territórios recombinantes

Transcrição

territórios recombinantes
c a m i l a du p r at m a rtins | daniel a c astro e silva | renata mot ta (orgs.)
t e r ritórios recombinantes
arte e tecnologia | debates e laboratórios
te rritórios reco m b i n a n t e s
arte e tecnologia | debates e laboratórios
Camila Duprat Martins | Daniela Castro e Silva | Renata Motta (orgs.)
Cadernos Instituto Sergio Motta 13 | Coleção Cultural
Organização: Camila Duprat Martins, Daniela Castro e Silva e Renata Motta
Coordenação Editorial: Camila Duprat Martins
Produção Editorial: Aline Gambin
Textos: André Lemos, Camila Duprat Martins, Daniela Castro e Silva, Élida Tessler, Gisele Ribeiro, Helga Stein, Lucas Bambozzi, Luiz Duva, Marcus Bastos, Raquel Garbelotti
Imagens: Adenor Godim, Anderson da Silva, Bruno Zorzal, Diego Scarparo, Ding
Musa, Fabiano Andrade, Fabrício Noronha, Gilbertinho, Itamar Aguiar, Janaina Sterir, Janete Kriger, Lucas Mariano, Penha Schirmer, Thamile Vidiz, Thommy Lacerda
Sossai. Agradecemos todos os artistas, que gentilmente cederam imagens de seus
trabalhos.
Revisão: Alice Raskin
Tradução: Camila Barreiros
Versão: Gavin Adams
Projeto Gráfico: Paula Astiz Design
Editoração Eletrônica: Ângela Mendes
ISBN 978-85-60824-01-4
CTP, Impressão e Acabamento: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo
Tiragem: 1.500 exemplares (português) | 1.000 exemplares (inglês)
São Paulo, Brasil, 2007
i n s t i t u to s e rgio mot ta
Presidente: Luiz Carlos Mendonça de Barros
Vice-Presidente (Conselho Deliberativo): Wilma Motta
Secretária Geral: Maria José Tenório de Paiva
Trav. Dorothy Poli Zioni, 7 | São Paulo-SP | 05016-070 | Brasil
T (5511) 3873-0279 | [email protected]
p rêm i o s e r g io mot ta de arte e tecnologia
Relações Institucionais: Wilma Motta
Coordenação Geral: Renata Motta
Curadora: Vitória Daniela Bousso
Coordenação de Projetos: Camila Duprat Martins
Coordenação de Produção: Luciana Dacar
Produção: Aline Gambin
Administração: Sadao Kitagawa
www.premiosergiomotta.org.br
sumário
te r r i t ó r i o s r e c o m b i n a n t e s :
a rt e e t e cn o l o g i a
05
d e b at e s
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Camila Duprat Martins
Territórios Recombinantes: fronteiras em desvio
Daniela Castro e Silva
Remix como polifonia e agenciamentos coletivos
Marcus Bastos
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s a lvad o r | Cibercultura como território recombinante
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André Lemos
v i t ó r ia | Apropriação e política no território da arte
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Gisele Ribeiro
v i t ó r i a | Paisagem-sonora – Dia de chuva em Vitória – 43’
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Raquel Garbelotti
g o i â n i a | Os comportamentos ou as formas de construção de
identidade em ambientes de rede
Helga Stein
65
p o rto a l e g re | O telefone sem fio e outras microlições de coisas
69
Élida Tessler
l a b o r at ó r i o s d e p ro j e to s
Relato-Hiato
Lucas Bambozzi
Laboratórios de Projetos
Luiz Duva
Depoimentos
83
85
87
89-110
territór i o s r e c o m b i n a n t e s :
arte e t e c n o l o g i a
Camila Duprat Martins
Territórios Recombinantes está inserido na estratégia do Prêmio Sergio
Motta de Arte e Tecnologia de ampliação do debate em torno da cultura digital e do impacto da tecnologia na contemporaneidade. A partir
de 2006, com o estabelecimento do calendário bienal, além da ação de
fomento da premiação, configurou-se a realização de ações centradas
na difusão e reflexão imprescindíveis ao maior aprofundamento dessas
questões. O projeto foi concebido pela coordenadora geral do Prêmio
Sergio Motta Renata Motta e pela artista e teórica Daniela Castro e Silva,
visando promover a produção e a discussão artística e teórica contemporânea que se dão no âmbito da cultura digital.
O impacto da era digital, da globalização, da informação em tempo real com efeitos diretos na vida cotidiana implica na formulação de
novas teorias e nova conceituação do estar no mundo. Da mesma forma, a produção artística na interface com as novas tecnologias não pode
prescindir do debate que permeia a própria ética das novas linguagens
tecnológicas.
Estabelecendo redes entre criadores de diferentes regiões, ativando
conexões e ampliando a democratização ao acesso e à participação na
produção cultural contemporânea no país, Territórios Recombinantes
se propõe, ao mesmo tempo, a neutralizar possíveis hierarquias que
marcam a produção do conhecimento no Brasil e a fortalecer o exercício
da cidadania por meio da inclusão digital.
O deslocamento do Prêmio a novos territórios, nas regiões Nordeste
(Bahia), Centro-oeste (Goiás), Sudeste (Espírito Santo) e Sul (Rio Grande
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| territórios recombinantes
do Sul), já iniciado anteriormente por meio de exposições em Goiânia
e Porto Alegre, reforça seus propósitos em contribuir na discussão, na
difusão e no incentivo à produção artística contemporânea na interface
com as novas tecnologias.
o p ro j e to
O detalhamento do projeto e das etapas subseqüentes para sua execução apoiaram-se na constituição de um grupo formado por membros
da equipe do Prêmio Sergio Motta e artistas já premiados em edições
anteriores. Esse grupo delineou conjuntamente a estrutura geral de
funcionamento e prospectou interlocutores em cada um dos locais,
para a efetivação de parcerias com instituições universitárias e culturais.
Definido localmente um interlocutor representante de cada instituição parceira, definidos espaços de acolhimento, a proposta foi rediscutida de forma a atender especificidades e expectativas locais. O formato
final previu uma estrutura similar em cada uma das cidades. Realizado
em finais de semana, contou com discussões teóricas abertas ao público
em geral (aos sábados) e laboratórios de apresentação e discussão de trabalhos artísticos pré-selecionados (aos domingos). A abertura dos quatro debates apresentando o Prêmio Sergio Motta de Arte e Tecnologia e
as linhas gerais do projeto Territórios Recombinantes foi realizada por
mim, coordenadora institucional do projeto, juntamente com um representante de cada uma das instituições parceiras. Com a participação fixa
de Daniela Castro e Silva e Marcus Bastos nas sessões de debates, e de
Lucas Bambozzi e Luiz Duva nos laboratórios foram incorporados ainda, em cada deslocamento, teóricos ou artistas locais. Essa formatação
garantiu uma fisionomia própria, com nuances e abordagens diversas
nas cidades visitadas. Por fim, as parcerias se completaram na produção
do evento coordenada por Aline Gambin e produtores indicados pelos
parceiros.
A questão central do projeto – o espaço territorial entendido, em
sentido amplo, a partir das mudanças ocasionadas pela difusão massiva
dos novos meios tecnológicos, revestiu-se de feições próprias em cada
discussão. Desse eixo central emergiram aspectos em que os territórios
foram, de fato, recombinados a partir de colocações diversas: enquanto
territórios recombinantes |
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espaço geográfico, político, temporal, reapropriado e transformado, remixado.
Dentro desse enfoque a proposta para as discussões – a mudança
da noção territorial no advento das novas tecnologias da comunicação,
foi introduzida pela co-idealizadora do projeto, Daniela Castro. Marcus Bastos, professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(PUC-SP) e autor de projetos experimentais em mídias digitais centrou
sua apresentação na discussão da remixagem e de novas combinações,
por meio da apresentação de alguns trabalhos artísticos.
A coordenação dos laboratórios ficou a cargo de Lucas Bambozzi
e Luiz Duva. Lucas é artista e teórico que desenvolve estudos e trabalhos artísticos em torno da expressividade da linguagem audiovisual
com ênfase nos meios eletrônicos e suas confluências. Duva é criador
experimental no campo da videoarte, se dedicando à criação de projetos
audiovisuais imersivos e ao desenvolvimento de conteúdo e ambientes
específicos para novas mídias.
n ovo s t e rr i t ó r i o s
Salvador, Bahia foi o primeiro deslocamento. Realizado em parceria com
o Goethe-Institut Salvador | ICBA, nos dias 12 e 13 de agosto de 2006 contou com a participação de André Lemos, Professor Doutor da Faculdade
de Comunicação da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e Diretor do
Centro Internacional de Estudos Avançados e Pesquisa em Cibercultura
(Ciberpesquisa).
A segunda viagem, realizada nos dias 25 e 26 de agosto, foi em direção ao Sudeste. Em parceria com o Centro de Artes da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), por meio de seu Diretor, professor doutor José Cirillo, Territórios Recombinantes teve como integrantes dos
debates do sábado Gisele Ribeiro e Raquel Garbelotti, artistas visuais e
professoras da UFES.
O terceiro deslocamento se deu em 12 e 13 de setembro. No Brasil Central, no calor (já) intenso de Goiânia, tivemos como parceira
a Faculdade de Artes Visuais da Universidade Federal de Goiás (FAVUFG) e o professor Carlos Sena, diretor da galeria de arte da FAV-UFG,
como interlocutor. A debatedora convidada foi Helga Stein, professora
da Universidade Anhembi-Morumbi e artista em novas-mídias. Helga
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| territórios recombinantes
foi ganhadora de Bolsa Fomento no 3º Prêmio Sergio Motta de Arte e
Tecnologia.
Finalmente, em 23 e 24 de setembro, a última viagem, para as temperaturas mais amenas de Porto Alegre em nova parceria com o Santander Cultural e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Debatendo com Daniela Castro e Silva e Marcus Bastos, a artista Élida
Tessler, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Élida
é também coordenadora do Torreão, espaço de produção e pesquisa em
arte contemporânea em Porto Alegre.
Territórios Recombinantes estabeleceu uma troca importante entre
teóricos e artistas ao retomar discussões e possibilitar reflexões conseqüentes do impacto dos novos meios de comunicação no universo das
relações cotidianas, pessoais e artísticas, descortinando novas possibilidades de compreensão e formulações poéticas. Para a equipe do Prêmio
Sergio Motta de Arte e Tecnologia – Renata Motta, Camila Duprat, Daniela Castro, Aline Gambin e os convidados Marcus Bastos, Luiz Duva e
Lucas Bambozzi, o projeto reiterou a necessidade da interlocução constante, da aproximação e do estabelecimento de parcerias no escopo de
sua linha de atuação.
A presente publicação procura ser um relato desta experiência marcada pela troca, pelo dinamismo e pelo descortinamento desses novos
territórios. Por isso não se atem a uma transcrição apenas dos debates
e a um elenco de participantes. Ao invés de uma edição documental,
dentro de uma linguagem e estilo padronizados, organizada de forma
cronológica, procurou-se uma formatação que espelhasse, em parte, o
desenrolar dinâmico dos eventos. Os textos dos palestrantes, editados
alguns a partir dos papers enviados pelos autores ou por meio de transcrições editadas expressam, justamente, as variações do discurso e do
próprio perfil dos palestrantes de viés mais artístico ou mais teórico.
O intuito foi ainda de incluir, direta ou indiretamente todos os participantes pela sua contribuição imprescindível ao desenvolvimento da
proposta.
Aos parceiros, interlocutores, produtores locais, artistas e participantes do projeto em cada uma dessas cidades, nossos sinceros
agradecimentos pelas acolhidas calorosas, pelas trocas e pela energia
despedida.
territórios recombinantes |
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Novos territórios serão visitados em 2008. Afinal, o Brasil é um
território de dimensões continentais! E será, justamente, nesta troca e
ampliação de fronteiras, que o Prêmio Sergio Motta de Arte e Tecnologia estará reiterando seus propósitos de contribuir para produção
artística contemporânea brasileira em sua interface com os meios tecnológicos.
t e r r i t ó r i o s recombinantes
Realização: Instituto Sergio Motta | Prêmio Sergio Motta de Arte e Tecnologia
Concepção: Daniela Castro e Silva e Renata Motta
Coordenação do projeto: Camila Duprat Martins
Coordenação dos debates: Daniela Castro e Silva e Marcus Bastos
Coordenação dos Laboratórios de Projetos: Lucas Bambozzi e Luiz Duva
Coordenação de Produção: Aline Gambin
Produção: Ângela Santos, Mônica Koester (Goethe-Institut Salvador) e Wellington
Pereira (Centro de Artes| UFES, Vitória)
Parceiros: Goethe-Institut Salvador | ICBA | Elizabeth Lataro
Centro de Artes | Universidade Federal do Espírito Santo | José Cyrillo
Faculdade deArtesVisuais | Universidade Federal de Goiás | Luis Edegar Costa
Santander Cultural | Liliana Magalhães
Patrocinadores: Odebrecht, Prince Claus Fund e TBE
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| salvador
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| vitória
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| goiânia
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| porto alegre
deb ates
O advento das novas tecnologias de comunicação e da cultura da conectividade é marcado por uma crise de território – tanto do território político, quanto do território da subjetividade. A partir dos textos de Daniela
Castro e Silva, Marcus Bastos e dos participantes convidados em cada
uma das cidades, os debates abordaram questões diversas, envolvendo
a complexidade e as reconfigurações da cultura da conectividade, a produção artística em suas interfaces com as novas tecnologias e o próprio
indivíduo em face desses novos territórios.
salvador | Goethe-Institut Salvador – ICBA | André Lemos
vitória | Centro de Artes – UFES | Gisele Ribeiro e Raquel Garbelotti
goiânia | Faculdade de Artes Visuais – UFG | Helga Stein
porto alegre | Santander Cultural | Élida Tessler
territór i o s r e c o m b i n a n t e s :
fronteir a s e m d e s v i o
Daniela Castro e Silva
A concepção do evento Territórios Recombinantes, partiu da constatação
de que o advento das novas tecnologias de comunicação e da cultura da
conectividade marca, sobretudo, uma crise de território. Hoje vivemos, por
um lado, no território político – as nações que, quanto mais globalizantes,
mais delimitadas e fixas parecem ser suas fronteiras e onde o fluxo de produtos e pessoas é cada vez mais eficazmente controlado e vigiado com o
uso de tecnologias biométricas e de RFID (radio frequency identification technology). Esse território é extremamente (e violentamente) defendido com
o uso de tecnologias bélicas de onde surgiram as tecnologias do vídeo e da
rede; é o território dos espaços urbanos onde habitam as leis corporativas
de mercado, que apresentam o desenvolvimento da tecnologia como um
ideal progressista na promessa de uma vida melhor e mais conectada.
Por outro lado, há o território da subjetividade, o lugar em que essas fronteiras fixas se desterritorializam, no trânsito entre distâncias
diminuídas, entre privacidades monitoradas, em tempos imediatistas,
entre sensações e criações de novas possibilidades de representação e
manifestação identitárias e artísticas, por meio de usos inesperados de
instrumentos e linguagens tecnológicas. Ou seja, um território compartilhado, onde espaços paralelos e transversais coexistem na experiência
de movimentos em constante desvio.
Para o filósofo francês Bernard Stiegler1, contida em toda tecnologia
1. BARNET, Belinda. Infomobility and Technics: Some Travel Notes. http://www.ctheory.net/articles.
aspx?id=492 (acesso em 23/01/2007).
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está a função nemônica, a da construção e mapeamento da memória
subjetiva. Hoje, as tecnologias pervasivas e a ubiqüidade de redes digitais criam uma tensão tanto do ponto de vista fenomenológico – como
percebemos e vivenciamos os eventos de nossas vidas, quanto do ponto
de vista técnico – os artefatos tecnológicos que mediam e/ou servem de
superfície de inscrição desses eventos.
Do desenraizamento do indivíduo como resultado sinto(so)mático
daquilo que chamamos de cultura digital ao acolhimento de novos artefatos tecnológicos na especificidade cultural de cada local, o que vemos
emergir é uma “reprodutibilidade” de lugares. Essa dilatação territorial
é fruto da intervenção e constante reinvenção do território subjetivo no
uso cotidiano desses aparatos e da insistência sobre sua a necessidade
vital no território político, a fim de justificar a corrida mercadológica e
investidas militares. Brian Holmes sinaliza que a economia globalizada
é o cérebro do capitalismo contemporâneo e as fibras óticas, as vias do
ciberespaço, seu sistema nervoso.2
Portanto, esses tipos de territórios não estão em pontos opostos. Eles
se atravessam numa relação de interdependência. Ao mesmo tempo em
que as novas tecnologias digitais e de conectividade vigiam e controlam
nossas individualidades, por estabelecerem redes dos mais diversos tipos, elas estimulam novas formas de agenciamento coletivo. Ao mesmo
tempo em que a cultura e mercado dessas tecnologias engendram novas
hierarquias, novos centros e margens se configuram.
Deleuze descreveu o diagrama do poder, baseado no estudo de Foucault sobre a microfísica do poder, como altamente instável e fluido,
constituído de pontos de emergência e criatividade, ou seja, revelando a
arquitetura do poder tanto por meio das sólidas linhas que a delineiam
quanto os buracos, os pontos de intervenção que permeiam toda e qualquer equação de poder que as engendram.
Sobre esse território acidentado, Drew Hemment lembra que “a base
do panóptico era a de não sabermos se estávamos sendo observados ou
não, e assim agiríamos como se estivéssemos sendo observados o tempo
todo. Com as tecnologias de rede, há um novo conjunto de variáveis que
2. HOLMES, Brian. Flowmaps, The Imaginaries of Global Integration. https://pzwart.wdka.hro.nl/
mdr/pubsfolder/bhflowmaps (acesso em 23/01/2007).
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governam esse mesmo cenário, mas algumas questões completamente
novas surgem, como o fato de que agora deixamos rastros de informação atrás de nós”.3
Nota-se aqui o desvio: um desvio espacial e temporal que complica a posição do indivíduo na contemporaneidade. Antes, a sensação era
de internalização de uma perpétua vigilância e controle disciplinador
num presente contínuo. Agora, o fato de deixarmos rastros de informação atrás de nós por tempo indeterminado (e que serão analisados para
delinear novas configurações de perfis de consumidores) cria uma tensão caracterizada mais como “futuro do pretérito”, ou a constatação do
presente como futuro anterior, em que se comprimem relações de espaço-tempo num presente iminente e contingente.
Esse novo mapa de relações do indivíduo com a usabilidade das novas tecnologias, sobretudo as tecnologias móveis cria um entrelaçamento entre o ciberespaço e o espaço físico, e a localização do indivíduo torna-se um plano de inscrição tecnológica nesse espaço: o sujeito, em trânsito ou não, se torna uma série de zonas de localizações simultâneas.
Nesse plano de cruzamentos o que ocorre é que da possibilidade de
desterritorializações que esse novo mapa ciber/espacial propicia, novos
mecanismos de reterritorializações se potencializam. Voltando a Hemment, ele ainda aponta que, “por causa desses campos paralelos e intersecções, o mundo da vigilância e do controle torna-se, de várias formas,
muito difícil de ser declarado como um lugar neutro ou sem engajamento. De modo inverso (e por essa mesma razão), surge uma ambigüidade,
que a arte está equipada para enfrentar”.4
A arte dita tecnológica também figura como superfície de inscrição
de eventos das nossas vidas na medida em que reflete as ambigüidades
que marcam o contexto em que ela é produzida. Porém, em função das
complexas e labirínticas relações que envolvem a arquitetura da tecnociência e da comunicação e a estrutura legal da economia transnacional, não é mais suficiente declarar o uso consciente dessas tecnologias
como manifestação subversiva contra sua genealogia e suas aplicações
3. HEMMENT, Drew. Rastros de uma trajetória que se desloca. http://www.artemov.net/page/revista01_p3.php (acesso em 23/01/2007).
