pelo novo braço do rio continua
sendo seu proprietário. Ocorre que o art. 24 do Código
de águas determina a possibilidade de haver uma
“desapropriação” deste terreno, pois esta ilha pode
entrar para o domínio público mediante prévia
indenização se a corrente for navegável.
Aluvião
Segundo o artigo 1250, o aluvião se caracteriza por
acréscimos imperceptíveis formados por depósitos e aterros
naturais nas margens das correntes ou pelo desvio de água delas.
É o aumento que o rio anexa às terras extremamente devagar,
sendo impossível determinar a quantidade acrescida. Esses
acréscimos sempre pertencem aos donos dos terrenos marginais,
sem que precisem pagar qualquer indenização.
Da mesma forma, se o terreno se formar na frente de
prédios diferentes será dividido entre eles na proporção da
testada de cada um sobre a antiga margem.
Avulsão
Ocorre quando, por força natural violenta uma porção
de terra se destaca de um prédio e se junta a outro. Essa é a
definição do CC, mas a definição do Código de águas parece
mais adequada: “Verifica-se avulsão quando a força súbita da
corrente arranca uma parte considerável e reconhecível de um
prédio, arrojando-a sobre outro.”
O proprietário desfalcado pode reclamar de volta a
porção que perdeu no prazo decadencial de um ano. Neste caso,
o dono do prédio acrescido poderá concordar com a remoção ou
decidir ficar com a porção de terra indenizando o primeiro.
Assim, o proprietário favorecido adquire a propriedade da porção
se indenizar o desfalcado ou se, no prazo de um ano, este não
houver reclamado.
Álveo abandonado
Pontos anotados por alunos do Prof. Junqueira de Azevedo - Titular da Faculdade de Direito da USP
Álveo é o leito do rio, a superfície que as águas
cobrem sem transbordar para o solo natural. Dizer que o álveo
é abandonado da corrente significa dizer que as águas não o
cobrem mais. Neste caso, a propriedade da área descoberta é,
nos termos do artigo 1.252, dos proprietários ribeirinhos das
duas margens, na proporção de suas testadas até o meio do
leito, sendo o rio público ou particular.
Os donos dos terrenos pelos quais as águas abrirem
novo curso não terão direito à indenização, pois é caso de força
maior, e se o rio voltar a seu antigo curso, o leito abandonado
volta a seus antigos donos.
Por fim, se a mudança da corrente é provocada por
utilidade pública, o dono do prédio ocupado pelo novo curso
será indenizado, mas o álveo abandonado passará a pertencer
ao expropriante (art. 27 do cód de águas.). Se o rio retorna ao
curso antigo, o novo leito abandonado continua a pertencer ao
expropriante.
12. Acessão: construções, semeaduras e plantações. Qual a
diferença de indenização que o construtor de boa-fé
deve pagar ao proprietário nos arts. 1.258 e 1.259 do
Código Civil?
A palavra acessão vem do latim “accessio”, que indica
aquilo q acresce a determinado bem. A acessão é um modo de
aquisição de propriedade no qual o proprietário de um bem
passa a adquirir o domínio de tudo aquilo que a ele adere. Na
acessão, destacam-se dois princípios: a coisa acessória segue a
principal e a proibição do enriquecimento sem causa.
A doutrina costuma dividir a acessão em dois grupos:
naturais e artificiais. A acessão artificial, também chamada
acessão industrial, são assim chamadas porque decorrem de um
comportamento ativo do homem. São, portanto, artificiais as
construções, semeaduras e plantações.
Em relação às semeaduras e plantações procede-se o
seguinte:
1- X planta com sua semente na terra de Y. A semente se
incorpora ao imóvel.
Se X de boa-fé. Y paga o valor das sementes.
Se X de má-fé. Y recebe as perdas e danos podendo exigir
que X retire as sementes.
2- Y planta na sua terra com sementes de X. A semente
se incorpora ao imóvel.
Se Y de boa-fé. Y paga o valor das sementes
Se Y de má-fé. Y paga o valor das sementes + indenização
3- Se houve má-fé de X e Y. A semente se incorpora ao
imóvel e Y deve indenização a X.
4 - Se Z planta com sementes de X no imóvel de Y. A
semente se incorpora ao imóvel.
X pode exigir o valor das sementes tanto para Z como para
Y.
Quanto às construções, a conseqüência é praticamente
a mesma das plantações, ou seja, o acessório segue o principal,
no entanto, é possível ocorrer a seguinte hipótese ( Junqueira ):
em um terreno na periferia se constrói uma casa de luxo, sendo
que essa construção tem cinco vezes o valor do terreno. Vejase que o Prof. Junqueira atribuiu essa hipótese às construções
por ser mais comum, mas pela lei o mesmo pode acontecer
com as plantações.
Por considerar injusta a aplicação da regra geral em
hipóteses como essa no qual a construção excede
consideravelmente o valor do terreno, o legislador optou por
dar ao construtor a propriedade do solo se de boa-fé ( art. 1255
11
par. un. do CC). Veja-se que, na verdade, trata-se de perda de
propriedade do imóvel, e não aquisição por acessão.
O prof. Junqueira entende que o novo CC deu privilégio
excessivo à classe produtora, pois o construtor de má-fé pode
invadir o solo alheio e, mediante o pagamento de 10 vezes o
valor da parte invadida, adquirir a propriedade do imóvel mesmo
contra a vontade do dono do imóvel. Obs: Isso se a parte
invadida não ultrapassar 5% do solo. Se ultrapassar, 5% o
construtor é obrigado a demolir e pagar as perdas e danos
apuradas em dobro.
O art. 1256 par. un. estabelece que presume-se má-fé no
proprietário, quando o trabalho de construção, se fez em sua
presença e sem impugnação sua. Essa presunção é "juris tantum"
( admite prova contrária ) e "hominis" ( é preciso elementos
subsidiário que torne o valor da presunção indiscutível.
O art. 1258 trata da construção que invade menos de 5%
do solo alheio. Nesse caso, o construtor de boa-fé paga
indenização que corresponde à parte do solo invadido +
desvalorização da parte remanescente.
O art. 1259 trata da construção que invade mais de 5%
do solo alheio. Nesse caso, o construtor de boa-fé paga
indenização que corresponde à parte do solo invadido +
desvalorização da parte remanescente + o valor que acrescer à
construção.
13. Usucapião: noção geral, elementos, objeto.
Usucapião é modo originário de aquisição do domínio,
através da posse mansa e pacífica, por determinado espaço de
tempo fixado por lei. Aqui o elemento tempo influi na
constituição de relação jurídica – é a chamada prescrição
aquisitiva. O fundamento utilizado pelo legislador é o interesse
em atribuir juridicidade a situações de fato que amadurecem no
tempo. O usucapião surge, pois, da necessidade de a posse ser
convalidada em propriedade. O direito de posse não é direito
real, e por isso há a necessidade dessa convalidação. O usucapião
(“a” usucapião segundo o novo Código), recai tanto sobre bens
móveis quanto imóveis. Ele constitui, ao lado das proteções
possessórias, os principais efeitos da posse. O usucapião pode
também ser alegado em defesa, sendo, pois, instrumento desta.
Bens públicos e bens fora do comércio não estão sujeitos a
usucapião.
As espécies de usucapião e peculiaridades de cada uma
são objeto do ponto 13, mas, resumidamente, consistem no
seguinte:
DE IMÓVEIS
Usucapião ordinário – tem prazo mais curto, 10 anos,
mas exige justo título e boa-fé.
Usucapião extraordinário – tem prazo mais longo, 15
anos, não sendo necessários justo título e boa-fé, mas somente a
posse mansa e pacífica e o decurso do prazo.
Usucapião especial – era chamado de pro labore ou
constitucional mas hoje não mais. Não é pro-labore porque antes
era só rural e hoje é também urbano. Não é constitucional porque
se encontra também hoje no Código Civil. O prazo é de 5 anos.
O usucapiendi não pode ter outros bens. Não se exige boa-fé. Há
limite de área, sendo de 50 hectares no rural, e 250m2 no urbano.
A pessoa deve morar no imóvel urbano em questão (ocupar com
moradia), ou deve morar e cultivar a terra no imóvel rural em
questão.
Usucapião coletivo – grupo de pessoas invade extensa
área, ocupando-a de boa-fé e realizando obras e serviços de
interesses, econômico e social, relevantes. É novidade no direito
Pontos anotados por alunos do Prof. Junqueira de Azevedo - Titular da Faculdade de Direito da USP
brasileiro (art. 1228, §4o NCC), e não há solução consolidada.
O prazo é de 5 anos. A propriedade é concedida mediante
desapropriação no interesse do grupo.
Problemas: quem
desapropria é o Judiciário e não o Executivo. A desapropriação
é no interesse de um grupo, e não de todo o público. Quem
deverá indenizar o desapropriado? Por esses problemas, muitos
dizer que o usucapião coletivo é inconstitucional.
DE MÓVEIS
Usucapião ordinário – idem acima com prazo de 3
anos
Usucapião extraordinário – idem acima com prazo
de 5 anos
Quatro elementos, basicamente, compõem o instituto.
São eles o curso do tempo determinado, a posse mansa e
pacífica, o justo título e a boa-fé. Esses dois últimos são
necessários apenas no usucapião extraordinário.
Quanto aos elementos objetivos, a posse deve ser
justa e o tempo é o determinado pela lei.
POSSE – Para a consumação do usucapião é preciso
que possuidor tenha atitude ativa, exercendo os poderes
inerentes à propriedade, e que, por outro lado, o legítimo
proprietário tenha atitude passiva, sendo omisso. A posse
mansa e pacífica, pois, é aquela contínua e incontestada.
