desafios da atenção à anorexia nervosa em adolescentes

Transcrição

desafios da atenção à anorexia nervosa em adolescentes
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO DE ESTUDOS EM SAÚDE COLETIVA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SAÚDE COLETIVA
DOUTORADO EM SAÚDE COLETIVA
DESAFIOS DA ATENÇÃO À ANOREXIA NERVOSA EM
ADOLESCENTES: UMA PESQUISA ETNOGRÁFICA EM SERVIÇO DE
SAÚDE DO
RIO DE JANEIRO
TESE DE DOUTORADO
PRISCILA DA SILVA CASTRO VIANEZ
RIO DE JANEIRO
|
OUTUBRO 2015
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO DE ESTUDOS EM SAÚDE COLETIVA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SAÚDE COLETIVA
DOUTORADO EM SAÚDE COLETIVA
PRISCILA DA SILVA CASTRO VIANEZ
DESAFIOS DA ATENÇÃO À ANOREXIA NERVOSA EM ADOLESCENTES: UMA
PESQUISA ETNOGRÁFICA EM SERVIÇO DE SAÚDE DO
RIO DE JANEIRO
TESE DE DOUTORADO
ORIENTADORA: PROFESSORA DRA. ELAINE REIS BRANDÃO
TESE DE DOUTORADO APRESENTADA AO PROGRAMA
DE
PÓS-GRADUAÇÃO EM SAÚDE COLETIVA,
INSTITUTO DE ESTUDOS EM SAÚDE COLETIVA,
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO, COMO
REQUISITO PARCIAL À OBTENÇÃO DO TÍTULO DE
DOUTOR EM SAÚDE
RIO DE JANEIRO
|
COLETIVA.
OUTUBRO 2015
PRISCILA DA SILVA CASTRO VIANEZ
V615
Castro-Vianez, Priscila da Silva.
Desafios da atenção à anorexia nervosa em adolescentes: uma pesquisa
etnográfica em serviço de saúde do Rio de Janeiro / Priscila da Silva Castro
Vianez. – Rio de Janeiro: UFRJ / Instituto de Estudos em Saúde Coletiva,
2015.
244 f.: il.; 30 cm.
Orientadora: Elaine Reis Brandão.
Tese (Doutorado) - Universidade Federal do Rio de Janeiro,
Instituto de Estudos em Saúde Coletiva, Programa de Pós-Graduação
em Saúde Coletiva, 2015.
Referências: f. 190-209.
1. Anorexia nervosa. 2. Transtornos da alimentação. 3. Adolescente.
4. Sistema de saúde. 5. Etnografia. 6. Pesquisa qualitativa. I. Brandão,
Elaine Reis. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Estudos
em Saúde Coletiva. III. Título.
CDD 362.25
iii
DEDICATÓRIA
Para Marisa e Arthur, por todo o amor e
incentivo. A eles quero dedicar ainda muitas
conquistas.
iv
AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente a Deus, pela minha vida e por seu amor. Tenho a certeza de que,
sem o seu cuidado constante não teria chegado até aqui. A Ele agradeço pela força que tem
me permitido transformar meus sonhos em realidade.
Aos melhores pais do mundo, Marisa e Arthur, por me educarem, me amarem
incondicionalmente, me ensinarem a valorizar a família e por me fazerem ter a certeza de que
sempre estarão ao meu lado. Devo a eles a pessoa que sou hoje.
Ao meu irmão, Leonardo por ser meu exemplo, por seu amor e sua amizade.
Agradeço ao meu esposo, João Lídio, por todo apoio, amor e compreensão que teve comigo
durante os últimos anos.
Ao Pakkun, que tem tornado meus dias mais leves e que devolve o meu sorriso quando estou
em dificuldades.
A Elaine, que aceitou o desafio de me orientar e possibilitou a concretização dessa tese.
Agradeço a ela por toda sua dedicação a esse trabalho, por toda a sua paciência comigo e por
sempre me acalmar nos meus momentos de desespero.
Agradeço também aos membros da banca examinadora, Jaqueline Ferreira, Miriam Ventura,
Octávio Bonet, Simone Peres, Neide Silva e Rosana da Costa pela leitura do meu trabalho,
pela disponibilidade em participar e pelas contribuições realizadas.
Agradeço a todos os colegas do mestrado e doutorado do IESC pela estimulante troca de
conhecimentos durante as aulas. No último ano, em especial, a convivência com cada um
deles me fez muita falta: Sabrina Paiva, Luiza Lena, Iolanda Szabo, Alan Camargo, Patricia
Barbosa, Ângela Sperone, Rosângela Rosa, João Vinicius Dias, Gabriel Waichert e Joyce
Flores.
Agradeço às nutricionistas do meu coração, grandes presentes que a nutrição UFRJ me deu:
Ana Beatriz Siqueira, Elisa Bernardes, Flávia Sessa, Júlia Ramalho, Marília França, Michelle
Bento e Mirani Barros, pela amizade, pelo amor e pelo companheirismo que começou em
2003-2 e que me acompanham até hoje. A elas agradeço também pelos muitos momentos
inesquecíveis repletos de choros e gargalhadas sem os quais a vida não seria a mesma.
v
Agradecimento especial às amigas Júlia e Marília, por me presentearem com Caio e Sofia,
que me fizeram despertar para a delícia que é ser “titia”.
Agradeço aos amigos, Amanda Freitas, Claudia Ramos, Gabriella Sant`Ângelo, Letícia
Campos e Rafael Leite, pela sua amizade que nem o tempo ou mesmo a distância são capazes
de mudar.
Agradeço aos meus professores durante o doutorado, pela concretização de mais essa etapa na
minha formação, e por serem um exemplo da profissional que desejo ser.
Agradeço aos meus amados tios e tias, primos e primas, por, mesmo morando tão longe, me
fazerem sentir pertinho, principalmente nas datas especiais.
Agradeço às funcionárias da secretaria de pós-graduação Fátima e Nadja, e aos funcionários
da biblioteca Roberto Unger e Sheila Ferreira, por toda a disponibilidade para ajudar ao longo
do doutorado e especialmente nessa reta final em que eu já estava residindo fora do Rio de
Janeiro.
Agradecimento especial as/os adolescentes do Programa de Transtornos Alimentares, por
dividirem comigo um pouco de suas vidas. Sem elas/eles essa tese não existiria.
Agradeço também a direção do Serviço de Saúde Adolescente e a coordenação do Programa
de Transtornos Alimentares por me franquearem o campo de realização da pesquisa.
E por fim, agradeço a CAPES pela bolsa de doutorado que possibilitou a concretização desse
trabalho com mais tranquilidade.
vi
EPÍGRAFE
“O que o homem perdeu pode lhe ser
restituído; o que nele entrou, pode sair.
Mesmo se a doença é sortilégio,
encantamento, possessão demoníaca, pode-se
ter a esperança de vencê-la. Basta pensar que
a doença atinge o homem para que nem toda
esperança esteja perdida.”
Georges Canguilhem, 2000, p. 19
vii
RESUMO
CASTRO-VIANEZ, Priscila da Silva. Desafios da Atenção à Anorexia Nervosa em
Adolescentes: Uma Pesquisa Etnográfica em Serviço de Saúde do Rio de Janeiro. Rio de
Janeiro, 2015. Tese (doutorado em Saúde Coletiva) - Programa de pós-graduação em Saúde
Coletiva, Instituto de Estudos em Saúde Coletiva, Universidade Federal do Rio de Janeiro,
Rio de Janeiro, 2015.
A presente tese buscou, por meio de uma pesquisa etnográfica, conhecer do ponto de vista
socioantropológico, a dinâmica de funcionamento cotidiano de um serviço público de saúde
especializado no atendimento aos transtornos alimentares, bem como o processo de
adoecimento vivenciado por adolescentes que enfrentam publicamente a anorexia nervosa. O
Programa de Transtornos Alimentares que acolheu a pesquisa oferta atendimento ambulatorial
e a possibilidade de internação hospitalar aos adolescentes gravemente adoecidos. O trabalho
de campo durou aproximadamente 22 meses e incluiu a observação participante da assistência
à saúde e a realização de entrevistas semi-estruturadas com os adolescentes. A observação
participante das reuniões da equipe multiprofissional de saúde, da sala de espera e de alguns
atendimentos clínicos e de nutrição propiciou o conhecimento sobre a atenção prestada aos
adolescentes e seus familiares, bem como permitiu uma maior aproximação com os
adolescentes atendidos. Em um segundo momento, onze adolescentes foram entrevistados
sobre sua experiência de adoecimento e de convivência com os transtornos alimentares, em
especial, a anorexia nervosa. As narrativas evidenciam como a doença e seu tratamento se
articulam à fase específica da vida na qual os entrevistados se encontram, onde o apoio
familiar é central, mas nem sempre possível. Também são discutidas as mudanças que o
processo de adoecimento traz na vida escolar, o afastamento dos grupos de pares e as
dificuldades de interação social em razão da vigilância que sofrem por parte daqueles que se
preocupam com sua saúde. Por sua vez, os desafios enfrentados pelos profissionais de saúde
que acolhem tal demanda e buscam tratá-la são imensos, desde a dificuldade de se obter um
diagnóstico preciso, o manejo delicado dos conflitos familiares que eclodem a partir da
doença de um filho adolescente, as muitas ocasiões em que os pacientes abandonam o
tratamento, com recaídas e novas internações, até o enfrentamento dramático das tentativas de
suicídio adolescente. A abordagem teórica do problema da anorexia nervosa privilegiada na
tese destaca seu curso crônico e a possibilidade do processo de adoecimento ser apropriado
pelo sujeito que sofre como uma via de constituição de si. Valorizar a autonomia adolescente,
viii
mesmo em um momento complexo de sua vida, impõe desdobramentos práticos para os
profissionais de saúde e seus familiares. A convivência mais estreita no Programa de
Transtornos Alimentares, bem como visitas realizadas em outros espaços de saúde voltados
aos transtornos alimentares no Rio de Janeiro possibilitou a identificação de uma realidade
difícil, com falta de recursos e estrutura precária para acolher uma demanda cuja prevalência
permanece ainda desconhecida. Há ausência de condições adequadas de trabalho,
desmotivação de alguns profissionais, falta de formação especializada para atender
adolescentes, dentre outros obstáculos. O acolhimento de adolescentes e de seus familiares
precisa contar com o desenvolvimento de atividades de apoio que ultrapassem a dimensão
mais estrita da atenção à saúde e auxilie a troca de experiências para melhor enfrentamento
dos conflitos e dificuldades do tratamento. Busca-se salientar a importância dessa temática no
campo da Saúde Coletiva no Brasil, com o desenvolvimento de diretrizes para orientar os
serviços de saúde, bem como de políticas públicas que promovam a criação de programas,
ações e atividades visando dar visibilidade e assegurar os direitos, especialmente no
atendimento em saúde, aos portadores de transtornos alimentares no país.
Palavras-chave: anorexia nervosa; transtornos da alimentação; adolescente; sistema de
saúde; etnografia; pesquisa qualitativa.
ix
ABSTRACT
CASTRO-VIANEZ, Priscila da Silva. Desafios da Atenção à Anorexia Nervosa em
Adolescentes: Uma Pesquisa Etnográfica em Serviço de Saúde do Rio de Janeiro. Rio de
Janeiro, 2015. Tese (doutorado em Saúde Coletiva) - Programa de pós-graduação em Saúde
Coletiva, Instituto de Estudos em Saúde Coletiva, Universidade Federal do Rio de Janeiro,
Rio de Janeiro, 2015.
This thesis sought, through an ethnographic research, meet from the socio-anthropological
point of view, the dynamics of everyday operation of a public service specialized in health
care for eating disorders and the disease process experienced by teenagers who publicly face
anorexia nervosa. The Eating Disorders Program who received the survey offer outpatient
care and the possibility of hospitalization for severely diseased teenagers. Fieldwork lasted
about 22 months and included participant observation of health care and carrying out semistructured interviews with adolescents. Participant observation of the meetings of the
multidisciplinary team of health, the waiting room and some clinical care and nutrition
brought to knowledge the attention paid to adolescents and their families and allowed a closer
relationship with the treated. In a second moment, eleven teenagers were interviewed about
their experiences of illness and living with eating disorders, especially anorexia nervosa. The
narratives emphasizes how the disease and its treatment are linked to a specific stage of life in
which respondents are, where family support is central, but not always possible. Also are
discussed the changes that the disease process brings into school life, the removal of peer
groups and difficulties in social interaction because of the suffered surveillance by those who
care about their health. In turn, the challenges faced by health professionals who receive such
demand and seek to treat it are immense, from the difficulty of obtaining an accurate
diagnosis, the delicate handling of family conflicts that erupt from the illness of a teenage son,
the many occasions when patients drop out of treatment, with relapses and new admissions,
till the dramatic confrontation of teen suicide attempts. The theoretical approach to the
problem of anorexia nervosa privileged in the thesis highlights its chronic course and the
possibility that the disease process be appropriated by the subject who suffers as a way of
establishing themselves. To recognize the adolescent autonomy, even in a complex moment in
his life, imposes practical consequences for health professionals and their families. A closer
coexistence in the Eating Disorders Program, as well as visits to other health spaces dedicated
to eating disorders in Rio de Janeiro led to the identification of a difficult reality, with lack of
x
resources and poor structure to accommodate a demand whose prevalence remains unknown.
There is lack of adequate working conditions, lack of motivation of some professionals, lack
of specialized training to attend teenagers, among other obstacles. The care of adolescents and
their families must rely on the development of support activities that go beyond the narrower
dimension of health care and assist the exchange of experiences to better confront the
conflicts and difficulties of treatment. The aim is to highlight the importance of this theme in
the field of Public Health in Brazil, with the development of guidelines to orient health
services as well as public policies that promote the creation of programs, actions and activities
aimed at giving visibility and ensure rights, especially in health care, to people with eating
disorders in the country.
Keywords: anorexia nervosa; eating disorders; adolescents; health care system; ethnography;
qualitative research.
xi
LISTA DE TABELAS
TABELA 1.
Características sociodemográficas e econômicas das/os adolescentes 240
entrevistadas/os. Rio de Janeiro, Brasil, 2015.........................................
TABELA 2.
Informações gerais sobre o tratamento das/os adolescentes 242
entrevistadas/os. Rio de Janeiro, Brasil, 2015.........................................
TABELA 3.
Informações antropométricas das/os adolescentes entrevistadas/os. Rio 243
de Janeiro, Brasil, 2015............................................................................
xii
LISTA DE SIGLAS E ABREVIAÇÕES
AN
Anorexia Nervosa
APA
American Psychiatric Association
BN
Bulimia Nervosa
CEP
Comitê de Ética em Pesquisa
CID
Classificação Internacional de Doenças
CNS
Conselho Nacional de Saúde
DSM
Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders
ECA
Estatuto da Criança e do Adolescente
HU
Hospital Universitário
IESC
Instituto de Estudos em Saúde Coletiva
IMC
Índice de Massa Corporal
INCA
Instituto Nacional do Câncer
OMS
Organização Mundial da Saúde
ONG
Organização Não Governamental
PTA
Programa de Transtornos Alimentares
SSA
Serviço de Saúde Adolescente
SUS
Sistema Único de Saúde
TA
Transtornos Alimentares
TANE
Transtornos Alimentares Não Especificados
TCLE
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
UFRJ
Universidade Federal do Rio de Janeiro
UPA
Unidade de Pronto Atendimento
xiii
SUMÁRIO
RESUMO..................................................................................................................................................
vii
ABSTRACT..............................................................................................................................................
ix
LISTA DE TABELAS.............................................................................................................................
xi
LISTA DE SIGLAS E ABREVIAÇÕES..................................................................................................
xii
APRESENTAÇÃO...................................................................................................................................
15
CAPÍTULO 1. UM OLHAR SOCIOANTROPÓLICO SOBRE OS TRANSTORNOS
ALIMENTARES.......................................................................................................................................
19
1.1 A EXPERIÊNCIA DOS TRANSTORNOS ALIMENTARES PARA A CONSTITUIÇÃO DE SI.
28
1.2 ANOREXIA NERVOSA COMO DOENÇA CRÔNICA NA ADOLESCENCIA............................
33
1.3 PORQUE ETNOGRAFAR UMA INSTITUIÇÃO QUE OFERTA ATENDIMENTO AOS
TRANSTORNOS ALIMENTARES EM ADOLESCENTES?................................................................
37
CAPÍTULO 2. ASPECTOS METODOLÓGICOS E ÉTICOS DA INVESTIGAÇÃO..........................
43
2.1 DESENHO DO ESTUDO...................................................................................................................
43
2.2 POPULAÇÃO DE ESTUDO..............................................................................................................
48
2.3 LOCAL DE ESTUDO........................................................................................................................
54
2.4 ENTRAVES METODOLÓGICOS E ÉTICOS DO FAZER ETNOGRÁFICO................................
59
2.4.1 ENTRAVES RELACIONADOS À ENTRADA EM UM SERVIÇO DE SAÚDE........................
59
2.4.2 ENTRAVES RELACIONADOS À REALIZAÇÃO DE UMA ETNOGRAFIA EM UM
SERVIÇO DE SAÚDE.............................................................................................................................
60
2.4.3 ENTRAVES RELACIONADOS AO COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA...............................
65
2.4.4 ENTRAVES RELACIONADOS AOS SUJEITOS DE PESQUISA..............................................
66
CAPÍTULO 3. AS ADOLESCENTES ATENDIDAS NO PROGRAMA DE TRANSTORNOS
ALIMENTARES.......................................................................................................................................
71
3.1 CONHECENDO-AS MELHOR.........................................................................................................
75
3.2 O INÍCIO DO TRANSTORNO ALIMENTAR: COMO TUDO COMEÇOU..................................
82
3.3 O PERCURSO NA BUSCA DE TRATAMENTO ATÉ O PROGRAMA DE TRANSTORNOS
ALIMENTARES.......................................................................................................................................
90
3.4 O PESO DO DIAGNÓSTICO RECEBIDO.......................................................................................
96
3.5 VIVENDO COM UM TRANSTORNO ALIMENTAR: “JÁ SOFRI MUITO POR CAUSA DA
COMIDA”.................................................................................................................................................
101
3.6 AS ADOLESCENTES E SUAS FAMÍLIAS.....................................................................................
113
xiv
CAPÍTULO 4. ATENÇÃO À SAÚDE DE ADOLESCENTES COM TRANSTORNOS
ALIMENTARES.......................................................................................................................................
121
4.1 O PROGRAMA DE TRANSTORNOS ALIMENTARES.................................................................
121
4.2 A EQUIPE DE SAÚDE......................................................................................................................
123
4.3 DINÂMICA DE ATENDIMENTO AO PÚBLICO...........................................................................
126
4.4 A CONSTRUÇÃO DO DIAGNÓSTICO...........................................................................................
134
4.5 DESAFIOS NO MODO DE ORGANIZAÇÃO DA ATENÇÃO À SAÚDE DE
ADOLESCENTES COM TRANSTORNOS ALIMENTARES..............................................................
141
4.6 DIFICULDADES E DESAFIOS NO ATENDIMENTO AOS ADOLESCENTES COM
TRANSTORNOS ALIMENTARES E SEUS FAMILIARES.................................................................
145
CAPÍTULO 5. A INTERNAÇÃO: UMA AMEAÇA CONSTANTE NO TRATAMENTO..................
158
5.1 A ENFERMARIA NÃO É PARA TODOS........................................................................................
159
5.2 A EXPERIÊNCIA DA INTERNAÇÃO.............................................................................................
161
5.3 INTERNAÇÃO: REFORÇO NO TRATAMENTO OU UMA FORMA DE COERÇÃO?..............
170
CAPÍTULO 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS: CONTRIBUIÇÕES À ASSISTÊNCIA À SAUDE DE
ADOLESCENTES COM TRANSTORNOS ALIMENTARES..............................................................
176
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................................................................
190
ANEXOS...................................................................................................................................................
210
ANEXO 1. CASTRO, P.S.; BRANDÃO, E.R. Tomando a anorexia nervosa como objeto de estudo
socioantropológico: aproximação com os sujeitos da pesquisa. Demetra, v.1, n.9, p.3-22, 2014............
211
ANEXO 2. Roteiro de Entrevista..............................................................................................................
232
ANEXO 3. Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.......................................................................
235
ANEXO 4. Convite para Pesquisa............................................................................................................
239
ANEXO 5. Tabela 1. Características sociodemográficas e econômicas das/os adolescentes
entrevistadas/os. Rio de Janeiro, Brasil, 2015..........................................................................................
240
ANEXO 6. Tabela 2. Informações gerais sobre o tratamento das/os adolescentes entrevistadas/os.
Rio de Janeiro, Brasil, 2015......................................................................................................................
242
ANEXO 7. Tabela 3. Informações antropométricas das/os adolescentes entrevistadas/os. Rio de
Janeiro, Brasil, 2015..................................................................................................................................
243
15
APRESENTAÇÃO
Inicio minha tese de doutorado tratando de minha aproximação ao objeto de estudo, a
anorexia nervosa. Em meu primeiro encontro com minha orientadora já havia delineado um
tema de pesquisa, fruto das inquietações que acumulei durante o mestrado, onde trabalhei com
a abordagem epidemiológica do consumo alimentar em gestantes. Naquela pesquisa, pude
constatar que a grande maioria das mulheres que integravam a coorte ingressava na gestação
acima do peso e, dessa forma, corriam o risco de desenvolver uma série de complicações
associadas à obesidade, bem como deveriam ter cuidado e repouso redobrados. O fato de
poderem estar em risco ou colocar a saúde de seus filhos em risco desencadeava algumas
implicações na vida dessas mulheres que eu não via serem consideradas.
No diálogo com minha orientadora, o tema da anorexia nervosa surgiu. Na verdade,
fui estimulada a ir além de algo que é sempre muito debatido na nutrição, a obesidade, e
pensar em seu “extremo oposto”, muitas vezes desconsiderado. A sugestão do tema me fez
retomar o material da graduação para tentar relembrar sobre os transtornos alimentares e a
anorexia nervosa. Mesmo estando formada há quase três anos nunca havia atendido um
paciente com esse transtorno. Adicionalmente, comecei a conversar com pessoas próximas e a
ler sobre o tema, não mais restrita à temática da nutrição. Em dado momento, preocupou-me
meu quase desconhecimento sobre o assunto, mesmo sendo nutricionista. Tal preocupação
também encerrava o desafio de realizar um estudo socioantropológico (proposta totalmente
nova para mim), abordando um tema vinculado à minha formação profissional original. No
entanto, eu me sentia completamente fora da minha zona de conforto.
O incômodo foi positivo, para não dizer norteador. Passei a me sensibilizar com uma
certa “invisibilidade” desses indivíduos. Eles existem, mas onde são acolhidos? Porque a
dificuldade em escutá-los? Como adoecem? Esses questionamentos me auxiliaram na
formulação do conteúdo apresentado ao longo deste trabalho. Assim, minha tese de doutorado
tem como objeto de investigação a anorexia nervosa na adolescência. Ao realizar uma
pesquisa etnográfica de um serviço público de saúde especializado no atendimento aos
transtornos alimentares, situado na cidade do Rio de Janeiro, pude me aproximar do objeto de
estudo, conhecê-lo melhor e mergulhar nos dilemas e desafios que acometem usuários, seus
familiares e profissionais de saúde.
16
Um serviço público de saúde considerado como centro de referência para o tratamento
dos transtornos alimentares (TA) constitui-se na face legitimada, visível, lugar onde os TAs
obtêm reconhecimento oficial, acolhimento e tratamento e seus portadores uma identidade
social como tal. A assunção pública deste adoecimento pelas adolescentes e suas famílias, ao
buscarem ajuda no serviço, tem especial importância para ser acolhida e considerada.
Certamente, muitos padecem desse mal sem conseguir enfrentá-lo pública e socialmente. A
imersão no universo do sujeito anoréxico implica em uma aproximação à realidade de
sofrimento e angústia, enquanto uma dimensão importante da doença, que tem sido
subaproveitada (Giordani, 2009).
A realidade dos serviços de saúde voltados à atenção aos transtornos alimentares no
Brasil também merece destaque neste trabalho. Para além de um simples alerta sobre um
contexto de atendimento em saúde que está muito aquém do necessário para cuidar/tratar
dessa parcela da população de modo adequado, com as peculiaridades que a patologia
imprime, esta tese condensa um esforço de análise socioantropológica do fenômeno da
anorexia nervosa em adolescentes que pode contribuir para a reflexão sobre a oferta de
atenção aos TA no país. A realização de um estudo etnográfico nesse cenário representa um
trabalho pioneiro sobre os transtornos alimentares, tendo em vista que os demais estudos
produzidos no âmbito das ciências sociais e humanas ou da saúde coletiva abordavam
histórias de vida de portadoras desse TA, etnografias de blogs/sites na internet para o público
com Anorexia Nervosa (AN) e Bulimia Nervosa (BN), uma delas realizada exclusivamente
com homens, e mesmo uma etnografia de um grupo de profissionais que se dedicam à
abordagem psicanalítica dos transtornos. Mas havia nesses trabalhos a sinalização para a
importância em se realizar uma etnografia em instituição multidisciplinar de atenção ao TA,
tarefa realizada no presente trabalho.
Assim, esta investigação teve por objetivos conhecer, do ponto de vista
socioantropológico, a dinâmica de funcionamento cotidiano de um serviço público de saúde
especializado no atendimento aos transtornos alimentares, bem como o processo de
adoecimento vivenciado por adolescentes que enfrentam publicamente a anorexia nervosa.
Busquei captar as normas, representações e práticas sociais existentes na instituição de saúde
em foco, no intuito de apreender como os transtornos alimentares, em especial, a anorexia
nervosa, são concebidos, diagnosticados, tratados e enfrentados no cotidiano do serviço. No
intuito de compreender de modo mais abrangente as relações sociais que permeiam o
cotidiano de adolescentes que sofrem de TA, procurei reconstruir os eventos que antecederam
17
a sua chegada ao serviço de saúde observado e conhecer as relações sociais que o/a
adolescente mantém com sua família, rede de amigos, parceiros afetivo-sexuais, escola e
demais serviços de saúde.
Desse modo, busco preencher algumas das lacunas atualmente existentes na literatura
científica sobre o tema, bem como problematizar certas questões latentes em estudos
anteriores sobre a atenção em saúde aos adolescentes com transtornos alimentares. Trata-se de
uma contribuição no sentido de estimular o conhecimento e o debate sobre esse transtorno no
campo das ciências sociais em saúde no Brasil.
A tese está organizada em cinco capítulos, acrescidos das considerações finais. O
capítulo inaugural, ao resgatar o estado da arte do objeto de estudo, busca discutir duas
dimensões teóricas menos exploradas na literatura científica internacional sobre os TA, que se
revelaram fecundas à análise dos dados empíricos. A primeira perspectiva encerra o modo
como os sujeitos se constituem em meio à experiência do TA e a segunda, a dimensão da AN
enquanto uma doença crônica que se desenvolve ou inicia na adolescência, com todas as
implicações que isso representa para adolescentes, seus familiares e profissionais de saúde.
O segundo capítulo considera os aspectos metodológicos e éticos imbricados em uma
pesquisa etnográfica realizada em uma instituição de saúde voltada a atenção aos transtornos
alimentares em adolescentes. O terceiro capítulo se detém na aproximação aos adolescentes
que conheci no Programa de Transtornos Alimentares (PTA), retratando sua convivência
cotidiana com um TA, o processo de adoecimento e tratamento até a chegada ao Programa
observado.
Os quarto e quinto capítulos tratam especificamente da atenção à saúde no PTA. No
quarto, abordo a assistência ambulatorial prestada aos adolescentes e seus familiares,
discutindo os imensos desafios que se interpõem à equipe de saúde para tratar e recuperar a
saúde destes adolescentes. O capítulo cinco centra-se no recurso à internação hospitalar para
os adolescentes gravemente adoecidos pelos TA, como uma importante dimensão do
tratamento, para salvaguardar a vida em risco de muitos adolescentes. No entanto, a
internação também representa um “choque”, um confronto com a realidade do adoecimento
para familiares e adolescentes, bem como sua possibilidade costuma ser utilizada pela equipe
de saúde como dispositivo de controle social dos pacientes.
18
O capítulo de encerramento, que reúne algumas contribuições para os serviços de
saúde que ofertam atendimento aos TA, centra-se na importância da sociabilidade adolescente
como recurso terapêutico complementar no tratamento. Discute-se a necessidade de se
considerar as especificidades desta etapa da vida para organização da atenção à saúde
moldada às necessidades adolescentes e de seus familiares.
19
CAPÍTULO 1. UM OLHAR SOCIOANTROPOLÓGICO SOBRE OS
TRANSTORNOS ALIMENTARES
Os Transtornos Alimentares1 são doenças graves, descritos como quadros psiquiátricos
que atingem, principalmente, adolescentes e adultos jovens do sexo feminino, podendo gerar
consequências biológicas e psicológicas com morbidade e mortalidade elevada (FERREIRA;
VEIGA, 2010; BORGES et al, 2006; PINZON et al, 2004). Esses distúrbios são
caracterizados pelo medo mórbido de engordar, desejo persistente de emagrecer e distorção da
imagem corporal (NUNES et al, 2001; MORANDÉ et al, 1999).
São doenças com curso crônico, de difícil tratamento, com desdobramentos para o
estado nutricional do indivíduo, podendo favorecer tanto a desnutrição quanto a obesidade
(CORDÁS, 2004). São expressivamente mais comuns em mulheres (90%) do que em homens
(10%) (TEIXEIRA et al, 2009; BOSI et al, 2008), e se relacionam à maneira como o sujeito
vivencia seu corpo e (re)organiza sua imagem corporal (ANDRADE; SANTOS, 2009).
Perdas afetivas, separações familiares, doenças orgânicas, depressão, ansiedade e, até mesmo,
traumas de infância, como abuso sexual, vem sendo apontados como fatores desencadeantes
destes transtornos (PAXTON, 1998). Possuem origem difusa, com múltiplos aspectos
psicológicos, biológicos, socioculturais, genéticos e familiares relacionados a sua gênese
(BORGES et al, 2006; CORDÁS, 2004; APPOLINÁRIO; CLAUDINO, 2000).
Entre os principais transtornos alimentares, encontram-se a anorexia nervosa e a
bulimia nervosa, sendo a bulimia mais frequente que a anorexia, embora essa apresente maior
morbimortalidade (APA, 2000). Ambos possuem psicopatologia comum, caracterizada pela
preocupação excessiva com o peso e a forma corporal (FERREIRA; VEIGA, 2010; BORGES
et al, 2006). Devido as suas origens multifatoriais, há diferentes questões que favorecem o
desenvolvimento e manutenção da AN e da BN (MUSSELL et al, 2000). Assim, Murray
1
“Transtorno Alimentar” será muitas vezes utilizado no decorrer da tese como um termo amplo que
engloba a Anorexia Nervosa.
20
(2003) destaca que o tratamento deve ser abrangente o suficiente para lidar com a natureza
complexa desses TA.
A AN apresenta a maior taxa de mortalidade dentre todos os distúrbios psiquiátricos
no mundo, em torno de 0,56% ao ano na população mundial. Este valor é cerca de 12 vezes
maior que a mortalidade das mulheres jovens na população em geral (APA, 2000). É
caracterizada pela recusa do indivíduo em manter um peso adequado para a sua estatura,
medo intenso de ganhar peso, recusa alimentar associada a uma distorção da imagem
corporal, e negação da própria condição patológica. Há também uma busca incessante pela
magreza e amenorreia (SCHMIDT; MATA, 2008; BORGES et al, 2006; APA, 1994). Pelo
modo como foi concebida na literatura científica, tornou-se mais usual abordar a dimensão da
feminilidade como um fator de predisposição à doença e a masculinidade como uma proteção
contra a AN (TILL, 2011), fato que não deve ser generalizado, mas considerado com cautela.
A AN engloba uma série de comorbidades psiquiátricas, incluindo distimia,
transtornos de ansiedade, transtorno obsessivo compulsivo, transtornos de personalidade e
alguns tipos de dependências (LENOIR; SILBER, 2006). O diagnóstico geralmente é
cogitado primeiro pela família, amigos e/ou mesmo na escola, nos casos de adolescentes,
antes do envolvimento de um profissional de saúde (MORRIS; TWADDLE, 2007). Como em
todos os TA, há uma diversidade de desordens gastrointestinais, neurológicas e endócrinas
(PATRICK, 2002) relacionadas ao seu desenvolvimento, que em maior ou menor grau
acabam por agravar a condição dos pacientes.
O medo mórbido de engordar e a forma peculiar de realizar a restrição alimentar são
apontados como centrais, e utilizados na distinção entre a AN e outros tipos de anorexia
secundárias à doenças clínicas ou psiquiátricas (GIORDANI, 2006; APPOLINÁRIO;
CLAUDINO, 2000). A distorção da imagem corporal pode agravar-se de tal forma que,
mesmo muito emagrecidos, os indivíduos podem sentir-se “gordos” (GIORDANI, 2006).
Muitas vezes, os familiares só se dão conta do problema quando o emagrecimento torna-se
acentuado, pois a realização de dietas em muitos contextos é valorizada (NUNES et al, 1994).
No entanto, os sintomas sugestivos de TA e a insatisfação com a imagem corporal
podem representar fatores de risco importantes para o desencadeamento da AN e da BN
(VALE et al, 2011; BURGIĆ-RADMANOVIĆ et al, 2009; FERREIRA; VEIGA, 2010).
Além disso, as formas parciais dos TA podem chegar a ser duas vezes mais prevalentes do
21
que as síndromes completas, com consequências relevantes em termos de sofrimento para o
sujeito e seus familiares (NUNES et al, 2006).
Dos principais TA, a AN foi a primeira a ser descrita e, igualmente, a pioneira a ser
adequadamente classificada e ter critérios diagnósticos reconhecidos (CORDÁS, 2004). A
partir de 1960, a AN foi definida como síndrome psiquiátrica, e na década de 1970, surgiram
critérios padronizados para o seu diagnóstico (CORDÁS; CLAUDINO, 2002). Desde a sua
definição, os campos médico e/ou psicológico têm a legitimidade para diagnosticar, tratar e
pesquisar a respeito, mantendo a soberania sobre o conhecimento da temática durante
décadas, deixando à margem as questões socioculturais nele envolvidas (SILVA, 2004,
BORDO, 1993).
De acordo com o Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders V (DSMV/APA, 2014), existem dois tipos de apresentação clínica da AN: no primeiro, o “tipo
restritivo”, os pacientes fazem uso de comportamentos restritivos associados à dieta. Nesse
subtipo, a perda de peso é alcançada através de dietas, jejuns e/ou atividades físicas para
perder peso. No segundo, o “tipo purgativo”, associado à restrição dietética ocorrem episódios
de compulsão alimentar e/ou vômitos auto-induzidos, uso abusivo de laxantes, diuréticos e/ou
enemas. Já a Classificação Internacional de Doenças – 10ª Edição (CID-10; OMS-1993) não
faz distinção entre os tipos de AN, podendo os pacientes anoréxicos que apresentam episódios
bulímicos receber tanto o diagnóstico de AN quanto de BN (BORGES et al, 2006;
GIORDANI, 2006; APPOLINÁRIO; CLAUDINO, 2000).
A AN afeta majoritariamente adolescentes, principalmente do sexo feminino
(BROWN; MEHLER, 2000). Os adolescentes do sexo masculino tendem a aceitar melhor a
sua imagem corporal, mesmo apresentando um estado nutricional inadequado, enquanto as
meninas parecem mais preocupadas com sua imagem corporal, mesmo quando possuem um
peso adequado para a altura (BRANCO et al, 2006). Justamente por ser incomum no sexo
masculino, os profissionais de saúde que trabalham com adolescentes devem estar sempre
atentos à AN quando identificam desnutrição grave sem causa aparente, pois sua identificação
e rápido início do tratamento são fundamentais para o bom prognóstico. O diagnóstico de AN
pode demorar mais tempo para ser feito no sexo masculino, ou mesmo não ser realizado,
dadas às dificuldades dos critérios para classificação desse TA (SANTOS et al, 2012).
Há alguns anos, o reconhecimento de que as questões socioculturais também
contribuem para o desenvolvimento da AN vem crescendo (FERREIRA; VEIGA, 2010).
22
Contrastando-se ao reconhecimento dos TA como sendo fundamentalmente de natureza
psiquiátrica, alguns autores afirmam que tais patologias são sintomas de um problema social,
chegando a ser considerada uma “epidemia social” (GIORDANO, 2002; HESSE-BIBER et al,
2006). De todos os transtornos psiquiátricos, os TA vem recebendo destaque pelo grau em
que são associados aos fatores sociais e culturais (CHANDRA et al, 2012).
A partir da segunda metade do século XIX, período de início do diagnóstico da AN, a
magreza é estabelecida como um sinal de prestígio e status social, o que desqualificou o corpo
gordo e pesado, que passou a representar a vulgaridade (DARMON, 2006). A referência para
o corpo no ocidente, em especial, o feminino, é aquele que é magro, leve, flexível e livre de
flacidez. Trazemos no corpo as nossas marcas sociais identitárias e é na aparência física junto
a outras características como tonicidade, juventude e magreza que revelamos quem somos.
Assim, a obesidade passa a representar uma “não adesão anatômica e funcional à sociedade
contemporânea” (SANTOS, 2008, p.30) e estar acima do peso é amplamente indesejável.
Segundo a socióloga D. Lupton (2013), pessoas gordas são mais propensas a viver na
pobreza, ter menor renda, estar desempregada, ter menor escolaridade, ser empregada em
trabalhos de menor status e experimentar padrões de vida mais baixos estatisticamente. Em
termos sociais, as pessoas gordas recebem menos respeito de assistentes de loja, são menos
propensos a se casar e muitas vezes são submetidos a humor depreciativo e comentários
pejorativos em diferentes contextos sociais. Os profissionais de saúde admitem serem
"repelidos" por pessoas gordas. Ao contrário de outros atributos que atraem discriminação e
marginalização, as pessoas gordas são vistas como merecedoras de seu destino por sua
aparente falta de autocontrole (LUPTON, 2013). Por outro lado, o autocontrole das pessoas
magras desperta respeito e admiração.
Nosso corpo é um signo imediatamente compreendido por todos de nosso atendimento
àquilo que é valorizado socialmente e de nossa lealdade às regras da distribuição e da
reciprocidade de bens de consumo presentes em nossa sociedade (FISCHLER, 1995).
Atualmente, o corpo e a beleza padronizados servem como referência para saúde e qualidade
de vida, disseminando a noção de que por meio de um corpo belo se obtém também a
realização individual (ADAMI et al, 2005). A visualização de corpos magros e/ou musculosos
no cotidiano, veiculados pelos meios de comunicação, faz com que os indivíduos tenham
dificuldade em reconhecer a beleza em sua singularidade e diversidade, sem se atrelar a
padrões estéticos inatingíveis (BENDER et al, 2009).
23
Por todas as modificações de que é alvo, Rodrigues (2006) compara o corpo a uma
massa de modelar, no qual a sociedade imprime diferentes formas e padrões segundo sua
vontade. De acordo com Le Breton (2003), não se pode mais aceitar o corpo que se tem, é
preciso completá-lo ou transformá-lo naquilo que se quer que ele seja. Sem essas alterações, o
autor afirma que o corpo representaria uma forma decepcionante e incapaz de acolher as
aspirações daquele que o porta (p.22). Mas as adaptações às exigências do mundo moderno
podem tornar-se uma tarefa impossível, que exige trabalho constante sobre o corpo em um
percurso sem fim (p.29).
A busca por esse ideal, inatingível para muitos, tem conduzido principalmente as
mulheres à adoção de comportamentos alimentares anormais e práticas inadequadas de
controle de peso (BENDER et al, 2009). Para Le Breton (2010), a atenção desmedida que
dedicamos ao corpo não é, de forma alguma espontânea, mas sim resposta aos imperativos
sociais, pois o corpo ocupa na modernidade o lugar privilegiado do discurso social. Porém, do
ponto de vista socioantropológico, caberia um estranhamento em relação ao poder que
imagens de magreza feminina teriam como modelos ideais de beleza capazes de promover
mudanças nos comportamentos femininos para a adoção a qualquer custo desses padrões
(SILVA, 2011).
Embora seja recorrente no meio científico ou no senso comum atribuir os TA aos
contextos socioeconômicos privilegiados, Vale et al, (2011) chamam a atenção para esses
transtornos como um problema de Saúde Coletiva mesmo em áreas pobres do Brasil. No
estudo por eles conduzido, comer e restringir a alimentação foram utilizados como estratégias
para lidar com situações de conflito e de instabilidade emocional.
Está claro que os alimentos e os hábitos alimentares não estão simplesmente
relacionados a "alimentar-se", aliviar a fome, ou ter sensações gustativas de prazer. A comida
e o comer são fundamentais para a nossa subjetividade (LUPTON, 2013) e o corpo magro da
pessoa anoréxica apresenta-se como uma caricatura do ideal contemporâneo de magreza para
as mulheres, um ideal que, apesar das diferenças socioeconômicas, raciais e étnicas, tornou-se
a norma. Mas magreza é apenas a ponta do iceberg, e a própria magreza requer interpretação
dos motivos de valorização desse ideal que é capaz de produzir múltiplas leituras (BORDO,
1993).
No Brasil, bem como em muitos outros países, ainda são poucos os estudos de base
populacional que conseguem estimar a incidência e prevalência de AN em sua população e
24
isso se deve a algumas questões metodológicas. Também há carência de serviços públicos
especializados para o tratamento de TA (MOYA et al, 2005). Como a AN é uma doença rara,
para se obter uma amostra maior, alguns estudos utilizam pessoas em risco aumentado de ter
um TA, como estudantes. A dificuldade na detecção de casos é outro problema, pois nas
sociedades ocidentais a doença não pode ser detectada em seus estágios iniciais devido a sua
semelhança com a dieta não-patológica. A dieta e a prática de exercícios físicos fazem parte
de um estilo de vida cotidiano bem aceito. Nas pesquisas que têm os hospitais como espaços
de investigação, a dificuldade está na baixa procura por tratamento (TORRES et al, 2012).
Assim, os diferentes critérios aplicados nos estudos limitam a capacidade de comparação e a
generalização dos resultados para o conjunto da população (WEAVER et al, 2005).
Durante a revisão de literatura que embasou a construção desse trabalho, foi possível
identificar alguns temas de maior recorrência entre aqueles que se dedicam a estudar os TA,
como a AN. Na ocasião do exame de qualificação do projeto de tese de doutorado, em 22 de
fevereiro de 2012, apresentei um balanço da literatura científica sobre o tema dos transtornos
alimentares, o qual foi posteriormente publicado e pode ser consultado no Anexo 1
(CASTRO; BRANDÃO, 2014). Com o percurso da investigação nos anos subsequentes,
decidi priorizar neste capítulo da tese a abordagem mais detida de duas perspectivas teóricas
de compreensão do objeto de estudo que me pareceram mais fecundas à discussão dos dados
empíricos que apresento a partir do trabalho de campo. Assim, faço abaixo uma breve
sistematização das muitas vertentes de estudo e de abordagem do problema dos TA e da AN
existentes na literatura, que considero balizas das tendências de investigação presentes no
campo, as quais reúnem disciplinas biomédicas, sociológicas e psicológicas.
Alguns estudos têm se dedicado a compreender a implicação das questões de gênero
no desencadeamento dos TA, abordando especificamente duas questões: a primeira, trata da
AN e sua prevalência desproporcional em mulheres, que ocupam cerca de 90% dos casos
diagnosticados, com as possíveis explicações para essa prevalência. Há uma gama de
pesquisadoras feministas se dedicando a essa temática (SILVA, 2004; SILVA 2011; AUSTIN
et al, 2011; BORDO, 1993; TIERNEY; FOX, 2011; TILL, 2011; BENNINGHOVEN et al,
2007). Na segunda, as questões de gênero se articulam aos estudos sobre a ocorrência de TA
em homens, com suas respectivas dificuldades de identificação dos casos e diagnósticos.
Buscam elucidar se entre os homens a prevalência é de fato baixa, ou eles são ainda
considerados “protegidos” de desenvolverem esses transtornos, dado que desde a
identificação dos TA, a AN foi delineada como uma entidade patológica feminina
25
(ANDRADE; SANTOS, 2009; RAEVUORI et al, 2009; SANTOS et al, 2012; ANDERSEN,
1999; ANDERSEN; HOLMAN, 1997; YOUNIS; ALI 2012; CARLAT et al, 1997; MELIN;
ARAÚJO 2002).
Há outro conjunto de estudos que se dedicam às formas ou estratégias particulares de
sociabilidade estabelecidas entre os sujeitos portadores de TA, que são os chamados
Movimentos/Comunidades Pró-ana (pró-anorexia) e Pró-mia (pró-bulimia), encontrados em
comunidades virtuais da internet. Em relação a essa temática, alguns pesquisadores optam por
“defender” tais comunidades como espaços de trocas interpessoais e a modalidade de apoio
que elas representam àqueles que padecem dos TA. No entanto, outros destacam que tais
ambientes, livres de censura e recriminações, acabam por reforçar comportamentos
patológicos e afastam os adeptos das possibilidades de recuperação (SILVA, 2011; HAAS et
al, 2010; HAMMERSLEY; TRESEDER, 2007; GAVIN et al, 2008; DIAS, 2003; BOERO;
PASCOE, 2012; BROTSKY; GILES, 2007; NORRIS et al, 2006; RAMOS et al 2011).
Outros autores têm se dedicado a discutir o paralelo entre a AN e a histeria, passando
pelas chamadas “Santas Jejuadoras” ou “Santas Anoréxicas”, mulheres que por meio de uma
série de sacrifícios, dentre eles os jejuns, buscavam uma forma de estarem mais próximas a
Deus. Nesses trabalhos busca-se ainda estabelecer um paralelo entre as patologias antigas e a
AN, como se esta representasse uma reformulação de algo já existente na história,
desconsiderando as influências modernas do meio em que as mulheres vivem atualmente
(SILVA, 2004; MARINI, 2013; WEINBERG, 2010; WEINBERG et al, 2005; CORDÁS;
CLAUDINO, 2002).
Muitos estudos sobre os TA buscam avaliar a influência das “marcas culturais”
(ocidentais) em seu desencadeamento. Por serem patologias de origem multicausal e não
haver o reconhecimento de como cada fator pode ser determinante para o início da doença,
ainda há muitas especulações e esses estudos permanecem inconclusivos (SILVA, 2011; LAI,
2000; MORANDE et al, 1999; BECKER, 2004; OLIVEIRA; HUTZ, 2010; BECKER et al,
2002; PARKER et al, 1995; YOUNIS; ALI, 2012; ALEGRIA et al, 2007; CHAN; MA, 2003;
SIMPSON, 2002; PIKE; BOROVOY, 2004; QADAN, 2009; LAI, 2000; LEE, 1995; LEE,
2004; LESTER, 2007; LITTLEWOOD, 2004; MA, 2005; KATZMAN et al, 2004; HOSTE et
al, 2012; BENNETT et al, 2004; GONZAGA; WEINBERG, 2005; GVION, 2008;
CHANDRA et al, 2012).
26
Os trabalhos que se dedicam à fase da adolescência como segmento geracional mais
atingido pelos TA buscam atribuir o adoecimento às características próprias da idade, como a
importância atribuída à avaliação dos pares e a necessidade de aceitação social, como
aspectos predisponentes para desenvolver tais patologias (LENOIR; SILBER, 2006; OMMEN
et al, 2009; NILSSON et al 2007; PENTEADO et al, 2012; ROOTS et al, 2009; WENTZ et
al, 2009; BACALHAU; MOLEIRO, 2010; WEAVER; LIEBMAN, 2011).
Há ainda os estudos sobre a influência da mídia e da propagação de padrões de beleza,
responsáveis por causar insatisfação/infelicidade, o que levaria algumas pessoas a adotar
comportamentos pouco saudáveis para perder peso, podendo assim desenvolver um TA. Mas
nessa vertente há também quem questione uma influência tão direta de tais padrões de beleza
para o desencadeamento dos TA, afinal tal exposição atinge a todos, homens e mulheres,
independente da idade. O que caberia refletir seria porque algumas pessoas tornam-se mais
susceptíveis a sentirem-se infelizes com a imagem corporal que têm de si, passando a investir
em comportamentos inadequados para perda de peso (MARINI, 2013; BOSI et al, 2006;
FERRIS, 2003; WHITEHEAD; KURZ, 2008; BECKER et al, 2002; TYLER; WILKINSON,
2007; NIEMEYER; KRUSE, 2008; MURRAY, 2003; CARNEY; LOUW, 2006; FREITAS et
al, 2010; HESSE-BIBER et al, 2006).
Outra vertente interessante de estudos busca traçar um contraponto entre obesidade e
AN. Alguns pesquisadores propõem que ambas são faces do mesmo problema. Outros estudos
avaliam a relação que a sociedade desenvolve com pessoas obesas e anoréxicas, buscando
ressaltar que o estigma atinge ambas as condições de maneiras distintas. No caso da AN, a
“culpa” recai sobre a condição da doença em si, enquanto na obesidade ela recai sobre seu
portador, merecedor do descrédito do qual se torna alvo (MARINI 2013; FERRIS, 2003;
EBNETER et al, 2011; CORDÁS et al, 2004; YOSHINO, 2007; WOLTER et al, 2009;
WILSON, 2010; MARTINS et al, 2010; WARIN, 2003; LOZANO, 2008; COOPER et al,
2007).
Há uma série de estudos que se dedicam às famílias dos portadores de TA e abordam
desde terapias familiares, passando pela culpabilização ou não do ambiente familiar como
desencadeador do TA e também os que se dedicam ao impacto para os familiares de conviver
com alguém com um TA (FISHMAN, 2006; CHAN; MA, 2002; CHEN et al, 2010;
COBELO et al, 2004; DALLOS; DENFORD, 2008; DIMITROPOULOS et al, 2008;
EISLER, 2005; EISLER et al, 2007; ESPÍNDOLA; BLAY, 2009; GODART et al, 2012;
27
HONEY; HALSE, 2006; HONIG, 2005; KRAUTTER, LOCK 2004; KYRIACOU et al,
2009; LOCK et al, 2010; TURKIEWICZ et al, 2009; TREASURE et al, 2005; VILELA E
SOUZA; SANTOS, 2009; SMITH; COOK-COTTONE, 2011; SCHOLZ et al, 2005;
RHODES et al, 2009).
Sobre a abordagem estritamente biomédica dessas condições, há estudos sobre as
avaliações dos diferentes tipos de tratamento, com o destaque para a terapia familiar. Alguns
autores tem seu foco voltado para as complicações médicas/clínicas dos TA, que envolvem
desde a desidratação, passando pelo desequilíbrio de eletrólitos e chegando à falência de
múltiplos órgãos. E há ainda aqueles que se dedicam a problematizar a validade, a
importância ou mesmo o emprego cotidiano dos critérios diagnósticos, dadas as dificuldades
de utilizá-los nos serviços de saúde (CARNEY et al, 2006; HERPERTZ-DAHLMANN;
SALBACH-ANDRAE, 2008; FERNANDES, 2007; FITZPATRICK et al, 2010; TAN et al,
2010; RUSSELL, 2001; WARIN, 2005; YARZÓN; GIANNINI, 2010; KRAUTH et al, 2002;
BROWN; MEHLER, 2000; LENOIR; SILBER, 2006; PATRICK, 2002; MARINI, 2013;
FAIRBURN; COOPER, 2011; MILOS; SPINDLER, 2005).
Por fim, pelas inúmeras dificuldades de se realizar o diagnóstico para AN e BN, pela
escassez de centros especializados e de indivíduos em tratamento para TA nos serviços de
saúde, muitos autores tanto no Brasil quanto no exterior, optam por trabalhar com os ditos
“comportamentos de risco/sintomas sugestivos” para o desenvolvimento dos TA, buscando
apontar por esse meio que o problema pode ser muito maior do que os critérios diagnósticos
conseguem identificar e os sistemas de saúde têm capacidade de acolher (BOSI et al, 2006;
BOSI et al, 2008; VALE et al, 2011; ALVES et al, 2008; BURGIĆ-RADMANOVIĆ et al,
2009; FERREIRA; VEIGA, 2010; NUNES et al, 2006; PENTEADO et al, 2012; SOUZAKANESHIMA et al, 2006; VILELA et al, 2004; WINGFIELD et al, 2011; ALVES et al,
2008; FIATES; SALLES, 2001).
A importância dos temas acima apontados é indiscutível, alguns deles contemplados
em Castro e Brandão (2014), inserido no Anexo 1. No entanto, optamos por privilegiar neste
capítulo algumas questões que se revelaram fundamentais em campo e que suas implicações
não têm recebido a devida atenção entre os estudos sobre os TA. São elas, o modo como o
sujeito se constitui em meio à experiência do TA e a compreensão da AN enquanto uma
doença crônica que se desenvolve especialmente na adolescência. Considero tais perspectivas
28
teóricas de compreensão do fenômeno dos TA fecundas para a discussão que pretendo fazer
nos capítulos subsequentes.
1.1 A EXPERIÊNCIA DOS TRANSTORNOS ALIMENTARES PARA A CONSTITUIÇÃO
DE SI
Embora em perspectivas diferentes, alguns autores têm buscado argumentar que para
além de uma doença mental que retira a autonomia dos sujeitos, a AN pode ser interpretada
também como um “estilo de vida” ou, na definição de M. Darmon (2009; 2006), que faz um
paralelo ao trabalho de Goffman, como uma “carreira” - a “carreira anoréxica”. A autora
considera a noção de trajetória biográfica em relação à AN. Em tais concepções, os sujeitos
portadores de AN reivindicam essa compreensão, buscando se afastar da imagem de
“adolescentes sugestionáveis”, em sua grande maioria, ou que são meramente “controlados”
pela patologia ou “vitimados” por um padrão rígido de beleza, não havendo espaço para
agência na experiência anoréxica (SILVA, 2004).
Nesse sentido, Silva (2004) se apropria da definição de “perturbação físico-moral”
formulada por Dias Duarte (1994), para designar os TA, por acreditar que essa formulação
remete à experiência de aflição dos sujeitos afetados, sem reduzi-la à noção de “doença” e
sem se apropriar diretamente das definições biomédicas.
A compreensão dos sentidos que as pessoas anoréxicas imprimem à experiência do
adoecer e do viver com este TA tem sido obtida quase que exclusivamente pelo olhar das
disciplinas da saúde (ALLEN, 2008; RICH, 2006). Para realizar essa tarefa, um único olhar
nunca será suficiente, é necessária a “tríplice consideração” de Mauss (1974), onde o
biológico, o psicológico e o sociológico são indissociáveis. O problema é que tal triangulação
de saberes ainda não vem sendo considerada em relação aos TA.
Assim como qualquer outro fato social (Durkhein, 2007), pode-se interpretar uma
doença como algo característico da sociedade particular em que se encontra. Em quase todos
os contextos sociais a recusa alimentar é um fato preocupante e Littlewood (2004) salienta
que em muitas sociedades a restrição alimentar é particularmente utilizada na gestão de
conflitos sobre a autonomia feminina.
29
Sem entrar no mérito de defender ou condenar as comunidades virtuais pró-ana/prómia, cabe destacar que essas comunidades desempenham um papel fundamental fornecendo
auxílio, reconhecimento e apoio aos portadores de TA inexistentes fora da esfera “virtual”.
Por meio desses espaços é possível o desenvolvimento de laços de amizade e trocas de
experiências. É o “lugar” onde encontram referências sobre como manter os TA e como agir
quando as pessoas com quem se relacionam presencialmente as indagam sobre o seu
comportamento (RAMOS et al, 2011).
Silva (2004) define as comunidades Pró-ana e pró-mia (referindo-se respectivamente a
AN e BN) como:
... uma postura ideológica que se difundiu pela internet nos últimos anos e que, de
maneira geral questiona o caráter patológico da anorexia e da bulimia nervosa,
considerando-as estilos de vida que podem ser voluntariamente adotados... Para os
pró-ana/mia, os comportamentos que os profissionais de saúde classificam como
patológicos e sintomáticos de um TA são apenas medidas extremas para atingir um
fim maior. (SILVA 2004, p.12)
O fato dos TA serem médica e socialmente considerados como doenças mentais,
conduz a uma tensão entre aqueles que reconhecem o papel ativo do doente no
desencadeamento e manutenção da doença e aqueles que concebem tais transtornos como
entidade específica, encarnada, que retira do doente a posição de sujeito consciente e
responsável (SILVA, 2004). Os que atribuem a responsabilidade ao sujeito por sua condição o
concebem como culpado. Por outro lado, se a ênfase está na destituição de sua agência pela
doença, o doente-vítima é considerado passível dessa entidade separada que é a doença e
torna-se incapaz de agir sobre a perturbação que o atinge. O mesmo sujeito pode mobilizar
uma ou outra condição a seu respeito dependendo da representação que deseja passar em
determinado contexto social (SILVA, 2004).
Nas comunidades pró-ana/mia, os comportamentos condenáveis pela medicina e pela
sociedade se mantêm imunes e as praticantes conseguem apoiar-se reciprocamente. Nesses
espaços é possível serem honestas sobre seus anseios e vontades, mas tal honestidade não
pode estar presente nos seus relacionamentos interpessoais com amigos e familiares, pois,
muito provavelmente, seria alvo de condenações (RAMOS et al, 2011). Desse modo, a
internet se tornou um importante veículo de expressão para aqueles que vivenciam a próanorexia em suas vidas (DIAS, 2003).
30
Os sites pró-ana/mia nesse sentido representam um refúgio dos mecanismos de
vigilância e de regulamentação de que os TA são objeto na esfera pública. No estudo de Dias
(2003), as narrativas de mulheres com AN que criaram e/ou visitaram essas “ilhas de
proteção” foram entendidas como transgressoras ou desafiadoras em relação aos discursos
hegemônicos biomédico e psiquiátrico que buscavam patologizar e medicalizar suas
experiências.
É importante destacar que muitos grupos pró-ana/mia não estão em busca de novos
membros, querem apenas o direito de defender aquilo que acreditam. O significado que
atribuem ao corpo como construção cultural, bem como de sua imagem social desempenha
um papel determinante na construção da identidade das pessoas anoréxicas. Nessas
comunidades a noção de que o emagrecimento está associado à doença é condenada, por outro
lado, concebem o emagrecimento como uma necessidade estética, desejada por aqueles que
buscam uma vida saudável (RAMOS et al, 2011).
Creio que a posição desses grupos e de todos que padecem dos TA reside justamente
na dificuldade de reconhecer suas práticas como inadequadas, posto que se enquadram no
sistema de crenças e práticas sociais do que é considerado “normal”, “saudável” e até
“recomendável” para o emagrecimento (SILVA, 2004). O limiar entre o normal e o
patológico (CANGUILHEM, 2009) relativo às práticas alimentares atuais é separado por uma
linha muito tênue, abrindo espaço para que as comunidades pró-ana/mia reivindiquem a
posição de que os TA advêm de uma escolha individual adotada de modo consciente e
voluntário em oposição à noção biomédica que reafirma a destituição da capacidade de ação
voluntária. Não obstante, mesmo entre os pró-ana/mia, há o reconhecimento de uma possível
“perda de controle”, que pode levar ao risco de vida, causando dor, sofrimento e o sentimento
de perturbação (SILVA, 2004).
Mesmo com a própria vida em xeque, o projeto das pessoas anoréxicas continua sendo
emagrecer. Os riscos são conhecidos, mas ignorados. Uma vez que a alimentação é um laço
tão poderoso de vínculo social, a AN chega a ser encarada como uma forma de transgressão
social (GIORDANI, 2006). Ao abordar o sofrimento adolescente, Le Breton (2012) fala sobre
condutas de risco relacionadas à exposição deliberada do indivíduo a situações de risco como
colocar sua saúde em perigo. Nesse sentido, o autor cita os TA que, mais do que um ato
passageiro, podem permanecer, tornando-se um modo de vida.
Por sua vez, M. Darmon (2006) nomeia de “carreira anoréxica” aquilo que ela entende
essencialmente por uma carreira de modificações corporais, envolvendo um corpo que é
31
“produzido” e transformado individualmente, embora não seja alheio às representações
socialmente valorizadas. Em outro trabalho, por meio de sua pesquisa etnográfica realizada na
França, Darmon (2009) argumenta que o conjunto de práticas e orientações/disposições
adquiridas através de uma “carreira anoréxica” baseiam-se em práticas e orientações
claramente identificados com o status das classes média e alta. No entanto, a autora propõe a
compreensão da AN como uma carreira desviante, que se traduz na conversão em um
conjunto de práticas e orientações anoréxicas que podem ser entendidas como um tipo
peculiar de habitus no sentido de Pierre Bourdieu (1972).
A compreensão de que pessoas diagnosticadas com AN são psicologicamente
“desadaptadas" é recorrente no senso comum. Assim, as experiências e práticas das pessoas
anoréxicas são consideradas separadas do contexto social e cultural em que se situam, o que
acaba por negar a complexidade da prática anoréxica (ALLEN, 2008).
No estudo de Boughtwood e Halse (2010) realizado na Austrália, as pacientes com AN
internadas tinham consciência da dominação do discurso médico no contexto hospitalar mas
negavam que tal discurso definia ou delimitava as construções que tinham de si mesmas, da
anorexia, do tratamento e mesmo de suas relações com os médicos. Ficou claro também que,
ao contrário do que se espera, as adolescentes criavam diferentes formas de resistência para
subverter a autoridade médica, exercendo agência considerável e ativamente contestando as
relações de poder nos hospitais. Os autores destacam a importância de se reconhecer as
diferenças individuais, respeitando os significados que as pacientes atribuem a sua doença.
Algo que incomodou as adolescentes no estudo de Rich (2006) realizado no Reino
Unido era justamente a redução de suas condutas a uma posição de patologia ou
irracionalidade. Embora as entrevistadas desenvolvessem relações contraditórias com a
anorexia, sentindo seu poder, mas conscientes de que era algo destrutivo, eram capazes de
negociar vários discursos que lhes oferecessem subjetividades alternativas. Assim, elas
gerenciavam a anorexia ora como uma doença/condição patológica e ora como identidade
social. Ao focar em um ponto de vista medicalizado sobre esse TA, Rich (2006) afirma que se
está minimizando as dimensões humana e social das experiências individuais desses
transtornos.
Em sua pesquisa realizada na Holanda, Mol identificou que a primeira recomendação
para uma pessoa que deseja perder peso é ignorar os desejos do seu corpo e colocar a mente
numa posição soberana para fazer "boas escolhas" sobre o que comer. Embora seja
reconhecido que a comida é para nós um combustível a ser queimado pelo corpo, ela é
32
também fonte de prazer. É nesse prazer proporcionado pela alimentação que está a grande
dificuldade daqueles que buscam perder peso (MOL, 2012).
Muitas vezes, as pessoas desejam emagrecer por meio de dietas mas não têm força de
vontade suficiente para abdicar da satisfação que comer e beber ofertam (VOGEL; MOL,
2014). De fato, na anorexia, o medo de engordar é maior do que a fome. A fome e a vontade
de comer existem, mas há o domínio sobre este desejo e a sensação de empoderamento nesta
convicção prevalece (GIORDANI, 2009).
Controlar a ingestão de alimentos envolve o esforço da vontade sobre a carne, a mente
e as emoções. Embora tais comportamentos em relação à comida, à subjetividade e ao corpo
sejam evidentes em sua forma mais extrema em pessoas diagnosticadas com TA, eles são
característicos da relação da maioria das pessoas com alimentos, em maior ou menor grau.
Lupton (1996) afirma que a comida é fonte de culpa, frustração e raiva e que em nossa cultura
consumista existe uma dialética permanente entre os prazeres do consumo e a ética do
ascetismo como meio de construção do self, onde um não tem sentido sem o outro.
Vogel e Mol (2014) destacam que na lógica do controle, o sujeito é um centro
cognitivo apto a tomar decisões. Ele recebe informações sobre o que comer e recolhe
informação que lhe permitirá fazer suas próprias escolhas. Por essa lógica, a ingestão de
alimentos não deve ser baseada em sentimentos, mas em seguir as diretrizes nutricionais ou
um cálculo adequado das necessidades nutricionais individuais. O cuidado de si, ao contrário,
inclui aprender a sentir o que você precisa. Sentimento exige treinamento e as necessidades
corporais podem variar de um dia para o outro.
Alimentar-se é uma experiência intensamente emocional que entrelaça sensações e
sentimentos fortes que vão do espectro da aversão, ódio, medo ou raiva até o prazer,
satisfação e desejo. Essas sensações são fundamentais para a subjetividade do indivíduo e seu
senso de distinção dos outros (LUPTON, 1996, p.36). O que ocorre na AN é que o indivíduo
se vê preso, pois a experiência da recusa alimentar é inebriante, mas esse poder tão
intensamente sentido, é profunda e perigosamente ilusório (BORDO, 1993). O perigo está no
fato de que a auto-inanição, a perda de peso, os exercícios físicos intensos e a capacidade de
tolerar a dor corporal têm se tornado metáforas culturais para a autodeterminação e força
moral (SANTOS, 2008), causando admiração pelo comportamento de quem é capaz de se
privar de tal forma para atingir um ideal estético, socialmente valorizado. A adequação das
pessoas anoréxicas ao padrão corporal e estético vigente lhes confere o sentimento de
33
realização, que não é coerente com o grave adoecimento com o qual são classificadas e que,
de fato, padecem. O reconhecimento da própria patologia nesses termos torna-se quase
impossível para elas.
1.2 ANOREXIA NERVOSA COMO DOENÇA CRÔNICA NA ADOLESCENCIA
As doenças crônicas têm sido reconhecidas como as patologias dominantes em nossas
sociedades e as que com mais frequência levam as pessoas a procurarem por recursos médicos
(BASZANGER, 1986; MOL, 2008). Uma de suas características mais importantes é seu
início insidioso (BURY, 2011, p.44), embora o fato de serem consideradas crônicas envolva
especialmente
o
seu
tempo
de
duração
(BURY,
2011;
BASZANGER,
1986;
CASTELLANOS, 2007). Em se tratando de doenças crônicas, o tempo de duração inclui de
meses a anos, podendo prolongar-se por toda a vida do doente (BASZANGER, 1986). Além
disso, o impacto nas atividades cotidianas do doente e muitas vezes de seu ciclo social, o
tempo de hospitalização e o grau de dependência que estes passam a ter em relação aos
serviços de saúde também são considerados na definição dessas patologias (CASTELLANOS,
2007).
Embora possuam realidades distintas, as doenças crônicas possuem algumas
características em comum. Jones et al, (2007, p.58) enumeraram o que consideram as sete
características definidoras das doenças crônicas:
1.
2.
3.
4.
5.
6.
