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Pontos anotados por alunos do Prof. Junqueira de Azevedo - Titular da Faculdade de Direito da USP Direitos Reais – 3° ano – 2003 Antônio Junqueira de Azevedo – Lista inconclusa Nome da disciplina (“Direitos Reais”) x nome do Livro III do Código Civil (“Direito das Coisas”). Conteúdo do Direito das Coisas. A nomenclatura “Direitos Reais’ remete a direitos subjetivos, e não ao direito objetivo, como nos outros ramos do direito. Em geral, a palavra “direito” vem com o significado de conjunto de normas, e no singular. O nome da disciplina, portanto, não é o mais condizente com as outras partes do direito. Para que houvesse coerência, deveria ser também “direitos pessoais”, “familiares”, “sucessórios”, e não “direito das obrigações”, “direito de família”, “direito das sucessões”. A divisão em parte especial e geral tem origens pandectistas, não sendo mera cópia do BGB, como se costuma afirmar. Corresponde a longa tradição de estudos, com preponderância dos alemães, mas anterior ao BGB. A parte geral trata de elementos do Direito, aquilo que o compõe, e não de direitos subjetivos. É uma espécie de visão estática. O Livro III, que trata do Direito das Coisas, tem visão dinâmica. O Código Civil denomina de “Direito das Coisas”, por se tratar de normas de direito objetivo, principalmente da propriedade. É a noção de propriedade que está por trás disso. A propriedade é conteúdo fundamental do direito das Coisas, apesar da existência dos outros direitos reais. A propriedade é o núcleo dos direitos reais. Afirmar a existência de outros direitos é desviar para questões menores. O Código Civil os enumerou (art.1225), e são em dez: além da propriedade, superfície, usufruto, uso, habitação, servidões, compromisso de compra e venda, hipoteca, penhor e anticrese. A enumeração já existia no Código Civil de 1916. Entretanto, na enumeração está ausente outro direito real, que o Código Civil trata logo no início do capítulo: a posse, que hoje é uma situação extraordinária. Portanto, há décimo primeiro direito real, que não foi incluído no rol, mas que é tratado na mesma parte. Uma característica básica dos direitos reais é que seu número é fechado, ou seja, são estabelecidos numerus clausus, ao contrário dos direitos pessoais. A propriedade é como a gema do ovo, tema fundamental, razão de ser dos direitos reais. Mas também é necessário algo que circunde a gema: a clara, que compreende a Segunda grande parte dos direitos reais: que são os iura in re aliena. A posse seria o terceiro assunto, a casca, que é o que em primeiro lugar se tem contato. indispensável para o gozo do direito. Ainda, no esquema apresentado por Arnoldo Wald, temos: Sujeito Ativo 1. 2. Diferenças conceptuais e tipológicas entre direitos reais e direitos pessoais. Segundo Antonio Junqueira de Azevedo, algumas diferenças principais podem ser apontadas entre os direitos reais e obrigacionais. A primeira delas e única distinção considerada conceitual pelo professor seria o fato de que nos direitos obrigacionais há um direito subjetivo sobre a prestação de uma pessoa e nos direitos reais, um direito subjetivo diretamente sobre uma coisa. Assim, explica Silvio Rodrigues que o direito real consiste numa relação entre a pessoa e a coisa. Daí decorre que seu exercício independe da colaboração de terceiro, ao contrário do que se dá no direito pessoal, em que a colaboração do devedor, espontânea ou forçada, é 1 Direito pessoal dir.subj. Sujeito Passivo Dever jurídico Objeto Sujeito Ativo Direito Real dir.subj. Sujeito Passivo Dever jurídico Objeto As demais diferenças, segundo o professor, seriam meramente tipológicas. Assim, nos direitos pessoais a exigibilidade é relativa, ou seja, em relação a uma certa pessoa. Já nos direitos reais, a exigibilidade é absoluta ou erga omnes, contra todas as pessoas indistintamente. No entanto, como diferença meramente tipológica, esta apresenta exceções. Assim, existem direitos reais que apresentam um vínculo mais íntimo com algumas pessoas específicas, e direitos pessoais que podem ser exigidos de uma universalidade de pessoas, como é o caso do contrato de locação devidamente registrado no Registro de Imóveis, o que o torna público em relação a terceiros. Aos direitos reais também é atribuído o chamado direito de seqüela que, via de regra, não está presente nos direitos pessoais. Segundo Silvio Rodrigues, a seqüela consiste na prerrogativa concedida ao titular do direito real de seguir a coisa nas mãos de quem quer que a detenha, de apreende-la para sobre ela exercer seu direito real. Também aqui, poderíamos vislumbrar exceções, como as obrigações propter rem, que seguem a coisa, obrigando sempre seu proprietário atual. Já com relação aos direitos reais, apresenta-se como exceção o caso do comodatário que aliena bem móvel que está sob sua posse. Neste caso, acredita o professor que o direito do terceiro de boa-fé prevalece sobre o do antigo proprietário e comodante, que teve culpa in eligendo. Além disso, existe diferença tipológica de ordem econômica entre direitos reais e obrigacionais, já que aqueles são normalmente mais fortes que estes, que envolvem uma situação de risco, por estarem sujeitos ao inadimplemento da obrigação. Finalmente, diz-se que os direitos reais tendem a ser permanentes, enquanto os pessoais tendem à precariedade, ou seja, a obrigação se extingue uma vez cumprido o seu papel, com o adimplemento. Mais uma vez, trata-se de diferença tipológica. Assim, explica Silvio Venosa que existem direitos reais transitórios e limitados no tempo, como o usufruto, bem como obrigações sem limite de tempo, como ocorre com os contratos de longa duração. 3. Decomposição dos elementos do direito de propriedade: sujeito, conteúdo, objeto, exigibilidade, deveres. Antes de passar à decomposição do direito de propriedade em si, cabe relembrar que se trata de direito real (art. 1225, I). É, sem sombra de dúvida, o mais relevante dos direitos reais, sendo que JUNQUEIRA e SILVIO RODRIGUES são Pontos anotados por alunos do Prof. Junqueira de Azevedo - Titular da Faculdade de Direito da USP categóricos em afirmar que o direito de propriedade é o cerne, a espinha dorsal do direito privado 1 . Num segundo momento, deve-se ter bem frisado que não se confundem o direito (direito subjetivo) de propriedade e seu objeto, a propriedade em si. Esta última é o próprio bem em relação ao qual temos essa especialíssima relação jurídica reconhecida pelo Ordenamento como direito de propriedade. Já o direito de propriedade em si é um direito subjetivo; um vínculo jurídico (legal, portanto) a que se submete coisas e/ou pessoas; ou, nas palavras do Prof. JUNQUEIRA, um verdadeiro poder do titular, eis que dotado de exigibilidade pelo Ordenamento. Mais ainda, o direito de propriedade é direito subjetivo por excelência, dito pelo Prof. Junqueira “direito subjetivo exemplar” e por Silvio Rodrigues, “o mais completo dos direitos subjetivos” 2 . E assim o é porque apresenta, bastante visivelmente, todos os elementos de um direito subjetivo, bem expressos no artigo 1228 do NCC: - SUJEITO: é o proprietário, pessoa física ou jurídica. No mundo pós-moderno, entretanto, tem-se reconhecido a possibilidade de multiplicidade de titulares do direito subjetivo de propriedade: (i) bem de família, que é do sujeito coletivo “família”; (ii) o túmulo familiar, que também é de titularidade coletiva; (iii) o time-sharing, na sua concepção inicial [1ª fase, em que se restringia a um único objeto, do qual cada proprietário teria direito a tempo de uso], em que temos múltiplos titulares. Assim, atualmente, não há necessidade de que haja um único sujeito titular do direito de propriedade. - OBJETO: é o bem, móvel ou imóvel, sobre o qual recai o direito subjetivo. Houve, aqui, uma extensão do direito de propriedade, de forma a se considerar objeto desse direito também os bens incorpóreos. No entanto, em relação a coisas incorpóreas, na verdade se protege a sua exploração; seriam, então, direitos de propriedade impróprios que, no NCC, não mais se encontram no capítulo reservado à propriedade. - PODERES (CONTEÚDO): o proprietário tem o poder (= direito exigível) de usar, fruir e dispor de seu bem, bem como de perseguí-lo, reavendo-o daquele que injustamente o detenha ou possua (direito de seqüela). Esmiucemos cada aspecto: (i) jus utendi: possibilidade de usar o bem, excluindo todos demais desse uso. (ii) jus fruendi: poder de colher frutos naturais e civis da coisa, explorando-a economicamente. (iii) jus abutendi: alienar a coisa. Não significa que o proprietário possa destruir gratuitamente a coisa (art. 1228, §2º e tb. a função social da propriedade, adiante). (iv) direito de seqüela: para que possa exercer todos seus poderes, é indispensável ao proprietário a garantia de que terá a coisa à sua disposição. Daí o ordenamento conferir-lhe a prerrogativa de reivindicar a coisa de quem injustamente a detenha. - EXIGIBILIDADE: não se confunde com a seqüela, que é conteúdo do direito subjetivo e envolve a prerrogativa de buscar a coisa, retirando-a de quem a detenha 2 injustamente. A exigibilidade é, em si, a oponibilidade, a pretensão [PONTES DE MIRANDA – no sentido de algo que, de dentro de si mesmo, desenvolve esse aspecto externo-impositivo]. A propriedade é exigível erga omnes, contra todos. Deve-se ter cuidado ao usar a palavra “pretensão” porque, para o NCC, só existe pretensão quando da violação de direito subjetivo (art. 189:“violado o direito, nasce para o titular a pretensão...”), mas aqui o utilizamos no sentido que Pontes lhe deu, de ‘impositividade’. Atualmente, entretanto, além de todos esses aspectos do direito subjetivo de propriedade, são reconhecidos deveres a que estão sujeitos os proprietários, os quais estão expressos nos parágrafos art. 1228 do NCC. Estão englobados aí o respeito ao meio ambiente e a própria função social da propriedade (incluída aqui a possibilidade do usucapião social, dos §4o e 5o deste mesmo artigo, e também a proibição de abuso inútil da propriedade, nos termos do §2o). Percebe-se, destarte, que é possível diferenciar elementos estáticos e dinâmicos do direito subjetivo de propriedade: - ESTÁTICO: sujeito, objeto, poderes. - DINÂMICO: pretensão, deveres. 4. Posse e propriedade. Detenção. Ações possessórias. A posse e a realidade brasileira. Posse e direito de posse. A posse é uma criação romana e está presente apenas nos sistemas jurídicos romano-germânicos. Desde sempre, procurou-se distinguir de forma definitiva posse e propriedade e já os próprios romanos já chegaram a, exageradamente, afirmar que posse e propriedade nada têm em comum. Se bem, é verdade, que pode existir posse sem propriedade (ex: locatário, usufrutuário) e propriedade sem posse (nu-proprietário, locador); a verdade é que a posse também faz parte da propriedade e que propriedade sem posse é propriedade esvaziada. Nesse sentido, o NCC considera possuidor aquele que “tem de fato o exercício, pleno ou não, de alguns dos poderes inerentes à propriedade” (art. 1196). Nos termos do art. 1198, o detentor “conserva a posse em nome” de outra pessoa, com a qual se acha em relação de dependência. É o caso do comodatário, do depositário. Na detenção, portanto, verifica-se um desdobramento da posse, em que o detentor tem a posse direta. Discute-se bastante a natureza jurídica da posse. SILVIO RODRIGUES a entende como mera situação de fato e afirma impossível qualquer entendimento em contrário, uma vez que a posse não aparece no rol taxativo de direitos reais do art. 1225 do NCC. Para SILVIO RODRIGUES, a “posse, mera situação de fato, vai ser protegida pelo legislador, não só porque aparenta ser uma situação de direito, como para evitar que prevaleça a violência” 3 . A posse, então, seria um mero fato, um verdadeiro problema de paz social, que inclusive é resolvido na maioria das vezes diretamente pela Polícia. O direito, nestes termos, apenas poderia reconhecer essa relação fática e conceder-lhe a tutela necessária. No entanto, o que se verifica na realidade brasileira é a super-valorização da posse em si, inclusive em detrimento da 1 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil – Direito das Coisas, Vol. 5, São Paulo, Saraiva, 2002, p. 76. 2 Idem, ibidem. 3 SILVIO RODRIGUES, Direito Civil – Direito das Coisas, Vol. 5, São Paulo, Saraiva, 2002, p. 16. Pontos anotados por alunos do Prof. Junqueira de Azevedo - Titular da Faculdade de Direito da USP própria propriedade. Aqui, negocia-se a posse como se fosse um verdadeiro direito (daí a crítica ao NCC, que bem poderia tem incluído a posse no rol do art. 1225, de modo a refletir melhor a realidade brasileira...). A confusão que existe deve-se à peculiaridade do direito de posse: enquanto nos demais direitos subjetivos o fato que lhes gera desaparece com seu nascimento, na posse, direito e realidade são simultâneos, correm paralelamente. Direito de posse e posse, não se confundem, mas são interdependentes. Assim, segundo o Prof. Junqueira, o direito de posse é um direito subjetivo que não se confunde com o substrato fático que lhe suporta: a posse em si mesma. E, como direito, receberá tutela jurídica adequada. A posse é tutelada juridicamente por meio dos interditos possessórios. A palavra interdito tem origem romana: em Roma, reconheceu-se a imediatidade dos conflitos possessórios, os quais, ao invés de passarem por todas as fases do processo formular romano, eram desde logo analisados pelo pretor, que de início concedia ordem que pacificasse a situação (= o interdito). Hoje, temos verdadeiras ações possessórias, mas ainda é utilizado o termo interdito. São 3 as ações possessórias (art. 1210). Nelas, a discussão é sobre a posse, apenas e tão-somente (se deseja-se discutir posse com fundamento em direito de propriedade, a via adequada é a ação petitória e não a possessória). São elas: (i) INTERDITO PROIBITÓRIO: em hipóteses de meras ameaças à posse, quando não tenha havido ainda quaisquer atos materiais de turbação. (ii) AÇÃO DE MANUTENÇÃO DE POSSE: nos casos em que houve turbação da posse, ou seja, não se retirou totalmente a posse do possuidor (= esbulho), mas já houve atos materiais nesse sentido. (iii) AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE: houve esbulho. Ressalte-se que pode haver a conversão de um interdito em outro. Isso porque a situação fática, num caso de atentado à posse, é extremamente volúvel – e nossos ritos e formalidades processuais têm que acompanhar essa realidade instável para que não resultem inócuos. Cabe lembrar, ainda tendo em conta esse aspecto fático extremamente relevado da posse, que o NCC reconhece a possibilidade de o próprio possuidor defender sua posse: no art. 1210, §1º, reconhece-se a possibilidade, desde que a defesa seja imediata e proporcional. 5. Teoria de Savigny e teoria de Jhering sobre a posse. Organização vertical da posse. Posse direta e posse indireta. Para Savigny a posse é o poder de dispor fisicamente da coisa, com o ânimo de considerá-la sua e defendê-la contra a intervenção de outrem. Encontram-se, assim, na posse, dois elementos: um elemento material, o corpus, que é representado pelo poder físico sobre a coisa; e um elemento intelectual, o animus, ou seja, o propósito de ter a coisa como sua, isto é, o animus rem sibi habendi. Os dois elementos são indispensáveis para que se caracterize a posse, pois se faltar o corpus, inexiste relação de fato entre a pessoa e a coisa; e se faltar o animus, não existe posse, mas mera detenção, como no caso do motorista, do caseiro ou da bibliotecária. 