Evidente que não é qualquer contestação que descaracteriza a
posse mansa e pacífica, sendo necessária a legítima defesa da
posse feita pelo proprietário. Embora tenha que ser contínua, a
lei permite a sucessão dentro da posse, podendo o possuidor,
para contar o tempo exigido, acrescentar à sua posse a do seu
antecessor, contanto que ambas sejam contínuas e pacíficas. A
posse injusta, a princípio, não dá ensejo ao usucapião. Posse
injusta é a posse violenta, precária ou clandestina. A posse
violenta pode se tornar ad usucapionem (passível de gerar
usucapião) caso cesse a violência, vindo, assim, a se tornar
pacífica. Já a posse clandestina, enquanto tal para muitos
autores, e pela teoria de Ihering, nem posse é, vez que ela não é
exteriorizada, pública, como são os poderes advindos da
propriedade, e como seriam os do justo possuidor. Como o que
vale para a violência, cessada a clandestinidade e verificandose inerte o proprietário, a posse pode convalidar-se. Já a posse
precária nunca dará ensejo ao usucapião, pois a precariedade
não cessa. São exemplos de posse precária a posse do locatário,
do usufrutuário, do comodatário, do depositário, etc.
TEMPO – O decurso do tempo foi reduzido no NCC.
O tempo para usucapião extraordinário é de 15 anos. Será de
10 anos se for realizada obra de grande interesse público. O
tempo para o usucapião ordinário é de 10 anos, sendo de 5 anos
se o bem foi recebido onerosamente e houver grande interesse
público. As causas que obstam, suspendem ou interrompem a
prescrição extintiva também se aplicam à prescrição aquisitiva
(usucapião).
JUSTO TÍTULO – Justo título é o documento
irregular que se fosse regular seria hábil à transferência do
domínio. É título hábil à transferência da propriedade, porém
irregular.
BOA-FÉ – Será de boa-fé a posse quando o possuidor
ignora o vício, ou o obstáculo que impede a aquisição da coisa.
Ao lado da boa-fé, há ainda outro elemento subjetivo. Trata-se
da capacidade para adquirir bens. Somados os elementos
subjetivos, pois, verifica-se que o usucapiendi deve acreditar
ser proprietário ou justo possuidor, além de ser capaz de
adquirir bens.
12
14. Usucapião de imóveis: espécies (usucapião
extraordinário, ordinário e especial). O “usucapião
coletivo/desapropriação judicial” do art. 1.228, § 4°, do
Código Civil.
Encontramos hoje no ordenamento brasileiro 5 tipos de
usucapião: (1) ordinário, (2) extraordinário, (3) especial rural, (4)
especial urbano e (5) coletivo. Todos estes se encontram
regulados pelo Código Civil de 2002.
Destes tipos de usucapião aquele que possuí uma
caracterização mais aberta é o extraordinário, pois além dos
requisitos genéricos do usucapião (ser o imóvel hábil a ser
usucapido, ter tido posse contínua e incontestada, além de ser
justa e ter animus domini e ter preenchido o requisito tempo) não
há nenhum requisito especial, o que é compensado pelo período
maior de tempo requerido para adquirir a propriedade do bem,
que no caso de bens imóveis é de 15 anos, reduzíveis para dez se
o possuidor estiver estabelecido a sua residência no imóvel ou
nele tiver realizado obras ou serviços de caráter produtivo.
O usucapião ordinário possui igualmente os requisitos
genéricos e mais dois: justo título e boa-fé. Esses são justamente
os aspectos que mais apresentam discussão na doutrina e na
jurisprudência.
No requisito do titulus (justo título), apresentam-se
algumas perguntas que tem de ser respondidas para esclarecer a
questão: (1) Que espécie de documento pode ser considerado
justo título? (2) Quais os vícios que tais documentos podem
portar? (3) Compromisso de compra e venda é justo título? (4) É
preciso a transcrição no registro de imóveis? A doutrina mais
tradicional diz que o justo título é todo aquele documento capaz
de transmitir a propriedade em tese, mas que por falta de
titularidade do transmitente ou que por falta de poder de
disposição do alienante, não transfere. Se filiam a essa teoria
Silvio Rodrigues e Washington de Barros. Caio Mario diz que
podem haver, ainda, outros vícios que não descaracterizam o
justo título, como erro no modo de aquisição.
Vem surgindo, no entanto, uma teoria mais liberal,
referente ao justo título, mais ligada aos fatores sócioeconômicos de nosso país. Representantes dessa ala mais liberal
são José Osório de Azevedo Junior e Nelson Luiz Pinto. Dizem,
a este respeito, que o fundamental em matéria de justo título, é a
existência de uma razão que dê base jurídica e torne explicável a
posse animus domini do adquirente.
Com relação ao compromisso de compra e venda e a
necessidade do seu registro, a teoria mais tradicional diz não se
tratar de documento hábil em tese, para transferir a propriedade
de um bem, por não agrupar, objetivamente, em si mesmo, as
condições necessárias para tanto e, ainda, que o não registro é
um vício que não pode ser sanado.
A doutrina mais liberal, ao contrário, entende que o
compromisso de compra e venda possui uma eficácia real, ainda
que não registrado. É em tese hábil a transferência do domínio,
pois possibilitaria a adjudicação compulsória em caso de recusa
do promitente vendedor. Não só o compromisso de compra e
venda seria justo título, como qualquer outro documento que
retrate uma justa causa possessionis, posse com animus domini,
e que possibilitaria ao possuidor futura transcrição desse
documento ou substituição por outro definitivo, como dação em
pagamento, cessão de direitos hereditários, etc.
A boa-fé é tida por parte da doutrina como a crença na
propriedade da coisa. Como elemento subjetivo, só pode ser
analisada numa hipótese concreta.
Pontos anotados por alunos do Prof. Junqueira de Azevedo - Titular da Faculdade de Direito da USP
Diante de tais requisitos especiais a lei reduz o tempo
que é necessário para adquirir o bem, sendo 10 anos no caso de
bens imóveis, reduzíveis para 5 se o imóvel tiver sido
adquirido a título oneroso e o possuidor estiver estabelecido
sua residência no imóvel ou tiver realizado investimentos de
interesse social. No caso de bens móveis o período de tempo é
de 3 anos.
Já o tipo de usucapião dito especial são de dois tipos:
o rural e o urbano. Esse meio de adquirir a propriedade
apresenta os requisitos gerais do usucapião e para cada um
requisito especial. Para o rural é necessário um período de 5
anos de habitação e produção em um terreno não maior que 50
hectares. Já para o urbano o prazo é o mesmo, porém o
requisito especial é que o imóvel seja utilizado para a moradia
do possuidor, que não seja maior que 25 metros quadrados e
que esse não possua outro imóvel urbano ou rural.
O usucapião coletivo é uma figura recentemente nova
no ordenamento jurídico pátrio que foi criada diante da
realidade socioeconômica nacional, pois diante do problema
habitacional existente, muitas famílias são obrigadas a ocupar
um imóvel não utilizado e nele essas pessoas passam a residir.
Os requisitos são os mesmos do usucapião urbano, porém a
diferença é que nesse modo de aquisição de propriedade um
grande número de pessoas habitam um terreno maior que o
limitado no usucapião especial urbano. Porém, nesse tipo de
usucapião a lei exige a boa-fé, que é o mesmo requisito
requerido para o usucapião ordinário, requisito esse colocado
para evitar abusos cometidos pela coletividade.
15. Quadro geral dos modos de aquisição dos bens móveis.
A classificação dos bens em móveis e imóveis:
conseqüências jurídicas. Os bens móveis merecem
todos o mesmo tratamento jurídico? Os automóveis se
adquirem pela tradição ou pelo registro? E os navios e
aviões?
Existem sete modos de aquisição da propriedade
imóvel. Dois derivados e cinco originários.
O modo é derivado quando entre o domínio do
adquirente e o do alienante existe uma relação de causalidade
representada por um fato jurídico. O modo é originário quando
não há qualquer relação de causalidade entre o domínio atual e
o estado jurídico anterior.
São modos derivados: a tradição, que é transferência
inter vivos, e o direito hereditário, que é modo de transferência
causa mortis.
Tradição: é a transferência, a transmissão de coisa do
alienante ao alienatário com o ânimo de transferir-lhe a
propriedade – o Del Nero fala em tradição duplamente
qualificada pela vontade das partes (de deixar de ser dono e de
tornar-se dono).
É real quando há a efetiva entrega da coisa; é
simbólica quando há a entrega de algo que representa a coisa
(ex.: chaves); é ficta quando é feita por um simples acordo
(sem a entrega de fato ou simbólica). Três são as formas de se
dar a tradição ficta. O proprietário “A” está na posse de seu
bem. Resolve transmiti-lo a um terceiro “B” e firmar com este
um contrato de locação. Não são necessárias duas entergas
sucessivas (de “A” para “B” e de “B” para “A”). Basta que seja
pactuada a tradição, por meio do constituto possessório,
alterando a situação da posse de “A”. Em outro caso ocorre o
inverso: quando o adquirente já está na posse da coisa (como
locatário ou comodatário, por exemplo) há apenas a
13
necessidade de mudança da situação da posse (passando a ser
proprietário) tem-se a tradicio brevi manu. A última forma de
tradição ficta ocorre quando a coisa está nas mãos de terceiro:
não precisa haver tradição, bastando o acordo.
Direito hereditário: matéria referente ao direito das
sucessões – a herança (título universal) e o legado (título
singular).
São modos originários: a ocupação, a usucapião, a
especificação, o achado de tesouro, e a confusão, comistão e
adjunção.
Ocupação: é a tomada da posse de coisa sem dono, com
o intuito de lhe adquirir o domínio. São sujeitas a esta forma de
apropriação: as coisas de ninguém (res nullius) e as coisas
abandonadas (res derelicta). A caça e a pesca também são
formas de ocupação.