Pela natureza, são de longo prazo;
São incertas, em vários sentidos, inclusive a respeito dos prognósticos;
Requerem esforços de cuidados paliativos para o paciente e seu entorno;
São múltiplas enfermidades, pois tendem a multiplicar-se com o tempo;
São desproporcionalmente intrusivas nas vidas dos pacientes e de seus familiares;
Requerem uma ampla variedade de serviços auxiliares para serem tratadas
corretamente - além de equipes multiprofissionais, em muitos casos, fazem-se
necessários os grupos de autoajuda;
7. Seu tratamento tem um custo elevado.
Baszanger reforça o caráter de incerteza que acompanha as doenças crônicas e a
nomeia como “uma situação social mal definida” que envolve não apenas o doente, mas
34
também seus familiares, amigos e equipe de saúde (BASZANGER, 1986). Castellanos
destaca que nem todas as condições crônicas se referem a doenças específicas e bem
definidas, pois há que se considerar os agravos à saúde e conjuntos de alterações corporais e
mentais que não necessariamente possuem um fundo orgânico, como no próprio caso da AN.
Para o autor, esses casos estariam associados a questões biológicas, psicológicas e sociais que
acabam por impactar a saúde dos indivíduos (CASTELLANOS, 2007, p. 61).
Nesse sentido, cabe destacar que a AN é considerada um problema de saúde mental
que pode impedir seriamente o desenvolvimento físico, social e psicológico de seus
portadores. Infelizmente, as expectativas de recuperação, mesmo entre os que se propõem a
seguir o tratamento recomendado, não são necessariamente promissoras e a dificuldade de se
manter os doentes em tratamento após recorrentes recaídas torna-se um fator adicional que
contribui para a cronicidade dessa doença (TREASURE, 2008; TIERNEY, 2008).
Em relação às doenças crônicas, o tratamento não conduz à cura (BASZANGER,
1986; CASTELLANOS, 2007; MOL, 2008), mas ao gerenciamento dos agravos decorrentes
do adoecimento (BASZANGER, 1986; CASTELLANOS, 2007). Essa é uma dimensão
importante do cuidado com esses pacientes que não pode ser negligenciada (MOL, 2008). O
caráter crônico põe ainda em questão o trabalho dos profissionais de saúde, pois impossibilita
seus maiores objetivos: a cura e o retorno dos indivíduos doentes plenamente reestabelecidos
para a sociedade (CASTELLANOS, 2007). O caminho esperado seria a identificação do
sintoma, fechamento de um diagnóstico, estabelecimento do tratamento adequado que então
conduziria à cura (ou a morte em alguns casos), mas nas doenças crônicas esse ciclo não se
fecha, o futuro é incerto (BASZANGER, 1986).
A doença crônica se estende por todas as esferas da vida social, mas as suas
consequências sobre a organização da vida cotidiana variam de acordo com a gravidade da
condição e idade do paciente. A necessidade de reorganização das rotinas diárias parece afetar
a todos os pacientes e pessoas próximas a eles (PIERRET, 2003; BASZANGER, 1986).
As doenças crônicas afetam a existência temporal dos sujeitos, sendo comum ao pedir
que um doente crônico narre seu adoecimento, a existência de referências de tempo em
relação a momentos considerados significativos, seja em relação à biografia pessoal ou a
evolução da doença. Na AN, é comum que a doença tenha uma apresentação clínica cíclica,
com períodos de estabilidade seguidos de outros de instabilidade. Por ser rodeada de
incertezas, “a experiência da doença crônica afeta projetos diários, presentes e futuros dos
35
doentes crônicos”, e isso se reflete em suas narrativas (MASANA, 2013, p.231-2). As
próprias adolescentes do estudo por mim realizado declararam sentir-se em uma “montanharussa” ou definiram seu corpo e seu peso após o surgimento da AN como um “io-io”,
remetendo às constantes recaídas entre engordar e emagrecer.
O estabelecimento de um diagnóstico é essencial para a atividade médica, pois permite
o planejamento das intervenções, mas também é central para o paciente, pois por meio do
diagnóstico se introduz uma nova situação, onde o paciente é reconhecido como “doente”, em
bases amplamente aceitas, o conhecimento biomédico. De um modo geral, a definição do
diagnóstico é mais um passo no percurso da doença, mas em se tratando de doenças crônicas,
chegar a um consenso entre médico e doente torna-se um longo processo, em que o paciente
participa ativamente fornecendo informações para que o médico chegue a uma definição
conclusiva (BASZANGER, 1986, p.13-4).
Um aspecto importante a ser analisado ao se considerar doenças crônicas ou de curso
crônico é a “experiência da enfermidade”, ou seja, o modo como os indivíduos e grupos
sociais respondem à ocorrência de uma doença. Talcott Parsons (1951) foi um dos pioneiros a
utilizar essa categoria analítica e de acordo com o autor a doença constitui um desvio e deve
ser pensada como resultante da inter-relação entre o médico e o doente. Ao se colocar no
papel de doente, o indivíduo deixa de ser culpabilizado por sua condição e torna-se
socialmente isento de suas obrigações, desde que busque ajuda competente e siga o
tratamento recomentado (ALVES, 1993).
Em trabalho considerado clássico, M. Bury (2011[1982]) trata a doença crônica como
uma experiência disruptiva, pois as estruturas da vida cotidiana e as formas de conhecimento
que as sustentam se rompem. Ocorre que ao vivenciar uma doença crônica o indivíduo entra
em contato com uma realidade de dor, sofrimento, e mesmo morte, que até então só
vislumbrava como algo distante. Aquilo que considerava para o futuro precisa ser
reconsiderado. O autor argumenta que o desenvolvimento de uma doença crônica deve ser
compreendido como uma forma de ruptura biográfica (BURY, 2011, p.43).
A doença crônica vai além da dor e do sofrimento e da esfera das instituições
biomédicas, e torna-se uma realidade social (ALVES, 1993), devendo ser considerada em
todos os lugares da vida social (BASZANGER, 1986, p.9).
A experiência do adoecimento crônico representa um desafio para a autonomia dos
sujeitos, podendo repercutir de modo crítico na produtividade diária destes, com implicações
36
para o seu lugar em uma sociedade que valoriza sobremaneira o trabalho e o auto-cuidado
(GREEN, 1998). No caso dos adolescentes e adultos jovens, a doença crônica afeta
profundamente os seus relacionamentos, seja na escola ou no lazer, ficando o sujeito na
dependência do grau de flexibilidade que as instituições formais e os relacionamentos
informais podem permitir (BURY, 2011, p.50). Em relação às adolescentes deste estudo,
foram comuns os relatos de perda de ano letivo, mudança de escola, afastamento de atividades
extracurriculares em razão do adoecimento pela AN. Assim, a solidão e o isolamento social,
decorrentes do estigma ao qual estão sujeitos tendem a figurar entre os principais medos que
podem acompanhar aqueles que vivenciam a experiência da cronicidade (MASANA, 2013,
p.247).
A doença crônica requer a reorganização da vida do indivíduo, mas não apenas deste,
também de seu ciclo familiar mais íntimo. Mas e quando essa doença ocorre na adolescência?
Em um período em que a adolescente deveria estar se preparando para escolher uma carreira,
ganhar mais autonomia e ingressar no mercado de trabalho, ela torna-se ainda mais
dependente de seus familiares do que quando era criança (WHITNEY et al, 2005). São
poucos os estudos que têm considerado as implicações da AN enquanto doença crônica e seus
desdobramentos para a dinâmica familiar (DIMITROPOULOS et al, 2008; WHITNEY et al,
2005; ESPÍNDOLA; BLAY, 2009; WEAVER, LIEBMAN, 2005).
Assim como ocorre com a criança gravemente doente, o adolescente também mobiliza
as dinâmicas familiares, pois seu adoecimento implica rupturas nos projetos de vida de todos
os membros da família envolvidos (CASTELLANOS, 2011). A família precisa se reorganizar
às novas condições que a doença e o tratamento impõem, dentre elas o contato com
procedimentos médicos como consultas, exames, tratamentos e em muitos casos com o
ambiente da internação hospitalar (ESPÍNDOLA; BLAY, 2009).
Os indivíduos que sofrem de AN precisam contar com seus familiares para o seu
sustento, cuidado e apoio emocional. Mas, às vezes, devido à dedicação aos filhos doentes, os
cuidadores enfrentam dificuldades financeiras, alguns acabam perdendo o emprego e
experimentam doses significativas de culpa, medo, hostilidade, fracasso, raiva e angústia
(DIMITROPOULOS et al, 2008; WHITNEY et al, 2005). Nesse contexto é comum o
desgaste da dinâmica familiar desencadeando conflitos que não possuem solução de curto
prazo (ESPÍNDOLA; BLAY, 2009; WHITNEY et al, 2005).
37
Tem sido destacado em todas as doenças crônicas que o descrédito de possuí-la
ultrapassa o paciente e tem repercussões sobre os cuidadores e até mesmo em outros membros
da família (PIERRET, 2003, p.9). No estudo de Dimitropoulos et al, (2008), realizado no
Canadá com familiares de pacientes anoréxicas o estigma direcionado para a família foi um
importante preditor de desgaste familiar. Os autores chegam a nomear de “estigma de
cortesia”, por compreender que o estigma que atinge o doente estende-se também aos seus
familiares mais próximos.
Assim, sobre a abordagem social e biomédica do processo de adoecimento, alguns
autores (ESPÍNDOLA; BLAY, 2009; CASTELLANOS, 2007; WHITNEY et al, 2005)
sugerem que o olhar deve se voltar para além do doente, para seu cuidador. Castellanos (2011,
2007) ressalta a importância de não apenas o doente, mas também seus cuidadores tornaremse foco de atenção dos profissionais de saúde, pois todos estão implicados no processo de
saúde-doença-cuidado no atendimento clínico. Whitney et al, (2005) sugerem que os
cuidadores devem ser encorajados a procurar os serviços de saúde, bem como grupos de
apoio. Infelizmente, pela realidade observada, os portadores de TA não recebem a atenção
adequada às suas necessidades e nesse contexto, a perspectiva de atenção aos familiares é
quase inexistente.
1.3 PORQUE ETNOGRAFAR UMA INSTITUIÇÃO QUE OFERTA ATENDIMENTO
AOS TRANSTORNOS ALIMENTARES EM ADOLESCENTES?
Ao iniciar o levantamento bibliográfico que possibilitou encontrar os caminhos para
elaboração dessa tese, não tinha conhecimento sobre a realidade dos atendimentos em TA no
contexto internacional e mesmo no Brasil. De fato, não havia no Brasil uma pesquisa que
abordasse esses serviços voltados aos TA, independente da faixa etária atendida. Silva (2011)
chegou a trabalhar como antropóloga na construção do serviço de TA da Unicamp e em sua
tese faz uso constante das experiências vivenciadas nesse período. Mas ela deixa claro que seu
propósito na época não era realizar uma pesquisa etnográfica, embora destaque a importância
da execução dessa empreitada.
Até chegar ao espaço que acolheu a minha pesquisa, passamos por outros, todos no
Rio de Janeiro, descobertos por meio de buscas na internet ou pela indicação de alguém que
38
sabia de meu interesse em pesquisar TA. Nossas tentativas nesses espaços já revelavam uma
situação difícil, por vezes fiquei esperando mais de uma hora para ser atendida mesmo
havendo marcado a visita e nessas oportunidades já estava trabalhando um olhar curioso sobre
o modo de funcionamento desses espaços.
De fato, alguns autores no Brasil e no exterior têm apontado para essa carência de
dados etnográficos em instituições voltadas à atenção aos TA (SILVA, 2011; KRAUTH et al,
2002; BECKER, 2004; BOSI; ANDRADE, 2004; WARIN, 2005). As lacunas são muitas e os
impactos dos TA para a Saúde Coletiva têm sido largamente inexplorados, embora avalie-se
que seja substancial devido às características desses transtornos (BECKER, 2004). Sabe-se
que a AN e BN são doenças que atingem especialmente adolescentes ou adultos jovens do
sexo feminino, e mesmo sendo de ocorrência rara, se comparadas a outras patologias, Krauth
et al, (2002) afirmam que deveriam ser de grande interesse da sociedade em função dos altos
custos financeiros para os sistemas de saúde e do impacto para a saúde da população.
Embora a pesquisa de Krauth et al, (2002) tenha sido realizada na Alemanha, as
características dos TA apontadas são muito similares ao que encontramos no Brasil. Os
autores reafirmam a questão dos custos devido à prevalência maior em jovens, aos altos
gastos de saúde devido à internação, aos serviços de reabilitação e os custos indiretos
relacionados com a incapacidade para o trabalho e mortes prematuras. Os autores destacam
que o custo médio por paciente com AN é extremamente alto devido ao longo período de
internação necessário e chegam a fazer um paralelo entre a média de dias de internação na
AN, algo em torno dos 50 dias, em comparação à internações por outros motivos que ficou
em torno dos 10,7 dias (KRAUTH et al, 2002).
No estudo de Walsh (2011), realizado nos Estados Unidos a média de internação ficou
em torno dos 2 a 3 meses, mas além dos custos o autor salienta para outra difícil realidade.
Embora o ganho de peso dos pacientes tenha sido substancial, assim como apresentaram
melhora significativa em seu estado psicológico, a abordagem terapêutica empregada nessas
internações com controle absoluto de calorias ingeridas na alimentação e gramas de peso
ganhos a cada dia faz com que os comportamentos alimentares "espontâneos" de indivíduos
com AN permaneçam bastante anormais após os tratamentos intensivos e demorados. Assim,
mesmo com todo esforço das equipes de saúde, dos familiares e dos próprios pacientes as
taxas de recuperação permanecem baixas (WARIN, 2003).
Além disso, na AN as reinternações são comuns e a doença cursa com comorbidades
médica e psiquiátrica graves. Por afetarem especialmente adolescentes deve-se considerar
39
ainda o impacto nas condições de vida e saúde da família, pois todos estarão implicados nesse
processo de adoecimento e busca pela recuperação (BECKER, 2004). Uma vez que esses
transtornos estejam instalados, seus portadores apresentam difícil adesão ao tratamento,
reforçando a necessidade de intervenções de caráter preventivo voltadas, sobretudo, para os
grupos de maior risco. Entretanto, no Brasil, são raros os estudos que dimensionam o
problema na população sob-risco e quando existem, a metodologia aplicada não propicia sua
ampliação ou comparação a outros contextos sociais (BOSI; ANDRADE, 2004).
Outra perspectiva que se revelou pouco explorada foram as abordagens qualitativas
sobre as perspectivas de tratamento dos TA por usuários dos serviços de saúde, o que poderia
contribuir para melhor informar sobre o processo terapêutico e proporcionar um maior
entendimento das possibilidades de recuperação (REID et al, 2008). Além disso, pouco
esforço tem sido feito para estabelecer os significados que os jovens com AN atribuem ao seu
comportamento anoréxico e sua relação com o tratamento (NORDBO et al, 2006; TIERNEY,
2008). A voz dos adolescentes pouco tem ecoado embora sejam eles os mais afligidos pelos
TA (WALSH, 2011). Nesse sentido, Warin (2005), que realizou uma pesquisa etnográfica no
Canadá, em centros de tratamento, associações comunitárias e na residência dos sujeitos
adoecidos, afirmou que apenas por meio de uma abordagem que permita o envolvimento mais
íntimo com as pessoas se é capaz de compreender a AN.
No Brasil, outro ponto a ser destacado é a escassez de serviços públicos de saúde
voltados aos TA (BOSI; ANDRADE, 2004; GONZAGA; WEINBERG, 2005). Sobre esse
fato, embora seja observada forte relação entre os TA e o nível socioeconômico dos sujeitos,
sinalizando uma maior incidência desses transtornos nas classes sociais médias e altas, a falta
de centros especializados em transtornos alimentares faz com que os serviços públicos
existentes recebam pacientes de todas as classes sociais. Gonzaga e Weinberg (2005)
ressaltam que na realidade nacional não há a prevalência de uma ou outra classe social em
relação a essas patologias.
Bosi e Andrade (2004) chamam a atenção para uma realidade ainda mais dura no
contexto brasileiro. De acordo com as autoras, os TA não vêm recebendo a devida atenção
enquanto questão relevante de Saúde Pública. Para elas, as nomeadas síndromes parciais que
são os comportamentos precursores dos TA, e que possuem prevalências bem superiores às
das patologias instaladas deveriam constituir o foco das ações de prevenção. Infelizmente, não
parece haver ações preventivas sendo implementadas no país.
40
Para as autoras, há um somatório de questões como a diversidade e severidade dos
sintomas, a ausência de intervenções preventivas e a escassez de serviços especializados com
formação multidisciplinar capaz de dar conta da atenção a esses transtornos, o que acaba
gerando demandas importantes para os serviços de saúde. Além disso, casos são subdiagnosticados e sub-notificados devido à ausência de informações e de programas de
formação profissional nesta área. No Brasil, não se tem a dimensão deste problema de saúde
na população, e os modelos teóricos disponíveis não dão conta da gravidade, tampouco da
complexidade dos quadros (BOSI; ANDRADE, 2004).
Mesmo em estudos internacionais é apontada a escassez de informações disponíveis
para orientar os profissionais no tratamento da AN (WHITNEY et al, 2005). Os estudos que
se dedicam ao ponto de vista dos doentes apontam que para estes a anorexia não significa
exclusivamente uma preocupação com a alimentação e o peso, mas uma forma de lidar com a
complexidade das relações sociais, sendo surpreendente que os programas institucionais para
tratamento ainda invistam em uma perspectiva individualista de cuidado (WARIN, 2005).
No trabalho de Tierney (2008) com jovens ingleses com AN, os participantes se
ressentiam do fato que os profissionais de saúde muitas vezes os viam como pessoas
manipuladoras e que exploravam os recursos de saúde. Esse tipo de hostilidade foi
experimentada por todos os jovens que participaram do estudo. Assim, os entrevistados
reconheceram na equipe de saúde variações sobre a competência para tratar e compreender a
anorexia. Os profissionais que buscavam conhecer seus pacientes, serem solidários e que os
ouviam ao invés de tratá-los exclusivamente como doentes resistentes ao tratamento foram
mais valorizados.
Algumas evidências sobre a inadequação dos modelos de atenção e a falta de
capacitação dos profissionais de saúde já vêm aparecendo. Há muita informação circulando na
sociedade (mídias sociais) sobre o que são os TA, mas pouco é veiculado sobre onde se pode
buscar ajuda. Grande parte dos estados brasileiros não dispõe de centros especializados de
atenção que sirvam de referência para a população. Cabe comentar também que há uma
lacuna no currículo dos cursos de graduação da área da saúde, pois em muitos casos não são
contemplados conteúdos técnicos de modo a capacitar os profissionais e as equipes de saúde
para lidar com a complexidade do problema, bem como fazer a identificação precoce e
desenvolver ações de prevenção (BOSI; ANDRADE, 2004).
Por meio de uma busca sistemática nos documentos do Ministério da Saúde (BRASIL,
MS, 2013a; BRASIL, MS, 2013b; BRASIL, MS, 2010; BRASIL, MS, 2009; BRASIL, MS,
41
2008; BRASIL, MS, 2007; BRASIL, MS, 2005a; BRASIL, MS, 2005b), procurando por
parâmetros normativos que pautassem as diretrizes institucionais de atenção aos TA, o que
encontramos no material produzido é insuficiente. Mesmo no documento intitulado Caminhos
para uma Política de Saúde Mental Infanto-Juvenil (BRASIL, MS, 2005b), os TA ou a AN
sequer são citados.
Apenas no documento intitulado Matriz de ações de alimentação e nutrição na
atenção básica de saúde (BRASIL, MS, 2009) há uma sinalização para que os profissionais
de saúde atentem para o desenvolvimento de ações de prevenção e diagnóstico precoce dos
TA em adolescentes. Mas o documento não orienta, além disso, não faz referência alguma a
que ações seriam necessárias e nem mesmo onde os profissionais de saúde poderiam buscar
mais informações sobre o assunto. Também no Manual de Atenção à Saúde do Adolescente
(São Paulo: SMS, 2006), publicado pela Prefeitura Municipal de São Paulo, há um tópico
dedicado aos transtornos alimentares com exatas quatro páginas, inserido no capítulo de
Agravos à Saúde, onde são encontradas informações muito gerais sobre os diferentes
transtornos alimentares, tratamento e exames.
Onde estaria então o marco normativo/institucional para organização da atenção aos
TA, em especial em adolescentes? As diretrizes para atenção e para organização de serviços
de saúde voltados ao público adolescente existem (BRASIL, MS, 2010; 2007). Orientações
para o local dos atendimentos, a formação da equipe, como atrair a atenção dos adolescentes e
jovens estão disponíveis, mas o atendimento a um adolescente com TA agrega uma série de
especificidades que precisam ser consideradas. Uma vez que não há diretrizes definidas para
esse atendimento específico, cada serviço/espaço de atenção em saúde age a seu modo, de
acordo com as suas possibilidades. Os profissionais de saúde atuam com insegurança, pois
não têm formação específica para realizar esses atendimentos. Esperamos que uma das
contribuições deste trabalho seja a sensibilização de gestores públicos no tocante à assistência
aos TA em adolescentes enquanto uma questão relevante de saúde que merece e necessita de
uma atenção mais específica. A formulação de políticas públicas de saúde que coloquem os
TA na agenda das ações preventivas para a saúde do adolescente nos parece fundamental.
A literatura científica sobre o tema da AN ainda é quase exclusivamente dominada
pelas disciplinas de saúde mental. Assim, essa doença é muitas vezes concebida como sendo
fruto da natureza patológica do indivíduo, de seu desequilíbrio psíquico, sem considerar o
contexto social no qual estes se inserem. Essa concepção tem se revelado claramente
42
insuficiente por não reconhecer a multiplicidade de discursos (saúde mental, saúde pública e
mídia) que se entrelaçam para moldar o sujeito anoréxico (ALLEN, 2008). Para enfrentar a
questão, faz-se necessário um olhar que seja capaz de articular o biológico com o social
(BOSI; ANDRADE, 2004). No entanto, Becker (2004) destaca que uma crítica integração
entre as perspectivas psicológica, epidemiológica e socioantropológica necessárias para fazer
o campo de estudos em TA avançar ainda não vem sendo feita.
O cenário encontrado indica a relevância do tema para a Saúde Coletiva, em especial,
para o campo da Saúde do Adolescente no Brasil (RAMOS et al, 2011). Sinteticamente,
podemos reunir em quatro grandes tópicos as principais lacunas encontradas na literatura
científica nacional que terminaram influenciando a construção desta pesquisa: 1. Falta de
estudos em instituições de saúde que ofertam atendimentos aos TA; 2. Falta de estudos que
abordem a perspectiva do adolescente adoecido; 3. Inexistência de um marco normativo para
organização da atenção ao adolescente com TA no país e; 4. Trabalhos que utilizem a
perspectiva socioantropológica sobre os TA no Brasil ainda são escassos.
Embora minha pesquisa de tese tenha se desenvolvido em um serviço público de saúde
na cidade do Rio de Janeiro, outros serviços na cidade foram visitados e neles busquei
entender ainda que superficialmente como era o funcionamento desses espaços, as equipes
que os compunham e o público acolhido. Também pesquisei sobre outros serviços de saúde
voltados aos TA no Brasil. Acredito que este trabalho sinalize para um contexto institucional
de atenção dramático, pois através de um estudo de caso, da etnografia de uma instituição, é
possível pensar mais amplamente no modo de organização da atenção à saúde. Há que se
destacar a existência de uma atenção ao adolescente com TA e seus familiares bastante
pulverizada. São escassos os documentos oficiais do Ministério da Saúde que sequer
mencionam os TA. No Brasil, a obesidade em adolescentes tem sido uma preocupação maior
do que os TA. Embora se reconheça que no país essas patologias sejam recentes, com sua
identificação apenas a partir da década de 70, e que se constituam um fenômeno
aparentemente inexpressivo do ponto de vista epidemiológico, parece-nos que são patologias
delicadas e que seu estabelecimento é permanente (ou seja, não nos parece que os TA vão
desaparecer) e, portanto, carecem de atenção adequada.
43
CAPÍTULO
2. ASPECTOS METODOLÓGICOS E ÉTICOS DA
INVESTIGAÇÃO
2.1 DESENHO DO ESTUDO
Trata-se de um estudo socioantropológico que utilizou o método etnográfico
(MENEZES, 2006; BONET, 2004; FERREIRA, 2003.; FERREIRA, 2011; CHAZAN, 2005)
para conhecer a dinâmica de funcionamento de um Programa de Transtornos Alimentares
(PTA), voltado ao atendimento de adolescentes, situado em um hospital público do Estado do
Rio de Janeiro, com trabalho de campo realizado entre novembro de 2011 e setembro de
2013. Nesse período, participei das atividades diárias de assistência às adolescentes, conforme
autorização concedida para o estudo.
Minha proposta foi observar as reuniões da equipe de profissionais que integram o
Programa, as consultas médicas e da nutrição e a sala de espera, onde adolescentes e seus
familiares aguardam o atendimento, de modo a captar a dinâmica de funcionamento do PTA
ou, segundo Malinowski (1986), “os imponderáveis da vida real”, para posteriormente
entrevistar usuários contatados nesse espaço.
A decisão pelo método a ser utilizado em uma pesquisa não ocorre aleatoriamente,
mas depende do objeto de estudo, do enfoque teórico-metodológico e de que lugar se deseja
abordá-lo. A abordagem escolhida pode abrir novas possibilidades de conhecimento do objeto
de pesquisa, de modo que o pesquisador se defronte com questionamentos antes sequer
vislumbrados. Dalmolin et al, (2002, p.21) afirmam que o saber técnico, enquanto
profissionais da área da saúde, muitas vezes nos restringe o acesso e nos fecha a possibilidade
de percebermos o pesquisado como o "outro", nas suas dimensões sociais e culturais.
Silverman (2010, p.128) defende a aplicabilidade prática do trabalho qualitativo, pois
uma boa etnografia pode acessar fenômenos que escapam ao escrutínio da pesquisa
quantitativa, ao revelar o “que” e o “como” dos processos estudados. Desse modo, a
etnografia é uma forma de olhar, de apreender e interpretar a realidade que envolve a
contextualização das falas e dos atores sociais, a consideração dos “não ditos” e a apreensão
não estática da realidade social, tendo como intuito atingir a “profundidade” que a pesquisa
44
qualitativa busca evidenciar (KNAUTH, 2010, p.110). Nesse sentido, a realização de uma
etnografia em um serviço de saúde é relevante não apenas por permitir apreender noções de
corpo, saúde e doença, mas também contextos mais amplos podendo revelar fatos sociais
totais (FERREIRA; FLEISCHER, 2014).
Para atingir os objetivos propostos pelo estudo, foram utilizadas duas técnicas para
coleta de dados, constitutivas do método etnográfico: a observação participante da sala de
espera, dos atendimentos de saúde e das reuniões da equipe de saúde do Programa de
Transtornos Alimentares e as entrevistas semi-estruturadas com as adolescentes ali atendidas.
De início, planejava-se que o PTA fosse um primeiro ponto de encontro com as adolescentes,
e que estas fossem posteriormente contatadas, caso concordassem em participar da
investigação. Supunha que a realização da entrevista no próprio serviço de saúde não
propiciasse um ambiente acolhedor à conversa, fundamental ao desenvolvimento da interação
pesquisadora-adolescentes. Assim, inicialmente foi proposto ao Comitê de Ética em Pesquisa
(CEP) que as entrevistas fossem realizadas em local escolhido pelas adolescentes, para
favorecer a aproximação pesquisadora-entrevistadas. Tal sugestão foi recusada, então
solicitamos a realização das entrevistas na residência das adolescentes, o que foi consentido
pelo CEP. No entanto, a ideia de realização das entrevistas na casa das adolescentes não foi
bem aceita pelas próprias, que preferiram ser entrevistadas no espaço do serviço de saúde.
Nossa intenção inicial era justamente poupá-las de algum possível constrangimento que a
realização da entrevista dentro do Programa, próximas à equipe de saúde que as atendia,
pudesse lhes trazer. Algumas hipóteses podem ser pensadas para essa recusa: o fato de o
ambiente do PTA ser conhecido e apresentar certa “segurança”; o fato de o convite ter sido
feito direto à adolescente longe de seus pais ou responsáveis e a mesma não ter se sentido
capaz de autorizar a presença da pesquisadora na casa de seus pais sem antes comunicá-los e;
possivelmente elas não queriam um estreitamento de laços ou contato antes de melhor
conhecer a pesquisadora. Em geral, o que ouvia durante os convites iniciais em que tentava
marcar uma visita nas residências é que elas moravam muito longe e preferiam ser
entrevistadas no serviço de saúde.
Assim, observava o cotidiano do atendimento no PTA, registrando tudo
minuciosamente em um diário de campo e, em um segundo momento, as adolescentes foram
formalmente entrevistadas, mediante um roteiro semi-estruturado (Anexo 2). As entrevistas
ocorriam ao final dos turnos de atendimento, quando alguns dos consultórios já estavam
vazios. Assim, este espaço podia ser tranquilamente utilizado, sem correr o risco de interferir
45
na rotina de atendimentos do Serviço de Adolescentes e da entrevista ser interrompida. Dessa
forma, pudemos garantir a privacidade e as condições adequadas a uma boa entrevista.
A maioria das entrevistas foi realizada em uma das salas ao fundo do prédio do
Serviço, utilizadas principalmente pelos residentes (os profissionais de saúde mais antigos
tinham consultórios fixos no prédio principal, os mais novos se revezavam nas salas vazias
nesse mesmo prédio). Por serem mais escondidas e ficarem vazias mais cedo, praticamente só
eu as ocupava por volta das 11:00 – 11:30 h. da manhã, as entrevistas ocorriam de modo
bastante tranquilo. Essas salas embora tivessem a mesma estrutura das salas do prédio oficial
com maca, biombo, mesa, cadeiras, armários e ar-condicionado, ninguém deixava nada
guardado nelas, nem mesmo jalecos, pois embora as chaves dessas salas ficassem em poder
da equipe de enfermagem, elas nunca estavam fechadas, o que para mim foi um facilitador.
Por serem pequenas, o ar ligado deixava o ambiente extremamente frio. Assim,
sempre que eu entrava para realizar as entrevistas questionava sobre manter ou não o mesmo
ligado e em todas as vezes a opção foi por desligá-lo. Lembro que essas adolescentes tem
pouquíssima reserva de gordura e, não raro estão sempre usando casacos, mesmo em dias de
sol forte. A utilização de muita roupa cobrindo o corpo nesses casos recebe outras
interpretações que não apenas o frio, como esconder marcas ou cortes espalhados pelo corpo,
disfarçar o emagrecimento dos responsáveis, dos amigos e mesmo dos profissionais de saúde,
ou ainda por se acharem gordas e terem vergonha do próprio corpo, fazendo uso de roupas
sempre maiores que o seu tamanho.
Apenas duas entrevistas foram realizadas no prédio principal, a de uma adolescente
que não tem uma das pernas e, portanto ficava mais confortável para ela, pois para se chegar
às salas dos fundos era preciso subir uma pequena escada, e outra onde a médica clínica me
cedeu a sala onde estava atendendo e a “vez” com a adolescente para realizar a entrevista
enquanto ela conversava com os pais de uma outra usuária. Embora ficassem no prédio
principal, tais salas não eram adequadas para realização das entrevistas, pois nos fundos das
mesmas que davam para a lateral do prédio, ficava um reservatório de oxigênio que, de
tempos em tempos fazia um barulho que, além de desconcentrar a adolescente, impedia que o
gravador captasse de forma audível esses momentos.
A entrevista pode ser compreendida como o complemento indispensável da
observação participante, e o pesquisador pode optar por se apoiar mais em uma ou outra
técnica (BEAUD; WEBER, 2007) a depender de seus objetivos. Em sua etnografia realizada
46
em um CTI no Rio de Janeiro, Menezes elegeu a entrevista como “instrumento privilegiado
para a compreensão dos fatos observados concernentes às práticas sociais e à produção de
discursos sobre estas” (MENEZES, 2006). Da mesma forma, Silverman (2010, p.188) nomeia
a entrevista como sendo a “tecnologia predominante da pesquisa qualitativa”.
A utilização das entrevistas em uma pesquisa qualitativa se justifica por algumas
vantagens que essa técnica agrega como: o favorecimento da relação intersubjetiva entre
pesquisador e participante, que em virtude das trocas verbais e não verbais decorrentes das
interações que ocorrem durante sua realização permitem ao pesquisador uma melhor
apreensão dos sentimentos e experiências vividas (FRASER; GONDIM, 2004) e o fato de ser
um instrumento flexível, não obedecendo a regras técnicas muito estritas, em que o
entrevistado ocupa um papel de destaque na construção da interpretação do pesquisador,
conferindo ao resultado final de uma entrevista a particularidade de ser um texto negociado
(FRASER; GONDIM, 2004; MENEZES, 2006).
Por ser o entrevistado protagonista é essencial que este esteja disposto e confortável
para falar de seus pensamentos e emoções (SILVERMAN, 2010, p.189) com o pesquisador e
é a qualidade dessa interação que vai decidir o desenrolar da entrevista (MENEZES, 2006).
Portanto:
... a entrevista dá voz ao interlocutor para que ele fale do que está acessível a sua
mente no momento da interação com o entrevistador e em um processo de influência
mútua produz um discurso compartilhado pelos dois atores: pesquisador e
participante (FRASER; GONDIM 2004, p.140).
Ao todo foram realizadas 11 entrevistas, 10 com adolescentes do sexo feminino e uma
com adolescente do sexo masculino. Dez dessas entrevistas foram feitas com adolescentes
atendidos pelo Programa e uma com uma adolescente atendida por outro Serviço de
Atendimento aos TA, voltado para a população adulta (a partir de 18 anos), também instalado
no mesmo hospital onde a pesquisa foi feita. Todas as adolescentes que estavam em
acompanhamento regular na ocasião das entrevistas foram convidadas. Houve apenas uma
recusa, de um adolescente de 12 anos que, na entrega do convite para participação na
pesquisa, na sala de espera, se recusou a conversar comigo. Na pesquisa realizada por
Menezes, um único profissional se negou a conceder entrevista e todos os que participaram
disseram ter gostado muito da conversa, dando à pesquisadora a impressão de que tinham
muito a falar (MENEZES, 2006). Da mesma forma, cheguei a ser posteriormente parada pelos
47
corredores para ouvir o quanto haviam gostado da experiência de “ser entrevistada”. Avalio
que a maior dificuldade para a realização das entrevistas não foi, de fato, o constrangimento
por estarem dentro do serviço de saúde, mas sim o cansaço após a “maratona” de
atendimentos pelos quais já haviam passado durante a manhã. Quando solicitei que as
entrevistas fossem realizadas no prédio do PTA, minha intenção foi prontamente aceita pela
equipe, talvez porque já houvesse instalada uma curiosidade sobre como seriam, mas fui
alertada de que eu não deveria atrapalhar o fluxo de atendimentos da adolescente com os
profissionais para os quais estivesse agendada naquela manhã. Assim, a adolescente chegava
entre 8 e 9 horas da manhã e a entrevista só ocorreria após às 11 horas.
O critério para o convite e posterior realização da entrevista era que essa adolescente
estivesse em acompanhamento no Programa. Assim, algumas adolescentes que cheguei a
acompanhar e, que eu gostaria de entrevistar não o foram, pois abandonaram o tratamento
antes do convite ser feito. A dinâmica de aproximação e abordagem ocorria da seguinte
forma: a adolescente chegava ao serviço de saúde, iniciava os atendimentos, eu
observava/participava das reuniões de equipe onde os casos eram discutidos, observava suas
interações e vínculos na sala de espera, tentava acompanhar um ou mais de seus atendimentos
clínicos e, então, me apresentava ou reaproximava dela e, muito provavelmente, também
abordava o familiar acompanhante. Explicava sobre a pesquisa, fazia o convite e no caso de
uma resposta positiva, já tentava agendar a entrevista para a ocasião seguinte em que a
adolescente voltaria ao Programa. No dia em questão, abordava-a na sala de espera e, ao final
de seus atendimentos, a própria adolescente ou às vezes o último profissional de saúde por
quem ela havia passado me procuravam para que pudéssemos ir até a sala onde a entrevista
seria realizada. Nem sempre eu acompanhava o atendimento da adolescente que seria
entrevistada no dia da entrevista, então era possível que eu estivesse em outro atendimento,
convidando alguém na sala de espera ou mesmo observando as interações nesse espaço.
Sabendo que o “sucesso” do trabalho de campo etnográfico está muito ligado à relação
social que o pesquisador estabelece com seus informantes, sendo a qualidade dos dados
obtidos muito dependente dessa relação (MENEZES, 2006; SILVERMAN, 2010), embora
cada adolescente tenha sido entrevistada uma única vez, o fato de encontrá-las semanalmente
no PTA permitiu a consolidação de uma relação próxima e de confiança. Cada entrevista teve
a duração média de uma hora.
48
2.2 POPULAÇÃO DE ESTUDO
Este estudo foi desenvolvido com adolescentes com idades entre 12 e 18 anos2, de
ambos os sexos, contatados por meio de uma instituição pública de saúde que possui um
Serviço especializado no atendimento a essa faixa etária, com diversos ambulatórios
específicos (cardiologia, clínica médica, ginecologia, nefrologia, etc.), incluindo o Programa
de Transtornos Alimentares, como a Anorexia Nervosa, na cidade do Rio de Janeiro.
Majoritariamente, o Programa atende adolescentes do sexo feminino, mas tive oportunidade
de conhecer alguns rapazes e entrevistar um deles que frequentam o serviço para se tratar.
O conceito de “adolescência” é muitas vezes naturalizado e comumente associado
exclusivamente ao desenvolvimento biológico. Desde meados do século XX, a Sociologia tem
trabalhado com o conceito de “juventude” compreendida como o processo social de entrada
na vida adulta. Tal categoria ganhou reconhecimento político e social, porém o jovem ficou
por vezes restrito às abordagens que o ressaltavam como um “problema social” (FERREIRA,
2009; LEITE, 2009). Já a aproximação ao adolescente, especialmente no campo da
psicologia, permaneceu ocorrendo pelo destaque ao desenvolvimento biológico e fisiológico,
sendo a “adolescência” utilizada em alguns contextos como sinônimo de “puberdade”.
Compreender as especificidades do ser adolescente implica em, antes de tudo, diferenciar
esses dois conceitos (FERREIRA, 2009; LEITE, 2009; SÃO PAULO, SMS, 2006).
O Manual de Atenção à Saúde do Adolescente, publicado pela Prefeitura de São
Paulo, define a puberdade3 como:
... conjunto de modificações biológicas que transformam o corpo infantil em adulto, constituindo-se em um dos
elementos da adolescência. A puberdade é um parâmetro universal e ocorre de maneira semelhante em todos os
indivíduos. (SÃO PAULO, SMS, 2006, p.17)
Assim, a puberdade juntamente com os fatores psicológicos e sociais característicos
dessa fase de desenvolvimento estariam inseridos na adolescência. Mas se as modificações
2
Os nomes utilizados para tratar os adolescentes nesta tese são fictícios, para manter o anonimato dos
participantes preservado.
3
O Programa Saúde do Adolescente (MS, PROSAD, 1996, p.15) define a puberdade como: “ O conjunto de
modificações biológicas da adolescência é denominado de puberdade e engloba, segundo Marshall e Tanner
(1974), os seguintes componentes: aceleração e desaceleração do crescimento esquelético, alteração da
composição corporal, desenvolvimento dos sistemas respiratório e circulatório, desenvolvimento das gônadas,
órgãos de reprodução e caracteres sexuais secundários”. No entanto, considerei mais adequada a definição
proposta pelo Sistema Municipal de Saúde de São Paulo, embora ambas sejam similares.
49
corporais decorrentes da puberdade podem ocorrer entre todos os indivíduos, o modo como
transcorre a adolescência de cada um é vivido de modo único, pois está sujeito a influências
sociais e culturais distintas (SÃO PAULO, SMS, 2006).
Leite (2009) afirma que a utilização do termo adolescência é relevante para o
reconhecimento da própria categoria “especial” por meio da qual a sociedade qualificou os
indivíduos nessa condição como grupo específico da população. Ainda de acordo com a
autora, os termos “adolescência” e “juventude” são utilizados em trabalhos de diferentes
disciplinas para se referir a este grupo populacional.
As diferentes possibilidades de nomear essa fase da vida refletem o quão difícil é
tentar classificá-la e apreendê-la. Brandão (2003, p.73) esclarece que a adolescência tem sido
comumente considerada como “um período de acentuada dependência das instâncias de
socialização como a família e a escola, em contraste com a juventude, considerada uma fase
de crescente relativização desta”.
As adolescentes que foram entrevistadas, bem como todas que frequentam o
Programa, residem ainda na casa de seus familiares, não trabalham e todas estudam, ainda que
por um período ou outro tenham se afastado da escola em virtude da gravidade da doença.
Também por estarem dentro de um serviço de saúde voltado para o cuidado adolescente, é
com esta denominação que trabalharemos nesta tese.
A existência de uma fase da vida marcada por particularidades biofisiológicas,
psicológicas e sociais, é uma elaboração histórica e social que desde o século XX passou a se
delinear e atualmente é amplamente reconhecida como adolescência, correspondendo na
nossa sociedade a um período de passagem da infância à vida adulta (LEITE, 2009; LEITE,
2012).
Philppe Ariès é um dos autores que apontam a adolescência como uma invenção
recente. De acordo com o autor, na sociedade medieval não existia a consciência de uma
particularidade infantil, que distingue a criança do adulto. Dessa forma, quando a criança
desenvolvia independência suficiente para não depender dos cuidados constantes da mãe era
introduzida na sociedade dos adultos, passando a integrá-la como qualquer um de seus
membros (ARIÉS, 2012, p.99). Com o tempo, as classes de idade foram ganhando
importância em nossa sociedade e gradativamente se organizaram em torno das instituições
(ARIÉS, 2012, p.123).
50
Conforme já apontamos, definir “adolescência” não é fácil, mas ela vem sendo
concebida em nossa sociedade como uma etapa de crescimento e desenvolvimento do ser
humano, situado entre a infância e a idade adulta e marcada por transformações de ordem
biológica, física, psíquica e social. A Organização Mundial da Saúde (OMS) delimita
etariamente essa fase como a faixa dos 10 aos 19 anos de idade, e a juventude seria o período
que se estende dos 15 aos 24 anos, com distinção entre adolescentes jovens (de 15 a 19 anos)
e adultos jovens (de 20 a 24 anos). A faixa etária determinada pela OMS para definir a
adolescência é a mesma adotada pelo Ministério da Saúde no Brasil (SÃO PAULO, SMS,
2006). Por outro lado, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) considera adolescente o
indivíduo de 12 a 18 anos (BRASIL, LEI Nº 8.069, DE 13 DE JULHO DE 1990).
Apesar de procurar abranger os diferentes aspectos que estão presentes na
adolescência, a definição proposta pela OMS enfatiza a maturação sexual e define a
adolescência como uma passagem entre infância e a vida adulta (LEITE, 2009). Muito mais
do que uma “passagem” ou uma etapa do desenvolvimento humano é durante a adolescência
que o indivíduo começa a se relacionar de forma mais independente dos pais e da escola com
o mundo que o cerca, sem, no entanto, necessitar assumir integralmente as responsabilidades
de um adulto. Assim, o adolescente é tomado como um ser ambivalente, pois, se não lhe é
exigido assumir as atribuições da vida adulta também não lhe é permitido agir como uma
criança (RUZANY, 2008).
Por estar se preparando para ser um indivíduo completamente autônomo, com valores
éticos e morais próprios, a adolescência pode ser considerada um período difícil, com uma
série de expectativas relacionadas ao corpo em modificação, à capacidade reprodutiva, à
identidade sexual, às mais diferentes responsabilidades a serem plenamente assumidas, ao fato
de tornar-se independente, à maturidade emocional, à escolha profissional, dentre outras que
fazem essa fase ser vivenciada de forma conflituosa por muitos (SÃO PAULO, SMS, 2006;
BRASIL, MS, 2010; RUZANY, 2008).
Leite (2012) nomeia a adolescência como um fenômeno heterogêneo, e considera a
existência de diferentes adolescências, atravessadas por marcadores sociais de diferença como
classe social, gênero e raça (LEITE, 2012). Da mesma forma, Brandão (2003, p.66) afirma ser
impossível pensar a adolescência em sentido genérico, diante da diversidade social e cultural
dessa transição. De acordo com a autora, especialmente no Brasil, embora haja uma exposição
a situações e vivências comuns, há ethos culturais díspares, relacionados às distinções de
51
escolaridade e contextos de socialização. Assim, o processo de individualização que ocorre na
adolescência, se dá de modo distinto para cada indivíduo (BRANDÃO, 2003, p.66).
Como já salientamos, é difícil precisar os limites etários da adolescência, sendo
considerada um período de duração variável nas sociedades ocidentais modernas. No entanto,
parece haver um consenso de que se trata de um período de busca de autonomia e de
maturação biológica e sociocultural (LEITE, 2009). Há algum tempo a “idade” tem perdido
sua notoriedade enquanto categoria classificatória da organização social (BRANDÃO, 2003).
Assim, a Sociologia vem nos convocando a examinar as divisões entre as idades como
classificações arbitrárias, que impõem limites e acabam por fixar cada indivíduo em seu lugar
(BOURDIEU, 1983).
De acordo com Bourdieu (1983), embora seja um “dado biológico” a idade pode ser
socialmente manipulada e manipulável e o fato de buscarmos fixar a adolescência como uma
unidade social cujos componentes possuem as mesmas características e interesses e relacionálos à idade biológica já constitui uma clara manipulação. Cabe destacar, no entanto, que a
aquisição de autonomia e independência permanecem seguindo a escala cronológica, em
detrimento do desenvolvimento físico, mental e social. Isso ocorre embora o modo como cada
fase da vida é dividida e a determinação das características associadas a cada uma delas seja
variável, de acordo com os grupos sociais em uma mesma sociedade (FERRARI et al, 2008;
DEBERT, 1998).
Mesmo com a constatação de que se trata de uma construção cultural, que varia
historicamente, não significa dizer que as categorias etárias não tenham efetividade, pois
atuam no estabelecimento de direitos e deveres diferenciais em uma população, estabelecendo
relações entre as gerações e distribuindo poder e privilégios (DEBERT, 1998, p. 53). A
categoria idade é essencial para o estabelecimento de laços entre grupos bastante
heterogêneos e, enquanto a categoria geração é relevante para estruturar a família e o
parentesco, as idades são institucionalizadas política e juridicamente. (DEBERT, 1998). Uma
geração começa a construir a sua identidade durante a adolescência (ATTIAS-DONFUT;
DAVEAU, 2004).
A principal característica definidora de uma geração é o fato de que seus membros
compartilham a mesma visão de mundo, ou seja, sofreram as mesmas influências e possuem
mais ou menos a mesma idade. Mas ainda assim não se trata de um grupo homogêneo
(ATTIAS-DONFUT, 1988; ATTIAS-DONFUT; DAVEAU, 2004).
52
A consciência de pertencimento a uma geração surge durante a adolescência quando o
indivíduo desenvolve um interesse crescente em participar de modo mais ativo da vida social
e política que o cerca (ATTIAS-DONFUT; DAVEAU, 2004). Essa tomada de consciência
nos leva a vislumbrar a existência de outras gerações as quais a geração a que pertencemos se
diferencia e se opõe (ATTIAS-DONFUT, 1988). A identificação com uma geração atua
também na modificação das relações entre pais e filhos, com o desejo adolescente por obter
autonomia e o início dos conflitos intrafamiliares (ATTIAS-DONFUT; DAVEAU, 2004).
De Singly (2000) refere que o indivíduo moderno somente se sentirá livre ao alcançar
plenamente as duas dimensões do processo de individualização, a autonomia e a
independência, sendo a distância na obtenção das mesmas o que mais diferencia o adolescente
do adulto. De acordo com autor, a socialização que se inicia na infância e adentra a
adolescência culmina com o processo de individualização em que a independência,
especialmente econômica, entendida como a dependência cada vez menor dos próximos
graças a recursos adquiridos com a atividade pessoal, e a autonomia, entendida como a
capacidade de viver em sociedade pela apreensão das regras pessoais e de relacionamento
interpessoal, estão reunidas. De Singly (2000) salienta que a criança se torna autônoma em
uma relação de dependência e que aprende a ser um ser individualizado no seio de sua família
de origem.
Durante o século XVII, deixar a infância estava atrelado a sair da dependência
parental. Atualmente vivenciamos o “prolongamento da juventude”, pois a independência
financeira do adolescente/jovem em relação a sua família de origem e o ingresso na vida
adulta (atuação no mercado de trabalho, residência própria e criação de família de
constituição) está ocorrendo cada vez mais tardiamente. Mesmo permanecendo dependentes
dos pais, existe a possibilidade de construção da autonomia dentro da família, porém tal
possibilidade ocorre quase sempre atrelada ao desencadeamento de conflitos na relação de
filiação (ARIÉS, 2012; BRANDÃO, 2003). Cabe destacar que com as recentes modificações
nas relações familiares o desenvolvimento da autonomia e a satisfação pessoal tem se
sobreposto a anteriormente valorizada obediência (DE SINGLY, 2000).
Volpi (2004, p.8) aponta que a visão predominante e estereotipada de nossa sociedade
sobre adolescência revela um olhar preconceituoso do adulto que vê o adolescente por aquilo
que ele não é: não é maduro, não é responsável, não é paciente, não é obediente. Em paralelo,
53
Bourdieu (1983) coloca a adolescência como sendo um período de irresponsabilidade
provisória, em que são considerados adultos para algumas questões e crianças para outras.
A visão ambígua e preconceituosa da adolescência coopera para que seja abordada por
uma ótica reducionista, como a “fase da explosão de hormônios, das tensões e conflitos por
afirmação da identidade, da inquietude e da contestação dos valores dos adultos” (VOLPI,
2004, p.8). Embora tais características façam parte da adolescência, uma observação mais
atenta revelará que não corresponde a sua totalidade. Ao se aproximar do adolescente apenas
pela ótica dos problemas, significa reprimir as inúmeras possibilidades criativas e construtivas
presentes nesta fase da vida (VOLPI, 2004).
Embora Leite (2009) ressalte o quão autoritária e tutelar nossa sociedade tem sido com
as crianças e adolescentes, a autora acredita que a construção de uma agenda positiva em
relação ao conjunto de aspectos de suas existências, seja o caminho para tratá-los como
sujeitos de direito.
Entre os principais fatores etiológicos da AN, a idade e o sexo se destacam, remetendo
ao início mais acentuado na adolescência e a prevalência nove vezes mais comum em
mulheres do que em homens (ALVES et al, 2008; CASTRO; GOLDENSTEIN, 1995). A
adolescência é um período do desenvolvimento humano que exige uma readaptação à nova
imagem corporal, acompanhada de transformações corporais, sociais e preocupações com o
novo formato e peso do corpo (ANDRADE; SANTOS, 2009; CASTRO; GOLDENSTEIN,
1995). Nesse período, é comum se observar elevada prevalência de insatisfação com a
imagem corporal e aumento no número de casos de AN e BN (ALVES et al, 2008; NUNES et
al, 2001). A adolescência é tida como a faixa etária mais vulnerável também por
aparentemente ser mais influenciada pelos padrões estéticos corporais vigentes (NUNES et al,
2001).
A visão da adolescência como um período de transição ou uma etapa do
desenvolvimento humano, tem corroborado para o esquecimento das necessidades desta
população, o desrespeito com relação a seus direitos, e uma cobrança por vezes exagerada
quanto ao cumprimento de seus deveres como cidadão (RUZANY, 2008). Especificamente
nos serviços de saúde, as ações de saúde voltadas para adolescentes devem respeitar a
diversidade de vivências, considerando as singularidades relativas a gênero, raça, classe
social, cultura, desenvolvimento emocional, entre outros aspectos. No entanto, o caráter
54
universalizante em que os serviços de saúde foram organizados provoca dificuldades para se
lidar com a multiplicidade de adolescências que coabitam os seus espaços (BRANCO, 2002).
O fato de os adolescentes serem quase sempre indivíduos saudáveis contribui para
agravar essa dificuldade, pois eles acionam pouco os recursos de saúde disponíveis,
impossibilitando a realização de ações preventivas. No entanto, quando adoecem, é essencial
que o adolescente seja atendido em um espaço próprio, respeitando sua privacidade e
autonomia e com profissionais capacitados, interessados e que estejam disponíveis para
atender suas demandas, nem sempre exclusivamente ligadas à saúde (BRASIL, MS, 2010).
Assim, destacamos a importância de se realizar a proposta do presente estudo em um espaço
dedicado à saúde adolescente.
2.3 LOCAL DE ESTUDO
A instituição pública na cidade do Rio de Janeiro que oferta atendimento aos TA
selecionada para realização do estudo é um Serviço de Saúde Adolescente (SSA) pertencente
a uma universidade pública, que existe há 41 anos, e é responsável pela atenção integral à
saúde de adolescentes, funcionando como unidade docente-assistencial nos níveis de atenção
primária, secundária e terciária. Está ligado a um Hospital Universitário (HU) e se localiza em
um prédio ao lado deste.
O Serviço em questão têm recebido destaque por suas articulações com instituições
nos âmbitos universitário, comunitário, governamental e não-governamental, tornando-se um
exemplo para novos empreendimentos na área de saúde integral do adolescente. Teve início
em 1974 e sua equipe é formada, atualmente, por um corpo docente e técnico-administrativo
de 76 profissionais.
O Programa de Transtornos Alimentares (PTA), por meio de uma abordagem
interdisciplinar, vem atendendo adolescentes de ambos os sexos que sofrem de AN e/ou BN.
O Programa, criado em 2005, funciona semanalmente às quartas-feiras e conta com uma
equipe formada por psicólogos, clínicos gerais, psiquiatra e nutricionista, além de residentes
destas especialidades. Destaca-se a importância desse espaço dentro de um serviço
exclusivamente voltado para saúde adolescente, público reconhecidamente mais atingido
55
pelos TA. A pesquisadora recebeu autorização da direção do SSA para a realização da
pesquisa.
O acesso ao Programa ocorre por duas entradas, uma compartilhada com o HU e outra,
a principal, independente. A entrada compartilhada com o HU nem sempre está aberta, há um
corredor com um portão que separa a comunicação entre o prédio do hospital e o Serviço
onde se localiza o PTA. Próximo a esse portão, quando o mesmo está aberto, sempre fica um
vigilante/segurança da universidade sentado numa cadeira que, por vezes indaga para onde se
quer ir quando se tenta cruzá-lo. O SSA possui três andares e em relação à entrada principal, o
PTA está localizado no subsolo, ou seja, é preciso descer um lance de escadas para ter acesso
à sala de espera. As escadas conduzem à parte posterior desta sala, e o usuário precisa cruzar
o espaço da mesma para ir entregar o cartão de marcação de consultas na recepção de
enfermagem, protegida por vidro para que a comunicação com os usuários seja feita pelo local
indicado. Pela passagem do HU, ao cruzar um pequeno pátio externo, já se está no nível da
sala de espera e chega-se pela parte da frente da sala, logo à direita da entrada encontra-se a
recepção da enfermagem por essa perspectiva.
A sala de espera é ampla, no formato retangular. A parte anterior é ocupada por
cadeiras enfileiradas, cada fileira com cinco cadeiras, com pouco espaço de circulação entre
as fileiras. Na parte posterior, há um espaço com uma estante com livretos educativos sobre
saúde do adolescente (tanto de campanhas do Ministério da Saúde, quanto materiais
produzidos pela própria equipe de saúde que trabalha com os adolescentes) e revistas em
quadrinhos, e uma mesa quadrada branca (em tamanho infantil, do tipo das utilizadas em
jardins da infância) com quatro cadeiras pequenas. Nessa mesa, às vezes é possível encontrar
lápis, canetinhas coloridas e papel. Acima do balcão de recepção, tem uma televisão que fica
quase todo o tempo ligada em canais de desenhos animados.
A organização da sala de espera com todos os aspectos que a envolvem (TV passando
desenho animado, revistinhas em quadrinhos, livros infantis, cadeiras e mesas de tamanho
infantil, lápis e canetinhas coloridas) são indícios de como os adolescentes e essa fase da vida
podem ser infantilizados e não considerados sujeitos autônomos nesse Serviço. Enquanto
aguardavam atendimento, grande parte dos adolescentes digitava no celular, dormia ou
escrevia algo em caderno pessoal. Raros os que conversavam entre si ou mesmo com seus
responsáveis.
56
Com o decorrer da pesquisa, o espaço da sala de espera sofreu algumas modificações
ganhando um mural onde se divulgavam projetos para adolescentes como: escolinha de
futebol, aulas de dança, aulas para aprender a tocar um instrumento musical, etc... Além de
concursos como o de histórias em quadrinhos promovido pelo SSA, cuja inscrição deveria ser
feita na enfermagem. Também havia nesse mural alguns desenhos feitos pelos adolescentes
(fruto de um concurso de desenhos também promovido pelo Serviço). A parede do fundo da
sala, antes branca, foi ocupada por um desenho estilo grafite com a temática da importância
do uso de preservativo e havia alguns colados por toda a parede, que a/o adolescente poderia
retirar e levar para casa, sem ter que solicitar na recepção ou durante uma consulta.
A estante de livros foi atualizada com uma coleção da enciclopédia Larousse. Também
livros-texto de inglês, geografia, português, ciências naturais... Revistas semanais antigas
(“Veja”), jornais velhos, livros do Sherlock Homes, livrinhos da coleção “Para gostar de ler”,
livros de histórias do Asterix, livretos sobre adolescência, ex: “Como ser jovem”, etc...
Colocaram também uns avisos na estante pedindo para não levarem os livros para casa.
Cromack et al, (2004) salientam que é comum os adolescentes optarem por uma sala de
espera que seja exclusiva para sua utilização nos horários de atendimento. De acordo com as
autoras, esse espaço deve ser acolhedor e confortável, bem ventilado e limpo, com espaço
suficiente para a realização de atividades de grupo. Além disso, a disponibilidade de materiais
educativos (livros, revistas, vídeos, programas de informática) é destacada como essencial por
servirem como atrativo enquanto esperam o atendimento, propiciar a troca de informações e
permitir o desenvolvimento de autonomia nas escolhas. Também destacam a importância de
se ter de forma clara e visível os serviços disponíveis para essa população.
A sala de espera não é exclusiva dos usuários do PTA, pois às quartas-feiras pela
manhã também há atendimento de clínica médica e ginecologia (que também ficam no
subsolo do prédio), cujo volume de consultas e de profissionais de saúde atendendo é maior.
Nesse espaço, procurava observar os gestos, as conversas, os silêncios, as posições do público
presente (se sentados ou em pé). Procurava um lugar pelo meio ou ao final das cadeiras e
havia dias em que a observação era difícil, pois a sala ficava cheia, com grande parte das
pessoas em pé. Como iniciei as observações da sala de espera após observar por um período
as consultas e reuniões da equipe, já conhecia muitas das adolescentes e seus responsáveis
pelos atendimentos e também pela visão dos profissionais de saúde, por meio das discussões
de equipe. Assim, a sala de espera se tornou um complemento essencial para as observações e
anotações que já havia feito no meu diário de campo.
57
Embora seja reconhecida a importância do envolvimento direto do adolescente no
planejamento, implementação e avaliação das ações em saúde direcionadas a sua faixa etária,
contribuindo para elevação da auto-estima, estímulo ao desenvolvimento de sua autonomia, e
melhora na qualidade de vida, nem sempre o adolescente é protagonista dessas ações, o que
acaba por afastá-los desses espaços e contribui para deslegitimação do trabalho do setor saúde
junto a outros adolescentes (BRANCO, 2004). Pelo menos nas reuniões do Programa, não se
chegou a discutir as mudanças que ocorreram na sala de espera, que se tornou um lugar mais
colorido e aconchegante, porém ainda permaneceu como um ambiente infantilizado. Durante
a transição, também não vi os adolescentes serem consultados sobre o que achariam
interessante de ser modificado nesse espaço para tornar sua permanência, por vezes longa,
mais agradável. Acredito que tais mudanças ocorreram por decisão dos profissionais de saúde,
pensando é claro, estar agradando e atendendo a uma demanda que eles sequer consultaram
aos adolescentes se existia. O comportamento dos usuários não se modificou com a reforma
da sala de espera. Não houve entrosamento maior entre as adolescentes e o celular permanecia
sendo a grande distração enquanto aguardavam sua vez de serem atendidas.
Além da sala de espera, há um pequeno pátio externo, onde se localizam o bebedouro
e os banheiros utilizados pelo público atendido nos consultórios do subsolo. Nesse espaço, há
dois bancos como os de praça e uma árvore. Por ser localizado a céu aberto, não é muito
utilizado nos dias frios e/ou chuvosos. Pela sala de espera se tem acesso à sala de
enfermagem, à sala de reuniões, à parte interna do serviço e aos consultórios de nutrição,
psicologia, serviço social e ginecologia. No fundo dessa sala há ainda outra passagem (no
lado oposto a escada por onde se tem acesso ao subsolo ao se entrar no prédio pela entrada
principal) com uma pequena escada que dá acesso a outros consultórios que ficam em anexo
ao prédio, e só se chegam a eles por essa escada. Creio que tenham sido construídos depois,
para atender a demanda de residentes disponíveis para atuar em cada turno. Nesse espaço, os
consultórios não são destinados a uma dada especialidade, sendo de uso comum e utilizados
conforme a necessidade. No dia do ambulatório do PTA, uma psicóloga atende em um deles e
também os residentes de psicologia, enfermagem e medicina.
Grande parte das entrevistas foram realizadas nessas salas, que são menores que as do
prédio principal, contam com uma mesa de ferro pintada, duas cadeiras, uma para o
profissional de saúde e outra para o adolescente (não há cadeira para os responsáveis), um
biombo, uma maca, uma janela com persiana e ar-condicionado (algumas possuíam armários
de ferro).
58
No prédio principal, todos os consultórios têm duas portas, uma que dá para a sala de
espera e outra para o corredor interno do serviço. Os consultórios são de tamanhos razoáveis,
em sua maioria, comportam um armário ou uma estante, uma mesa de escritório e cadeiras
para o profissional de saúde, o adolescente e seus pais (as salas fixas utilizadas pela
nutricionista e pela coordenadora psicóloga, além do que foi citado possuem uma mesa com
computador e não possuem maca e biombo, as outras salas são o inverso, sem o computador e
com a maca e biombo). A parte interna do serviço é formada por um corredor em forma de
“L”, o qual possui em sua parte maior uma bancada com três computadores, um bebedouro,
um banheiro, um armário de medicamentos, um carrinho de curativos, quadros de avisos e
cartazes de campanhas do Ministério da Saúde. Na parte menor do corredor, há uma balança
com estadiômetro e uma estante grande, onde a equipe de enfermagem organiza prontuários e
os cartões de marcação de consulta por ordem de chegada.
Ao lado da sala de enfermagem situa-se a sala de reuniões. Nela há uma estante onde
existem diversos livros sobre medicina e algumas revistas científicas e onde são organizados
os prontuários e a agenda de atendimento do TA, uma bancada onde as pessoas colocam
bolsas e mochilas e um telefone com ramal. Há também uma mesa redonda com número de
cadeiras variável a cada semana, dois cabideiros onde já ficam alguns jalecos, quadros de
avisos nas paredes e, ao fundo da sala, uma bancada com dois computadores. É neste espaço
que são realizadas as reuniões de equipe para discutir os casos de TA antes dos atendimentos,
nesse horário a sala fica lotada e geralmente algumas pessoas dividem as cadeiras, enquanto
outras acabam por ficar em pé.
É importante destacar que todos os prontuários de adolescentes e as agendas de
marcação dos outros ambulatórios ficam na sala de enfermagem e são organizados pelas
enfermeiras e técnicas. Apenas o ambulatório do Programa de Transtornos Alimentares fica
responsável por manter e organizar seus prontuários e agenda. No entanto, uma organização
sistemática não era feita, pois a gaveta constantemente estava lotada de modo que alguns
prontuários caíam no fundo da estante e era preciso remover a gaveta para recuperá-los,
outros sumiam e começava-se a anotar as informações da adolescente em folhas soltas. A
gaveta contava com separação das letras em ordem alfabética, mas ao retornarem os
prontuários os profissionais não respeitavam essa organização o que dificultava o trabalho de
encontrá-los no retorno das usuárias. Além disso, embora a gaveta fosse larga e bastante
funda e estivesse lotada de prontuários, havia no máximo 20 adolescentes em atendimento
regular e esse número era variável a cada mês.
59
O PTA não dispunha de dados sistematizados sobre os atendimentos ali realizados
desde a sua inauguração, embora com frequência eu questionasse a respeito. Tive
conhecimento de um pôster apresentado pela estagiária da psicologia com esses dados
atualizados até 2012, bem como de uma publicação em um manual de pediatria, mas não
consegui ter acesso a ambos, embora tivesse insistido.
2.4 ENTRAVES METODOLÓGICOS E ÉTICOS DO FAZER ETNOGRÁFICO
Discuto, a seguir, algumas peculiaridades envolvendo a pesquisa etnográfica em
instituições de saúde,4 desde a seleção do campo, a realização da pesquisa em si, passando
pela apreciação do Comitê de Ética e por fim, as dificuldades da pesquisa com populações
consideradas “vulneráveis”.
2.4.1 ENTRAVES RELACIONADOS À ENTRADA EM UM SERVIÇO DE SAÚDE
Em instituições de saúde, as questões éticas, importantes em todo trabalho de campo,
ganham um lugar de destaque, com peculiaridades ligadas ao campo. Em síntese, as tentativas
e negociações para entrada em campo de minha pesquisa de doutorado se iniciaram em 21 de
março de 2011 e foram até 21 de novembro de 2011, dia da minha primeira visita a esse
serviço de saúde. O percurso para seleção de uma instituição envolveu certas dificuldades,
pois a realização do campo nesses espaços precisava satisfazer algumas condições prévias:
alguns serviços de saúde também se constituíam em espaços de pesquisa para os profissionais
que ali atuavam, de modo que não estavam abertos a investigações de terceiros ou “exigiam”
a atuação da pesquisadora como “estagiária”, integrando a equipe local de profissionais,
diante da escassez de recursos humanos disponíveis.
Alguns deles ainda promovem cursos não gratuitos de atualização em TA e obesidade,
para o qual recomendam a participação dos profissionais interessados em realizar pesquisas
4
Também publicado em: CASTRO-VIANEZ, P. S; BRANDÃO, E. R. Desafios éticos, metodológicos e
pessoais/ profissionais do fazer etnográfico em um serviço público de saúde para atendimento aos transtornos
alimentares na cidade do Rio de Janeiro. Saúde & Sociedade. São Paulo, v.24, n.1, p.259-72, 2015.
60
em suas dependências. Na pesquisa de Marini (2013), que também abordou os transtornos
alimentares, a exigência de participação nesses cursos também esteve presente e a autora
afirma que ainda conseguiu contar com a compreensão das coordenadoras de que ela ainda
era uma aspirante ao mestrado e conseguiu negociar o pagamento do curso, não em redução
de valor, mas em facilidade para o pagamento. Em um dos serviços de saúde que visitei e fui
inicialmente recebida com entusiasmo pela coordenação, o fato de afirmar que já estava
fazendo um curso semelhante em outro espaço e, portanto não via a necessidade de cursá-lo
novamente, foi o suficiente para deixar de ser respondida via e-mail ou atendida ao telefone.
