através da dança - eRevista Performatus

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através da dança - eRevista Performatus
Inhumas, ano 2, n. 7, nov. 2013
ISSN 2316-8102
ATRAVÉS DA DANÇA
Adolphe Aderer
Capa da revista Le Théatre (Paris, n. 12/Dezembro de 1898)
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Srta. Moltabert. Clichês de Boyer
Confesso que compartilho a opinião do professor de dança de O Burguês Fidalgo,
quando ele diz: “Nada é tão necessário aos homens como a dança”. Se eles próprios não
dançam, uma das maiores alegrias que os homens podem se proporcionar é ver dançar.
Quando, em alguma ópera-cômica do século XVIII, escuto um tolo dizer: “Não gosto de
dança”, tenho vontade de gritar à moça que o escuta: “Não case com ele, não case com ele!
Ele dará um péssimo marido!”. E foi um dos nossos melhores poetas que escreveu:
Era um prazer ver a moça dançar.1
Sim, é um prazer ver as moças dançarem nos bailes, ou numa praça ensolarada de
aldeia; também ver dançarem as pequenas bailarinas, as bailadeiras, as gitanas e as
almeias 2 : pois é um prazer ver corpos ágeis mexendo-se em movimentos ritmados e
harmoniosos. Não passam de bárbaros aqueles que não sabem apreciar o encanto da dança
e que não compreendem sua poesia.
Livros inteiros, didáticos e eruditos, foram consagrados à dança. Encontramos aí a
história das suas origens e das suas transformações em todos os povos. Não é minha
intenção recomeçar aqui um trabalho desse gênero. Quero apenas passear como diletante
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Nota da Tradutor (N. do T.): Victor Hugo.
N. do T.: No original almée, a dançarina do ventre. Segundo o dicionário Houaiss: “Almeia: dançarina oriental
de estilo lascivo cujas danças são acompanhadas de cantos geralmente improvisados”. Em português, o termo
é às vezes traduzido por almeh.
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por algumas dessas danças que me são conhecidas e conversar amigavelmente sobre elas
com o leitor que vê, ao mesmo tempo que eu, essas belas imagens: será como uma
conversa, por assim dizer, entrechat.
I. AS LOÏE FULLER
Srta. Loïe Fuller. Clichê de Reutlinger
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Aqui está Loïe Fuller, nome desconhecido há alguns anos, nome hoje célebre nos
dois lados do Atlântico. Contaram-me, sobre a primeira aparição de Loïe Fuller, duas lendas
diferentes, que guardam ambas um sabor peculiar.
Segundo alguns, apareceu um dia, na casa do diretor de um grande music hall
parisiense, uma mulher de andar ligeiro, trajando um vestido de alpaca preto, cuja
antiguidade um impermeável desbotado escondia mal; um chapéu de veludo com plumas
largas combinava, pelo seu aspecto antiquado, com o resto do traje. A moça, assim vestida,
segurava em uma mão duas pequenas lanternas. Perguntaram-lhe, não sem ironia, o que
ela, tão pobremente trajada, vinha fazer no mais suntuoso estabelecimento de Paris. Ela
então explicou delicadamente, misturando em sua conversa palavras inglesas e alemãs, a
ideia que tinha germinado em seu espírito inventivo. Enquanto falava, seus grandes olhos
azuis, de um olhar penetrante como uma lâmina de aço – a comparação, muitas vezes
utilizada com objeto, é aqui inevitável –, seus grandes olhos azuis animavam-se e parecia
que, diante de um público imaginário, entreviam espetáculos feéricos. O diretor sorriu e, no
entanto, adivinhou que a jovem trazia consigo algo de inesperado, algo de novo: o “novo”, é
atrás disso que todos os diretores correm, e, com frequência, acabam encontrando apenas
novidades requentadas. Alguns dias após esse encontro, o nome de Loïe Fuller repercutia
pelos quatro cantos de Paris.
