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ROBERTO SCHMIDT/AFP ELSON SEMPÉ PEDROSO Famecos/PUCRS ensina Jornalismo desde 1952 – PPorto orto Alegre, julho -agosto de 2006 – ANO 8 – Nº 49 julho-agosto Itália no retrovisor O tetracampeonato aproxima a Azzurra do Brasil Cartunista reclama de censura O traço crítico de Santiago PÁGINA 2 NICOLAS GAMBIN PÁGINAS 6 E 7 Os “gatos” na rede elétrica Exclusão e perigo nas vilas clandestinas PÁGINA 3 Fim de Copa, começa cor rida eleitoral corrida PÁGINAS 2 E 4 MICHELE ROLIM REPORTAGEM ESPECIAL A CIDADE DOS ESQUECIDOS Em 1940, a 70km de PPorto orto Alegre, foi criada uma cidade para segregar hansenianos. Na década de 70, a Colônia de Itapuã recebeu também doentes mentais. Eles continuam lá confinados. PÁGINAS 8 E 9 Pacientes do Hospital Colônia buscam a reinserção social 2 OPINIÃO Porto Alegre, julho -agosto de 2006 julho-agosto EDITORIAL CARTUM ELSON SEMPÉ PEDROSO Perdida a Copa, vêm as eleições Após o fraco desempenho da Seleção Brasileira na Copa do Mundo, derrotada pela seleção vice-campeã, a França, nas quartas-de-final, sob o comando do melhor jogador da competição, Zinedine Zidane, as eleições marcadas para o próximo mês de outubro ocuparão o espaço da mídia e a atenção do público. No período do mundial, entre junho e julho, o PSDB lançou propagandas eleitorais em rede de rádio e TV, algo que o PT fizera anteriormente. Segundo analistas, a iniciativa tucana contribuiu para a recuperação de espaço do seu candidato à Presidência da República, Geraldo Alckmin, que conseguiu romper a barreira dos 30% nas intenções de voto. Mesmo assim, parece muito pouco para alcançar o presidente Lula, que, na corrida para a reeleição, se aproxima dos 50% e, na opinião dos dois mil entrevistados pelo instituto Vox Populi, recentemente, tem 62% contra 20% do seu principal adversário de chances para vencer. A lógica reforça a possibilidade de o petista garantir a permanência no cargo já no primeiro turno. Em caso de segundo turno, a diferença entre os dois candidatos é de 47% sobre 39%. Por outro lado, Alckmin possui no índice de rejeição um mecanismo para diminuir a diferença. Ele acumula 10% ante 26% de Lula. O quadro delineado, portanto, revela um postulante à presidente com espaços limitados para conquistar e um HIPERTEXT O HIPERTEXTO candidato no cargo, quase no ápice de possíveis votantes c o n q u i s t a d o s. Uma vantagem de Lula, que Alckmin não conseguirá fazer frente, é o fato de concorrer no cargo. O governo federal tem lançado medidas em série, visando a beneficiar os mais diversos setores da população brasileira, sejam funcionários públicos, ou parcelas sociais que subsistam com baixa renda. Os principais exemplos são o pacote de aumento salarial a 34 segmentos de carreira do Executivo Federal, que comprometerá R$ 16 bilhões do orçamento da União, incluindo os recursos previstos para 2007, e os resultados do Bolsa Família. O programa de distribuição de renda fará com que, ao final do ano, 10 milhões de famílias, no país, recebam a média de R$ 40 ao mês. A região do Nordeste, por exemplo, que, nos últimos anos, tem um Produto Interno Bruto crescendo a 18% ao ano, supera a margem de 60% no número de possíveis eleitores a Lula. Além da corrida eleitoral, a expectativa é que o pleito deste ano tenha mais lisura nos seus mecanismos pré-eleição. Ou seja, com a vigência de determinações, como divulgação de gastos na campanha, e de impedimentos ao uso de caixa dois, espera-se que as legendas enxerguem nestes entraves um meio para realizar uma jornada programática, propondo, além de ideologias, medidas de desenvolvimento político, econômico e social para o país. F ÁBIO R AUSCH , Hipertexto Jornal mensal da Faculdade de Comunicação Social (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Avenida Ipiranga 6681, Jardim Botânico, Porto Alegre, RS, Brasil. E-mail: [email protected] Site: http://www.pucrs.br/famecos/ hipertexto/045/index.php Reitor: Ir. Joaquim Clotet Vice-reitor: Ir. Evilázio Teixeira Diretora da Famecos: Mágda Cunha EDITOR Santiago reclama da censura econômica no Congresso Estadual dos Jornalistas, em Porto Alegre Desenho em forma de crítica POR J ÚLIA P ITTHAN Limitadas por quatro traços, lá estão elas, colocadas geralmente na página dois dos jornais. No formato de desenho, informam, criticam, opinam. Charges, cartuns ou ‘desenhos de humor’ denunciam o que está errado e fazem rir da própria limitação humana. “A gente pega no pé de quem pisa na bola”, disse Neltair Rebés Abreu durante o 32º Congresso Estadual dos Jornalistas do Rio Grande do Sul, realizado em junho em Porto Alegre. Santiago, como é conhecido o cartunista, aproveitou e pegou no pé dos “coleguinhas” jornalistas que têm dificuldade em furar o bloqueio imposto pelos anunciantes, o que o desenhista chamou de “censura econômica”. “Um amigo reclamou que meus últimos desenhos estavam com muito texto. Mas eu preciso explicar a piada, porque os temas que quero tratar não estão na pauta da grande mídia”, reclamou. O cartunista, que não dispõe do mesmo espaço que o jornalista quando se debruça sobre um assunto, se limita a tratar dos temas que estão no ar. A dependência acaba gerando uma situação de homogeneização da produção. Um fenômeno observado por Santiago durante a cobertura da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do mensalão foi a repetição dos temas nos cartuns pelo País a fora. “É muito fácil desenhar o Congresso Nacional em forma de pizza e já está feita a piada”, criticou Santiago. Construir a graça no traço e surpreender o leitor é o grande desafio. Santiago exemplificou sua cobrança citando o fenômeno do aquecimento global e apontou o transporte particular como um dos grandes responsáveis pela poluição planetária. Explicou que tem grande interesse em trabalhar mais a questão, mas como o debate não está na mídia, fica limitado. “A mídia é controlada pelos anunciantes, como os bancos e as montadoras, então jamais alguém vai dizer que a saída para a poluição é o transporte coletivo, ninguém aceita discutir a utilização do automóvel particular, o que vai acabar destruindo o mundo”, disse o desenhista. Outra pauta imprescindível, mas que não recebeu ainda a importância devida é a questão das plantações de eucalipto e a instalação das empresas de celulose. Para Santiago, o chamado “deserto verde” não foi sequer tocado pela mídia porque a Aracruz é também uma grande anunciante dos veículos de comunicação no Estado. “Se for discutir a questão, será preciso entrevistar um ecologista, falar com as empresas papeleiras, as mais poluentes do mundo. Então é melhor ficar quietinho”, comentou. Sobre liberdade de imprensa, o premiado cartunista gaúcho faz questão de dizer que o jornalista tem que perder a arrogância. “Eu publico a crítica que acho correta, se a pessoa se achar ofendida deve procurar a Justiça, pois o jornalista não está acima do bem e do mal”. Santiago criticou a Revista Veja que estampou o candidato Anthony Garotinho em sua capa com a cabeça ornada por dois chifrinhos de diabo. Numa retrospectiva, o cartunista lembrou os tempos de ditadura, quando havia predominância de cartuns de esquerda. “Hoje me assusto vendo a publicação de charges de direita”, lamentou. Mas, segundo Santiago, uma tendência ainda mais perigosa é a formação de uma geração de desenhistas despolitizados, que acham que podem tudo. “Quando se faz humor, é muito fácil cair no preconceito”, advertiu o cartunista do Jornal do Comércio. Apoio cultural: Zero Hora. Impressão: Pioneiro, Caxias do Sul. Tiragem: 5.000 Coordenadora/Jornalismo: Cristiane Finger Produção dos Laboratórios de Jornalismo Gráfico e de Fotografia. Professores responsáveis: Tibério Vargas Ramos e Ivone Cassol (redação e edição), Celso Schröder (arte e editoração eletrônica) e Elson Sempé Pedroso (fotojornalismo). ESTAGIÁRIOS Gerente de Produção: Thaís Almeida Editores: Ana Carola Biasuz, Fábio Rausch e Natália Gonçalves. Editoras de fotografia: Daiana Bein Endruweit e e Fernanda Fell Editora de arte: Manuela Kanan Repórteres: Alessandra Brites, Carmel Mostardeiro, Fábio Rausch, Francisco D. Prato, Guilherme Zauith, Jesus Bardini, Júlia Pitthan, Laion Machado Espíndula, Lucca Rossi, Luisa Kalil, Mariana Gomide, Mauro Belo Schneider, Natália Gonçalves, Rafael Terra, Raíssa de Deus Genro, Renan V. Garavello, Raphael Leite Ferreira, Tatiana Feldens, Tatiana Lemos, Vinícius Roratto Carvalho, Wagner Machado da Silva. Repórteres fotográficos: Ana Carolina Pan, Daiana Bein Endruweit, Eduardo Mendez, Elisa Viali, Fabrícia Albuquerque, Fernanda Fell, Juliana Freitas, Lucas Uebel, Manuela Kanan, Marina Volpatto, Nicolas Gambin, Rodrigo Tolio. Diagramadores: Bruno Bertuzzi, Julia Pitthan e Manuela Kanan. H IPER TEXT O IPERTEXT TEXTO H A B I TA Ç Ã O Porto Alegre, julho -agosto de 2006 julho-agosto ELISA VIALI Construções irregulares convivem com os conjuntos habitacionais no bairro Restinga São 90 milhões... jogados na periferia das cidades Vilas clandestinas abrigam os segregados sociais no País POR S ANDRA M ARIA D UCATO Em 1970, os 90 milhões de brasileiros se transformaram em letra do hino da Rede Globo de incentivo aos jogadores da Seleção Brasileira de Futebol na busca do tricampeonato do Mundo, no México, conquistado por Pelé & Cia. Segundo o IBGE, a população brasileira quase duplicou em 35 anos. E é exatamente esse acréscimo o número de cidadãos que moram hoje na informalidade. São 90 milhões... sem moradia própria e legal, alheios aos escândalos políticos nacionais que os mantém miseráveis, não só de bens dignos para a sobrevivência humana, mas pobres do espírito de igualdade moral e justiça social. Apesar de crescer menos que o nível nacional, a capital gaúcha não fica longe desta realidade. Nos anos 70, a população porto-alegrense era de mais de 900 mil habitantes. Passadas três décadas, o Censo 2000 registrou um milhão e 360 mil residentes em Porto Alegre. De acordo com dados do Departamento Municipal de Habitação (Demhab), em 1996, cerca de 22% dos domicílios de Porto Alegre eram irregulares ou informais. Para a professora de Direito Público da PUCRS, Betânia de Moraes Alfonsin, este percentual deve estar hoje em torno de 30%, distribuídos em 723 assentamentos informais. “A política urbana e habitacional teve vários ciclos em