Anorexia nervosa e processos motivacionais
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Neurociências • Ano 2016 • Volume 12 • Nº 1 Revisão Anorexia nervosa e processos motivacionais Anorexia nervosa and motivational processes Amanda Randi Machado*, Camila Sousa de Carvalho*, Gabriella Ribeiro Souza*, Giovanna Zampieri*, Gisele Tavares da Silva*, Marília de Oliveira Leal*, Paula Ramos Vieira da Silva*, Giselle Stefanelli de Lima** Resumo A Anorexia Nervosa representa uma patologia repleta de motivações e que compromete a qualidade de vida, possui uma peculiar trajetória para análise e tratamento, além de apresentar envolvimento de fatores tanto externos quanto internos. Refere-se a um distúrbio alimentar influenciado por fatores biológicos, psicológicos, sociais, econômicos e ambientais, sendo entre os diversos distúrbios alimentares o qual possui a maior taxa de óbito e cujo tratamento exige a participação de uma equipe interdisciplinar competente. A partir da pesquisa foi possível perceber que os pacientes anoréxicos cismam em dizer que não são doentes e que ser anoréxico é uma escolha, dificultando a adesão ao tratamento de maneira voluntária. Refletir sobre a condição de saúde desses pacientes é enxergá-los por uma ótica multifacetada, uma vez que passar fome intencionalmente não é sinônimo de equilíbrio físico e emocional. A orientação e a divulgação de informações de maneira preventiva representam os melhores meios para se atingir as mulheres jovens, principal população acometida pela doença. Palavras-chave: distúrbio alimentar, anorexia nervosa, processos motivacionais. *Acadêmica de Psicologia, Universidade Metodista de São Paulo (UMESP), *Pedagoga e fisioterapeuta, especialista em psicopedagogia clínica e institucional, discente de Psicologia da Universidade Metodista de São Paulo, Faculdade de Ciências Médicas e da Saúde. Correspondência: Giselle Stefanelli de Lima, E-mail: [email protected] 61 62 Neurociências • Ano 2016 • Volume 12 • Nº 1 Abstract Anorexia Nervosa is a condition full of motivation and that compromises the quality of life, has a peculiar trajectory for analysis and treatment. It is expressed through external and internal factors. This eating disorder is influenced by biological, psychological, social, economic and environmental factors, and among the various eating disorders has the highest death rate and the treatment requires the participation of a competent interdisciplinary team. From the research it was revealed that the anorexic patients believe in saying that they are not ill and that being anorexic is a choice, hindering adherence to treatment voluntarily. Reflecting on the health condition of these patients is to see them for a multifaceted view, once intentionally starving is not synonymous with physical and emotional balance. The guidance and information disclosure preventively represent the best means to reach young women, which is the main population affected by the disease. Key-words: eating disorder, anorexia nervosa, motivational processes. Introdução Os Transtornos Alimentares, entre eles a Anorexia Nervosa, estão presentes na sociedade contemporânea, mas seus relatos antecedem a Idade Média. Compreender como se comporta a progressão da doença e suas diversas peculiaridades são de extrema importância para todos os profissionais da saúde, justificando a relevância do tema. Para o desenvolvimento da pesquisa teórica foi realizado como metodologia uma pesquisa de revisão não sistemática de literatura, tendo como base para a fundamentação teórica autores que abordassem a temática. Os bancos de dados eletrônicos consultados foram Scielo (Scientific Eletronic Library Online) e Google Acadêmico, utilizando-se os descritores: anorexia nervosa; histórico; quadro clínico. Para a fonte de conhecimento técnico-científico foram selecionadas 23 referências, sendo 11 artigos científicos, 11 livros acadêmicos e 1 palestra ocorrida na 3º Jornada de Análise do Comportamento do Grande ABC em 2015. Os artigos científicos foram publicados na língua portuguesa entre o período de 2003 a 2014. Os livros consultados foram publicados em língua portuguesa, sendo selecionados os publicados entre o período de 