4. ibid.
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regulatórias. Numa realidade em que a informação é tornada algoritmo
e softwares tornados bits, cria-se um horizonte além daquele da apropriação e mera justaposição de técnicas antigas para o advento da próxima; o que acontece é a ocorrência de um entrelaçamento de técnicas
criando não o novo, ou o pós, mas o recombinado, remixado, sampleado
ou ainda, o híbrido.5
Esse “híbrido” difere da hibridização que marcou o discurso da pósmodernidade, dado por meio da idéia do pastiche ou do eufemístico multiculturalismo. Refere-se a uma mudança fundamental na condução da
técnica e de uso diversificado e, em muitos casos, de recriação – remix
das novas tecnologias. Como exemplo de prática invertida da tecnologia temos os smart mobs, onde aparelhos de telefonia celular via WAPs
(wireless applications protocol) funcionam como mecanismo de controle e
vigilância por parte de ativistas/artistas sobre aqueles que vigiam e controlam com o aval de forças governamentais; e a enorme proliferação
e criação de softwares entre artistas Vjs personalizam o fazer artístico
com tecnologias corporativas.
Lembrando que há sempre uma relação ampla entre conhecimento e poder, o meio, a técnica, o remixado, transformam-se em metamedium, metatécnica, criada/manipulada/produzida/distribuída tanto pela
indústria da informação quanto pelo indivíduo. Esse território híbrido,
no mínimo, implica numa reconfiguração da arte como interstício social6, um ponto de abertura para infindáveis discussões; um ponto que
cabe mais ou menos harmoniosamente no sistema dominante, mas que
sugere outras possibilidades de trocas que as vigentes nesse sistema. O
desvio atento.
A intenção do evento Territórios Recombinantes é justamente engendrar espaços para possibilidades de outras de trocas. Acadêmicos e
artistas de quatro capitais do Brasil foram convidados a debater sobre
recombinações possíveis dentro desse território instável da cultura digital, nas suas esferas política, subjetiva e artística.
5. MANOVICH, Lev. Deep Remixability (2006). http://pzwart.wdka.hro.nl/mdr/pubsfolder/manovichessay (acesso em 23/01/2007).
6. BOURRIAUD, Nicolas. From Relational Aesthetics (1998). www.creativityandcognition.com/blogs/legart/wp-content/uploads/2006/07/Borriaud.pdf (acesso em 04/02/2007).
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André Lemos, em Salvador, discorreu sobre três princípios fundamentais para entender os impactos daquilo que ele chama de território
informacional digital. A liberação da emissão da informação acoplada
ao princípio da conexão generalizada e a difusão “pessoal” dessa informação reconfiguram as noções de acesso e controle como tidas na cultura de massas. Na cultura pós-massiva, o acesso e produção da informação
em mobilidade no entrelaçamento entre o espaço físico e o ciberespaço
emprestaram uma polissemia para a definição de território, fazendo caber, em sua esfera jurídica e econômica, as esferas culturais e artísticas.
Em Vitória, Raquel Garbelotti apresentou seu projeto de instalação
sonora Dia de chuva em Vitória – 43’ (2006), e discutiu sobre os possíveis
deslocamentos do indivíduo entre espaço físico e paisagem sugerida,
por meio do uso móvel de um aparelho de discman. Na mesma cidade,
Gisele Ribeiro traçou um panorama crítico da história da arte a partir do
advento das tecnologias analógicas até as digitais, considerando a relação entre arte e linguagem como tecnologia – não o uso da tecnologia
nessas áreas, mas o “ser tecnologia” da arte. Nessa reflexão, Ribeiro aponta as fragilidades do discurso que permeia as novas-mídias sob o signo
da “apropriação” e “remix”, e seus riscos de favorecer a instrumentalização da cultura.
No contexto da sociedade do espetáculo, como apontado por Guy
Debord, Helga Stein, em Goiânia, discorreu sobre sua prática artística
no que se refere aos desdobramentos e representações das identidades
ambíguas que surgem na inscrição do mundo físico em dispositivos tecnológicos. Uma série de auto-retratos manipulados digitalmente circula
na proliferação de sites que servem de plataforma para organização de
redes sociais, como o Orkut e o Flickr, o Multiply, dentre outros. Diferentemente de Debord, Helga entende que a cultura de rede não é um espetáculo mediado por imagens, mas se transforma em espetáculo quando
se torna uma relação social mediada por pessoas.7
O Telefone sem fio e outras microlições de coisas, o texto-poema da apresentação de Élida Tessler, em Porto Alegre, ofereceu uma re-significação
do tempo do artista frente aos desvios e vertigens – os “ruídos de co7. Giselle Beiguelman, em texto publicado sobre a artista na revista Bravo!, “Sociedade do espetáculo 2.0”, no 109, setembro de 2006.
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municação”, causados pela cultura da conectividade com seus artefatos
tecnológicos desconectados (wireless).
Por fim, Marcos Bastos, que esteve comigo nas mesas de debates
nas quatro cidades, presenteou-nos com discussões sobre uma série de
exemplos artísticos que procuram encontrar usos inesperados e críticos
para as mídias digitais, de onde emergem recombinações, remixabilidades, possibilidades outras que divergem das práticas corporativas, por
meio da performance do artista sobre os aplicativos digitais (agência).
Territórios Recombinantes visou menos o mapeamento de práticas
artísticas e posições teóricas que marcam a produção de conhecimento
nesse campo no país, e mais o deslocamento de rastros que foram deixados atrás de nós, para que eles se reconfigurem em novas formas de
agenciamento subjetivo e coletivo, movimentando fronteiras e re-significando o inscrito e o instituído.
remix co m o p o l i f o n i a e
agencia m e n to s c o l e t i vo s
Marcus Bastos
A cultura contemporânea está impregnada de práticas em que a produção de sentido resulta da combinação de fragmentos. O procedimento
mais conhecido surge na música. Trata-se do “remix”, processo que se
torna popular com o surgimento do sampler (instrumento que armazena sons e trechos de música em sua memória, para reproduzi-los e
alterá-los1). O remix pode ser entendido como uma forma análoga às
práticas da música eletroacústica, mas surge no universo pop algumas
décadas depois. A remissão é importante, pois a música experimental
do século 20 antecipa o colapso das sintaxes discretas. As composições
eletroacústicas abandonam a sintaxe sonora tradicional, na medida em
que exploram a sonoridade ao invés da articulação entre notas (no que,
aliás, dialogam com a música concreta). O código binário vai consolidar
o processo, ao converter todas as linguagens em seqüências numéricas,
o que permite que a maioria de suas características possa ser facilmente
modificada.
Em parte, o uso de fragmentos de sons e músicas para criar novas
composições é semelhante à apropriação e à colagem. Também há semelhanças com a paródia, o pastiche e a citação, para ficar apenas com
alguns dos diversos tipos de intertextualidade típicos da literatura. É especialmente relevante para o tema deste artigo a semelhança com processos como o cut up. Ainda assim, não é possível aproximar todos esses
1. Para mais informações, ver a definição de sampler na Wikipedia, http://en.wikipedia.org/wiki/
Sampler_%28musical_instrument%29.
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processos de maneira indistinta. Eles são semelhantes do ponto de vista
da reutilização de materiais e do fluxo de idéias, mas diferentes na forma
como acontecem. O remix é a forma mais contemporânea de polifonia
e, por se tratar de processo possível apenas em mídias eletrônicas e digitais, é mais fluído.
A diferença mais evidente entre os processos descritos acima é que,
no caso da música, é mais fácil alterar qualidades como o timbre, a altura e a duração dos fragmentos sonoros. Já nas artes visuais, os procedimentos do tipo são mais restritos. É mais difícil fazer alterações de qualidade nas imagens analógicas. E, no caso da escrita, as diversas formas
de intertextualidade, em que o processo de recuperar um texto anterior
acontece principalmente no plano lógico, são mais comuns que práticas
físicas como o cut up. Por isso, a questão se coloca de maneira particular
no caso da escrita. Disso conclui-se que a proximidade dessas práticas
com o remix precisa ser examinada com o devido cuidado, pois há aspectos que vão além da semelhança imediata entre eles.2
Um outro aspecto da questão é o entendimento amplo do remix,
possível pelo fato de o computador ser, em parte, um sampler multimídia. Nesse contexto, a conexão entre o remix e práticas culturais torna-se
ainda mais insuficiente. A analogia não descreve de maneira satisfatória
o funcionamento da linguagem digital, já que não leva em conta características como sua programabilidade, sua conectividade e sua crescente
ubiqüidade. Por isso, é preciso investigar o que está além do remix, para
entender os limites do entendimento de que a linguagem digital é uma
linguagem que se engendra sempre a partir de fragmentos já dados.3
2. A proximidade entre as práticas de colagem e apropriação nas artes visuais e o remix são temas de
artigos de Sara Diamond (Quintessence. Art History Skake & Bake, http://www.horizonzero.ca/textsite/remix.php?is=8&file=1&tlang=0 e DJ Spooky (Loops of Perception. Sampling, Memory, and the
Semantic Web, http://www.horizonzero.ca/textsite/remix.php?is=8&file=3&tlang=0), entre outros.
3. Essa hipótese, aliás, precisa ser melhor examinada, tendo em vista o entendimento relativamente consensual de que a linguagem é uma trama polifônica em que os signos ecoam sempre outros
signos, e assim por diante. Há diferenças evidentes na forma como isso acontece no âmbito da
cultura digital, tendo em vista especialmente sua reticularidade e sua fluidez inéditas. Mas ainda
não está claro como a gama de possibilidades com que a cultura digital acena será absorvida. O
exemplo mais sólido até o momento é o da distribuição de música on-line. E o surgimento de
equipamentos como o iPod, a loja virtual do iTunes, comunidades como o MySpace e sites de streaming como o Last.Fm amenizam o impacto inicial das práticas de compartilhamento de arquivo
por meio de softwares como Napster, e-Mule, KaZaA, SoulSeeker e Limewire.
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http://www.djspooky.com/photos/djspooky_rebirth.html
DJ Spooky, em apresentação de Rebirth of a Nation no Museu de Arte
Contemporânea de Chicago, em novembro de 2004.
Isso não significa desprezar as práticas de remix, muito menos deixar
de reconhecer sua importância na cultura digital. Trata-se apenas, de reconhecer que a linguagem digital não se restringe apenas aos aspectos
ligados ao trânsito de mídias que ela estimula.
Uma metáfora útil para discutir a diferença entre o remix e práticas
que exploram a liquidez da linguagem digital é a da salada de frutas e da
vitamina mista. Para fazer uma salada de frutas é preciso cortar e misturar pedaços de (por exemplo) maçã, banana e mamão. As frutas são
recontextualizadas, mas ainda é possível reconhecer o sabor de cada uma
delas e mesmo comer cada um dos pedaços separadamente. Para fazer a
vitamina, também são usados pedaços de fruta, que também se misturam. A diferença é que, batidas no liquidificador, não é mais possível reconhecer cada uma delas. O código binário converte todas as linguagens
em uma. Mesmo assim, nem sempre ele é usado de forma a articular
conjuntamente os seus componentes.
Para ficar restrito ao universo discutido neste artigo, basta observar
como as formas mais comuns de remix são como a salada de frutas, uma
mistura de partes que se misturam pelo agrupamento físico (mas mantêm intactas suas qualidades, em que se pese o fato de o deslocamento já
ser suficiente para modificar seu sentido). Um exemplo é Rebirth of a Nation, do DJ Spooky. É um remix de Nascimento de uma nação (1915), de D.W.
Griffith. O trabalho denuncia o olhar racista (o filme foi, inclusive, um
instrumento de cooptação da Ku Klux Klan), usando as próprias imagens
do filme como material para construir suas seqüências audiovisuais.
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São mais raros os exemplos em que a liquidez da linguagem digital
implica numa mistura de qualidades que se fundem num todo em que
as partes passam a ser indissociáveis. Um exemplo é CodeUp, de Giselle
Beiguelman. O trabalho também parte de um filme (Blow Up, de Antonioni). Mas, ao invés de usar suas seqüências como material, o trabalho
traduz o procedimento de ampliar fotografias, que é um dos fios condutores da história em que um fotógrafo conduz uma espécie de investigação mediatizada de um possível crime. Na primeira implementação do
trabalho, o público era convidado a inserir imagens em três telas à sua
frente, com auxílio de um celular bluetooth. Em seguida, era possível
navegar pelas composições tridimensionais geradas pelo processing (programa utilizado para o desenvolvimento de //**CodeUp), ampliando e
girando indefinidamente as composições flutuantes.4
Vários trabalhos recentes, que surgem no âmbito de uma cultura de
rede cada vez mais ampla, dialogam com esse universo que oscila entre a
remixabilidade5 e a programabilidade, geralmente construídos a partir de
uma estética do colocar fragmentos em relação. Deixando um pouco de
lado a dimensão de trânsito entre linguagens já discutidas acima, é possível relacionar trabalhos do tipo com o ensaio, entendido como prática que
vai da literatura à fotografia e ao cinema. A semelhança com The Work of
the Arcades, de Walter Benjamin, ou Aqui e acolá, de Jean-Luc Godard – para
ficar apenas com dois representantes expressivos da prática (deliberada
ou casual) de aproximar partes não necessariamente pertencentes ao mesmo todo, como forma de encontrar fendas entre pensamentos engessados
– não é completa, mas serve como ponto de partida para pensar aspectos
da linguagem digital que não estão ligados à dimensão da remixabilidade.
Além da relativa proximidade com o ensaio – já apontada por Arlindo Machado em “Ensaios em hipermídia”6 –, é possível perceber, espe4. Para uma análise mais ampla da obra de Giselle Beiguelman, ver o artigo “Uma arte do nãoespectáculo e de vestígios dispersos por telas pequenas, médias e grandes”, na revista on-line do
Arte.Mov, http://www.artemov.net/page/revista03_p1.php.
5. O termo remixibilidade foi usado por Lev Manovich, no texto Remixability and Modularity, http://
www.manovich.net/DOCS/Remix_modular.doc, em que o autor descreve a remixabilidade como
um procedimento típico da cultura do século 20, que se generaliza na cultura digital.
6. MACHADO, Arlindo. “Ensaios em hipermídia”. In: O quarto iconoclasmo. Rio de Janeiro: Rios
Ambiciosos, 2001.
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http://www.13terstock.com/
Em 13ter Stock o usuário interfere no
desenrolar do documentário, quando
escolhe uma entre três janelas que dão
continuidade ao trecho do vídeo exibido na janela principal da interface.
cialmente em alguns aplicativos que exploram os desdobramentos do
audiovisual nas mídias digitais, um retorno ao relato (em parte devido à
portabilidade dos equipamentos, que faz deles mídias de fácil transporte). Um bom exemplo é o documentário interativo 13ter Stock, de Florian
Talhofer e Kolja Mensing, que registra o cotidiano de um bairro degradado em Berlim, com objetivo de revelar como os estereótipos sobre seus
moradores são infundados.7 Nesse aspecto, os aplicativos em questão
aproximam-se de experiências próximas a do narrador descrito por Walter Benjamin em seu ensaio sobre Nikolai Leskov, na medida em que
registram um tipo de “experiência que passa de pessoa a pessoa”, muitas
vezes recuperando práticas que não circulam pela mídia, no que se colocam à margem da suposta sociedade da informação que se consolida.
Nos aplicativos digitais é o usuário quem estabelece as relações entre as partes. E esse procedimento implica em ligações inusitadas, muitas vezes imprevistas. Os especialistas denominam agência (agency) essa
performance do usuário sobre os aplicativos – de resto, mais importante
que a maior ou menor performance das máquinas, que tanto preocupa
a indústria da informática. Oferecer ao público a possibilidade de atuar
sobre um campo de possibilidades previamente estabelecido é o mérito
7. Florian Talhofer e Kolja Mensing. 13ter Stock. Documentário interativo [DVD].
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comum aos melhores trabalhos que surgem no universo cada vez mais
consolidado das mídias digitais. Conforme Janet Murray, a “agência é o
poder satisfatório de atuar significativamente e ver o resultado de nossas decisões e escolhas”. Ela defende que há uma expectativa por esse
processo de atuação, “quando damos um clique duplo em um arquivo
e vemos ele abrir diante de nós ou quando inserimos números em uma
planilha e vemos o total ser reajustado”.8 O agenciamento estimula a dimensão performativa, que integra o usuário à experiência de produção
de sentido.
Em A narrativa: metáfora e liberdade, Olgária Mattos explica que
“experiência, memória e narração pertencem, para Benjamin, a um
mesmo campo semântico (...) pois estes não constituem discursos concorrentes, mas dois modos de viver em comunidade, dois planos diversos da vida em uma dada cultura. A narração pede um ouvinte, a
informação jornalística um consumidor. A narração dirige-se a uma
comunidade, a informação visa um mercado”. Muitas dessas características da narração aparecem atualmente em trabalhos que exploram
usos do vídeo em interfaces digitais, como é o caso de Valetes em Slow
Motion, de Kiko Goifman, Somewhere Between Here and There, de Alicia
Felberbaum e o já citado 13ter Stock, de Talhofer e Mensing. Curiosamente, há um respaldo etimológico para essa proximidade, conforme
a própria Olgária Mattos indica, na nota 3 de seu texto: “Do grego, historiè, este termo remete a histôr: ‘juiz’ ou ‘testemunha’. Sua raiz grega
é id, que corresponde ao latim vid-, ambos indicando o ato de ver”. A
relação é questionável, ou pelo menos parcial. Nas mídias digitais, o
ato de transmitir é mais importante que o ato de ver (e, de resto, que os
atos de sonorizar, escrever etc).
A linguagem digital depende desse agenciamento para fazer sentido. Por isso, é bastante precisa a observação de Sean Cubbit de que,
“em seu formato digital, planilhas, bancos de dados e sistemas de informação geográfica são componentes centrais do uso das novas mídias”. Para Cubbit, essa importância é sublinhada pelo que significam
para a computação nos escritórios. Além disso, a convergência desses
8. MURRAY, Janet. “Agency”. In: Hamlet on the Hollodeck. The Future of Narrative in Cyberspace.
Cambridge (MA): MIT Press, 1997, p. 126.
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wc_mech.html.
http://www.ntticc.or.jp/Archive/1994/EX_MECH/Works/
ex.Mech, de Bill Seaman, é uma máquina recombinante: 33 fragmentos
audiovisuais funcionam como matriz
de sentenças que podem ser construídas pelo usuário.
três sistemas em pacotes populares, como o Microsoft Office e o Apple
Works, indica um grau de integração ainda maior que o reivindicado
por som, imagem e texto em comunicações multimídia em rede”.9 Em
New Screen Media. Cinema/Art/Narrative, Martien Rieser e Andrea Zapp
afirmam que vivemos o início de “uma era de caos narrativo, em que
as molduras tradicionais estão sendo superadas por tentativas experimentais e radicais de redesenhar a arte de contar histórias em tecnologias emergentes”.10
O diagnóstico de Rieser e Zapp é correto, quando se leva em conta
experiências como The Exquisite Mechanism of Shivers, de Bill Seaman,
Ambient Machines, de Marc Lafia ou Flora Petrinsularis, de Jean-Louis
Boissier, para ficar apenas com alguns exemplos. Nos melhores sites e
CD-ROMs, há uma amplitude de sentido não apenas no plano de sua
fruição, como é comum na literatura, no cinema e nas artes visuais,
entre outros.
