pluralismo jurídico: uma maneira de dizer direito através das

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pluralismo jurídico: uma maneira de dizer direito através das
PLURALISMO JURÍDICO: UMA MANEIRA DE DIZER DIREITO ATRAVÉS DAS
MINORIAS.
Camila Barros dos Santos Correia1
Rafaela Carlos da Roza2
Vilmar Moura Guarani3
RESUMO: O pluralismo jurídico foi assumindo um espaço gradual no cenário social, mas o que seria este
fenômeno do pluralismo jurídico? Uma conceituação mais simplificada seria a de que o pluralismo é o fenômeno
que possibilita o surgimento de direitos além daqueles ditados pelo Estado, este que passa a não ser o único a
determinar (impor) normativas. Vai reconhecer a legitimidade das relações jurídicas estabelecidas por grupos
considerados excluídos (socialmente), no que tange as lutas sociais por direitos e pela democracia. A dinâmica
social a qual conhecemos sempre produziu normas ou procedimentos que regulam a sociedade,
independentemente da elaboração das leis ou normas estatais. Mesmo com a modernidade e modo de produção
capitalista que alguns países acabaram adotando, que se sintetiza em um Estado centralizador e burocrático,
acaba-se validando o chamado monismo jurídico. Pode-se notar que o pluralismo jurídico vem desde o Império
Romano, com o Direito Romano e o Direito dos povos conquistados, visto que deste então era visível a
existência de uma pluralidade de ordenamentos que eram vigentes no mesmo espaço político-social. Diante
dessa temática despertou-se o interesse para se abordar sobre esta polêmica temática, utilizando para tanto de
fontes bibliográficas para o levantamento teórico.
Palavras Chaves: [1] Pluralismo Jurídico. [2] Estado. [3] Direito Alternativo.
ABSTRACT: Legal pluralism was gradually assuming a space on the social scene, but what is this
phenomenon of legal pluralism? A more simplified concept would be that pluralism is the phenomenon that
enables the emergence of rights beyond those dictated by the state, that this shall not be the one to determine
(impose) regulations. Will recognize the legitimacy of the legal relationship established by excluded groups
considered (socially), regarding the social struggles for rights and democracy. The social dynamic which we
know has always produced standards or procedures governing the society, irrespective of drafting laws or state
rules. Even with modernity and the capitalist mode of production that some countries eventually adopted, which
are summarized in a centralized and bureaucratic state, ends up validating the so-called legal monism. It may be
noted that legal pluralism comes from the Roman Empire, with the Roman Law and the Law of conquered
peoples, since this was visible then the existence of a plurality of orders which were in force in the same sociopolitical space. Given this theme woke up the interest to tackle controversy on this issue, using both literature
sources for theoretical research.
KEY WORDS: [1] Legal Pluralism. [2] State. [3] Alternative Law.
SUMÁRIO: 1 Introdução; 2 Abordagem Histórica; 3 Monismo Jurídico versus Pluralismo Jurídico; 4
Considerações Finais; 5 Referências Bibliográficas.
1
CORREIA, CAMILA BARROS DOS SANTOS. Técnica em Informática pela Escola Estadual Oscar Soares e
Graduanda do IV Termo de Direito da AJES, [email protected].
2
DA ROZA, RAFAELA CARLOS. Graduada em Letras na Universidade Pontifícia do Paraná e Graduanda do
IV Termo de Direito da AJES., [email protected].
3
GUARANI, VILMAR MOURA. Graduado em Direito pelo Centro Universitário de Goiás. Mestre em Direito
pela Universidade Universidade do Paraná. Professor na AJES, [email protected].
1 INTRODUÇÃO
O pluralismo jurídico reflete ineficiência causada pelas normas jurídicas impostas pelo
Estado a seus cidadãos, vai surgir com a ausência do estado com o cidadão. O pluralismo
jurídico representa uma espécie de ''direito paralelo'' o qual tenta corrigir algumas falhas que
não são solucionadas pelas normas jurídicas do estado.