As pessoas que me receberam não possuíam a compreensão do que seja uma pesquisa
etnográfica e não entendiam minha posição de observadora, bem como a necessidade da
observação distinta e não concomitante à atuação como profissional de saúde. Em mais de um
serviço visitado, a observação das consultas de psicologia não seria permitida, pois, segundo
destacado, os usuários são muito “resistentes a iniciar e dar seguimento ao tratamento” e há
um trabalho intenso para ganhar a sua confiança, o que poderia ser prejudicado pela presença
de um observador. Sabemos dos limites existentes para pesquisas etnográficas em instituições
de saúde (LUNA, 2007; MACEDO, 2008; MACHADO, 2008) e os cuidados necessários para
se conhecer melhor a assistência ali prestada.
2.4.2 ENTRAVES RELACIONADOS À REALIZAÇÃO DE UMA ETNOGRAFIA EM UM
SERVIÇO DE SAÚDE
Na etnografia, é necessário um tempo para que haja familiarização com o local e as
pessoas, além do convívio cotidiano e de sistematização do material empírico coletado de
fontes diversas. Sabe-se que a formação de um antropólogo exige um longo tempo para
treinar “um olhar para ver aquilo que não está tão aparente” (RIBEIRO, 2010, p.86, 87).
Knauth (2010, p.110) ressalta o tempo exigido para a realização de uma etnografia como uma
das maiores dificuldades na área da saúde coletiva. Não tenho dúvidas quanto à boa
receptividade entre a equipe, mas há uma dificuldade em compreender o “modus operandi” de
uma pesquisa etnográfica, que deixa os profissionais um pouco inquietos.
Ao longo dos quase dois anos participei dos eventos de recepção dos residentes, das
festas de final do ano, dos cafés da manhã e de um amigo-oculto. Embora fossem raros, pois a
61
rotina era bem corrida, esses momentos de descontração eram extremamente proveitosos e me
permitia conhecer a equipe para além de sua atuação profissional. Durante as reuniões de
equipe passei a ser consultada, nos mais diferentes aspectos fosse relativo às adolescentes, à
estratégia de atendimentos ou à organização do SSA como um todo. Machado (2008) destaca
que em inúmeras situações foi convocada a emitir suas opiniões. Assim, afirma que a
etnografia remete, portanto, à reflexão sobre os limites entre o “observar” e o “participar”.
Minha ajuda para organizar os prontuários do dia, antes da reunião se iniciar, também passou
a ser solicitada, assim como a leitura de determinado caso, com um resumo das últimas
consultas para que os profissionais pudessem discuti-lo. O meu auxílio passou a ser
requisitado cada vez com mais frequência, entre os diferentes membros da equipe, revelando a
boa receptividade quanto a minha presença.
Outra dificuldade destacada por Knauth com a qual me identifico é a da inserção dos
pesquisadores nas consultas das diferentes especialidades da saúde (2010, p.111). Nesse
sentido, cabe destacar que em todos os serviços visitados houve um incômodo ao saber da
possibilidade de observação nas consultas. Em nenhum momento me pareceu algo tranquilo,
embora a observação apenas tenha sido negada para as consultas da saúde mental, pois se
ressaltava que o vínculo formado com o paciente poderia ser prejudicado pela minha presença
no espaço reservado do consultório (como se o vínculo não fosse necessário e também
construído entre os demais clínicos e a adolescente).
A presença de um estranho, o pesquisador, nem sempre é permitida e quando o é, é
acompanhada de uma série de restrições que acabam por limitar e condicionar os dados a que
se tem acesso. Quando a coordenadora do Programa me recebeu pela primeira vez, além de
liberar minha participação5 nas reuniões de equipe, me permitiu observar a sala de espera e
acompanhar as consultas da nutrição e dos clínicos. O acesso às consultas de saúde mental
(psicologia e psiquiatria) foi-me vedado, pois fui informada que os profissionais dessas áreas
trabalham muito para estabelecer um vínculo com as usuárias e isso poderia ser abalado pela
presença de uma terceira pessoa na consulta. Essa questão apresenta algumas implicações que
suscitam reflexão: os residentes de ambas as áreas ficam presentes nas consultas durante seu
treinamento. Não estariam eles também influenciando a relação entre profissional de saúde e
paciente? A presença dos pais das adolescentes também não interfere no estabelecimento do
5
Digo participação, pois era exatamente isso que era esperado de mim. Eu tanto lia os prontuários de
atendimento do dia em algumas semanas para que os profissionais de saúde comentassem, como me era
questionado se eu lembrava desse ou daquele caso, ou minha opinião sobre o atendimento. Nas ocasiões em que
houve discussão entre a equipe ou entre um dos membros da equipe e alguém de fora, fui posteriormente
advertida pela coordenadora por não ter me posicionado e auxiliado na discussão.
62
vínculo? Os profissionais de saúde das outras áreas não necessitam também ter um vínculo
com o usuário para o êxito do tratamento? No caso desses outros profissionais, a presença de
alguém de fora não seria um problema? Creio que essa questão não tenha muita relação com o
vínculo em si, mas com a forma pela qual se estruturaram as disciplinas de saúde mental. A
impossibilidade de acompanhar as consultas de saúde mental também estava presente em dois
dos serviços que visitei anteriormente quando estava buscando um lugar para a realização da
pesquisa.
No trabalho de Marini (2013), a ela foi permitido apenas acompanhar as reuniões da
clínica e a entrevista de triagem dos pacientes que chegavam à instituição (único momento em
que tinha acesso às pacientes, embora não pudesse interagir diretamente com elas). Como na
instituição onde realizou sua pesquisa havia exclusivamente atendimento psicológico,
psicanalítico, ser impedida de assistir às sessões limitava em muito suas observações e as
interações entre as psicanalistas e as pacientes.
Assim, na pesquisa de Marini (2013), o não acesso às pacientes acabou por modificar
os rumos da pesquisa. Embora inicialmente tenha deixado clara a intenção de entrevistar
algumas usuárias, que seriam sugeridas pelas psicanalistas, buscando compreender as
concepções, sentidos e usos do corpo pelos sujeitos com transtornos alimentares (o contato
direto além do discurso psicanalítico era essencial), um evento após entrevistar apenas duas
pacientes a fez não dar prosseguimento às entrevistas. Uma das psicanalistas achou que as
entrevistas e a possível aproximação da etnógrafa com suas pacientes estaria atrapalhando o
seu trabalho, afirmando que a “técnica antropológica” de Marini (2013, p. 27) estaria
esbarrando em sua “técnica psicanalítica”, o que levou a autora a crer que a psicanalista
estaria confundindo o papel de um antropólogo com o de um psicanalista, mas optou por
abandonar a estratégia das entrevistas com as pacientes.
Em minha pesquisa, não cheguei a ser indagada pelas psicólogas sobre o conteúdo das
entrevistas, mas sabia pelas adolescentes sobre a curiosidade das profissionais com relação ao
conteúdo de nossas conversas, fosse da entrevista propriamente dita, ou do que costumávamos
conversar na sala de espera.
Paiva e Brandão (2014) salientam que os entraves metodológicos e éticos também
implicaram em modificações nos objetivos da pesquisa e no aprofundamento do olhar que
dirigiam às drogarias. O processo de entrada em campo durou cerca de um ano e foi permeado
63
por questões específicas do jogo de forças existente no seio das drogarias, em função da
disputa mercadológica com a concorrência.
O processo de entrada no campo ganha outros contornos quando se trata de
instituições de saúde. Para Menezes (2004) iniciar sua observação, foi necessária a aprovação
do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do Instituto Nacional do Câncer, que veio
acompanhada de restrições: duração de dois meses e acesso apenas às atividades de equipe,
não incluindo entrevistas gravadas. Em campo, a autora percebeu que necessitava prolongar
sua observação, então precisou entrar novamente com um pedido de autorização, dessa vez
incluindo a autorização para gravar entrevistas com os profissionais mediante o
consentimento informado. Mas a nova aprovação não foi obtida facilmente. Foi permeada por
uma série de percalços burocráticos, onde a cada etapa novas exigências se apresentavam e
esse trajeto levou mais de seis meses até o projeto ser finalmente aprovado (MENEZES,
2004).
Luna (2007) observa que o nível de exigência entre os três serviços de saúde
investigados foi diferenciado quanto à autorização para pesquisa, protocolos de consentimento
informado e acesso aos pacientes. No terceiro hospital de São Paulo, assim como no caso de
Menezes (2004), a autorização se deu por meio de um árduo processo burocrático. Depois de
conversar com o diretor da unidade, ele a encaminhou ao CEP. Após o envio do material
necessário, o comitê local remeteu um dos formulários a Comissão Nacional de Ética em
Pesquisa do Conselho Nacional de Saúde. Tal procedimento levou cinco meses e quando
finalmente a autorização saiu, não havia no regulamento do hospital um “título” no qual a
pesquisadora se enquadrasse, visto que não era profissional de saúde. A solução foi pedir um
crachá de “visitante”, mas esse processo levou mais dois meses (LUNA, 2007).
Na presente pesquisa, não houve dificuldades na recepção e autorização da direção do
Serviço e nem por parte da coordenação do Programa, em razão de eu ter sido encaminhada
por uma renomada médica da Universidade, no entanto, o processo de obtenção da aprovação
do CEP levou cerca de sete meses (maio a dezembro de 2012). Da mesma forma, Toniol
(2014) afirma que mesmo que o início da pesquisa tenha sido pautado por dificuldades
relativas às exigências dos CEP aos quais o projeto foi submetido, no âmbito do Ambulatório,
a aceitação da pesquisa ocorreu prontamente.
A boa aceitação foi relacionada pelo autor ao próprio contexto de legitimação das
terapias alternativas/complementares no SUS cujo fortalecimento está relacionado com a
64
produção de pesquisas sobre o tema. E os profissionais de saúde do Ambulatório perceberam
na realização da pesquisa uma possibilidade de afirmar a validade dos tratamentos que
empregavam. A presença de Toniol chegou a ser destacada pela coordenação do ambulatório
como sendo a responsável por mostrar que o trabalho exercido era “científico” (TONIOL,
2014).
Ao buscar sua inserção em campo, Marini (2013) temia não ser aceita, pois já havia
sido recusada anteriormente, durante sua graduação, em outra instituição para transtornos
alimentares. No local onde realizou seu estudo, afirma ter recebido uma recepção positiva e a
autora chegou a formular algumas hipóteses como, por exemplo, a confiança no trabalho
realizado; a abordagem psicanalítica poderia ser mais aberta e tolerante a olhares externos, em
comparação à psiquiatria; ou ainda haveria um interesse na contribuição que as Ciências
Sociais e Antropologia poderiam trazer para os transtornos alimentares, reconhecidamente
ligados à dimensão social, com influência da mídia, pressão social e padrões de beleza. A
autora destaca ainda que, por se tratar de uma instituição ainda recente, que buscava seu
espaço, poderiam julgar interessante ter alguém que se dispusesse a pesquisá-la.
No PTA algo semelhante se deu, mesmo estando inserido em uma universidade, o
espaço não possuía uma vocação expressiva para pesquisa, fora um ou outro trabalho levado
para congressos médicos com apresentações de casos clínicos de adolescentes. Assim, minha
presença atendeu a uma dupla demanda da coordenação e equipe de saúde: condensar na
figura da doutoranda a dimensão científica necessária a um Programa em ambiente
universitário e, ao mesmo tempo, atribuir reconhecimento e legitimidade ao trabalho por eles
desenvolvido. Ao contrário do que vivenciei em outros serviços de saúde que possuíam
pesquisadores, ainda que restritos ao olhar biomédico, no PTA minha presença foi
vislumbrada como um símbolo de prestígio e distinção para todos os envolvidos.
Embora a recepção inicial tenha sido positiva, Menezes (2006, p.24) destaca que aos
poucos os profissionais começaram a questionar o motivo das suas observações. Inicialmente
minha presença era destacada nas reuniões como um diferencial na equipe, algo que eles
tinham de especial: uma pesquisadora! Ao perceberem que o meu trabalho era basicamente
observar e anotar, o lugar de destaque foi sendo diluído. A partir de então passei a ser
constantemente questionada sobre o andamento da pesquisa, sobre quando as entrevistas
seriam finalizadas, se já estava perto da pesquisa terminar, quanto tempo faltava para minha
defesa. Sentia que a cada semana, a agonia pela minha presença aumentava, o que me levou a
tomar a decisão pelo encerramento do campo.
65
2.4.3 ENTRAVES RELACIONADOS AO COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA
A regulamentação ética das pesquisas científicas no Brasil e no exterior foi fortemente
influenciada pelas disciplinas biomédicas, mas são reconhecidas as disparidades entre os
modos de produção de pesquisa nas áreas sociais e biomédicas, o que torna tão difícil a
normatização dos procedimentos éticos partindo de uma única tradição disciplinar (SCHUCH,
2013).
Em um contexto etnográfico essas dificuldades crescem, pois é preciso lidar com uma
estrutura rígida que não conhece ou compreende a dinâmica de uma pesquisa antropológica.
Assim, as áreas do conhecimento que trabalham com métodos qualitativos têm reivindicado
respeito às suas especificidades, para que sejam considerados os dilemas éticos envolvidos
nas pesquisas que se desenvolvem com bases epistemológicas diversas do campo biomédico
(GUERRIERO; DALLARI, 2008; BIANCO, 2013).
A exigência do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) é um dos
grandes entraves, pois em uma pesquisa etnográfica onde a priori não está definido com quem
se vai conversar, que situações serão observadas ou mesmo o que vai ser alvo de observação,
esse modelo de consentimento está inadequado (KNAUTH, 2010; SCHUCH, 2013). Ao
assistir uma consulta, não é certo ainda que aquele/a adolescente será procurado/a
posteriormente para uma entrevista.
Na pesquisa antropológica, o consentimento informado é compreendido como um
processo de negociação a ser desenvolvido durante todo o trabalho de campo, e envolve
diversos fatores que só serão revelados ao longo do estudo (TELLO, 2013). Dessa forma,
Schuch (2013, p.60) nos lembra que “um dos pilares da autorrepresentação antropológica é,
justamente, o respeito, valorização e compromisso com o ponto de vista dos sujeitos e/ou
comunidades pesquisadas”. Assim, consentir e ser informado implica em considerar o
trabalho de campo como uma situação social que excede a explicação da procedência
institucional do investigador bem como dos objetivos de sua pesquisa, influenciando nos
contatos éticos que serão acordados (TELLO, 2013, p.177).
Na pesquisa em foco, o projeto foi encaminhado à Plataforma Brasil, para apreciação
do Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva (IESC/UFRJ) e,
aprovado em 20 de dezembro de 2012 (CAAE: 04846312.6.0000.5286). Embora a legislação
66
atual que regulamenta as normas para a pesquisa envolvendo seres humanos seja a Resolução
466 (CNS, 2012), atendendo à Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde (CNS,
1996), vigente à época, foi solicitado a cada participante que nos desse sua concordância em
participar do estudo, por meio do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Anexo 3).
Além dos obstáculos a serem vencidos para realizar uma pesquisa etnográfica em uma
instituição de saúde, há que se considerar as dificuldades adicionais de se lidar com sujeitos
adolescentes que não são detentores plenos de sua autonomia para a tomada de decisões
concernentes a sua vida e saúde.
2.4.4 ENTRAVES RELACIONADOS AOS SUJEITOS DE PESQUISA
No Programa, a grande maioria das adolescentes tem menos de 16 anos de idade,
portanto consideradas “vulneráveis”. Sendo assim, o CEP solicitou que os responsáveis
deveriam assinar o consentimento para a participação de suas filhas. A vulnerabilidade ocorre
quando os participantes têm menor poder em comparação aos pesquisadores, assim estariam
sob maior risco de sofrerem danos devido a uma capacidade reduzida de proteger seus
interesses. Para que isso não ocorra, os adolescentes precisam ter informação suficiente e
compreensão adequada tanto da pesquisa quanto de sua participação (ROGERS;
BALLANTYNE, 2008). A própria questão da adolescência dentro do campo da saúde pública
tem sido abordada a partir da ótica do risco ou da vulnerabilidade, o que também se reflete
nos programas e pesquisas dirigidas a este grupo social (LEITE, 2012, p. 98).
Nesse sentido, cabe destacar que a maioria das adolescentes frequenta as consultas
acompanhadas pelos responsáveis, os quais ocupam o lugar das filhas na interação com os
profissionais de saúde. A isenção do TCLE dos responsáveis pode ser essencial nesse
contexto específico em que o poder decisório desses indivíduos já está extremamente
comprometido pela presença de alguma doença e/ou mal estar. Uma parcela razoável daquelas
que recebem atendimento não o fazem por vontade própria, a inclusão dessa adolescente em
uma pesquisa qualitativa sem que seja de seu interesse participar certamente comprometeria
os dados obtidos nas entrevistas.
É previsto que para um adolescente receber tratamento médico, segundo a lei, seus
responsáveis devem firmar um termo de consentimento. No cotidiano dos serviços de saúde
67
frequentemente isso não ocorre, pois os espaços destinados a dar atenção especial ao
adolescente precisam se valer da oportunidade de sua vinda e atendê-lo sem esta formalidade.
O consentimento nesses casos deve, no entanto, incluir o diálogo entre profissional e
adolescente para que o desejo deste de ser examinado ou não por ocasião da consulta seja
plenamente respeitado (RUZANY, 2008). Caso a determinação da lei seja seguida, é
necessário destacar ainda que, algumas vezes, o adolescente não deseja revelar informações
confidenciais na presença de seus pais, gerando um impasse ético, pois é exigido que os pais
autorizem que seus filhos sejam atendidos com sigilo e confidencialidade garantidos
(TAQUETTE et al, 2005).
No documento Saúde do Adolescente: Competências e Habilidades lançado pelo
Ministério da Saúde (MS, 2008) é destacado que no caso da realização de pesquisas
científicas com a população adolescente, o pesquisador deve buscar a aprovação de seu
protocolo de pesquisa, nos CEP disponíveis, protegendo os sujeitos de sua investigação de
possíveis danos. Mas destaca como relevante o envolvimento de um familiar na pesquisa, pois
tendo acesso aos detalhes do protocolo, eles poderão decidir pelo consentimento ou não da
participação do adolescente. Sobre esse aspecto, existe uma grande ambiguidade com relação
ao consentimento livre e esclarecido para adolescentes. Compete ao pesquisador procurar, em
cada situação, a melhor forma de conduzir seu trabalho, sem promover riscos desnecessários,
e com a apresentação expressa das vantagens do estudo para melhoria da qualidade de vida ou
da atenção à saúde desta população.
Na adolescência, é recorrente o desencadeamento de situações conflituosas em que as
normas previstas não conseguem responder com clareza às interrogações éticas. Toda
pesquisa a ser realizada com menores de 18 anos necessita de consentimento por escrito de
seu responsável. A obrigatoriedade deste, muitas vezes, é dificultada pela ausência dos pais
ou porque o jovem não se sente à vontade ou simplesmente não deseja lhes revelar suas
informações confidenciais (TAQUETTE et al, 2005).
Assim, valorizamos sobremaneira que a entrevista com as portadoras de AN fosse
feita sem a presença de seus responsáveis, com relativa autonomia destes sujeitos de pesquisa,
e não dependessem do consentimento dos pais, que poderiam intervir no contexto de pesquisa
de modo desfavorável à manifestação espontânea de suas filhas. Atendendo aos nossos
argumentos, nesta pesquisa, o CEP aprovou a supressão do TCLE dos pais ou responsáveis,
sendo o contato, autorização e vínculo da pesquisadora estabelecidos diretamente com as
68
adolescentes, dimensão que se revelou crucial para a aproximação, interação e imersão no
universo social destas usuárias.
O recrutamento para participação nas entrevistas foi feito na sala de espera, enquanto
as adolescentes aguardavam o atendimento. Assim, longe da presença da equipe de saúde,
evitava-se o constrangimento caso não houvesse interesse em participar da pesquisa. Por outro
lado, esse convite era feito com a televisão ligada, equipe de enfermagem dando avisos ou
confirmando a chegada de algum usuário, profissionais chamando para atendimento,
conversas paralelas, entre outras distrações. Em relação a essa questão, buscou-se uma forma
alternativa e mais factível nesse espaço da sala de espera. Para esse recrutamento,
desenvolveu-se um modelo simples de convite (Anexo 4), contendo resumidamente os
objetivos da pesquisa, a forma de participação na mesma e diferentes possibilidades de
contato com a pesquisadora, como celular, e-mail. Nesse momento, também eram requeridos
os contatos das adolescentes para posterior agendamento da entrevista, embora apenas uma
entrevista tenha sido agendada por telefone, todas as outras foram agendadas pessoalmente
com as adolescentes. Geralmente, combinávamos para a ocasião de seu próximo atendimento
no Programa. Nesta ocasião, o TCLE era lido com calma e a decisão sobre o desejo de ser
entrevistado/a podia ser tomada de forma consciente.
Como determinação do CEP, a equipe de saúde do PTA assinou um termo concedendo
anuência para a realização da pesquisa no local e, se comprometendo a dar apoio clínico e/ou
psicológico caso a adolescente necessitasse após a realização das entrevistas. Tal recurso
nunca necessitou ser utilizado.
Em uma pesquisa etnográfica em que o período de permanência do pesquisador em
campo e, consequentemente em contato com os sujeitos de pesquisa, é extenso, torna-se
essencial considerar os vínculos estabelecidos entre a pesquisadora e os sujeitos participantes
da pesquisa, que vão além de um vínculo estritamente ligado ao interesse científico (SILVA,
2011). Silva (2004) salienta que o conhecimento íntimo da experiência de um transtorno
alimentar, que só pode ser alcançado por quem passa por essa experiência, só pode se tornar
acessível, seja ao profissional de saúde, seja ao pesquisador, por meio do estabelecimento de
uma relação de cooperação mútua. Assim, a autora pontua que priorizar o bem estar dos
sujeitos de pesquisa não é apenas um imperativo ético, mas uma questão metodológica. A
experiência do adoecimento de uma perturbação psiquiátrica como um TA tem um elevado
potencial causador de sofrimento, o que exige do pesquisador um cuidado para compreender e
69
respeitar os limites de seus informantes, pensando em seu bem estar antes dos interesses de
pesquisa (SILVA, 2011).
Além de aguardar o momento mais adequado para fazer o convite e realizar a
entrevista, pois havia momentos críticos no processo de adoecimento com desencadeamento
de tentativas constantes de suicídio, internação, iminência da internação ou logo após a alta
hospitalar, procurava deixar claro que, a qualquer momento poderiam retirar sua participação
na pesquisa. Assim, como as deixei à vontade para falarem de acordo com seus limites e
interromperem caso julgassem necessário, buscando que, de fato, a entrevista ocorresse como
uma conversa para que de modo algum se sentissem pressionadas. A convivência com um TA
é muito instável e, mesmo fazendo o convite em uma semana e agendando a entrevista para a
semana seguinte, poderia acontecer da adolescente não estar bem e da entrevista dever ser
reagendada. Em apenas uma das entrevistas, senti que esperar mais para sua realização seria o
mais adequado, pois resgatar o início da AN e o recente período em que esteve internada foi
muito doloroso, mesmo para a pesquisadora. No entanto, a adolescente insistiu em falar e
chegou a agradecer posteriormente pela oportunidade concedida. Como estava gravemente
adoecida e sua história de vida era desde muito cedo permeada por sofrimento e dificuldades,
a adolescente vivia cercada pelos profissionais de saúde do local, mas apesar de todo o
cuidado com ela, a oportunidade de falar livremente e de expressar a dor que sentia não lhe
era concedida de modo rotineiro.
Rogers e Ballantyne (2008) afirmam que toda pesquisa tem o potencial de causar
danos e, portanto, todo participante é potencialmente vulnerável. No entanto, a
vulnerabilidade em questão diz respeito às desigualdades na relação de poder entre o
pesquisador e o participante. Nesse sentido, as autoras destacam que populações vulneráveis
assim o são, não somente em relação aos pesquisadores e a pesquisa, mas também em outras
relações e contextos sociais.
Ao se apropriar da experiência do outro, o pesquisador deve estar atento para fazê-lo
da forma mais responsável e ética possível, buscando abordar questões relevantes para a sua
saúde. Quando é feita a opção pela não inclusão de sujeitos vulneráveis em sua investigação o
pesquisador estará colaborando para a manutenção da invisibilidade dessa população, pois a
participação em uma pesquisa científica deve ser compreendida como um bem social e uma
experiência valiosa que não deve ser negada, mas facilitada e estimulada (VÍCTORA, 2013;
ROGERS; BALLANTYNE, 2008).
70
Considerando os riscos e benefícios quanto à participação de adolescentes como
voluntários no projeto em questão, cabe salientar que esses sujeitos constituem parcela
importante do público que sofre de TA, sendo fundamental conhecer o seu processo de
adoecimento, bem como reconstruir o percurso dos mesmos até chegarem ao serviço de saúde
para tratamento. No Brasil, segundo nosso conhecimento, não há pesquisas que tenham
investigado, sob a perspectiva teórico-metodológica socioantropológica, a dinâmica de
funcionamento de um serviço público de saúde especializado no atendimento aos TA,
buscando compreender como a AN e o tratamento dado pela equipe de saúde ao problema
interfere na vida dos adolescentes que a enfrentam publicamente.
71
CAPÍTULO 3. AS ADOLESCENTES ATENDIDAS NO PROGRAMA DE
TRANSTORNOS ALIMENTARES
Nunca havia trabalhado com adolescentes e confesso que fiquei apreensiva quando o
campo da pesquisa começou a se delinear no PTA. Talvez se tivesse a oportunidade de
escolhê-las, eu não o faria. Lembro-me bem da minha adolescência, eu conversava nas aulas,
não prestava atenção no que “os adultos” falavam, meu grupo de amigos e eu vivíamos
fazendo bagunça no colégio, meus pais sempre recebiam reclamações nas reuniões. Eu sabia
que não seria fácil conquistar as adolescentes, fazê-las confiarem em mim, me darem sua
atenção e entenderem que, mesmo sendo uma total desconhecida, eu queria verdadeiramente
ouvi-las e na medida do possível ajudá-las (dentro da empatia possível em uma pesquisa
antropológica).
Em campo, aos poucos, todos os meus medos se dissiparam. Hoje, sinto uma grande
saudade, além de gratidão por cada uma delas e pelo Vinícius. Cada uma de suas histórias
verdadeiramente me tocou, fui então surpreendida pelo anthopological blues (DA MATTA,
1978). Voltava pra casa, após visita ao campo, todas às quartas-feiras, já desejando que a
semana passasse depressa para encontrá-las mais uma vez e saber como estavam.
Compartilhar de certa forma do universo cultural mais amplo das minhas entrevistadas - ser
mulher, jovem, de classe média, carioca, o gosto por músicas, filmes e seriados - me serviu
como facilitador do encontro etnográfico (SILVA, 2004).
Por outro lado, o trabalho de Velho (1978) lido ainda no primeiro semestre de
doutorado ressoou durante todo o trabalho de campo. A necessidade de me colocar no lugar
do outro para captar vivências e experiências particulares e, ao mesmo tempo, conseguir o que
Velho nomeou como “um mergulho profundo”, me fez perder noites de sono sem saber se
estava conseguindo alcançá-lo. O autor destaca ainda que o fato de o pesquisador estar
acostumado com uma certa paisagem social onde a disposição dos atores seja familiar, não
significa que ele compreenda a lógica das relações sociais desses indivíduos: “O processo de
estranhar o familiar torna-se possível quando somos capazes de confrontar intelectualmente, e
mesmo emocionalmente, diferentes versões e interpretações existentes a respeito de fatos,
situações” (VELHO, 1978, p.45). Estar apoiada por um referencial teórico foi um fator de
72
extrema relevância para avançar com a pesquisa etnográfica e vencer minhas inseguranças e
incertezas.
Meu percurso em campo no trato com a equipe de saúde teve momentos de
aproximação e acolhimento e de tensão, quando a permanência se estendeu ao longo do tempo
e as perguntas sobre a finalização da pesquisa começaram a se avolumar. Houve uma época
em que senti que deveria encerrar a pesquisa, pois não havia adolescentes novas ingressando
no Programa, as que estavam em acompanhamento já haviam sido entrevistadas. Mas nunca
tive qualquer dificuldade com nenhuma das adolescentes. Umas eram mais afetuosas,
entusiasmadas, outras mais tímidas, mas, cada uma me fez querer continuar mesmo sabendo
que já era hora de concluir a pesquisa de campo.
Sarti (2010) ressalta que os estudos antropológicos que têm como objeto de estudo
questões relativas ao corpo, saúde, doença e sofrimento, apresentam como diferencial a
irremediável aproximação com o campo biomédico, por se tratarem de temáticas
multi/interdisciplinares. Para a autora, é o olhar que cada uma dessas áreas confere a esses
objetos de estudo que diferenciam seus respectivos campos de conhecimento científico. Um
dos traços marcantes do contexto etnográfico em que essa pesquisa se desenvolveu é o grau
relativamente elevado de medicalização das adolescentes entrevistadas e a forte influência das
disciplinas de saúde na regulação de suas vidas. Assim, o uso de termos técnicos fazem parte
do vocabulário dessas adolescentes, sendo adotados muitas vezes de modo re-significado e
não com o sentido original em que foram cunhados (SILVA, 2004).
O fato de conviverem desde muito cedo e de modo tão intenso em meio a consultas,
exames, internações e diferentes tratamentos, faz com que essas adolescentes adquiram novas
categorias de percepção do corpo e se apropriem do vocabulário técnico biomédico para
formular a noção de pessoa tal como se reconhecem (SILVA, 2004; BOLTANSKI, 1984;
MARINI, 2013). Elas aprendem a identificar aquilo que os profissionais de saúde atribuem
valor, ou seja, o que pode ser considerado um sintoma legítimo, e passam a se familiarizar
com esse contexto biomédico de acordo com seus meios materiais e culturais próprios
(BOLTANSKI, 1984). No entanto, aquelas que detêm maior conhecimento sobre o saber
biomédico e destreza para acioná-los durantes os atendimentos, são vistas como pacientes
“mais difíceis” pelos profissionais de saúde do PTA, pois nem sempre o saber acumulado
pelas adolescentes ao longo de sua doença é encarado como legítimo por esses profissionais
(MARINI, 2013).
73
Logo que comecei o campo tinha um grande receio de não conseguir estabelecer uma
relação mais próxima com minhas pesquisadas. Primeiro, porque estavam quase que o tempo
todo acompanhadas de seus responsáveis, fosse na sala de espera, ou nos atendimentos onde
nem havia espaço para uma tentativa maior de aproximação. Segundo, porque havia uma
imagem de que elas seriam fechadas ao estabelecimento de novas relações, muitas vezes pelo
fato de estarem em atendimento a contragosto.
De fato, o início não foi tão fácil, mas escolhi começar as entrevistas e a aproximação
na sala de espera por aquelas que percebia serem mais falantes e, aos poucos, minha presença
passou mesmo a ser requisitada para conversar enquanto aguardavam atendimento,
consolidando minha aceitação pelo grupo que estava acompanhando. Destaco que nunca senti
ou percebi má vontade delas em falar comigo, embora pudesse sentir que em alguns dias
estavam mais “cansadas” da rotina de atendimentos do que em outros e então procurava
respeitar os limites para a aproximação.
Em minha primeira visita ao campo, a coordenadora do Programa chegou a me
confundir com uma das adolescentes e assim, passei a considerar que não apenas ela poderia
me tomar como uma paciente, como as próprias adolescentes da pesquisa. O que não creio ter
sido recorrente, ouvi apenas de uma das adolescentes que pensou que eu também ia ser
atendida, pois sempre me via na sala de espera. No entanto, algumas delas disseram que eu
era muito nova para estar no doutorado. Outra, sem saber exatamente do que se tratava
perguntou o que eu ia cursar de faculdade quando terminasse a pesquisa. Então expliquei que
já havia me formado na faculdade e que, após isso, tinha feito mestrado, para então chegar ao
doutorado, e a reação de surpresa se manteve. Minha aparência jovial também provocou
reações de identificação como: “ah! você entende né?!” dita por uma adolescente ao relatar as
complexas relações sentimentais pelas quais dizia estar passando. Alguns temas próprios da
juventude também eram tratados comigo sem maiores explicações ou constrangimentos.
Algumas usuárias tornam-se amigas na sala de espera. Mas grande parte delas aguarda
pelo atendimento sem interagir umas com as outras. Inicialmente minha relação com elas
ocorria quase que exclusivamente na sala de espera, pois sempre procurei interferir
minimamente quando estava observando uma consulta. As mais falantes, mais desinibidas,
costumavam conversar, interagir, tirar dúvidas sobre mim e minha formação. Para estas, a
presença ou não dos pais não parecia fazer diferença. As mais tímidas ficavam nervosas ao
serem por mim abordadas na ausência dos pais, falavam pouco, respondiam apenas ao que
74
fora consultado e muitas vezes não me olhavam nos olhos, tão grande a postura de submissão
que possuíam.
Como mencionado no capítulo anterior, ao abordar as adolescentes, entregava um
convite para participarem da pesquisa e explicava que tal participação consistiria em uma
entrevista. Anotava seus dados (nome, telefone e e-mail) e, na maior parte dos casos, a
aproximação se deu na presença dos pais. A reação destes a mim interferia diretamente no
modo como a adolescente me tratava naquele momento. Às vezes, a adolescente sequer lia o
convite e apenas olhava a reação do responsável. Por vezes, entregava logo o convite para o
responsável e esperava a leitura para me dar atenção.
Com as entrevistas e com nossos encontros pelos corredores, sala de espera e mesmo
nas consultas, me tornei mais próxima. De todo modo, aquelas que tinham um perfil mais
introspectivo pouco falavam. Por residir relativamente próximo ao PTA, ainda que sem
querer, cruzava com algumas adolescentes na rua, no ônibus, numa pracinha do bairro, em um
restaurante e mesmo dentro do meu condomínio e esses encontros eram muito interessantes,
pois quase sempre elas me percebiam primeiro e vinham falar comigo, contrariando a ideia de
que não estavam dispostas a estabelecer novas relações. Comigo eram falantes, felizes, talvez
porque eu não as via como crianças, dependentes e controladas por uma doença, para mim
eram adolescentes como tantas outras.
A adolescente com quem mais me aproximei e que sabia da minha formação como
nutricionista, pois havia me perguntado durante o campo, chegou a me convidar para falar
sobre alimentação saudável e também sobre TA para sua turma no colégio. Essa era uma
demanda de sua professora que, sabendo que a adolescente frequentava um serviço de saúde
para TA, pediu que ela levasse alguém para conversar sobre o tema. Apesar de ter toda uma
equipe a acompanhando há mais de um ano, o convite foi feito a mim. Esse encontro acabou
não se concretizando, por questões de agenda da professora. Essa mesma adolescente ao me
encontrar na rua corria ao meu encontro gritando meu nome e me abraçava.
Assim, posso afirmar que mesmo após todo o temor que eu tinha de não conseguir
vencer o cerceamento da equipe de saúde e dos familiares em torno dessas adolescentes, aos
poucos, minha relação com elas finalmente se concretizou e pudemos ir além das poucas
palavras trocadas nas cadeiras da sala de espera. Posso dizer que verdadeiramente as conheci,
o tanto que elas me permitiram conhecer, assim como elas conheceram um pouco de mim.
75
Mas essa identificação me fez perder um pouco o rumo. Durante uma aula no
doutorado, recebi como recomendação de uma das professoras que era importante relativizar
algumas atitudes da equipe de saúde e entender que a realidade dos atendimentos é difícil e
que a falta de preparo por vezes pode levá-los a cometer erros mesmo tendo o objetivo de
acertar. Acho que foi um dos conselhos mais valiosos que recebi durante esse trabalho.
Percebi que comecei a “tomar partido” pelas adolescentes em diferentes situações, não
abertamente, mas em meu diário de campo. E isso ficava evidente quando eu falava sobre a
pesquisa informalmente com alguém. Desde então passei a adotar uma postura mais flexível,
tanto com os profissionais de saúde do PTA e também do SSA, como com os familiares.
Talvez, sem essa modificação do olhar, ainda que no meio do caminho, eu não teria o
distanciamento necessário para finalizar a etnografia, e não teria conseguido seguir em campo
por tanto tempo mantendo uma relação de cordialidade e reciprocidade com todos os
envolvidos.
Neste capítulo, além de identificá-las, apresento algumas das experiências vividas por
essas adolescentes que convivem com um TA e frequentam o serviço de saúde observado.
3.1 CONHECENDO-AS MELHOR
Em sua tese de doutorado em que trabalhou com histórias de vida de mulheres com
transtornos alimentares, Silva afirma que:
As histórias de como os sujeitos se constituem em meio à experiência de transtorno
alimentar podem revelar, portanto, elementos fundamentais dos processos
contemporâneos da produção de sujeitos no seio de relações sociais atravessadas por
múltiplos dispositivos de poder, e no contexto específico em que o corpo adquire
especial relevância, não apenas por sua centralidade na problemática dos transtornos
alimentares, como também por configurar uma interface privilegiada nos processos
contemporâneos de assujeitamento (SILVA, 2011, p.7).
Resgatar brevemente alguns traços de identificação social dos entrevistados nos
permite compreendê-los melhor. Abaixo, há um pequeno resumo de suas histórias para que se
possa apreender o contexto em que suas narrativas se desenvolveram. Como informações
adicionais, na tabela 1 (Anexo 5) são apresentadas as características sociodemográficas e
econômicas das adolescentes entrevistadas. Na tabela 2 (Anexo 6) são apresentadas
76
informações sobre o tratamento por elas realizado e a tabela 3 (Anexo 7) agrega as
características do estado nutricional das adolescentes ao chegar ao PTA e na ocasião da
entrevista.
Ana Laura, 14 anos, parda, cabelos escuros alisados pouco abaixo dos ombros, cursa
o oitavo ano do ensino fundamental (repetiu o último ano devido à internação e a estar muito
fraca para frequentar as aulas). Mora na Praça Seca, no bairro de Jacarepaguá, zona oeste da
cidade do Rio de Janeiro, com seus pais e avó materna. Tem um casal de irmãos mais velhos
que não moram com ela, são irmãos por parte de pai e ela só os conheceu quando tinha entre 7
e 10 anos, mas não convive com eles. Chegou ao Programa de Transtornos Alimentares
(PTA) em outubro de 2012, já buscando sua internação, por um encaminhamento do Instituto
de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPUB/UFRJ), onde sua mãe
trabalha. Atribui o fato de ter parado de comer e seu consequente emagrecimento a uma dor
de estômago muito forte que a impede de se alimentar. Logo em sua segunda consulta já foi
internada por um mês e em grande parte do tempo usou sonda para se alimentar. É bailarina,
faz ballet, jazz e sapateado há sete anos, das 15:30 às 19 horas de segunda à sábado e diz que
gosta muito de dançar, é o que faz para se divertir. Entrou na dança obrigada pela mãe porque
tinha “uma postura muito feia” e só começou a gostar depois. A dança ocupa lugar de
destaque na sua vida e, segundo a psicóloga que a atendia, ficou um tanto perdida na
internação por não estar dançando. A residente de nutrição afirma que ela dançava escondida
no banheiro. Personalidades citadas como tipos ideais de beleza: as cantoras Beyoncé e
Cristina Aguillera.
Alice, 15 anos, negra, cabelos crespos acima dos ombros. Filha única, mora com os
pais no município de Duque de Caxias, Baixada Fluminense. Veste roupa infantil para 10
anos. Convive com o problema desde os 13 anos. Está cursando o primeiro ano do ensino
médio. Faz uma refeição ao dia, e mesmo assim vomita depois. Fazia de 3 a 4 horas de
exercícios físicos por dia: caminhada, bicicleta, abdominais, agachamentos e levantava pesos
de academia que tem em casa. Hoje em dia frequenta duas vezes por semana o ballet clássico
e uma vez a dança contemporânea. Diz que a dança a tem ajudado muito a pensar em outras
coisas que não seja emagrecer. Quer ser nutricionista. Está sempre acompanhada pelo pai, que
abandonou o emprego para se dedicar à filha. A mãe, por ser dona da própria loja e ganhar
77
mais que o pai, continuou trabalhando e mantendo a casa. Ficou internada por três semanas e
diz que foi um período horrível. É evangélica e tem uma relação forte com a religião, diz que
tem medo de morrer dessa doença porque enxerga a AN como uma forma de suicídio e não
quer ir para “o lugar ruim” (inferno). Personalidade citada como tipo ideal de beleza: Anahí,
atriz mexicana que também tem AN e é fonte de “inspiração” para várias meninas.
Bruna, 12 anos, branca, cabelos castanhos compridos e cacheados, olhos verdes. Está
no oitavo ano do ensino fundamental e mora no município de Casemiro de Abreu, Região dos
Lagos, no estado do Rio de Janeiro, com a mãe e a irmã mais velha. Os pais são separados e
seu pai mora com a mãe dele (avó da Bruna) em Copacabana, bairro da zona sul da cidade do
Rio de Janeiro. Ela afirma ser católica praticante e frequenta o grupo de jovens da igreja. A
mãe, que é enfermeira, fala por ela na maior parte do tempo durante as consultas. Bruna faz
brigadeiro duas vezes por semana e come quase tudo sozinha. Nesses dias não come mais
nada o dia inteiro. Diz gostar de passar muito tempo na frente do espelho se arrumando,
pensando na maquiagem que irá usar. E também de sair com os seus amigos e de ficar em
casa vendo filme. Chegou ao PTA porque estava “passando por... um distúrbio alimentar...” e
a tia dela conhecia alguém que trabalha no Serviço de Saúde de Adolescentes, o que facilitou
obter uma vaga. Reconhece que até hoje é muito preocupada com seu peso, mas não vomita
mais. Afirma mentir para seus familiares dizendo que está tudo bem e que está comendo tudo
direito apenas para “disfarçar”. Em agosto de 2012 decidiu que ia emagrecer, se “sentia
gorda”. Perdeu 17 kg desde então, mas não se sente bem, não se acha bonita e quer ficar mais
magra. As piadinhas sobre seu peso a perseguem desde que ela era criança. Personalidades
citadas como tipos ideais de beleza: o cantor Justin Bieber e Demi Lovato, cantora americana
que confessou sofrer de BN e faz tratamento há anos.
Ester, 13 anos, cabelos loiro natural e crespo, extremamente branca, olhos azuis. Está
no sétimo ano do ensino fundamental. Mora no bairro de Vila Isabel, zona norte da cidade do
Rio de Janeiro, com a mãe. É filha única e não conhece o pai. A mãe é parda, muito magra e
parece desnutrida. Mãe e filha são muito diferentes fisicamente e em dado momento de uma
das consultas, a mãe falou sem que lhe fosse questionado que o pai da adolescente tem
descendência alemã, é loiro, alto e de olhos azuis. A família é muito pobre. Ester diz não
sentir fome. Não gosta de almoçar porque “tem preguiça”, embora a mãe deixe seu almoço
78
pronto antes de ir trabalhar. O que mais gosta de fazer é ver animes6 na TV TOKYO7. Passou
a afirmar que está com “uma praga”. Desde então não entra mais na cozinha de casa por conta
da tal praga. Também tem dito que o quarto dela tem bichos. Que a cama “fica tomada por
lacraias que a mordem”. Faz corrida e salto em um projeto esportivo perto de sua casa.
Chegou ao PTA encaminhada pelo Hospital do Andaraí, que a encaminhou à pediatria do
ambulatório de adolescentes e de lá ela foi para o Programa. Diz que tudo começou em uma
viagem que fez em 2010 de ônibus com uma tia para o Nordeste, onde passou três meses.
Voltou ao Rio com 20 kg a menos. Resolveu mudar e voltar a comer quando viu uma menina
na sala de espera que, segundo ela “parecia uma caveira”.
Isabel, 15 anos, negra, cabelos curtos e crespos. Está cursando o primeiro ano do
ensino médio e mora em Ramos, zona da Leopoldina, na cidade do Rio de Janeiro, com os
pais e dois irmãos. Ela é a filha do meio, tem um irmão de 11 anos e o mais velho de 17 anos
tem autismo. A mãe tem lúpus e desenvolveu uma depressão. Por conta do problema de seu
irmão mais velho, quem acompanha Isabel no serviço de saúde é sempre seu pai. Quando
chegou ao Programa estava já muito debilitada e foi internada direto na enfermaria de
adolescentes. Num dado momento do tratamento, Isabel declarou que queria sair do
atendimento. Nessa época, tornou-se uma dificuldade mantê-la, pois dizia estar ótima e que
não precisava mais das consultas. Em outro momento, começou a fazer um apelo por ajuda
falando que queria se suicidar. Há uma suspeita entre a equipe de saúde e sua mãe de que ela
esteja sendo abusada sexualmente pelo pai de uma colega. Disse que não saberia escolher algo
para mudar em seu corpo, pois teria que nascer de novo. Atualmente permanece tomando
laxante, mas diz que não está mais funcionando porque seu organismo criou “anticorpos” para
isso. Personalidades citadas como tipos ideais de beleza: as atrizes Angelina Jolie e Carolina
Dickman e as cantoras Link Minage e Cristina Aguilera.
Kamila, 18 anos, parda, cabelos escuros, medianos e lisos. Mora no município de
Mesquita, na Baixada Fluminense, com seus pais e um irmão de 16 anos. Ela e a família são
evangélicos. Foi reprovada no último ano do colégio por ter faltado muito em detrimento da
6
Anime é uma animação originalmente do Japão, mas não restrita somente àquela região. A palavra anime tem
significados diferentes para os japoneses e para os ocidentais. Para os japoneses, anime é tudo o que seja
animação, seja ele estrangeiro ou nacional. Para os ocidentais, a palavra se refere aos desenhos animados vindos
do Japão (Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Anime).
7
Canal Japonês que pode ser acessado pela internet e tem todo o tipo de programação, com desenhos, filmes,
música, esportes, etc. Ester inclusive afirma acompanhar novelas japonesas e coreanas por esse canal.
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doença e disse que retomaria os estudos em meados de 2013 para cursar o terceiro ano do
ensino médio. Kamila tem comportamento bulímico e tem vomitado diariamente. É uma
jovem que refere “uma dor, um vazio...” Diz que em seu tempo livre gosta de dormir, é o que
afirma mais gostar de fazer. Desde criança a chamavam de “gordinha” e tem problemas de
relacionamento com sua mãe, pois comenta que ela não a entende. Não tem muitos amigos e
sim colegas. Afirma que o namorado a ajuda muito, cobra que ela coma direito, diz que ela
está linda. Come uma vez ao dia e sozinha em seu quarto. Bebe bastante água e masca muito
chiclete para ajudar a perder o apetite. Para ela nenhum dos tratamentos está funcionando até
agora, mas acredita que a culpa seja sua, pois depende mais dela do que da equipe de saúde.
Personalidades citadas como tipos ideais de beleza: a modelo brasileira Gisele Bundchen.
Natasha, 16 anos, branca, cabelos bem curtos pintados de preto. Ao longo do
tratamento, Natasha mudou a cor e o tamanho do cabelo algumas vezes. Está no segundo ano
do ensino médio e mora no bairro da Tijuca, zona norte da cidade do Rio de Janeiro com a
mãe, uma irmã de 30 anos e um irmão de 12 anos. Seus pais são separados e o pai mora
sozinho. Ela chegou ao PTA no meio de 2012, pesando 33 kg, e com um derrame pericárdico
devido ao seu emagrecimento extremo. O pai descobriu o Programa pela internet. Sua família
tem boas condições financeiras e embora tenha sido internada no PTA apenas uma vez, já
havia sido internada diversas vezes em hospitais privados por conta da AN. A adolescente
demonstra devoção pelo pai e sua opinião a influencia muito. Por outro lado, tanto nas
consultas observadas como na entrevista, ela fala que desde a infância sentia sua mãe ausente
e, por conta disso sempre fez de tudo para chamar sua atenção. A família (o casal de pais e
filha) costumava brigar muito e gritar pelos corredores do serviço de saúde e também nos
consultórios, evidenciando a dificuldade de administrar seus conflitos. Na entrevista, ela
afirmou já ter tentado se matar mais de 20 vezes desde os seus 12 anos. Está namorando há 7
meses e afirma que seu relacionamento é maravilhoso e que seu namorado a ajuda muito. Foi
a única que gostou da internação e achou esse período positivo, pois assim obteve o
reconhecimento de sua condição por seus pais. Personalidades citadas como tipos ideais de
beleza: a modelo britânica Twiggy e a atriz da mesma nacionalidade Audrey Hepburn.
Silvia, 16 anos, branca, cabelos crespos pintados de preto. Está no segundo ano do
ensino médio, fazendo curso técnico em mecânica. Mora no bairro de Cascadura, zona norte
da cidade do Rio de Janeiro, com a mãe, a avó e o tio. Os pais são separados e o pai mora
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sozinho. Chegou ao ambulatório de adolescentes porque seu pai buscou ajuda psiquiátrica
para ela. Apenas depois veio para o PTA. Diz que tudo começou porque sempre teve
problemas com a mãe e chegou a entrar em depressão. Parou de comer, só chorava por dias,
não conseguia sair de casa e ficou sem ir à escola. Apesar de morar com a mãe, relata que elas
brigam muito. Vive passando “uns tempos” com o pai. Na casa do pai ela diz se alimentar
melhor. Comenta que na casa da mãe come-se muita fritura e que sua mãe faz sempre bolos,
não respeitando o fato que ela tem compulsão alimentar, precisando se controlar. Culpa sua
mãe pela ansiedade que sente, a qual a leva a ter compulsões. Silvia tem também uma
devoção pelo pai. Já tentou se matar, mas o que faz com muita frequência é se cortar (automutilação), com qualquer coisa que esteja por perto, desde clips, anel, brinco, régua até gilette
e tesoura. Recentemente tem evitado se ferir porque prometeu ao pai parar de fazê-lo. Diz que
é lésbica, mas no momento está ficando com um menino e acha que está gostando dele. Suas
amigas a chamam de “lésbica encubada”, porque ela não sabe o que quer. Personalidade
citada como tipo ideal de beleza: a cantora canadense Avril Lavigne.
Tatiana, 16 anos, branca, cabelos lisos castanhos de tamanho médio e olhos verdes.
Teve um osteosarcoma (é o segundo tipo mais recorrente de câncer ósseo, sendo muito
comum em crianças e adolescentes) aos 10/11 anos e por conta disso uma de suas pernas foi
amputada. Está no segundo ano do ensino médio, e mora no Itanhangá, zona oeste da cidade
do Rio de Janeiro, com a mãe e duas irmãs mais novas (de 2 e 10 anos). Possui ainda uma
irmã mais velha de 20 anos que não mora mais com a família pois foi expulsa pela mãe por ter
orientação homossexual. Há algum tempo o pai faleceu e ela desenvolveu AN. Sua mãe
verbaliza claramente que ela atrapalha sua vida e não a visitava durante sua internação. A
maior parte do tempo, ela ficava sozinha e se queixava de solidão. Naquela ocasião, ela fazia
uso de muitos medicamentos prescritos tanto pela clínica quanto pela psiquiatria. Ela se
queixa de fortes dores fantasmas (que sente no membro amputado que não existe mais). Diz
ouvir vozes e não tem vontade de comer. Reclama do abandono da mãe, passou a buscar
constantemente a presença da residente da psicologia que a acompanha. Costuma dormir para
“se divertir” e afirma dormir quase 12 horas por dia. Personalidade citada como tipo ideal de
beleza: a atriz brasileira Grazi Massafera.
81
Vinícius, 12 anos, branco, cabelos pretos e curtos. É introspectivo e tímido a princípio.
Está no oitavo ano e mora no bairro do Tauá, Ilha do Governador, Rio de Janeiro, com a
madrinha, a prima, o namorado da prima, uma tia e a bisavó. Os pais são separados, seu pai
mora com os avós do adolescente e sua mãe mora com o atual esposo, o filho dele, a mãe do
esposo, a mãe dela e os filhos pequenos do atual casamento. Ele cresceu numa casa cheia de
adultos e idosos e dormia na mesma cama que a bisavó (hoje dorme num sofá). Acha os
alimentos nojentos. A madrinha diz que ele está se tornando um “mercenário”, que quer
dinheiro em troca de tentar se alimentar. Ela também expressa que ele só quer ir à missa se
ganhar algo em troca. Ela assinala suas barganhas, mas diz não ceder e que seus filhos nunca
fizeram isso. Vinícius afirma ter muitos amigos no colégio, mas só convive com eles na
escola. Não conhece outras pessoas da sua idade perto de casa e nem em outro lugar que não
seja o colégio. Sua madrinha não o deixa sair de casa. As únicas coisas que faz para se divertir
é ouvir músicas e ficar no computador o dia todo, mesmo nos finais de semana.
Personalidades citadas como tipos ideais de beleza: as cantoras americanas Lady Gaga e Lana
Del Rey e a cantora inglesa Marina, do grupo Marina and the Diamonds.
Yasmin, 17 anos, parda, cabelos na altura dos ombros, lisos e pintados de vermelho.
Está no segundo ano do ensino médio, mora na cidade de Nova Iguaçu, Baixada Fluminense,
com os pais e é filha única. É evangélica. É bulímica e sempre conviveu com a obesidade. Diz
ser acompanhada por médicos por conta do peso desde a infância. Afirma que seu problema
maior é a ansiedade e usar “a comida como válvula de escape”. Com o tempo, veio a
compulsão alimentar e com isso a obesidade. Para compensar, vomitava e ficava sem comer,
tinha hipoglicemia e passava mal com frequência. Mas hoje se considera mais madura para
lidar com essa questão e tenta ao máximo estipular metas possíveis no tratamento para não se
frustrar. Diz que sua mãe foi quem mais a ajudou nesse tempo todo, mas hoje em dia ela tem
deixado Yasmin se guiar por conta própria e ela até tem ido sozinha aos atendimentos. Contou
que tem tido problemas com os pais ultimamente, principalmente por conta do namorado. Diz
que estão juntos há seis meses e que ele a apoia no tratamento, mas querem casar e seus pais
não concordam. Personalidade citada como tipo ideal de beleza: a cantora americana
Beyoncé.
82
3.2 O INÍCIO DO TRANSTORNO ALIMENTAR: COMO TUDO COMEÇOU...
Os motivos para o desencadeamento de um TA ainda não estão estabelecidos, mas a
hipótese mais aceita é a da multicausalidade, em que fatores biológicos, psicológicos e
socioculturais atuariam para a gênese desses fenômenos. Mesmo assim, ainda é comum a
crença na existência de um certo “grupo de risco” (formado por adolescentes e jovens do sexo
feminino, brancas, com nível socioeconômico elevado), embora essa discussão envolva cada
vez mais divergências (DARMON, 2006; BORDO, 1993; GONZAGA; WEINBERG, 2005),
que podem ser confirmadas pelo grupo de adolescentes que encontrei em um espaço voltado
para o tratamento dos TA.
Aceitar a existência de fatores “predisponentes” significa que, em parte, a adolescente
não teria como lutar contra o desencadeamento desses TA. Da mesma forma, se
considerarmos a influência da cultura e daquilo que é socialmente valorizado como algo
inconscientemente introjetado, é difícil pensar em ações voluntárias conscientes. Nos grupos
pró-ana e pró-mia, estudados por Silva (2004) em sua dissertação, há também divergências
sobre o livre arbítrio dos sujeitos em relação aos TA.
Apesar das divergências sobre a volição dos sujeitos na trajetória da doença – se a AN
é socialmente construída como uma identidade em busca de reconhecimento social ou se há
predisposições que ultrapassam a capacidade do sujeito de reagir à doença - é fascinante como
cada uma das histórias das entrevistadas é singular. Embora, muitas vezes, os indivíduos com
TA possam ser todos tomados por um grupo homogêneo, com questões pré-definidas e bem
delineadas, suas motivações para se abster dos alimentos são extremamente distintas. Pode ser
algo aparentemente simples, como uma dor de estômago que levou Ana Laura a parar de
comer e ficar sem forças sequer para andar, necessitando de cadeira de rodas. Há comentários
maldosos sobre o excesso de peso recebidos, muitas vezes, ainda na infância ou início da
adolescência, ditos por familiares e amigos, como no caso de Bruna, Yasmin e Kamila. Há
também “uma dor”, “um vazio”, “uma depressão”, que pode ter tido início com uma briga
com a mãe, como no caso de Silvia, ou um sentimento de ausência materna que sempre
existiu, como na história de Natasha, ou mesmo a adolescente afirmar que sempre foi “triste”,
sem conseguir nomear o motivo, como Isabel e Kamila.
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Alice é um exemplo emblemático do que poderia ser chamado de influência da mídia
no desenvolvimento dos TA. Afirma ter desejado emagrecer após se tornar “muito fã mesmo”
de uma atriz e cantora mexicana, integrante da novela voltada ao público jovem, que ficou
mundialmente famosa, chamada “Rebeldes”, exibida e atualmente sendo reexibida pelo canal
SBT. A atriz em questão assumiu publicamente lutar há anos contra a AN, revelando o
sofrimento envolvido nesse processo. Mesmo assim, é comum que ela sirva de “inspiração”
para adolescentes em busca do “corpo perfeito”, sua imagem é amplamente disseminada em
sites e blogs pró-anorexia.
Eu queria ficar com um corpo igual o dela... Eu achava o corpo dela lindo e queria ficar com um corpo
igual o dela, aí eu comecei a restringir coisas, comer bem pouco e depois eu parei de comer. (Alice, 15 anos)
Por meio da aquisição do corpo desejado, construímos também a nossa identidade,
assim, a aparência e a essência se confundem, como revela o desejo de Alice, que visual e
fisicamente em nada parecia à atriz que tanto desejava imitar. Para a adolescente, transformar,
remodelar e cuidar de seu corpo passou a ser um dos espaços mais importantes de realização
pessoal (GIDDENS, 2002) e para isso dedicava grande parte de sua vida. Além de um
consumo abusivo de laxantes, das cerca de sete vezes em que se pesava por dia na farmácia
perto de sua casa e da única refeição que fazia por dia, ela ainda se exercitava por 3 ou 4 horas
diariamente, restando pouco espaço em seu dia para qualquer outra atividade.
Ester revela em narrativa com algumas incertezas o seu emagrecimento inicial. Afirma
ter viajado por três meses com uma tia para conhecer a família no Nordeste e nessa viagem,
teve dificuldade para se alimentar nos locais onde o ônibus parava, achava as comidas
“pesadas”. Em casa de seus parentes, não foi diferente, considerou a comida “forte”. Diz que
comia, enjoava e vomitava, mesmo sem querer. Mas começou a colocar o dedo na garganta
para vomitar “tudo de uma vez” e com isso retornou ao Rio de Janeiro 20 quilos mais magra.
Viu um programa sobre modelos na televisão e se identificou.
Depois daquilo [da viagem para o Nordeste] aí eu vi que eu tava emagrecendo, aí eu
vi um negócio [um programa no canal Record sobre a vida das modelos], aí eu achei
aquilo, alguma coisa bonita. Agora eu não acho mais! Você achou bonito o que?
Emagrecer?: (Respondeu afirmativamente com a cabeça) E aí você começou a
forçar o vômito pra emagrecer?: (Respondeu afirmativamente com a cabeça).
(Ester, 13 anos)
Na época da entrevista, Ester contou que já havia recuperado o peso perdido e que não
desejava mais emagrecer, pois viu uma das adolescentes do PTA na sala de espera e achou
que ela parecia “uma caveira”, achou “horrível” tal fisionomia, decidiu voltar a comer. Não
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sei de que adolescente ela falava mas, pouco tempo depois da entrevista, soube pela psicóloga
que ela havia parado de comer novamente. A mãe de Ester era empregada doméstica, antes de
ir para o trabalho deixava a refeição da filha arrumada, apenas para ela esquentar e comer
quando voltasse do colégio, mas a adolescente dizia “ter preguiça” e ficava o dia todo sem se
alimentar.
A história de Vinícius também começou em uma viagem, quando ele tinha apenas três
anos, segundo o que contam a ele. Sua madrinha, quem o cria no momento, também contou a
mesma história na consulta. Nessa viagem, uma amiga da mãe levou as filhas gêmeas e as
crianças não comiam quase nada. Vinícius passou a imitá-las e não consegue se alimentar
“direito” desde então. A história revela episódios difusos e o adolescente parece não aguentar
mais falar sobre ela:
Já me disseram que isso começou depois de uma viagem pra Marataízes [Espírito Santo] quando eu
tinha três anos... E eu não lembro de nada, não lembro nem da viagem. Eu tinha três anos! (Vinícius, 12 anos)
O caso de Vinícius se enquadra em uma condição conhecida como TANE (transtorno
alimentar não especificado), não se trata de AN, muito menos de BN. O adolescente tem
baixo peso e estatura para a idade, come apenas quatro tipos de alimentos no almoço e no
jantar todos os dias (arroz branco, inhame e a proteína é sempre processada, variando entre
Nuggets e hambúrguer). Não come frutas, nem verduras, de legume apenas o inhame. Não
consegue beber água, apenas se colocar açúcar, pois afirma que a água tem gosto amargo.
Toddynho®, iogurte e refrigerante são ingeridos em excesso ao longo do dia. Afirma ter nojo
dos alimentos e não gosta do sabor de fritura. Diz já ter se esforçado muitas vezes para comer,
e vomitou sempre que tentou algo novo. Que já o deixaram um dia inteiro sem sua comida
habitual para que ele experimentasse o que estavam oferecendo e, mesmo assim passou o dia
inteiro sem comer e sem beber nada.
Bruna, assim como outro adolescente homem que conheci no Programa, mas não o
entrevistei, contaram como os comentários das pessoas próximas podem ser decisivos para o
desencadeamento do TA. O adolescente a que me refiro, parou de comer depois de ter
ganhado uma bermuda no natal e o presente ter ficado apertado, o que gerou comentários de
alguns familiares de que ele estava “gordinho”. Para Bruna, os comentários a acompanhavam
desde a infância:
Antes, eu era muito mais gorda do que eu sou agora. Muito gordinha mesmo, eu era
igual a um botijão de gás, e na minha escola sempre ficavam me zuando, falando
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que eu tava gordinha. Até as pessoas da minha família ficavam falando que eu tava
gorda. E eu não gostava, eu ficava chateada com isso... Até que um dia eu coloquei
na minha cabeça que ninguém mais ia falar isso de mim, que eu ia mudar e aí as
pessoas iam parar de falar. Aí eu comecei a fazer umas coisas erradas. Eu não
comia, quando eu comia, eu fazia vômito. Erhhh... Pra não engordar! (Bruna, 12
anos)
Essa falta de sensibilidade/cuidado, aliada às “brincadeiras” feitas por pessoas
próximas em relação ao peso e a forma corporal, foram citadas algumas vezes ao longo do
trabalho de campo e podem ser a primeira “fonte de sofrimento”, anterior ainda ao
desenvolvimento do TA (MARINI, 2013). Isabel afirma que certa vez no parque da praça
perto de sua casa, o balanço arrebentou enquanto ela estava usando e seus amigos e amigas
começaram a chamá-la de “elefante”. Obviamente, o balanço da pracinha devia estar sem
manutenção há anos e se não fosse com ela, teria arrebentado com qualquer outra criança ou
adolescente que o estivesse usando, mas ela conta como ficou magoada com essa situação.
Ela narra que o início de seu processo de adoecimento foi com uma depressão:
Ah, foi quando eu fiquei muito triste, eu fiquei com depressão. Aí eu olhei no
espelho e falei: ‘Caraca, eu to uma bola, tenho que emagrecer!’ Aí eu perdi o
controle, né?! Eu comecei a ficar sem comer, eu cheguei a ficar até cinco dias sem
comer, só bebendo água... E você não sentia fome?: Sentia mas eu controlava e isso
assim virou costume. Às vezes assim, eu pegava, chegava da escola e não comia
nada porque já estava acostumada. Aquilo de fazer e eu nem me ligava. E aquilo ali
eu fui perdendo peso aí cheguei nos... 30 quilos. (Isabel, 15 anos)
Kamila também foi alvo de comentários sobre seu peso e seu corpo, e diz que sempre
deu muito valor à opinião dos outros, por isso esses comentários a magoaram tanto. Mas há
outras questões em sua compreensão sobre o desencadeamento de seu sofrimento:
Mas acho que foram várias coisinhas sabe? Tipo, desde pequena me chamavam de...
Falavam que eu era gordinha, sabe? Eu sempre me importei muito com o que as
pessoas diziam, dizem... Meus pais também brigavam muito... Acho que essas
coisinhas levaram a isso!/ Quando você era criança você se achava gordinha?:
Não, eu era normal, mas eu ficava chateada com isso, eu não gostava/ Como é que
foi o início?: Eu comecei a vomitar primeiro... E eu tomava (risos)... Vinagre pra
vomitar. Qualquer horário do dia. (Kamila, 18 anos)
Aquelas que foram “gordinhas” durante a infância e início da adolescência
permanecem carregando consigo o estigma (Goffman, 1988) moral da gordura mesmo quando
esta não existe mais. A gordura assume a marca distintiva de uma falha de caráter, que é
visível em qualquer lugar que se vá e o emagrecimento não liberta as adolescentes desse
fantasma que se torna uma característica considerada intrínseca à personalidade (Silva, 2011).
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Lupton (1996) aponta para uma resignificação dos corpos nas sociedades ocidentais,
onde de um lado estaria o corpo "civilizado", aquele que é auto-contido, disciplinado e está
em conformidade com as normas dominantes de comportamento e aparência. Em oposição
estaria o corpo "grotesco" que é incontido, indisciplinado e menos controlado por noções de
decoro e boas maneiras. A distinção entre esses corpos privilegia a concretização de uma
exibição externa, e está diretamente ligada à aparência. De acordo com a autora: “A ênfase
atual sobre o auto-conhecimento e o auto-controle é um resultado da sensibilidade moderna
para maneiras e formas de comportamento na esfera social” (LUPTON, 1996, p.19). A ideia
de estar fora dos padrões corporais socialmente desejados em uma fase da vida em que a
aceitação dos pares é central, torna-se inaceitável, ainda que não se esteja acima do peso de
acordo com os padrões de avaliação biomédicos. É a avaliação social que ganha relevância.
A mãe de uma adolescente de quinze anos que não chegou a aderir ao
acompanhamento no PTA contou logo na primeira consulta que a filha parou de comer após a
avó materna afirmar que ela estava bonita e magra, e que deveria tentar a carreira de modelo.
Nesse caso, não houve crítica ou comentário negativo, mas o incentivo da avó para uma
possível carreira levou a adolescente a se comparar com as modelos que via na televisão, o
que a fez crer que estava “gorda”, necessitando perder alguns quilos para se adequar ao
padrão do mercado da moda. A mãe conta inclusive que negociou com a filha sua inscrição
em um curso de modelo, caso ela voltasse a se alimentar, mas a proposta não surtiu efeito.
