Um novo olhar sobre a Cinomose Canina e os benefícios

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Um novo olhar sobre a Cinomose Canina e os benefícios
Um novo olhar sobre a Cinomose Canina e os benefícios das vacinas recombinantes
Leonardo Brandão
Gerente Técnico Operação Animais de Companhia
Merial Saúde Animal
(baseado em: FORD, R. Canine Distemper-Revisited: New Perspectives
on the Recombinant Distemper (rCDV) Vaccine, TNAVC, 2006)
PONTOS-CHAVE:
Os cães podem eliminar o vírus da cinomose canina por até 3 meses após a infecção
Ainda hoje, os maiores desafios enfrentados pelos Médicos Veterinários para a imunização dos cães contra a
cinomose são a interferência dos anticorpos maternos e a possibilidade de encefalite pós-vacinal
Cães que desenvolvem quadro neurológico progressivo têm menor possibilidade de se beneficiar da terapia de
suporte e pior prognóstico
O surgimento da imunidade em filhotes de cães que receberam apenas 1 dose de Recombitek (vacina
recombinante contra a cinomose canina) foi comparável àqueles animais que receberam vacinas vivas-modificadas
contra cinomose
Em contraste marcante com as vacinas contra cinomose contendo o vírus vivo-modificado, as vacinas
recombinantes não sofrem a interferência dos anticorpos maternos
INTRODUÇÃO
Assim como a raiva, a cinomose é considerada uma das mais antigas doenças conhecidas dos cães. Durante mais de 150
anos ela tem sido reconhecida como uma doença de grande prevalência em todo o mundo, sendo também uma das mais
fatais. Considerando-se o risco potencial de exposição ao vírus da cinomose canina, a Força Tarefa de Vacinas para Cães
da American Animal Hospital Association (AAHA) recomenda a vacina contra a cinomose canina como essencial (core
vaccine), enfatizando que seu uso é altamente recomendado para todos os cães.
O vírus da cinomose (do inglês canine distemper virus - CDV) é um Morbillivirus, pertencente à família Paramyxoviridae.
É um RNA vírus envelopado que possui proteínas em sua superfície (proteínas HA e F) que permitem sua penetração pela
membrana celular das células do hospedeiro e desenvolvimento da infecção.
A transmissão da doença ocorre principalmente por aerossóis (microgotículas contaminadas com o vírus e que são
eliminadas pelo trato respiratório dos animais infectados) e contato direto entre cães infectados e susceptíveis, no
entanto, o vírus pode estar presente em todos os materiais biológicos dos animais doentes, o que pode ser comprovado
por sua habilidade em causar infecção sistêmica, contaminando virtualmente qualquer tecido ou fluidos/secreções
corporais.
A eliminação do vírus pode ocorrer por um período de até 3 meses após a infecção. Dentre a população de cães
susceptíveis, os cães jovens, entre 3 e 6 meses de idade, são considerados os mais sensíveis devido ao declínio dos
anticorpos maternos, o que os torna mais vulneráveis. Embora se suspeite da existência de uma variação racial em
relação à susceptibilidade ao vírus (i.e. Greyhounds, Huskies Siberianos e Weimaraners), faltam comprovações para esta
hipótese.
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Uma ampla variedade de sintomas é descrita em cães infectados pelo CDV. Após a entrada do vírus no trato respiratório,
podem ser observados sintomas como secreção nasal serosa ou mucopurulenta, secreção ocular, conjuntivite, tosse e
dispnéia. Os sintomas sistêmicos incluem febre, prostração, diminuição do apetite, vômitos e diarréia. Sintomas
neurológicos progressivos costumam surgir 1 a 3 semanas após a infecção - hiperestesia, rigidez cervical, convulsões,
vestibulopatias e mioclonias.
VACINAÇÃO
A vacinação é reconhecida como a única forma efetiva de prevenção da infecção pelo vírus da cinomose. Em 1923 as
tentativas de imunização dos cães com uma vacina morta, produzida por inativação do vírus presente em tecido cerebral
com formaldeído, demonstraram resultados pífios. Finalmente, na década de 1950, a imunização contra o vírus da
cinomose foi conseguida utilizando-se vacinas vivas-atenuadas produzidas com as cepas Onderstepoort (HAIG, 1956) e
Rockborn (ROCKBORN, 1959) do vírus da cinomose, sendo empregadas ainda hoje em todo o mundo.
