Olga Benário e a Revolução de 1935: a construção fílmica de uma
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Olga Benário e a Revolução de 1935: a construção fílmica de uma
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas Departamento de História. Olga Benário e a Revolução de 1935: a construção fílmica de uma história. Cynthia Liz Yosimoto (Bolsa FAPESP/IC) (Orientação: Marcos Napolitano) São Paulo, 2011 1 1. Resultados científicos O longa-metragem Olga (2004), dirigido por Jayme Monjardim, escrito e produzido por Rita Buzzar, é uma adaptação da obra homônima (1985) do jornalista Fernando Morais. Trata da vida da judia Olga Benário (1908-1942), militante comunista alemã, desde sua militância na adolescência em Munique, até sua morte no campo de concentração nazista de Bernburg em Abril de 1942 – embora o recorte temporal vá até 1954, ao noticiar a data do suicídio de Getúlio Vargas nos letreiros finais. Sua narrativa se inicia no último dia de vida de Olga (Camila Morgado) que, em flashback, tem recordações, as quais se desenrolam nos 141 minutos do longa-metragem. Como se revisse sua trajetória, sua primeira lembrança é a do assalto à prisão de Moabit, episódio em que libertou à força seu namorado Otto Braun (Guilherme Weber); acompanhamos sua participação em manifestações de rua em Munique, e o momento em que deixa a casa dos pais. Após a libertação de Braun, seguem para Moscou, onde o relacionamento amoroso se encerra e recebe a missão de escoltar Luís Carlos Prestes (Caco Ciocler) ao Brasil, país no qual se planeja fazer a Revolução. Disfarçados de casal lisboeta, se apaixonam durante a viagem e em terras brasileiras participa do malogrado levante do Rio de Janeiro de Novembro de 1935. Na prisão, Olga descobre estar grávida e logo é deportada para a Alemanha, onde tem sua filha Anita Leocádia Prestes. Por meio de campanha internacional, a família de Prestes recebe a guarda da criança. Em 1942, a militante comunista é assassinada em uma câmara de gás em um campo de concentração em Bernburg. A biografia de Fernando Morais, embora não se caracterize como uma obra de História, foi escrita com base em uma variada gama de documentos e depoimentos, de modo que se tornou referência sobre o assunto. Conquanto se concentre nos aspectos da vida pessoal de Olga, constrói uma narrativa detalhada de sua trajetória de militante comunista, citando seus cargos dentro das organizações, descrevendo seu desenvolvimento teórico, seus anseios e atuação política de maneira geral. Da mesma forma, apesar da menor ênfase, traz o histórico político de Prestes, explicitando os caminhos que o conduziram à adesão ao comunismo. Morais busca apresentar a alemã em sua plenitude, evidenciando a coerência entre vida pessoal e política, como aspectos naturalmente interligados. O recorte temporal do livro vai do episódio do assalto à prisão de Moabit em Abril de 1928, regredindo em alguns momentos para a 2 adolescência de Olga, trazendo a trajetória do líder comunista, até o ano de 1945, quando Prestes fora libertado da prisão. A idéia de adaptar a obra do jornalista para o cinema partiu da produtora e roteirista do filme Rita Buzzar. Formada na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, Buzzar foi autora de minisséries para a televisão como Rosa dos Rumos (1990, Rede Manchete), A História de Ana Raio e Zé Trovão (1990, Rede Manchete) dirigida por Jayme Monjardim, e A Queridinha (Rede Manchete). Escreveu também os roteiros de Lara e Maria dos Prazeres, produção internacional de Carlos Ponti, além de dirigir documentários para a televisão, como Carandiru.doc. Em 2009 foi produtora e roteirista de Budapeste (Walter Carvalho, 2009), adaptação da obra homônima de Chico Buarque. Inicialmente, Olga estava planejado para ser dirigido por Sérgio Toledo, entretanto, acabou por ser dirigido pelo já conhecido companheiro de trabalho da roteirista, Jayme Monjardim. O diretor encabeçou então seu primeiro longa-metragem. Sua experiência com o cinema esteve restrita a curta-metragens, fez cerca de vinte curtas, o primeiro deles sobre sua mãe, Maysa, no final da década de 1970. Na televisão dirigiu trabalhos como Pantanal (1990) na Rede Manchete, e pela TV Globo, Terra Nostra (1999), Aquarela do Brasil (2000), Chiquinha Gonzaga (1999), O Clone (2001), A Casa das Sete Mulheres (2003), Páginas da Vida (2006), Maysa, quando fala o coração (2008) e Viver a Vida (2009). Para contar a história da militante comunista, Rita Buzzar investiu sete anos de pesquisa, encontrando dificuldades na captação de recursos pelo alto custo que geraria devido ao número elevado de atores (por volta de 300), à variedade de locações, bem como a necessidade de empenho técnico para representar os episódios dos anos 30. Diante da falta de investidores, a roteirista, que havia comprado os direitos autorais do livro em 1995, começou a levantar os recursos por conta própria. Em 2002, a Globo Filmes juntou-se à produtora principal Nexus Cinema, desenvolvendo uma co-produção em parceria também com a Europa Filmes e a Lumière. As leis de incentivo fiscal permitiram o apoio financeiro de companhias privadas1, colaborando na viabilização da produção cinematográfica. Tendo custado R$12 milhões, se constituiu como um grande 1 Credicard, Petrobras Distribuidora, BNDES, White Martins, Furnas Centrais Elétricas, Banco BanespaSantander, Banco BBA-Itaú e Rio Bravo Investimentos. 3 sucesso de público, garantindo mais de três milhões de espectadores e um lucro em torno de vinte milhões de reais2. Como fontes de pesquisa, Buzzar “teve acesso a todas as pesquisas realizadas por Fernando Morais e estudou o contexto histórico mundial, o nazismo, o comunismo e o Brasil de 1935”3. Recebera uma bolsa do Instituo Goethe que lhe permitiu viajar à Alemanha para pesquisar os arquivos da Gestapo, além de visitar os campos de concentração. Obteve o suporte de Anita Leocádia e Lígia Prestes no compartilhamento de lembranças e memórias de Luiz Carlos Prestes e de sua mãe, Leocádia; além da permissão de leitura das cartas trocadas entre a família no período de prisão do casal Prestes. A recepção do filme pela crítica especializada foi um tanto negativa. Apesar do reconhecimento do investimento técnológico, a contraposição com a elogiada biografia do jornalista foi inevitável, resultando em resenhas pouco apreciativas. Sérgio Rizzo, jornalista e professor da Escola de Comunicação de Artes da Universidade de São Paulo, em resenha para a revista História Viva4, critica a opção de privilegiar a história de amor entre a militante comunista e o Cavaleiro da Esperança, em detrimento do fornecimento de informações fundamentais para a compreensão dos eventos históricos retratados. Observa que a escolha do idioma em português, embora contribuísse para o aumento do público potencial, foi um fator de comprometimento de aspectos sutis do relacionamento entre Olga e Prestes, intermediado por diversos idiomas, como o alemão, o russo e o francês. Caracteriza o uso exagerado da trilha sonora para provocar emoções como anabolizantes, já que, em tese, as situações já seriam suficientemente comoventes. Rizzo destaca ainda o exagero da interpretação dos personagens históricos que “discursam, em vez de simplesmente falar, como se essa impostação os autenticasse”. Em resenha para revista de cinema norteamericana Variety5, Deborah Young satiriza o longa-metragem, ao referir-se à virada melodramática de Olga, como “Olga’s transformation from ideologue into human being”, tecendo críticas também à semelhança com o melodrama televisivo e ao excesso de close-ups. 2 PEREIRA, Miguel Serpa. ESTÉTICAS E MERCADO NO CINEMA BRASILEIRO INCENTIVADO. IV ENECULT - Encontro de Estudos Multidisciplinares em Cultura, 28 a 30 de maio de 2008. Faculdade de Comunicação/UFBa, Salvador-Bahia-Brasil. 3 A produtora e roteirista Rita Buzzar. Press-book de Olga (2004), pp. 7-8. 4 RIZZO, Sérgio. Injustiça reconstituída. Acesso: RG(H) - História Viva, v. 1, n. 10, p. 11, ago. 2004. 5 Young, Deborah. Olga. Notas: Ficha técnica; Sinopse. Variety, LOS ANGELES, v.397, n.7, p. 26, 3-9 Jan. 2005. 4 Em artigo publicado em Araucaria - Revista Iberoamericana de Filosofia, Política y Humanidades6, o historiador argentino Tzvi Tal desenvolve uma análise que interpreta a representação do personagem Olga no filme de Monjardim, como uma santificação do personagem histórico. Sua crítica consiste em apontar que tal santificação seria geradora de uma espécie de idolatria pela revolucionária martirizada, sem que, no entanto, se explicitasse os princípios ideológicos ou projetos políticos que impulsionaram sua militância. Conforme o argentino, tal idolatria, além de contribuir para o esvaziamento da cultura de significado ideológico, ainda permitiria que seus realizadores desfrutassem economicamente da veiculação dessa figura histórica esvaziada. Já em Estéticas e Mercado no Cinema Brasileiro Incentivado7, Miguel Serpa Pereira chama atenção para a construção de Olga como um exemplo de vida para o grande público. Reitera a opinião de que a ênfase no romance torna as questões políticas secundárias, da mesma forma, acrescenta que as viradas melodramáticas não deixam dúvidas quanto à filiação estética do filme à telenovela, recursos que teriam garantido a bilheteria de grande sucesso. A pesquisadora Miranda Shaw afirma que o uso de valores de telenovela pela produção cinematográfica faz com que caia nas armadilhas que o livro buscou evitar: a representação da figura política comunista de Olga Benário como incapaz de harmonizar sua vida pessoal e política. Em seu artigo8, a autora destaca que Olga está constantemente atormentada e dividida entre ser fria como um soldado ou empenhada emocionalmente enquanto mulher, o que, sem que o filme ofereça motivos mais profundos, omitindo seus pensamentos internos, torna o personagem fragmentado e de representação comprometida. No entanto, seria o estilo de telenovela empregado para produzir o filme em tempo hábil, dentro de determinado orçamento e garantia de sucesso comercial, que teriam contribuído para o comprometimento de sua representação. Termina por completar, que a incapacidade de construir Olga Benário enquanto personagem multifacetado que foi, é preocupante para a representação da 6 TAL, Tzvi. Santificando a uma judia comunista: La reacomodación de La identidad brasileña en Olga (Monjardim, Brasil, 2004). Araucária, Revista Iberoamericana de Filosofia, Política y Humanidades, n° 15. Abril de 2006. 7 PEREIRA, Miguel Serpa, op. cit. 8 SHAW, Miranda. Fernando Morais’s Olga translated for the screen: a revolutionary in Rio?. Ipotesi, Juiz de Fora, v. 13, n. 1, p. 153 - 167, jan./jul. 2009. 5 mulher no cinema brasileiro novo, particularmente para a representação da mulher militante que ainda estaria para encontrar uma voz nos filmes da Retomada. Quanto à recepção do público, temos como fonte somente as opiniões dos internautas que deixaram mensagens na seção “Fale com o diretor” do website de Jayme Monjardim. Os comentários são em sua maioria elogios ao diretor, aos atores, principalmente à Camila Morgado, ao enredo “realista” e emocionante, à qualidade técnica, entre outros. Há algumas observações, embora sejam raras, que pedem maior contextualização histórica, fazem perguntas sobre os fatos históricos mal desenvolvidos no roteiro, questionam certas omissões ou simplesmente dizem que o filme deixa a desejar. De um modo geral, os espectadores se mostram orgulhosos da qualidade da produção cinematográfica brasileira, frequentemente sustentando comparações com o cinema norteamericano ou com produções nacionais que abordam questões como a miséria e a violência no país. Orgulham-se também dos “heróis brasileiros”, enaltecem o heroísmo de Olga, comumente confundindo os valores que embasavam sua luta comunista com valores universais como paz, justiça social, “um futuro melhor”, igualdade, entre outros. A primeira biografia sobre a militante comunista foi escrita em 1961 por Ruth Werner, colega de militância da moça nos tempos em que se dedicou à Juventude Comunista alemã. Traduzido para o português em 1989, como Olga Benário: a história de uma mulher corajosa, é um livro que se dedica a ensinar a juventude alemã com o heroísmo de Olga. Como não há influência no trabalho de Fernando Morais e, por consequência, no de Rita Buzzar, não abordaremos esta primeira biografia. Já o documentário alemão de Galip Iyitanir, Olga Benário – uma vida pela Revolução (2004), pode ser pensado como contraponto à nossa análise da ficção. A obra de Iyitanir é um semi-documentário, como define, ou documentário-ficção, pois misturadas aos documentos de arquivo, há sequências de encenações de atores, além da utilização de intérpretes na leitura das cartas dos personagens históricos. Da mesma forma, utiliza imagens atuais dos locais onde se passaram os episódios históricos narrados, contribuindo com a imaginação, a curiosidade e a comoção do espectador. A encenação presente no filme encaixa-se no que Fernão Ramos chamou de encenaçãolocação, que é aquela desenvolvida no local onde vive ou viveu a pessoa sobre quem se faz asserções. Segundo Ramos, “a narrativa documentária encenada estabelece asserções que adquirem densidade pela voz da boca dos corpos que encenam, ou através 6 de vozes sem boca que enunciam em over”9, sendo este o caso das encenações referidas. O documentário foi criado com base nas duas biografias existentes sobre a militante comunista, e parece ter sido desenvolvido com a intenção de valorizar Olga como heroína alemã para os alemães. O que facilmente se percebe na ênfase dada aos momentos vividos na Alemanha, no relacionamento amoroso com o alemão Otto Braun – evidente na primeira sequência encenada do filme, no momento do assalto à prisão de Moabit – em detrimento do relacionamento com Luiz Carlos Prestes – praticamente não aparece em nenhuma encenação –, e nas encenações (fator de comoção) de maneira geral que, exceto por uma que ocorre no Brasil, ocorrem Alemanha. O contraponto com o documentário servirá para enriquecer nossas reflexões sobre a obra fílmica de Monjardim. Em 1995, Rita Buzzar publicou o argumento do filme em uma compilação de artigos sobre mulheres judias, vítimas do regime nazista de Hitler, escritos por vários autores. O argumento original, escrito para ser dirigido por Sérgio Toledo, faz uma adaptação que procura manter o referencial mais próximo à biografia de Fernando Morais, publicada dez anos antes. Conquanto haja acréscimos e questões criadas por Rita Buzzar que acabaram por se manter no roteiro que ganhou às telas, há maior contextualização política da Alemanha dos anos 20, dos cargos políticos ocupados por Olga tanto em seu país quanto na União Soviética, bem como da situação econômica pela qual passava esta última quando a protagonista lá chegou. A construção do personagem da militante comunista, ao contrário da versão oficial, é um pouco menos maniqueísta e, moderadamente, mais complexa. Ao mesmo tempo em que a jovem é engajada politicamente, disciplinada, corajosa, estudiosa das teorias marxistasleninistas, dos manuais de estratégia militar, é também desenvolta em relação aos sentimentos pessoais, ao envolvimento amoroso, faz passeios românticos com Otto Braun pelas montanhas, de quem sente saudades quando está preso, idealiza seus superiores comunistas, se permite deixar influenciar pelo namorado alemão na forma de pensar e agir. Tanto as permanências quanto as rupturas entre o argumento original e o roteiro oficial, nos revelam informações importantes. Faremos o cotejo entre os dois documentos de maneira mais detalhada durante a análise do filme, articulando as questões que dela surgirem aos resultados do balanço entre permanências e rupturas. 9 RAMOS, Fernão Pessoa. Mas afinal... o que é mesmo documentário?. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2008. p. 106. 7 I. Olga Benário: a construção melodramática de uma história A fim de identificar as convenções melodramáticas contidas em Olga de Jayme Monjardim, bem como de entender de que forma se realizam na obra fílmica, faremos primeiramente algumas considerações sobre o gênero do melodrama. O melodrama surgiu no teatro no século XVIII, contudo foi em torno de 1800 que se estabelecera como gênero dramático. Segundo Ismail Xavier, em O Olhar e a Cena – Melodrama, Hollywood, Cinema Novo, Nelson Rodrigues (2003), o melodrama pode ser definido como: a manifestação mais contundente de uma busca de expressividade (psicológica, moral) em que tudo se quer ver estampado na superfície do mundo, na ênfase do gesto, no trejeito do rosto, na eloquência da voz. Apanágio do exagero e do excesso, o melodrama é o gênero afim às grandes revelações, às encenações do acesso a uma verdade que se desvenda após um sem-número de mistérios, equívocos, pistas falsas, vilanias. Intenso nas ações e sentimentos, carrega nas reviravoltas, ansioso pelo efeito e a comunicação, envolvendo toda uma pedagogia em que nosso olhar é convidado a apreender formas mais imediatas de reconhecimento da virtude ou do pecado10. Desde a origem no teatro, a natureza do melodrama reside na tensão crescente, rapidez de ação, efeitos ilusionistas, enredos complicados. Para tanto, sempre houve preocupação com o jogo do tempo/espaço, sendo necessário que as mudanças de cena para cena fossem velozes, o que implicava em grande destreza nas mudanças de cenários. De acordo com Xavier, a passagem do palco à tela consistiu em um processo de continuidade, eram os mesmos atrativos, as mesmas histórias, trabalhadas nos mesmo critérios dramáticos, que atraiam o mesmo público; no entanto, a diferença estava agora na técnica11. O rápido deslocamento de cenários é substituído pela montagem paralela cinematográfica, levando a tensão e o suspense a níveis extremos. A idéia de ilusão de realidade iniciada no teatro, que visava o efeito emotivo da narração, por meio do desenvolvimento dinâmico da ação dramática, é então realizada com maestria pelo cinema. Através da montagem, aperfeiçoa-se o ilusionismo de origem teatral, de tal modo que se desenvolve uma sintaxe na qual tudo parece ocorrer naturalmente, sem que 10 XAVIER, Ismail. O Olhar e a Cena – Melodrama, Hollywood, Cinem Novo, Nelson Rodrigues. São Paulo: Cosac & Naify, 2003. p. 39 11 Ibid, p.64. 8 se perceba sua escritura. Da mesma forma, conforme Xavier, o que antes no teatro era sugerido pela configuração da cena, o cinema agora oferece, com maior controle, por meio de enquadramentos variados. Também a mobilidade dos pontos de vista, provenientes da câmera, ampliou os recursos de expressão, canalizando a interpretação de sua mensagem moral através da ênfase em determinadas imagens, tornando mais aparente o sentido dos gestos, proporcionando um envolvimento emocional maior do espectador. Segundo Silvia Oroz, em Melodrama: o cinema de lágrimas da América Latina (1999), o gênero possui uma estrutura tripartida – começo, desenvolvimento e desenlace – proveniente da tragédia grega, e duas causas naturais de ações: idéias e caráter. Este último determina as qualidades do personagem em ação, enquanto as primeiras representam seus pensamentos. E seria através da ação que os personagens adquiririam o caráter. No que concerne ao conteúdo, o melodrama propõe-se à simplificação formal e ao apelo direto aos sentidos, concentrando-se nos dramas individuais, acompanhados de reforços musicais ao texto. Consoante Peter Brooks, em The melodramatic imagination: Balzac, Henry James, melodrama, and the mode of excess, “[o melodrama] insiste que o comum pode ser o lugar para a instauração da significância. Nos diz que no espelho certo, com o grau certo de convexidade, nossas vidas importam”12. Desde o século XVIII, o melodrama já procurava refletir os modelos morais do público, veiculando forte sentimentalismo conservador e preocupação moralizante. De acordo com Xavier, por muito tempo o melodrama cinematográfico se guiou pelas parábolas morais cristãs, nas quais o sucesso dos personagens provinha do mérito e da ajuda da Providência, enquanto o fracasso era produto de uma conspiração exterior ao sujeito vitimizado, isento de culpa. Contudo, conforme os padrões morais foram mudando ao longo das décadas, o gênero mostrou-se flexível, capaz de se adaptar aos novos valores da sociedade. O surgimento da novela de folhetim, conforme Oroz, foi determinante na evolução do melodrama, bem como o antecedente mais longínquo de uma das articulações básicas do desenvolvimento da indústria cinematográfica: o valor do 12 “it insists that the ordinary may be the place for the instauration of significance. It tells us that in the right mirror, with the right degree of convexity, our lives matter”. (BROOKS, Peter. The melodramatic imagination: Balzac, Henry James, melodrama, and the mode of excess. New Haven: Yale University Press, 1995. p. IX.). Tradução da autora. 9 produto segundo a demanda do mercado13. A novela de folhetim provocou enorme democratização da literatura e uma nivelação quase absoluta do público leitor14, determinando o primeiro público interclassista, visto que as estórias expostas permitiam que leitores de diferentes classes sociais se projetassem psicologicamente. Para Marlyse Meyer em Folhetim: uma história, o romance-folhetim é um modo particular de produção estreitamente ligado ao jornal, que possui uma história interna, a qual se insere na História, que por sua vez acompanharia a das classes populares15. Logo, esse tipo de produção literária desenvolvera fortes laços afetivos entre o público e as novelas, devido à identificação pessoal que produzia. Para Silvia Oroz, um dos grandes motivos do sucesso do melodrama seria o fato de, através de seus protótipos, contemplar a necessidade de reafirmação dos valores do espectador, mantendo suas referências em vigor. Embora o gênero tenha se mostrado maleável às mudanças de valores ao longo das décadas, segundo Ismail Xavier, as polarizações morais, cujo conteúdo atualmente já não importa mais, foram mantidas como definidoras dos termos do jogo. O autor afirma que “o gênero, por tradição, abriga e ao mesmo tempo simplifica as questões em pauta na sociedade, trabalhando a experiência dos injustiçados em termos de uma diatribe moral dirigida aos homens de má vontade”16. Terminadas essas considerações, podemos partir para o exame do filme propriamente dito, para identificar as convenções do melodrama utilizadas e compreender a forma como foram aplicadas. Buscando retratar a intensidade e radicalismo de Olga, temos a construção de um personagem de olhar severo, expressão facial endurecida, de uma rigidez quase militar, cuja obstinação pela Revolução não lhe deixa em nenhum momento. Suas convicções são inquebrantáveis, suas falas são duras, articuladas num tom de exagero, que ganha contornos de artificialidade. Em Olga não basta a contextualização do personagem para que se compreenda sua atuação, o radicalismo das idéias extravasa na expressão facial, no modo de falar; recurso típico do melodrama, que tem na expressão corporal, seja através da fisionomia ou do gesto, a expressão direta dos sentimentos. Recorre a uma 13 OROZ, Silvia. Melodrama: o cinema de lágrimas da América Latina. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Funarte, 1999. p. 23. 14 ARNOLD HAUSSER, 1964 apud OROZ, 1999, p. 23 15 MEYER, Marlyse. Folhetim: uma história. São Paulo: Companhia das Letras, 2005. p. 416. 16 XAVIER, op. cit., p. 93. 10 expressividade que estampa tudo que se quer ver na superfície, gerando reconhecimentos imediatos de valores, através das aparências. Nesse sentido, o personagem de Getúlio Vargas (Osmar Prado) logo se assemelha ao vilão: não se espanta com nada, mantém uma atitude sóbria, segura, irônica, como se fosse inabalável. Ao conversar com Filinto Müller (Floriano Peixoto) e com o Ministro da Guerra (Zé Carlos Machado), fuma o charuto de lado, nos remetendo a vilões mafiosos ou a vilões de histórias em quadrinho. Inclusive, vale ressaltar que no cinema clássico de Hollywood, principalmente na obra do cineasta norteamericano D. W. Griffith17, identifica-se o vilão pelo vício, seja o dos cigarros ou o da bebida. O presidente Vargas é o grande vilão do filme que permite que os outros vilões se manifestem, como o chefe de polícia Filinto Müller, o qual é posto como um homem estritamente recalcado que confunde trabalho com rancores pessoais – gerando uma conotação de abuso de poder –, além de ser sádico e provocativo. Quando vem à cela de seu inimigo Prestes (Caco Ciocler), vemos sua boca com um cigarro aceso nos lábios (novamente, o destaque para o fumo) no pequeno retângulo da porta da cela. Antes de iniciar sua tortura emocional falando da deportação de Olga, ironicamente lhe oferece cigarros. Müller, assim como o alemão Herr Fischer (Oscar Simch), policial torturador da Gestapo, usa bigodes, que apesar de ser comum à época, é uma característica de virilidade, usual de vilões no melodrama18. Este último personagem, inclusive, cumpre com outra característica do gênero, que é a do acaso. É apresentado a nós no episódio do navio, como um amigo do capitão; conversa com o casal cordialmente, embora demonstrando forte antissemitismo. Mais adiante, nas sequências das torturas no Brasil, descobrimos que era na verdade um policial da Gestapo. Podemos ainda citar o exemplo do personagem de D. Leocádia Prestes. Tanto na obra homônima de Morais, quanto na literatura historiográfica, é frequente a descrição da mãe de Prestes, como uma senhora que era ao mesmo tempo forte (“senhora de seu destino”), mas também doce e terna. Para representá-la, Jayme Monjardim escolhe Fernanda Montenegro, atriz respeitada que no imaginário nacional carrega esta mesma aura, pela interpretação de personagens sólidos, pela imagem que construiu ao longo de 17 D. W. Griffith (1875-1948) foi um cineasta norteamericano, que resgatou o melodrama do teatro do século XIX, atualizando-o a partir de procedimentos específicos do cinema, os quais foram articulados e mobilizados de maneira pioneira pelo diretor. Foi considerado o “pai da gramática cinematográfica”. Seus filmes privilegiavam o moralismo puritano, cultivando fortemente o ideal da família burguesa. Mais informações podem ser encontradas em: XAVIER, Ismail. D. W. Griffith: o nascimento de um cinema. São Paulo, Brasiliense, 1984. 18 XAVIER, op. cit., p. 94 11 sua carreira19. Ou seja, o caráter do personagem a ser interpretado já se anuncia pela própria escolha da atriz, o que fica patente na descrição que se faz de Montenegro no press-book do filme: “Forte ativa, serena. As qualidades de Fernanda Montenegro parecem se aplicar também a sua personagem no filme Olga, de Jayme Monjardim.”20. Como se vê, há uma simplificação formal do mundo em Olga (2004), típica do gênero. Os personagens podem ser julgados certeiramente por suas aparências, há uma divisão clara e didática entre o Bem e o Mal. Para simplificar o contexto histórico, há uma despolitização geral dos personagens, assim, apresenta-se um processo histórico movido por motivações de ordem pessoal. No qual se reduz o contexto político a questões concernentes à subjetividade – o melodrama conforma a História ao drama individual. Por exemplo, nos letreiros finais do filme, quando se noticia o que aconteceu com os personagens, sobre o líder da insurreição de 1935, afirma-se “Prestes foi um dos primeiros presos libertados pela anistia em 1945, e só então recebeu a notícia de que sua Olga estava morta”. A informação, presente no livro de Morais, de que o Cavaleiro da Esperança (como Prestes ficou conhecido após a Coluna Prestes) saiu da prisão demonstrando apoio público a Getúlio Vargas, em virtude de o presidente ter reatado relações diplomáticas com a União Soviética, é completamente omitida. Não poderia ser admitida, pois quebraria a relação maniqueísta imposta pelo melodrama, que constrói a idéia de Vargas como o mau, o estadista ditador, autoritário, cruel, sedento pelo poder, em oposição a Prestes como o bom, herói, sensível e, sobretudo, apaixonado. O caso do personagem de Filinto Müller também é um tanto elucidativo. Tanto na obra do jornalista quanto na historiografia é consenso que Müller de fato fora expulso da Coluna Prestes por acusação de roubo; no entanto, a produção cinematográfica leva o ressentimento do chefe de polícia ao extremo, ignorando todas as outras razões conjunturais de sua atuação, tornando Filinto Müller em um vilão puramente sádico e passional. Ao contrário do que mostra o filme, no livro de Morais, Müller jamais vai à cela de Prestes ou mesmo presencia as torturas; naquele momento preocupava-se em coligir provas do assassinato de Elza para aumentar o tempo de prisão de Prestes, o líder comunista. Portanto, a despolitização torna o momento histórico bastante didático, simplificando-o de maneira que os dramas individuais ocupem lugar central, com o fim de comover o espectador. Nas palavras do diretor: 19 Fernanda Montenegro estreou em 1950 na peça “Alegres Canções nas Montanhas” de Fernando Torres. Mais informações no site oficial da atriz: http://www2.uol.com.br/fernandamontenegro/ 20 Entrevista Fernanda Montenegro (dona Leocádia Prestes). Press-book de Olga. p. 16. 