Ela acontece, também, no plano de seu funcionamento, compartilhado com o usuário por meio de interfaces em que o produtor constrói
o contexto em que a audiência deve atuar. São processos em que a po-
9. CUBBIT, Sean, “Spreadsheets, Sitemaps and Search Engines. Why Narrative is Marginal to Multimedia and Networked Communication, and Why Marginality is More Vital than Universality”.
In: RIESER, Martin; ZAPP, Andrea. New Screen Media. Cinema/Art/Narrative. London: British Film
Institute, 2002.
10. RIESER, Martin; ZAPP, Andrea. “An Age of Narrative Chaos?”. In: New Screen Media. Cinema/Art/
Narrative. London: British Film Institute, 2002.
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lifonia típica do remix vem à tona em ato, revelando ao público o funcionamento da linguagem digital. Trata-se de um processo poderoso, na
medida em que ele pode ser explorado para a construção de ferramentas
de estímulo ao exercício crítico e à pluralidade de visões. Sua importância é proporcional e inversa aos desdobramentos da cultura de redes,
cada vez mais atrelada a protocolos corporativos.
cibercult u r a c o m o
territór i o r e c o m b i n an t e
André Lemos
ava n t pro p o s
Para uma melhor compreensão da forma como opera a recombinação
dos diversos elementos que estão em jogo hoje na cultura contemporânea – que alguns vão chamar de sociedade da informação, sociedade
pós-industrial, cibercultura ou sociedade do conhecimento – estabelecerei três princípios básicos, ou três leis dessa sociedade da informação,
principalmente em relação às práticas culturais que serão retomadas
no fim dessa conferência. Esses três princípios norteadores permitem,
de forma geral, compreender a emergência das diversas práticas sociais,
comunicacionais e produtivas que criam diversas e inusitadas recombinações na cultura contemporânea. A cibercultura é, por assim dizer,
um “território recombinante”. Iremos explorar a “cibercultura remix”,
os princípios da sociedade da informação e a noção de território para
chegar, no final, à hipótese da criação de territórios informacionais, hoje
em expansão com as tecnologias de comunicação sem fio. Estas irão fomentar novas práticas recombinatórias nas cidades contemporâneas.
p r i n c í p i o s da c i b e r c u lt u r a recombinante
Sejamos diretos: recombinar, copiar, apropriar, mesclar elementos os
mais diversos não é nenhuma novidade no campo da cultura. Toda cultura é, antes de tudo, híbrida; formação de hábitos, costumes e processos
sócio-técnico-semióticos que se dão sempre a partir de acolhimento de
diferenças e no trato com outras culturas. A recombinação de diversos
elementos sejam eles produtivos, religiosos ou artísticos é sempre um
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traço constitutivo de toda formação cultural. Por outro lado, toda tentativa de fechamento sobre si acarreta empobrecimento, homogeneidade
e morte. A cultura necessita, para se manter vibrante, forte e dinâmica,
aceitar e ser, de alguma forma, permeável a outras formas culturais. Esse
processo está em marcha desde as culturas mais “primitivas”, até a cultura contemporânea, a cibercultura. Assim, não é a recombinação em si
a grande novidade, mas a forma, a velocidade e o alcance global desse
movimento.
As novas tecnologias de comunicação e informação serão vetores
de agregação social, de vínculo comunicacional e de recombinações de
informações as mais diversas sobre formatos variados, podendo ser textos, imagens fixa e animada e sons. A cultura “pós-massiva” das redes,
em expansão com sites, blogs, redes de relacionamento como o Orkut,
troca de fotos, vídeos e música em sistemas como Flickr, YouTube e redes p2p mostra muito bem esse movimento de recombinação cultural
em um território eletrônico em crescimento planetário.
Para compreender esse processo recombinatório devemos tentar
encontrar princípios que norteiam esses movimentos. Podemos dizer, a
título de hipótese, que há três leis que estão na base do processo cultural
atual da cibercultura, a saber: a liberação do pólo da emissão, o princípio de conexão em rede e a conseqüente reconfiguração sociocultural a
partir de novas práticas produtivas e recombinatórias.
Como dissemos acima, a cultura contemporânea é um território recombinante e a novidade não é tanto a recombinação em si, mas o seu
alcance. A recombinação, que tem dominado a cultura ocidental pelo
menos desde a segunda metade do século 20, adquire aspectos planetários nesse começo de século 21.
A cibercultura instaura uma estrutura midiática ímpar (estrutura
“pós-massiva” como veremos adiante) na história da humanidade em
que, pela primeira vez, qualquer indivíduo pode produzir e publicar informação em tempo real, sob diversos formatos e modulações, adicionar e colaborar em rede com outros, reconfigurando a indústria cultural
(“massiva”). Os exemplos são numerosos, planetários, e em crescimento
geométrico: blogs, podcasts, sistemas peer to peer, software livres, softwares sociais, a arte eletrônica... Trata-se de uma crescente troca e processos de compartilhamento de diversos elementos da cultura a partir
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das possibilidades abertas pelas tecnologias eletrônico-digitais e pelas
redes telemáticas contemporâneas.
em i ta e p ro d u z a !
O primeiro princípio, que está na base de tudo, e que se diferencia da
época ou da forma de acesso à informação e à comunicação na cultura
massiva é a liberação do pólo da emissão. Essa é uma primeira característica dessa cultura digital “pós-massiva”. O que vemos hoje são inúmeros
fenômenos sociais em que o antigo “receptor” passa a produzir e emitir
sua própria informação, de forma livre, multimodal (vários formatos
midiáticos) e planetária, cujo sintoma é, às vezes, confundido com “excesso” de informação. As práticas sócio-comunicacionais da internet estão aí para mostrar que as pessoas estão produzindo vídeos, fotos, música, escrevendo em blogs, criando fóruns e comunidades, desenvolvendo
softwares e ferramentas da Web 2.0, trocando música etc.
Essas práticas refletem a potência represada pelos meios massivos
de comunicação que sempre controlaram o pólo da emissão. Editoras,
empresas de televisões, jornais e revistas, indústrias da música e do filme, controlam a emissão na já tão estudada cultura da comunicação de
massa. Na indústria cultural massiva há um emissor de informação que
dirige sua produção para uma massa de receptores, transformada, com
alguma sorte, em público. Isto não significa que não houvesse possibilidades de acesso e produção underground da informação: fanzines, rádios
e TVs piratas etc., sempre existiram, mas com um alcance bastante limitado. A evolução da tecnologia eletrônico-digital cria uma efervescência, um excesso de informação pela possibilidade de que cada um seja
também produtor e emissor de conteúdo. Exceção feita, claro, aos países
de regime totalitário/autoritário que buscam controlar e filtrar a rede,
cercear a produção, a circulação e o consumo da informação, como é o
caso da China.
Na cultura pós-massiva que constitui a atual cibercultura, produzir,
circular e acessar cada vez mais informação tornam-se atos cotidianos,
corriqueiros, banais. Para dar exemplos concretos, podemos dizer que
blogs e podcasts tornaram-se novas formas de emissões textual, imagética e sonora onde cada usuário faz o seu próprio veículo. Os blogs são
hoje um fenômeno mundial de emissão livre de informação sobre diver-
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sos formatos (pessoais, jornalísticos, empresariais, acadêmicos, comunitários...). Os podcasts, por sua vez, são formas livres de emissão sonora
onde cada usuário pode criar o seu próprio programa e disseminá-lo
pela rede. As formas da arte eletrônica colaborativas mostram diversas
ações coletivas, participativas e recombinatórias, em que pessoas e grupos cooperam entre si, pela via telemática. O mesmo acontece com o
desenvolvimento dos softwares livres, hoje um sistema muito poderoso
que também faz parte dessa liberação da emissão. Aqui os códigos são
alterados e disponíveis para novas modificações através de desenvolvedores espalhados pelo mundo.
O mesmo podemos dizer da prática de produção de informação (liberação da emissão) a partir de dispositivos móveis. Muitas das informações e imagens que recebemos referentes aos tsunamis, aos atentados
em Madri e em Londres foram disseminadas por pessoas por meio de
câmeras embutidas em telefones celulares. Da mesma forma, as últimas
guerrilhas urbanas ocorridas em Paris foram não só documentadas como
também, de alguma maneira, impulsionadas pelo uso testemunhal de
telefonia móvel, como no caso de um indivíduo que filmou, da janela de
sua casa, através de um telefone celular, a polícia agredindo jovens da
periferia. Esse vídeo, disseminado pela rede, em blogs, aumentou ainda
mais a revolta. Assim, com a liberação da emissão temos testemunhas
que podem produzir e emitir de forma planetária os diversos tipos de
informação. Esses exemplos são comprovações da potência da liberação
da emissão na atual cibercultura recombinante. Isto nos leva ao segundo princípio: a conexão.
pro d u z a , e m i ta e . . . c o n e c t e !
Não basta emitir sem conectar, compartilhar. É preciso emitir em rede,
entrar em conexão com outros, produzir sinergias, trocar pedaços de
informação, circular, distribuir. Esse segundo princípio, a conexão em
rede telemática, parece ser mesmo uma característica fundamental da
cibercultura. A internet, desde seus primórdios, configura-se como lugar de conexão e compartilhamento. Assim surgiram as primeiras listas
de discussão, as trocas de e-mail, o ftp, os chats, muds. E isso desde as primeiras BBSs na década de 1970 do século passado. Não podemos esquecer também do protocolo TCP-IP, produzido para interligar os sistemas
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operacionais (língua técnica para troca de dados entre computadores) e
colocado a serviço da humanidade de forma livre e gratuita. Desde então, só vemos crescer as formas de produção e o consumo informacional
pela produção livre, pela circulação e por processos colaborativos. Uma
nova economia política parece tomar forma: produção é liberação da
emissão e consumo é conexão, circulação, distribuição. A recombinação
cibercultural se dá por modulações de informações e por circulação em
redes telemáticas.
Os diversos fenômenos sociais como vimos, tais como os blogs, podcasts, redes peer to peer (redes de trocas de arquivos como os de música,
por exemplo, que colocam hoje a indústria fonográfica de “cabelos em
pé” com questionamentos a respeito do copyright.), Web 2.0 e seus softwares sociais como o Orkut, Flickr ou YouTube, redes de desenvolvedores de softwares livres, usuários de telefone celulares e suas mensagens
de texto, suas fotos e vídeos etc., cumprem bem essa função de conexão,
função comunitária e de vínculo social através das tecnologias eletrônico-digitais. Esse é mesmo um traço característico da cibercultura: o uso
das redes e tecnologias de comunicação e informação para a criação de
vínculos sociais, locais, comunitários e mesmo planetárias. O princípio
de emissão está acoplado assim ao princípio de conexão generalizada de
troca de informação. E isso será rico em conseqüências.
pro d u z a , e m i ta , c o n e c t e e . . . transforme!
Não se trata, como vimos, apenas de emissão, mas também da conexão.
E sempre que há emissão livre (liberdade de vozes, de opinião, de idéias)
e conexão (de pessoas ou grupos) há sempre mudança, movimento, linhas de fuga. Não é à toa que reprimir a livre palavra e a livre conexão é
sempre uma prerrogativa utilizada por regimes totalitários, sejam eles
de um pequeno grupo, de uma cidade ou de um país. Assim, emitir e
conectar produz o terceiro princípio em voga hoje na cultura contemporânea: a reconfiguração (de práticas e instituições) da indústria cultural massiva e das redes de sociabilidade da sociedade industrial. Vários
analistas mostram que há hoje uma crise no modelo produtivo e econômico da indústria cultural massiva, embora isso não signifique necessariamente a sua aniquilação.
No que se refere às reconfigurações da indústria cultural massiva,
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uma das grandes questões que atualmente desponta é a da autoria e da
proteção de obras para a reprodução, uso e cópia. Alguns sistemas já estão surgindo como opção para a criação de mecanismos legais de recombinação, conhecidos como licenças abertas, ou copyleft. Um exemplo de
sucesso é a licença Creative Commons – licença de uso que permite a
modificação, a cópia e a distribuição de obras, com diversas modulações
de proteção de direito de autor. Trata-se, na realidade, de uma crise de
sistemas culturais, legais e econômicos pela reconfiguração da indústria
cultural clássica, massiva.
Há, portanto, reconfiguração e remediação. Jornais fazendo uso
de blogs (uma reconfiguração em relação aos blogs e aos jornais) e de
podcasts. Podcasts emulam programas de rádio e rádios editam suas
emissões em podcasts. A televisão faz referência à internet, a internet
remete à televisão. Os autores americanos Bolter e Grusin vão chamar
esta reconfiguração de remediação (remediation). Trata-se efetivamente
de remediações na esfera das mídias e de reconfigurações de práticas
sociais e de instituições (organizações, leis, regulações...). Podemos dizer que, atualmente, estamos imersos em uma paisagem audiovisual
dupla, onde dois sistemas comunicacionais amplos, complementares,
e às vezes antagônicos, coexistem, oferecendo uma maior pluralidade
info-comunicacional: o modelo massivo da indústria cultural dos séculos 18-20 e o modelo “pós-massivo”, caracterizado pelas mídias digitais,
redes telemáticas e processos recombinatórios de conteúdo informacional emergentes a partir da década de 1970.
A cultura digital pós-massiva não representa o fim da indústria massiva. Por sua vez, a indústria massiva não vai absorver e “massificar” a
cultura digital pós-massiva. A cibercultura é essa configuração em que
se alternarão processos massivos e pós-massivos, na rede ou fora dela.
Com a difusão dos podcasts, o rádio vai morrer e acabar? Com a web, a
televisão vai acabar? Não há nenhuma evidência disso. O que existe na
cibercultura recombinante é uma reconfiguração info-comunicacional.
Não o fim da cultura de massa, mas sua transformação acolhendo processos bidirecionais, abertos, onde prevalecem a liberação da emissão
sob diversos formatos e modulações e uma conexão generalizada e planetária por redes telemáticas.
Esses são os três princípios básicos para uma compreensão das re-
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combinações que estão em jogo na cultura contemporânea: emissão,
conexão, reconfiguração. Recombinações que vêm da liberação da emissão, do princípio de conexão. Trata-se de uma reconfiguração cultural,
artística, imaginária, subjetiva, produtiva, econômica, jurídica, em marcha. A compreensão desses princípios vai permitir entender o que chamaremos de território digital informacional e os impactos socioculturais
das atuais tecnologias móveis de comunicação e informação.
te r r i t ó r i o s i n f o r m ac i o n a i s recombinantes
A idéia da globalização, forte característica da cultura contemporânea,
remete a uma sensação de perda de território, de apagamento de fronteiras. A globalização nos remete a diversos problemas de fronteira (cultural, político, geográfico, subjetivo...). Qual o limite do indivíduo e de sua
subjetividade hoje? O que é a subjetividade contemporânea em relação
à subjetividade moderna senão esfacelamento? Qual é a fronteira do
corpo físico em meio às diversas próteses tecnológicas? Qual é o limite
legal da economia de um Estado-Nação? Até que ponto o nosso governo, por exemplo, é autônomo para decidir livremente sobre os destinos
da sua economia? Não seria ele dependente de organismos supranacionais como o FMI, o GAT, o Banco Mundial que balizam, de certa forma,
a economia nacional? A Europa é um continente e também não é uma
comunidade, uma zona que agrega países que têm que se adaptar a uma
constituição européia para além, às vezes, de sua própria soberania?
Essa desterritorialização cultural, política é também econômica. O
dinheiro circula por cidades mundiais buscando a maior rentabilidade,
sem reconhecer fronteiras territoriais. Na esfera cultural as fronteiras
também tem sido apagadas pelo que se chama de multiculturalismo.
Hoje, através da internet, é possível ouvir uma rádio russa, ler um jornal
da Coréia e visitar um site da Finlândia. Fazemos isso diariamente com
muita facilidade. Podemos estar conversando com alguém do Sri Lanka
pelo Messenger, sem nos darmos conta que estamos vivendo um processo de desterritorialização generalizado. Participamos de diversos acontecimentos, temos acesso a diversas culturas e a diversas informações
que não necessariamente fazem parte do nosso território. O sociólogo
Anthony Giddens vai chamar esse fenômeno de desencaixe.
Certamente os meios massivos criam processos desterritorializantes
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com as informações mundiais, “ao vivo”. No entanto, a televisão só podia
ser vista localmente, o mesmo acontecendo com o rádio e os jornais que
remetem sempre aos nossos espaços locais, ao nosso território, à nossa
cidade. Com a cultura digital das mídias pós-massivas e principalmente
as tecnologias móveis vemos agravar os processos de desterritorialização. Mas, ao mesmo tempo, criamos também novas territorializações.
Desenvolvemos, nos últimos anos, no Grupo de Pesquisa em Cibercidade (GPC)1 trabalhos voltados à interface entre o espaço eletrônico e
o espaço urbano, pesquisas sobre a relação entre as novas tecnologias e
as cidades. Recentemente o trabalho tem se dirigido à análise de tecnologias móveis, principalmente dos processos que se dão a partir de tecnologias como redes de telefones celulares, redes Bluetooth, etiquetas
RFID, e áreas de conexão Wi-Fi (Wireless Fidelity). Essas tecnologias criam
processos desterritorializantes e também territorializantes a partir do
fluxo de trocas informativas em territórios informacionais digitais.
Os celulares são hoje um fenômeno mundial e o Brasil atingiu recentemente a marca de 100 milhões. Trata-se de um equipamento que
converge diversas funções, sendo um “tele-tudo” capaz de conectar
vozes, dados, imagens fixas e animadas, vídeos, música, mensagens de
texto... A tecnologia de rede via chips Bluetooth, permite a criação de
pequenas redes entre diversos equipamentos. Estas já são tecnologias
disponíveis em alguns telefones celulares, computadores, máquinas
fotográficas, entre outros aparelhos. As etiquetas de radiofreqüência,
RFID, são etiquetas que estão hoje substituindo os antigos códigos de
barra, emitindo informações sobre produtos/objetos dentro de um pequeno perímetro. As formas de conexão sem fio à internet através de
equipamentos como laptops, palms e smartphones é conhecida como
protocolo Wi-Fi, rede sem fio de acesso a internet com alcance em um
raio de até 100 m (Wi-Max, que é um prolongamento da tecnologia WiFi com alcance de até 50 km).
Essas tecnologias, ou mídias locativas, estão reconfigurando as práticas sociais e comunicacionais nas cidades contemporâneas a partir de
1. O GPC é parte do Centro Internacional de Estudos e Pesquisa em Cibercultura, Ciberpesquisa,
do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura Contemporâneas da Faculdade de
Comunicação da UFBA. Ver http://www.facom.ufba.br/ciberpesquisa/gpc.
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ações que se desenvolvem dentro do que chamaremos aqui de territórios
informacionais. A interface entre o espaço eletrônico e o espaço urbano
cria os territórios digitais informacionais. Esses se formam na emissão
e recepção de informação digital em espaços híbridos, informacionais e
físicos, através dos dispositivos móveis acima mencionados. Esses territórios informacionais se caracterizam de maneira diferenciada em relação ao espaço de informação dos meios massivos, como a TV, o rádio e a
mídia impressa.