É de conhecimento que na sociedade não existem apenas as leis impostas pelo estado,
ou seja, algumas se criam de forma paralela, fazendo com que o estado não tenha mais
controle da criação de outras leis. O pluralismo busca suprir as carências que surgem no
contexto de sua sociedade, não significando que esteja se garantindo a paz social, já que em
algumas situações os interesses coletivos são postos em um segundo plano.
Wolkmer, um dos grandes nomes do pluralismo jurídico no Brasil, dá uma grande
importância a este envolvimento e participação dos grupos sociais, que se dá, sobretudo
naquilo que indica como sendo "novos movimentos sociais", que se transformam em atores
sociais, sendo protagonistas nas formas de criação da sociedade, inclusive do direito em seus
novos traços4.
Nas sociedades excluídas socialmente, o pluralismo jurídico se constituirá dentro de
dois movimentos contraditórios, sendo um deles a força de fatores extrínsecos seculares que
são estruturalmente impeditivos de realização da modernidade jurídica, um exemplo disto é a
ineficácia das normas, e, o outro por decorrência da pressão de projetos independentes que
partirão de coletividades jurídicas, o que é base para novas maneiras de se dizer direito,
exemplificando essa afirmativa temos a necessidade da criação do “direito paralelo” para a
solução de uma carência normativa.
O pluralismo jurídico pode ser considerado uma forma complementar de elaboração
de normas do Estado, mas em alguns casos vai se mostrar contrárias a esse objetivo, fazendo
surgir diversas críticas quanto à sua aplicação, principalmente quando essas críticas envolvem
aqueles que defendem que só o Estado é quem pode ditar as leis (monistas jurídicos), e,
quando essa aplicação não atinge a paz social desejada por uma parcela populacional que
deixou de ser massacrada pelo Estado e leva a um sentir de opressão por esse novo direito.
4
WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo jurídico: fundamentos de uma nova cultura no Direito. 3. Ed.
São Paulo: Alfa Omega, 2001.
Partindo destes contrapontos faz-se necessário então, trazer a luz da discussão uma
abordagem histórica sobre o pluralismo jurídico suas conceituações e depois de esclarecidos
acerca desta temática e demonstrar as diferenciações entre o pluralismo e o monismo jurídico.
2. ABORDAGEM HISTÓRICA
O Pluralismo Jurídico se dá pela diversidade em um mesmo lugar de povos com
diferentes princípios e culturas. Tornou-se mais popular na segunda metade do século XX, e
trouxe uma grande reação de discordância em um mundo o qual possuía uma visão fechada do
direito, essa visão é denominada de monismo jurídico que veio surgir com o direito ocidental.
Com o advento da Revolução Francesa, surgiu na Europa o fenômeno jurídico
correspondente ao interesse na unicidade política e a criação do Estado de Direito. O Estado
não admitia nenhum poder que fosse superior ao seu, não admitindo ou reconhecendo
qualquer outro centro de produção jurídica, visto que é dele o monopólio do poder normativo,
o poder de ditar o que é direito. Tal atitude é denominada de monismo jurídico que significa o
reconhecimento de apenas uma ordem jurídica, seja ela estatal ou natural.
Já no inicio do segundo milênio da chamada Era Cristã, diversas forças na Europa,
dentre as quais se aponta a Igreja, o Sacro Imperador, os príncipes territoriais, as cidades e
ligas de cidades, passaram a lutar para se afirmar sua hegemonia política. Com isso, começase a perceber uma condição de pluralismo jurídico, onde vários grupos sociais seguiam as que
cada localidade impunha estas que se diferia de comunidade a comunidade.
O pluralismo jurídico não surge como uma afronta ao monismo, mas diante da
insuficiência gerada pelo monismo estatal, houve a necessidade de novas fontes geradoras da
produção de normas que não fossem aquelas ditadas pelo Estado. Desabrocha o pluralismo,
como corrente doutrinária com objetivos revolucionários, com tendências que visam romper
com o paradigma dominante o monismo jurídico.
