Do Foral de Lisboa ao Regulamento Aduaneiro

Transcrição

Do Foral de Lisboa ao Regulamento Aduaneiro
1
Tese para o CONAF
Tema: Função da Aduana no Comércio Internacional
Subtema: Evolução histórica e econômica da atuação da Aduana
DO FORAL DE LISBOA AO REGULAMENTO ADUANEIRO
Paulo Werneck, DS Rio de Janeiro
Sumário
Introdução.......................................................................................................1
Evolução Econômica das Alfândegas.............................................................1
Legislação e Modus Operandi........................................................................4
Pautas e Tarifas...............................................................................................7
À Guisa de Conclusão....................................................................................9
Introdução
Em 2008, passados 200 anos da vinda da Família Real portuguesa para o Brasil,
escapando assim do alcance de Napoleão Bonaparte, comemora-se o que é e o que não é
para se comemorar, como se 1808 houvesse sido o começo de tudo de bom que há hoje,
como se antes dessa data nada houvesse, como se o Brasil tivesse nascido no exato
momento em que o pé do Príncipe Regente tocou o continente americano, no cais de
São Salvador da Bahia. Não que esse episódio não tenha tido importância. Teve. 1808
foi um ponto de inflexão no desenvolvimento da nação. Importante, sim, mas apenas
isso. Não deve ter sido sequer uma data realmente importante para a história da Aduana,
mesmo levando-se em consideração a Abertura dos Portos.
Evolução Econômica das Alfândegas
As alfândegas devem ser quase tão antigas como o comércio, cujas origens se
perdem na aurora dos tempos. Quase, porque elas não atendiam à precisão dos
comerciantes, mas dos Estados, ou, melhor dizendo, das suas necessidades sempiternas
por recursos, e os Estados são posteriores ao comércio, que provavelmente começou
com escambo cego1 entre tribos.
1
Uma tribo se aproxima de outra até uma distância segura levando seu excedente, pousa os objetos e
recua com homens e armas deixando espaço para a aproximação da segunda. Esta, curiosa, pode verificar
o que foi deixado no local, sob o olhar distante dos guerreiros da primeira e, interessando-se pelos
objetos, volta à aldeia, traz seu próprio excedente e o coloca no mesmo lugar, recuando em seguida. A
primeira então avança e, se satisfeita com os termos de troca, leva consigo os objetos deixados pela outra
e se retira, abrindo então espaço para que a segunda tribo se aproprie enfim dos bens trazidos pela
2
Há registro de lei2 de Ciparíssia, cidade-estado grega (séculos IV-III a. C.),
estabelecendo o teloneion, 20% de imposto, tanto na entrada como na saída de bens
pelo seu porto, explicitando assim a vocação inicialmente fiscal das repartições
aduaneiras.
Mais tarde o Império Romano cobrou o portorium3 nas estradas, sobre as
mercadorias que nelas transitavam, tributo entendido por alguns como precursor dos
direitos aduaneiros, mas que, visto com mais cuidado, seria mais apropriadamente
classificado como tributo interno sobre a circulação de mercadorias dentro do império.
Após sua queda, no que conhecemos como Idade Média, a área antes ocupada
pelo império foi dividida em feudos ligados por redes de vassalagem, cada senhor
cobrando o que pudesse dos seus vassalos e dos comerciantes que transite por suas
terras.
Ao fim dessa era, com a constituição de novos estados, agora monarquias
absolutistas, foram novamente estabelecidas fronteiras nacionais e, consequentemente, a
possibilidade de instituição de alfândegas e de cobrança de direitos aduaneiros, agora
para fazer caixa para os tesouros reais, sempre com finalidades exclusivamente fiscais.
As características extrafiscais do tributos de comércio exterior, ou seja, a
utilização dos gravames aduaneiros como instrumentos de regulação do comércio
internacional no intuito de proteger as economias nacionais precisou esperar por JeanBaptiste Colbert (1619-1683), ministro francês do rei Louis XIV, que agiu em duas
frentes: numa procurou eliminar a miríade de tributos feudais internos, fortalecendo a
autoridade central em detrimento do poder dos nobres feudais, noutra estabeleceu
alíquotas aduaneiras diferenciadas para proteger a indústria francesa, notadamente como
forma de enfrentar o poderio britânico.
Mesmo com a nova função, os direitos aduaneiros continuaram com função
fortemente fiscal, por quanto fáceis de serem cobrados, só recentemente tendo sido
suplantados pelos tributos internos, cuja importância cresceu em razão da revolução
industrial, mola mestra do crescimento do mercado interno, da criação do Imposto sobre
a Renda, e do aperfeiçoamento dos mecanismos de cobrança.
primeira.