A questão do território, como alguns geógrafos vão definir, tem relação direta com o controle. A noção de território como controle vem
da etologia, mostrando como o comportamento dos animais estabelece
zonas efetivas de controle. Toda a noção de território tem relação com a
noção de acesso e controle no interior de fronteiras. Essas palavras, acesso e controle, são extremamente importantes para a compreensão da
sociedade tecnológica contemporânea. O acesso ao universo informacional se dá através de senhas. E existe hoje, efetivamente, na rede, um
maior controle sobre o que emitimos e recebemos, diferente da prática
de consumo de informação na cultura massiva.
Há, na cultura de massa, a possibilidade de controle apenas sobre as
informações recebidas: escolha de jornais, de emissoras de televisão, de
estações de rádio etc, mas não sobre a emissão. Se não há controle total
do fluxo informativo, não há território informacional. Hoje, com as mídias pós-massivas, essa liberdade existe, como vimos nos exemplos dos
princípios da emissão, conexão e reconfiguração. Podemos dizer que na
atual cibercultura podemos ter um maior controle informacional já que
podemos ter mais escolhas do que consumimos como informação e podemos também emitir nossa própria informação. O locus de controle desse
fluxo informativo é o território informacional, onde o usuário controla o
que entre e sai na sua fronteira informacional. Esses territórios informacionais configuram-se através das redes de telefone celular, acesso móvel
a dados via redes wi-fi, bluetooth e com etiquetas RFID. Trata-se de um
território invisível, constituído na intersecção do espaço físico com o eletrônico. Propomos aqui a idéia polissêmica de território, indo além do espaço físico, da fronteira jurídica dos estados, em que cabem noções como
território subjetivo, cultural, artístico... O território informacional é uma
heterotopia (Foucault) do controle e acesso a informações digitais.
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A internet e as tecnologias digitais contemporâneas, desde a internet
fixa até as tecnologias móveis atuais permitem, efetivamente, a vivência
de processos desterritorializantes, mas, ao mesmo tempo, de controle
informacional, ou seja, de criação de territórios. Podemos ver processos
desterritorializantes na total imobilidade (o pensamento para Deleuze é
a desterritorialização por excelência), assim como processos territorializantes na mobilidade, como o mapeamento de territórios via GPS ou
telefones celulares. Um indíviduo, por exemplo, pode estar imóvel, em
sua própria casa, mas desterritorializado, ao experienciar eventos que
não necessariamente fazem parte de sua cultura (pela TV ou hoje pela
internet). Por outro lado, um executivo que viaja com um laptop e um
celular está em mobilidade, mas, ao mesmo tempo controlado e, assim,
territorializado pelo monitoramento informacional exercido pela estrutura empresarial. Estas duas noções são bastante complexas e não temos
tempo de desenvolvê-las aqui.2
Efetivamente, as mídias de massa criam processos desterritorializantes (jornais, TV, rádio). O ciberespaço cria também processos desterritorializantes ao permitir o consumo multicultural. Um ativista
chinês, por exemplo, pode obter informações e disseminá-las, tentando
escapar ao controle policial e político de seu país, criando uma linha de
fuga, uma desterritorialização pela internet. O mesmo podemos dizer
da coordenação informacional do PCC (Primeiro Comando da Capital,
organização criminosa) em recentes ataques à cidade e ao Estado de São
Paulo. Territorializados pelo poder judicial, dentro de uma prisão, os líderes do PCC conseguem, a partir das tecnologias móveis, mobilizar e
atingir diversos pontos não só da capital, mas também de outras cidades
do Estado. Vemos aqui processos desterritorializantes através de redes
telemáticas, computadores e, principalmente, telefones celulares.
Autores consideram o ciberespaço como um espaço ilimitado constituído por redes informacionais planetárias, permitindo a circulação
fora de qualquer constrangimento. Ele seria um espaço puro, sem ficção,
etéreo e virtual. No ciberespaço, o território rugoso e resistente é apaga2. Ver LEMOS, André, Ciberespaço e tecnologias móveis: processos de territorialização e desterritorialização na cibercultura e LEMOS, André, Mídia locativa e territórios informacionais. http://www.
facom.ufba.br/ciberpesquisa/lemos/artigos.html.
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do, apenas subsistindo um espaço fluído, feito para circulação. Contudo,
embora ele efetivamente permita esse tipo de circulação, o ciberespaço
é também um espaço estriado, institucionalizado, controlado, feito por
protocolos de acessos a partir de senhas informacionais, organizado por
padrões tecnológicos que são geridos pelo ICANN, instituição do Departamento de Comércio Americano. O ciberespaço não é um território
apenas liso, mas também um território de controle e vigilância, ou seja,
um lugar de territorialização.
Assim, por exemplo, os meus sites, blogs, podcasts, minha comunidade, minha rede de relacionamento, são formas de territorialização
no ciberespaço global. Crio minhas zonas de controle informacional em
meio a um fluxo planetário de possibilidades desterritorializantes. Um
processo não existe sem o outro. As tecnologias informacionais como
o telefone celular, palms ou laptops são dispositivos por onde exercemos o controle informacional. Esse lugar de controle constitui o meu
território informacional digital, constituído pelo espaço telemático,
por senhas de acesso e lugares físicos de conexão. No entanto, embora territorializado, posso realizar efetivamente movimentos de fuga, de
desterritorialização. Quais os processos que estão em jogo hoje com o
território informacional?
O sociólogo espanhol Manuel Castells cria uma polaridade com o
que chama de espaço de fluxos, que é o ciberespaço, e o espaço de lugar,
que são ruas, monumentos, praças, lugares físicos de uma cidade. Castells chama a atenção para a sinergia dessas duas modalidades de espaço. O espaço de fluxos não é etéreo, mas ancorado nos espaços de lugar.
São computadores interligados, redes de satélites, cabos de fibra ótica,
servidores etc., criando uma infra-estrutura concreta de constituição
das redes telemáticas. Nessa fusão de espaço de lugar e espaço de fluxo
vemos a constituição dos territórios informacionais: além do território
físico, do controle simbólico, corporal, cultural, vemos surgir uma nova
dimensão um território que podemos chamar de território de controle
de informação, o território digital informacional.
Estes territórios informacionais são constituídos, cada vez mais, não
apenas por “pontos de presença” (acesso por cabos, preso a um determinado espaço de lugar), mas por zonas amplas de acesso (acesso sem fio, em
mobilidade, em qualquer lugar) onde é possível acessar informação em
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mobilidade na interface entre o espaço eletrônico e o espaço físico das cidades. Algumas cidades americanas e européias oferecem zonas de acesso
Wi-Fi livres em centros e pontos estratégicos das cidades. Esse lugar, na
interseção do fluxo informacional com o espaço físico, onde é possível
controlar a emissão e a recepção, aumentando o espectro da comunicação
e da informação social, é um território digital. Mas qual a relação entre
esses territórios informacionais e a cibercultura recombinante?
A mídia massiva – televisão, jornais, rádios, mídia impressa, são
meios informativos utilizados na esfera privada, sem nenhuma possibilidade de emissão. Esses produtos da mídia massiva são, erroneamente,
chamados de meio de comunicação de massa. Eles cumprem efetivamente um papel comunicacional, mas apenas pela sua função informativa. Assim, televisão, rádio, revistas e jornais são meios informativos de
massa que não permitem o estabelecimento de processos comunicativos
mais amplos e profundos, com formatos comunicacionais de mão dupla
e efetiva troca entre consciências. Na verdade, são meios de informação
que não permitem nenhuma interação, a não ser, indiretamente, pela
interpretação e demais processos simbólicos de recepção e formação de
opinião pública.
A cultura digital pós-massiva estabelece processos de mão-dupla,
aumentando as possibilidades efetivas de ocorrência de fenômenos comunicativos. A diferença existente em relação aos meios massivos é que
nos meios massivos o território é, na maioria das vezes, um espaço privado (ou semiprivado) e o consumo da informação se dá de forma unidirecional, apenas como recepção, e sem mobilidade. Hoje, o território digital cria uma zona dentro de outros territórios onde é possível acessar,
produzir e distribuir informação, de maneira autônoma estabelecendo
redes colaborativas e processos comunicativos mais complexos. Assim,
qualquer indivíduo pode fazer fotos ou um vídeo pelo celular e rapidamente enviar para sua comunidade no YouTube, Orkut ou blog. Essa
gestão do fluxo da informação é incontrolável a priori pelo território físico onde se dá a conexão.
Por exemplo, nesse teatro onde falamos, posso enviar fotos, filmes
ou mensagens de texto sem que aqueles que controlam esse território
físico, legal, simbólico, saibam ou mesmo possam fazer alguma coisa (a
não ser que bloqueiem o acesso à rede impedindo a criação do meu ter-
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ritório informacional). Há aqui uma imbricação entre os diversos territórios que compõem essa minha experiência: o território físico (o ICBA,
Salvador, Brasil...), meu território corporal e subjetivo, o território econômico, jurídico, cultural onde estou imerso, o meu território informacional que só eu tenho acesso a partir de minhas senhas pessoais. Assim,
o território informacional deve ser pensado nessa miríade de territórios
e deve ajudar a manter a privacidade e a segurança do meu território.
O reconhecimento do território informacional é comunicacional, mas
também social e político.
Ao aumentar as possibilidades de trocas entre consciências (blogs,
fóruns, chats, redes p2p etc...), as mídias pós-massivas aumentam as probabilidades de ocorrência de processos comunicativos, ampliando as
formas de recombinação. Com as tecnologias móveis e os territórios informacionais essa potência da emissão, da conexão e da reconfiguração
aumenta ainda mais as práticas de colaboração e recombinação, aliando
de forma mais forte comunicação, comunidade, sociabilidade e mobilidade. A partir daí surgem diversas e inusitadas formas de recombinação
informacional e cultural (troca de SMS, fotos e vídeos por celular, smart
mobs e flash mobs, short films em celulares, troca de arquivos via bluetooth, mudança nos espaços e nas práticas sociais nesses espaços a partir
de zonas Wi-Fi e etiquetas RFID, games de rua...). Criam-se aqui novas
tensões entre o público e o privado, entre o controle por parte do território físico ou institucional (que são as leis, as regras e tudo o que está em
jogo em uma instituição) e o espaço eletrônico.
Os territórios informacionais permitem assim, a emergência, no espaço urbano, de formas sociais e comunicacionais novas, de usos diferenciados do espaço urbano, permitindo diversas reconfigurações que
vão, por sua vez, alimentar ainda mais os três princípios básicos: a liberação da emissão, a conexão generalizada e a configuração das diversas instâncias da cultura. Essas recombinações são muito complexas e
estamos ainda no início desse processo. Contudo, já estamos vivendo
hoje a potência da cibercultura remix, em que a recombinação se dá por
diversos territórios, seja na internet fixa ou na internet móvel com as
tecnologias sem fio. Assistimos, na cibercultura recombinante atual, a
diversos processos de mixagem que se dão em diversos territórios, físicos, culturais, simbólicos e informacionais.
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Reconhecer essa dinâmica é fundamental e mesmo estratégico
para que a cultura brasileira possa produzir conteúdos para a sociedade da informação. Ela deve compreender e aproveitar os três princípios
fundamentais da sociedade da informação: emitindo, na produção de
conteúdo, conectando, em processos coletivos e colaborativos, produzindo inteligências coletivas e alterando as condições de vida, reconfigurando a cultura e a vida social. Isso não deve ser muito difícil já que
entendemos de recombinação e remixagem por sermos fruto desse processo. Nascemos na mistura, do sincretismo e do pluralismo cultural.
Cabe então aproveitar esse conhecimento nato e corporal para poder
participar ativamente da cibercultura e criar novos territórios recombinantes.
apropria ç ã o e p o l í t i c a
no terri t ó r i o da a rt e
Gisele Ribeiro
Tendo em vista o título do evento, Territórios Recombinantes é preciso
explicitar antes de qualquer coisa, a partir de onde, de que território, espaço ou campo, será emitido este discurso. Tomaremos o território da
arte como lugar, considerando não ser óbvio que, ao falarmos de mídias
digitais, estejamos necessariamente falando de arte. Isto é, interessa pensar aqui de que modo a arte (a arte inclusive como tecnologia) pode nos
ajudar a pensar problemas relacionados às mídias digitais.
Daí a necessidade dessa explicitação. E, talvez também como provocação, ao invés de uma “desterritorialização”1, este texto proponha uma
“reterritorialização”. O que não quer dizer que tome esse território como
um refúgio para questões específicas, tal qual defendido por parte da
arte moderna.
Será abordada, então, a relação entre arte e tecnologia, sob o ponto
de vista da arte como tecnologia. Não é bem o uso da tecnologia que será o
ponto de partida para discussão, mas o ser tecnologia da arte. Como diria
Jean-Luc Nancy, arte é tecnologia, mas tecnologia sem fim. Mas no fim,
toda tecnologia é sem fim.2
Sabe-se já há bastante tempo que a arte deixou de ser definida e pensada a partir do uso de materiais e técnicas3, mas como um campo de
1. DELEUZE, Gilles e GUATTARI, Félix. Mil platôs, capitalismo e esquizofrenia, vol. 1. Rio
de Janeiro: 34, 1995.
2. NANCY, Jean-Luc, “Jean-Luc Nancy e Chantal Pontbrian, uma entrevista”. Revista Arte & Ensaios. Rio de Janeiro, nº 8, anual, novembro, 2001, p. 150.
3. Marcel Duchamp, Ad Reinhardt, Joseph Kosuth, Rosalind Krauss, Ronaldo Brito, Thierry De Duve etc.
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interesse onde qualquer coisa pode ser colocada como arte. Isso significa
que do ponto de vista contemporâneo não há materialidade ou mídia
que sendo de tecnologia mais ou menos avançada (ou mais ou menos
tradicional) já tenha a priori o seu acesso garantido a esse campo.
Mas também indica que esse acesso não requer nenhum dom ou
manufatura especial, nenhuma genialidade, e tampouco qualquer verba especial.
Segundo o teórico e crítico de arte belga Thierry De Duve em “Kant
depois de Duchamp”:
“Diante de um readymade, não existe mais qualquer diferença técnica entre fazer e apreciar arte. Uma vez apagada essa diferença, o artista abriu mão
de qualquer privilégio técnico em relação ao leigo. A profissão artista foi esvaziada de todo seu métier, e, se o acesso a ela não é limitado por alguma barreira
– seja institucional, social ou financeira – deduz-se que qualquer um pode ser
artista se assim o desejar”.4
O procedimento atribuído a Marcel Duchamp, derivado do seu
conjunto de obras intitulado readymades, amplia assim os limites da
arte através da lógica da apropriação. Tomaremos, então, a apropriação
como foco de interesse, por ser ela a base de uma das discussões correntes sobre a potência das mídias digitais como mídias artísticas.
É claro que, conforme pode ser percebido nas frases anteriores, não se
acredita que haja meios ou mídias mais ou menos potentes para articulação dos problemas artísticos, e pretendemos inclusive nos contrapor a
essa idéia, a partir da discussão sobre a apropriação. Defenderemos, então,
que, com relação ao aspecto político, a apropriação não garante um ponto
de vista crítico ou sequer reflexivo. Tentaremos explicitar, então, as sutis
diferenças entre uma apropriação crítica e a que consideramos acrítica,
indicando também as conseqüências éticas-políticas destas diferenças.
Se pensarmos a lógica da apropriação, de modo amplo, embora ela
tenha se tornado evidente e extremamente contundente no procedimento duchampiano dos readymades, é possível percebê-la (inclusive
a partir dos readymades) como algo que pertence também à lógica da
fotografia e do fonógrafo, ambos aparelhos de reprodução técnica sur4. DE DUVE, Thierry. “Kant depois de Duchamp”. In: FERREIRA, Glória, VENÂNCIO FILHO,
Paulo. (ed.). Revista Arte & Ensaios, Rio de Janeiro, nº 5, 1998, p. 128.
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gidos no século 19 que investiram na possibilidade de apropriação via
imagem ou som de qualquer coisa no mundo.
Mas o que, no trabalho de Duchamp, torna essa lógica algo conceitualmente tão importante, é a possibilidade de apropriação, sem a necessidade de qualquer “aparelho de reprodução técnica” elaborado.
No entanto, se ampliarmos a noção de “aparelho”, tal como coloca Villém Flusser, em Filosofia da caixa preta5, tomando-o não somente
como o objeto, por exemplo, a máquina fotográfica, mas como um sistema que incluí também o fotógrafo, o observador, o observado e a indústria, no caso do readymade percebemos que passamos sim por um
aparelho, mas um aparelho conceitual, “ampliado”, o sistema da arte.
Com o readymade temos a idéia de apropriação elevada a um procedimento que vai muito além dos aspectos materiais ou técnicos de
um dado “meio” ou “mídia”: temos a incorporação de uma realidade traduzida em outra por um deslocamento conceitual (nem sempre físico,
temporal ou espacial).
Assim, Duchamp aproxima o aparelho “arte” do aparelho fotográfico e fonográfico (posteriormente, o cinematográfico, videográfico, infográfico etc.), sem que essa aproximação implique na utilização explícita
da materialidade fotográfica, por exemplo.
No entanto, embora abra mão de qualquer “meio específico”, o procedimento duchampiano não abre mão da discussão sobre o que fazemos com tais apropriações. Longe de celebrar o sistema da arte, este
procedimento o coloca sob um foco crítico, tornando visíveis os mecanismos de poder que influem no sentido da obra de arte.6
A partir daí – como dizia Joseph Kosuth, “toda arte (depois de Duchamp) é conceitual (em sua natureza) porque arte existe apenas conceitualmente”7 – não deveríamos pensar em como recolocar a fotografia, e
todas as imagens e sons produzidos a partir da lógica da apropriação,
sob o foco crítico?
5. FLUSSER, Vilém. Filosofia da caixa preta. Ensaios para uma futura filosofia da fotografia. Rio de
Janeiro: Relume Dumará, col. Conexões, 2002.
6. DUCHAMP, Marcel. “O Ato Criador”. In: BATTCOCK, Gregory (org.). A nova arte. São Paulo: Perspectiva, col. Debates, 1975.
7. KOSUTH, Joseph. “Arte depois da filosofia”. In: Revista Malasartes, nº1, set-nov. 1975, p. 11.
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Se no trabalho Fonte (Fontaine, 1917) de Duchamp, a apropriação do
mictório de porcelana traz como assinatura o texto “R. Mutt, 1917”, adicionado ao objeto industrial, que acentua a importância da assinatura
enquanto parte indissociável do sentido atribuído a um trabalho de arte,
ao mesmo tempo em que questiona a idéia de autoria como expressão
de um sujeito individual, será que não devemos voltar e nos interrogar
sobre o que ocorre com as apropriações fotográficas, inclusive no início
de suas experiências?
No caso das fotografias de William Henry Fox Talbot em que usa a
renda em contato com o papel, não poderíamos nos perguntar afinal,
qual a diferença entre a renda e a foto da renda “tirada” por ele?8
Se, de um lado, tomamos a foto como documento, o que indicaria
seu dado “transparente”, não teríamos que investigar algo sobre esta renda? Quem desenhou essa imagem apropriada? Alguma mulher rendeira
desconhecida? Alguns dirão que não interessa quem ou como foi feita
essa renda, o que interessa é a foto.
Então, por outro lado, se tomarmos a foto como objeto, pelo seu caráter “opaco”, não teríamos que investigar o contexto no qual a foto está
sendo recebida, seu sistema de distribuição, circulação e convenções? O
hic et nunc de sua recepção e de que modo essa foto põe um foco crítico
sobre esse sistema?