12 “(...) Consegui fazer exatamente da forma que queria desde o início, um filme de fácil entendimento e de emoções simples, que toca qualquer tipo de pessoa”21. Quanto ao apelo direto aos sentidos do melodrama, em Olga predominam os enquadramentos de primeiro plano e o close-up. Este último é o movimento de direção à intimidade, capaz de revelar as intenções ocultas, por meio “do pequeno gesto fora dos alcances dos interlocutores, do movimento facial que trai um sentimento”22. O rosto isolado na tela, chama a atenção para a importância dos olhos, as “janelas da alma”, intensificando o envolvimento emocional do espectador. O que se esclarece na observação de Monjardim “eu queria fazer uma câmera classuda, mas que fizesse com que o público vivesse aquela história, junto com os personagens (...)”23. Nesta obra fílmica, os olhos têm papel central, de acordo com o diretor “A linguagem de OLGA é a linguagem do close, da câmera que foca o olhar e adentra os olhos para desvendar a alma”24. Como exemplo, podemos citar a alternância de primeiros planos dos rostos de Olga e Prestes em seu primeiro encontro; ele visivelmente fascinado por ela, a qual reage tentando manter a compostura, num misto de encanto e constrangimento, na sequência em que são apresentados por Dimitri Manuilski (Paschoal da Conceição) – na mesma sequência há outra convenção do melodrama, a do amor à primeira vista. Os close-ups deste filme são empregados também para ressaltar a todo momento os olhos azuis de Camila Morgado – acentuando uma das características físicas mais famosas de Olga Benário – em contraposição com a fotografia quase sem cor e maquiagem quase sempre neutra. Além dos close-ups nos rostos, há alguns outros significantes como aquele das mãos suplicantes de Olga pelo envolvimento de seu bebê logo após o parto na prisão de Barnimstrasse, que traduzem seu estado de espírito. Esse tipo de close-up dialoga com Griffith, famoso pela sua construção metonímica das mãos ansiosas no tribunal em Intolerância (1916). Como reforço ao apelo aos sentidos, temos a fotografia e a trilha sonora. A fotografia de Ricardo Della Rosa, que é composta praticamente só de cores frias, quase monocromática (bastante contrastada), tenta retratar, como define Monjardim, “a cor de uma época sem cor”25. A opção por essas cores contribui para a sensação de tristeza, 21 Reportagem, cinema nacional: Nos campos de concentração. Produção Profissional, n. 33, p. 42, set. de 2004. 22 XAVIER, op. cit., p. 40. 23 MONJARDIM, Jayme. Olga, muitas paixões numa vida só. Globo Filmes, 2004. Making-of (DVD). 24 MONJARDIM, Jayme. Olga. São Paulo: Globo, 2004. 25 MONJARDIM, Jayme. Olga, muitas paixões numa vida só. Globo Filmes, 2004. Making-of (DVD). 13 bem como de apreensão, objetivo que fica evidente nas palavras de Della Rosa, “(...) optamos por fazer um Rio de Janeiro na sombra, com muita chuva, muita fumaça, para manter a tensão da história”26. O uso da trilha sonora é um recurso típico do melodrama, cumpre papel essencial ao reforçar a expressão das emoções. Segundo Ismail Xavier, este reforço tem função de afetar o espectador, “ganhá-lo” para que ele entre num regime de credulidade maior diante do inverossímil. O espetáculo ‘enche os olhos’ e ganha a sua cumplicidade, legitimando um estado de fé consentida na “voz muda do coração” e na plena espontaneidade do gesto embora este seja produto de convenções teatrais27. A trilha sonora de Olga foi toda composta pelo maestro Marcus Viana28, cuja inspiração baseou-se nas cartas escritas por Olga. Construiu uma trilha clássica, instrumentada no estilo dos anos 30, composta essencialmente por instrumentos de cordas, destacando-se os violinos e violoncelos. O maestro afirma que “A trilha teria que ser melancólica, mas deveria ter também o arroubo daquela alma heróica e, ao mesmo tempo, ser extremamente terna, essa ternura que as cartas mostram”29. Em alguns momentos, aos instrumentos de corda se acrescentaram vozes corais. A trilha sonora caracteriza-se por uma tristeza sublime, reforçando o texto, numa redundância musical típica do gênero. O sentimentalismo melodramático tem neste filme grande expressão. Seu início se dá justamente no campo de concentração, com a protagonista com os cabelos raspados, abatida, com ferimentos no rosto, situação que já anuncia seu fim (bem como o final do filme), tornando o desenrolar do longa-metragem, em flashback, em uma contagem regressiva torturante, fazendo com que o espectador aprecie os momentos de atuação da militante comunista de maneira intensa, preparando-se para a despedida. Dessa forma, o romance entre o casal Prestes tem sua intensidade potencializada, sobretudo devido ao apelo emocional de que no momento em que provavelmente formariam uma família (já que Olga estava grávida), são separados e a partir de então Olga caminha para a morte. A tônica do filme, portanto, é o sofrimento e o amor 26 A fotografia – Ricardo Della Rosa. Press-book de Olga. p. 23 (grifos nossos). XAVIER, op. cit., p. 94. 28 Marcus Viana é filho de Sebastião Viana, que foi assessor de Villa-Lobos. Conhecido por suas composições para trilhas sonoras de telenovelas como O Clone, Pantanal, A casa das sete mulheres, acompanha Jayme Monjardim em seus trabalhos. Compôs para o cinema pela primeira vez em Olga (2004). 29 “A trilha sonora (Marcus Viana)”, press-book de Olga, p. 24. 27 14 perdido, nas palavras de Monjardim “As histórias do coração são as grandes protagonistas de OLGA”30. A narrativa do filme em flashback levanta outro fator importante do melodrama que é o tempo ou a nostalgia. Segundo Pablo Pérez Rubio, o próprio transcurso do tempo é capaz de engendrar tristeza, mas a memória é, neste sentido, o processo mental que ativa a dor, esse sofrimento provocado pela impossibilidade de esquecer, e converte a muitos personagens em seres ancorados ao passado (...)31. A escolha de Rita Buzzar em começar o filme pelo último dia de vida da protagonista, imersa em suas lembranças do passado, é sintomática nesse sentido. E o uso abundante do flashback é comum ao gênero, conforme Rubio, funcionam como “memórias do passado, as elipses abruptas que colocam em destaque o sedimento que o tempo deixa no sujeito”32. Um dos símbolos icônicos mais frequentes relacionados ao tempo no melodrama é o da janela que, ainda de acordo com o autor, é “um marco imóvel que permite a visão de um mundo em transformação, como sintoma de uma ausência na dupla dicotomia interior/exterior e presente/passado”33. A primeira sequência do filme condensa todos esses elementos. Inicia-se com uma imagem do céu negro, de onde cai uma neve fina, a câmera vai descendo, ouvimos crianças cantando a canção infantil “Davi, rei de Israel” em hebreu, vemos a ponta dos galhos das árvores e Olga, por volta dos 12 anos, olhando para o céu. Tem início a música tema do filme, tocada por violinos agudos. Através de uma janela quadriculada vemos Olga diante de uma fogueira em plano geral, ao lado de crianças brincando de roda e na profundidade de campo um edifício antigo, e um carro estacionado, a frente do qual está seu pai (Luis Mello), junto a outros adultos. A câmera se aproxima, Olga olha para o pai que lhe chama pelo nome, como se advertisse, então ela responde que se cair não vai chorar, pulando a fogueira em seguida. 30 MONJARDIM, Jayme. Olga. São Paulo: Globo, 2004. “El propio transcurso del tiempo es capaz de engendrar tristeza, pero la memoria es, en este sentido, el proceso mental que activa el dolor, ese sufrimiento provocado por la imposibilidad de olvidar, y convierte a muchos personajes en seres anclados en el pasado (...)”. (RUBIO, Pablo Pérez. El melodrama y lo melodramático: modelos de cine popular. In: El Cine Melodramático. Barcelona, Paidós, 2004, p. 46.). Tradução nossa. 32 “remembranzas del pasado, las elipsis abruptas que ponen de relieve el poso que deja el tiempo en el sujeto” (RUBIO, op. cit., p. 51). Tradução nossa. 33 “un marco inmóvil que permite la visión de un mundo en transformación, como síntoma de una ausencia en la doble dicotomía interior/exterior y presente/pasado”. (RUBIO, op. cit., p. 51). Tradução nossa. 31 15 Pela mesma janela quadriculada, observamos do ponto de vista oposto, Olga com os cabelos raspados, dentro do barracão do campo de concentração, observando a neve, tendo aquela lembrança da infância. Temos um plano de conjunto da fachada do campo de concentração, por onde entra um furgão, e as legendas indicam “Campo de Concentração de Ravensbrück, Alemanha – 1942”. Há uma alternância de planos de Olga, em seu último de vida pensando em over, com imagens de presas saindo do furgão na área externa. Dentro do barracão, termina de escrever sua última carta à família. Ao olhar para trás, vê uma das presas bordando maçãs em um pano. Dá um breve sorriso, e o bordado de maçãs nos leva ao flashback do episódio do assalto à prisão de Moabit. Esta sequência de abertura é capaz de localizar o espectador no tempo, bem como de levar-lhe a compreensão de que terá acesso justamente às memórias dos momentos de que Olga sente falta, potencializando sua relação sentimental com a narrativa. O gênero melodramático produz histórias ricas em fatos e obstáculos, que induzem aos sentimentos de piedade ou tristeza34 e, conforme Aristóteles, é por meio desses sentimentos que se propõe a catarse, o instante de perplexidade no espectador que possibilita a projeção ou identificação35. Olga (2004) é um filme recheado de fatos e obstáculos, a militante comunista passa por inúmeros desafios, vai da Alemanha a Moscou, de lá viaja clandestinamente ao Brasil para escoltar Prestes, aposta na Revolução de 1935, após a derrota é perseguida, presa, separada de seu amor. Na prisão descobre que está grávida, entra com processo judicial para permanecer no país e, não tendo sucesso, é deportada. Tem a criança na prisão, depois de um ano lhe tiram a filha, fica um tempo longo sem saber o que houve, e assim por diante. O longa-metragem já se inicia com a sugestão da piedade e da tristeza, entretanto, do primeiro flashback até a prisão no Brasil – quando começa perder suas crenças revolucionárias – mantém seu discurso e convicção comunista, não provocando ainda tanta identificação com o espectador dos anos 2000 (o qual vivencia uma democracia capitalista, em um tempo desprovido de utopias). À medida que se delineiam os meandros da trágica história de amor, que Olga passa a questionar a Revolução, a focar-se no desejo de sobrevivência e de constituição de família com Prestes, que as sequências passam a ser inundadas em lágrimas, o espectador passa a se identificar mais intensamente com aquele drama individual de sentimentos universais. O 34 35 OROZ, op. cit., p. 39. ARISTÓTELES, 1988, apud OROZ, 1999, p. 39. 16 encerramento do filme se dispõe a levar seu público aos prantos junto aos personagens, diante de tanta dor e dignidade da protagonista. O que se confere nos depoimentos deixados a Monjardim em seu website, como o de um internauta de Canoas (RS): “(...) Eu que normalmente, não choro em filmes no cinema (pois me controlo ao máximo), não consegui resistir às cenas emocionantes deste filme tão bem dirigido. Adorei e ao mesmo tempo odiei (odiei tudo o que aconteceu com essa gente). Ao término do filme não ligaram as luzes do cinema, o que achei ótimo pois estava chorando e não conseguia parar com tamanha emoção. Fui direto ao toillete lavar o rosto e para meu consolo 90% das mulheres estavam chorando e nos corredores do cinema muitos homens tentavam disfarçar a emoção e outros secavam as lágrimas. (...)”. Vale ressaltar, que no melodrama “há uma colocação moral das lágrimas”36, estas limpam os erros, purificam, redimem os personagens. Logo, a partir do momento em que Olga passa a se livrar dos princípios revolucionários, aproximando-se do ideal da família burguesa, tudo isso através de muito sofrimento, busca o perdão do espectador, que passa agora a se identificar mais francamente, deixando-se envolver sem ressalvas. Quanto ao exagero e o excesso típicos do gênero, estão presentes em diversos momentos do filme. Uma das sequências mais exemplares é a da retirada da filha de Olga de seus braços pelas guardas nazistas, na qual a personagem é golpeada e derrubada por um guarda, se arrastando em seguida em direção às grades de sua cela, aos prantos e berros (quebrando toda a rigidez mantida até então). Com o rosto em close-up por entre as grades, deitada ao chão, alternado com o contracampo da criança olhando para trás chorando, constrói-se uma verdadeira catarse emocional. O exagero fica evidente também na sequência em que Olga anuncia aos jornalistas a sua gravidez: entra no saguão do local onde ocorrerá seu interrogatório, com os braços segurados por dois seguranças. Ao deparar-se com os jornalistas, se solta dos homens de maneira brusca, após vários flashes fala alto, de modo exaltado, praticamente gritando: “Preciso que todos saibam: eu estou grávida! Grávida de Luiz Carlos Prestes [mais flashes]! Preciso de um advogado e de um médico. Sou esposa de um brasileiro e quero ter o meu bebê aqui no Brasil!”, ao longo da fala desenvolve-se um campo/contracampo entre seu rosto em primeiro plano e os fotógrafos em plano americano. Tira então um bilhete bruscamente de dentro de seu vestido, “Esse bilhete é para meu marido! [Se exalta ainda 36 OROZ, op. cit., p. 13. 17 mais] É meu direito que ele saiba da minha gravidez!”, gesticula empunhando o papel, então com os olhos marejados prossegue “Peço que entreguem para ele!”. Anda em direção a Estevan (Murilo Rosa), lhe entrega o bilhete, este faz sinal com a cabeça, logo os guardas lhe pegam pelos braços novamente e a conduzem. Em Olga, as convenções do gênero são levadas ao extremo, são utilizadas de maneira exageradas. A forma de filmar é similar a de telenovelas, os primeiros planos e close-ups são empregados durante todo o filme, com uma frequência que torna a experiência claustrofóbica. A constância com que se recorre à trilha sonora também se excede, tornando qualquer expressão de amor ou romantismo em algo enfadonho e lamuriante. Unindo os grandes close-ups às sequências de emoção catárticas, embaladas pelos violinos que buscam gerar tensão ou melancolia, provoca o efeito de “anabolizantes” – usando o termo de Sérgio Rizzo37 – aos recursos típicos do melodrama, banalizando-os, de modo que esse exagero do exagero coloca em risco a própria tensão melodramática, além de estampar os sentimentos em questão com um tom bastante piegas. Silvia Oroz afirma que o melodrama foi estruturado sobre quatro mitos da cultura judaico-cristã: o amor, a paixão, o incesto e a mulher38. Aponta que todo mito é uma fábula em si mesmo, o qual expressa as regras de conduta de um grupo social. Sua origem é obscura e não possui autoria, sendo uma expressão anônima de realidades coletivas. Em Olga constam os dois primeiros e o último dos mitos citados. O amor seria o meio de alcance do perdão divino e o produtor de uma purificação celestial na Terra, o que lhe permite ser admitido como um valor universal. Assim, esse sentimento é colocado pela cultura judaico-cristã de modo a dar sentido à mediocridade da vida do cidadão comum, fazendo com que se sinta herói em alguma medida. Oroz destaca que o melodrama trabalha com dois tipos de amor, o amor homemmulher e o amor/sacrifício. Na obra fílmica em questão temos este último tipo, que está intimamente ligado à renúncia, motivada pela causa altruísta da Revolução. A militante comunista renuncia à sua família de condição abastada, deixa um mundo de fartura e pouco trabalho, para viver mais humildemente, correndo toda a sorte de perigos, lutando ao lado dos pobres pela causa comunista. Essa renúncia fica evidente na sequência em que deixa a casa dos pais. Chega a sua casa, machucada pelo confronto de uma 37 38 RIZZO, Sérgio. Injustiça reconstituída. Acesso: RG(H) - História Viva, v. 1, n. 10, p. 11, ago. 2004. OROZ, op.cit., p. 60. 18 manifestação de rua, os cômodos são amplos, seu pai (Luis Mello) veste-se de terno e gravata, há uma lareira em seu escritório, passa então pelo quarto de sua mãe (Eliane Giardini), que se arruma em frente à penteadeira, onde há jóias e perfumes, entre outros elementos cênicos que indicam abastança. Em contraposição a todo esse registro cenográfico, Olga comunica aos pais sobre sua partida. O mito da paixão estaria relacionado ao sofrimento na sociedade ocidental, a qual só lhe aceita desde que resulte em infelicidade e separação, visto que toda paixão estaria vinculada ao pecado, por estar automaticamente associada ao desejo sexual. Segundo a autora, “desde a tragédia grega, todo herói que se preze morre depois de haver amado”39, simbolizando assim a vitória de Tanatos sobre Eros, ou do “princípio do rendimento” sobre o “princípio do prazer”. No filme há influência desta visão pecaminosa do desejo, que fica clara no trecho do diálogo da sequência em que Olga avisa Prestes que pediu permissão para retornar a Moscou: Prestes: Olga… Ninguém tem culpa de nada. Eu preciso de você. Olga: Deixe eu ir embora. Eu tento, mas eu não consigo... Não consigo lidar com essa alegria, com essa dor... Eu mal me reconheço quando estou com você. Como se percebe, o turbilhão de emoções desta paixão lhe faz sentir que perde o controle, que sai de seu estado normal. O destino trágico da protagonista cumpre com o mito da paixão do melodrama. Já o mito da mulher se expressaria pelo binômio inferioridade/periculosidade, que rege os seis protótipos femininos básicos do melodrama: a mãe, a irmã, a namorada, a esposa, a má e/ou prostituta e a amada40. Os quatro primeiros estariam associados à inferioridade, o quinto à periculosidade e o último se vincularia ao binômio interligado. Em Olga (2004) há três papéis femininos centrais: Olga, Sabo e Elza. A primeira identifica-se com o protótipo da amada, une fragilidade e periculosidade, simbolizando a realização do amor cortesão e romântico sem contradições, com promessas de felicidade eterna. Sua fragilidade reside no fato de não ter passado e pertencer à esfera do privado, enquanto sua periculosidade está na instigação da paixão romântica. Sabo assume o protótipo da irmã, que é uma continuação da mãe; quando esta se ausenta, assume seu papel, já que será a sacrificada da relação. Por fim, Elza encarna a má e/ou prostituta, simboliza a mulher fora do espaço privado, por isso perigosa. Não precisa ser prostituta, todavia relaciona-se à prostituição ao passo que é 39 40 Ibid, p. 70. Ibid, p. 75. 19 considerada uma “mulher livre”, por não ter marido, ou caso tenha, não respeitar sua autoridade. Em Olga (2004), Elza (Sabrina Greve) é mulher do secretário-geral do Partido Comunista Brasileiro, o Miranda (Ranieri Gonzales). Seu desrespeito pelo marido fica patente quando é presa pela polícia e diz tudo o que sabe nos interrogatórios sem muita hesitação, acrescentando ainda que seu marido podia confirmar as informações. Vale reforçar que o melodrama cinematográfico, enquanto expressão da cultura de massas, busca sempre contemplar os valores morais do público. Estes variam conforme o contexto histórico, provocando a necessidade de reformular seu conteúdo conforme as demandas do mercado, buscando as fórmulas comprovadas e aceitas. Assim, Olga é um filme de 2004, época em que a mulher já goza de liberdades profissionais, possui independência e ultrapassa o ambiente privado, ainda que haja fortes resquícios dos valores patriarcais da cultura judaico-cristã. Logo, o filme possui uma estrutura melodramática que dialoga com o melodrama clássico, no entanto, já sob um ponto de vista dos valores do público dos anos 2000. Portanto, embora o filme conte a história de uma mulher do início do século XX, sua exposição gera bastante aceitação ao espectador de 2004, acostumado a presenciar o ganho de espaço das mulheres na sociedade, o que abre campo para estabelecer mais um motivo de identificação e admiração – Olga Benário como uma mulher a frente de seu tempo. Antes de passarmos ao exame das questões que a obra fílmica propõe, se faz necessário esclarecer melhor a estética adotada por Jayme Monjardim. A representação Naturalista, característica do melodrama cinematográfico, se define, segundo André Bazin em Evolução da linguagem cinematográfica (1991), pela “constituição da montagem invisível, (...) na qual todos os cortes e as justaposições dos planos objetivam reproduzir certa lógica espaço-temporal capaz de tornar imperceptível a 41 descontinuidade elementar do cinema” . A utilização da decupagem clássica do cinema Naturalista produz ilusionismo, buscando identificação com o espectador; os gêneros narrativos são convencionais, o ritmo homogêneo e a fluência da narrativa é rápida42. Conforme Ismail Xavier, em O discurso cinematográfico: a opacidade e a transparência (2008), “tudo neste cinema caminha em direção ao controle total da 41 BAZIN, André. Evolução da linguagem cinematográfica. In: O Cinema – ensaios. São Paulo: Editora Brasiliense, 1991. p. 68 42 NAPOLITANO, Marcos. Como usar cinema em sala de aula. 1. ed. São Paulo: Contexto, 2003. v. 1. p. 75. 20 realidade criada pelas imagens (...). Em todos os níveis, a palavra de ordem é ‘parecer verdadeiro’; montar um sistema de representação que procura anular a sua presença como trabalho de representação”43. Em filmes de tema histórico, este tipo de cinema, segundo Xavier, funciona como instrumento retórico. O rigor da reconstrução até mesmo nos detalhes simboliza uma atitude de “respeito à verdade” que tende a ser creditada para o filme todo44. Ou seja, estende-se a credibilidade, adquirida pela fidelidade da reconstrução cênica, à versão do diretor/roteirista daquela história – versão esta que se solidifica em memória sobre o período ou fato histórico representado. Vale ressaltar que a retórica Naturalista serve de forma eficaz ao melodrama convencional na medida em que faz parecer que suas fatalidades e maniqueísmos são uma autêntica “imitação da vida”45. Desse modo, a “confusão” entre memória e história em filmes de representação Naturalista se torna frequente ao espectador. O filme com tema histórico de representação Naturalista, através de sua própria linguagem cinematográfica, induz o espectador a acreditar que o que vê refletido na tela não é a memória do diretor sobre aquele determinado período histórico, mas a própria História, “como realmente aconteceu”. O que, inclusive, é possível observar na maioria dos comentários enviados pelo público ao site de Jayme Monjardim, como nestes que selecionamos: “(...) Estão todos de parabéns, pelo excelente filme que nos colocaram a (sic) disposição para enriquecer nosso conhecimento sobre a história que muitos de nós ainda não conhecíamos sobre o nosso Brasil (...)”. (Edilice – Braço do Norte, SC). Grifos nossos. “Amei o filme e agora estou lendo o livro e pude perceber como a história foi contada com tanta fidelidade dos fatos. (...)” (Daniela – São Paulo, SP). Grifos nossos. “Um dos melhores documentário (sic) que eu já vi, um filme belissimo (sic), de uma realidade quase inacreditável.” (Demilene – São Paulo, SP). Grifos nossos. “Finalmente o Brasil está começando a conhecer sua História e o Cinema será uma das grandes ferramentas para este aprendizado.” (Anderson– Ponta Grossa, PR). Grifos nossos. 43 XAVIER, Ismail. O discurso cinematográfico: a opacidade e a transparência. 4ª edição. São Paulo: Paz e Terra, 2008. p. 41. 44 Ibid, p. 42. 45 Idem. 21 Essa constatação nos leva a refletir sobre quais seriam os elementos fílmicos responsáveis por essa leitura documentarizante46. Segundo Roger Odin, em Film documentaire, lecture documentarisante (1984), todo filme pode ser lido como documentário, inclusive os de ficção, já que a leitura documentarizante se dá no nível espectatorial, ou seja, depende da credibilidade dada pelo espectador ao enunciador. Consoante as noções de Odin, podemos afirmar que Olga se enquadraria na mescla enunciativa – enunciação documentarizante articulada à enunciação ficcionalizante – na qual o espectador não alimenta expectativas de assistir aos personagens históricos verdadeiros, mas sim aos atores edificando uma construção ficcional da representação de tais personagens. Ao mesmo tempo, o espectador espera estar diante da verdadeira história desses personagens “num processo de construção de um enunciador real documentarizante da história”47. Isso não significa que o filme de fato apresente a verdadeira história dos personagens, mas que o espectador dirija seu olhar sob esse viés – o que fica claro nos comentários do público, citados anteriormente. De acordo com Odin, o grau de interrogação variaria conforme o público: historiadores, por exemplo, mobilizariam julgamentos de maneira mais imediata do que o público em geral, que conta normalmente somente com vagas memórias escolares. Aos elementos fílmicos que induzem o espectador à referida leitura documentarizante, o autor nomeia de instruções documentarizantes48. Essas noções de Roger Odin nos auxiliarão a pensar sobre quais seriam as instruções documentarizantes presentes em Olga e de que modo colaboram para a afirmação das memórias sobre a vida da militante comunista e da Revolução de 1935 veiculadas pela obra fílmica. Ressaltamos ainda que no caso dessa produção cinematográfica, a credibilidade dada pelo espectador ao enunciador se fundamenta nos recursos da própria estética Naturalista, ou seja, no esforço técnico de reconstrução histórica verificado na reprodução de cenários (demarcando os lugares onde os episódios ocorreram), objetos, 46 Leitura documentarizante é aquela que o espectador mobiliza para questionar se é verdade ou mentira o que se coloca diante dele. 47 FERNANDES, Fernando Seliprandy Fernandes. Ficção e documentário, memória e história: representações da luta armada nos filmes “O que é isso companheiro?” e “Hércules 56”. Relatório de qualificação de mestrado sob a orientação de Marcos Napolitano, Agosto de 2010. p. 63. 48 Instruções que, diante dos questionamentos de verdade ou mentira, levam o espectador a crer que a versão da obra fílmica revela a própria história do período abordado. 22 figurino, enfim, em todos esses elementos que demonstram visualmente o “respeito à verdade”, referido acima por Ismail Xavier. E é exatamente esse esforço de reconstrução histórica o que leva o espectador a pressupor a pesquisa em arquivos da parte do enunciador. Em Olga, não se coloca em cena nenhum documento original, os passaportes, fotografias, entre outros, são todos documentos que imitam os originais, com as fotos dos próprios atores. Contudo, é perceptível o empenho em reproduzir os originais na medida em que se imitam os cabeçalhos e molduras dos passaportes, as cartas são apresentadas escritas em alemão, os jornais de Dona Leocádia, em francês, e assim por diante, o que acaba por reforçar a pressuposição da pesquisa de arquivo. Tais elementos se bastam enquanto produtores de credibilidade, tanto ao espectador que entra em contato com a história da militante comunista pela primeira vez através do filme, quanto ao espectador conhecedor da obra de Fernando Morais que será remetido aos documentos originais apresentados pelo jornalista em seu livro. Identificaremos as referidas instruções ao longo de nossas análises, a fim de complementar o estudo sobre as memórias construídas por Rita Buzzar e Jayme Monjardim sobre os personagens e eventos históricos representados no filme. Olga: da paixão revolucionária à luta pela sobrevivência. Olga Benário é o grande mártir do filme e seu principal personagem. A narração da obra fílmica se faz enredada em suas ações e fluxo de consciência, motivo pelo qual neste primeiro momento faremos uma análise minuciosa das questões ligadas à jovem alemã que a produção cinematográfica brasileira nos propõe, deixando para a última parte do relatório os pontos que desenvolvem diálogos com a literatura historiográfica. A militante comunista passa por três fases distintas: a militância política na Alemanha, a escolta de Luiz Carlos Prestes e a vivência nas prisões. Embora mantenha sempre algumas características gerais, como o olhar severo, a postura endurecida, uma atitude defensiva, obstinada, de muita força, coragem, altivez e paixão, em cada fase há uma mudança de comportamento, que se traduz em seu olhar, em suas falas e atitudes. Na primeira fase, temos Olga aos 15 anos (flashback da adolescência, quando deixa a casa dos pais) e aos 20. É a fase mais radical de sua militância, apesar da condição abastada, veste-se de maneira simples, usa quase sempre as mesmas roupas – indicando sua atitude de renúncia –, a maquiagem é neutra, somente as bochechas rosadas, que juntamente com os cabelos compridos e trançados, caracterizam a 23 adolescência e a juventude. A fisionomia é constantemente sisuda, expressando sua convicção exacerbada nas crenças políticas, a forma de se portar é enrijecida, quase militar e, sobretudo, destemida. Mesmo nas situações de risco, como no assalto à prisão de Moabit, não se altera. Suas falas são duras, secas, diretas, insensíveis, como se tivesse sofrido uma lavagem cerebral das idéias comunistas e não conseguisse enxergar mais nada além de seus objetivos revolucionários. Pelas aparências se caracteriza o radicalismo das idéias, que de tão intenso beira à artificialidade. Nesta fase se inicia a construção de uma oposição entre amor e engajamento político, que perdurará durante todo o longa-metragem. Aparece pela primeira vez na sequência em que Olga e Otto Braun (Guilherme Weber) estão dentro do trem, a caminho de Moscou, em uma cabine privada. À frente há a janela, os personagens conversam sentados de perfil para nós e de frente um para o outro, separados por uma mesa estreita. É noite, chove lá fora, o casal está disfarçado e Otto segura o passaporte do casal aberto, evidenciando as identidades falsas – surge a primeira instrução documentarizante, que fornece a informação dos disfarces, que será confirmada na fala de Olga. Reprodução do passaporte falso de Olga e Otto. 24 Fonte: MONJARDIM, Jayme. Olga. São Paulo: Globo, 2004 (livro de fotografias). Ao constatar que estão em território soviético, a jovem tira o chapéu do disfarce e comenta o alívio em não precisar mais se vestir como sua mãe. À mesa há um pequeno abajur e um jogo de chá, a mesa chacoalha com o balanço do trem, ouvimos apenas a chuva e o barulho do veículo nos trilhos. Otto lamenta não ter conhecido a família da namorada, diz que sentiu saudades suas enquanto esteve preso, ao falar, pega em suas mãos. Ao ato de carinho, Olga artificialmente impassível dá uma resposta seca “Filhos, família... Não é para nós Otto”, o namorado diz “Você sabe que pode lutar ao meu lado”, ela finaliza a conversa afirmando “Eu luto ao lado da Revolução. Não de um homem”. Amor e atuação política são apresentados então como irreconciliáveis. A fala de Olga, ao mesmo tempo em que anuncia as convicções que lhe farão entrar em conflito ao se apaixonar por Prestes, prepara a futura mudança do roteiro, que lhe fará contrariar essas afirmações. A jovem então olha pela janela e tem um flashback de uma manifestação de rua que participou, as legendas notificam: Munique, 1924. Na transição de uma sequência para a outra já ouvimos as palavras de ordem em alemão dos manifestantes, introduzindo as próximas imagens. Durante o ato, a militante comunista localiza-se na dianteira dos manifestantes, ocupando posição central, enfatizando sua posição de força e liderança. Logo ouvimos a chegada dos oficiais nazistas marchando, vindo de encontro aos comunistas, enquanto a rua que estava cheia se esvazia. Há um confronto e a câmera se envolve na ação, fazendo planos fechados na protagonista. Esses planos tem função de enfatizar a valentia de Olga, mas também de cobrir a falta de volume 25 dramático na representação do conflito, por não dispor de cenários históricos grandiosos ou de número suficiente de figurantes. Adiante, nos é apresentada a casa burguesa da família Benário. Olga entra em casa com o rosto machucado, há um silêncio total, a porta principal é ampla, de madeira e vazada, nos penduradores próximo à entrada há um cachecol de pele. De um largo corredor vemos a protagonista vir da sala, onde há um grande vitral decorado com pinturas, e móveis luxuosos na sala. À medida que vai entrando ouvimos uma conversa que vem da biblioteca de seu pai49 (Luis Mello). Olga observa a situação da porta: ao lado da lareira acesa, seu pai está sentado à mesa, rodeado de papéis e livros. Vemos um segundo ambiente ao fundo deste primeiro, sugerindo uma biblioteca de grandes dimensões. Em plano de conjunto, seu pai atende a um casal de senhores e a uma mulher com uma criança de colo. Leo se prepara para lhes dar dinheiro quando percebe a presença da filha, que se retira. Temos então um primeiro plano da caixa de enfeites de pérola de Eugénie Benário50 (Eliane Giardini), ao som de uma ópera, a câmera corre o aparador, passando por um lenço, uma fotografia preto e branco de Eugénie (da atriz imitando o personagem histórico), algumas jóias espalhadas, a vitrola, um jogo de chá sobre uma pequena mesa; o movimento vai ascendendo até que somos apresentados a mãe de Olga pelo espelho da penteadeira, a qual está forrada de frascos de perfumes, e colares de pérola pendurados. Arruma-se no espelho, quando a filha pára na porta do quarto; ao perceber, interrompe o que fazia e se volta para a porta, Olga se retira. Como se percebe, a caracterização dos pais de Olga como burgueses é bastante clichê: o pai trabalhando na biblioteca, a mãe se arrumando no quarto, como se fizesse isso o dia todo. A jovem entra em seu quarto. À frente vemos a cama de perfil, um criado-mudo com o retrato da família, ao fundo sua escrivaninha, ao lado e atrás da qual há estantes de livros. Nas paredes há cartazes soviéticos dos anos 20, o primeiro a aparecer é um de 1924, com o rosto de Lênin e os dizeres em russo “Lênin é o saber. O Leninismo é uma arma.”, o segundo está colado em um armário (é um cartaz com dizeres em russo, não 49 O personagem de Leo Benário é um advogado social-democrata que nos tempos de crise advogava gratuitamente para as pessoas que não podiam lhe pagar, dando-lhes dinheiro quando necessário, de acordo do o livro de Fernando Morais. 