Usucapião: usucapião é a aquisição de propriedade pela
posse pacífica prolongada por tempo determinado em lei. Há
quem a chame de prescrição aquisitiva.
Especificação: obtenção por alguém de espécie nova
por trabalho em determinada matéria-prima.
Achado de tesouro: o achado de depósito antigo de
coisas preciosas, oculto e de cujo dono não haja memória.
Confusão, comistão e adjunção: respectivamente a
mistura de coisas líquidas, a mistura de coisas sólidas e a
justaposição de uma coisa à outra.
Várias são as diferentes conseqüências jurídicas entre
bens móveis e os bens imóveis. A primordial delas é quanto aos
modos de aquisição. Embora também sejam diferentes os modos
originários, a principal distinção se dá quanto ao modo derivado
inter vivos de aquisição. Para bens imóveis a transferência se dá
com o registro; os bens móveis se transferem pela tradição. Em
todos os campos do direito civil diferenças podem ser apontadas:
o prazo para usucapir, o direito real de garantia cabido (hipoteca
sobre móveis, penhor sobre móveis), a possibilidade de apenas
particulares figurarem na alienação fiduciária, só os bens móveis
podem ser doados verbalmente, a necessidade de outorga uxória
para se alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis...
É importante salientar que o direito civil não mais deve
tratar todos os bens móveis igualmente. Também não mais se
pôde ver os bens imóveis como mais valiosos e relevantes do que
os móveis. Isto não é mais verdade.
Junqueira propõe uma forma de classificação dos bens
móveis, em: não registráveis (subdivididos em duráveis e não
duráveis – esta divisão existe no CDC) e registráveis. Os não
registráveis deveriam transmitir-se inter vivos pela tradição; os
registráveis pelo registro. O tratamento, portanto, deveria ser
distinto para ambos tipos de bens móveis, aproximando os
registráveis dos imóveis.
De fato existem bens móveis que são registráveis
(automóveis, navios e aviões), mas isso não implica
necessariamente que sua transmissão se de pelo registro.
Os automóveis são registráveis, entretanto sua
transmissão se dá pela tradição.
As embarcações de pequeno porte (iates, lanchas),
embora sejam registráveis, se transferem por tradição; os navios
que pesam mais de 20T, se transferem por registro.
As aeronaves se transferem por inscrição do título de
transferência no Registro Aeronáutico Brasileiro (Lei 7565/86,
art. 115, IV).
Por fim vale ressaltar que são todos bens móveis,
embora tenham tratamento às vezes semelhante ao dos bens
Pontos anotados por alunos do Prof. Junqueira de Azevedo - Titular da Faculdade de Direito da USP
imóveis: navios (com mais de 20T) e aviões transferem-se por
registro e estão sujeitos à hipoteca (e não ao penhor).
16. Ocupação; quais os bens sujeitos à ocupação? A quem
pertence o animal caçado? O que deve fazer o
proprietário quando o animal ferido, perseguido pelo
caçador, vier a se abrigar no pátio de sua casa? A caça
e a pesca se regulam pelo atual Código Civil?
A ocupação é provavelmente o modo de aquisição
mais antigo do mundo. Trata-se de modo de aquisição
originário de propriedade de bem móvel (Somente bem móvel!
No direito romano era possível a aquisição de bens imóveis
mediante ocupação. No direito brasileiro, a figura capaz de
atribuir propriedade de bem imóvel mediante tomada de posse
é o usucapião, que exige alguns requisitos a mais – tempus,
fides, titulus, etc..). É definida por Silvio Rodrigues como “a
tomada de posse de coisa sem dono, com a intenção de lhe
adquirir o domínio”.
O Código Civil de 2002 trata da ocupação em um
único artigo:
“Art. 1.263. Quem se assenhorar de coisa sem dono
para logo lhe adquire a propriedade, não sendo essa ocupação
defesa por lei”.
Sujeitam-se à ocupação as coisas sem dono, que
podem ser:
a) res nullius (coisas de ninguém)
b) res derelicta (coisas abandonadas)
O CC de 1916, em seu art. 593, definia as de ninguém
e sujeitas à apropriação (I – os animais bravios, enquanto
entregues à sua natural liberdade, II – (...) – consultar o
artigo). Não há dispositivo correspondente no NCC.
Considera-se coisa abandonada aquela que o dono
teve a intenção de abandonar. Muitas vezes, pode ser difícil
para aquele que deseja proceder ao abandono expressar essa
sua intenção. Para ilustrar a hipótese, o Prof. Junqueira conta a
história da viagem que fez à Europa quando era jovem. Tendo
permanecido durante toda a longa viagem com o mesmo
sobretudo, ao final, desejava livrar-se da peça, a qual
certamente seria útil a alguém. Queria abandoná-la, e não
simplesmente jogá-la no lixo. Para manifestar sua intenção de
abandono, depositou o sobretudo na borda de uma lixeira, pois
de outra forma (deixando-o sobre um banco, por exemplo),
alguém poderia pensar que aquela era uma peça perdida, e
como é hábito na Europa, levaria-a à seção de achados e
perdidos do metrô. Da maneira que fez, demonstrou claramente
que aquela era uma coisa abandonada, tornando-a passível de
ocupação.
Nota: não se deve confundir abandono com renúncia.
Renúncia, ao contrário do abandono, exige manifestação
formal de vontade.
Após definir no art. 593 as coisas de ninguém, o CC
de 1916 agrupava normas sobre a caça e a pesca, as quais
também podem ser classificadas como modos de aquisição
originários. Essas regras não foram reproduzidas no NCC. Com
isso, a matéria passou a ser disciplinada exclusivamente pelos
códigos de Caça (Lei n. 5197/67) e Pesca (Dec-lei n. 221/67).
No entanto, ao consultarmos o § 2º do art. 1º do
Código de Caça, iremos nos deparar com um problema de
direito intertemporal. De acordo com referido artigo,“a
utilização, perseguição, caça ou apanha de espécies da fauna
silvestre em terras de domínio privado, mesmo quando
permitidas na forma do parágrafo anterior, poderão ser
14
igualmente proibidas pelos respectivos proprietários, assumindo
êstes a responsabilidade da fiscalização de seus domínios.
Nestas áreas, para a prática do ato de caça é necessário o
consentimento expresso ou tácito dos proprietários, nos têrmos
dos arts. 594, 595, 596, 597 e 598 do Código Civil”.
Ou seja: o Código de Caça, lei vigente, faz remissão ao
Código Civil de 1916, expressamente revogado pelo art. 2.045
do Novo Código Civil, o qual não possui dispositivos
correspondentes, aos quais, nos termos de seu art. 2.046
poderíamos considerar a remissão feita. 15
Afinal, os arts. 594, 595, 596, 597 e 598 do antigo
Código Civil estão ou não revogados?
Na opinião do professor Junqueira, eles continuam em
vigor. Isso porque, quando da elaboração do Código de Caça, o
legislador optou pela técnica legislativa de fazer remissão a outro
diploma legal, quando poderia simplesmente ter reproduzido
aqueles artigos do CC16 no corpo de seu texto.
Encontraremos o mesmo problema quanto ao Código de
Pesca, e a solução deve ser a mesma.
Assim sendo, a solução das questões a respeito de quem
pertence o animal caçado e o que deve fazer o proprietário
quando o animal ferido, perseguido pelo caçador, vier a se
abrigar no pátio de sua casa, são solucionadas pelos arts. 595 e
597 do CC16, ainda vigente, por força da referência feita pelo
Código de Caça.
“Art. 595. Pertence ao caçador o animal por ele
apreendido. Se o caçador for ao encalço do animal e o tiver
ferido, este lhe pertencerá, embora outrem o tenha apreendido”.
“Art. 597. Se a caça ferida se acolher a terreno
cercado, murado, valado ou cultivado, o dono deste, não
querendo permitir a entrada do caçador, terá que a entregar, ou
expelir”.
17. Achado de coisas perdidas e achado de tesouro. A quem
pertence o tesouro encontrado em propriedade
resolúvel? E, no imóvel enfitêutico? E, se o caso for de
usufruto? A quem cabe a propriedade do anel de
brilhante encontrado entre os restos de avião caído e não
reivindicado por ninguém?
A descoberta é o encontro de coisa alheia perdida (no
antigo Código, invenção) e não proporciona o direito de
aquisição. Quem acha coisa alheia perdida deve restituí-la ao
dono ou legítimo possuidor, segundo o art. 1.233 do Código
Civil, tendo direito à recompensa não inferior a 5% do valor da
coisa achada. A natureza do crédito do descobridor é “propter
rem”, isto é, a obrigação de pagar a recompensa segue a coisa
achada.
Além deste valor, o dono deverá ressarcir o descobridor
das despesas que houver feito com a conservação e transporte da
coisa, podendo o dono optar por seu abandono. Neste caso, o
Município torna-se proprietário da coisa, podendo, no entanto,
abandoná-lo em favor do descobridor se a coisa for de pequeno
valor.
Caso o dono da coisa não seja encontrado, a coisa
deverá ser entregue à autoridade competente que divulgará a
descoberta pela imprensa ou outros meios de comunicação.
15
NCC, art. 2.046. Todas as remissões, em diplomas legislativos,
aos Códigos referidos no art. antecedente (CC16 e Primeira
Parte do Cco de 1850), consideram-se feitas às disposições
correspondentes deste Código.
Pontos anotados por alunos do Prof. Junqueira de Azevedo - Titular da Faculdade de Direito da USP
Passados 60 dias sem a apresentação do proprietário, a coisa
será vendida em hasta pública, pertencendo o valor ao
município, deduzidas a recompensa e despesas devidas ao
descobridor.
O achado de tesouro (“depósito antigo de coisas
preciosas, oculto e de cujo dono não haja memória”, art 1.264)
consiste em um dos modos de aquisição de propriedade móvel.