1981 a 2014. Como problema de pesquisa levantou-se a pergunta: Historicamente a Anorexia Nervosa é documentada antes mesmo dos tempos contemporâneos. Quais possíveis fatores (biológicos, psicológicos, sociais, econômicos e ambientais) que predispõem ao seu aparecimento? Como hipóteses foram levantadas, por exemplo, as seguintes indagações: gêmeos idênticos têm maiores chances de desenvolveram à doença; alterações neuroanatômicas e de neurotransmissores podem ter efeito cascata no organismo; influência de amizades, familiares e meios midiáticos podem influenciar; conceito de beleza na atualidade exige um padrão estético distorcido. O objetivo geral da pesquisa foi adentrar no tema referente à Anorexia Nervosa (AN) e como objetivos específicos buscou-se: conhecer o conceito, histórico da doença, epidemiologia e etiologia; identificar as características diagnósticas e transtornos associados; entrar em contato com os subtipos da doença; conhecer os achados clínicos e laboratoriais; identificar a prevalência Neurociências • Ano 2016 • Volume 12 • Nº 1 e o público alvo; compreender o curso da doença e o prognóstico; conhecer o diagnóstico diferencial; adquirir conhecimentos quanto às comorbidades e aos possíveis tratamentos. Como referencial teórico, o estudo foi fundamentado tendo como base textos que abordassem a Anorexia Nervosa e os Processos Motivacionais. Referenciais como: Cláudia Dornelles [1], Susan Nolen-Hoeksema et al. [2], Maria Inês Corrêa Nascimento [3] e artigos com a participação do psiquiatra Táki Athanássios Cordás [4,5], chefe do ambulatório de Transtornos Alimentares do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo, além de outros autores que ressaltam a importância da temática. Partindo dessa introdução, buscou-se apresentar uma pesquisa teórica sobre a Anorexia Nervosa e de seus processos motivacionais. É de grande valia aos profissionais da saúde e aos demais interessados conhecerem a patologia, uma vez que ela ainda está presente na atualidade, representando ser o Transtorno Alimentar com os maiores índices de óbito. Entrar em contato com o tema delimitando suas características quanto, por exemplo, os critérios diagnósticos, tratamentos e prognóstico são de suma importância para uma melhor terapêutica junto aos pacientes e seus familiares. A relevância do trabalho é nítida à medida que a compreensão da doença interfere na qualidade de vida dos pacientes acometidos. Histórico da anorexia nervosa Na história não se pode dizer ao certo a partir de qual período se surgiu o transtorno alimentar conhecido por anorexia nervosa, entretanto, de acordo com Caroline Eliacheff apud Bidaud [6] sempre houve pessoas anoréxicas, mas pode-se afirmar que elas só existiram a partir do momento em que foram inscritas num discurso. Erroneamente a “anorexia é tida como um transtorno contemporâneo, mas é algumas vezes definida como tendo início muito antes, na Idade Média, com as santas anoréxicas” [7]. Antes de se conhecer alguns marcos históricos é preciso entender a terminologia do transtorno, ou seja, o “termo anorexia, que significa falta de apetite, não é o mais adequado para denominar o transtorno” [7:349], uma vez que as pessoas acometidas “não têm falta de apetite; pelo contrário, são extremamente preocupadas com comida e alimentação” [8:157]. Partindo disso, etimologicamente o termo anorexia parece inadequado. Historicamente entre os gregos o jejum era uma prática curativa e tinha recomendação médica, Hipócrates (460-370 a.C), por exemplo, costumava receitar jejuns, vômitos e enemas para o tratamento de quase todas as doenças [9], entretanto na história datam da Idade Média os primeiros relatos de uma doença misteriosa “que transforma a pessoa que padece e que se caracteriza por uma grande perda de peso, a partir de uma dieta de fome autoimposta” [10:21]. Foi a partir do século XII que ocorreu uma profusão de casos de mulheres que mantinham uma relação particular com os alimentos [7], diferentemente da atualidade, eram mulheres que se utilizavam do jejum autoimposto para assemelharem-se a Cristo [7]. No século XIII, descrições de mulheres que se auto impunham jejum como uma forma de se aproximar espiritualmente de Deus foram