3 No Direito Romano havia três situações que o indivíduo tinha a posse, mas não o animus: depositário, credor pignoratício e o precarista (comodatário para eles). Savigny explicava como meras exceções, em que não havia o animus de ter a coisa para si, mas simplesmente de guardá-la. Ihering considera a posse a condição do exercício da propriedade. Ele dirige severas críticas a Savigny, pois que a seu ver a distinção entre corpus e animus é irrelevante. A noção de animus já se encontra na de corpus, sendo a maneira que o proprietário age em face da coisa que é possuidor. O madeireiro que lança à correnteza os troncos cortados na montanha para que o rio os conduza à serralheria não tem o poder físico sobre as madeiras, mas conserva a posse, pois dessa forma é que age o proprietário. Assim também o lavrador que deixa sua colheita no campo não a tem fisicamente; entretanto, a conserva em sua posse, já que age como proprietário em relação ao produto. Porém, se deixa no local uma jóia, evidentemente não mais conserva a posse sobre ela, porque não é assim que o proprietário age em relação a um bem, dessa natureza. Esses exemplos servem para revelar que para Ihering o possuidor é aquele que age em face da coisa como se fosse o proprietário, pois a posse nada mais é que a exteriorização da propriedade. A lei protege a posse porque ela é a exteriorização do domínio, pois o possuidor é o proprietário presuntivo. Tal proteção é conferida pelas ações possessórias. Clóvis Bevilaqua e Sílvio Rodrigues, entre outros, afirmam que o Código Civil adotou a teoria de Ihering. Isso resulta do art. 1.196 CC: “Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de alguns dos poderes inerentes à propriedade”. Entretanto, para Junqueira o novo Código não se baseou totalmente na Teoria de Ihering, diferentemente do anterior. Essa é a organização vertical da posse: detenção, posse direta, posse indireta e posse legal. Embora a posse seja exclusiva por natureza, o legislador permite que ela se desdobre em direta e indireta. É indireta a posse quando o seu titular, afastando de si por sua própria vontade a detenção da coisa, continua a exercê-lo mediatamente, após haver transferido a outrem a posse direta. (art. 1.197 CC). Logo, são possuidores diretos o usufrutuário, o depositário, o credor pignoratício, o locatário, o comodatário, pois que todos detêm a coisa que lhes foi transferida pelo dono; mas este, ao transferir a coisa, conservou a posse indireta. Tanto o possuidor direto como o indireto podem recorrer aos interditos para proteger sua posse contra terceiros. E mais, cada qual pode lançar mão dos remédios possessórios contra o outro, para defender sua posse, quando por ele ameaçado. Junqueira explica que este conceito de posse direta e indireta é relativo. Ex: o usufrutuário tem posse direta em relação ao dono, que tem a posse indireta. Mas, quando o usufrutuário aluga a coisa, o locatário passa a ter a posse direta em relação a este, que tem a posse indireta em relação ao locatário e a posse direta em relação ao proprietário. 6. Composse. Posse de boa-fé e de má-fé. Posse justa e injusta. Posse nova e posse velha. Efeitos da posse. O código Civil, em seu artigo 1199, define o conceito de Composse. Dessa forma, “se duas ou mais pessoas possuírem Pontos anotados por alunos do Prof. Junqueira de Azevedo - Titular da Faculdade de Direito da USP coisa indivisa, poderá cada uma exercer sobre ela atos possessórios, contando que não excluam os dos outros copossuidores”. A Composse, portanto, é o exercício dos poderes da posse, praticado ao mesmo tempo, por diversas pessoas. A composse nada mais é que uma espécie de “condomínio” da posse. Ela está para a posse assim como o condomínio está para o domínio. A posse se manifesta pelo exercício de algum dos poderes inerentes ao domínio, nada impede que tais poderes sejam exercidos simultaneamente por mais de um possuidor, desde que o exercício por parte de um consorte não impeça o exercício por parte do outro. Quanto aos meios processuais de proteção à posse, qualquer um dos compossuidores pode reclamar a proteção possessória, caso seja turbado, esbulhado ou ameaçado. O Código civil não traz uma definição exata da posse mas sim do conceito de possuidor, base pela qual subsidiariamente, infere-se o conteúdo da posse. Os artigos 1196 a 1224 delimitam todo o direito que reveste a Posse, incluindo a sua constituição e classificação, os seus modos de aquisição, os seus efeitos e a sua perda. Por ora, cabe delinear as diversas classificações que o código traz sobre a posse. No entanto, vale, primeiramente, uma pequena retomada da matéria. Confira: As coisas, em geral, podem ser objeto de direito real, em casos em que a pessoa detém título legítimo; ou quando, por outro lado, de fato, exercer tais direitos sem a preocupação de haver ou não o título, o que define a posse. A posse pressupõe a vontade, o animus, de permanecer com a coisa como proprietário o que dá caráter próprio ao fato. "Acreditamos todavia, que não é, propriamente, como complemento da proteção da propriedade que a posse é regulada na lei e estudada na doutrina, mas como situação de fato, que, por si mesma, deve ser respeitada si et in quantum, na convivência social e pode, por seu exercício, conduzir à aquisição da propriedade, contrapondo-se mesmo a quem apresente justo título." Neste sentido, a posse não pressupõe que haja direito efetivo para que se obtenha a titularidade sobre a coisa. Basta que haja um direito subjetivo sobre a coisa para que a posse seja caracterizada: "É certo que originariamente, é o proprietário que tem igualmente a posse e exerce os direitos reais; pode, entretanto, assim não acontecer. Bem argumenta Messineo que a posse, no sentido mais geral, é uma situação que à titularidade de um direito subjetivo. Essa titularidade pode estar acompanhada, ou não, do exercício efetivo do direito. Observa o autor que o direito subjetivo é exercido em regra, pelo titular, de sorte que, normalmente, o exercício de um determinado direito é sintoma do fato que aquele que exerce o direito é também seu titular." 4 (Espínola, Eduardo: Posse, Propriedade, Condomínio, Direitos Autorais, 1a edição, bookseller editora, 2002, nota de rodapé 39, pág. 30) Classificações da Posse Como quase todos os conceitos jurídicos, a posse pode ser examinada do ponto de vista objetivo e subjetivo. Neste aspecto, consideram-se os quesitos objetivos para determinar a posse como justa ou injusta, velha ou nova, ad interdicto ou ad usucapione e os subjetivos para classificá-la como de boa-fé ou má-fé. Posse: boa-fé ou má-fé Ocorre que como na maioria dos direitos, a posse pode ser analisada também quanto a questão da intenção subjetiva do autor, caracterizando à pela má-fé ou boa-fé do autor. Confira entendimento: “Será de boa-fé a posse quando o possuidor ignora o vício, ou o obstáculo que impede a aquisição da coisa (CC, art. 1201). Será de má-fé quando o possuidor exerce a posse a despeito de estar ciente de que é clandestina, precária, violenta, ou encontra qualquer outro obstáculo jurídico à sua legitimidade. Assim, o que distingue uma posse da outra é a posição psicológica do possuidor. Se sabe da existência do vício, sua posse é de má-fé. Se ignora o vício que a macula, sua posse é de boa-fé”. 4 Para o Professor Junqueira, a boa ou má-fé da Posse pode implicar em quatro efeitos diferentes no âmbito dos frutos, das benfeitorias, do direito de retenção e, por fim, da perda da coisa, no seguinte entendimento: (i) frutos: quem está de boa-fé adquire os frutos e quem está de má-fé não os adquiri e é impelido a devolver ou compensar o patrono dos frutos colhidos. Tem o único direito em ser recompensado com a devolução do valor gasto nas despesas para a produção dos frutos colhidos. Destaca-se que os frutos colhidos por antecipação devem ser restituídos mesmo que o possuidor haja boa-fé; (ii) benfeitorias necessárias, úteis e voluptuárias (ou de mero deleite): Quando de boafé, o possuidor tem direito a restituição do valor gasto nas benfeitorias necessárias e úteis e, além disso, tem o direito de retenção. Por outro lado, quando de má-fé, o possuidor tem direito apenas de ser restituído do valor gasto nas benfeitorias necessárias; (iii) direito de retenção: O direito de retenção é uma espécie de garantia real embora não seja elencada no código como tal mas funciona como se assim o fosse. Dessa forma, o possuidor tem direito de se manter no imóvel enquanto o proprietário não pagar as benfeitorias, sob o resguardo dos embargos de retenção; 4 Rodrigues, Silvio: Direito Civil 5 – Direitos das coisas, editora Saraiva, edição 2002, pág. 31 Pontos anotados por alunos do Prof. Junqueira de Azevedo - Titular da Faculdade de Direito da USP (iv) Perda da coisa: Se estiver de má-fé, o possuidor responde por tudo, até por evento de força maior. No entanto, caso se demonstre que ocorreria da mesma forma se em posse do proprietário, o possuidor não será impelido a pagar. Pelo exposto, caracteriza-se como posse de má-fé aquela que seja clandestina, precária, violenta ou aquela que encontre qualquer outro obstáculo jurídico à legitimidade, o que será mais a frente estudado. Preliminarmente, verifica-se que a precariedade da posse será sempre fundada em um título e na intenção do autor. Portanto, nos autos de ações possessórias, é válido que seja detalhada a boa intenção do possuidor em não prejudicar outrem pela sua posse para que esta se caracterize pela boa-fé, a ponto de se beneficiar com seus efeitos. Posse: justa ou injusta Para o Professor Junqueira, Posse justa é aquele que não é obtida pelos defeitos da violência ou de clandestinidade ou mesmo pelo abuso da confiança. Por outro lado, a posse injusta se caracterizaria como sendo a posse vi ou aquela obtida por violência, clan ou, em outras palavras, aquela adquirida de maneira oculta, e, por último, precária ou aquela determinada por meio de abuso de confiança. O direito de posse leva ao direito maior, que seja, a propriedade do imóvel. Neste sentido, verifica-se que a posse é uma aparência do direito. Surge a partir do momento em que, aos olhos dos outros, há a imputação de aparência de proprietário, isso, de acordo com a teoria de Jhering, amplamente usada pelo nosso código. Dessa forma, a posse se torna injusta, por exemplo, quando o ladrão toma o imóvel, ou quando transfere ao receptador pois obtida às ocultas. Da mesma forma, o empregado que tem apenas a detenção, será possuidor injusto a partir do momento que se recusar a entregar a coisa. O texto legal define que: “É justa a posse que não for violenta, clandestina ou precária”. Por oposição, será injusta a posse que contenha qualquer um desses três vícios. O possuidor com justo título, título hábil para conferir ou transmitir direito à posse se proviesse do verdadeiro possuidor ou proprietário, presume-se de boa-fé. Cabe, portanto, à parte adversa que alega, provar do contrário. É uma presunção relativa. Transferido o bem de forma pacífica e de forma regular, fundada em direito real de propriedade, a posse, impreterivelmente, será justa. Confira doutrina sobre o assunto: “A invocação do justo título para caracterizar a posse justa ou a melhor posse é admitida geralmente pelos direitos positivos no processo possessório. Na controvérsia entre possuidores considera-se melhor posse a que se apóia em justo título. Cf. Código Civil português art. 488, parágrafo único: ‘É melhor a posse que se abona em justo título...’(...)” 5 Atenta-se que a posse justa pode se tornar injusta quando o devedor tomar ciência de algo que o impede de permanecer em detenção do bem como proprietário. É o que se chama de facta concludencia, que seja, fatos conclusivos que podem levar à mudança da situação subjetiva. Assim, aquele que é o verdadeiro dono do imóvel, quando pleiteada a posse do bem e o possuidor deixar de dá-la, fará com que esta deixe de ser justa passando a caracterizar-se como injusta. No nosso ordenamento, a posse de justa pode se transformar em posse injusta ao tomar, o possuidor, conhecimento do vício que infrinja sua posse (art. 1202). O possuidor não ignora que possui o imóvel indevidamente. Na jurisprudência, discute-se ainda o fato da citação, em ação possessória, ser um ponto determinante de transformação do caráter da posse. Neste aspecto, verifica-se que no momento em que houve a ciência pelo justo possuidor dos motivos dos defeitos de sua posse, os efeitos destas passaram a ser restringidos como se de má-fé estivesse. “(...) a partir de então deve o possuidor devolver os frutos percebidos e responder pelos percipiendos; a partir daquele momento perde o direito às benfeitorias úteis e às volunptuárias; a partir de então passa a responder pelas perdas e deteriorações, ainda que as não tenha causado.” 6 Posse precária Posse precária é aquela que nas mãos de um indivíduo que, tendo recebido a coisa para depois devolvê-la, acaba sendo retida indevidamente quando reclamada. Lafayette definia bem a posse precária, dizendo ser a posse daquele que, tendo recebido a coisa das mãos do proprietário, por um título que o obriga a restituí-la, recusa injustamente a fazer a devolução e passa a possuir a coisa em nome próprio. Prosseguem, os juristas, definindo a posse precária no sentido de que não é nunca um fato irregular, contrário a direito, ao passo que a verdadeira posse muitas vezes o é, como no caso de um roubo. Todas as pessoas que possuem a título precário detêm em virtude de um título; mas é justamente a existência deste título que constitui o estado de precariedade, implicando o reconhecimento do direito de outrem. São, portanto, detentores ou possuidores precários, o locatário, o depositário, o comodatário, o administrador dos bens de outrem etc. 7 No direito francês, a posse precária é considerada uma espécie de detenção, que seja, a situação não só daquele que, achando-se em relação de dependência para com outro, conserva a posse em nome deste em cumprimento de ordens ou instruções suas como também daquele que detém, com fundamento em obrigação ou direito, emanados de outrem, em virtude de convenção, ou da lei. No entanto, não é o caso que se verifica na lide, ora tratada. Do ponto de vista objetivo, pela leitura do artigo 1208 do código civil, a posse precária não convalesce, diferentemente da posse clandestina ou violenta, pois o dever do comodatário, 6 5 Espínola, Eduardo: Posse, Propriedade, Condomínio, Direitos Autorais, 1a edição, bookseller editora, 2002, nota de roda-pé 255, pág. 111 5 Rodrigues, Silvio: Direito Civil 5 – Direitos das coisas, editora Saraiva, edição 2002, pág. 34 7 Espínola, Eduardo: Posse, Propriedade, Condomínio, Direitos Autorais, 1a edição, bookseller editora, 2002, nota de rodapé 67, pág. 39 Pontos anotados por alunos do Prof. Junqueira de Azevedo - Titular da Faculdade de Direito da USP do depositário, do locatário entre outro de restituir é e será sempre devido. Dessa forma, a posse continuará de forma continua e permanente viciosa. O vício da precariedade permanece apegado à posse, enquanto ela perdurar. Neste aspecto, percebe-se que o legislador tratou de forma mais rigorosa a questão da perda da confiança. Assim sendo, conforme estudos de Silvio Rodrigues, pode-se chegar a três conclusões: (i) “é injusta a posse quando violenta, clandestina ou precária; (ii) a posse violenta e a clandestina podem convalescer e ser protegidas, uma vez que cesse a violência e a clandestinidade, durante o período de ano e um dia; (iii) a posse precária não convalesce jamais, continuando sempre viciosa”. 8 No entanto, tendo em vista que a precariedade está intimamente ligada à justiça ou não da posse, vale se apegar a este conceito mais efêmero e subjetivo para dar validade a posse do bem imóvel. Para caracterizar a posse em justa ou injusta, é necessário que se analise a boa-fé ou a má-fé do titular do direito, matéria esta já exposta anteriormente. De acordo com Silvio Rodrigues 9 , a lei confere, ao titular de posse justa, a proteção possessória contra quem quer que o esbulhe, o pertube, ou o ameace em sua posse, mesmo que este seja o próprio proprietário Quando a aparência de direito de propriedade ainda permanece, a parte contrária deve provar o seu direito: “Entendemos que, sendo a posse uma situação de fato em que se desenvolvem atividades correspondentes ao exercício de um direito, é mantida e protegida como aparência desse direito, si et quantum, isto é, até quando se destrua essa aparência com o reconhecimento judicial de ser outro o titular do direito. Parece-nos , com Messineo, que a tutela da posse é uma das manifestações do princípio pelo qual se respeita a aparência do direito, isto é, se presume, pelo fato do exercício de um direito, a qualidade de titular em quem o exerce: é protegido quem tem por si a aparência da qualidade de titular do direito, que pode ser o proprietário, o titular de um direito destacado do domínio, ou (no sistema do nosso direito, do alemão e outros) o titular de um direito oriundo de contrato ou obrigação (usufrutuário, locatário etc.)” 10 Importante ressaltar que a legislação confere ao possuidor direto meios próprios e tutela para que continue na 6 posse do bem imóvel ou mesmo diminua seus danos pela perda da posse. Quando várias pessoas disputam a situação possessória, esta será mantida provisoriamente a quem detiver a coisa, salvo sendo manifesto que a obteve por modo vicioso. Conforme ensinamentos de Clóvis Beviláqua, a posse é simples fato, que é protegido em atenção à propriedade, da qual ela é a manifestação exterior. Como possuidor, sustentado em registro em cartório e sua boa-fé, poderá intentar ação possessória ou interditos possessórios, mesmo que não tenha o título íntegro. Finalmente, na ausência de outro meio para evitar a imissão na posse do imóvel, por ser um ato expropriatório, é válido que seja demandada caução prévia por conta de futura indenização por perdas e danos. Posse: nova ou velha A Posse é considerada nova quando tem menos de ano e dia e velha quando tem mais de ano e dia. A diferença essencial entre as duas será no âmbito processual, com o entendimento que o legislador deu à urgência da causa em cada um dos casos. “Nestes casos é irrelevante que a posse tenha sido gerada na violência ou na clandestinidade. Isso porque, se após a cessação desses vícios transcorreu o período de tempo reclamado na lei, o possuidor adquire o domínio da coisa”. 