O exemplo dessa adolescente, embora houvesse a intenção de ingressar na carreira de
modelo, ainda não parecia ser algo grave. Ela era muito alta para a idade, o que reforçava sua
magreza e, além disso, sua dieta era extremamente restrita, mas nada diferente da alimentação
de muitos adolescentes de sua idade, que ao saírem da infância e experimentarem um pouco
de liberdade para escolher aquilo que desejam comer, optam por cortar de suas refeições todo
o tipo de frutas, legumes e verduras, que comiam anteriormente “obrigados” pelos pais. A
predileção dos adolescentes por fast-foods e a rejeição ainda que temporária de alimentos
saudáveis parece ser usual. Mesmo entre adolescentes gravemente adoecidas pela AN, por
vezes a única refeição que fazem ao dia para depois vomitar é um alimento extremamente
calórico, como o açaí com coxinha para Alice, o brigadeiro (com uma lata de leite condensado
inteira) semanal de Bruna e o hambúrguer na barraquinha da esquina de casa de Isabel.
Controlar a ingestão de alimentos envolve força de vontade sobre o corpo, a mente e
as emoções, que se torna extrema no caso de pessoas diagnosticadas com transtornos
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alimentares. No entanto, esse auto-controle é uma característica da relação da maioria das
pessoas com os alimentos, em maior ou menor grau. Entre os adolescentes, na maioria dos
casos, com o tempo, o paladar tende a se ajustar e encontra-se um meio termo. No caso da
adolescente citada, como ela não mais compareceu ao serviço de saúde, não sabemos se
houve evolução para um TA ou não.
As questões familiares também estão presentes na história de Natasha, que afirma ser
muito exigente consigo mesma desde a infância, buscando a perfeição para conseguir o amor
e a atenção de sua mãe. Contudo, o emagrecimento, a princípio, não trouxe a atenção
desejada, mas despertou outros sentimentos. A adolescente conta que sempre lutou com o
peso, entre o excesso de peso, fruto dos constantes episódios de compulsão alimentar, e a
normalidade, quando conseguia fazer dieta e voltar ao peso habitual. Mas perder peso tornouse mais uma de suas obsessões, despertando o prazer e a satisfação. Assim, as questões com a
mãe tornaram-se secundárias. Natasha, mais do que qualquer outra adolescente entrevistada,
explicita como faz uso de seu corpo como um instrumento (MAUSS, 1974), utilizando-o desde
muito cedo para lidar com tristezas, ansiedades e frustrações:
Eu tenho uma mania de... lidar com as minhas tristezas no corpo, eu coloco tudo no
corpo. E com 11 anos eu comecei a comer compulsivamente. E no final dos 11 pros
12 eu comecei a querer emagrecer, só que eu não levava muito a sério... Emagrecia
um pouco, engordava um pouquinho... Mas eu nunca fui gorda não, sempre fui o
meu normal, mas sempre queria ser mais magra. Eu sempre tive uma... exigência
muito forte com o corpo. Desde pequena eu sempre quis ser perfeita, digamos assim,
em todos os sentidos, em escola, com notas... Com tudo! E aí com uns 13, 14 anos
eu comecei a querer parar de comer, a fazer dieta, a caminhar... Depois que eu
comecei a caminhar eu tinha momentos de compulsão, de vômito, mas eu... Comia.
Aí teve uma época que eu comia, mas eu caminhava daí então eu mantinha. E depois
eu parei de comer e caminhei até não aguentar mais caminhar... Nesse vai não vai eu
comecei a perder peso, emagreci muito, muito, muito, em um ano eu perdi mais de
20 quilos, menos de 1 ano na verdade, uns 6 meses. E nisso, eu já tava no peso
normal então eu já..., eu fiquei com 33 quilos, sei lá e foi com muita dificuldade por
que... Por que... Meus pais não levavam muito a sério porque é uma coisa difícil de
entender mesmo. (Natasha, 16 anos)
Uma forte exigência pessoal também está presente no relato de Yasmin, que lida com
o excesso de peso desde a infância, evoluiu para episódios de compulsão alimentar e depois
bulimia:
Antes eu sempre fui compulsiva, ansiosa ao extremo! Desde criança eu tinha a
comida assim... Como uma válvula de escape, sabe? (risos) Uma terapia alimentar...
Que não deu certo, de forma nenhuma! Assim, eu sempre gostei de comer, eu gosto
até hoje! Só que antes eu não tinha maturidade suficiente pra... ‘ah, eu to gorda, eu
tenho que fechar a boca, senão eu vou... Me estragar toda!’ Foi o que aconteceu, eu
precisei estragar o meu corpo, ficar com estria, excesso de gordura localizada...
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Celulite eu não tenho muito não! Minha genética, em relação a isso, graças a Deus é
boa... Mas as estrias (risos) em compensação!... (Yasmin, 17 anos)
Yasmin avalia seu corpo como “estragado”, e hoje, afirma estar mais madura para
buscar reaver o corpo desgastado após anos com tentativas frustradas de emagrecimento,
seguidas de recaídas com períodos de ganho excessivo de peso. Seus relatos datam desde os
seus sete anos de idade e hoje com quase 18 anos, consegue avaliar sua evolução nessa “luta”.
Houve momentos em que desistiu, quis viver uma vida sem consultas médicas, mas diz que
seu corpo sofreu as consequências dessa decisão. Yasmin permanece com sobrepeso, mas
afirma ter parado de vomitar e, sempre que tem compulsão alimentar consegue chegar ao
serviço de saúde e falar sobre isso. Antes, geralmente mentia sobre o assunto.
Silvia não relaciona o início de seu adoecimento com o TA, mas sim com a depressão
e os problemas com a mãe. É extremamente articulada para falar e seus relatos são recheados
de detalhes e datas. Ela faz questão de datar quase todos os acontecimentos que narra:
Quando eu tinha 13 anos eu fiquei um ano sem ver a minha mãe e... Eu sempre,
sempre tive problema com a minha mãe, desde pequena. Nesse um ano, eu fui
procurar a minha mãe, porque ela não veio atrás... Eu passei 2009 todo morando
com meu pai, aí em 2010 eu lembro até a data, por que assim, marcou muito, eu não
consegui esquecer. Dia 02 de março, foi uma terça-feira e eu ia ter prova no inglês.
No dia 05, o professor de inglês me deu uma bronca do nada e, sabe quando você
tenta ler uma coisa e você não consegue entender? Aí eu fiquei sem entender nada e
eu comecei a chorar. Fiquei chorando, chorando e fui pra casa chorando e sozinha.
Meu pai tava trabalhando e, eu pensei que tinha fechado a porta de casa, eu não
fechei. Eu só fiquei chorando, eu não conseguia fazer nada. E eu fui perdendo peso,
eu acho que eu tava pesando 42 ou 44... E você tem uma ideia de por que você
ficou assim?: ... (pausa longa) Eu acho que também pelo problema de
relacionamento com a minha mãe. Isso influenciou muito, agora, ideia, ideia mesmo
eu não tenho. E, eu cheguei, porque eu vi que eu tava precisando e, eu não queria ir
pra escola, eu não queria fazer nada. Eu só queria ficar em casa chorando e, nessa
época que eu ainda não tinha atendimento, eu virava a noite (chorando)! (Silvia, 16
anos)
Tatiana declara claramente que parou de comer porque se achava gorda, foi a mais
direta em sua explicação. Mas conta os momentos que foram emblemáticos para a percepção
de que algo havia fugido do controle:
Se considerou doente em algum momento desde que você começou a
emagrecer?: Uma vez sim… O que aconteceu nesse dia?: Foi um dia que todo
mundo comeu pizza, menos eu… (ficou com a voz triste ao falar sobre isso). A
gente saiu pra Parmê [pizzaria] e todo mundo comeu pizza, menos eu porque eu não
queria engordar... Também teve uma vez que eu não quis comer bala... E eu gosto
muito, mas não queria engordar… (Tatiana, 16 anos)
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A residente da psicologia por quem Tatiana se afeiçoou, explicou que sempre há algo
que funciona como desencadeamento do problema. Para ela, no caso dessa adolescente,
quatro perdas importantes contribuíram para o início da AN, embora Tatiana não as relacione
diretamente à doença. Ela perdeu uma perna aos 11 anos de idade em decorrência de um
câncer em 2007, perdeu o pai também com câncer há menos de um ano, “perdeu” a irmã mais
velha e melhor amiga que no dia do velório do pai foi expulsa de casa pela mãe por ter
orientação homossexual e foi morar com a companheira. E ainda “perdeu” a própria mãe que
entrou em depressão, por ter que sustentar a casa sozinha, viúva, com três filhas ainda
dependentes dela (Tatiana tem duas irmãs mais novas, uma de dez anos e outra de apenas dois
anos). Sua mãe dizia inclusive que Tatiana “atrapalhava” sua vida.
Mesmo sendo tão nova, a adolescente passou por muito sofrimento e a dedicação à
restrição alimentar e à perda de peso a ajudavam a não pensar nos eventos tristes de sua vida.
Quando não estava estudando ou buscando maneiras de emagrecer, Tatiana estava dormindo.
Quando questionada o que costumava fazer para se divertir, ela respondeu “dormir”. Para ela,
uma adolescente de 16 anos, dormir era o que fazia de mais divertido. Em seu cotidiano
emagrecer representa uma conquista, em meio a tantos dissabores que a realidade lhe
apresenta. Seu esforço para silenciar o grande incômodo que é a fome representa um ato
heroico, como afirma Santos (2008, p.169), nessa batalha que é travada no próprio corpo.
Esse esforço para se manter o máximo de tempo com o “estômago vazio” é possível por meio
do sono. Passar grande parte do dia dormindo é uma estratégia relatada por algumas
adolescentes, que além de salientarem a falta de interesse em outras atividades que as
mantenham acordadas, fazem do sono um artifício para seguirem com o emagrecimento.
Como já destacado, os comentários públicos sobre a forma e o peso corporais podem
servir como “incentivo” para o início de dietas restritivas, exercícios extenuantes, uso de
laxantes e diuréticos e do vômito como tentativa de emagrecimento. Não se trata de atribuir
responsabilidade ou culpa aos familiares e amigos, mas sim entender aquilo que as
adolescentes nomeiam como o início da insatisfação com o peso e a forma corporal. Também
não se pode demonizar a mídia pela divulgação de dietas e práticas alimentares que podem ser
usados de forma radical, mas de pensar sobre como há uma valorização exacerbada da
magreza a qual é relacionada com satisfação pessoal e felicidade em oposição à lipofobia
(FISCHLER, 1995) nas sociedades contemporâneas. Fenômeno para o qual a mídia corrobora
(MARINI, 2013).
90
Nem sempre o desejo de emagrecer e a vontade de ter um corpo magro e esguio estão
entre as razões para que elas estejam em acompanhamento no PTA. Isso não parece estar
claro para elas, que nem sempre conseguem explicar ou entender porque estão naquele
serviço de saúde, além do fato de que foram levadas por seus responsáveis. Alguns elementos
inerentes à fase de vida em que se encontram, tais como conflitos familiares com os pais,
perdas afetivas, busca do amor dos pais, da aceitação no grupo de pares, críticas sociais sobre
o peso, circulação na família 8 (FONSECA, 2006), dentre outros, podem gerar muito
sofrimento ao longo da infância e adolescência. Tais eventos terminam por se associar a
praticas alimentares e hábitos de vida (caminhar, dançar e malhar em excesso) que
comprometem a saúde destas adolescentes, sem que elas tenham a dimensão de toda
complexidade desse processo. Mesmo estando em um serviço de saúde e em tratamento para
TA, com a consequente medicalização de seus comportamentos e a comunicação de um
diagnóstico, a nomeação de uma patologia reconhecida no campo biomédico, essas etapas não
são apreendidas de modo automático, e pode levar algum tempo até que elas tenham a
dimensão sobre o que representa seu adoecimento, mesmo que não concordem com a
concepção fornecida. Assim, algumas entrevistas poderiam ter acontecido perfeitamente sem
que as palavras AN, BN ou mesmo TA fossem por elas citadas.
3.3 O PERCURSO NA BUSCA DE TRATAMENTO ATÉ O PROGRAMA DE
TRANSTORNOS ALIMENTARES
Buscar resgatar o percurso trilhado pela adolescente e sua família até o PTA, por meio
das entrevistas, não foi uma tarefa fácil e, em alguns casos, frustrante, embora tal dificuldade
tenha evidenciado um traço recorrente na relação entre adultos e adolescentes. O não
reconhecimento de sua condição de sujeito capaz de discernir a respeito da própria vida fez
com que essas adolescentes tenham sido levadas pelos familiares de um lugar ao outro sem
que lhes fossem dadas maiores informações ou esclarecimentos. Por outro lado, por não se
tratar de uma demanda pessoal, tendo em vista que elas não se consideravam doentes (elas
não haviam explicitado que queriam ajuda), embora diga respeito a sua vida, seu corpo e sua
8
Vinícius ainda na infância foi doado pela mãe a outra família, mas sua mãe adotiva veio a falecer e ele foi
repassado a uma tia da família de sua mãe. Essa pessoa ainda o entregou para a madrinha, com quem Vinícius
vive até hoje. No entanto, o adolescente destaca que nunca perdeu contato com seus pais biológicos e é comum
passar com eles os finais de semana. Ora com a nova família de sua mãe, ora com seu pai e seus avós paternos.
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saúde, a adolescente não reteve o trajeto percorrido à sua revelia, porque muitas vezes nem
desejava estar no PTA, ou em qualquer outro serviço onde tenha passado anteriormente.
A chegada ao Programa geralmente ocorre na companhia da mãe, embora durante os
atendimentos seguintes Isabel e Alice estivessem sempre com o pai. Silvia, além da mãe e do
pai, que se revezavam, às vezes ia acompanhada pela avó materna. Natasha quase sempre
contava com a presença do pai e da mãe. Vinícius sempre ia com a madrinha, quem cuida dele
e com quem ele mora. Yasmin era a única que ia sozinha, pois dizia que seus pais já haviamna acompanhado muito e agora era a hora dela “caminhar com as próprias pernas”.
Por não serem as protagonistas dessa busca por atendimento em saúde, os caminhos
percorridos até o SSA nesta universidade pública revelou-se com lacunas e situações
desconexas. É o caso de Ana Laura, que antes de chegar ao PTA, recorria durante a
madrugada, quando estava com muita dor de estômago ou fraqueza, à emergência do posto de
saúde perto de sua casa, onde recebia soro. Ao tentar explicar sua chegada, sente-se confusa:
“É porque eu comecei a... Ficar emagrecendo, parar de comer, aí a minha mãe conhece uma moça que
trabalha com um negócio que... Que... Que tinha alguma coisa aqui, que ela conhece aqui... Aí ela só me indicou
aqui aí ela (a mãe) me trouxe pra cá.” (Ana Laura, 14 anos)
Comumente, diziam não saber o que aconteceu anteriormente àquele serviço, assim
como não saber por que estavam em atendimento naquele local, talvez por não se sentirem
implicadas nessa busca por ajuda, pois não se tratava de uma demanda pessoal. Vinícius diz
estar lá porque o levaram, sem saber explicar a respeito:
Não sei (como chegou ao PTA)... Mas você passou por outros atendimentos
antes?: É, eu.... Vou numa psicóloga. Há quanto tempo?: Não sei dizer ao certo.
Desde que eu vou na psicóloga deve ter uns 5 anos... Você sabe se foi ela que te
encaminhou pra cá?: Não sei… Porque você começou o atendimento com essa
psicóloga?: Também ninguém me disse... Levaram e você foi?: É... Aqui a mesma
coisa! (Vinícius, 12 anos)
Na adolescência atravessa-se um período de busca de autonomia, onde é comum se
questionar a autoridade, seja médica ou familiar, ignorando as limitações impostas por seu
problema de saúde. Esta postura pode levar a atitudes de negação da doença e não adesão ao
tratamento (GROSSMAN et al, 2008), o que já são características comuns aos portadores de
AN. Durante a adolescência a imagem corporal é extremamente importante, se houver o
entendimento por parte da adolescente de que o tratamento ou os medicamentos utilizados
podem levá-las a uma imagem corporal insatisfatória, é muito difícil que se consiga a
92
aderência à proposta terapêutica com consequente retardo do tratamento e possível
agravamento da doença (GROSSMAN et al, 2008).
No caso de Vinícius, como não é consultado ou envolvido nas decisões sobre seu
tratamento de saúde, o adolescente também não se sente estimulado a seguir as
recomendações dos profissionais que o atendem. Entra nas consultas, assenta na cadeira, ouve
o que lhe dizem, responde o que lhe perguntam e depois vai pra casa, sem que aquele contato
tenha alterado sua relação com a sua rotina diária. Parece ser uma estratégia (adotada não
apenas por ele, mas partilhada com outras entrevistadas) desenvolvida para não entrar em
conflito com os pais ou responsáveis e com a equipe de saúde. Ao invés de resistir, se recusar
a ir às consultas ou algo nesse sentido, ele não discute, apenas deixa-se levar sem se implicar
com o tratamento.
No caso de Silvia, embora não tenha sido uma decisão sua buscar ajuda, afirma ter
aceitado de bom grado quando o pai sugeriu que ela fosse acompanhada por uma psiquiatra,
que a ajudaria com as questões mal resolvidas com a mãe. Nesse caso, o TA não foi o motivo
alegado para a busca por atendimento e sim sua depressão. A adolescente começou a ser
atendida pela psiquiatra do Serviço de Adolescentes, que também atuava no PTA e, depois de
algum tempo, quando desenvolveu o TA, passou a ser atendida pelos profissionais de saúde
do Programa:
“E meu pai vendo que eu ficava acordada virando noite ele procurou atendimento e procurou uma
psiquiatra, ele falou com a médica (psiquiatra do PTA) e eu, vendo que estava precisando, eu aceitei na hora.”
(Silvia, 16 anos)
Quem também chegou ao PTA por intermédio da busca do pai foi Natasha que, em
razão do TA já havia sido internada em clínicas privadas, recebia acompanhamento
psicológico, mas afirma que começou a melhorar no Programa, e sempre se mostrou
colaborativa nas consultas, pois afirmava querer melhorar:
No período que eu viajei (para visitar a família do pai em Buenos Aires), meu pai
aproveitou pra procurar um lugar e aqui não tinha vaga... Você não viajou com
ele?: Fui com meu irmão. E aí meu pai conversou... Chamou a minha mãe... Meu tio
lá de Buenos Aires falou com a minha mãe que o caso era sério, que se ela não
colaborasse... Que ela não podia fechar os olhos. Porque a minha mãe sempre foi
muito desleixada. Ela nunca foi muito perceptiva. E aí nesse período, o meu pai
solicitou à psicóloga do PTA, , implorou, mostrou o meu caso, insistiu e... Acabou
cedendo a vaga pra cá... E... Eu sempre tive uma coisa desde o início que era querer
muito melhorar. Eu sempre quis muito, muito, muito... Muito! Tanto é que, em
Buenos Aires, eu comia só uma vez por dia e comecei a comer quatro de novo! Pra
mim era um absurdo de muito, mas eu pensava ‘não posso fazer nada, tenho que
comer’... Você sabe como seu pai chegou aqui até o serviço?: Sei... Cara, deixa eu
93
lembrar... Meu pai pesquisou lugares aqui no Rio, provavelmente na internet.
(Natasha, 16 anos)
A mãe de Tatiana também descobriu o PTA pela internet, mas usou de um recurso
disponível para não correr o risco de ter o atendimento à filha negado por ausência de vagas:
Foi encaminhamento do INCA. Tive câncer, em 2007. Aí você veio direto pra cá?:
Não, eu só vim esse ano. Então sua mãe voltou a procurar o INCA esse ano, aí te
mandaram pra cá?: Isso. Porque sua mãe foi procurar o INCA?: Porque eu tava
muito magra… (...) É que ela queria um encaminhamento pra anorexia. Ela já sabia
que tinha esse serviço?: Aham! Como ela descobriu?: Internet... (...) Informaram
pra ela que com o encaminhamento era mais fácil... (Tatiana, 16 anos)
Em razão da não prevalência do direito universal de atenção à saúde, os responsáveis
acabam por encontrar estratégias alternativas e acionar a rede de contatos pessoais com outros
profissionais de saúde e solicitação de encaminhamentos, buscando cumprir requisitos que
garantissem a vaga e provável acolhimento dos filhos no serviço de saúde.
Além de Tatiana, muitas outras chegaram também por encaminhamentos de outros
serviços de saúde, como Ester e Isabel. No caso de Ester, o início da busca por atendimento
partiu de sua mãe:
Eu fui mandada do [hospital] Andaraí pra cá. Porque eu tava passando mal. Aí eles
disseram que não era com eles e me mandaram aqui pra... Pra aquela coisa de
criança (pediatria do Serviço de Adolescentes). Aí daquela coisa de criança eu vim
pra cá. Mas porque você começou a ir pro [hospital] Andaraí?: Não, era por
causa de, coisa de enjoo... Só que aí eles (profissionais de saúde do Hospital do
Andaraí) falaram, que era alguma coisa de... Bulimia, um negócio assim. Por que eu
tava muito magrinha. E você estava enjoando com o que?: Não... Oh, é que eu
tava, muito magrinha. Isso aqui meu (pulso) tava bem, bem... Fininho. Tudo que eu
comia, eu jogava pra fora. Eu não aguentava no meu estômago. Foi sua mãe que
procurou atendimento ou foi alguém do colégio que falou?: Foi minha mãe!
(Ester, 13 anos)
Já com Isabel, foi uma professora das aulas de circo que ela frequentava quem
primeiro identificou que havia algo errado e recomendou que os pais da adolescente
buscassem ajuda:
É que eu, que eu cheguei até aqui adoentada, magrinha aí eles... Eu tava mais
magrinha, muito magrinha... Aí eles me encaminharam pra internação, aí depois
quando eu saí de lá da enfermaria, aí eu comecei a fazer tratamento aqui no
ambulatório. (...) Ah, [antes] eu tava sendo atendida num postinho perto da minha
casa. (...) Eu fazia circo, numa ONG, é no Afroreggae, aí quando eu fiquei
adoentada eles procuraram um hospital, eu primeiro fui até no Hospital Geral de
Bonsucesso, aí lá não tinha vaga, aí fiquei no postinho... Aí depooois (com ênfase),
eu recebi um papel pra vir pra cá, um encaminhamento. (Isabel, 15 anos)
94
Esse encaminhamento pode vir também de um único profissional de saúde que estava
acompanhando a adolescente, como ocorreu com Alice e Kamila. Com Alice, o percurso que
se iniciou com uma busca da mãe, contou com alguns profissionais e sucessivos
encaminhamentos até chegar ao PTA:
Ah, eu não sei... É por que a minha mãe, ela me levou num outro médico aí, aí ela...
Ai, (risos sem graça) não sei... A minha mãe queria saber o que eu tinha... Aí esse
médico mandou minha mãe pra cá. Não... É... Primeiro minha mãe me levou num
gastro, aí lá ele falou que tinha anorexia nervosa. Aí depois ela me levou num outro,
aí ele falou umas outras coisas lá, e ele quis se consultar comigo depois, mas... Ele
tinha botado um, ele tinha me mandado tomar um remédio, sendo que não podia, no
caso, tinha que ser um psiquiatra pra passar... Depois eu fui num outro que me
encaminhou pra cá... (Alice, 15 anos)
A adolescente não sabe nomear as especialidades dos médicos pelos quais passou, nem
mesmo porque ela, ou no caso, a mãe, decidiu parar sua busca e seguir o tratamento no PTA.
Kamila chegou ao PTA com o encaminhamento de uma psicóloga que já a
acompanhava há anos, mas que, segundo a adolescente não estava funcionando mais:
Ah eu, antes de vir pra cá eu me tratava com uma psicóloga amiga do meu pai. Aí, depois eu vim pra cá,
ela me deu encaminhamento, (porque) minha mãe descobriu aqui, aí me trouxe... (Kamila, 18 anos)
Bruna também passou pelo hospital de sua cidade, mas foi o conhecimento de uma
pessoa da família que a levou ao PTA. A adolescente se esforça para tentar reconstruir os
eventos que antecederam sua chegada ao Programa:
Eu tava passando por... Um distúrbio alimentar... E aí eu, tive que parar no hospital.
Aí minha mãe nem desconfiava... Minha mãe já sabia o que estava acontecendo
comigo, só que ela não sabia que era tão grave. Aí eu tinha até brigado com a minha
mãe nesse dia, eu tava reclamando que eu tava com muita dor nesse dia, aí ela tava
achando que era mentira minha. Mas como a gente tinha brigado, pra não ficar com
a consciência pesada ela disse, ‘então vamos lá no hospital’. Aí quando chegou no
hospital eu não lembro, eu tava na sala de espera, aí quando eu acordei eu já tava na
cama cheia de... Eu não sei, tava na sala de espera. Aí depois a minha mãe... Aí me
deram um troço pra dormir... Sei lá, uma injeção eu acho. É porque eu tinha passado
mal, aí lá eles falaram que tava com uma infecção, num negócio lá que eu não sei o
que é e que todos os meus índices estavam baixíssimos... Minha tia conhece uma
moça que trabalha aqui, aí ela conseguiu uma vaga pra eu ser atendida. Porque aí
todo mundo da família já sabia o que tava acontecendo... (Bruna, 12 anos)
Yasmin, por todo o seu histórico com a questão de seu peso corporal e também por ser
um pouco mais velha, foi a que melhor conseguiu resgatar o caminho percorrido:
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Oh, desde que eu me entendo por gente eu sou acompanhada por médico por conta
dessa questão do peso. Primeiro foi na Santa Casa de Misericórdia, eu fiquei um
tempão lá com uma equipe. Eu era novinha, devia ter uns 7 ou 8 anos... Ou até antes,
eu era bem novinha! Isso é mesmo desde que eu me entendo por gente... Aí depois
eu quis chutar o balde, porque eu sempre fazia... E lá é um centro universitário, é
cheio de estudante e eu... Fiquei saturada da exposição! Porque eu entrava numa
sala, tinha que ficar pelada, todo mundo olhava minha periquita: ‘ah, vamos contar
os pelinhos dela?’ Era muito constrangedor, aí eu quis parar com isso! (risos). Aí eu
saí de lá e fiquei assim, com endocrinologistas e nutricionistas particulares, pelo
plano de saúde. Fui a várias, com diversas especializações, diversos métodos e etc e
tal... Até que eu fui na doutora que coordena... Não sei se ela ainda coordena aqui...
Aí ela foi e me indicou pra cá! Aí eu comecei e to aqui até agora! (risos). (Yasmin,
17 anos)
A exposição da qual Yasmin se queixa, também estava presente entre as adolescentes
do PTA. Eu mesma me sentia constrangida em presenciar os exames físicos das consultas dos
clínicos, embora não houvesse nudez total da adolescente, a exposição e manipulação do
corpo magro e quase sem forças me causava um terrível incômodo. Por vezes as partes mais
emagrecidas, onde os ossos ressaltavam de forma mais proeminente, eram fotografadas e
depois comentadas entre a equipe. Os próprios residentes sentiam dificuldade (SOUZAMUÑOZ et al, 2011) com esses momentos e ficavam escondendo-se uns atrás dos outros para
não serem os escolhidos para realizar o exame. Cabe destacar que na maioria das vezes fui
convidada a aguardar a finalização do exame físico no corredor junto com os demais
residentes, deixando apenas o encarregado de realizar o exame junto com a médica.
Algumas adolescentes negavam-se a se despir, outras abaixavam a cabeça e pareciam
torcer para que tudo acabasse logo. Nos momentos que presenciei, mesmo entre as
adolescentes mais desinibidas, o constrangimento era evidente e a alegria que carregavam
parecia se apagar por alguns minutos. Em se tratando de uma doença em que o corpo é o
elemento central e que, suas portadoras tentam a todo custo escondê-lo, esse momento de
serem expostas a olhares estranhos, a cada vez com pessoas diferentes, e terem aquilo do que
mais se envergonham colocado à amostra tem um poder muito grande e é causador de um
grande incômodo.
Caberia pensar em privilegiar o conforto dessas adolescentes. Mesmo sabendo que é
um espaço de aprendizagem dos conhecimentos biomédicos e que tal etapa é parte integrante
da consulta, a paciente não deveria sentir-se obrigada a algo que não deseja ou deveria ao
menos ser consultada sobre a melhor forma de se fazer, para que mais uma vez não se reforce
o sentimento de punição ao frequentar o tratamento.
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Uma vez acolhidas em um serviço público de saúde, um diagnóstico começa a ser
atribuído a essas adolescentes. Se, em alguns casos, enfrentar um atendimento de saúde contra
a vontade é difícil, aceitar o diagnóstico dado neste espaço, que passa a acompanhá-las onde
quer que estejam, torna-se ainda mais problemático.
3.4 O PESO DO DIAGNÓSTICO RECEBIDO
Neste trabalho há um entendimento de que os TA envolvem dor física, nem sempre
compreendida ou mesmo considerada e dor psíquica, por vezes minimizada em detrimento de
um comportamento momentâneo atribuído à etapa da vida em que se encontram (DUARTE,
1994). A necessidade de um diagnóstico reside no fato de que estão inseridas em um serviço
de saúde que se orienta por padrões biomédicos, no caso, por critérios diagnósticos
psiquiátricos para organizar e direcionar seu trabalho. Embora, como será abordado mais
adiante, o PTA não restrinja a oferta do tratamento apenas às adolescentes com diagnóstico
preciso de TA. Cabe destacar que nos manuais diagnósticos a AN e a BN são TA distintos,
mas na prática as similaridades entre eles podem confundir os profissionais de saúde,
ocasionando um diagnóstico errôneo que a adolescente ainda assim passa a carregar consigo
(MARINI, 2013).
Ao receberem um diagnóstico, o TA passa a não mais ficar escondido, ele é
reconhecido não apenas no serviço de saúde, mas em todos os círculos sociais dessa
adolescente. A partir daí, esconder os sintomas não é mais tão fácil, pois todos ao redor
tornam-se seus vigias, resta-lhes o isolamento e os momentos de lazer e confraternização
tornam-se períodos de solidão. A intromissão de diferentes pessoas buscando ajudá-las é
destacada por elas como um dos maiores infortúnios.
Ester afirma esconder-se no banheiro da escola para que não seja obrigada a almoçar
pelo diretor do colégio e professoras. Algumas adolescentes reclamam das professoras que as
colocam no centro das atenções perante a turma para falar de seu adoecimento gerando
constrangimento, dos familiares buscando dar conselhos sobre a importância da alimentação
para o desenvolvimento saudável, das amigas e amigos próximos que acabam acompanhando
de perto a rotina de “perversões” alimentares e as ameaçam de denunciá-las aos seus pais ou
97
professores. Assim, as dificuldades de se sofrer um TA multiplicam-se quando ele se torna de
domínio público.
Durante o trabalho de campo, apenas dois adolescentes do sexo masculino estavam em
acompanhamento regular, um deles, Vinícius, foi entrevistado, o outro, Gabriel, não quis
participar da entrevista, embora tenha aceitado bem minha presença durante as consultas que
assisti. No dia em que o convidei havia esquecido meu estojo de lápis em casa e estava com
uma caneta emprestada. A caneta era lilás e o adolescente se negou veementemente a
preencher seus dados com caneta daquela cor. Exigiu uma caneta azul ou preta, então sugeri
que ele me falasse e eu mesma anotaria seus contatos, só assim ele aceitou. Para tal
adolescente, o diagnóstico de AN, doença reconhecidamente mais presente entre mulheres e
homossexuais (CARLAT et al, 1997; ANDERSEN, 1999; ANDERSEN; HOLMAN, 1997), o
deixava ainda mais confuso e angustiado. Sua sexualidade parecia estar sob suspeita e
atrelada ao diagnóstico de AN, o que era agravado pelo seu atraso no desenvolvimento dos
caracteres sexuais. Gabriel tinha 13 anos, mas sua voz ainda era fina, não haviam lhe crescido
os pêlos próprios da transição do corpo de criança para o de adolescente. Sua pela era branca,
lisa, sem qualquer sinal de acne. Mas o que mais lhe incomodava é que ele permanecia
pequeno, enquanto os primos mais ou menos da mesma idade já eram grandes e
desenvolvidos.
No PTA ele era considerado um adolescente infantil, “chato” e, para uma das
profissionais de saúde que o atendia, “meio viado”. Como não costumava aceitar a imagem
que a equipe me passava dos adolescentes, fui conversar com ele mesmo sabendo que seria
uma abordagem mais difícil. Para mim, Gabriel era um adolescente muito ansioso. Durante
suas consultas ficava inquieto o tempo todo, como se algo o incomodasse constantemente. Por
vezes levantava da cadeira para andar pela sala e certa vez ficou desenhando bonecos no
quadro de avisos da nutricionista enquanto respondia as questões que lhe eram direcionadas.
Ao contrário da visão da equipe sobre sua infantilidade, creio que Gabriel buscava meios de
sobreviver com toda a responsabilidade que tinha que assumir com tão pouca idade. Sua mãe
ainda jovem desistiu de um casamento semanas antes do evento, pouco depois foi estuprada
pelo pai de Gabriel, o qual foi assassinado na frente dela quando o adolescente tinha apenas
dois anos. Desde essa época, a mãe faz acompanhamento psiquiátrico e parece não ter
conseguido se reestabelecer do trauma vivido. Segundo a equipe do PTA, a mãe do
adolescente foi diagnosticada com esquizofrenia.
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Sempre moraram com os avós maternos, mas quem assume os cuidados com a saúde
de mãe e filho é seu tio, irmão de sua mãe, que é casado e tem dois filhos com os quais
Gabriel se compara constantemente. O tio geralmente os acompanha nas consultas, arca com
o colégio e os medicamentos de Gabriel e vive em conflito com sua esposa que não
compreende essa ajuda desmedida com a irmã e o sobrinho, por vezes deixando os próprios
filhos em segundo plano. Sarti (2011), assim como Fonseca (1987), destacam a importância
do papel do “irmão da mãe”, que passa a ocupar o lugar da autoridade masculina, um
substituto do marido, mediando a relação da mulher com o mundo externo, garantindo a
respeitabilidade de seus familiares, especialmente quando o pai da mulher já não tem mais
idade para cumprir esse papel. Com a morte de sua avó, Gabriel e a mãe permaneceram na
casa com o avô. Recentemente se mudaram para o andar de cima da casa do avô, buscando ter
mais independência, o que segundo o tio seria bom para ambos. Mas Gabriel só piorou com
essa mudança. É um excelente aluno no colégio, faz as tarefas domésticas, cuida dos gastos
financeiros, ou seja, ele assume precocemente, e tem cada vez mais noção disso, as
responsabilidades de um adulto, na falta do pai e da mãe.
Contrastivamente aos comentários no serviço, infantilidade não parece ser o problema
desse adolescente, muito ao contrário. Ao final do trabalho de campo, parecia menos
preocupado com a questão da alimentação, perguntando menos sobre como perder peso e até
chegou a engordar um pouquinho, por outro lado a angústia por exteriorizar o homem que ele
já era dentro de casa, assumindo tantas responsabilidades só aumentava. Assim,
compreensivelmente, procurava negar e afastar de si tudo o que o tornasse mais frágil ou
menos masculino, inclusive o diagnóstico de AN.
O diagnóstico é fundamental para os profissionais de saúde, pois permite o
planejamento de todo o tratamento. É por meio dele também que uma nova situação social se
estabelece, onde o doente é reconhecido pelos conhecimentos médicos, que são amplamente
aceitos e então redefine sua identidade social. O estabelecimento de um diagnóstico torna-se
uma etapa do processo de cuidado, onde profissionais de saúde e pacientes buscam um
consenso sobre a causa da doença. Em se tratando de doenças crônicas, a concordância sobre
o diagnóstico pode se tornar um processo demorado, e o paciente deve participar ativamente
auxiliando o médico na definição deste (BASZANGER, 1986). No caso dos TA, em que há
uma dificuldade em se aceitar o diagnóstico recebido, é incomum o médico contar com o
auxílio do paciente nessa “etapa do processo da doença” (BASZANGER, p.14, 1986). Em se
tratando de adolescentes com AN e BN, quem faz a mediação fornecendo as informações
99
necessárias e auxiliando a equipe de saúde a formular hipóteses diagnósticas são os
familiares, que estão intimamente imbricados no processo de adoecimento de seus filhos.
No serviço observado, na maioria das vezes o diagnóstico recebido não era aceito
pelos adolescentes, simplesmente pelo fato de não se perceberem doentes. Nas entrevistas, ao
questionar o que tinham, algumas me comunicavam o diagnóstico “oficial” recebido no
Programa ou em algum serviço de saúde anterior, mas, ao refazer a pergunta sobre o que
elas/ele achavam que tinham, a resposta mudava. Ana Laura (14 anos) demonstra como o
diagnóstico fornecido no serviço de saúde não foi por ela incorporado:
Eles (profissionais de saúde) falaram que eu tinha anorexia nervosa. Ah, quando eu soube disso eu já fui
logo internada! É, na segunda consulta eu internei.
Ao nomear que “eles falaram” ao invés de dizer “eu tenho”, a adolescente expressa sua
dificuldade em aceitar tal diagnóstico dado pela equipe, não o assumindo para si.
Isabel (15 anos) segue o mesmo caminho, mas deixa claro que não concorda com
diagnóstico recebido:
Ah, o pessoal fala que é transtorno alimentar e anorexia. (...) Não... é só um desejo de ficar magra. É só
uma coisa assim... Pra gente ficar magrinha, sabe? Com o corpo bonito.
Tatiana é direta sobre o diagnóstico recebido:
Mas você concorda que tem anorexia?: Não concordo! (...) Ninguém nunca te
explicou?: Falou que é quando a pessoa se recusa a comer… Só isso. Você já
procurou saber em livros ou na internet? Não. O que você acha que tem?:
Nada! Só não gosto de comer... (Tatiana, 16 anos)
Vinícius reproduz algo que ouve nos consultórios e em sua família desde a infância e a
ausência de uma explicação formal de um profissional de saúde, dirigida ao adolescente, seja
no PTA ou em algum serviço de saúde anterior, também se revelaram comuns, contribuindo
para a não aceitação de algo que eles sequer compreendiam o que era.
Muitas vezes as adolescentes não têm clareza desse diagnóstico, e como nem sempre
recebem uma explicação esclarecedora sobre a questão, quando a recebem, se mostram um
tanto confusas. Natasha tem a sua versão de seu problema, mas ao ser questionada sobre o
diagnóstico do PTA, o assume mesmo confessando que sofreu muito ao descobrir que tinha
100
AN. Mais uma vez resgata a falta de apoio inicial de seus pais como um adicional em seu
sofrimento e angústia:
Olha, eu acho que eu tenho um quadro depressivo muito forte e isso acaba
desencadeando outras coisas. Eu também já desencadeei TOC, claro que no corpo...
É que eu tenho mania de fazer tudo no corpo e... É isso! Eu acho que eu tenho
depressão e isso desencadeia outras coisas! Quando você chegou aqui recebeu
algum diagnóstico?: Anorexia Nervosa. Como você recebeu essa notícia?: Ah eu
já sabia! Pra você não era, ou você já achava que tinha?: Já, eu já sabia que
tinha. Assim, no começo eu chorava muito porque as pessoas me falavam que eu
tinha e eu ainda não acreditava... Eu nem era muito magra, eu era normal, mas as
pessoas, os meus amigos à minha volta já notavam que eu tinha dificuldade com
comida né?! Eles me falavam “você tem problema” e eu “cara, não tenho!” Mas não
demorou muito não, com uns 5 meses eu já sabia que eu tinha. Eu sabia que eu tava
mal, eu sabia que eu tinha anorexia nervosa. E você descobriu como?: Na internet,
com a psicóloga, ela me dava livros sobre isso, a gente falava sobre isso, mas meus
pais não aceitavam! (Natasha, 16 anos)
A presença das adolescentes no serviço as torna objeto de atenção médica, sendo
muitas vezes observadas e examinadas, sem que lhes seja dada a oportunidade de falarem por
si mesmas. Parece haver um entendimento de que por vezes os pacientes são tratados como
objetos e assumidos como seres passivos, alvo de constantes intervenções, o que no caso de
adolescentes sofrendo de TA (onde se acredita que as pessoas que sofrem dessas condições
perdem o discernimento sobre o que seria bom ou ruim para sua saúde) parece ser uma
postura assumida em quase todos os atendimentos por onde passam. Mol (2008) chama a
atenção para o quão danosa essa postura dos profissionais de saúde pode ser, e salienta a
importância de que os pacientes sejam ouvidos e respeitados como sujeitos que têm o direito
de fazer as escolhas centrais sobre suas vidas. Mas a autora também chama a atenção para os
casos em que os pacientes tornam-se incapazes de fazer escolhas e tomar decisões devido à
gravidade do adoecimento, no entanto, o direito a escolha deve ser avaliado individualmente,
pois nem toda a doença retira do paciente sua capacidade de decisão, e mesmo assim, há casos
em que o paciente torna-se apenas temporariamente incapaz de decidir, mas com a melhora do
quadro pode ser continuamente estimulado a participar das decisões de seu tratamento. O
ponto a ser retido é que o fato de alguns casos justificarem uma postura mais diretiva dos
profissionais de saúde, não deve ser motivo para negar a possibilidade de escolha a todos os
pacientes (MOL, 2008).
Não se reconhecer doentes e a elas ser imposto um diagnóstico não contextualizado
em seu universo socio-afetivo mais amplo, que as deixa confusas sem que se explique
detidamente do que se trata, as faz buscar entender por conta própria o que estão falando a
101
respeito de seu “problema”. Elas se assustam com o que descobrem sobre a AN ou BN,
sentem medo de ficar como as adolescentes das imagens que veem nos sites, blogs e
reportagens sobre os TA, sem ter com quem falar sobre seus sentimentos sem serem julgadas.
Embora queiram estar cada vez mais magras, a magreza vista nas outras adolescentes parece
deixá-las assustadas e confusas, pois sabem que o quadro pode levar à morte e com a
distorção da imagem corporal não conseguem saber como realmente estão.
Chega a ser difícil qualificar e mesmo quantificar os conflitos que envolvem essas
adolescentes e o quão penoso é para elas digerir tudo isso. A tristeza, a angustia, o medo da
morte, as dores estomacais, os episódios de compulsão, de purgação, de restrição, as
alterações de peso, os conflitos familiares, as doenças de entes familiares, a falta de
alternativas de sociabilidade que as apoiem em uma fase de transição da infância para a
adolescência na qual estão se construindo como pessoas separadas da família de origem
também pesam muito. São muitas imposições e exigências a pessoas que precisam de apoio,
afeto, carinho, atenção e cuidado, o que nem sempre encontram em suas breves trajetórias de
vida, e tentam à sua maneira lidar com esse emaranhado de sentimentos e problemas. Ainda
assim, espera-se que essas adolescentes compareçam dispostas e entusiasmadas para os
atendimentos e mais do que isso, espera-se que elas melhorem!
3.5 VIVENDO COM UM TRANSTORNO ALIMENTAR: “JÁ SOFRI MUITO POR
CAUSA DA COMIDA”
A aproximação à temática dos transtornos alimentares na adolescência implica em
se deparar com uma realidade de dor e sofrimento nem sempre relacionada a uma
fase tão precoce da vida. A AN e a BN, assim como outras doenças crônicas,
evocam intensas emoções, em quem as sofre e em seu ciclo social, assim como em
quem as trata, pois estão diretamente relacionadas à vida e também à morte. Por um
lado, os TA estão intimamente ligados à alimentação (ou ausência dela),
combustível necessário à vida, por outro se convive cotidianamente com a morte,
dor e sofrimento (MIRANDA, 2007, p.126).
A experiência social da doença e do sofrimento alteram o nosso modo de estar no
mundo (BALLESTAS, 2013). Mas em se tratando de adolescentes que querem descobrir qual
é o seu lugar no mundo, essa experiência pode acarretar outros desdobramentos. Le Breton
(2012) compara o sofrimento adolescente com um abismo, que não se compara ao sofrimento
102
de um adulto que acumulou um saber que o leva a relativizar as dificuldades, sabendo que o
tempo atenuará sua intensidade. Na adolescência, vive-se o sofrimento de modo intenso e as
reações a ele são sem meias-medidas e sem recuos. O autor destaca que os adultos geralmente
minimizam o sofrimento adolescente, por exemplo, classificando como “fúteis” os “motivos”
que levam a uma tentativa de suicídio. Tal postura configura um adulto-centrismo, que seria
uma falha na compreensão da subjetividade do jovem (LE BRETON, 2007).
Tentar captar a “experiência da doença” implica em compreender os meios pelos quais
essas adolescentes têm respondido ao desenvolvimento dos TA, por vezes (re)produzindo os
conhecimentos biomédicos recém inseridos em seu universo sociocultural. Assim, o
entendimento dos TA não deve ser reduzido a um estado de sofrimento, mas sim à realidade
social em que vivem (ALVES, 1993).
Mesmo que o sofrimento seja essencial à experiência humana, deve-se evitar a
naturalização ou sentimentalização dessa vivência. Não há uma única maneira de sofrer,
assim cada indivíduo sofrerá a seu modo, mesmo passando pelas mesmas experiências
(KLEINMAN; KLEINMAN, 1996). Por mais que haja um esforço daqueles que as cercam,
apenas as adolescentes, cada uma em sua individualidade, saberá o que é viver com um TA.
Não é por acaso que alguns grupos pró-anorexia e pró-bulimia se referem a esses TA
como ANA e MIA, respectivamente, como se fossem pessoas, uma amiga na verdade, que as
ajuda e está sempre por perto quando as coisas parecem difíceis. Tatiana, de 16 anos, conta
que ter AN é “Ruim, muita pressão em cima de mim… Todo mundo fica me mandando
comer, comer, comer… Ninguém liga pro que eu to sentindo”, mas mesmo se sentindo
abandonada por aqueles que ama, a AN nunca a deixa sozinha.
A preocupação constante com o peso, com o que comer, quando comer, em que
quantidade, quando será a próxima refeição, são algumas das indagações que estão presentes
24 horas por dia. Yasmin conta que passou tanto tempo dos seus dezessete anos se
preocupando com o peso que essa preocupação a bloqueou:
Cara... é dificílimo! É um saco! Porque assim, isso já passou pra um estágio mais
psicológico sabe? É que eu fiquei tanto tempo com isso de “tenho que emagrecer,
tenho que emagrecer” que a minha mente parece que criou um bloqueio que eu não
consigo de jeito nenhum... Não sei explicar, o negócio não funciona, parece que
trava, eu fiquei traumatizada com a exposição toda. Mas agora é mais psicológico do
que tudo, entendeu? É uma coisa muito engraçada... (Yasmin, 17 anos)
103
Ter um TA é um exercício diário e, Natasha, que já passou por alguns momentos de
melhora, seguidos por outros onde acredita ter ficado pior, conta sua experiência:
Eu me boicotava sabe?! Não era uma coisa... Era uma coisa que tipo, “ah vou comer
mais no almoço”, mas o meu comer mais era uma colher a mais de tomate, tipo “eu
vou comer mais uma colher de tomate”. Aí eu achava que comia certo, mas depois
eu ficava nervosa “não! tenho que compensar”, aí na janta eu não comia... Ou não
comia tanto, comia menos... Aí eu dormia com a consciência tranquila e antes de
dormir eu contava todas as calorias... Era uma coisa que... Hoje em dia ainda é
difícil porque eu ainda sou neurótica com isso. Aí ano passado eu fui internada, aí eu
consegui recuperar o peso, só que nisso como meu metabolismo tava muito
desacelerado eu comecei a comer muito compulsivamente porque eu tava nervosa, aí
eu engordei muito. Uns 13 quilos, e eu comecei a comer muito, muito, muito e eu
não conseguia para de comer e isso começou a me incomodar... E eu comecei a
emagrecer de novo. Até que eu to aqui agora, mas assim, eu choro todo dia, passo o
dia contando as coisas... Você ainda não consegue comer normalmente?: Não, eu
como normal, mas eu não como nada que não esteja na dieta... (Natasha, 16 anos)
As sensações que envolvem o comer e a comida são fundamentais para a subjetividade
do indivíduo e seu senso de distinção dos outros. A partilha dos alimentos é uma parte vital de
redes de parentesco e de amizade em todas as sociedades. Assim, a alimentação e os
momentos das refeições são parte importante da nossa sociabilidade (LUPTON, 1996, p.37),
mas para essas adolescentes esses passam a ser momentos de angústia, nervosismo, medo,
frustração. Durante os anos de colégio lembro que o horário do recreio era extremamente
divertido, conversar, fazer brincadeiras e comer, é claro, fazem parte das minhas lembranças.
Mas e quando não se consegue comer na frente dos outros? Em alguns anos, tudo o que
Natasha e outras entrevistadas provavelmente se lembrarão é de estarem fugindo e se
escondendo dos olhares dos professores, coordenadores, diretores e especialmente dos
colegas.
Natasha tornou-se prisioneira de sua “dieta”, nada além é permitido, seus padrões para
o que é aceitável ou não, tornam-se cada vez mais restritos, mas ainda assim avalia que está
muito melhor do que em outras épocas quando sequer comia. Viver assim para ela é estar
saudável, sente-se distante dos momentos em que ficava dias sem comer, mas quando se
permite algum “deslize”, o arrependimento aparece e a vontade de restringir mais a
alimentação o acompanha.
Algumas das adolescentes entrevistadas falam de viver com um TA como se fosse
uma “montanha-russa”: querer ser magra, querer ser mais magra, perceber que emagreceu
muito, tentar comer um pouco melhor, se achar gorda porque engordou um pouquinho, voltar
a querer ser muito magra. Isabel, de quinze anos, retrata:
104
Assim, eu sou assim, engordo, emagreço, engordo, emagreço, um ioiô (risos).
Alice, que permanecia extremamente adoecida, se julgava bem melhor do que em
outros momentos, fazendo um balanço de como é conviver com a AN:
Bom... A pior parte é que o tempo todo eu me acho gorda. Eu não posso ver
ninguém magro que eu já fico... Maluca! Aí, sei lá... Eu faço muito exercício. Às
vezes eu fico sem comer, às vezes eu vomito... Almoçar mesmo nunca foi muito
minha praia não. Desde pequena, minha mãe fazia comida né?! Daí botava comida
pra mim, aí eu não queria comer... Essas coisas. Mas nunca fui tão radical não
(risos). Mesmo se não mudou (o peso)... Eu já fico maluca, tipo assim, ai daqui a
pouco vai aumentar, e não sei o que. Aí eu acabo vomitando. Como é que está a
sua alimentação agora? Eu tenho tido umas recaídas, eu tenho vomitado às vezes,
então eu não to tão bem como eu deveria, mas em comparação ao começo, tá bem
melhor. (Alice, 15 anos)
Alice não estava melhor e permanecia querendo ter o peso que chegou ao serviço de
saúde, ainda vomitava e tomava laxantes. Ela não tinha se dado conta que, em pouco tempo, é
provável que ficasse magra como desejava, mas novamente correria risco de vida e teria que
ser internada, onde engordaria e em pouco tempo receberia alta, já desejando perder o peso
duramente obtido nesse período.
Nos relatos de Yasmin sobre a trajetória nada linear com seu peso corporal, mais uma
vez o nível elevado de exigência pessoal, compartilhado por muitas delas aparece:
Até que eu cheguei numa idade, eu to com 17 agora, que eu decidi que eu precisava
fazer algo por mim. Demorou sabe?! Eu tive várias recaídas... Foi muito difícil, por
que me cobro muito. E tudo que eu faço eu estipulo metas meio surreais, entende?
“oh, eu tenho que fazer isso em tal tempo, se em tal tempo eu não conseguir fazer
isso, vai ser o fim do mundo!” E era o que acontecia... Botava metas assim...
Inalcançáveis, e acabava me frustrando. Aí com isso acabou acarretando no
transtorno alimentar, no negócio lá da bulimia e com isso eu aumentava cada vez
mais os períodos sem comer. Aí quando dava a fome eu queria comer até a parede se
pudesse eu comia! E aí eu vomitava... Só que aí a minha mãe descobriu porque até
então ela não sabia. E eu não sei como ela descobriu, porque eu vomitava como
todas, tentando esconder até da própria sombra que fazem isso (risos). Enfim... Eu
tinha hipoglicemia direto! Nossa! Assim de ficar branca, desmaiando... Eu lembro
que o banheiro era a minha fuga! Eu ficava sentada no vaso, às vezes de madrugada.
Se minha mãe acordava eu ficava desesperada, suando frio... Parece que eu to
vendo a cena... Mas eu sempre arrumava uma desculpa “ah, to com dor de barriga,
to com isso, ...” sempre dava um jeito. Mas eu depois acabava comendo, mas
enfim... (Yasmin, 17 anos)
Esse ciclo se repete, por dias, meses, anos, poderá se repetir pelo resto de suas vidas.
O banheiro passa a ocupar um lugar de destaque na rotina dessas adolescentes, é nele que elas
passam horas após terem tomado laxantes ou diuréticos, é o local onde elas vomitam, é onde
jogam fora a comida escondida em seus quartos. É onde se escondem dos questionamentos
105
familiares. Não raro o banheiro dos colégios também se torna um lugar de alívio e refúgio.
Silvia conta que o banheiro foi o lugar escolhido quando tentou dar fim a sua vida. Por ser um
local onde se pressupõe que se vá sozinha, elas acabam por elegê-lo o local onde passam mais
tempo quando não estão sozinhas em casa. Até que comecem a ser vigiadas, passam muito
tempo também em seus quartos, espaço em que as adolescentes fazem suas próprias regras,
onde adquirem autonomia, mesmo em uma situação de dependência familiar (DE SINGLY,
2000). Quando o TA torna-se público, estes espaços deixam de ser locais seguros para
estarem consigo mesmas. Geralmente, os familiares não as deixam mais ter chaves para
trancar o quarto ou só as deixam ficar em seus quartos se as portas estiverem abertas. Essa
perda de privacidade e da confiança das pessoas próximas é mais uma característica de quem
convive com a AN.
Bruna, assim como tantas outras, buscou ao máximo esconder da família que estava
vomitando e sem comer, mas acabou sendo descoberta. Desde então, sua mãe a mandava ficar
na casa da avó após o colégio para ter alguém que pudesse vigiá-la enquanto trabalhava. De
todo modo, a adolescente ainda encontrava seus meios de buscar o emagrecimento:
Aí eu comecei a fazer escondido, só que todo mundo acabou percebendo... Até hoje
eu não vi diferença nenhuma, por isso que eu to... continuando. (...) Eu acho que
tenho que emagrecer mais ainda. Eu não vomito mais, mas eu fico uns dois dias sem
comer pra... Emagrecer. (Bruna, 12 anos)
A maioria estava em atendimento, seja no PTA ou em outro lugar há cerca de dois ou
três anos, mas contam que sempre houve algo em suas vidas que, um dia, as levaram a
desencadear o TA, ainda que tal constatação não seja plenamente consciente. Natasha fala
sobre uma tristeza, que sempre carregou, mas que em um momento a fez pensar que já era
hora de ser um pouco mais livre, ainda que por pouco tempo. “já sofri muito por causa da
comida”... Houve uma época em que resolveu tentar melhorar e pediu ajuda:
E aí, eu..., eu pedi ajuda. Eu tinha psicóloga na época, mas ela também não
comunicava aos meus pais e, quando eu fiz 15 anos... Meu pai... Eu já tava muito
mal, eu tava com 33 kilos, eu tava com edema no pericárdio, tinha tirado a vesícula
e eu tenho pedra nos rins e aí, eu fui pra Buenos Aires porque eu tenho família...
Toda a família do meu pai mora lá (o pai dela é argentino), e eu passei um mês lá e
nesse mês eu engordei 500 gramas mais ou menos, mas eu passei a comer, eu comia
de três em três horas, lá foi uma terapia digamos assim em família. Todo mundo me
ajudando. Claro que era muito arriscado porque eu estava extremamente mal ...
(Natasha, 16 anos)
É esperado que as relações familiares forneçam apoio emocional duradouro e
contínuo. A refeição em família é um momento importante para a construção e reprodução da
106
"família" contemporânea nas sociedades ocidentais e das relações emocionais e de poder
dentro da família (LUPTON, 1996, p.38). A tendência atual, devido a um ritmo de vida cada
vez mais corrido, de que os membros da família façam suas refeições em momentos diferentes
pode prejudicar a coesão familiar e, no caso da adolescência, esse comportamento de
isolamento no momento das refeições é comum, seja por atividades na escola que não
permitam estar em casa a tempo para as refeições, seja por fazer essas refeições em frente ao
computador, tablet, televisão ou ainda por estar digitando no celular ainda que sentados à
mesa com a família.
Nas adolescentes que entrevistei, o isolamento ocorria para evitar os conflitos e as
cobranças, mas quando tinham a oportunidade de estar com a família longe de julgamentos
sobre seu comportamento alimentar, falavam desses momentos com entusiasmo. Os pratos
saudáveis que o pai de Silvia se esmerava em fazer para ela, os almoços na casa da avó que
Bruna participava com mais frequência e as animadas refeições em família que Natasha
vivenciou durante sua viagem para a Argentina fazem parte desses relatos.
Para Natasha, seus altos e baixos são permeados por períodos de críticas e de apoio
familiar. Em toda sua trajetória, a presença ou ausência dos pais, bem como do restante da
família, se revelam cruciais. Em seu caso, ter a AN publicamente reconhecida aparentemente
foi favorável. Se por um lado, foi a adolescente mais magra que vi, sendo considerada um
caso de “AN clássica”, dessas que se enquadra nos critérios diagnósticos do DSM e do CID10, por outro, foi a única que demonstrou verdadeiramente interesse em estar em tratamento e
em melhorar. Tirava dúvidas, ia regularmente às consultas, cumpria tudo o que lhe pediam e
relatava as dificuldades quando não estava conseguindo sozinha. Conhecê-la e poder
acompanhá-la foi uma verdadeira aula sobre tudo que havia lido e visto sobre AN, incluindo a
migração que fez da magreza extrema para o sobrepeso.
Permitir que os outros saibam que se enfrenta um TA não é fácil, ainda que não exista
a clássica negação de ajuda, tão destacada ao se falar em AN e BN. No caso de Silvia, havia
de fato uma dificuldade dela em reconhecer seu TA, mas ela sabia que havia algo diferente e,
mesmo confusa sobre isso, queria ser ajudada. Mesmo assim, não se sentia confortável que
todos ao seu redor tivessem conhecimento de seu problema:
Às vezes me incomoda um pouco eu ter essas coisas. Às vezes eu sinto como se
tudo já estivesse escrito em mim, e quando uma pessoa me olha, ela já sabe que eu
tenho essas coisas. E isso me deixa muito mal às vezes. Inclusive porque a minha
mãe fala que eu sou doente... Eu to no Serviço desde 2010 e depois eu comecei a ter
alguns surtos, eu via coisas, ouvia, sentia. Eu tinha medo de sair de casa. Eu só me
107
sentia bem no escuro porque eu me escondia e ninguém me via. Assim, eu não sei
explicar muito bem o que eu sinto, porque cada hora eu sinto uma coisa, cada hora é
um problema diferente... É tanto problema junto! Tem o problema do meu
relacionamento com a minha mãe, que me estressa. Aí eu desconto na comida.
(Silvia, 16 anos)
Silvia também foi diagnosticada com síndrome do pânico e ficou alguns meses sem
sair de casa. Era conhecida no PTA por andar constantemente com uma boneca “Emília”,
personagem do “Sítio do Pica-pau Amarelo”. Em seus momentos de crise, se identificava com
a boneca, cortava os cabelos, rasgava os pulsos, rabiscava no rosto. Tentava assim extravasar
um sofrimento que não aguentava carregar sozinha, mas mesmo essa atitude não surtiu o
efeito esperado. Ela não recebia a atenção, o apoio e o carinho que esperava. O sofrimento,
assim como a doença, também representa uma ruptura na vida dessas adolescentes, é um
problema que precisa de soluções, um modo de ultrapassar as tristezas do dia-a-dia que
obscurecem as perspectivas de futuro (GREEN, 2008). Assim como outras adolescentes
entrevistadas, Silvia cortava-se semanalmente, pelos mais variados motivos, buscando o alívio
para as tristezas, ao fabricar uma dor deliberada que retivesse provisoriamente seu sofrimento
(LE BRETON, 2012). Para esconder as marcas de seus cortes, usava uma munhequeira
esportiva nos pulsos e estava sempre com calça jeans. Mas era comum que usassem roupas
largas e compridas, mesmo durante o verão. Assim, além de esconderem os cortes,
disfarçavam o emagrecimento e escondiam seus corpos dos quais algumas tinham vergonha.
Silvia me contou como tentou se matar:
Eu te falei que tentei me enforcar? Sabe aquele negócio de roupão? É fraco! Pelo
menos eu acho. Se eu tivesse dado mais voltas... Eu fico pensando, pra pessoa
querer se matar, ela tem que ser inteligente também! (risos) Você tava sozinha em
casa? Não, eu tava no banheiro e minha mãe tava desesperada batendo na porta e eu
quase desmaiei. Eu só abri a porta porque eu tava perto do celular e eu vi meu pai
ligando. Isso foi quase meia-noite. E a pessoa também tem que ser inteligente,
porque pra pessoa se cortar, ela tem que saber onde se corta... Eu tava com raiva e
quando eu fazia, eu não sentia dor na hora... Também não sentia prazer não! (risos)
Eu tenho amigos que sentem prazer se cortando... E eu sinto raiva e desconto em
mim! (Silvia, 16 anos)
Silvia, Natasha, Isabel e Kamila já haviam tentado suicídio algumas vezes. Le Breton
(2012) afirma que nas tentativas de suicídio das adolescentes, há uma busca de letargia, de um
coma não premeditado, porém internamente desejado como um porto, no qual se pode
reconstituir-se. Segundo o autor, essas tentativas de suicídio são, antes de tudo, tentativas de
108
viver. Natasha conta que sua primeira tentativa foi aos 11 anos de idade, sempre em casa,
quando estava sozinha. Mas já havia tentado mais de 20 vezes desde então.
Você já tentou suicídio... (me interrompeu): Já! Várias vezes! Várias, várias vezes
mesmo, mas a mais séria foi no ano passado depois da internação. Um mês e meio
depois da internação que eu parei na sonda pra tirar os remédios. Você tem ideia de
quantas vezes já tentou suicídio? Mais de 20! Na minha vida toda... Desde os onze
anos. Aos 12, 13 eu já bebia muito. Mas não bebia fora de casa, eu bebia dentro de
casa quando minha mãe saía. Misturava com remédio, mas nunca deu muito certo,
até o ano passado... Porque você acha que começou a tentar tão cedo? Tristeza
mesmo! Meu quadro depressivo começou a se apresentar desde que eu era muito
nova! Eu me corto muito! Até hoje, mas menos sabe? Uma vez por mês, mas eu
penso bem antes. Mas é difícil me conter. Mas, antes era todo dia. Tinha alguma
coisa que te motivava? Tristeza! Você usava o que? Qualquer coisa! Anel,
lâmina ... Sua família sabia? Sabia... Eles te ajudavam com isso? Não, na época
não. Só brigavam!... (Natasha, 16 anos)
Essa tristeza referida por Natasha era compartilhada pelas outras entrevistadas, mas o
apoio familiar recebido variava dentre elas. Isabel, mesmo com toda sua tristeza nunca perdeu
o apoio e a compreensão de sua família. Alice, que também era reconhecida por ter um pai
muito presente e preocupado – o acordo familiar previu que o pai deixasse seu emprego para
acompanhar a filha no tratamento, enquanto sua mãe permaneceu cuidando da empresa de
confecção de roupa feminina que possuía - diz que nunca tentou se matar, nem se cortar.
Alguma vez durante esse processo de adoecimento ou alguma vez na sua vida
você teve vontade de se matar ou se cortou? Eu sempre tive muito medo dessas
coisas... Eu tenho medo de agulha! (risos). Eu sempre tive muito medo disso... Tipo,
medo de morrer, inclusive dessa doença. Porque... eu vejo essa doença como um
suicídio... Porque é um suicídio na verdade. Você fica sem comer... Você, sei lá, fica
fazendo mal a si próprio, então no caso, se eu morresse disso, por exemplo, com
certeza eu não iria pro céu. Então, eu não quero ir... Pro lugar ruim (inferno)...
(Alice, 15 anos)
Alice utiliza sua crença religiosa para formular aquilo que foge a sua compreensão
sobre a AN (DURKHEIM, 1996). Ao falarmos de seu vínculo religioso, evangélica, conta que
ninguém em sua igreja sabe de seu problema, mas que pede ajuda a Deus para sair dessa
situação. Destaca a credibilidade do potencial terapêutico das religiões, esclarecendo que o
saber biomédico não é o detentor da verdade absoluta sobre a vida e a saúde (TAVARES,
2012; SILVA; VASCONCELOS, 2013). Ela tem cogitado romper com o silêncio sobre ser
portadora de AN em prol da ajuda espiritual dos pastores de sua igreja, a qual ela atribui
valor.
109
Alice conta que chegou a melhorar um pouco e, como Natasha, achou que era hora de
se permitir ser mais livre em termos alimentares. A data escolhida foi o seu aniversário de 15
anos, quando ganhou uma festa com os amigos e a família.
Você fez aniversário há pouco tempo... Teve comemoração dos 15 anos? Sim,
foi aí que tudo (re)começou... Por que? Porque até essa época eu não tava mais
vomitando... Aí eu pensei “pô um dia não vai me fazer mal!” Só que aí eu passei mal
de verdade, não fui eu que forcei o vômito. Eu passei dois dias inteiros vomitando,
eu vomitava tanto que não tinha mais nada pra vomitar, eu ficava vomitando verde
assim... Entendeu, aí eu ficava fraca, ficava deitada, aí vinha vômito toda hora... (...)
Acho que foi o doce... Fazia muito tempo que eu não comia doce. (Alice, 15 anos)
O aniversário de quinze anos, mesmo não tendo o sentido de outrora, ainda é
considerado um evento importante na vida de muitas adolescentes. Alice pensou poder
vivenciar esse dia como uma adolescente “normal” e se arrependeu da experiência que teve.
Mesmo depois de melhorar dos sintomas gastrointestinais que a levaram a vomitar após a
festa, acabou voltando a utilizar dos vômitos forçados para tentar manter-se magra.