identificadas, sendo o quadro acompanhado de perfeccionismo, 63 64 Neurociências • Ano 2016 • Volume 12 • Nº 1 rigidez no comportamento, insatisfação consigo própria e distorções cognitivas, como as anoréxicas na atualidade [4]. Foram difundidas histórias de mulheres em que a anorexia provavelmente estivesse presente, como é o caso de Santa Catarina de Siena (1347-1380) que viveu durante o século XIV, que se sacrificava e jejuava em nome de uma purificação religiosa para a qual até a morte se justificava [8]. No século XVII, o médico inglês Richard Morton, publica no ano de 1689, em latim, um livro intitulado Phthisiologia or A Treatise of Consumptions (Tisiologia ou Tratado da consunção), no qual descreve “a consunção ou atrofia nervosa” que se baseia em três sintomas principais: perda do apetite, amenorreia, emagrecimento importante [6], esse livro contém histórias de casos da doença que, hoje em dia, reconhece-se como anorexia nervosa [11]. A primeira descrição clínica da doença é atribuída a Richard Morton e data do ano de 1694 [10]. Foi preciso esperar cerca de cem anos, em 1789, para que Naudeau, na França, descreve, no século XVIII, “uma doença nervosa acompanhada de uma repulsa extraordinária pelos alimentos” [6]. Os esforços mais intensos para tentar se compreender a doença se iniciaram no século XIX [12], e foi a Pinel, no começo do século XIX, a quem se deve uma primeira reflexão, repousando sobre analogias, sobre a conduta alimentar e suas particularidades [6]. Anos depois ocorreram novas descrições quase simultaneamente na Inglaterra por Gull, em 1874, e, na França, por Lasègue, em 1873 [8]. Foi Lasègue através de um importante trabalho clínico que estabeleceu a doença no território da histeria [6]. Curio- samente foi o proeminente médico inglês do século XIX, William Gull que, em 1874, cunhou o nome anorexia nervosa [10]. As terminologias “anorexia histérica”, e depois, “anorexia nervosa” aparecem nas obras de William Gull [6]. Outra descrição vívida e precisa foi apresentada no século XX, em 1908 por Dejerine e Gaukler [12]. Após diversas concepções, ao final do século XX, a anorexia nervosa, conceitua-se como uma síndrome específica com características distintas, que se manifestam de maneira semelhante em diversas regiões do mundo [13]. Na abordagem psicanalista freudiana a perda de apetite na anorexia nervosa era associada à perda da libido [14]. A psicanálise contempla aspectos mais subjetivos, ou seja, aqueles que estão “além das manifestações sintomáticas diretamente observáveis consideradas pelos sistemas de classificação dos transtornos mentais.” [14]. Depois de toda a trajetória histórica, a anorexia nervosa é conhecida na contemporaneidade como um transtorno alimentar caracterizado por uma recusa alimentar que leva à caquexia. O mais interessante é comparar a “anorexia santa” com a “anorexia contemporânea”, uma vez que mesmo apresentando características similares, têm fins diferentes, a primeira buscou purificação e aproximação a Cristo e a segunda persegue a magreza difundida pela mídia como padrão estético do século XXI, sendo, por fim, “interessante notar como a doença se adapta a diferentes períodos históricos e contextos culturais” [8]. Na atualidade existem recursos midiáticos que difundem movimentos em favor à Anorexia Nervosa como representando um “estilo de vida” e não uma doença. Fava e Peres [14] apresentam Neurociências • Ano 2016 • Volume 12 • Nº 1 que existem ambientes virtuais pró-anorexia, ou seja, voltados à promoção e perpetuação do transtorno em questão e tem se proliferado na internet pelo mundo todo. Um aspecto que deve ser observado na atualidade é a influencia da mídia e o fator de que o jejum auto-imposto não significa em todos os casos um transtorno alimentar. Conceito e subtipos Os transtornos alimentares (TA) acometem os aspectos da saúde física e da saúde mental dos pacientes. De acordo com Kachani e Cordás [5] “o conceito de TA implica que a sintomatologia alimentar afeta adversamente a saúde física (incluindo o peso), mental ou funcionamento social do individuo.” (p. 61). Entre os transtornos alimentares com maiores complicações está a Anorexia Nervosa, representando uma patologia