11 Dessa forma, à posse nova, cabe liminar em ação possessória. No entanto, à posse velha, não é permitido ao juiz conceder liminar mas, da mesma forma, a parte terá direito de propor ação possessória nos ritos normais, ordinários. “Esse intervalo de ano e dia é o necessário para consolidar a situação de fato, purgando a posse dos defeitos de violência e clandestinidade, como foi visto. E, desde que a posse tenha ano e dia, o possuidor será mantido sumariamente, até que seja convencido pelos meios ordinários”. 12 Posse: ad interdicta e ad usucapionem Para se ter direito a interditos possessórios, é necessário que o possuidor haja posse justa. Posse justa, conforme já visto anteriormente, pode ser também aquela que se originou por violência ou clandestinidade, mas passado ano e dia, revestiu-se do caráter justo. Em rigor, qualquer posse confere direito a Interdito perante terceiro. Posse ad usucapionem é aquela capaz de gerar o direito futuro e certo da propriedade, ou seja, que confere mediante a passagem de tempo determinado em lei o título de propriedade ao possuidor. “Nestes casos, é irrelevante que a posse tenha sido gerada na violência ou na clandestinidade. Isso porque, se após a cessação desses vícios transcorreu o período de tempo 8 Rodrigues, Silvio: Direito Civil 5 – Direitos das coisas, editora Saraiva, edição 2002, pág. 29. 9 Rodrigues, Silvio: Direito Civil 5 – Direitos das coisas, editora Saraiva, edição 2002, pág. 34. 10 Espínola, Eduardo: Posse, Propriedade, Condomínio, Direitos Autorais, 1a edição, bookseller editora, 2002, pág. 98 11 Rodrigues, Silvio: Direito Civil 5 – Direitos das coisas, editora Saraiva, edição 2002, pág. 35. 12 Rodrigues, Silvio: Direito Civil 5 – Direitos das coisas, editora Saraiva, edição 2002, pág. 35. Pontos anotados por alunos do Prof. Junqueira de Azevedo - Titular da Faculdade de Direito da USP reclamado na lei, o possuidor adquire o domínio da coisa”. 13 7. Características atuais do direito de propriedade. Limites, limitações e restrições do direito de propriedade. Função social e função ecológica. A evolução da propriedade começou, de forma bastante geral, com a propriedade coletiva, praticada ainda hoje em algumas comunidades indígenas. Tal forma de organização, entretanto, mostrou-se possível apenas em um contexto de grande abundância material. Posteriormente, passou-se ao sistema feudal de divisão da terra em lotes para utilização em rodízio. Por fim, com as revoluções burguesas do século XIX, chegou-se ao conceito de propriedade privada, trazendo consigo suas características de plenitude, exclusividade, perpetuidade e elasticidade. A concepção burguesa de propriedade, em suas linhas mestras ainda dominante nos dias atuais, substituiu a leitura objetiva da propriedade, advinda da filosofia tomista, pela leitura subjetiva, oriunda da filosofia iluminista. Por conta desse posicionamento, a propriedade é encarada como uma extensão da própria personalidade do indivíduo, uma necessidade para a determinação do indivíduo como sujeito. A propriedade, em seu conceito burguês, passou a gerar uma série de injustiças, principalmente devido à aplicação literal de suas características. Dessa forma, ela passou a sofrer temperamentos, com concessões a teorias antiindividualistas, como o conceito de função social (para maiores detalhes sobre a visão do Junqueira a respeito, ver ponto 5) e o de abuso de direito. Abandonando o campo dos princípios (em que se situa a função social da propriedade), atualmente há temperamentos mais concretos ao direito de propriedade, representados por três categorias: limites, limitações e restrições. Primeiramente, a propriedade é limitada (isto é, sofre “limites”) pelo interesse do proprietário. Abandonou-se, modernamente, a noção de propriedade infinita para cima (espaço aéreo) e para baixo (subterrâneo), entendendo-se que a propriedade estende-se somente até onde interessa ao proprietário, além do respeito a regras insculpidas no próprio sistema constitucional a respeito de minas subterrâneas e poços de petróleo. Limitações ao direito de propriedade são regras legais que criam para o proprietário deveres de origem negativa, como não construir acima de determinada altura, ou não usar a propriedade de forma contrária ao interesse coletivo; ou positiva, como pagar impostos prediais. Além disso, muito recentemente vêm ganhando expressividade as normas de proteção ao patrimônio artístico, histórico e cultural, que também podem impor diversas limitações ao direito de propriedade. Restrições ao direito de propriedade são impedimentos que surgem voluntariamente, ou seja, advêm da vontade de particulares titulares ou antigos titulares do direito de propriedade. Os melhores exemplos de restrições são as cláusulas de inalienabilidade impostas por doadores ou testadores, ou as determinações a respeito de construções, 13 Rodrigues, Silvio: Direito Civil 5 – Direitos das coisas, editora Saraiva, edição 2002, pág. 35. 7 constante de contratos de compra e venda de imóveis em loteamentos. Por fim, cabe estabelecer a distinção entre a função social da propriedade e sua função ecológica. A existência ou não da diferenciação identificada coloca frente a frente duas concepções mais gerais a respeito da ecologia: o antropocentrismo e o biocentrismo. Para os antropocêntricos, a natureza deve ser preservada visando o bem-estar futuro do próprio ser humano, enquanto para os biocêntricos a natureza é um valor em si próprio, ou seja, a vida natural é merecedora de preservação pelo simples fato de ser vida. Como decorrência disso, para os primeiros, a função ecológica não passa de desdobramento da função social, confundindo-se com um segmento desta. Para os outros, ao contrário, trata-se de outro conceito, com outro objeto e tratamento. Importa, entretanto, que o proprietário, no uso de sua propriedade, tem de observar deveres em relação ao meio ambiente, em vista da previsão legal da função ecológica da propriedade no parágrafo 1º do artigo 1.228 do Novo Código Civil (“o direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas”). 8. Os modos de aquisição da propriedade imóvel. Aquisição a título singular e a título universal. Aquisição originária e derivada. Em regra, a transferência da propriedade imóvel dá-se por escritura pública devidamente registrada no Cartório de Registro de Imóveis (art. 1.245). Por outro lado, os bens móveis são transferidos, geralmente, pela tradição, independentemente de registro (art. 1.267). Essa divisão foi realizada tendo-se em vista o aspecto econômico: em Roma, a divisão entre res mancipi (solo, animais de arado) e res nec mancipi (elefante, tigre) refletia os valores econômicos em uma economia agrícola. Atualmente, observa-se que tal classificação nem sempre corresponde à real importância da coisa: um automóvel Mercedez é seguramente mais valioso que um lote em uma cidade pequena. Neste diapasão, bens móveis de considerável valor econômico (navios e automóveis, por exemplo) exigem o registro nos órgãos competentes, para que seja dada a devida publicidade ao ato. Adaptando-se ao quadro hodierno, o Professor Junqueira propôs no Projeto de Código Civil de 1972 a seguinte dicotomia: bens com registro e bens sem registro, à medida que os bens móveis reputam, muitas vezes, maior valor econômico. Entretanto, o Código Civil vigente, seguindo uma linha tradicionalista, preferiu conferir maior relevância aos bens imóveis. Há três sistemas de aquisição de direitos reais no direito romano-germânico: 1) Sistema prático (adotado na França e seguido em Portugal e na Itália), pelo qual o título é suficiente para a transmissão dos direitos sobre coisa. É criticado por permitir que direito pessoal repercuta em direito real, cujos efeitos têm caráter erga omnes. O registro exigido no sistema romano é fundamental para conferir a publicidade necessária a um ato que a atinge a todos. A tradição, do mesmo modo, é modo de transferência que atribui publicidade à constituição de um direito real, mediante a transmissão da posse direta sobre a coisa. Pontos anotados por alunos do Prof. Junqueira de Azevedo - Titular da Faculdade de Direito da USP 2) Sistema romano (vigente no Brasil), pelo qual a traslação de domínio requer uma sucessão de atos: é preciso título (comumente um contrato) e modo determinado em lei (registro ou tradição) para que se constitua direito real, inclusive de propriedade. No caso do usufruto, faz-se mister o registro da escritura de instituição do usufruto (acordo bilateral nãotipificado) na matrícula do imóvel. Na França vigia este sistema, até que, com a utilização reiterada da tradição convencional (estipulada no contrato), através de cláusulas de estilo, dispensou-se o modo, restando a tradição implícita aos contratos. Nesse sentido, confundiram-se direito obrigacional e direito real, seguindo um forte apelo popular. Destarte, na visão do Professor Junqueira, nosso sistema é superior tanto nas conseqüências (especifica quem arca com os prejuízos da coisa, por exemplo), quanto na diferenciação entre direito real e direito pessoal. 3) Sistema radical (adotado na Alemanha), pelo qual basta o modo para que se transfira propriedade. Há, nesta concepção, dois atos voluntários desvinculados: um primeiro ato cria obrigação e outro direito real (Einigung). Este último ato é abstrato, abstraído de sua razão de ser. Desse modo, se advém o inadimplemento definitivo, mas ocorre a transferência do direito real sobre o bem, há enriquecimento sem causa. Enquanto no Brasil, a transferência é um procedimento: sucessão de atos; na Alemanha, o contrato (Vertrag) gera efeitos desvinculados do direito real. No Novo Código Civil, os artigos 1226 e 1227 consagram a aquisição do direito real, no Brasil, com o título e o modo (tradição ou registro). No nosso sistema, o título continua no modo para gerar o direito real (capítulo das disposições gerais), de modo que a nulidade daquele contamina o modo da aquisição. O Código de 1916 elencava (artigo 530) entre os modos de aquisição da propriedade imóvel, além do registro, o usucapião, a acessão e o direito hereditário, olvidando-se do casamento (especialmente em regime de comunhão de bens) e do loteamento irregular – cujas ruas e praças passam para o domínio do Poder Público, sem qualquer registro. Não há artigo equivalente no novo diploma legal, mas observa-se certo paralelismo com as atuais seções do capítulo sobre a aquisição da propriedade imóvel. A aquisição a título singular representa o recebimento da coisa individuada, sem dívidas do transmitente, ao passo que a aquisição a título universal refere-se a um patrimônio ou à parte dele, incluindo ativo e passivo. A hipótese do legado, no direito hereditário, é modo de transmissão a título singular; diferentemente, é o caso dos herdeiros que recebem a propriedade a título universal. No modo de aquisição derivado (direito hereditário, por exemplo), o adquirente recebe a propriedade do alienante do modo como estava, com suas limitações inerentes, à medida que se impõe o princípio de que “ninguém transfere mais direitos do que tem”. Há uma relação de causalidade entre o domínio do adquirente e o do alienante, segundo o Professor Silvio Rodrigues. Por outro lado, na aquisição por modo originário (usucapião e acessão), o direito de propriedade não vem carregado dos limites anteriores. Casamento é modo de aquisição derivada – recebe as coisas no estado que estava - a título universal (patrimônio comum). 9. O registro; valor constitutivo ou declaratório do registro. A matrícula do imóvel. 8 O Registro Imobiliário surgiu, no Brasil, em 1843, por meio da lei n. 317, para garantir o crédito hipotecário. Mais tarde, em 1865, é criado o Registro Geral, pelo Decreto n. 3453. Alarga-se, então, o número de documentos registráveis, passando-se a exigir a transcrição dos títulos de compra e venda, pura ou condicional e todos os demais títulos de transmissão inter vivos da propriedade imóvel suscetíveis de hipoteca, mantendo-se a função do registro como forma de garantir o crédito. O registro não era concebido, portanto, como forma de aquisição dos direitos reais, mas simplesmente como forma de exteriorização de seus efeitos a outras pessoas que não somente as partes contratantes. O registro era, portanto, uma condição de eficácia do título perante terceiros. Esse panorama transforma-se com o advento do Código Civil de 1916. Seu artigo 530 declara que a propriedade imóvel adquire-se pela transcrição do título de transferência no Registro de Imóveis. De um sistema de aquisição pelo título, o direito pátrio passa a considerar o registro como ato constitutivo do direito real sobre imóveis. Desde então, o contrato de compra e venda, troca, incorporação e doação não criam direitos reais no Sistema Brasileiro, mas apenas vínculos obrigacionais. No ordenamento pátrio, a aquisição de direitos reais sobre imóveis opera-se a partir de dois atos coligados: o título e o modo de aquisição. Sendo a transcrição do título negocial no registro público modo de aquisição reconhecido pelo artigo 1245 do Novo Código Civil, trata-se de um ato necessário, juntamente com o título translativo, para a aquisição de direitos reais sobre imóveis. O título expressa a vontade dos contratantes e cria apenas direitos e obrigações pessoais. O registro, por sua vez, transfere o direito real e possui, no atual Sistema Brasileiro valor constitutivo 14 . O artigo 1227 reconhece esse valor constitutivo ao estipular que “os direitos reais sobre imóveis constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos, só se adquirem com o registro...” (grifa-se). Ademais, os direitos reais adquiridos só se tornam oponíveis a terceiros a partir do registro (art. 221). O adquirente que não transcreva o título, portanto, não possui ação reivindicatória do direito real. Os dois atos são coligados, sendo o registro ato causal, dependente do título. Dessa forma, se o contrato é considerado nulo, contamina o segundo ato que dele depende, de modo que também o será o registro. O artigo 1245, § 2º, porém, determina que enquanto não cancelado o registro, o adquirente continua a ser havido como seu dono. Assim, mesmo que o título seja anulado ou rescindido, o registro continuará produzindo seus efeitos legais até que seja cancelado com base no vício do negócio que lhe deu causa. O registro pode ser anulado ou retificado, ainda, a pedido do interessado se o teor não exprimir a verdade (art. 1246). Ademais, cabe ressaltar que, conforme dispõe o artigo 1246, considera-se eficaz o registro desde o momento em que o título é apresentado ao Oficial, que deve prenotá-lo no Protocolo. Por assim ser, a transferência do direito real opera-se tão logo seja o título prenotado pelo Oficial. Nesse momento, ainda que 14 WASHINGTON DE BARROS, no entanto, não entende dessa forma: “A transcrição funciona não como ato transmissor do domínio, mas como ato declaratório de sua disponibilidade. O domínio preexiste anteriormente ao registro” (sic). Monteiro, Washington de Barros. Curso de Direito Civil. V.3. São Paulo: Saraiva, 1979, 19 ed, p. 108. Pontos anotados por alunos do Prof. Junqueira de Azevedo - Titular da Faculdade de Direito da USP tarde o registro definitivo na matrícula, o adquirente assume o direito transferido e torna-se responsável pelas obrigações e ônus que sobre ele recaiam. Necessário que se diga, ainda, que o Código Civil revogado conferia ao registro presunção relativa (juris tantum) fundada na fé pública. Por força do art. 859, presumia-se proprietária a pessoa inscrita na matrícula do imóvel até prova em contrário. Todavia, tal dispositivo não encontra correspondência no Novo Código. O processo de registro dos títulos translativos de direitos reais sobre imóveis encontra-se pormenorizadamente regulado pela Lei dos Registros Públicos (6015/1973). Esse diploma determina que o registro deve ser realizado na circunscrição do imóvel, (art. 169), em matrícula própria para cada imóvel (art. 176, I da mesma lei), aberta por ocasião do primeiro registro e na qual todos os atos jurídicos que se referem ao imóvel devem ser registrados continuamente em uma seqüência ininterrupta (art. 237). A matrícula e seus registros são feitos a partir dos elementos constantes do título apresentado (arts. 196 e 228) e devem conter (art. 176, II) o número de ordem, a data e a identificação do imóvel. Essas regras têm por finalidade permitir que o adquirente e terceiros interessados possam comprovar se o alienante de fato é detentor do direito que pretende transmitir e verificar quais ônus recaem sobre o imóvel. Dessa forma, o registro confere considerável grau de segurança à circulação de bens imóveis, possibilitando sua individuação (através da necessária descrição do imóvel) e conferindo publicidade aos negócios jurídicos imobiliários, requisitos fundamentais para que o título translativo torne-se oponível a o direito exigível erga omnes, qualidade ínsita aos direitos reais. O Sistema Brasileiro de aquisição de direitos reais não pode ser confundido com o Sistema Francês, mas tampouco com o seu oposto, o Sistema Alemão. O primeiro, utilizado em grande parte da Europa Continental (Itália, França e inclusive Portugal), só exige o título para a transmissão dos direitos reais sobre imóveis. Nos países que seguem esse sistema, a tradição ficta - ou convencional - que se completa, por exemplo, com a entrega das chaves, era muito consagrada e, assim, foi transformada em regra jurídica, eliminando a necessidade do modo de aquisição. A transcrição do título é realizada, nesses países, apenas como meio de garantir publicidade ao ato e torná-lo eficaz contra terceiros. Necessário observar que esse sistema ocasiona alguns problemas jurídicos. Em especial, aquele que surge quando do perecimento da coisa antes da entrega. Nesse caso, encetado o contrato e vindo a coisa a perecer, o negócio não pode ser desfeito, já que o adquirente é dono desde a assinatura do negócio. No Sistema Alemão, por sua vez, a transmissão do direito real sobre imóveis dá-se com o registro do imóvel em nome de seu novo titular. Ao contrário do que ocorre no Sistema Brasileiro, o ato de registro é abstrato e, assim sendo, não depende da validade ou existência de um título translativo. Ademais, o registro tem valor absoluto, pois toda propriedade imobiliária alemã está inscrita em um cadastro, em que constam todas as mutações dos imóveis, como um fiel espelho da situação imobiliária. Há presunção absoluta de veracidade dos dados constantes no cadastro, de modo que o direito considera proprietário, para todos os efeitos, aquele cujo nome está inscrito. 