Silvia também contou sua experiência em um evento familiar, onde esse ciclo de
autovigilância alimentar é momentaneamente afrouxado e seguido de arrependimento, de
ganho de peso que a levou a mais privação para voltar a emagrecer. Se por um lado, as
pessoas anoréxicas são reconhecidas por um autocontrole extremo, no contraponto estão as
bulímicas com a total falta de controle alimentar (SANTOS, 2008, p. 176):
Agora recente, teve o aniversário do meu avô... E eu falei “pai, eu não vou! eu já
troquei de roupa sete vezes, eu baguncei o guarda-roupa todo, eu baguncei o quarto
todo, minha mãe já brigou comigo e continuo feia”. Eu fui! Porque meu pai disse
“não você vai, você tem que se animar!” e chegando lá era pizza! Mas eu comi... Eu
comi pizza até dizer chega. Mas eu não me arrependi não, nesse dia eu não me
arrependi porque eu não comia pizza há muito tempo! Mas eu comi muito... Eu só
parei de comer quando o garçom parou de servir. Mas depois eu fiquei triste porque
eu ganhei peso... (Silvia, 16 anos)
Além de ficar dias sem comer e do uso de diuréticos, laxantes e chás, recorrer aos
vômitos na tentativa de emagrecer permanece como um recurso amplamente usado entre
aqueles que sofrem dos TA. Para isso, elas usam os dedos, cabo da escova de dente, haste dos
óculos, ou qualquer outro objeto que possa ser introduzido até o fundo da garganta. Embora o
recurso aos vômitos para emagrecer seja um mito (SILVA, 2004), além de não emagrecer,
pode-se provocar um grave desequilíbrio hidroeletrolítico, entre outros problemas. Na vida de
Kamila, vomitar tornou-se algo tão comum que, mesmo querendo, ela não consegue mais
parar:
110
Ah, eu não sei… É difícil ficar sem vomitar... A maioria das vezes eu não quero fazer, mas eu faço! Não
sei, eu acho que virou rotina, pra mim é tão normal que eu faço todo dia! Então não tem mais diferença...
(Kamila, 18 anos)
Com os laxantes, a história é semelhante, o organismo se torna dependente do
medicamento, sem eles as adolescentes não conseguem mais “ir ao banheiro”
espontaneamente. Por outro lado, cada vez mais o organismo necessita de mais unidades para
se obter o efeito desejado. Isabel chegou a tomar 20 unidades de laxante por dia e relatou que
seu intestino “não estava funcionando...”
Nas pacientes bulímicas ou com AN do subtipo purgativo, que fazem uso do vômito
como uma das estratégias para emagrecer, havia alguns sinais que poderiam ser facilmente
identificados por aqueles que trabalham com TA: Descalcificação dos dentes (com
consequente aumento no número de cáries) e danos no trato gastrointestinal pelo ácido
estomacal dos constantes vômitos, machucados nas costas das mãos provocados pelos dentes
quando se tentava forçar os vômitos, queda ou enfraquecimento das unhas, e edema de
glândulas salivares (especialmente das parótidas). Como na BN o emagrecimento
necessariamente não acontece, esse último sinal, a hipertrofia das glândulas salivares era um
dos mais utilizados, pois era o mais visível e de fácil identificação.
O termo anorexia vem do grego orexis (apetite/desejo) precedido pelo prefixo de
negação an, assim, anorexia nervosa significa uma perda de apetite de origem nervosa (IDA,
2008; MIRANDA, 2007). Tal nomenclatura não está totalmente adequada a esta condição,
visto que, apenas em estágios avançados da doença é que se perde de fato o apetite. Até então,
é exigido um elevado grau de autocontrole para sentir fome e ignorá-la. Dessa forma, as
adolescentes constroem para si a naturalidade de sobreviver com a carência alimentar imposta
em seus espaços sociais (FREITAS, 2003) mas, para perder o apetite havia também alguns
truques utilizados tanto pelas adolescentes anoréxicas quanto pelas bulímicas, como: beber
vinagre, chupar limão, mastigar algodão com acetona ou beber acetona, mascar chicletes sem
açúcar, dentre outros. Uma das adolescentes abordada comprava seringa e agulha e tirava o
próprio sangue, mas, nesse caso não creio que haja relação com o emagrecimento, pois
também tirava sangue de seus gatos e de seu irmão mais velho que é autista. Não sabia
explicar porque começou a fazê-lo, mas sentia que era algo prazeroso.
111
Ela não falou a respeito na entrevista, creio que ainda não havia descoberto essa nova
forma de satisfação, o fato foi por ela mencionado na consulta clínica que assisti e na reunião
de equipe pela psicóloga. Na entrevista, contou um pouco da sua rotina:
E quando você ficou esses cinco dias sem comer, alguém da sua família
percebeu?: Percebeu! Minha mãe... “Come garota! Você vai passar mal aí...” Aí eu:
“Ah não mãe...”. No colégio davam comida?: Davam, mas eu não comia não... Ah,
eu ia, tomava laxante... Fazia um monte de coisa pra emagrecer (risos), eu era
terrível! Mas você ficava indo ao banheiro toda hora no colégio?: Só saía água...
E depois, em relação ao corpo, eu comecei a perceber assim que eu tava ficando
muito cansada. Eu tava com anemia, eu fiquei ressecada! Aí foi muito ruim...
(Isabel, 15 anos)
Mesmo reconhecendo que se sentia mal, ela não pensava em comer para melhorar.
Green (2008) ressalta que por estarem sempre cansados e com dor, portadores de doenças
crônicas, muitas vezes expressam frustração ou culpa por estarem grande parte do tempo sem
energia para fazer suas atividades e que quando estão mais dispostos se envolvem em
atividades destinadas a se recuperarem de sua doença. Em paralelo, Castellanos (2007)
salienta que há uma pressão moral e social contemporânea que obriga o doente, ao assumir o
seu “papel de doente”, a estar ou procurar estar saudável. (CASTELLANOS, 2007, p.92, 93).
Mas em se tratando de TA, estar mais disposta não significa buscar estar mais saudável, e a
pressão sentida de maneira mais contundente não é externa (familiares, professores, amigos,
profissionais de saúde, entre outros), é uma pressão interna, que as instiga a seguir buscando a
perfeição como ideal a se atingir. É nisso que investem seu esforço, mesmo quando acreditam
estar mais “saudáveis” e se sentem capazes de discernir entre o que as colocará em risco de
vida ou não.
A presença de sono constante foi relatada por quase todas as adolescentes. Sobre isso,
Le Breton (2012) afirma que para muitas trata-se de uma forma de regressão, uma vontade de
retornar à infância para não lidar com as tensões e responsabilidades que a passagem para a
vida adulta lhes impõe. Seria um alívio simbólico, uma busca da ausência, um apagamento
momentâneo.
Uma rotina rigorosa de exercícios físicos também faz parte da vida de quem convive
com um TA, especialmente a AN. Por isso, muitas vezes os profissionais de saúde do PTA as
proibiam de praticar esportes ou qualquer atividade física de lazer. Orientavam às famílias a
importância de seguir essa recomendação, posto que qualquer gasto energético desnecessário
poderia comprometer o sucesso do tratamento.
112
Quando Alice recebeu alta da internação, mesmo sem a autorização dos profissionais
de saúde que a atendiam, entrou nas aulas de ballet e defendia com firmeza sua permanência
nessas aulas.
Quase todas têm uma “meta” estipulada para perda de peso e, uma vez atingida,
escolhem outra meta ainda mais ambiciosa. A maioria não se acha bonita e quase todas
modificariam a barriga se pudessem, deixando-a mais “pra dentro”, “mais lisinha” ou a
cintura mais fininha. Algumas jovens atrizes, cantoras e modelos são referências de beleza
para tais adolescentes. Dentre estas celebridades, algumas também enfrentam ou enfrentaram
um TA. A possibilidade que algumas pessoas têm de comer sem engordar, como acredita
Natasha, é algo que a machuca profundamente:
Na verdade eu tenho inveja, tenho inveja de todas as meninas da minha escola que
comem muito e não engordam. Sabe, é muito triste, porque é a única coisa que você
pediria se tivesse um desejo e tem pessoas que já nasceram com isso! Eu tenho uma
amiga modelo que é extremamente magra e se entope de gordura. E é muito triste
pra mim isso por que... Ah! é difícil porque quando você vê as pessoas que têm tudo
que você queria ter, porque é só isso que eu queria se eu tivesse um desejo. Seria
poder comer de tudo e... Continuar magra. (Natasha, 16 anos)
A exigência pessoal é algo forte e marcante na trajetória dessas adolescentes, alcançar
a perfeição nas mais diversas áreas de suas vidas é uma ambição comum. Com uma doença
que exige tanto tempo e dedicação, ainda mais quando se torna pública, atingir esses objetivos
pode se tornar praticamente impossível, o que só contribui para elevar o grau de insatisfação,
frustração e tristeza que sentem com elas mesmas.
O depoimento de Natasha ilustra tal sofrimento:
Olha, é muito difícil, mesmo porque eu não aceito, eu tenho culpa, porque eu perdi
quase um ano de escola. Por exemplo, hoje eu estou perdendo aula. (...) E eu sou a
única pessoa com transtorno alimentar na escola e eu vejo eles bem e comendo e eu
assim. E eles me apoiam muito, mas mesmo assim, é uma culpa interna... É muita
culpa porque eu queria ser uma filha normal, não queria trazer problema sabe?
Porque eu sempre tive essa busca pela perfeição e eu acabei assim, meio que
piorando as coisas né?! (Natasha, 16 anos)
Mais uma vez Natasha resgata aquilo que marca toda sua trajetória de vida, mesmo
antes do desencadeamento da AN, a preocupação em ser uma filha perfeita. Além disso,
carrega consigo uma preocupação que também apareceu em outras entrevistas e também nas
consultas, a comparação com os adolescentes de sua idade. Esse sentir-se deslocada entre os
adolescentes tidos como “normais”, que conseguem comer a qualquer hora, em qualquer lugar
113
e na frente de qualquer pessoa sem que isso seja uma preocupação constante é o elemento
central do isolamento dessas adolescentes. No capítulo final, voltarei a essa dificuldade em se
relacionar que elas expressam.
O que parece mais chocar àqueles que convivem com essas adolescentes é a maneira
como se lançam para atingir seus objetivos sem se importar com as consequências de seus
atos que, grande parte das vezes, coloca suas vidas em risco. Trago aqui o trecho de um texto
de Le Breton (2012) que pode auxiliar a compreender essa postura:
“O termo condutas de risco é um dos mais complexos e engloba uma série de
comportamentos díspares que expressam, simbólica ou realmente, a existência do
perigo. Ele é comumente relacionado com a exposição deliberada do indivíduo a
situações de risco de se ferir ou morrer, de alterar seu futuro pessoal ou de colocar
sua saúde em perigo.” (LE BRETON, 2012, p. 34)
Como exemplo, o autor cita os transtornos alimentares. A propensão a agir assim, que
caracteriza a adolescência, está ligada a processos identitários inacabados, à dificuldade de
mobilizar em si próprio os recursos de sentido para lidar com os problemas de um outro modo
(LE BRETON, 2012) A dificuldade de aprender a lidar com as decepções e frustrações,
inerentes à vida em sociedade, é o que motivava Silvia a se cortar ao brigar com uma amiga,
ao tirar uma nota baixa ou ao ser contrariada pelos pais.
De acordo com o autor (LE BRETON, 2012, p. 34,35), as condutas de risco são, antes
de tudo, tentativas dolorosas de ritualizar a passagem para a idade adulta. São formas de
resistência contra a violência vinda da família e/ou da sociedade, pois, controlando o seu
corpo, o adolescente busca tomar posse de sua vida. Assim, estes comportamentos são formas
de vivenciar um período ou situação dolorosa. São formas de apelo à vida, são pedidos de
ajuda de adolescentes em sofrimento buscando adultos que lhes amparem e os ajudem a
recuperar o gosto pela vida.
3.6 AS ADOLESCENTES E SUAS FAMÍLIAS
Ariés (2012) aponta que, na Idade Média, cabia à família a função de assegurar a
transmissão da vida, dos bens e dos nomes, mas esta não se aprofundava na sensibilidade. Foi
a partir do século XVII que a família assumiu uma função moral e espiritual, passando a
114
formar os corpos e as almas. Os membros da família passaram então a se unir não apenas pelo
nome, mas pelo sentimento, o costume e o gênero da vida. Mas foi a valorização do cuidado
com as crianças que passou a inspirar sentimentos novos, consolidando o sentimento moderno
da família.
O modelo de família nuclear tal qual conhecemos, normalmente associada à unidade
doméstica composta de pai, mãe e filhos nascidos do casal, se estabeleceu pelo pensamento
científico após a Segunda Guerra Mundial por meio das teorias formuladas por Talcott
Parsons para analisar a vida familiar nas camadas médias dos Estados Unidos. A banalização
dessa análise propiciou a formulação de que o modelo de família nuclear, além de ser o mais
“natural”, seria a única forma de estruturação familiar adequada. Assim, concepções de
família paralelas a esse ideal colocariam em risco a saúde mental de seus membros mais
jovens (FONSECA, 1999).
Contrariando a existência de um único modelo ideal, encontrar atualmente uma
definição para “família” está cada vez mais complexo devido à pluralidade de formas
familiares existentes, embora permaneça a valorização dos laços familiares e, especialmente
nas famílias brasileiras, a proeminência dos laços de sangue (FONSECA, 1999;
KELLERHALS et al, 1989, p.8). Além disso, a reconhecida “crise da família” no mundo
“pós-moderno”, tem levado a concepção de que a família teria gradualmente deixado de
exercer suas funções originais para se tornar “uma unidade de realização afetiva e de
companheirismo”. (FONSECA, 1999; KELLERHALS et al, 1989, p.95).
As transformações nas estuturas e dinâmicas das relações familiares, decorrentes das
mudanças relativamente recentes como a introdução da mulher ao mercado de trabalho, o
controle da reprodução, pela contracepção, a regulamentação do divórcio, o aumento da
expectativa de vida da população, a banalização da sexualidade como idioma social, as novas
tecnologias reprodutivas (BRANDÃO, 2003, p.46), dentre outras, traz à tona o conflito
enfrentado pelas famílias no mundo contemporâneo: de um lado, há a afirmação crescente da
individualidade de cada um de seus integrantes (central nos dias de hoje) e do outro, o
respeito às responsabilidades próprias das relações familiares (DE SINGLY, 2000; SARTI,
2011, p.19).
No Brasil, foi a partir das mudanças ocorridas na estrutura da sociedade desde as
décadas de 50 e 60 que se desencadeou a reconfiguração das relações sociais, dentre elas as
familiares (BRANDÃO, 2003). De Singly (2000) afirma que a educação familiar se
115
modificou de tal modo que passou a menosprezar a obediência e a sobrepor a iniciativa, a
autonomia e a satisfação pessoal.
Tendo em mente que a relação entre pais e filhos se estabelece conforme as estruturas
e funções da família numa dada sociedade, nos últimos anos, essas relações têm sido alvo de
grandes transformações, tendo os pais cada vez mais deveres para garantir o bem-estar de seus
filhos (KELLERHALS et al, 1989, p.102-4). A despeito de todas as transformações e das
dificuldades de relacionamento em sua gestão, a família permanece ocupando um lugar
central em nossa constituição como sujeitos, ela se mantém como uma fonte de equilíbrio,
reforçando, mais do que laços de sangue, os laços de solidariedade entre seus membros, bem
como a singularidade de sua constituição (BELHADJ, 2000, p. 66).
A interface entre os TA e as relações familiares que os ensejam recebe destaque na
literatura sobre o assunto, especialmente nas áreas de psiquiatria, psicologia e psicoterapia
familiar, psicanálise, pesquisa feminista e de gênero (SILVA, 2011). Em seu trabalho, Silva
(2010) nos convida a buscar compreender os TA para além de uma patologia psicológica
individual, ressaltando a íntima relação entre os “sintomas” e os sentidos que estes adquirem
nas diferentes relações sociais, com destaque para as relações familiares, que fazem parte da
constituição do sujeito. Os acontecimentos mais marcantes da vida são exatamente os eventos
familiares e/ou pessoais (AVENEL, 2000, p.37).
Em se tratando de adolescentes, econômica e sentimentalmente atreladas aos seus
familiares, a presença de um TA nesse contexto ganha outros desdobramentos. Assim,
considerar somente a abordagem biomédica do tema tem se revelado insuficiente e ineficaz
(GROSSMAN et al, 2008). Fazendo um paralelo com o trabalho de Brandão (2003, p.31)
sobre a gravidez na adolescência, também no caso da AN é preciso considerar o modo como
toda a família é atingida pelo desencadeamento do TA, ocasionando a remodelação das
relações conjugais e parentais, que nem sempre são consideradas. Ter um/a filho/a com um
TA implica uma série de adaptações na vida dos envolvidos, que incluem modificações de
ordem familiar, econômica e afetiva. Embora esteja abordando o relacionamento das
adolescentes e suas famílias nesse tópico, esse tema percorrerá toda a tese, revelando o lugar
central atribuído por elas à família (SILVA, 2011).
Em vários momentos de minha convivência no campo com Natasha, ela dizia ser
muito difícil para a família entender e aceitar ter entre seus integrantes alguém com um TA.
Afinal, se uma pessoa parou de comer, da mesma forma pode voltar a fazê-lo, basta querer.
116
Como se o ato de alimentar-se fosse “apenas” uma necessidade vital e ao comermos,
estivéssemos atendendo ao imperativo de sobrevivência, sem considerar que a alimentação
humana é também um fenômeno social, que propicia o encontro entre natureza e cultura
(MACIEL, 2005). Em seu caso, carregava consigo a culpa por não conseguir melhorar, ser
uma filha melhor e motivo de orgulho, ao invés de preocupação, para seus pais.
Mas essa “culpa” também está muito presente no discurso dos familiares. Por estarem
ligados à melhora do estado de saúde e às recaídas, os relacionamentos interpessoais passam a
fazer parte da intervenção terapêutica, buscando o estabelecimento de relações que possam
transmitir segurança e que sejam promotoras de satisfação pessoal. Mas intervir no
relacionamento de uma família, ainda que tal estratégia integre a proposta terapêutica, não é
uma tarefa simples, posto que pode ser interpretada como se a equipe de saúde estivesse
impondo outras normas sociais, reprovando ou “ensinando” os pais a educar seus filhos. Tal
iniciativa corrobora o agravamento da culpa já sentida pelos pais, que por vezes trazem um
sentimento de que falharam na educação de suas/seus filhas/os (SILVA, 2011).
Não se pode afirmar que os pais estejam diretamente envolvidos no desencadeamento
de um TA, mas é comum apontá-los como principais responsáveis pelo cuidado com seus
filhos, atribuindo-lhes a função de “salvá-los” (MARINI, 2013). Somada a essa
responsabilidade, as separações conjugais mal administradas, conflitos intrafamiliares
constantes ou ainda a coabitação de várias gerações na mesma casa, com necessidades
específicas e distintas, são considerados fatores para piora do prognóstico da doença
(PINZON; NOGUEIRA, 2004).
Mesmo entre adolescentes não portadores de TA, os profissionais de saúde identificam
a necessidade de atuar aliados às famílias. Salientam a importância dessa parceria na melhora
da efetividade dos tratamentos, pois reconhecem que os vínculos familiares são muito mais
poderosos e promotores de mudanças do que qualquer outro vínculo que a equipe de saúde
possa firmar com o/a adolescente (BRANCO, 2002; GROSSMAN et al, 2008). Especialmente
nessa fase da vida, o êxito no tratamento está diretamente relacionado ao estabelecimento de
um ambiente doméstico que forneça mensagens saudáveis e em consonância ao esperado
pelas equipes de saúde. Assim, a conduta dos pais deve entrar em acordo com o preconizado
pela equipe de saúde para o tratamento de suas filhas (SILVA, 2011). Mas, além de seguirem
as recomendações que a equipe de saúde fornece nos consultórios, os familiares passam a ser
117
responsáveis por se enquadrar em uma estrutura familiar específica, reforçando o modelo
conservador da família nuclear “normal/funcional” (MARINI, 2013).
Pela perspectiva antropológica, não existe um modelo "natural" de família, as relações
familiares são socialmente construídas e a noção de família pode variar de acordo com o
contexto. Por isso, tem havido um esforço dedicado a "desnaturalização" da família, embora
nas sociedades ocidentais contemporâneas é impossível negar a sua importância (FONSECA,
2005). Na modernidade, os membros de uma família constroem suas próprias histórias (DE
SINGLY, 2008), mas em relação ao tratamento dos TA, há um esforço em se resgatar o
modelo de família nuclear, unidomiciliar e funcional (MARINI, 2013), como o tipo ideal a ser
adotado pelas adolescentes e seus familiares. O quanto mais afastado desse modelo as
famílias se encontram, mais se reforça a necessidade de adequação para a melhora de suas
filhas.
Frente à instalação da doença nos filhos, os familiares, geralmente os pais, reagem de
duas maneiras distintas, por vezes migrando de uma a outra. Na primeira, é comum
associarem o comportamento anoréxico e bulímico dos filho/as à tentativa de chamar a
atenção para si, desconsiderando que tais comportamentos poderiam ser eventuais sintomas
de uma doença. Assim, tampouco se busca tratamento (SILVA, 2004; MARINI, 2013).
Nesses casos, julgam que a adolescente está se portando como “criança”, fazendo
“manha/pirraça” e que a qualquer hora podem voltar a comer. Nesse modo de compreensão
do problema, os pais podem reprimir suas filhas, colocá-las de castigo ou simplesmente
ignorar seus comportamentos alimentares desviantes, como vômitos, jejuns, uso de laxantes,
chás, diuréticos, etc. Acreditam que agindo dessa forma, suas filhas venham a desistir da
“pirraça”, voltem a comer e a ter uma rotina como antes. Os pais de Natasha, as mães de
Bruna e Kamila e o pai de Isabel pensavam assim, no início do tratamento. Essa atitude pode
retardar muito a busca por ajuda, pois o problema de saúde em si não é identificado, ou seja, o
TA não chega a ser reconhecido.
Observem os comentários de Natasha a respeito:
A psicóloga, ela me dava livros sobre isso, a gente falava sobre isso, mas meus pais
não aceitavam! Eu era desesperada porque eu queria mostrar pra eles que eu tava
sofrendo e pra eles era só comer, pronto! E eu não conseguia mostrar pra eles que
era algo além disso. E como está sua relação com eles agora?: É boa, agora tá
melhor... Agora que eu não to mais tão doente ta melhor! E quando você tava
muito doente como era?: Quando eles perceberam que eu de fato estava doente,
começou a melhorar. Porque antes eu tinha muita dificuldade, não só com a família,
mas com todo mundo porque ninguém entendia... O que seus pais falam sobre a
118
sua alimentação agora?: Ah, eles acham que eu como bem. Eles se preocupam
porque eu fico meio neurótica, mas... Eles sabem que eu não vou parar de comer de
novo! Eles têm valorizado seu esforço pra tentar melhorar?: Sim. (Natasha, 16
anos)
Ao chegarem ao PTA, os pais das adolescentes acompanhavam os atendimentos,
constatavam o sofrimento de suas filhas, mas simplesmente não conseguiam compreender por
que elas não comiam, afinal, tomavam tal ato como básico, essencial. Nesse sentido, a
internação, especialmente se acompanhada da temida “sonda” alimentar, funcionava como um
“choque de realidade” não apenas para as adolescentes, mas também para seus pais. Nessa
primeira modalidade, embora os pais resistissem no início a acreditar nas filhas, quando a
doença ganhava veracidade, o enfrentamento da mesma e do tratamento pareciam ser mais
tranquilos para as adolescentes, pois afinal conseguiam ter o “apoio” de seus familiares, ainda
que nem sempre aquele desejado.
A segunda maneira de reação das famílias ocorre quando os pais se preocupam com o
isolamento de suas filhas, buscam informações a respeito dos TA na internet, assistem
documentários sobre o tema, interagem com outros familiares ou amigos próximos e/ou
buscam por si mesmos entender o que está acontecendo e decidem procurar ajuda. Quando
têm suas suspeitas confirmadas, a família “adoece/padece” como um todo. Os pais se sentem
culpados pelo adoecimento dos filhos e não conseguem lidar com tal situação. As mães, em
especial, entram em depressão e não conseguem mais acompanhar e ajudar no tratamento de
suas filhas. Os pais (homens) tentam da melhor forma possível conciliar os cuidados com a
esposa, a filha adoecida e outros possíveis filhos, mas se torna muito complexo dar conta de
todo esse arranjo. Para as adolescentes inseridas nessa configuração familiar, enfrentar o
tratamento é ainda mais difícil e a recuperação parece estar mais distante.
Assim ocorreu com Isabel, cuja mãe não suportou a dramaticidade do diagnóstico de
sua filha. Quando a conheci no serviço de saúde que acompanhei, Isabel já havia sido
internada, recebido alta e passado um tempo longe dos atendimentos. Estava retornando ao
serviço, sem a mãe ao seu lado dessa vez. O pai da adolescente esclareceu que estava
cuidando da casa, dos filhos e da esposa e que estavam passando por um período muito difícil.
Disse ainda que a filha deixou de frequentar o PTA após sua internação porque ele achou que
ela estava melhor e resolveu priorizar os cuidados com a esposa.
119
Nesses contextos, a dinâmica familiar pode estar fortemente afetada pela possibilidade
de perder a filha gravemente adoecida, aliada a sentimentos de culpa, impotência, frustração e
mágoas. Os pais inicialmente ficam muito confusos e ansiosos por agir de alguma forma, o
que pode levar a cobranças e controle excessivo com as filhas, elevando o nível de estresse no
núcleo familiar. Nesses casos, a equipe de saúde pode auxiliar esclarecendo dúvidas e
acolhendo essa família, inclusive sugerindo a assistência específica por profissionais de saúde
mental e assistentes sociais, caso necessário (GROSSMAN et al, 2008).
Por se considerar uma pessoa responsável, Yasmin esperava que seus pais, com os
quais afirma ter tido um relacionamento muito tranquilo até pouco antes de ser entrevistada,
lhe concedessem o direito de sair para se divertir e reconhecessem a importância de suas
relações de amizade e sentimentais (CICCHELLI, 2000, p. 126). Na adolescência a conquista
da autonomia passa pela prática de projetos pessoais distintos dos da família e por uma
abertura maior para atividades fora de esfera familiar e escolar. Yasmin fazia questão de
ressaltar que estava “praticamente com a maioridade” e, portanto, julgava-se apta a seguir seu
próprio caminho, longe dos olhos atentos de seus pais. Mas a noção de maioridade não é uma
questão de idade nem de estatuto social e grande parte dos pais considera que seus filhos só se
tornam adultos quando saem de casa para formar sua própria família (BELHADJ, 2000, p.724). Assim, a adolescente se frustrava por ainda ter de convencer os pais a deixá-la gastar seu
pouco tempo livre com atividades de interesse fora do grupo familiar.
Muitas vezes, os comentários críticos dos familiares acabam por atrapalhar mais que
ajudar e as adolescentes criam suas próprias estratégias para não entrar em conflito, isolandose em demasia. Yasmin resume com clareza o que se passa em relação às adolescentes e as
tentativas de ajuda vindas dos pais e parentes:
Porque eu acho que só quem vive isso pode saber. Porque eles estão vivendo, mas é
só na periferia, de fora... Aí eles falavam “bla, bla, bla, bla, bla”... Não adiantava
muita coisa. De um tempo pra cá, eu já vi o que eu quero e o que eu não quero pra
mim. Vi que eu tenho que fazer alguma coisa, então não adianta cobrar! Quem não
ia gostar de trocar a sexta feira livre. Porque sexta feira é o único dia que eu saio do
colégio e tinha o dia livre! O único dia! Tirando domingo! E fazer alguma coisa ao
invés de vir pra cá? E de onde eu moro tem que pegar metro, ônibus... Vou falar que
é bom? Não é! Eu já me acostumei, tenho assim pra mim que isso é uma coisa que
vai me ajudar, mas não é bom... (Yasmin, 17 anos)
Mesmo convivendo com o TA todos os dias, a compreensão dos familiares sobre o
sofrimento envolvido é diferente da adolescente que vive em seu corpo a experiência do
adoecer. Embora aqueles que sofrem com os TA muitas vezes acabem se isolando, é
120
reconhecido que, especialmente entre adolescentes, o apoio familiar ao longo do tratamento
são essenciais, conforme já foi destacado. Alguns autores (KYRIACOU et al, 2009; SMITH;
COOK-COTTONE, 2011; SCHOLZ, 2005) discutem que, sem a família, a recuperação pode
nunca chegar e a doença torna-se crônica. Dessa forma, os protocolos de tratamento adotados
nos maiores centros de tratamento em TA do mundo incluem a terapia familiar (CHEN et al,
2010; EISLER et al, 2007; GODART et al 2012; HONIG, 2005; RODES et al, 2009) como
um dos modos de auxiliar na resolução de conflitos, diminuir a carga de estresse enfrentada
pela família, ajudar os pais a lidarem com a culpa e a compreender suas filhas e o momento
delicado pelo qual estão passando, bem como ajudá-las a se entenderem e a encontrar um
meio de se deixarem ajudar.
No PTA não havia qualquer tipo de terapia em grupo, fosse um grupo de suporte aos
pais (tão necessário), um grupo com os familiares e as adolescentes ou entre as próprias
adolescentes. Esse fato foi ressaltado por elas como um dos pontos fracos do serviço de saúde
e é algo que elas considerariam essencial caso fossem estruturar um programa de atenção em
saúde ao adolescente com TA.
Após ter situado o processo de adoecimento vivenciado pelas adolescentes e suas
famílias, no próximo capítulo, passo a tratar a dinâmica de funcionamento do serviço de saúde
observado, revelando os imensos desafios postos para fazer face à complexidade da atenção
aos transtornos alimentares.
121
CAPÍTULO 4. ATENÇÃO À SAÚDE DE ADOLESCENTES COM
TRANSTORNOS ALIMENTARES
Nos tópicos que se seguirão, buscarei apresentar o Programa de Transtornos
Alimentares (PTA), sua equipe e dinâmica de atendimento, além de abordar os enormes
desafios implicados na atenção pública à saúde de adolescentes que sofrem de transtornos
alimentares, captados durante aproximadamente dois anos de observação participante no
Programa. Assim, muitas concepções ou pré-concepções que detinha sobre o tema foram se
modificando ao longo desse tempo.
4.1 O PROGRAMA DE TRANSTORNOS ALIMENTARES
Minha primeira visita ao PTA ocorreu em 21 de novembro de 2011. Como dito no
capítulo II, as tentativas e negociações para entrada em campo de minha pesquisa de
doutorado se iniciaram em março de 2011, com contatos e visitas a outros quatro locais que
ofertam atendimento aos transtornos alimentares na região metropolitana do Rio de Janeiro.
Por especificidades do atendimento ofertado ou exigências para a realização da pesquisa, tais
espaços foram descartados.
Até essa ocasião, não tinha conhecimento da existência do Programa de Transtornos
Alimentares. Em 29 de setembro de 2011, recebi por e-mail um convite para um evento de
lançamento de um programa para atendimento aos TA em adultos em uma policlínica de uma
universidade pública no Rio de Janeiro, que me interessou sobremaneira. Na época da minha
graduação, havia participado de outro evento em comemoração ao “Dia do Nutricionista”
nessa policlínica e desde então passei a integrar sua lista de e-mails, sendo alertada sobre
eventos e publicações na área de nutrição. No dia da mesa de lançamento, senti que tudo era
ainda muito incipiente, a nova equipe do serviço que se iniciava parecia ser inexperiente no
assunto, mas durante o debate, o diretor do Serviço de Saúde do Adolescente da mesma
universidade se apresentou e divulgou o PTA, que ao contrário do serviço que se inaugurava,
atendia menores de 18 anos. A partir da oportunidade deste evento, do conhecimento sobre
outro espaço voltado para adolescentes, um contato com uma antiga diretora do Serviço de
122
Saúde do Adolescente foi feito, a qual mediou um encontro com a então coordenadora do
PTA que não mediu esforços para me franquear a realização deste trabalho.
O PTA foi organizado no ano de 2005 como desdobramento do atendimento de uma
adolescente com AN, internada na enfermaria do SSA no Hospital Universitário (HU).
Derivou de iniciativa pessoal de uma profissional de saúde, sensibilizada pela necessidade de
congregar esforços para o atendimento destes males, antes atendidos de modo disperso pelos
vários ambulatórios existentes no SSA. Embora sua criação date de 10 anos atrás, tais
transtornos já vinham sendo ali atendidos há mais tempo.
O PTA situa-se então no âmbito de um Serviço mais amplo para adolescentes, com
oferta de atenção à saúde em várias especialidades, que por sua vez está inserido em um HU.
A sua designação como “Programa” e não somente um ambulatório de certa especialidade
médica está relacionada à possibilidade de internação 9 das usuárias na enfermaria de
adolescentes, caso haja necessidade. Essa possibilidade de congregar diferentes dimensões do
cuidado à saúde, em âmbito ambulatorial e hospitalar, torna a proposta de atenção do PTA
bastante interessante. Acredito que seja seu grande diferencial em relação aos outros espaços
visitados, que ofereciam apenas o atendimento ambulatorial. Assim, quando havia a
necessidade de internação (o que é frequente nos TA), muitas vezes não tinham sequer um
espaço disponível para fazer os encaminhamentos e os usuários destes serviços acabam por
não dar seguimento aos atendimentos, mesmo no ambulatório.
Devido a sua inserção no contexto universitário, o PTA reúne as dimensões de ensino,
pesquisa e extensão, aspectos que respondem por especificidades relativas à composição de
sua equipe de profissionais, uma parte flutuante ou temporária, composta por profissionais de
saúde em formação (graduação) e treinamento (residência médica e multiprofissional).
Embora situado no espaço acadêmico, o foco do PTA para a pesquisa científica não é
preponderante. Sua dimensão assistencial ganha importância frente à demanda que recebe e
ao perfil dos profissionais que nele atuam. Assim, com frequência fui apresentada como
“pesquisadora” do Programa aos visitantes que chegavam para dar algum informe ou
perguntar algo durante as reuniões de equipe. “Temos até uma pesquisadora” foi uma frase
muito pronunciada nos primeiros meses do campo em relação à minha presença dentre a
equipe (TONIOL, 2014). Curiosamente, em outros serviços públicos onde busquei realizar
9
A questão da internação de adolescentes gravemente adoecidas pelos TA será abordada no próximo capítulo,
pela sua importância e complexidade envolvida para equipe de saúde do PTA, as adolescentes, seus familiares e
para o SSA como um todo.
123
meu trabalho de campo, minha entrada foi recusada para não ser mais uma “especialista” a
competir com a equipe de profissionais de saúde existente no local, os quais também
acumulavam a função de pesquisadores.
No Brasil, há escassez de serviços públicos de saúde que tenham uma estrutura voltada
para oferta de atendimento aos TA. O fato do PTA não constar do website do SSA me
chamou a atenção, posto que a divulgação na internet aumentaria a sua visibilidade, podendo
auxiliar um número maior de adolescentes e familiares que possam estar em busca de
tratamento. Decerto sua divulgação publica na web poderia aumentar muito a demanda para
atendimento no Programa, que possui equipe pequena e número de atendimentos semanais
limitado. Ao longo do trabalho de campo, ficou claro que o atendimento de ampla demanda,
não era o foco desse serviço, talvez por isso a omissão de sua existência no website do SSA.
No entanto, o Programa de Obesidade em Adolescentes, que é mais antigo, mais conhecido
dentro do SSA e com uma equipe maior, também não consta no site, que possivelmente não
deve ser atualizado periodicamente quanto à estrutura de serviços ofertados e os profissionais
que nele atendem. De todo o modo, a sinalização da existência do PTA dentro de um espaço
voltado à saúde do adolescente, é algo que deveria ser avaliado pela equipe que almeja se
tornar reconhecida pelo trabalho que desenvolve no âmbito da atenção aos TA no Brasil.de
4.2 A EQUIPE DE SAÚDE
A equipe de saúde do PTA sofreu algumas alterações durante o período em que estive
realizando a observação. Inicialmente era composta por 2 profissionais de psicologia, 1 de
psiquiatria, 1 de nutrição e 2 de clínica médica. Faziam também parte da equipe 1 estagiária
da psicologia, 1 residente de nutrição, 2 residentes de psicologia e alguns residentes de
medicina. A rotatividade semestral ou anual dos residentes e estagiários é constante. Também
havia uma única assistente social para todo o Serviço de Saúde de Adolescentes, o que a
impedia de participar das reuniões de equipe do Programa. Quando finalizei o campo, o SSA
estava sem assistente social e a equipe do PTA não contava mais com a profissional de
psiquiatria. A psiquiatra passou a integrar outro grupo, interrompendo os atendimentos no
SSA e se deslocando para o HU. No entanto, seus pacientes adolescentes mais antigos com
TA que ainda necessitavam de acompanhamento, passaram a ser atendidos por ela na
124
psiquiatria do HU, geralmente em dia diferente do ambulatório do PTA. Por algum tempo, a
coordenadora do PTA buscou um psiquiatra para atender aos adolescentes com TA, sem
êxito. A chegada de nova psiquiatra, designada pela Direção do Serviço de Saúde do
Adolescente e Coordenação de Psiquiatria do HU levou mais de seis meses, período no qual
os pacientes novos ficaram sem atendimento psiquiátrico.
Em minha primeira visita ao campo, procurei pela coordenadora do Programa, que já
sabia da minha ida. Quando me apresentei, ela se sentiu aliviada, por temer que eu fosse uma
nova paciente!10 Ao me apresentar, falei do projeto de pesquisa e seus objetivos, da
importância do meu distanciamento para conseguir realizar a pesquisa, não atuando como
nutricionista, e dos serviços antes visitados. Ela foi extremamente receptiva, atribuindo o fato
de eu ter procurado o PTA para desenvolver minha pesquisa como sinal de seu
reconhecimento e legitimidade no âmbito acadêmico.
No mesmo dia que cheguei ao Programa fui apresentada ao restante da equipe e
percebi que havia obtido boa acolhida em campo para fazer a etnografia. Para iniciar o campo,
foi necessário providenciar alguns documentos de autorização firmados entre o PTA e o SSA
e o IESC/UFRJ. A formalidade e a submissão às regras sociais eram valores sempre ali
exaltados, por vezes incompatíveis com o comportamento adolescente. Quando finalizei o
trabalho de campo e apresentei uma carta de agradecimento à instituição, fui elogiada
publicamente diante de outros alunos, com destaque à minha postura sempre muito educada e
respeitosa com a hierarquia local. Não foi à toa, que outros pedidos de aprovação de pesquisa
no PTA foram recusados, sempre por não terem acatado o devido ritual de primeiro se
dirigirem à coordenação do PTA.
Dentro de um hospital, a medicina ocupa posição de destaque na concepção
hegemônica sobre processo de saúde e doença e os médicos, enquanto categoria profissional,
ocupam uma posição de soberania sobre as profissões ao redor (CARAPINHEIRO, 1998).
Assim, o fato do PTA ser coordenado por uma mulher psicóloga, e não por um médico é
sempre ressaltado. No entanto, a diferença de gênero e de formação na coordenação de um
programa de saúde, se conjuga com “mãos de ferro” para governar, conforme o apelido de
“general”, recebido dos colegas do SSA. A subordinação de sua posição como mulher nãomédica em um espaço rígido e socialmente demarcado como um hospital termina sendo
compensada com o rigor excessivo com o qual PTA é coordenado.
10
Reforçando minha imagem jovial e magra, como tantos outros que ali aguardam.
125
Nessa equipe havia um único homem, um médico clínico, que fazia residência em
psiquiatria e também o único profissional de saúde que oferecia resistência às determinações
da coordenadora, discordando dela com frequência. O atrito entre o clínico/psiquiatra e a
coordenadora/psicóloga a incomodava sobremaneira, a ponto de eu ter recebido a
recomendação de não conversar muito com ele, pois sua conduta profissional não estava em
acordo com os parâmetros adotados no PTA e não deveria ser abordada na pesquisa. Conflitos
públicos que envolvessem as relações de hierarquia e de gênero sempre desestabilizavam a
coordenação do Programa.
Por ter se estruturado em decorrência do esforço e iniciativa pessoal de um
profissional de saúde, a equipe do PTA, apesar de agregar profissionais com diferentes
competências e tempo de trabalho na instituição, não se sentia apta a tomar qualquer decisão,
sem o conhecimento da coordenação. A equipe não possuía autonomia para tomada de
decisão, a presença da coordenadora era sempre necessária. Em sua ausência, não havia
substitutos ou vice-coordenação, nenhuma decisão sobre agendamento de consultas ou alta de
usuárias poderia ser tomada.
Na etnografia realizada por Carvalho (2014) em um Centro de Atenção Psicossocial, o
autor se refere à tensão entre a divisão de tarefas e as hierarquias dentro de uma equipe
multidisciplinar. Embora os acordos fossem estabelecidos e negociados, as divergências
permaneciam entre o tipo de terapia mais adequada aos usuários e o que poderia ou não ser
considerado terapêutico. Esses conflitos acabam por exacerbar a necessidade de defesa da
legitimidade de cada área profissional.
A coordenação do PTA tem um cariz centralizador, uma postura pouco flexível, mas é
preciso entender melhor esse jogo de forças e hierarquias que estão em atuação nessa equipe
multiprofissional. Considera-se que o poder médico no hospital se localiza no serviço, mais
especificamente em sua dimensão assistencial. Por isso, o atendimento em saúde é o lugar
principal para se analisar o regime disciplinar do saber médico, e estudar a relação dos
poderes-saberes médicos com o poder administrativo, podendo revelar quais formas cada um
desses poderes assume (CARAPINHEIRO, 1998). O hospital é uma instituição mantida e
governada pelos profissionais, onde estes se reúnem a fim de concretizar seus respectivos
projetos. Em cada profissão, destacam-se não apenas uma diversidade de treinos e
competências, mas também uma diversidade de ideologias relativas à etiologias e tratamentos
das doenças, elementos base para o desencadeamento de múltiplos processos de negociação.
Sendo também uma organização burocrática, é controlado por grupos que desempenham as
126
tarefas mais difíceis e críticas e são as características destes grupos que determinam as
políticas, regras e os objetivos organizacionais (CARAPINHEIRO, 1998; STRAUSS et al,
1963).
Em toda equipe de saúde, a posição ocupada pelo coordenador é delicada, pois cabe a
ele assegurar a objetividade profissional do grupo e a firmeza nas condutas terapêuticas.
Geralmente, o tempo de atuação profissional também interfere no estabelecimento da
hierarquia dentro da equipe, de modo que, antes de qualquer decisão referente aos usuários, o
coordenador é consultado, mesmo que seja necessária a interrupção da consulta (SILVA,
2011). Assim, é preciso relativizar as práticas sociais destes agentes, contextualizando-as no
cenário institucional onde ocorrem, em suas limitações e precariedades, no que se refere aos
recursos disponíveis para atuar de modo muitas vezes “improvisado”. No panorama da
atenção pública aos TA no Rio de Janeiro, bastante restrito, a missão da coordenação de
manter funcionando um Programa que não recebe o necessário apoio institucional tem sido
árdua, bem como dos componentes da equipe, que precisam se manter motivados para atuar
em um Programa com todas as dificuldades que enfrentam.
4.3 DINÂMICA DE ATENDIMENTO AO PÚBLICO
O PTA possui atendimento ambulatorial semanal e, se necessário, é possível acionar o
hospital, em casos graves de internação, embora a enfermaria voltada para adolescentes nem
sempre possua vagas disponíveis. São atendidos adolescentes de ambos os sexos, embora a
maioria seja do sexo feminino, entre 12 e 18 anos e os cuidados não se limitam a pacientes
com diagnóstico de AN concluído. Isso quer dizer que, mesmo a equipe não fechando os
critérios clínicos para o diagnóstico de AN (como previsto no DSM), o adolescente será
absorvido para acompanhamento ambulatorial. No PTA são atendidos casos de anorexia e
bulimia nervosa. Os casos de compulsão alimentar que cursam com obesidade são atendidos
no Programa de Obesidade, o qual tem ambulatório em outro dia da semana. Há casos de
usuárias com AN que migraram ou estão migrando para o sobrepeso ou obesidade, nessa
situação continuam no PTA com a mesma equipe que já a conhece.
A entrada no serviço de saúde se dá por inúmeras maneiras: encaminhamento de
outros hospitais, da rede de atenção básica, por alguma possível reportagem do serviço na
127
mídia, pelo boca-a-boca, demanda espontânea, etc... Ao chegar ao PTA, a usuária
primeiramente passa pelo atendimento da saúde mental (psicologia). Depois ela circula no
Programa sendo atendida pelos outros profissionais de saúde. Geralmente, é a própria
coordenadora quem faz essa “escuta inicial” e, em seguida, apenas apresenta a adolescente à
nutricionista, que atende no consultório ao lado, para fazer uma primeira aproximação. O
primeiro atendimento ocorre em um dia e a usuária é marcada para iniciar o acompanhamento
no PTA na semana seguinte. Primeiro, ela será encaminhada à clínica, depois à psicologia e
por último à nutrição. Essa ordem, no entanto não é fixa.
Os atendimentos ocorrem todas as quartas-feiras pela manhã, das 8:30 às 12:30 horas
(geralmente por volta das 11:30 horas já havia encerrado). As usuárias devem chegar cedo,
pois a entrega do cartão de marcação de consultas deve ser feita na recepção da enfermagem
entre 8:00 e 9:00 horas. A equipe de enfermagem organiza esses cartões por ordem de
chegada na bancada da estante que fica no corredor interno do serviço de saúde. Ao final da
reunião de equipe, os profissionais pegam os cartões e vão chamando na ordem. A agenda
para marcação de consultas de clínica médica do PTA, bem como os prontuários ficam
guardados na estante da sala de reuniões.
A equipe de saúde se reúne entre 8:00 e 8:30 horas para discutir os casos que serão
atendidos naquele dia e informes de algum possível paciente do PTA que esteja internado na
enfermaria de adolescentes. Assim, a mesma equipe que atende os pacientes no ambulatório
permanece acompanhando-o em caso de internação, embora haja uma equipe que é
exclusivamente da enfermaria de adolescentes e que faz o cuidado diário. Desse modo, há um
feed-back para todos da equipe sobre como está sendo o tratamento na internação. Ao término
da reunião, cada profissional de saúde segue para sua sala. Essas reuniões me ajudaram muito
no início do campo a conhecer melhor a equipe e também as adolescentes. Aproximando-me
da compreensão deste processo de adoecimento por parte da equipe, pude contrastá-la
posteriormente com a da própria adolescente. Avalio como positiva para a equipe a existência
dessas reuniões, pois ao longo do turno de atendimentos era difícil conseguir reunir todos para
falar sobre as usuárias. No entanto, quando finalizei o campo, elas praticamente não ocorriam
mais, talvez pelos desgastes entre a equipe ou desmotivação dos profissionais.
A cada quarta-feira são atendidos no máximo 5 pacientes no ambulatório de TA, 4
subsequentes e um de primeira vez. Na agenda da clínica médica havia espaço para o número
do prontuário, nome do usuário, telefone e passou-se a colocar “P” para presença e “F” para
128
os adolescentes faltosos. Na verdade, trata-se de uma pasta transparente que permite a retirada
e o acréscimo de folhas avulsas impressas do computador.
Minha rotina de observação participante no Programa foi se definindo da seguinte
forma: acompanhava a reunião de equipe e posteriormente me dividia entre observar os
atendimentos da nutrição ou da clínica médica e a sala de espera. Mesmo reforçando antes de
cada atendimento que eu estava ali como pesquisadora para observar, quase sempre fui
apresentada aos adolescentes e seus responsáveis pelos profissionais do serviço ou pelos
residentes como nutricionista. Mas ainda assim, durante as entrevistas ou mesmo conversando
na sala de espera, percebia que as adolescentes haviam esquecido essa informação
(possivelmente pelo número e diversidade de profissionais, residentes, estagiários que as
circundam). Nos consultórios, geralmente ficava assentada em uma cadeira no fundo da sala,
ou mesmo em pé. Na consulta de nutrição, apenas eu observava, na de clínica quase sempre
havia algum aluno ou residente de medicina.
Na nutrição quem faz a maioria dos atendimentos é a residente, e a nutricionista
apenas assiste para depois que o paciente sai da sala orientar a aluna. Nas consultas em que
observei, ela não ficou na sala justificando que seriam muitas pessoas e isso poderia assustar
as adolescentes. De fato, nas consultas de medicina que eram sempre cheias, era comum que
as adolescentes ficassem acanhadas.
A princípio, uma das residentes de nutrição ficava insegura por eu estar observando.
Quando a adolescente saía do consultório, a residente costumava se desculpar por ter feito
algo de errado, perguntava minha opinião e dizia que esperava ter me ajudado. No início, eu
tinha dificuldade com essas consultas, porque formulava condutas diferentes e pensava numa
série de intervenções possíveis. Eu tinha vontade de intervir ou de complementar. Sentia a
“dualidade identitária” abordada por Zambrano (2010, p.64) ao iniciar sua pesquisa de
mestrado.
Embora no início do campo não estivesse clara minha formação como nutricionista
para todos os membros da equipe do Programa, sempre esteve claro que eu era também uma
profissional de saúde, o que serviu como um elemento facilitador para as observações das
reuniões, consultas (FERREIRA, 2014; FERREIRA, 2011) e mesmo para melhor aceitação de
minha presença entre a equipe.
129
O fato de ser nutricionista tinha outra implicação para a pesquisa, a necessidade de
exercer um olhar antropológico (estranhar, me distanciar) em um contexto relativamente
familiar. Seria possível observar e descobrir fatos novos que me obrigassem a desconstruir
ideias pré-concebidas (FERREIRA, 2014)? Na verdade, o desafio estava em apreender essa
realidade e considerar como dado de pesquisa todas as concepções inerentes a minha
formação.
Oliveira (1998) afirma que um dos pontos mais difíceis de sua pesquisa foi separar o
médico clinicando do antropólogo em campo. Até deixar o papel de nutricionista, embora em
verdade nunca o tenha deixado, e me colocar no lugar de observadora levou certo tempo, mas
nunca opinei sobre as condutas, sempre reforçava o quanto as observações eram importantes e
procurava deixar o profissional o mais confortável possível com a minha presença. Essa
dificuldade em lidar com a chamada “dupla identidade” de nutricionista e pesquisadora
também foi relatada nos trabalhos de Ferreira (2011), Menezes (2006) e Chazan (2005).
Durante as minhas observações, deixava claro que estava observando a dinâmica do
atendimento e não a postura ou conduta profissional. Do mesmo modo que Ferreira (2014),
quando estava assistindo a uma consulta, procurava ser o mais discreta possível e apenas
opinava quando era solicitada, embora isso tenha se tornado cada vez mais frequente. Como
nutricionista nunca havia atendido um caso de TA e tinha uma curiosidade profissional sobre
como seria a terapêutica utilizada nesses casos, o que me fazia formular questões e pensar em
atitudes diferentes das que via sendo apresentadas às adolescentes e seus familiares. Assim,
percebia de forma mais contundente nas consultas de nutrição a pouca sensibilidade para se
adequar a conduta nutricional às necessidades e possibilidades da adolescente e seus
familiares.
Como exemplo, havia uma adolescente cuja família possuía precárias condições
socioeconômicas, mesmo assim, foi sugerido pela jovem residente comprar Sustagem® e
barrinhas de cereal, além de adquirir uma garrafinha de água que andava na moda entre os
frequentadores de academia e tinha o custo de R$20,00 a R$30,00. Se, tal como se cogita, a
AN se inicia após uma dieta que perdeu os limites na busca por atingir um certo padrão
corporal de beleza, a sugestão da residente em incluir na rotina diária e alimentar da
adolescente, itens comumente usados, porém caros para ela e sua família, poderia contribuir
ainda mais para que ela se sentisse fora dos padrões que tanto persegue. Por vezes, não há
uma sensibilidade social para adequar as prescrições às condições materiais de existência das
jovens e suas famílias.
130
Assim como descrito por Chazan (2005) em sua etnografia com gestantes, minha
presença nas consultas sempre pareceu incomodar aos profissionais de saúde e não as
adolescentes atendidas.
Logo que cheguei em campo a nutricionista conversou comigo buscando me ajudar e
também entender o que eu estava procurando junto ao PTA. Fez questão de falar o tempo que
trabalha “na casa”, há mais de 25 anos, e sempre que podia se referia a mim e aos clínicos que
atendem TA como “crianças”, dando a entender que ainda nos falta muito em experiência
para chegar à compreensão que ela tem sobre o Programa e a AN.
Nessa conversa inicial, a nutricionista minimizou a atuação da nutrição no PTA em
prol da atuação psicológica, assinalando o desequilíbrio mental das adolescentes (“cabeça
podre”), exemplificado pela interrupção da ingestão de água para não inchar, o que ela
considera absurdo. Destacou as inúmeras limitações da intervenção profissional do
nutricionista frente a uma compreensão da doença como transtorno mental e não propriamente
alimentar. Essa concepção fica muito clara também em sua participação durante as reuniões
de equipe.
Sobre as consultas que acompanhei na clínica médica, a profissional sempre nos
questionava (residentes e eu) se queríamos contribuir e costumava me perguntar questões
relacionadas à nutrição. Como as perguntas e comentários eram feitos na ausência da usuária,
costumava responder e interagir com quem estava na sala. A médica tem uma postura firme
com as adolescentes e, de início, eu sentia pena ao ver uma adolescente chorando e dizendo
que comeu tudo direitinho durante a semana e que ninguém acreditava nela. Com o tempo,
percebi que se a médica acreditasse numa adolescente que perdia cada vez mais peso a cada
semana, mesmo dizendo que não estava se exercitando e comendo todos os alimentos nas
quantidades prescritas, ela estaria sendo conivente e não as ajudaria no tratamento. É difícil
não se deixar levar pelos apelos adolescentes, mas a médica clínica sabia discernir a gravidade
dos fatos e os choros das adolescentes não a fazia esmorecer em suas condutas.
Por se tratar de um serviço de saúde ligado a uma universidade, portanto, voltado à
formação discente, a convivência entre residentes e adolescentes apresenta contornos
interessantes. O atendimento realizado pelos médicos residentes desencadeia em ambos os
lados reações de insegurança. No caso do residente, por ainda estar em treinamento e ser
muitas vezes desafiado em seu “saber” durante as consultas. Quanto à adolescente, por desejar
131
alguém que aparente maior experiência e maturidade para exercer tal função. Creio que o
constrangimento maior se deva ao fato de ambos serem igualmente jovens.
Um relato elucida bem tal estranhamento. Durante três semanas, um brasileiro,
estudante de medicina na Alemanha, que estava de férias no Rio, acompanhou as atividades
no PTA como parte de um trabalho acadêmico que estava fazendo. Um dia, ao aguardar
comigo no corredor para assistir uma consulta revelou que ficava apreensivo, pois sentia que
sua presença causava desconforto. Esclareceu que a consulta anterior que havíamos assistido
foi com uma adolescente de 17 anos e ele, por ter apenas 19 anos, percebia que não deveria
“fazer sentido” para essas meninas o ver no consultório, pois ele ainda era “um menino”. Do
mesmo modo, muitos residentes se passariam por adolescentes e talvez por isso também
ficassem inseguros. Especialmente durante o exame físico na consulta médica (conforme
destacado no capítulo anterior), por vezes realizado em uma sala com 3 ou 4 pessoas
observando, as adolescentes sentiam-se bem constrangidas.
Quando comecei a participar das reuniões de equipe, inicialmente as pessoas não
pareciam curiosas com a minha presença e não entendiam bem o que eu estava fazendo lá.
Com o tempo, no entanto, diferentes profissionais de saúde do PTA começaram a questionar
se eu estava gostando, se minhas idas estavam sendo úteis e se poderiam me ajudar de alguma
forma. Da mesma forma, Faria (2008) afirma que mesmo sem compreender exatamente o que
ela buscava, a equipe da unidade de saúde se esforçava para ajudar em seu trabalho.
Poucos meses após o início das observações, a coordenadora clínica do SSA apareceu
na reunião do PTA para dar um recado e houve uma roda de apresentações, pois havia novos
residentes e algumas pessoas ainda não se conheciam. Na minha vez, percebi que algumas
pessoas que já me conheciam, julgavam que eu era psicóloga e nem mesmo sabiam meu
nome. Houve espanto quando falei que era nutricionista, no entanto sempre ficou claro que eu
tinha formação na área da saúde e isso era um dado importante que me fazia por vezes ser
tratada como membro da equipe. Machado (2008) buscou afirmar seu lugar de pesquisadora e,
portando, alguém de fora da equipe de saúde do local onde realizou seu campo. No entanto, o
fato dela ser psicóloga era algo importante e que marcava o seu lugar naquele espaço.
Nessa ocasião ficou claro que as pessoas tinham muita curiosidade em saber mais
sobre o que eu estava fazendo, mas não me perguntavam diretamente. Expliquei que na época
estava fazendo um período de observação, mas que posteriormente passaria às entrevistas com
as adolescentes. Disse que estava muito grata pela oportunidade de estar lá e que estava
132
aprendendo muito. A resposta pareceu satisfatória e a próxima pessoa começou a se
apresentar.
O fato de estar observando nunca foi bem compreendido. Por vezes, os profissionais
de saúde me abordavam na sala de espera e perguntavam o que eu estava fazendo lá. Ou
quando abriam a porta do consultório para chamar um usuário e me viam sentada
correspondiam com um “sorriso amarelo”. Após uma reunião de equipe, a coordenadora me
perguntou se eu queria continuar naquela sala e eu disse que iria para a sala de espera. Nesse
dia ela passou por lá diversas vezes me observando. Na semana seguinte questionou o que eu
havia feito sentada em meio aos usuários por toda a manhã e o que eu estava escrevendo.
Procurava dar a mesma resposta a todos, afirmando anotar detalhes da rotina, observando as
interações entre as pessoas e essa resposta era sempre bem aceita.
Algumas das situações que observei ocorreram precisamente porque eu estava
observando, especialmente nas reuniões de equipe. Tais situações se repetiam diversas vezes e
em alguns casos ainda recebia uma recomendação: “Isso é legal você anotar para colocar na
sua pesquisa”. Menezes (2006, p.24) destaca que mesmo sabendo que ela estava junto à
equipe observando com o propósito de realizar seu estudo, muitos profissionais não
conseguiam se comportar com espontaneidade e havia uma preocupação da equipe em
“passar” a melhor imagem.
O Programa no qual a pesquisa foi realizada apresenta um importante diferencial em
relação aos outros serviços de saúde visitados anteriormente pelo fato de estar voltado para a
população adolescente. A AN é uma doença grave com curso crônico, cujo início
normalmente se dá com um jejum progressivo e, muitas vezes, os familiares só percebem ou
identificam o problema quando o emagrecimento torna-se acentuado (ESPÍNDOLA; BLAY,
2009; APA, 2000). Pessoas com AN demandam acompanhamento intenso, com participação
de uma equipe multidisciplinar e apoio constante da família (NICOLETTI et al, 2010).
Devido à gravidade dos casos, a internação invariavelmente se faz necessária (GUIMARÃES
et al, 2002). Dentre os serviços visitados, apenas este conseguia ofertar a atenção ambulatorial
e a internação hospitalar. Nos outros serviços, não havia a possibilidade de internação e esses
espaços não podiam manter os usuários mais graves apenas com cuidados ambulatoriais. No
entanto, ao longo do período de observação pude constatar que a questão da internação não é
balizada apenas pela necessidade ou gravidade do caso, tema a ser discutido no capítulo
seguinte.
133
No PTA ocorreram dois casos de óbito de adolescentes, ambas com AN. Uma delas
chegou bastante grave, foi logo internada, mas ao deixar a internação sumiu dos atendimentos
e, quando retornou, já estava muito debilitada e faleceu em poucos dias. O PTA, mesmo
sabendo que costuma ser comum as pacientes com TA terem resistência a iniciar e seguir o
tratamento e que tais ausências especialmente em estágios avançados da doença são correntes,
não possui condições para buscá-las quando há abandono do tratamento. Se uma adolescente
em acompanhamento no Programa desaparece e depois de algum tempo retorna ainda mais
grave, o PTA não costuma investigar a fundo tal ausência, que talvez pudesse revelar sobre as
muitas ambiguidades do tratamento. Ao retornar de um período de abandono do tratamento, a
adolescente e seus responsáveis podem ser passíveis de críticas e repreensões. A frase “elas
(as adolescentes) tiram férias quando querem, mas nós não podemos tirar férias delas!” dita
em uma das reuniões de equipe, é bem representativa do quanto o PTA está ciente de que essa
postura instável é comum, mas isso não deveria de modo algum ser banalizado ou
negligenciado.
A outra adolescente que veio a óbito faleceu no mesmo dia em que foi internada no
Serviço de Adolescentes. Era atendida em outro serviço público de psiquiatria, sem condições
para internação e foi encaminhada para o PTA quando seu quadro se agravou. Sua mãe havia
primeiro buscado ajuda em uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA), antes de levá-la
direto ao PTA. Ao chegar na internação da enfermaria de adolescentes, a mesma faleceu
poucas horas depois de internada. Acredito que muitos casos sigam por esse caminho, porque
há desinformação e eventualmente omissão por parte dos profissionais, dos serviços de saúde
e inicialmente até mesmo dos pais que acreditam que a filha esteja renitente em se alimentar,
conforme presenciei algumas vezes no Programa. De fato, há carência de serviços de saúde
estruturados, com ambulatório e internação disponíveis para atender os casos de TA e,
especialmente profissionais capacitados e sensíveis para acolher essas adolescentes com TA
no Brasil.11
11
Em 2012, haveria um simpósio no Estado do Rio de Janeiro para reunir os diferentes serviços que ofertam
atendimento em saúde aos TA, no sentido de promover a troca de experiências e intercâmbio institucional. Seu
cancelamento evidencia a dificuldade de articulação institucional, o que acaba por comprometer a formulação de
estratégias coletivas para melhor acolher aqueles que padecem desses transtornos na região.
134
4.4 A CONSTRUÇÃO DO DIAGNÓSTICO
No PTA o diagnóstico fechado para anorexia e bulimia nervosa não é um pré-requisito
para o atendimento aos adolescentes e há discordâncias na equipe quanto a tal aspecto. Um
dos profissionais de saúde afirma que se os critérios do Manual de Diagnóstico e Estatística
das Perturbações Mentais (DSM) fossem seguidos à risca, mais de 50% dos pacientes
acolhidos no Programa estariam excluídos. Por não adotarem rigidamente tais critérios
diagnósticos, ele questiona se o Programa pode ser considerado de fato um serviço
especializado em atendimento aos TA.
No trabalho de Marini (2013) a autora esclarece que a instituição etnografada não
possui sede própria, e cada profissional atende em seu próprio consultório, assim as
psicanalistas se reúnem uma vez por semana em um lugar específico para discutir os casos,
triagens e burocracias, mas as pacientes fazem o contato inicial por e-mail ou telefone e, uma
vez que se identifique uma possível necessidade de atendimento há o encaminhamento para
triagem. No entanto, a triagem ainda não garante o atendimento, uma vez que esse só ocorrerá
se o diagnóstico for de AN ou BN, qualquer outro diagnóstico ou a ausência de uma hipótese
diagnóstica não será acolhido para atendimento.
O espaço escolhido por Marini (2013) apresenta outras peculiaridades: é uma
instituição psicanalista que se baseia em critérios diagnósticos psiquiátricos para orientar seu
atendimento e trabalha exclusivamente com TA cuja abordagem legitimada demanda uma
equipe multiprofissional. A adoção dos diagnósticos fechados apresenta uma contradição,
pois nesse estágio de adoecimento, além da necessidade da equipe multiprofissional, a
internação é indicada na maioria dos casos e a instituição não oferece nenhum dos recursos.
Assim, o que fazem é indicar para as pacientes o acompanhamento de outros profissionais,
geralmente psiquiatras e nutricionistas, alguns indicados pelas psicanalistas, chegando a se
recusarem a atender a paciente caso ela opte por não fazer os acompanhamentos paralelos.
Esse exemplo ilustra a realidade brasileira em relação à atenção aos TA. A escassez de
instituições com formação e estrutura adequada, aliada à precariedade de recursos a serem
investidos para a formação de novos espaços ou melhoria dos existentes, estimula os
profissionais com interesse em trabalhar nessa área a ofertarem soluções paliativas ou
particulares para o problema. Aqueles que padecem dessas doenças se tornam reféns de
135
exigências muitas vezes descabidas para que sejam atendidos em determinados locais. No
caso dessa instituição, apenas os sintomas sugestivos de TA não eram suficientes para acolher
o paciente no atendimento. Paradoxalmente, ao “aguardar” a consolidação do TA tal como
descrito nos manuais psiquiátricos, a paciente já retorna com um quadro grave instalado, no
qual a estrutura oferecida não contempla o acompanhamento necessário.
Acredito que o fato do PTA não exigir o diagnóstico totalmente concluído para então
absorver um usuário é um ponto positivo. Em relação aos TA, o prognóstico é considerado
muito pior quando todos os critérios estão instalados. No entanto, não são todos os serviços de
saúde que têm essa concepção e o diagnóstico preciso ainda tem um peso muito grande
estando, por vezes, acima da saúde e bem-estar do paciente.
Nos outros serviços de saúde em que busquei realizar a pesquisa, se a paciente fosse
diagnosticada com AN clássica, ou seja, a que preenche os critérios para fechar diagnóstico,
ela não seria atendida. Parece contraditório, mas devido à gravidade do quadro e à
impossibilidade de internação, os serviços optavam por não tratar o caso apenas com
atendimento ambulatorial. No entanto, nenhum encaminhamento era feito para a paciente, até
porque não há no estado do Rio de Janeiro um local que seja referência para atendimento de
TA, a ponto de acolher a demanda não absorvida dos outros serviços de saúde, podendo
oferecer a essas pessoas o tratamento com uma equipe multiprofissional, acompanhamento
ambulatorial e internação. Ou seja, profissional algum soube me explicar para onde iam essas
pessoas que, uma vez chegando ao serviço de saúde em risco de vida e, não recebendo a
devida atenção, não tinham mais a quem recorrer. A chamada AN atípica, ou seja, aquela que
“é grave, mas não é tanto”, essa sim era atendida. Em um dos serviços de saúde havia
inclusive um ponto de corte do Índice de Massa Corporal (IMC) e somente acima daquele
valor era atendido. Assim, uma pessoa poderia chegar para atendimento e, após ter o valor do
seu peso em quilogramas dividido pela sua altura ao quadrado em metros, se o valor fosse
inferior ao estipulado, precisaria abandonar os atendimentos.
O outro lado da moeda é também cruel. Como visto, uma pessoa poderia ir buscar
atendimento em um serviço de saúde e, uma vez que não está ainda tão adoecida a ponto de se
enquadrar nos critérios diagnósticos previstos e utilizados em todo o mundo, não poderia ser
atendida pela equipe. Essa questão de fechar ou não os critérios para diagnóstico da AN é
discutida não apenas no Brasil, mas em todo o mundo entre aqueles que se dispõem a atuar e
pesquisar nesse campo. Por um lado, se defende a existência dos critérios para reconhecer a
136
doença, produzir dados estatísticos, intervenções e comparações entre os casos e contextos.
Por outro, sabe-se que são critérios muito rígidos e nessa etapa em que a doença já está
instalada tem grandes riscos de se tornar crônica, quando não leva a óbito. No website de um
serviço ligado a uma universidade pública em São Paulo, constam somente quatro outros
serviços em São Paulo, um na Bahia, um no Rio Grande do Sul e um no Rio de Janeiro, para
atendimento aos TA no Brasil.