psiquiátrica comprometedora. De acordo com a Classificação de Transtornos Mentais e do Comportamento da CID-10 a Anorexia Nervosa é um transtorno ou ainda uma síndrome, ocorrendo deliberada perda de peso induzida e/ou mantida pelo paciente, presente comumente entre garotas adolescentes e mulheres jovens, mas garotos adolescentes e homens jovens podem ser afetados mais raramente, assim como podem ser afetadas crianças que estão próximas da puberdade e mulheres próximas da menopausa [15], ou seja, afetam principalmente jovens do sexo feminino. De acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-IV-TR) a Anorexia Nervosa refere-se a um dos transtornos alimentares, caracterizando-se pela recusa do(a) paciente em manter o peso corporal em uma faixa normal mínima [1] e de acordo com a versão atual do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5) “a anorexia nervosa tem três características essenciais: restrição persistente da ingesta calórica; medo intenso de ganhar peso ou de engordar ou comportamento persistente que interfere no ganho de peso; e perturbação na percepção do próprio peso ou da própria forma” [3]. A Anorexia Nervosa é dividida em dois subtipos: tipo restritivo e o tipo compulsão alimentar purgativa. Como descrito a seguir: O tipo restritivo é determinado quando o paciente não se envolveu em episódios recorrentes de compulsão alimentar e nem de comportamentos purgativos durante um período de três meses, ocorrendo perda de peso essencialmente por meio da dieta, jejum o/ou exercícios excessivos. O tipo compulsão alimentar purgativa é determinado quando o paciente se envolveu em episódios recorrentes de compulsão alimentar purgativa, sendo que a alternância entre os subtipos ao longo do curso do transtorno não é incomum [3: 339]. A partir desses dados relatados é possível perceber a magnitude da patologia em questão e o quanto ela representa uma doença com sérias repercussões tanto pessoais quanto sociais. Etiologia e epidemiologia A etiologia é ainda questionável e aparenta ser oriunda de causas diversas, como qualquer doença mental, de acordo com Nardi e Melere [16] a causa ainda é desconhecida, no entanto é possível que na sua etiologia tenha diversos fatores 65 66 Neurociências • Ano 2016 • Volume 12 • Nº 1 tais como os genéticos e psicológicos. Uma hipótese é a de que a anorexia é causada por aspectos biológicos, como problemas no hipotálamo, a parte do cérebro que ajuda a regular a alimentação [17] sendo que indivíduos anoréxicos mostram funcionamento reduzido do hipotálamo e anormalidades em várias substâncias neuroquímicas importantes para o funcionamento do mesmo (ibid, p. 351). Outros fatores que sugerem o aparecimento desse transtorno é o meio e convívio social, por exemplo, a própria família: “muitas mulheres jovens com transtornos alimentares vêm de famílias que exigem ‘perfeição’ e um autocontrole extremo, mas não permitem expressões de carinho ou conflito” [2]. Como percebe-se não há uma causa única conhecida. Parece haver uma interação de fatores biológicos, genéticos, psicológicos e ambientais [8], estando entre os aspectos psicológicos envolvidos: baixa autoestima, desesperança e medo. Os aspectos socioculturais estimulam a magreza como ideal de beleza, colocando muitas pessoas sob o risco de desenvolver tal transtorno [8]. As mulheres com mais frequência recebem comentários negativos de pessoas importantes em sua vida, tendo maior probabilidade de desenvolver sintomas na esfera do comportamento alimentar [17] e no que concerne ao relacionamento mãe-filhos, o comportamento alimentar da mãe, suas convicções pessoais acerca do peso e padrões de beleza, bem como seus níveis de satisfação/insatisfação corporal, podem influenciar no surgimento de possíveis comportamentos associados a distúrbios na alimentação [17], uma vez que os filhos, por vezes, se identificam com o comportamento e funcionamento psíquico de suas mães, internalizando-os. Os comentários negativos influenciam a auto-estima, comportamentos alimentares patológicos e sintomas depressivos (ibid, p. 229). Pesquisas epidemiológicas revelam que a prevalência da doença é bem maior em sociedades industrializadas, onde existe abundancia de