Se tomarmos o problema do documentário hoje, teremos duas perspectivas políticas quanto a esse assunto: uns podem dizer que Talbot
se apropriou do trabalho da rendeira, explorando-o e tirando vantagens
próprias, inclusive financeiras, já que mascara sua relação com a imagem anterior na defesa das potencialidades da fotografia enquanto meio
específico; outros podem argumentar que Talbot deu visibilidade ao trabalho, valorizando-o e inserindo-o no sistema dos objetos de valor (posição mais benjaminiana).
Do ponto de vista ético-político, interessa-nos também outra con8. Esse tipo de fotografia é interessante por ser tão chapada, que separada em áreas positivas e negativas acaba gerando uma relação entre a estrutura da renda e a da foto. Segundo Douglas Crimp
a renda e a foto dividem a mesmo problema do positivo e negativo; e segundo Geoffrey Batchen,
divide o problema também do digital: bit: 1/0. Vide CRIMP, Douglas. “Introdução: as fotografias no
final do Modernismo”. In: CRIMP, Douglas; LAWLER, Louise. Sobre as ruínas do museu. São Paulo:
Martins Fontes, 2005.
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seqüência importante dos procedimentos duchampiano e fotográfico.
Segundo Walter Benjamin, as “técnicas de reprodução” permitem um
rebaixamento (ou mesmo uma destruição) da aura da obra de arte, a partir de uma redistribuição e horizontalização dos poderes que envolvem
a figura do artista/autor e do espectador/leitor, o que equilibraria essas
duas forças. O projeto de Benjamin – assim como o de Duchamp e seu
“ato criador”, o de Lygia Clark e a noção de “participador”, Hélio Oiticica
e sua “participação semântica” e John Cage com a ausência de distinção
entre compositor, intérprete e ouvinte – investe na des-hierarquização
desses papéis, provocando uma mudança na política da arte, em que o
espectador (ou a “massa”) ganharia poderes equiparáveis aos do artista
(ou classe dominante, quem domina os meios de produção).
A apropriação como reprodução serviria assim para uma diminuição do valor de culto daquilo que é colocado pelo artista, fazendo com
que o trabalho de arte ficasse “tanto humanamente quanto espacialmente” mais próximo de seu receptor.
No entanto, a diferença que consideramos problemática aqui, entre
as colocações de Benjamin e as dos outros artistas citados (Duchamp, Lygia Clark, Hélio Oiticica e John Cage), é que Benjamin coloca essa responsabilidade primordialmente nas mãos mecanizadas das “reproduções
técnicas”. Parece considerar assim que a mera utilização dessas “técnicas
de reprodução” (para ele: a fotografia, o cinema, o fonógrafo, o rádio; e depois dele: a TV, o vídeo, mídias digitais etc.) já provocariam essa emancipação política do espectador/leitor. Embora as contradições de Benjamin
nesse texto clássico “A obra de arte na época de suas técnicas de reprodução”9 já tenham sido apontadas por muitos, poucos o fizeram a partir do
confronto com estratégias artísticas que lidam com a política da arte.
Embora defenda de modo “progressista” a pertinência da potência
política do cinema em relação às formas tradicionais como o teatro e
a pintura, na distinção que faz entre o cinema capitalista e o cinema
soviético da época, já é possível percebermos que não é “o cinema”, ou
mesmo a noção de apropriação que este carrega, que necessariamente
irá transferir esse poder para o espectador.
9. BENJAMIN, Walter. “A obra de arte na época de suas técnicas de reprodução”. In: BENJAMIN, Walter; ADORNO, T. W; VELHO, G. (org.). Sociologia da arte IV. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1969.
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Para Benjamin, as técnicas de reprodução permitem não somente
um maior acesso às imagens e representações pelas “massas”, no papel
do observador, como esse acesso geraria também a inserção dessa “massa” nessas representações, como observado. Vemos então que a apropriação inclui mais um elemento no jogo de poder entre artista, espectador
e instituição, que é o sujeito/objeto apropriado, o observado, que para Benjamin dividirá seu papel com o espectador.
É claro, então, que a articulação entre esses personagens e seus papéis
torna-se mais complexa, fazendo da apropriação um agenciamento entre
artista/autor/produtor, espectador/leitor/público, sujeito/objeto apropriado, instituição/contexto e meio/instrumento. O funcionamento político deste agenciamento não poderá logicamente depender somente do instrumento
de reprodução técnica. (De novo, muitas das discussões sobre o cinema
documentário hoje parecem tratar exatamente deste problema).
Em mais alguns pontos desse texto, Benjamin nos dá uma dica do
que acontece com seu próprio discurso ao longo do século 20 até os dias
de hoje. Quando no capítulo 11 compara o pintor com o cinegrafista
relacionando o primeiro ao curandeiro, ou mágico, e o segundo ao cirurgião, indica que o pintor se relaciona de modo “mágico” com a “realidade”, enquanto o cinegrafista “penetra em profundidade na própria
estrutura do dado”. Segundo ele, “a imagem do real fornecida pelo cinema é infinitamente mais significativa [...] ela só o consegue exatamente
porque utiliza instrumentos destinados a penetrar, do modo mais intensivo, no coração da realidade”. Percebemos que a magia, antes depositada no espaço entre pintor e realidade, recai hoje exatamente sobre
aquilo que se interpõe entre cinegrafista e realidade, o meio/instrumento.
Isto é, a aura que Benjamin tanto gostaria de ver destruída se concentra
hoje de forma mais enfática naquilo que considerava poder destruí-la,
“as técnicas de reprodução”, ou melhor, na retórica sobre elas (conforme
Philippe Dubois10), as sempre “novas tecnologias”. Não é a toa que o cinema hollywoodiano, por exemplo, só vai abrir mão do star system para
substituí-lo pelos “efeitos especiais”.
Deste modo, ao invés de uma equalização visando o equilíbrio en-
10. DUBOIS, Philippe. Cinema, Vídeo, Godard. São Paulo: Cosac Naify, 2004.
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tre artista/autor/produtor, espectador/leitor/público, sujeito/objeto apropriado,
instituição/contexto e meio/instrumento temos uma retórica que transfere o
poder do artista, não para o espectador, mas para o meio/instrumento, deixando o espectador/leitor/público e também o sujeito/objeto apropriado (que
podem ser os mesmos) em condições similares ao sistema (das “Belas Artes”) anterior. Neste caso, o discurso legitima as “mídias digitais” como
instrumento que realiza o “ato criador”, ganhando inclusive grande parte dos louros, mantendo passivos, como figurantes, o espectador/leitor/público, o sujeito/objeto apropriado, e agora também o artista/autor/produtor.
Mas é preciso atenção, pois essa aparente passividade do artista pode
obscurecer um retorno ainda maior de poder, pois aquele que tenta mascarar seu poder não seria mais autoritário que aquele que torna visível, e
questionável, a sua posição no sistema de forças?
As apropriações celebrativas, que consideram a apropriação por si só,
a priori, politicamente democratizante, freqüentemente caem no perigo
de convocar novamente a magia e a aura, mas agora aproveitando-se de
um discurso político que as colocariam como responsáveis pela quebra da
autoria, mascarando assim o sistema de poder na qual estão imersos.
É interessante e mesmo irônico pensarmos que, mais do que a vontade política de redimensionar o poder do artista e da obra de arte, há
na mira da maioria das estratégias contemporâneas uma necessidade de
equalização também dos poderes das instituições do sistema da arte. No
entanto, a valorização do intermediário – meio/instrumento – pelas práticas que discursam pelas “novas mídias” parece simplesmente substituir
a instituição como a grande “distribuidora” da arte pela tecnologia como
“distribuidora”, tal qual acontece na passagem do poder econômico das
mãos das “gravadoras” de discos para os “gravadores” de CD e DVD. Isto
é, de novo, parece haver um mascaramento do poder que os produtos e
companhias ligados às tecnologias digitais vão ganhando neste processo. A apropriação acrítica, valorizando simplesmente esse meio/instrumento, opera pela lógica do “distribuidor”, que no sistema capitalista é
afinal quem mais ganha. (Os centros culturais ligados a bancos e empresas de telefonia que investem pesadamente neste nicho da arte sabem
muito bem o que estão fazendo).
Sendo assim, podemos concordar com o crítico americano Douglas
Crimp, quando diz:
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“a estratégia da apropriação não é mais o atestado de uma atitude específica diante das condições da cultura contemporânea. [...] A apropriação, pastiche,
citação – esses métodos estendem-se virtualmente a todos os aspectos da nossa
cultura, dos produtos mais cinicamente calculados da indústria da moda e do
entretenimento às atividades críticas mais comprometidas dos artistas [...] Se
todos os aspectos da cultura usam esse novo processo, então o próprio processo
não pode ser o indicador de um reflexão específica sobre a cultura”.11
Neste sentido, o trabalho de Sherrie Levine – em que é apresentada
uma reprodução “tal qual”, ou “exata” das fotografias de Walker Evans, por
exemplo – é bastante contundente ao lidar com a apropriação e sua relação com a fotografia para enfocar o próprio procedimento de modo crítico. Afinal, aquilo que registra tudo registra também a si mesma, ou aquilo
que se apropria de tudo apropria-se também de si mesmo. A fotografia
volta-se contra ela mesma. Ela é o próprio sujeito/objeto apropriado agora.
O problema da relação entre apropriação e representação (ou exploração x representatividade) retorna aqui novamente, mas de modo
bastante irônico, já que o faz duplamente: a dúvida recai não só sobre o
procedimento de Sherrie, mas também sobre as fotos de Walker Evans.
A artista não constrói para si um lugar imaculado, tampouco alheio ou
passivo, mas um lugar de visibilidade que permite questionamentos:
“Ao roubar descaradamente imagens já existentes, Levine não faz nenhuma concessão às noções convencionais de criatividade artística. Ela faz uso das
imagens, mas não para constituir um estilo próprio. Suas apropriações só têm
um valor funcional para os discursos históricos específicos nos quais estão inseridas. [...] a apropriação de Levine reflete a estratégia da própria apropriação
– a apropriação do estilo da escultura clássica por Weston; [a apropriação dos
trabalhadores por Walker Evans] a apropriação tanto de Weston quanto de
Mapplethorpe [ou Evans] pelas instituições de arte erudita, ou, na verdade, a
apropriação da fotografia em geral; e finalmente, a fotografia enquanto ferramenta de apropriação”.12
Douglas Crimp irá ressaltar também o quanto esse trabalho não reivindica um lugar para o artista como criador autônomo cuja criatividade é singular (evidentemente diante dessas fotos, podemos soltar facil11. CRIMP, Douglas. op. cit., p. 115.
12. Idem, p. 121.
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mente aquela bela frase: “eu também posso fazer isso”) e neste aspecto
inclui a história da arte como parte do “ato criador”.
Tomando outro tipo de trabalho que opera a lógica da apropriação
mantendo o aspecto crítico, mas de modo bastante diferente, podemos
considerar as reflexões sobre as idéias de John Cage levadas adiante por
alguns artistas conectados com o Fluxus. A ausência de distinções entre
compositor, intérprete e ouvinte defendida por Cage – que, num estilo benjaminiano, compara o compositor ao rei e o regente ao primeiro
ministro13 – terá suas conseqüências mais interessantes nas partituras
conceituais de George Brecht, Yoko Ono e La Monte Young.
Em seu Water Yam, 1963, Brecht pensa obras como textos/instruções/
partituras distribuídas em cartões dentro de uma caixa, que podem ser
executadas de formas diversas por intérpretes, instituições e espectadores, propondo agora uma outra relação entre compositor/artista/autor/produtor, intérprete/instituição/contexto e ouvinte/espectador/leitor/público.
A banalidade, assim como a complexidade, da linguagem como
meio/instrumento torna quase impossível a fetichização desta como instrumento de tecnologia avançada. O intérprete/ouvinte é pensado como
“apropriador crítico” do trabalho, cabendo a ele várias decisões, por
exemplo: executar mentalmente o trabalho, extraindo daí um efeito sonoro; executar o trabalho usando equipamentos ou instrumentos para
produzir e então ouvir o som efetivamente; ou realizar sua leitura, tanto
mentalmente quanto oralmente, como execução da peça, considerando
o som da linguagem também como produção sonora.
No entanto, trabalhos como os de Bruce Nauman, Ann Sofie Sidèn
ou mesmo Ricardo Basbaum (só para citar alguns) que usam meios/instrumentos como câmeras de circuito interno, por exemplo, para a apropriação da imagem do espectador como parte do trabalho, obviamente desdobram os problemas apontados quanto à apropriação, usando
meios videográficos ou digitais recentes, mas não sem discutirem ou
apontarem para os perigos da apropriação como instrumento de controle e vigilância. Não celebram, assim, esses meios/instrumentos colocando
13. “As obras-primas da música ocidental exemplificam monarquias ou ditaduras. O compositor
e o regente: o rei e o primeiro ministro”. CAGE, John “O Futuro da Música”. In: FERREIRA, Glória;
COTRIM, Cecília (orgs.). Escritos de artistas, anos 60/70. Rio de Janeiro: Zahar, 2006.
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mais poder em suas mãos. Ao contrário, tornam visível seu uso como
instrumentos de poder.
Usando ou não a fotografia, ou qualquer dos meios considerados de
“reprodução técnica” ou digital, a apropriação não proporcionará por
conta própria uma mudança ou uma atenção crítica e reflexiva sobre a
estrutura política do sistema da arte. É preciso mais que isso. É preciso
que, como diria Ronaldo Brito: “a técnica deixe de ser meio expressivo
do sujeito. Ao contrário, passa a ser necessidade objetiva dos artistas dominarem uma racionalidade profunda e generalizada para acompanhar
as determinações do sistema cultural. Necessidade de investigar o seu
campo de atuação no nível da consciência crítica”. [A questão contemporânea] “mostra-se muito menos maleável a simplificações, pois rejeita
esquemas formais ou conteúdos privilegiados”.14
O lugar da arte contemporânea “é apenas e radicalmente reflexi15
vo”.
14. BRITO, Ronaldo. “O Moderno e o contemporâneo (o novo e o outro novo)”. In: BASBAUM,
Ricardo (org.). Arte contemporânea brasileira: texturas, dicções, ficções, estratégias. Rio de Janeiro,
Rios Ambiciosos, 2001, p. 207-208.
15. Idem, p. 212.
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bi b l i o g r a f i a
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paisagem - s o n o r a –
dia de c h u va e m v i t ó r i a – 4 3 ’
Foto: Ding Musa
Coloque o fone de ouvido. Leve com
você o discman e ande pelo espaço expositivo. Após o uso, devolva-o ao lugar.do na janela principal da interface.
Raquel Garbelotti
d o i s m o m e n to s e d ua s a p roximações ao projeto
pa i s ag e m s o n o r a : d i a d e c h uva em vitória – 43’
1. Primeiro momento: apresentado na exposição coletiva Urbe. Curadoria de Cauê Alves. Galeria Casa Triângulo. São Paulo. Junho de
2006.
2. Segundo momento: antes da leitura deste texto na mesa-redonda do
Prêmio Sergio Motta, foi realizada a escuta do projeto-sonoro com o público participante no auditório da UFES, o que redefiniu a paisagem-sonora pela atualização do projeto por esta escuta coletiva.
Este texto coloca basicamente dois problemas entorno do projeto
sonoro que apresentei na Galeria Casa Triângulo. A percepção da paisagem e o espaço em que estamos e com os qual nos relacionamos, e a idéia
de participação nos projetos contemporâneos.
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| deb ates | vitória
1. p r i m e i r a a p rox i m a ç ã o : pa isagem e espaço
Para o entendimento dos termos paisagem e espaço aqui propostos utilizarei as definições de Milton Santos em A Natureza do espaço : espaço e
tempo : razão e emoção.
Milton Santos afirma que os termos paisagem e espaço não são sinônimos. Descreve a paisagem como transtemporal, pois reúne objetos
passados e presentes. Enquanto sistema para ele, a paisagem é imutável,
portanto um sistema material, e o espaço é um sistema de valores, que
se transforma permanentemente. Na paisagem os momentos históricos
coexistem no momento atual.
Com relação ao espaço, Santos faz coincidir o termo com a idéia de sociedade que age sobre o lugar. Para ele: “É a sociedade, isto é, o homem, que
anima as formas espaciais, atribuindo-lhes um conteúdo, uma vida”.
Cabe retomar uma questão colocada por ele: “Pode-se pensar numa
dialética entre a sociedade e o conjunto de formas espaciais, entre a sociedade e a paisagem? Ou a dialética se daria exclusivamente entre sociedade e espaço?”.
Para o autor só é possível agir sobre um conjunto de formas espaciais numa dialética entre a sociedade e o espaço. A dialética se dá entre
ações novas e uma ‘velha’ situação, um presente inconcluso querendo
realizar-se sobre um presente perfeito. A paisagem é apenas uma parte
da situação. A situação como um todo é definida pela sociedade atual,
enquanto sociedade e como espaço. Em cada momento, em última análise, a sociedade está agindo sobre ela própria, e jamais sobre a materialidade exclusivamente. A dialética, pois, não é, entre sociedade e paisagem, mas sobre sociedade e espaço. E vice-versa.
O termo paisagem-sonora ou objeto sonoro dado no projeto que
apresentei coincide com os termos paisagem e espaço desenvolvidos por
Milton Santos. No objeto sonoro gravado, o espaço é o passado, o que o
constitui como paisagem. Ou seja, o som da chuva que cai na calha que ouvimos na gravação já é passado, e só será presenciado e animado como
espaço quando revivido/vivido sob a circunstância da escuta, que se
transforme assim em escuta do lugar. Uma escuta que mesmo deslocada
do lugar da gravação/captação, que é sempre uma origem, provoque o
entorno atual percebido. Neste sentido o subtítulo: dia de chuva em vitória,
retoma o lugar de origem do objeto sonoro gravado, e constitui-se como
vitória | deb ates |
63
presente (som de chuva), no momento atual da escuta.
Assim o projeto, propõe a relação da paisagem-sonora com o espaço
em que é apresentado em atualidade, na medida em que o participante
se desloque no sentido da escuta da paisagem (som da chuva captado
na cidade de Vitória-ES). Essa indicação de contexto ou lugar da chuva
é dada como já descrito pelo título do projeto. O que afirma a idéia de
deslocamento da gravação/captação para o contexto paulista.
2 . s e g u n da a p rox i m a ç ã o : participação,
in t e r at i v idad e e e s t é t i c a r el acional
O que interessa a este projeto referente à idéia relacional de Nicolas
Bourriad, é a noção de forma ou formação possível no que chama de encontro entre a arte e sua audiência em projetos contemporâneos.
Para o autor: “A possibilidade de uma arte relacional se dá pela tomada da esfera das interações humanas e seu contexto social, mais que
a afirmação de um espaço simbólico autônomo privado”.
Cabe aqui tratar da noção de interatividade versus participação, como
sendo a interatividade pura, nada mais que a realização da mecanização
dos sentidos. Aproximo a idéia de mecanização dos sentidos ao que
Bourriad chama de mecanização das funções sociais, que, segundo ele,
esta reduz progressivamente o espaço relacional. Para ele: “A arte contemporânea desenvolve um projeto político quando se esforça em assumir uma função relacional e a problematiza”.