Porto Alegre, várias estratégias em relação a essa população de baixa renda. Muitas delas, ao invés de resolver o problema, o acentuaram, contribuindo para o incremento da irregularidade como, por exemplo, a história que cerca a criação do bairro Restinga”, afirma. Para a construção das avenidas Erico Verissimo e Aureliano Figueiredo na década de 70, duas grandes obras ao estilo da política urbana proposta pela ditadura militar, foi necessária a remoção de famílias residentes nas vilas Theodoro, Marítimos, Ilhota e Santa Luzia. Através do Banco Nacional de Habitação (BNH), essas famílias foram relocadas para uma área distante 40 quilômetros do centro de Porto Alegre, denominada na época de Vila Restinga, hoje bairro. Esta era a política do “remover para promover”, explica a advogada. “O desenvolvimento urbano se fazia, nesta época, às custas da relocalização dos pobres, expulsando-os para a periferia, promovendo uma segregação sócio-econômica. Isso contribuiu para o aumento da própria irregularidade, já que era uma produção insuficiente para atender a demanda e as pessoas precisavam morar em algum lugar”, destaca Betânia Alfonsin. O professor do Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano Regional da UFRGS, João Farias Rovati, explica que “este é um problema para a cidade como um todo. A cada dia, um número maior de pessoas não tem recursos para comprar um terreno, um imóvel no dito mercado formal e só conseguem um lugar para morar nessas condições de informalidade”. Comparada com outras capitais brasileiras, Porto Alegre ainda é uma cidade que tem um baixo índice de informalidade. Segundo o professor, não há dados precisos, mas em Salvador e Recife calcula-se que mais de 60% das pessoas vivem na informalidade. “Esse é um extraordinário problema social e econômico que vem crescendo na capital gaúcha”, alerta Farias Rovati. As vilas ou favelas são basicamente ocupações: não existe a compra do terreno, as moradias são construídas em áreas ainda não ocupadas, alagadas, de preservação ambiental, de risco ou terrenos destinados a usos coletivos como praças e parques. “O sujeito, em geral, não tem título de proprietário, não tem nenhuma segurança da posse, nenhuma concessão de uso. A casa dele é considerada irregular do ponto de vista da legislação e código de obras”, explica Farias Rovati. A área não paga impostos, luz e água, geralmente, não são formalizadas, são furtadas da rede pública, o chamado gato. Há também a irregularidade burocrática. Há terrenos e imóveis com contratos particulares de compra e venda e até títulos de propriedade registrados em cartório, mas não são considerados legais pela falta da certidão de habite-se – documento atestando que o imóvel foi construído seguindo-se as exigências estabelecidas pela prefeitura para a aprovação de projetos. Carnês de IPTU e contas de luz, água e telefone não compravam a regularização. 3 O pretérito imper feito imperfeito O imperativo afir mativo afirmativo Uma das características de Porto Alegre, diferente do Rio de Janeiro, são o tamanho e a localização dessas ocupações informais. Na capital, o pretérito imperfeito é percebido em centenas de pequenos grupos com menos de mil unidades inseridas em pequenas áreas nos vazios urbanos, dentro de bairros considerados de classe média e alta, tornando-se conglomerados caóticos. Já na cidade carioca, são grandes favelas periféricas com mais de 200 mil habitantes. Localizada nos limites entre os bairros Santana e Partenon, zona leste da capital gaúcha, a Vila Sossego choca a paisagem urbana. Na entrada, a recepção é feita por amontoados de lixo e tocos de madeira. E quem caminha pela alameda, precisa manter os olhos atentos, guiando o corpo para longe dos inúmeros fios da rede elétrica irregular, a poucos metros do chão. A rua, larga, aos poucos se transforma com a invasão das casas, deixando-a praticamente sem saída. Situada entre as avenidas Ipiranga e São Francisco, com limitações pelos logradouros Euclides da Cunha e Veador Porto, a rua Livramento, conforme projeto da Secretaria Municipal de Obras e Viação (SMOV), simplesmente não existe, causando transtornos para os residentes. A Constituição Federal reconheceu, a partir de 1988, o direito de moradia como um direito social, mas essa promessa não pode ser concretizada pela ausência de normas capazes de tirar os instrumentos do papel. O Estatuto das Cidades veio para contribuir nesse sentido. A nova lei federal consolida a noção da função social e ambiental da propriedade e da cidade, regulamenta e cria novos instrumentos urbanísticos para construção de uma ordem urbana socialmente justa e includente. Também aponta processos políticos para a gestão democrática das cidades e propõe diversos instrumentos jurídicos para a regularização dos assentamentos informais em áreas urbanas municipais. Ao reconhecer o papel fundamental dos municípios na formulação de diretrizes de planejamento urbano e na condução do processo de gestão das cidades, o Estatuto ampliou a atuação governamental junto à questão da regularização fundiária. Betânia Alfonsin, voluntária da Ong Acesso – Cidadania e Direitos Humanos, destaca novos instrumentos como a Concessão Especial de Uso, Usucapião Urbano, e Direito Real de Uso, que tem servido para quebrar obstáculos. O futuro do pretérito O intrumento Urbanizador Social foi criado a partir da assinatura de um convênio técnico e financeiro entre a Prefeitura de Porto Alegre e o Lincoln Institute of Land Police, instituição educacional norte-americana destinada a promover o debate público sobre áreas urbanas e rurais de interesse social em toda América. Este convênio vigorou entre 2003 e meados de 2005. Betânia Alfonsin, então assessora jurídica da SPM no governo João Verle, denuncia que este projeto ficou no “futuro do pretérito por decisão política”. “Tinha uma pedra no meio do caminho”, brinca ao se referir a eleição municipal de 2004. O assessor do gabinete do prefeito José Fogaça, engenheiro Taufik Baduí Germano Neto, afirma que o convênio não foi renovado pelo entendimento que a atual gestão municipal teve em utilizar apenas o quadro funcional público na questão do desenvolvimento de políticas urbanas de habitação de interesse social. “O trabalho realizado foi proveitoso e válido, mas Porto Alegre deve se adequar a sua realidade, a sua capacidade de investimento e endividamento”, referindo-se a aprovação recente de duas novas leis que instituem o Fundo Curador da Caixa Econômica Federal, o FGTS, como o grande financiador na promoção de novas moradias e da reurbanização de áreas informais. Pipa Germano, como é conhecido, diz queem 2005 foram entregues 969 casas e apartamentos. A previsão para 2006 é beneficiar 761 famílias. A LEGISLAÇÃO Concessão Especial de Uso para fins de Moradia: instrumento para regularizar áreas públicas onde residam moradores de baixa renda por mais de cinco anos. Usucapião Urbano: instrumento de regularização fundiária de áreas urbanas particulares ocupadas por população de baixa renda, para fins de moradia, por cinco anos ininterruptos, sem que haja ação judicial de reintegração de posse e re- gistro de outro imóvel urbano ou rural. Título de propriedade é concedido individual ou coletivo. Concessão de Direito Real de Uso: permite ao Poder Público legalizar espaços públicos utilizados para fins residenciais. Direito Real: permite o uso de ações para defender a posse ou a propriedade contra qualquer pessoa que viole ou prejudique o direito de possuir, utilizar e dispor do imóvel. 4 POLÍTICA Porto Alegre, julho -agosto de 2006 julho-agosto RICARDO S TUCKERT/PR Presidente Luiz Inácio Lula da Silva arranca na frente, rumo à reeleição HIPERTEXT O HIPERTEXTO ANTONIO CRUZ/ABR O ex-governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, em busca de espaço pelo país Alckmin tenta reduzir distância de Lula Na largada do período eleitoral, o ex-governador paulistano segue atrás do candidato à reeleição P O R F ÁBIO R AUSCH Dezoito por cento de intenção espontânea de voto é a distância que separa o candidato do PSDB à Presidência da República, Geraldo Alckmin, do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do PT. Nesta modalidade, de acordo com a pesquisa do instituto Vox Populi, divulgada no final de junho, o eleitor não recebe lista para escolha, apenas cita o nome de sua preferência. Os 35% do petista, acrescidos de 17% do tucano, 2% de Heloísa Helena, do PSOL, além de 11% de brancos e nulos e 31% dos que não souberam responder, confirmam que mais de 60% dos votantes brasileiros, dificilmente, mudarão o voto, classificado como ideológico neste caso. O estudo constata aumento de 9% nas intenções de voto para o candidato do PSDB, com 32% ante 45% do atual presidente, que caiu 4% na disputa pela sua reeleição. No mes- mo período, o levantamento do instituto Data Folha também indicou crescimento da candidatura de Alckmin, passando de 22% para 29% da preferência dos eleitores, em relação a maio. Lula, ao contrário do que avaliou o outro órgão, subiu um ponto, passando de 45% para 46%. Analistas atribuem a possível melhora no percentual de Alckmin às propagandas político-partidárias veiculadas pelo PSDB no mês de junho. O Data Folha entende que, mesmo com o novo quadro, o presidente Lula mantém índice superior a 50% dos votos válidos e condições de vencer no 1º turno. Disputando um pool em torno de 80% dos votantes, o tucano e o petista contarão com boa margem dos cerca de 126 milhões de brasileiros aptos para as eleições de 2 de outubro. O acréscimo é 10 milhões de pessoas na comparação com o pleito anterior. Enquanto Alckmin leva a vantagem de ter governado até a licença do cargo o Estado de São Paulo, o maior colégio eleitoral do país, com mais de 28 milhões de eleitores, Lula possui uma proporção favorável de quase seis para um no Nordeste, que responde por 27% dos eleitores do país. Nesta região, o presidente teria 18 milhões de votos a mais que o principal adversário. No território paulistano, o ex-governador abre somente 2,5 milhões. Benefício próprio A tese de que concorrer no cargo é uma chance de fazer agenda política em benefício próprio ganhou força no início do mês. O presidente Lula, contrariando determinação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que proíbe reajustes