A AN possui um claro viés de gênero. Alguns autores sugerem que a AN se inicia
mais ou menos na mesma idade nos meninos e nas meninas (WOODSIDE et al., 1990), mas o
mais comum é afirmar que o quadro em homens se inicia mais tardiamente do que nas
mulheres, entre 18 e 26 anos (BRAMON-BOSCH et al., 2000; CARLAT; CAMARGO
JÚNIOR, 1991). Como tem sido uma doença associada com a adolescência e as mudanças
peculiares dessa fase, o fato de homens iniciarem o quadro mais tarde estaria ligado à
puberdade mais tardia nos meninos (MELIN; ARAÚJO, 2002). Há ainda quem aponte que a
adolescência para as meninas representa um período mais traumático e com maiores
mudanças, repleta ainda de alterações hormonais que propiciam o acúmulo de gordura
corporal, o que não acontece nos rapazes e, por conseguinte, reduziria as chances destes
desencadearem o TA (BRAUN et al, 1999).
Na AN a utilização do determinismo biológico termina por reafirmar o viés de gênero
amplamente disseminado. A discussão sobre sexo e gênero na vida social pode ser
problemática devido ao uso indevido da palavra “natural”, de modo que, por vezes, as
diferenças entre mulheres e homens são tomadas como originárias da biologia (MOORE,
1997). Mas os significados simbólicos associados às categorias “mulher” e “homem” são
socialmente construídos e, portanto, não poderiam ser considerados naturais, fixos ou
predeterminados. No entanto, na nossa cultura, a indicação do sexo biológico ainda é um
aspecto fundamental que orienta a nossa percepção do gênero (SCOTT, 1995).
A questão da amenorréia foi, durante algum tempo, essencial para o diagnóstico da
AN, o que em si, já excluía os homens da possibilidade de desenvolverem tal transtorno. Ela
estava presente nos principais protocolos adotados para diagnóstico nos serviços de saúde em
todo o mundo, a Classificação Internacional de Doenças (CID-10) da Organização Mundial da
Saúde (OMS) e o Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM) da
American Psychiatric Association (APA).
137
No DSM-IV-TR (APA-2000b) prevalece um critério exclusivo para mulheres: “No
que diz respeito especificamente às mulheres, a ausência de pelo menos três ciclos menstruais
consecutivos, quando é esperado ocorrer o contrário (amenorréia primária ou secundária)”.
No CID-10 (OMS, 1993), criou-se o que seria o equivalente à amenorréia feminina em
homens: impotência e falta de desejo sexual. “Um transtorno endócrino generalizado
envolvendo o eixo hipotalâmico-hipofisário-gonadal é manifestado em mulheres como
amenorréia e em homens como uma perda de interesse e potência sexuais” (CORDÁS, 2004).
Assim, profissionais de saúde e pesquisadores de diferentes áreas, que formam o grupo
responsável por avaliar e definir os critérios pensavam estar resolvendo as marcas de gênero
envolvidas no diagnóstico da AN. Com a alteração endócrina, ocorrida em ambos os casos,
tem-se a amenorréia em mulheres, colocando em xeque sua capacidade reprodutiva, em
homens, por outro lado tal alteração envolve a perda de interesse sexual (que também ocorre
em mulheres, mas não é ressaltada) e a impotência sexual, que é destacada como o grande
problema entre os homens que sofrem desse TA. Embora seja falsa a ideia de que os homens
possuem uma “aptidão natural” para o sexo, pois o conhecimento sobre o ato sexual não é
inato aos homens, mas precisa ser aprendido, a sexualidade permanece como característica
central da masculinidade dominante, somada à atividade sexual heterossexual, à virilidade, a
capacidade de penetração durante o ato sexual. Além da sexualidade, também recebem
importância a capacidade de prover uma família, a força física, a pouca preocupação com a
saúde e a estética (este último especialmente ligado ao reforço do não reconhecimento da AN
em homens heterossexuais), dentre outros (RIBEIRO et al, 2013).
Apenas em 2013, com a publicação da atual versão do DSM12, o DSM-V13 – que
permanece apontando adolescentes e jovens do sexo feminino como grupo prioritário ocorreu a exclusão do critério D, que preconizava a presença de amenorréia. Tal exclusão se
deveu ao fato de que uma série de estudos comprovou que as mulheres reuniam todos os
critérios para diagnóstico de AN, porém conservando alguma atividade menstrual. Tal critério
também não contemplava meninas pré-menarca (cabe destacar que a AN tem se iniciado cada
vez mais cedo), mulheres na pós-menopausa, mulheres que fazem uso de contraceptivo oral
de uso contínuo e, especialmente os homens (COZER; PISCIOLARO, 2011).
12
13
Para saber mais sobre o DSM-V: http://www.dsm5.org/Pages/Default.aspx
As principais alterações relacionadas a AN no DSM-V podem
http://www.dsm5.org/Documents/Eating%20Disorders%20Fact%20Sheet.pdf
ser
consultadas
em:
138
Mas a ocorrência de TA em homens apresenta algumas características peculiares. Os
homens estão mais satisfeitos com seus corpos e os percebem com menos distorção (MELIN;
ARAÚJO, 2002), relatam maior preocupação com a forma física e a massa corporal (e não
com o peso em si), e não fazem uso tão frequente de laxantes e pílulas para emagrecer quanto
as mulheres. Tal fato tem sido relacionado ao metabolismo masculino, que faz com que os
homens tenham maior facilidade para perder peso sem necessitarem recorrer a tais artifícios.
Eles também não apresentam retenção hídrica como as mulheres em alguns períodos do mês
(BRAUN et al, 1999; CARLAT; CAMARGO JÚNIOR, 1991).
Um exemplo de como concepções arraigadas sobre o gênero orientam as condutas
terapêuticas pode ser dado pela não inclusão de um adolescente diagnosticado com depressão,
que chegou ao Programa com queixa de privação alimentar. Segundo avaliação da equipe, não
havia um transtorno alimentar. Questiono se fosse com uma adolescente, o mesmo caso não
seria visto de forma contrária: uma menina com um TA e que por consequência desenvolveu
uma depressão. Por ser um homem, a “falta de apetite” é interpretada como consequência da
depressão. Há que se ter muito cuidado para certas associações não serem feitas com base em
estereótipos de gênero. Nesse caso, o adolescente foi encaminhado para acompanhamento
com a psiquiatria do Serviço de Saúde do Adolescente e não admitido no PTA.
É reconhecido que, desde a genealogia das definições biomédicas dos TA, e
especialmente da AN, estes são concebidos como transtornos eminentemente femininos
(SILVA, 2011). Mas uma série de estudos (YOUNIS; ALI, 2012; SANTOS et al, 2012;
RAEVUORI et al, 2009; ANDRADE; SANTOS, 2009) vem apontando a ocorrência de casos
em homens com características muito próximas ao que ocorre em mulheres, o que deveria
chamar a atenção para a vulnerabilidade do gênero masculino em relação a esses transtornos
(MELIN; ARAÚJO, 2002).
Desde a publicação de 1994, os critérios diagnósticos do DSM foram alvo de críticas e
novos possíveis TA foram descritos na literatura científica. Assim, a 5 a revisão teve como
premissa a adequação a essas novas descobertas (COZER; PISCIOLARO, 2011). Mas os
critérios diagnósticos do DSM são baseados em ideais ocidentais sobre a forma do corpo e o
medo mórbido de engordar (chamado de “fat fobia” ou “lipofobia”) é aceito pela biomedicina
como a questão central da AN (sem ele o diagnóstico de AN é impensável), o que pode
representar um ponto de vista culturalmente tendencioso, impedindo uma compreensão mais
profunda dessa doença (ALLEN, 2008; LEE, 1995).
139
As limitações dos manuais utilizados para diagnóstico, tanto do CID-10 quanto do
DSM-V, são inúmeras. Tratando-se especificamente do atendimento de adolescentes seria
inadequado utilizá-los, pois, em ambas as situações as definições dos critérios foram baseados
em casos ocorridos em adultos, mesmo sendo reconhecido que o início do quadro atinge uma
proporção considerável de adolescentes e há a recente identificação do transtorno também em
crianças. O estabelecimento de um ponto de corte no IMC para a definição do diagnóstico
também seria inadequado aos casos de crianças e adolescentes que ainda estão em
desenvolvimento (MARINI, 2013). No atendimento em nutrição não é usual considerar esse
parâmetro para fechar o diagnóstico nutricional em crianças e adolescentes justamente por
não ser ainda algo definitivo e as mudanças nesses grupos populacionais ocorrerem de modo
rápido, sendo uma opção inadequada para definição de tratamento. Nesses casos, a estagnação
da estatura pode representar algo muito mais significativo que o IMC.
Normalmente, mudanças do diagnóstico de anorexia para o de bulimia nervosa e viceversa são consideradas. Milos et al, (2005) avaliaram a migração entre os diagnósticos de AN,
BN e TANE (Transtorno Alimentar Não Especificado) em 192 mulheres durante 30 meses e
encontraram mudanças frequentes das pacientes entre os diagnósticos o que, de acordo com
os autores, reforçaria a corrente de que esses transtornos apresentam uma série de
características comuns e poderiam ser vistos como uma entidade única. A identificação de um
número cada vez maior de casos de TANE tem sido avaliada em função dos critérios
diagnósticos para AN e BN serem rigorosos, excluindo desse modo os estados muito
semelhantes (FAIRBURN; COOPER, 2011).
“Aparentemente, nada pode ser tão distante, ou sugerir tanto uma oposição clínica,
quanto pacientes com AN de um lado e pacientes com obesidade mórbida do outro”
(CORDÁS et al, 2004, p.564). No entanto, começam a aparecer os primeiros casos de
adolescentes obesas que migraram para AN. Embora a adolescente em questão não pudesse
receber o diagnóstico de acordo com o CID-10, pois não atingiu o nível de perda de peso
“necessário” para tanto, trata-se de um caso da chamada “AN atípica” onde o medo mórbido
de engordar, a distorção da imagem corporal e até mesmo a amenorréia estão presentes em
alguns casos (WOLTER et al, 2009).
No programa americano “Say Yes To The Dress” (transmitido pelo canal Discovery
Home & Health, em abril de 2014) sobre a busca do vestido ideal para o casamento, foi
contada a história de uma mulher que havia emagrecido impressionantes 75 kg, sem fazer
cirurgia para isso. Ao longo do programa apareceram fotos da moça durante sua infância,
140
adolescência e início da vida adulta. Parecia tratar-se de outra pessoa. Apesar de todo esse
emagrecimento, a mulher ainda se sentia insegura, culpabilizando os anos que a gordura a
perseguia e dizendo que não conseguia ver-se bonita e confiante. Durantes as provas na busca
pelo “vestido ideal”, costelas, escápulas e uma série de ossos, inclusive os da face se
revelavam e para mim pareceu claro que aquela moça estava doente, sua magreza era tão
agressiva que eu já não conseguia ver beleza em seu corpo, embora se tratasse de uma mulher
bonita. Mas o grupo de amigas que a acompanhava não cansava de elogiá-la e valorizar todo o
esforço que teve para emagrecer, dizendo o quanto estava mais bonita. Todo o incentivo e
valorização do emagrecimento quando se trata de uma pessoa obesa, podem acabar
contribuindo para essa perda de limites e reconhecer o adoecimento pode ser ainda mais
difícil. Afinal, quem pensaria que uma mulher que foi obesa a vida inteira poderia se tornar
anoréxica? Nem mesmo os familiares e amigos próximos se dão conta da gravidade da
questão.
Em paralelo, com a crescente indicação das cirurgias bariátricas no tratamento da
obesidade, relatos de evolução pós-cirúrgica para AN também começam a ocorrer e, embora
ainda muito raros, o risco da sua ocorrência também deve ser lembrado pelos profissionais de
saúde. Cordás et al, (2004) apontam que os indivíduos que passaram pela cirurgia bariátrica
apresentaram TA que não preenchiam todos os critérios para AN ou BN, no entanto, exibiam
um quadro com importantes alterações no comportamento alimentar, com preocupação
excessiva com a perda de peso associadas a uma distorção da imagem corporal.
No PTA houve uma adolescente com AN clássica, ou seja, todos os critérios do DSM
e do CID-10 se encontravam presentes, que após algum tempo de tratamento migrou
progressivamente para o sobrepeso e atingiu a obesidade. Essa dificuldade de se adaptar às
regras alimentares para um peso “ideal” (nem obesa, nem anoréxica) das adolescentes parecia
ser frequente no cotidiano da atenção aos TA. A adolescente em questão chegou a reclamar
que não estava conseguindo “se comportar” com relação a sua alimentação e relatou ter
exagerado em um rodízio de comida japonesa, sua comida preferida e também em uma festa
de aniversário. O pai da menina também chegou a pedir ajuda em um dia que não havia
atendimento do PTA, dizendo que sua filha estava “em surto”. Na ocasião, a adolescente foi
examinada pela clínica médica, pois se queixava de uma forte dor de estômago, o qual se
apresentava distendido ao exame clínico.
141
Mesmo pedindo “socorro” a cada semana, nada vinha sendo feito para frear seu ganho
de peso, que deixava a adolescente tão aflita. Em sua entrevista, ela afirmou que, se pudesse
escolher, gostaria de ser como eu, embora eu esteja longe da magreza propagada pela mídia e
idealizada por aquelas que sofrem de AN. Além disso, disse que seu maior desejo era poder
comer sem se preocupar, ou seja, mesmo não estando mais gravemente emagrecida, seu peso,
seu corpo e sua alimentação ainda são centrais em sua vida. Creio que, por estar “fora de
perigo”, a equipe de saúde relativizava os constantes apelos que a adolescente fazia e talvez
por isso a AN se torne crônica em alguns casos.
A questão dos critérios diagnósticos também é apontada como uma limitação para
realização e comparação entre os estudos realizados. De acordo com Hay (2002) há uma série
de problemas recorrentes nos estudos sobre TA. Em primeiro lugar está a dificuldade de
recrutar um número suficiente de indivíduos com AN, posto que a prevalência do transtorno é
relativamente baixa e existe uma dificuldade em identificar os casos utilizando instrumentos
de avaliação de boa qualidade. A autora ressalta que essas dificuldades vêm sendo
contornadas por meio do aumento da amostragem de indivíduos em risco de desenvolver um
TA; pela utilização de critérios diagnósticos mais amplos que os determinados pelo DSM; e
pela combinação com estudos maiores sobre saúde em geral. Apesar dos problemas citados,
os estudos realizados não parecem demonstrar que a incidência de TA seja crescente, exceto,
por um leve aumento de AN em mulheres jovens (HAY, 2002).
4.5 DESAFIOS NO MODO DE ORGANIZAÇÃO DA ATENÇÃO À SAÚDE DE
ADOLESCENTES COM TRANSTORNOS ALIMENTARES
Como destacado, atuar nesse Programa certamente representa um desafio profissional
e por vezes pessoal, posto que se torna difícil lidar com as histórias de vida e de adoecimento
dessas adolescentes. Muitas vezes, o desânimo e a desmotivação imperavam entre a equipe.
Há uma série de dissensos na maneira de organizar o atendimento em saúde aos
adolescentes que sofrem de TA que se tornaram visíveis ao longo das observações. Pretendo
discutir alguns deles, tomando-os como importantes desafios para o aperfeiçoamento dos
serviços de saúde: 1) a adoção de uma única agenda para marcação de consultas dos vários
profissionais de saúde da equipe; 2) a compartimentalização do atendimento às adolescentes
142
entre as diferentes especialidades; 3) os limites etários para inclusão de usuários em um
programa de saúde voltado para adolescentes e 4) a definição do diagnóstico da AN.
1) A adoção de uma única agenda para marcação de consultas dos vários profissionais de
saúde da equipe:
O PTA não dispunha de uma agenda única para marcação de consultas das
adolescentes, estando o agendamento do atendimento clínico separado do atendimento
psicológico e nutricional. Os argumentos existentes na equipe a favor da agenda única
apontavam que se todos profissionais tivessem os mesmos pacientes para atender em uma
mesma manhã, isso facilitaria as discussões no grupo, bem como também seria melhor para as
usuárias que não teriam que se deslocar em semanas diferentes ao Programa. Como são
adolescentes, a presença no serviço de saúde implica em faltar à escola ou minimamente
perder algumas horas de estudo, além dos afazeres/trabalho dos familiares que
obrigatoriamente as acompanham. Como a triagem inicial para entrada no PTA é feita pela
psicologia, reivindica-se que ao menos a clínica médica e a nutrição deveriam manter o
atendimento no mesmo dia.
No entanto, entre os que defendem que a agenda se mantenha em separado,
argumentam que as adolescentes apresentam “tempos” diferentes em relação aos
profissionais, e em alguns casos necessitam de um espaçamento maior entre as consultas. Por
exemplo, o argumento mais forte residia na resistência que costumeiramente as adolescentes
apresentavam em relação às consultas de nutrição. Assim, nesses momentos de maior
resistência a nutrição deixava de atender a adolescente por algumas semanas, enquanto a
clínica, a psicologia e muitas vezes a psiquiatria seguia com o espaçamento que julgava
adequado ao caso.
Duas alternativas estão em questão: o livre agendamento de consultas pela recepção de
enfermagem para o atendimento no PTA, acolhendo a livre demanda que aporta ao Serviço de
Adolescentes ou o maior controle da entrada no PTA, exercido pela “escuta” inicial da
coordenação/psicologia. Nessa segunda opção, então vigente, o modelo de atenção
preconizado prioriza o agendamento de adolescentes gravemente adoecidas.
143
2) A compartimentalização do atendimento às adolescentes entre as diferentes especialidades:
Em algumas reuniões de equipe, um ou outro profissional de saúde se queixava da
adolescente se recusar a falar durante o atendimento por já ter dito tudo o que tinha/queria
dizer no atendimento com o profissional de saúde anterior. Nas entrevistas com as
adolescentes, elas destacavam a maratona de atendimentos pelos quais tinham que passar em
uma mesma manhã. Para elas, não fazia sentido ficar repetindo as mesmas coisas a cada
atendimento com cada um dos profissionais, posto que as questões eram relativamente
semelhantes. Ao mesmo tempo, referiam se sentir mais à vontade com um profissional do que
com outro e por isso, às vezes, optavam por revelar suas questões a um ou outro integrante da
equipe.
Em qualquer equipe de saúde, os desafios de se respeitar as especificidades do fazer
profissional dos seus diferentes integrantes e somar esforços para uma abordagem mais
totalizante do usuário se coloca. Uma proposta acionada para enfrentar o problema reforçava
que os profissionais não deveriam ouvir além de suas competências profissionais: “Se a
adolescente começar a falar de dieta comigo [saúde mental], eu travo ela na hora. Olha,
dieta você fala aqui com a minha colega ao lado, que é especialista em dieta e estudou para
isso.” Alguns profissionais eram acusados de ouvir “além” do que deveriam, “esvaziando-se a
escuta” do outro colega. Certos profissionais se posicionavam fortemente contrários a essa
determinação, justificando que o momento em que a adolescente se sentia confortável para
revelar algo importante e íntimo poderia ser único e, ao ser interrompida, isso poderia deixá-la
desconfortável e prejudicar seu atendimento.
Essa postura da equipe se relaciona com a racionalidade científica moderna, que
segmenta o processo saúde-doença em partes isoladas, o cuidado é dividido em etapas sem
inter-relação, separando doente e doença, ora buscando alcançar um e ora buscando tratar do
outro. Em “O nascimento da clinica”, Foucault (1986), nos fala de realidades que ainda hoje
estão presentes: por ter a função de distinguir os sintomas reais da doença, o médico acaba por
abstrair o doente para conseguir identificar a doença. Dessa forma, não só o médico, mas
todos os profissionais de saúde terminam por se manter distantes do doente, para focar o olhar
na doença, naquilo que se consegue identificar para então tratar. O autor chega a declarar que
quem desejasse conhecer a doença, precisava subtrair o indivíduo, com suas características e
qualidades, para que a patologia pudesse adquirir sua forma.
144
Assim, ainda hoje é possível identificar essa postura profissional. A medicina
ocidental permanece isolando o individuo e singularizando a doença. É a reconhecida
“predominância do olhar” em detrimento dos outros sentidos. Priorizar o olhar na relação
profissional de saúde x usuário implica uma distância que objetiva paciente e doença
(GAGNON; SAILLANT, 1999). O Programa observado carece de uma proposta que
privilegie a atenção integral às necessidades das adolescentes de forma compartilhada pela
equipe, pois não havia um momento de atendimento conjunto dos profissionais que tornassem
as manhãs menos cansativas, tanto para as adolescentes e seus familiares, quanto para a
própria equipe.
3) Os limites etários para inclusão de usuários em um programa de saúde voltado para
adolescentes:
Outro tema delicado, relacionado à avaliação diagnóstica, recai sobre a idade máxima
do adolescente a ser atendido pelo PTA. O Serviço de Saúde do Adolescente, no qual o
Programa se situa, tem como proposta atender idades entre 12 e 20 anos, porém na mesma
universidade pública que os abriga, um serviço paralelo de atendimento aos TA para adultos
foi criado em uma policlínica. Acordou-se então que pacientes até 18 anos e 11 meses
continuariam no PTA e aqueles acima dessa faixa etária seriam encaminhados para o novo
serviço. No entanto, esse novo espaço foi estruturado dentro de um serviço de psiquiatria e
somente recebe pacientes com diagnóstico fechado para TA, ou seja, muitas pacientes que
estão atualmente em acompanhamento no PTA, ao atingirem a idade limite não poderiam ser
encaminhadas pela incompatibilidade dos critérios diagnósticos de ambos serviços. Além
disso, ao se firmar esse acordo institucional, algumas poucas pacientes em acompanhamento
no Programa já estavam acima dos 18 anos e 11 meses e continuaram a ser ali atendidas.
Embora a aproximação da idade limite suponha o afastamento do PTA em algum momento,
essas pacientes tinham por opção continuar sendo atendidas por um médico do Hospital
Universitário, vinculado ao Serviço de Saúde do Adolescente, que sempre as recebia e as
acompanhava. Tal recurso continuou vigente.
No período de observação, nenhuma usuária próxima ou acima dos 18 anos de idade
chegou até o PTA e aquelas existentes nessa faixa etária, geralmente já estavam sendo
atendidas há muito tempo e só deveriam comparecer para acompanhamento a cada seis meses.
Dessas poucas usuárias (aproximadamente quatro), apenas uma mantinha o atendimento
145
semestral, as outras não mais compareceram. Essa usuária foi o único encaminhamento
realizado entre ambos os serviços de atenção aos TA na universidade, não havendo troca de
informações para acompanhamento do caso. Em conversa com a nutricionista do serviço da
policlínica, soube que a jovem foi recebida e iniciou o tratamento, mas precisou fazer uma
cirurgia de grande porte (segundo ela nada relacionado ao TA) e estava desde então afastada
dos atendimentos.
4) A definição do diagnóstico da AN:
Em geral, os serviços de saúde precisam ter regras claras para inclusão e exclusão de
pacientes, frente ao público que demanda atendimento, estabelecendo critérios diagnósticos
para orientar tal seleção. No PTA o diagnóstico fechado para anorexia e bulimia nervosa não
era um pré-requisito para o atendimento aos adolescentes. Comportamentos alimentares
considerados “desviantes” tais como o uso de laxantes, diuréticos e chás visando
emagrecimento, vômitos forçados e mesmo passar horas sem se alimentar eram tomados
como um sinal de que algo não estava bem, independente da classificação nosológica que
recebessem. Assim, mesmo que não houvesse um diagnóstico preciso e conclusivo de AN ou
BN, alguns sintomas de transtornos alimentares já eram suficientes para que as adolescentes
pudessem ser admitidas no Programa e seguir com acompanhamento da equipe. Esse
posicionamento gerava tensão na equipe, que por vezes não avaliava ser um caso ou outro
pertinente ao PTA. No entanto, o fechamento do diagnóstico na AN é questão complexa não
apenas no serviço observado, mas em todos os outros Programas, nacionais ou não, que
atendam TA, sendo considerado uma limitação importante em estudos sobre o tema.
4.6 DIFICULDADES E DESAFIOS NO ATENDIMENTO AOS ADOLESCENTES COM
TRANSTORNOS ALIMENTARES E SEUS FAMILIARES
De modo geral, a relação entre a equipe de saúde e as usuárias era mediada pelos
familiares. Era comum que eles entrassem no consultório acompanhando as filhas, embora
isso não ocorresse com todos os profissionais. Por exemplo, a escuta inicial feita pela
psicologia envolvia a adolescente e seu responsável. Nas consultas de nutrição, a adolescente
146
era indagada sobre a presença dos pais na sala, mas nunca vi alguma recusa. Na consulta de
clínica médica, isso era variável, havia paciente que entrava sozinha e depois da consulta, a
médica chamava os pais para conversar e também aquelas adolescentes que já entravam com
o responsável. Nos atendimentos subsequentes da psicologia, a adolescente entrava sozinha.
Nem sempre os pais participam, ou apenas entravam depois.
Na sala de espera, ouvi mais de uma mãe se queixar de não poder acompanhar a filha
nas consultas da psicóloga, pois sabiam que as adolescentes não falariam “toda a verdade” e
esconderiam “as coisas”. É reconhecido que a avaliação da saúde das crianças é
frequentemente baseada nas respostas dos pais (BARRETO et al, 2010). Por estarem
acostumados aos atendimentos em pediatria, em que estavam sempre presentes, ou mesmo
por não confiarem que suas filhas adolescentes estariam aptas a estabelecer uma relação
médico-paciente de forma autônoma, os responsáveis não aprovavam a postura profissional
de serem ouvidos em momento distinto do atendimento de suas filhas. Muitos sentiam
necessidade de falar à equipe o que ocorria com suas filhas, acreditando que detinham
conhecimento profundo sobre o que se passava e, por vezes, deixando pouco espaço no
atendimento para as adolescentes.
O espaço do atendimento era usado por alguns familiares como um momento de
acusação e desabafo de suas frustrações. Por exemplo, muitas vezes os familiares se
queixavam do “desleixo” das filhas quanto à aparência, quando esperavam que elas se
cuidassem mais, se interessassem por assuntos de moda, beleza (maquiagem, pele, cabelos).
Mas, era comum que as adolescentes usassem tênis rasgados e sujos, roupas rasgadas e
casacos de moletons velhos, cabelos pintados de cores que variavam e visivelmente
maltratados, o que deixava os familiares frustrados, com críticas às adolescentes durante os
atendimentos. Goffman (2010) afirma que um dos meios indiscutíveis utilizados por um
indivíduo para demonstrar que está situacionalmente presente é o cuidado disciplinado de sua
aparência pessoal. Assim, quando o indivíduo se torna “negligente” em relação à sua
aparência e higiene pessoal, toma-se como um sinal típico do desencadeamento de uma
desordem mental, daí a preocupação parental. Na presença dos responsáveis, muitas vezes as
adolescentes não se expressavam no consultório, mesmo quando as questões eram
nomeadamente dirigidas a elas. Pareciam tentar evitar o contato com o mundo que as cerca,
embora seu silêncio enunciasse mais a respeito de sua condição do que se tentassem
responder aos questionamentos dos profissionais de saúde (GOFFMAN, 2010). Ao contrário,
seus responsáveis costumavam ser bastante participativos, fornecendo detalhes íntimos da
147
vida das adolescentes, que talvez demorassem a ser por elas revelados. As mães,
especialmente, falam dos motivos que levaram as filhas a parar de comer, embora as
adolescentes nem sempre concordem ou não abordem o assunto. Os pais costumam tirar mais
dúvidas do que as filhas e opinar intensamente sobre o tratamento. As adolescentes mais
passivas ouvem e nada falam, nem contradizem os pais. Mas há casos de adolescentes que
gritam e se exaltam na tentativa de serem ouvidas e de terem o reconhecimento de sua
autonomia em questões relacionadas a seu corpo e saúde.
A equipe de saúde costuma desaprovar tais atitudes adolescentes, ocorrendo
comentários com tom de reprovação nas reuniões do grupo. Nesses casos, o profissional pode
pedir aos pais para deixarem apenas a adolescente seguir na consulta, respeitando o direito
dela ser ouvida, sem mediadores, ou pedir a todos para se retirarem e só retornarem à consulta
após terem resolvido o conflito, ou ainda o profissional pode se retirar da sala, em um breve
intervalo, dando oportunidade à família e adolescente para se entenderem, sugerindo que, ao
retornar ao consultório, gostaria de dar seguimento “normal” ao atendimento. O desafio da
equipe é considerar ambos adolescente-filho/a e pais/familiares responsáveis como uma díade
que se complementa, sem menosprezar o relato e o vínculo com quem está adoecido e
necessitando receber tratamento.
Essas usuárias, por serem duplamente vulneráveis – pela idade e pela doença – tinham
limitado poder decisório sobre suas vidas, saúde e tratamento. Há alguns aspectos que
sugerem que as adolescentes eram ali tratadas e vistas como crianças, tanto pelos familiares,
quanto pela equipe de saúde que as acolhe. Isso pôde ser observado no dia a dia da pesquisa
de campo: a TV da sala de espera só exibia desenhos animados voltados ao público infantil,
essa mesma sala ao ser reformada ganhou um espaço para “recreação”, com mesinha baixa e
4 cadeirinhas, em tamanho infantil onde ficam canetinhas e lápis para colorir. As ameaças de
internação, usadas como “castigo” em caso de desobediência ao profissional de saúde ou ao
tratamento, também são indícios dessa infantilização. Durante as consultas, embora as
adolescentes fossem as usuárias do atendimento ofertado pelo Programa, elas não tinham sua
voz reconhecida. Sobre essa questão, Leite (2013) afirma que há uma permanente tensão entre
autonomia e tutela que faz parte das discussões sobre atenção à adolescência. De um lado, há
uma afirmação do lugar do/a adolescente como sujeito de direitos, do outro, surgem uma série
de questionamentos acerca da real capacidade de resposta aos possíveis desdobramentos da
autonomia a eles conferida.
148
Muitos dos avanços feitos no tratamento da AN eram baseados em acordos travados
entre o profissional de saúde e a adolescente. Strauss et al, (1963) destacam que o processo de
negociação dos pacientes com os profissionais de saúde é um aspecto significativo para o
entendimento acerca da organização hospitalar. Mas há ainda as negociações dos profissionais
com as usuárias e suas famílias. Assim, o serviço de saúde pode ser visualizado como um
lugar onde numerosos contratos são continuamente rescindidos ou esquecidos, mas também
criados, renovados, revistos e revogados.
A cada semana, no âmbito do acompanhamento terapêutico das adolescentes,
pequenas mudanças eram duramente negociadas e por menores que fossem, as usuárias
anunciavam que não iriam conseguir cumpri-las, revelando o grau de sofrimento envolvido no
enfrentamento da doença e nas atitudes necessárias a sua recuperação. Diante das dificuldades
de adesão ao tratamento, os profissionais lidam de modo diferenciado, mas embora seja um
serviço de saúde voltado aos adolescentes, o despreparo para lidar com certos
comportamentos próprios dessa etapa da vida eram latentes. Alguns dos profissionais de
saúde sentiam-se impotentes, coniventes com o agravamento de uma situação que poderia se
prolongar por semanas, diante da recusa ou incapacidade da adolescente em alterar sua
alimentação, rotina e ingestão de medicamentos. Outros profissionais, talvez por desespero ou
aflição diante do que não podem mudar, rompiam com a paciente justamente nesses
momentos. Nesses casos, diante do fato da adolescente não tomar a medicação ou acatar suas
prescrições, o profissional declarava não querer mais atendê-la. Na verdade, os pacientes
“difíceis” de tratar impõem enormes desafios e impasses na relação profissional de saúde x
usuário. Cabe refletir se esses entraves não se devem também, em parte, pelas dificuldades do
profissional de estabelecer vínculos ou mesmo pela inabilidade para lidar com pacientes
adolescentes.
Em reuniões de equipe, reforçava-se uma mensagem do Programa dada às
adolescentes logo em seu contato inicial: “nós não somos um spa, não estamos aqui para
cuidar da sua beleza e sim da sua saúde”, anunciando que não iriam compactuar com o
desejo de emagrecer a qualquer custo. As negociações eram bem sucedidas quando havia um
interesse da adolescente, fosse para retomar momentos de lazer ao lado dos amigos, indicando
o quanto a sociabilidade entre pares é central nesse momento de vida, ou uma atividade física
que fazia antes da doença.14 Nesses casos, as usuárias aceitavam o acordo proposto pela
14
Isso porque, com o agravamento do TA qualquer gasto energético desnecessário deveria ser evitado, assim
como qualquer oportunidade que permitisse a adolescente dissimular sobre o seguimento adequado do seu
tratamento.
149
equipe de saúde. Com o decorrer do tratamento e estabilização da doença, as adolescentes
passavam a ser agendadas a cada cinco ou seis meses, apenas para acompanhamento. No
entanto, adolescentes em estado grave costumavam se ausentar e ficar meses sem aparecer,
voltando posteriormente ainda mais adoecidos.
Também havia desencontros entre exigências da equipe e as condições sociais da
adolescente e de sua família para cumpri-las. Como exemplo, citarei o caso de Isabel que
nunca conseguia comparecer aos atendimentos dentro do horário previsto e rotineiramente
chegava por volta das onze horas, quando os profissionais de saúde já estavam prestes a
finalizar seus atendimentos. A adolescente em questão chegava mesmo atrasada, faltava
muito, sumia dos atendimentos, mas no meio do turbilhão de questões pessoais próprias da
adolescência, a loja de estofados de seu pai, fonte de sustento de sua família, localizada no
térreo de sua casa em Ramos (zona da Leopoldina) pegou fogo e eles perderam tudo o que
tinham. Mas a equipe não considerava o esforço desse pai e da própria adolescente em, na
medida do possível, permanecer frequentando os atendimentos. Ela apresentava um quadro
grave, achava que estava ótima e não queria mais frequentar o PTA. Alguns profissionais não
queriam mais atendê-la porque ela não fazia o que era “combinado” e não tomava os
remédios.
O comentário de um dos membros da equipe de saúde a respeito das “férias”
adolescentes do PTA revela o quanto as idas e vindas no processo de tratamento são
frequentes, esperadas e integram o cotidiano da atenção aos TA e como tais “desistências” e
recuos são difíceis de serem compreendidos pela equipe, incumbida da missão de tornar a
recuperação possível. A opinião de que as adolescentes do PTA “cansam” do tratamento é
compartilhada por toda a equipe, sendo também corrente a ideia de que elas condensam a
doença “da família”:
“Sempre tem alguma maluquice na família e justamente o membro mais perfeitinho, melhor aluna,
melhor filha... melhor em tudo, acaba explodindo e ficando doente”.
Essa frase evidencia a complexidade do problema, o que também corrobora para a
compreensão das recaídas e abandonos temporários do tratamento.
Com frequência surgiam queixas sobre o comportamento das adolescentes que
padeciam de transtornos alimentares, por serem consideradas “teimosas”, por não obedecerem
às prescrições necessárias a sua melhora. Uma residente assim expressa:
150
“eu acho que só o que funciona com elas é a psicoterapia. Tem que envolver a família dessas garotas,
porque o que aparece aqui é só a ponta do iceberg! E a minha felicidade é quando elas ficam podres, porque aí a
gente vai conseguir internar e aí sim nós conseguimos fazer funcionar. Porque é um choque de realidade. Tanto
pra elas, quanto para os pais!”
Diante de tal complexidade para a intervenção da equipe e de tamanha impotência
profissional, a internação chega a ser cogitada como recurso eficaz, o que se torna ainda mais
dramático.
Havia casos em que a relação dos pais com o profissional era tão intensa que, em dado
momento, se desgastava e a adolescente se via obrigada a trocar de profissional ou ficar um
tempo sem aquele atendimento porque a mãe, o pai ou ambos não se entendiam mais com ele.
Os conflitos familiares, sempre presentes às consultas, permeando a relação entre pais e filhos
e entre famílias e equipe consomem emocionalmente os profissionais de saúde. Ora vêm à
tona os conflitos entre os pais (mãe x pai), com acusações mútuas e disputas pela guarda da
filha, os quais interferem na gestão da sua doença e tratamento; ora a excessiva ansiedade e
preocupação desses responsáveis em saber mais sobre a saúde de suas filhas atropela a
conduta do profissional na tentativa de construção de um vínculo com a portadora do TA. Há
que se ter muita habilidade para escutas diferenciadas – para pais e para as filhas adoecidas –
em momentos distintos ou em conjunto, quando a consulta necessita da presença de ambos.
Exigir serenidade, maturidade e equilíbrio emocional das famílias frente à gravidade do
adoecimento das filhas também pode ser muito além do que eles podem dar. Tal equação
torna o desafio de tratá-los mais penoso para quem está na linha de frente, preocupados com
rotinas alimentares, ganho de peso, equilíbrio do organismo, sem muito poderem alterar as
dinâmicas familiares que presenciam.
A dificuldade em conseguir exercer sua autoridade diante os filhos, sem se darem
conta da gravidade do que estava acontecendo, ou confundindo o comportamento de privação
alimentar da filha com “pirraça”, também eram comuns. A internação da filha sempre
acabava, de fato, sendo um choque para a família, que muitas vezes não conseguia suportar a
dramaticidade da situação. Como aceitar que sua filha esteja doente, em risco de vida, a ponto
de ser preciso interná-la, se a princípio pensavam se tratar de uma desobediência parental,
capricho da idade ou “pirraça”? Como visto no capítulo anterior, a mãe de uma adolescente
caiu doente em depressão frente à gravidade da doença da filha, que passou a frequentar as
consultas acompanhada do pai ou da avó materna. Seu pai passou a cuidar da casa, dos outros
filhos e da esposa, disse que a filha se ausentou do atendimento após a internação, porque ele
151
achou que ela estava melhor e resolveu priorizar os cuidados com a esposa. O “sumiço” da
adolescente e sua família após o duro período de internação eram comuns, nesses casos a
adolescente retornava para buscar atendimento apenas quando o emagrecimento voltava a
ameaçar sua vida e saúde.
As usuárias desenvolvem relações diferenciadas com os profissionais da equipe. Como
a rotina as impõe circular entre todos os profissionais, acabam por falar o que desejam para
uma dada pessoa e na consulta seguinte expressam não desejar falar novamente o que já foi
dito a outro. Às vezes, contam para algum profissional que não estão tomando a medicação,
mas pedem segredo para o restante da equipe e para a família. Algumas usuárias tentam
manipular os profissionais que as atendem, utilizando a opinião de outros membros da equipe.
Mas há responsáveis que alertam a equipe sobre as “manipulações” da adolescente, “que faz
de tudo para não comer”. Os próprios responsáveis assumem que, muitas vezes, são
“enrolados” pelas filhas. A sinceridade dos responsáveis é premiada com a credibilidade da
equipe, que passa a dar total apoio ao “responsável-vítima”, deixando a adolescente em
segundo plano. Já a adolescente passa a ser vista com desconfiança, mesmo sem
necessariamente ter feito algo para merecê-la, tornando o estabelecimento de um vínculo com
essa equipe ainda mais difícil.
O grande poder de manipulação de indivíduos com TA é consensual entre os
profissionais de saúde, embora as famílias por vezes condenem moralmente tal atitude. Cabe à
equipe de saúde salientar que essa postura adolescente não é uma falha moral, de caráter, mas
sim um dos sintomas do quadro dos TA (SILVA, 2004). No PTA convivi com algumas
adolescentes que atribuíam o próprio comportamento, tido como inaceitável pela família,
professores e mesmo por alguns profissionais de saúde, a uma voz que diziam ouvir dentro de
suas cabeças e que as controlava e não as deixava comer (TIERNEY, FOX; 2011). A presença
dessa “voz interior” também tem sido descrita como um dos componentes do quadro de AN, o
que contribui para que muitas vezes as adolescentes se sintam mais incompreendidas.
Mesmo não sendo claro, todos estamos envolvidos em representações durante nossos
encontros e relacionamentos sociais, pois procuramos atuar de forma a passar a impressão que
desejamos (GOFFMAN, 1985). De forma claramente premeditada ou não, todo o tempo
estamos nos deslocando do papel de ator para o de personagem e vice-versa em nosso
cotidiano (GOFFMAN, 1985). A “manipulação” exercida pelos portadores de TA em relação
152
àqueles que os cercam parece extrapolar os limites do que seria socialmente aceitável na
postura de uma pessoa enferma daí a condenação moral que sofrem.
Por vezes é difícil para os profissionais de saúde compreender os conflitos inerentes à
adolescência, o que acaba por comprometer a relação entre ambos. Os adolescentes são um
grupo com necessidades e expectativas próprias, reconhecidos pela baixa procura de recursos
profissionais em seus processos de busca de ajuda e também pela baixa adesão aos programas
de prevenção e tratamento de agravos à sua saúde (CLARO et al, 2006; MARTÍNEZHERNÁEZ; MUÑOZ GARCÍA, 2010b).
Martínez-Hernáez e Muñoz García (2010a) apontam que o modelo explicativo
formulado por adolescentes para suas aflições envolve a interação com o mundo social que os
cerca e, por isso, a restituição do seu bem-estar deve ser fruto desse meio e de forma
independente do mundo adulto. Por terem um modelo explicativo distinto dos profissionais de
saúde ou de outros adultos, é comum sentirem-se indiferentes às intervenções que não os
envolvem como agentes ativos.
Por estarem em busca de autonomia, considerar ou aceitar o auxílio adulto pode ser
entendido pelo adolescente como uma inabilidade para resolver seus problemas sozinhos.
Natasha demonstrou sentir algo semelhante ao saber que seria internada, pois não parava de
dizer o quão fracassada estava se sentindo, por não conseguir demonstrar que conseguia voltar
a ganhar peso sozinha. Ocorre também que os adultos muitas vezes identificam um problema
na vida do adolescente que para este não necessariamente representa um incômodo. Ao
contrário, as queixas dos adolescentes podem ser assumidas pelos adultos como secundárias,
subjetivas, irrelevantes e fruto de uma “fase difícil” do ciclo de vida (MARTÍNEZHERNÁEZ; MUÑOZ GARCÍA, 2010b).
Nos serviços de saúde, além do despreparo em atender aos adolescentes, há também o
juízo de valor da equipe para com este grupo, considerado “mal-educado” e “permissivo”
entre seus pares, aumentando as dificuldades de relacionamento e da criação de vínculos
(FERRARI, 2006).
O profissional de saúde estabelece uma relação de poder com o paciente. Esse poder
pode ser usado de forma positiva, mas também negativa, quando o profissional de saúde
resolve usá-lo para defender valores e condutas, baseado em seu entendimento moral e em
suas crenças pessoais, de modo contrário à proposta de acolher as diferenças e respeitar a
autonomia. É difícil avaliar se um profissional de saúde possui ou não a capacidade de acolher
153
a diversidade e respeitar as atitudes dos adolescentes. Mas independente de seu
posicionamento pessoal é preciso reforçar a necessidade de se manter uma postura enquanto
profissional da saúde (CROMACK et al, 2004).
No trabalho de Ferrari et al (2006), sobre a percepção dos médicos e enfermeiros sobre
a atenção à saúde do adolescente na Estratégia de Saúde da Família, as autoras identificaram
que as ações de prevenção e promoção da saúde quando desenvolvidas no serviço ocorriam de
modo individual e apenas as ações realizadas na escola ou na comunidade tinham como
enfoque o grupo. Além disso, os médicos e enfermeiros se referem à necessidade da equipe de
participar de cursos de formação/capacitação sobre essa fase da vida, pois muitos
verbalizaram as dificuldades em lidar com esse grupo etário e o conhecimento limitado sobre
a adolescência. Talvez por essa falta de compreensão, os profissionais de saúde tenham
destacado que seus esforços em organizar algo para este grupo terminam em vão, deixando a
equipe de saúde frustrada, desmotivada e mesmo irritada, quando os adolescentes não
compareciam ao serviço de saúde.
Em campo, acompanhei alguns casos de TA difíceis de serem tratados em que as
tentativas de suicídio e os cortes corporais eram frequentes. Por vezes, essas situações eram
identificadas como formas dos adolescentes atraírem a atenção dos adultos, banalizando-as:
“no fundo é pra chamar a atenção”. Tal compreensão revela além do despreparo profissional,
o quão duro é para uma equipe que não foi “treinada” para atender transtornos alimentares, e
talvez não tenha desejo e/ou habilidade para trabalhar com a população adolescente, ter que
fazê-lo. Por se tratar de um serviço público, os profissionais têm uma capacidade limitada
para se recusar a atender esse ou aquele caso, ainda que não esteja seguro para fazê-lo. No
Serviço de Adolescentes a rotatividade de profissionais era intensa, no PTA não, pois não
havia outros profissionais de saúde dispostos a “substituir” aquele que desejava se afastar.
Quando a médica psiquiatra necessitou sair do PTA para integrar outra equipe, o Programa
ficou mais de seis meses sem atendimento psiquiátrico e, mesmo assim, só recebeu uma nova
psiquiatra após apelos da coordenadora ao diretor do Serviço de Adolescentes.
O Manual de Atenção à Saúde do Adolescente (SÃO PAULO, SMS, 2006) da
Secretaria de Saúde da cidade de São Paulo traz como um dos temas as “Características do
profissional e a relação médico-adolescente” e fornece as recomendações abaixo, que
acredito, podem ser estendidas a todos os profissionais de saúde:
“Atender adolescentes requer interesse, tempo e experiência profissional. Para obter
uma consulta frutífera, é fundamental o bom relacionamento médico/adolescente,
154
unicamente possível se o médico GOSTAR de trabalhar com jovens, pois estes têm
uma sensibilidade apurada e logo percebem falta de interesse ou empatia. O
profissional deve mostrar competência, firmeza e autoridade sem, no entanto,
parecer autoritário. O médico deve escutar mais do que falar e não julgar ou dar
palpite. Mas deve esclarecer e informar onde for necessário, sempre com retidão,
honestidade e veracidade, o que é diferente de advertir. Como para qualquer idade, o
médico deve mostrar respeito e consideração pelo paciente e sua família... É
importante ter em mente que não há uma fórmula pronta e única para trabalhar com
adolescentes... Cada jovem é diferente e cada um acrescenta em vivência e
experiência que permitem aos profissionais a reavaliação constante. Condições
relevantes para este tipo de atendimento incluem saber ouvir e interpretar, sem
julgamentos. O adolescente deve identificar-se como sendo ele o cliente, mas, por
outro lado, pais e/ou responsáveis não poderão permanecer à margem do
atendimento, pois poderão beneficiar-se com informações e esclarecimentos.” (SÃO
PAULO, SMS, 2006, p.86)
Pela quantidade de “regras” e “detalhes” preconizados para o bom atendimento ao
adolescente, não é incomum a insegurança dos membros de uma equipe de saúde em atendêlos. Nesse sentido, cabe destacar a importância das definições dentro do serviço de saúde
serem tomadas de modo coletivo pela equipe. Com as incertezas que envolvem questões
morais, legais e éticas, a insegurança se intensifica se o profissional de saúde é obrigado a
arcar sozinho com as decisões (CROMACK et al, 2004).
Ocorre ainda que no serviço de saúde quando o adolescente está acompanhado pelos
pais, ele é tratado como criança e quando parece mais velho, é tratado como adulto,
dificultando uma escuta mais atenta as suas especificidades. Por serem considerados um
grupo saudável, os adolescentes não são um público normalmente esperado nos serviços de
saúde e suas questões não recebem a atenção necessária, com exceção de assuntos
relacionados à sexualidade e saúde reprodutiva (BRASIL, MS, 2010).
Diferentes documentos (CROMACK et al, 2004; BRASIL, MS, 2010; SP: SMS,
2006) voltados aos profissionais de saúde que atendem adolescentes apresentam a mesma
recomendação: atividades em grupo, visando proporcionar um espaço de troca de vivências,
onde o adolescente possa sentir-se seguro para trazer suas dúvidas e compartilhá-las. Num
grupo, cada participante torna-se menos frágil, menos solitário e suas ideias, dúvidas,
sentimentos e experiências podem ser valorizados pelo outro (SP, SMS, 2006).
Além disso, as atividades em um programa para adolescentes devem apresentar um
enfoque amplo, retirando o foco dos aspectos técnicos e biológicos, envolvendo também
questões psicossociais, sociais, culturais, políticas, lembrando que o profissional de saúde
deve sentir-se apto para lidar com esta complexidade de saberes (FERRARI et al, 2008.).
155
Aliado às dificuldades de alguns profissionais para lidar com aspectos peculiares do
atendimento aos adolescentes, existe o enorme desafio de tratar e buscar a recuperação de
uma pessoa acometida por TA. AN é uma doença complexa que impõe grandes desafios a
cada estágio do tratamento. Os indivíduos com esse transtorno são descritos como resistentes
às intervenções, o que contribui para um dos mais altos índices de recusa e desistência
prematura do tratamento (ABREU; CANGELLI FILHO, 2004), o que reforça a necessidade
de intervenções de caráter preventivo voltadas, sobretudo, para os grupos de maior risco
(BOSI; ANDRADE, 2004), como os adolescentes.
Uma das razões para a resistência no tratamento é o fato de que muitas pessoas com
AN negam estar doentes, pois consideram que buscam o emagrecimento por “conta própria”.
Assim, tratar a anorexia pode ser difícil, pois os pacientes identificam aspectos positivos na
manutenção da doença. Por outro lado, em determinado momento do adoecimento podem
conseguir identificar as implicações negativas sobre a sua saúde, sobre sua vida e de pessoas
próximas provocando sentimentos de perda de controle (WILLIAMS; REID, 2010).
Assim, a ambivalência sobre a recuperação é uma característica central desse TA.
Pacientes com AN raramente procuram tratamento por iniciativa própria, possuem pouca
motivação para mudar e o resultado dos tratamentos geralmente ficam abaixo do esperado
pela equipe de saúde (NORDBO et al, 2006). Além disso, é comum o paciente reconhecer no
profissional de saúde um inimigo que quer engordá-lo (GIORDANI, 2006). Porém, nem
sempre significa que eles não desejem ser tratados, mas a patologia em si os leva a
sentimentos de conflito entre o desejo de ficar bem e o medo de engordar. Por isso, ter o
consentimento do paciente não deve ser visto como evento estável no tratamento, mas deve
ser preciosamente mantido (MOREIRA; OLIVEIRA, 2008).
O tratamento utilizado na AN é, via de regra, multidisciplinar e agrega em alguns
casos terapia farmacológica, mas de um modo geral é composto por atendimento nutricional,
clínico, psicológico e psiquiátrico. O tratamento nutricional envolve o restabelecimento do
peso, normalização do padrão alimentar, da percepção de fome e saciedade e correção das
sequelas biológicas e psicológicas da desnutrição (APA, 2000). Visa à promoção de hábitos
alimentares saudáveis, a interrupção de comportamentos inadequados e a melhora na relação
do paciente para com o alimento e o corpo (LATTERZA et al, 2004).
Mas, alguns autores apontam que o modelo de intervenção nutricional utilizado na AN
é, por vezes, inadequado. As metas terapêuticas se reduzem a forçar hábitos alimentares
saudáveis, por meio de uma dieta ideal que é administrada quase como um medicamento
156
(ARNAIS, 2009). Cabe ressaltar que o ato de se alimentar está muito além de ingerir
nutrientes e manter um organismo funcionando com peso adequado. É uma questão complexa
exigir das adolescentes o reconhecimento sobre o que é uma alimentação adequada e
saudável, e quais pensamentos, sentimentos e sensações corporais são “distorcidos” ou
“adequados”. Embora a recomendação para a atenção aos TA seja o acompanhamento por
uma equipe multiprofissional, é preciso que os profissionais estejam alinhados para evitar que
mensagens contraditórias sobre o que é saudável ou não sejam repassadas às adolescentes
(SILVA, 2011).
Em relação à psicoterapia nos TA, sua função primordial é propiciar ao paciente um
espaço seguro e confiável para que ele possa compartilhar seu mundo e encontrar outras
expressões para o sintoma (GROOT; RODIN, 1998) e o psicoterapeuta tem a função de
ajudar o paciente na identificação dos seus sentimentos (ABREU; CANGELLI FILHO,
2004). Bonet e Tavares (2007, p.7) nomeiam o espaço do encontro terapêutico como um
espaço “entre”, porque tanto o profissional de saúde quanto o paciente põem suas certezas em
questão. De acordo com os autores, esse é o espaço entre os discursos, entre duas percepções
do corpo e também o espaço das possibilidades de negociações. É um espaço entre duas
visões de mundo, o que por vezes torna o estabelecimento de acordos e de metas terapêuticas
tão difícil para os dois lados.
O desafio a ser enfrentado pelos profissionais de saúde inclui reconhecer as diferenças
entre as adolescentes, sempre respeitando os significados que elas atribuem à sua doença. Para
isso, precisam compreender que as experiências e as perspectivas das adolescentes sobre o
adoecimento e o tratamento podem ser radicalmente distintas do ponto de vista que a equipe
de saúde se sente confortável para atuar (BOUGHTWOOD; HALSE, 2010). Em se tratando
de adolescentes com AN, os objetivos do tratamento devem incluir também a orientação para
que elas aprendam a identificar e lidar com emoções e os desafios de se estar em
desenvolvimento (FITZPATRICK et al, 2010).
Silva (2011) destaca não ser suficiente que o conhecimento seja racionalmente
aprendido, é necessário que seja incorporado e exercitado pelas pacientes, até que se torne um
hábito e modifique sua percepção da realidade de “distorcida” e “patológica”, para
“adequada” e “saudável”. Nesse processo, a vontade dos pacientes é considerada um recurso
essencial para o sucesso ou fracasso do tratamento (SILVA, 2011) e a equipe de saúde deve
estar aberta para acolher e estimular a adolescente a buscar sua recuperação. Por todas as
157
dificuldades apresentadas, cabe pensar também que todo o relacionamento é uma “via de mão
dupla”. O cotidiano da equipe de saúde do PTA é de muita dedicação e esforço sem, no
entanto, receberem um estímulo positivo sobre o seu trabalho. De um modo geral, o paciente
que se recupera de uma doença demonstra gratidão pela equipe que o atendeu, mas, no caso
dos TA, a recuperação envolve que ganhem peso e isso acaba por desmotivá-las a
prosseguirem nos atendimentos e as afastam ainda mais da equipe de saúde, que precisa estar
constantemente estimulada, mesmo com a realidade tão adversa dos atendimentos.
No próximo capítulo, abordarei a temática da internação hospitalar de adolescentes
com transtornos alimentares e os inúmeros obstáculos a vencer nessa difícil e delicada
empreitada.
158
CAPÍTULO 5. A INTERNAÇÃO: UMA AMEAÇA CONSTANTE NO
TRATAMENTO
O SSA possui uma enfermaria de clínica geral localizada no terceiro andar do HU.
Essa enfermaria possui 16 leitos, oito femininos e oito masculinos. Em sua entrada, há uma
porta balcão (funciona com dobradiças presas nas laterais e as folhas podem abrir para dentro
ou para fora, são muito comuns em hospitais) que a separa do restante do andar, com o
símbolo/logotipo do Serviço acima. Adentra-se em um corredor largo, de tamanho médio, que
termina na recepção da enfermagem. Neste corredor, à esquerda, há uma sala de reuniões
espaçosa para os profissionais de saúde (uma mesa, várias cadeiras, sofás, estantes com livros,
mesinha com cafeteira, um quadro na parede com nomes dos pacientes e descrições resumidas
dos casos) e dois quartos para os adolescentes (um maior, com 5 leitos e outro, com apenas 3).
À direita, há mais três quartos (com 3, 3 e 2 leitos, respectivamente) e uma copa para os
funcionários. A distribuição dos adolescentes nos quartos se dá por sexo e idade. À esquerda
da recepção há um banheiro, e logo depois um pequeno corredor que finda em uma sacada
espaçosa, com uma mesa e banquinhos de cimento e mais três bancos grandes de cimento.
Esse espaço é utilizado para algumas atividades da psicologia com os pacientes e também
para os adolescentes tomarem sol.
Os profissionais de saúde que trabalham nesta enfermaria costumam se preocupar com
a possibilidade de ocorrência de casos de suicídio entre adolescentes portadores de TA, pelo
fato deles terem acesso a tal área livre, localizada no terceiro pavimento de um edifício. Ainda
nesse pequeno corredor, há uma porta que permite o acesso a uma sala de convivência para os
adolescentes. Essa sala, cujas paredes são divisórias de madeira e vidro, permite a observação
do seu interior por quem está na recepção e também pelos que porventura ali passam. Há uma
televisão grande, mas velha, um computador também velho, várias caixas de jogos, sofás
encostados nas paredes e uma mesa grande no centro com cadeiras. Esse espaço também é
utilizado para os adolescentes internados estudarem.
159
5.1 A ENFERMARIA NÃO É PARA TODOS...
A AN tem uma taxa de mortalidade de cerca de 20% entre os casos que se tornam
crônicos, sendo as principais causas o suicídio, a inanição, falência de diferentes órgãos e a
morte súbita devido a problemas cardíacos. Mas há ainda que se considerar as comorbidades
psiquiátricas, como a distimia, transtornos de ansiedade, transtorno obsessivo compulsivo e
transtornos de personalidade que são comuns em pacientes com TA (LENOIR; SILBER,
2006a). Mesmo sendo considerada uma doença crônica e de difícil tratamento, quando
diagnosticada em crianças e adolescentes a recuperação da AN é possível, mas para isso, a
identificação e tratamento precoce são essenciais (LENOIR; SILBER, 2006b).
O adoecimento provocado pelos TA pode tornar a internação hospitalar necessária
para o rápido reestabelecimento do peso quando esse está muito abaixo do esperado para
altura e/ou para recuperar o desequilíbrio hidroeletrolítico comum aos casos de bulimia
nervosa (BN) ou anorexia nervosa (AN) do tipo purgativa. Há ainda os casos em que o
emagrecimento extremo leva ao risco de falecimento de um ou mais órgãos e a internação
torna-se um imperativo. No entanto, há certa dificuldade entre os médicos clínicos para
acolher esses casos, pois eles são classificados como “transtornos mentais” e por isso não se
adequariam às enfermarias de clínica geral. Argumenta-se haver necessidade de vigília
permanente aos adolescentes internados com TA, alegando-se risco de suicídio, além da
probabilidade deles permanecerem burlando as prescrições médicas, ou seja, vomitando,
jogando a comida fora e se exercitando fisicamente. Paradoxalmente, nas enfermarias
psiquiátricas, os adolescentes portadores de TA também não são bem-vindos por serem
considerados “casos simples”, se comparados à complexidade dos pacientes ali internados,
não sendo um espaço adequado para pacientes de TA.
Goffman (2012, p. 91) destaca que, em hospitais psiquiátricos, é comum que os
pacientes sejam separados pelo grau de “doença mental”. Assim, faria todo o sentido manter
os pacientes separados pelo grau de violação às regras cerimoniais do intercurso social mas,
não havendo essa possibilidade na enfermaria do SSA, a qual não se constitui em uma
enfermaria psiquiátrica, os profissionais de saúde que atuam nesse espaço tinham dificuldades
em receber as adolescentes com TA.
160
Assim, os pacientes internados com TA eram constantemente estigmatizados
(GOFFMAN, 1975) pelos profissionais de saúde que atuam na enfermaria para adolescentes.
É preciso um esforço grande por parte da equipe técnica do Programa de Transtornos
Alimentares (PTA) para convencê-los da necessidade da internação e do risco à vida do
adolescente, caso ela não aconteça. Como a enfermaria fica localizada no terceiro andar do
prédio e não há redes de proteção nas janelas, bem como não há vigilância na parte externa, o
temor é generalizado quanto à possibilidade de tentativas de suicídio. Uma situação ocorrida
durante o campo pode elucidar os temores alegados. Os familiares de uma adolescente
apresentando emagrecimento importante, em acompanhamento psiquiátrico privado,
buscaram atendimento no PTA, pois a adolescente possuía uma diarreia crônica, que já durava
cerca de nove meses, sem diagnóstico. Devido às dificuldades derivadas dos critérios
diagnósticos para definição do quadro de AN e a inadequação deste mal-estar que se situa no
limiar entre “caso clínico/caso psiquiátrico”, os pais da adolescente alegaram que ela estava
“em surto”, para obter atendimento. Até aquele momento, ela passava os dias num hospitaldia psiquiátrico e a noite dormia no Instituto Philippe Pinel/SMS-RJ, situação que se mostrou
insustentável, piorando o estado de saúde da adolescente. A família (em especial, o pai)
buscava então sua internação em enfermaria de clínica médica, avaliando ser essa uma
experiência menos traumática para a filha. No entanto, a adolescente não foi aceita naquele
serviço público, devido à alegação da enfermaria estar situada no terceiro andar, sendo
imprópria à sua integridade física. Havia um episódio anterior da adolescente de ter sofrido
um “surto” em sua casa, no qual ela teria quebrado objetos, fez diversos cortes pelo corpo e
tentou se jogar do prédio onde mora. Os familiares estavam muito assustados com a situação,
mas como não foram acolhidos naquele espaço, em pouco tempo deixaram de frequentar o
PTA.
É comum que nas enfermarias especializadas em TA as pacientes recebam atenção
constante da equipe, sendo as refeições rigorosamente supervisionadas para que seja
certificada a ingestão de uma quantidade mínima das calorias recomendadas. Caso a paciente
se negue a comer e permaneça perdendo peso, ela pode ser forçada a receber suplementos
hipercalóricos ou mesmo ser alimentada via sonda nasogástrica (SILVA, 2004; YARZÓN;
GIANNINI, 2010), o que também ocorre na enfermaria do SSA. As características principais
que diferem essas enfermarias especializadas das enfermarias comuns são o fato das refeições
serem monitoradas e mesmo após se alimentarem as pacientes continuam um certo tempo sob
os olhares atentos da equipe de saúde, até para irem ao banheiro são acompanhadas (SILVA,
161
2004). Na enfermaria do SSA não há disponibilidade de recursos humanos para dar a essas
adolescentes a atenção necessária para fornecer cuidados tão específicos.
Os usuários do Programa são internados apenas caso haja algum comprometimento
clínico grave em sua condição de saúde (geralmente um desequilíbrio hidroeletrolítico, muito
comum devido ao emagrecimento acentuado e aos constantes vômitos). Uma vez que esse
comprometimento seja resolvido, ainda que o paciente esteja gravemente adoecido pelo TA,
ele recebe alta e volta a ser acompanhado em nível ambulatorial. A decisão pela internação é
tomada em equipe, mas só ocorre de fato se houver vaga e se o diretor da enfermaria entender
que o “caso” se enquadra em uma enfermaria de clínica geral.
A tensão inerente ao fato do não enquadramento dos TA em critérios clínicos precisos
para sua definição diagnóstica e evolução também pode ser observada no exemplo de
Natasha. Já tendo sido internada no PTA antes, ao sofrer uma recaída, ela solicitou ser
novamente internada, pois não estava conseguindo se “controlar sozinha”, porém seu pedido
não foi atendido. Como a adolescente ganhou peso e não estava mais “clinicamente em
perigo”, “apenas” a justificativa do quadro de TA não foi suficiente. Assim, não são todas as
pacientes com AN que conseguem a internação, na verdade pouquíssimas, embora a equipe
do Programa reconheça que a internação poderia beneficiar essas adolescentes.
Na situação de Natasha, a equipe chegou a considerar sua internação em clínica
privada, o que também não foi possível, pelo mesmo risco alegado de suicídio e necessidade
de monitoramento constante. Assim, ela seguiu sendo acompanhada semanalmente no
ambulatório, mas as tentativas de suicídio não cessaram. Nem houve reavaliação da equipe
médica da enfermaria de clínica para adolescentes quanto à possibilidade dela ser ali acolhida.
5.2 A EXPERIÊNCIA DA INTERNAÇÃO
Pelo fato da adolescência estar associada no imaginário social coletivo ao pleno vigor
físico, a experiência do adoecimento e mesmo de uma internação durante tal fase de vida não
é esperada. Na internação, há uma ruptura na vida das adolescentes, afetando sua vivência e
relacionamento com os amigos, familiares, ambiente escolar e mesmo com a equipe de saúde
que as acolhe ambulatorialmente. Nessas situações, cabe justamente à equipe de saúde da
162
enfermaria a primazia dos cuidados e da comunicação com a adolescente internada
(CARONI; GROSSMAN, 2012). Das onze entrevistas realizadas, seis adolescentes estiveram
internadas em razão do TA, cinco delas no Programa observado (uma também com internação
prévia em clínica privada) e uma em serviço de saúde privado.
O objetivo do tratamento nos TA de um modo geral é adequar as pacientes aos
comportamentos socialmente esperados (SILVA, 2004). Tal finalidade, no entanto, não está
de acordo com a metodologia empregada, que muitas vezes reforça o caráter patológico
desses transtornos. O tratamento envolve o controle minucioso do peso e das calorias
ingeridas visando acompanhar a evolução das pacientes. O rigor no tratamento pode diminuir
ou aumentar em função do peso observado na balança (SILVA, 2011) e, embora seja do modo
inverso, as adolescentes também se autoimpõem maior ou menor rigor na dieta e nos
exercícios físicos em razão de seu peso.
Nos protocolos de tratamentos da maior parte dos serviços de saúde que ofertam
internação aos TA, o diário alimentar funciona como um grande aliado terapêutico (SILVA,
2011; MARINI, 2013). Tal instrumento é preenchido pelas próprias pacientes e verificado em
períodos de tempo determinados pela equipe, especialmente pelas nutricionistas. Existem
diferentes modelos de “diário alimentar”, mas a grande maioria inclui colunas para “Data”,
“Horário”, “Local”, “Alimento/preparação” e “Pensamentos” relacionados à refeição (SILVA,
2011; MARINI, 2013).
O objetivo do diário alimentar é que a paciente reflita sobre suas escolhas alimentares,
identifique quando sente fome e quando está satisfeita e busque ter uma relação positiva com
o momento das refeições. No entanto, Silva (2011) destaca que tal metodologia apenas reforça
características consideradas “típicas” do TA, como a necessidade de um controle minucioso
quanto a todos os aspectos da alimentação, o que acaba reforçando a preocupação constante
com o corpo e o que se está comendo.
No PTA os diários não eram utilizados no ambulatório e nem durante a internação. A
equipe não acreditava nessa metodologia como promotora de autonomia em relação às
escolhas alimentares e estabelecimento de um comportamento alimentar socialmente esperado
para as adolescentes. As dietas pré-definidas também não eram adotadas em ambos os
contextos (ambulatório e internação), mas não havia um estímulo para além do que era
ofertado nos atendimentos (seja ambulatorial ou hospitalar). Ou seja, ao retornarem para casa
após a alta da internação hospitalar ou após o atendimento ambulatorial, as adolescentes não
163
tinham uma orientação para seguir ainda que inicialmente e, sentindo-se perdidas, era mais
fácil retornar à rotina de restrição com a qual já estavam familiarizadas.