Srta. Loïe Fuller. Clichês de Mairet
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A outra lenda afirma que, começando Loïe Fuller a ganhar renome no estrangeiro,
dois diretores rivais de Paris desejaram contratá-la para os seus respectivos teatros. Tendo
tido a mesma ideia no mesmo dia, eles teriam viajado para Londres no mesmo trem. Ao
chegarem ao mesmo tempo na estação de Charing-Cross ou na de Victoria, um deles, que
quis pegar o caminho mais curto para chegar até o teatro onde Loïe Fuller se apresentava,
teria sido atrasado pelas perturbações do trânsito. Durante esse tempo, o seu rival, mal
entrara no camarim da dançarina estrela, já lhe fazia assinar um contrato, em boa e devida
forma, com o salário por ela própria estipulado. Sobrou ao outro diretor apenas praguejar
contra os cabriolés e os cocheiros ingleses, que são, contudo, excelentes. Isso é o que ainda
se conta. Eu prefiro de longe a primeira versão.
Acabo de chamar Loïe Fuller de a “dançarina estrela”. Estrela, sem dúvida. Mas seria
ela uma dançarina? No seu caso, trata-se mais de uma aparição mágica do que de uma
dança propriamente dita. Primeiro, para aumentar a sensação estranha e misteriosa do
espetáculo, os lustres do teatro são todos apagados; depois, ao som de uma música
sonolenta, o pano sobe e o palco aparece rodeado, cercado de todos os lados por longas
cortinas negras. Mas, no fundo da cena, levantando as cortinas, uma forma surge, vaga e
indecisa. De repente, dois feixes de luz que se cruzam iluminam-na: a mulher então
aparece, resplandecente em seu longo traje branco com dobras largas. Ela caminha, avança,
move-se, agita-se; as dobras do vestido giram em torno dela e a envolvem como a cauda de
uma serpente. Dependendo dos movimentos da dançarina, e dependendo também das
cores projetadas pelos aparelhos de luz, a imagem modifica-se: lírio branco de caule esguio,
borboleta de asas imensas, clarão enorme de incêndio, cintilações de cores fulgurantes,
senhorita Loïe Fuller é tudo isso no espaço de alguns minutos. O espectador, admirado,
fascinado por essas visões rápidas e sucessivas, tem a impressão de ter sido transportado à
caverna de uma feiticeira com poderes sobrenaturais. Ele aplaude com entusiasmo a
inteligente artista que lhe proporcionou uma sensação nova e guardará ainda por muito
tempo, diante dos olhos, a aparição fantástica. Aparição que somente um Théophile
Gautier, que contava com um arco-íris na ponta da pena, teria podido descrever
corretamente.
Festejada pelos pintores, celebrada pelos poetas e escritores, Loïe Fuller tornou-se
uma das personalidades preferidas desta Paris que consagrou a sua reputação. Na sua
linguagem pitoresca e cheia de imagens, ela contou-me, dias atrás, uma história saborosa.
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Recentemente, amigos seus, que se dedicam com sucesso à fotografia, desejaram
fotografá-la; o lugar escolhido foi o jardim ao lado da sua residência. Senhorita Loïe Fuller
vestira, para a ocasião, os trajes de teatro. Ora, a residência é contígua a uma escola de
moças dirigida por freiras. O muro que separa os dois imóveis não é alto, e, no seu topo,
surgem muitas vezes cabeças despenteadas de meninas curiosas. No dia em que Loïe Fuller
foi fotografada, duas ou três dessas travessas espiavam-na. Interessadas pelo que viam,
elas chamaram suas companheiras, e logo toda a escola estava pendurada no muro.
Encantada, senhorita Loïe Fuller fez uma apresentação para todas essas crianças, e nunca
pôs nos seus movimentos tanto ardor e vivacidade como dessa vez. As meninas aplaudiam
ruidosamente. De repente, as toucas das freiras apareceram: a apresentação terminou. O
espetáculo mágico aterrorizou as mulheres devotas, e houve decerto algumas que fizeram o
sinal da cruz, murmurando: “Vade retro, Satanás!”.
II. DANÇAS ESPANHOLAS
Dançarinas espanholas. Clichês de Reutlinger (da esquerda) e de Boyer (do centro e da direita)
“Olé! Olé!”, quantas e quantas vezes essas duas sílabas sonoras não repercutiram
em nossos palcos, quando as espanholas – verdadeiras ou falsas – vinham remexer-se. Diz
um provérbio: “Não há espanhol que não prefira recair sob a dominação moura a ter de
abandonar os seus olés e corridas”.
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Antes volvieranse Moros
Toditos los Espagnoles
Que renunciar a sus olés
Y a sus corridas de toros!