Essa variedade de direitos distintos presentes em um mesmo ambiente chamou a
atenção de muitos acadêmicos, muitos deles das áreas de sociologia e antropologia. A partir
de estudos dos antropólogos no inicio do século XX, conseguiu se chegar a conclusão de que
as demais sociedades além das europeias e de seus padrões culturais, também eram detentoras
de direitos. Com esse olhar trazido pela antropologia e sociologia, conseguiu-se desenvolver
argumentos críticos ao sistema monista jurídico.
Posteriormente, nos anos de 1970 e 1980, surgiram novos argumentos, como os
questionamentos sobre as situações de subordinação dos direitos locais ao direito estatal e
oficial. E ainda o fato de as ordens normativas influenciarem e modificar uma as outras em
um processo de mútua influência. E a admissão de uma variedade de direitos não oficiais ou
não estatais, para tanto o pluralismo jurídico deixou de ter contornos coloniais, rurais,
assumindo também os cenários urbanos, metropolitanos e ocidentais.
Com o pluralismo jurídico e as discussões levantadas entorno deste fenômeno,
professores de direito mundo afora o usaram como forma de criticar o conceito de direito
correspondente a normas postas pelo Estado.
Aqui no Brasil, onde há um grande desnível social, fica mais nítido o tema pluralismo
jurídico já que a ideia de pluralismo é a de ser instrumento para reunião e confecção de novas
normas de conduta para aqueles que se sentem distantes do Ordenamento Jurídico.
É válido destacar que, essas normas serão obrigatórias para aqueles que as
formularam, visto a finalidade de emancipação social, partindo de um cenário de respeito ao
próximo. Trazendo essa temática para nossa realidade temos a situação vivida pelas pessoas
que moram nas favelas e acabam sendo submetidas às normas estabelecidas naquela
localidade. Essa tese encontra uma objeção do tipo lógico, principalmente quanto à sua
aceitação pelo Estado, ou seja, ou devemos admitir que o direito informal fosse reconhecido
pelo Estado ou este direito não é reconhecido. Segundo Ana Lúcia Sabadell:
Podem existir ordenamentos jurídicos contraditórios (que levam a soluções
diferentes para a mesma situação), mas também ordenamentos complementares
aplicáveis a situações diferentes5. (SABADELL, A. L., 2005).
Há casos em que o Estado reconhece ordens extraestatais, como por exemplo, as
comunidades indígenas da America Latina, porém há casos em que a atuação de uma
organização contraria claramente a legislação em vigor, e que não podem ser consideradas,
pois se uma regra for considerada como direito no sentido informal, como por exemplo, as da
máfia, quando um tribunal decidisse punir seu líder ou membro da máfia estaria agindo na
ilegalidade por estar violando os direitos dos mafiosos.
5
SABADELL, Ana Lucia. Manual de Sociologia Jurídica. Introdução a uma leitura externa do Direito. 3ª ed.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. P.121.
Leciona BASTOS, que a passagem do Estado Liberal para o Social ficou caracterizada
por decisões com fins sociais e econômicas, afirma que “os principais elementos componentes
deste alargamento das funções públicas foram à promoção do bem comum e da justiça
social”6.
Essa saída encontrada que acaba por gerar um direito paralelo não faz com que o
Estado fique inerte, podendo, se houver a necessidade tomar para si o seu espaço que lhe foi
tomado devido à sua ausência. Alguns juristas consideram que o pluralismo jurídico, oferece
um conjunto de debates útil para a construção de novas categorias jurídicas, que deem conta
dessas novas realidades na qual as relações globais e locais se interpenetram.
3. Monismo versus Pluralismo Jurídico
Muitos são os estudiosos que notaram a importância desta temática, percebendo então
a necessidade que se discorrer sobre o tema, desenvolvendo trabalhos importantíssimos não só
dentro, mas também fora do Brasil, no intuito de clarear e demonstrar a materialidade desta
realidade.
Dentre eles, pode-se citar Boaventura de Souza Santos, Carlos A. Wolkmer, Carlos F.
Marés de Souza Filho, Carlos Steil, Geraldo de Souza Junior, Ivo Lesbaupin, Luiz Fernando
Coelho, dentre tantos outros.
O pluralismo jurídico surge como uma concepção adversa ao monismo jurídico, o que
tende a socializar o direito ao passo que, vigora a estatalidade do direito. Segundo Giugni, o
abandono do monismo estatal vai ao encontro da abertura da crítica do problema das fontes.