9 Se, após a transmissão – operada mediante transcrição no Cadastro Geral de Imóveis da Alemanha – houver inadimplemento contratual, utiliza-se como meio de defesa a figura do enriquecimento sem causa. 10. A aquisição de bens (móveis e imóveis) “a non domino”. O Registro Público detém quatro princípios norteadores: a Continuidade da filiação dos proprietários; a Prioridade dos Registros (determinada pela prenotação no protocolo); a Publicidade (acesso livre de todos); e a Presunção de Veracidade (o oficial de registro de imóveis tem fé-pública, servindo o registro como prova). Ao comprar um imóvel, pede-se a certidão vintenária do mesmo ao Registro (embora hoje seja de 15 anos o prazo de usucapião, porém estamos em fase de transição). O problema surge quando constar o nome de alguém que não é dono, com falsificação de registro, de certidão, apesar da fé-pública. O registro tem presunção iuris tantum. O verdadeiro proprietário pode pedir para regularizar certos dados (como o tamanho, por exemplo), conforme o artigo 1.247 do Código Civil. Cabendo reivindicação, caberia indenização do Estado? O cartório é particular, embora tenha função pública (desde a Idade Média!), apesar de estar mudando certas coisas, como não passar por herança. Cabe indenização entre as partes, não do cartório, salvo por ato ilícito deste. Se o comprador confia no registro e o antigo dono pede para alterar o registro há conflito, pois a propriedade é perpétua, permanente. Cancelado o registro, o proprietário pode requisitar o imóvel, independente da boa-fé ou do título do terceiro adquirente (§ único do art. 1.247). Contudo, no capítulo do Pagamento indevido, o proprietário que paga indevidamente a A, o Legislador estabeleceu, no artigo 879, que “se aquele que indevidamente recebeu um imóvel o tiver alienado em boa-fé, por título oneroso, responde somente pela quantia recebida; mas se agiu de má-fé, além do valor do imóvel, responde por perdas e danos”. O proprietário terá direito somente ao valor, não à coisa. Porém, só se reivindica se o imóvel foi alienado por título gratuito ou se, por título oneroso, o terceiro agiu de má-fé. Contudo, se esse terceiro vende a um quarto, não cabe reivindicação, protegendo este. No pagamento indevido, protegese o 3° porque é negligência. Quanto aos bens móveis, por meio da tradição, não se aliena bem quem não é dono, salvo se perante terceiro de boa-fé, coisa oferecida publicamente e o alienante pareça ser dono – (teoria da aparência). Pela Teoria da Aparência, exige-se: a) boa-fé subjetiva; b) título oneroso; c) error communis (qualquer um cometeria). Neste caso, a boa-fé aliena a propriedade de bens móveis. O artigo 1.268, em seu parágrafo 1°, estabelece que “se o adquirente estiver de boa-fé e o alienante adquirir depois a propriedade, considera-se realizada a transferência desde o momento em que ocorreu a tradição”. Neste ato, o negócio jurídico entre ambos é existente, válido e eficaz – o que acarreta a possibilidade de perdas e danos, etc -, contudo, a tradição permanece ineficaz, até a ocorrência da pós-eficacização do ato. Título de negócio jurídico nulo não transfere a propriedade (art. 1.268, § 2°). 11. Acessão: formação de ilhas, aluvião, avulsão e álveo abandonado. Pontos anotados por alunos do Prof. Junqueira de Azevedo - Titular da Faculdade de Direito da USP A palavra acessão vem do latim, accessione, e indica acréscimo, adição, aumento. Está ligado a acessório. Os antigos dividiam a acessão em: de imóvel a imóvel; de móvel a imóvel; de móvel a móvel. No entanto, esta classificação é muito teórica, e como o objeto do estudo é aquisição de propriedade imóvel, devemos nos remeter à divisão feita pelo Código Civil na Seção III, do Capítulo II do Título II, que trata da aquisição da propriedade imóvel por acessão. O artigo 1.248 determina que a acessão pode se dar de 5 formas: por formação de ilhas; por aluvião; por avulsão; por abandono de álveo; por plantações ou construções. De acordo com Silvio Rodrigues, acessão é o aumento do volume ou do valor da coisa principal, em virtude de um elemento externo, podendo advir de causas naturais ou de ato humano. Das formas de acessão elencadas acima, podemos dizer que as 4 primeiras derivam de causas naturais, sendo que a última, plantações ou construções são fruto de ato humano. Este ponto trata apenas das causas naturais. No tocante à acessão, temos basicamente dois problemas a serem resolvidos: a atribuição do domínio da coisa acedida (que se resolve pela regra do acessório segue o principal) e as conseqüências oriundas da acessão (norteadas pelo princípio que veda o enriquecimento indevido). Nas subseções dedicadas a cada espécie de acessão, o legislador regulou tanto a questão do domínio quanto suas conseqüências. Neste ponto é relevante apontar que é mais conveniente atribuir a propriedade do todo ao dono da coisa principal e conferir uma indenização, quando possível, ao proprietário desfalcado, do que se constituir um condomínio indesejável, totalmente desproporcional. Ilhas Quando surge uma ilha em alto-mar, ela não pertence a ninguém, é res nullius, tendo em vista que o alto-mar é um espaço que não está subordinado a nenhuma soberania. Desta forma, a ilha pertencerá ao primeiro ocupante. No caso de surgir uma ilha em mar territorial ou na plataforma continental (o mar territorial pode ter a largura de até 12 milhas marítimas, enquanto que a plataforma continental pode se estender até 200 milhas a partir da linha da baixa-mar do litoral continental e insular, ou linha de base), ela será do país que exerce soberania sobre aquelas águas. A ilha que aparecer num rio fronteiriço entre dois países será dividida entre os dois países vizinhos da mesma forma que uma ilha é dividida entre dois particulares: faz-se uma linha imaginária no meio do leito do rio, de modo que cada Estado fica com a parte da ilha que estiver de seu lado. Os rios navegáveis são públicos, logo, as ilhas que nele se formarem pertencem à pessoa de direito público a que tais correntes pertencerem (art. 23 do cód. de águas – Dec. 24.643/34). De acordo com a CF, são da União os rios que banhem mais de um estado, fazem limite com outros países ou se estendam a territórios estrangeiros ou deles provenham; se um rio estiver totalmente dentro de um estado federado, o rio será dele. As ilhas surgidas nos rios particulares, não navegáveis, pertencem aos proprietários ribeirinhos, conforme o artigo 1.249 do Código Civil. Neste, são aventadas 3 hipóteses: - ilhas que se formam no meio do rio são consideradas como acréscimo aos terrenos ribeirinhos de ambas as - - 10 margens, na proporção de suas testadas (parte dos terrenos) até a linha que divide o álveo em duas parte iguais. Assim, traça-se uma linha imaginária que divida o leito pala metade. Ao imóvel ribeirinho será acrescido o segmento que ficar do lado de sua margem, na proporção da sua testada. as ilhas que se formarem entre a referida linha e uma das margens são acréscimo aos terrenos ribeirinho fronteiros desse lado. as ilhas que se formarem pelo desdobramento de um novo braço do rio continuam a pertencer aos proprietários dos terrenos à custa dos quais se constituíram. Isso significa que o dono do terreno transformado em ilha pelo novo braço do rio continua sendo seu proprietário. Ocorre que o art. 24 do Código de águas determina a possibilidade de haver uma “desapropriação” deste terreno, pois esta ilha pode entrar para o domínio público mediante prévia indenização se a corrente for navegável. Aluvião Segundo o artigo 1250, o aluvião se caracteriza por acréscimos imperceptíveis formados por depósitos e aterros naturais nas margens das correntes ou pelo desvio de água delas. É o aumento que o rio anexa às terras extremamente devagar, sendo impossível determinar a quantidade acrescida. Esses acréscimos sempre pertencem aos donos dos terrenos marginais, sem que precisem pagar qualquer indenização. Da mesma forma, se o terreno se formar na frente de prédios diferentes será dividido entre eles na proporção da testada de cada um sobre a antiga margem. Avulsão Ocorre quando, por força natural violenta uma porção de terra se destaca de um prédio e se junta a outro. Essa é a definição do CC, mas a definição do Código de águas parece mais adequada: “Verifica-se avulsão quando a força súbita da corrente arranca uma parte considerável e reconhecível de um prédio, arrojando-a sobre outro.” O proprietário desfalcado pode reclamar de volta a porção que perdeu no prazo decadencial de um ano. Neste caso, o dono do prédio acrescido poderá concordar com a remoção ou decidir ficar com a porção de terra indenizando o primeiro. Assim, o proprietário favorecido adquire a propriedade da porção se indenizar o desfalcado ou se, no prazo de um ano, este não houver reclamado. Álveo abandonado Pontos anotados por alunos do Prof. Junqueira de Azevedo - Titular da Faculdade de Direito da USP Álveo é o leito do rio, a superfície que as águas cobrem sem transbordar para o solo natural. Dizer que o álveo é abandonado da corrente significa dizer que as águas não o cobrem mais. Neste caso, a propriedade da área descoberta é, nos termos do artigo 1.252, dos proprietários ribeirinhos das duas margens, na proporção de suas testadas até o meio do leito, sendo o rio público ou particular. Os donos dos terrenos pelos quais as águas abrirem novo curso não terão direito à indenização, pois é caso de força maior, e se o rio voltar a seu antigo curso, o leito abandonado volta a seus antigos donos. Por fim, se a mudança da corrente é provocada por utilidade pública, o dono do prédio ocupado pelo novo curso será indenizado, mas o álveo abandonado passará a pertencer ao expropriante (art. 27 do cód de águas.). Se o rio retorna ao curso antigo, o novo leito abandonado continua a pertencer ao expropriante. 12. Acessão: construções, semeaduras e plantações. Qual a diferença de indenização que o construtor de boa-fé deve pagar ao proprietário nos arts. 1.258 e 1.259 do Código Civil? A palavra acessão vem do latim “accessio”, que indica aquilo q acresce a determinado bem. A acessão é um modo de aquisição de propriedade no qual o proprietário de um bem passa a adquirir o domínio de tudo aquilo que a ele adere. Na acessão, destacam-se dois princípios: a coisa acessória segue a principal e a proibição do enriquecimento sem causa. A doutrina costuma dividir a acessão em dois grupos: naturais e artificiais. A acessão artificial, também chamada acessão industrial, são assim chamadas porque decorrem de um comportamento ativo do homem. São, portanto, artificiais as construções, semeaduras e plantações. Em relação às semeaduras e plantações procede-se o seguinte: 1- X planta com sua semente na terra de Y. A semente se incorpora ao imóvel. Se X de boa-fé. Y paga o valor das sementes. Se X de má-fé. Y recebe as perdas e danos podendo exigir que X retire as sementes. 2- Y planta na sua terra com sementes de X. A semente se incorpora ao imóvel. Se Y de boa-fé. Y paga o valor das sementes Se Y de má-fé. Y paga o valor das sementes + indenização 3- Se houve má-fé de X e Y. A semente se incorpora ao imóvel e Y deve indenização a X. 4 - Se Z planta com sementes de X no imóvel de Y. A semente se incorpora ao imóvel. X pode exigir o valor das sementes tanto para Z como para Y. Quanto às construções, a conseqüência é praticamente a mesma das plantações, ou seja, o acessório segue o principal, no entanto, é possível ocorrer a seguinte hipótese ( Junqueira ): em um terreno na periferia se constrói uma casa de luxo, sendo que essa construção tem cinco vezes o valor do terreno. Vejase que o Prof. Junqueira atribuiu essa hipótese às construções por ser mais comum, mas pela lei o mesmo pode acontecer com as plantações. Por considerar injusta a aplicação da regra geral em hipóteses como essa no qual a construção excede consideravelmente o valor do terreno, o legislador optou por dar ao construtor a propriedade do solo se de boa-fé ( art. 1255 11 par. un. do CC). Veja-se que, na verdade, trata-se de perda de propriedade do imóvel, e não aquisição por acessão. O prof. Junqueira entende que o novo CC deu privilégio excessivo à classe produtora, pois o construtor de má-fé pode invadir o solo alheio e, mediante o pagamento de 10 vezes o valor da parte invadida, adquirir a propriedade do imóvel mesmo contra a vontade do dono do imóvel. Obs: Isso se a parte invadida não ultrapassar 5% do solo. Se ultrapassar, 5% o construtor é obrigado a demolir e pagar as perdas e danos apuradas em dobro. O art. 1256 par. un. estabelece que presume-se má-fé no proprietário, quando o trabalho de construção, se fez em sua presença e sem impugnação sua. Essa presunção é "juris tantum" ( admite prova contrária ) e "hominis" ( é preciso elementos subsidiário que torne o valor da presunção indiscutível. O art. 1258 trata da construção que invade menos de 5% do solo alheio. Nesse caso, o construtor de boa-fé paga indenização que corresponde à parte do solo invadido + desvalorização da parte remanescente. O art. 1259 trata da construção que invade mais de 5% do solo alheio. Nesse caso, o construtor de boa-fé paga indenização que corresponde à parte do solo invadido + desvalorização da parte remanescente + o valor que acrescer à construção. 