O tesouro será dividido por igual entre o proprietário do prédio
em que for achado e aquele que o achar, salvo se este estiver a
mando do proprietário, hipótese em que o tesouro pertencerá
por inteiro a este.
No caso de propriedade resolúvel, o proprietário
resolúvel terá direito à metade do tesouro achado. No que se
refere ao imóvel enfitêutico o tesouro será dividido entre
descobridor e enfiteuta, salvo se este seja o descobridor ou a
descoberta tenha sido encetada à sua ordem (art. 609, CC).
No caso de usufruto, existia regra específica no
Código Civil de 1916, o que não ocorre em relação ao Novo
Código. Segundo o art. 727 do CC/1916: “O usufrutuário não
tem direito à parte do tesouro achado por outrem...”. Ele terá
direito à metade apenas se for o descobridor, como qualquer
outro, ficando a metade restante com o nu proprietário.
Silvio Rodrigues entende que o caso do anel
encontrado nos destroços é típico caso de descoberta. Assim
sendo, o descobridor deverá procurar o proprietário e não
obtendo sucesso, o anel deverá ser entregue à autoridade
competente. Esta procederá à venda do anel em hasta pública
se o dono não aparecer em 60 dias após divulgação da
descoberta. Do valor conseguido no leilão, pertencente ao
município, deverá ser deduzida a recompensa do descobridor e
as despesas com a conservação e transporte.
18. Usucapião de coisas móveis. Espécies. As coisas
furtadas estão sujeitas a usucapião?
O fundamento em que se baseia o usucapião de bens
móveis é o mesmo que inspira o dos imóveis, ou seja, a
necessidade de dar jurisdicidade a situações de fato que se
alongaram no tempo. Por isso seus conceitos são os mesmos e
apenas diferem quanto aos prazos. No usucapião de coisas
móveis e semoventes, uma vez que a tradição transfere o
domínio (diferente do direito francês em que a posse do móvel
por si só pressupõe a propriedade), a posse inconturbada da
coisa móvel em geral é suficiente para o direito e proteção do
titular.
No caso de bens móveis que necessitem de registro,
por ex. os automóveis, Venosa nos explica que esses bens
como toda coisa móvel se transfere pela tradição e o registro na
repartição administrativa não interfere no princípio de direito
material. A ausência do registro poderá trazer sanções
administrativas ao proprietário mas não impede a obtenção da
declaração de propriedade por meio do usucapião.
Há duas espécies de usucapião de bem móvel: o
ordinário e o extraordinário. Os requisitos do ordinário são
possuir como sua coisa móvel, ininterruptamente e sem
oposição, durante 3 anos. Essa posse deve ser contínua e
pacífica, além de ser exercida com animus domini que tenha
por base justo título e boa-fé. Já o extraordinário dispensa o
justo título e a boa-fé para o possuidor do bem adquirir o
domínio. Exige, porém, um prazo de 5 anos.
O art. 1262 CC manda aplicar os arts. 1243 e 1244 ao
usucapião das coisas móveis. Desse modo, o possuidor poderá
unir a sua posse à do seu antecessor, desde que ambas sejam
15
contínuas e pacíficas. Esses dois artigos não só permitem a
acessão da posse como também das causas que impedem,
suspendem ou interrompem a prescrição ao usucapião.
Quanto às coisas furtadas, a questão é controversa. Em
relação ao terceiro de boa-fé a jurisprudência parece tranqüila ao
admitir a possibilidade do usucapião como no julgado abaixo
USUCAPIÃO - VEÍCULO FURTADO - ADQUIRENTE DE
BOA-FÉ - POSSIBILIDADE - CARÁTER VIOLENTO DA
POSSE CESSADO PARA O ADQUIRENTE - ARTS. 490, 492,
497, E 618 DO CÓDIGO CIVIL - APELAÇÃO CIVIL APELAÇÃO PROVIDA - Opera-se o usucapião, uma vez
ocorrentes os requisitos do art. 618 do Código Civil, em favor do
terceiro de boa-fé que adquire veículo objeto de furto ou roubo.
A posse é de boa-fé quando o possuidor ignora o vício que
impede a aquisição da coisa (Código Civil, art. 490). Ainda que
violenta a posse de início obtida pelo autor da subtração, não se
transmite ela com esse caráter ao terceiro adquirente de boa-fé,
pois quando da aquisição a violência já cessara. A regra do art.
490 do C. Civil deve ser entendida em harmonia com a do seu
art. 497, pelo qual a posse violenta perdura só enquanto perdurar
a violência; cessada esta, há posse útil. (TAPR - AC 85.593-4 3ª C. Civ. - Rel. Juiz Celso Guimarães - DJPR 09.05.97).
Para o Prof. Junqueira há a necessidade de a res furtiva
ser usada publicamente, ela deve ultrapassar a clandestinidade.
Possui esse mesmo entendimento do prof. o voto vencedor do
julgado seguinte
Embargos Infringentes na Apelação Cível n. 252.762-2/01 Relator p/ o acórdão: Juiz Armando Freire - j. 4/3/99 - publ. DJ
21/10/99
Usucapião - Veículo furtado - Posse precária - Voto vencido
- Não se adquire por usucapião veículo furtado, em face de sua
origem ilícita.
V.v. - O simples fato de ser furtado o veículo não impede a
aquisição por usucapião, tendo a posse se tornado pública, não
apenas pelo trânsito normal do mesmo, como por sua
regulamentação perante o Detran (Juízes Ernane Fidélis e Lopes
de Albuquerque).
Há, ainda, entendimento jurisprudencial em que admite
o usucapião da coisa furtada por quem sabia da sua origem ilícita
e até mesmo por quem praticou o furto. Esse é, inclusive, o
entendimento de Pontes de Miranda, como se observa no julgado
abaixo.
USUCAPIÃO DE COISA MÓVEL – Automóvel furtado.
Reconhece-se usucapião extraordinário pela posse superior a
cinco anos, mesmo que o primeiro adquirente conhecesse o
vitium furti. "O ladrão pode usucapir; o terceiro usucape, de boa
ou má-fé, a coisa furtada" (Pontes de Miranda). Sentença
confirmada. (TARS – AC 190.012.799 – 4ª C – Rel. Ernani
Graeff – J. 17.05.1990) (RJ 160/90).3
19. O que é especificação? A quem se atribui a nova species
quando o material não é do especificador? A quem
pertencem as coisas confundidas, misturadas ou
adjuntadas sem consentimento dos donos?
De acordo com Orlando Gomes ocorre a especificação
quando “coisa móvel pertencente a alguém é transformada em
espécie nova pelo trabalho de outrem”.
A natureza jurídica deste instituto é controvertida.
Dentre os romanos, entendiam os sabinianos que se tratava de
forma de acessão, motivo pelo qual a propriedade da coisa nova
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deveria pertencer ao dono da matéria prima. Opostamente, os
proculeianos sustentavam que a propriedade da coisa nova
deveria pertencer ao especificador, baseando-se no argumento
de que havia destruição da coisa antiga.
Atualmente, a opinião prevalecente é a de que não se
trata de acessão uma vez que não há incorporação de uma coisa
a outra, mas transformação de matéria prima de outrem em
espécie nova.
São requisitos da especificação: que a matéria prima
não pertença ao especificador; e que seja transformada em
espécie nova pelo trabalho do especificador.
A propriedade da nova species é um problema cuja
solução será diversa de acordo com as circunstâncias:
a) pertencer a matéria prima totalmente ou em parte ao
dono da coisa antiga;
b) poder ou não poder ser restituída à forma anterior;
c) estar o especificador, ou não, de boa-fé.
As soluções serão:
I) se a matéria prima pertence em parte
ao especificador e não pode ser restituída à forma
anterior: a propriedade da nova species será do
especificador;
II) se a matéria prima pertence em parte
ao especificador, mas pode ser restituída à forma
anterior: o dono da matéria prima não perde a
propriedade;
III) se a matéria prima pertence
totalmente a outrem e não pode ser restituída à
forma anterior: a solução varia conforme esteja o
especificador de boa-fé – a nova species lhe
pertencerá – estando de má-fé – a nova species
pertencerá ao dono da matéria prima;
IV) se a matéria prima pertence
totalmente a outrem e pode ser reduzida à forma
anterior: a coisa pertencerá ao dono da matéria
prima;
V) se a matéria prima pertence
totalmente a outrem, sendo indiferente que possa
ou não ser reduzida ou não à forma anterior e que
o especificador esteja ou não de má-fé: se o preço
da mão de obra exceder consideravelmente o
valor da matéria prima, a species nova será do
especificador.
Em todos estes casos, a aquisição da propriedade, seja
ela pelo dono da matéria prima, seja pelo especificador, se dá
mediante pagamento de indenização. Exceção a isto é a
hipótese de especificação feita de má-fé (aí o dono da matéria
prima está dispensado de pagar a indenização). VER
ARTIGOS 1269 a 1271 NCC.
São também formas de aquisição da propriedade a
confusão – mistura de coisas líquidas, a comistão – mistura de
coisas sólidas, e a adjunção – quando há justaposição de uma
coisa à outra (de modo que não possam ser separadas sem
deterioração – ligas metálicas). Desta união não pode resultar
coisa nova – daí seria especificação, e também não deve haver
a possibilidade de separação das coisas misturadas,
confundidas ou adjuntas (em existindo essa possibilidade, mas
sendo ela excessivamente dispendiosa, aplicar-se-á a regra do
condomínio forçado, a ser vista nas linhas subseqüentes).
Segundo regra geral da acessão, propriedade dessas
coisas pertencerá ao dono da coisa principal, sendo critério de
sua determinação por vezes o do maior valor – não satisfatório
16
se auferido por seu preço de mercado, somente; por vezes o da
maior importância – critério subjetivo, vez que a importância
pode ser classificada sob critérios diversos. A lei estabelece a
solução.