50 Eugénie Benário é apresentada como uma mulher frívola, burguesa, seduzida pelos nazistas. 26 encontramos maiores informações), e o terceiro é um cartaz de propaganda que diz “Moscou, o coração da Revolução Mundial”. Em ordem (primeiro e terceiro): 4 – Fonte: http://wwwusers.rdc.pucrio.br/ednacunhalima/2004_1_2/graf _russa/index.htm 6 – Fonte: http://www.sovietposters.com Ao entrar, pega o retrato da família e o abaixa. Seus pais entram no quarto lhe dando broncas, Olga explica o motivo dos machucados; quando o pai lhe pergunta se não pensa nas consequências de seus atos, responde atestando sua renúncia “Não quero mais importunar ninguém com as consequências do que eu faço... nem com o meu desleixo. Eu vou embora.”. A mãe lhe pergunta para onde, ela afirma enfaticamente “Vou trabalhar em Berlim. Pagar o que como, o que visto... Viver sob o meu teto.”, seu tom é tão altivo que soa como uma adolescente querendo fazer desfeita, sonhando em viver conforme suas próprias leis. Viver sobre o próprio teto, pagar suas próprias contas significa acima de tudo se emancipar financeiramente e consequentemente não dever 27 mais satisfações aos pais. Mãe e filha prosseguem discutindo, até que Eugénie diz ao marido que a culpa é dele, por pretender ser o grande advogado das mazelas do mundo. Leo Benário espera a esposa se retirar, pega uma bacia com água, molha um pano e vem limpar os machucados da filha, desenvolvendo o seguinte diálogo (que se dá com uma alternância de primeiros planos): Leo: Abandonar a família e ir morar num bairro miserável de Berlim com pessoas que você pouco conhece. Essa é a vida que você quer ter, filha? Olga: Esses operários que vêm pedir a tua ajuda. Cresci vendo a miséria me visitando todos os dias em casa. Eu não consegui ficar imune a isso. [Leo pega um panfleto de um montante que estava no móvel ao pé da cama e mostra à Olga] Leo: Essa maneira de falar, esse teu radicalismo... Os rebeldes raramente dão bons revolucionários. Olga: E o senhor? Afinal, de que lado está? Com uma mão distribui esmolas e com a outra defende o governo e os ricos! Leo: Frases feitas não vão mudar o mundo. Nem matar a fome de ninguém! A revolução, a ruptura só traz mais sofrimento... A política infelizmente é a arte do possível. Olga: Então, o que propões é isso? Dar mais esmolas? Sentir compaixão? De que lado você está? Leo: Do teu, filha. Do teu. Olga: Pai... Eu ainda não sei o que eu quero ser. Mas eu sei muito bem o que eu não quero. Esta conversa entre pai e filha deixa evidente a questão da imaturidade de Olga – como se a militância política radical comunista se ligasse exclusivamente à rebeldia adolescente – que o filme quer realçar. A fala social-democrata de seu pai (acrescentada pela roteirista), acompanhada da falta de contextualização política dos personagens, acaba por assumir o contraponto do posicionamento radical da filha, o da maturidade adulta. O desenrolar dos fatos na obra fílmica só virão a comprovar suas afirmações, reiterando a sua visão política “madura”. A última frase de Olga (também acrescentada por Rita Buzzar) é recheada de anacronismo, já que o personagem histórico vivia uma época em que se acreditava piamente que as utopias estavam a poucos passos de se consolidarem – a existência da União Soviética, “a grande pátria dos trabalhadores”, era uma constatação disso – contudo, a roteirista coloca uma frase característica da era da distopia, surgida após os totalitarismos bárbaros do século XX e a queda do Muro de Berlim, na qual, devido aos fracassos do passado, não se sabe mais no que acreditar, tendo-se somente certeza daquilo que não se deseja. Este anacronismo é feito para confirmar a idéia da militância política radical do personagem estar relacionada à imaturidade adolescente, que sem nem saber o que procura de fato, renuncia à sua 28 condição abastada, arriscando a vida alucinadamente, por simplesmente saber o que não quer – no caso, a forma burguesa de ser mulher de sua mãe e a miséria alheia. A idéia da paixão revolucionária alucinada destaca-se também pela atuação de Camila Morgado. Quando pergunta ao pai “De que lado você está?”, seus olhos se arregalam de uma maneira, como se lhe acossasse moralmente, fica tomada de uma raiva tão intensa que não parece estar conversando mais com seu próprio pai, sentimento que só se dilui quando ele afirma que está do seu lado. Ainda sobre a questão da imaturidade de Olga, vale destacar esta mesma passagem da briga com o pai, no argumento original de Rita Buzzar. Neste, após a discussão, a moça, aos 15 anos, afirma que “já era adulta e que iria para Berlim”51. Sua argumentação simplista reforça justamente o oposto, a idéia de sua ingenuidade adolescente. É possível destacar outra passagem, que não entrou para o roteiro oficial, que também levanta a questão da imaturidade da jovem alemã: “Após um longo passeio pelas montanhas, onde Otto lhe contou que o partido havia aprovado a ida dela para Berlim, os dois pararam para repousar em uma cabana coberta de neve. Olga nunca se sentiu tão feliz. Respondeu que partiria quando o partido ordenasse. Os dois se beijaram e Olga teve sua primeira noite com um homem. Porém, depois que Otto adormeceu, chorou solitária. Tinha receio que ele pensasse que ela era uma burguesinha assustada.”. (BUZZAR, 1995, p. 20), grifos nossos. As passagens do argumento original reafirmam a constatação de que o filme busca construir a associação direta entre a militância fervorosa de Olga à sua imaturidade adolescente, o que, acabará por pesar nas conclusões do filme mais adiante. Na sequência de despedida, ao som de violinos, pai e filha colocam-se de perfil para nós e de frente um para o outro, em plano americano. Na profundidade de campo há uma chuva intensa, que vemos pela porta aberta da casa. Leo Benário pede que tome cuidado; a filha pega em suas mãos, encosta o rosto em sua testa com expressão de ternura, afasta-se lentamente, retirando-se em seguida. Desce as escadas do casarão sob a forte chuva, enquanto seu pai lhe assiste partir. Tendo a chuva como transição, vemos então o rosto de Olga na janela do trem novamente, retornando do flashback, enquanto Otto dorme. As legendas noticiam “Moscou, 1928”. Essa associação da chuva, utilizada como elemento de transição, às lágrimas contidas do pai e à tristeza da filha, ao relembrar a despedida, é um lugar-comum no que 51 BUZZAR, Rita. Não olhe nos olhos do inimigo: Olga Benário e Anne Frank. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995. p. 20. 29 toca à expressão da melancolia no melodrama. Segundo Pablo Rubio, “as lágrimas associadas à chuva, sobretudo se esta pinga sobre o vidro da janela, representam a mais viscosa das performances iconográficas da melancolia”52. Nas sequências em Moscou predominam as cores frias e são quase todas feitas em ambientes com o pé direito altíssimo, ocupados por pouco ou nenhum móvel, procurando trazer a idéia da diminuição do indivíduo frente à coletividade e ao poder do Estado53. Quando Olga discursa sobre o assalto à prisão de Moabit, o faz para uma platéia repleta e homogênea, praticamente todos usam boinas e roupas escuras, sugerindo a idéia da redução da individualidade do homem no regime socialista. Terminado seu discurso, Otto, que lhe assistia desde o início, sobe ao palco e lhe diz: “Belas palavras! Entre um discurso e um salto de pára-quedas vai te restar mesmo pouco tempo para ser mulher...”. Desce do palco e se põe a interagir com outra mulher, temos então um primeiro plano do olhar enciumado de Olga. A construção do personagem de Otto Braun como este homem que embora seja militante comunista, possui valores burgueses e machistas, que cobra de Olga uma postura de mulher, que reclama de não ter conhecido sua família, e tem papel secundário em relação à namorada, é algo exclusivo do filme. Na obra de Fernando Morais, Braun é um professor, agente secreto soviético experiente, o qual orienta as leituras da jovem, além de indicar os teóricos indispensáveis a sua formação comunista. É o primeiro amor de Olga, com quem morou e teve um relacionamento de oito anos. No livro, o relacionamento amoroso termina também pela falta de tempo de Olga, todavia, a ausência de contextualização política do personagem, e a sua apresentação como este homem lamuriante, reduz seu peso histórico para lhe encaixar no maniqueísmo melodramático – Olga só poderia saber o que era o amor de fato ao relacionar-se com Prestes, Braun seria apenas um relacionamento passageiro, alguém que lhe atrapalhava com seu romantismo burguês (a forma fria como trata Otto faz com que a famosa frase sobre o assalto a prisão de Moabit que profere na sequência do auditório perca o sentido: “Eu gostaria que soubessem... que ali eu cumpri duas tarefas: uma do partido... e a outra do meu coração”). 52 “Las lágrimas asociadas a la lluvia, sobre todo si ésta gotea sobre el cristal de la ventana, representan la más viscosa de las escenificaciones iconográficas de la melancolía” (...)”. (RUBIO, Pablo Pérez. El melodrama y lo melodramático: modelos de cine popular. In: El Cine Melodramático. Barcelona, Paidós, 2004, pp. 95-96.). Tradução nossa. 53 Nas palavras de Monjardim: “As cenas passadas na Rússia, com grandes espaços, contrasta as pessoas, busca traduzir o sentido de opressão: o homem pequeno diante da coletividade”. MONJARDIM, Jayme. Olga. São Paulo: Globo, 2004. 30 Na mesma sequência nos é apresentado o personagem Sabo. Interrompe o olhar enciumado de Olga, vem lhe cumprimentar e se apresentar (o diálogo, criado pela roteirista, ocorre por meio de uma alternância de primeiros planos): Sabo: Disciplina, eficiência, dedicação total. Você será a nossa revolucionária perfeita. Olga: Você tem alguma objeção a fazer? Sabo: Eu?! Nunca! Meu nome é Elise Ewert. Sabo, para os amigos. [Estende a mão, cumprimentam-se] Olga: Na Alemanha ouvi falar muito de você e do teu marido, o ex-deputado Arthur Ewert. A revolta na China, as atividades nos Estados Unidos. E também as divergências que ele teve com o Partido. Sabo: Nenhuma loucura maior do que pretender corrigir o mundo. Olga: Mas o mundo não precisa ser corrigido? Sabo: Fazer de conta que o sonho é possível não é uma tarefa fácil, Olga. Só espero que você tenha sucesso. Pelo menos mais sucesso que a grande maioria. Durante a conversa, Sabo mantém um ar altivo, seguro. Quando a nova amiga fala sobre as atividades de seu esposo Arthur, lhe dá um olhar de esguelha, em um misto de arrogância e defesa. Esta mesma fala é bastante forçada, busca informar brevemente o histórico do casal de militantes alemães, todavia, de tão didática, soa como uma aula de telecurso de História. O conteúdo deste diálogo ecoará pelo resto do filme, sobretudo nos questionamentos que Olga fará da viabilidade da Revolução nos momentos de sofrimento. A última frase de Sabo é um tanto anacrônica, visto que se coloca uma militante comunista de longa experiência, cujo currículo Olga apresenta em sua fala, reduzindo o comunismo à categoria de “sonho”, e este, por sua vez, à de utopia, já que Olga teria que “fazer de conta” que era possível. O desfecho trágico do personagem de Sabo mostrará a função deste anacronismo, que se dará no sentido de afirmar a ordem capitalista de valores individualistas em detrimento dos ideais comunistas, como veremos mais adiante. A militante comunista participa de treinamento militar, e certo dia, no refeitório do local de treinamento ouve alguns colegas comentarem sobre as façanhas da Coluna Prestes. Não aguenta de curiosidade e pergunta ao camarada se tem certeza do que está falando. Inicia-se um som suave de violinos em volume baixo, que anunciam sua fisionomia de admiração, ao ter as informações confirmadas. Maravilhada com o que ouviu, seus olhos parecem enxergar longe, como se imaginasse as tropas heróicas comandadas pelo Cavaleiro da Esperança. Este olhar anuncia a paixão por Prestes como destino, recurso típico do melodrama. 31 Adiante, a jovem alemã vai ao prédio do Comintern, atendendo ao chamado do chefe da Internacional Comunista (IC), Dimitri Mauilski (Paschoal da Conceição). Seu gabinete é um salão amplo, do lado esquerdo há uma fileira de colunas cor de marfim (assim como a fachada do edifício) com candelabros, e praticamente não há móveis no recinto; na profundidade de campo há uma faixa vertical vermelha com o símbolo da foice e do martelo em amarelo, vemos Manuilski em pé, entre os bustos de Lênin à esquerda e Stalin à direita, atrás de sua escrivaninha, e Olga em pé, de costas para nós. No primeiro plano da conversa são enquadrados em plano de conjunto (ao longo do diálogo, há uma alternância de planos americanos). A jovem pergunta “Uma revolução na América Latina, camarada Manuilski?!” ao que ele responde “Em breve o mundo todo será comunista, camarada Olga. Tenho certeza [Olga lhe observa em com olhar de admiração e subserviência], o mundo todo... com exceção talvez da Suíça”, nesta última frase vemos Manuilski em plano americano, ao lado do busto de Lênin, que prossegue “Em algum lugar a gente tem que descansar do comunismo... não é mesmo?”, faz a afirmação e dá uma risada cínica. A moça fica constrangida, olha para o lado como se não compactuasse dessa visão, entretanto, disfarça seus pensamentos – apontando o temor que sente diante desta autoridade, logo o tom autoritário da organização. Quando Manuilski diz a jovem ficar feliz por ela ter aceitado a missão, lhe responde “É meu dever aceitar”, de repente, caricaturalmente, o chefe da Internacional muda para um tom autoritário e afirma “Você irá ao Brasil. E vai cuidar da segurança pessoal do capitão Luiz Carlos Prestes”. Olga sorri timidamente, põe-se a olhar de lado, como se imaginasse o Cavaleiro da Esperança. Nesta sequência em que Manuilski aparece, percebemos a diferença de tratamento que o personagem recebe no livro de Fernando Morais, no qual o secretário do Comintern, embora disperso, não tenha essa característica autoritária estereotipada. Explica a missão a Olga e lhe dá um dia para pensar se aceita ou não. A maneira como o filme lhe apresenta, dialoga bastante com a visão de William Waack, em Camaradas (1993), que lhe retrata como um homem cínico, autoritário, inescrupuloso, de baixo porte teórico – as duas primeiras características ficam bastante claras na sequência descrita. Rita Buzzar se apropria de um trecho da obra de Waack para escrever a fala do personagem: Seu espírito de humor podia ser considerado perigoso em certas ocasiões. Durante uma concorrida reunião em Moscou, no começo dos anos 30, alguém da platéia perguntou-lhe se acreditava mesmo que o mundo inteiro seria em 32 breve comunista. Manuilski respondeu que sim, com uma exceção: a Suíça. Diante da surpresa geral, soltou a explicação: “Em algum lugar a gente tem de poder descansar do comunismo”54. A atuação de Olga no filme também difere do livro. Embora tenha aceitado de bom grado a missão, ficou decepcionada com o pedido, já que gostaria de ser enviada para Berlin, para dirigir a luta dos jovens comunistas contra o nazismo de Hitler, agora no poder (MORAIS, 1985, p. 49). Na obra fílmica parece não ter vontades políticas próprias, estando sempre à disposição do que for ordenado pela autoritária IC, como um soldado condicionado a obedecer sem jamais questionar. Terminada a conversa, Manuilski leva Olga ao encontro de Prestes. Ao se aproximarem de Prestes o enquadramento é bastante fechado no busto dos personagens, sem que o cenário seja focado. O secretário do Comintern lhes apresenta um ao outro, e trocam algumas palavras, Manuilski revela o disfarce que terão de utilizar e prossegue falando. O som de sua voz vai abaixando, ao passo que vai aumentando um som romântico e melancólico de violinos agudos, acompanhando a alternância de primeiros planos dos rostos de Olga e Prestes, ele com olhar terno e apaixonado, ela num misto de encanto e constrangimento. Na obra de Morais, quando Olga conhece Prestes se decepciona um pouco, pois baseada no que ouvira sobre o homem, havia lhe imaginado um gigante latino. Emocionou-se ao cumprimentá-lo, contudo achou-o um pouco franzino para quem comandara a famosa Coluna. Este contraponto enfatiza a construção maniqueísta do melodrama, na qual não há possibilidade de relativizar os sentimentos; para que seja intenso, o amor deve acontecer à primeira vista, e se constituir numa crescente ao longo da estória. Após conhecer Prestes, se inicia a segunda fase de Olga, que é momento no qual entra para a vida adulta, mantém seus ideais revolucionários, contudo entra em contato com a paixão por Prestes, o que progressivamente desestabiliza sua consciência, na medida em que lhe leva ao conflito interno entre seus sentimentos pessoais e o modelo de conduta militante em que acredita. Expressando a passagem para a vida adulta, abandona os longos cabelos trançados por um corte na altura do ombro (já na sequência do Comintern), e apesar de manter o mesmo comportamento rígido e severo, adquire maior delicadeza e certa fragilidade – principalmente pela confusão emocional que passará a sentir. 54 WAACK, William. Camaradas: nos arquivos de Moscou: a história secreta da revolução brasileira de 1935. São Paulo: Companhia das Letras, 1993. p. 52 (Grifo nosso). 33 Desde o primeiro encontro, por já sentir-se atraída pelo brasileiro, Olga sente-se incomodada com a sua presença, procurando reafirmar suas convicções. Após Prestes despedir-se de sua família, encontra a jovem, que já lhe esperava no carro. O Cavaleiro da Esperança comenta a dificuldade das despedidas, ao que a moça responde “Por isso prefiro não ter ninguém para me despedir, ou esperando por mim”, pergunta então de sua família, ao que a jovem retruca com frieza “Há muito tempo não os vejo. Prefiro assim. Sentimentos e fraquezas não combinam com nenhuma missão”. Ele a observa com espanto e admiração, ao som de um coral lírico. Surge novamente a oposição entre amor e política como se fossem irreconciliáveis. As colocações de Olga são tão práticas que ganham contornos de infantilidade. Tanto o amor quanto a paixão amorosa são apresentados pelo filme como sentimentos inadministráveis pelo sujeito que se pretende engajado politicamente, como geradores de descontrole – característico do mito da paixão referido anteriormente. As sequências do transatlântico funcionam como uma pausa de tranquilidade entre as tensões anteriores e os acontecimentos que estão por vir e, por esse motivo, predominam as cores quentes, apesar de se apresentarem em tom pastel, para não destoar tanto da idéia de “usar as cores de uma época sem cor”, da unidade de cores do restante da obra fílmica. Durante todo o episódio temos instalações luxuosas, as pessoas usam trajes de gala, há lustres requintados, flores, frutas e bebidas espalhadas pelo quarto do casal. Uma tomada panorâmica do transatlântico acompanhada do fox trote When I get Old55 introduz a sequência do baile, o qual ocorre dentro de um grande salão, onde há diversas mesas ocupadas, uma cantora com alguns músicos, e casais dançando. A iluminação é feita por luzes de velas e candelabros. Constrói-se toda uma atmosfera de glamour típica do film-noir dos anos 50 – a cantora, inclusive, se assemelha visualmente ao perfil de mulher fatal peculiar ao film-noir, usa um vestido de seda, cor de pérola, com luvas compridas, brincos de brilhantes e batom vermelho – que se espalha em toda a cenografia, maquiagem e figurinos do episódio do transatlântico. O casal dança junto, tentando fingir naturalidade. Ao final da primeira música, um dos músicos – o próprio Marcus Viana – começa a tocar no violino uma melodia similar à música-tema do filme; Olga está desconfortável, olha para os lados, sabendo que está sendo observada, logo 55 Música composta pelo pai de Marcus Viana, Sebastião Viana, transformada em fox trote para a trilha sonora deste filme. 34 vemos o capitão e Herr Fisher os observando. Continuam a dançar, mesmo que um pouco desconjuntados com a maior lentidão dessa última música. Próximo à meia-noite de Ano Novo, o casal vai para a parte externa do navio. A cenografia procura imitar de maneira tão real o navio, que se torna algo artificial – os elementos cenográficos tentam exageradamente convencer que os personagens estão em um cruzeiro. Prestes, com delicadeza e encanto, diz à Olga que é muito parecida com a sua mãe, Dona Leocádia. O exagero da aparência endurecida da jovem fica evidente neste diálogo: enquanto ele a compara com a sua mãe, como se fosse um elogio, ela pergunta “E os meus defeitos? São parecidos com os de Dona Leocádia?”, ao que responde “Teus nervos parecem de aço. E, às vezes, você pode ser um pouco...”, antes de terminar Olga interfere de forma seca “Dura. Meu trabalho exige.” Este excesso é tão artificial, que longe de parecer uma questão de engajamento radical, faz parecer mais uma grosseria gratuita. Além do que, é contraditório um militante dizer ao outro que é “duro, porque o seu trabalho exige”, afinal trabalham pela mesma causa, assim, essa observação soa um tanto altiva. Entretanto, de alguma maneira, essa sua atitude reforça a idéia da militância como algo que demanda um comportamento austero e inflexível. Explodem os fogos de artifício de Ano Novo, os quais são perceptivelmente efeitos gráficos, ao som de melodia romântica feita por violinos, cumprimentam-se e entreolham-se longamente até que são interrompidos por Herr Fisher (Oscar Simch), que lhes traz champanhe por encomenda do capitão, incentivando que o casal se beije em comemoração. Beijam-se pela primeira vez. Antes de dormir, lêem juntos versos de Vladimir Maiakovski. Com essa proximidade, Olga fica acuada e o constrangimento aumenta, até que Prestes confessa que a beijou porque quis, deixando-lhe lisonjeada. No dia seguinte, sentam-se à mesa para conversar com Herr Fisher e o capitão (Odilon Wagner), o qual diz à moça que espera que a longa viagem não a tenha cansado demais, faz uma brincadeira sobre espiões abordo, tentando fazer uma piada, enquanto o casal sorri discretamente. Ela responde que o mar lhe reconforta, não lhe cansa. Herr Fisher supõe que goste do mar porque são portugueses; em seguida pede desculpas pela indelicadeza, a câmera se fecha em seu rosto (aumentando a tensão, levantando a dúvida: será que serão descobertos?) e então pergunta, em um tom falsamente despretensioso, “A senhora é judia?”, alternam-se os primeiros planos de Olga em silêncio e Herr Fisher aguardando a resposta, aumentando a expectativa, até que a jovem responde “O que o senhor acha?”, ele então complementa, levantando as 35 sobrancelhas “Não, claro que não. Graças a Deus!”. Prestes lhe pergunta se defende o nazi-fascismo, obtendo a afirmativa: – Como qualquer alemão de verdade. Foram os banqueiros judeus que acabaram com a Alemanha. Eles e o Tratado de Paz. A França e a Inglaterra só quiseram nos humilhar. Mas o fascismo vai nos proteger dos comunistas... e nós voltaremos a ser uma grande nação. O personagem Herr Fisher não existe na obra de Fernando Morais. Nesta, há uma situação semelhante: o capitão convida o casal para um jantar em sua cabine, entretanto, o homem havia morado em Lisboa e conhecia muito bem a cidade, o que levou Prestes a passar por apertos. Olga interferia na conversa, dando desculpas; que eram eficazes, já que o capitão estava muito mais interessado na beleza de Maria Vilar (MORAIS, 1985, p. 58). Rita Buzzar cria o personagem de Herr Fisher, no qual centraliza a tensão, acrescentando o fato de ser um partidário do nazismo. Este personagem parece cumprir algumas funções específicas na trama: é o protótipo do alemão nazista, é um dos vilões (como se fosse um exemplar de uma vilania maior, a do nazismo), traz em sua fala os motivos básicos que a História Oficial aponta para o desencadeamento do nazifascismo na Alemanha, além de cumprir com um dos lugarescomuns do melodrama, que é o do acaso; já que mais adiante descobriremos que é um policial da Gestapo, que também se encaminhava ao Brasil na mesma época, só que para lutar do lado oposto dos heróis. Sua fala parece ter fins didáticos, na qual se condensa a conjuntura histórica da Alemanha, visto que o filme se concentra muito mais nas questões subjetivas do que na conjuntura histórica. Terminada esta fala, há um primeiro plano de Olga que disfarça com um leve sorriso, mas mantém um olhar firme que destaca sua contrariedade e espanto, este enquadramento é feito para evidenciar a capacidade de autocontrole da militante comunista, de quem o espectador é cúmplice no disfarce. Temos então em plano médio, o alemão junto ao capitão, que é chamado na sala de comando, retirando-se em seguida. A câmera se aproxima novamente de Herr Fisher, que desconfiado observa o casal, ao som de violinos graves que expressam tensão. Após se retirar, o casal se pergunta se seria possível que estivessem desconfiados. Quando Prestes responde a Olga sobre o capitão, dizendo que parecia mais estar querendo parecer interessante para ela, irrita-se dizendo que o casal Vilar é uma ficção e deixa o salão. 36 Trovejadas introduzem a próxima sequência. Olga está deitada, fingi estar dormindo56 quando Prestes entra no quarto, encharcado pela chuva. Ele se desculpa pelo que disse antes, a jovem tenta desviar o assunto, mas o líder comunista persiste e revela que nunca teve tempo para estar com uma mulher, que devido à sua trajetória nunca houve ninguém em sua vida, até aquele momento. Completa dizendo “Você é linda. E eu nem sei... ”, ouvindo a resposta “Não precisa saber. Basta sentir o que eu estou sentindo.”, beijam-se e tem a primeira noite de amor. Nesta sequência é levada ao extremo a fragilização do personagem de Prestes. A figura histórica de enorme peso político na história do Brasil é colocada em sua primeira noite com uma mulher como um aprendiz, dizendo que não sabe o que fazer, sendo conduzido por Olga o tempo todo, a qual predomina durante toda a relação. A trilha sonora romântica de violinos aumenta, e os close-ups são os mais próximos possíveis. Rita Buzzar se apropria da história real do personagem do Cavaleiro da Esperança e a adapta em sua fala de modo a endossar a oposição que o filme constrói entre amor e engajamento político, ao afirmar: “Eu nunca tive tempo para essas coisas. Eu nunca quis ter tempo. Eu trabalhei, eu cuidei de minha mãe... das minhas irmãs. Depois veio a revolução, a política... o exílio.” Esta sequência é bastante escura, monocromática, há um forte jogo de luz e sombra, de forma que a pele dos personagens são as únicas cores salientes – essa iluminação dá um tom sacralizado àquela relação amorosa. Finalizada a primeira noite de amor, vemos Olga com os cabelos raspados e o rosto machucado em primeiro plano, no campo de concentração. Ao retornar desse flashback, lágrimas escorrem em seu rosto – efeito que enfatiza a valorização da contagem regressiva da união do casal. Ao chegarem ao Brasil, tem início a construção da relação da militante comunista com o país, criada no sentido de produzir maior identificação do espectador brasileiro com a protagonista. Já na primeira sequência em território nacional, o casal sobrevoa o litoral de hidroavião. Olga segura um mapa do mundo, no qual Prestes aponta todos os lugares por onde passaram até chegar ao Brasil – tem início um som suave e lento de violinos. Relata que espera que, como eles, os “outros companheiros enviados de Moscou” tenham conseguido chegar sem pistas. Ao que ela responde: “São especialistas, como Arthur e Sabo Ewert. Pessoas experimentadas em outras missões. 