alimentos [8]. Todavia, o transtorno parece ter invadido as camadas economicamente mais desfavorecidas da população, pelo menos no Brasil, cresce o numero de pacientes com transtornos alimentares entre a população de baixa renda [9]. Observação que demonstra que a Anorexia Nervosa não atinge somente na atualidade a camada mais abastada da população, por mais que nas “classes sociais A e B [...] a pressão familiar voltada para o sucesso pode ser um fator importante nesse distúrbio” [18]. Curiosamente de acordo com o psicólogo Felipe Carvalho mais de um milhão de casos ocorreram entre a população brasileira [19]. A Anorexia Nervosa como outros distúrbios alimentares é um problema predominantemente feminino [19], sendo mais encontrada nas projeções em que haja exigência de controle de peso, como em bailarinas, atletas e modelos [8]. Com relação a porcentagem de acometimento o sexo feminino é afetado em cerca de 95% das ocorrências, principalmente entre jovens de 14 a 17 anos [20], entretanto “sabe-se que há mulheres que apresentam o problema saindo dos 20 anos, entrando nos 30, ou até mais tarde” [18]. Silva [21] conceitua que é pouco comum a anorexia na infância, sendo a proporção do transtorno nas meninas de 4:1 em relação aos meninos. Como se percebe o transtorno se desenvolve principalmente em garotas adolescentes e mulheres jovens. Neurociências • Ano 2016 • Volume 12 • Nº 1 A prevalência do transtorno no sexo masculino é bem menor que no sexo feminino estando em geral em uma proporção feminino-masculino de 10:1 [3]. A epidemiologia revela também que “em comparação com outras doenças mentais, a anorexia nervosa tem as mais altas taxas de mortalidade, variando entre 5% e 22%” [22], ou seja, refere-se ao transtorno alimentar que mais acarreta em óbitos. Diagnóstico do transtorno Para se fechar o diagnóstico de Anorexia Nervosa é preciso se observar três critérios diagnósticos presentes no quadro clínico. De acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5) existem três critérios chave (A, B e C) para o diagnóstico preciso da Anorexia Nervosa. O critério A é a presença de restrição da ingesta calórica em relação às necessidades, levando a um peso corporal significativamente baixo no contexto da idade, gênero, trajetória do desenvolvimento e saúde física, o critério B é a presença de medo intenso de ganhar peso ou de engordar ou comportamento persistente que interfere no ganho de peso, o critério C por sua vez é a presença de perturbação no modo como o próprio peso ou a forma corporal são vivenciados, estando ausente o reconhecimento da gravidade do baixo peso corporal atual [3:339]. Da mesma maneira, antes de se fechar um correto diagnóstico de Anorexia Nervosa é preciso realizar um diagnóstico diferencial, ou seja, excluir e observar a relevância de sinais e sintomas que envolvam outras doenças. De acordo com Nascimento et al. [3] para a perda de peso significativa é preciso se descartar condições médicas como: Doenças gastrointestinais, hipertireoidismo, presença de tumores e, por exemplo, a presença da síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS). Também é preciso observar um diagnóstico diferencial para transtorno depressivo maior, esquizofrenia, transtornos por uso de substâncias, transtorno de ansiedade social, transtorno obsessivo compulsivo, transtorno dismórfico corporal, transtorno alimentar restritivo/evitativo, pica e bulimia nervosa, entretanto pode haver esses diagnóstico associados à anorexia nervosa, sendo que comumente transtornos bipolares, depressivos e de ansiedade em geral ocorrem concomitantemente à anorexia nervosa, assim como o transtorno obsessivo e compulsivo e o uso exagerado de álcool e drogas, sobretudo no tipo compulsão alimentar purgativa (p. 344-345). Por mais que muitas condições clínicas estejam presentes em patologias diferentes, é preciso diferenciá-las e investigá-las para se fechar um correto diagnóstico. Como muitos dos pacientes não se acham os pacientes de fato, em outras palavras, os doentes; é necessária bastante sutileza por parte dos profissionais para garantir uma melhor adesão ao tratamento depois de feito o diagnóstico clínico e patológico do transtorno psiquiátrico em