A cada um dos donos caberá seu quinhão proporcional
ao valor da coisa. Institui-se, dessa forma, um condomínio
forçado. Também pode haver um condomínio optativo, pelo qual
o dono da coisa que por outrem foi misturada tem o direito de
escolher entre o condomínio e o recebimento de indenização.
Se uma das coisas puder ser considerada principal em
relação à outra, a propriedade do todo pertencerá ao seu dono,
possuindo o proprietário da coisa acessória o direito à
indenização correspondente, se estava de boa-fé. Se de má-fé, o
outro proprietário pode optar entre ficar com a propriedade do
todo, pagando a parte que lhe não pertencia, ou renunciar à de
que era dono, exigindo do outro indenização cabal.
Somente quando há coisa principal e acessória é que se
verifica, de modo próprio a acessão. Mas, no condomínio
forçado, também se verifica transferência de propriedade.
Na confusão e na comistão realmente há acessão. Na
adjunção, porém, opera-se apenas uma união. VER ARTIGOS
1272 a 1274 NCC.
Pelo fato de as coisas ficarem em condomínio,
Junqueira diz não se tratar de modo originário propriamente dito.
20. Tradição: a tradição como modo de aquisição da
propriedade móvel. Espécies e natureza jurídica. O caso
de aquisição dos bens móveis registráveis, como navio,
avião e automóveis; a responsabilidade de quem figura
como dono.
A tradição é um modo de aquisição da propriedade móvel,
transferindo-na do antigo para o novo dono. A palavra é utilizada
no Brasil tanto nesse sentido jurídico como quando se quer
referir ao conservadorismo. Na verdade, analisando mais
cuidadosamente, pode-se perceber que o sentido é o mesmo,
visto que os tradicionalistas também transferem, entregam o
costume de uma geração para outra, ou seja, o caráter de entrega
serve tanto aos bens materiais como aos imateriais. (no caso, os
costumes).
Espécies de tradição:
1) REAL: é a entrega verdadeira da coisa, a tradição
física do bem;
2) SIMBÓLICA: também é a entrega de uma coisa,
mas não do bem específico, mas sim é a tradição de
algo que simbolize o bem, como as chaves de um
carro ou um imóvel;
3) FICTA: não ocorre a entrega da coisa, ela é feita de
modo consensual, um acordo entre as partes. Essa
espécie se sub-divide em mais 3:
i) Constituto Possessório: alguém que já
tem a posse transfere a propriedade para
outrem mas mantém a posse. Ex: A vende
carro a B, mas loca o mesmo por uma
semana. B torna-se proprietário, mas só terá
a posse depois desse período;
ii) “Traditio previ manu”: situação oposta
da anterior, o possuidor adquire o bem do
proprietário, que já não tinha a posse. Ex: A
é locatário do carro de B, que o vende. A
simplesmente mantém a posse, tornando-se
dono;
Pontos anotados por alunos do Prof. Junqueira de Azevedo - Titular da Faculdade de Direito da USP
iii) a coisa está com 3º: após a conclusão
do negócio o antigo proprietário diz para
que o adquirente retire a coisa, que está na
posse de 3º. Esse fato é bastante comum
nos casos de transferências de títulos,
como o comprovante de depósito para os
bens armazenados.
Analisando a tradição pela sua natureza jurídica, vê-se
que ela é vinculada a um título anterior (algum contrato), não é
um ato abstrato, ao contrário do direito alemão. A mera entrega
de uma coisa não significa a transferência de sua propriedade,
pois pode ser um comodato, por exemplo. Carnelutti classifica
os atos, segundo os precedentes, em livres, devidos, ilícitos ou
provimentos. Os primeiros independem de obrigação anterior,
como os segundos, enquanto que os terceiros são o
descumprimento do devido. Os últimos, no entanto, surgem do
Direito Público, tendo como precedente a autoridade, investida
do poder necessário. Para o Prof. Junqueira, existem apenas 3
tipos de atos: os livres, os devidos e os que explicitam um
poder, mesmo na esfera do Direito Privado, excluindo os atos
ilícitos.
Assim, a tradição é um ato devido, não livre, pois a
obrigação já existe de modo contido desde a execução do
contrato. Contudo, dependendo da espécie, a natureza jurídica
da tradição pode mudar. Nos casos de tradição material (real
e simbólica), existe um ato em sentido estrito, pois ocorre uma
mera operação, não uma manifestação de vontade. A prática do
ato produz efeitos jurídicos, mas não há uma vontade direta de
produzi-los. Ao contrário, na tradição consensual (ficta) ocorre
um negócio jurídico, pois a manifestação de vontades das
partes vincula aos efeitos jurídicos.
Dentro da distinção entre bens móveis e imóveis, sendo
estes transferidos através do registro em cartório e aqueles por
mera tradição, existe ainda uma categoria de bens que não se
enquadra em nenhuma das duas anteriores. Esses são os bens
móveis de alto valor, como aviões, navios e automóveis que,
apesar de serem transferidos por tradição, estão sujeitos ao
registro. O Prof. Junqueira defende que eles deveriam compor
a classe dos bens registráveis, até porque já existem exceções:
os automóveis são transferidos pelo registro no DETRAN e
navios acima de 20 toneladas também são transferidos por
registro, por disposição de lei especial. Além disso, esses bens
estão sujeitos à hipoteca, instituto típico de bens imóveis.
21. Condomínio em geral. Noção e espécies (condomínio
tradicional, condomínio necessário, condomínio
edilício, time sharing, “condomínio fechado”, shopping
center, etc.).
Contrariamente àquela concepção histórica da
propriedade como direito exclusivo, temos a figura do
condomínio. O condomínio é a propriedade em comum, por
uma pluralidade de sujeitos. No condomínio, temos um só
direito subjetivo de propriedade, cabendo a cada um dos
proprietários uma fração ideal.
Não se confunde com a composse, que é a situação
fática de ocupação física de um mesmo bem por uma
pluralidade de sujeitos. O condomínio [ou co-propriedade] é
direito subjetivo [relação jurídico-material] de propriedade
comum a mais de um titular. Há um certo paralelismo entre
composse e condomínio, no sentido de que a posse está para a
composse assim como a propriedade está para o condomínio.
Desse modo, também o condomínio pode ser tanto “pro diviso”
17
(divisível) quanto “pro indiviso” (indivisível), conforme seja
divisível juridicamente a coisa objeto; a diferença está em que na
co-propriedade “pro diviso” poderá haver usucapião entre
compossuidores.
O Direito Romano já reconhecia a figura do
condomínio. Era visto como forma anormal de propriedade. Era
considerado grande fonte de rixas (“mater rixarum”) e, assim,
tratavam-no como figura temporária, destinada a desaparecer.
O Direito Brasileiro mantém essa orientação romanista
no tratamento do condomínio tradicional (voluntário),
conferindo aos condôminos a possibilidade de:
- exigir, a qualquer tempo, a divisão da coisa
comum, caso se trate de coisa divisível
(art. 1320, “caput”);
- exigir a venda da coisa comum indivisível
para acabar com o condomínio (art. 1322);
- em ambos os casos, a ação é
imprescritível.
No mundo moderno, entretanto, torna-se necessário que
lidemos com novas situações, em que a co-propriedade seja
tomada como situação jurídica permanente. Dessa forma, podese dizer que, hoje, existem diferentes espécies de condomínio,
quais sejam:
(i) tipificadas no NCC:
1) Condomínio tradicional: o qual o NCC nomeia,
erroneamente [segundo o Prof. Junqueira], de voluntário,
haja vista que a propriedade comum, nesses casos,
geralmente origina-se por ato testamentário. Esse tipo não é
bem-visto pelo legislador, recaindo sobre ele as antigas
reservas romanas quanto à sua existência. Assim, é tido
como essencialmente temporário, sendo possível acabar com
ele a qualquer tempo.
2) Condomínio Necessário:
tratado nos arts. 1328 a 1330
do NCC, diz respeito às paredes, cercas, muros e valas que
existam em comum entre mais de uma propriedade. É dito
necessário justamente porque é imprescindível o
condomínio, uma vez que esses elementos divisórios apenas
se justificam quando de propriedade comum.
3) Condomínio Edilício: denominação de origem italiana [antes
era dito “condomínio por edificações”]. Aqui, é possível a
distinção de duas realidades coexistentes: unidades
autônomas (em que existe uma propriedade particular,
individual e exclusiva de um único titular) e áreas comuns
(em que se verifica efetivamente a situação da copropriedade).
(ii) não-tipificadas no NCC:
4) Time-sharing (Multipropriedade): é um instituto
relativamente novo. Originalmente, aproximava-se bastante
a um direito real: o co-proprietário pagava para utilizar o
bem por um certo tempo em época predeterminada; o valor
da participação variava exatamente de acordo com o tempo e
a época de uso desejados, situação que levou a que o Prof.
TEPEDINO o definisse como um direito real de propriedade
sobre o tempo. Nessa 1a fase, era possível haver o registro da
multipropriedade no Registro de Imóveis.
Hoje, entretanto, percebe-se uma evolução do instituto,
e temos a multipropriedade como o pagamento pela
utilização por um tempo de um dentre vários imóveis
elencados. Aproxima-se, assim, a uma relação obrigacional
(direito pessoal) muito mais que um direito real,
principalmente porque nessa forma atual torna-se inviável o
registro.
Pontos anotados por alunos do Prof. Junqueira de Azevedo - Titular da Faculdade de Direito da USP
5) Shopping Center: figura bastante próxima ao Condomínio
Edilício, em que temos unidades autônomas privativas e
área comum. A diferença reside em que entre os
condôminos-lojistas há um interesse maior que os liga –
p.ex.: muitas lojas fechadas, bem como banheiros malcuidados, refletem negativamente para todos os
condôminos, mesmo os concorrentes, porque afasta os
consumidores.