2
3
ARNAOUTOGLOU, Ilias. Leis da Grécia Antiga. São Paulo: Odysseus, 2003.
LONG, George. Portorium. Disponível em: <www.ku.edu/history/index/europe/ancient_rome/E/
Roman/Texts/secondary/SMIGRA*/Portorium.html.> Acesso em: 8 out. 2002.
3
No Brasil, desde o início, as alfândegas tiveram um papel um pouco dúbio, pois o
comércio lícito - o que por elas passava - dirigia-se a Lisboa, a capital do Reino, ou a
outras possessões portuguesas, não se podendo falar propriamente de comércio
internacional.
Mesmo assim, quando da vinda da família real para o Brasil, o Príncipe Regente
não só abriu os portos ao comércio com as nações amigas 4, basicamente o Reino Unido,
mas também os Estados Unidos, já independente e republicano, até mesmo porque o
comércio com Portugal invadido resultava inviável, como também reduziu as tarifas5 no
sentido de incentivar esse comércio.
As tarifas foram ainda rebaixadas para os produtos ingleses, como determinado
pelo primeiro dos tratados desiguais firmado com o aliado todo-poderoso 6, em
detrimento até mesmo das mercadorias portuguesas, que logo depois passaram a chegar
ao Brasil, quando Portugal conseguiu se ver livre dos exércitos invasores, pagando
tarifas superiores.
As tarifas acabaram sendo uniformizadas no nível das inglesas, eliminando a
discriminação mas prejudicando a arrecadação, até bem depois da Independência, eis
que nas negociações para o reconhecimento da soberania do Império do Brasil, o tratado
teve de ser renovado.
Só na gestão de Alves Branco (1844-1857), com o término da vigência do
tratado, foi possível o reajuste das tarifas, para fazer caixa para o então combalido
Erário. Essa tarifa, bem mais alta, ficou conhecida como protecionista. Teve esse efeito,
é certo, mas o objetivo era efetivamente mais prosaico, simplesmente arrecadar mais.
4
PORTUGAL. Carta Régia de 28 de janeiro de 1808. Carta Regia ao Conde da Ponte: Abrindo os Portos
do Brazil ao Commercio directo Estrangeiro sem excepção de Fazendas ... In: PORTUGAL. na Collecção
das leis, alvarás, decretos, cartas régias, &c. promulgadas no Brasil desde a feliz chegada do príncipe
regente N. S. a estes estados com hum índice chronologico. Tomo I. Rio de Janeiro: Impressão Régia,
[1811-1822]. Disponível em www.brown.edu/Facilities/John_Carter_Brown_Library/CB/1808_docs/
L01_p01.html. Acesso em: 15 fev. 2008.
5
PORTUGAL. Decreto de 11 de junho de 1808. Decreto ordenando os Direitos de entrada nas
Alfandegas do Brazil. In: PORTUGAL. na Collecção das leis, alvarás, decretos, cartas régias, &c.
promulgadas no Brasil desde a feliz chegada do príncipe regente N. S. a estes estados com hum índice
chronologico. Tomo I. Rio de Janeiro: Impressão Régia, [1811-1822]. Disponível em
www.brown.edu/Facilities/John_Carter_Brown_Library/CB/1808_docs/L35_p01.html. Acesso em: 08
mar. 2008.
6
Tratado de commercio, e navegação Entre os muito altos, e muito poderosos senhores O Principe
Regente de Portugal, E Elrey do Reino Unido da Grande Bretanha e Irlanda Assinado no Rio de Janeiro
pelos plenipotenciarios de huma e outra corte Em 19 de fevereiro de 1810 E ratificado por ambas Rio de
Janeiro Na impressão regia. 1810.
4
Há quem diga que depois houve um retrocesso, ou seja, a perda desse efeito
extrafiscal, mas Buescu7 mostra que a arrecadação do imposto de importação, em
relação ao valor total das importações, variou relativamente pouco nas diversas
administrações fiscais imperiais que se sucederam após Alves Branco, ou seja, que a
questão permaneceu fiscal, pouco variando com os debates entre protecionistas,
defensores da indústria, e o setor agrário, que preferia baixos tributos na entrada.
Hoje a discussão permanece, com os setores exportadores preferindo maior
abertura, com concessões recíprocas, de modo a exportarem com maior facilidade suas
mercadorias, e os setores mais vulneráveis preferindo alguma proteção tarifária,
receosos da livre concorrência internacional.