questão. Silva [21] cita que é típico das pacientes anoréxicos terem um comportamento reservado e alegarem que estão bem. Comorbidades e mortalidade A evolução da doença é altamente variável. Alguns indivíduos se recuperam completamente sem ajuda profissional, 67 68 Neurociências • Ano 2016 • Volume 12 • Nº 1 enquanto alguns exibem um padrão flutuante e outros vivenciam a cronificação ao longo de anos e até mesmo o óbito prematuro. Muitos dos sinais e sintomas físicos são atribuíveis à inanição, pode haver amenorreia em decorrência a perda de peso em pacientes pós-púberes ou pode ocasionar o atraso na menarca das meninas pré-púberes. Os pacientes podem ainda de acordo com Nascimento et al. [3] apresentarem queixas com relação à constipação, dor abdominal, intolerância ao frio, letargia ou até energia excessiva. Ao exame físico o achado mais marcante é a emaciação, mas também pode haver hipotensão arterial, hipotermia e bradicardia, presença de lanugo, edema periférico, petéquias ou equimoses, tonalidade amarelada da pele, hipertrofia das glândulas salivares, erosão do esmalte do dente e a presença de cicatrizes ou calos na superfície dorsal da mão [3]. Ainda de acordo com Silva [21] outras complicações físicas e emocionais podem ser percebidas, como a pele seca, queda dos cabelos e olhos fundos, além de sintomas de depressão e tristeza. Além disso, pode haver um grave estado de inanição e desencadear distúrbios endocrinológicos, gastrointestinais, cardiovasculares, hematológicos e metabólicos que contribuem para a manutenção e cronificação do quadro clínico, além de favorecer o desenvolvimento de patologias secundárias. Os sintomas podem resultar em caquexia, que é a fraqueza geral do corpo decorrente da desnutrição [20]. Um fato curioso é que cerca de 30% das pessoas com anorexia desenvolvem bulimia, com o passar do tempo [8]. Outro fato de interesse e espanto de acordo com Silva [21] é que 50% das crianças com Anorexia Nervosa induzem o vômito após as refeições [...]. 50% das crianças são afetadas pela depressão que se manifesta em crises de choro, isolamento, distúrbio de sono, dificuldade de concentração, retardo psicomotor, autoagressão e ideias suicidas. A hospitalização pode ser necessária para recuperar o peso e tratar as complicações clínicas [3], entretanto para alguns pacientes a internação acaba em óbito, mais comumente por causa de complicações clínicas associadas ao próprio transtorno ou quando não hospitalizados por suicídio [3], estando as tentativas de suicídio presentes nos graus mais elevados da doença [21]. Tratamentos e prognóstico A melhor abordagem para a realização do tratamento nos casos de Anorexia Nervosa é a equipe multi e interdisciplinar, uma vez que se refere a uma doença grave e de características múltiplas, afetando diversos aspectos do organismo humano. De acordo com Kubota et al. [20] a Anorexia Nervosa é uma das patologias em que ocorre o comprometimento do convívio social, familiar e desorganizações do cotidiano, por isso se faz necessário a participação de diferentes profissionais de saúde no tratamento, além disso pesquisas costumam citar a importância da equipe multidisciplinar composta por enfermeiro, psicólogo, médico psiquiatra, nutricionista, assistente social e terapeuta ocupacional [20], entre outros. No que tange ao tratamento o que mais dificulta inicialmente é a adesão do paciente, uma vez que o mesmo muitas vezes não se identifica como doente e muito menos enxerga que seu comporta- Neurociências • Ano 2016 • Volume 12 • Nº 1 mento alimentar está equivocado. Muitas vezes os pacientes vêm obrigados pelos pais ou forçados por amigos. Na área médica o tratamento farmacológico não é suficiente, pois não há medicação que trate satisfatoriamente a doença. De acordo com Savoia [8] o tratamento farmacológico fica reservado principalmente para ansiedade, quadros depressivos graves e desconforto pós-prandial. A implantação de uma política preventiva que promova a qualidade de vida pode ser mais eficaz. Estudos sobre o peso econômico e social dos transtornos alimentares, seus custos já começam a ser reconhecidos. Complicações médicas, exames laboratoriais, hospitalização, psicoterapia, medicamentos, exigem