A Espanha é a terra abençoada da dança. Existe em toda espanhola uma dançarina
sutil, ardente, voluptuosa, assim como em todo espanhol existe um toureador. Quantas
vezes não vi, nas cidades e aldeias da Andaluzia perfumada, meninas tomarem poses de
dançarinas, inclinarem-se para trás, erguerem-se rapidamente; quantas vezes também não
vi meninos brincarem de corrida de toros!
A TEJERO – trajes de maja. Clichê de Boyer
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Cada província espanhola tem seu tipo particular de dança. Seriam necessárias
muitas páginas para descrever com cuidado, para enumerar as danças que são
especialmente apreciadas em cada uma dessas províncias. Por vezes, nuances
estabelecem-se na maneira como duas cidades vizinhas interpretam a mesma dança.
Citarei aqui somente as danças mais conhecidas: a jota, que Aragão prefere a
qualquer outra, impetuosa e arrebatadora; o zapateado, ruidoso e muito cadenciado; o
zorongo, de um movimento intenso, acompanhado por bater de palmas; a cachucha,
marcada pelas castanholas.
Conhecemos certamente melhor a seguidilha; este nome, aliás, aplica-se tanto à
dança quanto às poesias que a acompanham. Carmen – isto não é mais ignorado por
nenhum francês –, Carmen vai dançar a seguidilha na casa de sua amiga Lillas Pastia.
E é ainda Théophile Gautier que nos diz:
Um saiote apertado nas ancas,
Um pente enorme a prender os cachos,
Pernas nervosas e pés delicados,
Olhos ardentes e a pele branca
Eia! Ola!
Ei-la
A verdadeira Manola
O bolero, vivo e ligeiro, tem os seus admiradores apaixonados; mas a rainha das
danças espanholas é o fandango. Como já foi dito: “o bolero inebria, o fandango inflama”.
Um escritor francês acrescentou: “Aos acordes do fandango, toda a Espanha eriça-se; é o
hino nacional por excelência, que acompanha a mais graciosa e exaltante das danças, a qual
seria digna de ser executada em Paphos ou no templo de Vênus, em Cnido”.
Uma história divertida que data do século passado sobre o fandango é contada por
Gaston Vuillier, em seu livro La Danse [A Dança]:
Dizem que a Cúria Romana, escandalizada pela indecência do fandango, resolveu
proscrevê-lo sob pena de excomungação. Foi convocado um consistório para aplicar
esse processo. Quando a sentença de morte estava prestes a ser pronunciada, um
cardeal disse que não se podia condenar um culpado sem antes escutá-lo, e que ele
votava para que o fandango fosse dançado diante dos juízes... Mandaram então
comparecer um casal de dançarinos espanhóis; eles dançaram diante dessa augusta
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assembleia. Os cardeais começam a alegrar-se com a graça e a vivacidade desse
duo; um prazer desconhecido penetra-lhes a alma; eles acompanham o ritmo com
os pés, com as mãos; a sala do consistório transforma-se numa sala de baile; cada
Eminência levanta-se, segue na cadência os gestos e movimentos dos dançarinos;
e, após essa provação, o fandango obteve sua graça.
Permitam-me acrescentar que essa graça, o fandango merecia-a. Vi-o ser dançado
em Granada, no bairro de Albaicín: é uma das lembranças mais encantadoras que guardei
das minhas viagens.
III. DANÇAS ORIENTAIS
Selika (esquerda), a bela Feridjé (centro), Sultana (direita). Clichê de Boyer
Alguns anos atrás, foram trazidas para Paris autênticas almeias. Elas apresentaramse no palco de um music-hall. A sua graça indolente e resignada não fez nenhum sucesso
com os parisienses, tampouco a música grave e monótona que acompanhava a famosa
dança do ventre. Tiveram que substituir as almeias vindas de Túnis e Argel por falsas
almeias, as quais Olivier Métra pôs para dançar com músicas leves e populares: estas sim
fizeram um enorme sucesso.
Há quadros que devem ser vistos em suas molduras originais: a dança do ventre é
um desses. Se quisermos ver as almeias, devemos ir para Túnis, Ouargla, Laghouat. A
viagem é longa, mas belíssima! Os prazeres lá são pouco dispendiosos: em Laghouat, por
um centavo, todo mundo pode, degustando uma xícara de café, contemplar a dança das
almeias.