Legislação e Modus Operandi
Apesar de haver registro de instalação de aduanas no Brasil ainda na primeira
metade dos quinhentos, o marco legislativo mais importante foi o Foral da Alfândega de
Lisboa, de 1587, que consolidou e atualizou a legislação aduaneira da época e que
permaneceu em vigor até 1832, com o Brasil já independente.
Esse foral, baixado por Felipe I, segundo na Espanha - estávamos no início da
União Ibérica -, descrevia com detalhes o funcionamento da alfândega da Corte,
organização vertical, que tudo controlava, desde a visita dos navios até a armazenagem
de mercadorias em depósitos próprios.
Apesar do Foral ter sido endereçado à Alfândega de Lisboa, foi utilizado em toda
a América lusa, com as devidas adaptações.
Entretanto, conforme prática ainda hoje existente, o Foral foi sendo atualizado por
inúmeros diplomas legais, corrigindo-o aqui, modificando-o ali, ao sabor das
conveniências e necessidades da coroa.
Não podemos olhar as aduanas de então como se fossem aduanas modernas
administradas mais artesanalmente. Elas seriam melhor compreendidas como
repartições situadas em portos, essencialmente fiscais, mas que atendiam às
necessidades da Coroa, com bastante pragmatismo.
7
BUESCU, Mircea. História Administrativa do Brasil: Organização e Administração do Ministério da
Fazenda no Império. Brasília: Fundação Centro de Formação do Servidor Público, 1984.
5
Como exemplo da maleabilidade das repartições aduaneiras, lei de 1574 obrigava
o registro nas alfândegas dos índios tornados escravos, como se aquelas fossem
cartórios8.
Em 1808, as alfândegas do Reino de Portugal no Brasil continuavam regidas pelo
Foral de 1587 e alterações posteriores, não tendo sido afetadas pela presença do
Príncipe Regente no continente americano.
O que então mudou foi o fluxo de comércio, uma vez que a Corte se deslocou
para o Rio de Janeiro, que passou a viver a sui generis situação de metrópole e colônia
ao mesmo tempo.
Claro está que essas mudanças tiveram grande impacto na formação do Brasil,
não faltando teses que relacionam esse evento ímpar com a não fragmentação da
América lusa, a exemplo do que ocorreu com a América hispânica, que se partiu em
múltiplas repúblicas.
A História registra as vozes de diversos portugueses que defenderam - mesmo
antes da fuga da família real - o estabelecimento do Rio de Janeiro como centro do
império português. Entretanto os portugueses que permaneceram na península ibérica
tudo fizeram para que essa idéia não vingasse, o que talvez os deixaria numa posição
subalterna, e finalmente conseguiram, sob meios transversos - o grito do herdeiro do
trono às margens de um riacho paulista - garantir sua independência.
Estabelecido o Império do Brasil, dez anos depois o Foral passou à História, tendo
finalmente sido substituído pelo Regulamento das Alfândegas do Império9.
A nova regulamentação não mais prevê a colocação des guardas nas embarcações,
após as visitas, mas se preocupa fortemente com quantitativos de funcionários e
respectivos vencimentos. Regra geral, continua como dantes em redação mais acessível
aos leitores de hoje.
Posteriormente o novo regulamento foi sendo substituído: em 1860 pelo
Regulamento das Alfandegas e Mesas de Rendas10, depois pela Consolidação das Leis
8
JOHNSON, H. B. A colonização portuguesa no Brasil. In BETHELL, Leslie (org.). História da América
Latina: América Latina Comercial, volume 1. 2 ed. São Paulo: Edusp; Brasília: Funag, 2004.
9
BRASIL. Decreto de 16 de julho de 1832. Manda pôr em execução o Regulamento das Alfândegas de
25 de Abril deste anno. Disponível em: <www.senado.gov.br>. Acesso em: 30 jul. 2008.
10
BRASIL. Decreto nº 2.647, de 19 de Setembro de 1860. Manda executar o Regulamento das
Alfândegas e Mesas de Rendas. Disponível em: <www.senado.gov.br>. Acesso em: 31 jul. 2008.
6
das Alfândegas e Mesas de Rendas, elaborada por um funcionário aduaneiro para seu
uso pessoal e mandada executar por uma circular datada de 24 de abril de 188511 e
atualizada pela Nova Consolidação das Leis das Alfândegas e Mesas de Rendas
(NCLAMAR)12.