salariais 180 dias antes das eleições, anunciou a edição de seis medidas provisórias e um decreto, com a finalidade de reajustar os salários de 34 segmentos de carreira do Executivo Federal. Serão beneficiados 1,5 milhão de servidores pú- blicos federais. O impacto do reajuste será de R$ 5,5 bilhões no orçamento deste ano e de quase R$ 11 bilhões no de 2007. Outras medidas do atual governo, como o fato de 10 milhões de famílias terminarem o ano recebendo a média de R$ 40 ao mês, através do Bolsa Família, e o aumento do poder de compra do brasileiro, sobretudo depois do maior aumento real do salário mínimo neste ano, de 13% acima da inflação, atingindo R$ 350, tornam Lula mais bem aceito no âmbito de eleitores com menor renda familiar. Para quem ganha até um salário mínimo, o presidente tem 61% das intenções contra 16% de Alckmin. Na faixa de um a cinco salários mínimos, a diferença é de 45% a 33%, respectivamente. Somente na margem dos que ganham acima de dez salários, o tucano supera o petista, com diferença de 40% frente 34%. A pesquisa Vox Populi ainda CANDIDATOS Nome Partido Cristovam Buarque (12) PDT Geraldo Alckmin (45) PSDB Heloísa Helena (50) PSOL José Maria Eymael (27) PSDC Luciano Bivar (17) PSL Luiz Lula da Silva (13) PT Rui Costa Pimenta (29) PCO levantou que Heloísa Helena (PSOL) tem 5% das intenções de voto, seguida de Cristovam Buarque (PDT), com 1%. José Maria Eymael (PSDC) e Luciano Bivar (PSL) não pontuaram. Brancos e nulos registraram 7%, e 10% das duas mil pessoas consultadas não opinaram. A média de erro foi de dois pontos percentuais. Eleições deste ano cobram novas regras dos partidos CÉLIO AZEVEDO/AG. SENADO Para esta eleição, os candidatos formularam suas alianças baseados na permanência do modelo de verticalização partidária, ou seja, os pactos entre siglas nos estados obedecem ao mesmo acordo adotado em âmbito nacional. As novidades estão por conta da cláusula de barreira e da mini-reforma sancionada pelo presidente Lula, em junho. O primeiro mecanismo obriga cada partido a obter, pelo menos, 5% do total de votos, descontados brancos e nulos, para a Câmara em todo o país, sendo obrigatório que 2% dos votos válidos de candidatos a deputado federal correspondam a nove estados. A sigla que não cumprir a determinação da cláusula fica impedida de ter funcionamento parlamentar pleno e perde o direito de acesso aos recursos do fundo partidário A medida de reforma, por sua vez, proíbe as seguintes ações durante a campanha eleitoral, iniciada no dia 6 de julho: distribuição de brindes, como bonés e camisetas; contribuições em dinheiro vivo para a campanha; concessão de cestas básicas; realização de showmícios e propagandas em outdoors. Embora não tenha teto para os gastos com a campanha, um partido, durante a preparação para o dia da votação terá que divulgar, duas vezes pela Internet, os nomes dos doadores de espécies, além de prestar contas ao TSE após esse dia. As contribuições a partidos não podem ter origem de entidades esportivas, organizações não governamentais que recebam recursos públicos, entre outras. Sindicatos estão liberados para doações. As coligações já declararam à Justiça Eleitoral o limite de gastos no período. As quantias são de R$ 89 milhões na aliança (PT-PRB-PC do B), encabeçada pelo presidente Lula; R$ 85 milhões na de Alckmin (PSDB-PFL); R$ 20 milhões na de Cristovam Buarque (PDT); e R$ 5 milhões na de Heloísa Helena (PSOL-PCB-PSTU). A punição para a prática do caixa dois será a cassação do registro, diploma ou mandato. (F.R.) Heloísa Helena, do PSOL WILSON DIAS/ABR Cristovam Buarque, do PDT H IPER TEXT O IPERTEXT TEXTO 5 INTERCÂMBIO Porto Alegre, julho -agosto de 2006 julho-agosto CRÉDITO Chineses se despedem da Famecos O grupo de estudantes intercambistas encerra estudos no Brasil e volta à China, em julho ARQUIVO PESSOAL P OR R ENAN G ARAVELLO Há exatamente um ano, a Famecos preparava-se para receber um grupo formado por 18 chineses que vieram fazer intercâmbio com ênfase na língua portuguesa. Em junho, o grupo encerrou suas atividades no Brasil e voltou para sua terra natal, do outro lado do mundo. Após uma manhã de aulas de redação em língua portuguesa, o grupo topou contar para o Hipertexto algumas das histórias vividas ao decorrer dos 12 meses que permaneceram no Brasil. Tímidos, se reuniram em pequenos grupos no jardim da Famecos. Demoraram a se soltar, mas começaram a narrar, aos poucos, suas experiências na mística terra do futebol e do carnaval. A primeira a se manifestar foi Felicidade, a mais espontânea do grupo, que recebeu este nome assim que chegou ao Brasil. De acordo com ela, foi um baque o verão fora de hora que os esperava no aeroporto Salgado Filho na noite de chegada, em agosto de 2005. “Viemos preparados para o inverno do sul do Brasil”, lembrou a jovem. As dificuldades da primeira noite foram muitas, como a falta de contato com a família que deixaram na China – a pousada onde foram hospedados não possuía conexão com internet, nem os chips de seus celulares tinham sido transferidos para o Brasil. Choque cultural na chegada No dia seguinte ao que chegaram, o grupo foi fazer um passeio pela Capital gaúcha, percorrendo bairros da cidade. O contraste entre os dois países foi grande, já que onde moravam não existe uma arquitetura antiga como a nossa. “Porto Alegre é muito velha, tem prédios muito antigos”, realçou um dos alunos. Para Felicidade, o choque foi ainda maior, apesar de ter lido sobre o Brasil antes de vir para cá. “Eu pensava que o Brasil inteiro era mato, mas vi que é bem diferente”. Não só a arquitetura mostrouse diferente, como também a tecnologia. As operadoras de celulares do Brasil não permitem o envio de torpedos internacionais e a internet é muito precária, se comparada à fornecida pelos provedores chineses. Todos estes fatores atrapalharam a comunicação com familiares, aumentando ainda mais a saudade de casa. A comida brasileira não agradou ao paladar dos jovens – tampouco a chinesa feita no Brasil. “Não é parecida com a que nós fazemos. Tem um tempero diferente, não gostamos”, reclamou Felicidade. Assim como todo grupo, este também tinha um líder. Lionel, que viajou para o Rio de Janeiro e São Paulo antes de vir para Porto Alegre, falou na maioria das vezes pelos demais colegas. “Eu já conhecia Rio e São Paulo e achei Porto Alegre muito diferente de lá. O Brasil tem lugares muito diferentes”, constatou o porta-voz do grupo. Fidelidade à chinesa Na comparação Brasil e China, as diferenças também aparecem com relação às mulheres. Um ano entre os gaúchos foi suficiente para fazer os chineses perceber que a beleza gaúcha se destaca em relação às demais do próprio país. No entanto, quando o assunto é as gaúchas, eles juram que não ficaram com nenhuma e logo mudam de assunto. “Não temos namorada, e nem pretendemos ter uma agora. Vamos nos dedicar aos estudos e à nossa profissão”, disfarçou Lionel. Com um pouco mais de insistência, acabaram confessando que acharam as brasileiras mais abertas e receptivas. “Na China, as garotas quase não falam, a educação recebida em casa é muito rígida”, comentou um deles. “Mas algumas deixaram para trás namorados chineses e estão voltando com brasileiros”, contou baixinho, com voz de quem estivesse fazendo fofoca. A coordenadora do Jornalismo da Famecos, Cristiane Finger, acompanha os chineses em visita à RBS Na praia, eles tomam banho de Lua Assim como os brasileiros, os chineses também adoram se divertir. Porém, o que se considera diversão em Porto Alegre pode não significar a mesma coisa para quem veio do outro lado do mundo. Com a chegada do verão brasileiro, o grupo foi convidado a ir à praia nas férias. Contudo, na China não se vai à praia durante o dia. “Freqüentamos a praia à noite, para evitar o sol”, contou Lionel. Todos foram para Santa Catarina, mas como não estavam acostumados a ir à praia durante o dia, não usaram protetor solar. O resultado foi queimaduras ardidas por todo o corpo. “Não foi muito legal nossa experiência no litoral”, completou Felicidade. A noite gaúcha foi outra tentativa de integração dos chineses à nossa cultura. Convidados para o aniversário de uma colega brasileira no Opinião, acharam um absurdo as festas começarem às 23h no Brasil. “Temos o costume de iniciar nossas festas por volta das 15h, e não passamos das 19h. Não fazemos festa à noite”. Os jovens também estranharam a forma de os brasileiros se comportar na balada — aqui mais se bebe e conversa do que se dança e aproveita-se, de fato. Eles também foram ao Barbazul, mas acharam a música muito alta. “Preferimos cantar no Karaokê”, falou Helena. Na bagagem Muitas foram as experiências vividas entre agosto de 2005 e julho de 2006 no Brasil. Situações engraçadas, choques culturais e muitas dificuldades. Não só de alegrias foi a estadia dos chineses em Porto Alegre, como também muitas coisas ruins aconteceram, dos maus tratos sofridos na primeira pensão em que viviam à dificuldade de conviver com estranhos e falar uma língua difícil como o português. E o que voltou na bagagem para a China? Muita saudade dos colegas da Famecos, saudade de jogar fute- bol do jeitinho que só brasileiro sabe, agradecimentos a todos que foram compreensivos em especial os professores. “Os professores sempre entenderam muito bem a nossa dificuldade lingüística, nos ajudaram muito”, falou o porta-voz, que levará também um carinho especial pelo Grêmio, já que o grupo, disse ele, entrou num consenso de torcer pelo tricolor gaúcho. Mas não é verdade. Quatro chinesas, vestindo camisetas do Inter e lideradas pela Felicidade, acompanharam todos os jogos do colorado nas sociais. Lionel fez questão de agradecer aos professores e colegas brasileiros, enaltecendo que muito os ajudaram. “Por causa deles que aprendemos tantas coisas na Famecos, no Brasil. Todos agradecem muito ao carinho de todos vocês por nós”, encerrou o líder, prometendo voltar para matar as saudades. Da próxima vez, prometem ir mais à praia durante o dia, “mas dessa vez com protetor solar”, sorriu a Felicidade. Dois namorados seguem em agosto para a China P OR R AISSA G ENRO Numa manhã de domingo, quente para o mês de julho que se iniciava, seis intercambistas, todas meninas, encerravam um período de um ano de aprendizado e retornavam para casa, na China. O embarque foi às 