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Aos som da rhaita, clarinete de som acre, do tar, ou pandeiro, da darbuka, pele
esticada sobre um pote sem fundo que ressoa de modo surdo, do thebel, grande
caixa que se bate com um pedaço de madeira encurvado, avançam, escreve Gaston
Vuillier, as almeias. Com seus braços carregados de joias, elas coroam as próprias
cabeças com tiras de sedas adornadas com fios de ouro, e caminham, balançando os
ventres de maneira frenética, ocultando-se ligeiramente por detrás do véu, de um
modo menos recatado do que provocante.
Fátima. Clichê de Boyer
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Um dos meus amigos, Pierre Giffard, descreveu, não sem humor, em seu livro Les
Français à Tunis [Os franceses em Túnis], a impressão que teve ao ver a dança do ventre,
executada em um estrado de um café mouro:
É quatro o número de dançarinas. Elas estão nuas da cintura para cima, e, nos seus
braços e pescoços, estão envoltos braceletes e colares de cequim e de bibelôs
prateados. Há corais em seus cabelos, e grandes brincos de ouro vermelho caem
sobre os ombros... As saias de seda azul e vermelha que cobrem essas bailarinas até
a cintura são peças simples de fazenda atadas atrás. Os pés vão descobertos e mal
roçam as babuchas repletas de ouro e prata... Nos primeiros rangidos dos
menestréis, as quatro dançarinas começam a dançar. Uma diante da outra, elas
avançam e recuam, atravessam, voltam e balançam os quadris e o abdômen com
movimentos lascivos, o que inebria de alegria os Mouros. As dançarinas fazem
olhinhos lânguidos, depois tomam fisionomias entristecidas, depois sorriem ao
mesmo tempo que dançam. Finalmente, elas aceleram o movimento e remexem-se
numa espécie de loucura coreográfica, seguidas pela música dos instrumentistas.
De repente, a música e as dançarinas param. Chegou ao fim.
IV. O JAPÃO EM PARIS E EM LONDRES
O “japonismo” é uma moda do nosso tempo. No século passado, nossos pais
entusiasmaram-se pela China e seus bibelôs orientais; nós escolhemos o Japão. Alguns
afirmam, Auguste Vitu entre outros, que as origens dessa espécie de idolatria remontam à
expedição à China em 1860.3 Após o tratado de paz, um certo número de oficiais, de
eruditos e de artistas franceses prosseguiram até o Japão e ficaram profundamente
admirados com o que viram no estranho arquipélago nipônico, onde a civilização mais
refinada se aliava à ferocidade das raças bárbaras. Os primeiros trajes japoneses que
chegaram aos bailes à fantasia das Tuilleries e na casa do duque de Morny, em 1861 e em
1862, produziram uma forte impressão: a Exposição Universal de 1867 arrematou essa
popularidade.
O teatro acabaria apropriando-se de uma arte que, contendo todas as riquezas e
elegâncias, presta-se admiravelmente à decoração cênica. Várias manifestações artísticas
japonesas aconteceram nestes últimos anos; porém, coisa bem curiosa, nenhuma delas
conseguiu triunfar completamente. Por que esse semi-insucesso? Seria muito longo
procurar as causas disso: mas não seria talvez porque a graciosa imobilidade dos modos
japoneses condiz mal com o nosso temperamento vivo e alerta?
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N. do T.: Referência à guerra que opôs a China à França e ao Reino Unido, e que ficou conhecida como a
Segunda Guerra do Ópio (1856-1860).
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Shaftesbury Theatre. Miss Mary Tempest. A Gueixa. Clichê de Alfred Ellis (Londres)
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De qualquer forma, tivemos, como peças teatrais japonesas, Kosiki, no Teatro
Renaissance; Yedda, um bonito balé de Olivier Métra, na Ópera de Paris; a Marchande de
Sourires [Mercadora de sorrisos], uma peça de Judith Gautier, que foi graciosamente
montada no Odéon por Porel; e, nesse mesmo ano, no Teatro Athénée, hoje fechado, A
Gueixa.