Embora o peso das adolescentes fosse uma questão central para o tratamento, tanto no
ambulatório quanto na internação, havia um reforço da equipe de saúde do PTA em valorizar
pequenas mudanças na rotina e mesmo alterações positivas de humor ainda que houvesse uma
pequena perda de peso de uma semana para outra. Na internação, a pesagem era diária e de
responsabilidade apenas da nutrição, evitando-se que a adolescente fosse pesada várias vezes
no mesmo dia, por diferentes profissionais de saúde. Também não se revelava o valor à
paciente, para não estimular sua angústia em relação ao peso, considerada um sintoma do
quadro patológico (SILVA, 2011). Assim, o “sucesso” do tratamento no PTA não estava
diretamente relacionado ao peso da paciente. Essa era a mensagem transmitida à adolescente e
sua família.
Natasha foi a única adolescente em todo o período de observação em campo que pediu
para ser re-internada, julgando a internação positiva, pois nesse momento obteve o
reconhecimento de seu problema de saúde pelos pais, que passaram a acreditar nela e a apoiála. Mas não foi sempre assim. Logo que chegou ao Programa assisti uma de suas primeiras
consultas médicas, na qual sua vaga para internação foi obtida. Embora a adolescente
afirmasse que estava seguindo a dieta, tinha parado de vomitar e de fazer os 4.000 exercícios
abdominais por noite, havia perdido meio quilo em uma semana e a médica a lembrou que na
última consulta já havia avisado que se ela voltasse mais magra ficaria internada 15. Seu
desespero foi tamanho que, a todo o momento havia a tentativa de se justificar. Disse que
ficava muito frustrada e triste porque as pessoas estavam perdendo a confiança nela. Não
acreditavam no que ela falava e nem que estava se esforçando. Afirmou que ficar internada
seria um fracasso, e que queria provar que conseguia sozinha: “não quero sentir que perdi o
controle”.
A questão da “perda de controle” é algo que a incomoda e a acompanhou por toda a
vida. Não conseguir ter o controle sobre seu próprio corpo era algo que Natasha considerava o
15
A internação da Natasha foi obtida pois ela chegou ao Programa com um derrame pericárdico que, após um
tempo de investigação, concluiu-se que era em decorrência de seu emagrecimento acentuado. De fato, Natasha
foi a adolescente mais magra que já vi. Como esse derrame não era algo comum de ocorrer em pacientes com
AN, seu caso foi apresentado em uma sessão clínica do HU pela médica responsável, o que lhe conferiu
visibilidade e lhe permitiu conseguir uma vaga para internação sem maiores argumentações. O trabalho sobre o
adoecimento de Natasha foi apresentado no Congresso Brasileiro de Adolescência (2012) e no mesmo ano
também publicado na Revista da Sociedade Brasileira de Pediatria (SOPERJ) e na revista do Serviço de
Adolescentes.
164
maior de seus fracassos. Embora quando a conheci estivesse muito magra, ela lutou a vida
inteira contra a compulsão e o ganho de peso. Seu descontrole era com o excesso de comida
até que decidiu emagrecer e levou sua escolha às últimas consequências. E assim, mais uma
vez perdeu o controle, dessa vez com a quantidade de peso perdida.
Ainda durante essa primeira consulta, a médica saiu para conversar com a equipe, mas
a decisão pela internação foi unânime. Natasha colocou que não era pela internação, pois ela
havia sido antes internada em uma clínica privada 16 e contou que foi confortável, com TV e
que ela gostou. Mas ela não sabia como seria agora. A médica se manteve firme e chamou os
pais da adolescente para informar da sua primeira internação no PTA, enquanto ela
permanecia chorando e com a cabeça baixa.
A médica informou que o período de internação seria longo, que a assistente social da
enfermaria entraria em contato com a escola e que os professores poderiam aplicar as provas
durante a internação se necessário. Ainda assim, a adolescente ficou preocupada com suas
provas, pois costumava ser uma excelente aluna.
Sobre sua dedicação aos estudos, ela e seu pai solicitaram uma sala reservada por duas
horas todos os dias para que ela conseguisse se concentrar para estudar durante a internação.
Esse pedido foi anunciado para a equipe de saúde em uma reunião em tom crítico por uma das
profissionais de saúde que atendia Natasha. A questão é que a equipe tinha uma certa reserva
com a família dessa adolescente pois, por terem melhores condições financeiras e poderem
frequentar um serviço de saúde privado, não se submetiam às regras previstas no serviço
público, aparecendo a qualquer horário e dia da semana e exigindo atendimento, discutindo as
condutas dos profissionais que atendiam a filha. No fundo, para a equipe de saúde, parecia
absurdo haver em uma enfermaria voltada para os adolescentes, um espaço calmo e tranquilo
(que não fosse o mesmo onde se tem televisão, jogos e outras distrações) onde esses
pudessem estudar no período em que estivessem internados.
Assim, o pedido dessa família não foi recebido como algo que pudesse ajudá-los a
pensar a atenção prestada aos adolescentes. Seria mesmo tão difícil criar uma sala de estudos
nessa enfermaria? A sala de reunião/convivência dos profissionais de saúde que atuam na
enfermaria é grande e poderia facilmente ser dividida para as adaptações que atendessem essa
demanda que, muito provavelmente não era exclusiva de Natasha e seu pai. Com o tempo, a
16
A família de Natasha tem um bom poder aquisitivo, a adolescente fazia todos os exames pedidos pelo plano de
saúde privado e seu pai continuamente comparava a qualidade do serviço público com a rede privada de
assistência à saúde.
165
preocupação inicial com a manutenção dos estudos durante a internação foi dissipada e a
adolescente se sentiu bem acolhida por toda sua escola durante esse período. Embora tenha
dito que não possuía amigos, ao falar sobre sua internação, chegou a se emocionar com a
mobilização de sua turma na escola durante sua ausência. Como esteve internada durante um
mês, os colegas se revezavam nas visitas e aqueles que não podiam visitá-la mandavam
cartas.
Minha escola toda me apoiou. Até hoje apoia. Eles sempre me perguntam se tá tudo
bem. Minha coordenadora do técnico sempre pergunta se eu to precisando de
alguma coisa, me manda e-mail... Eles são muito atenciosos, sempre foram! Meus
amigos, eles vinham me visitar e traziam a matéria. (Natasha, 16 anos)
Nem todas as adolescentes recebem esse apoio da escola ou mesmo dos amigos em
seu processo de tratamento. Entre as entrevistadas há relatos de perda do ano letivo devido às
faltas para comparecer ao ambulatório todas as quartas-feiras e também pelo período da
internação. Mas as ausências escolares ocorrem não apenas por isso, há um momento no
processo de adoecimento em que a fraqueza é tão grande que a adolescente não tem forças
para sair de casa e ir estudar. A questão nunca foi repetir o ano por receber notas baixas ou
falta de concentração nas aulas e sim pelo número de ausências à escola. Os pais de Silvia
optaram por trocá-la para um colégio público, pois pagavam caro em uma escola privada e a
filha faltava sempre devido à doença. Kamila preferiu trancar sua matrícula na escola antes
que a reprovação por faltas se concretizasse. Alice pediu aos pais para mudar de escola, pois
durante sua internação, como sua turma não sabia o motivo de seu desaparecimento, quando
retornou às aulas soube de um boato de que estaria grávida. Segundo conta: “não tinha mais
cara de estudar lá” e por isso transferiu-se para uma escola nova.
Com exceção de Natasha, os períodos de internação são relatados como difíceis para
as usuárias e seus pais. A equipe do Programa ressalta que as adolescentes são internadas
muito fracas, mas rapidamente comem de tudo e não vomitam para serem logo liberadas para
retorno à casa e assim voltarem às práticas de restrição alimentar, exercícios, vômitos, etc. O
período de internação das entrevistadas durou cerca de um mês.
O momento das refeições para alguém que sofre de TA é bastante delicado.
Geralmente elas preferem comer sozinhas em um lugar reservado, longe dos olhares e do
controle sobre aquilo que comem, seja por parte dos familiares ou dos colegas de escola.
166
Durante a internação não lhes era ofertado a opção de não comer, de escolher o que comer ou
mesmo de se isolarem para se alimentarem. Assim, Alice descreve:
Comia... Porque eles chegavam... No primeiro [dia] eu não comi e no segundo
também não... Aí eles chegaram e falaram que se eu não comesse, eles iam me
“sondar” [colocar sonda] aí eu fiquei... apavorada né?! Que eles falaram que a sonda
descia pela... boca ou uma coisa assim... aí eu fiquei maluca, na hora que eles
falaram isso. Aí eu comecei a comer, mas eu ficava toda hora assim pensando... Ai
meu Deus... porque eu tava engordando... Aí eu tinha uma calça lá que sempre
deixava pra ver se ela entrava ou não. Teve um dia que ela não entrou e eu fiquei...
tipo assim eu devo ter engordado muito... Na verdade, eu engordei, né?! (Alice, 15
anos)
Na impossibilidade de se pesar sete vezes ao dia como era seu costume, Alice
desenvolveu uma técnica, vestir sempre a mesma calça comprida para ter noção de quanto
peso estava ganhando. A adolescente que tem quinze anos vestia roupa de tamanho infantil
adequada para dez anos de idade.
Como era o momento das refeições?: Na hora... cara, era uma fome terrível! Não
sei o que eles colocavam na comida! Porque assim, era café da manhã, lanche da
manhã, almoço e lanche, jantar e o jantar vinha com uma ceia. Aí seguia sempre
essas 3 em 3 horas, aí o organismo acostumava. Aí quando dava umas 10 [22] horas
todo mundo já tava com fome de novo! Cara, aí ia ter que esperar até amanhã...
(risos) E no almoço? Eu já cheguei a jogar comida fora, porque eu queria ficar
magrinha... E depois ficava com fome! (risos) (Isabel, 15 anos)
Durante o tratamento ambulatorial, Isabel deveria tomar os medicamentos
recomendados pela psiquiatria, mas nunca o fez. Seu pai costumava rir sobre o fato durante as
consultas, afirmando mandar a filha tomá-los, mas essa não o obedecia. Apenas na internação,
sob a vigilância da equipe da enfermaria, ela mantinha-se medicada e assim sentiu seu apetite
se modificar. Por não relacionar diretamente o aumento do apetite com o uso da referida
medicação, chegou a cogitar que colocassem algo em sua comida.
Em geral, até as adolescentes internadas se darem conta de que não irão ter alta
hospitalar e voltar para casa se não ganharem peso, todas tentam burlar a vigilância e não
comer ou se exercitar. Como exemplos, Isabel jogava a comida na lixeira ou dentro do vaso
sanitário, Alice esperava o pai ir almoçar ou jantar e não ter ninguém da equipe no quarto para
fazer flexões e exercícios abdominais e Ana Laura se trancava no banheiro para dançar. As
estratégias variavam, mas os motivos eram os mesmos, se manterem magras e fugir da
vigilância cerrada.
167
De uma maneira geral, as adolescentes referem que o período na enfermaria foi muito
ruim, pois além de perderem o autocontrole sobre a quantidade de alimentos ingeridos e o
peso corporal, ainda eram submetidas a uma série de procedimentos invasivos, próprios de
uma internação que, para além da vigilância constante, era o que mais as incomodava.
Embora os relatos adolescentes sobre a angústia de estar engordando tenham aparecido, elas
tinham a certeza de que, ao saírem do hospital, voltariam a perder o peso adquirido, mas o
trauma pela utilização da sonda ou pela quantidade de vezes em que eram “furadas” com
agulhas parece ter sido o que mais as marcou.
Sobre a experiência da internação, algumas delas contam:
Ai.., era horrível... toda hora eles não achavam minhas veias, era muito fina e não
tinha sangue... Aí eles me furavam toda hora. E era no braço, no pé... Ai (risos), uma
coisa horrível. Eu acho que eu tinha mais medo da agulha, porque eu sempre fui
muito apavorada com agulha... ai era toda hora... e eu já acordava com uma agulha
bem na minha frente... (Alice, 15 anos)
Eu fiquei assim ó [fez cara de assustada], levei um baque. Eu lembro que eles me
furavam todinha! Eu fiquei muito ressecada né? Aí eu tinha que levar soro... Soro
na veia. Mas não tinha veia! Tava tudo ressecado! Aí quando achava uma,
estourava... Aí toda hora ficava mudando! E ficavam me furando até achar uma...
Até que uma bendita achou uma lá dentro! (Isabel, 15 anos)
Assentadas na sala de espera do atendimento ambulatorial no PTA, as adolescentes
pouco conversavam entre si, apenas falavam com os pais ou ficavam assistindo televisão ou
digitando no celular, mas durante a internação hospitalar, os laços de amizade entre elas
pareciam ser mais facilmente construídos. Ana Laura afirmou ter voltado à enfermaria nos
dias em que tinha consulta no ambulatório para rever as colegas e saber como estavam. Assim
que foi internada, estava muito fraca e não conseguia sair da cama, até os banhos eram
tomados na cadeira de rodas. Com o passar dos dias, foi ficando mais forte e passou a
frequentar a área de recreação onde criou laços de amizades. Ela relata esses momentos de
integração com as colegas como prazerosos.
Para Natasha, além da experiência da internação ter lhe proporcionado o
reconhecimento de sua doença pelos pais, também lhe proporcionou fazer novas amizades:
Foi ótima! Foi muito positiva, eu conheci muita gente legal, eu mudei muito a minha cabeça, não foi
uma coisa triste! Foi feliz na verdade, todos os momentos que eu lembro de lá são felizes! Foi divertido com as
pessoas de lá, foi tranquilo, foi muito tranquilo. (Natasha, 16 anos)
168
A vivência de Natasha é singular. A magreza de Natasha ao ser internada assustava.
Para alguém que havia se dedicado com tanto empenho ao emagrecimento, parecia ser difícil
fazê-la se recuperar. Mas creio que o que ela mais queria e precisava naquele momento era
receber ajuda. A princípio, ela não queria ser internada, mas uma vez na enfermaria, nunca foi
resistente. Mesmo muito emagrecida não precisou usar sonda, pois comeu como prescrito, não
se exercitou, respeitou o período inicial sem se movimentar muito em deslocamentos para
fora do quarto para poupar energia. Ficou um mês internada, ganhou sete quilos nesse período
e saiu feliz. Sua felicidade, no entanto durou pouco. Por ter passado tanto tempo se
autoimpondo a desnutrição, ao voltar à rotina regular de alimentação, o organismo de Natasha
passou a acumular o máximo de calorias possíveis, como uma forma inteligente de se
preservar para um possível período futuro de privação. Tal consequência é reconhecida como
provável de ocorrer em pacientes de desnutrição grave, mas a adolescente não teve o
acompanhamento necessário para impedi-la de migrar para a obesidade, o que de fato ocorreu.
Natasha passou a se ver numa “montanha russa”, não apenas em relação ao seu peso corporal,
mas a seus sentimentos, que estavam intimamente ligados à forma como se via diante do
espelho, ou seja, sua auto-imagem corporal.
Na internação e no período pós-internação, os sentimentos das adolescentes pareciam
se confundir. Parecia difícil avaliar se a experiência havia acrescentado algo de bom, ou
mesmo se elas desejavam tentar mudar seus hábitos e rotina de restrições. Tatiana ficou mais
de um mês internada e nesse tempo foi praticamente abandonada pela família, mas ainda
assim encontrou em alguns membros da equipe de saúde o apoio e carinho de que precisava:
Foi ruim [o período da internação]. Só… Não tem mais o que falar… Foi muito ruim, mas também às
vezes foi bom porque eles me ajudaram a me entender, a tirar o peso que eu tinha... De ser gorda… Foi isso, teve
o lado bom e o ruim… (Tatiana, 16 anos)
Tatiana nem chegou a passar pelo atendimento ambulatorial no PTA, foi logo
internada mediante um encaminhamento do INCA, onde havia se tratado anos antes. A
adolescente estava deprimida e muito confusa, dizendo ouvir vozes dentro da sua cabeça que
a mandavam parar de comer. Lamentava todo o tempo por estar sozinha, chorava
constantemente e seus familiares pouco visitavam-na. Assim, mesmo com o desconforto de
ter usado a sonda, de estar longe de casa, sozinha em um ambiente estranho, a adolescente
encontrou motivos para ver o lado positivo de seu período internada. Após sua alta, afirmava
169
sentir falta do cuidado que recebia da equipe, especialmente da residente de psicologia que a
acompanhava.
Alice foi uma das adolescentes que mais ganhou peso durante a internação, nove
quilos e meio. Foi acompanhada o tempo todo no hospital pelo pai, mãe ou uma tia. Sua
família aparentava ser muito cuidadosa com ela e, ao sair da internação, a adolescente já fazia
planos para perder o peso conquistado. Mas o medo de ser reinternada a fazia considerar
novas opções para conseguir essa perda de peso.
Eu quando eu voltei já voltei pensando... Ai meu Deus, eu vou fazer uma dieta pra
emagrecer tudo isso... Já voltei pensando as mesmas coisas... Mas tipo assim, com
uma mentalidade melhor. Eu não pensava, ah... Eu vou vomitar, eu vou parar de
comer... Eu pensava, vou fazer uma dieta. Porque eu não queria voltar a ser
internada. (Alice, 15 anos)
Na ocasião da entrevista, Alice já havia perdido dois quilos e meio do peso que
ganhou na internação, não estava conseguindo seguir o plano alimentar da nutricionista, nem
tomando os medicamentos prescritos. Ao contrário, permanecia em restrição alimentar e
fazendo uso de laxantes.
As internações em TA são geralmente mal sucedidas e costumam ser recorrentes.
Boughtwood e Halse (2008) destacam que o principal motivo se relaciona com a forma
reducionista como o tratamento é conduzido, sendo ainda hoje muito centrado no ganho de
peso, com as pacientes sendo obrigadas a engordar sem que sejam considerados os aspectos
psíquicos da AN. Embora os autores não neguem que a alimentação “forçada” possa ser
necessária como um passo inicial, e que a internação é importante para salvar a vida de muitas
pacientes acometidas pela AN, esse recurso não deve ser estender por muito tempo.
Quanto mais tempo envolvidas pela rotina hospitalar, mais difícil pode ser o retorno
para o convívio em sociedade. No hospital, pacientes de diferentes patologias referem perda
de apetite por não se habituarem à rotina e à alimentação do local. Em se tratando dos TA,
essa dificuldade em sentir fome é ainda mais crítica. Boughtwood e Halse (2008) referem que
o alimento é apresentado de forma redutora nas internações e as pacientes são privadas de
todas as condições que despertam a fome, como o cheiro de boa comida, a apresentação
atraente, boa companhia e atividade física que auxilia no aumento do apetite. Engordando
nessas condições, sem que seja criado um desejo por estar bem e saudável, é difícil que ao
receberem alta as adolescentes busquem melhorar.
170
Embora a notícia da alta hospitalar fosse recebida com alegria por todas, esse retorno à
rotina doméstica, da escola e alimentar após a internação era vivenciado com dificuldade. O
período de um mês fazia muita coisa mudar, a determinação para perder peso já não era a
mesma, mas o encontro com o espelho as aterrorizava. Estar novamente livre para fazer o que
bem entender com a memória recente sobre as dificuldades que passaram para ganhar um
pouco de peso as fazia relutar por um tempo em buscar o emagrecimento, ou tentar maneiras
mais “saudáveis” para obter seus objetivos, mas o impulso para emagrecer acabava as
vencendo (BOUGHTWOOD; HALSE, 2008; YARZÓN; GIANNINI, 2010).
5.3 INTERNAÇÃO: REFORÇO NO TRATAMENTO OU UMA FORMA DE COERÇÃO?
A notícia da internação ou possível reinternação era geralmente acompanhada por
choro e súplica adolescente pela alternativa da internação domiciliar ou para obter mais uma
chance da equipe para nova tentativa de acompanhamento ambulatorial. Aquelas que por
muitas semanas descumpriam os acordos firmados com a equipe de saúde, passavam a
receber a “ameaça” da internação, onde poderiam ser constantemente vigiadas e perderiam
sua liberdade. Nesses casos, a possibilidade da internação era adotada como uma maneira de
puni-las, como um dispositivo disciplinar no sentido de restaurar a ordem social anterior
comprometida (FOUCAULT, 1987). A equipe do Programa agia de forma conjunta buscando
manter uma dada impressão para atingir seus objetivos, no caso, forçar a adolescente a comer
e/ou tomar a medicação sem que estas e seus familiares percebessem de que se tratava de uma
“encenação”, pois a internação dificilmente seria obtida (GOFFMAN, 1985, p.83).
Parece estabelecido que a internação hospitalar involuntária para AN seja benéfica,
pelo menos, em curto prazo, até que se recupere um pouco de peso, embora um período mais
longo de permanência possa ser necessário. Com pacientes internados, as metas são quase
sempre atingidas, pois a internação compulsória permite formas mais rigorosas de fiscalização
(RUSSELL, 2001). No entanto, o tratamento obrigatório de indivíduos com AN permanece
sendo um tema controverso, pois estes não são totalmente incapazes, mas o comprometimento
de seus pensamentos, percepções, julgamentos e comportamentos os colocam sob alvo de
intervenção compulsória (APPELBAUM; RUMPF, 1998). Muitos pacientes que recusam o
171
tratamento parecem ter o discernimento adequado para decidir sobre o fato, mas geralmente
estão tão doentes que não conseguem buscar ajuda (WATSON et al, 2000).
Tan et al. (2010) sugerem que muitas vezes os pacientes são alvo de coerção e
tratamento compulsório, mesmo sem ordens formais para esse tipo de atitude. Em seu estudo,
29 mulheres jovens foram entrevistadas para compreender suas opiniões sobre o tratamento
coercitivo da AN e elas pareceram concordar com a necessidade de tratamento compulsório,
em situações em que a vida estava em risco. Ocorre que a equipe de profissionais que lida
com essas pacientes geralmente não se dá conta de que seus atos são coercitivos (MOREIRA;
OLIVEIRA, 2008), e agem de fato primando pela saúde das adolescentes.
Isabel, quando chegou ao PTA estava muito debilitada e foi logo internada na
enfermaria por mais de duas semanas, considerando tal período ruim. A adolescente nunca
apresentou uma melhora real em seu quadro e houve épocas do tratamento em que estava
muito confusa, era comum jogar fora as medicações e muitas vezes pediu para sair do
atendimento, pois se considerava “ótima” e não queria mais frequentar o PTA. Nessas
ocasiões, ela era constantemente ameaçada com a internação e o uso de sonda alimentar, um
pavor entre as adolescentes. Mesmo considerando as dificuldades antes relatadas para efetivar
a internação, a ameaça da internação era sempre acionada como dispositivo para provocar
medo e obter obediência das usuárias às recomendações do tratamento ambulatorial.
Alice precisou ficar internada e se dizia “traumatizada”, pois na ocasião foi ameaçada
com o uso da sonda. Não queria de modo algum ser internada novamente e falava isso sempre
nas consultas, mas seus exames voltaram a apresentar uma grave depleção de potássio. Ou
seja, ela havia voltado a usar laxantes 17 e vomitar e, em seu caso, era bem provável se
conseguir a vaga para internação. A adolescente era sempre acompanhada pelo pai no
ambulatório e ninguém sabia o motivo de sua mãe ter deixado de acompanhá-la nos
atendimentos. Na entrevista ela contou que quando ficou doente, sendo filha única, o pai
pediu demissão do emprego para acompanhá-la nos atendimentos e sua mãe, por ser dona de
uma confecção no bairro onde moram, permaneceu trabalhando para sustentar a casa. Como o
peso da adolescente vinha diminuindo a cada semana e seus exames de sangue permaneciam
com a questão da depleção de potássio, a hipótese da internação era sempre cogitada como
17
Assim que Alice foi internada, ela usava 22 unidades de laxantes por dia. Comprava na farmácia perto de sua
casa a R$1,22 a cartela com 4 unidades que pegava em uma gôndola, sem precisar pedir ao balconista. Depois da
internação, disse que havia parado, mas seus exames de sangue revelavam o contrário. Então, ela reconhecia
estar tomando apenas 2 por dia. Na entrevista, questionei como ela fazia para estudar tomando tanto laxante. Ela
contou que a maior parte tomava à noite e levantava várias vezes para ir ao banheiro.
172
estratégia deliberada para “assustá-la”, o que a deixava de fato amedrontada. Alice não
chegou a ser internada novamente, mas parou de tomar os laxantes.
Ana Laura, encaminhada por outro serviço de saúde, onde sua mãe (obesa) trabalhava,
também chegou buscando internação e após um ou dois atendimentos no ambulatório foi para
a enfermaria. A adolescente, bailarina, tem a dança como algo central em sua vida. Não comia
nada, dizendo não conseguir se alimentar por conta de uma dor epigástrica muito forte. Nas
reuniões da equipe, ouvi vários outros casos de portadoras de AN que referem essa dor
epigástrica como impeditiva para comerem. Foi internada justamente para investigar essa dor
e, constataram que a adolescente cursava com uma gastrite muito leve, que normalmente
causaria apenas um pequeno desconforto após as refeições. Por se negar a comer, a
adolescente foi sedada e lhe colocaram sonda. Ana Laura tinha certa dificuldade em expressar
suas emoções, ficou internada um mês, mas não questionava nada. Sua mãe respondia por ela,
opinava por ela e, mesmo durante a entrevista de sua filha, a mãe entrou na sala nos
interrompendo e se surpreendendo em tom de deboche pelo fato da filha estar assinando o
TCLE como “se fosse uma adulta”. Aparentemente, não havia entre ambas, mãe e filha,
muitos conflitos, mas eles ficavam implícitos. A mãe queria e a filha fazia. Mesmo a dança,
que Ana Laura colocava como a coisa mais importante de sua vida, ela começou a praticar
obrigada pela mãe que achava sua postura feia. Assim, a coerção também pode advir do
interior da família, espaço de forte opressão em alguns casos adolescentes, nos quais os
sintomas são tomados como “palhaçadas”.
Uma das adolescentes que foi internada logo que chegou ao PTA, com a qual
conversei na sala de espera (ela não chegou a permanecer em atendimento, portanto não
houve tempo para que eu a entrevistasse), sentia-se culpada por estar no mesmo quarto que
uma adolescente com câncer e por estar ocupando a vaga de alguém que, de fato estivesse
doente. Após a alta, a adolescente sumiu sem que ninguém do serviço buscasse saber dela ou
tentado fazê-la aderir ao atendimento ambulatorial. Seus irmãos (uma irmã e um irmão)
também não a ajudavam e falavam o tempo todo que ela assim se comporta para chamar a
atenção especialmente dos pais. Essa adolescente dizia que o horário das refeições era um
pesadelo, pois havia meninas internadas que não podiam comer devido à patologia e ela não
comia porque não queria. Essa adolescente estava se cortando muito e falava que sentia uma
dor que só passava com os cortes. Alegava precisar sentir a dor desses cortes para a dor que
sentia na alma passar. Achei essa expressão bem forte para alguém com apenas 15 anos.
Mesmo com toda essa complexidade, ao receber alta a adolescente desapareceu do PTA.
173
A invisibilidade da doença somada à incapacidade de satisfazer as expectativas sociais
e pessoais pode ser promotora de muito sofrimento para as pessoas portadoras de TA. A falta
de uma evidência física da doença pode levar mesmo os familiares a terem dificuldade de
legitimar/reconhecer o papel de doente. Embora os sintomas visíveis tornem a doença pública,
o que também representa uma série de complicações, entre elas a limitação de novas
oportunidades de emprego e relacionamento, a visibilidade proporciona o reconhecimento
social ou legitimação social do sofrimento. No entanto, os pacientes cuja doença é invisível,
mas em função dela não podem ser produtivos, ou no caso das adolescentes não conseguem
mais frequentar a escola, sentem a censura decorrente dessa inatividade sendo sua experiência
da doença considerada questionável e seu sofrimento não legitimado (GREEN, 1998).
Saber constantemente seu peso durante a internação é sempre uma angústia para essas
pacientes. Em casa, geralmente têm uma balança caseira a qual frequentam várias vezes ao
dia. Uma das adolescentes, que não possui balança em casa, afirmou ir à farmácia próxima
cerca de sete vezes por dia, mesmo nos finais de semana, apenas para se pesar. A
possibilidade de saber que o peso está aumentando é algo inaceitável para elas. Natasha
chegou ao Programa quase sem forças para andar e com o tempo e algumas internações
(apenas uma no PTA) foi ganhando peso ao ponto de chegar ao sobrepeso, sem parar o ganho
de peso nessa etapa.
Ao longo dessa jornada entre a desnutrição grave e a quase obesidade, Natasha era
pesada em todas as consultas no ambulatório e esse momento de subir na balança era
acompanhado por seu pai que sempre fazia a “brincadeira” de colocar o pé junto com a filha
no equipamento, fazendo seu peso parecer muito mais alto do que realmente era. Ambos (pai
e filha) riam e ele então tirava o pé para que o peso “verdadeiro” pudesse ser obtido. Como
engordou e deixou de correr risco de vida, as consultas da adolescente tornaram-se cada vez
mais espaçadas. Permanecia indo semanalmente apenas para acompanhamento psiquiátrico.
Assim, após algum tempo sem as consultas de rotina na clínica e na nutrição, ela compareceu
no dia marcado e, na hora da pesagem, Natasha sorriu mais uma vez dizendo: “Pára pai! Tira
logo o pé!” No dia em questão, o pai da adolescente não estava com o pé apoiado na
plataforma, ela havia engordado surpreendentemente. E, por ser muito disciplinada e ter
cumprido a promessa de não ficar se pesando toda hora, deixando as pesagens apenas para as
consultas médicas, a adolescente entrou em choque e passou o resto da manhã chorando
descontrolada, quase não acreditando que aquele peso era real.
174
Na internação, para muitas delas, essa angústia com relação ao peso só aumenta, pois
são “forçadas a comer”, caso contrário são colocadas na sonda, não podem se exercitar e nem
mesmo vomitar (embora burlar essas “regrinhas” não tenha sido tão difícil segundo algumas
delas). Mudando totalmente sua rotina quase sabática para perda de peso, o ganho ponderal
acontece rápido e a recuperação do equilíbrio hidroeletrolítico também. Com a pesagem
ocorrendo apenas uma vez ao dia e, quase nunca sendo revelado a adolescente o seu peso,
para alguém que costumava se pesar várias vezes ao dia, a situação beira o insuportável.
Como ressaltado, com frequência a paciente com AN não procura voluntariamente
tratamento e como a doença em geral tem seu início na adolescência, essa decisão fica a cargo
dos pais que, não raro, têm dificuldade em entender o que se passa com a filha (MOREIRA;
OLIVEIRA, 2008). O tratamento utilizado na AN muitas vezes é coercitivo e supostamente
retira a pouca autonomia da doente mas, a natureza da patologia exige em graus variados o
exercício de poder. Quando o tratamento voluntário não é aceito e a vida do paciente está em
risco, os profissionais de saúde julgam necessário recorrer à lei para submeter o paciente com
AN ao tratamento obrigatório a fim de que o peso corporal seja recuperado. Nesses casos a
resistência ao tratamento costuma ser ainda mais comum (MOREIRA; OLIVEIRA, 2008).
No Brasil não tivemos conhecimento de algo semelhante, mas na Austrália, bem como
Estados Unidos e Reino Unido (ROOTS et al, 2009; CARNEY et al, 2006), há casos em que
devido à alta mortalidade por AN os médicos chegam a considerar as vias legais para coagir
pacientes a permanecer em tratamento ou em programas de realimentação. A afirmação é que
muitos desses pacientes não têm discernimento para a gravidade de sua condição psicológica
ou médica, mas a coerção foi mais provável de ocorrer nos casos de existirem internações
prévias para TA, se o IMC fosse muito baixo ou se houvessem co-morbidades psiquiátricas
associadas. Se por um lado, as metas de ganho de peso eram atingidas, por outro, a construção
de uma aliança terapêutica era quase inviável (CARNEY et al, 2006).
No trabalho de Tan et al (2010), a percepção da coerção ocorreu de modo complexo e
não esteve relacionada com o grau de restrição de liberdade. As participantes não pareceram
ressentir da coerção se esta fosse realizada em um contexto de confiança junto aos familiares
e profissionais de saúde, de modo que o relacionamento coercitivo podia mesmo ser
percebido como cuidado e ajuda, e não necessariamente experimentado de forma negativa.
Assim, o desafio estaria em criar uma rotina de cuidados que fosse bem recebida, mesmo em
um contexto onde as adolescentes estejam contra a vontade.
175
Nas considerações finais da tese, procuro assinalar algumas contribuições importantes
à oferta de assistência à saúde aos adolescentes com TA, possíveis graças à escuta
privilegiada junto aos adolescentes entrevistados e à observação cotidiana do serviço de
saúde.
176
CAPÍTULO 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS:
CONTRIBUIÇÕES À ASSISTÊNCIA À SAUDE DE ADOLESCENTES
COM TRANSTORNOS ALIMENTARES
Tentei demonstrar até aqui o quanto a trajetória de vida desses adolescentes foi
marcada pela presença do TA. A adolescência é uma fase da vida em que muitas vezes há um
afastamento da família e uma aproximação com os pares. O ganho gradativo de autonomia
dessa fase, possibilitando optar pelo que fazer com seu tempo livre, é geralmente preenchido
pela presença do grupo de amigos que, ao término das aulas, vão juntos ao shopping, ao
cinema, fazer um lanche, ou seja, se encontram para fora dos muros da escola, mesmo nas
férias ou finais de semana. Além de também existir a aproximação com pessoas próximas ao
local de moradia, nos espaços de sociabilidade em clubes, cursinhos, etc.
Com exceção de Bruna, que embora afirmasse não ter amigos na escola, os tinha no
grupo da igreja que frequentava, de Alice que tinha nas primas suas grandes amigas e Ana
Laura que tinha as amigas do ballet onde passava a maior parte de seu tempo, as outras
adolescentes e Vinícius, ainda que tivessem um ou outro colega se diziam solitários. Essa
solidão estava relacionada ao fato de não levarem uma vida “normal”, de viverem tentando
esconder seu TA ou, quando já descoberto, tentando fugir das investidas externas para que se
esforçassem em comer qualquer alimento que fosse. No entanto, essa solidão autoimposta
nem sempre era relatada com tristeza. Na verdade, o fato de passarem muito tempo sozinhas
as permitia concentrar a atenção em atingir seus objetivos e muitas delas diziam não sentir
falta de ter amigos.
O início da minha “conversa” com elas, era sempre buscando conhecê-las melhor,
saber do que gostavam de fazer com seu tempo livre e para se divertir e, não raro ouvi que
gostavam de dormir e/ou de estudar. Em uma das fases da vida na qual a sociabilidade entre
pares adquire caráter central, escolher deliberadamente dormir e/ou estudar como fontes de
prazer as destacavam dentre os outros adolescentes, chamando a atenção de seus pais, do
restante da família e dos professores. Por meio dos relatos adolescentes, entendi que esse
isolamento social e a quietude que mantinham também faziam os pais temerem que houvesse
alguma relação com o uso de drogas ilícitas, usualmente mais temido pelos pais nessa etapa
177
da vida dos filhos. Embora a adesão ao uso de drogas não tenha se mostrado realidade entre
os entrevistados, os conflitos familiares provocados por tal temor parental aumentavam,
tornando-as alvo de desconfiança e cobranças familiares.
Nas entrevistas, ao pedir para falarem sobre si, eles narravam seu adoecimento, o
convívio com a AN ou como transcorria sua rotina diária. Vinícius relatou seu dia desde a
hora que acordava até ir dormir, demonstrando tédio por ter uma vida sem muitas novidades
quando desejava claramente o contrário. Em seu caso, ele vivia em uma casa apenas com
adultos e idosos, impedido de sair pela madrinha, que o considerava ainda muito novo.
Restava então a Vinícius passar todo o tempo em que não estava na escola em frente ao
computador.
A descrição da vivência particular de cada um com a AN, quando indagados a falar
mais sobre si mesmos, demonstra o quanto a doença se apossava da vida dos entrevistados,
deixando pouco espaço para que se sentissem existindo a despeito do TA. Essa sensação da
doença preencher toda a existência social dos sujeitos acabava por minar suas relações com o
mundo que os cerca. Silvia contou sobre o motivo do seu afastamento tanto dos seus
familiares (com exceção do pai), quanto das amigas de infância, afirmando manter apenas
amigos no colégio.
Às vezes, me incomoda um pouco eu ter essas coisas. Às vezes eu sinto como se tudo já estivesse escrito em
mim, e quando uma pessoa me olha ela já sabe que eu tenho essas coisas. E isso me deixa muito mal às vezes.
(Silvia, 16 anos)
Conforme destacado em capítulos anteriores, o apoio que a escola ofereceu durante a
internação e tratamento de Natasha a deixou emocionada. Ela verbalizou algumas vezes nas
consultas e mesmo na entrevista este fato, sempre demonstrando surpresa pela acolhida e o
quanto isso a fazia se sentir querida por aqueles que ela não acreditava serem seus amigos.
Minha escola toda me apoiou. Até hoje apoia. Eles sempre me perguntam se tá tudo
bem. Eles vinham me visitar [na internação] e traziam a matéria./Como é sua
relação com outros adolescentes?:Boa. Normal, eu não tenho muitos amigos, mas é
normal. A maior parte dos seus amigos é de onde...? (me interrompeu): Não, eu
não tenho muitos amigos! Tenho tipo uns 3, 4... 3 no máximo! No colégio eu ando
sozinha. E como é isso pra você?: Ah, normal, eu sempre fui assim... Eu tenho
colegas, sempre tem gente pra bater papo, mas amigo não... Como você se sente
sobre isso?: Diferente! Porque isso muda um pouco né? Eles fazem uma festa numa
pizzaria eu não vou! E eu sou a única pessoa com transtorno alimentar na escola e
eu vejo eles bem e comendo e eu assim. E eles me apoiam muito, mas mesmo assim,
é uma culpa interna... E no recreio, você consegue comer perto das pessoas?: É
muito engraçado porque eu não... depende da pessoa, as mais próximas eu até
consigo comer perto, outras eu tenho vergonha. (Natasha, 16 anos)
178
Era recorrente que fizessem distinção entre ter colegas e não ter amigas/os. Grande
parte do tempo diziam estar sozinhos. Também procuravam destacar que não eram como os
outros adolescentes, embora não citassem o TA como motivo para essa diferenciação, mas
sim o fato de se sentirem mais maduros, com interesses diferentes dos comuns à fase da
adolescência, por isso preferiam estar sozinhos.
Yasmin (17 anos) foi uma das que dizia não se identificar com os adolescentes de sua
idade, se definia como sendo uma pessoa adulta, precoce e, portanto, considerava os assuntos
adolescentes “uma bobeira”. Bruna (12 anos), mesmo sendo muito nova, afirma ter tido a
compreensão de que o seu comportamento e de seus amigos era errado, pois passavam muito
tempo dedicados a “julgar os outros pela aparência”. Assim, decidiu mudar e afastar-se deles,
o que a fez limitar seu ciclo de amizades no colégio onde estudou a vida toda.
Silvia vive uma situação atípica em sua escola, afirma não ser a única com TA e isso
implica que ela vivencie a sociabilidade adolescente de modo mais próximo ao esperado para
essa fase. Fala abertamente sobre seus problemas com seus amigos e encontra apoio quando
se sente triste. Por outro lado, afirma ter rompido com as amigas próximas a sua casa,
justamente por essas terem tentado ajudá-la com o problema de relacionamento que tem com
sua mãe.
Meu pai até falou que na minha escola tinha que abrir um centro de tratamento, de
terapia mesmo! Eu tenho um amigo que tem esquizofrenia, uma amiga que tem
anorexia, outra com bulimia, outra se corta, outra com depressão... é muita coisa lá!
Eles me ajudam. Esses amigos que também têm problemas a gente vai se ajudando.
Parece que a gente esquece dos nossos pra ajudar os outros. Parece que a gente
supera os nossos pra ajudar os outros... E é por isso que eu gosto tanto de lá, eu
passo o dia todo lá. (Silvia, 16 anos)
Kamila estava afastada do colégio há quase seis meses, diz que quando ficou muito
fraca seu pai foi ao colégio explicar a situação e buscar alternativas para que a filha não fosse
reprovada por faltas, mas o apelo não surtiu efeito. Desde então, vivia em casa na expectativa
de retomar as aulas. A adolescente pontua que a maior diferença entre si e os outros
adolescentes é o fato deles não ligarem para o que “as pessoas pensam”, para ela, a opinião
alheia sempre fez muita diferença em seu julgamento pessoal.
É na adolescência também que começam a se desenvolver os primeiros
relacionamentos afetivo-sexuais e, além das preocupações com a autoimagem corporal, devese considerar o despertar para o desejo e a necessidade de se fazer desejar em redes de
179
sociabilidade, o que implica em aprender estratégias de sedução em que o corpo ocupa lugar
de destaque. Todo esse processo é vivenciado de formas distintas, pelos próprios jovens e
pelas instâncias sociais com que lidam quotidianamente (FERREIRA, 2009).
As adolescentes que já haviam experimentado um relacionamento afetivo atribuíam
muito valor ao apoio que recebiam de seu/sua parceiro/a. Yasmin chegou a romper com os
pais, dos quais sempre recebeu apoio, em prol de seu relacionamento ainda muito recente. Ela
namorava há 4 meses e já fazia planos de se casar, o que gerou um conflito familiar na
ocasião da entrevista, quando a adolescente permanecia sem falar com os pais.
Os conflitos familiares em razão dos relacionamentos amorosos das filhas não foram
incomuns. Bruna, que tinha 12 anos, estava namorando pela segunda vez, sendo os dois
rapazes com os quais se envolveu mais velhos, o primeiro com 18 e o segundo com 17 anos.
O conflito com a mãe não residia no namoro em si, mas na diferença de idade entre a
adolescente e seus parceiros. A mãe tentava demonstrar que eles seriam “má influência” à
filha, e a adolescente começava a atribuir valor à opinião de sua mãe.
Você está namorando no momento?: É... porque assim, eu acho que eu não posso
ficar desobedecendo a minha mãe, ela acha que a gente terminou, mas eu ainda vejo
ele de vez em quando... Mas eu acho que não to fazendo o certo então eu acho que...
Eu vou cortar essa ligação, porque talvez isso que ela esteja fazendo seja bom pra
mim mesmo... (Bruna, 12 anos)
Natasha, que já havia namorado meninas e também meninos, estava há sete meses com
um colega de colégio e destacava o fato dele ter se apaixonado por ela enquanto ela estava
com 33 quilos. Além de seu pai, era nele que ela encontrava apoio para seguir com o
tratamento.
Ele é tranquilo, ele sabe, ele não tem problema com isso, ele me ajuda. Ele
conversa muito comigo. Por exemplo, quando eu cortei o cabelo eu fiquei triste
porque eu achei que ficou feio, aí ele cortou muito o cabelo dele e disse que
qualquer pessoa pode ser bonita com cabelo curto [ela cortou o cabelo bem
curtinho, um corte masculino]. Ele faz essas coisas pra me deixar bem, ele é legal,
muito legal... Você consegue comer perto dele?: Claro! A gente sempre almoça
junto. É engraçado, ele come muita besteira... (risos) E você não fica regulando o
que ele come?: Não! Eu quero mais é que ele seja feliz! (Natasha, 16 anos)
Silvia era uma das adolescentes mais falantes, mesmo após a entrevista me procurou
algumas vezes para falar de seus conflitos sentimentais. Não conseguia entender seus
sentimentos, assim como Natasha, também dizia gostar de meninos e meninas, por quem tinha
180
preferência, mas recentemente acreditava estar apaixonada por um menino e isso não parecia
fazer muito sentido para ela. Assim, lidar com mais essa “novidade”, ou seja, a atração pelo
mesmo sexo e não o sexo oposto era difícil tanto para os familiares quanto para as próprias
adolescentes. O PTA não ficava alheio aos conflitos que surgiam em razão dos namoros
adolescentes, reforçando o fato de que os cuidados ali prestados necessitam ir além da
dimensão da saúde. Os depoimentos pessoais sobre a própria adolescência ou sobre os
cuidados com os filhos adolescentes eram utilizados pela equipe de saúde constantemente
como exemplo, buscando tranquilizar a família sobre as questões próprias ao início dos
relacionamentos afetivos-sexuais, as quais eram novas para os pais e as filhas. Havia uma
tentativa de tornar o assunto “mais leve” para que pudesse ser posteriormente discutido pela
família com calma.
Sobre a sociabilidade no mundo virtual, embora tivessem conhecimentos sobre os
blogs e sites que incentivavam a propagação dos TA na internet e também forneciam apoio
aos seus portadores, nenhuma das entrevistadas assumiu ter criado e/ou mantido um site ou
blog com esse fim, nem mesmo se consideravam suas frequentadoras assíduas. Na verdade,
buscavam ao máximo se afastar das pessoas que escreviam nesses “diários virtuais”. Yasmin
as nomeava como “malucas”, dizendo que usavam o seu TA como um “troféu”. Alice afirmou
achar “horrível” o que via, mas ao mesmo tempo dizia que eram todas as “maluquices” que
ela mesma praticava e que, vistas de fora, “não era legal”. Bruna disse que nas vezes em que
entrou rapidamente nestes sites pró-ana/pró-mia teve vontade de sair, pois achou “chato”.
Isabel considerava “aquilo lá que é doente, eu não!”, embora não tenha conseguido explicar a
diferença entre suas práticas e as propaladas no ambiente virtual. Kamila foi sincera ao dizer
que, além de entrar e constatar que se tratavam de meninas “iguais” a ela, ensinando outras a
se tornarem anoréxicas ou bulímicas, fez uso das técnicas ensinadas para conseguir vomitar.
Em todo caso, para as entrevistadas, parecia ser confuso esse contato visual, ainda que
apenas virtual, com outras pessoas que tem um TA. Conforme antes destacado, é possível
desenvolver uma postura ativa em relação a esses transtornos, afastando a sua concepção de
doença e lidando como algo que é adotado deliberadamente como uma carreira em construção
(DARMON, 2009; 2006). No entanto, o confronto com a realidade do adoecimento e o
sofrimento dele decorrente parece minar essa pró-atividade, causando desconforto, medo e
não-identificação com outras pessoas também doentes.
181
Yasmin, ao final de sua entrevista, ao ser questionada se teria algo mais a acrescentar,
pegou o gravador da mesa e disse:
“Ajudem! Ajudem as meninas! Não a mim, porque eu já to bem... Mas ajudem a quem precisa, porque elas são
maluquinhas... (risos)”. (Yasmin, 17 anos)
Embora não se vejam ou se sintam doentes grande parte do tempo, isso pode variar de
um momento ao outro, afinal os TA são doenças de curso crônico, onde pequenas melhoras e
posteriores recaídas são comuns. Ao entrarem nesses sites ou blogs ou ao verem uma
adolescente gravemente adoecida na sala de espera, elas têm dificuldades em aceitar sua
própria condição de doentes. Ao mesmo tempo, não sabem ao certo como estão, pois sempre
se veem mais “gordas” do que realmente são e desejando estar mais magras do que estão.
Nesses momentos de confusão quanto à sua autoimagem corporal, elas demonstram mais
precisar de amigos, de apoio, de carinho.
O apelo de Yasmin, em minha opinião, representa o maior desafio enfrentado por
essas adolescentes, qual seja, reconhecer nelas mesmas o problema, para então buscar forças
para vencê-lo. Não raro elas se assustavam com o emagrecimento de uma colega na sala de
espera ou quando viam algo sobre AN na televisão, nos jornais, revistas ou na internet,
afirmando que “aquilo sim era doença”. Na verdade, elas não estabeleciam relação direta
entre o que se passava com elas e o que tanto as chocava. Ainda assim, reconhecer que estão
doentes nem sempre é um sinal de que vão melhorar. Podem reconhecer que estão doentes e
se acharem bem assim, pois referiam ser melhor estar no “controle” do que serem
“saudáveis”. Em ambos os lados, reconhecendo-se doentes ou não, viver com um TA
representa um sofrimento infinito, e a falta de reconhecimento de que isso é um problema
grave, tanto pelos familiares quanto pelos amigos, só contribui para que essas adolescentes
adoeçam ainda mais.
Nas oportunidades de contato com os adolescentes, sempre procurei saber o que
consideravam desejável em um serviço para atendimento aos adolescentes. Durante a
etnografia, apesar do Programa observado estar inserido em um Serviço voltado para a saúde
do adolescente, nem sempre a forma como a atenção/assistência à sua saúde estava
organizada se moldava as suas necessidades e aspirações.
Quando indagadas na entrevista, a maioria das adolescentes avalia bem o PTA. Dentre
as entrevistadas, apenas duas tiveram o Programa como sua primeira experiência em
182
atendimento aos TA. Todas as outras já haviam sido levadas pelos familiares em um ou mais
serviços/profissionais de saúde. Assim, podiam compará-lo com os locais anteriormente
visitados. Duas entrevistadas disseram que embora estivessem satisfeitas com os
atendimentos, demoraram a confiar nas pessoas que as atendiam, o que fazia com que não
tivessem vontade de ir às consultas e esconder “a verdade” sobre seus comportamentos.
Dentre os motivos destacados para avaliação positiva do atendimento em saúde,
encontram-se o fato de tê-las ajudado a perceber que o que faziam era prejudicial e a completa
infraestrutura de atendimento com espaço físico, profissionais de saúde e exames disponíveis.
A única adolescente que afirmou achar “chato” ter que ir aos atendimentos atribuiu sua
opinião ao fato de ter que “ficar conversando”. Na verdade, sua queixa residia no fato de que,
na mesma manhã, precisava repetir quase as mesmas coisas por três ou quatro vezes, uma vez
em cada um dos atendimentos que passava, o que tornava esse fluxo exaustivo. Assim, além
de repetitivo, as consultas se tornam desmotivantes.
Quando eles repetem a mesma pergunta sempre, aí eu não sei por que eu fui lá... (Ana Laura, 12 anos)
Uma proposta possível à resolução dessa queixa seria um atendimento coletivo por
parte da equipe de saúde, em que um ambiente acolhedor fosse criado e a adolescente pudesse
se sentir estimulada a falar e acolhida pela equipe como um todo, evitando o desgaste
evidente para elas e seus familiares. Tal proposta, no entanto, nunca chegou a ser cogitada e
consequentemente discutida.
Ao serem questionadas sobre as dificuldades no tratamento dos TA, destacavam o
seguimento das recomendações da nutrição, a demora para confiar na equipe, para construir
um vínculo, o medo dos médicos, a vergonha e o constrangimento de ter que se despir para o
exame físico clínico, sempre observadas pelos residentes. Kamila diz que sua maior
dificuldade tem sido ficar sem vomitar.
O questionamento médico “Você não consegue pensar em um modo mais adulto de
resolver isso?!” é ilustrativo de como é difícil ser adolescente. Por um lado, elas estão no
serviço de saúde, levadas pelos familiares e muitas vezes atendidas na presença deles,
completamente tuteladas, sem voz, sendo a todo o tempo delas exigido a submissão e a
obediência às regras da instituição. De outro, querem que elas se comportem como adultas,
que encarem os problemas típicos dessa etapa da vida como adultas, sendo que comumente
ainda são tratadas como crianças.
183
A indagação acima surgiu quando uma adolescente chegou para atendimento com
ferimentos advindos dos cortes que provocou em seu corpo. Ela explicou que se cortou em
razão de uma discussão com uma amiga, ao chegar em sua casa, percebeu que sua amiga
estava certa e se sentiu culpada pelo ocorrido. Ao ser questionada se não conseguiria ser
“mais adulta” frente aos conflitos interpessoais, a adolescente respondeu negativamente em
tom de deboche.
Descrita pela equipe como “sistemática”, para ela, controlar seu corpo, fosse pelos
cortes, fosse pela privação alimentar, era o máximo de autonomia que conseguia ter e, por
isso, realizava tais atitudes com tanto rigor. É preciso muita sensibilidade para lidar com esses
casos e muitas vezes a família não está preparada, não é algo simples de se compreender e os
familiares também ficam perdidos e não encontram esse amparo no Programa, posto que não
há uma atividade prevista para acolher os pais.
Nesse sentido, Natasha valorizou sobremaneira o apoio aos pais:
Eu acho que tem que focar muito nos pais também, porque eu acho que os pais são
muito responsáveis por isso, eu acho que sem os pais não dá pra fazer, tanto é que eu
só comecei a melhorar quando meus pais se tocaram. Acho que a parte mais difícil é
porque é muito complicado explicar pra um pai um transtorno alimentar. Não é fácil
de entender, nenhuma doença psicológica é... Não é igual a você ter um câncer...
Não é a mesma coisa! (Natasha, 16 anos)
Esse comentário de Natasha se relaciona com o de uma adolescente internada na
enfermaria do SSA com AN. Além do sofrimento por toda cobrança que tinha consigo mesma
em relação ao seu corpo, tal adolescente sofria por não conseguir melhorar. Ela estava
internada no mesmo quarto que uma adolescente com câncer, que tomava morfina e, ainda
assim gritava de dor grande parte do tempo. A adolescente com AN sofria por “poder se
curar”, afinal segunda ela, sua doença implicava em “não comer”, se comesse estaria curada,
mas mesmo assim não conseguia. Enquanto isso, a colega de quarto tinha uma “doença de
verdade”, incurável. Em um de seus relatos, afirmou estar ocupando o lugar de alguém que
poderia estar “precisando mesmo”, assim, sentia-se envergonhada com a presença da família
da outra adolescente e de estar na enfermaria reclamando de “gordurinhas” e da quantidade de
comida enviada pela cozinha, enquanto outras adolescentes estavam morrendo ao seu lado.
Esse sentimento também revela como a AN é minimizada enquanto doença pelas próprias
pessoas que padecem desse mal e como pode ser foco de sofrimento e dor para as mesmas.
Muitas vezes, essa minimização de sua gravidade e/ou complexidade ocorre pelos próprios
184
profissionais de saúde que as atendem, talvez por falta de capacitação e manejo para lidar com
tais patologias.
Ao pedir que qualificassem o “bom atendimento” recebido, as adolescentes
destacaram a quantidade de informação fornecida, demonstrando que valorizam o profissional
de saúde bem capacitado, ou o simples fato deste ter “se preocupado, tentado ajudar, feito
alguma coisa”. Poder expressar o que sentem é por elas valorizado: “Aqui! Aqui é muito
legal... Ah... porque aqui eles conversam... eles... eles se preocupam com o que a gente
pensa... com o que a gente está sentindo...” Ter autonomia para falar o que se deseja em um
atendimento voltado para os adolescentes (e não para os adultos!) era algo que as surpreendia
positivamente, quando na realidade deveria ser a norma.
Silvia ressalta a importância de ser compreendida pela equipe de saúde que atende ao
adolescente:
“Um bom atendimento eu acho que é quando a pessoa te escuta. Ela fala o que você
tem que fazer, mas ela não te julga, ela não te critica... Ela sabe que você tá errada,
mas ela vai te orientar, não te criticar! E eu demoro a confiar, eu demorei aqui no
transtorno... Aqui no transtorno todas as consultas são boas... Quando eu comecei
com a nutrição, eu falava pra ela, você vai me mandar fazer as coisas e eu vou
continuar vomitando, restringindo... Até eu entender que aquilo era importante. Só
que agora eu me descontrolei. Agora eu preciso é confiar mais em mim, porque em
vocês eu já confio. Senão eu nem vinha nos atendimentos... e eu fico ansiosa pra
vir.” (Silvia, 16 anos)
Além das perguntas repetitivas, elas também avaliaram como prejudicial no
atendimento recebido o fato do profissional de saúde ficar constantemente condenando as
atitudes adolescentes e não as “escutar direito”, ao não dar voz aos pacientes e não basear seu
atendimento naquilo que está sendo por elas relatado. Mais de uma adolescente sinalizou que
“muita pressão” seria a pior coisa para o tratamento. Natasha explica de forma clara como
avalia tal situação:
(respira fundo) eu acho que quando você começa a querer obrigar “você tem!”, é
ruim! Pressionar... Porque a gente já sente uma pressão da gente, porque a gente
sabe que é ruim! A gente vê as outras pessoas na rua... A gente vai na escola e vê
que todo mundo é normal, a gente já tem a pressão de não ser normal. Tem a pressão
de ser magra, porque a gente tem que ser bonita, tem que ser magra, por que senão o
outro... então, tem uma pressão das pessoas, da sociedade e a gente ser pressionado
pra melhorar uma coisa que a gente não controla, já é mais difícil. É muita pressão!”
(Natasha, 16 anos)
185
Silvia descreve uma situação pela qual passou no SSA, em que se sentiu pouco
acolhida e desestimulada a retornar:
Quando eu era atendida pela doutora [ginecologista] eu usava cordão de caveira,
né?! Que eu gosto dessas coisas, aí eu até parei de usar... Ela falou “ai você tá
magra! você está horrivelmente magra! você quer ficar magra igual a essa caveira no
seu pescoço?” Quando eu saí da consulta eu disse “eu nunca mais quero ser atendida
por essa mulher!” Aquele atendimento pra mim foi horrível, ela não atende bem.
Ela, eu acho que tentou ajudar, mas piorou tudo!” (Silvia, 16 anos)
Por fim, pedi aos adolescentes entrevistados que me ajudassem a pensar a organização
de um programa para atendimento aos TA, me dando dicas de como eles gostariam de ser
atendidos. Foi quase unânime a sugestão de realização de atividades conjuntas entre os
pacientes, que promovam a sociabilidade entre adolescentes que sofrem de TA. Citaram
atividades grupais para se conhecerem, a promoção de peças teatrais para se discutir o que é a
AN (que nem sempre está claro pra elas), a realização de um curso ou outra atividade lúdica
para conhecerem outras pessoas que já enfrentaram a mesma doença e se recuperaram. Trago
abaixo alguns trechos de suas recomendações:
Eu acho legal quando você coloca pessoas que já passaram por isso... Porque eu
lembro na minha primeira consulta, na sala de espera tinha uma garota que já tava
aqui há 4 anos, já teve até alta... E eu vi o corpo dela, eu achei perfeito e ela já tava
fazendo musculação e eu queria muito fazer esporte! ... É a primeira consulta, você
já tá com medo, aí você vê uma pessoa que melhorou! Já é uma esperança sabe?
Você vê que não é só você que sofre com aquilo... Lá embaixo [na sala de espera]
ficam os pais conversando e eu também acho isso muito importante, os pais se
unirem não só as pessoas [com AN]... (Natasha, 16 anos)
Seria legal ter umas meninas assim que já passaram por isso e se curaram, estão
bem, seguindo com a vida, sem se preocupar com a aparência... Tipo, alguns
encontros também com pessoas com obesidade, seria legal juntar todo mundo pra
conversar e trocar ideia. Pode ajudar um ao outro... E pessoas também que tiveram
obesidade e que conseguiram se curar. Que foram capazes! Pra gente ver que é
possível! (Silvia, 16 anos)
Por exemplo, juntar todos eles e fazer uma atividade. Com todos os adolescentes e
mostrar, assim... Eu vi uma garota aqui uma vez, aquela garota parecia uma caveira
de verdade! Assim, eu tenho um problema, mas talvez eu ajude ela... (Ester, 13
anos)
Não sei, no início é chato mesmo… (risos), Ai não sei… Não sei o que seria legal...
Não sei talvez assim uma reunião pra gente conhecer a situação dos outros seria
legal... (Kamila, 18 anos)
186
Acho que o que funcionaria era não fazerem do tratamento uma forma de punição.
De ter aquilo como “ah você está aqui porque está fazendo um tratamento, você está
doente, minha filha! Se você não se cuidar você vai morrer!” Tinha que ser uma
coisa mais leve, mais lúdica sabe? Que ajuda muito! Porque, no fundo, as pessoas
que têm isso... Eu falo por mim mesma, elas têm isso como um escape, porque têm
outras coisas por trás! Então elas têm que ter aquilo como uma coisa mais lúdica.
Porque elas já estão passando por problema, se elas vieram pra cá e for uma série de
perguntas, uma coisa séria, um ambiente hostil, não vai funcionar! Tem que ter
conversa entendeu?! Ter intimidade, tem que ter uma troca... (Yasmin, 17 anos)
Tatiana, cuja história pessoal é muito triste, embora tenha apenas 16 anos, já passou
por muito sofrimento em sua vida. Resumiu o atendimento que gostaria de receber com
apenas três palavras: “Carinho, amigos, atenção”. Simples assim, mas é tudo aquilo que falta
em sua vida, sua grande reclamação é a solidão. Apesar disso, foi a única entrevistada que não
gostou da ideia de conhecer outras adolescentes com AN. Tatiana não tem uma das pernas e
seu desconforto é tanto por ser vista desse modo, como por ver outras adolescentes tidas como
“normais”, que ela a princípio não deseja interagir com outros adolescentes que também
sofrem com a AN. Mesmo na internação, ela não saía de seu quarto durante todo o tempo em
que esteve na enfermaria de adolescentes. Sua dupla condição de portadora de uma
deficiência física e de anorexia nervosa, sem apoio familiar e amor filial, tornava sua
existência triste e solitária.
Ao refletir sobre algumas recomendações para melhorar a assistência à saúde prestada
aos adolescentes com transtornos alimentares, os grupos de apoio seriam uma estratégia
certamente bem-vinda, tanto pelos familiares que verbalizavam o quanto estavam perdidos,
quanto pelas adolescentes que buscavam compartilhar sua experiência com outras
adolescentes passando pela mesma situação. No entanto, o exemplo de Tatiana é importante
para assinalar que as características peculiares a cada um sejam identificadas e suas
dificuldades respeitadas. Assim, além de serem consultadas sobre a participação nestas
atividades grupais, elas não podem ser implementadas de modo padronizado, posto que há
uma diversidade imensa nas maneiras de se vivenciar a adolescência.
Silva (2011) destaca outro cuidado a ser considerado com a oferta de grupo de
portadores de AN nos serviços de saúde. O contato com pessoas que convivem com um TA
há muito tempo, com marcas visíveis dos danos causados pela doença, faz com que as novas
integrantes do grupo identifiquem nesses casos a imagem de um futuro provável para si
mesmas. O apoio psicológico complementar à participação no grupo pode ajudá-los a
minimizar o sentimento de desesperança comum aos que padecem de doenças crônicas.
187
Na AN, como em outros TA, é comum a pessoa sentir uma dualidade entre o desejo de
se curar e a manutenção dos sintomas que o leva a atingir seus objetivos. Dessa forma, a ajuda
na quase totalidade dos casos vem do exterior, de um familiar ou amigo que percebe o
problema e busca o tratamento. Com as adolescentes do PTA, não foi diferente. Todas
estavam no serviço de saúde levadas pelos familiares e, inicialmente não desejavam
permanecer no atendimento. Muitas tinham essa visão mesmo após alguns meses de
tratamento, pois se achavam “ótimas” e julgavam não precisar de ajuda, afinal, não se viam
doentes. Assim, é preciso ir além da atenção em saúde no sentido estrito para atrair esse
público, pois eles não se julgam com problemas de saúde. A proposta de uma atividade mais
estimulante que promova a integração em uma fase da vida onde o desenvolvimento das
relações de sociabilidade é central é o que almejam. Um programa que se volte a esse público
não pode minimizar a criação de vínculos entre suas usuárias e entre seus pais (BARRETO et
al, 2010; COBELO et al, 2004; EISLER, 2005; GODART et al, 2012), como forma de
propiciar redes de ajuda mútua, grupos de apoio terapêutico para assim estimularem e
atraírem o interesse das adolescentes em seguir com os atendimentos.
Já foi demonstrado que, especialmente entre adolescentes, o envolvimento da família
proporciona um estímulo ao seguimento do tratamento e melhores resultados (HONIG, 2005).
Além disso, muitas vezes essa família também necessita ser acolhida pela equipe de saúde
(VILELA E SOUZA; SANTOS, 2009), até mesmo para sentirem-se seguros e confiantes para
prosseguir com os cuidados com os filhos.
Assim, buscando reunir algumas propostas dos adolescentes entrevistados, seria
interessante integrar novos objetivos ao tratamento, aliados à promoção da sociabilidade entre
eles, retirar o foco da recuperação do peso corporal, das calorias, das gorduras e atribuir
importância ao que eles destacam como necessário, como a construção de uma boa relação
terapêutica, atenção aos aspectos emocional e psicossocial das pacientes, a transferência
gradual da atenção para outras atividades da vida cotidiana, ligadas aos estudos, diversão,
lazer... Eles reivindicam cada vez mais responsabilidades que os possibilitem exercitar
diferentes níveis de autonomia. Seria importante que o serviço de saúde buscasse um
equilíbrio entre as dificuldades e os pontos fortes de cada adolescente, além de se preocupar
com os abandonos intermitentes, fazendo com que elas verdadeiramente saibam que a
recuperação é importante para a equipe de saúde (OMMEN et al, 2009).
188
Esses são alguns aspectos a serem trabalhados pela equipe do PTA, que necessitaria
também passar uma capacitação/especialização para fornecer o cuidado adequado a este grupo
de adolescentes. Levando-se em consideração a realidade nacional de atenção aos transtornos
alimentares, posto que as recomendações acima poderiam ser implementadas em outros
serviços de atenção aos TA, esses espaços muitas vezes sequer têm condições de remunerar
financeiramente a equipe de saúde que nele atua, comumente formada por profissionais de
saúde que atuam voluntariamente, motivados por interesse em ensino e pesquisa nessa área de
conhecimento, o que incrementa as dificuldades em se estruturar uma equipe de saúde estável
e competente (SILVA, 2011; MARINI, 2013).
Grande parte dos serviços de saúde destinados aos TA estão alocados em
universidades públicas, cuja distribuição orçamentária muita vezes inviabiliza a contratação
de profissionais especializados apenas para atuarem nesses espaços. Esta é a realidade que
estamos lidando. Muitos desses serviços surgem em meio ao interesse acadêmico de se
conhecer melhor tais transtornos e pela mobilização de profissionais sensibilizados com a
falta de atenção especializada para atender a demanda nacional por tratamento (SILVA,
2011). Às dificuldades de se manter os serviços disponíveis e de criar novos centros para
tratamento, soma-se a inexistência de qualquer diretriz ou política pública voltada para a
assistência aos TA (SILVA, 2011), bem como qualquer esforço por parte dos governantes
para se determinar a prevalência destes transtornos no país (ALVES et al, 2008).
Destaca-se a relevância de inserir os TA na agenda de discussões sobre a atenção à
saúde adolescente e a definição de um plano de atuação futuro, contemplando o investimento
em formação de pessoal especializado. Torna-se necessária a implementação do debate
nacional, posto que este permanece incipiente, sobre a definição de políticas públicas de saúde
que tenham como foco a garantia de acesso aos portadores de TA a um serviço de saúde
voltado as suas necessidades, com estrutura física adequada e profissionais de saúde
capacitados.