Nesse sentido a doutrina adota o princípio do pluralismo jurídico pela Constituinte de 1988,
visto a possibilidade de alteração do cenário monista7.
Para Santos, o monismo jurídico considerará válida, apenas uma ordem jurídica, seja o
direito natural ou o universal denominado de monismo jurídico universal, seja o direito estatal
denominado de monismo jurídico estatal8.
Traz a baila Santos, que o monismo universal fundamenta-se na existência de um
único direito universal, sendo ele absoluto comum a todos os povos e nações. Seu auge
6
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Teoria do Estado e Ciência Política. São Paulo:
Saraiva, 1986. P. 41
7
GIUGNI, Gino. Introducción al estudio de la autonomía colectiva. Granada: Editorial Comares, 2004.
P.51/52.
8
SANTOS, Ronaldo Lima dos. Teoria das normas coletivas. 2. Ed. São Paulo: LTR, 2009. P. 30.
doutrinário se dá no período dos séculos XVII e XVIII, nesta época o racionalismo e o
iluminismo forneceram bases para os grandes sistemas do direito natural9.
Assim, o direito natural, tende a condicionar a validade do direito ao valor de justiça,
para tanto, Norberto Bobbio define o direito natural como sendo uma corrente do pensamento
jurídico, na qual, a lei para ser lei deve estar em conformidade com a justiça, ou seja, sendo
capaz de determinar o que é justo e o que é injusto10.
Segundo Santos, no que tange ao monismo jurídico estatal, pode-se afirmar que ele
consubstancia-se como produto histórico da formação dos grandes Estados na Era Moderna,
nascido mediante a queda da sociedade medieval11.
Antes do surgimento do monismo estatal, já se conseguia vislumbrar um pluralismo
jurídico, no caso dos feudos, os quais emanavam suas regras de conduta e sansões pelo
descumprimento das mesmas, para os indivíduos que a eles se subordinavam. Com o decurso
de tempo todo esse cenário foi sendo adequado, colocando-se e segundo plano aquela visão
monista.
Contudo, os estados modernos formaram-se com a extinção dos ordenamentos
jurídicos anteriores, não só os superiores como os considerados inferiores que passaram a se
concentrar na sociedade nacional, mediante o processo de monopolização da produção
jurídica. O poder de emanar o direito passou a se concentrar nas mãos do Estado, com a
determinação dos demais centros de poder inferior e superior, até a extinção de qualquer fonte
de produção que não fosse o Estado.
Por obra do positivismo jurídico, o direito foi reduzido ao direito positivo, o direito
natural é excluído das categorias do direito, ou seja, o direito positivo é direito e o direito
natural não pode ser considerado como sendo direito, conforme ensinamentos de Norberto
Bobbio. O Estado tem importância excepcional a todas as formas de organização da sociedade
que derivam de ação produtora de direito do Estado, único capaz de emanar normas
jurídicas12.
Leciona Reale, que o monismo não resiste a críticas elaboradas pelos teóricos do
pluralismo jurídico, isto é, todos os que negam a existência de um único ordenamento ao
9
SANTOS, Ronaldo Lima dos. Teoria das normas coletivas. 2. Ed. São Paulo: LTR, 2009. P. 30.
BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. São Paulo: Pólis; Brasília: Editora Universidade de
Brasília, 1989. P. 55/56.
11
SANTOS, Ronaldo Lima dos. Teoria das normas coletivas. 2. Ed. São Paulo: LTR, 2009. P. 33.
12
BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. São Paulo: Ícone, 1995. P.26.
10
passo que, igualmente sustenta a multiplicidade de outros ordenamentos e ao mesmo tempo
contra o direito estatal, os quais não se pode negar o positivismo13.
Georges Gurvitch desenvolve uma concepção complexa de pluralismo jurídico.
Sustenta Wolkmer que Gurvitch:
"Entende que a legislação estatal não é a única nem a principal fonte do mundo
jurídico, existindo outros numerosos grupos sociais ou sociedades globais,
independentes do Estado e capazes de produzir formas jurídicas. Cada grupo possui
uma estrutura que engendra sua própria ordem jurídica autônoma reguladora de sua
vida interior"14.