6) Flat – Apart-Hotel – Clube de Campo: aproximam-se
também da figura do condomínio edilício, existindo
unidades autônomas e área comum. O interesse comum,
aqui, também é elevado.
7) Condomínio Fechado: não deixa de ser um condomínio
edilício. Seu diferencial é que suas áreas comuns são
“externas” e, se não estivessem dentro de uma área
particular fechada, seriam áreas públicas – ex.: ruas,
calçadas...
22. Condomínio tradicional: teorias; comparação com o
condomínio germânico ou de “mão comum”. Ação de
divisão; indivisibilidade e venda da coisa comum.
Conflitos de preferência.
Há duas teorias acerca do condomínio tradicional
(romano). Segundo a primeira, no condomínio, não há uma
propriedade só, mas várias representadas por frações ideais. As
propriedades são justapostas. A segunda teoria, por sua vez,
defende que há uma propriedade só, sendo cada condômino
dono do todo. As quotas representariam apenas uma maneira
de matematizar as despesas e direitos.
O Professor Junqueira entende que a segunda teoria é
melhor, porque só ela explica as relações entre condôminos e
terceiros. Um condômino pode defender a coisa contra terceiro,
se alguém quiser vender a sua parte, tem que dar direito de
preferência aos demais condôminos etc. Tudo isso é sinal de
que há uma propriedade única.
Venosa sustenta que o condomínio romano não
compreendia mais de um direito de propriedade, exercendo os
proprietários este direito ao mesmo tempo em quotas ideais
sobre a propriedade indivisa. Assim, cada condômino exercia a
propriedade em sua plenitude, respeitando os direitos dos
demais. A quota ideal é a medida da propriedade e, de acordo
com essa fração, dividem-se os benefícios e ônus, direitos e
obrigações entre os comunheiros.
Os povos germânicos compreendiam o condomínio de
forma diversa, denominado de “mão comum”. Neste, cada
consorte tinha direito conjunto de exercer o domínio sobre a
coisa. Não havia a noção de parte ideal, a coisa toda é objeto de
uso e gozo comum. O espírito germânico é coletivo, já o
romano é individualista. Assim, o condomínio germânico era
absolutamente indivisível, sem frações ideais; era uma coisa só
e permanente, não podendo o condômino vender ou gravar a
sua parte, ou pedir a divisão da coisa comum. Na prática, o
comportamento dos comunheiros é muito semelhante a de uma
pessoa jurídica. Já o romano, pelo caráter exclusivo da
propriedade e seu espírito individualista, sempre compreendeu
o condomínio como uma forma anormal, tendente a acabar.
O nosso direito ancorou-se na tradição romana, mas há
traços da concepção germânica. As áreas comuns no
condomínio edilício seguem a regra do condomínio de “mão
comum”. O casamento por comunhão total de bens é de origem
germânica; quando o casamento é regido por esse regime, cada
18
parte não é dona de metade dos bens, os dois são donos do todo.
Cada condômino tem direito de pedir a divisão da coisa
comum (comune dividundo), se ela for divisível. A ação de
divisão é imprescritível, podendo ser movida a qualquer tempo
(art 1320 caput CC). Não há prescrição ou decadência para essa
ação porque o direito é potestativo, perdura enquanto pender a
situação jurídica. Contudo, se a coisa for indivisível, pode-se
pleitear a ação de venda da coisa comum.
Cada condômino deve pagar as despesas da divisão,
devendo ser feita perícia. Concluída a venda, divide-se o
dinheiro entre as partes.
Ressalte-se que a divisão da coisa comum é apenas
declaratória de propriedade, e não atributiva, mesmo porque se
aplicam a ela as regras da partilha de herança (art 1.321 CC). A
sentença da ação de divisão, mesmo não sendo atributiva de
propriedade, deve ser registrada para regularização e para ter a
eficácia erga omnes. A divisão pode também se dar de forma
amigável, por meio de escritura pública caso se trate de imóveis.
Será necessariamente judicial se houver incapazes.
O CPC trata da ação de divisão nos arts 946 a 949.
Todos os condôminos deverão ser necessariamente citados.
A indivisibilidade não é só física, pode ser também
convencional e até legal. O imóvel rural não é divisível se
inferior a um módulo rural, podendo os condôminos somente
vender a coisa comum. O Estatuto da Terra (Lei 4.504/64) busca
evitar, com isso, o minifúndio.
No espírito romano, no qual o condomínio está sempre
na iminência de se resolver, o legislador estipulou o prazo de
cinco anos para a tolerância da indivisibilidade (art 1320, § 1o
CC). Mas, e se os condôminos combinarem, na compra, que por
dez anos não vão romper o condomínio? Ou se um pai, ao deixar
um legado, proíbe os filhos de venderem a coisa? Trata-se de
nulidade parcial, uma vez que o legislador só tolera cinco anos.
Assim, no primeiro caso, no prazo de cinco anos, não se pode
pedir a divisão da coisa. Decorridos, é tudo nulo. Porém, é
possível que as partes renovem o contrato por mais cinco anos.
Utiliza-se o mesmo raciocínio para o caso da herança
(art 1320, § 2o CC). Os filhos não podem proceder à venda da
coisa por cinco anos. No entanto, mesmo com esse prazo,
havendo caso extraordinário e tendo sido combinada a indivisão,
pode-se proceder à divisão (art 1320, § 3o CC).
Quando impossível ou inconveniente a divisão, a
solução é a venda da coisa comum ou do quinhão do condômino.
O art 1322 CC admite a possibilidade de a coisa ser
adjudicada a um dos consortes, que indeniza os demais. A venda
pode ser feita amigavelmente. Não havendo acordo, um único
condômino pode ajuizar o pedido de venda de coisa comum, na
forma dos arts 1.113 ss CPC. Todos os condôminos serão
citados, e haverá a participação obrigatória do Ministério Público
(art 1.105 CPC).
Cada condômino é livre para vender a sua fração ideal.
É preciso examinar, no direito brasileiro, se a coisa é divisível ou
indivisível. Se indivisível, o condômino tem que dar preferência
aos demais condôminos (art 504 caput CC), visando evitar a
entrada de um estranho no condomínio. Todavia, se esse direito é
desrespeitado e a coisa é vendida a um terceiro, o condômino
pode, num prazo de seis meses, depositar a quantia paga pelo
terceiro e ficar com a coisa.
Esse direito de preferência é potestativo, de caráter real.
Não é igual ao direito de preferência do locatário, quando o
contrato de locação não foi registrado. Aliás, nos contratos de
locação, quando muito, se faz o registro no Cartório de Títulos e
Pontos anotados por alunos do Prof. Junqueira de Azevedo - Titular da Faculdade de Direito da USP
Documentos, e não no de Imóveis. Para ter o direito de
preferência real, o registro deveria ser feito no Registro de
Imóveis. Sem o registro, o locatário pode apenas pedir perdas e
danos, o que, geralmente, já é estipulado pelo contrato. Com o
registro no Cartório de Títulos e Documentos, o locatário pode
pedir perdas e danos até de quem comprou, mas não tem direito
sobre a coisa, como o condômino.
A ação anula o negócio feito entre o condômino e o
terceiro. Venosa fala em revogação, outros em rescisão.
Obtém-se, enfim, a ineficácia real do contrato feito entre o
condômino e o terceiro.
Se a coisa for divisível, para fazer a venda, depende-se
da anuência dos demais condôminos. No direito francês, não há
o direito de preferência; no português, sempre há, não
distinguindo entre coisa divisível ou não.
Vimos que o condômino tem direito de preferência
para comprar se a coisa for indivisível. E se vários condôminos
querem comprar? Em primeiro lugar, verifica-se quem fez mais
benfeitorias no imóvel. Se empatar, leva a coisa o condômino
que possui o maior quinhão. Permanecendo o conflito, a coisa é
levada a leilão, ficando ela aquele que der o maior lanço (art
504, p. ú. CC).
23. Direitos e deveres dos condomínios (sic; não seria
condôminos?)
no
condomínio
tradicional.
Administração do condomínio.
Realmente, nesse ponto, a expressão “condomínios”
foi empregada de maneira equivocada, visto que se queria
referir aos condôminos, pois o condomínio tradicional, além de
não possuir personalidade jurídica, sequer pode ser sujeito de
direito, condição essa em que o condomínio edilício pode
figurar, de modo que não pode ser titular de direitos e deveres.
Aliás, o Código Civil trata dos direitos e deveres dos
condôminos.
Direitos dos condôminos:
I – Usar livremente a coisa, conforme o seu destino,
bem como sobre ela exercer todos os direitos compatíveis com
a indivisão, não podendo perturbar igual uso por parte dos
outros condôminos. Se se tratar de condomínio pro diviso, cada
condômino poderá exercer os direitos inerentes ao proprietário
singular, podendo até mesmo valer-se dos interditos
possessórios contra outros condôminos, em relação à sua parte.
Sem a anuência dos demais condôminos, não podem
ser realizados atos que modifiquem a natureza e maneira
tradicional de exploração do condomínio. Além disso, cada
condômino responde pelos frutos que percebeu e pelos danos
que causou, sendo que lhe é vedado dar posse, uso ou gozo da
propriedade a estranhos sem que haja a anuência dos demais
condôminos.
II – Reivindicar a coisa comum de terceiro. A ação
reivindicatória cabe somente contra terceiros e não contra
condôminos, pois estes, assim como o reivindicante, possuem
direito de propriedade sobre a coisa.
Vale ressaltar que, em se tratando de condomínio por
diviso, o condômino, conforme dito anteriormente, pode valerse dos interditos possessórios em relação à sua parte.
III – Alienar a sua parte indivisa, respeitado o direito
de preferência dos demais condôminos.
