OS DITONGOS DECRESCENTES EM FRANCÊS

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OS DITONGOS DECRESCENTES EM FRANCÊS
OS DITONGOS DECRESCENTES EM FRANCÊS
(Publicado nos Anais da 45ª Reunião Anual da SBPC, 1993, p. 499)
Resumo: Discute-se aqui a existência de ditongos decrescentes em francês, formados por vogal seguida
de /j/. Para tanto, analisam-se as ocorrências de vogal seguida de /j/ em francês e reconhece-se que, em
alguns contextos, se tem vogal + /j/ + /E/ (arquifonema resultante da neutralização de /´/ e ∅), enquanto
em outros contextos se tem vogal + /j/ simplesmente. No primeiro caso, o /j/ forma ditongo crescente com
/E/ (isto é, /jE/), ao passo que no segundo caso o /j/ forma ditongo decrescente com a vogal precedente.
Palavras-chave: Lingüística; fonologia; fonêmica; ditongos decrescentes; semivogal /j/; neutralização;
arquifonema; fonema zero; francês.
Abstract: One discusses here the existence of decrescent diphthongs in French, formed by a vowel
followed by /j/. To do so, one analyses the occurrences of a vowel followed by /j/ in French and
recognises that, in some contexts, one has vowel + /j/ + /E/ (archiphoneme resulting from the
neutralisation of /´/ e ∅), whereas in other contexts one simply has vowel + /j/. In the first case, /j/ forms
a crescent diphthong with /E/ (that is, /jE/), whereas in the second case it forms a decrescent diphthong
with the preceding vowel.
Keywords: Linguistics; phonology; phonemics; decrescent diphthongs; /j/ glide; neutralisation;
archiphoneme; zero phoneme; French.
Preliminares
Para discutirmos os ditongos decrescentes em francês e sua distribuição, será necessário tecer
algumas considerações preliminares a respeito de uma vogal francesa cujo comportamento afeta
diretamente a descrição fonológica de tais ditongos, como veremos mais adiante.
Em francês, existe uma vogal exclusivamente átona, de articulação central média aberta, chamada
chva, representada graficamente no Alfabeto Fonético Internacional por /´/.
Em posição medial, /´/ pode ser obrigatório, facultativo ou mesmo proibido. É obrigatório após
encontros consonantais formados por uma consoante explosiva e uma líquida, chamados de grupos reais:
pl, bl, cl, gl, fl, pr, br, tr, dr, cr, gr, fr e vr. Assim, em contrepoids, o /´/ é obrigatório, por vir precedido
de tr (grupo real). Em batterie, o /´/ é facultativo, pois tal palavra pode igualmente ser pronunciada
battrie. Já em patrie, a pronúncia *paterie é totalmente proibida. Desse modo, para descrevermos com
precisão o sistema vocálico do francês, devemos postular que em palavras tais como batterie existe um
arquifonema /E/, resultante da neutralização de /´/ com o fonema zero (∅). Por conseguinte, contrepoids
deve ser transcrito como /kõtr´»pwa/, patrie como /pa»tri/ e batterie como /batE»ri/.
Em posição final absoluta, /´/ é obrigatório após grupo real. Assim, a palavra cercle, por exemplo,
transcreve-se fonologicamente como /»sErkl´/. Fora desse caso, a ocorrência de /´/ em posição final é
facultativa. Desse modo, a palavra normal admite igualmente as pronúncias [nçr»mal] e [nçr»mal´], sem
alteração de significado1. Vê-se, assim, que em posição final a ocorrência de /´/ é obrigatória em alguns
casos e facultativa em outros. Entretanto, em posição final, não é preciso postular a existência do
arquifonema /E/, uma vez que, se assim o fizéssemos, resultaria que toda palavra francesa que não
termine em vogal tónica ou em /´/ obrigatório, terminaria em /E/. Como a presença ou não de /´/ em
posição final não altera o significado, podemos dizer que se trata de um fenômeno exclusivamente
fonético, que não repercute no plano fonológico. Assim, por simplicidade, postularemos que /E/ não
ocorre em posição final. Conseqüentemente, fragile será transcrito /fra»Zil/ e não /fra»ZilE/.
Os ditongos decrescentes do francês
O francês tal qual era falado até o século XVIII não apresentava ditongos decrescentes, isto é,
aqueles cujo segundo elemento é uma semivogal. Entretanto, a evolução do fonema /¥/ para /j/ fez que
surgissem nessa língua ditongos decrescentes em /j/ (por exemplo, travail, antes pronunciado [tra»va¥],
passou a pronunciar-se [tra»vaj]. Vejamos, então, que distribuição tais ditongos passaram a ter em francês.
Em posição medial, o /j/ deve ser sempre seguido de vogal, mesmo que seja o arquifonema /E/, pois,
dada por exemplo a palavra payement, podemos ter as pronúncias [pEj´»mA] e [pEj»mA]. Portanto, o /´/
medial é facultativo em francês, e conforme descrevemos mais acima, corresponde no plano fonológico
ao arquifonema /E/. Tal palavra deve então ser transcrita como /pEjE»mã/. Por questão de convenção,
considera-se que, dado um /j/ intervocálico em francês, este forma ditongo com a vogal subseqüente e não
com a precedente. Assim, a divisão silábica da palavra dada é /pE-jE-mã/ e não /pEj-E-mã/. Por
conseguinte, temos aí um ditongo crescente (/jE/) e não decrescente (/Ej/). Já na palavra travail, não
existe, como vimos, /E/ em posição final, razão pela qual a transcrição fonológica dessa palavra deva ter
/tra»vaj/ e não /tra»vajE/. Igualmente, a transcrição de patrouille será /pa»truj/ e não /pa»trujE/.
Conclusão
Observa-se, assim, que o francês admite ditongos decrescentes em /j/ apenas em posição final
absoluta. Em outras posições, tais ditongos existem apenas no plano fonético, mas não no fonológico.
Nota
l. É mister reconhecer que, no passado, a ocorrência ou não de /´/ era pertinente. Assim, normal
pronunciava-se [nçr»mal] e normale pronunciava-se [nçr»mal´]. Desse modo, o /´/ servia, entre outras
coisas, para marcar a oposição masculino/feminino. Todavia, a evolução fonética da língua conduziu à
indiferenciaçao das formas, de modo que hoje tal distinção é meramente ortográfica.