A Gueixa, na verdade, é uma adaptação de uma opereta inglesa: o libreto e a música
foram criados por ingleses. A peça foi encenada durante dois anos na Inglaterra. Se não me
falha a memória, ficou somente dois meses nos palcos parisienses, não obstante a grande
habilidade demonstrada pelos adaptadores Clairville e Lemaire. Recordarei do enredo? Em
uma casa de chá no Japão, um oficial da marinha inglesa conheceu e admirou uma dessas
gueixas, ou dançarinas de profissão, que, mais pela pantomima do que pela dança,
encantam os olhos. De volta à Inglaterra, ele noiva, porém não consegue esquecer a
pequena Mimosa. Ele não resiste e volta para encontrá-la. A sua noiva, Nelly, segue-o, e
após uma série de acontecimentos, que seria muito longo contar aqui, ela consegue, na casa
de chá, passar-se por Mimosa. O governador do lugar, que tem direito de polícia nas casas
de chá, irritado com os amores entre o oficial inglês e Mimosa, é rigoroso: coloca em leilão
toda a casa de chá. A falsa Mimosa, a falsa gueixa será vendida! Não se preocupem: as
coisas serão esclarecidas e tudo entrará nos eixos. Nelly reencontrará o seu oficial e o
governador conservará a sua gueixa favorita.
Sendo a heroína principal da opereta uma dançarina, era natural que uma espécie de
reconstituição da dança japonesa fosse tentada. Com esse intuito, algumas dançarinas
vieram da Inglaterra: trouxeram os movimentos lentos, precisos, quase automáticos. O que
pareceu mais divertido foi o jogo da Chon-Kina, uma espécie de jogo de prenda, cuja
descrição foi-nos dada nas seguintes estrofes:
Joguem o jogo chamado a Chon-Kina!
Como esse jogo é bonito!
Não tem de ser preguiçosa;
Tem de ser habilidosa,
Fazendo cada movimento
Exatamente!
Atenção, aquela que não acertar,
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– Como esse jogo é bonito!
Deverá comprometer-se a pagar
Uma prenda, e o que ela possuir
Poderemos tomar!
Coro (refrão).
Chon-Kina
Chon-chon-chon
Kina! Kina!
Nagasalti.
Yokohama!
Hakodaté
Hoi!
Kirigiri-Su
Hoi...
As crisântemas – As Gueixas. Teatro do Athénée-Comique. Clichê de Ener
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A jovem deve então entregar aos poucos o que ela estiver vestindo. E todas as peças
de roupa se vão sucessivamente, e garantem que, no Japão, quando a gueixa está
completamente nua, ela ainda assim encontra alguma coisa a dar como prenda.
As casas de chá foram um pouco difamadas. É claro, não são templos elevados à
sabedoria e à virtude; mas nem todas as casas de chá são lugares de licenciosidade e
dissipação. Pierre Loti, na sua deliciosa Madame Chrysanthème, disse tudo aquilo que deve
ser entendido sobre as casas de chás, as gueixas que dançam e as musmés que são as suas
criadas.
Teatro do Athénée-Comique. Srta. Jeanne Petit. A Gueixa . Clichê de Ener
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Dançarinas com leques. A Gueixa – Shaftesbury Theatre. Clichê de Alfred Ellis (Londres)
As mandolinistas. A Gueixa – Teatro do Athénée-Comique. Clichê de Ener
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Musmé, que palavra bonita! “Parece-me, escreve Loti, que há em musmé [mousmé]
a palavra amuo [moue] (no sentido de fazer beicinho de modo meigo e engraçado como elas
fazem) e sobretudo rostinho [frimousse] (o rostinho aborrecido como é o delas).”
Ai!... o Japão das gueixas, das musmés e dos caquemonos está próximo do fim: o
Japão de hoje guarnece-se de baionetas e cerca-se de canhões. Gosto muito mais do antigo.
V. DANÇAS DE OUTRORA
Academia Nacional de Música. Srta. Subra. Clichê de Benque Bery
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Das danças japonesas ao minueto, a distância, à primeira vista, parece enorme. Mas
o minueto, como o nome indica, não é a dança dos passos miúdos? E há algo mais leve e
gracioso do que a dança e as dançarinas do Japão?
O minueto, originário de Poitou, é uma de nossas danças nacionais por excelência:
tem a simplicidade elegante que caracteriza particularmente nossa raça. Recentemente,
alguém perguntou como pode ser interpretado o gosto francês. Entre outras respostas,
poderíamos ter-lhe dito: veja dançar um minueto.