13. Usucapião: noção geral, elementos, objeto. Usucapião é modo originário de aquisição do domínio, através da posse mansa e pacífica, por determinado espaço de tempo fixado por lei. Aqui o elemento tempo influi na constituição de relação jurídica – é a chamada prescrição aquisitiva. O fundamento utilizado pelo legislador é o interesse em atribuir juridicidade a situações de fato que amadurecem no tempo. O usucapião surge, pois, da necessidade de a posse ser convalidada em propriedade. O direito de posse não é direito real, e por isso há a necessidade dessa convalidação. O usucapião (“a” usucapião segundo o novo Código), recai tanto sobre bens móveis quanto imóveis. Ele constitui, ao lado das proteções possessórias, os principais efeitos da posse. O usucapião pode também ser alegado em defesa, sendo, pois, instrumento desta. Bens públicos e bens fora do comércio não estão sujeitos a usucapião. As espécies de usucapião e peculiaridades de cada uma são objeto do ponto 13, mas, resumidamente, consistem no seguinte: DE IMÓVEIS Usucapião ordinário – tem prazo mais curto, 10 anos, mas exige justo título e boa-fé. Usucapião extraordinário – tem prazo mais longo, 15 anos, não sendo necessários justo título e boa-fé, mas somente a posse mansa e pacífica e o decurso do prazo. Usucapião especial – era chamado de pro labore ou constitucional mas hoje não mais. Não é pro-labore porque antes era só rural e hoje é também urbano. Não é constitucional porque se encontra também hoje no Código Civil. O prazo é de 5 anos. O usucapiendi não pode ter outros bens. Não se exige boa-fé. Há limite de área, sendo de 50 hectares no rural, e 250m2 no urbano. A pessoa deve morar no imóvel urbano em questão (ocupar com moradia), ou deve morar e cultivar a terra no imóvel rural em questão. Usucapião coletivo – grupo de pessoas invade extensa área, ocupando-a de boa-fé e realizando obras e serviços de interesses, econômico e social, relevantes. É novidade no direito Pontos anotados por alunos do Prof. Junqueira de Azevedo - Titular da Faculdade de Direito da USP brasileiro (art. 1228, §4o NCC), e não há solução consolidada. O prazo é de 5 anos. A propriedade é concedida mediante desapropriação no interesse do grupo. Problemas: quem desapropria é o Judiciário e não o Executivo. A desapropriação é no interesse de um grupo, e não de todo o público. Quem deverá indenizar o desapropriado? Por esses problemas, muitos dizer que o usucapião coletivo é inconstitucional. DE MÓVEIS Usucapião ordinário – idem acima com prazo de 3 anos Usucapião extraordinário – idem acima com prazo de 5 anos Quatro elementos, basicamente, compõem o instituto. São eles o curso do tempo determinado, a posse mansa e pacífica, o justo título e a boa-fé. Esses dois últimos são necessários apenas no usucapião extraordinário. Quanto aos elementos objetivos, a posse deve ser justa e o tempo é o determinado pela lei. POSSE – Para a consumação do usucapião é preciso que possuidor tenha atitude ativa, exercendo os poderes inerentes à propriedade, e que, por outro lado, o legítimo proprietário tenha atitude passiva, sendo omisso. A posse mansa e pacífica, pois, é aquela contínua e incontestada. Evidente que não é qualquer contestação que descaracteriza a posse mansa e pacífica, sendo necessária a legítima defesa da posse feita pelo proprietário. Embora tenha que ser contínua, a lei permite a sucessão dentro da posse, podendo o possuidor, para contar o tempo exigido, acrescentar à sua posse a do seu antecessor, contanto que ambas sejam contínuas e pacíficas. A posse injusta, a princípio, não dá ensejo ao usucapião. Posse injusta é a posse violenta, precária ou clandestina. A posse violenta pode se tornar ad usucapionem (passível de gerar usucapião) caso cesse a violência, vindo, assim, a se tornar pacífica. Já a posse clandestina, enquanto tal para muitos autores, e pela teoria de Ihering, nem posse é, vez que ela não é exteriorizada, pública, como são os poderes advindos da propriedade, e como seriam os do justo possuidor. Como o que vale para a violência, cessada a clandestinidade e verificandose inerte o proprietário, a posse pode convalidar-se. Já a posse precária nunca dará ensejo ao usucapião, pois a precariedade não cessa. São exemplos de posse precária a posse do locatário, do usufrutuário, do comodatário, do depositário, etc. TEMPO – O decurso do tempo foi reduzido no NCC. O tempo para usucapião extraordinário é de 15 anos. Será de 10 anos se for realizada obra de grande interesse público. O tempo para o usucapião ordinário é de 10 anos, sendo de 5 anos se o bem foi recebido onerosamente e houver grande interesse público. As causas que obstam, suspendem ou interrompem a prescrição extintiva também se aplicam à prescrição aquisitiva (usucapião). JUSTO TÍTULO – Justo título é o documento irregular que se fosse regular seria hábil à transferência do domínio. É título hábil à transferência da propriedade, porém irregular. BOA-FÉ – Será de boa-fé a posse quando o possuidor ignora o vício, ou o obstáculo que impede a aquisição da coisa. Ao lado da boa-fé, há ainda outro elemento subjetivo. Trata-se da capacidade para adquirir bens. Somados os elementos subjetivos, pois, verifica-se que o usucapiendi deve acreditar ser proprietário ou justo possuidor, além de ser capaz de adquirir bens. 12 14. Usucapião de imóveis: espécies (usucapião extraordinário, ordinário e especial). O “usucapião coletivo/desapropriação judicial” do art. 1.228, § 4°, do Código Civil. Encontramos hoje no ordenamento brasileiro 5 tipos de usucapião: (1) ordinário, (2) extraordinário, (3) especial rural, (4) especial urbano e (5) coletivo. Todos estes se encontram regulados pelo Código Civil de 2002. Destes tipos de usucapião aquele que possuí uma caracterização mais aberta é o extraordinário, pois além dos requisitos genéricos do usucapião (ser o imóvel hábil a ser usucapido, ter tido posse contínua e incontestada, além de ser justa e ter animus domini e ter preenchido o requisito tempo) não há nenhum requisito especial, o que é compensado pelo período maior de tempo requerido para adquirir a propriedade do bem, que no caso de bens imóveis é de 15 anos, reduzíveis para dez se o possuidor estiver estabelecido a sua residência no imóvel ou nele tiver realizado obras ou serviços de caráter produtivo. O usucapião ordinário possui igualmente os requisitos genéricos e mais dois: justo título e boa-fé. Esses são justamente os aspectos que mais apresentam discussão na doutrina e na jurisprudência. No requisito do titulus (justo título), apresentam-se algumas perguntas que tem de ser respondidas para esclarecer a questão: (1) Que espécie de documento pode ser considerado justo título? (2) Quais os vícios que tais documentos podem portar? (3) Compromisso de compra e venda é justo título? (4) É preciso a transcrição no registro de imóveis? A doutrina mais tradicional diz que o justo título é todo aquele documento capaz de transmitir a propriedade em tese, mas que por falta de titularidade do transmitente ou que por falta de poder de disposição do alienante, não transfere. Se filiam a essa teoria Silvio Rodrigues e Washington de Barros. Caio Mario diz que podem haver, ainda, outros vícios que não descaracterizam o justo título, como erro no modo de aquisição. Vem surgindo, no entanto, uma teoria mais liberal, referente ao justo título, mais ligada aos fatores sócioeconômicos de nosso país. Representantes dessa ala mais liberal são José Osório de Azevedo Junior e Nelson Luiz Pinto. Dizem, a este respeito, que o fundamental em matéria de justo título, é a existência de uma razão que dê base jurídica e torne explicável a posse animus domini do adquirente. Com relação ao compromisso de compra e venda e a necessidade do seu registro, a teoria mais tradicional diz não se tratar de documento hábil em tese, para transferir a propriedade de um bem, por não agrupar, objetivamente, em si mesmo, as condições necessárias para tanto e, ainda, que o não registro é um vício que não pode ser sanado. A doutrina mais liberal, ao contrário, entende que o compromisso de compra e venda possui uma eficácia real, ainda que não registrado. É em tese hábil a transferência do domínio, pois possibilitaria a adjudicação compulsória em caso de recusa do promitente vendedor. Não só o compromisso de compra e venda seria justo título, como qualquer outro documento que retrate uma justa causa possessionis, posse com animus domini, e que possibilitaria ao possuidor futura transcrição desse documento ou substituição por outro definitivo, como dação em pagamento, cessão de direitos hereditários, etc. A boa-fé é tida por parte da doutrina como a crença na propriedade da coisa. Como elemento subjetivo, só pode ser analisada numa hipótese concreta. Pontos anotados por alunos do Prof. Junqueira de Azevedo - Titular da Faculdade de Direito da USP Diante de tais requisitos especiais a lei reduz o tempo que é necessário para adquirir o bem, sendo 10 anos no caso de bens imóveis, reduzíveis para 5 se o imóvel tiver sido adquirido a título oneroso e o possuidor estiver estabelecido sua residência no imóvel ou tiver realizado investimentos de interesse social. No caso de bens móveis o período de tempo é de 3 anos. Já o tipo de usucapião dito especial são de dois tipos: o rural e o urbano. Esse meio de adquirir a propriedade apresenta os requisitos gerais do usucapião e para cada um requisito especial. Para o rural é necessário um período de 5 anos de habitação e produção em um terreno não maior que 50 hectares. Já para o urbano o prazo é o mesmo, porém o requisito especial é que o imóvel seja utilizado para a moradia do possuidor, que não seja maior que 25 metros quadrados e que esse não possua outro imóvel urbano ou rural. O usucapião coletivo é uma figura recentemente nova no ordenamento jurídico pátrio que foi criada diante da realidade socioeconômica nacional, pois diante do problema habitacional existente, muitas famílias são obrigadas a ocupar um imóvel não utilizado e nele essas pessoas passam a residir. Os requisitos são os mesmos do usucapião urbano, porém a diferença é que nesse modo de aquisição de propriedade um grande número de pessoas habitam um terreno maior que o limitado no usucapião especial urbano. Porém, nesse tipo de usucapião a lei exige a boa-fé, que é o mesmo requisito requerido para o usucapião ordinário, requisito esse colocado para evitar abusos cometidos pela coletividade. 15. Quadro geral dos modos de aquisição dos bens móveis. A classificação dos bens em móveis e imóveis: conseqüências jurídicas. Os bens móveis merecem todos o mesmo tratamento jurídico? Os automóveis se adquirem pela tradição ou pelo registro? E os navios e aviões? Existem sete modos de aquisição da propriedade imóvel. Dois derivados e cinco originários. O modo é derivado quando entre o domínio do adquirente e o do alienante existe uma relação de causalidade representada por um fato jurídico. O modo é originário quando não há qualquer relação de causalidade entre o domínio atual e o estado jurídico anterior. São modos derivados: a tradição, que é transferência inter vivos, e o direito hereditário, que é modo de transferência causa mortis. Tradição: é a transferência, a transmissão de coisa do alienante ao alienatário com o ânimo de transferir-lhe a propriedade – o Del Nero fala em tradição duplamente qualificada pela vontade das partes (de deixar de ser dono e de tornar-se dono). É real quando há a efetiva entrega da coisa; é simbólica quando há a entrega de algo que representa a coisa (ex.: chaves); é ficta quando é feita por um simples acordo (sem a entrega de fato ou simbólica). Três são as formas de se dar a tradição ficta. O proprietário “A” está na posse de seu bem. Resolve transmiti-lo a um terceiro “B” e firmar com este um contrato de locação. Não são necessárias duas entergas sucessivas (de “A” para “B” e de “B” para “A”). Basta que seja pactuada a tradição, por meio do constituto possessório, alterando a situação da posse de “A”. Em outro caso ocorre o inverso: quando o adquirente já está na posse da coisa (como locatário ou comodatário, por exemplo) há apenas a 13 necessidade de mudança da situação da posse (passando a ser proprietário) tem-se a tradicio brevi manu. A última forma de tradição ficta ocorre quando a coisa está nas mãos de terceiro: não precisa haver tradição, bastando o acordo. Direito hereditário: matéria referente ao direito das sucessões – a herança (título universal) e o legado (título singular). São modos originários: a ocupação, a usucapião, a especificação, o achado de tesouro, e a confusão, comistão e adjunção. Ocupação: é a tomada da posse de coisa sem dono, com o intuito de lhe adquirir o domínio. São sujeitas a esta forma de apropriação: as coisas de ninguém (res nullius) e as coisas abandonadas (res derelicta). A caça e a pesca também são formas de ocupação. Usucapião: usucapião é a aquisição de propriedade pela posse pacífica prolongada por tempo determinado em lei. Há quem a chame de prescrição aquisitiva. Especificação: obtenção por alguém de espécie nova por trabalho em determinada matéria-prima. Achado de tesouro: o achado de depósito antigo de coisas preciosas, oculto e de cujo dono não haja memória. Confusão, comistão e adjunção: respectivamente a mistura de coisas líquidas, a mistura de coisas sólidas e a justaposição de uma coisa à outra. Várias são as diferentes conseqüências jurídicas entre bens móveis e os bens imóveis. A primordial delas é quanto aos modos de aquisição. Embora também sejam diferentes os modos originários, a principal distinção se dá quanto ao modo derivado inter vivos de aquisição. Para bens imóveis a transferência se dá com o registro; os bens móveis se transferem pela tradição. Em todos os campos do direito civil diferenças podem ser apontadas: o prazo para usucapir, o direito real de garantia cabido (hipoteca sobre móveis, penhor sobre móveis), a possibilidade de apenas particulares figurarem na alienação fiduciária, só os bens móveis podem ser doados verbalmente, a necessidade de outorga uxória para se alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis... É importante salientar que o direito civil não mais deve tratar todos os bens móveis igualmente. Também não mais se pôde ver os bens imóveis como mais valiosos e relevantes do que os móveis. Isto não é mais verdade. Junqueira propõe uma forma de classificação dos bens móveis, em: não registráveis (subdivididos em duráveis e não duráveis – esta divisão existe no CDC) e registráveis. Os não registráveis deveriam transmitir-se inter vivos pela tradição; os registráveis pelo registro. O tratamento, portanto, deveria ser distinto para ambos tipos de bens móveis, aproximando os registráveis dos imóveis. De fato existem bens móveis que são registráveis (automóveis, navios e aviões), mas isso não implica necessariamente que sua transmissão se de pelo registro. Os automóveis são registráveis, entretanto sua transmissão se dá pela tradição. As embarcações de pequeno porte (iates, lanchas), embora sejam registráveis, se transferem por tradição; os navios que pesam mais de 20T, se transferem por registro. As aeronaves se transferem por inscrição do título de transferência no Registro Aeronáutico Brasileiro (Lei 7565/86, art. 115, IV). Por fim vale ressaltar que são todos bens móveis, embora tenham tratamento às vezes semelhante ao dos bens Pontos anotados por alunos do Prof. Junqueira de Azevedo - Titular da Faculdade de Direito da USP imóveis: navios (com mais de 20T) e aviões transferem-se por registro e estão sujeitos à hipoteca (e não ao penhor). 16. Ocupação; quais os bens sujeitos à ocupação? A quem pertence o animal caçado? O que deve fazer o proprietário quando o animal ferido, perseguido pelo caçador, vier a se abrigar no pátio de sua casa? A caça e a pesca se regulam pelo atual Código Civil? A ocupação é provavelmente o modo de aquisição mais antigo do mundo. Trata-se de modo de aquisição originário de propriedade de bem móvel (Somente bem móvel! No direito romano era possível a aquisição de bens imóveis mediante ocupação. No direito brasileiro, a figura capaz de atribuir propriedade de bem imóvel mediante tomada de posse é o usucapião, que exige alguns requisitos a mais – tempus, fides, titulus, etc..). É definida por Silvio Rodrigues como “a tomada de posse de coisa sem dono, com a intenção de lhe adquirir o domínio”. O Código Civil de 2002 trata da ocupação em um único artigo: “Art. 1.263. Quem se assenhorar de coisa sem dono para logo lhe adquire a propriedade, não sendo essa ocupação defesa por lei”. Sujeitam-se à ocupação as coisas sem dono, que podem ser: a) res nullius (coisas de ninguém) b) res derelicta (coisas abandonadas) O CC de 1916, em seu art. 593, definia as de ninguém e sujeitas à apropriação (I – os animais bravios, enquanto entregues à sua natural liberdade, II – (...) – consultar o artigo). Não há dispositivo correspondente no NCC. Considera-se coisa abandonada aquela que o dono teve a intenção de abandonar. Muitas vezes, pode ser difícil para aquele que deseja proceder ao abandono expressar essa sua intenção. Para ilustrar a hipótese, o Prof. Junqueira conta a história da viagem que fez à Europa quando era jovem. Tendo permanecido durante toda a longa viagem com o mesmo sobretudo, ao final, desejava livrar-se da peça, a qual certamente seria útil a alguém. Queria abandoná-la, e não simplesmente jogá-la no lixo. Para manifestar sua intenção de abandono, depositou o sobretudo na borda de uma lixeira, pois de outra forma (deixando-o sobre um banco, por exemplo), alguém poderia pensar que aquela era uma peça perdida, e como é hábito na Europa, levaria-a à seção de achados e perdidos do metrô. Da maneira que fez, demonstrou claramente que aquela era uma coisa abandonada, tornando-a passível de ocupação. Nota: não se deve confundir abandono com renúncia. Renúncia, ao contrário do abandono, exige manifestação formal de vontade. Após definir no art. 593 as coisas de ninguém, o CC de 1916 agrupava normas sobre a caça e a pesca, as quais também podem ser classificadas como modos de aquisição originários. Essas regras não foram reproduzidas no NCC. Com isso, a matéria passou a ser disciplinada exclusivamente pelos códigos de Caça (Lei n. 5197/67) e Pesca (Dec-lei n. 221/67). No entanto, ao consultarmos o § 2º do art. 1º do Código de Caça, iremos nos deparar com um problema de direito intertemporal. De acordo com referido artigo,“a utilização, perseguição, caça ou apanha de espécies da fauna silvestre em terras de domínio privado, mesmo quando permitidas na forma do parágrafo anterior, poderão ser 14 igualmente proibidas pelos respectivos proprietários, assumindo êstes a responsabilidade da fiscalização de seus domínios. Nestas áreas, para a prática do ato de caça é necessário o consentimento expresso ou tácito dos proprietários, nos têrmos dos arts. 594, 595, 596, 597 e 598 do Código Civil”. Ou seja: o Código de Caça, lei vigente, faz remissão ao Código Civil de 1916, expressamente revogado pelo art. 2.045 do Novo Código Civil, o qual não possui dispositivos correspondentes, aos quais, nos termos de seu art. 2.046 poderíamos considerar a remissão feita. 