56 Situação clichê no gênero do melodrama. 37 Com certeza chegaram em segurança.” – essa referências aos demais enviados antecipa a apresentação desses personagens, facilitando a compreensão de suas funções. Enquanto conversa, Olga fica mexendo em sua aliança, chamando atenção para a transformação do disfarce em realidade, agora haviam se tornado de fato marido e mulher. Prestes chama atenção da esposa para olhar seu país, Olga então se debruça na janela, a trilha sonora aumenta dando a impressão de grandiosidade (essa música, inclusive, se chama “Chegada ao Brasil”), há uma tomada panorâmica do mar verdeclaro indo em direção às matas costeiras, vemos o rosto de Olga na janela sorrindo, retornando à outra panorâmica da praia. O marido pega em sua mão (há um primeiro plano das mãos, destacando novamente a aliança) e pergunta se ela seria feliz no Brasil, ouvindo “Parece o paraíso” (os olhos de Prestes brilham). O fato de a protagonista elogiar a beleza natural do país, junto às panorâmicas e a trilha sonora enaltecedora, mexe com o que comumente é um dos maiores orgulhos nacionais, favorecendo o processo de envolvimento e identificação do espectador com a militante comunista. As legendas mostram então: “Rio de Janeiro, 1935”. Na sequência da chegada ao Rio, Miranda e Bangu (Thelmo Fernandes) estão de costas para nós, próximos a um carro típico dos anos 30, de frente para um avião, por baixo do qual vêm Olga e Prestes de braços dados. A construção do cenário e do figurino dialoga diretamente com Casablanca (1942) de Michael Curtis, pela contraposição do carro antigo ao avião (embora utilize planos muito mais fechados), e pela forma como o casal se veste. Na última sequência de Casablanca, Ilsa Lund (Ingrid Bergman) está de blazer, por baixo usa uma camisa branca, cuja gola se sobrepõe à lapela da peça de cima, e um chapéu oblíquo de tonalidade escura. Parte de braços dados, do lado esquerdo do quadro, em direção ao avião com Victor Laszlo (Paul Henreid), que está de terno e gravata e um chapéu de tonalidade mais clara que o de Ilsa. Nesta sequência Olga também está do lado esquerdo, de blazer com uma camisa branca por baixo, com a gola sobreposta como a de Ilsa. Da mesma maneira, Prestes usa terno e gravata e um chapéu de cor mais clara que o da companheira. Olga (2004) 38 Casablanca (1942) Enquanto Miranda conversa com o casal, Bangu se posiciona atrás do secretáriogeral do PCB, não fala uma palavra, desempenhando um papel secundário, nos remetendo a imagem do “capanga”, aquele que não participa das decisões, mas sim da execução das ordens – essa forma de ver os comunistas como uma máfia, se inicia aqui e ficará mais evidente no episódio do assassinato de Elza Colônio. Miranda lhes fala sobre os disfarces dos enviados e acaba por se apresentar ao espectador quando diz “Como secretário-geral do Partido Comunista Brasileiro... eu lhes garanto uma coisa... engoliram nossa isca!”. Bangu leva a mala de Prestes, como um subordinado, e todos entram no carro. Após esta sequência, teremos o início das tramas paralelas, que se dividirão em dois núcleos que não se tocam: o dos comunistas e o do âmbito do governo e da polícia. Este segundo núcleo e as questões referentes ao debate historiográfico sobre os acontecimentos de Novembro de 1935 deixaremos para analisar no último capítulo. Por ora manteremos a análise do fluxo de consciência de Olga, bem como nas questões paralelas que surgirão ao longo do desenvolvimento de suas fases. Terminado o primeiro encontro entre os enviados de Moscou, Olga vai a praia nadar, onde encontra o marido. Entramos então na sequência da conversa entre as amigas Sabo e Olga, na casa do casal Ewert. A sala possui várias mesas sobre as quais há pilhas de material de propaganda política, pastas e alguns livros. O assoalho é velho, de madeira, os tapetes desgastados, a iluminação reduzida. Os enquadramentos são 39 fechados, predominando a alternância de close-ups durante o diálogo. Olga está sentada à mesa, seca o suor do rosto com um lenço, e comenta que nunca pensou que teria tempo para ir à praia. Sabo, em pé, coloca chá em um copo, leva para a amiga e senta-se à mesa em uma distância de noventa graus. Segue a conversa: Sabo: Olga... eu poderia morar aqui. Perto desse sol, desse mar. Eu e meu Ewert, viver os dias tranquilos, em paz. Olga: Dias tranquilos? Como se nada tivesse errado? E o nosso dever de mudar o mundo? Esse é o nosso sonho de felicidade. Sabo: Eu acredito na Revolução, Olga. Mas, às vezes, eu gostaria de pensar que vou envelhecer ao lado de Arthur, ter filhos. Eu não quero morrer com uma bala na cabeça. Por que você não pode ter uma vida inteira ao lado de quem você ama? Olga: Meu dever era proteger a vida dele. Com a minha, se fosse preciso. [O corte abre um plano médio com ambas de perfil, Sabo pega nas mãos da amiga. Um novo corte retorna à alternância de close-ups] Sabo: O sol desse país, esse calor... já aqueceu também teu coração, Olga. Olga: Os sentimentos... eles sempre escapam do nosso controle. Nesta sequência fica evidente a identificação de Sabo como o protótipo da irmã mais velha, pela maneira como trata Olga: serve chá, pega em suas mãos para conversar, lhe aconselha indiretamente. Este trecho inteiro foi acrescentado por Rita Buzzar, não estando presente na obra de Morais. A invenção da frase de Olga “Nunca pensei que teria tempo para ir à praia” entra na construção da oposição deleite pessoal57 versus engajamento político, já que no livro há, inclusive, fotos de Olga vestindo trajes de banho na Alemanha aos 17 anos – enfatizamos que o traje usado na sequência da praia, provavelmente foi inspirado nesta foto – bem como, nas imediações de Moscou em um balneário público. 57 A oposição entre amor e engajamento político é a mais evidente em todo o filme, contudo, o amor também seria uma forma de deleite pessoal, portanto, a oposição construída nesta sequência segue a mesma linha da primeira. 40 Traje usado no filme de banho na uma Alemanha Balneáriobuscava em Moscou TalTraje oposição já era idéia que a roteirista trazer desde o argumento original, no qual, quando Olga e Otto chegam a Moscou, este teve de ser “hospitalizado, pois a prisão na Alemanha o havia deixado doente”58, enquanto no livro do jornalista, quando chegam a União Soviética, são oferecidas três semanas de férias no mar Negro para aproveitarem o verão, devido a forte tensão que passaram na clandestinidade em Berlim (MORAIS, 1985, p. 39). As referências de Sabo ao calor e à natureza do Brasil parecem visar o enaltecimento do espectador brasileiro, ao mesmo tempo em que estabelecem uma relação de influência do clima na orientação das idéias do indivíduo. Assim, o radicalismo político, associado frequentemente pelo filme ao estado de espírito de frieza é vinculado ao clima frio rigoroso da Europa, enquanto o clima tropical do Brasil é associado ao aquecimento do coração, ou seja, permitiria um despertar para os sentimentos, consequentemente serviria de motivação para a flexibilização dos ideais políticos ou o seu abandono. Tais idéias utilizam raciocínio semelhante ao da teoria da “obnubilação brasílica” de Araripe Júnior, que parte do pressuposto de que o fator meio, pensado de acordo com uma geografia determinista das zonas climáticas, seria capaz de influenciar a psique do colonizador, gerando implicações em seu estilo, que culminariam na originalidade do estilo dos trópicos. Ou seja, “os raios do ardente e 58 BUZZAR, op. cit., p. 22. 41 vivificante sol dos trópicos”59 influiriam de modo decisivo no humor e no comportamento do indivíduo. Da mesma maneira, a correlação entre o comportamento dos personagens e o meio climático é um recurso típico do melodrama. De acordo com Pablo Rubio, É habitual que o meio em que desenvolvem os heróis melodramáticos, muitas vezes descrito em termos de oposição (campo/cidade, nômade/sedentário, deserto/jardim, fogo/água), determine sua configuração psicológica e justifique seus comportamentos. (...) Mas também a estação do ano em que se desenvolve a narrativa, os fenômenos atmosféricos (chuva, tempestade, sol ardente) que se interpõem no estado de animo do personagem ou a temperatura ambiental – especialmente um calor excessivo – adquirem matizes significantes que ultrapassam a mera localização temporal e geográfica (...).60 Ainda quanto à fala de Sabo, há uma grande contradição entre a apresentação de seu personagem, como experiente militante comunista, e a expressão do desejo súbito (influenciado pelo calor tropical) de viver dias tranquilos, constituir família junto ao marido. A construção desse diálogo cumpre o papel de endossar ainda mais a oposição entre sentimentos e engajamento político, ao passo que estes ganham, respectivamente, o significado de valores individualistas/pessoais e princípios coletivistas/comunistas. Como veremos adiante, o destino trágico deste personagem fará com que essa reação combativa de Olga aos desejos mencionados pela amiga exerça uma carga de culpa, gerando o desencanto final da protagonista com as crenças revolucionárias. A conversa aguça o conflito interno de Olga. A conduta da amiga faz com que comece a refletir sobre a sua própria, resultando no desencadeamento da próxima sequência na casa do casal Prestes. Se inicia com um travelling¸ em plano médio, de Prestes sentado à escrivaninha escrevendo uma carta, cujo conteúdo temos acesso pela sua voz em over; enquanto vemos Olga descer as escadas na profundidade de campo. O ambiente é escuro, possui a iluminação de alguns abajures; sobre a escrivaninha há livros, papéis, um abajur de leitura e uma cuia de erva-mate. O Cavaleiro da Esperança escreve “Considero que cada dia se torna mais próximo o momento da luta pelo poder, 59 ARARIPE JÚNIOR,1869 apud VOLPE, Mária Alice. A Teoria da Obnubilação Brasílica na História da Música Brasileira: Renato de Almeida e “A Sinfonia da Terra”. Música em Perspectiva, v.I, n.1, Março de 2008. p. 69. 60 “Es habitual que el médio en que se desenvuelven los héroes melodramáticos, muchas veces descrito en términos de oposición (campo/ciudad, nómada/sedentario, desierto/vergel, fuego/agua), determine su configuración psicológica y justifique sus comportamientos. (...) Pero también la estación del año en que se desarrolle el relato, los fenómenos atmosféricos (lluvia, tormenta, sol abrasador) que se interpongan en el estado de ánimo del personaje o la temperatura ambiental – especialmente un calor desorbitado – adquieren el rango de plenos significantes mucho más allá de la mera localización temporal y geográfica de otros ámbitos genéricos”. RUBIO, op. cit., p. 99. 42 entre aqueles que querem verdadeiramente mudar esse país e aqueles que querem perpetuar essa sociedade desigual e desumana”. O trecho é uma adaptação do excerto exposto por Morais da resposta de Prestes a Miguel Costa, o qual defendia a luta dentro da legalidade: “Quanto ao tempo de que dispomos para a preparação da luta pelo poder, segundo todas as informações que tenho de diversos pontos do país, é coisa que se torna cada dia mais próxima (...).” (MORAIS, 1985, p. 93. Grifos nossos.) Olga desce as escadas e, em pé, atrás do marido, diz que pediu a Ewert que consultasse Manuilski sobre seu retorno. Faz o comunicado com as mãos para trás e a cabeça baixa, como um soldado subserviente falando com um superior. Ouvimos violinos agudos em volume baixo tocando uma melodia melancólica. Levanta-se e se dirige à esposa; a discussão é feita em alternância de primeiros planos. Surpreso, questiona seus motivos, argumentando que poderia ser necessária na missão que estava por vir, até que ela interfere dizendo “E, além do mais, estamos confundindo trabalho com sentimentos pessoais”, mais adiante complementando: “A culpa foi minha”. Finaliza afirmando que poderia ser mais útil em outra missão. Enquanto observamos a moça subir para o quarto, Prestes fala em tom alterado “Eu espero que, desta vez, você seja capaz ao menos de se despedir”. Vem o corte, a trilha sonora aumenta, e assistimos Prestes levar à esposa uma cuia de erva-mate na cama, onde conversam, em alternância de primeiros planos: Prestes: Olga, ninguém tem culpa de nada. Eu preciso de você. Olga: Deixe eu ir embora. Eu tento, mas eu não consigo. Não consigo lidar com essa alegria, com essa dor. Eu mal me reconheço quando estou com você. [Coloca a mão no rosto da esposa] Prestes: Eu te amo. Olga: Eu não consigo lidar com isso. [Se abraçam] Prestes: Por você eu faço qualquer coisa. Até renuncio à felicidade em ter você ao meu lado. [Fica em pé na porta em plano médio] Vou avisar Ewert que estou de acordo com a tua decisão. E não nos queixemos mais... Eu não me arrependo de nada [há um grande close-up em Olga, angustiada]. A relação que Olga mantém com a Revolução é praticamente religiosa, o que fica claro ao falar em “culpa”, quando se refere ao relacionamento. A culpa é colocada no sentido de que o envolvimento amoroso seria um desvio no caminho da conquista dos objetivos revolucionários. Aqui se encontra o ápice da oposição entre amor/paixão e ativismo político. A paixão, enquanto mito da cultura judaico-cristã a ser condenado, 43 por estar relacionado ao pecado, ao desejo sexual, se revela claramente61. Para a militante comunista, tal sentimento é um motivo de descontrole, diz mal se reconhecer quando está na presença do amado. Quando afirma que não consegue lidar “com essa alegria, com essa dor”, se refere respectivamente ao amor e ao compromisso com um projeto político que estaria ameaçado por aquele sentimento. No livro de Morais, este pedido de retorno de Olga não existe, Rita Buzzar parece ter recorrido à obra Camaradas (1993) de William Waack, na qual afirma, Olga tornou-se, junto com Ewert, a principal referência para Prestes, que em toda a sua vida tendeu sempre a confiar em mulheres fortes. Evidências documentais sugerem que o início do trabalho de ambos não foi livre de sérios desentendimentos e talvez tenha sido prejudicado pela intenção de Olga de regressar o mais depressa possível à União Soviética. No único telegrama que enviou a Moscou em toda a sua permanência no Brasil, Olga pediu a Manuilski, em 22 de junho de 1935, para removê-la de volta. (WAACK, 1993, p. 182. Grifos nossos). Assim, a roteirista se apropria de um fato possivelmente gerado por questões políticas para adaptá-lo à construção da tese do filme de oposição entre amor e política, ao conflito pessoal da protagonista. A sequência seguinte parecer definir o tipo de militante que Olga seria, de acordo com a construção da obra fílmica. Na Câmara dos Deputados, observamos, por entre os presentes em um travelling, Otávio da Silveira62 em plano de conjunto, fazendo a leitura do manifesto assinado por Prestes, lido em público no dia 05/07/1935 – instrução documentarizante que busca seguir os trechos do documento histórico transcrito pelo jornalista em sua obra, embora acrescente ao final a frase de valores universais “pela justiça social e o fim da miséria”. No próximo plano temos um close-up da escrivaninha de Prestes, onde vemos um pequeno rádio (por meio do qual continuamos a ouvir o manifesto), papéis, canetas, uma organizadora de documentos repleta, uma lupa e sua mão esquerda com a aliança de casamento. A câmera se afasta, verificamos que os documentos na organizadora são os passaportes falsos que imitam os documentos históricos do casal Vilar – este documento, embora não esteja totalmente à mostra, imita o documento original presente no livro de Morais. 61 62 Como já abordamos no início do capítulo (pp.28-29). Não consta nas fichas técnicas oficiais nenhuma informação sobre este ator. 44 Instrução documentarizante: passaporte do casal Vilar Documento original. Fonte: MORAIS, Fernando. Olga. 17ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1984. 45 Vemos Prestes em plano médio respirando ansiosamente ao ouvir as palavras que escreveu; a fim de enfatizar sua exultação há um zoom. Destacamos que na obra de Fernando Morais, Olga ouve a leitura do manifesto pelo rádio junto ao marido, enquanto na obra fílmica, apesar de estar preocupada com suas missões políticas, está no quarto, angustiada com a sua situação amorosa. No livro de fotografias de Jayme Monjardim, há uma foto em que este quadro está recomposto, entretanto, com a presença da moça, evidenciando que houve uma escolha pela ausência do personagem na sequência. Versão do filme. Fonte: MONJARDIM, Jayme. Olga. São Paulo: Globo, 2004 (livro de fotografias). O que possivelmente pode ser interpretado como a associação de Olga somente ao que toca à ação, não à teoria ou à estratégia. Visão próxima à de Waack, que expõe o depoimento de Mishka Slavutska, que teria sido a pessoa mais próxima da alemã no período em que esteve em Moscou, a qual afirma que “Olga era sobretudo uma aventureira, contava com enorme entusiasmo como aprendera a pilotar aviões e o tempo que passara na Academia da Força Aérea. Não se interessava muito por leituras ou 46 discussões teóricas (...)”, ainda de acordo com Mishka “Seu negócio era muita ação e pouca política” (WAACK, 1993, p. 103). Vale ressaltar ainda, que o fato de Olga ficar no quarto no andar de cima, pensando em seus conflitos emocionais, enquanto Prestes permanece trabalhando no escritório no andar térreo, cumpre com mais uma convenção do melodrama. Consoante Pablo Rubio, Na representação melodramática, as escadas interiores da casa estabelecem a fronteira entre o público e o privado, e entre o feminino e o patriarcal. A parte superior pertence ao território da intimidade da mulher, ali onde ela pode abrigar seus sentimentos sem ameaças exteriores. (...) o personagem masculino tem reservado também seu lugar no andar térreo, no âmbito patriarcal da biblioteca-escritório (onde são diluídos os limites entre o privado e o público) (...).63 Deflagradas as insurreições do Nordeste, os comunistas deliberam a favor do levante no Rio de Janeiro. A sequência tem um enquadramento fechado, se inicia com um som acelerado de violinos estridentes e a legenda nos notifica: “3° Regimento de Infantaria. Praia Vermelha, Rio de Janeiro, 27 de Novembro de 1935”. Em plano médio, por baixo de um carro, vemos os coturnos dos militares correndo na rua. Assistimos a correria agora por cima de um carro típico dos anos 30, do ponto de vista da calçada para a rua, observando os soldados correndo de costas; alguns saem por trás da câmera. O movimento de câmera na mão se intensifica, de modo que passamos a acompanhar a correria paralelamente, por trás das grades de uma casa ou parque, como em uma reportagem de guerra. Os planos da correria se alternam com a imagem dos militares parados atirando, finalizando com um plano geral e outro de conjunto com a câmera parada, os quais mostram os soldados correndo em direção ao 3° Regimento de Infantaria. O local onde foi filmada esta ação é similar ao de uma das fotos mais conhecidas do levante de 1935 no Rio de Janeiro: 63 “En la representación melodramática, las escaleras interiores de la casa estabelecen la frontera entre lo público y lo privado, y entre lo femenino y lo patriarcal. La parte superior pertence al território de la intimidad de la mujer, allí donde ella puede cobijar sus sentimientos sin amenazas exteriores. (...) el personaje masculino tiene reservado también su lugar en la planta baja donde, en el ámbito patriarcal de la bilioteca-despacho (en la que se diluyen los límites entre lo privado y lo público)”. RUBIO, op. cit., p. 114. Tradução nossa. 47 Levante de 1935. Fonte: Vianna, Marly de Almeida Gomes. Expressão Popular, São Paulo, 2007. 1 2 3 4 Fonte: MONJARDIM, Jayme: Olga, 2004. Podemos perceber que há um esforço de reconstrução do documento histórico, o qual verificamos pelas semelhanças da rua arborizada, dos tipos de cerca das casas: na 48 foto, há do lado esquerdo uma cerca baixa e à direita, grades mais altas; no filme, vemos cercas baixas do outro lado da rua e grades (similares às primeiras) à frente, através das quais enxergamos. O esforço de reconstrução fica ainda mais evidente pelo ângulo em que é filmado (1 e 2). Assim como na foto, os militares correm de costas, os vemos partindo do nosso ponto de vista para a rua. Nas demais imagens (3 e 4) é possível notar o movimento dinâmico da câmera na mão, que acompanha paralelamente a correria, pela falta de nitidez do foco e diferença de altura das grades que se interpõem entre nós e a ação. Essa forma de filmar simula uma filmagem de reportagem, pois tem um movimento dinâmico, a imagem chacoalha, procura captar toda a movimentação, deixando perceptível a presença do cinegrafista na ação. A associação com a filmagem de reportagem também passa maior sensação de realidade ao espectador. Após a derrota do levante de 1935, iniciam-se as perseguições dos responsáveis pela insurreição. A casa dos Ewert é invadida, o enquadramento é fechado durante a confusão em que os policiais prendem o casal, bem como no momento de colocá-los no camburão, e o movimento é de câmera na mão. Há uma montagem paralela de Olga se dirigindo ao local; ao chegar próximo a casa dos amigos lhes assiste sendo presos e foge. Vemos no reflexo de um dos carros da polícia a imagem de Gruber ao lado de Estevam, indicando sua traição. Dentro do camburão, Ewert se exalta pedindo para falar com a embaixada americana, em plano médio, o policial sentado ao seu lado vira-se para nós, é Herr Fisher (completa-se o acaso do melodrama, comentado anteriormente), que prende o polegar de Arthur em um quebra-nozes e o esmigalha ao som dos gritos e expressão de desespero de Sabo. Ressaltamos que na obra de Morais o casal seguiu em camburões separados, além disso, quando o policial da Gestapo lhe apertou o dedo, apesar da dor, Ewert não emitiu som algum. Esta escolha tem como fim focar o início do sofrimento do personagem Sabo que se constituirá como uma vítima do comunismo. Constatada a prisão dos amigos, o casal Prestes se refugia em uma casa no Méier. O desenvolvimento da identificação do espectador, por meio da relação da protagonista com o Brasil é retomado neste período de total clandestinidade. No esconderijo, ao som de uma marchinha, Olga assiste encantada a um desfile de carnaval de rua pela janela, enquanto Prestes costura um vestido para a esposa, em montagem paralela – o vestido pode ser considerado uma instrução documentarizante, visto que procura imitar rigorosamente o vestido original da famosa foto da alemã sendo levada para depor. 49 Reprodução do vestido que Prestes costurou para Olga Olga se encaminhado para interrogatório (Fonte: MORAIS, Fernando. Olga. 17ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1984) A moça fica encantada com a festa, há uma alternância de planos dos foliões alegres com o close-up de seu rosto sorrindo emocionada, quando o som romântico de violinos passa a se sobrepor à marchinha. A letra da música de carnaval tem papel importante: “A lua cheia é dona da madrugada 50 iluminando colombinas e pierrôs veste a cidade com suas rendas prateadas pros foliões sambando bêbados de amor E as estrelas piscam como namoradas pra mil palhaços que hoje esquecem a sua dor. É carnaval, o mundo está em festa aqui não existe guerra, só alegria, a lua e a paz” (Letra e música: Marcus Viana, Coral Sonhos e Sons) A letra reforça a idéia do Brasil como um país sem guerra, pleno em paz e alegria, características que sempre são atribuídas ao país em momentos de frisson nacionalista, como por exemplo, em eventos esportivos mundiais. O que a letra da marchinha expressa, no argumento original de Rita Buzzar já estava previsto, quando afirma que Olga, quando teve a primeira visão do Brasil “Ela nunca imaginara tanta luz, tantas cores. E chegou a pensar que aqui pudesse se concretizar todos os seus ideais de uma sociedade perfeita, sem desigualdades e sofrimento: um paraíso”. (BUZZAR, op. cit., p. 23) A idéia do país como um paraíso nos remete a Visão do Paraíso de Sérgio Buarque de Hollanda. A descrição deste mesmo episódio do Carnaval descreve as sensações que, em parte, se buscou imputar à jovem na obra fílmica: “Olga se deslumbrava com o sol, as peles amorenadas, o ritmo do batuque. Encantava-se ao ver homens e mulheres negros, mulatos e brancos dançando juntos, sensuais e alegres, como nenhum europeu sequer imaginava permitirse”. (BUZZAR, op. cit., p. 24) A mistura étnica dos foliões segue a descrição previamente traçada no argumento original, cujo conteúdo nos remete à idéia da democracia racial de Gilberto Freyre, lugar-comum em ocasiões nas quais se pretende afirmar o nacionalismo brasileiro. Essa interação emocional entre a alemã e a festa de carnaval reforça novamente a identificação do espectador com a protagonista, por ser essa festa, juntamente com a natureza exuberante, mais um dos símbolos nacionais brasileiros. Embora Morais relate que no carnaval de 1936 tenha sido proibido o uso de fantasias ou confetes, devido ao estado de sítio, o filme retrata a festa com todos estes elementos, a fim de intensificar o envolvimento emocional do espectador. Pouco tempo depois, o casal Prestes é encontrado e levado preso. Com a prisão, a trama passa a se dividir em cinco núcleos: Ewert; Prestes; Olga; Dona Leocádia e 51 Lígia; e a polícia. Os quatro primeiros alheios uns aos outros e dependentes da atuação do último, capaz de trafegar pelos núcleos dos presos. Quando Olga conhece a experiência do cárcere, se inicia a terceira e última fase do personagem, que é quando passa a questionar a razoabilidade da Revolução. Chegando ao Centro de Detenção, Olga é encaminhada à cela das mulheres. Logo que entra, há um grande close-up em sua expressão de medo. Maria (Leona Cavali) se apresenta e lhe acalma, rapidamente encontra Carmen e Sabo. Esta última está deitada, com o rosto machucado, abatida – devido às sessões de tortura a que foi submetida durante os interrogatórios. Olga aproxima-se, encosta a cabeça na da amiga, há um primeiro plano das duas, no qual Sabo tem alucinações, diz sussurrando, com os olhos arregalados, que os choques elétricos vão começar, repetindo três vezes “eu, depois Ewert” – evidenciando a prática sistemática das torturas. Aqui tem início o processo de sacrifício gradual de Sabo, enquanto o protótipo de irmã mais velha do melodrama, aquela que será a sacrificada da relação. A militante comunista descobre estar grávida e pouco depois recebe o comunicado que passará por um interrogatório no dia seguinte. Chegada a ocasião, escoltada por quatro homens, entra no local do interrogatório, um edifício antigo, com pé direito alto, colunas grossas, chão ladrilhado, portas de ferro e sancas ornamentadas. Em plano médio, se solta bruscamente dos guardas, explodem flashes, vemos os fotógrafos em plano americano e no segundo pavimento as cabeças de Estevam e Filinto Müller. Em primeiro plano dá a notícia em voz alta de sua gravidez, em alternância com os fotógrafos em plano americano; avisa que precisar de um advogado e de um médico, afirmando que por ser esposa de um brasileiro, quer ter a criança no Brasil. De forma exacerbada, arranca um bilhete de seu vestido, dizendo que é para seu marido e, com os olhos marejados, pede que seja entregue a ele. Entrega a Estevam, o qual acena com a cabeça para os homens que lhe tomam pelo braço e a encaminham para o interrogatório. O exagero da interpretação é nítido, ficando ainda mais evidente quando contrastado com o livro de Morais, no qual expõe um trecho da notícia do Correio da Manhã sobre a conduta da moça nos interrogatórios: “Sorridente ante as perguntas da autoridade, Olga, no entanto, ficou um tanto perturbada com a presença dos fotógrafos. Nas suas declarações, sempre calma (...)” (MORAIS, 1985, p. 203). Com a gravidez, a militante comunista dissolve um pouco sua dureza e passa a ter momentos de fragilidade. A sequência em que chora copiosamente ao tomar banho, 52 tocando sua barriga é significativa nesse sentido. Mais adiante, em conversa com Maria (Leona Cavali) verificamos os motivos que lhe conduzem a esta mudança de comportamento. Enquadradas em plano de conjunto, no andar de baixo do beliche da prisão, recostadas nas grades, Olga e a amiga brasileira costuram roupinhas para o bebê sentadas, enquanto Sabo está deitada no colo da alemã. Ao conversar sobre a maternidade com Maria, diz que nunca havia se imaginado como mãe, nem como esposa, complementando “São tantos sentimentos que eu não conhecia. Eu que sempre desconfiei das palavras de amor... às vezes me surpreendo dizendo baixinho o nome dele. Ele que me fez sentir tão forte e ao mesmo tempo tão frágil”. Nesta sequência fica claro que Olga só veio a conhecer o amor de verdade quando se apaixonou pelo líder comunista, bem como que tal sentimento seria inevitável uma vez sendo real. Passamos para o momento da deportação. Há uma montagem paralela de Estevam se encaminhando à cela das mulheres, enquanto a militante comunista conversa com Maria. Olga diz que não adianta resistir, já que os habeas corpus foram negados e o decreto já estava assinado. Estevam avisa que a polícia quer transferi-la para um hospital, para evitar um parto prematuro. Maria grita para os outros presos para que se levantem, começa a bater com a caneca nas grades, os outros lhe ouvem, gerando um “canecaço”. No andar debaixo, os presos começam a sair das celas, destacando-se o Padre Leopoldo (Helio Ribeiro) procurando comandar. Em montagem paralela os soldados se encaminham para conter a rebelião; quando os rebeldes encontram os soldados há um travelling que lhes mostra cercados. Na cela, Olga está agachada com as mãos na cabeça de Sabo, abatida na cama, conversando com Maria e Carmen. Revela que teme que Filinto Müller faça de Prestes seu refém, ou que matem os outros prisioneiros. Estevam argumenta que daria a sua palavra, que inclusive o chefe de polícia teria lhe autorizado a permitir que uma pessoa lhe acompanhasse até o hospital. Enfermeiros se