Entretanto, ainda há necessidade de melhoria das vacinas contra a cinomose canina. A despeito da longa imunidade
produzida pelas vacinas vivas-atenuadas, os veterinários têm de enfrentar duas questões importantes em relação à
imunização dos cães: a interferência dos anticorpos maternos com o vírus vivos-atenuados presentes nas vacinas e a
possibilidade da encefalite pós-vacinal.
A interferência dos anticorpos maternos. A quantidade de anticorpos que os filhotes receberão durante as primeiras
horas de vida, através do colostro, está diretamente relacionada com a quantidade de anticorpos da mãe (seu status
imunológico). Contudo, um dos mais significantes problemas para a imunização de cães jovens contra a cinomose é a
interferência dos anticorpos maternos com a replicação do vírus vacinal, podendo deixar o cão susceptível à infecções. A
velocidade de declínio dos anticorpos maternos não é homogênea entre todos os cães. Um estudo clássico (GILLESPIE,
1966) demonstrou que a taxa de diminuição dos anticorpos maternos nos filhotes é proporcional à taxa de crescimento
do cão. Cães de raças grandes, com um rápido crescimento, perdem anticorpos maternos mais rapidamente, podendo se
tornar mais susceptíveis à infecção do que cães de raças pequenas. Por esta razão, a susceptibilidade à infecção e a
resposta à vacinação podem variar entre cães de diferentes raças e diferentes tamanhos.
Encefalite pós-vacinal. Estudos recentes têm demonstrado que o uso de vacinas vivas-modificadas contra a cinomose
não está livre de riscos, e casos de encefalite pós-vacinal têm sido descritos (WILLIAMS, 1992; MAES, 1996; COATS,
1998). Os sintomas mais comuns são observados 1 a 2 semanas após a vacinação e podem incluir convulsões,
paraparesias, tetraparesias, alterações vestibulares e ataxia.
VACINA RECOMBINANTE CONTRA A CINOMOSE CANINA (RECOMBITEK)
Em 1998 a Merial lançou a primeira vacina recombinante contra CDV (rCDV). A Vacina Recombitek usa como vetor um
poxvírus que carreia 2 genes que codificam duas proteínas altamente imunogênicas do vírus da cinomose: a proteína F
(fusão) e a proteína HA (hemaglutinina). Estudos recentes conduzidos na Universidade de Wisconsin-Madison (EUA)
revelaram importantes benefícios no uso de uma vacina recombinante contra a cinomose canina:
Primeiro: É um fato bem conhecido que as vacinas vivas-atenuadas contra a cinomose canina induzem
imunidade quase imediata (em poucas horas) em animais vacinados na ausência de anticorpos maternos. Até este
estudo conduzido pela Universidade de Wisconsin-Madison, não se possuía informação similar em relação às vacinas
recombinantes. Neste estudo, um grupo de filhotes de cães com 12 semanas de idade, livres de anticorpos contra
cinomose, foram vacinados com uma dose de Recombitek e 4 horas depois foram expostos a um desafio de campo ao
serem colocados num ambiente com outros cães sabidamente infectados pelo vírus da cinomose. Todos os animais
vacinados foram protegidos da infecção, enquanto evidências de doença clínica foram observadas nos animais do grupo
controle. Este estudo confirmou que a indução da imunidade em filhotes que receberam 1 dose de Recombitek foi
comparável àquela desencadeada pelas vacinas vivas-atenuadas.
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Segundo: Os anticorpos adquiridos da mãe não interferem com a formação da imunidade induzida pela vacina
recombinante, diferentemente do que ocorre com as vacinas vivas-atenuadas. Em outro estudo fora demonstrado que
80% dos filhotes vacinados com uma vacina recombinante contra cinomose foram imunizados ao redor da 8ª a 12ª
semana de vida, diferentemente de filhotes vacinados com vacinas vivas-modificadas: apenas 30% desenvolveram
títulos protetores nesta idade. Este é um fato particularmente novo e importante. Considerando-se a interferência dos
anticorpos maternos com os vírus vivos-atenuados presentes nas vacinas e a variabilidade da duração de seus títulos no
organismo dos filhotes, a vacina Recombitek oferece uma grande vantagem durante este período de primo-imunização.