Pode-se notar que não se pode criminalizar o pluralismo jurídico, vez que este vem
como forma de auxílio a insuficiência do Estado na produção jurídica. No Brasil, a formação
de uma diversidade cultural, o tamanho territorial, as mais variadas necessidades sociais, a má
administração governamental, o sistema capitalista, o sistema econômico, a má distribuição
de renda, a corrupção em todos os poderes, o desvio dos interesses estatais sempre no
interesse de minorias, dentre outros aspectos, propiciam as movimentações sociais em busca
de soluções a problemas, que acabam se consubstanciando em formas de Pluralismo Jurídico.
No país, a ineficácia estatal está atrelada a diversos fatores, tais como históricos,
humanos, excesso de formalismo, burocracia e principalmente pela falta de vontade e
interesse dos representantes dos três poderes em resolver a crítica situação em que se encontra
o país, fato que se comprova pelos acontecimentos históricos, o qual se faz necessário trazer à
discussão.
O Estado brasileiro traz desde a primeira Constituição Republicana do ano de 1891,
em seu bojo o modelo Federativo de distribuição das competências, que assume um modo
flexível e autônomo de funcionamento no que diz respeito aos Estados-membros. A separação
dos poderes foi tripartida em legislativo, executivo e judiciário como já é de conhecimento,
recebendo uma grande influência de Montesquieu.
Leciona WOLKMER, “o constitucionalismo brasileiro tem sido, até hoje, o contínuo
produto da “conciliação-compromisso” entre o autoritarismo social modernizante e o
13
REALE, Miguel. Teoria do direito e do Estado. 5. Ed. São Paulo: Saraiva, 2000. P.265
WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo jurídico: fundamentos de uma nova cultura no Direito. 3. Ed.
São Paulo: Alfa Omega, 2001. P. 179.
14
liberalismo burguês conservador”
15
, que acarreta essa nuance jurídica, no que tange a
produção normativa.
Por vir de um processo histórico que, como se sabe foi lento e de grandes desrespeitos,
desrespeitos estes que vão desde a exploração dos recursos naturais até a exploração do
trabalho escravo, o Estado brasileiro acaba por sofrer crises que são reflexos dos elementos
anteriormente citados, diante disso vão existir grupos humanos que se regulam totalmente
alheios à sociedade estatal, como é o caso dos grupos indígenas, ribeirinhos, quilombolas,
dentre outros. A Constituição Federal de 1988 reconheceu esta realidade brasileira, contudo o
pluralismo não é aceito.
Leciona SOUZA SANTOS que, o princípio da autodeterminação confere aos povos
indígenas o “direito de autonomia ou de autogoverno em relação a questões relacionadas a
seus assuntos internos locais” 16.
O Pluralismo Jurídico quer queira quer não já se apresenta como uma realidade social
concreta, vem oferecer formas alternativas de realização efetiva das necessidades de uma
sociedade múltipla que detém uma gama de necessidades, em face de um Estado unitário e se
mostra ineficaz, e, que no contexto atual não mais tutela os interesses e necessidades das
maiorias, muito menos os daqueles que compõem as minorias.
Se houvesse uma aprovação do pluralismo o Estado estaria demonstrando sua
fraqueza, nesse sentido leciona WOLKMER, “quanto maior for o poder de intervenção,
dirigismo e responsabilidade administrativa, maior é a necessidade que tem o Estado de criar
“mitos fundantes” para proteger e justificar sua onisciência frente a outras instancias sociais”
17
. Assim, podemos observar que quanto maior o poder de dirigismo do Estado, maior será a
facilidade de camuflar suas fraquezas.
Em sentido contrário, leciona REALE que o pluralismo é falho, por não distinguir o
direito social do direito jurídico, relata que “falharam em parte todas as tentativas feitas para
apresentar um elemento novo, distinto do Direito Positivo em substituição do elemento
representado pela coação” 18. Para este o pluralismo coloca em perigo a unidade da Ciência do
Direito.