A possibilidade de realizar uma etnografia em um espaço privilegiado para
problematizar o modelo de atenção, bem como a estrutura que vem sendo oferecida aos
adolescentes e seus familiares é uma das contribuições diferenciais desta tese. A eleição do
método etnográfico como meio para acessar o modo como a AN era concebida e recriada no
espaço do PTA pela triangulação de atores envolvidos - profissionais de saúde, familiares e
adolescentes – nos permitiu captar uma dimensão mais totalizante do problema. Uma série de
189
questões relevantes foram aqui destacadas e muitas mudanças são ainda necessárias. Para
isso, é preciso que haja sensibilização pública para que os TA se tornem tema de interesse da
Saúde Coletiva, para que o investimento necessário à capacitação e contratação de equipes
multiprofissionais possa ocorrer, a ampliação dos ambulatórios existentes e criação de novos
espaços para abarcar a demanda ainda “invisível”. Os espaços de sala de espera precisam ser
melhor adequados aos seus usuários e ainda a estruturação de enfermarias para atender esse
público específico, dado que, sem a internação muitas vezes não se avança em direção à
recuperação.
Temos que valorizar o trabalho que vem sendo realizado, com todas as dificuldades
apontadas, que são correntes em outros serviços de saúde, e marcas características do contexto
nacional de cuidados aos TA. Mas é preciso fazer muito mais. Desde a busca pelo espaço que
abrigaria a pesquisa, essa realidade de atenção aos TA já se revelava dramática. Sabia da
existência daqueles que padecem dos TA mas não os via, eles não eram absorvidos para
atendimento, não se tinha notícias do caminho percorrido pelas pessoas que sofrem destes
males. A construção de uma pesquisa etnográfica foi especialmente fecunda nesse campo,
onde foi possível atribuir centralidade àqueles adolescentes que muitas vezes não eram
ouvidos, permaneciam mudos mesmo tendo muito a dizer.
A aproximação à realidade cotidiana desses adolescentes possibilitou uma
compreensão de suas aflições que por vezes foge àqueles que convivem mais diretamente com
eles e mesmo aos que se dedicam aos cuidados à sua saúde. Assim, embora nosso
entendimento nunca seja o mesmo que o que eles compartilham sobre a experiência do
adoecer de um TA, foi possível ir além da/o portador/a de uma doença cujo “grupo de risco”
possui características bem demarcadas, muitas vezes negativas, e encontrar adolescentes
passando pelas dificuldades inerentes a essa fase da vida, com conflitos afetivos, buscando
autonomia a seu modo, e que, apesar de todo o sofrimento imposto pela doença, são muito
carinhosos, receptivos e cheios de planos futuros. Essa apreensão jamais seria obtida somente
por meio da literatura sobre os TA, ou mesmo pelo olhar singular da equipe de saúde, foi
preciso atravessar a barreira das minhas pré-concepções para então conseguir “encontrar” de
modo pleno as/os adolescentes do PTA.
190
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210
ANEXOS
232
ANEXO 2. ROTEIRO DE PERGUNTAS PARA ENTREVISTA DA PESQUISA
Instituto de Estudos em Saúde Coletiva
Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva
Doutorado em Saúde Coletiva
www.iesc.ufrj.br
ROTEIRO DE ENTREVISTA DA PESQUISA
“Etnografia de um serviço de saúde: a face visível da Anorexia Nervosa”
Pesquisadora Responsável: Priscila da Silva Castro.
Data:____/____/______
Dia da Semana:_____________________________
Horário início:_____________
Horário término:_______________________
Local da entrevista:__________________________
Identificação
Nome Completo: ______________________________________________________
Idade: ______________
Data de Nascimento: ____/____/______
Escolaridade: _________________
Está estudando atualmente: Sim
Não
Se sim, qual ano está cursando: _______________________________________________
Cidade e bairro onde mora: __________________________________
Mora com quem?
Fale sobre sua família (pais, irmãos, ocupação dos pais, escolaridade dos pais, religião da família, se
houver, outra pessoa importante do circulo familiar, etc.)
Renda familiar: ____________________________________________
233
Raça/Cor da pele: __________________________________________
1. Iniciando a conversa
Fale-me um pouco de você? Do que gosta de fazer...
Conte-me como chegou até aquele serviço de saúde no qual eu lhe conheci. O que ocorreu antes?
Como começou a procurar atendimento? O que fez? Onde se consultou?
O que você tem?
Como recebeu o diagnóstico? Quem deu? Quem ofereceu a melhor explicação sobre o assunto?
Considera-se doente? Quando se considera doente? Se considerava doente antes de chegar ao serviço?
Como é conviver com esse problema?
Quem mais lhe ajudou a entender essa situação?
Há quanto tempo tem esse problema?
2. Contato com outras pessoas com anorexia nervosa
Você conhece outras pessoas como você?
Como é sua relação com elas?
Você conhece os sites/ blogs que abordam o assunto?
Você gosta do seu corpo? Mudaria alguma coisa nele?
Você se acha bonita/o?
Pode me dar um exemplo de alguém que você acha bonita/o? Porque?
Qual o seu peso e a sua altura (quando chegou e atualmente)?
3. O papel dos familiares, amigos e colegas e as relações sociais
Como é sua relação com a sua família (pais, irmãos, avós,...)?
O que seus familiares dizem sobre o seu comportamento alimentar?
Como você se sente sobre isso?
Como é sua relação com os professores na escola? E com as/os suas/seus colegas na escola?
234
Como se sente em relação aos outros adolescentes da sua idade?
O que você costuma fazer para se divertir?
Você tem colegas próximos a onde você mora? Come é sua relação com eles?
Você está namorando no momento? Fale-me um pouco do seu relacionamento?
4. O tratamento médico
Há quanto tempo iniciou o tratamento?
Já esteve internada/o?
Como foi essa experiência?
O que tem achado dos serviços de saúde que frequenta? Como tem sido recebida?
Já se sentiu discriminada em algum deles?
Quais os tratamentos você já fez?
Quais “funcionaram” ou não, concorda com eles, porque?
O que é um bom atendimento, um mau atendimento, como seria um programa ideal para este tipo de
situação?
Dificuldades?
5. Encerrando a conversa
Gostaria de acrescentar alguma coisa?
O que achou da entrevista?
Muito obrigada pela sua participação!
Instituto de Estudos em Saúde Coletiva/IESC/UFRJ: Praça Jorge Machado Moreira,
100. Cidade Universitária – Ilha do Fundão/Rio de Janeiro – RJ Tel: (21) 2598-9274www.iesc.ufrj.br
235
ANEXO 3. TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Resolução nº 196/96 – Conselho Nacional de Saúde
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
“Etnografia de um serviço de saúde: a face visível da Anorexia Nervosa”
Você está sendo convidada/o a fazer parte de uma pesquisa que tem por objetivo
entender melhor o processo de adoecimento vivenciado por jovens que enfrentam
publicamente a anorexia nervosa; conhecer o percurso dos jovens que chegam até o
ambulatório e suas relações sociais com a família, amigos, parceiros afetivo-sexuais, escola e
serviços de saúde.
Você não é obrigada/o a participar da pesquisa e, se aceitar poderá desistir e retirar o
seu consentimento a qualquer momento. Sua recusa em participar do estudo não lhe trará
nenhum prejuízo com qualquer profissional de saúde, inclusive, com as pesquisadoras ou no
seu atendimento neste serviço de saúde. Sua participação é voluntária e não está relacionada
ao seu atendimento no programa de transtornos alimentares.
Como participar?
Você responderá a algumas perguntas na forma de uma entrevista em data e horário
que desejar em sua residência, para que você se sinta mais à vontade. Será uma conversa,
onde falaremos sobre sua vida, suas atividades diárias, sua relação com pessoas próximas,
sobre seu corpo e sua saúde. O tempo aproximado desta atividade é de 60 minutos, mas este
236
tempo pode variar conforme o ritmo de nossa conversa. Se for preciso, poderemos
interromper a entrevista e continuá-la em outro dia, conforme sua conveniência.
As entrevistas serão gravadas para posterior transcrição. Todo o material produzido
pela pesquisa será guardado pelo período de cinco anos e serão incinerados após esse prazo.
Todas as informações que você nos fornecer serão mantidas em segredo e utilizadas apenas
para a pesquisa. Ninguém de sua família, amigos, ou profissionais de saúde que lhe atende
terá acesso ao conteúdo das informações. Somente as pesquisadoras que trabalham nesta
pesquisa terão acesso às suas respostas. Quando divulgarmos os resultados deste trabalho, seu
nome e qualquer outra informação que possa identificá-la/o serão ocultados, de forma a
garantir que ninguém saiba que se trata da sua história.
Sua participação na pesquisa se restringe a responder livremente as perguntas que lhes
serão feitas. Nenhum outro procedimento ou atividade que implique em riscos para sua
integridade física e psicológica serão realizados. Você apenas pode sentir algum tipo de
desconforto ao abordar assuntos de sua vida e saúde em uma entrevista ou ficar aborrecido
pelo tempo gasto com essa atividade. Se ocorrer qualquer desconforto e você necessitar de
auxílio psicológico ou médico, nós acompanharemos você até o serviço de saúde para
atendimento.
Avisaremos aos participantes quando concluirmos a investigação e se você desejar
poderá ter acesso aos resultados da pesquisa.
Quais as vantagens?
Embora você não tenha nenhum benefício direto e imediato com este estudo, você terá
a oportunidade, por meio da sua história de vida, de ajudar-nos a entender como é o processo
de adoecimento designado como anorexia nervosa. Assim, os resultados obtidos poderão
colaborar para a criação e/ou aperfeiçoamento de medidas que auxiliem outras/os jovens que
237
passam por esta condição no futuro. Além disso, o serviço de saúde receberá o retorno da
pesquisa, e poderá aperfeiçoar o atendimento com este conhecimento que você nos trará.
Se você entendeu perfeitamente a pesquisa e deseja participar dela, precisamos que
assine este termo nos autorizando a entrevistá-lo(a) e utilizar suas informações em nosso
estudo. Este termo de consentimento é um documento importante e você irá receber uma
cópia na qual consta o telefone e o e-mail da pesquisadora responsável, podendo tirar suas
dúvidas sobre o projeto e sua participação, agora ou a qualquer momento.
Meu consentimento:
Estou totalmente esclarecida/o dos objetivos, riscos e benefícios desta pesquisa. Li
este documento e ouvi as explicações da pesquisadora. Minha participação é de livre e
espontânea vontade, não fui pressionada/o por ninguém para responder a esta pesquisa. Sei
que tenho a liberdade para continuar ou recusar, em qualquer momento, a participar da
pesquisa, e que minha identidade será preservada. Também sei que meu atendimento no
ambulatório de transtornos alimentares não será, em momento algum, afetado se quiser me
retirar da pesquisa. Desta forma, concordo em participar e assino este documento.
________________________________ data
Nome e assinatura do pesquisador
________________________________
Nome do sujeito da pesquisa
238
_______________________________ data
Assinatura do sujeito da pesquisa
Contato das coordenadoras da pesquisa:
Professora Dra. Elaine Reis Brandão - Orientadora
Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ
Instituto de Estudos em Saúde Coletiva – IESC
Programa de Pós-graduação em Saúde Coletiva
Telefones: (21) 25989274
E-mail: [email protected]
Priscila da Silva Castro – Pesquisadora Responsável
Doutoranda IESC/ UFRJ
Telefones: (21) 35024980/ (21) 81666729
E-mail: [email protected]
Comitê de Ética em Pesquisa/IESC/UFRJ: Praça Jorge Machado Moreira, 100. Cidade
Universitária – Ilha do Fundão/Rio de Janeiro – RJ Tel: (21) 2598-9293 www.iesc.ufrj.br; [email protected]
239
ANEXO 4. CONVITE PARA PARTICIPAÇÃO NA PESQUISA
Instituto de Estudos em Saúde Coletiva
Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva
Doutorado em Saúde Coletiva
www.iesc.ufrj.br
Pesquisa: Etnografia de um serviço de saúde: a face visível da anorexia nervosa
Bom dia! Meu nome é Priscila Castro, sou aluna de doutorado da Universidade Federal do Rio
de Janeiro e gostaria de convidá-la/o a participar da pesquisa que estou realizando com as/os
adolescentes atendidas/os pelo Programa de Transtornos Alimentares.
A pesquisa tem por objetivo conhecer melhor o processo de adoecimento daqueles que
enfrentam publicamente um transtorno alimentar. Quero conhecer seu percurso até chegar a este
serviço de saúde e as relações sociais que mantém com sua família, amigos, escola e serviços de
saúde.
Para deixar mais claro, sua participação será na forma de uma entrevista, onde
conversaremos sobre diversos assuntos relacionados a sua vida e saúde.
Inicialmente gostaria de ter seus contatos para que eu possa lhe procurar em outro
momento, caso concorde em participar, e também quero deixar com você os meus. Peço que me
procure em caso de dúvidas ou se tiver interesse em participar!
Priscila Castro
e-mail: [email protected]
celular: (21)8166-6729
Espero que possamos conversar em breve! Sua participação é muito importante!
Muito obrigada!
240
ANEXO 5. Tabela 1. Características sociodemográficas e econômicas das/os adolescentes entrevistadas/os. Rio de Janeiro, Brasil, 2015.
IDENTIFICAÇÃO
Ana Laura
Alice
Bruna
Ester
Isabel
IDADE
ESCOLARIDADE
COR ***
14
Oitavo ano do
ensino
Parda
fundamental
(particular)
15
Primeiro ano
do
ensino
Morena
médio
(pública)
12
Oitavo ano do
ensino
Morena
fundamental
(particular)
13
Sétimo ano do
ensino
Amarelo
fundamental
(pública)
15
Primeiro ano
do
ensino
Parda
médio
(pública)
RENDA FAMILIAR
ESCOLARIDADE
DOS PAIS
PROFISSÃO DOS
PAIS
RELIGIÃO
Mãe secretária
no
Não sabe,
IPUB/UFRJ
Evangélica
esqueceu
Pai
cabeleireiro
Mãe dona de
uma loja no
bairro
onde
Não sabe
Evangélica
mora
Pai
desempregado
Ambos
com Mãe
ensino
enfermeira
Mãe recebe “3 superior
Pai trabalha na
mil e pouco”, pai completo
empresa
do Católica
ela não sabe
padrinho
da
Bruna
COM QUEM RESIDE
BAIRRO ONDE
MORA
Pai, mãe e avó
Praça
Seca
(Jacarepaguá,
Zona Oeste da
cidade do Rio de
Janeiro)
Pai e mãe
Jardim Primavera
(Duque
de
Caxias, Baixada
Fluminense)
Mãe e irmã mais
velha
Bairro
das
Palmeiras
(Casemiro
de
Abreu,
Região
dos Lagos do
estado do Rio de
Janeiro)
Mãe
Vila Isabel (Zona
norte da cidade do
Rio de Janeiro)
Mãe, pai e dois
irmãos. Ela é a do
meio.
Ramos (Zona da
Leopoldina,
cidade do Rio de
Janeiro)
-
Não sabe
Não sabe
1 salário mínimo
e meio
Mãe
não
completou a
faculdade de
fisioterapia
Pai fez até o
sétimo ano
Mãe doméstica
Pai ela não
Não tem
tem contato
O pai é dono
de
uma
estofadora e a
Não tem
mãe trabalha
com ele
241
IDENTIFICAÇÃO
Kamila
Natasha
IDADE
ESCOLARIDADE
18
Vai retornar ao
terceiro ano do
Amarela
ensino médio
(particular)
16
Silvia
16
Tatiana
16
Vinícius*
Yasmin**
Segundo ano
do
ensino
médio
(pública,
federal)
Segundo ano
do
ensino
médio
(pública,
federal)
Segundo ano
do
ensino
médio
(pública)
COR ***
Caucasi
ana
Branca
meio
morena
Branca
12
Oitavo ano do
ensino
Branca
fundamental
(particular)
17
Segundo ano
do
ensino
Parda
médio
(particular)
RENDA FAMILIAR
Não sabe,
“meu pai
ganha tão
não”
ESCOLARIDADE
DOS PAIS
mas Mãe terminou
não o
ensino
mal médio.
Pai ela não
sabe
Ambos
com
ensino
Não sabe. “É boa” superior
completo
PROFISSÃO DOS
PAIS
RELIGIÃO
Mãe
não
trabalha
Evangélica
Pai
trabalha
numa empresa
de tinta
Mãe
professora
Pai
trabalha Não tem
numa empresa
de engenharia
R$800 da mãe, Terminaram o Mãe ela não
R$1700 do pai, 1 ensino médio
sabe
salário mínimo da
Pai trabalha no Não tem
avó, o tio não tem
NEPAD/UERJ
salário fixo
Mãe até o Mãe
é
quarto ano do doméstica
R$1000,00
Não tem
ensino
Pai é falecido
fundamental
Mãe
é
doméstica
Madrinha
R$5000,00
Católico
auxiliar
administrativa
na UFRJ
Ambos
com Mãe
é
Até 3 salários ensino
bancária
Evangélica
mínimos
superior
Pai é motorista
completo
COM QUEM RESIDE
Pais e irmão mais
novo
BAIRRO ONDE
MORA
Santa Teresinha
(Mesquita,
Baixada
Fluminense)
Mãe, uma irmã Tijuca
(Zona
mais velha e um norte da cidade do
irmão mais novo
Rio de Janeiro)
Mãe, avó e um tio
Cascadura (Zona
norte da cidade do
Rio de Janeiro)
Mãe e duas irmãs
mais novas
Itanhangá (Zona
oeste da cidade do
Rio de Janeiro)
Madrinha, prima,
namorado da prima,
bisavó e tia-avó
Tauá (Ilha do
Governador,
cidade do Rio de
Janeiro)
Pais
Bairro da Luz
(Nova
Iguaçu,
Baixada
Fluminense)
Nota: *Único adolescente do sexo masculino a ser entrevistado. **Entrevista realizada em outro serviço de saúde, onde a adolescente em questão era atendida. ***Autoclassificação
242
ANEXO 6. Tabela 2. Informações gerais sobre o tratamento das/os adolescentes entrevistadas/os. Rio de Janeiro, Brasil, 2015.
Ana Laura
RESPONSÁVEL
ACOMPANHANTENO
SERVIÇO DE SAÚDE
Mãe
Alice
Mãe
IDENTIFICAÇÃO
Ester
Mãe ou pai. Às vezes a
irmã vai junto.
Mãe ou sozinha
Isabel
Pai
Kamila
Silvia
Tatiana
Vinícius*
Mãe
Sozinha ou com os pais,
que chegam separados e
entram
em
momentos
diferentes na consulta
Mãe ou pai ou avó materna
Mãe ou a tia
Madrinha
Yasmin**
Sozinha
Bruna
Natasha
INTERNAÇÕES
NO
SERVIÇO DE SAÚDE
INVESTIGADO
Sim, uma vez
Sim, uma vez. Mas sempre
está na iminência de ser
internada novamente.
TEMPO DE TRATAMENTO
EM
TRANSTORNO
ALIMENTAR
Em torno de 1 ano e 5 meses
TEMPO DE TRATAMENTO
NO SERVIÇO DE SAÚDE
INVESTIGADO
8 meses
Menos de 2 anos
6 meses
Não
1 ano
7 meses
Não
2 anos
Sim, uma vez. Mas sempre
está na iminência de ser 2 anos
internada novamente.
Não
3 anos
Uma vez no serviço.
Diversas vezes em hospitais 3 anos
privados
Não
Sim, uma vez
Não
Sim, mas não no serviço
onde foi entrevistada
1 ano
1 ano e meio
1 ano
1 ano e meio
1 ano***
2 meses***
5 anos
1 ano
2 meses
5 meses
9 anos
1 ano
Nota: *Único adolescente do sexo masculino a ser entrevistado. **Entrevista realizada em outro serviço de saúde, onde a adolescente em questão era atendida. *** Não
buscaram ajuda anteriormente.
243
ANEXO 7. Tabela 3. Informações antropométricas das/os adolescentes entrevistadas/os. Rio de Janeiro, Brasil, 2015.
IDENTIFICAÇÃO
ALTURA (m)
Ana Laura
Alice**
Bruna***
Ester
Isabel
Kamila
Natasha****
Silvia
Tatiana
Vinícius
Yasmin
1,63
1,56
1,61
1,54
1,58
1,56
1,70
1,60
1,55
1,50
1,53
IMC* AO CHEGAR
PESO AO CHEGAR AO PESO NA OCASIÃO DA
AO SERVIÇO DE
SERVIÇO DE SAÚDE (kg) ENTREVISTA (kg)
SAÚDE (kg/m2)
35
45
13,2
33
40
13,6
48
50
18,5
49
30
48
12,0
54
33
72
11,4
42
52
16,4
24
32
*****
48,6
70,1
-
IMC* NA OCASIÃO
DA
ENTREVISTA
(kg/m2)
16,9
16,5
19,3
20,7
19,2
22,2
24,9
20,3
*****
21,6
29,9
* O IMC é um método fácil e rápido para avaliação do nível de gordura corporal. É um preditor reconhecido internacionalmente para classificação de obesidade e adotado
pela Organização Mundial da Saúde (OMS). O IMC é determinado pela divisão da massa do indivíduo pelo quadrado de sua altura, onde a massa está em quilogramas e a
altura em metros. O resultado é comparado com uma tabela que indica o estado nutricional do indivíduo. O peso é considerado adequado para altura quando o IMC se
encontra na faixa entre 18,5 – 24,9 kg/m2; abaixo dos 18,5 kg/m2 já se considera baixo peso para estatura, acima dos 24,9 kg/m2 é considerado sobrepeso e a partir dos 30,0
kg/m2 já se classifica como obesidade. Fonte: World Health Organization. Physical status: the use and interpretation of anthropometry. Report of a WHO Expert Committee.
Geneva: World Health Organization; 1995. (Technical Report Series, 854). ** Alice saiu da internação pesando 42,5 kg, conseguiu emagrecer, mas gostaria de pesar 35 kg e
trabalha para atingir essa meta pessoal de peso. ***Bruna tem 45 kg como meta pessoal de peso. **** Natasha foi internada com 35 kg e saiu da internação com 42 kg. *****
Tatiana não tem uma das pernas, portanto a interpretação do IMC não é válida em seu caso.
ARTIGOS ORIGINAIS / ORIGINAL ARTICLES
DOI 10.12957/demetra.2014.6635
Tomando a anorexia nervosa como objeto de estudo
socioantropológico: aproximação com os sujeitos da
pesquisa
Taking anorexia nervosa as an object of socio-anthropological study: approach with the
research subjects
Priscila da Silva Castro1
Elaine Reis Brandão2
Programa de Pós-graduação em Saúde
Coletiva, Instituto de Estudos em Saúde Coletiva.
Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de
Janeiro, RJ, Brasil.
1
2
Instituto de Estudos em Saúde Coletiva.
Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de
Janeiro, RJ, Brasil.
Correspondência / Correspondence
Priscila da Silva Castro
E-mail: [email protected]
Resumo
A anorexia nervosa é um transtorno alimentar que atinge
principalmente adolescentes e jovens do sexo feminino. Embora
a relação com o corpo e os alimentos esteja sempre presente ao
se abordar a doença, por ser concebida como um transtorno de
ordem psiquiátrica, muitas vezes sua compreensão fica restrita
ao campo da saúde mental. Por meio de um estudo etnográfico
com adolescentes em tratamento para anorexia nervosa em
um serviço público de saúde de referência na cidade do Rio de
Janeiro, pretende-se conhecer o funcionamento cotidiano dessa
instituição e demonstrar como a compreensão da doença pode
ser enriquecida por outros olhares disciplinares e das próprias
adolescentes. O artigo apresenta uma primeira aproximação ao
campo e aos adolescentes pesquisados, perpassando a construção
do campo da pesquisa e “conversão” da nutricionista em
antropóloga. Tal conversão se fez necessária para, dentre outras
questões, captar a tensão existente dentro do serviço de saúde
eleito entre profissionais de saúde, familiares e adolescentes.
Palavras-chave: Anorexia Nervosa. Adolescente. Serviços
de Saúde do Adolescente. Ciências Sociais. Saúde Coletiva.
Etnografia. Antropologia Cultural.
Abstract
Anorexia nervosa is an eating disorder that mainly affects
adolescents and young women. Although the relationship with
body and food is always present when addressing the disease, as
Demetra; 2014; 9(1); 3-22
3
Demetra: alimentação, nutrição & saúde
it is conceived as psychiatric disorder, often their understanding
is limited to the field of mental health. Through an ethnographic
study with adolescents in treatment for anorexia nervosa in a
public health reference service in the city of Rio de Janeiro, it
is intended to meet everyday functioning of the institution and
demonstrate as understanding the disease can be enriched by
other disciplinary viewpoints and by adolescents themselves.
This paper presents a first approach to the field and adolescents
surveyed. It also deals with the construction of the field of
research and the “conversion” of nutritionist in anthropologist.
Such a conversion was needed for, among other issues capture
the tension within the health service chosen among health
professionals, families and adolescents.
Key words: Adolescent. Adolescent Health Services. Social
Sciences. Public Health. Ethnography. Anthropology Cultural.
Introdução
Os transtornos alimentares (TAs) são doenças graves e por vezes são descritos como quadros
psiquiátricos que atingem sobretudo adolescentes e adultos jovens do sexo feminino, podendo
gerar consequências orgânicas e psíquicas com morbidade e mortalidade elevada.1,2 São doenças
crônicas, de difícil tratamento, com desdobramentos para o estado nutricional do indivíduo,
podendo favorecer tanto a desnutrição quanto a obesidade.3 Expressivamente mais comuns em
mulheres (90%) do que em homens (10%),4 relacionam-se com a maneira como o sujeito vivencia
seu corpo e (re)organiza sua imagem corporal.5
Embora não se saiba ao certo como esses fatores vão atuar no desencadeamento dos TAs, sabese que possuem origem múltipla, com aspectos psicológicos, biológicos, socioculturais, genéticos
e familiares relacionados a sua gênese.1,3,6
Nos últimos anos, vem ocorrendo um crescimento importante tanto na prevalência quanto
na incidência desses transtornos na América Latina, com coeficientes superiores aos encontrados
nos EUA.7 No Brasil, ainda são escassos os estudos de base populacional que consideram o
problema na população sob risco. As poucas evidências científicas disponíveis procedem de estudos
clínicos, os quais, por suas características, não permitem análises epidemiológicas que auxiliem
a compreensão dos determinantes e que propiciem comparações com outros contextos sociais de
modo a possibilitar a orientação de intervenções.7
4
Demetra; 2014; 9(1); 3-22
Tomando a anorexia nervosa como objeto de estudo socioantropológico
Entre os principais transtornos alimentares, encontra-se a anorexia nervosa (AN), que apresenta
a maior taxa de mortalidade dentre todos os distúrbios psiquiátricos no mundo, em torno de
0,56% ao ano na população. Este valor é cerca de 12 vezes maior que a mortalidade das mulheres
jovens na população em geral.8
A AN é caracterizada pela recusa do indivíduo em manter um peso adequado para sua estatura,
medo intenso de ganhar peso, recusa alimentar associada a uma distorção da imagem corporal
e negação da própria condição patológica. Há também uma busca incessante pela magreza e
amenorreia.1,9
A distorção da imagem corporal pode agravar-se de tal forma que, mesmo muito emagrecidos,
os sujeitos podem sentir-se “gordos”.10 Muitas vezes, os familiares só se dão conta do problema
quando o emagrecimento torna-se acentuado, pois a realização de dietas em muitos contextos é
valorizada.11
No entanto, os sintomas sugestivos de TA e a insatisfação com a imagem corporal podem
representar fatores de risco importantes para o desencadeamento da AN. Além disso, as formas
parciais dos TAs podem chegar a ser duas vezes mais prevalentes do que as síndromes completas,
com consequências relevantes em termos de sofrimento para o sujeito e seus familiares.12
Anorexia nervosa na contemporaneidade
O culto ao corpo e à beleza não são exclusividades do mundo pós-moderno, pois sempre
estiveram presentes nos diferentes períodos da história e nas diversas culturas, diferenciando classes
sociais, modos alimentares, vestuários e cuidados com o corpo e a saúde.13 A partir da segunda
metade do século XIX, que é o período de início do diagnóstico de AN, a magreza é estabelecida
como um sinal de prestígio e status social, o que desqualificou o corpo gordo e pesado, que passou
a representar a vulgaridade.14
A beleza varia de acordo com etnia, idade, nível social, sociedades, culturas e também com
o “gosto” individual. Hoje, porém, a beleza corporal tem sido vinculada a um padrão estético
propagado pelos meios de comunicação, que conferem ao corpo magro um valor simbólico.15 Nesse
contexto, cabe ressaltar que as dietas alimentares, os exercícios físicos e as cirurgias plásticas são
amplamente estimulados pelos diferentes meios de comunicação, que informam qual é o corpo
socialmente aceito, o que vestir em cada corpo, o que fazer para estar na moda e assim obter
sucesso e admiração de todos.16
Atualmente, o corpo e a beleza padronizados servem como referência para saúde e qualidade
de vida, criando a crença de que por um corpo belo se obtém também a realização individual.15 A
Demetra; 2014; 9(1); 3-22
5
Demetra: alimentação, nutrição & saúde
visualização de corpos magros ou musculosos no cotidiano, veiculados pelos meios de comunicação,
faz com que os indivíduos tenham dificuldade em reconhecer a beleza em sua singularidade e
diversidade, sem se atrelar a padrões estéticos inatingíveis.17 Assim, “sentir-se gorda” tem sido
muito comum entre as mulheres, independentemente da existência ou não de um TA, pois com
um padrão corporal tão difícil de ser alcançado é crescente o número de mulheres insatisfeitas
com a própria imagem corporal.18
Na modernidade, o corpo torna-se o foco do poder, que o submete à disciplina interna
do autocontrole, produzindo “corpos dóceis”. Esse corpo dócil pode ser submetido, utilizado,
transformado e manipulado.19 Por todas as modificações de que é alvo, Rodrigues20 compara o
corpo a uma massa de modelar, no qual a sociedade imprime diferentes formas e padrões segundo
sua vontade.
De acordo com Le Breton,21 não se pode mais aceitar o corpo que se tem, é preciso completálo ou transformá-lo naquilo que se quer que ele seja. Mas as adaptações às exigências do mundo
moderno podem tornar-se uma tarefa impossível, que exige trabalho constante sobre o corpo
num percurso sem fim.
Sobre toda a pressão de que os indivíduos são alvo, salienta-se que a mídia muitas vezes se
insere no contexto cultural de promoção dos TAs.22 Além disso, há um mercado em crescimento
que sobrevive da valorização e manutenção da aparência, com uma infinidade de produtos e
estratégias que transformam o corpo em um cartão de visitas ambulante.23 As pessoas procuram
melhorar sua própria identidade atingindo aquilo que é culturalmente valorizado, e o tempo e
trabalho investido reproduzem o valor desses bens.24
A busca por esse ideal, inatingível para muitos, tem conduzido principalmente as mulheres
a adoção de comportamentos alimentares desviantes e práticas inadequadas de controle de
peso.17 Para Le Breton,23 a atenção desmedida que dedicamos ao corpo não é, de forma alguma
espontânea, mas uma resposta aos imperativos sociais, pois o corpo ocupa na modernidade o
lugar privilegiado no discurso social.
Os TAs recebem destaque pelo grau em que são associados aos fatores socioculturais.25 As
crenças relacionadas à AN podem diferir entre as culturas e seus portadores podem explicar a sua
auto-inanição conscientemente, por meio de diferentes normas culturais e sistemas de crenças.26
Além disso, a AN já não pode ser restrita às mulheres de raça/etnia branca e classe média/alta,
pois há um aumento de casos notificados entre mulheres negras,27 classe socioeconômica e grupos
étnicos diferentes, bem como em homens nas sociedades ocidentais.28
No entanto, não se pode negar a influência da mídia, incluindo a internet,27 e sua relação com a
ocorrência de AN com motivações similares às do Ocidente em outras culturas (com fat fobia, desejo
de atingir um ideal de magreza/beleza), antes tidas como protegidas por suas crenças culturais.25
6
Demetra; 2014; 9(1); 3-22
Tomando a anorexia nervosa como objeto de estudo socioantropológico
Lee29 ressalta que o papel dos meios de comunicação em relação aos TAs devem ser estudados
em conjunto com as rápidas mudanças socioeconômicas que configuram a vida e preocupações
diárias dos jovens. No Brasil, Gonzaga & Weinberg28 demonstraram ser crescente o número de
pacientes com TA entre a população de baixa renda, que utilizam os ideais de beleza das classes
mais elevadas para se inspirar. Para Weinberg,30 essa constatação reflete a realidade brasileira e
demonstra que a AN está se modificando, contrariando posições clássicas de que ela teria uma
relação direta com riqueza e abundância.
Homens e mulheres são bombardeados diariamente por apelos dos diferentes meios de
comunicação. No entanto, cada gênero reage aos apelos de modos distintos, embora exista um
número maior de informações direcionadas ao público feminino. As mulheres, de uma maneira
geral, são mais vulneráveis à aceitação das pressões sociais, econômicas e culturais associadas aos
padrões estéticos.31
No entanto, preocupações relativas à imagem corporal também estão ocorrendo entre os
homens.32 Mas em geral, os homens percebem seus corpos com menos distorção. Alguns trabalhos
vêm mostrando a extrema preocupação dos jovens com a forma física e a massa corporal, e não
propriamente com o peso.33 No entanto, alguns grupos de homens apresentam maiores chances
de desenvolver um TA, destacando-se aqueles cujas profissões estão ligadas a uma preocupação
exagerada com o peso ou a forma corporal e os homossexuais. Andersen34 destaca que a magreza,
a forma do corpo e os músculos trabalhados são muito valorizados pelos homossexuais, o que
pode torná-los mais susceptíveis a esse transtorno.
Inserido entre os aspectos que contextualizam a AN como um fenômeno da modernidade está
o movimento pró-ana (ana é o apelido dado à AN em comunidades da internet) ou pró-anorexia.
Giles35 destaca que a comunidade pró-ana é um fenômeno social exclusivo da era da Internet, e
que sem a mesma não poderia existir, não tendo equivalente off-line.
Sites pró-anorexia são um espaço para divulgação de informações sobre os TAs (onde é
possível aprender técnicas para perda de peso, como esconder o transtorno dos pais e profissionais
de saúde, e apoiar aqueles em dietas de privação), principalmente a NA, e possuem o objetivo
de criar uma comunidade em que o senso de coletividade é construído precisamente através do
corpo.36 Esses sites oferecem apoio aos indivíduos, permitindo a perpetuação do TA, na ausência
de supervisão e tratamento.37
Para as participantes dos grupos “pró-ana”, a condição de anoréxica representa uma forma
de estabilidade e controle, e um estado a ser mantido.38 É um estilo de vida, ao qual qualquer um
pode aderir, realizado intencionalmente como parte de uma identidade e uma maneira de vencer
a resistência às teorias médicas e sociais acerca da doença.37
Demetra; 2014; 9(1); 3-22
7
Demetra: alimentação, nutrição & saúde
Os participantes desse movimento muitas vezes vivenciam conflitos domésticos com seus
familiares acerca de seus hábitos alimentares, o que resulta em baixos níveis de apoio social dentro de
casa, e assim passam a buscar apoio em comunidades on-line.39 Cabe lembrar que os frequentadores
de sites pro-ana descrevem sua identidade de forma positiva e são mais resistentes à recuperação;
a visita a esses sites também se correlaciona com uma demora na procura de tratamento.37
Ainda há muito a esclarecer e os resultados encontrados nos diferentes estudos em diversas
culturas podem parecer confusos, mas já são suficientes para questionarmos se a AN é uma doença
do mundo ocidental, da Modernidade ou decorrente de um único fator.30
Anorexia nervosa e adolescência: vulnerabilidade e autonomia
Embora o perfil dos indivíduos que desenvolvem AN esteja cada vez mais heterogêneo, com
diagnósticos realizados em pré-adolescentes, em pessoas de níveis econômicos mais baixos, em
países em desenvolvimento e em diferentes grupos sociais,1,3 os adolescentes continuam recebendo
destaque.
Segundo a Organização Mundial da Saúde40 (OMS, acesso em 2012), adolescente é a fase da
vida entre 10 e 19 anos de idade. A nomeação de uma fase definida do desenvolvimento humano,
demarcada por transformações biofisiológicas, psicológicas e sociais, é uma construção histórica
e social que se consolidou durante o século XX.41 A adolescência é reconhecida como o período
de transição entre a infância e a idade adulta.16
A literatura aponta que a AN atinge principalmente adolescentes do sexo feminino e mulheres
jovens.1,6 De acordo com Appolinário & Claudino6 e Schmidt & Mata,9 em sua forma mais esperada,
a doença ocorre sobretudo na faixa etária entre 14 e 17 anos, podendo surgir, tanto precocemente
(aos 10 ou 11 anos), quanto tardiamente.
A adolescência é um período de grandes mudanças físicas, emocionais e intelectuais, bem
como de mudanças nos papéis sociais, relações e expectativas, que são muitas vezes confusas
para os adolescentes e também para sua família. As rápidas mudanças físicas que ocorrem neste
momento podem gerar preocupação com a imagem corporal, tendo como consequência um alto
nível de descontentamento e insatisfação com o corpo.42 Assim, adolescência é um período que
exige uma readaptação à imagem corporal, acompanhada de transformações e preocupações com
a nova forma e o novo peso do corpo.5 Nesse período, além de ser comum a elevada prevalência de
insatisfação com a imagem corporal, há também um aumento no número de casos de AN e BN.43
A adolescência é a faixa etária mais vulnerável também por ser mais influenciada pelos padrões
estéticos corporais vigentes.43 As adolescentes insatisfeitas com seus corpos frequentemente adotam
8
Demetra; 2014; 9(1); 3-22
Tomando a anorexia nervosa como objeto de estudo socioantropológico
comportamentos alimentares desviantes e práticas inadequadas de controle de peso, ficando
expostas a um maior risco para o desenvolvimento de TA quando comparadas às adolescentes
satisfeitas com sua imagem corporal.44
De acordo com Taquette e colaboradores,45 observamos atualmente um prolongamento da
adolescência, que pode ser evidenciado pelo início precoce da puberdade, por um maior tempo
de escolarização e pelo adiamento da entrada no mercado de trabalho. Segundo os autores, os
adolescentes que procuram os serviços de saúde são socialmente distintos e impõem ações específicas
que podem gerar conflitos bioéticos, éticos e legais.
É reconhecido que os indivíduos com AN não costumam procurar tratamento,46 mas em
se tratando de uma doença que atinge especialmente adolescentes, essa questão ganha outros
desdobramentos. Os adolescentes constituem uma faixa etária reconhecida por pouco considerar
os recursos profissionais em seus processos de busca de ajuda.47 Os adolescentes formulam um
modelo explicativo que entende as aflições como produtos do mundo social. Assim, se as causas
de desconforto são resultado de interações sociais, a restituição de bem-estar deve-se dar sobre
essas mesmas relações e de modo independente do mundo adulto.
Em estudo de Martínez-Hernáez & Muñoz,47 os adolescentes percebiam que os aspectos
que os adultos consideravam problemáticos em suas vidas necessariamente correspondiam às
preocupações dos próprios adultos (pais, mães, professores/profissionais), não considerando as
questões e os anseios dos adolescentes. Da mesma forma, os discursos médicos no hospital não
necessariamente definem as construções das adolescentes sobre si mesmas, sobre a AN, o tratamento
ou suas relações com a equipe de saúde. No contexto hospitalar, o discurso médico é dominante.
Assim, as estratégias utilizadas pelas adolescentes incluem seguir o tratamento corretamente
para conseguir alta e então poder voltar às práticas da anorexia; ou resistir à ajuda e ao discurso
dominante, tentando reafirmar suas ações anoréxicas. Reconhecer as diferenças individuais entre
as pacientes, respeitando os significados que atribuem a sua condição, é central para a aliança
terapêutica no tratamento da AN.48
Diversas questões na atenção ao adolescente com AN são controversas e faltam evidências para
tratamentos clinicamente eficazes. Portadores de TA têm sido reconhecidos por representar um
grupo de consumidores de cuidados de saúde entre os quais a insatisfação tende a ser elevada, o
que pode ser agravado pela postura do usuário em relação à doença, pois em geral há ambivalência
entre querer se tratar ou não, o que pode determinar a oposição ao tratamento. Os pais, no
entanto, são geralmente relatados como sendo mais satisfeitos com o tratamento recebido do que
suas filhas adolescentes, mesmo quando os resultados são bons.46
O aspecto mais difícil da gestão da AN é provavelmente envolver a pessoa em um tratamento.
Isto porque o sujeito não aceita que algo está errado, o que está em contraste às preocupações das
Demetra; 2014; 9(1); 3-22
9
Demetra: alimentação, nutrição & saúde
pessoas próximas,49 e também porque são relutantes devido aos aspectos positivos que recebem
da doença.50 Por um lado, a anorexia é vista como um caminho para alcançar os resultados
desejados e por outro, como uma doença, que afeta negativamente a saúde e a vida da pessoa e
de sua família. Assim, pessoas com anorexia muitas vezes se sentem ambivalentes sobre se desejam
mantê-la ou recuperar-se.50
Os TAs costumam ser entendidos pelo público leigo e por vezes pelos profissionais de saúde como
uma dieta de emagrecimento que passou dos limites por questões de vaidade.49 É surpreendente que
indivíduos que aceitam o tratamento muitas vezes se sintam incompreendidos pelos profissionais
de saúde que os atendem e busquem apoio e conforto das únicas pessoas que sentem que podem
entendê-los, ou seja, aquelas com AN.51
O tratamento da AN por meio da internação é por vezes malsucedido, com muitos pacientes
abandonando o tratamento ou tendo repetidas admissões. Tais regimes são apontados como
sendo reducionistas porque se centram, em grande parte, no aumento de peso, sem considerar
outros aspectos relacionados à doença.48 Muitas vezes, os indivíduos com AN não buscam
tratamento justamente por medo de serem obrigados a ganhar peso ou ter seu sentimento de
autocontrole removido.
A hospitalização é o principal modo de tratamento da AN quando o indivíduo está medicamente
comprometido, e a realimentação é vista como o passo inicial e essencial nesse processo. Porém,
muitas vezes os adolescentes perdem o peso que ganharam no hospital logo após a alta.48 Nesse
sentido, os profissionais de nutrição tem papel central, pois às vezes o alimento é apresentado de
forma redutora no hospital. Os indivíduos hospitalizados são privados de todas as condições que
deixam as pessoas com fome: o cheiro de boa comida, sua apresentação atraente, boa companhia
e atividade física para aumentar o apetite.
A contradição da realimentação hospitalar é que ela impede justamente o objetivo final que o
tratamento busca alcançar: Fazer com que os portadores de anorexia tenham um comportamento
alimentar “normal”. Boughtwood & Halse48 não negam que algumas meninas estão fisicamente
comprometidas ao entrar no hospital e que a rigorosa realimentação seja talvez o primeiro
passo desse tratamento; salientam, no entanto, que não é desejável que essa estratégia continue
indefinidamente, o que ocorre em muitos casos.
Nos cuidados de saúde com pacientes adolescentes, a história clínica, os hábitos alimentares, os
traços de personalidade e a percepção da imagem corporal devem servir de alerta para a equipe
de saúde. A intervenção precoce pode reverter o processo da doença, pois, ao contrário do que
se acredita, a maioria das crianças e adolescentes com AN se recupera, mesmo entre os que são
considerados cronicamente doentes.52
10
Demetra; 2014; 9(1); 3-22
Tomando a anorexia nervosa como objeto de estudo socioantropológico
A anorexia nervosa na adolescência e a abordagem socioantropológica
Existem ainda muitas lacunas no que se refere ao estudo dos TAs, mais especificamente da AN,
no campo das ciências sociais e da saúde coletiva, no Brasil. O aumento da incidência de AN em
todo o mundo53 evidencia sua importância como problema de saúde coletiva e até o momento, as
políticas públicas de saúde no país não dão conta de sua gravidade e abrangência na população
brasileira.7
A diversidade e severidade dos sintomas, a ausência de intervenções preventivas e a insuficiência
de serviços especializados geram demandas importantes para os serviços de saúde, com gastos
desnecessários, ações frequentemente ineficazes e tratamentos isolados, que negligenciam os
elementos simbólicos e o entorno social. Para enfrentar a questão, faz-se necessário um olhar que
seja capaz de articular os pressupostos biomédicos com os sociais.7
Poucos esforços têm sido empregados para se estabelecer empiricamente os significados que os
sujeitos com AN atribuem a seu comportamento,54 bem como aos processos sociais de circulação
e recepção dos padrões corporais, e de como estes estariam envolvidos no desenvolvimento e
manutenção da AN.55 Destaca-se, ainda, que há poucas etnografias sobre os diferentes aspectos
que envolvem a AN.56
Pretende-se desvelar os sentidos que os indivíduos imprimem a uma experiência tão intrigante,
e por vezes assustadora, como a AN. Trata-se de uma contribuição no sentido de avançar o
conhecimento sobre esse transtorno no campo das ciências sociais em saúde no Brasil. A pesquisa
em curso tem como tema de estudo a anorexia nervosa entre adolescentes, ao envolver uma
etnografia de um serviço público de saúde especializado no atendimento aos TAs na cidade do
Rio de Janeiro como um primeiro momento de aproximação ao objeto de estudo. Neste artigo,
discutem-se alguns aspectos da aproximação ao campo, a partir de uma perspectiva etnográfica.
Considera-se que um serviço público de saúde de referência constitui a face legitimada, visível,
onde os TAs obtêm reconhecimento oficial, acolhimento e tratamento, e seus portadores, uma
identidade social como tal. A imersão no universo do sujeito anoréxico implica uma aproximação
à realidade de sofrimento e angústia, enquanto uma dimensão importante da doença, que tem
sido subaproveitada.57
A pesquisa tem por objetivos conhecer, do ponto de vista socioantropológico, a dinâmica
de funcionamento cotidiano de um serviço público de saúde especializado no atendimento aos
transtornos alimentares, bem como o processo de adoecimento vivenciado por adolescentes que
enfrentam publicamente a anorexia nervosa. Trata-se de um estudo socioantropológico que inclui
uma etnografia de uma instituição de saúde, o que exige longo acompanhamento deste serviço, por
meio da observação participante.58,59 Isso inclui a participação nas atividades diárias de assistência
às adolescentes, conforme autorização concedida para o estudo.
Demetra; 2014; 9(1); 3-22
11
Demetra: alimentação, nutrição & saúde
De acordo com tal abordagem, os comportamentos humanos só podem ser compreendidos e
explicados se tomarmos como referencial o contexto social onde eles atuam. Cabe ao pesquisador
examinar os diferentes aspectos da vida do grupo social estudado, por meio do trabalho de campo
intensivo, auxiliado por observações diretas, de modo que seu conhecimento seja baseado no
confronto entre suas hipóteses e observações.59
Essa metodologia permite ao pesquisador compreender as práticas culturais dentro de um
contexto social mais amplo, estabelecendo ligações entre fenômenos específicos e uma dada visão
de mundo.59 Para Malinowski, antropólogo fundador do método etnográfico, era necessário viver
com as pessoas que estavam sendo estudadas e participar o máximo de suas vidas. Nesse método,
a permanência no campo era essencial para que o etnógrafo se familiarizasse totalmente com o
modo de vida local.60 No contato com as usuárias dentro do serviço de saúde, os procedimentos
habituais que integram uma etnografia estão sendo utilizados: conversas informais, observação
participante, registros de saúde, dentre outras documentações.58,59
A observação na pesquisa compreende o “exame” de uma pessoa ou grupo de pessoas dentro
de um contexto específico, com o objetivo de descrevê-los. Difere de qualquer outra observação
por ser direcionada para a descrição de uma problemática anteriormente definida, exigindo
treinamento específico59. A observação participante é considerada a principal ferramenta de uma
pesquisa etnográfica, onde se busca captar o ponto de vista dos pesquisados.60
A importância da observação no trabalho de campo reside no fato de que um número
considerável de elementos não poderia ser apreendido unicamente pela fala ou por documentos
escritos, mas precisam ser observados em sua plena realização.61
Este estudo foi aprovado (CAAE: 04846312.6.0000.5286) pelo Comitê de Ética em Pesquisa
do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro (CEP/
IESC/UFRJ) e está sendo desenvolvido com adolescentes e jovens com idades entre 12 e 20 anos,
de ambos os sexos, contatados por meio de uma instituição pública de saúde na cidade do Rio
de Janeiro. Na investigação, em um segundo momento, tem sido realizada a aproximação com
algumas adolescentes contatadas no serviço de saúde, para realização de entrevistas. A escolha
das adolescentes se deve ao fato de ser o grupo etário mais atingido, onde a incidência da AN
vem aumentando.28,53
Nesse contato com as adolescentes, elas são formalmente entrevistadas, mediante um roteiro
semiestruturado, em sala reservada no serviço de saúde, fora do espaço de circulação da equipe
e sem a presença de familiares ou responsáveis, para manter privacidade e condições adequadas
a uma boa entrevista. Em uma etnografia, as entrevistas não podem ser consideradas de forma
isolada, fora do contexto da pesquisa; é preciso ficar claro que elas devem sempre dialogar com a
observação participante e com a documentação escrita. Elas são longas, aprofundadas e gravadas
com consentimento dos entrevistados.58
12
Demetra; 2014; 9(1); 3-22
Tomando a anorexia nervosa como objeto de estudo socioantropológico
Em geral, as adolescentes frequentam o serviço de saúde onde o estudo acontece acompanhadas
de seus familiares, pais ou responsáveis. Mas tem-se notado grande constrangimento e silêncio
destas frente aos profissionais de saúde que as atendem na presença dos pais. Na adolescência,
verifica-se uma incidência significativa de situações conflituosas, em que as normas estabelecidas
se revelam insuficientes para responder com clareza às interrogações éticas. Toda pesquisa a ser
realizada com menores de 18 anos necessita de consentimento por escrito de seu responsável. A
obrigatoriedade deste é muitas vezes dificultada pela ausência dos pais ou porque o jovem não se
sente à vontade ou simplesmente não deseja revelar informações confidenciais.45
Assim, valorizou-se sobremaneira que a entrevista com as portadoras de AN fosse feita sem
a presença de seus responsáveis, com relativa autonomia dos sujeitos de pesquisa, e que não
dependessem do consentimento dos pais, que poderiam intervir no contexto de pesquisa de
modo desfavorável à manifestação espontânea de suas filhas. Salienta-se que, após longo debate
entre as autoras e o CEP, o argumento de que o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
deveria ser assinado pela/o adolescente e não pelos responsáveis foi acatado, favorecendo o vínculo
pesquisadora-sujeito de pesquisa, sendo o contato, autorização e entrevista realizados pessoalmente
com as adolescentes.
O recrutamento é feito diretamente com as adolescentes na sala de espera, enquanto aguardam
o atendimento. Assim, longe da presença da equipe de saúde, evita-se o constrangimento caso não
tenha interesse em participar da pesquisa. Caso a adolescente aceite participar, a entrevista é feita
no mesmo dia, ao final de seus atendimentos com a equipe de saúde ou em sua próxima visita ao
serviço. São realizadas em sala reservada, onde conversam apenas a pesquisadora e a entrevistada.
A entrevista transcorre como uma conversa e, embora haja um roteiro de questões, essas não
são fixas, de modo que as adolescentes tenham liberdade para falar daquilo que é importante
para elas e não fiquem preocupadas em dar “respostas corretas”. Nesse momento, são inicialmente
abordados aspectos que visam delinear suas características sociodemográficas, como: escolaridade,
composição e renda familiar, cor da pele autorreferida, local de moradia e religião.
Ao iniciar a conversa, a adolescente tem liberdade para falar sobre si mesma, o que gosta de
fazer, como chegou até o serviço de saúde, dentre outras questões que buscam compreender como
essa adolescente entende o que tem acontecido com seu corpo e sua saúde e como se relaciona com
o diagnóstico recebido a partir de sua entrada e tratamento num serviço de saúde que é referência
em transtornos alimentares. O roteiro incorpora ainda questões sobre relações da adolescente
na escola, na família, com parceiros afetivo-sexuais e em outras redes de sociabilidade por ela
valorizadas.
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13
Demetra: alimentação, nutrição & saúde
Pesquisadora em campo
A realização desta pesquisa etnográfica tem sido um exercício árduo, pois foi preciso conciliar
duas identidades: a de pesquisadora – que se inicia no método antropológico – e a de nutricionista.
A rotina da pesquisadora no ambulatório foi se definindo pela reunião da equipe de saúde logo
cedo (onde são discutidos os casos do dia) e, posteriormente, a alternância entre observação da
sala de espera e assistir a consultas dos clínicos e da nutrição.
O fato de estar observando o atendimento até hoje não é bem compreendido. Por vezes, os
profissionais de saúde foram até a pesquisadora na sala de espera e perguntaram o que ela estava
fazendo lá. A mesma esclarece que está anotando detalhes da rotina, observando as interações
entre as pessoas e a resposta é sempre bem aceita.
Como as observações da sala de espera se iniciaram mais tarde, a pesquisadora já conhecia
muitas das adolescentes e seus responsáveis pelas consulta,s e também pela visão dos profissionais
de saúde, por meio das reuniões de equipe. Assim, a sala de espera se tornou um complemento
essencial para as observações e anotações que já havia feito em seu diário de campo.
Uma questão que preocupou a pesquisadora inicialmente foi sua identificação como nutricionista.
Mesmo ressaltando a importância de ser reconhecida como pesquisadora, os profissionais nunca a
apresentam aos adolescentes como tal. Sua formação profissional pode muitas vezes ser interpretada
negativamente, pois a relação dos usuários com as profissionais de nutrição nem sempre é amigável,
havendo casos de pacientes que fogem da consulta, que choram para não entrar no consultório
ou que simplesmente afirmam só aceitar o tratamento se não precisar passar pela nutrição. Ao
mesmo tempo, a pesquisadora assume a dificuldade que possui de sair dessa posição. Tanto nas
reuniões, quanto nas consultas, é difícil modificar o tipo de escuta que é preciso ter ou identificar
o que deve ser observado62, fundamentalmente nas consultas de nutrição.
A convivência da pesquisadora com a equipe de saúde do ambulatório de TA é amigável, embora
a relação com eles se resuma mais especificamente ao contexto das reuniões e consultas, pois não
existem muitas oportunidades de conversas informais com os profissionais durante o período de
atendimento. Todos estão cientes da sua formação profissional e do fato de ela ser uma doutoranda
fazendo uma pesquisa com adolescentes que sofrem de AN. De modo geral, não a questionam
muito, embora transpareça que alguns membros da equipe se sintam curiosos.
O trabalho de campo e o contato com as adolescentes nesta investigação duram mais de um
ano e meio, no intuito de consolidar o vínculo construído na interação no serviço de saúde. O
“sucesso” do trabalho de campo etnográfico está muito ligado à relação social que o pesquisador
estabelece com seus informantes, sendo a qualidade dos dados obtidos muito dependente dessa
relação. Por isso, o pesquisador deve buscar estabelecer uma relação próxima, de confiança e
baseada em princípios éticos com seus pesquisados.59
14
Demetra; 2014; 9(1); 3-22
Tomando a anorexia nervosa como objeto de estudo socioantropológico
Acredita-se que gradativamente, na convivência que o trabalho de campo faculta, o pesquisador
pode ir se aproximando dos profissionais de saúde e das usuárias, conhecendo a dinâmica
de atendimento da instituição, suas regras, para então apreender como o fenômeno da AN é
apropriado e recriado naquele espaço.63,64 De fato, com o desenrolar das atividades em campo e
com o seguimento da pesquisa, a relação entre pesquisadora e pesquisados está se construindo e
se fortalecendo. O tempo no campo também tem auxiliado a pesquisadora a ganhar experiência
na realização de uma etnografia. Assim, por meio de questões que vão sendo respondidas, relações
construídas e um processo constante de reflexão, o pesquisador pode chegar ao cerne de sua
questão: captar a visão de mundo de seus “nativos”.
Considerando os riscos e benefícios quanto à participação dos adolescentes como voluntários
na pesquisa em questão, cabe salientar que esses sujeitos constituem parcela importante do público
que sofre com os TAs, sendo fundamental conhecer o seu processo de adoecimento, bem como
reconstruir o percurso dos mesmos até chegarem ao serviço de saúde para tratamento. No Brasil,
segundo nosso conhecimento, não há pesquisas que tenham investigado, sob a perspectiva teóricometodológica socioantropológica, a dinâmica de funcionamento de um serviço público de saúde
especializado no atendimento aos TAs, buscando compreender como a AN e o tratamento dado
pela equipe de saúde ao problema interfere na vida dos adolescentes que a enfrentam publicamente.
Relações interpessoais: equipe de saúde x familiares x adolescentes
De modo geral, a relação entre a equipe de saúde e as usuárias é mediada pelos responsáveis
legais. É comum que eles entrem no consultório acompanhando os filhos, embora isso não ocorra
com todos os profissionais. Por exemplo, a escuta inicial feita pela psicóloga coordenadora envolve
o adolescente e seu responsável. Nas consultas de nutrição, o adolescente é consultado sobre a
presença dos pais na sala, mas não foi observado até o momento algum que a recusasse. Na consulta
de clínica isso é variável, há paciente que entra sozinho e, depois da consulta, a médica chama os
pais para conversar; e também há adolescentes que já entram com o responsável. Na psicologia, o
adolescente entra sozinho. Nem sempre os pais entram, ou apenas entram depois. Mas a consulta
inicial do programa geralmente inclui os pais e o(a) filho(a).
Na sala de espera, é comum as mães se queixarem de não poder acompanhar a filha nas
consultas da psicóloga, pois sabiam que as adolescentes não falariam “toda a verdade” e esconderiam
“as coisas”. Na presença dos responsáveis, muitas vezes os adolescentes sequer abrem a boca. Ao
contrário, os responsáveis costumam ser bastante participativos, dando desde o início detalhes
íntimos da vida dos filhos, que talvez demorassem a ser por eles revelados. As mães, especialmente,
falam dos motivos que levaram as filhas a parar de comer, embora as adolescentes nem sempre
concordem, ou não abordem o assunto. Os responsáveis costumam tirar mais dúvidas do que os
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filhos e opinar intensamente sobre o tratamento. Os adolescentes mais passivos ouvem e nada
falam, nem contradizem os pais. Mas há casos de adolescentes que gritam e se exaltam na tentativa
de serem ouvidas e de terem o reconhecimento de sua autonomia em questões relacionadas a seu
corpo e saúde.
Os profissionais não reagem bem a esse tipo de atitude, o que gera comentários com tom de
reprovação nas reuniões de equipe. Nesses casos, já aconteceu de o profissional pedir aos pais
para deixarem apenas o adolescente seguir na consulta, ou pedir a todos para se retirarem e só
retornarem após terem resolvido o conflito; ou ainda o profissional se retirar da sala dizendo que,
ao retornar, gostaria de dar seguimento “normal” ao atendimento.
Alguns traços sugerem que os adolescentes são ali tratados e vistos como crianças, tanto pelos
responsáveis, quanto pela equipe de saúde que os acolhe. Isso pode ser observado no dia a dia
do campo: a TV da sala de espera só passa desenhos animados voltados ao público infantil; essa
mesma sala, ao ser reformada ganhou um espaço para “recreação”, com mesinha baixa e quatro
cadeirinhas, em tamanho infantil, onde ficam canetinhas e lápis para colorir. Na estante localizada
nesse mesmo espaço, além de livros escolares (de inglês, biologia, geografia, etc.), enciclopédias e
material educativo sobre questões de saúde (como por exemplo, saúde bucal, alimentação saudável,
higiene pessoal), há revistas em quadrinhos voltadas ao público infantil. Durante as consultas,
embora os adolescentes sejam os usuários do atendimento, eles não têm sua voz reconhecida.
Sobre essa questão, Leite41 afirma que há uma permanente tensão entre autonomia e tutela que
faz parte das discussões sobre atenção à adolescência. De um lado, há uma afirmação do lugar
do/a adolescente como sujeito de direitos, do outro, surge uma série de questionamentos acerca
da real capacidade de resposta aos possíveis desdobramentos da autonomia a eles conferida.
Muitos dos avanços feitos no tratamento da AN são baseados em acordos travados entre o
profissional de saúde e o adolescente. Strauss et al.65 destacam que o processo de negociação
dos pacientes é um aspecto significativo para o entendimento da organização hospitalar. Mas há
ainda as negociações dos profissionais com os usuários e suas famílias. Assim, o hospital pode
ser visualizado como um lugar onde numerosos contratos são continuamente rescindidos ou
esquecidos, mas também criados, renovados, revistos e revogados.
A cada semana, no âmbito do acompanhamento dos adolescentes, uma pequena mudança é
duramente negociada e, por menores que elas sejam, os usuários anunciam que não vão conseguir
cumpri-las. Diante das dificuldades de adesão ao tratamento, os profissionais lidam de modo
diferenciado. Alguns se sentem impotentes, coniventes com o agravamento de uma situação que
pode se prolongar por semanas, diante da recusa ou incapacidade do adolescente em alterar
sua alimentação, rotina e ingerir medicamentos. Outros profissionais rompem com o paciente
justamente nesses momentos. Diante do fato de o adolescente não tomar a medicação ou acatar suas
prescrições, o profissional declara não querer mais atendê-lo. Na verdade, os pacientes “difíceis”
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de tratar impõem desafios e impasses na relação profissional de saúde x usuário. Cabe refletir se
esses entraves não se devem em parte pela incapacidade do profissional de estabelecer vínculos,
ou mesmo pela inabilidade para lidar com adolescentes.
As negociações são bem-sucedidas quando há interesse do adolescente, seja para retomar
momentos de lazer ao lado dos amigos ou uma atividade física que fazia antes da doença. Nesses
casos, as usuárias aceitam o acordo proposto pela equipe de saúde. Com o decorrer do tratamento
e estabilização da doença, os adolescentes passam a ser agendados a cada cinco ou seis meses,
apenas para acompanhamento. No entanto, adolescentes em estado grave costumam sumir e ficar
meses sem aparecer, voltando posteriormente ainda mais adoecidos.
Há também casos em que a relação dos pais com o profissional é tão intensa que em dado
momento se desgasta e o adolescente se vê obrigado a trocar de profissional porque a mãe, o pai ou
ambos não se entendem mais com o mesmo. Os conflitos familiares, sempre presentes às consultas,
permeando a relação entre pais e filhos e entre famílias e equipe, consomem emocionalmente
os profissionais de saúde. Ora os conflitos entre os pais (mãe x pai), com acusações mútuas e
disputas pela guarda do filho, interferem na gestão da sua doença e tratamento; ora a ansiedade
e preocupação desses responsáveis em saber mais sobre a saúde de seus filhos atropela a conduta
do profissional na tentativa de construção de um vínculo com o portador de TA.
Os períodos de internação são difíceis para as usuárias e seus responsáveis. A equipe ressalta
que as adolescentes são internadas muito fracas, mas rapidamente comem de tudo e não vomitam
para serem logo liberadas para casa. Todas referem que o período na enfermaria (exclusiva para
adolescentes) foi muito ruim. A notícia da internação ou da reinternação é geralmente acompanhada
por choro, súplica por parte da adolescente, pedido para internação domiciliar ou para ter mais
uma chance. Aquelas que por muitas semanas descumprem os acordos firmados com a equipe de
saúde passam a receber a “ameaça” da internação, onde poderão ser constantemente vigiadas e
perderão sua liberdade. Nesses casos, a internação é adotada como uma maneira de puni-las.19
Alguns responsáveis parecem não conseguir exercer sua autoridade diante os filhos, rindo
sem se dar conta da gravidade do que está acontecendo, ou confundindo o comportamento da
filha com pirraça. A internação da filha acaba sendo um choque para a família, que muitas vezes
não consegue suportar a dramaticidade da situação. Uma adolescente que frequenta as consultas
acompanhada do pai e da avó teve a mãe doente, em depressão, frente à gravidade da doença
da filha. Seu pai, que está cuidando da casa, dos outros filhos e da esposa, disse que a filha se
ausentou do atendimento após a internação, porque ele achou que ela estava melhor e resolveu
priorizar os cuidados com a esposa.
Os usuários desenvolvem relações diferenciadas com os profissionais da equipe. Como a rotina
lhes impõe circular entre todos os profissionais, acabam por falar o que desejam para uma dada
pessoa e na consulta seguinte expressam não desejar falar novamente o que já foi dito a outro. Às
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vezes, contam para algum profissional que não estão tomando a medicação, mas pedem segredo
para o restante da equipe e para a família. Alguns usuários tentam manipular os profissionais
que os atendem, utilizando a opinião de outros membros da equipe. Não há, por parte da equipe,
nenhuma estratégia de atendimento conjunto da clínica, psicologia e nutrição para evitar esse
percurso exaustivo do adolescente, de passar por todos os profissionais de saúde, um subsequente
ao outro, numa mesma manhã.
Há responsáveis que alertam a equipe sobre as “manipulações” do usuário, “que faz de tudo
para não comer”. Os próprios responsáveis assumem que, muitas vezes, são “enrolados” pelos filhos.
A sinceridade dos responsáveis é premiada com a credibilidade da equipe, que passa a dar total
apoio ao responsável-vítima, deixando o adolescente – alvo do atendimento – em segundo plano.
Considerações finais
Durante o tempo de observação do cotidiano do serviço de saúde, foi possível compreender na
prática o que era descrito na literatura cientifica, e confrontar as informações obtidas a partir de
terceiros com o que está ocorrendo a cada semana diante dos olhos. Sentir a tristeza, a alegria, o
desânimo, a euforia e uma série de emoções, que só o contato com o campo e com o grupo que o
pesquisador deseja estudar pode proporcionar, não tem preço.
É reconhecido que a observação participante pressupõe a interação entre o pesquisador e
seus pesquisados. Dessa forma, as informações que o pesquisador obtém ao final de seu trabalho
dependerão do seu comportamento e das relações que desenvolve com o grupo objeto de suas
observações. No caso desta pesquisa, satisfazer essa condição básica tem sido um desafio, pois o
grau de interação com a equipe de saúde e com os pais ou responsáveis legais é por vezes maior
do que com os adolescentes.
O fato de serem adolescentes e não terem sua autonomia reconhecida, somado à gravidade
da doença, que os torna ainda mais vigiados, tem influência decisiva no silêncio observado e na
falta de interesse em se relacionar e em se posicionar mediante as questões que se apresentam.
Tal fato não pode ser ignorado ou tomado como fracasso; pelo contrário, está sendo apreendido
como um dado importante.
Em campo foi preciso aprender a controlar o desejo de intervir, de ajudar, de se posicionar e
deixar emergir alguém que está ali com claro interesse em pesquisar, observar e aprender com
o outro. Para apreender uma realidade social não é suficiente estar lá; é necessário lembrar seus
objetivos, mas ao mesmo tempo se manter atento para o que o campo tem para revelar e estar
aberto às modificações que certamente vão ocorrer ao longo do percurso. É uma tarefa difícil,
mas possível, e enriquecedora pessoal e profissionalmente.
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Revisado: 05/10/2013
Aprovado: 28/11/2013
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