A maior alteração talvez tenha sido a imposta pelo golpe de 1º de abril de 1964,
pois, no bojo de sua ampla reforma tributária, a aduana brasileira, então organizada
como Departamento de Rendas Aduaneiras do Ministério da Fazenda, perdeu sua
relativa autonomia e foi unida às repartições que cuidavam dos tributos internos,
formando a Secretaria da Receita Federal, criada em 196813, hoje Secretaria da Receita
Federal do Brasil, após a incorporação da arrecadação da receita previdenciárias.
No bojo dessa reforma foi extinta a guarda-moria, braço armado da alfândega, que
faz falta até hoje. Note-se que outras importantes administrações aduaneiras, tais como a
francesa e a norte-americana mantém até hoje suas forças paramilitares, para a defesa
das suas fronteiras contra o contrabando.
O Decreto Lei nº 37, de 18 de novembro de 1966, fruto dos estudos e pesquisas do
aduaneiro Oswaldo da Costa e Silva, chefe de uma das equipes da Comissão de
Reforma do Ministério da Fazenda, substituiu a NCLAMAR14.
Com base nesse decreto, e consolidando a legislação aduaneira, foi publicado o
Regulamento Aduaneiro de 198515, depois substituído pelo atual regulamento16, de
2002.
Publicada uma consolidação, seguem-se inúmeras normas modificando-a e depois
publica-se uma nova, revogando tudo e recomeçando o processo, que não é de hoje,
como se pode observar no prólogo do Foral: "assim por ser muito antigo o Foral de que se
11
GODOY, José Eduardo Pimentel de. Aspectos gerais da evolução do sistema aduaneiro do Brasil.
Disponível em: <www.receita.fazenda.gov.br>. Acesso em: 9 set. 2008.
12
CAMPOS, Antônio. Nova consolidação das Leis das Alfândegas e Mesas de Rendas. Rio de Janeiro:
Coelho Branco Filho, 1958.
13
BRASIL. Decreto nº 63.659, de 20 de novembro de 1968. Define a estrutura e as atribuições da
Secretaria da Receita Federal e dá outras providencias.
14
GODOY, José Eduardo Pimentel de. Aspectos gerais da evolução do sistema aduaneiro do Brasil.
Disponível em: <www.receita.fazenda.gov.br>. Acesso em: 9 set. 2008.
15
16
BRASIL. Decreto nº 91.030, de 5 de março de 1985. Aprova o Regulamento Aduaneiro.
BRASIL. Decreto nº 4.543, de 26 de dezembro de 2002. Regulamenta a administração das atividades
aduaneiras, e a fiscalização, o controle e a tributação das operações de comercio exterior.
7
nella eté agora usou ... e pela confusaõ que causavaõ as muitas provisoens que se depois delle
ordenaraõ".
Se hoje não seguimos as regras do velho foral, como nossos antecessores
quinhentistas, continuamos às voltas com inúmeros diplomas legais, não mais cartas
régias e que tais, impressas ou copiadas à mão, e transportadas por barcos a vela ou em
lombo de burro, mas portarias e instruções normativas, acessíveis instantaneamente por
meio da Internet.
Pautas e Tarifas
As alíquotas antigamente eram uniformes e ad valorem, mas cobradas segundo
as pautas, que discriminavam mercadorias, quantidades e valores a serem cobrados,
como se pode depreender da leitura da legislação e da consulta às pautas, como a de
178917.
Os preços eram mais ou menos estáveis, e a variedade das mercadorias
relativamente pequena. Isso permitia a elaboração de tabelas com a fixação do montante
do tributo a ser cobrado, calculado a partir do preço usual das mercadorias.
A exemplo das até recentemente usadas listas de preços mínimos, as aduanas no
Brasil avaliavam os preços usuais das mercadorias, aplicavam a alíquota e obtinham o
quantum a ser cobrado, tornando-se assim blindadas contra tentativas de subfaturamento
por parte dos comerciantes.
Esse processo pode ser confirmado pelo artigo XV do já citado Tratado de
Comércio e Navegação com o Reino Unido, que previa uma comissão mista e
igualitária de comerciantes ingleses e portugueses para regular e fixar os valores das
mercadorias nas pautas, ou "táboas de avaliação". De nada adiantaria obter tarifas mais
baixas, se depois o governo português pudesse arbitrar preços mais altos para as
mercadorias, eliminando consequentemente a vantagem.
O mesmo se observa no capítulo XII do Regulamento das Alfândegas do
Império, dedicado à elaboração e distribuição das pautas.