encaminham, enquanto Olga se despede de Sabo; lhe dá um abraço dizendo “Coragem Sabo, você sempre teve coragem”. A amiga lhe assiste partir com os olhos marejados. A militante comunista grávida parte em uma maca, na companhia de Maria, ao som comovente de violinos e do barulho das canecas batendo nas grades. É importante observar que na obra de Morais, há uma participação dos presos muito maior na negociação da partida de Olga, de duração de quase vinte e quatro horas. No livro, a revolta dentro da prisão é generalizada, há apreensão de reféns por parte dos presos e a jovem alemã não participa das negociações, o que é feito por seus companheiros, 53 gerando momentos de tensão tão intensos que levaram Brandes, o responsável pela tentativa de acordo (no caso do filme, Estevam), a ficar com o rosto empapado de suor. No filme, a tentativa de rebelião é tímida e facilmente contida, Estevam enfrenta a situação calmamente, sem grandes problemas. Revela-se aqui, de um lado, a ênfase na infalibilidade do pólo da vilania, que uma vez tendo sob sua tutela os prisioneiros, jamais perde o controle da situação, e de outro, a idéia de um fraco poder de mobilização dos comunistas, sempre contando com forças que não podem garantir. Dentro da ambulância, assustada com o seu porvir, Olga passa a questionar suas crenças na Revolução. Com um enquadramento bastante fechado, suficiente para vermos Maria ao lado da maca de Olga, as amigas conversam. A alemã pergunta “Maria, você acha mesmo que o mundo quer ser mudado?”, do primeiro plano em ambas, há um grande close-up em Olga, que prossegue “Nossas convicções, nossos sonhos... será mesmo que o mundo quer ser mudado?”, ao que a brasileira responde não saber, já que conhece somente o Brasil, complementando “E esse povo está tão embrutecido pela miséria, pelo descaso, pela violência”. O diálogo, inexistente na obra do jornalista, revela a gradativa perda de esperança e de crença na Revolução por parte de Olga, que começa a questionar suas posições, como se o encontro com a repressão truculenta lhe fizesse finalmente começar a emergir de seus sonhos utópicos para a realidade de fato – ao que tudo indica, o mundo não quer ser mudado. A resposta pessimista de Maria, adaptada por Rita Buzzar da fala de Graciliano Ramos contida do livro de Morais, na passagem em que conversa com Ghioldi na prisão, afirmando “Não sei exatamente qual é a sua história, mas eu sou do Nordeste e conheço bem o meu povo. E este é um povo que está tão atrasado, tão embrutecido pela miséria, que creio que não poderá fazer a revolução jamais” (MORAIS, 1985, p. 180), em verdade, acaba por responder indiretamente que, pelo menos no caso brasileiro, não há grandes expectativas revolucionárias, visto o embrutecimento geral do povo – veiculando assim, uma visão elitista do povo brasileiro, um olhar típico da classe média. Ao chegarem ao hospital, Maria é tirada à força e encaminhada para outro carro, apesar de suas tentativas de resistência. Olga, juntamente a Sabo, é então deportada. Após o ocorrido, dos cinco núcleos que compunham a trama, dois são extintos – o de Ewert e o da polícia, a qual já cumprira seu papel –, sobrando três: Olga na Alemanha; Prestes no Brasil; Dona 54 Leocádia e Lígia na Europa e posteriormente no México. Os três núcleos se interpenetram por cartas, estando os dois últimos em função do primeiro. Assim que as amigas desembarcam são separadas à força. As legendas anunciam: “Prisão de Barnimstrasse, Berlim, 1936”. Ao som de uma voz que cantarola uma melodia melancólica, vemos uma fila de mulheres nuas, a câmera prossegue até chegar a um banheiro todo revestido de azulejo branco, onde há mechas de cabelos penduradas em um varal e três cadeiras onde se sentam as mulheres para terem seus cabelos cortados pelas próprias militares nazistas. Olga é uma delas, que tem seus cabelos cortados sem nenhuma gentileza, mas espera sem se alterar, há um primeiro plano de suas mãos segurando a barriga já em estágio avançado da gravidez. Esta sequência é uma citação do filme A lista de Schindler (1993) de Steven Spielberg, na sequência em que as mulheres escolhidas por Oskar Schindler para trabalhar em sua fábrica, são destinadas erroneamente à Auschwitz. Ao chegarem são levadas a uma sala de higienização, onde tem seus cabelos cortados pelas prisioneiras kapos. Olga (2004) A lista de Schindler (1993) 55 Após o parto, Olga fica em sua cela relativamente ampla, que se parece uma enfermaria adaptada a este fim. A Enfermeira-Chefe entra para lhe avisar que receberá alimentação diferenciada devido à amamentação da criança, diz que conquanto as normas da prisão sejam a retirada das crianças das mães depois de seis meses, e seu subsequente envio para um orfanato do Partido Nazista, no seu caso, devido à campanha que estão fazendo em seu nome, permitirão que fique com a filha enquanto for capaz de amamentar. A Enfermeira-Chefe assume o protótipo do melodrama da má, tem um aspecto petrificado, usa os cabelos presos, veste um uniforme militar feminino e chapéu de enfermagem, sua voz é grave, inalterável, possui uma expressão congelada, sugerindo total falta de sensibilidade. Dona Leocádia e Lígia continuam com a sua campanha internacional pela libertação da nora e de Prestes. Na sequência em que recebe a notícia do nascimento da neta, surgem novas instruções documentarizantes. Temos um primeiro plano de uma notícia de jornal escrita em francês sobre o pedido de libertação de Olga, sendo recortada – no livro de fotografias, lançado no mesmo ano que o filme, há variados recortes em cima da escrivaninha, potencializando a noção de reprodução da “verdade” contida no longa-metragem. Notícia de jornal em francês sobre a prisão de Olga 56 Diversos recortes de jornais apresentados no livro de fotografias de Jayme Monjardim. (Fonte: MONJARDIM, Jayme. Olga. São Paulo: Globo, 2004 (livro de fotografias) É aberto um plano médio e vemos Dona Leocádia recortando, sentada à sua escrivaninha onde há um abajur de leitura aceso, vários recortes de jornais espalhados, um retrato de Prestes e alguns livros – o enquadramento é fechado em toda a sequência. Lígia entra no recinto e dá a notícia à mãe do nascimento de sua neta, tem início uma trilha sonora suave e grave de violinos indicando expectativa. Complementa dizendo que a carta da Cruz Vermelha alertou sobre o prazo da alemã para ficar com a criança, indicando que procurassem a Gestapo. A filha sugere ainda que procurem a ajuda de Eugénie Benário, que seria a única pessoa da família da moça a poder auxiliá-las, visto que Leo Benário já havia morrido e que o governo alemão não reconhecia sua relação de parentesco com a jovem comunista. Reprodução da carta da Cruz Vermelha. 57 Leocádia concorda, dizendo que não há tempo a perder. Lígia lhe entrega uma carta de Olga, a qual vemos em primeiro plano, escrita em alemão. Carta de Olga para D. Leocádia, escrita em alemão. Ao iniciar a leitura, logo a voz de Olga assume, nos levando à próxima sequência. Ao som da voz over de Olga e música cantada por uma voz contralto, vemos uma sucessão de imagens cotidianas da jovem alemã interagindo com a pequena Anita em sua cela. A iluminação, à exceção do restante do filme, é de luz natural intensa, indicando a idéia do nascimento, de “dar à luz”. É chegada então a sequência da retirada de Anita de sua mãe. Ouvimos o choro intenso de Anita, Olga tenta lhe amamentar, porém não possuía mais leite. Um rufar de tambores introduz os passos das três guardas nazistas e da Enfermeira Chefe que vem retirar a criança, sob a retaguarda de dois soldados. De costas para a porta, Olga está sentada em uma cadeira segurando a filha no colo, quando ouve o barulho das chaves abrindo a cela. Assim que adentram o ambiente, a moça se levanta protegendo Anita com os braços. A Enfermeira ordena que vista a menina e entregue seus pertences, Olga começa a gritar dizendo que o bebê não tem culpa de nada, que seria um crime. Uma das guardas nazistas começa a guardar as roupas em uma bolsa e a Enfermeira ordena que levem a criança. Olga afirma que ainda tem leite, que só levam sua filha se a matarem. Em plano americano, ao som grave de violinos, duas das guardas lhe pegam cada uma por um braço enquanto uma terceira vem e toma Anita dos braços da moça, que começa a se debater. Para intensificar a ação o movimento utilizado é de câmera na mão. Olga chuta uma mesa, gritando histericamente para lhe soltarem até que um dos soldados que esperava na porta entra e lhe dá uma pancada com um bastão nas costas, lhe derrubando de bruços no chão. Vem o corte, vemos a guarda saindo da cela em plano americano, sob o sinal de anuência da Enfermeira Chefe, carregando Anita, que chora. Olga se levanta chamando pela filha aos berros, tenta chegar até ela, mas logo é golpeada por um dos guardas novamente. Em primeiro plano, caída no chão, leva outra pancada nas costas. Grita guturalmente xingando os nazistas de monstros assassinos. Há 58 uma alternância de primeiros planos da mãe se arrastando no chão em direção à porta da cela, com Anita virada para trás aos prantos, no colo da guarda andando de costas no corredor. Em close-up Olga segura nas grades chorando copiosamente. Em plano americano vemos a Enfermeira do lado direito do quadro, a guarda que carrega Anita à esquerda e os outros quatro guardas atrás caminhando pelo corredor. Segurando um dos pés de uma meia de lã de Anita, Olga chora com as mãos nas grades em close-up. A criança é entregue à Leocádia e Lígia, que tentam deixar um bilhete à Olga, em vão. Ao som de violinos agudos, em close-up, Olga permanece segurando nas grades, soluçando de tanto chorar, falando consigo mesma “Eu não quero mais ter forças... eu não quero mais ter coragem.”, desaba a chorar, complementando “Eu tenho medo.”. A forma como essa sequência é montada, dialoga com Intolerância (1916) de D. W. Griffith64, no episódio contemporâneo, em que Dear One (Mae Marsh), após ficar sozinha com seu bebê recém-nascido, depois da prisão injusta de seu marido (Robert Harron), recebe a visita de três solteironas da instituição de caridade da cidade que querem lhe tomar o bebê, alegando más condições de vida. No momento em que decidem levar a criança, Dear One lhe pega no colo tentando proteger a criança, cada solteirona lhe pega pelo braço, enquanto a mãe se debate, sem sucesso. Uma delas leva o bebê, enquanto as outras lhe batem, derrubando-a no chão. Sozinha, estendida no chão do quarto, há um primeiro plano de sua mão segurando um dos pés do par de meias de lã da criança. Olga (2004) 64 A percepção deste diálogo pela autora foi possibilitada devido às atividades desenvolvidas na disciplina “História do Audiovisual I”, ministrada pelo professor Eduardo Morettin, no Departamento de Cinema, Rádio e Televisão da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP). 59 Intolerância (1916) 60 Vale notar, da mesma maneira, que essa sequência apresenta o único momento em que Olga desaba por completo, negando sua força, sua coragem, características que do início ao fim são reforçadas, inclusive, de modo exagerado. A identificação e envolvimento do espectador são levados a níveis extremos, já que a situação lida com diversos sentimentos universais – amor, desespero, tristeza –, além de finalmente alcançar o íntimo da fragilidade humana da militante comunista, que até então, por mais que sofresse se mantinha altiva, impávida. Nesta sequência ainda, temos um dos maiores exemplos do excesso melodramático potencializado em Olga. Como contraponto, podemos citar o mesmo episódio veiculado pelo documentário de Galip Iyitanir, no qual há uma encenação do momento da retirada de Anita. A jovem alemã está presa em uma pequena cela comum e escura, quando sobem as escadas somente uma enfermeira e um guarda no pavimento em que está presa. Conquanto a moça tente resistir, aos berros, logo é dominada pelo militar, que a empurra contra a parede, lhe provocando um desmaio. A separação acaba sendo rápida e sem grandes estardalhaços dentro da prisão. Logo em seguida, a narradora afirma que precisou de dias para se recuperar, enquanto vemos sua sombra na parede fazendo exercícios físicos, quando recebe uma carta e a narração informa tê-la recebido da sogra, lhe contando que a criança estava sob sua guarda. Assim, o sofrimento da militante comunista não é prolongado dentro da narrativa, é dito que levou algum tempo para se recuperar, mas não acompanhamos esse período, diferentemente da ficção em que não só temos o desmantelamento emocional da protagonista, como o seu sofrimento prolongado, de modo que só vem a ter notícias da filha em Ravensbrück. Passado este episódio, há uma elipse temporal, e Olga é transportada de Lichtenburg, juntamente a outras presas, para Ravensbrück. Na ocasião, conhece Sarah (Jandira Martini) e Hannah (Milena Toscano). Adiante, através de uma tela de arame farpado vemos o furgão passar, as legendas notificam: “Campo de concentração de Ravensbrück, Alemanha, 1939”. Sob a mira de um rifle e neve fina, as presas descem do veículo. Junto à trilha sonora ouvem-se latidos de cães e oficiais gritando em alemão. À medida que Olga vai caminhando, a câmera vai se afastando, nos possibilitando ver vários militares escoltando a fila de presas que se forma. Em plano de conjunto e ângulo superior vemos uma grande fila de mulheres, enquanto a militante comunista caminha, procurando entender o que estava acontecendo. O corte nos leva a sua imagem de 61 costas, observando a fila e a presença de crianças do outro lado da tela de arame. Passando para o ponto de vista das crianças, por entre as pessoas, vemos sua expressão de indignação em plano médio. Há um primeiro plano das crianças atentas segurando nas grades. Agora em plano de conjunto vemos as militares sentadas de costas, no início das filas – supervisionadas por soldados e oficiais superiores indistintamente –, registrando as presas e distribuindo uniformes. Por meio de um travelling, enquadra-se Olga atrás de Hannah e Sarah na fila paralela. Ao passo que são chamadas pegam seus uniformes e se retiram. Essa sequência, bem como a maneira em geral de Jayme Monjardim representar o campo de concentração dialoga intensamente com A lista de Shindler (1993) de Spielberg. Desde os sons dos gritos de ordem e latidos de cães, as filas de alistamento, até a ênfase nas crianças, as quais, na obra fílmica do cineasta norteamericano, ganham destaque quando vêm todas ao pátio central, de mãos dadas cantando, enquanto os adultos terminam seu teste de resistência periódico. Contudo, uma diferença crucial é que em Olga (2004) a figura do kapo (capataz judeu que trabalha a favor dos nazistas) praticamente não existe, o pólo repressor é todo composto pelos nazistas. Essa omissão provavelmente se dá pela intenção de veicular um filme didático, visto que o papel do kapo não caberia no maniqueísmo excessivo construído pela obra fílmica, já que a dinâmica entre o Bem e o Mal, ou ainda entre vítimas e algozes, se tornaria contraditória ao colocar judeus (em teoria, somente vítimas) como algozes de seu próprio povo. Em momento posterior, dentro do barracão do campo de concentração, as presas recebem cartas. Surgem mais instruções documentarizantes. Olga é chamada e então temos uma alternância de primeiros planos da carta com a emoção da jovem alemã e o início do som agudo e melancólico de violinos. Recebe uma fotografia de Anita (atriz), acompanhada de uma carta do marido escrita em alemão, carimbada, com algumas linhas censuradas. A foto da menina é uma imitação da foto original contida no livro de Fernando Morais, enviada pela sogra. Há rigor na imitação, o posicionamento do rosto é bastante parecido, a forma como os cabelos estão presos com laços, a orelha esquerda à mostra. 62 Reprodução da foto de Anita. Foto original de Anita (Fonte: MORAIS, Fernando. Olga. 17ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1984.) A carta censurada, escrita em alemão pelo marido, nos remete à passagem da obra de Morais, na qual conta que a Cruz Vermelha informou a Leocádia que as correspondências seriam autorizadas, contanto que fossem submetidas à censura da Gestapo e por esse motivo deveriam ser escritas em alemão (MORAIS, 1985, p. 228). Esta precisão na reprodução do documento é significativa, já que a carta possui forte apelo enquanto instrução documentarizante, visto que, o filme todo é falado em português, por mais que a comunicação entre os personagens tivesse se dado em outros idiomas, como o francês. 63 Reprodução de carta de Prestes a Olga, escrita em alemão, com linhas censuradas. Há ainda outro elemento documentarizante que é a braçadeira do uniforme de Olga. No livro, o jornalista explica que a cor dos triângulos servia para classificar grupos, e os números, para identificar as pessoas; detalhando em seguida a associação das cores aos grupos. Na produção cinematográfica, a braçadeira da jovem alemã, assim como na obra de Morais, se compõe de um triângulo preto, com o vértice apontado para cima, o que indicava pertencer ao grupo das “indesejáveis” ou “anti-sociais”, sobre o qual se sobrepõe o triângulo amarelo, por ser judia, com o vértice apontado para baixo, formando uma estrela de Davi. Reprodução da braçadeira. Na sequência seguinte, à noite, vemos a fachada do campo de concentração, uma cancela protegendo um portão, acima do qual há uma placa ornamentada com os dizeres em alemão “o trabalho enaltece o homem”. Do lado de dentro vemos uma guarita com 64 um guarda ao lado do portão e outra encostada no edifício, na profundidade de campo. Esse cenário foi inspirado na fachada de Auschwitz e, no cinema, dialoga com Alain Resnais em seu Noite e Neblina (1955), que evidencia essa fachada frontalmente. Versão do filme. Fonte: Noite e Neblina (Alain Resnais, 1955). Adiante, temos o reencontro de Olga com Sabo. Do ponto de vista da porta, observamos através de um travelling, uma sala de costura de uniformes, suja, improvisada, cheias de máquinas, com janelas laterais. A maioria das presas trabalha sentada à mesa das máquinas de costura, de frente para nós, enquanto algumas outras trabalham de costas, cortando tecido na profundidade de campo. Olga observa a chegada de outras presas no recinto, as quais vemos partindo de nosso ponto de vista. Ao ver Sabo, acompanhada por movimento de câmera na mão, entre as recém-chegadas, logo Olga se levanta, vindo cumprimentá-la. As amigas se abraçam, Sabo, já com os 65 cabelos raspados e extremamente abatida, diz “estamos vivas!”. Logo são separadas por soldados, Sabo é pega pelo pescoço e jogada em cima de um monte de tecidos. Debilitada, sem conseguir reagir, Elise permanece estendida, o soldado lhe ofende e espanca. Permanece sendo açoitada com uma fisionomia de sofrimento e desespero. A evidência da debilidade desse personagem reforça seu martírio e anuncia a morte que se aproxima. No momento da refeição, na área externa do campo de concentração, formam-se duas filas paralelas, para as presas receberem sopa. Olga acompanha Sabo, que anda com dificuldade. Há um plano geral em ângulo superior que nos permite visualizar o chão forrado de neve, ao centro as duas mesas paralelas, do lado esquerdo há kapos servindo a sopa, do lado direito, as alemãs nazistas. A figura do kapo aparece nessa única ocasião durante todo o longa-metragem, de maneira muito tímida e sem grandes destaques. Ainda que apareça, sua aparição não quebra a lógica didática e maniqueísta construída pelo filme, já que atuam servindo as presas, e não lhes reprimindo ou desempenhando qualquer atividade contrária ao seu bem-estar. À noite, no barracão, Sabo tosse incessantemente. Hannah lhe escuta, desce de seu beliche e vai vê-la; ao certificar-se de que está passando mal, chama por Olga, que desperta em um salto. Agachada ao lado da cama, chama pela amiga. Sob o seu ponto de vista, vemos Sabo em close-up, com os olhos arregalados, lábios inflamados, rosto ferido, começando a ter delírios com as sessões de tortura que sofrera no Brasil, chamando por Ewert. Sarah também vem ver o que está acontecendo, Elise diz “Ewert! Eles estão chegando e vão nos torturar mais uma vez.”. Em grande close-up, Olga tenta interferir afirmando que não permitirá que ninguém lhe fira, no entanto, Sabo prossegue delirando, “Os choques elétricos vão começar de novo... Ewert! Ewert!”. Hannah as observa com compaixão, enquanto Olga tenta tranquilizar a alemã, sem sucesso. Há um close-up em Sabo que sussurra “Uma bala na cabeça” e coloca a mão no rosto de Olga que, lhe assistindo desfalecer, esbraveja pedindo que não morra, em vão. Sabo falece, sua mão cai do rosto de Olga, que chora intensamente, tentando se controlar, sob o olhar de Sarah e Hannah – tem início o som de vozes de coral. Aos prantos, Olga fecha os olhos da amiga e em grande close-up afirma “Acabou”. Assim se conclui o sacrifício de Sabo, personagem que cumpre com o protótipo da irmã mais velha do melodrama. Na obra de Morais, esse diálogo entre as duas amigas não existe, embora Sabo faleça tuberculosa, tendo estes mesmos delírios, Olga 66 não presencia o momento do falecimento, muito menos vê na morte da amiga o fim de suas crenças revolucionárias ou de seu engajamento político. Inclusive, toma conhecimento do ocorrido após três dias, através de colegas que vinham ouvir justamente suas palestras secretas sobre as questões políticas que tinham levado o mundo à guerra. No filme, Rita Buzzar adapta este desfecho, de modo que a última frase de Sabo à amiga, em seu leito de morte seja “Uma bala na cabeça”. Esta frase nos remete à sequência do Rio de Janeiro, em que confessa a Olga que gostaria de viver dias tranquilos no Brasil, ao lado do marido. À reação combativa de Benário, que questiona tal desejo inusitado, reage dizendo que apesar de acreditar na Revolução, às vezes gostaria de pensar que envelheceria ao lado do marido, que teria filhos, complementando com a frase: “Eu não quero morrer com uma bala na cabeça”. A invenção destes diálogos e sua interligação geram três efeitos: o primeiro é a evidência de uma vítima de uma causa malograda (o comunismo não dá certo); o segundo efeito, em consequência do primeiro, é a afirmação dos ideais individualistas e da ordem capitalista em detrimento das causas coletivistas e dos ideais comunistas, já que, se Sabo tivesse abandonado tudo antes do levante de 1935, provavelmente não sofreria como sofreu, muito menos morreria daquela forma; o terceiro e último efeito é a geração de uma carga de culpa em Olga que, frente à morte trágica da amiga, fala para si mesma “Acabou”, indicando o fim de suas crenças revolucionárias. Assim, os questionamentos que vinha fazendo a si mesma a respeito da viabilidade da Revolução são finalizados, frente a uma constatação empírica: a morte de Sabo, como uma vítima indireta do comunismo. Como desdobramento do envolvimento emocional do espectador, por meio da identificação pessoal produzida pela veiculação de valores universais – sofrimento, dor, saudade – é ainda possível cogitar um quarto efeito: o convencimento do espectador de todas as teses acima mencionadas. Importa destacar ainda, que a construção do personagem de Sabo na produção cinematográfica é extremamente contraditória, primeiramente porque Elise Ewert era uma militante comunista experiente que, chegando ao Rio, subitamente, sente um desejo de viver tranquilamente, deixando entender que gostaria de abandonar os planos revolucionários. Em segundo lugar, ao ser presa, é torturada barbaramente sem delatar ou fornecer qualquer informação, o que entra em contradição com a atitude de quem já havia se mostrado simpática ao abandono da causa. Por fim, diante do histórico traumático real deste personagem relatado pelo jornalista, o filme se apropria do seu estado de fragilidade psíquica, ocultando as torturas a que fora submetida, lhe fazendo 67 parecer assim uma vítima frágil que se deixou levar por uma causa que não era de sua preferência e posteriormente não teve estrutura emocional para aguentar as consequências. Enquanto Elise Ewert, como nos mostra Morais, provinha de um longo histórico de militância, possuía consciência plena de suas missões, tanto que não fraquejou durante as inúmeras torturas a que foi submetida. Todavia, embora haja contradição na construção do personagem, como verificamos acima, há um propósito claro em sua construção, que é a canalização de determinada visão política por parte de seus realizadores, embora tentem parecer imparciais. No dia seguinte, ao som de vozes de coral, do ponto de vista de uma cova cheia de corpos nus, observamos em plano geral, no solo acima, o corpo de Sabo em uma maca sobre rodas de madeira. Atrás desta, do lado esquerdo do quadro, há três prisioneiras e um soldado da SS (Schutzstaffel – tropa de elite nazista), e à direita, Sarah, Olga, outro soldado e Hannah, afastada. Na profundidade de campo há um grande edifício de aparência industrial, além de uma névoa que se espalha. Os soldados açoitam as presas para que levem o corpo para a cova, todas ajudam, exceto Olga, que permanece perplexa olhando para a amiga morta. Há um primeiro plano de Sabo nua, esquelética, com o rosto sujo, os olhos fundos, a boca machucada, e os seios levemente ensaguentados, que se contrapõe a Olga aos prantos em primeiro plano lhe observando. Diante de sua passividade o soldado da SS lhe dá um golpe nas costas que a derruba. A evidenciação do estado de prostração do cadáver de Sabo e a perplexidade que acomete à amiga são empregadas a fim de reiterar os sentimentos gerados pela sequência anterior. Por não ter ajudado a carregar o corpo, ainda sob as vozes de coral, assistimos Olga ser punida, amarrada de bruços no Prügelbock – cavalete de madeira com o tampo côncavo e correias de couro com fivelas nos quatro pés. Por baixo do cavalete vemos sua cabeça pendurada contando uma sequência numérica, que o torturador lhe manda falar enquanto lhe açoita. A câmera se aproxima de seu rosto extenuado, até que começa a declamar um verso de Maiakóvski “Iluminar para sempre, iluminar tudo. Até os últimos dias da eternidade. Iluminar... iluminar e só. Eis o meu lema e o do sol”, o mesmo que lera acompanhada de Prestes durante a viagem no cruzeiro. A repetição desses versos tem como função aumentar o envolvimento emocional do espectador, o único cúmplice do significado daqueles versos para a protagonista. 68 Adiante, descobre junto a Hannah que as presas que se vão de Ravensbrück, tendo somente suas roupas devolvidas, são encaminhadas a Bernburg. Ficam em dúvida sobre o que seria este lugar, logo a jovem alemã e Hannah são convocadas. Assim que é chamada, em fila na área externa, sob a neve, a câmera se aproxima enquanto caminha em nossa direção, passando pelas demais prisioneiras; tem início um canto melancólico de coral, e sua voz em over inicia a leitura da última carta ao marido e à filha. Sua voz, junto ao canto de coral, nos leva à próxima sequência no barracão, onde as presas guardam seus pertences, choram, se abraçam, até que vemos Olga escrevendo a carta com um toco de lápis, sentada próximo à janela – dando continuidade à primeira sequência do filme. Sobre a mesa, somente uma folha branca e a foto de Anita. Em plano médio, pára de escrever, mas a narração de seus pensamentos prossegue, a imagem escurece e retorna em um primeiro plano, escurece novamente e retorna em um grande close-up, como se pudéssemos chegar próximo aos pensamentos da protagonista. Fecha a carta, que continua sendo narrada, enquanto lhe vemos despedir das companheiras de dormitório. Já na área externa, caminha de perfil, enquanto vemos na profundidade de campo pessoas nuas enfileiradas sendo açoitadas, corpos nus empilhados, outros enforcados pendurados, e militares lhes observando passar junto as outras presas. Antes de entrar no furgão, retoma-se a abertura do filme e ouvimos vozes de crianças cantando “Davi, rei de Israel” em hebreu, sobrepostas ao canto melancólico de coral acompanhado por violinos. Temos então a imagem de Olga aos 12 anos sorrindo sob a neve, como se neste final de vida pudesse se lembrar de sua infância, de sua essência corajosa. Entra no furgão e ao bater a porta há uma elipse, que nos leva a lhe assistir já dentro da câmara de gás, através da janela da porta de metal, impávida, imóvel, olhando fixo para a câmera, enquanto as outras presas se debatem desesperadamente. Diante dessas imagens, termina a leitura da carta, se despedindo da família. A imagem escurece e entram os letreiros finais noticiando o que ocorreu na vida de alguns dos personagens posteriormente – Dona Leocádia, Eugénie Benário, Anita, Vargas e Prestes. Os letreiros finais são as últimas instruções documentarizantes do filme. Explicitar o que ocorreu depois, na vida real, como se fosse uma continuidade da ficção apresentada na obra fílmica é uma forma de reiterar a idéia de que se retratou a verdade, os fatos como realmente aconteceram. O que acaba por reforçar as demais instruções documentarizantes que, com seu rigor de reconstrução dos documentos históricos, 69 convencem o espectador de que assistiu a uma ficção fundamentada em informações verdadeiras, baseada na pesquisa em arquivo. A forma como Olga morre é uma morte de mártir, aquele que se sacrifica em nome de um ideal, deixando um legado – no caso, a força e a coragem, ou seja, características individuais, para além das causas coletivas fracassadas. A exposição crua do sofrimento nas sequências do campo de concentração, em certa medida se inspira no realismo do filme A lista de Schindler (1993) de Spielberg, no que toca à violência visual dos corpos empilhados ou da maneira truculenta de agir dos soldados, contudo, como o foco da obra fílmica de Jayme Monjardim reside em sobressaltar a força e a coragem de Olga, há um esvaziamento do contexto do sofrimento que viveram os judeus. A violência parece ser somente um pano de fundo daqueles últimos momentos da vida da militante – o que fica patente principalmente na última sequência, quando lhe vemos andando de perfil, ao som da leitura de sua última carta em over, enquanto na profundidade de campo as presas sofrem todo tipo de agressão dos nazistas –, de tal forma que faz parecer possível que apenas a protagonista, em toda sua bravura, fosse capaz de passar pelos horrores do Holocausto se mantendo impávida, praticamente sem se deixar abater. Para que a atuação de Olga se faça admirável, há uma potencialização do Mal no campo de concentração, que acaba por banalizar o sofrimento dos judeus, por não conseguir dimensionar a vivência coletiva do horror. Portanto, diante do delicado dilema sobre o fenômeno concentracionário e o Holocausto, encontrado pelos cineastas ao longo da história do cinema sobre como dar conta de representar o indizível, sabendo que nem as palavras nem as imagens conseguiriam fazê-lo, a obra fílmica de Monjardim acaba por simplificar o horror, colocando-o como pano de fundo do drama pessoal de Olga, adaptando o extermínio dos judeus a um melodrama de características tipicamente hollywoodianas65. Decorremos as três fases do personagem Olga, buscando examinar todas as questões paralelas importantes que foram surgindo ao longo de sua trajetória. Acompanhamos a caracterização de sua militância fervorosa, seu período de conflito interno, baseado na oposição amor/deleite pessoal versus engajamento político e, por fim, a fase em que passa a questionar suas crenças revolucionárias, de alguma maneira pondo em cheque a validade de seus esforços até então. Após a deportação, não há mais comentários sobre a Revolução, o comunismo ou a política nem nas cartas que troca 65 A matriz desse tipo de representação fílmica é a minissérie televisiva Holocausto (Holocaust, dir. Marvin J. Chomsky, EUA, 1978). 