IV – Gravar a sua parte indivisa, podendo somente
haver incidência sobre toda a coisa se houver o consenso de
todos os condôminos.
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V – Exigir a divisão da coisa comum, a qualquer tempo,
pois o condomínio tradicional ainda é visto como uma situação
transitória e inconveniente, sendo conhecido como mater
rixarum (“mãe das brigas”).
Contudo, podem os condôminos acordar sobre a
indivisão da coisa, de maneira que esta fique indivisa por um
prazo máximo de 5 anos, suscetível de ulterior prorrogação. Se
se tratar de indivisão estabelecida por doador ou testador, o prazo
de 5 anos não poderá ser excedido.
A despeito disso, mesmo nesses casos, o juiz pode
determinar a divisão da coisa comum antes do prazo terminar, a
requerimento de qualquer interessado e se graves razões o
aconselharem.
VI – Preferência na venda e na locação da coisa. Se um
condômino alienar a sua parte a um estranho sem dar
conhecimento da venda aos demais condôminos, qualquer um
destes pode haver para si a parte vendida, desde que deposite o
valor do preço. O requerimento do depósito, entretanto, deverá
ser realizado num prazo de cento e oitenta dias, sob pena de
decadência.
Se a coisa não puder ser dividida e os condôminos não
acordarem em adjudicá-la a um só, deverá ela ser vendida e o
preço, repartido. Nessa venda, o condômino tem preferência ao
estranho, e, entre os condôminos, será preferido aquele que tiver
na coisa benfeitorias mais valiosas e, inexistindo essas, o de
maior quinhão.
Deveres dos condôminos:
O condômino deve concorrer, na proporção de sua
parte, para o pagamento das despesas de conservação e divisão
da coisa, bem como suportar, em igual razão, os ônus a que
estiver sujeita. Ademais, assim como tem direito aos frutos, deve
arcar com os respectivos ônus.
No tocante às dívidas contraídas durante a comunhão e
em proveito dela, cada condômino responde na proporção do seu
quinhão, se todos as contraíram conjuntamente. Se, todavia, as
dívidas foram contraídas por só um dos condôminos, este é o
responsável para com o credor, ficando, porém, com ação
regressiva contra os demais.
Se algum condômino se negar a pagar sua parte nas
despesas ou nas dívidas da comunhão, será dividida a coisa,
respondendo o quinhão de cada um por sua parte na dívida, nas
despesas anteriores e nas de divisão.
Como a obrigação do condomínio é de natureza propter
rem, que decorre de sua condição de condômino, ela se transmite
a seu sucessor a título singular e se extingue pelo abandono da
coisa. Assim, o condômino eximi-se do pagamento das dívidas
se renunciar à sua parte ideal, que será aproveitada pelos demais
condôminos.
Administração do condomínio:
É possível que os condôminos, não desejando usar
conjuntamente a coisa comum e não a querendo dividir, nem
vender, resolvam administrá-la. Se assim deliberarem, por
maioria, escolherão também o administrador, sendo que a
maioria será calculada com base no quinhão de cada um.
Cabe salientar que, se houver divergência acerca do
modo de administração ou da pessoa do administrador, é
permitido a qualquer condômino pedir a divisão da coisa comum,
se esta for divisível, ou a sua venda, se for indivisível.
Quanto aos frutos da coisa comum, se não houver
estipulação em contrário ou disposição de última vontade, serão
partilhados na proporção dos quinhões. Destarte, é lícito aos
condôminos firmarem um contrato de sociedade entre si,
Pontos anotados por alunos do Prof. Junqueira de Azevedo - Titular da Faculdade de Direito da USP
estabelecendo direitos sobre os frutos não correspondentes aos
quinhões de cada um.
Por derradeiro, haverá presunção de um contrato tácito
de mandato se um dos condôminos, sem oposição dos outros,
administrar os bens comuns, o qual será tido como mandatário
destes.
24. Condomínio edilício: histórico e características.
Elementos fáticos (unidades autônomas e áreas
comuns). Elementos de estruturação jurídica
(instituição, convenção, regulamento). Natureza
jurídica da convenção. Ato normativo. E também
“Beschluss” (= ato coletivo vinculante para a minoria).
O condomínio, como o próprio nome indica, significa
propriedade em comum do domínio de uma coisa. Dentre as
várias espécies de condomínio existentes (tradicional,
necessário), o condomínio edilício tem adquirido importância
cada vez maior, principalmente nas grandes cidades em virtude
do crescimento populacional e, também, das várias destinações
que pode assumir como, por exemplo, moradia, conjuntos
empresariais, depósitos, condomínio de garagem, dentre outros.
O condomínio edilício, que anteriormente era
denominado condomínio em edificações, não é tema recente
como dizem alguns, uma vez que os povos mediterrâneos já
possuiam construções de 4 ou 5 andares já na época dos
romanos, segundo o Prof. O tema foi tratado pela primeira vez
no direito francês no século XVI (1561) e posteriormente
inserido no Código Civil de Napoleão.
Desta maneira, pode-se dizer que o condomínio edilício
é relativamente recente apenas do ponto de vista jurídiconormativo, especialmente no Brasil pois nossa primeira lei
sobre o assunto data de 1928: Decreto legislativo 5.481,
relacionado com o aumento demográfico e a conseqüente
valorização dos terrenos urbanos e especulação imobiliária.
Este decreto disciplinou o funcionamento deste condomínio e
de sua assembléia geral e das restrições aos diretos dos
condôminos, dentre outros assuntos.
A grande difusão dos condomínios edilícios nas cidades
brasileiras mostrou que o Decreto era falho e precisava ser
substituído, o que ocorreu com a edição da lei nº 4.591/64, de
autoria de Caio Mário (a pedido do Ministro da Justiça). Esta
lei tratou do condomínio edilício e, também, da incorporação
(definida no art. 28, pár. Único) que geralmente antecede ao
condomínio e pode dar margens a abusos (cabe destacar que o
incorporador não é o dono do terreno, nem empreiteiro, é o
organizador do empreendimento). A lei de 1964 trouxe várias
inovações, merecendo destaque a atribuição do caráter propter
rem das despesas condominiais; a obrigatoriedade da
convenção e do Regulamento do Condomínio; a instituição da
representação legal do condomínio na pessoa do síndico e a
pormenorização das atividades do incorporador.
O NCC, ao regular inteiramente a matéria, revogou
tacitamente a parte relativa ao condomínio edilício da lei n.º
4.591/64 (e isto deveria ter sido expressamente indicado nas
disposições finais do NCC). Todavia, a parte relativa à
incorporação não foi revogada, continuando, portanto, em
pleno vigor.
O condomínio edilício tem como característica a
existência de propriedade particular das unidades autônomas ao
lado da comunhão necessária do terreno e das partes comuns
do prédio, sendo que nestas coisas comuns a co-propriedade é
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perpétua, daí advindo a necessidade de se institucionalizar tais
áreas.
Segundo o Professor Junqueira, o condomínio edilício tem
estrutura muito semelhante à pessoa jurídica e, para ele deveria
ser considerado como tal já que há um representante do
condomínio (síndico), o condomínio pode contratar etc. Assim,
embora o condomínio não seja dotado de personalidade jurídica,
ele é sujeito de direito, podendo exercer o direto de ação, ser
parte no processo e, também, pode ser responsabilizado, ou seja,
o condomínio é um ente jurídico despersonalizado, e, tal
como o espólio e a massa falida, tem direitos e deveres.
O condomínio edilício tem como elementos fáticos as
unidades autônomas e as áreas comuns (art. 1331, caput). Nas
unidades autônomas a propriedade é praticamente exclusiva (§
1º), podendo haver livre alienação e gravamento. Todavia, deve
ser exercida de modo a não prejudicar o sossego, a salubridade e
a segurança dos vizinhos.
Quanto às áreas comuns, elencadas no § 2º do art. 1331,
deve-se assegurar a utilização em comum pelos condôminos,
sendo vedada a alienação e a divisão. Os condôminos têm o
direito de usar as partes comuns, conforme sua destinação, mas
não podem impedir a utilização das mesmas pelos demais
compossuidores (art. 1335, II). Cabe ressaltar que estas áreas
estão no condomínio germânico ou de mão comum, dado que são
indivisíveis, inalienáveis
Além dos elementos fáticos, temos três elementos que
definem a estruturação jurídica do condomínio edilício:
I.
Instituição do condomínio: segundo o art. 1333, o
condomínio é instituído por ato entre vivos ou testamento,
registrado no Cartório de Imóveis. Este ato unilateral de
instalação do condomínio geralmente é realizado pelo
incorporador e deve conter a discriminação e individualização
das unidades autônomas e áreas comuns (inc. I); a atribuição da
fração ideal correspondente a cada unidade autônoma (inc. II) e a
destinação das mesmas (inc. III). O Professor disse que também
deve constar a área construída, o material utilizado.
Prof. Junqueira destacou que não há condomínio quando o
prédio tem um único proprietário que aluga as unidades. Este
prédio pode ser transformado em condomínio se o dono assim
decidir, procedendo à instalação e à venda das unidades
autônomas.
II.
Convenção do Condomínio: é a lei máxima da
vida condominial. Constitui-se num ato coletivo dos
proprietários das unidades autônomas, reduzido a termo
(escritura pública ou particular, nos termos do art. 1334, §1º),
que, segundo o caput do art. 1333 deve ser aprovado por 2/3 dos
condôminos, sendo obrigatória para os titulares de direitos sobre
as unidades autônomas (inclusive dissidentes e ausentes), ou para
os possuidores ou detentores das mesmas. Deve prever tudo o
que interessa á vida do condomínio (art. 1334, caput e incisos)
como a finalidade da edificação; modo de pagamento das
despesas; forma de administração e outras.