8h. Algumas pareciam felizes, correndo pelo aeroporto e contando os minutos para reencontrar os pais, Outras nem tanto, pois namorados e amigas ficariam por aqui, pelo menos mais algum tempo. Mesmo com a presença de poucos brasileiros na despedida, chinesas até então muito sorridentes foram tomadas pela tristeza ao chegar ao Salgado Filho, certamente sentindo saudades antecipadas de amizades construídas ao longo de um ano. Osvaldo Biz, professor da Famecos, era um dos brasileiros presente no aeroporto para se despedir das chi- nesas. Aproveitou a ocasião para entregar maracujás à comunicativa Felicidade, cujas sementes hoje secam ao sol do verão chinês. Entre as lágrimas de despedida e as promessas de troca de e-mails, havia pelo menos duas meninas, Patrícia e Maria, que verão seus namorados em breve. Rafael Codonho e André dos Santos Fraga embarcam dia 8 de agosto rumo a Pequim, ficando por lá um ano, onde os casais irão se reencontrar. Os alunos da Famecos estudarão mandarim, que será aproveitado aqui como disciplina eletiva, em um intercâmbio firmado pela PUCRS com a Communication University of China (CUC). Antes haverá um teste de nivelamento para definir a turma. Rafael, antes de ir, incluiu muita comida da mãe, livros em português e a venda de alguns itens, como a guitarra, a fim de arrecadar dinheiro. Música brasileira, em especial Bossa Nova, também estão na lista. A família de Rafael já sente falta de Patrícia, que se tornou parte da família e agora irá se despedir de novo. A saudade não é o único desafio dos brasileiros: em Pequim eles irão encontrar um frio de 20º negativos, uma língua complexa para aprender, um território enorme, que pretendem explorar e uma cultura belíssima para compreender. 6 COP A PA DO MUNDO PortoHAlegre, julho -agosto de 2006 julho-agosto ATENÇÃO, BRASIL! ELES JÁ SÃO TETRA Quebrando um jejum de 24 anos, a Itália chega ao quarto título ao vencer a França nos pênaltis NÍCOLAS ASFOURI/ AFP P OR R AF AEL M ANO D IVERIO AFAEL No início era o “quadrado mágico”. A reunião de quatro dos melhores atacantes do planeta para enfrentar as equipes que posicionariam o máximo de jogadores possíveis atrás da linha da bola. Era tempo de contemplar a volta do futebol alegre. Besteira. Dois centroavantes que ocupavam o mesmo espaço facilitavam a defesa, dois meias que não estavam em suas posições e aceitavam a marcação tinham problemas para armar e para marcar. Claro, sempre alguma estrela brilhava e o Brasil vencia. Foi assim contra a Croácia e Austrália. No desafio japonês, tivemos um pouco de esperança. Lampejos geniais do “quadrado mágico”, desta vez sem o centroavante Adriano (que, em forma, é pior do que Ronaldo gordo) e com Robinho. Levamos um gol, mas fizemos quatro. Contra Gana, novamente uma má partida, os 3 a 0 enganaram. E então chegou a França. Que chance para vingar 1998. Que chance! Seleção da mídia O Brasil entrou escalado como queria a maior parte da imprensa e da torcida, sem o suposto “quadrado mágico” e com os dois trios: Gilberto Silva, Zé Roberto e Juninho no meio, e Kaká, Ronaldinho e Ronaldo no ataque. E nada funcionou como se previa. Aliás, repetiu-se a mesma história de todos os outros jogos. Porém, contra um time um pouco melhor. Dida foi o mesmo de sempre, sólido e calado. Cafu deve ter batido todos os recordes de um jogador em Copa do Mundo, inclusive o seu próprio de 36 anos e nenhum cruzamento certo. Roberto Carlos parecia o mesmo de 98, sem marcar e sem atacar (mas as meias estavam bem esticadinhas). O trio do meio não marcou nem sustentou o trio de ataque, que, por sua vez, nem entrou em campo. Kaká sucumbiu diante da marcação. Ronaldo não recebeu a bola, mas também não foi procurá-la. E Ronaldinho... que decepção. Deixou mais uma vez a impressão de se tratar de um craque. Um craque decide o Campeonato Espanhol. Um mito decide a Copa do Mundo. A dupla de zaga foi bem como nos últimos jogos. Na Seleção, quando a os dois za- P O R M ATHEUS P ASSOS B ECK P OR R AF AEL M ANO D IVERIO AFAEL Marcello Lippi, o treinador da Itália, disse que a final de uma Copa do Mundo é como um banquete. A mesa está cheia, e todos sentados em torno dela. Três fatores poderiam decidir quem comeria mais: organização, qualidade individual e fome. Como a montagem dos times e seus talentos se equivalem, ganharia que estivesse mais faminto. Lippi não poderia estar mais certo em sua metáfora alimentar. A Itália estava com mais fome, o jejum era de 24 anos. E na gana conquistou o tetra, aproximando-se do Brasil. Já a vimos, sozinha, pelo retrovisor. Era também a despedida de Zidane do futebol. Com cinco minutos, o maior jogador da história do futebol francês escreveu o lado bonito. Malouda invadiu a área e o zagueiro Materazzi chegou um pouco atrasado, acertando o atacante. Pênalti prontamente marcado pelo argentino Horácio Elizondo. Na cobrança, Zidane esbanjou (veja a descrição do gol em “Simplesmente Zizou, na página 7). A Itália reagiu rapidamente. Pirlo cobrou um escanteio com perfeição, exatamente onde se localizava Materazzi. O zagueirão cabeceou forte e empatou o jogo. E a squadra azzurra seguiu melhor no primeiro tempo. No segundo tempo houve amplo domínio francês. Henry e Zidane comandavam os ataques dos bleus, mas esbarravam na ótima defesa italiana e no fora-de-série goleiro Buffon. O francês Vieira, um dos grandes nomes do Mundial, saiu machucado. Pela quarta vez, uma final de Copa foi para a prorrogação. Os 30 minutos de tempo extra tiveram duas marcas. A primeira foi o lance mais simbólico da Copa. Zidane arma a jogada e passa para a ponta. O cruzamento encontra sua cabeça. O golpe é mortal, forte, alto. Era gol certo, caso não fosse Gigi Buffon o número 1 italiano. Um milagre espetacular evita o gol francês. Então chega o segundo lance, a mancha da carreira de Zizou. Eram quatro minutos do segundo tempo. Zidane e Materazzi discutem e, provavelmente, xingam-se. Zizou se afasta cerca de dois metros do italiano, que continua falando. De repente, o camisa 10 francês volta, olha para o zagueiro e desfere uma cabeçada violentíssima, no peito do adversário. Sem razão aparente. E o mundo vive mais um grande mistério: o que teria dito o zagueiro para despertar tamanha fúria no maître? Outro fato curioso: Elizondo não parecia ter intenção de expulsar o jogador. Coincidentemente, após o replay ser passado pela televisão é que o argentino resolveu mostrar o cartão vermelho. Teria havido interferência de alguém de fora no ponto eletrônico do árbitro? Mistérios. Mistérios que marcam o encerramento da carreira de Zidane. Completa? Óbvio. Em 109 minutos em campo, Zidane fez um golaço de pênalti, comandou um ótimo segundo tempo de seu time, deslocou o ombro, pôs de novo no lugar, continuou machucado, protagonizou o lance da Copa na cabeçada milagrosamente defendida por Buffon, e foi expulso de maneira incrível. Mas a vida seguiu depois de Zidane. E o jogo foi para os pênaltis. Ficou claro que a Itália ganharia. Lippi, mais tarde, afirmou que seus jogadores arrastaram o jogo para as cobranças e tinham vontade de executá-las. Sem contar que Buffon é mais goleiro do que Barthez. A emozione italiana com o título invadiu Berlim, Roma, Turim, Milão, Napoli, Palermo, Cagliari, a Serra Gaúcha, Nova Iorque e todas as colônias italianas espalhadas pelo mundo. Antes da Copa, apontava-se o Brasil como o grande favorito. A Alemanha, por ser dona da casa, também poderia vencer. Inglaterra, República Tcheca e Argentina tinham chances por possuírem grandes craques. A Espanha poderia ser a surpresa. Itália e França entravam no grupo das “que nunca podemos esquecer”. No ano em que há problemas institucionais em seus grandes clubes (Juventus, Milan, Fiorentina e Lazio são acusados de manipular o campeonato), seus jogadores assumiram a honra italiana e fizeram por merecer o título mundial. Assim como em 1982, quando vivia uma fase turbulenta, a Itália confirma a grande capacidade de crescer nas piores adversidades. Cuidado Brasil, eles já são tetra. As estrelas nascem das nuvens moleculares, e se formam a partir da instabilidade delas. As pequenas se apagam com o tempo. As grandes, explodem, gerando as supernovas, que dão origem a outras estrelas, que seguirão contando a história do Universo. Zinédine Yazid Zidane é uma supernova. Daqueles que podem intensificar o brilho em um bilhão de vezes, até esmorecer em alguns dias ou semanas. Ele havia prometido que o Mundial da Alemanha seria seu último, e depois de ter duas atuações pífias nos empates contra Suíça e Coréia do Sul, muitos acreditaram que seria mesmo. Não atuou na vitória contra Togo, que levou os franceses às oitavas-de-final. Porém, voltou no quarto jogo, contra a Espanha, em meio a nuvens de desconfiança e apreensão. E então... explodiu. mundiais, deu show. Não, melhor, redefiniu um universo! Marcou definitivamente o mundo do futebol entre aqueles que viram ou não Zizou jogar. Contra Portugal de Felipão, Zinedine Zidane não foi o mesmo da partida anterior, mas o universo conspirou a seu favor. Cobrou o pênalti sofrido por Thierry Henry e, extenuado, levou a França à final. Na decisão, os bleus (azuis) contra a Azzurra. Cinco minutos de jogo e o mundo pôde ver o brilho da estrela novamente. Num pênalti em Malouda. Zizou marcou seu sexto gol MEHDI FEDOUACH / AFP Zidane perde a elegância em conversa ao pé do ouvido com Materazzi em Copas do Mundo. Mas não foi apenas um gol! Tal qual um astro, a bola descreveu sua trajetória em torno de sua própria órbita. Bateu no travessão e no chão, atrás da linha de fundo. Não muito, apenas o suficiente para colocar Zidane na história como um dos quatro jogadores a fazer gols em duas finais de Copa – os outros foram os brasileiros Vavá e Pelé, e o alemão Breitner. Mas então... a estrela explodiu outra vez. O zagueiro italiano Marco Materazzi, da Inter, de Milão, nunca foi sinônimo de elegância. É daqueles beques toscos, de tratar mal a bola. Nunca poderia se entender mesmo com Zidane. Foi ele quem cometeu o pênalti. E também foi ele quem marcou o gol de empate, levando a decisão para os pênaltis. Mas, antes disso, serviu de coadjuvante para a pior atuação do astro francês. Depois de ser insultado pelo italiano, Zizou desferiu um golpe de cabeça contra o peito de Materazzi. Talvez por ter ouvido o zagueiro insultar sua irmã, talvez por tê-lo ouvido insultar suas origens africanas, talvez por tentar explicar a teoria da formação do universo através do choque dos corpos celestes... Enfim. Nada justifica a atitude de Zinedine. Mas também nada tira o brilhantismo do maior jogador francês de futebol de todos os tempos. Zidane ganhou a Bola de Ouro como o melhor jogador da Copa da Alemanha. Guerreiro com elegância. Encantador com garra. Cumpridor de tarefas, mas genial. O meio-campo francês funcionou como um sistema. Todos os planetas em volta de um sol, o “Rei-Sol”, o Sol: Zidane. Para a geração que não viu o hexacampeonato brasileiro, resta um alento. Contar para as gerações futuras: “Sim, eu vi Zizou jogar!”