15 Afinal, os arts. 594, 595, 596, 597 e 598 do antigo Código Civil estão ou não revogados? Na opinião do professor Junqueira, eles continuam em vigor. Isso porque, quando da elaboração do Código de Caça, o legislador optou pela técnica legislativa de fazer remissão a outro diploma legal, quando poderia simplesmente ter reproduzido aqueles artigos do CC16 no corpo de seu texto. Encontraremos o mesmo problema quanto ao Código de Pesca, e a solução deve ser a mesma. Assim sendo, a solução das questões a respeito de quem pertence o animal caçado e o que deve fazer o proprietário quando o animal ferido, perseguido pelo caçador, vier a se abrigar no pátio de sua casa, são solucionadas pelos arts. 595 e 597 do CC16, ainda vigente, por força da referência feita pelo Código de Caça. “Art. 595. Pertence ao caçador o animal por ele apreendido. Se o caçador for ao encalço do animal e o tiver ferido, este lhe pertencerá, embora outrem o tenha apreendido”. “Art. 597. Se a caça ferida se acolher a terreno cercado, murado, valado ou cultivado, o dono deste, não querendo permitir a entrada do caçador, terá que a entregar, ou expelir”. 17. Achado de coisas perdidas e achado de tesouro. A quem pertence o tesouro encontrado em propriedade resolúvel? E, no imóvel enfitêutico? E, se o caso for de usufruto? A quem cabe a propriedade do anel de brilhante encontrado entre os restos de avião caído e não reivindicado por ninguém? A descoberta é o encontro de coisa alheia perdida (no antigo Código, invenção) e não proporciona o direito de aquisição. Quem acha coisa alheia perdida deve restituí-la ao dono ou legítimo possuidor, segundo o art. 1.233 do Código Civil, tendo direito à recompensa não inferior a 5% do valor da coisa achada. A natureza do crédito do descobridor é “propter rem”, isto é, a obrigação de pagar a recompensa segue a coisa achada. Além deste valor, o dono deverá ressarcir o descobridor das despesas que houver feito com a conservação e transporte da coisa, podendo o dono optar por seu abandono. Neste caso, o Município torna-se proprietário da coisa, podendo, no entanto, abandoná-lo em favor do descobridor se a coisa for de pequeno valor. Caso o dono da coisa não seja encontrado, a coisa deverá ser entregue à autoridade competente que divulgará a descoberta pela imprensa ou outros meios de comunicação. 15 NCC, art. 2.046. Todas as remissões, em diplomas legislativos, aos Códigos referidos no art. antecedente (CC16 e Primeira Parte do Cco de 1850), consideram-se feitas às disposições correspondentes deste Código. Pontos anotados por alunos do Prof. Junqueira de Azevedo - Titular da Faculdade de Direito da USP Passados 60 dias sem a apresentação do proprietário, a coisa será vendida em hasta pública, pertencendo o valor ao município, deduzidas a recompensa e despesas devidas ao descobridor. O achado de tesouro (“depósito antigo de coisas preciosas, oculto e de cujo dono não haja memória”, art 1.264) consiste em um dos modos de aquisição de propriedade móvel. O tesouro será dividido por igual entre o proprietário do prédio em que for achado e aquele que o achar, salvo se este estiver a mando do proprietário, hipótese em que o tesouro pertencerá por inteiro a este. No caso de propriedade resolúvel, o proprietário resolúvel terá direito à metade do tesouro achado. No que se refere ao imóvel enfitêutico o tesouro será dividido entre descobridor e enfiteuta, salvo se este seja o descobridor ou a descoberta tenha sido encetada à sua ordem (art. 609, CC). No caso de usufruto, existia regra específica no Código Civil de 1916, o que não ocorre em relação ao Novo Código. Segundo o art. 727 do CC/1916: “O usufrutuário não tem direito à parte do tesouro achado por outrem...”. Ele terá direito à metade apenas se for o descobridor, como qualquer outro, ficando a metade restante com o nu proprietário. Silvio Rodrigues entende que o caso do anel encontrado nos destroços é típico caso de descoberta. Assim sendo, o descobridor deverá procurar o proprietário e não obtendo sucesso, o anel deverá ser entregue à autoridade competente. Esta procederá à venda do anel em hasta pública se o dono não aparecer em 60 dias após divulgação da descoberta. Do valor conseguido no leilão, pertencente ao município, deverá ser deduzida a recompensa do descobridor e as despesas com a conservação e transporte. 18. Usucapião de coisas móveis. Espécies. As coisas furtadas estão sujeitas a usucapião? O fundamento em que se baseia o usucapião de bens móveis é o mesmo que inspira o dos imóveis, ou seja, a necessidade de dar jurisdicidade a situações de fato que se alongaram no tempo. Por isso seus conceitos são os mesmos e apenas diferem quanto aos prazos. No usucapião de coisas móveis e semoventes, uma vez que a tradição transfere o domínio (diferente do direito francês em que a posse do móvel por si só pressupõe a propriedade), a posse inconturbada da coisa móvel em geral é suficiente para o direito e proteção do titular. No caso de bens móveis que necessitem de registro, por ex. os automóveis, Venosa nos explica que esses bens como toda coisa móvel se transfere pela tradição e o registro na repartição administrativa não interfere no princípio de direito material. A ausência do registro poderá trazer sanções administrativas ao proprietário mas não impede a obtenção da declaração de propriedade por meio do usucapião. Há duas espécies de usucapião de bem móvel: o ordinário e o extraordinário. Os requisitos do ordinário são possuir como sua coisa móvel, ininterruptamente e sem oposição, durante 3 anos. Essa posse deve ser contínua e pacífica, além de ser exercida com animus domini que tenha por base justo título e boa-fé. Já o extraordinário dispensa o justo título e a boa-fé para o possuidor do bem adquirir o domínio. Exige, porém, um prazo de 5 anos. O art. 1262 CC manda aplicar os arts. 1243 e 1244 ao usucapião das coisas móveis. Desse modo, o possuidor poderá unir a sua posse à do seu antecessor, desde que ambas sejam 15 contínuas e pacíficas. Esses dois artigos não só permitem a acessão da posse como também das causas que impedem, suspendem ou interrompem a prescrição ao usucapião. Quanto às coisas furtadas, a questão é controversa. Em relação ao terceiro de boa-fé a jurisprudência parece tranqüila ao admitir a possibilidade do usucapião como no julgado abaixo USUCAPIÃO - VEÍCULO FURTADO - ADQUIRENTE DE BOA-FÉ - POSSIBILIDADE - CARÁTER VIOLENTO DA POSSE CESSADO PARA O ADQUIRENTE - ARTS. 490, 492, 497, E 618 DO CÓDIGO CIVIL - APELAÇÃO CIVIL APELAÇÃO PROVIDA - Opera-se o usucapião, uma vez ocorrentes os requisitos do art. 618 do Código Civil, em favor do terceiro de boa-fé que adquire veículo objeto de furto ou roubo. A posse é de boa-fé quando o possuidor ignora o vício que impede a aquisição da coisa (Código Civil, art. 490). Ainda que violenta a posse de início obtida pelo autor da subtração, não se transmite ela com esse caráter ao terceiro adquirente de boa-fé, pois quando da aquisição a violência já cessara. A regra do art. 490 do C. Civil deve ser entendida em harmonia com a do seu art. 497, pelo qual a posse violenta perdura só enquanto perdurar a violência; cessada esta, há posse útil. (TAPR - AC 85.593-4 3ª C. Civ. - Rel. Juiz Celso Guimarães - DJPR 09.05.97). Para o Prof. Junqueira há a necessidade de a res furtiva ser usada publicamente, ela deve ultrapassar a clandestinidade. Possui esse mesmo entendimento do prof. o voto vencedor do julgado seguinte Embargos Infringentes na Apelação Cível n. 252.762-2/01 Relator p/ o acórdão: Juiz Armando Freire - j. 4/3/99 - publ. DJ 21/10/99 Usucapião - Veículo furtado - Posse precária - Voto vencido - Não se adquire por usucapião veículo furtado, em face de sua origem ilícita. V.v. - O simples fato de ser furtado o veículo não impede a aquisição por usucapião, tendo a posse se tornado pública, não apenas pelo trânsito normal do mesmo, como por sua regulamentação perante o Detran (Juízes Ernane Fidélis e Lopes de Albuquerque). Há, ainda, entendimento jurisprudencial em que admite o usucapião da coisa furtada por quem sabia da sua origem ilícita e até mesmo por quem praticou o furto. Esse é, inclusive, o entendimento de Pontes de Miranda, como se observa no julgado abaixo. USUCAPIÃO DE COISA MÓVEL – Automóvel furtado. Reconhece-se usucapião extraordinário pela posse superior a cinco anos, mesmo que o primeiro adquirente conhecesse o vitium furti. "O ladrão pode usucapir; o terceiro usucape, de boa ou má-fé, a coisa furtada" (Pontes de Miranda). Sentença confirmada. (TARS – AC 190.012.799 – 4ª C – Rel. Ernani Graeff – J. 17.05.1990) (RJ 160/90).3 19. O que é especificação? A quem se atribui a nova species quando o material não é do especificador? A quem pertencem as coisas confundidas, misturadas ou adjuntadas sem consentimento dos donos? De acordo com Orlando Gomes ocorre a especificação quando “coisa móvel pertencente a alguém é transformada em espécie nova pelo trabalho de outrem”. A natureza jurídica deste instituto é controvertida. Dentre os romanos, entendiam os sabinianos que se tratava de forma de acessão, motivo pelo qual a propriedade da coisa nova Pontos anotados por alunos do Prof. Junqueira de Azevedo - Titular da Faculdade de Direito da USP deveria pertencer ao dono da matéria prima. Opostamente, os proculeianos sustentavam que a propriedade da coisa nova deveria pertencer ao especificador, baseando-se no argumento de que havia destruição da coisa antiga. Atualmente, a opinião prevalecente é a de que não se trata de acessão uma vez que não há incorporação de uma coisa a outra, mas transformação de matéria prima de outrem em espécie nova. São requisitos da especificação: que a matéria prima não pertença ao especificador; e que seja transformada em espécie nova pelo trabalho do especificador. A propriedade da nova species é um problema cuja solução será diversa de acordo com as circunstâncias: a) pertencer a matéria prima totalmente ou em parte ao dono da coisa antiga; b) poder ou não poder ser restituída à forma anterior; c) estar o especificador, ou não, de boa-fé. As soluções serão: I) se a matéria prima pertence em parte ao especificador e não pode ser restituída à forma anterior: a propriedade da nova species será do especificador; II) se a matéria prima pertence em parte ao especificador, mas pode ser restituída à forma anterior: o dono da matéria prima não perde a propriedade; III) se a matéria prima pertence totalmente a outrem e não pode ser restituída à forma anterior: a solução varia conforme esteja o especificador de boa-fé – a nova species lhe pertencerá – estando de má-fé – a nova species pertencerá ao dono da matéria prima; IV) se a matéria prima pertence totalmente a outrem e pode ser reduzida à forma anterior: a coisa pertencerá ao dono da matéria prima; V) se a matéria prima pertence totalmente a outrem, sendo indiferente que possa ou não ser reduzida ou não à forma anterior e que o especificador esteja ou não de má-fé: se o preço da mão de obra exceder consideravelmente o valor da matéria prima, a species nova será do especificador. Em todos estes casos, a aquisição da propriedade, seja ela pelo dono da matéria prima, seja pelo especificador, se dá mediante pagamento de indenização. Exceção a isto é a hipótese de especificação feita de má-fé (aí o dono da matéria prima está dispensado de pagar a indenização). VER ARTIGOS 1269 a 1271 NCC. São também formas de aquisição da propriedade a confusão – mistura de coisas líquidas, a comistão – mistura de coisas sólidas, e a adjunção – quando há justaposição de uma coisa à outra (de modo que não possam ser separadas sem deterioração – ligas metálicas). Desta união não pode resultar coisa nova – daí seria especificação, e também não deve haver a possibilidade de separação das coisas misturadas, confundidas ou adjuntas (em existindo essa possibilidade, mas sendo ela excessivamente dispendiosa, aplicar-se-á a regra do condomínio forçado, a ser vista nas linhas subseqüentes). Segundo regra geral da acessão, propriedade dessas coisas pertencerá ao dono da coisa principal, sendo critério de sua determinação por vezes o do maior valor – não satisfatório 16 se auferido por seu preço de mercado, somente; por vezes o da maior importância – critério subjetivo, vez que a importância pode ser classificada sob critérios diversos. A lei estabelece a solução. A cada um dos donos caberá seu quinhão proporcional ao valor da coisa. Institui-se, dessa forma, um condomínio forçado. Também pode haver um condomínio optativo, pelo qual o dono da coisa que por outrem foi misturada tem o direito de escolher entre o condomínio e o recebimento de indenização. Se uma das coisas puder ser considerada principal em relação à outra, a propriedade do todo pertencerá ao seu dono, possuindo o proprietário da coisa acessória o direito à indenização correspondente, se estava de boa-fé. Se de má-fé, o outro proprietário pode optar entre ficar com a propriedade do todo, pagando a parte que lhe não pertencia, ou renunciar à de que era dono, exigindo do outro indenização cabal. Somente quando há coisa principal e acessória é que se verifica, de modo próprio a acessão. Mas, no condomínio forçado, também se verifica transferência de propriedade. Na confusão e na comistão realmente há acessão. Na adjunção, porém, opera-se apenas uma união. VER ARTIGOS 1272 a 1274 NCC. Pelo fato de as coisas ficarem em condomínio, Junqueira diz não se tratar de modo originário propriamente dito. 20. Tradição: a tradição como modo de aquisição da propriedade móvel. Espécies e natureza jurídica. O caso de aquisição dos bens móveis registráveis, como navio, avião e automóveis; a responsabilidade de quem figura como dono. A tradição é um modo de aquisição da propriedade móvel, transferindo-na do antigo para o novo dono. A palavra é utilizada no Brasil tanto nesse sentido jurídico como quando se quer referir ao conservadorismo. Na verdade, analisando mais cuidadosamente, pode-se perceber que o sentido é o mesmo, visto que os tradicionalistas também transferem, entregam o costume de uma geração para outra, ou seja, o caráter de entrega serve tanto aos bens materiais como aos imateriais. (no caso, os costumes). Espécies de tradição: 1) REAL: é a entrega verdadeira da coisa, a tradição física do bem; 2) SIMBÓLICA: também é a entrega de uma coisa, mas não do bem específico, mas sim é a tradição de algo que simbolize o bem, como as chaves de um carro ou um imóvel; 3) FICTA: não ocorre a entrega da coisa, ela é feita de modo consensual, um acordo entre as partes. Essa espécie se sub-divide em mais 3: i) Constituto Possessório: alguém que já tem a posse transfere a propriedade para outrem mas mantém a posse. Ex: A vende carro a B, mas loca o mesmo por uma semana. B torna-se proprietário, mas só terá a posse depois desse período; ii) “Traditio previ manu”: situação oposta da anterior, o possuidor adquire o bem do proprietário, que já não tinha a posse. Ex: A é locatário do carro de B, que o vende. A simplesmente mantém a posse, tornando-se dono; Pontos anotados por alunos do Prof. Junqueira de Azevedo - Titular da Faculdade de Direito da USP iii) a coisa está com 3º: após a conclusão do negócio o antigo proprietário diz para que o adquirente retire a coisa, que está na posse de 3º. Esse fato é bastante comum nos casos de transferências de títulos, como o comprovante de depósito para os bens armazenados. Analisando a tradição pela sua natureza jurídica, vê-se que ela é vinculada a um título anterior (algum contrato), não é um ato abstrato, ao contrário do direito alemão. A mera entrega de uma coisa não significa a transferência de sua propriedade, pois pode ser um comodato, por exemplo. Carnelutti classifica os atos, segundo os precedentes, em livres, devidos, ilícitos ou provimentos. Os primeiros independem de obrigação anterior, como os segundos, enquanto que os terceiros são o descumprimento do devido. Os últimos, no entanto, surgem do Direito Público, tendo como precedente a autoridade, investida do poder necessário. Para o Prof. Junqueira, existem apenas 3 tipos de atos: os livres, os devidos e os que explicitam um poder, mesmo na esfera do Direito Privado, excluindo os atos ilícitos. Assim, a tradição é um ato devido, não livre, pois a obrigação já existe de modo contido desde a execução do contrato. Contudo, dependendo da espécie, a natureza jurídica da tradição pode mudar. Nos casos de tradição material (real e simbólica), existe um ato em sentido estrito, pois ocorre uma mera operação, não uma manifestação de vontade. A prática do ato produz efeitos jurídicos, mas não há uma vontade direta de produzi-los. Ao contrário, na tradição consensual (ficta) ocorre um negócio jurídico, pois a manifestação de vontades das partes vincula aos efeitos jurídicos. Dentro da distinção entre bens móveis e imóveis, sendo estes transferidos através do registro em cartório e aqueles por mera tradição, existe ainda uma categoria de bens que não se enquadra em nenhuma das duas anteriores. Esses são os bens móveis de alto valor, como aviões, navios e automóveis que, apesar de serem transferidos por tradição, estão sujeitos ao registro. O Prof. Junqueira defende que eles deveriam compor a classe dos bens registráveis, até porque já existem exceções: os automóveis são transferidos pelo registro no DETRAN e navios acima de 20 toneladas também são transferidos por registro, por disposição de lei especial. Além disso, esses bens estão sujeitos à hipoteca, instituto típico de bens imóveis. 