15
WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo jurídico: fundamentos de uma nova cultura no Direito. 3. Ed.
São Paulo: Alfa Omega, 1989. P. 35.
16
SOUSA SANTOS, Boaventura de. A Crítica da Razão Indolente: Contra o Desperdício
da Existência. 2ª São Paulo: Cortez. V 1, 2003. P. 570.
17
WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo jurídico: fundamentos de uma nova cultura no Direito. 3. Ed.
São Paulo: Alfa Omega, 1997. P. 256.
18
REALE, Miguel. Teoria do Direito e do Estado. 4a ed. São Paulo: Saraiva, 1984, P. 262.
Diante desses embates pode-se notar o quão polêmica é a temática e quão necessário
se expor os pontos pró e contras.
Já para FARIA, o cenário de contradições e crises da sociedade capitalista, vem do
“colapso do individualismo jurídico, no esvaziamento de uma concepção burguesa de direito
edificada em torno da noção de direito subjetivo e na superação das forças analíticas dos
esquemas teóricos da dogmática jurídica”
19
. Com isto, as formas coletivas de conflito entre
grupos e classes sociais foram alterando os conceitos básicos do Direito, que
consequentemente foram perdendo sua operabilidade para uma forma paralela de produção
normativa, passando a coexistir de uma forma mais ou menos incomoda, com o direito que
anteriormente era monopólio dos Estados.
Segundo SILVA FILHO, a crise do paradigma da dogmática jurídico afeta de maneira
bem mais aguda a realidade periférica, ou melhor, dizendo daqueles que são menos
favorecidos, pois a inadequação entre direito e realidade, sinal da crise, além de comprometer
de forma mais crítica essas sociedades, já é um sintoma que remonta ao próprio período
colonial20.
Abordando sobre o sistema monista tem-se que, as concepções monistas admitem
apenas um sistema de Direito, qual seja, o direito positivo imposto pelo Estado. Nessa esteira,
REALE descreve que para o monismo “só o sistema legal pelos órgãos estatais deve ser
considerado Direito Positivo, não existindo positividade fora do Estado e sem o Estado”
21
.
Porém, deve-se reafirmar que tais concepções encontram-se ultrapassadas diante do contexto
atual, já que as relações intersociais são diversas daquela em que o Estado era capaz de suprir.
Para WOLKMER, “ao contrário da concepção unitária, hegemônica e centralizadora
denominada de “monismo”, a formulação teórica e doutrinária do pluralismo designa a
existência de mais de uma realidade, de múltiplas formas de ação com particularidades
próprias”
22
. Ressaltando que esse sistema paralelo vem surgir justamente pela ineficácia do
Estado.
19
FARIA, José Eduardo. A Crise do Direito Numa Sociedade em Mudança. Brasília: Ed.
Universidade de Brasília. (Coleção: Roberto Lyra Filho. Pensamento Crítico no Direito), 1988. P. 13.
20
SILVA FILHO, José Carlos Moreira da. Filosofia Jurídica da Alteridade. 1ª ed. Curitiba: Juruá, 1995, P.
198.
21
REALE, Miguel. Teoria do Direito e do Estado. 4a ed. São Paulo: Saraiva, 1984, P. 243.
22
WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo jurídico: fundamentos de uma nova cultura no Direito. 3. Ed.
São Paulo: Alfa Omega, 1997. P. 157/158.
O pensamento de SOUZA SANTOS é que “na realidade, o Estado nunca deteve o
monopólio do direito” 23, sabendo que o ordenamento jurídico das sociedades modernas desde
o início foi constituído por dois elementos, sendo eles, a existência de várias ordens jurídicas
não sendo apenas aquelas impostas pelo Estado e a compreensão do direito estatal como
sendo único e negador das demais ordens jurídicas vigentes na sociedade em que se
estabelece.
O autor WOLKMER relata que através das “normas impostas pelo movimento social,
a sociedade organizada cria seu próprio ordenamento jurídico, paralelo ou complementar
aquele garantido pelo próprio Estado, através de produção pacífica ou de processo de luta” 24.