. gueiros se destacam, tudo está errado. Claro, Parreira também foi o mesmo: estático, desmotivado, lento, pragmático, irritante, preocupado com a leitura labial do Fantástico... Os torcedores ficaram perplexos com a passividade uma das melhores gerações de todos os tempos foi eliminada, afundada por um treinador de outro nível. Muito mais baixo. Agora, os mesmos torcedores torcem que este seja o fim da era Parreira e seus veteranos, porque desconfiam que até com os reservas poderíamos ter ganho a Copa. Menos mal que Zagallo, outro símbolo de apatia brasileira desta Copa, não pareceu ter conseguido uma camiseta da França, mas encontrou um consolo: “Brasil freguês” tem 13 letras. 7 MARCUS BRANDT/ AFP Enfim, acaba a Era Parreira-Zagallo Simplesmente Zizou O capitão Fabio Cannavaro ergue a taça de Campeão do Mundo após a vitória contra a França, nos pênaltis, no estádio de Berlim HIPERTEXT O HIPERTEXTO Parreira e Zagallo: valeu, obrigado; até nunca 8 R E P O R TA G E M Porto Alegre, julho -agosto de 2006 julho-agosto HIPERTEXT O HIPERTEXTO Colônia de Itapuã ainda abriga No Hospital Colônia de Itapuã, em Viamão, hansenianos e doentes mentais continuam vivendo FOTOS MICHELE ROLIM P O R : M ARIANA B AIERLE S OARES E M ICHELE R OLIM Padarias, igrejas, praças, cemitério, moradias, ruas, prisão, moeda própria formam o cenário de uma típica cidade. Ocupando 1250 hectares, tudo isso se encontra na vila que parece uma cidade construída, em 1940, para ser o destino de confinamento de centenas de hansenianos, doença mais conhecida por lepra. Embora o princípio do isolamento não vigore mais, a cidade dos esquecidos continua existindo a 75 quilômetros do centro de Porto Alegre. O Hospital Colônia de Itapuã, em Viamão, foi construído para retirar de circulação os portadores de hanseníase, doença contagiosa que naquela época não tinha cura. O local já abrigou cerca de 800 internos, cidadãos que sofreram com a exclusão, como Eva Nunes, 62 anos, moradora do antigo leprosário desde os seus 11 anos. Hoje comporta 48 exhansenianos e 79 doentes mentais, transferidos do Hospital Psiquiátrico São Pedro, desde 1972. Essa que foi a cidade dos esquecidos é hoje referência na luta pelo direito de in- A mensagem tenta amenizar o abandono dos internos clusão dos pacientes que ainda sofrem preconceito devido a doença. Os hansenianos foram levados ao isolamento contra a vontade, pois a doença era contagiosa e incurável. Na década de 40, muitos doentes eram caçados nas ruas, outros foram perseguidos pela polícia ou pela inspeção sanitária. Em um período em que a doença era um agravante em suas vidas, alguns chegaram ao hospital de carona em caminhão de lixo. Assim, os pacientes ficavam esqueci- Brasil é o segundo país do mundo em casos de hanseníase, diz OMS O Brasil é um dos nove países que ainda não eliminaram a hanseníase. É dos poucos em que a doença continua problema de saúde pública, ficando trás apenas da Índia. O Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo atingiram uma prevalência menor do que a meta estabelecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Os estados piores são Mato Grosso, Tocantins e o Pará. “Isso acontece pela desinformação e dificuldade de acesso aos postos de saúde”, explica o médico chefe do Ser viço de Dermatologia do Hospital São Lucas da PUCRS, Luis Carlos Campos. A hanseníase é uma doença milenar, mencionada já na Bíblia como “lepra”. O termo foi abolido em 1995, por um decreto do então presidente Fernando Henrique Cardoso, devido à carga agressiva e preconceituosa. É transmitida através do bacilo de Hansen. Atinge a pele e nervos periféricos, eliminando a sensibilidade em determinados locais do corpo. “O indivíduo não sente frio, calor, cortes, machucados. Esse é o risco, pois a pessoa se fere, se queima e não percebe. A doença não mata, mas deforma”, esclarece Campos. O contágio se dá de indivíduo para indivíduo, por germes eliminados por gotículas da fala e que são inalados por outras pessoas, pe- netra no organismo pela mucosa do nariz. Outra possibilidade é o contato direto com a pele ferida de doentes. Para se adquirir o bacilo, é preciso um contato muito intenso com o portador, o que acontece em geral apenas com familiares de pessoas que não sabem que têm a doença. Enfermos em tratamento não transmitem a doença. “Hoje, sabe-se também que 90% das pessoas são naturalmente resistentes ao bacilo e nem todas as formas são transmissíveis”, afirma Campos. Na década de 80, a OMS recomendou a introdução da poliquimioterapia que possibilita a cura da doença. O tratamento se dá pela ingestão de medicamentos regularmente em um período, conforme a gravidade do caso. O governo financia o tratamento da hanseníase para todo cidadão infectado. Existe um rígido controle sobre os portadores. Nos postos de saúde, a ingestão das drogas é controlada. “O paciente é obrigado a ingerir grandes doses do medicamento, todos os meses na frente do médico no posto de saúde. A medida é para garantir que o enfermo tomou a dose mínima do remédio. Se ele não seguir o tratamento em casa, pode não se curar, mas, pelo menos, não transmitirá a doença para outras pessoas”, expõe o dermatologista. dos na colônia sem direito nenhum de saída. O medo da doença e o preconceito provocaram situações muito dolorosas. “Existem casos de pacientes que vieram para o hospital e a família dizia, para todo mundo, que ele havia morrido ou preferiram dizer que a filha se tornara prostituta do que contar da hanseníase. Há meninos que vieram para o hospital e os pais lhes disseram que iriam passar apenas as férias e nunca mais voltaram”, conta o atual diretor Eduar- O diretor Canedo estreita os laços afetivos com os pacientes do Canedo. Na época da criação da Colônia de Itapuã, a doença, antigamente conhecida como “lepra”, não possuía tratamento. Devido à pouca informação e ao risco de contágio, os pacientes eram discriminados. João Carlos Ferreira, morador da instituição, até hoje conserva cicatrizes do período. Perguntado sobre sua permanência no hospital, demonstra vergonha da própria doença. “Bom... Eu vou direto ao assunto. Desculpe a expressão, mas eu tinha lepra”. Relembrando o momento em que chegou ao hospital, deixado pela família, Ferreira relata o que encontrou. “No começo, eu estranhei, porque encontrei tanta gente com problema, um sem perna, um sem mão, um gritava, outro se desesperava. Tinha esposo sem esposa e mulher sem marido”. As crianças que nasciam eram separadas das mães para não contraírem a doença e encaminhadas a um abrigo. A convivência com os pacientes psiquiátricos transferidos do São PPedro edro na década de 70 Gabriel realiza uma das oficinas de pintura no ateliê de artes Desde 1972, o Hospital Colônia de Itapuã passou a receber, além dos hansenianos, outro segmento de abandonados pela sociedade, os doentes mentais. Pacientes psiquiátricos (do Centro Agrícola de Reabilitação) e hansenianos (do hospital) passaram a ocupar a mesma área que, no início, era separada por uma cerca. Dois anos depois foi eliminada. Mesmo com sua retirada, a cerca imaginária continuou existindo por muitos anos. Hoje, os hansenianos convivem com os psiquiátricos e viceversa”, diz o diretor administrativo Eduardo Canedo. A Colônia visa a adaptação social dos pacientes portadores de diversos transtornos psíquicos, esquizofrenia e outras patologias. Lá eles realizam diversas atividades, onde se destaca a recreação, uma referência entre as instituições de saúde mental. Canedo iniciou sua trajetória na instituição nessa área, onde atuou por cinco anos, trazendo inovações e humanizando o trabalho com os pacientes. “A recreação não é um depósito de gente, não é zoológico humano. Deve ser um local para eles desenvolverem algum gatilho, para que possam descobrir suas potencialidades”, argumenta. As pessoas são tratadas respeitando suas individualidades. “Os pacientes não são contabilizados como um número, uma estatística. Nós conhecemos todos pelo nome e sobrenome, eles têm uma trajetória. Justamente por isso, o hospital possui um centro de pesquisa e preservação da memória e da história”. Os pacientes reconhecem e valorizam seu esforço e dedicação no trabalho na instituição e todos são unânimes ao considerá-lo um amigo. Eva Nunes, paciente ex-hanseniana que vive na instituição desde os 11 anos, garante: “O Dudu é um amigo que a gente pode confiar, pedir um ombro e chorar. Ele é muito sincero e tem um coração enorme que quer ajudar todo mundo”. Na recreação são desenvolvidas oficinas de artesanato, pintura, argila, expressão corporal, música, entre outras. Gabriel Escouto, paciente psiquiátrico, é um exemplo dessa realidade. Suas telas foram expostas em São Lourenço do Sul, no Centro de Habilitação Psicossocial. “Pintar é o que eu mais gosto de fazer dentro da recreação, dizem que eu sou um artista”, orgulha-se ele, que está na instituição há 33 anos, um dos expoentes do ateliê de artes. H IPER TEXT O IPERTEXT TEXTO 9 REPOR TAGEM REPORT Porto Alegre, julho -agosto de 2006 julho-agosto pacientes segregados sociais sob o estigma do isolamento e lutam pelo direito à inclusão social FOTOS MICHELE ROLIM “Nós não caminhamos sós” é a frase escrita no pórtico que dá acesso à área residencial da vila. O diretor Canedo explica que a frase significa cuidado, idéia de fraternidade e ajuda mútua. “Só que, na verdade, o que está escrito ali é ‘vocês nunca mais sairão daqui de dentro com as próprias pernas’”, diz ele, apontando para a antiga prisão que lá existia e para o fato do Hospital Colônia de Itapuã significar o ciclo final da vida de muitas