É importante frisar que a participação não é garantida no caso de proposição. A escuta do lugar proposto no projeto sonoro descrito depende
de operações que acionem os códigos perceptivos e relacionais entre paisagem e espaço. A esfera relacional a qual me refiro e que se distancia de
Bourriad é uma operação individual do sujeito que relaciona paisagem a
espaço. Portanto não se trata de intercâmbios coletivos, mas de uma operação individual e relacional do sujeito com o lugar. Este ao operar entre
a paisagem e o espaço, faz com que o projeto distancie-se da mecanização
dos sentidos e também da idéia de espaço autônomo.
A intenção de participação que procurei tratar aqui não está atrelada
à idéia de interatividade, ou ao formato de intercâmbios coletivos entre sujeitos, mas a uma construção de pensamento das possibilidades de formas
participativas.
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| deb ates | vitória
bib l i o g r a f i a
pa i s ag e m - s o n o r a –
dia d e ch u va e m v i tór i a – 4 3 ’
BOURRIAD, Nicolas. “Estética relacional”. In: Esthetique Relationelle. Paris:
Les Presses du Réel, 1998, tradução de Jordi Claramonte.
SANTOS, Milton. “Uma necessidade epistemológica: a distinção entre
paisagem e espaço”. In: A natureza do espaço: espaço e tempo: razão e
emoção. São Paulo: Hucitec, 1999, 3ª. edição.
os comp o rta m e n to s o u a s f o r m a s
de cons t r u ç ã o d e i d e n t i dad e e m
ambient e s d e r e d e
Helga Stein
A partir do estudo de ambientes de rede como Orkut, Flickr, Multiply e
outras comunidades similares, pretendo discutir hoje os comportamentos ou as formas de construção da identidade em ambientes de rede. Para
esclarecer como cheguei a essa discussão, será necessário relatar brevemente minha trajetória.
Um de meus primeiros trabalhos com computadores foi no suporte
de uma BBS, que é de alguma forma, antecessora da internet, ou seja,
uma forma de se conectar por meio de texto. Além do suporte para BBS,
freqüentava salas de bate-papo que, na época, era uma espécie de chat.
E o que sempre me intrigava muito era a forma das pessoas se apresentarem. Como não havia imagens disponíveis, todos os participantes faziam perguntas sobre como era, fisicamente, seu interlocutor. E as respostas poderiam ser as mais variadas: verdadeiras ou não.
Muito tempo se passou, mas essa questão da identidade começou a
ser retomada em meu trabalho. Estou fazendo, atualmente, uma série
de auto-retratos, que, a princípio, é fotografia. É dessa forma que as pessoas entendem. Se é fotografia, então por que esse projeto está inserido
nas novas mídias? Essa é uma discussão interessante, porque, apesar de
estar trabalhando com uma mídia que não é tão nova – a fotografia, esse
trabalho está inserido sim no contexto das novas mídias. O que é então
esse trabalho? São auto-retratos que faço e manipulo digitalmente, assumindo diversas “personas”.
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| deb ates | goiânia
Fotos: Helga Stein
São retratos em que vou modificando as feições do rosto inicialmente e, mais recentemente, do corpo inteiro. Todas essas imagens estão online, disponíveis para comentários, para download, através do Flickr. É
importante notar a diferença que vai havendo de uma figura para outra,
todas elaboradas a partir da mesma matriz. Então, o que é esse trabalho?
Por que esse trabalho, apesar de aparecer como fotografia, faz parte da
discussão das novas mídias? Estou trabalhando com uma das teses do
Guy Debord, autor de “A sociedade do espetáculo”. Nesse livro, Debord
diz: “Talvez as minhas teses não vão servir até o final do século”. Realmente, há muitas idéias ali colocadas que já estão passadas, mas muitas
ainda prevalecem. E uma das teses que ele defende e com a qual me identifico muito, fala que, na sociedade do espetáculo em que vivemos, há
uma relação entre pessoas mediada por imagens. O que chama a atenção
nessa colocação é o fato desse autor questionar nossa facilidade e nosso
consumo desenfreado de imagens e a forma como nos relacionamos,
como construímos nossa identidade por meio dessas imagens. Então o
que esse trabalho tem? Ele é fruto de uma vivência de comunidades de
rede, como o Orkut, o Flickr, o Multiply e no Last FM. Essas comunidades
exigem, por assim dizer, a construção de um perfil. Que tipo de imagem,
que tipo de material colocar disponível na rede, ou em um blog? Que
tipo de material usar para se identificar, para apresentar minha presença
on-line, através das quais posso ou não me dar a conhecer? Muitas vezes,
a questão da construção da identidade é efêmera, mutante. Quem nunca
tentou se apresentar com um outro tipo de identidade, um outro tipo de
goiânia | deb ates |
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perfil? Então, como essas questões são construídas hoje em dia? Como
que as pessoas se relacionam? Só para ilustrar, visitem o site www.last.
fm. Nele é possível se relacionar com as pessoas através do seu gosto
musical. Nesse site, pode-se ouvir suas músicas preferidas. Basta entrar
com o nome do artista, da música, do gênero. Há várias possibilidades de
busca. Quando o usuário permanece um tempo razoável escutando suas
músicas, o próprio site sugere perfis de vizinhos (usuários com perfil semelhante em termos de gostos musicais), com os quais é sugerido contato por meio de conversas e troca de informações. O que isso significa?
Significa que suas escolhas musicais sinalizam seu perfil gerado pelos
seus gostos e escolhas musicais, sem quaisquer informações adicionais
ou imagens. De maneira similar, o mesmo sucede com o site Amazon
que arquiva todas as pesquisas ali realizadas, faz um processamento e
determina também o perfil do usuário.
Voltando à questão de meu trabalho. Utilizo apenas uma matriz. A
princípio trabalhava apenas com minha própria imagem, modificandome sempre. Cada foto gerava um resultado diferente. Depois, comecei a
trabalhar com uma foto só, gerando vários personagens que chamava de
“família”. (Tudo isto está disponível em um website). Mas, logo a seguir,
comecei a achar que a “família” não satisfazia o que eu pretendia. Minha
intenção era que uma ação gerasse outra. Isto levou a um terceiro passo, que foi dado no Paço das Artes em São Paulo, através da proposta de
ocupação, em que selecionava diversas pessoas, fotografava-as e tentava
enquadrar com o mesmo tipo de figura. É possível perceber que são pessoas diferentes, matrizes diferentes, mas o resultado final é bem curioso,
porque todos ficam, com algumas variações, com o mesmo olho, mais
ou menos com o mesmo tipo de construção esquelética do crânio, bocas
semelhantes, o mesmo tipo da luz. O resultado final é meio estranho. No
início, abandonei a matriz e fiz várias imagens. A seguir peguei várias
matrizes e tentei chegar em um resultado só.
E o que acontece no Flickr? O que é engraçado é o fato que várias
pessoas entram, não percebem absolutamente nada. Pensam que se trata
de um site de uma “modelo”, ou de várias “modelos”! Não percebem, de
forma alguma, que se trata da mesma pessoa. Chegam até a perguntar
quem são essas modelos! “Consomem” a imagem, mas não percebem que
há algo de estranho naquelas mulheres! Por outro lado, há pessoas que
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| deb ates | goiânia
entram no site, percebem alguma coisa estranha e ficam se indagando
se aquela personagem é ou não real. Voltamos então à questão da BBS:
Existe mesmo? É real? Existe uma matriz por trás dessa figura ou não? É
óbvio que há um exagero nesse sentido, mas há pessoas que se sentem
muito incomodadas por não entender se o que está ali é uma pessoa só
ou se são várias.
Outra questão muito comum que surgiu na exposição era se eu havia alterado as imagens, como se hoje em dia todas as imagens não estivessem imbuídas desse tipo de alteração. Se pesquisarmos a história
da fotografia desde seu início, veremos que o ato de enquadrar já é uma
forma de deformação, de leitura de mundo. Mas hoje, de forma mais radical, consomem-se revistas de moda, revistas de comportamento e será
que todos os leitores estão cientes de que aquelas imagens são fabricadas? Porque, se todos estivessem cientes que aquelas imagens são falsas,
talvez transtornos de comportamento não estariam acontecendo com
tanta freqüência. Assistimos casos de bulimia, doenças de transtornos
alimentares, que acontecem por conta dessas histórias. Minha criação
caminha então como forma de criticar essa sociedade de consumo, sua
passividade na absorção de imagens. É uma forma de dizer: – “Espera um
pouquinho, presta atenção no que está acontecendo de fato. Vocês estão
sabendo disso? Vocês estão atentos para isso?” E isso atravessa a questão
das comunidades, porque o meu laboratório são essas comunidades. É
ali que faço testes. Quando altero minha foto no Orkut, por exemplo, o
que acontece? Mais pessoas visitam meu perfil? Ou menos? As imagens
mais visitadas no Flickr são as de corpo, que recebem, aproximadamente, 5.000 acessos. A mais visitada, de rosto, tem apenas 1.200. Isso revela
um consumo desenfreado e não sei até que ponto as pessoas estão atentas a esse fato.
o telefo n e s e m f i o e
outras m i c ro l i ç õ e s d e c o i s a s
Élida Tessler
2006 – 5767 1
“Poucos homens atingem sua época”, Murilo Mendes.
O telefone sem fio há poucos anos atrás, ressignificou grande parte de
nossas brincadeiras de infância. Seria impensável conceber um aparelho eletrônico sem a conexão total de seus elementos (o fone, o gancho,
a base, o suporte, a tomada na parede, a parede, a casa e, seguindo por
este fio, aos cabos, aos postes, a rede urbana e interurbana). Pretendo tecer algumas considerações relacionadas ao tempo no campo da arte como
linguagem, trazendo exemplos da produção recente do artista Gê Orthof2
e de alguns outros artistas cujos trabalhos integram a discussão. A questão central será a ressignificação do tempo do artista e o de seu interlocutor
relacionados aos “ruídos da comunicação”.
ex i s t e u m m u n d o l á f o r a !
Com essa exclamação, Gê Orthof inicia sua palestra e seu texto, em um
curso intitulado História(s) da arte: do moderno ao contemporâneo3, quan1. Coincidentemente, na mesma data do debate dos Territórios Recombinantes em Porto Alegre,
iniciava-se o ano 5767 da tradição judaica. Todas as relações de tempo evocadas neste texto adquiriram novos sentidos levando em consideração nossas “odisséias no espaço”. Procurei manter,
para publicação, o mesmo formato evocativo da palestra.
2. Gê Orthof (1959, Petrópolis-RJ) artista que vive e trabalha em Brasília. Professor do Departamento de Artes Visuais do Instituto de Artes da Universidade de Brasília. Seus trabalhos mais
recentes foram os que me impulsionaram às reflexões que apresento neste texto.
3. PANITZ, Marília; AZAMBUJA, Renata (org). História(s) da arte: do moderno ao contemporâneo.
Brasília: CCBB/UnB, 2004. Esta publicação é fruto do seminário, que ocorreu entre agosto e novembro deste mesmo ano. Remeto os leitores ao texto de Gê Orthof – Modernidade – na mesma
publicação p. 57 e seguintes.
70
| deb ates | porto alegre
do convocado para contribuir ao debate naquele momento. Gê pode ser
situado hoje como um artista que interroga o tempo das ações, criando
aparatos capazes de nos reter um pouco mais diante ou mesmo dentro
de determinadas situações no contexto da arte contemporânea. Geralmente confeccionando seus próprios objetos, apropriando-se de alguns
outros e incluindo fragmentos literários inscritos nas superfícies de parede ou de pequenos papéis fixados em distintas partes do espaço ocupado, onde ele está permanentemente apontando:
Existe um mundo lá fora!
Tenho a tentação de iniciar da mesma forma a proposição aqui lançada, pois sempre há um ponto de impacto entre o lá e o cá de uma questão, qual seja:
Qual é a melhor forma de trabalharmos com as relações espaço-temporais em nosso contexto contemporâneo?
Conhecer a história da arte é percorrer uma história de impactos.
Vamos então trazer a questão para mais perto de nós:
– A arte, como uma linguagem específica, é capaz de nos recolocar
diante do desvio e da vertigem de uma multiplicidade de informações trazidas pelas redes de contato, pela cultura da conectividade, pela aceleração do tempo que nos subtrai o próprio tempo?
Agora vamos colocar uma lupa sobre essa questão:
Como viver melhor?
Precisamos viver melhor, habitando as equações relacionadas ao
tempo e ao espaço. Precisamos sobreviver às pressões da vida acelerada
que nos é imposta dia a dia, ano a ano, redimensionando nossos territórios, ou recombinando-os, como sugere este projeto.
Pergunta de Pablo Neruda, em seu Livro das perguntas4:
Cuántas semanas tiene un día
y cuántos años tiene un mes?
Com o sugestivo título “Modernidade”, a palestra de Gê Orthof no
referido seminário vem nos falar sobre as utopias modernas e sobre o
desejo de criar uma arte acessível para todos. Mas a questão colocada é
crucial:
4. NERUDA, Pablo. Libro de las preguntas. Santiago do Chile: Pehuén Editores, 2005. p.31.
porto alegre | deb ates |
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– A aura da arte sobreviverá à necessidade de reprodução para as
massas?
Reposicionamentos. Recombinações. Rememorações. Reconfigurações. Reorganizações. Remanejamentos.
Reflexões. Reprodutibilidade técnica?
“Nota-se aqui um desvio: um desvio espacial e temporal que complica a posição do indivíduo na contemporaneidade”.5
Não há dúvidas de que o ponto em questão é o de um deslocamento. Temporal, se pensarmos em um antes, um durante e um depois, não
necessariamente nessa ordem. Espacial, se quisermos situar o contorno
quase invisível entre um território e outro, no que diz respeito às linguagens artísticas. Nesse caso, há um transporte de carga poética a ser
realizado, sobretudo de dentro para fora, operação essa que causa efeito
de vertigem.
Silenciosamente, Francis Ponge também vem contribuir com a nossa derradeira questão, apenas desviando a atenção do como viver melhor
para o quanto mais:
“que faz um homem que chega à beira do precipício, que tem vertigem?
Instintivamente, olha para o que está mais perto — vocês já fizeram isso, já
viram fazer. É simples, é o que há de mais simples. Fixamos o olhar no degrau
imediato ou no parapeito, na balaustrada, num objeto fixo, para não ver o resto
(...) O homem que vive este momento não vai fazer a filosofia da queda ou do
desespero (...) Olhamos muito atentamente um pedregulho para não ver o resto.
Mas acontece que o pedregulho se entreabre, por sua vez, e se torna também um
precipício (...) seja qual for o objeto, basta querer descrevê-lo, ele se abre por sua
vez, torna-se um abismo, mas que pode ser fechado, é menor; podemos, por intermédio da arte, tornar a fechar um pedregulho, o que não podemos é fechar o
grande buraco metafísico, mas talvez o modo de fechar o pedregulho valha para
o resto terapeuticamente. Isso nos permite viver uns dias a mais”.6
Eis um esboço de resposta à questão do posicionamento (posição
do indivíduo) proposto por Daniela Castro: estamos diante do abismo,
temos vertigem, mas sabemos como, terapeuticamente, viver uns dias
5. Esta é uma das proposições de Daniela Castro, em seu texto de apresentação do projeto Territórios Recombinantes enviados a todos os participantes por e-mail.
6. PONGE, Francis. Métodos. Rio de Janeiro: Imago, 1997, p. 106.
72
| deb ates | porto alegre
a mais, e ainda melhor. Deter-se em um detalhe, um lapso, um pedregulho, fazendo do modo de fechá-lo um método: a nossa microlição de
hoje.
mi c ro l i ç õ es d e c o i s a s
Desde que recebi o convite para participar do projeto Territórios Recombinantes surgiu-me a idéia de falar sobre uma caneta. Esse vislumbre tornou-se uma idéia fixa: uma caneta esferográfica.
Idéia fixa é o título do livro de Paul Valéry, em que ele afirma aquilo
que já se transformou em uma espécie de aforismo, ou seja, “o que há de
mais profundo no homem é a pele”.7
A mobilidade de uma idéia fixa é o que me faz escrever este texto e,
como sabemos, o líquido azul carbono de uma caneta esferográfica só
pode ser depositado sobre a superfície plana se sua esfera metálica rolar,
deslizar, deslocar-se sobre o papel, causando atrito e calor: “É a execução
do poema que é o poema. Fora dela, essas seqüências de palavras curiosamente
reunidas são fabricações inexplicáveis”. Essa é a primeira lição do curso de
poética de Paul Valéry.8 Para nós, uma segunda microlição.
No contexto de nosso trabalho, vamos considerar uma caneta esferográfica como um poema, a começar pelo de Murilo Mendes9:
A caneta
Murilo Mendes
Naqueles tempos a caneta era um palito aumentado, a que se ligava uma
pena estática.
Hoje a caneta sofreu também a enorme revisão que atinge todas as coisas.
Dividida em três partes niqueladas, com um belo suplemento de alumínio; um
desenho em branco e preto, rigidamente calculado. A tinta, envolvida em uma
cápsula espacial que a protege dos ruídos externos.
Os ruídos! Segundo Mallarmé “presque tout le monde repugne aux
odeurs mauvaises; moins au cri”. Certos ruídos, quem os podaria e os expul7. VALÉRY, Paul. L’idée fixe. Paris: Gallimard, 1961.
8. VALÉRY, Paul. Variedades. São Paulo: Iluminuras, 1999, p.186.
9. Este poema integra o livro Poliedro. Setor Microlições de coisas. In: MENDES, Murilo. Poesia
completa e prosa, volume único. Organização, preparação de textos e notas de Luciana Stegagno
Picchio. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994.
porto alegre | deb ates |
73
Foto: Richard John
Gê Orthof. Máquina mínima, 2004. Canetas e fios, 110 x 14,5 cm.
saria do território eleito, do território cotidiano. Mas não apenas os ruídos familiares, ao alcance da mão, da orelha: antes os ruídos rondando a terra, ruídos
errados de gatilho, de fuzil, de dança de navalhas adversativas, de máquinas
conspirando para o aumento dos absurdos gritos descendentes daquele, formidável, de Cristo na Cruz.
Isolada na sua cápsula espacial, não ouvirá a caneta esses ruídos exorbitantes? Ai caneta, andorinha circulando no céu branco da página. De vez em
quando o pastor leva-a para beber nessa fonte, o tinteiro, quadrado, ou redondo,
azul ou preto.
*
Depois de tantos mil e um dias, depois de tantas mil e uma noites, a caneta,
ligada permanentemente ao corpo, condutora da palavra e do sangue, escrevera “Les grands actes qui sont aux cieux?” Girando à esquerda e à direita,
no centro e na periferia, desenhará um dia finalmente a paz? Esse futuro dia
já resfolega.
*
A caneta conhece todos os caminhos, do grão de poeira à totalidade do cosmo: máquina mínima, microscópio do macrocosmo.10
10. O poema de Murilo Mendes foi lido, durante a palestra, ao mesmo tempo em que um diapositivo era projetado na tela, apresentando o trabalho de Gê Orthof Máquina mínima (canetas,
fios e palavras escritas, 110x14,5 cm, 2004). Os poemas de Murilo Mendes foram uma espécie de
dispositivo temático para a exposição Microlições de coisas, com curadoria de Valéria Faria. CEMM
– Universidade de Juiz de Fora, 2004.
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| deb ates | porto alegre
A potência de uma caneta-máquina constituiu o trabalho do artista
Gê Orthof. Uma caneta que já traz em si a escrita. Quatro palavras em
caprichada caligrafia sobre a parede branca, acompanhando a linearidade do objeto. Quatro palavras que podem ser um livro inteiro, quando lidas uma a uma, no contexto da proposição: MURILO – MÍNIMA
– MÁQUINA – MENDES. A operação de subtração nos fornece um resto
diferencial: retirando o nome e o sobrenome do poeta, ficamos com o
título da obra: Máquina mínima. Neste momento, a caneta é bomba, é
explosão; a caneta é o cálamo que, de vez em quando, precisa ser afiado.