Para ele é instaurado quando quem o cria é o próprio Estado e reconhecido quando a
elaboração parte dos grupos sociais:
“sociedade pluralista marcada pela convivência dos conflitos e das diferenças,
propiciando uma outra legitimidade embasada nas necessidades fundamentais de
sujeitos coletivos insurgentes, que, com suas práticas, relações e reivindicações,
passam a ser encaradas como fontes de produção jurídica não estatal. (...) o estágio
de acumulação do capitalismo transnacional e as mudanças da sociedade industrial
de massa acabaram por impulsionar não só uma crise urbano-social, mas, sobretudo,
crises tanto sistema de legitimidade de representação política, quanto nas formas
unitárias e centralizadoras do poder administrativo” 25. (WOLKMER, 1997).
O pluralismo ao ser o novo referencial do político e do jurídico, vem dar espaço para
que novos sujeitos coletivos atuem para a satisfação das necessidades humanas essenciais e
com o processo político democrático de descentralização, há uma maior participação e
controle por parte da comunidade.
4. TEORIAS DO PLURALISMO JURÍDICO
O pluralismo jurídico sob um olhar da sociologia jurídica demonstra que há vários
adeptos que adotam um conceito sociológico do direito muito mais vasto do que o conceito de
positivismo jurídico, que aproxima o Direito do Estado.
23
SOUSA SANTOS, Boaventura de. Reconhecer para Libertar: os Caminhos do
Cosmopolismo Multicultural. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, V 3, 2000. P. 171
24
WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo jurídico: fundamentos de uma nova cultura no Direito. 3. Ed.
São Paulo: Alfa Omega, 1997. P. 170;
25
WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo jurídico: fundamentos de uma nova cultura no Direito. 3. Ed.
São Paulo: Alfa Omega, 1997. P. 222/223.
Nessa perspectiva de pluralismo jurídico, o direito não vai depender de sanção do
Estado, não se atendo exclusivamente nas fontes oficiais do direito oficial estatal, ou seja, em
suas normas26. (SABADELL, 2005)
Onde o direito é considerado como manifestação de eficácia de um sistema de regras e
sanções, que pode ser observado na prática social e de consciência das pessoas, deve-se
perceber que além do direito oficial, há o aplicado em diversos grupos e organizações sociais,
chamado de não oficial.
As teorias tradicionais do pluralismo jurídico são extraídas das obras de vários juristas,
entre eles destaca-se o alemão Otto Von Gierke (1841-1921), que:
“analisou o direito das várias organizações sociais (corporações –
Genossenschaften) na Alemanha, sustentando que cada organização possui vontade
e consciência e cria suas próprias regras jurídicas.” (GIERKE, 1902, apud
SABADELL, 2005: 123)27.
Alguns juristas do início do século XX estudaram os conflitos que surgiram entre o
sistema jurídico imposto pelos europeus e as regras das comunidades indígenas durante o
processo de colonização, onde o estudo destes casos de aculturação jurídica permitiu
desenvolver teorias do pluralismo jurídico, que demonstram os desdobramentos desse
sistema.
Nas últimas décadas foram várias as análises sobre o pluralismo jurídico, sendo o
mesmo abordado não só do ponto de vista teórico, mas também do ponto de vista empírico.
Assim, há uma grande massa de pessoas, que se identifica os movimentos sociais e assim
almejam uma forma para que as normas constitucionalizadas ganhem eficácia, para que se
garanta a democracia que vem estando em crise, com essa falta de aplicabilidade.
Faz-se importante que os indivíduos tomem ciência do pluralismo jurídico para que, se
busque outras fontes que abordem a produção normativa sob um novo olhar, com outros
caminhos que consigam trazer a solução para os problemas e necessidades da sociedade.
26
SABADELL, Ana Lucia. Manual de Sociologia Jurídica. Introdução a uma leitura externa do Direito. 3ª ed.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. P. 123.
27
SABADELL, Ana Lucia. Manual de Sociologia Jurídica. Introdução a uma leitura externa do Direito. 3ª ed.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. P. 123.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após a uma exposição sobre o pluralismo jurídico, demonstrando as bases que o
fundamentam, fazendo uma análise histórica para uma compreensão mais ampla, pode-se
perceber a fragilidade da concepção monista.