21. Condomínio em geral. Noção e espécies (condomínio tradicional, condomínio necessário, condomínio edilício, time sharing, “condomínio fechado”, shopping center, etc.). Contrariamente àquela concepção histórica da propriedade como direito exclusivo, temos a figura do condomínio. O condomínio é a propriedade em comum, por uma pluralidade de sujeitos. No condomínio, temos um só direito subjetivo de propriedade, cabendo a cada um dos proprietários uma fração ideal. Não se confunde com a composse, que é a situação fática de ocupação física de um mesmo bem por uma pluralidade de sujeitos. O condomínio [ou co-propriedade] é direito subjetivo [relação jurídico-material] de propriedade comum a mais de um titular. Há um certo paralelismo entre composse e condomínio, no sentido de que a posse está para a composse assim como a propriedade está para o condomínio. Desse modo, também o condomínio pode ser tanto “pro diviso” 17 (divisível) quanto “pro indiviso” (indivisível), conforme seja divisível juridicamente a coisa objeto; a diferença está em que na co-propriedade “pro diviso” poderá haver usucapião entre compossuidores. O Direito Romano já reconhecia a figura do condomínio. Era visto como forma anormal de propriedade. Era considerado grande fonte de rixas (“mater rixarum”) e, assim, tratavam-no como figura temporária, destinada a desaparecer. O Direito Brasileiro mantém essa orientação romanista no tratamento do condomínio tradicional (voluntário), conferindo aos condôminos a possibilidade de: - exigir, a qualquer tempo, a divisão da coisa comum, caso se trate de coisa divisível (art. 1320, “caput”); - exigir a venda da coisa comum indivisível para acabar com o condomínio (art. 1322); - em ambos os casos, a ação é imprescritível. No mundo moderno, entretanto, torna-se necessário que lidemos com novas situações, em que a co-propriedade seja tomada como situação jurídica permanente. Dessa forma, podese dizer que, hoje, existem diferentes espécies de condomínio, quais sejam: (i) tipificadas no NCC: 1) Condomínio tradicional: o qual o NCC nomeia, erroneamente [segundo o Prof. Junqueira], de voluntário, haja vista que a propriedade comum, nesses casos, geralmente origina-se por ato testamentário. Esse tipo não é bem-visto pelo legislador, recaindo sobre ele as antigas reservas romanas quanto à sua existência. Assim, é tido como essencialmente temporário, sendo possível acabar com ele a qualquer tempo. 2) Condomínio Necessário: tratado nos arts. 1328 a 1330 do NCC, diz respeito às paredes, cercas, muros e valas que existam em comum entre mais de uma propriedade. É dito necessário justamente porque é imprescindível o condomínio, uma vez que esses elementos divisórios apenas se justificam quando de propriedade comum. 3) Condomínio Edilício: denominação de origem italiana [antes era dito “condomínio por edificações”]. Aqui, é possível a distinção de duas realidades coexistentes: unidades autônomas (em que existe uma propriedade particular, individual e exclusiva de um único titular) e áreas comuns (em que se verifica efetivamente a situação da copropriedade). (ii) não-tipificadas no NCC: 4) Time-sharing (Multipropriedade): é um instituto relativamente novo. Originalmente, aproximava-se bastante a um direito real: o co-proprietário pagava para utilizar o bem por um certo tempo em época predeterminada; o valor da participação variava exatamente de acordo com o tempo e a época de uso desejados, situação que levou a que o Prof. TEPEDINO o definisse como um direito real de propriedade sobre o tempo. Nessa 1a fase, era possível haver o registro da multipropriedade no Registro de Imóveis. Hoje, entretanto, percebe-se uma evolução do instituto, e temos a multipropriedade como o pagamento pela utilização por um tempo de um dentre vários imóveis elencados. Aproxima-se, assim, a uma relação obrigacional (direito pessoal) muito mais que um direito real, principalmente porque nessa forma atual torna-se inviável o registro. Pontos anotados por alunos do Prof. Junqueira de Azevedo - Titular da Faculdade de Direito da USP 5) Shopping Center: figura bastante próxima ao Condomínio Edilício, em que temos unidades autônomas privativas e área comum. A diferença reside em que entre os condôminos-lojistas há um interesse maior que os liga – p.ex.: muitas lojas fechadas, bem como banheiros malcuidados, refletem negativamente para todos os condôminos, mesmo os concorrentes, porque afasta os consumidores. 6) Flat – Apart-Hotel – Clube de Campo: aproximam-se também da figura do condomínio edilício, existindo unidades autônomas e área comum. O interesse comum, aqui, também é elevado. 7) Condomínio Fechado: não deixa de ser um condomínio edilício. Seu diferencial é que suas áreas comuns são “externas” e, se não estivessem dentro de uma área particular fechada, seriam áreas públicas – ex.: ruas, calçadas... 22. Condomínio tradicional: teorias; comparação com o condomínio germânico ou de “mão comum”. Ação de divisão; indivisibilidade e venda da coisa comum. Conflitos de preferência. Há duas teorias acerca do condomínio tradicional (romano). Segundo a primeira, no condomínio, não há uma propriedade só, mas várias representadas por frações ideais. As propriedades são justapostas. A segunda teoria, por sua vez, defende que há uma propriedade só, sendo cada condômino dono do todo. As quotas representariam apenas uma maneira de matematizar as despesas e direitos. O Professor Junqueira entende que a segunda teoria é melhor, porque só ela explica as relações entre condôminos e terceiros. Um condômino pode defender a coisa contra terceiro, se alguém quiser vender a sua parte, tem que dar direito de preferência aos demais condôminos etc. Tudo isso é sinal de que há uma propriedade única. Venosa sustenta que o condomínio romano não compreendia mais de um direito de propriedade, exercendo os proprietários este direito ao mesmo tempo em quotas ideais sobre a propriedade indivisa. Assim, cada condômino exercia a propriedade em sua plenitude, respeitando os direitos dos demais. A quota ideal é a medida da propriedade e, de acordo com essa fração, dividem-se os benefícios e ônus, direitos e obrigações entre os comunheiros. Os povos germânicos compreendiam o condomínio de forma diversa, denominado de “mão comum”. Neste, cada consorte tinha direito conjunto de exercer o domínio sobre a coisa. Não havia a noção de parte ideal, a coisa toda é objeto de uso e gozo comum. O espírito germânico é coletivo, já o romano é individualista. Assim, o condomínio germânico era absolutamente indivisível, sem frações ideais; era uma coisa só e permanente, não podendo o condômino vender ou gravar a sua parte, ou pedir a divisão da coisa comum. Na prática, o comportamento dos comunheiros é muito semelhante a de uma pessoa jurídica. Já o romano, pelo caráter exclusivo da propriedade e seu espírito individualista, sempre compreendeu o condomínio como uma forma anormal, tendente a acabar. O nosso direito ancorou-se na tradição romana, mas há traços da concepção germânica. As áreas comuns no condomínio edilício seguem a regra do condomínio de “mão comum”. O casamento por comunhão total de bens é de origem germânica; quando o casamento é regido por esse regime, cada 18 parte não é dona de metade dos bens, os dois são donos do todo. Cada condômino tem direito de pedir a divisão da coisa comum (comune dividundo), se ela for divisível. A ação de divisão é imprescritível, podendo ser movida a qualquer tempo (art 1320 caput CC). Não há prescrição ou decadência para essa ação porque o direito é potestativo, perdura enquanto pender a situação jurídica. Contudo, se a coisa for indivisível, pode-se pleitear a ação de venda da coisa comum. Cada condômino deve pagar as despesas da divisão, devendo ser feita perícia. Concluída a venda, divide-se o dinheiro entre as partes. Ressalte-se que a divisão da coisa comum é apenas declaratória de propriedade, e não atributiva, mesmo porque se aplicam a ela as regras da partilha de herança (art 1.321 CC). A sentença da ação de divisão, mesmo não sendo atributiva de propriedade, deve ser registrada para regularização e para ter a eficácia erga omnes. A divisão pode também se dar de forma amigável, por meio de escritura pública caso se trate de imóveis. Será necessariamente judicial se houver incapazes. O CPC trata da ação de divisão nos arts 946 a 949. Todos os condôminos deverão ser necessariamente citados. A indivisibilidade não é só física, pode ser também convencional e até legal. O imóvel rural não é divisível se inferior a um módulo rural, podendo os condôminos somente vender a coisa comum. O Estatuto da Terra (Lei 4.504/64) busca evitar, com isso, o minifúndio. No espírito romano, no qual o condomínio está sempre na iminência de se resolver, o legislador estipulou o prazo de cinco anos para a tolerância da indivisibilidade (art 1320, § 1o CC). Mas, e se os condôminos combinarem, na compra, que por dez anos não vão romper o condomínio? Ou se um pai, ao deixar um legado, proíbe os filhos de venderem a coisa? Trata-se de nulidade parcial, uma vez que o legislador só tolera cinco anos. Assim, no primeiro caso, no prazo de cinco anos, não se pode pedir a divisão da coisa. Decorridos, é tudo nulo. Porém, é possível que as partes renovem o contrato por mais cinco anos. Utiliza-se o mesmo raciocínio para o caso da herança (art 1320, § 2o CC). Os filhos não podem proceder à venda da coisa por cinco anos. No entanto, mesmo com esse prazo, havendo caso extraordinário e tendo sido combinada a indivisão, pode-se proceder à divisão (art 1320, § 3o CC). Quando impossível ou inconveniente a divisão, a solução é a venda da coisa comum ou do quinhão do condômino. O art 1322 CC admite a possibilidade de a coisa ser adjudicada a um dos consortes, que indeniza os demais. A venda pode ser feita amigavelmente. Não havendo acordo, um único condômino pode ajuizar o pedido de venda de coisa comum, na forma dos arts 1.113 ss CPC. Todos os condôminos serão citados, e haverá a participação obrigatória do Ministério Público (art 1.105 CPC). Cada condômino é livre para vender a sua fração ideal. É preciso examinar, no direito brasileiro, se a coisa é divisível ou indivisível. Se indivisível, o condômino tem que dar preferência aos demais condôminos (art 504 caput CC), visando evitar a entrada de um estranho no condomínio. Todavia, se esse direito é desrespeitado e a coisa é vendida a um terceiro, o condômino pode, num prazo de seis meses, depositar a quantia paga pelo terceiro e ficar com a coisa. Esse direito de preferência é potestativo, de caráter real. Não é igual ao direito de preferência do locatário, quando o contrato de locação não foi registrado. Aliás, nos contratos de locação, quando muito, se faz o registro no Cartório de Títulos e Pontos anotados por alunos do Prof. Junqueira de Azevedo - Titular da Faculdade de Direito da USP Documentos, e não no de Imóveis. Para ter o direito de preferência real, o registro deveria ser feito no Registro de Imóveis. Sem o registro, o locatário pode apenas pedir perdas e danos, o que, geralmente, já é estipulado pelo contrato. Com o registro no Cartório de Títulos e Documentos, o locatário pode pedir perdas e danos até de quem comprou, mas não tem direito sobre a coisa, como o condômino. A ação anula o negócio feito entre o condômino e o terceiro. Venosa fala em revogação, outros em rescisão. Obtém-se, enfim, a ineficácia real do contrato feito entre o condômino e o terceiro. Se a coisa for divisível, para fazer a venda, depende-se da anuência dos demais condôminos. No direito francês, não há o direito de preferência; no português, sempre há, não distinguindo entre coisa divisível ou não. Vimos que o condômino tem direito de preferência para comprar se a coisa for indivisível. E se vários condôminos querem comprar? Em primeiro lugar, verifica-se quem fez mais benfeitorias no imóvel. Se empatar, leva a coisa o condômino que possui o maior quinhão. Permanecendo o conflito, a coisa é levada a leilão, ficando ela aquele que der o maior lanço (art 504, p. ú. CC). 23. Direitos e deveres dos condomínios (sic; não seria condôminos?) no condomínio tradicional. Administração do condomínio. Realmente, nesse ponto, a expressão “condomínios” foi empregada de maneira equivocada, visto que se queria referir aos condôminos, pois o condomínio tradicional, além de não possuir personalidade jurídica, sequer pode ser sujeito de direito, condição essa em que o condomínio edilício pode figurar, de modo que não pode ser titular de direitos e deveres. Aliás, o Código Civil trata dos direitos e deveres dos condôminos. Direitos dos condôminos: I – Usar livremente a coisa, conforme o seu destino, bem como sobre ela exercer todos os direitos compatíveis com a indivisão, não podendo perturbar igual uso por parte dos outros condôminos. Se se tratar de condomínio pro diviso, cada condômino poderá exercer os direitos inerentes ao proprietário singular, podendo até mesmo valer-se dos interditos possessórios contra outros condôminos, em relação à sua parte. Sem a anuência dos demais condôminos, não podem ser realizados atos que modifiquem a natureza e maneira tradicional de exploração do condomínio. Além disso, cada condômino responde pelos frutos que percebeu e pelos danos que causou, sendo que lhe é vedado dar posse, uso ou gozo da propriedade a estranhos sem que haja a anuência dos demais condôminos. II – Reivindicar a coisa comum de terceiro. A ação reivindicatória cabe somente contra terceiros e não contra condôminos, pois estes, assim como o reivindicante, possuem direito de propriedade sobre a coisa. Vale ressaltar que, em se tratando de condomínio por diviso, o condômino, conforme dito anteriormente, pode valerse dos interditos possessórios em relação à sua parte. III – Alienar a sua parte indivisa, respeitado o direito de preferência dos demais condôminos. IV – Gravar a sua parte indivisa, podendo somente haver incidência sobre toda a coisa se houver o consenso de todos os condôminos. 19 V – Exigir a divisão da coisa comum, a qualquer tempo, pois o condomínio tradicional ainda é visto como uma situação transitória e inconveniente, sendo conhecido como mater rixarum (“mãe das brigas”). Contudo, podem os condôminos acordar sobre a indivisão da coisa, de maneira que esta fique indivisa por um prazo máximo de 5 anos, suscetível de ulterior prorrogação. Se se tratar de indivisão estabelecida por doador ou testador, o prazo de 5 anos não poderá ser excedido. A despeito disso, mesmo nesses casos, o juiz pode determinar a divisão da coisa comum antes do prazo terminar, a requerimento de qualquer interessado e se graves razões o aconselharem. VI – Preferência na venda e na locação da coisa. Se um condômino alienar a sua parte a um estranho sem dar conhecimento da venda aos demais condôminos, qualquer um destes pode haver para si a parte vendida, desde que deposite o valor do preço. O requerimento do depósito, entretanto, deverá ser realizado num prazo de cento e oitenta dias, sob pena de decadência. Se a coisa não puder ser dividida e os condôminos não acordarem em adjudicá-la a um só, deverá ela ser vendida e o preço, repartido. Nessa venda, o condômino tem preferência ao estranho, e, entre os condôminos, será preferido aquele que tiver na coisa benfeitorias mais valiosas e, inexistindo essas, o de maior quinhão. Deveres dos condôminos: O condômino deve concorrer, na proporção de sua parte, para o pagamento das despesas de conservação e divisão da coisa, bem como suportar, em igual razão, os ônus a que estiver sujeita. Ademais, assim como tem direito aos frutos, deve arcar com os respectivos ônus. No tocante às dívidas contraídas durante a comunhão e em proveito dela, cada condômino responde na proporção do seu quinhão, se todos as contraíram conjuntamente. Se, todavia, as dívidas foram contraídas por só um dos condôminos, este é o responsável para com o credor, ficando, porém, com ação regressiva contra os demais. Se algum condômino se negar a pagar sua parte nas despesas ou nas dívidas da comunhão, será dividida a coisa, respondendo o quinhão de cada um por sua parte na dívida, nas despesas anteriores e nas de divisão. Como a obrigação do condomínio é de natureza propter rem, que decorre de sua condição de condômino, ela se transmite a seu sucessor a título singular e se extingue pelo abandono da coisa. Assim, o condômino eximi-se do pagamento das dívidas se renunciar à sua parte ideal, que será aproveitada pelos demais condôminos. Administração do condomínio: É possível que os condôminos, não desejando usar conjuntamente a coisa comum e não a querendo dividir, nem vender, resolvam administrá-la. Se assim deliberarem, por maioria, escolherão também o administrador, sendo que a maioria será calculada com base no quinhão de cada um. Cabe salientar que, se houver divergência acerca do modo de administração ou da pessoa do administrador, é permitido a qualquer condômino pedir a divisão da coisa comum, se esta for divisível, ou a sua venda, se for indivisível. Quanto aos frutos da coisa comum, se não houver estipulação em contrário ou disposição de última vontade, serão partilhados na proporção dos quinhões. Destarte, é lícito aos condôminos firmarem um contrato de sociedade entre si, Pontos anotados por alunos do Prof. Junqueira de Azevedo - Titular da Faculdade de Direito da USP estabelecendo direitos sobre os frutos não correspondentes aos quinhões de cada um. Por derradeiro, haverá presunção de um contrato tácito de mandato se um dos condôminos, sem oposição dos outros, administrar os bens comuns, o qual será tido como mandatário destes. 