Sr. Rossi e Sra. Pilar-Morin – Representações na capital. Clichês de Boyer
As gravuras aqui publicadas mostram alguns detalhes dessa dança. O melhor
comentário que conheço sobre o minueto é a descrição feita por um príncipe da dança,
Vestris:
Tendo o pé esquerdo à frente, você leva o corpo sobre ele, aproximando o pé direito
ao lado do esquerdo, na primeira posição, que você flexiona sem tocar o direito no
chão; quando você estiver suficientemente flexionado, passa o pé direito à sua
frente, na quarta posição, e levanta-se ao mesmo tempo na ponta dos pés,
estirando as duas pernas uma próxima da outra, e, logo após, apoia o calcanhar
direito no chão, para ter o corpo mais firme e flexionar ao mesmo tempo sobre o pé
direito sem apoiar o esquerdo, e, daí, passá-lo para a frente da mesma maneira que
você fez com o pé direito, até a mesma posição, e, ao mesmo tempo, elevar-se
sobre ele e caminhar os dois outros passos na ponta dos pés, um do direito, outro
do esquerdo, mas, do último, é preciso apoiar o calcanhar a fim de tomar o seu
passo de minueto com mais firmeza.
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Num primeiro momento, a teoria parece um pouco complicada: ela torna-se
bastante clara na execução.
Sra. Pilar-Morin e Sr. Rossi. Danças antigas nos salões. Clichê de Beyer
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Srta. Régnier (Ópera de Paris). Clichê de P. Nadar
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O célebre dançarino Marcel exclamou um dia: “Quantas coisas em um minueto!”. A
frase tornou-se um provérbio. Contam-se muitas história sobre esse Marcel, que via tantas
coisas no minueto. Foi ele que disse a uma duquesa: “A senhora acaba de fazer uma
reverência digna de uma criada”. E disse ainda a uma outra: “A senhora acaba de se
apresentar como uma vendedora de peixe; recomece a sua reverência, e que os seus títulos
de nobreza acompanhem a menor das suas ações”.
Naquele tempo, a vista de uma mulher bonita dançando o minueto era o bastante
para virar a cabeça de todos. A crônica da época afirma que dom João de Áustria, vice-rei dos
Países Baixos, percorreu muitas léguas até chegar a Paris unicamente para ver Margarida de
Borgonha dançar um minueto. Luís XIV dançou vários minuetos compostos por JeanBaptiste de Lully especialmente para ele: mesclado com um pouco de adulação, o minueto
foi, sob Luís XIV, e ainda mais sob Luís XV, a dança por excelência da boa companhia.
Nos “bailes regulares”, havia um Rei e uma Rainha que abriam a dança. Terminado o
primeiro minueto, a Rainha convida um outro cavalheiro para dançar com ela; este,
terminada a dança, reconduz a Rainha e, ao fazer a reverência, pergunta-lhe qual é o novo
cavalheiro que ela deseja. Ao designar a pessoa da sua escolha, este dirige-se até a Rainha,
inclina-se profundamente e convida-a para dançar.
O minueto expirou com a monarquia. Alguns meses mais tarde, dançava-se ao som
da carmanhola4.
“Na França”, dizia no século passado o marechal de Richelieu, “a alta política é feita
somente no baile; o Conselho de Ministros foi inventado unicamente para aprovar os
projetos concebidos entre dois minuetos”.
Hoje, ninguém dança mais o minueto. Ninguém dança mais em lugar nenhum. Os
rapazes afetam desprezo pela dança e as moças são reduzidas a rodopiar entre elas, caso
queiram dançar.
Por outro lado, é difícil imaginar Henri Brisson ou Jules Méline 5 saindo de um
minueto para presidir o Conselho de Ministros. Não é mais no baile, como no tempo de
Richelieu, que é feita a “alta política”. Resta saber se a alta política que é feita hoje é
melhor do que aquela feita outrora, entre dois minuetos.
4
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N. do T.: Canção revolucionária francesa, criada no momento da queda da monarquia, em 1792.
N. do T.: Primeiros-ministros franceses nos períodos de 1885-1886 e de 1896-1898, respectivamente.
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Este artigo de Adolphe Aderer foi publicado em:
Le Théatre (Paris, n. 12/Dezembro de 1898)
PARA CITAR ESTE TEXTO
ADERER, Adolphe. “Através da Dança”. eRevista Performatus,
Inhumas, ano 2, n. 7, nov. 2013. ISSN: 2316-8102.
Tradução de Fernando L. Costa
Revisão ortográfica de Marcio Honorio de Godoy
© 2013 eRevista Performatus e o autor
performatus.net
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