pessoas. Cemitério, única saída O prédio onde funcionava a antiga prisão existe até hoje, mas está desativado desde 1960. No espaço, eram colocados internos que tentavam escapar. Os pacientes não tinham perspectivas de saída. Só o caminho para o cemitério, destino final que, em muitos casos, continua igual. “Como esse é o destino da maioria deles e o cemitério sempre foi um ambiente muito triste, eu e um grupo de pacientes resolvemos pintar algumas cruzes para torná-lo mais alegre”, conta Canedo. Em 1956, a internação compulsória foi extinta devido à possibili- Documentário antropológico “Cidade dos Condenados” é o título dado ao documentário que está sendo filmado no Hospital Colônia de Itapuã, sob a direção do cineasta francês Jean Arlaud. O trabalho aborda a vida de dois grupos de pessoas que foram excluídos da sociedade, os hansenianos e os portadores de doenças mentais, e como essas pessoas conseguiram traçar suas trajetórias. O documentário é focado em uma personalidade ímpar, que fez a vida de todos mudar no local. Através do esforço e dedicação empenhados no setor de recreação, o diretor Eduardo Canedo devolveu aos pacientes a oportunidade de recuperar a auto-estima, sonhar e sorrir. O roteiro é abordado pelo viés da antropologia visual, usando como recursos o cinema e a fotoetnografia na construção da narrativa. Foi realizado um detalhamento da região de Itapuã pela professora Nazareth Agra Hassen em sua tese de doutorado defendida na Faculdade de Educação da UFRGS, em 2005. Até o momento foram feitas 250 fotografias pelo professor Luiz Eduardo Achutti e duas horas e meia de filmagens pelo professor Jean Arlaud - Université Paris 7, e equipe. A previsão de lançamento é para 2007. As pessoas fecham o ciclo de suas vidas isoladas da sociedade Cruzes receberam cores para atenuar a tristeza do cemitério dade de tratamento ambulatorial da doença no Brasil. O hospital – modelo no tratamento da doença no Rio Grande do Sul – abriu suas portas. Muitos foram embora e se depararam com uma dura realidade: o preconceito e o olhar desconfiado das pessoas que descobriam a procedência deles. “Os doentes hansenianos quando tinham que sair do hospital para fazer algum exame, de que ganharam após a descoberta da cura da hanseníase, eles ainda enfrentaram muitas dificuldades. “Esses internos, mesmo livres, não tinham como sobreviver e voltaram para as portas do hospital. Criou-se uma dívida social do estado com eles, pois foi o próprio estado quem os excluiu”, diz o diretor. Devido à diminuição no número de internos, há 15 anos, a Secretaria Estadual da ou tratar alguma problema de saúde, sentiam vergonha de si mesmos, pois as pessoas ao saber que eram portadores da doença, os isolavam, de medo. Hoje é bem mais tranqüilo, mas ainda tem muita desinformação”, relata o médico clínico Carlos Roberto da Fonte Domingues que trabalha na instituição há 26 anos. Mesmo com a aparente liberda- Saúde transferiu para o espaço pacientes com transtornos mentais, oriundos do meio rural. Mantido totalmente pelo governo do Estado, a instituição recebe voluntários para diversas funções, nas áreas médicas, nutrição, recreação, oficinas, organização de festas e eventos. Outras informações podem ser obtidas pelos telefones 3494 8055 ou 3494 8022. Reforma psiquiátrica gera polêmica entre ONG e autor do projeto POR ALESSANDRA BRITES Se fosse feita uma pesquisa entre os sem-tetos seria constatado que 75% a 80% deles necessitam de tratamento. A frase da presidente da ONG Sociedade de Apoio ao Doente Mental (Sadom) e integrante do Movimento pela Atenção Integral a Saúde (Mais), Carmem Lia, justifica a necessidade de rever a lei 9.716 que, em 1992, implementou a reforma psiquiátrica no Estado, ao ser aprovada pela Assembléia Legislativa. Segundo ela, a lei provocou uma grande crise na assistência à saúde mental. “Vergonhosa e irresponsável”, enfatiza. Para o autor da lei, o ex-deputado Marcos Rolim, o seu principal benefício é o reconhecimento dos direitos dos pacientes psiquiátricos. Antes da aprovação da lei estadual, qualquer pessoa poderia ter a sua liberdade privada por um diagnóstico médico, sem ter o devido processo legal. “Para evitar esses problemas criamos mecanismos de acompanhamento e averiguação da densidade das internações compulsórias, possibilitando ao Ministério Público fazer o acompanhamento desse processo”, explica o ex-deputado em entrevista ao estudante de jornalismo Ricardo Romanoff. Foram adotadas medidas que estimu- lam a abertura de novos serviços em saúde mental de natureza comunitária como leitos em hospitais gerais, o hospital-dia, ambulatórios, emergências psiquiátricas gerais, centros residenciais, lares abrigados, pensões públicas e Centros de Atendimento Psicossocial. A determinação mais polêmica da lei foi a que aponta para necessidade de construção de novos hospitais psiquiátricos no Estado e a ampliação dos existentes. A lei ‘congelou’ a capacidade de leitos existentes em hospitais psiquiátricos, admitindo e orientando que novas vagas, quando necessárias, fossem abertas em hospitais gerais e não mais em instituições psiquiátricas. Carmem Lia discorda do autor da lei. Argumenta que o tratamento dos doentes mentais fora do hospital especializado é uma excelente idéia, no entanto, é para um pequeno número de pessoas. “Não há leitos para todos. A demanda é altíssima. Obviamente não há interesse desses hospitais de investir e acolher os pacientes, pois o custo é muito alto.” A rede alternativa de atendimento ao doente mental proposta pela reforma psiquiátrica praticamente inexiste. “Não há oferta suficiente de ambulatórios especializados, medicamentos estão sempre em falta, leitos para a interna- ção em hospitais da mesma forma, essa situação é deplorável em se tratando do Rio Grande do Sul que já foi em anos anteriores considerado o exemplo em psiquiatria”, relata a presidente da Sadom que, há 27 anos, trabalha junto à direção do Hospital Psiquiátrico São Pedro, única instituição pública do estado que atende doente mental. Aumento de vagas Desde o início da reforma aumenta a compra de vagas para tratamento psiquiátrico. “É urgente que sejam restauradas as condições de hospitalização, regulando o número de leitos em função das necessidades da população do nosso estado, pois se tem visto inúmeras pessoas morando nas ruas embaixo de pontes. Quando se fala isso, os contrários à revisão da reforma dizem que a situação inexiste, mas ela existe. Se fizéssemos uma pesquisa entre os moradores de rua talvez 75%, ou 80% fossem pessoas necessitando de tratamento.” Carmem enfatiza que a decisão de reduzir vagas acentua o desmonte dos hospitais, e principalmente o São Pedro. “Por se tratar de uma instituição pública, há décadas vem atendendo pessoas carentes com problemas. Para onde irão os pobres desprovidos de sua saúde”, questiona. A reforma psiquiátrica, no enten- dimento do ex-deputado Rolim, sinaliza uma virada nos investimentos públicos na área de saúde mental, promovendo mudanças significativas e benéficas à sociedade. “Em 1992, 92% das verbas de internação psiquiátrica do SUS financiavam leitos em hospitais psiquiátricos. Ou seja, praticamente todo o dinheiro gasto pelo governo federal se destinava a hospitais e clínicas privadas. Os proprietários desses estabelecimentos ganhavam fortunas mensalmente”, frisa. A situação do Hospital São Pedro exemplifica os questionamentos de Carmem Lia. Hoje as principais problemas da instituição são: falta de leitos, de profissionais capacitados e escassez de recursos na rede de saúde e no orçamento do governo para equipar melhor e qualificar o atendimento. Segundo o diretor técnico e psiquiatra do São Pedro, Ygor Ferrão, a taxa de ocupação do hospital é sempre 100%. “Normalmente temos 100 leitos e 110 pacientes internados. A emergência faz uns 500 atendimentos por mês”. diz Existem diversos casos de internos que permanem no hospital. São pessoas abandonadas pelas famílias ou essa simplesmente não foi localizada. Para esses foi criada uma Morada, nos fundos do hospital, com 27 casas, outro semelhante em Viamão e a Colônia de Itapuã. 1 0 VA R I E DA D E S Porto Alegre, julho -agosto de 2006 julho-agosto HIPERTEXT HIPERTEXTO O ANA CAROLINA PAN O som da Famecos Alunos da faculdade formam bandas já na festa dos bixos P O R F RANCISO P RATO Alunos dos cursos de Comunicação da PUCRS, além de estudar e na maioria dos casos trabalhar, ocupam seu tempo tocando com suas bandas. Alguns deles conseguem até fazer shows em lugares grandes e obter sucesso com a sua música, integrando grupos conhecidos no cenário musical. Do rock ao reggae, as bandas dos acadêmicos da Famecos têm histórias interessantes e uma musicalidade diversa que envolve também o punkrock, um estilo que se baseia principalmente nos Ramones, mas que engloba dezenas de bandas deste tipo conhecidas no mundo. No caso do punkrock, se destacam a banda La Resistence e Blasé. O guitarrista de La Resistence, Thomas Nasário, estuda Publicidade e Propaganda na Famecos e começou a tocar recentemente na banda criada em 2003 em Guaíba, sua cidade natal. O tipo de som que a La Resistence toca se funde entre algumas inspirações vindas das bandas Rufio, Bad Religion, No Use For a Name e Ramones, entre outras do gênero. Thomas é oriundo do conjunto punkrock, a Blitzkrieg, que se separou há um ano e era composto também por outro estudante de PP, Orley. A Blasé de Porto Alegre é formada só por mulheres que curtem fazer o bom e velho rock´n roll. Entre as integrantes, a baterista Renata Crawshaw e a vocalista e guitarrista Chris Sassen estudam Jornalismo. A banda ainda não tem músicas próprias, mas estão providenciando algo para seu primeiro CD. Sua maior apresentação foi em Canela na abertura do show da Tequila Baby. Abrangendo estilos de rock em diversos subgêneros, a Lazy tenta transmitir alegria e seriedade com sentimentos comuns aos jovens. Já fez alguns shows em Porto Alegre, Florianópolis, Blumenau e cidades do interior do Rio Grande do Sul. A banda participou de eventos com outras bandas fortes como a For Fun, Emo, Sugar Kane e Killi. A Lazy já tem suas próprias músicas que são muito semelhantes ao som da banda Fresno, com bastante destaque no RS. As principais músicas até agora são Lazy, Amnésia e A vida que sonhei. O guitarrista Ney, que