24. Condomínio edilício: histórico e características. Elementos fáticos (unidades autônomas e áreas comuns). Elementos de estruturação jurídica (instituição, convenção, regulamento). Natureza jurídica da convenção. Ato normativo. E também “Beschluss” (= ato coletivo vinculante para a minoria). O condomínio, como o próprio nome indica, significa propriedade em comum do domínio de uma coisa. Dentre as várias espécies de condomínio existentes (tradicional, necessário), o condomínio edilício tem adquirido importância cada vez maior, principalmente nas grandes cidades em virtude do crescimento populacional e, também, das várias destinações que pode assumir como, por exemplo, moradia, conjuntos empresariais, depósitos, condomínio de garagem, dentre outros. O condomínio edilício, que anteriormente era denominado condomínio em edificações, não é tema recente como dizem alguns, uma vez que os povos mediterrâneos já possuiam construções de 4 ou 5 andares já na época dos romanos, segundo o Prof. O tema foi tratado pela primeira vez no direito francês no século XVI (1561) e posteriormente inserido no Código Civil de Napoleão. Desta maneira, pode-se dizer que o condomínio edilício é relativamente recente apenas do ponto de vista jurídiconormativo, especialmente no Brasil pois nossa primeira lei sobre o assunto data de 1928: Decreto legislativo 5.481, relacionado com o aumento demográfico e a conseqüente valorização dos terrenos urbanos e especulação imobiliária. Este decreto disciplinou o funcionamento deste condomínio e de sua assembléia geral e das restrições aos diretos dos condôminos, dentre outros assuntos. A grande difusão dos condomínios edilícios nas cidades brasileiras mostrou que o Decreto era falho e precisava ser substituído, o que ocorreu com a edição da lei nº 4.591/64, de autoria de Caio Mário (a pedido do Ministro da Justiça). Esta lei tratou do condomínio edilício e, também, da incorporação (definida no art. 28, pár. Único) que geralmente antecede ao condomínio e pode dar margens a abusos (cabe destacar que o incorporador não é o dono do terreno, nem empreiteiro, é o organizador do empreendimento). A lei de 1964 trouxe várias inovações, merecendo destaque a atribuição do caráter propter rem das despesas condominiais; a obrigatoriedade da convenção e do Regulamento do Condomínio; a instituição da representação legal do condomínio na pessoa do síndico e a pormenorização das atividades do incorporador. O NCC, ao regular inteiramente a matéria, revogou tacitamente a parte relativa ao condomínio edilício da lei n.º 4.591/64 (e isto deveria ter sido expressamente indicado nas disposições finais do NCC). Todavia, a parte relativa à incorporação não foi revogada, continuando, portanto, em pleno vigor. O condomínio edilício tem como característica a existência de propriedade particular das unidades autônomas ao lado da comunhão necessária do terreno e das partes comuns do prédio, sendo que nestas coisas comuns a co-propriedade é 20 perpétua, daí advindo a necessidade de se institucionalizar tais áreas. Segundo o Professor Junqueira, o condomínio edilício tem estrutura muito semelhante à pessoa jurídica e, para ele deveria ser considerado como tal já que há um representante do condomínio (síndico), o condomínio pode contratar etc. Assim, embora o condomínio não seja dotado de personalidade jurídica, ele é sujeito de direito, podendo exercer o direto de ação, ser parte no processo e, também, pode ser responsabilizado, ou seja, o condomínio é um ente jurídico despersonalizado, e, tal como o espólio e a massa falida, tem direitos e deveres. O condomínio edilício tem como elementos fáticos as unidades autônomas e as áreas comuns (art. 1331, caput). Nas unidades autônomas a propriedade é praticamente exclusiva (§ 1º), podendo haver livre alienação e gravamento. Todavia, deve ser exercida de modo a não prejudicar o sossego, a salubridade e a segurança dos vizinhos. Quanto às áreas comuns, elencadas no § 2º do art. 1331, deve-se assegurar a utilização em comum pelos condôminos, sendo vedada a alienação e a divisão. Os condôminos têm o direito de usar as partes comuns, conforme sua destinação, mas não podem impedir a utilização das mesmas pelos demais compossuidores (art. 1335, II). Cabe ressaltar que estas áreas estão no condomínio germânico ou de mão comum, dado que são indivisíveis, inalienáveis Além dos elementos fáticos, temos três elementos que definem a estruturação jurídica do condomínio edilício: I. Instituição do condomínio: segundo o art. 1333, o condomínio é instituído por ato entre vivos ou testamento, registrado no Cartório de Imóveis. Este ato unilateral de instalação do condomínio geralmente é realizado pelo incorporador e deve conter a discriminação e individualização das unidades autônomas e áreas comuns (inc. I); a atribuição da fração ideal correspondente a cada unidade autônoma (inc. II) e a destinação das mesmas (inc. III). O Professor disse que também deve constar a área construída, o material utilizado. Prof. Junqueira destacou que não há condomínio quando o prédio tem um único proprietário que aluga as unidades. Este prédio pode ser transformado em condomínio se o dono assim decidir, procedendo à instalação e à venda das unidades autônomas. II. Convenção do Condomínio: é a lei máxima da vida condominial. Constitui-se num ato coletivo dos proprietários das unidades autônomas, reduzido a termo (escritura pública ou particular, nos termos do art. 1334, §1º), que, segundo o caput do art. 1333 deve ser aprovado por 2/3 dos condôminos, sendo obrigatória para os titulares de direitos sobre as unidades autônomas (inclusive dissidentes e ausentes), ou para os possuidores ou detentores das mesmas. Deve prever tudo o que interessa á vida do condomínio (art. 1334, caput e incisos) como a finalidade da edificação; modo de pagamento das despesas; forma de administração e outras. Verifica-se, assim, que a convenção do condomínio assemelha-se a um contrato no modo de formação pois é ato plurilateral e escrito, todavia, não é contrato, pois uma vez aprovada por 2/3 dos condôminos, obriga a todos os condôminos (mesmo aqueles que não compareceram á Assembléia e a minoria dissidente), atuais e futuros, e, também, os ocupantes das unidades, não vigorando, portanto, o princípio da relatividade dos efeitos contratos. Podemos dizer, então, que a convenção de condomínio é ato coletivo porque exige aprovação de 2/3 dos condôminos e, Pontos anotados por alunos do Prof. Junqueira de Azevedo - Titular da Faculdade de Direito da USP também, é ato normativo na medida em que vincula á minoria, nesta englobada os aqueles que não participaram da aprovação e os dissidentes. Assim, podemos entendê-la como Beschluss, isto é, como ato coletivo, dado que resultante da fusão de várias vontades, que obriga a minoria. Por fim, a convenção de condomínio é negócio jurídico e, como tal, está sujeita a nulidades: 9 Deve respeitar a forma prescrita: instrumento escrito (público ou particular), com a assinatura dos condôminos. Também deverá ser registrada para que seja oponível erga omnes; 9 Observância do quorum de aprovação. Aqui, deve-se ressaltar que, por ser ato normativo, a convenção também é vinculante para condôminos incapazes desde que, abstraindo-se o voto destes, haja aprovação por 2/3. Regulamento/Regimento Interno: destina-se a completar e especificar a Convenção do Condomínio, regulando a vida diária deste (estabelecimento da destinação do prédio, uso das áreas comuns, horário de funcionamento etc). Importante destacar que a função do regulamento é apenas complementar a Convenção, não podendo modificar ou extrapolar as normas desta (da mesma maneira que o decreto com relação à lei). 25. Direitos e deveres dos condôminos no condomínio edilício. Despesas. ¿Um condômino pode ser expulso do condomínio pelos demais? As reformas. Os direitos de um condômino no condomínio edilício estão elencados no art. 1335 do Código Civil de 2.002, na seguinte ordem: 1) usar, fruir e livremente dispor das suas unidades autônomas; 2) usar as partes comuns, conforme sua destinação, e contanto que não exclua a utilização pelos demais compossuidores; 3) votar nas deliberações da assembléia e delas participar, estando quite. A redação legal é suficientemente clara, mas cabem dois comentários: • No caso do primeiro direito citado, quer-se significar que, se algum condômino pretender alienar sua unidade autônoma, os outros condôminos não têm direito de preferência (essa é a expressão-chave, aqui): o Prof. Junqueira explica que só há direito de preferência no caso de alienação de acessórios à unidade autônoma. • Com relação ao último direito elencado – votar na assembléia –, seu exercício depende do cumprimento de uma obrigação: a obrigação propter rem de pagar as despesas condominiais (estar quite = ter pago todas essas despesas). Os deveres do condômino em um edifício são os seguintes, segundo o artigo 1336 do Código: 1) contribuir para as despesas do condomínio, na proporção de sua fração ideal; 2) não realizar obras que comprometam a segurança da edificação; 3) não alterar a forma e a cor da fachada, das partes e esquadrias externas; 4) dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação, e não as utilizar de maneira prejudicial 21 ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes. O condômino que não paga pontualmente sua contribuição fica sujeito ao pagamento da mesma com juros moratórios convencionais ou legais (o que está em conformidade com a teoria geral do direito das obrigações). Caso o condômino descumpra qualquer um de seus deveres, deverá pagar a multa estabelecida no ato constitutivo ou convenção de condomínio. A princípio, um condômino pode ser punido pelos outros se tiver reiterado comportamento anti-social, de modo a impossibilitar sua convivência no condomínio. A lei dispõe que tal condômino eventualmente terá de pagar uma multa de valor elevadíssimo – tão elevado que, na prática, equivale à uma expulsão, pelos outros condôminos, do condomínio. O Prof. Junqueira não aceita bem esse conceito de “comportamento antisocial”, pois envolve um grande relativismo e um alto grau de subjetividade. Quanto às reformas no condomínio, as regras estão nos artigos 1341 a 1344 do C.C, com destaque para as normas que dispõem sobre: • o quorum para a aprovação de benfeitorias voluptuárias (maioria qualificada), úteis (maioria simples) e necessárias (nem precisam ser aprovadas, podendo ser realizadas pelo síndico ou por qualquer condômino, que será reembolsado); • os casos de reformas urgentes e/ou muito onerosas – o Junqueira explicou que, se as reformas caras não forem aprovadas por unanimidade, a minoria discordante pode alienar a parte dela, com direito de preferência para a maioria que aprovou a reforma; • a responsabilidade do proprietário da cobertura pelas despesas com a conservação do terraço da cobertura. 26. O síndico. O síndico pode sofrer “recall”? A assembléia geral do condomínio edilício. Decisões que exigem quorum especial. Extinção do condomínio. Prevê, a nova lei civil, na seção Da administração do condomínio, a escolha do síndico (art. 1347), que poderá ou não ser condômino, com mandato de até dois anos, podendo ser reconduzido, competindo-lhe, de acordo com o art. 1348: “Iconvocar a assembléia dos condôminos; II- representar, ativa e passivamente, o condomínio, praticando, em juízo ou fora dele, os atos necessários à defesa dos interesses comuns; III- dar imediato conhecimento à assembléia da existência de procedimento judicial ou administrativo, de interesse do condomínio; IV- cumprir e fazer cumprir a convenção, o regimento interno e as determinações da assembléia; Vdiligenciar a conservação e a guarda das partes comuns e zelar pela prestação dos serviços que interessem as possuidores; VIelaborar o orçamento da receita e da despesa relativa a cada ano; VII- cobrar dos condôminos as suas contribuições, bem como impor e cobrar as multas devidas; VIII- prestar contas à assembléia, anualmente e quando exigida; IX- realizar o seguro da parte comum”. Embora o síndico tenha a representação ativa e passiva do condomínio, judicial e extrajudicial, deve ser destacado que, na hipótese de demanda judicial que envolva interesses privados dos condôminos, por exemplo, desapropriação de unidades autônomas ou de partes comuns, será obrigatória a citação de todos os co-proprietários interessados. Pontos anotados por alunos do Prof. Junqueira de Azevedo - Titular da Faculdade de Direito da USP A assembléia poderá investir outra pessoa no lugar do síndico, dando a ela os poderes de representação ( par. 1o ). As funções administrativas podem ser delegadas a pessoas de confiança do síndico, e sob a sua inteira responsabilidade, mediante aprovação da assembléia geral dos condôminos, salvo se a convenção dispuser de maneira contrária (par. 2o). Ao síndico, que poderá ser condômino ou pessoa física ou jurídica estranha ao condomínio, poderá ser fixada a remuneração pela mesma assembléia que o eleger, salvo se a convenção dispuser diferentemente. O síndico que praticar irregularidades, não prestar contas ou não administrar convenientemente o condomínio poderá ser destituído, pela forma e sob as condições previstas na convenção, ou, no silêncio desta, pelo voto da maioria absoluta dos condôminos, presentes, em assembléia geral especialmente convocada para os fins do par. 2o do art. 1348 do Código Civil de 2002 (art. 1349). Preceitua o art. 1350 que: “Convocará o síndico, anualmente, reunião da assembléia dos condôminos, na forma prevista na convenção, a fim de aprovar o orçamento das despesas, as contribuições dos condôminos e a prestação de contas, e eventualmente eleger-lhe o substituto e alterar o regimento interno. Par 1o Se o síndico não convocar a assembléia, um quarto dos condôminos poderá fazê-lo. Par 2o Se a assembléia não se reunir, o juiz decidirá, a requerimento de qualquer condômino”. Estão previstos no art. 1351 da nova lei civil dois “quorum” especiais: a) dois terços para a alteração da convenção e do regimento interno; e b) unanimidade para mudar a destinação do prédio. Encerra o Capítulo VII do Título II do Livro III a seção III: Da extinção do condomínio, que é disciplinada pelos arts. 1357 e 1358. Diz o art. 1357 que: “Se a edificação for total ou consideravelmente destruída, ou ameace ruína, os condôminos deliberarão em assembléia sobre a reconstrução, ou venda, por votos que representem metade mais uma das frações ideais. Par. 1o Deliberada a reconstrução, poderá o condômino eximirse do pagamento das despesas respectivas, alienando os seus direitos a outros condôminos, mediante avaliação judicial. Par. 2o Realizada a venda, em que se preferirá, em condições iguais de oferta, o condômino ao estranho, será repartido o apurado entre os condôminos, proporcionalmente ao valor das suas unidades imobiliárias”. Extingue-se o condomínio se a construção ruir parcial ou totalmente, e a assembléia decidirá sobre a reconstrução ou venda do imóvel. O quorum para tal desiderato é de metade mais um. Na hipótese de reconstrução, poderá o condômino exonerar-se do pagamento vendendo seus direitos a outros condôminos; ocorrendo a venda, o condômino terá direito de preferência em relação ao estranho. A mesma regra aplicada na hipótese de venda (par 2o do art. 1357) deverá sê-lo na hipótese de desapropriação, ou seja, a indenização será repartida na proporção do valor das unidades imobiliárias (art. 1358 do Cód. Civil de 2002). 22