70 com o marido, nem em nenhuma outra sequência. Olga agora se empenha unicamente em sobreviver, na esperança de poder viver junto de sua família. De todas as mudanças pelas quais passa, mantém duas características: a força e a paixão. O que muda são os objetos da paixão (A Revolução, Prestes, sua filha, a vida) e os motivos de sua força – nas duas primeiras fases luta pela Revolução, e na última luta pela filha, passando, por fim, a lutar apenas pela sobrevivência. II. A Revolução de 1935 pela ótica melodramática de Rita Buzzar e Jayme Monjardim: Olga (2004) e a literatura historiográfica. Deixamos para este último capítulo a análise dos episódios históricos abordados em Olga que dialogam mais diretamente com o debate historiográfico a respeito da Revolução de 1935 e dos seus personagens históricos principais. O cotejo66 da obra fílmica com a literatura historiográfica nos permitirá examinar as opções feitas por Rita Buzzar e Jayme Monjardim, verificando a memória que constroem sobre os eventos de Novembro de 1935. Inicialmente, começaremos pelo exame do tratamento dado aos personagens históricos principais, a fim de compreender como a obra fílmica dialoga com a tradição historiográfica, a partir da conformação de tais personagens às oposições maniqueístas do melodrama. Getúlio Vargas e Filinto Müller Na sequência de apresentação de Getúlio Vargas (Osmar Prado) e Filinto Müller (Floriano Peixoto), temos a caracterização desses personagens e a primeira referência à Aliança Nacional Libertadora (ANL). As legendas nos indicam: “Sede do governo”. A sala em que o chefe de polícia conversa com Getúlio Vargas possui cortinas verdemusgo com detalhes dourados e forro branco nas duas portas de vidro, que são separadas por uma parede decorada com papel de parede antigo, por um pequeno 66 O cotejo que faremos com a historiografia, se dará no sentido de compreender como o filme dialoga com o material pré-existente à sua criação, já que a roteirista teve acesso às obras historiográficas sobre o assunto. Fazemos esse esclarecimento por indicação do parecerista da Fapesp, para que fique claro que não se trata de confrontar a “realidade” do discurso historiográfico com a “ideologia” do discurso fílmico, visto que ambos são passíveis de serem discursos ideológicos, mas sim de observar como constrói seu dialogo com as fontes consultadas. Ressaltamos ainda que, quanto à questão da formação de memória, damos atenção ao cinema – principalmente no caso de Olga, por sua estética naturalista –, pelo seu grande potencial de alcance de público, devido tanto ao seu apelo midiático quanto a sua estrutura narrativa de fácil assimilação, características que não se pode atribuir às obras historiográficas, voltadas a um público especializado. 71 quadro e uma estátua escura de mulher em cima de um pedestal. Do lado esquerdo há um jogo de móveis de sala de estar, do qual só vemos claramente uma poltrona antiga de couro vermelha; no lado oposto há a mesa do presidente, sobre a qual estão alguns livros, papéis, um pequeno busto de Tiradentes, um globo terrestre e alguns enfeites. A cenografia nos remete ao palácio do Catete, os tipos das portas, as cortinas luxuosas, a mobília antiga, são todos elementos que buscam reconstituir o imaginário daquele Palácio, tão marcado pela figura de Vargas. A iluminação é natural, vem do forro translúcido das cortinas. Esta conversa nos permite fazer um exame mais acurado do pólo da vilania, bem como da maneira que são representados e articulados estes personagens históricos no filme. O diálogo67 se dá através de uma alternância de primeiros planos dos rostos dos personagens: Filinto Müller: Como chefe da polícia do Rio de Janeiro, lhe asseguro que não vai ser difícil impedir o comício, presidente. Getúlio Vargas: As tais liberdades democráticas nos impedem de cometer excessos, meu caro Filinto. Filinto Müller: Eu não estou propondo nenhuma medida violenta, presidente. Nós não falamos em falta de democracia no país. São eles que falam. Os tais que inventaram essa Aliança Nacional Libertadora. São todos uns comunistas dissimulados! Dizem até que Prestes está por trás. Getúlio Vargas: Ele é esperto. Nunca quis ser coadjuvante. Não se aliou a mim porque sempre quis o poder. Os serviços secretos estrangeiros estão dizendo que ele está em Moscou. Filinto Müller: Presidente, comunismo comigo é uma questão de vida ou de morte. Getúlio Vargas: Os anos passaram e não te esquecestes que ele o expulsou da famosa Coluna. Foi por acusação de roubo, não foi? Filinto Müller: Uma falsa acusação! Uma calúnia! Presidente, pessoalmente, eu liquidaria de uma vez com Prestes e com todos esses vermelhos traidores! Getúlio Vargas: Um homem se julga pela sua ação. E a ação pelo resultado. Seu acerto de contas terá que esperar. Ao referir-se às liberdades democráticas como um obstáculo aos excessos, aos quais não parece ver como algo condenável, temos a apresentação do presidente como alguém inclinado ao autoritarismo. O chefe de polícia afirma que os “tais” que inventaram a Aliança Nacional Libertadora são todos uns comunistas dissimulados. Complementa afirmando que Prestes poderia estar por trás. A resposta de Vargas denota a visão política desse personagem histórico construída pela obra fílmica, diz que Prestes nunca quis ser coadjuvante, que não teria se aliado a sua pessoa, por ter sempre querido 67 Sobre a tensão entre o governo e a ANL, veicula-se uma fala didática, procurando fornecer informações breves sobre o contexto. 72 o poder. Ou seja, a dissensão entre essas duas figuras históricas não teria ocorrido em virtude de diferenças político-ideológicas, mas de uma questão de egocentrismo, de simples desejo de ter o poder em suas próprias mãos. A conversa se mantém em tom sóbrio e contido, até que Filinto Müller se exalta ao dizer que comunismo com ele seria uma questão de vida ou de morte. Essa fala é apropriada do livro de Morais, dos dizeres do jovem primeiro-tenente Sílvio Frota, que ao tentar ser convencido por outros tenentes do Centro de Preparação de Oficiais da Reserva (CPOR), como Lauro Fontoura, a aderir ao movimento de esquerda, diz: Olha, Fontoura, comunismo comigo é questão de vida ou de morte. Aqui no CPOR, se tentarem fazer baderna, vocês serão recebidos a bala. Enquanto eu estiver vivo, comunista não entra no CPOR. (MORAIS, 1985, p. 84). À fala adaptada do chefe de polícia, o presidente responde, com um leve sorriso nos lábios, dizendo que mesmo com a passagem dos anos, não havia se esquecido de sua expulsão da Coluna. Portanto, interpreta seu discurso anticomunista como a fachada por trás da qual se escondia seu puro ressentimento pessoal. Müller se exalta ainda mais, se defende e afirma que, por ele, liquidaria com Prestes e com os “vermelhos traidores” de uma vez, ao que obtém a resposta maquiavélica de Vargas, “Um homem se julga pela sua ação. E a ação pelo resultado. Seu acerto de contas terá que esperar.”. Assim, seria necessário que primeiro Prestes desse um motivo factível para condená-lo, para então poder realizar seu acerto de contas. Como pudemos verificar, a conjuntura política do período histórico não tem peso algum nas considerações dos personagens. O anticomunismo de Filinto Müller é interpretado como um pretexto para a sede de vingança contra o Cavaleiro da Esperança, e as dissensões ideológicas entre Vargas e Prestes são reduzidas a uma simples questão de disputa egocêntrica pelo poder. O Estadista é apresentado como um sujeito naturalmente autoritário, irônico, calculista e perverso à medida que sorri ao perceber o impulso vingativo do chefe de polícia, mantendo uma expressão de tranquilidade ao informar que o acerto de contas daquele teria de esperar. Fica evidente, do mesmo modo, que Vargas é a grande força maligna que permite que Müller cometa todas as suas maldades. Mais adiante, novamente no palácio do Catete, temos Vargas em primeiro plano caminhando de perfil, passando por três homens desfocados na profundidade campo, enquanto ouvimos seus passos cadenciados, e a voz de Filinto Müller lhe informar 73 “Haverá levantes em todo o país! O Serviço Secreto Inglês receia que haja uma tentativa de Revolução Comunista aqui no Brasil.”. Em plano médio, de perfil, segurando um charuto, fala calmamente ao Ministro da Guerra (Zé Carlos Machado) e ao chefe de polícia que não se revolta um país com a força das idéias, bem como que o manifesto era o pretexto que estavam precisando para a promulgação da Lei de Segurança Nacional. Agora de frente, em primeiro plano, finaliza dizendo ironicamente, “Deveríamos estar no mínimo, agradecidos.”. O presidente inclina o charuto pra cima e fuma de lado ao som de violinos graves que indicam suspense. A caracterização de Vargas é bastante caricatural, nos remetendo à memória fílmica de vilões de histórias em quadrinho ou da máfia. A presença dos três homens desfocados na profundidade de campo, no início da sequência, enfatiza a idéia do comando de forças obscuras, de vilão mafioso. Essa memória anti-varguista reiterada pelo filme é bastante comum na literatura historiográfica filiada à perspectiva liberal. Na obra de Fernando Morais, conquanto não se omita a atuação de Vargas, há um peso maior na truculência de Filinto Müller, sobretudo a respeito da crueldade em relação à Olga e Sabo. Por diversas vezes destaca74 se a sua desumanidade, sem tocar no nome do presidente, como quando faz questão de organizar a deportação de Olga de modo a impedir qualquer chance de fuga durante o trajeto para a Alemanha de Hitler, conseguindo por sua própria habilidade trazer um navio cargueiro exclusivamente para levar as duas judias prisioneiras ao caminho do sofrimento e da morte. Assim como Morais, a tradição historiográfica tributária da esquerda acabou por “absolver” o Estadista, seja pelo apoios políticos dos comunistas após 1945, durante o Queremismo, seja pela questão do trabalhismo. Em consequência disso, temos as memória veiculada pela História Oficial de Getúlio Vargas como o “pai dos pobres”, aquele que garantiu os direitos trabalhistas, restringiu a carga horária de trabalho a 8 horas por dia, garantiu às mulheres o direito ao voto, entre outros. As opiniões dos espectadores registradas no website de Jayme Monjardim aparecem como indício da memória anti-varguista veiculada pelo filme: “Nossa esse filme sobre a Vida de olga [sic], tocou [sic] muito...pois antes pensava que getulio [sic] era bom mais [sic] nao...”. (Marcos Braga – Varginha, MG) “Ontem a [sic] noite tive a oportunidade de ir ao cinema para ver este brilhante trabalho do cinema nacional, com certeza foi o melhor filme brasileiro que já vi, principalmente por retratar a crueldade nazista para com o [sic] seres humanos e de evidenciar que Getúlio também era um terrível ditador. Parabéns a todos que participaram deste grandioso trabalho.” (Diogo Galdino – Passos, MG), grifos nossos. "A equipe está de parabéns, pelo trabalho. Além de provar o avanço no cinema brasileiro, retira o título que Vargas tem de ser o pai dos pobres, o democrata e a vítima da história." (Simone – Juazeiro do Norte, CE), grifos nossos. Filinto Müller, por sua vez, além de ser movido pela vingança pelo Cavaleiro da Esperança, é um vilão infalível, o que fica claro na sequência em que conversa com o investigador Estevam68 (Murilo Rosa) sobre os possíveis comandantes da insurreição de Natal. O ambiente é escuro, iluminado por luz natural, há um quadro de Vargas pendurado na parede, uma escrivaninha e uma bandeira do Brasil – cenografia que caracteriza um gabinete público da época. O diálogo segue em alternância de planos médios. O chefe mostra a Estevam o jornal que diz que Prestes está em Moscou, a manchete é posta em primeiro plano – vemos mais uma instrução documentarizante: a reprodução do jornal é rigorosa, tomando cuidado inclusive com o uso da ortografia da época. 68 Este personagem foi aparentemente invetado por Rita Buzzar, é uma extensão de Filinto Müller, na medida em que é quem recebe suas ordens diretas e as executa. 75 Reprodução do jornal O Globo, manchete sobre os levantes de Natal. A partir deste momento, o enquadramento muda, o campo/contracampo agora é feito em primeiro plano, e Müller diz saber que Prestes está no país, apesar das notícias. Esta mudança de enquadramento se faz no momento exato em que se faz claro o pressentimento do vilão infalível, como se nos aproximássemos de seus pensamentos. Há ainda a sequência que concentra o pólo da vilania como um todo, que é a da deportação de Olga. A alemã, grávida, está desesperada no porto, sem saber ao certo para onde vão encaminhá-la. Deitada em uma maca, ouve a discussão de Estevam com o capitão do navio, tendo a notícia de que Sabo a acompanhará na viagem. Avista a bandeira nazista pendurada no La Coruña, aterrorizada, tenta fugir, em vão. Estevam vem até sua maca lhe avisar sadicamente que a Lei de Segurança Nacional garantia ao governo o direito de expulsar os estrangeiros indesejáveis, explicando que o navio partiria sem escalas para a Alemanha, onde a Gestapo iria lhe esperar. Em plano de conjunto, por trás da maca de Olga, vemos na profundidade de campo o navio gigantesco, sua escada já exposta. O cenário procura tanto impressionar com as suas dimensões que se mostra artificial. Acompanhamos os enfermeiros encaminharem a alemã ao navio. Pela janela do carro filmada de maneira oblíqua, vemos Filinto Müller ao som de um coral sombrio ritmado por batidas de bumbo, há então um travelling que coloca o chefe de polícia de perfil ao lado de Herr Fisher em primeiro plano. A trilha sonora cessa, como se entendêssemos o ponto de partida de toda aquela ação com a 76 frase sádica “Um presente de Vargas para Hitler...”, a qual Müller profere com um sorriso nos lábios e brilho nos olhos. O policial da Gestapo olha para a nossa direção, mirando o chefe de polícia com um leve sorriso. Há então um primeiro plano da jovem sendo carregada na maca pelas escadas, dizendo “Adeus Carlos, adeus!”. Nesta sequência temos Estevam, uma extensão de Filinto Müller, que por sua vez age a mando de Vargas, constituindo os três vilões brasileiros, e Herr Fisher, o protótipo do nazista, representante do grande vilão da Alemanha, Hitler. Elza Colônio A apresentação de Elza ocorre na primeira reunião dos comunistas no Brasil. O casal Prestes chega do aeroporto junto a Miranda – importante notar a ausência de Bangu, que por não pertencer à esfera da decisão, não participa da reunião – à casa dos Ewert. É uma casa antiga, há mesas com pastas, envelopes e pacotes, parecendo material de propaganda política. Ao entrar, ao som suave de violinos tocando a Internacional, Olga abraça Sabo enquanto Prestes cumprimenta Gruber (Anderson Muller), Barron (Bruno Dayrrel) e Vallé (Gilles Gzwidelk) na profundidade de campo desfocada. As amigas conversam, em plano médio, com as mãos dadas, Sabo faz elogios a suas vestimentas, diz que a beleza do disfarce não parece estar lhe fazendo nenhum mal. Arthur Ewert inicia as apresentações. De frente para Léon Vallée, lhe apresenta como o responsável pelas finanças. Vallée afirma “Algumas remessas de dinheiro já foram enviadas. Gruber poderá começar, em breve, com o treinamento dos revolucionários.”. Quanto a essa função atribuída a Gruber, não consta no livro de Fernando Morais, no qual este enviado, “técnico em explosivos, instalaria num pequeno cofre da casa de Prestes e Olga um violento sistema de alarme, para impedir o acesso de estranhos ao dinheiro e à documentação ali depositada” (MORAIS, 1985, p. 79). Seria encarregado, portanto, segundo Morais, somente de “lidar com explosivos e sabotagem” (MORAIS, 1985, p. 75). A idéia de que Gruber teria treinado revolucionários provém de William Waack, que apresenta um documento, no qual tal personagem teria fixado em papel sua missão, por volta de 1937, a pedido de seus interrogadores em Moscou: “Minha missão: 77 Treinamento de grupos especiais para sabotagem e treinamento de quadros de combatentes para lutas de rua.” (WAACK, 1993, p. 83). Ewert então introduz Victor Barron: “E o camarada americano Barron, já está instalando uma estação de rádio para que possamos nos comunicar com o resto do país e com Moscou”. O norteamericano completa: “Estou coletando material em diferentes lojas. Não atrairemos qualquer suspeita”. O enquadramento tem Barron à esquerda, Ewert ao centro, e na profundidade de campo, à direita, vemos Elza Colônio sentada afastada, se arrumando no espelho e observando a movimentação. Temos um contracampo em close-up de Olga, que nos indica o estranhamento àquela figura, no entanto tem sua atenção dividida com o que fala Barron. Ao terminar de falar, ouvimos a voz de Ghioldi, “Además, necessitamos comunicarmos, camaradas!”, o casal se vira de costas e vê Rodolfo (Raul Serrador) e Carmen Ghioldi (Maria Clara Fernandes), Prestes dá um abraço no amigo argentino, que diz “Hasta siempre, compañero! Finalmente, estamos todos reunidos!”, ao que o Cavaleiro da Esperança completa “E seremos vitoriosos, camarada!”. Há então o corte que nos leva ao plano médio com a imagem de Elza, uma moça bonita e delicada, mais uma vez arrumando seus cabelos em um pequeno espelho portátil, levantando os olhos às vezes para observar as apresentações. Prestes e Ghioldi saem abraçados para o outro lado da sala, Olga se vira para nós sorrindo, mas logo fica séria, ao som de violinos graves que expressam tensão; vemos novamente Elza se arrumando, retornamos à Olga já bem séria lhe encarando, até que Sabo, percebendo a desconfiança da amiga, lhe diz que aquela é a mulher de Miranda, recebendo a pergunta sobre a sua função na missão. Sabo conclui, “Não sei ao certo. Ele disse que não precisamos nos preocupar com ela”. Novo corte, Elza, que agora percebe que está sendo encarada, guarda seu espelho; no contracampo temos um grande close-up do rosto de Olga, mantendo um olhar firme e desconfiado. A desconfiança de Elza já é indicada pelos enquadramentos desde o início da sequência. Primeiro aparece na profundidade de campo se arrumando, destoando do conjunto dos presentes, tanto porque está isolada, quanto por manter um comportamento contrastante com o das mulheres no ambiente – enquanto Olga responde a Sabo, um pouco vexada, que está de batom e bem vestida por causa do disfarce, Elza parece fútil ao ficar quase o tempo todo se arrumando no espelho, como se nada estivesse acontecendo, sem praticamente nenhum envolvimento com a ação do grupo. Esse não envolvimento já caracteriza o protótipo da má e/ou prostituta por já se mostrar fora da 78 esfera privada. A desconfiança, portanto, chega a nós espectadores primeiramente, passando a ser compartilhada com a protagonista e sua companheira posteriormente. Destaca-se que nesse primeiro momento, a tensão se estabelece apenas entre as mulheres, sem que os homens percebam nada, evidenciando o núcleo de tensão típico do melodrama, o qual gira em torno da esfera feminina. Adiante, após a derrota dos levantes, temos a sequência em que Elza passa por interrogatório na prisão e delata os companheiros. Na sede da Polícia Central, em closeup vemos Estevam com o rosto próximo à Elza, lhe interrogando. Segura uma foto de Ghioldi, pergunta quem seria aquele homem, ela fica em silêncio. O investigador se levanta gritando que não perguntaria outra vez, lhe pega pelo queixo e fala próximo ao seu rosto, a garota fica ofegante e logo delata o argentino, complementando que Miranda poderia confirmar a informação. Temos então o desfecho do assassinato. No esconderijo do Méier, Olga traz um bilhete ao marido avisando que Vallée conseguiu fugir, mas que o casal Ghioldi foi preso. Há um plano-sequência enquanto caminham da sala para o quarto, a esposa pergunta se já decidiram o que farão com Elza, afirmando que esta nunca deveria tê-los conhecido ou participado das reuniões, ao que Prestes responde “Elza colocou em perigo muita gente. Isso vai ter um fim”. Na próxima sequência, em um sótão escuro, com goteiras e alguns livros espalhados, em sua maior parte vermelhos, vemos em plano geral dois homens parados conversando à esquerda, enquanto à direita Elza é trazida por Bangu, acompanhados de mais dois homens. A garota vem falando desesperada “Eu não queria fazer mal a ninguém! Não tive culpa! Eu não queria ter sabido de nada!”. Há uma aproximação que leva a um plano de conjunto; fazem-na sentar em seguida. A câmera é colocada em ângulo inferior, vemos Elza apavorada com uma postura enrijecida, enquanto Bangu, em pé, fala próximo ao seu rosto “Não há o que fazer Elza. Você entregou muitos companheiros.”, há uma mudança que lhe mostra com uma fisionomia prostrada em close-up por meio de ângulo superior, então ela responde aos gritos “Eles me forçaram!”. Bangu se retira, voltamos a vê-la em ângulo inferior, quando Cabeção surge por trás e lhe sufoca com um cinto. Em Olga de Fernando Morais, Elza é retratada como uma analfabeta, desequilibrada mental, incoerente, que havia sido presa diversas vezes sem ter deixado nunca de delatar, tendo retornado todas às vezes à militância novamente. Conta que 79 quando esteve na prisão confessou abertamente à Maria Werneck que certa vez que buscou dinheiro em sua casa dizendo que era para o partido, na verdade era para comprar toalhas novas para a sua casa. Quanto à ordem de execução, embora Prestes tenha votado incisivamente a favor, após uma longa troca de cartas com o partido, tentando descobrir se Elza estava trabalhando para a polícia ou não, a decisão de execução da sentença foi decidida pelos dirigentes do PCB. Já no filme, Elza aparece com uma garota bonita, ingênua, uma vítima sem precedentes com o partido, que teve de ser executada por acidente de ser mulher do secretário-geral. Nesse sentido, o roteiro parece dialogar com William Waack, que retrata este personagem como uma jovem linda, espontânea e simpática, que por ter acompanhado o marido em suas atividades partidárias acabou tendo que ser eliminada por necessidade de queima de arquivo (WAACK, 1993, pp. 292-296). Com relação à ordem de execução, a obra fílmica coloca Prestes como o único responsável pela decisão de seu assassinato. No livro de Morais, Elza teria sido levada para uma casa em Deodoro, onde ficou junto a Honório de Freitas Guimarães (Milionário), Eduardo Ribeiro Xavier (Abóbora), Adelino Deícola dos Santos (Tampinha), Manoel Severino Cavalcanti (Gaguinho) e Francisco Natividade Lyra (Cabeção). Estavam em uma sala dos fundos da casa conversando quando este último pegou uma corda de varal e lhe estrangulou com a ajuda dos outros, exceto de Abóbora que diante da violência se pôs a vomitar em um canto da sala. Enquanto no filme, os comunistas se concentram em um sótão, uma instalação aparentemente própria para este tipo de ação, Bangu – àquela época o novo secretário-geral do PCB, após a queda de Miranda – fala diretamente à garota que não havia o que fazer, pois havia entregado muita gente, a qual morre estrangulada logo depois. Portanto, aqui se ressalta o aspecto de máfia ou gangue que se atribui aos comunistas, pela clandestinidade institucionalizada do local do assassinato, pela frieza de explicar à vítima o motivo de sua morte, pela naturalidade como os demais personagens encaram o fato. Essa maneira de representar os comunistas recorre fortemente ao imaginário anticomunista, assunto estudado amplamente por Rodrigo Patto Sá Motta em Em guarda contra o “Perigo Vermelho”: o anticomunismo no Brasil (1917-1964) (2002). Segundo o autor, o anticomunismo foi consolidados na estrutura social brasileira, na mesma época em que o Estado Novo se afirmava – em grande parte devido à Revolução de 1935 – e que, desde então, a identificação do comunismo com as forças do mal se 80 enraizou na sociedade, tendo sido recuperada posteriormente em períodos críticos, nos quais ressurgiu com alguma força. Motta, ao analisar uma ilustração de uma matéria jornalística, publicada em 1960 por uma revista anticomunista, alusiva às comemorações da “Intentona”, na qual se tem a reconstituição em desenho dos comunistas assassinando os militares que estariam dormindo no momento em que eclodiu a revolta nos quartéis do Rio, observa que os personagens usam as golas dos casacos altas, o que simbolizaria “ações camufladas, embuçadas, no limite, malignas”69. Em outra ocasião, ao examinar notícias de jornal, aponta que as notícias sobre os comunistas eram publicadas na página policial, e que logo “não eram considerados e representados na qualidade de grupo político, mas como uma gangue de marginas”70. Esse tratamento dos comunistas como máfia ou gangue tem início na sequência do aeroporto (analisada no primeiro capítulo) e continuidade no primeiro encontro dos enviados de Moscou. Na primeira situação, Bangu é apresentado como um “capanga”, pelo seu silêncio constante, pelo seu papel secundário e subserviente, e na segunda, por não participar na reunião, indicando pertencer à esfera da ação, não da decisão, indicando o caráter mafioso da organização. Caráter que se explicita na sequência do assassinato de Elza, crime que ocorre em local aparentemente apropriado para este tipo de serviço. A escolha de colocar Bangu interagindo com Elza minutos antes de sua morte, dá sentido à sua apresentação como “capanga”, visto que finalmente tomamos conhecimento do seu campo de ação. Ao invés de esquadrinhar os personagens de Prestes e Miranda nesse momento, passaremos às sequências do filme que dialogam mais diretamente com o debate historiográfico, ao longo das quais poderemos refletir sobre tais personagens e posteriormente fazer melhor avaliação de suas representações. Para pensar a Revolução de 1935 utilizaremos o debate historiográfico do início dos anos 90. Consideraremos três autores, cujos trabalhos representam as discussões mais atuais sobre o assunto e que, portanto, terão maior peso em nossas reflexões. Recorremos a algumas outras obras relacionadas ao assunto para refletir sobre questões mais específicas, como a discussão sobre a memória de determinados personagens históricos, a corroboração de certas visões políticas, entre outros. Faremos uma breve 69 MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Em guarda contra o “Perigo Vermelho”: o anticomunismo no Brasil (1917-1964). São Paulo: Perspectiva: FAPESP, 2002. p. 114-115. 70 Ibid., p. 213. 