cursa Publicidade, divide os estudos com os shows. Uma história interessante é a da Renda per Capita, recriada por dois alunos da Famecos em 2004, William Mallet, de PP, e Chico, de Jornal, que se conheceram na festa dos bixos e formaram a banda na mesma hora. Com influência predominante da californiana Red Hot Chili Peppers, começou a tocar covers apenas com guitarra e baixo, posteriormente agrupando um vocalista e um baterista. Misturou, então, outras influências como Foo Fighters, Blink 182, Detonautas e CPM22. Após dois anos de insistência, a Renda per Capita já tem cinco músicas em seu histórico e o pessoal pretendem gravar um CD em breve com pelo menos 10 composições. Para o futuro, pretende investir cada vez mais em seu próprio som, colando sua marca nos seus shows e deixando os covers um pouco de lado. Wailua, enfim, é o nome que batiza o grupo de regaee cujo nome homenageia o “Rei Moikeha”, que segundo diz a lenda, criou o surf e batizou o local onde tal fato aconteceu como “Ilha Sagrada de Wailua”. O vocalista e estudante do curso de Jornalismo, Rodrigo Albornoz, tem uma interpretação para o fenômeno de tantos conjuntos musicais entre os alunos da Famecos: “Acho que a galera da comunicação é muito envolvida com música e provavelmente já tem uma certa tendência ao sonho do estrelato. Talvez isso explique o porquê de tantas bandas na nossa faculdade”. Alunos da Famecos na batida do rock, reggae, punkrock e covers Os financiamentos que fazem rodar o atual cinema brasileiro TIAGO AZEVEDO P O R L UISA K ALIL O incentivo à cultura no Brasil é pequeno e está limitado às leis de isenção fiscal de iniciativa dos governos federal, estadual e municipal. Empresas brasileiras se valem da legislação para financiar a produção cinematográfica recebendo, em troca, benefícios fiscais. O mecanismo pode ser utilizado por investidores externos desde que se adaptem às exigências. È o caso do novo filme de Jorge Furtado, Saneamento Básico, em produção até meados de agosto, que recebe recurso externo e apoio também para o momento da divulgação. A produção conta a história de uma pequena comunidade de descendentes italianos na Serra gaúcha, que desejam construir uma fossa para o tratamento de esgoto da vila. A subprefeitura alega não ter verba suficiente para ajudar os moradores de Vila Nova. Eles descobrem, então, que existe a possibilidade de conseguirem cerca de R$ 10 mil para produção de um vídeo e, caso o dinheiro não seja utilizado, deverá retornar ao governo federal. Assim, a comunidade decide produzir um curtametragem a fim de mostrar sua realidade não apenas aos moradores da região, mas também ao governo. A Financiamento é um dos principais problemas do cinema nacional descoberta da linguagem audiovisual e a mistura entre realidade e ficção surpreendem os moradores de Vila Nova. Nessa brincadeira, a produção começa a obter resultados maiores que o esperado. Com o objetivo de mostrar a burocracia no Brasil, Furtado mescla a produção cinematográfica da comunidade, para que eles também perce- bam a importância de se reconhecer o meio em que se vivem. O filme não deixa de ser uma forma de lembrar a importância do cinema, mesmo em países sem muito espaço (e dinheiro) para a produção. No caso do Brasil, existem produções que contam com o apoio de instituições estrangeiras. São fundações que investem não apenas na produção do filme, mas também ajudam na divulgação da obra. A Casa de Cinema de Porto Alegre conta com o apoio da Columbia Tristar e da Fox em seus filmes. Flávia Matzenbacher, assistente executiva de Jorge Furtado, explica como funciona o acordo entre as produções brasileiras e as empresas internacionais. “De acordo com o artigo terceiro da Lei do Audiovisual, as majors podem obter benefícios fiscais ao investir na co-produção de filmes de produtoras independentes, com as quais se costuma também incluir no acordo a distribuição”. Para conceder patrocínio, os critérios usados são o currículo da produtora, a qualidade técnica e artística do projeto, as condições de execução, além das afinidades com estratégias de marketing da empresa. O roteiro de Sal de Prata, do cineasta Carlos Gerbase, coordenador do curso de Cinema da Famecos, teve apoio da Sundance Institute, criada pelo ator americano Robert Redford e que promove anualmente um dos principais festivais de cinema independente do mundo, o Sundance Film Festival. A mesma instituição ajudou a financiar o filme Central do Brasil, que foi indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro e teve Fernanda Montenegro disputando a estatueta de Melhor Atriz. Outra produção de destaque no Brasil foi Cinema, Aspirinas e Urubus, de Marcelo Gomes, que contou com a ajuda da Global Film Initiative e da Humbert Bals Fund Partners, em parceria da Fundação de Rotterdam, na Holanda. O apoio não seria em vão: as contrapartidas costumam ser negociadas pelas instituições, geralmente exigindo a inserção da marca nos créditos ou na divulgação e comercialização da obra. A maioria das instituições internacionais publica nos seus sites como participar dos principais festivais de cinema no exterior e como deve ser feito contato para obter apoio financeiro ou simplesmente na co-produção. Em Porto Alegre, as produções da Casa de Cinema já participaram de eventos importantes como a Berlinale, na Alemanha; o Festival de Curtas Metragens de Bruxelas, na Bélgica e o Festival Internacional de Cine, no México. Na América Latina, poucos diretores conseguem a atenção do público internacional. No Brasil, o destaque vai para Walter Salles, Bruno Barreto e Fernando Meirelles, que recentemente chamou a atenção por sua produção O Jardineiro Fiel. H IPER TEXT O IPERTEXT TEXTO VA R I E DA D E S Porto Alegre, julho -agosto de 2006 julho-agosto 11 ANA LUIZA LEAL VIEIRA Há 100 anos nascia um anjo poeta Quintana é natural de Alegrete, mas viveu em Porto Alegre P O R V INICIUS R ORATTO C ARVALHO Espetáculos musicias, exposições e peças de teatro constituem a cena cultural porto-alegrense na comemoração do centenário de nascimento de poeta gaúcho Mario Quintana. Como não poderia deixar de ser, a Casa de Cultura Mario Quintana, antigo Hotel Majestic onde o autor morou, concentra as homenagens com o projeto Aprendiz de Feiticeiro – 100 Anos de Mario Quintana. A casa conta com uma programação permanente sobre o poeta que envolve uma réplica do último quarto, ocupado pelo poeta no Residence Hotel, atrações especiais ligadas à vida e à obra de Quintana para alunos de escolas visitantes. Está disponível também um acervo sobre poeta e de- poimentos de pessoas que compartilham, com o público, aspectos da vida de Mario Quintana. Exposições integram os eventos comemorativos. Telas Mario Quintana: O Anjo da Escada mostram imagens do poeta feitas por quatro artistas. Quintana Entre o Dia e a Noite expôs, através de efeitos multimídia, duas faces do poeta: alegre e bem humorado em contraposição ao sombrio, que utilizava temas como o silêncio, a morte e a solidão. A exposição indicou as especificidades de cada um dos lados do escritor. A mostra Impressões do Poeta contém gravuras em madeira, xilogravuras, que apontam os passos do autor pela cidade de Porto Alegre. No teatro Bruno Kiefer, entrou em cartaz a peça Sobre Anjos e Grilos, um monólogo com poesias do autor. No espetáculo musical Porto Alegre de Quintana, no teatro Carlos Carvalho, a banda Piratas do Porto pretende comemorar o centenário com músicas como Porto Alegre de Quintana, de autoria de Antônio de Oliveira e Nando Gross. No dia do centenário, 30 de julho, a Orquestra Sinfônica de Porto Alegre e o Balé Dança Alegre Alegrete se apresentam às 11h, na Travessa Rua dos Cataventos, e, às 20h, no teatro Bruno Kiefer. Neste dia, será entregue ainda o Prêmio Especial Mário Quintana. As comemorações dos 100 anos do poeta não se restringem a Porto Alegre e ao interior do estado. Há exposições e projetos literários sobre o poeta também no Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília. PRINCIPAIS OBRAS A Rua dos Cataventos Canções Sapato Florido Espelho Mágico O Aprendiz de Feiticeiro Poesias Caderno H Pé de Pilão Apontamentos de História Sobrenatural A Vaca e o Hipogrifo Nova Antologia Poética Batalhão das Letras Quintana com Antônio González, colegas do Correio do Povo Ele não gostava da farmácia, mas de literatura Nascido em 30 de julho de 1906 em Alegrete, Mario de Miranda Quintana passou a maior parte de sua vida em Porto Alegre, cidade que inspirou muitos dos seus versos. Estudou no Colégio Militar e, após uma reprovação em Matemática, recusou-se a voltar para casa em Alegrete. Decidiu trabalhar como caixeiro na Livraria do Globo, mas o pai o obrigou a retornar e o empregou na farmácia da família. Ainda estudante do Colégio Militar, publicou suas primeiras produções literárias. O pai, Celso Quintana, teve que se acostumar com o filho que não seria doutor e, sim, poeta. Após a morte dos pais, Quintana volta a trabalhar em Porto Alegre, primeiro na Livraria do Globo, e, depois, no jornal O Estado do Rio Grande, posteriormente fechado devido às suas orientações políticas. Aos 24 anos, Quintana se alis- tou como voluntário do 7º Batalhão de Caçadores de Porto Alegre durante a Revolução de 1930. Justificou o alistamento alegando que tinha curiosidade em conhecer o Rio de Janeiro. Trabalhou também no jornal Correio do Povo, onde publica o “Caderno H”, que mais tarde tornou-se um livro de coletânea poética do autor. Na Empresa Caldas Júnior, empresa onde trabalhou boa parte de sua vida, fez muitos amigos, como o editor do jornal Folha da Tarde, Antônio González, que também foi diretor e professor da Famecos/PUCRS. O poeta morreu em 5 de maio de 1994, aos 87 anos. Foram publicados mais de 30 livros de prosa e poesia, desde o primeiro, A Rua dos Cataventos, em 1940, até as antologias poéticas após sua morte. Ele brincava com a morte dizendo: “A morte é a libertação total: a morte é quando a gente pode, afinal, estar deitado de sapatos”. A fina ironia, o bom humor, e até mesmo um doce ar de ingenuidade são as marcas do poeta que tinha o cotidiano como inspiração. Nada escapava ao seu comentário, a poesia, os amigos, uma sensação, tudo que acontecia à volta do poeta, ou com ele mesmo, era fonte de inspiração para seus pequenos versos. As epigramas, também