grande investimento. Sem contar os danos a longo prazo como osteoporose, infertilidade, cáries dentárias, prejuízos pessoais no trabalho e nos estudos e risco de mortalidade [9]. O tratamento precoce é a mais benéfica, pois evita a cronificação do quadro clínico. Estudos anteriores trouxeram importantes contribuições para a compreensão da Anorexia Nervosa, no entanto as evidencias que indiquem a existência de tratamentos eficientes são muito poucas e não há um tratamento especifico que seja sempre recomendado [16], o principal foco do tratamento na Anorexia Nervosa é “a recuperação do peso corporal” [23:151], sendo de extrema importância a psicoterapia, a reeducação alimentar e o tratamento médico. No que tange a abordagem psicológica, inúmeras são as opções técnicas e teóricas para se tratar o paciente com transtornos alimentares, especificamente com Anorexia Nervosa. Quando se diz respeito ao tratamento de crianças com a doença é de grande valia a orientação e a participação ativa dos pais, além do acompanhamento psicológico dos familiares próximos ao pequeno paciente. Valdanha et al. [17] relata que para as crianças a família deve fazer refeições conjuntas frequentemente, o que pode ajudar os filhos a desenvolverem atitudes e pensamentos mais saudáveis em relação à alimentação, além de ser um importante momento em família. Além de orientações a familiares tanto para o tratamento de crianças, quanto adolescentes e adultos, outras modalidades terapêuticas podem ser aproveitadas, almejando-se um melhor prognóstico e qualidade de vida. A arte terapia é uma opção a ser trabalhada na psicoterapia como forma de uma auto expressão dos sentimentos do paciente [20]. Outro ponto interessante é considerar o trabalho com a imagem corporal, como Silva [21] refere, “o trabalho em relação à imagem corporal, desenvolvimento, crescimento e interação com a família e ambiente social é muito importante” (p. 31-32), incentivando progressivamente a autonomia. O psicodrama é outro recurso que pode ter resultados eficientes, a distorção da imagem corporal no paciente anoréxico pode ser trabalhada com o auxilio de vídeos, debates e reflexões referentes a percepção corporal [20]. Atividades assim estimulam a participação do paciente, ao mesmo tempo, que faz com que ele vivencie um espaço de troca de informações e acolhimento de suas dúvidas, medos e anseios. Oficinas de autocuidado como atividades de beleza e maquiagem são boas opções quando trabalhadas com outras atividades de imagem corporal [20]. A autoconfiança trabalhada nessas atividades proporciona que o paciente 69 70 Neurociências • Ano 2016 • Volume 12 • Nº 1 estabeleça uma autoimagem adequada sem desconsiderar sua qualidade de vida e saúde (ibid, p. 30). O relaxamento é um recurso que reduz os níveis de ansiedade, evita comportamentos indesejados causados pelo estresse, aumenta a competência para lidar com o mesmo, aumenta a autoestima e melhora as relações interpessoais do paciente [20]. Exercícios suaves corporais e respiratórios podem ser realizados quando o paciente se encontra com melhora no quadro clínico. O paciente precisa se sentir seguro dentro do espaço da terapia, para de possa criar um vínculo de confiança com o terapeuta e com os demais profissionais interligados. Outro aspecto importante é a terapia familiar e não apenas a psicoterapia individual. “A terapia familiar afigura-se como uma modalidade de intervenção muito usada nesse tipo de patologia e é vista como um componente útil do tratamento” [21:72], sendo mais eficiente para adolescentes, no entanto a terapia familiar acompanhada de psicofarmacoterapia e abordagens individuais possuem melhores resultados para crianças e adolescentes [16]. Silva [21] comenta que apesar das variações das técnicas de psicoterapias, alguns terapeutas priorizam uma técnica psicodinâmica, outros um foco cognitivo-comportamental e outros a psicanálise clássica ou reforçam técnicas que envolvem o conjunto familiar. O mais importante é priorizar o paciente e o compromisso profissional com a vida e com o próximo. Processos motivacionais A Anorexia Nervosa representa uma patologia repleta de motivações, seja para aceitá-la como um estilo de vida