81 apresentação das três obras referidas, para em seguida abordar os pontos em comum tratados pelo filme. Em Estratégias da Ilusão: a Revolução Mundial e o Brasil (1922-1935) (1991), o sociólogo Paulo Sérgio Pinheiro apresenta o histórico da III Internacional Comunista (IC) desde sua fundação até o VII Congresso em 1935, tendo sempre como referência o posicionamento da IC em relação à América Latina. Através de vários relatórios e documentos, demonstra como se formaram as ilusões sobre a condição prérevolucionária do Brasil, imaginada pelos comunistas. Da mesma forma, evidencia os violentos mecanismos de repressão estatal do governo brasileiro (a insurretos, “marginais” e à população pobre), desde o início da República, constatando as arbitrariedades cometidas, principalmente nos envios de presos aos “desterros” e “campos de internamento”. A historiadora Marly de Almeida Gomes Vianna foi militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB) por 18 anos, de 1961 a 1979. Em Revolucionário de 1935 – sonho e realidade (1991), por meio de documentos e depoimentos, a autora apresenta os antecedentes dos acontecimentos de 35, desde os Congressos da IC até malogro da insurreição do Rio de Janeiro e as prisões subsequentes. Desenvolve uma minuciosa reconstituição das rebeliões do Nordeste, esclarecendo pontos até então obscuros sobre o desencadeamento desses episódios. O jornalista William Waack em Camaradas: nos arquivos de Moscou: a história secreta da revolução brasileira de 1935 (1993) escreve sua obra no momento de término recente da URSS. Por este motivo, obteve acesso a arquivos secretos, mais especificamente do acervo do Arquivo do Instituto de Teoria e História do Socialismo do Comitê Central do Partido Comunista da União Soviética, e a alguns outros documentos secretos sem fontes reveladas, em posse do autor. Obtivera também alguns depoimentos de espiões soviéticos que até então não podiam se manifestar. O autor dedica-se a reconstituir a história da Revolução de 1935 a partir desses novos dados, com forte estigmatização da União Soviética, bem como do comunismo. O primeiro ponto que se discute é a influência da Internacional Comunista nos levantes de 1935. Paulo Sérgio Pinheiro pontua que apesar do papel secundário da América Latina nos esforços pela Revolução Mundial, a IC certamente havia sido informada da decisão pela insurreição armada, já que as seções internacionais não possuíam autonomia para fazê-lo por si. Já a historiadora Marly Vianna acredita que a 82 “IC não passou de ator coadjuvante no drama de novembro de 1935” (VIANNA, 2007, p. 20), que as rebeliões de 1935, tanto nas localidades do Nordeste, quanto no Rio de Janeiro, seriam manifestações tenentistas, produtos de situações gestadas na própria conjuntura da sociedade brasileira da época, e não teriam ocorrido por ordens da Internacional. Para a autora, a IC teria se mostrado apenas conivente com a idéia da revolução brasileira, já que após a morte de Lenin, em 1924, e principalmente a partir de 1927, a defesa do Estado soviético passou a ser prioridade em detrimento da Revolução Mundial. William Waack, pelo contrário, afirma ter havido uma influência direta de Moscou, tanto nos preparativos quanto nas principais decisões referentes ao desencadeamento das insurreições de 1935. Segundo o jornalista, a Revolução de 35 faria, inclusive, parte de uma grande operação sul-americana, idealizada desde a segunda metade de 1933, ou seja, desde antes da chegada da delegação brasileira em 1934 para o VII Congresso da Internacional, que seria adiado para 1935. Neste contexto, aconteceu a III Conferência dos partidos comunistas latino-americanos, na qual a situação “pré-revolucionária” do Brasil foi colocada pelos comunistas brasileiros à IC. Em linhas gerais, a Aliança Nacional Libertadora (ANL), a quem o PCB se aliou seguindo a política de Frente Popular, foi uma organização política de âmbito nacional fundada oficialmente em março de 1935. Constituiu uma frente ampla em que se reuniram representantes de diferentes correntes políticas e de diferentes setores sociais, todos atraídos por um programa que propunha a luta contra o fascismo, o imperialismo, o latifúndio e a miséria. Foi fechada em julho de 1935, continuando a atuar na clandestinidade até a eclosão da Revolta Comunista, em novembro do mesmo ano71. Para Pinheiro, a Aliança teria como precursora a malograda Liga de Ação Revolucionária, criada por Prestes por volta de 1930. Enquanto para Vianna, a ANL teria sido essencialmente uma continuação do tenentismo. Quanto a sua composição, os três autores corroboram a opinião de que era composta pelas classes médias e lideranças tenentistas. Tanto Vianna quanto Waack apontam a impossibilidade dos comunistas terem qualquer ligação com a criação da ANL, bem como desta se constituir como uma organização comunista, não obstante tivesse pautas em comum com o PCB e a participação de comunistas – intensificada após ter sido posta na ilegalidade. A 71 ABREU, Alzira Alves de. CPDOC/GV, www.cpdoc.fgv.br. Verbete “ANL”. 83 historiadora argumenta que esta impossibilidade se justifica pelo próprio caráter de luta nacional da Aliança, que colocava a luta de classes em segundo plano. Quanto às motivações locais que levaram ao desencadeamento dos levantes, Marly Vianna destaca: forte espírito e tradição tenentista; antifascismo; aparência de fragilidade do governo Vargas no momento; superestimação das forças oposicionistas; lutas políticas locais; insatisfação dos militares subalternos, devido à redução dos efetivos do Exército. Os três autores crêem que a causa imediata dos levantes do Rio de Janeiro foi a eclosão das rebeliões no Nordeste (provocadas por circunstâncias locais), sendo Luís Carlos Prestes o principal responsável por esta decisão, tendo como intenção o préstimo de apoio e, consequentemente, a revolução em caráter nacional. Segundo Pinheiro, um dos grandes motivos do fracasso dos comunistas brasileiros residiria no fato de que ao invés de fazerem suas próprias análises da conjuntura brasileira, enviavam suas descrições à IC. Esta fazia uma leitura pautada nos preceitos da revolução soviética, devolvendo diretrizes gerais que ditavam o que deveria ser feito no Brasil. Além disso, muitas das informações sobre o país eram expedidas por emissários estrangeiros da IC, desconhecedores da realidade sócio-política brasileira, o que suscitava equívocos. Outra fonte de dados irreais foram os próprios militantes brasileiros que, tomados por sonhos e euforia, fizeram constatações exageradas por aparentemente enxergar unicamente o que desejavam ver. Esses diagnósticos equivocados teriam conduzido os comunistas brasileiros à crença de que se vivia uma situação pré-revolucionária – conclusão com a qual concordam Vianna e Waack. Para o sociólogo, portanto, delinearam-se perspectivas fundamentadas em conjunturas ultrapassadas, que pareciam ignorar as mudanças ocorridas entre a Coluna Prestes e o ano de 1935, além de subestimar-se a concretude do governo Vargas. William Waack atribui o insucesso da Revolução a diversas razões: precipitação de Moscou ao lançar a palavra de ordem “todo poder à ANL”, resultando no fechamento da Aliança e consequente desmobilização; a fragilidade da rede de comunicações entre os militantes, pois desrespeitavam-se as regras de segurança frequentemente; Prestes seria o culpado pelas informações exageradas quanto aos reforços que supostamente existiam; a decisão repentina gerou uma organização insuficiente e mobilização deficitária. Por fim, assim como Vianna, o jornalista aponta que devido à negligência da segurança das comunicações, antes mesmo do 84 desencadeamento da insurreição de 27 de Novembro de 1935, o governo já sabia do que estava por vir. Sobre a ANL, há somente duas referências no filme, a primeira ocorre na sequência de apresentação de Filinto Müller e Vargas (analisada acima), na qual conversam sobre a contenção de um comício que estava por vir. O chefe de polícia afirma que os membros dessa Aliança “são todos uns comunistas dissimulados”. A segunda referência ocorre no final do primeiro encontro dos comunistas no Brasil, no qual Prestes pergunta a Miranda sobre como está a situação no país, obtendo a afirmativa “Estamos preparando uma grande manifestação contra o governo em conjunto com a Aliança Nacional Libertadora...”. As referências não são muito esclarecedoras em relação à natureza da organização, embora Miranda diga que o PCB agirá em conjunto com a Aliança, como se fossem duas organizações distintas, a parceria anunciada e a falta de esclarecimento não anulam a acusação inicial do chefe de polícia. A parceria das duas organizações colocadas nos termos de uma “fachada” encontra semelhança em O Comunismo no Brasil (1935-1945) – repressão em meio ao cataclismo mundial (1985) do historiador norteamericano e ex-secretário de Estado (1953-59) do presidente Dwight D. Eisenhower, John Foster Dulles, que traz a Revolução de 1935 contada sob o ponto de vista da repressão, sob uma perspectiva liberal. Para o autor, quando se iniciaram os levantes, os participantes teriam “pintado” como se fosse uma luta em favor da liberdade popular, e de aspirações nacionalistas da ANL (DULLES, 1985, p. 13). Quanto à influência da IC nos levantes, há duas sequências que tratam do tema. A primeira é a da conversa de Olga com Manuilski no prédio do Comintern (já analisada no capítulo anterior), na qual recebe a missão de escoltar Luiz Carlos Prestes. Pergunta ao chefe da Internacional: “Uma revolução na América Latina, camarada Manuilski?”, ao que responde “Em breve o mundo todo será comunista, camarada Olga. Tenho certeza, o mundo todo (...)”, fazendo assim referência à Revolução Mundial. A atuação de Manuilski, enquanto representante da IC, é de comando ativo e consciente, o que aproxima a versão da obra fílmica à visão de Waack, na medida em que não há qualquer mostra de atitude de simples conivência em relação ao plano, de importância secundária ou ainda de mera autorização. Pelo contrário, assim como na obra de Waack, não deixa dúvidas de que a IC tinha papel central na decisão e no comando da missão. 85 No livro de Fernando Morais, Manuilski diz a jovem alemã que “Ele [Prestes] e seus companheiros de Partido nos convenceram de que este é o momento de levar a revolução ao sopé do mundo” (MORAIS, 1985, p. 50), portanto, foi preciso convencer a IC da plausibilidade desse plano, a qual não teria tido a primeira iniciativa. O fato de Buzzar ter optado por omitir qualquer iniciativa a priori da parte de Prestes ou dos membros do partido, acaba por corroborar as teses do jornalista. A outra sequência é a da deliberação pelos levantes do Rio de Janeiro. Em reunião na casa dos Prestes, os comunistas decidem se há condições de fazer o levante no Rio de Janeiro, ao som suave de violinos indicando suspense. O ambiente é iluminado por abajures, as cortinas estão fechadas (indicando a ilegalidade), sobre a mesa de centro há louças sujas sugerindo que a reunião já se estendia. Todos são enquadrados em plano de conjunto, vê-se, dá esquerda para a direita do quadro, Miranda (em pé) ao lado de Ewert (sentado), ao centro Olga e Prestes de perfil, de costas sentados no sofá estão Vallée, Barron e Ghioldi. A câmera se movimenta fazendo um travelling, o casal é mantido ao centro e os demais agora ficam de perfil. Segue o seguinte diálogo: Prestes: Nós não podemos esperar mais. Ou trazemos a revolta ao Rio de Janeiro... ou abandonamos os companheiros de Natal! Ghioldi: Pode ser uma armadilha do presidente Vargas. Olga: Mas o povo já aderiu à revolta em Recife! Barron: Moscou quer saber a nossa decisão. [o secretário-geral possui expressão de insegurança e inexperiência] Miranda: Não estamos preparados para levar a Revolução para o Brasil inteiro. Vallée: Não estamos? Pelo o que sei você afirmou em Moscou... que seria capaz de organizar greves e manifestações. Ewert: O relatório falava até que o Partido Comunista... estava infiltrado nos quartéis... Prestes: E está! Há várias guarnições militares dispostas à insurreição! Ewert: Você tem certeza que o exército apoiará a Revolução? Prestes: Há vários oficiais que foram meus companheiros e que ainda me apóiam. Ewert: Se o povo não aderir à revolta, será impossível a vitória. Miranda: O Partido convocará uma greve geral. Olga: Se não agirmos, o Governo com certeza começará uma forte repressão. Acabará com o movimento em Natal e começará a prender todos os militantes mais ativos no país. Levaremos anos para recuperar um momento como esse, ou talvez nunca mais. Ghioldi: Olga, eu voto contra! Tudo isso só existe no papel! Ewert: Ghioldi pode ter razão. Talvez devêssemos esperar. [Prestes em primeiro plano exaltado, fala em tom inflamado, com os olhos brilhando] Prestes: Esperar? Nós nunca estivemos tão próximos da Revolução. Vamos mudar esse país, mudar a história! Quando a revolta começar, até a Marinha de Guerra nos apoiará. 86 Vallée: O que você está afirmando? Prestes: Eu tenho os meus informantes. A Marinha de Guerra tomará o poder ao nosso lado! O filme, em linhas gerais, segue a descrição da obra de Morais da deliberação pelos levantes do Rio, contudo, há algumas mudanças relevantes que demonstram diálogo com as obras historiográficas sobre o assunto. No livro, participaram da reunião somente o casal, Miranda, Ghioldi e Ewert. Olga não teria opinado em nada, o Cavaleiro da Esperança teria sido o único a defender a insurreição carioca em apoio aos levantes do Nordeste. Assim como no filme, Ghioldi e Ewert teriam ficado relutantes, enquanto Miranda seria de fato esse indivíduo inseguro e volúvel, que inicialmente resiste em aprovar os levantes, mas logo muda de opinião, deixando-se convencer pelo ânimo de Prestes, afirmando com segurança que convocaria a greve geral. Da mesma maneira, para Morais, a informação do apoio da Marinha de Guerra teria sido crucial para a vitória da opção pelos levantes. Sobre as mudanças e acréscimos de Rita Buzzar, a fala de Ghioldi, que diz “Pode ser uma armadilha do presidente Vargas”, ausente no livro de Morais, parece ter sido retirada da obra de Waack, apesar de seu uso ter sido deslocado. Este autor afirma que Prestes teria sido avisado dos acontecimentos do Nordeste, por telegrama, na noite do dia 24 de Novembro, e então complementa: “É possível que tivesse recebido até mesmo algumas horas mais cedo informações do que ocorria desde a véspera, mas tenha acreditado tratar-se de uma provocação do governo” (WAACK, 1993, p. 217), ou seja, teria havido uma hesitação antes de tomar alguma decisão, por conta dessa dúvida. O uso deslocado dessa frase pela roteirista no contexto da deliberação acaba fazendo parecer que se apostou conscientemente em uma revolução, que já desconfiavam estar fracassada, concepção que vai ao encontro de outra tese de Waack, que garante que os chefes da insurreição já possuíam informações suficientes para saber que provavelmente seus esforços malograriam, visto que estavam cientes de que o governo já tinha conhecimento de seus planos, que sabiam que a possibilidade de haver greves na cidade estava minada, que o sistema de comunicações com os militares era falho, além da derrota dos levantes do Nordeste, mas que mesmo assim insistiram em deflagrar os levantes do Rio72. Destaca-se que entre os três autores, essa opinião diverge das demais, 72 “À meia-noite de terça-feira, faltando três horas para a insurreição, o levante estava praticamente derrotado. O adversário sabia dos planos, intenções e movimentos dos conspiradores e já tomara todas as precauções, colocando em alerta as unidades militares visadas pelos conspiradores e efetuando a prisão de 87 que conquanto possam dizer que o levante já estava solapado antes de começar, não afirmam que os militantes tivessem plena consciência disso. A criação da fala de Barron que afirma “Moscou quer saber a nossa decisão” demonstra, no debate sobre a influência da IC, um alinhamento à posição de Waack, no que toca às decisões sobre as insurreições, já que é o único autor a apresentar documentos que evidenciam a comunicação dos comunistas com o Comintern, às vésperas de 27 de Novembro, dialogando sobre o melhor momento para dar início aos levantes. A primeira fala de Miranda na sequência é “Não estamos preparados para levar a Revolução para o Brasil inteiro”, todavia, na obra de Morais, a discussão girava em torno dos levantes no Rio de Janeiro. A idéia de Revolução em todo o país parece ter sido também apropriada de William Waack, que afirma que Prestes, imaginando que o governo Vargas estava vulnerável, pensou ser possível esmagá-lo e levar a insurreição para todo o Brasil (WAACK, 1993, p. 161). À afirmação de Miranda, Vallée retruca “Não estamos? Pelo o que sei você afirmou, em Moscou, que seria capaz de organizar greves e manifestações”, ao que complementa Ewert, “O relatório falava até que o Partido Comunista estava infiltrado nos quartéis”. As referências às afirmativas exageradas de Miranda em Moscou, e aos relatórios, não constam em Morais. O filme dialoga, sobretudo, com a obra de Paulo Sérgio Pinheiro, na qual, como vimos, constrói a tese de que a Revolução teria se fundamentado em premissas equivocadas, geradas inclusive pelos próprios militantes brasileiros que, tomados por sonhos e euforia, fizeram constatações exageradas por aparentemente enxergar unicamente o que desejavam ver. A afirmação de Ewert sobre a importância da participação do povo, conquanto não tenha sido apresentada por Morais na descrição dessa ocasião, levanta o jargão comunista largamente examinado nas obras historiográficas73 sobre os levantes de 1935, de que nenhuma revolução se faz sem a participação popular. A argumentação de Olga, ativistas sindicais e alguns dos correios de Prestes. Pelo menos no centro da cidade, a direção do PCB sabia que não haveira greves de apoio, e que as brigadas civis não tinham condições de atuar conforme planejado. O episódio do Forte do Pico, que ainda não havia sido avisado, mostrava já antes do início do levante que o sistema de comunicação montado por Prestes no ‘seu’ setor, o militar, não estava funcionando. Quanto aos levantes do Nordeste, na tarde do dia 26 também já se sabia que tinham sido derrotados pelo governo. Note-se que essa massa de informações e indícios estava à disposição dos chefes da insurreição antes do início do levante. Prosseguir nos planos nessas condições não era heroísmo. Era burrice.” (WAACK, 1993, p. 228). 73 PINHEIRO (1991); VIANNA (1991); WAACK (1993); PRESTES (1998). 88 “Se não agirmos, o governo com certeza começará uma forte repressão. Acabará com o movimento em Natal e começará a prender todos os militantes mais ativos no país (...)”, se origina das reflexões de Waack, o qual afirma que “Diante dos acontecimentos no Nordeste e da quase certeza de que o governo aproveitaria o clima de tensão para destruir a organização montada também no Rio” todos concordavam na necessidade de agir (WAACK, 1993, p. 218). O fato de a obra fílmica ampliar a discussão para todos os enviados em contraste com Prestes sendo o único a defender fervorosamente a insurreição – Olga vota a favor, mas sua responsabilidade é secundária em relação ao marido – faz parecer que tanto o levante quanto as repressões subsequentes ocorreram devido a um devaneio apaixonado do Cavaleiro da Esperança, mesmo que na própria reunião já houvesse opiniões que apontavam para estes resultados. Novamente faz-se uso das idéias de Waack que, sobre o momento da deliberação afirma que “(...) a possibilidade de uma vitória era algo em que só mesmo ele [Prestes], naquela noite, talvez acreditasse” (WAACK, 1993, p. 219). A representação de Miranda como esse indivíduo volúvel, de idéias incertas, que ora diz estar tudo sob o seu controle (como o faz durante o primeiro encontro dos comunistas no Brasil), ora afirma que não estavam prontos para fazer a Revolução, e novamente oscila dizendo que convocaria a greve geral, como um dos maiores culpados pelas informações exageradas fornecidas a Moscou sobre a situação da mobilização no Brasil, encontra correspondência nas obras de Paulo Sérgio Pinheiro e de Marly Vianna e na tradição historiográfica de esquerda de um modo geral, que lhe coloca como um dos maiores responsáveis por interpretar “as lutas que ocorriam no país a partir de seu desejo do que elas fossem” (VIANNA, 2007, p. 74), de modo que “baseava-se não só nas lutas organizadas pelos comunistas mas também nas atividades espontâneas que irrompiam e que os comunistas não estavam ainda liderando” (PINHEIRO, 1991, p. 277). De acordo com Luiz Carlos Prestes, “Era um homem carregado de exagero subjetivista pequeno-burguês, buscando transformar seus desejos em realidade”74. Adiante na narrativa, temos então a sequência da notícia do fracasso. Na casa dos Prestes, Olga lê uma carta, caminha até o marido, o restante do grupo se aproxima. Avisar que a revolta foi derrotada, Ewert pegunta das demais guarnições, a jovem diz que nenhuma se levantou, que Vargas mantinha sob controle o Exército, a Marinha e a 74 Entrevista a Elisabeth Carvalho para a revista Afinal de 26/11/1985 (RODRIGUES, Sérgio. Elza, a Garota: a história da jovem que o partido matou. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009). 89 Aeronáutica. Vallée pergunta sobre o povo e a greve geral, ao que Ewert responde encarando Prestes, “A greve imaginada por nós, nunca conseguiu paralisar ninguém. Nem uma simples fábrica. Nem uma passeata” – fala anacrônica que reitera a tese de Pinheiro de que se investiu em estratégias da ilusão. Há um primeiro plano de Prestes decepcionado; de modo exaltado, começa a se perguntar sobre os apoios, sobre as promessas; em seguida há um close-up em Olga que lhe observa com piedade. O grupo se retira, ela se aproxima do esposo e pega em sua mão. Ele diz “Nos preparamos tanto, pra isso?”, coloca as mãos sobre a mesa, arrasado. Essa maneira ingênua como o personagem do Cavaleiro da Esperança recebe a notícia do malogro da insurreição, lhe faz parecer inocente, inexperiente, como se a derrota não fosse um cenário a ser considerado. Reforça a imagem de líder apaixonado pela idéia de Revolução, sonhador insensato, bem como de único responsável pela atitude imprudente. Esta forma de representar o revolucionário de esquerda condiz com a visão liberal que costuma lhes apresentar ou como “jovens rebeldes” ou como “vilões”75, visão que aparece, por exemplo, em O que é isso, companheiro? (1997) de Bruno Barreto, no qual se constrói o personagem do guerrilheiro Jonas, operário comunista, como o “representante da canalha manipuladora, o verdadeiro vilão do filme”76, em contraste com os jovens inocentes que, apesar de terem pego em armas, são desculpados por conta de sua juventude irrefletida, cujo “voluntarismo geralmente leva ao erro”77. A forma como o episódio da Revolução de 1935 é tratado pelo filme, no caso da deliberação sobre os levantes do Rio, como uma decisão tomada, mesmo já havendo a clara desconfiança de que seus esforços poderiam malograr, e para tal, como vimos, recorrendo ao ponto de vista liberal de William Waack, constrói uma memória dos comunistas como um grupo político marcado pela insensatez – além de transformar o erro de avaliação política em puro utopismo vazio e insensato. Recorre, portanto, ao mesmo imaginário anticomunista que atribuiu às insurreições de 1935 a nomeação de “Intentona”, que consoante Rodrigo Patto Sá Motta, “significa intento louco, motim insensato”78, termo que embora não tenha sido criado exclusivamente para a ocasião, 75 Visão que se resume na famosa frase de Winston Churchill: “Não ser comunista aos 20 anos é não ter coração. Sê-lo aos 30 é não ter cérebro”. 76 FERNANDES, Fernando Seliprandy Fernandes. Ficção e documentário, memória e história: representações da luta armada nos filmes “O que é isso companheiro?” e “Hércules 56”. Relatório de qualificação de mestrado sob a orientação de Marcos Napolitano, Agosto de 2010. p. 77. 77 Idem. 78 MOTTA, op. cit., p. 76. 90 visto que já fazia parte do vocabulário político brasileiro, “na memória e na historiografia oficiais, a única intentona que permaneceu foi a comunista”79. A visão liberal predomina também na representação da mídia, referenciada na sequência em que Vargas e Filinto Müller conversam sobre as investigações. A sequência se inicia com uma forte batida de Getúlio Vargas do fone no gancho do telefone. Em seu gabinete, grita com o chefe de polícia, com um charuto nos dedos, dizendo que quer os líderes e Prestes na cadeia. Afirma que o estado de sítio vai continuar até que as investigações cheguem ao fim. Para caracterizar a vilania, tem início uma alternância de primeiros planos, nos quais só vemos os rostos, em volta fica tudo escuro, criando uma atmosfera de obscuridade. Pergunta então dos policiais alemães, Filinto Müller diz que estão colaborando como podem, embora seja difícil trabalhar “na surdina”, ao que o presidente responde “Mas é melhor que continuem na sombra. Não quero jornalistas bisbilhotando”. Müller conta ainda que foram encontrados indícios de envolvimento de estrangeiros enviados de Moscou na Revolução. A referência à imprensa aqui encontrada difere do livro de Morais, no qual revela que na época os jornais brasileiros tinham se transformado em porta-vozes oficiais do noticiário oficial, tratando sem distinções anticomunismo e antissemitismo, alimentando o ódio da população contra os estrangeiros em geral (MORAIS, 1985, p. 165). Assim, a imprensa é tratada no filme como inimiga em potencial do governo, como se fosse constituída por forças imparciais, naturalmente a favor da democracia. A ingenuidade e culpa do Cavaleiro da Esperança surgem novamente quando, já no esconderijo do Méier, discute com Olga sobre os desencontros da malograda Revolução. Olga argumenta que o que não aconteceu também faz parte da história, podendo ajudar o mundo de alguma forma; ao que o marido responde “Às custas de tantas prisões, de tantas mortes? Eu fui o responsável político do levante. A culpa foi minha. Eu tinha certeza de que o Exército apoiaria a revolução”, faz menção nostálgica aos tempos da Coluna ao que a esposa interfere afirmando “Desde a Revolução Russa aprendemos a pensar que o impossível é possível. Por que iríamos duvidar que a força da nossa convicção pudesse mudar esse país? Lutamos pra isso. Estamos dispostos a dar nossas vidas pela revolução.”. Nos momentos em que Prestes se exalta, temos alternâncias de close-ups em Olga e planos médios ou americanos do esposo andando de um lado para o outro, contrastes de enquadramentos que apontam para o 79 Ibid., p. 77. 91 distanciamento das idéias. Levando em conta que nem este diálogo, nem esta autocondenação constam no livro de Morais, fica finalmente explícito que o filme culpabiliza unicamente o personagem histórico de Prestes pelo levante e sua subsequente derrota, desconsiderando toda a questão partidária e conjuntura política. Já a fala de Olga verbaliza a construção da imagem dos comunistas pela obra fílmica de que eram todos jovens apaixonados pela idéia de revolução, engajados em um plano praticamente suicida, já que tinham como embasamento somente a força de suas convicções. A referência da Revolução Russa como intenso farol luminoso para as suas ações, faz parecer que lhes ofuscava a visualização das conjunturas políticas particulares, enxergando unicamente a possibilidade de vitória, sem fazer avaliações concretas. Na prisão, reitera-se novamente a culpa de Prestes, em contraste com o sofrimento de Ewert. A sequência se inicia com rufadas de tambores, que desencadeiam uma trilha sonora de tensão, enquanto Herr Fisher tortura Ewert por afogamento em um tonel de água, com as duas mãos presas para o alto e o rosto todo ensanguentado. Filinto Müller observa a tortura calmamente na profundidade de campo. Há uma montagem paralela de Prestes em sua solitária, ouvindo as perguntas do policial da Gestapo, o que lhe faz andar de um lado para outro impacientemente. O chefe de polícia é filmado em ângulo inferior, de modo que a iluminação se concentra somente em sua testa e seu nariz, sem que possamos ver seus olhos, reforçando a obscuridade do personagem. Ouvimos a portinhola da porta da solitária se abrir, há um primeiro plano da boca do chefe de polícia com um cigarro aceso nos lábios. Em uma alternância de primeiros planos (enquadrados através da portinhola), os velhos inimigos trocam farpas, Prestes pergunta exaltado por que torturam Ewert, se foi ele o responsável pelo levante. Irônico, Filinto Müller lhe comunica que o embaixador da Alemanha já forneceu a ficha de sua mulher, que estão pensando em deportá-la. A montagem paralela entre o Cavaleiro da Esperança em sua solitária e a tortura de seu companheiro alemão enfatiza as consequências de sua decisão irresponsável e insensata. Cabe destacar ainda que, ao contrário do que mostra o filme, no livro de Morais, Filinto Müller jamais vai à cela de Prestes ou mesmo presencia as torturas; naquele momento preocupava-se em coligir provas do assassinato de Elza para aumentar o tempo de prisão de Prestes, o líder comunista. A escolha por colocar o chefe de polícia indo ao seu encontro demonstra a opção da produção cinematográfica por reduzir à conjuntura política às questões de cunho subjetivo, despolitizando os personagens de maneira geral. 92 O filme conquanto construa a memória de Prestes como o culpado pela derrota dos levantes, não o faz lhe representando como um indivíduo simplesmente incompetente, como William Waack o faz em larga medida em seu livro. A culpa lhe é atribuída, todavia não lhe é tirada a dignidade. Durante o longa-metragem temos a construção de um personagem calmo, gentil, amoroso, sutil e, sobretudo apaixonado. O fato de ser retratado como esse homem tão gentil e apaixonado, faz com que sua atuação política também seja vista na chave da paixão, o que pressupõe muitos sonhos, imediatismo e pouca racionalidade. Quando argumenta durante a reunião sobre o desencadeamento das insurreições, seus olhos brilham, fica exaltado ao falar “Vamos mudar esse país, mudar a história!”, logo é esse homem ingênuo, sonhador e apaixonado pela idéia de mudar a realidade nacional, de mudar o mundo. Assim, embora seja culpado pelo fracasso da Revolução, teria tido as melhores intenções possíveis, constituindo-se em um herói, não obstante esvaziado politicamente. A respeito desse tipo de construção de memória de Prestes, Anita Leocádia Prestes, em Luiz Carlos Prestes e a Aliança Nacional Libertadora (2008), afirma que seria a nova imagem do Cavaleiro da Esperança criada pelos “intelectuais orgânicos”, para descaracterizar sua figura sem recorrer ao ataque direto. Conforme a autora, essa imagem de Prestes como um homem “puro e ingênuo”, honesto, um bom pai de família, mas ao mesmo tempo um militar rígido incapaz de compreender as matizes da política, alguém cuja vida política não teria passado de uma lamentável sucessão de erros e fracassos, seria uma visão “domesticada” ou “pasteurizada” do líder comunista, a qual incitaria mais a compaixão do que a admiração. Anita Leocádia afirma que a partir da construção dessa “caricatura”, seus idealizadores encontram facilmente a justificativa para explicar os acontecimentos de Novembro de 1935, afinal, se Prestes revelou-se um “puro e ingênuo” militante desavisado do comunismo internacional, incompetente do ponto de vista político e desastrado enquanto dirigente, torna-se facilmente compreensível que tenha caído nas malhas de Moscou e fosse habilmente utilizado como agente a serviço de seus desígnios. (PRESTES, 2008, p. 18). Portanto, Rita Buzzar e Jayme Monjardim constroem essa memória “pasteurizada” do Cavaleiro da Esperança, o qual cumpre a função no melodrama de ser o par romântico de Olga e concomitantemente o líder dos levantes; para tal apresenta-se um homem doce, impulsivo e apaixonado, que no fundo, só pode ser transformado em herói na narrativa à medida que é feita a sua despolitização, juntamente com a dos 93 demais personagens. Essa despolitização generalizada do contexto histórico, bem como dos indivíduos envolvidos nos episódios históricos retratados contribui para o didatismo da obra fílmica, que por sua vez permite a construção de uma interpretação maniqueísta da História. III. Considerações finais Durante a realização desta pesquisa, buscamos fazer análises detalhadas das sequências, evidenciando como a cenografia e a linguagem cinematográfica se integram à construção das idéias contidas no roteiro. A predominância dos enquadramentos fechados, embora sirvam como solução à dificuldade de reconstruir grandes cenários históricos no Brasil – visto que a produção foi realizada inteiramente no país –, devido à parca preservação de lugares que foram palco de acontecimentos históricos (como os edifícios do 3° Regimento de Infantaria na Praia Vermelha do Rio de Janeiro), é utilizada principalmente para destacar o aspecto central do filme: a subjetividade do indivíduo – em detrimento da contextualização político-histórica. Os close-ups mais extremos são utilizados nas sequências de amor entre o casal Prestes, ou ainda para evidenciar os pontos de inflexão de pensamento e comportamento de Olga, as chamadas viradas melodramáticas – quando começa a deixar as crenças revolucionárias após descobrir o amor pleno pelo marido, pela maternidade, bem como após a morte de Sabo que põe fim ao seu engajamento político. O personagem histórico da jovem alemã é retratado pela biografia de Fernando Morais como multifacetado, alguém que iniciou sua militância aos 15 anos na Juventude Comunista e desde então construiu sua vida pessoal de maneira coerente e complementar à sua atuação política. Na obra fílmica de Monjardim e Rita Buzzar, é apresentada de início como uma adolescente que carrega em seu idealismo um aspecto de rebeldia juvenil contra o status social de seus pais, porém incerta ainda do que deseja ser, confusa na administração de seus sentimentos pessoais conjugados ao paradigma da militância política. Através dos questionamentos e dificuldade do personagem em articular seus sentimentos pessoais ao engajamento político, o filme caminha no sentido de afirmar esta oposição, como se para o ativista político exercer bem sua função, necessitasse se pretender emocionalmente estéril. O que obviamente, sendo o sentimento do amor um valor universal, trabalha na maré contrária do engajamento político enquanto conduta exemplar. 