Terceiro: Outro ponto em discussão seria a capacidade da vacina recombinante como booster (reforço) para
animais previamente vacinados com vacinas contendo o vírus vivo-atenuado (cinomose). Outro estudo conduzido pela
Universidade de Wisconsin-Madison demonstrou que cães previamente vacinados com vacinas contendo vírus vivosatenuados (e com títulos de anticorpos previamente detectados) apresentaram um grande aumento no título de
anticorpos (4 x ou mais) após a administração de uma única dose da vacina recombinante. O resultado deste estudo
confirmou que é desnecessário administrar mais do que uma única dose da vacina recombinante para revacinar cães que
receberam vacinas contendo vírus vivo-atenuado.
Quarto: A duração da imunidade após a vacinação com Recombitek cinomose era considerada de apenas 1 ano.
Entretanto, fora demonstrado num estudo baseado num desafio com vírus por via intra-nasal que a imunidade conferida
pela vacina recombinante contra cinomose foi de pelo menos 2,5 anos. Nenhum dos animais vacinados desenvolveu a
doença, e de modo surpreendente, todos desenvolveram resposta anamnéstica após o desafio. Em outro estudo com 50
cães mantidos num ambiente livre do vírus da cinomose, os títulos de anticorpos em animais vacinados com as vacinas
recombinantes persistiram por até 3 anos após a vacinação. A recomendação de intervalos de 3 anos entre as
vacinações, como vem sendo preconizado pela Força Tarefa de Vacinas para Cães da AAHA, é apropriada para as vacinas
contra a cinomose canina contendo tanto o vírus vivo-atenuado quanto o vírus recombinante.
Quinto: A encefalite pós-vacinal, apesar de incomum, ainda é reconhecida em cães que receberam doses de
vacina contra a cinomose contendo o vírus vivo-atenuado. Tal fenômeno é decorrente da replicação do vírus vacinal no
tecido cerebral de animais vacinados e, possivelmente, por efeitos imunossupressores associados com outras cepas de
vírus vivos-atenuados contidos nas vacinas (CHAPPUIS, 1995; PHILLIPS, 1995).
CONCLUSÃO
Com as novas informações sobre a segurança e eficácia da vacina recombinante contra a cinomose canina (Recombitek)
as vantagens do emprego das vacinas recombinantes na Medicina Veterinária estão se tornando mais promissoras. Após
20 anos de pesquisas, não há dúvidas de que a Medicina Veterinária está se movendo rapidamente para uma nova
geração de tecnologia vacinal. Enquanto mais vacinas recombinantes entram no mercado de pequenos animais, é vital
que os Médicos Veterinários compreendam os benefícios que estas vacinas trazem aos pacientes e para seus
proprietários.
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CHAPPUIS, G. Control of canine distemper. Vet. Microbiol. 44:351, 1995.
COATS, J.R.; CARMICHAEL, K.P.; ROBERTS, A.W. et al. Vaccine-associated canine distemper viral encephalomyelitis in 14 dogs. J. Vet.
Intern. Med. 1998. pp.
GILLESPIE, J.H. The significance of passive immunity and biological testes used in the study of distemper. JAVMA. 149:623-632, 1966.
HAIG, D.A. Canine distemper immunization with avianised virus. Onderstepoort. J. Vet. Res. 27:19-53, 1956.
MAES, R.; VANDEVELDE, M.; ZURBRIGGEN, A. et al. Post vaccinal encephalitis in dogs vaccinated with canine distemper vaccine. Proc Am
Assoc Vet Lab Diagn, Little Rock AK, 1996.
PHILLIPS, T.R.; JENSEN, J.L.; RUBINA, M.J. et al. Effects of vaccines on the canine immune system. Can J. Vet. Res. 53:154-160, 1995.
ROCKBORN, G. An attenuated strain of canine distemper virus in tissue culture. Nature (London). 184:822, 1959.
WILLIAMS, K.; COOPER, B.; DeLAHUNTA, A. et al. Postvaccinal canine distemper encephalomyelitis confirmed by virus isolation. Vet Path.
29:440, 1992.
Recombitek® é marca registrada da Merial Saúde Animal Ltda.
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