Luiz Fernando Veríssimo, ironicamente, nos faz lembrar que todos nós
precisamos afiar nossas penas antes de mergulhá-las no pote com tinta.
Afinal, todos nós ensaiamos o gesto de escrever antes de realizá-lo. Nós
nos distraímos nesse gesto. Nós adiamos os inícios para reter o tempo
do encontro com a palavra. Porém, o que é mais instigante, é que afiar o
cálamo, nos dias de hoje, equivale a obedecer o tempo da singela ampulheta desenhada na tela do computador. Esse pequeno ícone nos pede
paciência enquanto nos anestesiamos em nossos ritmos da urgência.
Para Jacques Derrida, a caneta é um prolongamento do corpo. Canetaseringa, evocada em seu texto-fluxo, texto paralelo ao de Geoffrey Bennington, que tenta sistematizar um pensamento aberto e contemporâneo.11 São várias as imagens que nos traz Derrida. Uma delas é que, como
um texto, o sangue transporta o invisível de dentro para fora, como uma
espécie de confissão. Sobretudo transporte. Seringa ou o próprio dedo,
quando um furo é feito na ponta, e dele escorre a tinta vermelha. Textoescorrimento, texto-excesso, texto-secreção, texto-segredo, enfim, tudo
o que se constrói secretamente no ato de escrever.
Vamos continuar nos perguntando o que é que a caneta-seringa faz
revelar: uma escritura? Nesse caso, é preciso encontrar a veia, localizar
o traço, atingir o foco. Máquina mínima, corpo maximizado. A vida exibindo-se em na dimensão do gesto. Vejamos o que escreve Derrida:
“(...) um gesto, ousaria dizer de escritura caso comparasse a caneta a uma
11. BENNINGTON, Geoffrey. Jacques Derrida. Rio de Janeiro: Zahar, 1996. É importante observar
que todo o texto de Bennington é “margeado”, como uma espécie de litoral com bordas flutuantes, por escritos de Jacques Derrida, que trazem ao leitor uma obra em preparação, realizada entre
janeiro de 1989 e abril de 1990.
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Foto: Gê Orthof
Richard John. Pilot BP.S, 1998. Caneta sobre papel, 25 x 67,5 cm.
seringa, ponta aspirante em lugar dessa arma assaz e rija com a qual é preciso inscrever, incisar, escolher, calcular, pegar tinta antes de filtrar o inscritível,
dedilhar o teclado sobre a tela, ao passo que aqui, uma vez encontrada a veia
certa, mais nenhum trabalho, nenhuma responsabilidade, risco algum de mau
gosto ou de violência, o sangue sozinho se entrega, o dentro se entrega e de si
pode dispor, sou eu porém nada mais tenho com isso (...)”.12
Uma caneta pode ser também medida de quilometragem. Tanto a
mais simples esferográfica encontrada no comércio ordinário quanto
uma sofisticada Fisher Space pen, sobre a qual falaremos mais adiante.
Gostaria de me referir aqui a um dos trabalhos de Richard John13, que
vi em 1988 e que desde então vem pontuando algumas de minhas reflexões sobre as questões do tempo e da passagem do objeto cotidiano ao
campo artístico.
Plano horizontal dividido ao meio, moldura-caixa como uma necessidade de separação entre invólucro e conteúdo, trazendo do lado
esquerdo a carga inteira da esferográfica, em riscos superpostos. Ao
lado direito, fixada também horizontalmente, a caneta-carcaça, esvaziada de seu conteúdo vital, a tinta azul, sustentada pelo seguinte
enunciado:
12. BENNINGTON, Geoffrey. Jacques Derrida. Rio de Janeiro: Zahar, 1996, pp. 16-17.
13. Richard John é artista plástico, mestre em Artes Visuais pelo PPGAV, Instituto de Artes – UFRGS.
Nasceu em Bom Princípio, RS e vive em Porto Alegre.
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Garatujas com caneta Pilot BP.S azul contínua para Mão Esquerda
Tempo de execução 5h24’44’’ Tiragem 1/4. Richard John 1988.
Em conversa por e-mail com Richard John, pude perceber que esse
trabalho também estava podemos dizer, arquivado em sua memória,
como fazendo parte de outro território em relação as suas atuações mais
recentes. Disse-me que nunca tinha escrito nada sobre sua proposição,
mas enviou-me uma relação de perguntas pertinentes ao nosso tema, as
quais transcrevo integralmente:
– Qual é o tempo do trabalho, sua vida e seu percurso?
– O que resulta disso? (penso que o que resta – a obra acabada – é uma
espécie de resíduo).
– Quando um trabalho está terminado? (neste caso, estaria terminado
quando a caneta acabasse).
– Qual a diferença entre os meios e os fins?
– Uma obra deve conter que tipo de comprometimento, constância e tempo
por parte do artista?
– O que fazer quando não se quer representar?
– Como escapar de uma certa intencionalidade?
– Como “burlar” o autor buscando apenas uma ação?
As questões de Richard John poderiam integrar O livro das perguntas de Pablo Neruda, tal o caráter evocativo e investigativo que possuem. A garatuja da obra corresponde ao embaralhamento de alguns
conceitos, como tempo e espaço, quando decidimos enfrentá-los em
nosso exercício experimental. Diz ainda Richard ter realizado mais
dois trabalhos da mesma natureza, um com caneta “Bic” e outro com
a chamada “Kilométrica” que, por ironia, parece haver realizado o menor percurso.
te l e f o n e s e m f i o : o u v i d i z e r que... alguém me
dis s e . . . vo u t e c o n ta r . . .
Durante a época das grandes conquistas espaciais, potências como os
Estados Unidos e a Rússia realizavam suas explorações. Competiam em
todos os detalhes. Dedicavam-se às pesquisas de ponta. Rivalizavam entre uma notícia e outra. Soube-se do problema de uma caneta esferográfica. Como escrever no espaço? Sem gravidade, não havia possibilidade
de escrita. A tinta escorria da caneta. Os americanos despendiam seu
porto alegre | deb ates |
77
tempo a pesquisar que tipo de caneta escreveria no espaço. Enquanto
isso, os russos continuaram a usar o seu lápis grafite.
Sabemos que é de uma anedota que se trata, mas seguiremos sua
pertinência para dar continuidade às nossas indagações.14 Prefiro ainda
usar a imagem do telefone sem fio, aquele cujo alguns anos atrás permitia, em tom de brincadeira, comentar sobre os problemas dos “ruídos
de comunicação”, isto é, a “desinformação” que escorregava junto com
sua passagem de boca em boca, ou melhor dizendo, de ouvido a ouvido. Aproveito para sublinhar a sonoridade da palavra, pois gostaria de
apontar aqui uma outra microlição: toda escuta contém algo de esquecimento.15
Bem, vocês devem concordar comigo que não deixa de ser interessante poder aproximar uma caneta esferográfica comum a uma caneta
anti-gravidade, com design apurado e elegante, cromada, pequena, leve
e com um formato de bala, recomendada para situações do mundo digital e cibernético. Ora, Derrida já havia enunciado o termo “arma assaz e rija” para assinalar a sua caneta. Agora temos um projétil metálico denominado Space pen. Se voltarmos ao poema de Murilo Mendes,
perceberemos que a caneta foi caracterizada como “uma cápsula espacial que a protege dos ruídos externos”. Como recombinar esses territórios?
Que espécie de impacto produz a invenção de novas tecnologias? Desde
sempre, estamos vivendo as mudanças promovidas pelo uso de novos
instrumentos, por mais rudimentares que sejam, mas sempre provocadores de novas atitudes.
14. Para quem desejar seguir a deriva de minhas investigações, informo o site que se tornou o meu
ponto de partida: www.spacepen.com/usa/index2 Ali, encontrei o seguinte diálogo:
Pergunta: No filme Apolo 13 o ator Tom Hanks está escrevendo com uma caneta esferográfica
onde não tem gravidade. É possível?
Resposta: Oi João, não! Não é possível se usar uma caneta esferográfica no espaço. Tanto que isso
acabou acarretando uma pesquisa de alguns bilhões de dólares para se desenvolver uma caneta
(que é vendida na “Discovery Store”, loja do canal de TV “Discovery Channel”) que escreva em
qualquer tipo de condição de pressão, de cabeça pra baixo, etc, etc, etc... os russos sempre usaram
lápis... Aqui cabe uma curiosidade que tomei conhecimento há algum tempo: Os EUA e a Rússia
estavam com o mesmo problema: como escrever no espaço, já que as canetas normais não funcionavam? Enquanto os EUA gastavam uma fortuna em pesquisas para desenvolver uma caneta que
escrevesse no espaço, a Russia resolveu de forma mais rápida e econômica: levou um lápis.
15. Olvidar, do latim oblitare significa esquecer.
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| deb ates | porto alegre
É digna de nota a descrição detalhada da Space Pen, e com ela, partiremos para outras reflexões:
“Criada para resolver com eficácia os problemas de escrita dos astronautas
em missões no espaço, transformou-se rapidamente numa ferramenta de uso
intenso cá na Terra. Fruto de uma tecnologia tão complexa quanto eficiente, esta
esferográfica está apta para escrever sobre uma infinidade de superfícies secas
ou úmidas, bem como nas mais diversas posições, sendo, por isso, também ideal
para uso corrente”.
Em relação a tempo e espaço, temos a seguinte informação: A Space
Pen pode durar até 100 anos e escrever o equivalente a uma linha com
cerca de sete kilometros, graças às recargas seladas e pressurizadas, evitando a desidratação da tinta. Neste momento, poderíamos imaginar um
outro trabalho para o artista Richard John, já que sua caneta kilométrica
deixou sua performance a desejar. Além do mais, 100 anos superam em
muito as cinco horas e tanto de trabalho do artista, fazendo-nos rememorar o mito de Sybila, que viveria tantos anos quantos os grãos de areia
contidos na palma de sua mão fechada. Viveríamos enquanto a tinta da
caneta permitir. Viveremos escrevendo nossa história, para quem sabe,
nos dissolvermos nela.
“Os pensamentos vieram habitar para aí se dissolver”.16 No contexto de nossos territórios recombinantes, esse seria o nosso alento. O
efêmero de algumas proposições contribui para que não sejamos sufocados pelo excesso de informações e de imagens. Escrevemos, sim,
mas para eliminarmos alguns ruídos. Geramos redes com as nossas
secreções:
“Texto quer dizer tecido; mas enquanto até aqui esse tecido foi sempre tomado por um produto, por um véu todo acabado, por trás do qual se mantém,
mais ou menos oculto, o sentido (a verdade), nós acentuamos agora, no tecido,
a idéia gerativa de que o texto se faz, se trabalha através de um entrelaçamento perpétuo; perdido neste tecido – nessa textura – o sujeito se desfaz nele,
qual uma aranha que se dissolvesse ela mesma nas secreções construtivas de
sua teia”.17
16. ADORNO, Teodor. Notes sur la litterature. Paris: Flammarion, 1958. Citado por Glória Ferreira,
em seu texto de apresentação do catálogo “Microlição de coisas”.
17. BARTHES, Roland. O prazer do texto. São Paulo: Perspectiva, 1977, Coleção Elos, p.82.
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so b r e t u d o t r a n s p o rt e
Sobretudo transporte é o título de uma série de trabalhos que Gê Orthof
vem apresentando, sendo que sua última apresentação ao público ocorreu neste ano.18
“Sobretudo transporte” configura-se como uma instalação constituída
com vários elementos manufaturados ou apropriados pelo artista, colocados de forma a ocupar quase a totalidade do espaço disponível no
local da exposição. É tarefa difícil descrever o trabalho, já que ele exige
a presença ativa do espectador para completar-se. Seguindo o fluxo das
palavras e da memória, seguem aqui alguns desses elementos: panos,
fios de diversas ordens, líquidos também de diversas origens, e sempre
encapsulados em recipientes plásticos ou em vidros, borracha de apagar, bolinhas de isopor, almofadas, peças diversas para maquetes, sobretudo as que representam a figura humana, em suas diversas posições,
gênero masculino e feminino, que tornam o universo macro em microsituações, exigentes de nosso olhar atento aos detalhes. Abismo sempre.
Vertigem constante. Nosso corpo está destinado à posição horizontal.
Para ver o trabalho, é preciso deitar em um carrinho, desses que lembram os mecânicos de automóveis, aptos a penetrar espaços exíguos.
Nossos pés são os nossos motores. Nosso cérebro é acionado por aquilo
que os olhos vêem e todas as demais sensações que esse tipo de situação
provoca. Sobretudo transporte. De um território a outro da linguagem,
temos por vezes som, como é o caso da trilha sonora criada especialmente para a apresentação no Torreão, ou a voz da pequena Olívia, filha
de Gê Orthof, lendo ao ritmo de seus, então cinco anos de idade, tateante nas seis propostas para um novo milênio, de Ítalo Calvino. Ou nessa
última, quando Gê acrescenta imagens a sua instalação. Não quaisquer
imagens, mas sim, aquelas produzidas por um lapso, e portanto carregadas de estranhezas. Imagem-enigma. Imagem-estranha. Imagem-espera.
A espera de um telefonema se fez telefone sem fio. O uso da webcam
18. Esta apresentação ocorreu durante a exposição Melhor de três I – Transteatralidade.CAL-UnB
– Casa da Cultura da América Latina. De 11/8 a 6/9/2006. No ano 2000, Sobretudo transporte:
destino Madrid, foi apresentado na Galeria Cruce, Madri, Espanha. Em 1999, Sobretudo transporte:
destino Torreão foi apresentado no Torreão, em Porto Alegre, Brasil. Sua primeira apresentação
ocorreu em 1998, na Galeria Rubens Valentim, em Brasília. As imagens referentes a cada uma
destas apresentações foram projetadas durante a palestra.
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| deb ates | porto alegre
atualiza alguns ruídos. Na exposição, as pessoas recebiam as imagens
como um enigma, dentro de um corredor escuro que conduzia o público
para os banheiros. Ambiente enevoado, segundo o relato de Gê Orthof,
produzido com sucessivas aplicações de fumaça. Som a todo volume, o
que, para Gê, resultava apenas em ruídos brancos.19
Reproduzo aqui um esclarecimento essencial do artista: “No início,
não era um trabalho, era a espera de um telefonema. Eu não ia filmar, a câmera
filmou. Eu não ia mostrar na exposição, mas decidi retrabalhar as imagens, e
percebi que o que se produziu foi uma espécie de espelho, com ruídos de comunicação. Estas imagens são, para mim, frutos de um telefone sem fio”.
Durante a projeção do vídeo, ouve-se, além de um toque de telefone,
o apito de um navio, o som da troca de rolos de filme de cinema, e sons
de uma caminhada no pântano, sons esses retirados da internet. Talvez
por se tratar de um tempo de espera, tempo estreito, essa imagem-ruido
lembrou-me Bill Viola, tanto de Heaven and Earth (Céu e terra) de 198220
quanto de um de seus mais conhecidos filmes The passing (A passagem),
de 1991, e que de acordo com Rolf Lauter, parece trazer aquilo que o artista sempre procurou: tornar visíveis as complexas relações entre o ser
e o mundo, o microcosmo e o macrocosmo, o espaço e o tempo, o ser e a
natureza, o corpo e o espírito, o pensamento e o sentimento de vida de
morte.21
Na mesma conversa telefônica que mantive com Gê Orthof às vésperas do evento Territórios Recombinantes em Porto Alegre22, decido
contar ao meu amigo sobre o fato de querer rever o filme 2001 – Uma
odisséia no espaço de Stanley Kubrick, simplesmente por lembrar-me de
uma caneta esferográfica. Importante instrumento-signo, flutuando na
espaçonave, transmitindo aos espectadores a informação: gravidade
19. Todas essas informações me foram dadas pelo próprio artista, por telefone, na véspera da palestra no Santander Cultural. Também me foram enviadas por e-mail as imagens descritas acima,
as quais foram projetadas abrindo os trabalhos de Territórios Recombinantes.
20. Videoinstalação de Bill Viola. O trabalho é composto por dois canais de vídeo “playback” preto
e branco, duas colunas de madeira e dois monitores de vídeo em preto e branco.
21. LAUTER, Rolf. The passing: Recuerdo del Presente o Dolor y Belleza de la Existência. In: Bill Viola
– Mas allá de la mirada (imágenes no vistas). Madri: Museu Nacional Centro de Arte Reina Sofia,
1993. Conceito da exposição: Bill Viola. Curadoria: Marie Luise Syring. p.99.
22. Telefonema em 22/9/2006.
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zero. Claro, tratava-se de uma Space Pen, que havia escapado do bolso Dr.
David Bowman. Não poderemos nos deter agora no filme. Sabemos que
se trata de uma longa odisséia entre a origem do homem, desde quatro
milhões de anos antes de Cristo até o ano de 2001, sempre abordando a
evolução da espécie, a influência da tecnologia e o que viria significar a
inteligência artificial. Fiquei, como muitos, fascinada por HAL, o computador, e somente mais tarde vim a saber que seu nome é uma referência direta à IBM, pois cada letra H-A-L é exatamente uma anterior, em
relação ao alfabeto, às letras I-B-M.
Não podemos nos deter no filme, mas podemos fixar-nos à caneta.
Aliás, essa foi a nossa intenção desde o início deste trabalho. Vamos ver
o que ela ainda pode nos trazer.
Telefone sem fio: há ainda alguma coisa a narrar dessa experiência.
Gê me conta que seu pai assistiu à primeira sessão do filme de Kubrick, no primeiro cinema de Brasília, em 1968, quando a cidade ainda era
muito nova. Nesse dia, o pai de Gê, médico, resolveu fazer feriado e levar
a família toda ao cinema, tal o impacto que o filme lhe causou. Gê relata
sua lembrança: imagens estranhas e uma sensação de estar entre o céu
e a terra. E a caneta?
Pois bem, em sua primeira visita a Nova Iorque, Gê Orthof realiza
uma primeira compra: a caneta Space Pen no Museu de Ciências daquela
cidade. Sobretudo transporte.
“Não sou meu sobrevivente. Sou meu contemporâneo”, Murilo Mendes.
l aboratórios de p ro je to s
Em cada uma das cidades, artistas selecionados apresentaram projetos audiovisuais em andamento. Os projetos foram discutidos e analisados do
ponto de vista técnico e conceitual, com a coordenação de Lucas Bambozzi
e Luiz Duva. Como registro do processo, estão incluídos depoimentos e
imagens dos trabalhos dos artistas participantes.
salvador | Goethe-Institut Salvador – ICBA
vitória | Centro de Artes – UFES
goiânia | Faculdade de Artes Visuais – UFG
porto alegre | Santander Cultural
rel ato-hi ato
Lucas Bambozzi
Ainda guardava de Salvador algumas dúvidas. Por um tempo, por vezes
vários, queria morar ali: o mar, o sol, as misturas. As distâncias cedem
lugar à discrepância entre mundos e temperaturas, explicitada pela velocidade do avião. Deixava me afetar por registros pessoais, imagens
gravadas que buscava de outras ocasiões: Waly Salomão, dona Dina, seu
Nenê, a calma em Bonfim, pessoas que já se foram desde as andanças de
O Fim do Sem Fim... A música alta nas ruas quebrava o encanto. Mas
haveria sol, haveria o mercado do peixe, o cheiro do dendê, o sorvete na
Ribeira [a força do mito], um monte de gente bacana. E o que a tecnologia das tais novas mídias teria a ver com isso?