a se seguir ou em outras situações com motivações visíveis de luta pela vida durante o tratamento daqueles que o aderem. Sabe-se que todos os seres humanos apresentam necessidades biológicas vitais. As necessidades sociais vão variar com as experiências de cada indivíduo. Com isso, as motivações sejam elas com fins biológicos como, por exemplo, um prato suculento de comida ou com fins sociais para se sentir aceito e se auto definir como pessoa, são reais. Na Anorexia Nervosa tanto fatores externos quanto internos estão envolvidos. O interessante é que “a fome é claramente uma necessidade biológica, mas o comer não é regulado apenas por fatores biológicos. Estudos mostram que fatores sociais e ambientais influenciam consideravelmente o comer’’ [24], ou seja, não são apenas questões intrínsecas que estão presentes no ato de se alimentar, a motivação também tem influência do meio extrínseco, por exemplo, do meio familiar. Weiten [24] expõe que ‘’reações individuais a alimentos também são moldadas pelas reações dos outros à sua volta, como as de pais, irmãos e amigos’’ (p. 288), sendo por vezes a família “simultaneamente passível de promover a manutenção do sintoma ou de contribuir para a sua resolução” [22] no caso da Anorexia Nervosa. Com isso percebe-se que a motivação está presente na vida continuamente, podendo entender de acordo com Weiten [26] que motivação envolve comportamentos direcionados a objetivos. Exemplos de acontecimentos motivadores podem ser a “ameaça de internamento ou de fim de tratamento [...] para o aumento de motivação” [22:73]. Além dos aspectos citados, muitos pacientes podem ser estimulados e incentivados na busca pelo Neurociências • Ano 2016 • Volume 12 • Nº 1 autoestima, pois a mesma colabora para a melhora do quadro clínico. Como são as situações apresentadas por Araujo e Henriques [22] em que o sucesso acadêmico ou profissional contribui para a recuperação, na medida em que suscite a satisfação, sendo outros fatores como o aumento da autoestima, da determinação, da automotivação de grande valia para processos da cura. Conclusão A Anorexia Nervosa é uma patologia bem peculiar para análise e tratamento. Necessita de uma equipe interdisciplinar de um bom acompanhamento, sendo que a mesma pode apresentar recidivas. Sendo historicamente documentada antes mesmo dos tempos contemporâneos, estando muitos fatores envolvidos, como os biológicos, psicológicos, sociais, econômicos e ambientais. Como biológicos pode se citar as pesquisas com gêmeos monozigóticos ou univitelinos, como aspectos psicológicos as diferenças na personalidade com relação a baixa autoestima e a presença de perfeccionismo, socialmente pode ser influenciada atualmente pela família, amigos e a própria mídia. Economicamente a estética é vista na contemporaneidade como sinônimo de prestígio e ambientalmente a presença de outros fatores externos podem influenciar no aparecimento da doença. Curiosamente falando foi possível perceber que os pacientes anoréxicos cismam em dizer que não são doentes e que ser anoréxico é uma escolha ou ainda um “estilo de vida”, estilo este que caminha para a morte ou ainda para o definhamento do corpo. Há muita recusa de tratamento espontaneamente, dificilmente os acometidos enxergam, pelo menos inicialmente, a anorexia nervosa como um distúrbio alimentar multideterminado. Passar fome intencionalmente não é sinônimo de equilíbrio nem físico e nem emocional. Partindo dos expostos anteriores se sugere novas pesquisas para divulgação da doença que representa como sendo o transtorno alimentar com maior taxa de óbito. Divulgação de informações é prevenção e orientação, buscando com isso proporcionar maior qualidade de vida para os acometidos por meio de consciência de sua condição clínica e orientações aos familiares e cuidadores dos pacientes acometidos. Referências 1. D o r n e l l e s C . D S M - I V - T R . M a n u a l Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. 4. ed. Porto Alegre: Artmed; 2002. 880 p. 2. Nolen-Hoeksema S et al. Atkinson & Hilgard: Introdução à Psicologia. 15 ed. São Paulo: Cengage Learning; 2012. 745 p. 3. N a s c i m e n t o M I C e t a l . 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