94 O fator impulsionador das atitudes de Olga é a paixão, tanto em sua militância política quanto em seu relacionamento com Prestes. O fato de ser movida pela paixão, já denota certa irracionalidade na adesão à luta comunista, como se fosse uma questão mais instintiva, própria à rebeldia adolescente ingênua que sonha em mudar o mundo, mesmo sem saber direito o que deseja. A sequência em que Olga conversa com seu pai é elucidativa nesse sentido, quando diz a ele que não sabe o que quer ser, mas que sabe muito bem o que não quer. O próprio Leo Benário, chocado com o discurso radical da filha, lhe diz que “os rebeldes raramente dão bons revolucionários”, atribuindo a ela a característica de rebelde, como aquele que parte para a ação sem maiores estratégias em mente. Essa adesão às idéias comunistas sob a perspectiva da ingenuidade adolescente, do sonho – que não deixa de ser um valor universal – facilita uma identificação mais imediata do espectador com a protagonista, ao mesmo tempo em que lhe atribui falta de consistência ideológica, visto que se tivesse alguma, não teria dúvidas quanto ao que gostaria de ser. A fragilidade de seus ideais se evidencia quando, correndo o risco de ser deportada, pergunta na ambulância à Maria se a amiga achava que o mundo gostaria de ser mudado, pondo em questão suas crenças revolucionárias, como se o contato com a repressão finalmente lhe fizesse emergir para a realidade, acordar do sonho. A partir do nascimento de Anita, sua dedicação é estrita à maternidade e as questões políticas já não ocupam seus pensamentos, não guiam suas ações. Depois de perder sua filha e assistir a morte de Sabo, põe fim às suas crenças revolucionárias, como se constatasse realmente que o radicalismo não lhes levou a nada. A construção de Sabo como vítima indireta do comunismo, a descrença de Olga na Revolução, bem como a colocação de sua adesão às idéias revolucionárias como parte de sua rebeldia adolescente imatura, nos leva a ouvir a única saída alternativa proposta durante o filme, pela voz da maturidade sóbria do solidário social-democrata Leo Benário, de que “A revolução, a ruptura só traz mais sofrimento... A política infelizmente é a arte do possível”. Nada mais palatável ao espectador de 2004, integrante de um regime democrático capitalista, consciente das barbáries cometidas no século XX, muitas em nome de Revoluções. Entretanto, escolhas com fins comerciais à parte não deixam de gerar determinadas memórias sobre os levantes de 1935, bem como de seus personagens históricos. A memória que se constrói dos levantes de 1935 é esclarecedora para a compreensão da visão ideológica veiculada pelo filme. Na sequência da deliberação, 95 Rita Buzzar modifica as falas contidas na obra de Fernando Morais, recorrendo a diversos trechos ou idéias contidas no livro Camaradas (1993) de William Waack para compor os diálogos, bem como de Estratégias da Ilusão: a Revolução Mundial e o Brasil (1922-1935) (1991) de Paulo Sérgio Pinheiro. Faz uso das reflexões do sociólogo o qual tem como tese que os fracassos de 1935 se deram em função de relatórios equivocados enviados a Moscou, bem como pelos relatos exagerados de militantes brasileiros que, tomados por sonho e euforia, enxergavam somente o que desejavam ver, motivo pelo qual teriam trabalhado em estratégias da ilusão. Tais reflexões são utilizadas de maneira anacrônica no roteiro, de modo que, ao apresentar os militantes como conscientes de que estavam imprimindo esforços em uma causa que provavelmente malograria, acaba por assumir a visão liberal, que garante que a liderança tinha completa ciência de todas as debilidades da mobilização, mas que mesmo assim insistiu naquele ato de “burrice”. Assim, a Revolução de 1935 representada pelo viés da insensatez, corrobora a memória oficial anticomunista dos levantes como uma “Intentona Comunista”, ou seja, um “motim insensato”. Termo adotado pela memória oficial por razões estratégicas da luta anticomunista, que tinha como fim desqualificar a tentativa revolucionária de 1935, conforme Rodrigo Patto Sá Motta. Entretanto, conquanto se desqualifique os episódios de Novembro de 1935, os comunistas são perdoados e transformados em heróis ou mártires. Perdão que só é concedido através de sua despolitização, da interpretação de suas atitudes na chave da paixão, do retrato do radicalismo político como sinônimo de juventude irrefletida. O que não significa que lhes aprove enquanto organização política, como fica claro na evocação do imaginário anticomunista para retratar o assassinato de Elza, por exemplo. Por outro lado, coerentemente, a mesma visão liberal identificada na representação dos levantes condena Getúlio Vargas, lhe retratando como um homem frio, autoritário, ambicioso e calculista. Na introdução do argumento original de Rita Buzzar demonstra a preocupação em justificar a razão de filmar a vida de Olga Benário, pois segundo algumas opiniões que ouviu enquanto adaptava cinematograficamente Olga de Fernando Morais, “o tempo de Olga, seus ideais e todos seus sonhos (...) comprovadamente tinham sido derrotados, após a Perestróika e a queda do Muro de Berlim”80. Tal preocupação se 80 BUZZAR, op. cit., p. 17. 96 manteve na versão que ganhou as telas, de forma que a trajetória da protagonista é construída no sentido de progressivamente ir deixando de lado seus ímpetos revolucionários ao passo que enfrenta a repressão e chega à vida adulta. O que se expressa nas últimas linhas da introdução do argumento: “Uma espécie de guerreira bolchevique de ferro que se transformou em mulher no Brasil. Aquela agente perfeita e destemida que conheceu o medo aqui. A militante coberta de razões que descobriu como poderiam ser amargos os chamados ‘erros históricos’. Por mais que críticas e senões possam sempre colocar em questão a pertinência de lembrar novamente Olga, essa heroína um tanto oficial do governo comunista alemão, haverá sempre uma palavra em sua defesa: seus próprios sentimentos e dúvidas, compilados nas cartas que tentou enviar a seu marido e sua filha.” (BUZZAR, op. cit., p. 18) Portanto, só faria sentido filmar a vida de Olga se fosse possível sepultar seus ideais comunistas, enfatizando somente sua força, dignidade, seu ímpeto de luta pela sobrevivência e seu amor pela família. Assim, a dignidade e a impavidez com que caminha para a morte na última sequência do filme, se dão mais por ser esta mulher corajosa e excepcional do que pelas idéias comunistas que um dia lhes fizeram tanto sentido. Ao passo que o comunismo é dado como ultrapassado, a memória de Olga Benário passa a carregar então somente o espectro dos valores universais, como a bravura, a força e o amor, tão importantes para a identificação e aprovação de seus espectadores. Nesse sentido, críticas estéticas à parte, o filme é um documento histórico significativo de um mundo pós-utopias, que melodramatiza o real a partir de valores e atributos individuais e individualistas. Por fim, buscamos compreender durante essa pesquisa como se desenvolveu o processo de conformação da história de Olga Benário e da Revolução de 1935 ao maniqueísmo do melodrama na obra fílmica de Jayme Monjardim e Rita Buzzar, procurando examinar as adaptações dos personagens históricos aos protótipos do gênero, entender a reconstrução dos episódios históricos com base na dicotomia entre o Bem e o Mal, bem como refletir sobre os motivos dessas escolhas. Partindo da premissa de que os filmes de tema histórico atuam enquanto discurso da memória, buscamos analisar de que forma Olga (2004), por meio da representação naturalista, do melodrama e das “instruções documentarizantes” contidas no filme, transformou as opções feitas pelo diretor e pela roteirista em uma forma de memória histórica sobre a vida da militante comunista e dos acontecimentos de Novembro de 1935. 97 Ressaltamos ainda a necessidade de aprimorar esses estudos, tendo em vista o exame da dramaturgia televisiva utilizada no primeiro longa-metragem de Monjardim, de modo a apreendê-lo como parte de um processo, que tem origem na apropriação do melodrama cinematográfico pela televisão, a qual lhe adapta e recicla, criando uma dramaturgia própria que, por sua vez, é posteriormente devolvida ao cinema, com todas as marcas daquela reciclagem, gerando um estranhamento entre a dramaturgia e o veículo de exibição – o cinema veicula um filme com uma dramaturgia televisiva. 98 Sequência Descrição Materiais retirados de documentos Trilha sonora Comentários 99 01 - Abertura (0:01:17) Olga aos 12 anos brincando na neve, pula fogueira. Olga no campo de concentração no dia anterior a sua morte, olha uma das presas bordando maçãs e tem um flashback. - carro antigo - caminhão antigo entrando no campo de concentração - fachada “o trabalho enaltece o homem” em alemão, reprodução. - placa da cancela - lápis pequeno (indicando raridade desse tipo de material) - última carta sendo escrita a Prestes e Anita - foto da atriz que faz Anita Música-tema: som melancólico de violinos agudos 02 – Assalto a prisão de Moabit (0:04:19) Episódio da prisão de Moabit (11/04/1928): libertando Otto Braun. - trajes no tribunal Som dinâmico de violinos agudos 03 – No trem, a caminho de Moscou (0:06:28) Indo pra Rússia. Flashback: Olga deixa a casa dos pais em Munique, mudando-se para Berlim Flashback: manifestação de rua na Alemanha, por volta dos 15 anos. - passaporte falso Otto e Olga 04 – Manifestação de rua (0:07:58) - passeata: uniformes tropas nazistas em 33; trajes comunistas; faixa do protesto; barracas de - inicia com ponto de vista de uma janela quadriculada (janela do passado) - Olga: Sobretudo vermelho - demonstração de coragem? Paixão pelo perigo? Voluntariosidade? - fecha sequência, ponto de vista de fora pra dentro de janela quadriculada igual (janela do passado), Olga adulta olhando pra fora. Como se olhasse pela janela, visse a neve e revisse suas lembranças da infância do lado de fora. Trilha de tensão 100 frutas 05 – Deixa a casa dos pais (0:08:57) Volta para casa e avisa os pais de sua partida 06 – Discurso em Moscou (0:14:02) Olga relata o episódio da prisão de Moabit em reunião da Juventude Comunista Internacional em Moscou. 07 – Treinamento militar (0:17:29) Treinamento militar. Nova missão: fará a segurança de Luís Carlos Prestes em retorno ao Brasil para fazer a revolução. - pobres falando em alemão; foto preto e branco de Eliane Giardini; jóias, vitrola; - 3 cartazes comunistas (na parede, no armário, do lado esquerdo do armário) - foto preto e branco de atores simulando família de Olga - quadro dentro do armário (Lênin?) - panfleto comunista - bandeira Vermelha - bandeira da URSS - faixas Música-tema: som melancólico de violinos agudos – ao se despedir do pai. - uniformes soviéticos Melodia da Internacional Comunista cantada por vozes coral em ritmo de marcha militar. Música: a Internacional Comunista cantada em russo. 101 08 – Ouve falar da Coluna Prestes (0:18:05) 09 – Recebe mensagem de Manuilski (0:18:50) 10 – Nova missão: escolta de Luiz Carlos Prestes (0:19:20) 11 – Prestes se despede da família (0:21:04) 12 – A caminho do cruzeiro (0:23:17) No refeitório, ouve revolucionários falarem sobre a Coluna Prestes, fica maravilhada. Na recepção do Hotel Desna, recebe mensagem do secretário geral da Internacional Comunista No edifício do Comintern recebe uma nova missão. - uniformes soviéticos Instrumental da Internacional Comunista. - placa com nome do hotel Idem. - bustos de Lênin e Stalin; bandeira vermelha; estatueta à mesa - carro antigo Instrumental da Internacional Comunista enquanto conversa com Manuilski. Música-tema durante a troca de olhares com Prestes. Som suave de violinos agudos. Em um hotel, Prestes se despede de D. Leocádia e Lígia. Dentro do carro, a caminho do navio 13 – França, 1934 (0:24:01) Embarcam no transatlântico 14 – Baile no navio (0:25:38) Olga e Prestes agora são o rico casal Vilar em lua-de-mel. 15 – Ano Novo (0:27:22) O Ano Novo no navio, beijamse pela primeira vez, por sugestão de Herr Fisher. transatlântico - bóias do navio (United Kingdom Lines) - foto 3x4 Fernanda Coral lírico canta a melodia da Internacional Comunista. Idem. Fox trote: When I get old e música-tema tocada por músico no salão. Ao explodirem os fogos, som romântico de violinos agudos. Após o beijo, canto 102 Montenegro melancólico de voz lírica. 16 – Leitura No quarto, lêem - livro (poesia Canto de versos de versos de de melancólico de Maiakovski Maiakovski. Maiakovski) voz lírica; (0:31:49) Prestes admite quando Olga que quis beijácobre Prestes la, lhe deixando dormindo: som lisonjeada ainda romântico de que não admita. violinos agudos. 17 – Café da Em um salão Som romântico manhã com o cheio de mesas de violinos capitão e Herr e pessoas, o agudos; música Fisher casal conversa tocada pelo trio (0:35:34) com o capitão de cordas do navio e Herr pertencente à Fisher. diegese; pouco antes de Herr Fisher se retirar, som de violinos graves indicando suspense. 18 – A A primeira Som romântico primeira noite noite de amor de violinos de amor de de Olga e agudos. Olga e Prestes Prestes. (0:38:39) 19 – Olga Olga chora no Idem. chora ao campo de relembrar concentração ao (0:42:47) relembrar do episódio. 20 – Conversam - hidroavião Música: Sobrevoam o sobre os demais - mapa mundi “Chegada ao litoral enviados, Olga em inglês Brasil”. brasileiro fica (0:43:05) maravilhada com a paisagem brasileira. 21 – No O casal aeroporto encontra (0:44:33) Miranda e Bangu. 22 – Sede do Filinto Müller - busto de governo conversa com Tiradentes (0:45:18) Getúlio Vargas sobre a ANL e Prestes. - encantando o espectador: “parece o paraíso” 103 23 – Encontro dos enviados de Moscou (0:46:24) 24 – Olga vai à praia (0:48:18) 25 – Olga e Sabo conversam (0:48:48) Os comunistas se encontram pela primeira vez no Brasil, se apresentam, conversam sobre os preparativos do levante. Olga estranha a presença de Elza. Olga nada no mar e encontra Prestes. O conflito entre os sentimentos pessoais e os ímpetos da militância. 26 – Olga pede seu retorno (0:49:58) Em conflito, Olga avisa Prestes que pediu para retornar a Moscou. 27 – Leitura Prestes ouve do Manifesto ansioso pelo de 05/07/1935 rádio a leitura (0:52:54) do Manifesto que escreveu. 28 – Getúlio Vargas recebe as informações sobre os levantes Governo Vargas prevê o levante: bom pretexto para a implementação da Lei de Instrumental: violinos tocam a Internacional Comunista Som romântico de violinos agudos. - panfletos, jornais - Prestes escreve uma carta - ao espectador: “o calor desse país já aqueceu também seu coração” - conflito: os dois eus de Olga, antes e depois do verdadeiro amor (comunismo versus amor) Som de violinos agudos. - Fragmento do Manifesto da Aliança Nacional Libertadora de Julho de 35. - cartas, passaportes falsos do casal Vilar. Após a última frase de Vargas, som crescente de violinos graves expressando 104 (0:53:32) 29 – Levantes de Natal (0:54:11) 30 – Quem seriam os responsáveis pelos levantes (0:54:23) 31 – Instalação de explosivos no cofre (0:54:41) 32 – Deliberação pelos levantes do Rio de Janeiro (0:55:07) 33 – Levantes do Rio de Janeiro (0:56:20) 34 – O governo tem tudo sob controle (0:56:45) 35 – Notícia: a revolta foi derrotada (0:57:05) Segurança Nacional. Estouram as rebeliões em Natal (RN). Filinto Müller e Estevam conversam sobre os possíveis responsáveis pelos levantes de Natal. Gruber instala explosivos no cofre do casal Prestes. tensão. - soldados correndo Som estridente de violinos indicando dinamismo e tensão. - retrato desfocado de Vargas na parede. - jornal O Globo: revoluções em Natal. Os comunistas deliberam pelos levantes. Contenção dos - soldados levantes do Rio. correndo, muretas e coloração parecidas com as das fotos - busto de GV à esquerda - carta de aviso do fracasso Ministro da Guerra e Müller avisam o presidente de que está tudo sob controle. Olga dá a - mapa do notícia ao grupo Brasil do fracasso da revolta. Prestes fica arrasado. Som suave de violinos agudos, sugerindo suspense. Idem. Som estridente de violinos indicando dinamismo e tensão. Som de violinos indicando suspense. Som de suspense persiste. Prossegue um som grave de violinos. 105 36 – Olga se lamenta ao recordar (0:58:40) 37 – Vargas quer os responsáveis pelos levantes presos (0:59:01) 38 – Prisão do casal Ewert (0:59:34) No campo de concentração, Olga lamenta a derrota. Vargas se irrita, quer os líderes e Prestes na cadeia. Som agudo e melancólico de violinos. O casal Ewert é preso, Olga assiste e foge. Gruber se revela traidor. 39 – Olga e Prestes guarda Prestes se todos os papéis preparam para no cofre antes mudar de de partir. esconderijo (1:00:32) Sons de sinos indicando perigo. Dentro do camburão: vozes coral. Música de suspense. 40 – Filinto Müller entrega o endereço do casal Prestes a Estevam (01:01:19) 41 – Estevam acessa os arquivos dos comunistas (01:01:35) Na sede da polícia central, Müller entrega a Estevam o endereço do casal. Estevam vai à casa dos Prestes, já vazia, com o código fornecido por Gruber, abre o cofre e acessa todos os documentos dos comunistas. 42 – Mudança Mudança para o de Méier. Olga esconderijo recebe (01:02:33) permissão para partir, mas prefere ficar. 43 – Prestes recebe Descoberta: bilhete dizendo Gruber era que o cofre não um traidor explodiu, - cartas e documentos do cofre Som crescente de suspense. Som de violinos indicando suspense até conseguir abrir o cofre. Som romântico de violinos agudos, quando diz que permanecerá no Brasil. 106 (01:03:35) 44 – Interrogatório de Elza (01:04:34) 45 – Olga e Prestes conversam sobre a derrota (01:05:00) 46 – Ghioldi delata Olga (01:05:46) descobre a traição de Gruber. Miranda e Elza foram presos. Elza delata Ghioldi no interrogatório. - foto 3x4 do ator que interpreta Ghioldi p/ Elza O casal conversa sobre a derrota. Prestes se sente culpado. Sob tortura, Ghioldi revela a Filinto Müller a existência de Olga. 47 – O Olga observa o Carnaval e a Carnaval de última noite 1936, do casal encantada. (1:06:47) Prestes lhe costura um vestido. Dançam pela sala e tem sua última noite de amor. 48 – A polícia Na sede da vai fazer polícia central buscas no Filinto Müller Méier oferece 100 (1:11:15) contos de réis a quem conseguir pegar Prestes. Elza é liberada. 49 – Decisão Prestes recebe pela morte de mais notícias, Elza diz que Elza (01:12:02) prejudicou a muitos e que “isso vai ter um fim”. 50 – Os comunistas Assassinato assassinam Elza de Elza em um sóton. Som suave e grave de violinos. - fantasias de carnaval - vestido costurado por Prestes - Mapa do Rio, ortografia “Meyer” - Prestes escreve carta Depois do nome revelado, música crescente de tensão. Marchinha de carnaval e som romântico de violinos. - enaltecendo o espectador: o encanto de Olga com o carnaval brasileiro. Música de suspense na saída da polícia e de Elza. Som grave de violinos de suspense. Música crescente de suspense 107 (01:12:54) 51 – Prisão de Captura do Prestes e Olga casal Prestes. (1:13:18) 52 – Despedida do casal (1:15:11) 53 – Olga chora relembrando da despedida (1:17:28) 54 – Olga é colocada na cela das mulheres (1:18:04) 55 – Filinto Müller vai à solitária de Prestes (1:19:43) 56 – Olga descobre que está grávida (1:21:22) 57 – Anuncio da gravidez aos jornalistas (1:22:47) - Olga lê carta (violinos agudos) Som grave e dinâmico de violinos. O casal reluta em soltarem-se um do outro, são obrigados a se despedir. Olga chora no campo de concentração relembrando da despedida. Caminha pelo barracão com uma carta do marido nas mãos, escrita em alemão. Na cela das mulheres encontra Maria, Carmen e Sabo abatida. Som romântico de violinos agudos. Ewert é torturado enquanto Prestes ouve impaciente. Filinto Müller vem pessoalmente provocar Prestes, encarcerado em solitária. Olga descobre que está grávida. Sons de sinos sugerindo tensão. Antes do interrogatório, Olga anuncia a todos sobre a sua gravidez e Idem. - prisão em formato quadrado - bilhete da gravidez Som de suspense crescente. Violinos médios indicando coragem, grandiosidade. 108 58 – Prestes recebe o bilhete (1:24:04) 59 – Campanha internacional (1:24:32) 60 – Olga chora tomando banho (1:25:04) 61 – Conversa entre as mulheres (1:25:48) 62 – Deportação confirmada (1:26:30) 63 – Filinto Müller informa Prestes sobre a deportação (1:26:54) 64 – Da prisão para o hospital (1:27:04) 65 – Ambulância (1:31:07) exige que enviem um bilhete ao marido comunicando a notícia. Prestes fica exultante com a notícia, conta a Ewert, na cela ao lado. D. Leocádia e Lígia pedem socorro à Cruz Vermelha pela libertação de Prestes e Olga. Olga chora tomando banho, com as mãos na barriga. Conversa com Maria sobre o amor pelo marido e pela maternidade, enquanto fazem crochê. Filinto Müller confirma a deportação a Estevam. Vai à solitária provocar o inimigo. Negociação da saída de Olga para o hospital. Revolta no presídio. Olga e Maria conversam dentro da ambulância, Olga questiona as idéias Som romântico de violinos agudos. - broche da cruz vermelha - broche de Caco Ciocler Coral de vozes. - fotos nas grades Idem. Som intenso de violinos expressando tensão. Som suave de coral lírico. 109 66 – Deportação de Olga (1:32:29) 67 – Prestes recebe bilhete com a notícia da deportação (1:34:47) 68 – Sabo será deportada também (1:35:05) revolucionárias. Maria é removida para outro carro. Olga é levada ao porto, descobre que será deportada para a Alemanha nazista. Prestes chora ao receber a notícia. “Sabo” Ewert é deportada junto, viajam no mesmo navio. Olga e Sabo, ao chegarem ao porto, são separadas. 70 – Prisão de Com a gravidez Barnimstrasse avançada, Olga (1:37:44) tem os cabelos cortados pelas oficias nazistas, junto a outras mulheres, para poder entrar na prisão. 71 – Na prisão de Nascimento Barminstrasse, de Anita Olga dá a luz à Leocádia Anita Leocádia. (1:38:22) 72 – Prazo A Enfermeira para ficar com Chefe avisa: a filha Olga (1:40:56) permanecerá com a filha enquanto tiver leite. 73 – D. Leocádia Campanha na prossegue com Espanha a campanha - navio La Carouña Música de tensão e medo. Coral de vozes sombrias. - bilhete pra Prestes (deportada) Música-tema: som melancólico de violinos agudos. - placa dentro do navio (Sabo encontra Olga) 69 – Chegada à Alemanha (1:36:25) Som de sinos expressando tensão e latidos de cachorros. Canto melancólico de voz contralto (melodia: música-tema). Som comovente de violinos. - retratos de Olga e Prestes 110 (1:41:58) 74 – Notícias de Olga (1:42:35) pela libertação do filho e da nora. Lígia traz notícias sobre o nascimento de Anita, fala do prazo que Olga tem para ficar com a filha. Sugere que procurem a mãe de Olga. Durante a leitura em over da carta, Olga interage com a filha na cela da prisão. 76 – Prestes Na prisão, termina a Prestes termina leitura da a leitura da carta carta em voz (1:45:28) alta. 77 – Conversa Leocádia e com Eugénie Lígia vão à casa Benário da família (1:45:50) Benário pedir ajuda à mãe de Olga. 75 – Retirada Leite seca. D. de Anita Leocádia (1:46:39) consegue a guarda da criança. (1:42:20) - recortes de jornal e retrato de Prestes (1:42:42) - carta da Cruz Vermelha - carta de Olga à D. Leocádia 75 – Olga interagindo com Anita (1:44:22) 78 – A caminho de Ravensbrück (1:53:14) Som grave de violinos sugerindo dúvida, possíveis viradas. Canto dramático de voz contralto. Idem. - retrato de Olga - bilhete para Olga (rasga) Som grave de violinos enquanto entram em conflito. Som comovente de violinos enquanto Olga chora. Voz contralto e violas, quando Leocádia finalmente pega Anita. Mudança para o campo de concentração de Ravensbrück. 111 79 – Ravensbrück (1:53:53) 80 – As presas recebem cartas (1:56:28) 81 – Carta a Prestes (1:57:55) 82 – Casa de D. Leocádia no México No furgão conhece Sarah e Hannah. As presas chegam a Ravensbrück, se alistam, recebem jatos de higienização, nuas. As presas recebem cartas no barracão. Olga recebe carta do marido. Esperançosa, Olga incentiva as presas a limparem o dormitório. No barracão, junto à Hannah e Sarah, ouvimos a voz over de Olga em carta a Prestes Leocádia e Lígia lêem carta de Olga para a - uniformes soldados nazistas; placa no campo de concentração (es wird ohne Anruf sofort scharf geschossen) “passaporte” ou carteira de identificação - uniformes das presas com símbolo na braçadeira; carta de Prestes a Olga com foto da atriz de Anita - portão do campo de concentração. Som crescente e comovente de violinos e vozes líricas. Durante a higienização, vozes coral. - carta de Prestes a Olga - foto de Anita -fachada do campo de concentração reconstituída Música-tema: som melancólico de violinos agudos. - carta de Olga a Prestes - carta Música-tema: som melancólico de 112 (1:59:27) 83 – Olga a caminho do trabalho em Ravensbrück (2:00:24) 84 Reencontro com Sabo (2:00:37) 85 – Sopa às prisioneiras (2:00:48) 86 – Falecimento de Sabo (2:01:02) 87 – Despejo do corpo (2:02:09) 88 – Tortura (2:04:24) 89 – D. Leocádia sem notícias (2:05:02) pequena Anita, no México. Enquanto Olga se encaminha ao trabalho a leitura em over de Leocádia prossegue. Em uma sala de costura, Olga reencontra Sabo, muito abatida. As presas recebem sopa no pátio externo. Sabo passa mal à noite, tem delírios e falece diante da amiga Olga. Sarah, Hannah, Olga e três outras prisioneiras são obrigadas a jogar o corpo de Sabo em uma cova cheia de corpos nus. Olga é a única que não ajuda, perplexa. Olga é torturada em uma sala, por não ter ajudado a despejar o corpo. D. Leocádia e Lígia comentam a falta de notícias da nora e a prisão de outros amigos em campos de concentração. Leocádia sente que nunca mais violinos agudos. Idem. Som grave de violinos, expressando tensão. Idem. Após o falecimento, coral de vozes. Idem. - versos de Maiakovski (os mesmos da sequência com Prestes) Idem. - notícias da guerra no rádio, em espanhol - retratos de Olga e Prestes sobre um aparador - carta de Prestes a Música mexicana no rádio; músicatema ao falar do pressentimento. 113 90 – Prestes escreve carta a Olga (2:05:17) 91 – Olga fazendo trabalho braçal em Ravensbrück (2:05:31) 92 – Descoberta do destino das presas: Bernburg (2:07:00) 93 – O que seria Bernburg (2:07:36) 94 – Seleção das presas : Olga é chamada (2:08:02) 95 – Escreve a última cara à família (2:09:05) 96 – Caminhando verá Prestes ou Olga. Em sua solitária, Prestes escreve carta à esposa. Olga Música-tema: som melancólico de violinos agudos. Idem. Olga trabalha enquanto a voz over do marido lê a carta. Através das roupas que retornavam a Ravensbrück, sem as presas que as utilizavam, Olga descobre o destino: Bernburg. Olga e Hannah conversam com Sarah, que conta que Bernburg é uma cidade. Perguntam-se o que teria neste lugar. No pátio externo, em filas as presas esperam ser chamadas. Hannah e Olga são escolhidas entre as outras. No barracão, Olga escreve a última carta a Prestes e Anita, enquanto as outras presas choram, se despedem. Olga, junto às outras - filas de presas, mulheres soldados nas máquinas de escrever Som grave e assombroso de violinos. Música suave de suspense. - última carta de Olga à família - foto de Anita - torturas, maus-tratos de fundo Coral de vozes Idem. Música crescente de 114 para a morte (2:10:21) 97 – Olga morre na câmara de gás (2:12:02) prisioneiras caminha para o furgão, enquanto outras pessoas são agredidas. Olga morre na câmara de gás, impávida, enquanto as outras presas se debatem. violinos e coral de vozes cantando a música-tema. Leitura em over do fim da carta. Referências bibliográficas Fontes BUZZAR, Rita. Olga. In: Não olhe nos olhos do inimigo – Olga Benário e Anne Frank. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995. IYITANIR, Galip. Olga Benário – uma vida pela Revolução. Neue Visionen, 2003. MONJARDIM, Jayme. Olga, muitas paixões numa vida só. Globo Filmes, 2004. __________________. Olga – por Jayme Monjardim. São Paulo: Globo, 2004 (livro de fotografias). VIANA, Marcus. Trilha sonora do filme Olga. Belo Horizonte: Estúdio Sonhos e Sons, 2004. Olga /Revolução de 1935: DULLES, John Foster W. F. O Comunismo no Brasil, 1935-1945: repressão em meio ao cataclismo mundial. Tradução de Raul Sá Barbosa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985. MORAIS, Fernando. Olga. 17.ed. Säo Paulo: Companhia das Letras, 1994. MOTTA, Rodrigo Patto Sá. 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