Uma leve apreensão diante de encontros-possíveis não faz mal.
Tomei a situação como um revigorante das capacidades de improviso. Falo tanto do improviso em torno das técnicas tecnológicas como
daquele outro, do pensador, aquele fritador de sinapses. O que nos
emudece nos torna mais eloqüentes? O colega Duva ao lado haveria
de concordar, se de fato falássemos mais sobre essas e outras. O fato
mesmo é que todo o tempo, nem mesmo o da Bahia é suficiente, por
mais generoso que seja, para aprofundamentos verbais. Alguns inscritos não apareceram (era dia dos pais!). Encontros outros vieram, de outras esferas e circuitos. O outro importa mais que tudo, especialmente
na Bahia.
Entrei no quarto do hotel em Vitória e fiquei falando sozinho, treinando palavras difíceis: mameluco, guarapari, meaípe, cafuso, marajoara, etnolaringologista, muqueca capixote, travando pequenas confusões
com a língua e a dita cultura local. Estar confuso não me parecia ser
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| l aboratórios de projetos
sintoma da febre. Nem o contrário seria, apesar da alta temperatura do
corpo insistir em alguma premissa semelhante.
Entre pontes e barcos ao vento forte da primeira tarde intensa, tentei o prumo: a intensidade faz o encontro, um se justifica pelo outro. Os
“outros” teríamos aos montes no campus ardente de um domingo abafado. Conversa solta, companheiro Duva afinado, a sala cheia, em roda,
em boas vibrações, um após o outro, em assuntos dissonantes, entre
projetos densos e palavras transbordando intenções em roleta-capixaba.
Na fritada da noite a mudança de canais continuou vertiginosa, ladeada
pelos Falcatruas e amparada pelos anfitriões impecáveis.
Cheguei em Porto Alegre no domingo. Em tempo, dentro do prazo, mas os códigos já haviam se fixado. A condição de estranhamento,
pelo viés do tempo e não do espaço tomava conta das relações iniciais.
Estranhava as pessoas conhecidas, não localizava bem o ponto certo da
linguagem. Vou testando a empatia mútua. Hora de equilibrar o que se
coloca na tela e o que vai para além dela. Hora de acertar inputs e outputs, de aprender mais fundo com cada um dos participantes. Ouvir e
ouvir. Pensar o processo, aprender em pleno vôo. Nem me lembro mais
se fazia sol lá fora, se o domingo mostrava sua cara na praça ou na exposição de motivos populares dentro da instituição que nos isolava da vida
ao longo do Guaíba.
Reporto de maneira torta. Os hiatos guardam riquezas que se perdem. Lembro pelas frestas, escrevo as entrelinhas, busco o que escapa
nessa rede de relações e contatos. Fica a sensação rara de que há certezas.
De que as redes se esgarçaram, de que os nós se fortaleceram. Ter participado do Territórios Recombinantes foi uma experiência de amadurecimento, de compartilhamento de pensares e sobretudo de escuta: de
saber a hora de falar e a hora de refletir. De melhor entender a pausa e
o entreato das convicções discursivas. Foi experiência de desautomatização, de respeito mútuo e de fluxos de idéias em muitas direções, para
além dos eixos óbvios.
l aborat ó r i o s d e p ro j e to s
Luiz Duva
Agosto de 2006. Saída do aeroporto de Salvador, 14 horas. Calor, umidade, calor, muito calor e, de dentro de um táxi, passo literalmente por
dentro de uma imagem que mais tarde entenderia ser a perfeita tradução de como fora minha experiência nos Territórios Recombinantes que
estavam ali, naquele exato momento, apenas começando. Explico: da
velocidade do táxi, do incomodo causado pela mudança de temperatura, do frio de São Paulo para o calor de Salvador, e, principalmente, pelo
incomodo causado pela sensação de estar sendo tungado pelo motorista,
que me cobrara uma fortuna pela corrida até meu hotel, e que me olhava como se eu fosse a sua “presa turística” do dia, me vejo passando por
um longo túnel formado por bambus gigantes, cortados por feixes de
uma luz prateada, que formavam, junto com a via de mão-dupla e com o
vai-e-vem dos carros, indo e vindo, a imagem de um frenético fluxo que
eu tentava apreender a todo custo, – virando a cabeça de um lado para o
outro, em busca do melhor ângulo, da melhor visão de algo que eu sabia
fazer parte, ao mesmo tempo em que eu era apenas testemunha.
E foi assim mesmo que, em Salvador, Vitória, Goiânia e Porto Alegre,
tudo aconteceu e o que começou como uma proposta de apresentação
e análise técnica e conceitual dos projetos inscritos caminhou para um
encontro em que as propostas, além de apresentadas, pudessem ser discutidas e analisadas em função não só das experiências dos coordenadores, mas e, principalmente, a partir das experiências dos próprios participantes, por meio do cruzamento das diferentes idéias e das diferentes
estratégias de produção usadas para a sua realização. Como que numa
via de mão-dupla onde todas experiências iam e vinham sem parar, for-
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| l aboratórios de projetos
mando um fluxo, uma dinâmica, que se adequou a cada um dos quatro
grupos, das quatro diferentes realidades, para que no final pudéssemos
sair dali, como eu saíra da imagem do meu túnel de bambus, recarregados e cheios de energia. E eu tenho certeza que conseguimos.
depoimen to s
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Fotos: André de Faria
Cobaia mecânica para fins estéticos e afins (I, II e III), 2002 | scanner e impressão digital
Oportunidades como esta são de fundamental importância para a discussão e aprofundamento de questões
relacionadas à arte tecnológica. Para o artista, participar deste tipo de evento torna-se imprescindível devido
a contribuição para sua carreira e referência para sua produção.
and ré d e fa r ia
salvador | depoimentos | l ab orat órios de pro jeto s |
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O projeto Territórios Recombinantes foi importante para Salvador, pois ele ajudou a despertar os muitos falares que estão postos pela contemporaneidade e que, de algum modo, rompem com a nossa ideologia de isolamento. Nesse sentido, acredito que diferentes tradições discursivas acabaram por eleger o passado colonial
como o elemento fundamental para se pensar a cidade de Salvador. A larga hegemonia dessas interpretações
orientou, em grande parte, os olhares, as práticas e as políticas de intervenção no seu cenário urbano. Seus
suntuosos sítios arquitetônicos com construções que dão conta dos estilos dos séculos 17 ao 19, garantiram
o seu lugar como patrimônio cultural da humanidade, ao mesmo tempo que impôs formas orientadas de
compreendê-la e significá-la.
Por essa especificidade, as políticas culturais e as formas de expressão artísticas que se remetem à cidade e
aos seus territórios favoreceram uma certa liturgia da paisagem, domada por interesses e demandas ligadas
ao turístico, ao exótico, ao histórico, ao museológico, ao monumental. De certa forma, a própria inserção do
modernismo na Bahia, garantiu que essa apologia da velha paisagem urbana, mesmo que com novas gramáticas, se colocasse como elemento fundamental para se pensar as políticas de identidade, que cunham as
formas de reconhecimento culturais em circulação. A afro-baianidade, por exemplo, entronizou o arcaico, o
tradicional, as raízes como a condição mais legítima das nossas políticas de pertencimento. De algum modo,
essas constatações nos levam a compreender os impasses do diálogo entre passado e presente na Bahia; as
limitações impostas por essas interpretações para uma troca mais “recombinante” entre a produção artística
contemporânea e a cidade.
dan ill o b ar ata
salvador | depoimentos | l ab orat órios de pro jeto s |
Fotos: Adenor Godim, Danillo Barata
Narrativas sobre o corpo, 2006 | videoinstalação
dan ill o b ar ata
salvador | depoimentos | l ab orat órios de pro jeto s |
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Fotos: Fabiano Andrade e Anderson da Silva
Ilê e Aiyê, 2006 | vídeo (DVD)
Participar do evento do Instituto Sergio Motta foi uma troca de experiências. Foi a oportunidade de contribuir mostrando um trabalho sobre um tema tão relevante para nossa sociedade. O filme fala da necessidade
política para o negro. O negro e o poder.
lou rd es f e r n a n d e s
salvador | depoimentos | l ab orat órios de pro jeto s |
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Fotos: Adriana Camargo
Homeop(h)atias: in perpetua titling MT font, 2005 | vídeo-performance
As palestras e a oficina foram ótimas oportunidades de conhecer o pessoal que está começando a trabalhar
com as novas mídias aqui no estado, e também artistas atuantes que já estão inseridos no circuito como o Bambozzi e o Duva. E claro, foi também uma experiência rica de troca de idéias com todos que participaram.
adr ian a c am ar g o
vitória | depoimentos | l ab orat órios de pro jeto s |
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Fotos: Diego Scarparo, Penha Schirmer e Thommy Lacerda Sossai.
Qualquer felicidade, 2006 | fotografia digital
É muito interessante debater sobre arte e Territórios Recombinantes nos deu a possibilidade de fomentar a
discussão sobre produção, aplicabilidade e a postura hoje da arte amalgamada de tecnologia.
dieg o s c ar paro
vitória | depoimentos | l ab orat órios de pro jeto s |
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Fotos: Gilbertinho
Kill Bill – sessão do Falcatrua na UFES | Troféu_Honda
A oficina dos Territórios Recombinantes proporcionou um espaço para projetarmos certas inquietações que
não encontram vazão em Vitória. Idéias que, por mais que se desenvolvam pela dispersa malha eletrônica,
só ganham corpo ao serem localizadas – ainda que pelo curto intervalo do encontro, como planos, hipóteses,
diálogo.
gabr iel m e n ot t i
vitória | depoimentos | l ab orat órios de pro jeto s |
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Fotos: Janaina Steris
Objeto escatológico, 2006 | palimpsesto (desenho sobre fotografia)
Foi enriquecedor a participação no projeto Territórios Recombinantes, para melhor compreender novos
meios da produção em arte tecnologia, sem perder o que é essencial ao artista, a capacidade de expressão.
Os desdobramentos dessa experiência ampliaram minhas alternativas tecnológicas de construção de algo que
ainda está por vir e o resultado está na produção de desenhos em várias dimensões e tudo isso não tem limite.
mar celo ga n d in i
vitória | depoimentos | l ab orat órios de pro jeto s |
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Fotos: Melissa Guizzardi
Isabelita bandida, 2006 | animação 2D
A oficina Territórios Recombinantes foi uma excelente oportunidade de mostrar nosso trabalho. A experiência dos Territórios foi muito gratificante pelas opiniões e comentários, pelo material que nos foi cedido e
pelos contatos que estabelecemos.
mel issa g u i z z ar d i
vitória | depoimentos | l ab orat órios de pro jeto s |
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Fotos: Meng Guimarães
Arquétipo 1 e 2, 2005/2006 (work in progress) | fotografia digital / performance
Produzir é conceber, atrair e “ser pego”. O sentido da troca, nesse ofício, torna-o menos doloroso. Pensar sobre
algo que não me pertence me deixa mais à vontade, aceitando questões de quem me é semelhante.
men g g ui ma r ãe s
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Fotos: Bruno Zorzal
Cartografias do desmedido tempo [Real tempo], 2006 | vídeo, DVD, cor, 15´
O período de discussão durante o Laboratório de Projetos foi bastante produtivo. É interessante observar
como se desenvolvem os trabalhos de diferentes artistas. O modo como eles são apresentados e o feedback
recebido. Do mesmo modo interessante é observar como é empregada uma diversidade de tecnologias – seja
analógica, digital ou mesmo híbrida – e também diferentes processos criativos.
miro soa r e s
vitória | depoimentos | l ab orat órios de pro jeto s |
Fotos: Amanda Freitas
Pele – Superfície – Mercado, 2006 | técnica mista: fotografia, instalação, intervenção e vídeo
Participar do Laboratório foi bom, pois tivemos a oportunidade de expor experiências e trocar idéias.
rubi ane ma i a e am an da f r e i ta s
vitória | depoimentos | l ab orat órios de pro jeto s |
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Fotos: Fabrício Noronha
Encontro mesmo remix, 2006 | trabalho sonoro / som ao vivo
Considerando o encontro, algo que venho trabalhando dentro de uma relação entre espectador/autor e aluno/professor, coloco o ambiente da “oficina” como lugar de apresentação do trabalho sonoro Encontro mesmo
remix. Por meio dos depoimentos (verbalizados) pode ser articulado possível interesse, de cada um, nessas chaves, e em outras apresentadas, respectivamente uma autoria conjunta entre todos participantes da oficina.
si lfarl e m ol iv e i ra
vitória | depoimentos | l ab orat órios de pro jeto s |
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Fotos: Thamile Vidiz e Lucas Mariano
Intermitência, 2006 | vídeo
Participei da oficina em Goiânia, com um projeto que ainda estou desenvolvendo chamado Intermitência,
uma série de três vídeos que estão ainda sendo trabalhados. No evento, mostrei o primeiro vídeo desta série.
A oficina me proporcionou uma melhor visão de montagem e melhor emprego de nomenclaturas... Fontes
de pesquisa também foram sugeridas.
ann a b eh at r i z a z e v e d o
goiânia | depoimentos | l ab orat órios de pro jeto s |
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Fotos: Noeli Batista
Sem título, 2005 | vídeo
Participar do projeto e recombinar territórios – filosóficos e tecnológicos – dentre os diferentes níveis de
percepção acerca da imagem e sua reorganização em mídias interativas, constituiu-se para mim, uma experiência única de aprendizagem e reflexão sobre arte, tecnologia e poéticas entre espaços reais e virtuais.
noel i b at i s ta
goiânia | depoimentos | l ab orat órios de pro jeto s |
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Foto: Daniel Malva
Sem título, 2004 | processo: preto e branco
Conhecer produções de artistas independentes de outros estados e cidades foi uma experiência sem precedentes. Sem contar o contato com grandes artistas e poder ouvir críticas que acrescentaram muito ao meu trabalho. Uma oportunidade que certamente mudou a minha maneira de encarar minha produção artística.
dan iel m alva
porto alegre | depoimentos | l ab orat órios de pro jeto s |
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Fotos: Dirnei Prates
Polifonia do lugar, 2005 | site specific (videoinstalação)
Apresentar e discutir minha pesquisa junto a artistas com grande experiência no campo das novas mídias e
com pessoas afins, me propiciou um pensar mais amplo a respeito do projeto proposto – Polifonia do lugar –,
que consiste num site specific. As opiniões, críticas e sugestões levantadas durante as discussões do projeto,
serviram, de certo modo, como balizamento para futuras montagens desta intervenção.
dir nei pr at e s
porto alegre | depoimentos | l ab orat órios de p ro jeto s |
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Fotos: Lissandro Stallivieri e Janete Kriger
Boxing’n Snoopy, 2003 | vídeo | Giocattoli a New York, 2003 | vídeo | Medalhas, 2006 | fotografia digital
O projeto Territórios Recombinantes tornou-se um marco para a minha produção artística. Foi a grande
oportunidade de mostrar o meu trabalho para um público crítico de alto nível, que não se limitou às simples
avaliações, mas indicou novos caminhos.
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porto alegre | depoimentos | l ab orat órios de pro jeto s |
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Fotos: Niúra Borges e Itamar Aguiar
Dobradura, 2006 | site-specific | Entremeio, 2004 | videoinstalação
Foi extremamente gratificante e estimulante participar de um projeto com essa magnitude. Poder ouvir, debater e receber de artistas com grande experiência na área, considerações relevantes sobre meu trabalho
plástico e que foram fundamentais para o desenvolvimento do meu projeto de pesquisa. Além, é claro, da
contribuição importante recebida na troca com colegas que participaram do evento. Saliento, também, a
qualidade da organização e a competência da equipe envolvida. Parabéns a todos e meus agradecimentos
pela oportunidade.
niú ra bo r g e s
porto alegre | depoimentos | l ab orat órios de pro jeto s |
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Fotos: Pablo Paniagua
Da série Tartarugas no céu, 2006 | vídeo
Foi muito bom participar deste projeto do Instituto Sergio Motta. O contato com diversos artistas, e mais
que isso, com suas obras ainda em estágio de construção, acredito que tenha sido determinante na produção
de todos os participantes. Foram momentos especiais de diálogo, troca de informações técnicas e múltiplas
vivências sobre o fazer artístico e todas suas implicações.
pabl o pa n iag ua
porto alegre | depoimentos | l ab orat órios de pro jeto s |
territórios recombina nte s
Territórios Recombinantes está inserido na estratégia do Prêmio Sergio Motta
de Arte e Tecnologia de ampliação do debate em torno da cultura digital e do
impacto da tecnologia na contemporaneidade. A partir de parcerias com instituições culturais e de ensino em Salvador, Vitória, Goiânia e Porto Alegre, críticos e artistas vinculados ao Prêmio encontraram interlocutores em cada uma
das cidades, para um final de semana de debates e laboratórios para discutir e
difundir a produção de arte e tecnologia no Brasil. Estabelecendo redes entre
criadores de diferentes regiões brasileiras, ativando conexões e ampliando a democratização ao acesso e à participação na produção cultural contemporânea
no país, Territórios Recombinantes se propõe a neutralizar possíveis hierarquias
que marcam a produção do conhecimento no Brasil e a fortalecer o exercício
da cidadania por meio da inclusão digital.
Patrocínio
Parceiros
Apoio
Centro de Artes
Secretaria de Produção e Difusão Cultural
Universidade Federal do Espírito Santo
instituto sergio mot ta
O Instituto Sergio Motta é um tributo a uma personalidade brasileira que
apoiou significativamente a cultura no país e, no período em que esteve à frente do Ministério das Comunicações (1994-1998), teve papel fundamental no
processo de modernização das telecomunicações brasileiras. O Instituto foi
criado em 2000, como um centro de investigações e de debates, principalmente sobre os desafios do desenvolvimento brasileiro. O Instituto dedica grande
parcela de seus esforços a estimular políticas e mecanismos de inclusão social
e promoção da cidadania. Apóia também manifestações de cultura e arte, em
sua diversidade de formas e suportes, notadamente as que busquem identificar
nossa identidade nacional. Nesse referencial, o Prêmio Sergio Motta de Arte
Tecnologia – principal ação do Instituto na área da cultura – visa promover
a produção artística emergente, democratizando o acesso e a participação à
produção cultural contemporânea no Brasil.
prêmio se rgio mot ta de arte e tecnologia
O Prêmio Sergio Motta de Arte e Tecnologia foi criado em 2000 com o objetivo
de apoiar a criação artística em novas mídias. Diversas áreas da criação artística
e teórica têm sido contempladas: artes visuais, música, literatura, dança, performance, artes interativas, arte e ciência e pesquisas teóricas.
A partir de 2005, o Prêmio tornou-se uma ação bienal. Paralelamente a sua
principal ação de fomento da produção artística, o novo calendário prevê a
ampliação de ações de reflexão e difusão no campo da cultura digital, com a realização de palestras, fóruns, oficinas, publicações e exposições. Assim, nos anos
ímpares passa a ser realizada a premiação propriamente dita e nos anos pares,
são realizadas essas ações complementares, entre elas os projetos Territórios
Recombinantes e Conexões Tecnológicas.
www.premiosergiomotta.org.br
Membros Corporativos
Realização
Esta publicação foi composta nas fontes Bliss e Proforma
e impressa em maio de 2007 pela Imprensa Oficial do Estado de São Paulo
sobre papel offset 90g/m2.

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