Verifica-se, assim, que a convenção do condomínio
assemelha-se a um contrato no modo de formação pois é ato
plurilateral e escrito, todavia, não é contrato, pois uma vez
aprovada por 2/3 dos condôminos, obriga a todos os condôminos
(mesmo aqueles que não compareceram á Assembléia e a
minoria dissidente), atuais e futuros, e, também, os ocupantes das
unidades, não vigorando, portanto, o princípio da relatividade
dos efeitos contratos.
Podemos dizer, então, que a convenção de condomínio é
ato coletivo porque exige aprovação de 2/3 dos condôminos e,
Pontos anotados por alunos do Prof. Junqueira de Azevedo - Titular da Faculdade de Direito da USP
também, é ato normativo na medida em que vincula á minoria,
nesta englobada os aqueles que não participaram da aprovação
e os dissidentes. Assim, podemos entendê-la como Beschluss,
isto é, como ato coletivo, dado que resultante da fusão de
várias vontades, que obriga a minoria.
Por fim, a convenção de condomínio é negócio jurídico
e, como tal, está sujeita a nulidades:
9 Deve respeitar a forma prescrita: instrumento escrito
(público ou particular), com a assinatura dos condôminos.
Também deverá ser registrada para que seja oponível erga
omnes;
9 Observância do quorum de aprovação. Aqui, deve-se
ressaltar que, por ser ato normativo, a convenção também é
vinculante para condôminos incapazes desde que, abstraindo-se
o voto destes, haja aprovação por 2/3.
Regulamento/Regimento Interno: destina-se a completar e
especificar a Convenção do Condomínio, regulando a vida
diária deste (estabelecimento da destinação do prédio, uso das
áreas comuns, horário de funcionamento etc). Importante
destacar que a função do regulamento é apenas complementar a
Convenção, não podendo modificar ou extrapolar as normas
desta (da mesma maneira que o decreto com relação à lei).
25. Direitos e deveres dos condôminos no condomínio
edilício. Despesas. ¿Um condômino pode ser expulso do
condomínio pelos demais? As reformas.
Os direitos de um condômino no condomínio edilício
estão elencados no art. 1335 do Código Civil de 2.002, na
seguinte ordem:
1) usar, fruir e livremente dispor das suas unidades
autônomas;
2) usar as partes comuns, conforme sua destinação, e
contanto que não exclua a utilização pelos demais
compossuidores;
3) votar nas deliberações da assembléia e delas
participar, estando quite.
A redação legal é suficientemente clara, mas cabem
dois comentários:
•
No caso do primeiro direito citado, quer-se significar
que, se algum condômino pretender alienar sua
unidade autônoma, os outros condôminos não têm
direito de preferência (essa é a expressão-chave,
aqui): o Prof. Junqueira explica que só há direito de
preferência no caso de alienação de acessórios à
unidade autônoma.
•
Com relação ao último direito elencado – votar na
assembléia –, seu exercício depende do
cumprimento de uma obrigação: a obrigação propter
rem de pagar as despesas condominiais (estar quite =
ter pago todas essas despesas).
Os deveres do condômino em um edifício são os
seguintes, segundo o artigo 1336 do Código:
1) contribuir para as despesas do condomínio, na
proporção de sua fração ideal;
2) não realizar obras que comprometam a segurança
da edificação;
3) não alterar a forma e a cor da fachada, das partes
e esquadrias externas;
4) dar às suas partes a mesma destinação que tem a
edificação, e não as utilizar de maneira prejudicial
21
ao sossego, salubridade e segurança dos
possuidores, ou aos bons costumes.
O condômino que não paga pontualmente sua
contribuição fica sujeito ao pagamento da mesma com juros
moratórios convencionais ou legais (o que está em conformidade
com a teoria geral do direito das obrigações).
Caso o condômino descumpra qualquer um de seus
deveres, deverá pagar a multa estabelecida no ato constitutivo ou
convenção de condomínio.
A princípio, um condômino pode ser punido pelos
outros se tiver reiterado comportamento anti-social, de modo a
impossibilitar sua convivência no condomínio. A lei dispõe que
tal condômino eventualmente terá de pagar uma multa de valor
elevadíssimo – tão elevado que, na prática, equivale à uma
expulsão, pelos outros condôminos, do condomínio. O Prof.
Junqueira não aceita bem esse conceito de “comportamento antisocial”, pois envolve um grande relativismo e um alto grau de
subjetividade.
Quanto às reformas no condomínio, as regras estão nos
artigos 1341 a 1344 do C.C, com destaque para as normas que
dispõem sobre:
•
o quorum para a aprovação de benfeitorias
voluptuárias (maioria qualificada), úteis (maioria
simples) e necessárias (nem precisam ser aprovadas,
podendo ser realizadas pelo síndico ou por qualquer
condômino, que será reembolsado);
•
os casos de reformas urgentes e/ou muito onerosas –
o Junqueira explicou que, se as reformas caras não
forem aprovadas por unanimidade, a minoria
discordante pode alienar a parte dela, com direito de
preferência para a maioria que aprovou a reforma;
•
a responsabilidade do proprietário da cobertura pelas
despesas com a conservação do terraço da cobertura.
26. O síndico. O síndico pode sofrer “recall”? A assembléia
geral do condomínio edilício. Decisões que exigem
quorum especial. Extinção do condomínio.
Prevê, a nova lei civil, na seção Da administração do
condomínio, a escolha do síndico (art. 1347), que poderá ou não
ser condômino, com mandato de até dois anos, podendo ser
reconduzido, competindo-lhe, de acordo com o art. 1348: “Iconvocar a assembléia dos condôminos; II- representar, ativa e
passivamente, o condomínio, praticando, em juízo ou fora dele,
os atos necessários à defesa dos interesses comuns; III- dar
imediato conhecimento à assembléia da existência de
procedimento judicial ou administrativo, de interesse do
condomínio; IV- cumprir e fazer cumprir a convenção, o
regimento interno e as determinações da assembléia; Vdiligenciar a conservação e a guarda das partes comuns e zelar
pela prestação dos serviços que interessem as possuidores; VIelaborar o orçamento da receita e da despesa relativa a cada ano;
VII- cobrar dos condôminos as suas contribuições, bem como
impor e cobrar as multas devidas; VIII- prestar contas à
assembléia, anualmente e quando exigida; IX- realizar o seguro
da parte comum”.
Embora o síndico tenha a representação ativa e passiva
do condomínio, judicial e extrajudicial, deve ser destacado que,
na hipótese de demanda judicial que envolva interesses privados
dos condôminos, por exemplo, desapropriação de unidades
autônomas ou de partes comuns, será obrigatória a citação de
todos os co-proprietários interessados.
Pontos anotados por alunos do Prof. Junqueira de Azevedo - Titular da Faculdade de Direito da USP
A assembléia poderá investir outra pessoa no lugar do
síndico, dando a ela os poderes de representação ( par. 1o ).
As funções administrativas podem ser delegadas a
pessoas de confiança do síndico, e sob a sua inteira
responsabilidade, mediante aprovação da assembléia geral dos
condôminos, salvo se a convenção dispuser de maneira
contrária (par. 2o).
Ao síndico, que poderá ser condômino ou pessoa
física ou jurídica estranha ao condomínio, poderá ser fixada a
remuneração pela mesma assembléia que o eleger, salvo se a
convenção dispuser diferentemente.
O síndico que praticar irregularidades, não prestar
contas ou não administrar convenientemente o condomínio
poderá ser destituído, pela forma e sob as condições previstas
na convenção, ou, no silêncio desta, pelo voto da maioria
absoluta dos condôminos, presentes, em assembléia geral
especialmente convocada para os fins do par. 2o do art. 1348 do
Código Civil de 2002 (art. 1349).
Preceitua o art. 1350 que: “Convocará o síndico,
anualmente, reunião da assembléia dos condôminos, na forma
prevista na convenção, a fim de aprovar o orçamento das
despesas, as contribuições dos condôminos e a prestação de
contas, e eventualmente eleger-lhe o substituto e alterar o
regimento interno. Par 1o Se o síndico não convocar a
assembléia, um quarto dos condôminos poderá fazê-lo. Par 2o
Se a assembléia não se reunir, o juiz decidirá, a requerimento
de qualquer condômino”.
Estão previstos no art. 1351 da nova lei civil dois
“quorum” especiais: a) dois terços para a alteração da
convenção e do regimento interno; e b) unanimidade para
mudar a destinação do prédio.
Encerra o Capítulo VII do Título II do Livro III a
seção III: Da extinção do condomínio, que é disciplinada pelos
arts. 1357 e 1358.
Diz o art. 1357 que: “Se a edificação for total ou
consideravelmente destruída, ou ameace ruína, os condôminos
deliberarão em assembléia sobre a reconstrução, ou venda, por
votos que representem metade mais uma das frações ideais.
Par. 1o Deliberada a reconstrução, poderá o condômino eximirse do pagamento das despesas respectivas, alienando os seus
direitos a outros condôminos, mediante avaliação judicial. Par.
2o Realizada a venda, em que se preferirá, em condições iguais
de oferta, o condômino ao estranho, será repartido o apurado
entre os condôminos, proporcionalmente ao valor das suas
unidades imobiliárias”.
Extingue-se o condomínio se a construção ruir parcial
ou totalmente, e a assembléia decidirá sobre a reconstrução ou
venda do imóvel. O quorum para tal desiderato é de metade
mais um.
Na hipótese de reconstrução, poderá o condômino
exonerar-se do pagamento vendendo seus direitos a outros
condôminos; ocorrendo a venda, o condômino terá direito de
preferência em relação ao estranho.
A mesma regra aplicada na hipótese de venda (par 2o
do art. 1357) deverá sê-lo na hipótese de desapropriação, ou
seja, a indenização será repartida na proporção do valor das
unidades imobiliárias (art. 1358 do Cód. Civil de 2002).
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