conhecidas como Quintanares - pois são uma marca do poeta – revelam as faces do poeta. Tratam da morte, do humor, ou da morte com humor. “Estilo: Deficiência que faz com que um autor só consiga escrever como pode”, definiu. (Fontes: Caderno H, de Mário Quintana e Mário Quintana Poeta, Caminhante e Sonhador, do Instituto Estadual do Livro) Cadão, de Zero Hora, defende a cor e a foto digital no jornalismo “A cor acrescentou muito ao fotojornalismo”, diz Cadão sabe se uma matéria vai precisar de muito ou pouco filme. Agora com o O editor de fotografia do jornal digital, felizmente não há mais esse Zero Hora, Ricardo Chaves, o Cadão, problema”, relata. é referência no fotojornalismo brasiEm relação à democratização do leiro. O início de sua trajetória como ato de fotografar, proporcionada fotógrafo remonta ao final da déca- pelo advento do digital, o editor da de 60, época em que as redações pondera: “É ótimo, eu quero mais é só trabalhavam com a fotografia pre- ver a fotografia ao alcance de todo to-e-branco. Dentre todas as mudan- mundo. Mas, como em tudo na vida, ças neste quase meio século de pro- ganhamos por um lado e perdemos fissão, o editor destaca a adição da por outro. Acho que a moçada está cor e a entrada do digital nas reda- banalizando o ato de fotografar e não ções como as mais significativas. dá importância ao fato de ter a foto “A cor acrescentou muito ao na mão, a coisa da recordação”. fotojornalismo. Se Se os jovens não você não a utiliza, fica estão fazendo o medevendo informalhor uso da fotogra“A moçada está ção”, opina o editor. fia, na opinião de banalizando Ele destaca o papel Cadão, o mesmo da fotografia colori- o ato de fotografar ” não se aplica ao da na editoria de Esfotojornalismo. “O portes: “A fotogradigital é extraordináfia em preto-e-branco privaria o lei- rio. Podemos aproveitar a foto imetor do jornal de ver o colorido das diatamente. Antes, nós éramos tolecamisas, o contraste com o campo rados no limite da paciência, porque verde e a torcida. Por outro lado, uma o jornalismo sempre foi pautado matéria sobre os bastidores do es- pela velocidade, e nós, fotógrafos, típorte, ou futebol de várzea, renderia nhamos a preocupação de fazer as legal em PB”. Como atualmente fotos com calma, queríamos ficar até nem todas as páginas dos jornais são o final dos eventos, revelar com cuicoloridas, o fotógrafo deve ter a ca- dado, em suma, fazer direito – o que pacidade de escolher quais assuntos enlouquecia os editores, porque eles ou temas perderiam mais se saíssem acabavam ficando nas nossas mãos em preto-e-branco. “A cor dificilmen- para rodar o jornal”, ressalta. Para o te acrescenta à Política, por exemplo. editor, os fotojornalistas de hoje esPor isso a editoria geralmente é des- tão mais pautados com os valores tinada às páginas PB do jornal”, co- do jornalismo e isso faz com que a menta. redação funcione melhor. “O negatiCadão conta que os fotógrafos vo é que, como tudo é muito lidavam com restrições de quantida- efêmero, os erros passam mais desde de filme – que sempre custou caro percebidos. Essa coisa de corrigir no – na época em que ainda o digital dia seguinte, pedir desculpas, fica de não era usado nas redações. “O que lado porque não há tempo para isso”, era uma estupidez, porque nunca se acrescenta. P OR A NA L UIZA L EAL V IEIRA 12 PONT O TO FINAL Porto Alegre, julho -agosto de 2006 julho-agosto HIPERTEXTO A emoção de narrar a Copa do Mundo No estúdio, estudantes descrevem e comentam as partidas como se estivessem no estádio DAIANA ENDRUWEIT Havia algo diferente no ar. A Copa do Mundo 2006 proporcionou uma experiência nova para muitas pessoas, mesmo para estudantes que estavam tão longe da Alemanha, na Faculdade de Comunicação Social da PUCRS. Alunos de diferentes semestres do curso de Jornalismo encararam o desafio de transmitir aos jogos no estúdio da Radiofam, a radioweb da Famecos. Sob coordenação dos professores João Brito de Almeida e Luciano Klöckner, três equipes formadas por narradores, comentaristas e repórteres se revezaram, proporcionando exercício prático e realização pessoal. A emoção de narrar uma partida da Seleção brasileira é grande mesmo que seja “em tubo” (no estúdio, frente às imagens da televisão). Além de descrever os lances do jogo, há aqueles que conhecem a história dos jogadores, exatletas, a evolução do futebol – não só brasileiro – curiosidades, e muito mais. Rafael Diverio é um sabe-tudo de futebol. Conta que, pela primeira vez, narrou jogos da Copa do Mundo, mas em sua casa, faz narração de todas as partidas que vê pela televisão. “Em casa narro vídeo game, jogo de botão, qualquer coisa”. A Radiofam foi criada em 1998 por iniciativa de um grupo de professores de radiojornalismo da Famecos. Foi a primeira rádio virtual universitária do país. Uma das características mais importantes e mantidas até hoje é ser operada exclusivamente por alunos da faculdade. A transmissão dos jogos da Copa foi no estúdio, diante da televisão sem som. “É um problema. Mas a única maneira de transmitir a Copa era assim. Para diminuir o problema e saber informações do local, sempre um de nós ouvia no fone o que era dito na TV”, esclarece Diverio. Para reconhecer os jogadores, contaram apenas com o seu conhecimento e as marcações técnicas ao longo do jogo. Cada uma das três equipes era formada por um narrador, comentarista e repórter. Em algumas oportunidades, também teve um convidado dando opinião. Desde o início da Copa, eles se revezaram nas funções para que todos pudessem passar por cada uma delas. “A experiência foi muito produtiva, me fez entrar mesmo no clima da Copa. Cada transmissão era um aprendizado. Foi importantíssimo perceber que, mesmo sem ter alguém narrando o jogo para nós (a gente narrava para os outros), entendemos o jogo da mesma forma”, avalia Matheus Beck, integrante de uma das equipes. Eles ainda descrevem, com orgulho, o fato de descobrirem após o jogo que a Globo e a Fifa haviam escolhido o mesmo jogador que eles como craque da partida. O mesmo aconteceu com opiniões, curiosidades e até com informações dadas por eles em primeira mão, deixando para trás grandes emissoras. Para Marco Maciel, a atividade o despertou para um fator importante sobre o profissional que trabalha no rádio. “O narrador esportivo tem que descrever os fatos. Ao contrário dos narradores de televisão, por exemplo, que podem parar um pouco, pois as imagens informam. Os de rádio devem falar constantemente e, com isso, os erros tendem a aparecer mais intensamente”, explica. Rafael diz que o exercício prático proporcionou momentos de lazer. “Eu adorei fazer isso. Além de acompanhar a Copa, pudemos contá-la do nosso jeito”. O professor João Brito explica que a experiência é muito importante para os estudantes por ser a reprodução de uma situação real. A única diferença que existe dos outros veículos é o meio de transmissão que não é real. “Eu noto que eles evoluíram com a repetição do trabalho. Eles melhoraram o rendimento individual e do grupo. Trata-se de um progresso naquilo que pode ser a futura profissão deles”, revela Brito. Duas equipes de alunos que passaram pela Radiofam em outros semestres, hoje trabalham profissionalmente nas rádios da Capital. Mas, a satisfação de Brito só será completa no dia em que conseguir revelar para o jornalismo esportivo uma narradora de futebol. Ele espera que esse dia esteja próximo. O espírito de equipe também foi importante nessa cobertura. Matheus Beck diz que “I campioni del mondo siamo noi” “A uf W iedersehen!” Wiedersehen!” (Até logo) P O R T HAÍS A LMEIDA POR G UILHERME Z AUITH , DE R OMA Estar em Roma, domingo, dia da vitória da Itália na Copa foi demais. Fomos ver a final da Copa no Circo Massimo, o lugar onde aconteciam as corridas de biga (uma espécie de charrete puxada por cavalos) no Império Romano. Tinha aproximadamente 400 mil pessoas. 300 mil bandeirolas tricolores tremulavam aos gritos da “Squadra Azzura” e “Francia, Francia, vai te ralar!! “ Depois da vitória, todos saíram cantando pelas ruas, com cerveja e vinho na mão. A Piaza Veneza, no monumento Vitório Emanuele, estava coalhada de torcedores que choravam à moda italiana, ocupando toda a Via Del Corso, um grande avenida que passa pelo centro antigo em direção à Fontana di Trevi. Havia muita gente, me senti um pagão nas festas do antigo império. Na fonte da Fontana di Trevi, pessoas nadam. Uns de roupa, outros não. Subiam nas estátuas e cantavam o hino da Itália seguido dos gritos: “francese bastardi”. Foi demais! POR T ATIANA L EMOS, DE B ERLIM Após um mês de festas, metrôs lotados, barulho nas ruas e surpresas no futebol, a Alemanha se despediu da Copa do Mundo e, aos poucos, a tranqüilidade habitual foi sendo retomada. Bem organizada e sem maiores problemas, a Copa deixou anfitriões orgulhosos, também pelo desempenho da Seleção que superou expectativas e ficou em terceiro lugar. Nesta Copa, os alemães deixaram para trás a culpa e perderam o medo de ser patriotas. Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, qualquer demonstração de patriotismo era vinculada à ideologia nacional-socialista do Nazismo. O escritor e roteirista Thomas Brussig definiu o “novo patriotismo” em artigo para o jornal alemão Süddeutsche Zeitung (SZ): “O velho patriotismo morreu, definitivamente. O novo patriotismo significa: ‘não ao velho, algum outro. Nós ainda estamos experimentando”. Na Copa de 74 na Alemanha, seria impensável um carro andando com a bandeira alemã na janela, lembrou o jornalista Gerald Müller . AS FERAS DA RADIOFAM: Bruna Longaray, Fernando Teixeira, Igor Póvoa, Joana Cavinatto Juliana Ramiro, Juliano Rodrigues, Marco Maciel, Matheus Beck, Rafael Diverio, Rodrigo Nunes e Rodrigo Peixoto Marco Maciel e Rafael Diverio transmitem Portugal e França na web apesar da inexperiência, o conhecimento de todos somado fez com que se ajudassem mutuamente.“Logo na Copa, a maior competição do mundo no futebol, marcamos nossa estréia nas coberturas esportivas, espero que seja o princípio da nossa carreira. É o que eu sempre quis desde o início”, revela Maciel. A Radiofam faz uma breve parada no período de férias e retorna no início do segundo semestre com mais esporte, além de notícias e entretenimento. Para ouvir a rádio, basta acessar o site www.pucrs.br/radiofam.