17
PORTUGAL. Cópia da pauta que serve na alfândega da cidade da Bª. pª. despacho das mercadorias que
nella entrão, mandada tirar pelo Dezor. Provedor atual Felipe José de Faia. Datada da Bahia 14 de
outubro de 1789 e assinada pelo administrador da Alfândega Agostinho José Barreto. [Disponível na
Biblioteca Nacional (Rio de Janeiro). Manuscrito em bom estado]
8
Após a II Guerra Mundial, e com o objetivo de facilitar o comércio
internacional, foi firmado o Acordo Geral de Tarifas e Comércio18, conhecido como
GATT, do título em inglês General Agreement on Tariffs and Trade.
Um importante dispositivo desse tratado foi o estabelecido em seu artigo VIII,
que definiu a base de cálculo do imposto de importação, estabelecendo ainda que só
esse imposto poderia ser cobrado com relação à entrada de mercadorias, vedadas novos
gravames às mercadorias importadas que não fossem aplicáveis igualmente às
mercadorias nacionais.
É simples: confiava-se desconfiando-se. Com essa disposição, os países
poderiam fazer outros tratados de livre comércio, ou se outorgar benefícios recíprocos,
garantindo a lisura do processo. Com a base de cálculo fixada da mesma maneira para
todos os países signatários, a fiscalização mútua do cumprimento dos acordos ficava
facilitada, pois bastaria verificar qual a alíquota aplicada na prática.
Adicionando-se a isso a necessidade de se dotar de mecanismos flexíveis de
aplicação tópica de medidas extra-fiscais, ou seja, de alíquotas variáveis conforme o
tipo dos produtos, chegou-se à elaboração de nomenclatura padrão, o Sistema
Harmonizado (SH), com códigos compostos por seis algarismos, com a possibilidade de
utilização de mais dois ou quatro para adaptação da nomenclatura às necessidades
locais.
Assim, no passado a cada mercadoria estava associado um montante de tributo a
ser cobrado, calculado a partir de uma alíquota fixa. Depois, com a Tarifa Alves
Branco, as alíquotas passaram a variar, por grupos de produtos, mas o governo ainda
podia estabelecer preços mínimos ou outras medidas para garantir a arrecadação. Hoje
as alíquotas variam por grupos de produtos, classificados em uma nomenclatura
bastante detalhada, mas estão vedados todos os artifícios de fixação do valor das
mercadorias, inclusive pautas de preços mínimos, devendo a base de cálculo do imposto
ser definida a partir da realidade da transação comercial entre exportador e importador.
Ademais, com a formação dos blocos e a proliferação dos tratados bilaterais e
multilaterais em matéria de comércio, até mesmo a liberdade para a fixação de alíquotas
está cada vez mais mitigada, fruto desses acordos de liberalização.
18
Acôrdo Geral sôbre Tarifas Aduaneiras e Comércio. Decreto nº 313, de 30 de julho de 1948. Disponível
em: <http://www2.mre.gov.br/dai/m_313_1948.htm>. Acesso em: 5 jul. 2008.
9
Dessa forma, os gravames aduaneiros jogam um papel relativamente pouco
importante no financiamento dos estados modernos, mantendo, mesmo assim, certo
caráter extrafiscal de regulação do comércio, principalmente na proteção das produções
nacionais pelo encarecimento dos produtos estrangeiros concorrentes.
Mesmo assim as alfândegas conservam sua importância, ao assumirem novos
papéis, tais como proteger a saúde da população, defender o meio ambiente e o
patrimônio histórico, ou até mesmo facilitar o comércio internacional, papéis esses
reconhecidos pela Organização Mundial das Aduanas19.
À Guisa de Conclusão
Neste curto trabalho é impossível traçar detalhadamente a rica história das
alfândegas em terras brasileiras, que perfazem quase cinco séculos de trabalho árduo, ou
dos quase dois séculos de vida das alfândegas brasileiras, que passaram a existir quando
da Independência do país, sem grandes rupturas com suas antecessoras, pois, ao que
parece, a separação de Portugal pouco afetou a atividade e os procedimentos de nossos
colegas oitocentistas. Nem mesmo o destino da arrecadação mudou de mãos, sempre o
Real Erário, antes do príncipe Dom Pedro, representante da Corte portuguesa no Brasil,
depois do Imperador Dom Pedro I, senhor de um império independente.
Fica entretanto o repto: olhemos para o futuro, informatização, protocolo de
Quioto, articulação com as coirmãs estrangeiras, mas procuremos estudar e
compreender nosso passado, tão rico de experiências.
19
WCO. Missions. Disponível em: <www.wcoomd.org>. Acesso em: 5 set. 2002.

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