Com tudo, a sociedade deve possuir uma certeza e uma segurança jurídica. O cerne da
questão é exatamente o fato de o pluralismo jurídico não proporcionar algo muito importante,
segundo os monistas, que é a certeza e a segurança jurídica.
Posto isto, uma sociedade não pode viver sem esta segurança jurídica, que deveriam
ser garantidas pelas normas gerais e abstratas. No contexto mundial existem circunstâncias e
ocasiões completamente diferentes acontecendo de forma simultânea, assim sendo, a
codificação no papel não consegue acompanhar todas as mudanças sociais que se sucedem e
dar respostas eficazes para solucionar os novos conflitos coletivos e problemas emergentes.
Embora esteja visível a plausibilidade do pluralismo, também há necessidade da
existência do monismo. Ao propor uma ruptura total com a ordem existente, o pluralismo
torna-se algo que necessita de um suporte.
Se partíssemos do positivismo reestruturando – o haveria uma garantia maior de
estabilidade a todos. Mas podemos nos indagar estabilidade por quê? E, nesse novo contexto,
qual o direito que eu deveria obedecer em determinada situação pluralista? A certeza jurídica
em uma sociedade é muito importante, até para dar uma maior segurança para ela.
Mesmo que discorrêssemos sobre os prós e contra as duas vertentes, sabemos que
ainda haveria argumentos que deixariam dúvidas, e, como é de conhecimento sempre se
destacará o individualismo gritante e, o fato de haver pessoas que constantemente querem
dominar as outras, através do poder das palavras, por exemplo. Essas pessoas são chamados
de líderes carismáticos, classificação dada por Max Weber.
Trazendo a baila esse tema, podemos dar como exemplo o caso dos sem-terra que
invadem propriedade alheia, em relação ao nosso ordenamento isto é incorreto, contudo para
os sem-terra não é, visto que passam necessidades e precisam daquele pedaço de terra para
sobreviver. E nesse cenário as dúvidas pairam nas mentes dos indivíduos: - E agora, o que
respeitar?
Outro ponto a ser analisado sob um olhar crítico do pluralismo, é que naturalmente as
classes hoje dominantes seriam contra esse novo sistema, já estes sem sombra de dúvidas vão
querer manter a dominação tradicionalmente existente, o poder conservador sobre o restante
da sociedade como um todo, e desta maneira, assim não iriam contra um sistema onde as leis
lhes são totalmente favoráveis e apoiariam uma modalidade jurídica que é produzida pelos
conflitos e lutas sociais promovidos pelas outras classes. Por serem as donas do meio de
produção, do capital, exerceriam uma pressão muito grande para a manutenção do sistema em
vigor.
Assim sendo, teremos de um lado os aclames populares sendo confrontada pelas
ordens dos poderosos, permanecendo auxiliado pela estrutura estatal em um ciclo vicioso, o
que deve remeter a toda uma cautela para que não se estabeleça o chamado despotismo
esclarecido por parte dos poderosos, visto que a atual realidade mundial é de globalização e
divisão dos países em blocos econômicos, que são controlados pelos países que detém o
capital.
Não pode o povo permanecer inerte aos acontecimentos e a suas necessidades, assim
ocorre o desenvolvimento de uma justiça informal, paralela a estatal, visto a necessidade de
solução para problemas que o Estado em muitos casos permanece inerte.
O Pluralismo Jurídico busca a igualdade e a valoração do estado democrático de
direitos. Assim, representa um marco já que se constrói com o empenho daqueles que
necessitam de um suporte estatal.
Por fim, não podemos negar a estrutura estatal já existente, contudo se faz necessário
demonstrar a importância da estrutura paralela a estatal que produz normas jurídicas tanto
quanto o Estado e que este não pode ser considerado como à única, nem a principal fonte
jurídica e sim apenas mais uma dentre as tantas que são capazes de estabelecer normas
jurídicas no país. Mas toda essa realidade deve levar a uma reflexão por parte do Estado e da
sociedade, para os rumos que estão sendo tomados.
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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